2

Click here to load reader

Editorial - A ineficiência energética brasileira

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Editorial - A ineficiência energética brasileira

Revista Sustentabilidade Edição Especial

3

Gostaria de escrever sobre avanços tecnológicos, inves-

timentos em novos projetos, programas de educação

das empresas, universidades e governos para melhorar

o desempenho energético do país e a relação entre consumo e

produção de energia, qualidade de vida e meio ambiente.

No entanto, o que relatamos nas matérias desta edição – fora

algumas iniciativas pontuais – é uma série de entraves legais,

gerenciais e macroeconômicos que conjuram contra botar o

Brasil no pódio da corrida pelas novas energias renováveis e efi-

ciência energética.

O ambiente macroeconômico desencoraja qualquer investi-

mento nestas áreas. De um lado temos taxas de juros escor-

chantes de, no mínimo, 12% ao ano. Do outro, temos uma moeda

fortalecida artificialmente frente ao dólar e ao euro. Juntos, estes

fatores impossibilitam ganhos de competitividade, investimen-

tos em inovação e ameaçam fortemente nosso parque industrial,

pois, para as empresas, é mais barato importar equipamentos e

produtos do que investir.

Câmbio e juros estão intimamente ligados. Juros altos

atraem capital especulativo, principalmente quando o mundo

está em crise e não há outro lugar para investir com tamanha

rentabilidade já que nos países desenvolvidos as taxas de juros

rondam o zero. A enxurrada de dinheiro fortalece o real e força

o Banco Central a ‘enxugar’ este capital comprando direta-

mente os dólares no mercado e vendendo títulos, tirando da

economia dinheiro essencial para investir. Aumentamos nossas

reservas cambiais – hoje acima de US$ 340 bilhões –, mas im-

possibilitamos o aumento da taxa bruta de investimento – hoje

abaixo de 20% do PIB.

Juros altos também retiram a capacidade do governo de in-

vestir e planejar. Nos primeiros sete meses de 2011, o governo

federal criou um superávit primário de R$ 91 bilhões, enquanto

os investimentos ficaram em R$ 25 bilhões.

Os reflexos para a eficiência energética são óbvios: por que in-

vestir em novos equipamentos e processos e obter ganhos

econômicos na conta de luz de um dígito se a aplicação na

ciranda financeira rende no mínimo 12% anuais, sem risco? É uma

lógica perversa, apesar do alto custo da eletricidade no Brasil.

Há quem diga que temos um potencial para economizar ime-

diatamente 30% de todos os 420 terawatts-hora consumidos

editorial }

A ineficiência energética brasileira

p03-05 editorial sumario_revista 24/10/11 16:01 Page 3

Page 2: Editorial - A ineficiência energética brasileira

Revista Sustentabilidade Edição Especial

4

editorial }

anualmente no país. Mas, no Plano Decenal de Energia (PDE) e

no Plano Nacional de Eficiência Energética (PNEf) foram iden-

tificados potenciais de economia energética de 5% e 10% em

2020 e 2030, respectivamente.

É pouco. Afinal, parte do plano prevê investimentos e ino-

vação, por parte das empresas, em melhorias do desempenho

ener gético de produtos e processos, que podem não vir à luz por

conta do nefasto ambiente macroeconômico.

Do lado das energias renováveis, podemos até comemorar o

sucesso da eólica que, com preço baixo, acabou se instalando de

fato no Brasil com mais de meia dúzia de fabricantes de equipa-

mentos investindo no país após uma década de tentativas. O

sucesso vem da política de obrigar um índice mínimo de 60% de

nacionalização da tecnologia como contrapartida para o finan-

ciamento barato do BNDES. Vem também, sobretudo, da neces-

sidade das empresas eólicas estrangeiras buscarem mercados

ativos após o colapso dos mercados na Europa e EUA.

Deveríamos fazer dessa janela de oportunidade uma

política consistente e concreta, de olho nas demais renováveis

como a solar fotovoltaica, células a combustível, termossolar,

biomassa e etanol celulósico, tecnologias que já vêm sendo

viabilizadas em outros países.

Os entraves, contudo, persistem. A capacidade de geração de

conhecimento de nossas universidades é imensa, mas não con-

seguimos transformá-la em inovação efetiva. Falta criar meca -

nismos que aproximem centros de conhecimento e empresas,

para que estas invistam em inovação.

A criação deste ciclo de investimento é improvável num

cenário de escassez de dinheiro. O mundo está numa corrida

pelo controle das novas tecnologias energéticas limpas. O

Brasil, apesar de seus abundantes recursos naturais – sol, vento,

biomassa, água – custa a entrar nesta corrida. Falta foco em

políticas públicas e pragmatismo contra os entraves micro e

macroeconômicos.

Boa leitura,

Alexandre Spatuzza

Diretor de conteúdo

p03-05 editorial sumario_revista 24/10/11 16:01 Page 4