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CMF Colégio Militar de Fortaleza EDUCARE Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza ISSN: 1984-3283 Publicação Semestral Ano 5 – Nº. 8 – Out. 2013 EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 5 – Nº. 8 – Out. 2013

 · 2015-11-17 · COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA – CMF (Es M do Ceará / 1889) CASA DE EUDORO CORRÊA DIRETOR DE ENSINO Cel José Galaôr Ribeiro Jr. CHEFE DA DEC Cel Paulo de Tarso

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CMFColégio Militar de Fortaleza

EDUCARERevista Científica do Colégio Militar

de Fortaleza

ISSN: 1984-3283

Publicação Semestral

Ano 5 – Nº. 8 – Out. 2013

EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 5 – Nº. 8 – Out. 2013

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COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA – CMF (Es M do Ceará / 1889)

CASA DE EUDORO CORRÊA

DIRETOR DE ENSINO

Cel José Galaôr Ribeiro Jr.

CHEFE DA DEC

Cel Paulo de Tarso Passos da Costa

CONSELHO EDITORIAL

Cap QCO / Prof. Dr. João Carlos Rodrigues da Silva (Editor-chefe)

Profª. Ms. Anete Barbosa Fritz NevesCap QCO / Prof. Ms. Janote Pires Marques Profª. Ms. Regina Cláudia Oliveira da Silva

Profª. Ms. Renata Rovaris Diório

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA / PERMUTA

Colégio Militar de Fortaleza – Revista EducareDivisão de Ensino e Cultura (DEC) - Seção de Expediente

Av. Santos Dumont, 485 – AldeotaFortaleza – CE – CEP: 60150-160

Correio eletrônico: [email protected]ágina eletrônica: www.cmf.ensino.eb.br

Educare: Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza, Fortaleza, CE, Ano 5, n.8, 148 p., Out. 2013.

Publicação Semestral

ISSN: 1984-3283

1. Educação. 2. Ensino. 3. História. 4. Linguística. 5. Literatura I. Colégio Militar de Fortaleza. II.

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Título.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução sem autorização prévia ou escrita.

Todas as informações dos artigos são de responsabilidade dos respectivos autores.

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CONSELHO CONSULTIVO

Prof. Dr. Alcides Fernando Gussi – UFC

Profa. Dra. Ana Elisa Ferreira Ribeiro – CEFET-MG

Profa. Dra. Ana Maria Iório Dias – UFC

Profa. Dra. Antônia Dilamar Araújo – UECE

Prof. Dr. Antônio Germano Magalhães Jr. - UECE

Profa. Dra. Fernanda Nunes G. Vieira – CMF

Profa. Dra. Filomena Maria Cordeiro Moita – UEPB

Prof. Dr. Francisco Ari de Andrade – UFC

Prof. Dr. José Arimatea Barros Bezerra – UFC

Prof. Dr. Júlio César Rocha Araújo – UFC

Prof. Dr. Luís Botelho Albuquerque – UFC

Profa. Dra. Lynn Rosalina Gama Alves – UNEB

Prof. Dr. Marcelo El Khouri Buzato – UNICAMP

Profa. Dra. Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu – UERJ

Profa. Dra. Meize Regina Lucena de Lucas – UFC

Prof. Dr. Messias Holanda Dieb – UFC

Prof. Dr. Nilton Mullet Pereira – UFRGS

Prof. Dr. Samuel Edmundo Lopez Bello – UFRGS

Profa. Dra. Silvia Elisabeth de Moraes – UFC

Profa. Dra. Vera Lucia Menezes de Oliveira e Paiva – UFMG

Prof. Dr. William James Mello – INDIANA UNIVERSITY – USA

Profa. Dra. Zilda Maria Menezes Lima – UECE

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EDITORIAL

A Educare, revista científica do Colégio Militar de Fortaleza, instituição

do Sistema Colégio Militar do Brasil do Exército Brasileiro, teve sua primeira

publicacão em maio de 2009, por ocasião da comemoração dos 90 anos da

“Casa de Eudoro Corrêa”, antigo “Casarão do Outeiro”. A Educare tem

periodicidade semestral, com publicações em março e setembro.

A proposta da Revista Educare é incentivar os professores e demais

componentes da “Casa de Eudoro Corrêa” a serem, também, pesquisadores.

Nesse sentido, a Revista Educare não se limita a um tema específico e nem se

restringe a determinado campo do conhecimento. Propõe-se, portanto, uma

abordagem multidisciplinar e mesmo interdisciplinar, considerando as mais

diversas áreas, como História, História da Educação Militar, Educação Física,

Matemática, Geografia, Língua Portuguesa, Línguas Estrangeiras, Química,

Física, Artes, Formação de Professores e tantos outros assuntos relativos à

seara da Educação.

Visando contribuir para a divulgação de pesquisas ligadas à Educação e

buscando um diálogo com outras instituições de ensino, a Educare aceita

trabalhos de autores vinculados a outros estabelecimentos de Ensino Básico e

Superior, desde que esses trabalhos de alguma forma contemplem conteúdos

relacionados à área Educacional.

Conselho Editorial

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.....................................................................Prof. Dr. Antônio Luciano Pontes

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ARTIGOS.................................................................................

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1. A ONTOGÊNESE DA FACULDADE DE DIREITO DOCEARÁ Francisco Ari de Andrade

13

2. SOBRE O ADVENTO DO PRIMEIRO CURSO DEMUSEUS DO BRASILRegina Cláudia Oliveira da SilvaRui Martinho Rodrigues

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3. KANT: análise da relação entre liberdade e causalidade

Francisco Sérgio Marçal Coelho

31

4. ENSAIO SOBRE O AMBIENTE VIRTUAL DEAPRENDIZAGEM: desafios e propostasCláudia Rödel Bosaipo Sales da Silva

39

5.POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO E INCLUSÃODIGITAIS NO BRASIL E NO CEARÁ: O CASO DOPROINFO INTEGRADO

Lisimere Cordeiro do Vale Xavier

Antonio Roberto Xavier

53

6. CURRÍCULO CONTEMPORÂNEO: Construcionismo einovação pedagógica Gleyce Abreu VieiraRenata Rovaris Diorio

61

7. INCLUSÃO: um grande desafio da educação no séculoXXI Andréia Vieira de Mendonça Julio Cesar Vieira Lopes

71

8. ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DA OBESIDADE NOS NIVEISDE APTIDÃO FISICA EM ESCOLARES DO SEXTO E SÉTIMO ANOS DE UMA ESCOLA PUBLICA FEDERALRoberta Ferreira da Costa Malagutti

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Francisco Clineu Queiroz França

9. PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL E A (RE)SIGNIFI-CAÇÃO FILOSÓFICA DO CORPO: desculpabilização edisponibilidade corporal no setting Marcos Antônio Bezerra Lima

99

10. DOMÍNIO DA LÍNGUA MATERNA: da aula de Literaturaà expressão do mundoOlidnéri Bello

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11. USANDO A LINGUISTICA DE CORPUS PARACOMPARAR O VERBO TO DREAM E SEUSEQUIVALENTES SONHAR, SOÑAR, SOGNARE, SONGERE RÊVER Angela de Alencar Carvalho Araújo

125

12. ASPECTOS GERAIS DO ETHOS E A ENUNCIAÇÃO DODISCURSO Antonia Valdelice de Sousa

137

13 MARCAS DE ORALIDADE NO CORDEL O PECADOROBSTINADO AOS PÉS DA COMPADECIDA, DEKLÉVISSON VIANA

CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO E REGRAS DESUBMISSÃO..

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APRESENTAÇÃOEste número da Revista Educare reúne trabalhos relacionados à História e à Filosofia, à

Educação e a questões ligadas ao Ensino de Línguas em ambiente escolar e em ambiente tecnológico.Em seus treze artigos, escritos por professores de escolas e universidades brasileiras, encontram-seresultados de pesquisas, que objetivam traduzir em palavras simples temas atuais. De um modo geral,os artigos discutem resultados de pesquisa como formas de aplicar as teorias às práticas delinguagem em situações de ensino/aprendizagem, bem como apresentam resgate histórico deentidades educacionais importantes hoje, sempre aproximando áreas, teorias, abordagens.

Como campo fértil de discussões, muitas abordagens surgem para dar conta da dinâmicafuncional do tema em questão. Nesse ponto está, sem dúvida, a relevância da coletânea em questão,porque vem cobrir lacunas, rever conceitos, abarcar pontos importantes nem sempre suficientementeabordados por outros pesquisadores. Para tanto, os autores se fundamentam nos teóricos da Filosofia,da Pedagogia e da Lingüística, como se pode ver a seguir nos estudos dos pesquisadores, que aosseus modos trouxeram à baila trabalhos fundamentalmente relacionados à Educação.

Francisco Ari de Andrade com o estudo “A ontogênese da Faculdade de Direito do Ceará”inicia o conjunto de artigos sobre o tema explorando com minúcia a gênese da Faculdade de Direitodo Ceará, no qual demonstra a criação dessa Faculdade como a responsável pela formação jurídicados filhos do Ceará, representando assim o apogeu do sistema escolar cearense.

Os trabalhos seguem com Regina Cláudia Oliveira da Silva e de Rui Martinho Rodriguesdesenvolvendo a pesquisa intitulada “Sobre o advento do primeiro Curso de Museus do Brasil”. Parao autor, o Curso vivenciou importantes reformulações curriculares que visavam atender as impetrasque nasciam concomitantemente às mutações sucedidas no meio social. Por esse motivo, opesquisador busca compreender a série de acontecimentos que levaram à criação do Curso deMuseus.

Francisco Sérgio Marçal Coelho, por sua vez, realiza ensaio intitulado: “Kant: análise darelação entre liberdade e causalidade”. Nesse trabalho, busca demonstrar que o problema dacausalidade por liberdade pretende não somente dar sustentação aos resultados alcançados em suateoria do conhecimento, restringindo o conhecer à experiência e explicá-lo mediante leis naturaisnecessárias, quanto tentar estabelecer espaço para uma futura teoria da moralidade mediante apossibilidade da razão transcender os limites da experiência possível com seu uso puro prático.

Em ensaio “Sobre ambiente virtual de aprendizagem: desafios e propostas”, Cláudia RödelBosaipo Sales da Silva tem por objetivo apresentar o contexto do Ambiente Virtual deAprendizagem, o “AVA”. Ele permite a disponibilização do conteúdo programático do professor-tutor aos seus alunos durante a realização de um curso feito na modalidade “ensino a distância”. Aofinal, o pesquisador conclui que o “AVA”, o Moodle, por exemplo, faz uso de uma série deinterfaces: interatividade, comunicação, efeitos visuais, além disso, pode exercitar atributos da áreaafetiva.

Em “Políticas públicas de educação e inclusão digitais no Brasil e no Ceará: o caso doProinfo Integrado”, Lisimere Cordeiro do Vale Xavier e Antonio Roberto Xavier intentam debatersobre as políticas públicas de educação tecnológica no Brasil e no Ceará, destacando,especificamente, o Programa Nacional de Tecnologia Integrado. O fio condutor deste artigo pauta-sena seguinte problemática: o que são políticas de educação digital? Como fomentar essas políticas? Adiscussão empreendida gira em torno das políticas públicas educacionais e suas tecnologias a partirda Constituição Federal de 1988, no Brasil.

No texto “Currículo contemporâneo: Construcionismo e inovação pedagógica”, GleyceAbreu Vieira e Renata Rovaris Diorio objetivam refletir sobre o uso da tecnologia em sala de aulacomo ferramenta para ajudar o discente no momento da transposição didática, ou seja, durante oprocesso de mediação, a construção do conhecimento.

Andréia Vieira de Mendonça e Julio Cesar Vieira Lopes, no texto “Inclusão: um grandedesafio da educação no século XXI”, afirmam lucidamente que a sinopse histórica apresentada sobreo tema sinaliza crescimento da preocupação com os novos personagens no ambiente escolar. Osautores objetivam, então, em seu artigo, refletir sobre o processo de inclusão de alunos comdeficiência em escolas regulares. Com esse trabalho, sinalizam para a necessidade de formação

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docente específica com vistas a permitir uma relação de aprendizagem inclusiva. Além disso, traça operfil e a formação necessária do profissional que irá receber as pessoas com deficiência.

Em “Análise da influência da obesidade nos níveis de aptidão física em escolares do sexto esétimo anos de uma escola pública federal”, Roberta Ferreira da Costa Malagutti e Francisco ClineuQueiroz França apresentam uma pesquisa quantitativa que discute a influência da obesidade nosníveis de aptidão física de crianças com sobrepeso e obesidade. A conclusão a que chegaram foi a deque a obesidade tem uma forte influencia negativa sobre os níveis de aptidão física das crianças.

No texto “Psicomotricidade relacional e a (re)significação filosófica do corpo:desculpabilização e disponibilidade corporal no setting”, de Marcos Antônio Bezerra Lima, opesquisador examina as marcas deixadas pelo dualismo teológico corpo/alma e pelo dualismocartesiano corpo/mente em nossa cultura ocidental. O autor desenvolve sua pesquisa com crianças de8 a 13 anos da Rede Pública Municipal de Fortaleza, buscando (re)significar o corpo, tendo comometodologia a vivência lúdica do contato corporal, para a criança e para o adulto, a partir do jogosimbólico, possibilitando-lhe crescimento quanto aos aspectos psíquicos, afetivos eemocionais.

Em “Domínio da língua materna: da aula de literatura à expressão do mundo”, a autoraOlidnéri Bello pretende tecer algumas reflexões advindas da experiência como docente de Literatura.O objetivo principal é expor o trabalho de produção textual de dois alunos do Ensino Médio. Trata-se, portanto, de uma reflexão sobre aspectos inerentes à utilização da Língua Materna, no sentido deessa ser desenvolvida como uma prática necessária à expressão de um ser escolarizado.

Na pesquisa “Usando a linguística de corpus para comparar o verbo to dream e seusequivalentes sonhar, soñar, sognare, songer e rever”, Ângela de Alencar Carvalho Araújo objetivaanalisar comparativamente os usos do verbo to dream e seus equivalentes sonhar, em português,soñar, em espanhol, sognare, em italiano e songer e rever, em francês, buscando o suporte teórico daLingüística de Corpus (LC) e utilizando como fonte de consulta e coleta de dados sites de corporadisponíveis na internet. As considerações deste relato abrangem aspectos semânticos, sintáticos emorfológicos dos verbos em questão. Com essa análise, a pesquisa pretende contribuir para osestudos de ensino/aprendizagem de línguas com base em corpora.

No artigo “Aspectos gerais do ethos e a enunciação do discurso”, Antonia Valdelice de Sousaapresenta uma leitura acerca da noção de Ethos à luz das teorias de Maingueneau sobre ethos,habitus e discurso. A autora contribui com este trabalho para a retomada da teoria direcionada a umsujeito que sente, tem voz, corpo e caráter e que apresenta um modo de ser no mundo, como crítico,lúdico, que pode fazer rir ou refletir, ou ambos.

Finalizando o conjunto de artigos que compõem essa revista, Carlos Jorge Dantas de Oliveiraestuda as marcas de oralidade no cordel o pecador obstinado aos pés da compadecida, de KlévissonViana, procurando identificar algumas das marcas de oralidade, com o objetivo de mostrar a suaimportância dentro do discurso cordelístico que lhe confere fisionomia própria, particular, emoposição ao discurso da literatura oficial dominante.

De um modo geral, os artigos desta revista envolvem estudos sobre diversas abordagens àEducação e à Historia e tentam resolver questões relacionadas com o Ensino de Línguas. Além darelevância desta obra para a Educação, apresentam-se como um traço importante suas interfacesteóricas e aproximações com outras áreas do conhecimento. Não tenho dúvidas de que a coletâneaaqui apresentada terá ampla aceitação de quantos a lerem pela seriedade com que os autores tratam amatéria e pela novidade das análises empreendidas. Aproveite!

Prof. Dr. Antonio Luciano PontesProfessor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e do Programa de

Pós- Graduação em Linguística Aplicada (PosLA/UECE).

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ARTIGOS

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1. A ONTOGÊNESE DA FACULDADE DE DIREITO DOCEARÁ

ONTOGENESIS COLLEGE OF LAW CEARÁ

A chronica da Faculdade é, pois, uma affirmaçãotangível da sua existência, não transitória e efêmera, mas como um conjunto de partes inteligentes, dotadas de sentimentos e ideias pecualiares, progressiva e destinada a elevar o nível intelectual cearense.

Thomaz Pompeu de Souza Brasil

(Memória Histórica - 1914 e 1915)

Francisco Ari de Andrade1

Resumo. Resumo. O presente artigo apresenta uma reflexão sobre a gênese da Faculdadede Direito do Ceará. Três episódios celebrados pela crônica social da cidade de Fortalezaanunciaram os novos tempos na cultura cearense: a chegada da república, a virada para onovo século XX e a criação da Academia Jurídica. No afã de tal ambiente, a plateiaaplaudiria a criação dessa última, sentenciada a ser o ambiente acadêmico responsávelpela formação jurídica aos filhos da terra de Iracema. Aquele acontecimento celebraria oapogeu do sistema escolar cearense. O debate em torno da criação de uma instituição deensino superior no Ceará vinha se desenhando desde o último quartel do século XIX. Oprimeiro governo republicano já havia demonstrado interesse em encampar uma faculdadede Direito do Ceará. No início do século XX, finalmente aquele instituto veio se tornarrealidade na cultura escolar cearense. A academia jurídica veio a representar a força dopovo cearense em defesa de um ponto máximo da cultura cientifica, a se tornar o celeiroacadêmico de formação jurídica. De lá sairiam os integrantes da burocracia e do corpopolítico do estado. Sua aula inaugural se deu em 1º de março de 1903, com a participaçãodos representes da sociedade civil e política, no salão nobre da Assembleia Legislativa doestado do Ceará.

Palavras-chaves: faculdade – debate – política – educação – história

Abstract. This article focuses on the genesis of the Faculty of Law of the State of Ceara.Three episodes concluded by the social chronicle of Fortaleza announced the new times inCeara’s culture: the arrival of the republic, the turn of the new century and the creation ofthe Legal Academy. In the rush to such an environment, the audience applauded the

1 Professor e pesquisador da Faculdade de Educação – FACED; do Programa de Pós-Graduação em Educação –PPGE, da FACED- UFC. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4884549948869079Contato: [email protected]

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creation thereof shall be sentenced to the academic responsible for legal education to thechildren of the land of Iracema. That event celebrated the culmination of the school systemin Ceara. The debate surrounding the creation of an institution of higher learning in Cearahad been drawing since the last quarter of the nineteenth century. The first republicangovernment had already shown interest in fend for a law school of Ceara. In the earlytwentieth century finally came that institute become reality in Ceara’s school culture. Thelegal academy has come to represent the strength of the people of Ceara in defense of apeak of scientific culture, to become the granary of academic legal training. From therewould come the members of the bureaucracy and the state of the body politic. Hisinaugural lecture was given on 1 March 1903, with the participation of civil society andpolitics representatives, in the auditorium of the Legislative Assembly of the state of Ceara.

Key-words: College – debate – politics – education – history

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1. INTRODUÇÃO

Ao ser comemorado o aniversário de 110 anos de criação, o presente artigotraz uma reflexão sobre a gênese da Faculdade de Direito do Ceará, no começo doséculo XX. Três episódios celebrados pela crônica social da cidade de Fortalezaanunciaram os novos tempos na cultura cearense: a chegada da república, a viradapara o novo século XX e a criação da Academia Jurídica. No afã de tal ambiente, aplateia aplaudiria a criação dessa última, sentenciada a ser o ambiente acadêmicoresponsável pela formação jurídica dos filhos da terra de Iracema.

O acontecimento daquele instituto de ensino jurídico na cidade de Fortalezasinalizou, por um lado, a peleja, em nível da câmara alta brasileira, de algunsrepresentantes do legislativo cearense, que se valendo do amparo legal, articularano cotidiano do Congresso Nacional a tão almejada autorização para oempreendimento de uma faculdade de direito; por outro, as pegadas deixadas nastrilhas palmilhadas pelos intelectuais diletantes das letras no último quartel doséculo XIX, quando alimentavam pelas tertúlias literárias os debates de ideiasestéticas e filosóficas, na maioria das vezes pelos jornais da cidade, o sonho de sera capital merecedora de uma faculdade de direito, a aglutinar máximas eproposições que manteriam acesa a chama a alumiar o espírito intelectual dosjovens, sedentos pelo saber que a ciência jurídica.

Para a elaboração desse enredo, tomou-se por referência o discurso doSenador Accioly pronunciado por ocasião da solenidade da aula inaugural daFaculdade de Direito, a 01 de março de 1903, no salão nobre da AssembleiaLegislativa do Estado do Ceará, publicado na integra numa coletâneacomemorativa do primeiro cinquentenário, em 1953.

2. A REPÚBLICA E O ENSINO SUPERIOR NO CEARÁ

A eclosão de Faculdades de Direito pelo país, no limiar do século XX,denotava, antes de tudo, uma necessidade do próprio estado republicano emfomentar, por via da formação superior liberal, prenuncio dos novos quadrosburocráticos exigidos pelo projeto republicano.

Criavam-se, assim, a possibilidade de desenvolvimento de capital cultural ehumano para desempenhar funções de comando nas diversas atividades sociais epolíticas, do neófito Estado brasileiro.

A criação de faculdades pelos estados da federação brasileira estavareservada nas diretrizes gerais do Decreto Imperial de nº 7.247, de 19 de abril de1879 ao rezar ser “completamente livre o ensino superior em todo o Império, salvoa inspeção necessária para garantir as condições de moralidade e higiene”.

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A Constituição Republicana de 1891 não revogaria tal diretriz, veio afortalecer no seu artigo 35 que os estados podiam criar, mediante autorização efiscalização do Congresso Nacional, instituições de ensino superior livre.

Eis o suporte legal que motivou os representantes cearenses a encampar aluta pela criação da faculdade. A criação da Faculdade Livre de Direito do Cearáfoi orientada, não obstante, pelo Decreto Imperial de nº 7.247, de 19 de abril de1879, embora o debate educacional já viesse sendo acalorado nos círculosintelectuais desde a segunda metade do século XIX, em pauta nas reuniões dastertúlias literárias e filosóficas na cidade de Fortaleza.

2.1. O lançamento da pedra fundamental O lançamento da pedra fundamental da Academia de Ciências Jurídicas do

Ceará ocorreu em 21 de fevereiro de 1903, na gestão do governo Pedro AugustoBorges (1900-1904), embora estivesse na agenda política do primeiro mandato dogoverno Nogueira Accioly (1896-1900).

Na época, o então presidente do estado Accioly demonstrara interessepolítico em tornar realidade à faculdade de direito, haja vista ter enviado àAssembleia Legislativa um projeto de lei com os princípios fundamentaisnorteadores da referida instituição, anexo à Mensagem do Governo para serapreciada e aprovada pelo legislativo estadual para o exercício do ano de 1897:

Art.1º. O Presidente do Estado fica autorizado a criar nesta capitaluma Faculdade Livre de Direito, conforme o decreto número 2.226,de 1º de fevereiro de 1896.

Art.2º. A nova Faculdade se regerá de acordo com os estatutos dasfaculdades federais.Art.3º. As nomeações serão feitas pelo presidente do Estado quepoderá nomear ou contratar professores, marcando-lhes umagratificação de exercício, bem como fica autorizado a lançar mão deempregados públicos do Estado, para organização da secretaria daFaculdade.Art.4º. É aberto um crédito de cinqüenta contos de réis para asdespesas necessárias de instalação e regular funcionamento daFaculdade.Art.5º. Revogam-se as disposições anteriores. (GIRÃO, 1960, p. 27).

Pelo que trata o referido recorte, selava-se um compromisso político emtorno da criação daquela academia, espelhando-se nos estatutos das instituiçõesmantidas pelo governo federal. No entanto, observando-se o que rezava o artigo3º, do projeto acima destacado, caso fosse criada a referida academia, reservava-se ao governo estadual a nomeação dos primeiros professores para as cadeirasintegrantes do currículo do curso e, assegurar-se-ia, também, um fundo público novalor de cinqüenta contos de réis para garantia de seu funcionamento.

O fato da fundação daquela faculdade ter se dado num momento crítico dapolítica cearense, marcado pela instabilidade financeira do governo, decorrente daseca de 1900, destacando-se a epidemia de varíola que se abatera sobre apopulação pobre do estado, com forte reflexo no espaço urbano e social deFortaleza, a oposição não pouparia arremesso de calhaus ao Senador NogueiraAccioly e seus correligionários, não sendo poupado nem mesmo o presidente PedroBorges (1900-1904). Acusava a oposição ser aquele instituto obra da ambição

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política do citado senador que, supostamente, pretendia titular os filhos, o genro euma meia dúzia de amigos.

O jornal fortalezense O Unitário dirigido e editado pelo combativo jornalistaJoão Brígido, considerado a pena pesada para com seus oponentes, a prestar umbrioso serviço de oposição política ao governo situacionista, na sua edição de 25de abril de 1903, veicularia numa coluna assinada pelo médico Moura Brasil umachamada de atenção ao fortalezense em ser mais oportuna para o estado a criaçãode uma Escola de Veterinária, pois aquela estaria mais próxima de nossa vocaçãoagropastoril, do que onerar o erário com uma faculdade de direito, que nãocoadunava com nossa tradição.

No clima do debate pela imprensa local, a resposta dada pelo governo viriapor meio do jornal situacionista A República, tão somente retorquindo asacusações, mas a esclarecer à população da importância daquela instituição deensino a vislumbrar o progresso mental e moral do estado do Ceará.

Antes de entrar em outro assunto, devo encarecer-vos a necessidadeem que está o Ceará de procurar elevar o nível intelectual da capitaldo Estado com a fundação de estabelecimentos de ensino superior.Para nós seria muito para festejar a fundação de escolas deengenharia, agronomia ou institutos de profissões mecânicas eartísticas, mas infelizmente a escassez de nossos recursos nãopermite nem comporta as avultadas despesas que instalações dessanatureza acarretam. Mas não seja isso motivo de desânimo, eprocuremos fundar um estabelecimento que traga aos nossosconterrâneos pobres aspirações elevadas e ao mesmo tempo dêimportância intelectual ao meio cearense. A fundação de umaAcademia de Direito satisfaria, a meu ver, as justas aspirações damocidade e, relativamente, não exigiria grandes sacrifícios por partedo Estado. Já que não podemos fazer o mais, façam, os o menos,contanto que não estacionemos – deixando aos azares do acaso ofuturo de nossa terra. (PERBOYRE E SILVA, 1953, p.24).

Não obstante, a defesa apresentada pelo Senador Accioly acerca dafaculdade de direito, demonstrava uma profunda convicção de que aquele institutoproporcionaria a melhoraria do nível mental e material dos jovens cearenses, queviessem a passar pelas suas salas de aula.

Uma vez o pedido aprovado pelo parlamento cearense, a Faculdade Livre deDireito se tornou fato educacional. Assinada a Ata de criação a 21 de fevereiro de1903, sua identidade pedagógica seria consagrada com o pronunciamento de umlongo discurso proferido pelo Senador Accioly, nomeado pela congregação seuprimeiro diretor, na aula inaugural por ocasião da solenidade de inauguração damesma, no salão nobre da Assembleia Legislativa, às 13 horas do dia primeiro demarço de 1903.

Com significação que transcendeu a nossa espectativa, verificou-se afesta inaugural da Faculdade Livre de Direito do Ceará.

Mais do que uma simples cerimônia oficial, a instalação do nossocurso jurídico teve o caráter sobrelevante de uma brilhanteafirmação da solidariedade do sentimento social com a nobilíssima e

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alevantada idéia que de modo tão solene teve ontem ali realizaçãoprática.

Já a ½ hora da tarde o aspecto da praça José de Alencar realçavasobremaneira com a presença do batalhão de Segurança, que deu aguarda de honra, e numeroso concurso popular.

No edifício da Assembléia via-se hasteado o pavilhão nacional e nassacadas moitas de arbustos e palmeiras.

No interior a impressão recebida por todos, tal a simplicidade deadornos, foi a melhor possível.

A mesa que serve aos trabalhos da Assembléia Legislativa tinha ocentro ocupado pelo nosso chefe Dr. Nogueira Accioly, sentando-se àesquerda o exmo. Senhor Dr. Pedro Borges, ladeado pelo coronelViriato Ribeiro, secretário da Fazenda, e à direita, S. Excia. Rvmº, oSr. Bispo diocesano, ladeado pelo protonotário apostólico Rvmº.Bruno Figueiredo. Às cabeceiras viam-se o sr. Desembargador Sabinode Monte, secretário da Justiça, e o dr. Antonio Augusto deVasconcelos, secretário da Faculdade.

A presença de muitos senhores e graciosas senhoritas trajandobelíssimas toiletes dava uma nota irisada e encantadora áexcepcional assistência de cavalheiros grados que enchiam o vastosalão da câmara estadual.

Além das pessoas já citadas, compareceram deputados estaduais efederais, o corpo docente da Faculdade, do Liceu e Escola Normal, ointendente municipal, presidente do Tribunal da Relação,desembargadores, comandante e oficialidade do Corpo deSegurança, Comandante da Escola de Aprendizes, militares de terrae mar, funcionários federais e estaduais, representantes do Institutodo Ceará, da Fênix Caixeral, do comércio, imprensa e muitas outraspessoas que impossível se tornava distinguir. (id ib, p. 212).

Um frenesi de alcance coletivo sacudira a capital com aquele acontecimento.O Senador Accioly, empossado diretor, fizera as congratulações aos presentes edera início a uma longa leitura de seu discurso que contemplava uma retrospectivados momentos marcantes em que as forças políticas e intelectuais cearenses sereuniram em favor da criação daquela “Salamanca”.

2.2. O discurso do Senador Nogueira Accioly

As primeiras palavras proferidas pelo Senador Accioly iniciaram-se pelosagradecimentos aos presentes e, especialmente, àqueles que haviam seempenhado na luta para tornar concreta a criação daquela instituição, porquerepresenta para a cultura cearense o “estímulo à inteligência local”.

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Graças ao concurso de alguns ilustres e devotados cearenses, tenhohoje a satisfação de abrir as portas do curso jurídico, que sob adenominação de Faculdade Livre de Direito, está destinado a operarsalutar abalo intelectual no nosso meio social, tão carecido deestímulo que avigorem as suas faculdades mentais e subtraiam-se aomaterialismo que ameaça enredá-la nas teias cerradas de interessesegoístas.

O nobre senador enfatizou a importância daquela academia para a região,porque representava, também, uma atenção especial do governo para com ainstrução primária e, mormente, o ensino secundário. Porém, se a ênfase estavasendo dada ao ensino superior era, tão somente, porque a “criação de um institutode ensino superior era completamente lógico, gradativo da instrução iniciada naescola primária, continuada nos colégios e liceus, e integrada pela alta disciplinacientífica”. (Id., ibid.).

Ao enaltecer a educação jurídica como científica, esboçou uma reflexãosobre a educação na sociedade moderna. Chamou à atenção dos presentes parauma reflexão sobre os esforços públicos em tornar fato à organização da referidafaculdade.

Admitiu os níveis de ensino primário e secundário importantes, masatribuídos valores menores, diante da grandeza que representava uma Faculdadede Direito. Ao se reportar a instrução primária, por exemplo, o referido diretoratribuiria o comentário:

Por sua simplicidade e estreito âmbito de ação, a instrução primáriatorna-se insuficiente, pois não enriquece a inteligência de noçõesteóricas ou experimentais que lhe sirvam no manejo da existênciaordinária, nem fortalece a vontade e a consciência na prática dosdeveres, quando estes não se transmitiram por civismo ou peloexemplo doméstico.

Nas palavras do senador a instrução primária sozinha era insuficiente paraconduzir pessoas a uma mentalidade mais elevada. A escola primária situada numcontexto isolada não favoreceria ao “enriquecimento” da inteligência, porque nãoofereceria “contribuição alguma na formação do caráter humano” do ponto devista da aproximação com o mundo da ciência. Na restava dúvida que a escolaprimária aproximava as crianças da leitura e da escrita. Isso possibilitaria o acessoaos níveis maiores da educação. No entanto, se a educação primária desenvolvia,também, nas crianças os valores cívicos, essenciais à vida em sociedade, estes nãodeviam ser de responsabilidade, exclusivamente, dela. A construção dosverdadeiros valores cívicos devia ser trabalhada no âmbito de outras instituiçõessociais superiores à escola primária tais como a família e o Estado. No entanto, nãopoderia ser negada a ela a importância que detinha no sistema escolar, mas

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sempre entendida como de papel social menor na hierarquia da cultura escolar,pois “Ler, escrever, são instrumentos rudimentares, que, bem aproveitados,auxiliarão a abrir o sulco que receberá a semente produtora. Mas, quanto labor,quanto esforço a dispensar antes que ela germine, cresça, atinja a maturidade”. Detal maneira, a instrução primária era um instrumento auxiliar ao “abrir o sulco”nas mentes mais jovens para o plantio de uma semente maior. No entanto, eraimportante ir além, pois “decifrar tão somente a grafia da linguagem não importainterpretá-la ou compreender as idéias que ela encerra. A instrução primária nãovai além”.

Quanto ao ensino secundário enfatizou ser um grau mais elevado nahierarquia escolar. Porém, não representava, também, a plenitude da educação deum homem. Era, por isso, um instrumento imperfeito em relação às exigênciasnecessárias à educação plena.

A secundária é um grau mais alto, em que se há de apoiar que vive aatingir as elevadas esferas do saber, é ainda um instrumento menosimperfeito e mais complicado que começa a disciplinar a inteligência,abri-la á compreensão dos problemas da natureza e do homem,prepará-la para receber as soluções finais do conhecimento, acercado universo sensível, e da sua existência subjetiva.

Ao enfatizar o ensino superior, no entanto, destacou ser o ambiente onde se“se condensam os elementos do saber, se esmiúçam em análises ou se generalizamem grandiosas sínteses os princípios cardeais que dão conhecimento das leisdominantes nas ciências”. A tônica do discurso foi enfática ao poder da “ciênciamoderna” para o progresso dos povos. O ensino superior aproximaria o estudantedo ”saber positivo”, da ciência e da Filosofia.

Os cursos acadêmicos são laboratórios onde se investigam os fatos,dos quais se induzem e deduzem essas leis imutáveis da ciência, quenobilitam a inteligência e são o mais benéfico resultado dos seuslabores. E depois que aqueles passam pó esse cadinho que se apuraa verdade es esta se difunde, em círculos cada vez mais largos, àproporção que se afasta de sua origem, quais ondas sonoras noambiente atmosférico. (1953, p.214).

O discurso foi seguindo fiel ao ideário secular com forte apego à ciência eem defesa do progresso da humanidade, tendo em vista as rupturas com o atrasomental da população:

Na escolha dos estudos superiores, quem poderá qualificar, a priori,qual seja o mais nobre e proveitoso: se os que interessam,diretamente, ao ser moral nas suas relações de sociabilidade, ou

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mentalidade; se os que concorrem para melhorar as condiçõesmateriais da nossa existência?

Reforçou a ideia de que a história das grandes invenções humanas estavaatrelada às devoções à investigação “pura e simples da verdade”, tendo em vistaque os sistemas filosóficos, políticos e religiosos, no alvorecer das civilizações,tiveram sua gênese em homens cujos “cérebros privilegiados” contribuíram para abusca da verdade.

A Faculdade Livre de Direito aguçaria o estudo científico e filosófico doCeará, ali seria o “núcleo para o qual convergirão as aptidões intelectuais, comoque atraídos para o seu centro de gravitação, evitando que elas se extraviem emestudos desconexos, apenas esboçados e abandonados, à falta de método esistematização” (1953, p.215).

Em defesa da importância do conhecimento jurídico na sociedade moderna,o senador Accioly apontou ser a criação daquela faculdade uma inspiração dosnovos tempos, no Ceará:

A seleção e o conjunto dos conhecimentos que enfeixam o cursojurídico dominam as relações individuais, as da sociedade com oindividuo, as da nação a nação. Vasto é o seu objetivo; e nas suasaplicações, como o ser humano desde a sua concepção,acompanhava-o através da vida, deixando-o tão somente, pelasucessão, quando a morte fechando-lhe as portas da atividadeterrena, abre-lhe a das transformações inconscientes. A todos osatos da vida civil, nascimento, infância, menoridade, casamento,família, propriedade, comèrcio, indústria, sucessão, etc preside a leiescrita ou o direito natural: ninguém dirá que a ciência, cujoobjetivos é investigar o modo que se relacionam com a integridadefísica do homem, com os meios de prover às suas necessidadesfisiológicas. A família, como a expressão mais alta da personalidade,o Estado como a súmula da família, a propriedade como afirmaçãoobjetiva da atividade humana – eis os pólos dentro dos quais gira oinstituto do direito, que os antigos chamavam à puridade – a razãoescrita. (1953, p. 216).

Na sequência de seu pronunciamento, o referido senador demonstrou ser defundamental importância uma faculdade jurídica para o Norte do Brasil, adesempenhar papel do Ceará na nova alternativa educacional, capaz de contribuirnão apenas com a elevação da mentalidade dos jovens, mas com aqueles queviriam dos estados vizinhos:

É incontestável que o alargamento ou a difusão das noções jurídicasnum centro, como esta capital, pela multiplicidade de espíritossubordinados à sua disciplina conveniente cultivada, e depois, peladispersão destes por aglomerações locais, desde o litoral às

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fronteiras longínquas do sertão e á penetração por vizinhos Estados,concorrerá eficazmente para levantar o senso jurídico e insinuar nasclasses ignaras que, de par com os deveres, são seus direitos tãosagrados, tão intangíveis perante a lei quanto os da autoridade maiscolocada na hierarquia administrativa. Será pelo exemplo, pelaimitação, que se operará essa transformação de alento moral. Olegista, o advogado, o estudante, o estudante, serão as bandeirasdessa singular conquista.

Reconheceu, ainda, a contradição entre a expressiva demanda pelaformação jurídica e a escassez de unidades de ensino na região capaz de supri-la:

Quanto à oportunidade do tentame... como pô-la em dúvida?Enquanto da Bahia para o sul, numa população de doze milhões dehabitantes, o ensino jurídico é ministrado por seis institutosacadêmicos, cabendo, portanto, dois milhões para cada um, no Norteapenas existe o antigo curso de Pernambuco para mais de seismilhões de brasileiros disseminados em área superior à metade dototal da União.

Refletindo sobre a realidade contraditória do Ceará admitia a ausência deuma faculdade jurídica ser a causa de ferimento da integridade moral dapopulação, tendo em vista o comprometimento dos “créditos intelectuais dos filhosdo Norte”. Por conta disso, essa parte do Brasil ficou condenada ao “atrasoeconômico, social e político”. Tais fatos insultavam os “filhos ilustres” da terraalencarina a procurarem romper com aquele “contraste doloroso” ao se instituiruma Faculdade Livre de Direito, para “dissipar esse mal entendido, equiparar-se ascondições intelectuais das duas partes da união brasileira”. (1953, p.217).

Admitiu a implantação o ensino superior estar chegando tarde, no Ceará.Devia ter acontecido ainda na fase imperial. Relembrou aos presentes que em1889 a Província do Ceará havia sido escolhida para sediar a Escola SuperiorMilitar, responsável pelo ensino de engenharia civil e militar. No entanto,suspeitava que a “ciumeira” entre as forças políticas da região havia levado ogoverno federal a recuar da decisão e a adiar para a posteridade tal intenção, como fechamento da mesma.

Contudo, agora era chegada a vez do Ceará mostrar sua força bravia emdefesa daquele instituto e “Nada justificaria o seu adiamento, quando tudoconspira por traduzi-lo em realidade”. A sociedade ganharia uma academia jurídicapara preencher a lacuna social existente e com isso “Suprir essa lacuna é o intuitopatriótico dos cearenses que me delegaram sua confiança nessa fase histórica danossa mentalidade”.

As condições materiais do estado que favoreciam a execução de tal projetoforam assim descritas:

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Dos excepcionais da natureza, entre as quais um clima estável,salubre, vivificante, cuja excelência não é disputada, deram ao Cearásituação privilegiada a primazia como sítio adequado à sede de umestabelecimento superior de instrução. E esta capital, por sua jácrescida população, baratera de vida, laboriosidade e moralidade deseus habitantes, adquiriu incontestável direito de ser escolhida parao nosso tentâme. (1953, p.218)

A máxima de lutar contra “a nossa miopia em assuntos científicos” foi o motedo discurso político do Senador Accioly. Na medida em que o concluía, argumentoua necessidade de elevação cultural do Ceará, comparando alguns padrões deeducação de povos no nosso continente:

Esmorecer ante as dificuldades que porventura se deparem à tarefade lutar contra a indiferença geral será confessar a nossa miopia emassuntos científicos, e dar ganho de causa aos nossos vizinhos, quecomo a República Argentina, com uma população menos crescidaque a do norte do Brasil, possui duas universidades, o Uruguai, como povoamento inferior ao do Ceará, o Peru, Chile, Colômbia,Venezuela, em situação análoga, possuem igualmente ricasuniversidades e múltiplas escolas de direito regulando por cada umaum meio milhão de habitantes.

Não lembrarei os estados Unidos da América do Norte, onde haviauma universidade para cada quinhentos mil habitantes, além demuitas escolas técnicas e profissionais. (1953, p. 219)

Ao fazer um paralelo entre a criação daquela faculdade e a de uma escolaprofissionalizante, para formação prática, diria ser óbvia a escolha da segundaopção. Esta comprometeria em menor escala o erário. O custeio com a faculdadede direito seria feito pelo próprio governo, mediante um fundo instituído para talfim. Em médio prazo aquele instituto poderia vir a ser beneficiada pelos recursosfederais, a exemplo de outras instituições brasileiras, assegurava. Para isso, oestado precisava empreender alguns ajustes fiscais, sem sobrecarregar apopulação e sem sacrificar o funcionalismo público com a criação de novosimpostos.

A Faculdade de Direito, que hoje inicia os seus trabalhos, não é,como todos sabem, sucursal do tesouro estadual: e se tem os mesmodireitos à proteção e auxílio do governo, como as de Minas Gerais,Bahia, São Paulo; Pernambuco, Rio Grande do Sul, eles virãonecessariamente em oportuno, depois de prudentes reformasadministrativa, que permitam ao Estado, sem agravação das taxasvigentes, nem desorganização dos serviços públicos, amparareficazmente o presente instituto.

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Com relação à implantação de escolas profissionalizantes, Accioly acreditavanão ser oportunas no Ceará.

A criação de escolas profissionalizantes de agricultura, de mecânica,ou de oficinas manuais, falharia em seus fins.

Dependente de estações estáveis sujeitas a fragmentos e inesperadascrises climatéricas, sem os grandes trabalhos irrigatórios queatenuem-lhe os efeitos, não atrairá a lavoura as economiaslentamente acumuladas, nem constituirá base segura à riquezaindividual.

Quando às demais indústrias, onde irá haver capitais, transportesfáceis e baratos que com custeá-los e levar seus produtos aosmercados consumidores, como obter a matéria prima em terra pobrede combustível, carecida de queda d’ água, de minério facilmenteexplorável, etc, principais impulsionadores da atividade fabril?

(...)

Se possível fora manter tais escolas, formaríamos artesãos,agricultores, mecânicos, que iriam levar alhures os frutos de suaaprendizagem, perdendo o Ceará o artista para melhor aparelhar umconcorrente certo.

Na visão dele aquelas profissões eram consideradas atividades menores. Porisso, não deveria impedir a elevação do nível mental e material do estado.

A nossa história política, especialmente a parlamentar, há sido, comoem todos os países livres intimamente elaborada pelo legista, pelobacharel em direito; é uma tradição, uma necessidade de regime.Não nos cumpre quebra-la, e seria baldado tentarmos subverter alógica inexorável dos acontecimentos.

Emocionado, ressaltando a importância do ensino jurídico como critério deerudição e de superioridade, à frente das diversas atividades laboriosas nasociedade, o senador Accioly encerrou o discurso com a seguinte reflexão:

Prestando todo o meu concurso à Faculdade jurídica que ora seinaugura, creio cumprir um dever de cearense, porventura o ultimode real merecimento que me seja dado prestar à terra do berço. Estáinaugurada a Faculdade de Direito do Ceará. (1953, p.220).

3. CONCLUSÃO

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A memória coletiva cearense guarda os registros do cotidiano pedagógico daFaculdade de Direito do Ceará, no primeiro quartel do século XX. Oportuno étrazer para o debate os momentos fortuitos e de tensão do cotidiano da cidade naocasião de anunciação, às neófitas gerações aspirantes à carreira jurídica, dacriação de uma instituição de formação superior em nosso estado.

A Faculdade de Direito tornou efetivo a permanência do Ceará na repúblicadas letras. Por justeza sua ação pedagógica de formação jurídica primou pelamelhoria do nível intelectual da nossa juventude, que viria a compor a futuraburocracia pública e os quadros políticos na esfera estadual e federal.

Aquele instituto jurídico nasceria sentenciado a ser o centro gravitacional deum ambiente científico de debate e de formação teórica e prática de bacharéis, poronde circulariam homens, ideias e conhecimentos tão necessários ao exercício daprofissão. Um espaço acadêmico vocacionado para a formação de pessoas nutridaspelo respeito absoluto às regras fundamentais do direito, contrariando-se a toda equalquer arbitrariedade de poder, que cerceasse as garantias individuais ecoletivas.

Retratar a história da criação da Faculdade Livre de Direito do Ceará é nãodesconsiderar as nuances do grupo político que esteve à frente dos destinoscearenses no limiar da Primeira República.

A criação daquele recinto de ensino superior em Fortaleza representaria,para o nosso contexto cultural, além da necessária formação da nossa juventudepara as carreiras liberais, o amadurecimento do debate científico que vinha sendotecido desde as últimas décadas do século XIX.

A Faculdade Livre de Direito iniciou suas atividades pedagógicas numa salade aula nas dependências do Liceu do Ceará, na Praça dos Voluntários, sendodepois transferida para o térreo do Palácio da Assembleia Legislativa. No mês deagosto foi aprovada a Lei de nº 717 evocando tal instituição para o poder doestado. O governo a encampou como instituição de financiamento público, gozandode personalidade jurídica e de autonomia pedagógica. Em outubro, suaCongregação, aprovaria seu primeiro Regimento contendo os seus fundamentosfilosóficos, pedagógicos, administrativos e jurídicos, conforme as orientaçõesprevistas no Código de Ensino, publicado pela Reforma Carlos Leôncio deCarvalho, Decreto Imperial de nº 7247, de 1879.

Finalmente, por meio do Decreto Federal nº 5.049, de 23 novembro de1903, o Congresso Nacional reconheceu a Faculdade Livre de Direito do Cearácomo instituição de ensino superior “livre”, equiparando-a às demais faculdadesbrasileiras. Consoante, sua fiscalização era de responsabilidade do governofederal, por meio de um delegado do ensino superior.

Não há como não reconhecer a Faculdade de Direito como ápice daconsolidação do sistema escolar, composto pelos níveis, primário, secundário esuperior na Primeira República no Ceará.

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Enviado para publicação: 25/07/2013Aceito para publicação: 13/08/2013

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2. SOBRE O ADVENTO DO PRIMEIRO CURSO DE MUSEUS DO BRASIL

ABOUT THE ADVENT OF THE FIRST COURSE OF MUSEUMS OF BRAZIL

Regina Cláudia Oliveira da Silva 0

Rui Martinho Rodrigues0

Resumo. Nos anos de 1920 e 1930, em completo fervor dos episódios quevaloravam os ideais e a cultura nacional, estouram três acontecimentos conectadosno cenário museológico do Brasil, ou seja, a criação do Museu Histórico Nacional(MHN) em 1922, o primeiro museu voltado para a História enquanto área deconhecimento, o estabelecimento do primeiro Curso de Museus em 1932 e acriação da Inspetoria de Monumentos, em 1934. O Curso de Museus,primeiramente, concebido como um curso técnico, teria um ciclo de dois anos,implantando e institucionalizando o ensino a propósito de museus e museologia nopaís. Vinculado à Direção do MHN e funcionando em suas dependências desde asua fundação em 1932 até a sua transferência para a Universidade do Rio deJaneiro (UNIRIO) em 1978, o Curso vivenciou importantes reformulaçõescurriculares que visavam atender as impetras que nasciam concomitantemente àsmutações sucedidas no meio social. Nesse trabalho buscamos compreender a sériede acontecimentos que levaram à criação do Curso de Museus, atrelado ao MuseuHistórico Nacional.

Palavras-chave: História – Educação – Ensino – Curso de Museus – MuseuHistórico Nacional

Abstract: In the 1920s and 1930s, in complete earnestness of episodes that valuedideals and national culture, burst on the scene three events connected museum ofBrazil, namely the creation of the National History Museum (MHN) in 1922, thefirst museum facing history as a field of knowledge, the establishment of the firstcourse of Museums in 1932 and the creation of the Province of Monuments in1934. The Course Museums, first conceived as a technical course, would have atwo-year cycle, implementing and institutionalizing the educational purpose ofmuseums and museology in the country. Linked to the direction MHN and runningon its premises since its founding in 1932 until his transfer to the University of Riode Janeiro (UNIRIO) in 1978, the course has experienced significant curricularchanges aimed at meeting the impetras who were born simultaneously with

0 Mestre em Letras pela Universidade Federal do Ceará, Doutoranda em Educação Brasileira pela UniversidadeFederal do Ceará no Núcleo de História e Memória, Professora de História do Colégio Militar de Fortaleza.Lattes:http://lattes.cnpq.br/8727299040614315Contato: [email protected]

0 Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (2001), Professor adjunto da Universidade Federaldo Ceará, orientador do Programa de Pós Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará noNúcleo de História e Memória da Educação.Lattes: http://lattes.cnpq.br/6748790925987177 Contato: [email protected]

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mutations successful in the social environment. In this work we seek to understandthe series of events that led to the creation of the Course Museums, linked to theNational History Museum.

Key Words: History – Education – Education – Course Museums – NationalHistory Museum

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1. INTRODUÇÃO

No Brasil, o advento dos museus antecede ao aparecimento dasuniversidades. Posteriormente às observações científicas e apontamentosiconográficos originados pelos cientistas e artistas trazidos por Maurício deNassau, que consistiram na fundação de um museu (incluindo jardim botânico,jardim zoológico e observatório astronômico) no grande parque do Palácio deVrijburg, no efêmero momento da ascendência holandesa em Pernambuco, emmeados do século XVII, o arquétipo colonial que mais perto esteve de umainstituição museológica pode ser reconhecido no Museu de História Natural,criado por D. Luis de Vasconcellos, Vice-Rei do Brasil, de 1779-1790. Talempreendimento refletiu, em seu momento histórico, as sensíveis inspirações doIluminismo europeu que arrebatavam a elite letrada e que proporcionaram, nasúltimas décadas do século das luzes, um determinado incremento científico eliterário, desfigurando um pouco a estagnação religiosa que prevaleceu por todo operíodo colonial.

Tratando-se de um estabelecimento voltado para a taxidermia de animaisdestinados a Portugal como artefatos de curiosidade, o ambiente ganhou do povo adenominação de Casa dos Pássaros. Foi D. João VI que, em 1818, o converteu emMuseu Real, mantendo o seu acervo, que no Império foi acumulado de objetosavaliados como curiosos, tais como coletâneas de múmias egípcias de D. Pedro II eantiguidades clássicas de Dona Teresa Cristina. Com o advento da República, esteacervo foi transferido, em 1892, para o Paço de São Cristóvão, na Quinta da BoaVista, então passando a existir com a designação de Museu Nacional. Fora este,escassos são os exemplos de museus instituídos no século XIX, pois a maioria aindaé contemporânea do Império: Museu Militar do Arsenal de Guerra (Casa do Trem –1865) e o Museu da Marinha (1868), ambos não mais em funcionamento; o MuseuParaense (1866), constituído pelo naturalista Emílio Goeldi; o Museu Provincial doParaná (1885), convertido em Museu Júlio de Castilhos (1907) e o Museu Paulista,implantado (1895) no Parque Ipiranga. No início do século XX (1906) foi criada aPinacoteca do Estado de São Paulo.

Mesmo assim, a formação de cientistas brasileiros e a produção científicano país encerravam nos museus um dos seus centrais pontos de apoio,especialmente na segunda metade do século XIX. Isto fez com que cada vez seintensificassem mais as relações entre os campos museológico e educacional.

Acompanhando a tendência descrita acima, a institucionalização dosmuseus e da museologia no país precedem à concepção de um dispositivo legalpara o amparo do patrimônio histórico e artístico da Nação. A partir do que foiexposto, mesmo que em sucintas palavras, pode-se inferir que as elementaresnoções e práticas de preservação e o destino educacional do que posteriormentese denominaria “patrimônio cultural” no Brasil estrearam na seara dos museus.Desta forma, em fins do século XIX, existiam no Brasil cerca de dez museus,mas, excetuando-se o Museu Naval e Oceanográfico (1868) e o Museu daAcademia Nacional de Medicina (1898), todos os outros tinham qualquerafinidade com os exercícios classificatórios dos elementos encontrados nanatureza. Além do Museu Nacional, os outros dois grandes museus brasileiroseram o Museu Paulista (1895) e o Museu Goeldi (1866) e os três foramorganizados como museus de história natural. Myrian Santos nos adverte que:

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No Brasil, o Museu Nacional era o museu que guardava a riquezanatural, inicialmente, do Império, e, mais tarde, da República. Operfil deste museu indicava a importância dos recursos naturaispara o novo Estado que se consolidava e a relação de desigualdadena constituição de perfis nacionais [...] Os museus latino-americanos podem ser compreendidos como parte das narrativasnacionais constituídas a partir de regimes de poder queentrelaçavam de forma desigual antigas metrópoles e suascolônias (PRATT, 1999; MIGNOLO, 2000). (SANTOS, 2004, p. 56).

Apenas nas décadas de 1920 e 1930, com o desenrolar de um ideáriopolítico-ideológico nacionalista, sob visão diferente, observaram-se os museuscomo instrumentos de status, poder e ufanismo da hoje República Velha. Doiseventos integrados, não obstante com uma década de distância, consolidaram todaesta especificidade histórica: a concepção, por Gustavo Barroso, do MuseuHistórico Nacional (MHN), em 1922, ano do Centenário da Independência e, nagestão do historiador Rodolfo Garcia, como diretor daquele Museu, a criação deum Curso Técnico de Museus, com a finalidade de formar técnicos-conservadorespara trabalhar com o acervo do MHN.

Ainda em novembro do ano de 1932, Gustavo Barroso, que se afastara pordois anos, por questões políticas, da direção do Museu, reassumiu seu cargo epassou a administrar o Curso de Museus, conferindo-lhe sua visão particular emrelação à Museologia e ao Ensino. O padrão barrosiano de Museologia e ensinofirmou-se na comunidade acadêmica por meio de seus alunos precursores, muitosdos quais tornaram-se professores do Curso. Sua obra basilar, que compendiatanto o currículo quanto o conceito do Curso, foi a Introdução às Técnicas deMuseus, publicada em dois volumes, destinados ao processamento técnico deacervo e à cadeira das coleções que compunham o mundo do MHN. São, naverdade, uma coletânea de suas informações e de suas preleções, dado que eramempregadas como manuais por alunos até os anos 1970. Além de sua experiênciaprática no Museu Histórico desde a década de 1920, utilizou artigos publicados emMouseion e dos volumes de Muséographie, para escrever o livro.

Foi Gustavo Barroso que, ao criar o Museu Histórico Nacional, fundou olimiar de uma nova era de museus brasileiros. O acervo abandonava elementosexclusivamente da natureza e passava a ser de objetos que representassem aHistória da nação. Sabe-se que houve um privilégio da herança da elite brasileira,assim como seus atos históricos, não contemplando as massas. Há muito que sedizer sobre os conceitos de história, patrimônio histórico e artístico econservadorismo de Gustavo Barroso, o que não nos cabe construir uma narrativanesse espaço.

A vassalagem às reminiscências imperiais conveio ainda de base ao discursonacionalista conservador e elitista que Barroso defendia. Entretanto, caberessaltar que um homem não se julga com argumentos fora de seu tempo, emverdade nem se deve julgar, pois se configura em anacronismo histórico, o que éuma opção equivocada em que se interpreta um determinado tempo histórico à luzde conceitos e concepções que não concernem a esse mesmo tempo histórico.Assim, afirmamos que, a partir de uma vasta coleção de documentos primários, foiGustavo Barroso que idealizou o Museu Histórico Nacional e exerceu desempenhoextraordinário na configuração dos demais museus. Podemos, indubitavelmente,estabelecer um marco sobre a história dos museus no Brasil em antes e depois deGustavo Barroso.

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2. PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO MUSEAL NO BRASIL

O Curso de Museus do Museu Histórico Nacional foi o pioneiro da área noBrasil e igualmente em toda a América. Sua idealização remonta à criação doMuseu Histórico Nacional (MHN) em 1922, imaginado e concebido por GustavoBarroso, cearense de Fortaleza, nascido em 1888 e falecido em 1959, que fezcélebre carreira como professor, historiador, museólogo, conservador, escritor,dentre outras searas, tendo publicado mais de uma centena de livros, um dosintelectuais mais influentes da linha regionalista e nacionalista das primeirasdécadas do século passado, um grande nome de seu tempo.

Como já citado, o MHN, fundado pelo Decreto Nº 15.596, de 02 de agosto de1922, foi implantado em 1º de outubro do mesmo ano.

O Dr. Gustavo Barroso assumiu imediatamente o cargo e a 12 deoutubro de 1922, data do Descobrimento da América, 50 dias após asua nomeação, o Presidente da República inaugurava oficialmente oMuseu, instalado em duas salas do edifício do Arsenal de Guerra daCôrte, à ponta do Calabouço, no recinto da antiga Exposição doCentenário com regular acêrvo de objetos, cerca de mil, entre osquais figurava já a preciosa coleção de relíquias do General Osório(DUMANS, 1947, p. 3).

No capítulo VI do Decreto acima aludido, podemos observar que havia oprognóstico da criação de um “Curso Technico de dois anos, commun ao MuseuHistórico Nacional, à Bibliotheca Nacional e ao Archivo Nacional”, em queapresentava como objetivo fundamental a formação de oficiais para o MHN eamanuenses para o Arquivo Nacional e para a Biblioteca Nacional. Apenas umadécada depois é que tal Curso foi implantado, trazendo consigo as origens paraoutras instituições voltadas para a preservação do patrimônio histórico nacionalque surgiriam no Brasil, tal qual o MHN, que serviu de esteio para outrasinstituições museais do país.

A preocupação com a concepção de museus e com a educação museal noBrasil, ambas ainda assaz embrionárias ao longo do século XIX, abreviava-se aocampo das instituições ligadas quase unicamente à História Natural e a institutoshistóricos e geográficos regionais. Apenas nas décadas de 1920 e 1930, os museusalçaram a uma maior dimensão com o incremento de uma política culturalessencialmente nacionalista. Os estabelecimentos museológicos passaram a serobservados a partir de outra visão, isto é, como organismos de status político esocial, mecanismos de poder e ufanismo, mormente o novo Estado que searquitetava com as transformações políticas ocorridas no esteio da Revolução de1930 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder administrativo maior do Brasil,consolidado com o advento do Estado Novo a partir de 1937: um Estadoultranacionalista e ufanista. Sobre o tema, nos diz Raymundo Faoro:

Não se trata, agora, do nacionalismo antiluso, jacobino, dos dias deFloriano Peixoto. A perspectiva, mais larga e com base mais ampla,não se limita à defesa raivosa dos nativos contra o estrangeiro, masa, sobre inspirações próprias, reconstruir, reorganizar, reformar opaís, por meio do Estado (2001, p. 792).

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Para Raymundo Faoro, inclusive, o que o Brasil vivenciou política eculturalmente no limiar da década de 1930 com a Revolução tem antecedes dequase uma década, uma vez que os acontecimentos de 1922 já preconizariam ocaráter dos anos trinta.

NA MADRUGADA DE 5 DE JULHO DE 1922, governando EpitácioPessoa e já eleito Artur Bernardes, os disparos do Forte deCopacabana anunciam o fim da República Velha. Os jovens militaresantecipam, em dois quatriênios, uma data necessária, embora nãoirremediável nos termos em que aconteceria [...]Havia, no episódiode 1922, muita coisa nova, capaz de perdurar além dos pretextos edas desinteligências dos grupos (FAORO, 2001, p. 782).

No imbróglio desses acontecimentos, três episódios intimamente conexos,distantes o primeiro do segundo pela lacuna temporal de uma década, e dosegundo para o terceiro, apenas pelo espaço-tempo de dois anos, constituíram-seem expoentes do nacionalismo simbólico da gama de mudanças políticas eideológicas que refletiram na área cultural do país. De início, o engenho do jácitado Museu Histórico Nacional, em 1922, levado a cabo por Gustavo DodtBarroso, durante o governo de Epitácio Pessoa, o “presidente nacionalista”, logoapós a Exposição do Centenário da Independência do Brasil, exposiçãointernacional realizada no Rio de Janeiro; uma década depois, na gestão dohistoriador Rodolfo Garcia enquanto Diretor do MHN, momento em que se criouum Curso Technico de Museus, já previsto no documento de criação do museu,como dissemos. Em seguida a instituição da Inspetoria de Monumentos,estabelecida em 1934, mas que tem origens na década anterior. Todos essesepisódios têm em comum uma personalidade: Gustavo Barroso. O nacionalismoque envolve esses acontecimentos está bem caracterizado quando lemos:

Na sombra da aspiração culturalmente autonomista, a notafundamental da reforma: o governo deve educar, cultivar e orientar opovo. Entre governantes e governados, a corrente democrática, daequivalência e substituição dos valores, não passa de grosseira farsa.Os governantes devem se reequipar, conhecendo o meio e a gente,para a obra de regeneração. Esse papel pedagógico não cabe,entretanto, às elites, no seu conteúdo sociológico. Elas hão de setransformar numa camada permanente, própria, autônoma,comunidade capaz de, além de governar, criar o povo, identificado namassa analfabeta, perdida nos devaneios macaqueadores. O bradoliberal e reformista, que soara em 1919 com estridência, se exaure,para ceder o campo a outras vozes, na verdade tão brasileiras comoa doutrina constitucional americana. O estrangeirismo da palavranacionalista se compensa, todavia, pela direção, voltada a evocar, asublimar, a enfatuar o nome brasileiro. Entre o nacionalismo dosrebeldes e o nacionalismo da ordem, apesar do confuso campocomum, há diferenças fundamentais, que tomarão corpo depois de1930, extremando-se no parafascismo num lado, e nas tendênciassocialista e comunistas do outro. O que os aproxima será oantiliberalismo, a decepção do regime de 1891, na sua estruturafederal e individualista. Nenhum dos dois ramos se apóia no velhonacionalismo liberal, de teor antiaristocrático, já em declínio naEuropa, ao findar o século XIX. Os revolucionários, os contestadores,por simpatias nacionais e afinidades do movimento, vinculam-sesentimentalmente aos jacobinos, com a exaltação do povo, do povocomum, capaz de criar a nação, se jugulados seus opressores. Oelemento militar e a proteção paternalista integram a sua dinâmica,dotando o anseio emancipacionista com o instrumento que libera e

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evita os opressores, ao tempo que ampara o povo nas suasnecessidades (FAORO, 2001, p. 794-795).

Cem anos da independência do Brasil: uma festa cívica e, antes de tudo,nacionalista. A criação do primeiro museu histórico do Brasil, inaugurando umanova linhagem de museus, quebrando a barreira da representação museológicanatural, concretizou-se justamente no ano do Centenário da Independência dopaís, momento de júbilo nacionalista e ufanista. Nessa ocasião é implantada aMuseologia Moderna no Brasil, pelas mãos e pela batuta de Gustavo Barroso, e pordecreto do presidente Epitácio Pessoa. Barroso dirigiu o MHN de 1922 a 1930,tendo retornado em 1932 para dirigi-lo até 1959, quando de seu falecimento.

3. TEMPOS MODERNOS: A TRÍADE MHN, INSPETORIA DE MONUMENTOSE CURSO DE MUSEUS

Nesse momento de nossas reflexões é necessário esclarecer brevemente oque entendemos por modernidade. Valemo-nos das concepções de modernidade deMax Weber por considerarmos que atendem às expectativas conceituais do tema,principalmente no período histórico em questão.

Comumente aplica-se o vocábulo modernidade enquanto categoria dahistória vivida, como um conceito temporal. Essa aplicação é válida paradiferenciar do conceito meramente estrutural e analítico de modernização, aindaque existam certa transitoriedade e certa instabilidade na demarcação entre osconceitos. Problematizando a questão, podemos indagar do significado desociedades que se proponham e se definam como modernas no limiar do século XX.

Construir uma teoria histórica da modernidade requer perquirir quais são asesferas da vida social em que os presentes, ou seja, contemporâneos, apontamrupturas em meio a maneiras de existência habituais, clássicas, e modernas, e quala atitude de reajuste da relação entre presente e passado. Concomitantemente éválido indagar sobre as fronteiras de desenvolvimento0 conjecturadas por essescontemporâneos, em que a modernidade se movimenta de modo dinâmico.Peremptório é também ter conhecimento sobre as pelejas culturais perpetradaspor uma geração ou um período histórico no tocante à precedência interpretativa apropósito do que se considera como procedimento e classificação moderna da vidae a respeito de o que é desqualificado como antimoderno.

A prova essencial da modernidade não é tão somente a da aceleração, nosentido de desenvolvimento. Ainda é importante o exame do conflito constanteentre imagens de mundo antagonistas entre si – museologia exclusivamentenatural e museologia histórica, a exemplo –, que não consentem maishierarquização. Para Max Weber, “segundo as posições últimas de cada singular,um é o demônio e o outro é o deus; e cada um precisa decidir qual é o seu demônioe qual é o seu deus” (MWG, i/17, p. 101)0.

De modo rigoroso Weber esclarecerá, a posteriori, essa descrição basilar damodernidade a seus discípulos de Munique, em “A ciência como profissão”. Deacordo com esse autor, a efervescência política, social, ideológica e cultural do

0 Dentre os termos usuais de Max Weber, aparece claramente a definição de “tendências de desenvolvimento”.

0 Edição crítica Obra completa de Max Weber (MWG - Max Weber Gesamtausgabe).

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limiar do século XX, apresenta diversos arquétipos dessa coibição moderna àdeterminação entre o que é bom e o que é mau, válido e inválido. Weber se afastado termo coletivo singular modernidade, o que também, em seu tempo, ainda tempouca recorrência. Dá primazia ao adjetivo, qual usa com frequência, a saber: vidamoderna, homem moderno, cultura moderna. Sobre o discurso moderno:

O moderno, como visto, refere-se, em suas diversas acepções, aomais recente, se opõe ao que havia anteriormente (...) faz parte davisão da História como marcha evolutiva de um todo articulado,tendo começo, meio e fim, conforme a tradição agostiniana (...). foiuma espécie de negação do medieval. Por isso uma afirmação daracionalidade que alguns gostam de adjetivar como instrumental. Foitambém uma busca pelas universalidades, pela impessoalidade. Foi amodernidade que disse que todos eram iguais perante a lei, imbuídaque estava da busca de universalidades referentes a direitos e aopróprio homem. Foi a modernidade que retomou a busca deexplicações naturais para todos os fenômenos, afastando o prodígio ea magia, trilhando o caminho da socialização e da naturalização dasexplicações. O discurso moderno admite a separação entre o falso eo verdadeiro e, evitando a tendência especulativa que está sempre aespreita nos caminhos da metafísica, admite que as coisas têm umaidentidade, nos termos da lógica aristotélica (...) Galileu e Newton,nas ciências da natureza; e Maquiavel, no âmbito do saberhumanístico, são lídimos representantes da modernidade. ADeclaração dos Direitos do Homem, produzida pela GrandeRevolução Francesa, não declarou os direitos dos franceses, mas doHomem, porque esta declaração é fruto da modernidade e como talbuscava a universalidade, preterindo os particularismos (MARTINHORODRIGUES: 2008, p. 446-447).

Martinho Rodrigues nos apresenta uma reflexão sobre o que chama desentido da modernidade, o que nos serve de suporte teórico para apontar a criaçãodo Museu Histórico Nacional, do Curso de Museus e da Inspetoria deMonumentos, como uma tríade de preocupação do Estado e de seus agentes,principalmente Gustavo Barroso, com a defesa e preservação do patrimôniohistórico nacional e com a educação museal.

O sentido da modernidade é uma das encruzilhadas que divideopiniões. A demarcação de períodos históricos é um problema dosmais desafiadores. Coloca-se como a primeira pedra no caminho dequem estuda o que tem sido considerado atraso e modernização.Trata-se, na alusão à polaridade entre esses dois conceitos, de erigiros termos inicial e final de uma cronologia dos sucessos consideradosrelevantes. A compreensão do significado e do alcance deles serábuscada, sobretudo, entre tais marcos. Isso sem produzir claustrosnos quais acontecimentos e temas selecionados, com suasrespectivas interpretações, vejam-se aprisionados num isolamentoartificial e equivocado. Períodos, assim compreendidos, são divisõesque não devem dividir, mas ressaltar o fortalecimento e o declínio designificados e valores associados aos fatos.Moderno tem o significado daquilo que é recente, acrescido de umavaloração que lhe atribui superioridade em face de algo anterior e aoqual se opõe. Isso pressupunha, inicialmente, uma ruptura manifestana forma de profundas modificações nas estruturas sociais(MARTINHO RODRIGUES: 2008, p. 448).

Modernidade, enfim, é um conceito histórico que não se iguala à acepçãooriginal do termo. Nascida com o Iluminismo, tendo sua culminância nos séculos

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XIX e XX, podemos, em linhas gerais, defini-la como um conjunto vasto detransformações nas composições sociais do Ocidente, a partir de um processoextenso de racionalização da vida.

4. OS ATOS DE IMPLANTAÇÃO DO CURSO DE MUSEUS

Relembremos que no Regimento Interno do MHN, ainda de 1922, GustavoBarroso logo prognosticava um Curso Técnico que correspondesse aos imperativosda instituição, e ainda da Biblioteca Nacional e do Arquivo Nacional. No CapítuloVI desse Regimento apareciam especificados as minudências alusivas a todos oselementos referentes ao funcionamento do referido curso:

Art. 55. O curso técnico, destinado a habilitar os candidatos ao cargode 3.° oficial do Museu Histórico Nacional e ao de amanuense daBiblioteca Nacional e do Arquivo Nacional, constará das seguintesmatérias, distribuídas por dois anos: 1.° ano: história literária, paleografia e epigrafia, história política eadministrativa do Brasil, arqueologia e história da arte. 2.° ano: bibliografia, cronologia e diplomática, numismática esigilografia, iconografia e cartografia. Art. 56. O ensino das matérias será dividido entre osestabelecimentos a que é comum o curso técnico, cabendo ao MuseuHistórico Nacional o de arqueologia e história da arte e denumismática e sigilografia, à Biblioteca Nacional o de histórialiterária, de bibliografia, de paleografia e epigrafia e de iconografia ecartografia e ao Arquivo Nacional o de história política eadministrativa do Brasil e de cronologia e diplomática. Art. 57. Como professôres das matérias do curso técnico servirão osfuncionários designados pelos diretores dos estabelecimentos a quetais matérias corresponderem ou, em caso de necessidade, outraspessoas para êsse fim convidadas. (Decreto nº 15.596, de 02/08/1922).

Como sabemos, mesmo com a estruturação do curso tão prematuramenteexposta por Gustavo Barroso, o mesmo ainda levaria uma década para se tornarreal. Os primeiros anos do MHN não foram fáceis: havia dificuldades na ordem depessoal, espaço físico e principalmente no tocante às questões financeiras e nosrelatórios anuais do museu, sempre direcionados ao Ministério da Justiça eNegócios Interiores, na primeira etapa da diretoria de Gustavo Barroso, ou seja, de1922 a 1930, não houve qualquer referência sobre a matéria. As dificuldades aquisugeridas podem ser observadas no Relatório de Atividades do MHN de 1923, aqual explica e se desculpa pela ausência do curso técnico de museus por carênciade espaço, problema recorrente e demonstrado no relatório de 1922, que tambémpedia a instituição do “cargo de conservador do Museu, funcionário que ficariaencarregado de dirigir os serviços de limpeza e restauração dos objetos, com aresponsabilidade direta de sua conservação” (MHN, 1923).

Foi no Relatório de Atividades do Museu Histórico Nacional de 1931 aprimeira vez que detectamos o requerimento para concretização do Curso deMuseus, bem como da Inspetoria de Monumentos (criada por Gustavo Barroso em1934), a saber:

Duas sugestões, Sr. Ministro, cabem aqui, como propostas que tenhoa honra de fazer, tanto para a maior eficiência administrativa, comopara a consecução dos fins culturais da nossa instituição,

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eminentemente educacional. Uma é referente ao “Curso de Museus”.Já apresentei a V. Ex. um projeto de decreto, que espero venha amerecer a indispensável aprovação. Fundamentei-o nos objetivos deordem técnica, que justificaram a creação recente do “Curso deBiblioteconomia”, da Biblioteca Nacional. O “Curso de Museus”habilitará esta Repartição com um pessoal especializado, quefuturamente fornecerá à administração os funcionários de quenecessitar, para os serviços deste Museu Histórico, ou doscongêneres institutos estaduaes. A outra proposta é a de umaInspetoria de Monumentos (Relatório de Atividades do MHN, 1931).

Provavelmente sensibilizada por esse pedido, a autoridade responsávelcriou, em 1932, o primeiro Curso de Museus das Américas e o mais antigo ahabilitar e licenciar profissionais para pensar e trabalhar com as demandasrelativas a museus e seus artefatos, porque antes do curso do MHN, o que se temregistro é o curso para formação de profissionais da Escola do Louvre, cujodesenvolvimento estava claramente direcionado à Arqueologia e à História da Arte,pois apenas em 1927 foi criado o Curso de Museografia, embora as aulas tenhamse dado apenas a partir do ano de 1928. Não podemos deixar de registrar que,precedente à Escola do Louvre, existiu um empreendimento análogo na Espanhaque se estruturou como um curso de formação unificada de bibliotecários,arquivistas e antiquários.

Assim, de acordo com o Decreto de Nº 21.129, de 7 de março de 1932, quecriou o Curso de Museus, este existiria vinculado diretamente à direção do MHN,teria a duração de dois anos letivos e seu objetivo geral seria de certificar técnicosa fim de exercer a função de 3º Oficial do Museu Histórico Nacional.

Quando o curso já estava funcionando, desde maio de 1932, Gustavo Barrosovoltou à direção do MHN, reassumindo seu comando e a administrando o Curso deMuseus. Desse momento em diante, nota-se com muita precisão a impressão deuma marca pessoal de Gustavo Barroso em tudo o que se refere à Museologia e aoseu ensino institucional. Defendemos que a museologia moderna no Brasil e tudo omais referente à mesma tem uma delimitação basilar, visível e naturalmenteidentificável, ou seja, divide-se em antes e depois de Gustavo Barroso, aquele quefundou a Museologia moderna no Brasil.

5. PAPEL EDUCATIVO

Em artigo de 1957 publicado nos Anais do MHN, Nair de Moraes Carvalhoreflete sobre o papel educativo do Museu Histórico Nacional e traça um painelmuito elucidativo a propósito de as ações do museu. Tudo isso por umapersonalidade que fora aluna do Curso de Museus, e no momento eracoordenadora do MHN e professora do curso. No texto, Nair de Carvalho afirmater feito um resumo simplório de “Musées ET Jeunesse”0 do ICOM – InternationalCouncil of Museums –, na intencionalidade de revelar que diversas ideiasapresentadas naqueles dias ao conhecimento do público como inovações ouprodutos de recentes experiências, haviam, muito antes, sido objetos de reflexões,matérias e aproveitamentos práticos do Museu Histórico Nacional, constituído em

0 Trata-se de um documento do ICOM com três estudos prefaciados por Georges-Henri Rivière e Peter Floud. Em síntese, o documento discorre sobre uma série de indicativos do ICOM para atrair jovens aos museus, em vista da utilização pedagógica e educacional dessas instituições.

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uma momento em que qualquer organismo estatal ou organização internacionalcuidasse ou vigiassem os muitos problemas dos museus, uma vez que inexistia noBrasil o menor empenho referente ao assunto. Afirma Nair:

Até deputados ignorantes do mesmo apresentavam ao Congressoemendas orçamentárias suprimindo por inútil e onerosa a novainstituição; em que não se cuidava de organizar pessoalespecializado em museologia, não se imaginava sequer um cursopara sua formação e se desconhecia em absoluto o que fosse técnicade museus; em que nenhum museu histórico oficial havia no país, ode arte não passava duma pinacoteca ligada à Escola de Belas Artes,nenhuma defesa visava as riquezas do patrimônio histórico eartístico nacional abandonadas às devastações do tempo e aovandalismo dos homens; em que ainda nenhum jornalista, escritor ouamador escrevia uma palavra sobre a matéria e até sofriamremoques e eram alcunhados de passadistas os que procuravamdefender o passado (CARVALHO, 1957, p.).

Desde sua fundação, no MHN despontou a sua atitude educacional, o quepode Sr observado pelas providências que, dentro do possível, foi adotando a suadireção. Muito cedo já diretoria expedia ofícios aos educandários privados e aoscolégios públicos, acenando a mestres e alunos a visitarem suas exposições,sempre colocando disponíveis os funcionários e guias que fossem indispensáveis.As visitas começaram e se multiplicaram, e a juventude do Rio de Janeiro,principalmente, passou a frequentar a Casa do Brasil, gratuitamente, valeressaltar. Para Nair de Carvalho, ainda que sem adesão integral do poder políticono país ou e sem apoio de fundações internacionais, o MHN materializou tantoquanto foi possível o que os modernos pensadores preconizam. Tal fenômeno,enfim, deve ser ensejo de exultação para todos aqueles que construíram carreira“à sua sombra benéfica” do MHN.

Todos os meios atinentes à vida dinâmica do Museu têm sido nestes30 anos abordados por sua direção, muitas vezes vencendo grandesobstáculos decorrentes das incompreensões e da carência derecursos materiais. Com a criação da Inspetoria de MonumentosNacionais em 1932, lançou o Museu as bases do serviço de defesa donosso patrimônio histórico e artístico. Com a criação do Curso deMuseus na mesma época, estabeleceu um foco de cultura eaprimoramento, de criação de especialistas, do qual saíram com seusdiplomas de museologistas todos os atuais conservadores de museusoficiais do Brasil. Com as suas aulas, conferências e lições práticas,criou o estímulo pelos estudos de museologia, divulgou-os, preparoua compreensão do poder público para a criação da carreira deconservador. Com o estabelecimento da cadeira de Técnica deMuseus a publicação de livro didático sobre o assunto, alicerçou adoutrina, compendiou os princípios esparsos, estabeleceu os rumosteóricos e a aplicação prática dos estudos respectivos. Com apublicação dos “Anais” levou a todos aqueles que o leem e a todos osque se preocupam com essa ordem de ideias o resultado depesquisas, de estudos e de observações dos seus técnicos. Com asbolsas de estudo distribuídas anualmente a funcionários de museusestaduais e municipais de vários Estados da República, estendeu atodo o país o benefício da sua expansão cultural e permitiu aosestabelecimentos distantes da capital do país disporem, com otempo, de pessoal habilitado. Com o estágio dos diplomados peloCurso de Museus nas diversas seções completam-se os estudosteóricos dos mesmos com a prática necessária. Com as excursões

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feitas anualmente a locais históricos e artísticos do país, nas quais osalunos do Curso de Museus recebem dos professores que osacompanham e do próprio diretor preleções e explicaçõesadequadas, sendo obrigados, no regresso, a apresentarem relatóriossobre seus estudos e observações. Com a documentação fotográficaque a Direção do Museu Histórico vai anualmente fazendo nessasmesmas excursões, a qual, devidamente arquivada e classificada emfichários constitui uma documentação única no gênero no país e quejá está prestando relevantes serviços aos estudiosos do nossopassado. Com a coleta de fotografias de famílias antigas e deaspectos já desaparecidos que completa essa documentação. Enfimcom suas aulas práticas dadas no Museu, em que são empregadosdispositivos coloridos e em negro de assuntos ligados às cadeiras deHistória, de Histórica de Arte, de Técnica de Museus e deNumismática, cujas coleções são hoje não só abundantes comodevidamente catalogadas (CARVALHO, 1947, p. 26).

Como vimos, o curso estava sob orientação direta da direção do MHN eapresentava como direcionamento a habilitação de técnicos que pudessem fazeruso dos cargos de 3º Oficial no MHN. Inicialmente com duração de dois anos, foiconcebido como curso técnico de especialização, estabelecendo a formação nestaárea no Brasil, nivelando-se ao Curso de Biblioteconomia da Biblioteca Nacional,criado em 1911.

As matrículas da primeira turma foram abertas em abril e o início das aulasem 04 de maio. O período letivo iniciava-se em maio e terminava em novembro,com carga horária de quarenta aulas. O curso contava com vinte e seis alunos: dezefetivos e dezesseis ouvintes.

Conforme os Relatórios de Atividades do MHN, de 1932 (início) até 1944(primeira reforma), o custo do curso, para a União, era inexistente, emboradevamos lembrar a relatividade desse custo zero, uma vez que os professores eramos próprios funcionários do Museu, que também eram funcionários do Estado.Assim, o artigo 4º que versa sobre os professores expõe somente que “serãodesignados por portaria do diretor do Museu Histórico Nacional, entre osfuncionários da mesma repartição” (BRASIL, Dec. nº 21.129, de 7-03-1932).

Dessa forma, Gustavo Barroso era o Diretor – lembrando que o historiadorRodolfo Garcia foi o primeiro Diretor, tendo deixado o cargo para Gustavo Barrosoquando o cearense voltou à Direção do MHN, ainda em 1932; Pedro Calmon era oSecretário do MHN; Joaquim Menezes de Oliva era o Chefe da 1ª Seção; JoãoAngyone Costa era o 3º Oficial, enquanto Edgar de Araújo Romero era o Chefe da2º Seção. Essas personalidades compunham o quadro docente do curso em seusprimórdios.

No Relatório de Atividades de 1942, Gustavo Barroso atenta para o fatodesses docentes não serem recompensados por suas atividades catedráticas, comoaponta o fragmento:

Todos os professores trabalham com dedicação e estão prestandovalioso serviço à formação técnica de funcionários especializadoscomo são os conservadores e a cultura geral do país. Mas é dedesejar sejam recompensados os funcionários que, há mais de 10anos, prestam serviços gratuitos, sem prejuízo das funções de seuscargos, lecionando em vários turnos as matérias daquele curso(MHN, 1943).

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Aquele que quisesse fazer inscrição e matrícula no Curso de Museus deveriaatestar determinados pré-requisitos mínimos deliberados no artigo 6º do decretode concepção:

A matrícula no "Curso de Museus" será efetuada na primeiraquinzena de março, mediante pagamento da taxa de matrícula efrequência, devendo os candidatos à inscrição no primeiro anoapresentar, em requerimento, dirigido ao diretor, os seguintesdocumentos: a) certificado de aprovação nos exames da 5ª série do cursosecundário, prestados no Colégio Pedro II ou em estabelecimento sobo regime de inspeção oficial, ou certidões de aprovação nos examesde português, francês, inglês, latim, aritmética, geografia, históriauniversal, corografia e história do Brasil, válidos para matrícula noscursos superiores; b) atestado de identidade; c) atestado de sanidade; d) atestado de idoneidade moral. Parágrafo único. Para inscrição no segundo ano do curso além dorecibo do pagamento da taxa de matrícula e freqüência, será exigidocertificado de habilitação dos exames do primeiro ano. (BRASIL, Dec.nº 21.129, de 7-03-1932).

Essas eram as exigências, com exceção de funcionários do MHN: “seráfacultada matrícula, relevadas as exigências do art. 6, a funcionários dos Museuslocalizados nos Estados da União, que desejarem fazer o curso a título deaperfeiçoamento” (BRASIL, Dec. nº 21.129, de 7-03-1932). Até a utilização dovestibular, no início da década de 1960, essa foi a forma de ingresso no Curso deMuseus.

Algumas reformas significativas ocorreram no Curso de Museus, mas aquicabe reassaltar a correspondência trocada entre o Diretor do MHN, GustavoBarroso, como os representantes do poder federal a respeito das necessidades dereformulação da instituição, no tocante ao currículo e a composição do quadrodocente. Para atender às reivindicações de Gustavo Barroso, foi assinado umdecreto presidencial que autorizou uma grande reforma, e, em consequência àsjustificativas do Diretor, aprovou-se o Projeto de Regulamento do Curso de Museusdecretado pelo Exmo. Chefe da Nação, Getúlio Vargas: DECRETO-LEI nº 6.689, de13 de julho de 1944.

6. REFLEXÕES FINAIS

Nesse trabalho tivemos a coragem e a ousadia de afirmar que GustavoBarroso estabeleceu um marco para a Museologia no Brasil, instituindo uma novaEra para a pesquisa, a conservação e o ensino nessa área. A Museologia no Brasildivide-se em antes e depois de Gustavo Barroso.

Uma das questões que mais nos preocupa quando refletimos sobre essetema é de movermos todos os esforços para não cairmos nas teias do anacronismohistórico, ou seja, o perigo maior de se impor noções do tempo presente totalmenteadversas ao tempo histórico estudado. É evidente que a ponderação a propósito doanacronismo é um das colunas do trabalho do historiador. Uma elaboração

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interpretativa delicada e complexa, com a qual buscamos impedir quepressuposições e crenças, ou ainda apostas teóricas mal ordenadas, equivocadas,soterrem o que pode haver de particular e especial no passado, no objeto emanálise. A tese do anacronismo é tão extraordinária para o ofício do historiador quese torna um ponto nerval, sendo objeto de atenção permanente de grandes nomesdos estudos da história, como Marc Bloch.

Todavia, como a separação entre passado e presente exibe um panoramaindefinível e incontornável, os contornos que impetramos em nossas reflexões epesquisas no campo da história é nos movermos nas escalas hipotéticas earriscadas das aproximações e dos distanciamentos, demonstrando, nesse jogo,que também o anacronismo se constitui em uma força e uma fragilidade dahistória.

Nossa pretensão foi de construir uma narrativa compreensiva dos fatos queenvolveram aquele específico momento histórico, sem cair nas teias doanacronismo, o que é uma questão muito sensível, por implicar ideias em torno dasnoções de progresso, moderno e clássico no Brasil do fim do XIX e início do XX.

REFERÊNCIAS

Arquivo Permanente do Museu Histórico Nacional: Relatórios de atividadesdo Museu Histórico Nacional emitidos ao Ministério da Justiça e NegóciosInteriores, 1922 a 1930 (Série ASDG1) Relatórios emitidos ao Ministério daEducação e Saúde, 1931 a 1940 (Série ASDG1).BARROSO, G. O Culto da saudade. In 29° edição: Anais do Museu HistóricoNacional (vol. 29-1997). Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional/ImprensaNacional, 1997. p. 34.BRASIL. Decreto nº 15.596, de 2 de agosto de 1922.Cria o Museu HistóricoNacional e aprova o seu regulamento. ______ . Decreto nº 21.129, de 7 de março de 1932. Cria no Museu HistóricoNacional o “Curso de Museus”. ______ . Decreto nº 24.735, de 14 de julho de 1934. Aprova, sem aumento dedespesa, o novo regulamento do Museu Histórico Nacional. ______ . Decreto-Lei nº 6.689, de 13 de julho de 1944. Dispõe sobre aorganização do Curso de Museus, no Ministério da Educação e Saúde, e dáoutras providências. ______ . Decreto nº 16.078, de 13 de julho de 1944. Aprova o Regimento doCurso de Museus a que se refere o Decreto-Lei nº. 6.689, de 13 de julho de1944. ______ . Decreto nº 58.800, de 13 de julho de 1966. Aprova o Regimento doCurso de Museus do Museu Histórico Nacional.CARVALHO, N. M. Papel Educativo do Museu Histórico Nacional. In: Anaisdo MHN. Rio de Janeiro: MHN/Imprensa Nacional, 1957, p. 18-30. MARTINHO RODRIGUES, Rui. Educação, modernidade, pós-modernidade emodernismo. In: CAVALCANTE, M. J. M., QUEIROZ, Z. F., VASCONCELOSJR, R., ARAÚJO, J. E. C. (Org.). História da educação – Vitrais da memória.Fortaleza: Ed. UFC, 2008, p. 435-454.DUMANS, Adolpho. A ideia da criação do Museu Histórico Nacional. In:Anais do Museu Histórico Nacional (Vol. 03, 1942). Rio de Janeiro: MuseuHistórico Nacional/Imprensa Nacional, 1945, p. 384-393.FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato políticobrasileiro. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2001, 3ª Ed.

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SANTAFÉ, Elena C. A Formação Museológica na Espanha.http://www.mcu.es/museos/docs/MC/MES/Rev02/Rev02_Elena_Carrion.pdf.Acesso em 06/06/2013.SANTOS, M. S. dos. Museus brasileiros e política cultural. Rev. bras. Ci.Soc. [online]. 2004, v. 19, n. 55. ISSN 0102-6909.WEBER, Max. A obra completa de Max Weber - MWG: um retrato.GESAMTAUSGABE. UNIRIO, Curso de Museologia. Coleção Nair Moraes de Carvalho (Curso deMuseus).

Enviado para publicação: 01/07/2013Aceito em: 09/08/2013

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3. KANT: análise da relação entre liberdade e causalidade

KANT: analysis of the relationship between freedom and causality

Francisco Sérgio Marçal Coelho 0

Andrea Vestrucci0

Resumo. O ponto capital desse artigo é o de buscar demonstrar que, desde aprimeira das críticas – a da Razão Pura – Kant pretende lançar uma ponte a fim deconciliar os conceitos de liberdade e causalidade por natureza a fim de poderafirmar que a liberdade efetivamente existe, pois esta idéia é manifestada atravésda lei moral. Esta afirmação, no entanto, é o fim do processo, sendo específico dasegunda Crítica – a da Razão Prática. Procuramos acompanhar a gênese destaidéia indo em busca de uma fundamentação primeira, pois a causalidade porliberdade, mesmo a título de idéia transcendental meramente regulativa, a qualnão é atribuída na primeira Crítica nem possibilidade e tampouco realidadeobjetiva no mundo sensível, apresenta-se como um elemento fundamental para quea filosofia de Kant possa ser compreendida dentro de uma perspectivaestritamente sistemática. Esta ideia é fundamental porque Kant, ao tratar doproblema da causalidade por liberdade, pretende não somente dá sustentação aosresultados alcançados em sua teoria do conhecimento, restringindo o conhecer àexperiência e explica-lo mediante leis naturais necessárias, quanto tentarestabelecer espaço para uma futura teoria da moralidade mediante a possibilidadeda razão transcender os limites da experiência com seu uso puro prático.

Palavras-chave: Razão Pura - Razão Prática – Moralidade – Liberdade - Causalidade.

Abstract: The main issue of this article is to seek to demonstrate that, since thefirst criticism - that of Pure Reason - Kant intends to bridge in order to reconcilethe concepts of freedom and causality in nature in order to affirm that freedomactually exists because this idea is expressed through the moral law. Thisstatement, however, is the end of the process, and the second specific criticism -that of Practical Reason. We seek to monitor the genesis of this idea going insearch of a rationale first, because causality by freedom, even as a merelyregulative transcendental idea, which is not allocated in the first Critique neitherpossibility nor objective reality in the sensible world, presents as a key element inthe philosophy of Kant can be understood within a strictly systematic perspective.This idea is important because Kant, to address the issue of causality by freedom,not only aims to give support to the results achieved in his theory of knowledge,restricting knowing the experience and explain it through natural laws necessary

0 Graduado em Aplicações Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (1978), graduação em Filosofia pelaUniversidade Federal do Ceará (2011) e mestrado pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (1988). Atualmente émestrando em Filosofia pela UFC e coordenador pedagógico e professor de Sociologia no Colégio Militar deFortaleza. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Ética e Política. Lattes:http://lattes.cnpq.br/5527253421387114. Contato: [email protected]

0 Professor Doutor em Filosofia, pesquisador dos Centros Francês de Pesquisa "Savoir Texte Language" et "Ceac" (Université Lille III). Foi professor visitante na Universidade Federal do Ceará.

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as trying to establish space for a future theory of morality upon the ability ofreason to transcend the limits of experience with its use pure practical.

Key Words: Pure Reason - Practical Reason – Morality – Freedom – Causality.

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1. INTRODUÇÃO

Antes de mais nada, é necessário compreender que a obra de Kant constituium sistema onde as partes interagem constituindo um todo uniforme. Destaconstatação, ressalta que, achando-se o fio condutor, podemos entender o todo daconstrução kantiana onde as partes constituintes se apóiam e se completam.Inicialmente Kant pretendia reunir todas suas Críticas em uma obra única,conforme deixa claro em carta a seu amigo Marcus Herz. Tal pretensão, emboratenha ficado apenas na ideia, e por exigência dos assuntos ele tenha desdobradoem três as Críticas, a primeira delas, a Crítica da Razão Pura na qual trata doslimites da razão especulativa, já contém, como procuraremos mostrar, um esboçode um projeto moral que é apontado já no prefácio da segunda edição destaprimeira Crítica. O ponto capital deste projeto é o de como conciliar os conceitosde liberdade e causalidade por natureza, pois aquele conceito (de liberdade) é nodizer de Kant:

[...] o fecho de abóbada de todo o edífício de um sistema da razãopura, mesmo da razão especulativa, e todos os demais conceitos (osde Deus e imortalidade), que permanecem sem sustentação nestaúltima como simples ideias, seguem-se agora a ele e obtém com ele eatravés dele consistência e realidade objetiva, isto é, a possibilidadedos mesmo é provada pelo fato de que a liberdade efetivamenteexiste; pois esta ideia manifesta-se pela lei moral. (KANT, Immanueel.Crítica da Razão Pura. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p 5; KrV, 4)0

Esta afirmação, onde a liberdade é afirmada através da lei moral, noentanto, é o fim do processo, sendo específico da segunda Crítica. Vamosacompanhar a gênese desta ideia indo em busca de sua fundamentação deste aprimeira Crítica, pois a causalidade por liberdade, mesmo a título de ideiatranscendental meramente regulativa, a qual não é atribuída nesta primeira Críticanem possibilidade e tampouco realidade objetiva no mundo sensível, apresenta-se,conforme já salientado, como um elemento fundamental para que a filosofia deKant possa ser compreendida dentro de uma perspectiva estritamente sistemática.Esta ideia é fundamental porque Kant, ao tratar do problema da caudalidade porliberdade, pretende não somente dar sustentação aos resultados alcançados emsua teoria do conhecimento, restringindo o conhecer à experiência e explicá-lomediante leis naturais necessárias, mas também tentar estabelecer espaço parauma futura teoria da moralidade mediante a possibilidade da razão trasncender oslimites da experiência possível com seu uso puro prático. Assim, respeitando essadupla perspectiva ou visão kantiana, de ao estabelecer uma probemáticacausalidade por liberdade, ter em vista dois objetivos distintos, a saber, o primeirodeles, o fundamento ou defesa de sua teoria acerca do conhecimento, seus limitese regras válidas, bem como, no outro aspecto, no uso da razão prática, deixar apossibilidade para um futuro edifício da moralidade. A fim de acompanhar esteraciocínio, iremos desenvolver este trabalho de modo gradativo e em quatromomentos.

0 A partir de agora sempre que usarmos referência a Crítica da Razão Pura, utilizaremos a referência universal KrV; quando a referência for a Crítica da Razão Prática, KpV.

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Inicialmente, baseados no prefácio da segunda edição da primeira Crítica,desenvolveremos algumas considerações acerca da liberdade acompanhando opensamento de Kant, o qual trata, desde aquele princípio, de forma aindaembrionária, a questão da causalidade por liberdade. No momento seguinte, osegundo, já na análise da primeira Crítica, tendo por base a argumentação de Kantna Dialética Transcendental, procuraremos acompanhar a idéia kantiana e mostrarem que medida a liberdade transcendental, enquanto idéia da razão especulativa,pode ser pensada como possível em concordância com a causalidade da natureza.Focaremos com mais atenção o estabelecido na terceira antinomia da razão, porser de capital importância para nosso estudo. Ainda neste segundo momento seráimportante ressaltar porque a distinção, feita na Analítica Transcendental, dosobjetos em fenômenos e noumenon é importante para que a liberdadetranscendental possa ser pensada como possível. Num terceiro momento,mediante análise das passagens da Dialética Transcendental, onde Kant afirma queda liberdade transcendental deriva um conceito prático de liberdade, tentaremosevidenciar que nestas passagens, Kant estaria oferecendo tentativas decompatibilizar liberdade prática e causalidade da natureza. Embora na Dialéticaele afirme que a possibilidade da liberdade não pode ser admitida dentro doesquema da filosofia teórica, argumenta-se que ele apresenta também, no própriotexto da Dialética, uma intenção de conciliar a liberdade prática, enquantoprincípio moral de determinação da vontade independentemente dos impulsos dasensibilidade, com a determinação da causalidade da natureza. Defende-se queesta tentativa da Dialética de compatibilizar por meio das idéias transcendentaisliberdade prática e causalidade natural, embora não reconhecida como totalmentesatisfatória para a filosofia prática, é menos problemática do que a tentativa doCânone, onde Kant sustenta que a liberdade prática é comprovada e conhecidapela experiência como uma das causas naturais. Isto é, apesar da argumentação deKant na Dialética Transcendental não possibilitar ainda o reconhecimento daliberdade prática, ela parece não apresentar, contudo, contradição nem com otexto da Analítica Transcendental e nem com os escritos morais posteriores deKant. Num quarto momento, iremos adentrar no argumento kantiano acerca dapossibilidade da moralidade, agora defendida na segunda Crítica, onde a RazãoPrática alarga e possibilita além da Razão Teórica afim de possibilitar o agirmoral. Após esse quadro expositivo, nós iremos apresentar uma conclusão suscintaacerca do estudo aqui encetado acerca do tema em questão.

2. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LIBERDADE NO PREFÁCIO À SEGUNDAEDIÇÃO DA CRÍTICA DA RAZÃO PURA (1787)

No prefácio Kant questiona se os conhecimentos pertencentes ao domínio darazão são simples tateios ou se podem seguir a via segura das ciências. Discorreacerca do caminho seguro trilhado pela lógica, a matemática e a física quealcançaram resultados importantes e de certa forma, galgaram o status decidadania no campo das ciências com considerável grau de certeza e confiança. Aseguir afirma que o destino não foi tão favorável quanto a metafísica que até a dataem que escreve (1787) não havia encontrado um terreno tranquilo de aceitação desuas teorias que mais pareciam reunidas em verdadeiro campo de batalha.Questiona as razões que fariam da metafísica esse tateio sem certeza ouconcordãncia por parte dos seus pesquisadores e conclui que ere necessário uma

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certa revolução neste campo, pois até então era aceitação geral que osconhecimentos deviam ser regulados pelos objetos:

Até hoje admitia-se que o nosso conhecimento se devia regular pelosobjetos; porém, todas as tentativas para descobrir a priori, medianteconceitos, algo que ampliasse o nosso conhecimento, malogravam-secom este pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se nãose resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que osobjetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento, o que assim jáconcorda melhor com o que desejamos, a saber, a possibilidade deum conhecimento a priori desses objetos, que estabeleça algo sobreeles antes de nos serem dados. Trata-se aqui de uma semelhançacom a primeira idéia de Copérnico; não podendo prosseguir naexplicação dos movimentos celestes enquanto admitia que toda amultidão de estrelas se movia em torno do espectador, tentou se nãodaria melhor resultado fazer antes girar o espectador e deixar osastros imóveis. (KrV, B XVI-XVII)

Este modo revolucionário de enxergar a realidade quebra a dificuldadeincontornável de conhecer algo a priori se o investigador colocar por guia anatureza dos objetos, mas se, pelo contrário, o objeto se guiar pela natureza dafaculdade de intuição, se pode perfeitamente representar essa possibilidade. Logoa tarefa desta primeira Crítica consistiria no ensaio de alterar o método que ametafísica até então seguiu e operar na mesma uma revolução completa, segundoo exemplo dado pelos geômetras e físicos. Efetivamente, diz Kant, em relação aoconhecimento a priori nada pode ser atribuído aos objetos que o sujeito pensantenão extraia de si próprio, e quanto aos princípios do conhecimento, a razão pura seconstitui num todo orgânico com suas partes interligadas e nada pode ser colocadosem alterar o conjunto. Dessas premissas resulta que o homem não podeultrapassar com a razão especulativa os limites da experiência e esta é, de fato,sua primeira utilidade. Uma utilidade que a primeira vista pode parecer negativa,no entanto, se torna positiva à medida que percebemos até onde a razãoespeculativa pode adentrar e as restrições a que está sujeita em sua ânsia dequerer estender seus limites, ou seja, os da sensibilidade a tudo e reduzir assim anada o uso puro, porém prático da razão. Este ponto é fundamental e justifica estepreâmbulo acerca da matéria contida neste prefácio da segunda edição, o usoprático reservado a razão na obra kantiana. Daí o filósofo de Königsberg afirmar:

Eis porque uma crítica que limita a razão especulativa é, como tal,negativa, mas na medida em que anula um obstáculo que restringeou mesmo ameaça aniquilar o uso prático da razão, é de fato de umautilidade positiva e altamente importante, logo que nos persuadirmosde que há um uso prático absolutamente necessário da razão pura (ouso moral), no qual esta inevitavelmente se estende para além dolimites da sensibilidade, não carecendo para tal, aliás, de qualquerajuda da razão especulativa, mas tendo de assegurar-se contra areação desta, para não entrar em contradição consigo mesma. (KrV,B XXV)

Deste ponto bem assentado, Kant afirma que através desta primeira críticapretende ainda demonstrar que o espaço e tempo são apenas formas da intuiçãosensível, ou seja, somente são condições da existência das coisas enquantofenômenos, pois para possuirmos conceitos do entendimento das coisas só épossível quando nos pode ser dadas a intuição correspondente a esses conceitos.

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Deste princípio, se pode concluir que não podemos conhecer nada em si, mas tãosomente como um objeto proveniente de nossa intuição sensível, onde a conclusãoé lógica: a restrição de todo o conhecimento especulativo da razão aos simplesobjetos da experiência. Esta restrição que nos pode parecer algo negativo,conforme já explicitado acima, é positiva e nos abre outros aspectos, além daimpossibilidade de ter acesso a coisas em si, isto, no entanto, não nos limita a nãopodermos pensar esses objetos como tais, embora não os possamos conhecer. Norodapé da página Kant estabelece que:

Para conhecer um objeto é necessário poder provar a suapossibilidade (seja pelo testemunho da experiência a partir da suarealidade, seja a priori pela razão). Mas posso pensar no que quiser,desde que não entre em contradição comigo mesmo, isto é, desdeque o meu conceito seja um pensamento possível, embora não possaresponder que, no conjunto de todas as possibilidades, a esseconceito corresponda ou não também um objeto. Para atribuir,porém, a um tal conceito validade objetiva (possibilidade real, pois aprimeira era simplesmente lógica) é exigido mais. Mas essa qualquercoisa de mais não necessita de ser procurada nas fontes teóricas doconhecimento, pode também encontrar-se nas fontes práticas. (krV, BXXVII, nota)

Kant aqui alerta da importância de nesta primeira Crítica de se terestabelecido esta distinção entre as coisas como objetos da experiência e essasmesmas coisas enquanto coisas em si; este ponto é fundamental e convém nosdetermos nele com mais atenção.

Assim, temos claro que o fenômeno é tudo aquilo que aparece aos sentidos,estando ele submetido à relação que o sujeito que possui estes sentidos, estabelececom o objeto. O fenômeno é o que pode ser conhecido da realidade através dasformas puras da sensibilidade: o espaço e o tempo. Ele é o dado dos múltiplosobjetos fornecidos pelos objetos, é o que permite a unidade realizada peloentendimento humano. É o que pode ser conceituado pelo homem, tornando- seuniversal e conhecido. O noumenon é a essência ou a coisa em si mesma, umacaracterística da realidade inteligível que não pode ser dada nem apreendida peloentendimento.

Se tal distinção não houvera sido efetuada por Kant, então, ele afirma que aprincípio da causalidade, e consequentemente, o mecanismo natural dadeterminação das coisas, sempre estaria em contradição, pois tomaria um objetosempre no mesmo sentido, se, porém, for tomado o objeto nos dois sentidossupracitados, o princípio de causalidade passa a ter espaço sem nenhumacontradição. Neste sentido, a liberdade, embora não possa vir a ser conhecida porestar além dos fenômenos, pode, no entanto, ser pensada de modo puramenteintelectual sem nenhuma contradição, como pertencente à coisa em si, fora dosensível. Um pensamento de certo modo problemático, mas apenas como algomeramente regulador e no âmbito da razão em seu uso prático. Deste ponto Kantentra no cerne da questão e procura admitir que a moral pressupõe,necessariamente, a liberdade como propriedade da vontade humana, pois ela põecomo dados da razão, princípios práticos com origem na razão e que sem opressuposto da liberdade, seriam absolutamente, impossíveis. E o pressupostomoral teria inevitavelmente que dá lugar a outro, ou seja, ao mecanismo cego da

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natureza. Como, porém, afirma Kant, nada mais é preciso para a moral a não serque a liberdade não se contradiga consigo própria e, pelo menos, se deixe pensar,a doutrina moral mantém o seu lugar, ocorrendo o mesmo quanto à ciência danatureza, o que não se verificaria se esta primeira Crítica não houvesseestabelecido estes firmes princípios.

Este espaço deixado para a possibilidade da existência da liberdade, emboranum plano estritamente intelectual e fora da possibilidade de constatação empíricaé, no entanto, de extrema importância para um uso futuro da razão pura em suaaplicação prática a fim de dá suporte a tese de liberdade.

3. A LIBERDADE TRANSCENDENTAL: A POSSIBILIDADE DE SERPENSADA, NA PRIMEIRA CRÍTICA, SEM CONTRADIÇÃO COM ACAUSALIDADE DA NATUREZA

Vimos na seção anterior, ao tratarmos das considerações do prefácio dasegunda edição da primeira Crítica, que Kant especifica a importante distinçãoentre o pensar e o conhecer. Naquela ocasião, o filósofo deixa claro que oconhecimento de um objeto requer que sua possibilidade real possa ser provada oupela experiência ou através do apriorismo da razão, ou seja, o conhecimentorequer a existência do objeto do conhecimento que se faz, no entanto, segundo ascondições presentes no sujeito no ato de conhecer. Já o pensamento implica apenasque o conceito pensado não entre em contradição consigo mesmo, não sendo,porém, necessário uma correspondência deste conceito com um objeto daexperiência. Significa que posso pensar qualquer coisa desde que não fira oprincípio da não contradição. Esta observação de Kant antecipa o que o mesmodeclara na Dialética Transcendental da primeira Crítica de que a liberdade,enquanto ideia transcendental da razão teórica especulativa pode apenas serpensada como possível, não se podendo a esta ser atribuída, no entanto, umaexistência real e sim uma possibilidade lógica, tão somente como ideia regulativasem correspondência com o sensível. A estratégia de Kant, neste sentido, é a deprovar que a liberdade transcendental pode ser pensada como uma ideia nãocontraditória com a causalidade da natureza, como nós procuraremos demonstrar.

A corroboração do afirmado acima pode ser constatada através da respostaque Kant procura dá ao pretenso conflito da Terceira Antinomia, situada no que sedenominou classificar de Antinomias Dinâmicas, pois nestas antinomias, ambas asafirmações, a tese e antítese são apresentadas com a possibilidade de ambasserem, igualmente, verdadeiras, para tal Kant procura demonstrar que o conflitodialético é meramente aparente. Neste "Terceiro Conflito das IdéiasTranscendentais da Antinomia da Razão Pura", o filósofo coloca a idéia acerca daliberdade, tradicionalmente discutida pelos racionalistas e empiristas, emcontrapontos distintos. De um lado, a tese da existência da liberdade incondicionale, do outro, a antítese de que a liberdade não passa de uma ilusão produzida pelarazão que não se compromete com a verificação. Na tese apresentada diz que “acausalidade segundo leis da natureza não é a única da qual possam ser derivadosos fenômenos do mundo em conjunto. Para explicá-los é necessário admitir aindauma causalidade mediante liberdade”. (KrV, A 444). A tese que afirma umaliberdade incondicionada acaba admitindo uma relação causal para além danatureza. Entretanto, para admitir o movimento existente nela é necessáriosegundo esta concepção, que seja impulsionado por uma causa livre que não possa

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ser limitada pela própria natureza. Deve estar fora dela e ser incondicionada, umavez que esta causa move a própria causalidade natural e não se deixa influenciarpor ela. Em outras palavras, ela possui autonomia absoluta em relação àcausalidade natural por estar desvinculada dela, porém está interferindo econduzindo constantemente o rumo desta sucessão. Esta prova é apresentadaassim:

Tem que ser admitida uma espontaneidade absoluta das causas, quedê início de si a uma série de fenômenos precedentes segundo leis danatureza, por conseguinte, uma liberdade transcendental, sem a qualmesmo no curso da natureza a série sucessiva dos fenômenos do ladodas causas não é jamais completa. (KrV, A 446)

Assim, tudo para ser movido deve ter uma força que sirva de impulso, casocontrário compromete- se o devir fenomênico, deixando um verdadeiro abismo ouvazio na série causal e a natureza seria algo incondicional. Nesta tese fica evidentea afirmação de que uma causalidade por liberdade – além da causalidade danatureza – é necessária a fim de explicar os fenômenos, mediante argumento queconsiste, essencialmente, em afirmar que se houvesse só causalidade, segundo asleis da natureza, quando todo acontecimento fosse necessariamente precedido poroutro, não haveria nenhuma completude na série das causas precedentes. Aafirmação da validade universal e irrestrita da causalidade da natureza é, segundoo argumento da tese, contraditória em si mesma, pelo fato de que pela própria leida natureza, na qual nada acontece sem uma causa anterior e, desse modo, não sepode determinar toda a série das causas, a universalidade ilimitada não pode serafirmada.

Esta idéia de liberdade transcendental tem um contraponto fundamental: aantítese. “Não há liberdade alguma, mas tudo no mundo acontece meramentesegundo leis da natureza”. (KrV, A 445). O absurdo apresenta-se em querer buscarmuito além da natureza uma causalidade para ela. Tudo que ocorre na naturezadeve ser admitida única e exclusivamente por suas leis. Assim, a tentativa deprovar esta proposição é colocada:

A liberdade transcendental, portanto, opõe-se à lei causal e uma talligação dos estados sucessivos de causas eficientes – segundo a qualnão é possível nenhuma experiência, e unidade esta que não seencontra também em nenhuma experiência – é, por conseguinte, umvazio ente do pensamento. (KrV, A 447)

Há, portanto, uma contradição entre liberdade transcendental e natureza,uma vez que não há conformidade entre a existência de leis que permitamconhecer e comprovar a realidade dos fenômenos e a ausência de leis. Não podemconviver no mesmo âmbito e ao mesmo tempo a lei e a ausência da lei. Nestaantítese, entretanto, Kant apresenta como contrária à tese - e, portanto, a favor dainexistência da liberdade e do estabelecimento da causalidade da natureza comoúnica a determinar os acontecimentos do mundo - a afirmação de que a liberdadetranscendental, pelo fato de pressupor espontaneidade, não só começariaabsolutamente uma série de acontecimentos, como também pressuporia umprimeiro começo que não fosse determinado por nenhum outro anterior. Nestecaso, ela seria contrária à lei da natureza e, visto que se distingue desta pelaausência de leis, seria apenas uma causalidade cega.

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A Tese é formulada a partir do pressuposto de que a série de acontecimentosé finita e há um membro incondicionado (o primeiro membro) nela; na Antítese háo pressuposto de que a série de condições dos acontecimentos é infinita eincondicionada enquanto nenhum membro é incondicionado.

Na seção da Dialética Transcendental, dedicada à solução da TerceiraAntinomia, Kant define a causalidade pela natureza, enquanto causalidade dosfenômenos encadeados temporalmente, como “[...] a ligação de um estado com oprecedente em que um se segue ao outro segundo uma regra”. (KrV, A 444). Deacordo com a lei natural do encadeamento causal, cada acontecimento tem,necessariamente, uma causa, que, por sua vez, também tem uma causalidade,causalidade esta que não foge ao princípio de causa temporal. Kant concebe,então, como uma lei do entendimento, que todos os acontecimentos estãodeterminados empiricamente segundo a causalidade da natureza. O problemaantinômico apresenta-se, justamente, pelo fato de que a ordem temporal dacausalidade da natureza representa uma série infinita de acontecimentos, e arazão pensa numa causa incondicionada para pôr finitude a essa série. Esteinteresse da razão numa finitude da série se representa pelo princípio de que “[...]se é dado o condicionado, é igualmente dada toda a soma das condições e, porconseguinte, também o absolutamente incondicionado, mediante o qualunicamente era possível aquele condicionado” (KrV, A 446).

O que torna este princípio problemático é o fato do termo “condicionado”não ser compreendido, aqui, num duplo sentido. A saber, tanto como categoriapura, que estendida ao incondicionado torna-se idéia transcendental da razãoespeculativa, quanto como um conceito do entendimento aplicado aos fenômenos.A tese é correta quando o termo “condicionado” não é tomado num sentidoestritamente temporal e a antítese é correta quando o termo “condicionado” étomado apenas no sentido de uma condição temporal dos fenômenos. Para asolução do problema, a saber, da conciliação de uma causalidade por liberdadecom o principio, já estabelecido, de que todos os acontecimentos são encadeadostemporalmente, segundo as leis da natureza, Kant, então, sugere e sustentaefetivamente a distinção dos objetos em fenômenos e noumenon. A afirmação daantítese da terceira antinomia, de que tudo ocorre, segundo leis da natureza, faz-se restrita, dessa forma, ao encadeamento dos objetos enquanto fenômenos, o quenão impede que, num segundo aspecto, ou seja, no mundo noumênico, uma outracausalidade, que não a da natureza, fosse pensada como possível.

A solução apresentada por Kant para a Terceira Antinomia deve,impreterivelmente, não apresentar contradição com o princípio do entendimentodas sínteses temporais, ou seja, de que cada efeito tem uma causa no tempo edessa lei, enquanto no mundo sensível, não se pode fugir. Buscar uma solução semlevar isso em consideração, ou seja, de que todos os fenômenos, enquanto objetosdo conhecimento são encadeados temporalmente pela causalidade da naturezadesconstruiria todo o edifício do sistema kantiano. Kant, porém, parece fugir desteobstáculo e alcançar o propósito que busca, o de conciliar a causalidade porliberdade com a causalidade por natureza, ao admitir que a razão teóricaespeculativa, ao adentrar para além de seus limites permitidos ao conhecimento,tem uma finalidade positiva, pois de igual modo que concebe os fenômenos comorepresentações limitadas ao sensível, ela (a razão especulativa) necessita suporalgo além do sensível como fundamento destes fenômenos, aí entramos no conceitode um objeto transcendental que dê suporte ao empírico. Ou seja, para que os

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fenômenos possam ser determinados como simples representações encadeadas porleis afeitas ao mundo sensível, o homem precisa, além disso, ser pensado comouma coisa em si. Neste sentido Kant especifica que:

Toda a causa eficiente, porém, tem de ter um caráter, isto é, uma leida sua causalidade, sem a qual não seria uma causa. Num sujeito domundo dos sentidos teríamos então, em primeiro lugar, um caráterempírico, mediante o qual os seus atos, enquanto fenômenosestariam absolutamente encadeados com outros fenômenos esegundo as leis constantes da natureza, destas se podendo derivarcomo de suas condições, e constituindo, portanto, ligados a elas, ostermos de uma série única da ordem natural. Em segundo lugar, teriade lhe ser atribuído ainda um caráter inteligível, pelo qual, emboraseja a causa dos seus atos, como fenômenos, ele próprio não seencontra subordinado a quaisquer condições da sensibilidade e nãoé, mesmo, fenômeno. Poder-se-ia também chamar ao primeirocaráter, o caráter da coisa no fenômeno, e ao segundo o caráter dacoisa em si mesma. ( KrV, A 539).

O homem teria de ser pensado, deste modo, como fenômeno, quando sujeitoao encadeamento temporal, segundo as leis naturais e, ao mesmo tempo, pensadoainda como coisa em si, enquanto causa inteligível dos fenômenos. O homemnecessita ser pensado, pela razão teórica especulativa, como uma coisa em si paraque possa ser admitido como causa dos fenômenos e, para que, consequentemente,a restrição destes à sensibilidade possa ser admitida como possível. Kant concebeo homem como ser que, além de ser dotado de entendimento e, por meio deste, dacapacidade de conhecimento dos objetos na experiência possível, também é dotadode razão, e, assim, pode pensar-se a si mesmo pela apercepção, ou seja, pordeterminações internas enquanto “objeto inteligível”. Ao admitir que o homempode ser pensado como coisa em si e, portanto, como não determinado pelas leisda natureza, sem apresentar contradição com estas, Kant apresenta a solução paraa Terceira Antinomia e, assim, consegue admitir que uma causalidade porliberdade pode ser pensada como possível. Kant afirma, desse modo, que, pelo fatode os fenômenos necessitarem de um objeto transcendental como fundamento,nada impede de atribuir a este objeto, mesmo que somente no pensamento, umacausalidade diferente daquela que determina os fenômenos temporalmente. Estacausalidade, que não pode ser conhecida pelo fato de não pertencer ao mundo dossentidos e não ser determinada por outra causa, não estaria, desse modo,submetida às leis da natureza e seria transcendentalmente livre. A liberdadetranscendental pode, assim, ser pensada enquanto causalidade da razão dohomem, enquanto coisa em si, como possível sem que entre em contradição com acausalidade da natureza, pela qual o mesmo homem está encadeadotemporalmente enquanto fenômeno.

4. A RELAÇÃO, AINDA NA PRIMEIRA CRÍTCA, ENTRE A LIBERDADETRANSCENDENTAL E A LIBERDADE PRÁTICA

O homem visto sob a perspectiva de uma coisa em si tem a liberdadetranscendental como causalidade de sua razão, conforme foi acima estabelecido.Esta abordagem torna possível a idéia de ser pensada sem contradição com acausalidade da natureza, na qual o homem fica reduzido a simples fenômeno quese encadeia com outros, sempre de acordo com leis inexoráveis e empíricas. Na

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primeira Crítica Kant parece ainda ter o objetivo de demonstrar que esta idéiaregulativa da razão especulativa é também necessária para o estabelecimento deuma liberdade prática, ou seja, do agir do homem no mundo. Este argumento já foide certa forma anunciado no Prefácio da Segunda Edição supracitado, eposteriormente ao tratar da solução da Terceira Antinomia, o artifício volta à tona.Ao tratar do Prefácio Kant deixa muito evidente que ao limitar o conhecimento àexperiência, não se trata de uma redução ou utilidade meramente negativa darazão. Ele, ao contrário, sustenta que a própria restrição dos conceitos doentendimento ou categorias à experiência já compreenderia, por si, uma utilidadepositiva da mesma. O que ele pretende, nesta visão mais abrangente, seria decertoconceber, ainda, um uso prático da razão. A razão especulativa, tendo acausalidade por liberdade como uma idéia transcendental e regulativa que nãodetém nada que seja extraído da experiência, fundamentaria um uso moral darazão ancorado ou estruturado no plano de dever ser. Este uso da razão no planomoral seria concebido como legítimo somente mediante o pressuposto de umaliberdade, agora em sentido absolutamente prático, defina por Kant como “aindependência do arbítrio diante da coação dos impulsos da sensibilidade”. Numtrecho mais a frente, dentro de uma passagem da Dialética Transcendental aindada primeira Crítica, o filósofo volta a esta questão e declara textualmente: “asupressão da liberdade transcendental anularia simultaneamente toda a liberdadeprática”.

A moralidade, conforme visto pelos argumentos apresentados acima, setorna uma ciência possível somente ante esta condição imposta por Kant, ou seja,do conhecimento teórico objetivo ser limitado pela experiência, pois casocontrário, os fenômenos enganosamente seriam aceitos como objetos de realidadeabsoluta (coisas em si) e não como o são na realidade, simples representaçõesencadeadas por leis empíricas. Se tal fosse aceito, não só a moralidade não teriaespaço na Crítica como de igual modo, a própria metafísica, longe da segurançabuscada por essas assertivas, seria uma ciência insegura, eivadas de dúvidas,sujeita a erros e, portanto, longe da verdade e do lugar de ciência onde a pretendecolocar Kant em sua investigação. Neste verdadeiro giro empreendido pelofilósofo, o de os fenômenos serem concebidos como objetos do conhecimento,sempre afeitos à experiência, a liberdade transcendental pode ser pensada comocausalidade da razão do homem que, apesar de ser num aspecto simplesfenômeno, é também, em razão desta causalidade, pensado como a causa destesmesmos fenômenos. Ou seja, a vontade humana, sob esta ótica, estaria sujeita adois componentes ou vetores, por um lado, o fenomênico, é visto necessariamentesujeito as leis naturais, das quais faz parte e não pode delas se afastar, ou seja, nãoé livre; no entanto, no outro, concebido como coisa em si, não está sujeito a esta leiinexorável, é, portanto, livre, sem que haja, nestes dois campos, quaisquercontradições.

Neste ponto chegamos a uma encruzilhada que é mister nos detenhamos afim de bem entender a relação entre a liberdade transcendental e a liberdadeprática. Um ponto essencial é o de entender que a liberdade transcendental não écontraditória com a causalidade da natureza somente se estabelecida num mundoInteligível, fora das condições empíricas na qual todo e qualquer fenômeno étemporalmente encadeado segundo leis naturais. Neste aspecto a liberdadetranscendental pode apenas ser pensada como possível logicamente, contudo, a elanão ser atribuída nem possibilidade e tampouco realidade objetiva num mundo

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sensível, tais quais os conceitos do entendimento. Este artifício é utilizado por Kanta fim de dá sustentação a sua construção teórica e reservar um espaço futuro amoralidade como buscaremos demonstrar alhures. Porém com a liberdade práticaas coisas se passam de outra maneira. Para esta é exigida não somente apossibilidade como também sua realidade num mundo sensível, eis aqui o grandeproblema: o de como conciliar a liberdade no uso corrente das ações humanas como determinismo das leis naturais das quais todo o fenômeno inserido no mundosensível está sujeito. Parece, então, coerente afirmar que Kant, ao tratar daliberdade na Dialética Transcendental da primeira Crítica, não apenas apresenta oproblema de conciliar a universalidade do princípio causal de encadeamento dosfenômenos com a incondicionalidade do princípio transcendental da razão, no quala natureza é pensada como um todo dinâmico; mas também busca conciliar aorigem espontânea de uma série causal particular, ou seja, a determinação davontade dos seres humanos espontaneamente, com o sistema natural, no qual todacausa é também determinada temporalmente por outra precedente. O primeiroproblema, a saber, da incondicionalidade da liberdade, é resolvido dentro doesquema teórico das antinomias dinâmicas (particularmente a Terceira) a partir daadmissão da possibilidade lógica da liberdade transcendental, enquanto princípioda razão teórica especulativa de encadeamento incondicionado dos fenômenos. Nosegundo problema, a saber, no da determinação espontânea da vontade humana,porém, a liberdade prática parece exigir que o seu estabelecimento seja dado nomundo sensível, na qual o agente, embora determinado por princípiosexclusivamente racionais, age de fato. Penso que aqui está situado o nó górdio dosistema kantiano, o de tentar conciliar estes dois aspectos, particularmente com afundamentação da primeira Crítica.

O problema enfrentado por Kant diz respeito, basicamente, a dois aspectos.Primeiro, ele não poderia estabelecer a possibilidade ou a realidade objetiva daliberdade, pois isto lhe daria um sentido prático no mundo inteligível, o qual, noentanto, não é passível de entendimento científico ou mesmo da possibilidade real,senão a lógica. Se aceito a acessibilidade ao mundo inteligível cairia por terra todaa argumentação kantiana levada a efeito na Analítica Transcendental da primeiraCrítica onde fica explícito que o conhecimento está limitado, como supracitado, àrecíproca necessidade de intuições de espaço e tempo e das categorias, o que sópode ser dado ou ter validade, no campo da experiência possível, plausível apenasno mundo sensível. De igual modo e em segundo lugar, a própria perspectiva doestabelecimento da liberdade no sentido prático, dentro de uma visão estritamenteteórica, é, ainda neste contexto, problemática. É difícil acompanhar e percebercomo Kant, nesta primeira Crítica, poderia aproximar e conciliar a liberdadeprática que necessita de existência no mundo sensível, com o princípio ou lei deque neste mundo, todos os acontecimentos estão regulados por causalidadesnaturais, logo presas ao determinismo e não à liberdade. O esforço do filósofoparece ser dirigido a uma tentativa de mostrar que as próprias idéiastranscendentais, onde a liberdade transcendental se insere, dariam suporte a umacompatibilidade no mundo sensível da liberdade prática com a causalidade dosfenômenos simplesmente empíricos, sem com isso retirar o caráter espontâneo eincondicionado que é necessário aos aspectos ligados, noutro plano, a moralidade.Esta tentativa parece aflorar no trecho onde, ao tratar das idéias transcendentaisna Dialética Transcendental da primeira Crítica, ele argumenta que:

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Embora tenhamos de dizer dos conceitos transcendentais da razãoque são apenas idéias, nem por isso os devemos considerarsupérfluos e vãos. Pois ainda quando nenhum objeto possa por elesser determinado, podem, contudo, no fundo e sem serem notados,servir ao entendimento de cânone que lhe permite estender o seuuso e torná-lo homogêneo; por meio deles o conhecimento nãoconhece, é certo, nenhum objeto, além dos que conheceria por meiodos seus próprios conceitos, mas será melhor dirigido e irá maislonge neste conhecimento. Sem falar de que podem, porventura,esses conceitos transcendentais da razão estabelecer uma transiçãoentre os conceitos da natureza e os conceitos práticos e assimproporcionar consistência às idéias morais e um vínculo com osconhecimentos especulativos da razão. Mais adiante se encontrará aexplicação de tudo isto. (KrV, A 329)

Nesta passagem pode ser entendida como uma tentativa de provar que aliberdade prática poderia ser dita sem contradição com a causalidade que rege osfenômenos, e que esta prova seria, supostamente, fundamentada pelas idéiastranscendentais. Porém, como a liberdade prática, como já apresentado acima, foidefinida como “a independência do arbítrio frente à coação dos impulsos dasensibilidade”, nós ficamos presos a um impasse, o como compreender estaliberdade prática, independentemente determinada, seria possível, semcontradição, uma vez que o único meio de se pensar a liberdade transcendentalseria num mundo inteligível, logo livre do determinismo da natureza. Este pensar,ainda se reveste do caráter apenas lógico, num contexto problemático num mundoque não o sensível, além de toda e qualquer objetividade. Diante desse impasse,Kant foge do contra senso de admitir tal possibilidade, busca conceber a liberdadeprática no mesmo sentido da liberdade transcendental, mais isso ainda nãoexplicaria como esta liberdade no sentido prático não seria problemática quandosituada no plano sensível, o que parece ser uma exigência para uma teoria moral,ou pelo menos, assentar os pressupostos para um desenvolvimento futuroconforme destaca o filósofo que mais adiante se encontraria a explicação para tudoisso. Esse mais adiante, decerto, estaria situado nas futuras obras acerca do temacomo trataremos mais à frente. Neste ponto, ainda situado na primeira Crítica aquestão fica, de certo modo, em aberto, daí Kant afirmar:

Deverá observar-se que não pretendemos aqui expor a realidade daliberdade, como de uma das faculdades que contêm a causa dosfenômenos do nosso mundo sensível. Não só isso não teria sido umaconsideração transcendental, que apenas se ocupa de conceitos, nempoderia ser bem sucedida, porquanto se não pode concluir daexperiência algo que não deve ser pensado por leis da experiência.Além disso, nem sequer pretendemos demonstrar a possibilidade daliberdade; nem tal se conseguiria, porquanto não se pode conhecerem geral nem a possibilidade de qualquer princípio real, nem a dequalquer causalidade, mediante simples conceitos a priori; aliberdade é aqui tratada apenas como idéia transcendental, mercê daqual a razão pensa iniciar absolutamente, pelo incondicionado doponto de vista sensível, a série das condições no fenômeno,enredando-se assim numa antinomia com as próprias leis, queprescreve ao uso empírico do entendimento. Pudemos apenasmostrar, e era o que única e simplesmente nos interessava, que essaantinomia assenta em mera aparência e que a natureza, pelo menos,não está em conflito com a causalidade pela liberdade. (KrV, B 586).

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Este trecho é, dentre os contidos na Dialética Transcendental da primeiraCrítica, o que parece mais se aproximar dos argumentos a serem desenvolvidosposteriormente por Kant em outras obras de filosofia moral. Se, dentro do esquemada primeira Crítica, a liberdade prática não pode ser admitida como dotada depossibilidade e de realidade objetiva no mundo sensível, pelo menos a passagemda Dialética Transcendental não parece ser contraditória com o que Kant afirma naAnalítica Transcendental. A passagem da Dialética afirma que um efeito no mundosensível pode ser efeito de duas causalidades, uma condicionada, que o precedetemporalmente, e outra incondicionada, enquanto produto da razão. Dentro destavisão:

O efeito, portanto, pode considerar-se livre quanto à sua causainteligível e, quanto aos fenômenos, conseqüência dos mesmossegundo a necessidade da natureza; esta distinção, apresentada emgeral e de uma maneira abstrata, deverá parecer extremamentesubtil e obscura, mas esclarecer-se-á todavia na aplicação. Aqui,pretendi apenas observar que, sendo o encadeamento universal detodos os fenômenos num contexto da natureza uma lei inexorável,anularia necessariamente toda a liberdade se obstinadamenteadmitíssemos a realidade dos fenômenos. Eis porque todos aquelesque nesse ponto seguem a opinião corrente nunca lograram conciliara natureza e a liberdade. (KrV, B 565)

Esta passagem da Dialética seria problemática se Kant não tivesse afirmadoque a razão do homem, enquanto fundamento da definição dos objetos comofenômenos e, portanto, deste concebido enquanto noumenon, é, ela mesma, aúnica que não está subordinada à causalidade da natureza, à qual todas asrepresentações estão subordinadas. Somente nesta independência da razão dasleis da natureza consistiria a liberdade. Esta afirmação de Kant parece favorecernão só uma coerência com a doutrina da filosofia teórica da Crítica da razão puracomo também com as posteriores obras sobre filosofia moral. Pois, se apossibilidade da liberdade prática não pode ser conhecida nos pressupostos dafilosofia teórica, nada impede que o homem, como fundamento da representaçãodos objetos, enquanto fenômenos e, por isso mesmo, efeito também da causalidadede sua razão, a qual não é subordinada à causalidade da natureza, represente-se asi mesmo como livre no mundo inteligível. Esta representação, embora nãoconcebida do ponto de vista teórico, como conhecimento, pode ser, no entantoadmitida na medida em que o homem é ele próprio, por um fator de determinaçãoexclusivamente racional, consciente de sua liberdade. Este último aspecto serátrabalhado com maior aprofundamento, como veremos, na Crítica da RazãoPrática.

5. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LIBERDADE E CAUSALIDADE NAANALÍTICA DA CRÍTCA DA RAZÃO PRÁTICA E FECHO DA QUESTÃOMORAL

Conforme vimos sinalizando desde a apresentação do Prefácio à segundaedição da primeira Crítica, Kant àquela altura não manifestara jamais a ideia deescrever uma obra separada que viesse a chamar-se Crítica da Razão Prática.Acerca disso é interessante examinar a correspondência levada a efeito pelofilósofo, nesse período, tratando sobre o tema. Aqui, neste estudo, não vamos nosdeter nesta questão, basta somente ressaltar que, surpreendentemente, e apenas

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dois meses após a publicação desta referida segunda edição, Kant anuncia emcarta a um amigo0 a conclusão do que viria a ser conhecida como segunda Crítica.A intenção que o move no lançamento desta nova obra fica evidente, não comouma continuação, mas como fecho da crítica apresentada à metafísicaespeculativa, naquela primeira crítica, e como meio de justificar uma abordagemprática do tema liberdade. Pois se tomando a filosofia crítica de Kant como umsistema de resolução de problemas da razão pura, o conceito de liberdade ocupaum lugar estratégico e seguro na articulação da filosofia teórica com a prática, emrazão do tratamento dado a este conceito, no campo teórico, preparar o lugar queele deve ocupar no domínio prático a fim de fechar, logicamente, todo o sistemamoral kantiano.

Na Crítica da Razão Prática, portanto, Kant retoma o tema recorrente daliberdade na tentativa de esclarecer o enigma do como se pode questionar o usotranscendente das categorias no domínio teórico, ficando apenas preso, neste nívelao sensível ou fenomênico e, no entanto, admitir seu uso no domínio prático. Estaquestão parece ser esclarecida, segundo ele, se se procede a uma análise completada razão prática, pois esta apreciação irá demonstrar que, no âmbito da razãoprática, não se pretende uma extensão do conhecimento ao supra-sensível, mastem a ver com a vontade e sua determinação a priori. Não se trata de criticar umarazão prática pura, mas apenas de saber se uma tal razão existe, pois se ela existe“prova sua realidade e a de seus conceitos pelo ato e toda a argüição destapossibilidade é vã”. (KpV, Prefácio). Neste ponto é necessário destacar o corolárioque Kant retira desta constatação, a da existência de uma razão pura prática:

Com essa faculdade fica doravante estabelecida também a liberdadetranscendental e, em verdade, naquele sentido absoluto em que arazão especulativa, no uso do conceito de causalidade, a necessitavapara salvar-se da antinomia em que inevitavelmente cai ao quererpensar, na série da conexão causal, o incondicionado; conceito esseque ela, porém, podia fornecer só problematicamente, como nãoimpensável, sem lhe assegurar a respectiva realidade objetiva [...]”(KpV, 4, prefácio)

Kant, reanuncia ainda o caráter fundamental do conceito de liberdade, noprefácio da segunda Crítica, para a totalidade do sistema da razão pura, massomente “na medida em que sua realidade está demonstrada por uma leiapodíctica da razão prática” (KpV, A 4). Esta lei apodíctica da razão prática daqual é possível encontrar a realidade da liberdade é a lei moral. Pois, no pensar deKant “a lei moral é a ratio cognoscendi da liberdade, e conforme anota no rodapéda página:

[...] pois, se a lei moral não fosse pensada antes claramente em nossarazão, jamais nos consideraríamos autorizados a admitir algo como aliberdade (ainda que está não se contradiga). Mas, se não existisseliberdade alguma, a lei moral não seria de modo algum encontrávelem nós” (KpV, A 5).

A lei moral como suporte para a liberdade designa algo que nos permiteconhecer a coisa, constituindo assim, o fundamento de seu conhecimento. Nesteconceito de liberdade, a razão pura especulativa somente podia demonstrar que

0 Carta de Kant a Christian G. Schütz, datada de 25 de junho de 1787.

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não tinha em seu poder dado algum que autorizasse evidenciar suaimpossibilidade; nesta medida, chega ao seu limite, não lhe sendo possívelsustentar qualquer pretensão de conhecimento acerca deste conceito. Enunciar alei moral como ratio congnoscendi do conceito de liberdade significa um passo nosentido da afirmação desta, o que não poderia ser permitido pela filosofia daprimeira Crítica se não fosse dado um apontamento como fundamento deconhecimento inteiramente novo e não antevisto pela razão teórica, por está forado seu domínio. A razão prática pura aqui apresenta, com esta lei, uma razão novapara o conhecimento ou a afirmação da liberdade, uma vez que sem a certezadeste conceito “nem sequer encontraríamos em nós a lei moral” (ib.).

Se constituir em princípio para de chegar a dedução da liberdade é umpressuposto da lei moral, pois esta ao funcionar para o estabelecimento daliberdade, ao mesmo tempo “demonstra suficientemente sua realidade tambémpara a crítica da razão especulativa ao acrescentar determinação positiva a umacausalidade pensada apenas negativamente, cuja possibilidade lhe eraincompreensível, mas ainda assim lhe era necessário admitir” (KpV, A 83). Mesmona possibilidade da crítica da razão especulativa mostrar que este conceito deliberdade ou de uma causalidade livre não era contraditório, mesmo assim,permanecia, naquela esfera, incompreensível. A lei moral, em sendo válida, nãosomente afirma e estabelece a realidade da liberdade, como condição necessária,mas ainda vai além disso ao apresentar positividade de uma lei válida para odomínio, agora entreaberto, pela liberdade. A primeira crítica, como nóspretendemos demonstrar, aplaina o terreno para a crítica da razão prática, aofundamentar a possibilidade de uma causalidade livre contra todos os possíveisóbices levantados pela razão teórica. No lugar vazio e entreaberto pela crítica darazão especulativa, a razão prática pura agora instaura o seu domínio, tendo comoepicentro o conceito de liberdade “na medida em que sua realidade estádemonstrada por uma lei apodíctica da razão prática, constitui agora o fecho detoda a construção de um sistema da razão pura, mesmo especulativa” (KpV, A 4).Reafirmo aqui este ponto por ser de fundamental importância seu plenoentendimento para o sistema kantiano, no plano desenvolvido na segunda Crítica.

A Crítica da Razão Prática retoma, pois, um resultado da Crítica da RazãoPura, dando-lhe uma determinação que só é possível no domínio prático. A idéia daliberdade é um conceito da razão teórica, a qual, em seu afã de chegar aexplicações últimas, é levada a admitir a possibilidade de uma causalidade livre eincondicional. Mas, na experiência, vigora plenamente o princípio da causalidadenatural e condicional, não sendo possível encontrar nela um caso queexemplificasse o conceito de uma causalidade livre. A Crítica da Razão Práticapermite mesmo estabelecer uma certa linha de interpretação do que a Crítica daRazão Pura procurava realizar em relação ao conceito de liberdade:

assim, só pudemos defender o pensamento de uma causa agindolivremente, por termos mostrado que não se contradiz considerartodas as suas ações como fisicamente condicionadas, na medida emque são fenômenos, e ainda assim ao mesmo tempo considerar acausalidade das mesmas, na medida em o agente é um ser inteligível,como fisicamente incondicionada (KpV, A 84).

Deste modo, uma das distinções fundamentais da filosofia crítica kantiana,como vimos, é a que se dá entre os fenômenos ou seres do mundo sensível e os

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númenos ou seres inteligíveis, é mobilizada numa estratégia de defesa do conceitode liberdade, esta “pedra de escândalo para todos os empiristas” (KpV, A 13).Mesmo que não seja possível conhecer na experiência nenhum objeto a que sepudesse atribuir com fundamento uma tal propriedade e, mais ainda, mesmo quenão seja possível à razão teórica compreender a natureza de um objeto capaz deagir livremente, ainda assim “remove-se o obstáculo” (KpV, A 84) para assumiruma causalidade livre lá onde isto se torne necessário por razões que já não são darazão teórica. A estratégia de remoção de obstáculos é descrita pela Crítica darazão prática como ocorrendo em dois passos. Ptimeiro, deixa valer plenamente,na explicação dos acontecimentos no mundo sensível, inclusive das ações de seresracionais enquanto eventos no mundo sensível, o princípio do mecanismo danatureza, que manda ir sem parar do condicionado para a condição. Em segundolugar, mostra que a explicação condicional do entendimento não exclui que semantenha em aberto a perspectiva do inteligível, em que a razão teórica podesituar o incondicionado que impele suas indagações. Com isto:

mantém-se em aberto para a razão especulativa o lugar, para elavazio, a saber, do inteligível, para situar ali o incondicionado. Mas eunão pude realizar este pensamento, i. é, transformá-lo emconhecimento de um ser agindo assim, até mesmo segundo suapossibilidade. (KpV, A 84-85).

Com relação ao conceito de liberdade, a Crítica da razão pura adota, assim,uma posição defensiva, procurando salvaguardar o lugar, para ela vazio, de umaordem inteligível contra todos os ataques que possam vir de um pensamento quepretenda como exclusivas as explicações condicionais do entendimento. Fazendoisso, ela prepara o terreno para aquilo que a Crítica da razão prática procuraestabelecer em sua especificidade. Este lugar vazio é preenchido agora pela razãoprática pura pela lei moral, em um mundo inteligível, através da liberdade.

Kant, no entanto, não pretende determinar enfaticamente, os princípios dalei moral mas o fundamento dessa lei, os critérios de verdade que a sustentam. Éuma visão sobre a moral onde se busca fundar, através de método, as leis deverdade e, após, a aplicação destas leis. Existe, pois, para além da razãoespeculativa, uma razão pura prática cuja linguagem são prescrições, normas; é dagênese dessas prescrições que o filósofo trata na primeira parte da segundaCrítica. Na dedução das proposições fundamentais da razão prática pura, Kantdefende que:

a razão pura pode ser prática – isto é, pode determinar por si avontade independentemente de todo o empírico – e isto na verdademediante um factum no qual a razão pura deveras se prova em nóspraticamente, a saber, a autonomia na proposição fundamental damoralidade, pela qual ela determina a vontade ao ato. – Ela mostraao mesmo tempo que este factum vincula-se indissoluvelmente àconsciência da liberdade da vontade, antes, é identico a ela [...] (KpV,A 72).

Kant prossegue afirmando que “liberdade, se ela nos é atribuída, transporta-

nos a uma ordem inteligível das coisas” (ibid.). E faz uma ponte com a parteanalítica da primeira Crítica onde aponta haver um “um notável contraste entreambas”. Pois a lei moral fornece este factum absolutamente inexplicável, a não serpela possibilidade de indícios da existência deste mundo inteligível que, porém, até

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o pode determinar positivamente, permitindo-nos conhecer algo dele, a saber, umalei. A lei moral é, portanto, a lei fundamental de uma natureza suprassensível e deum mundo inteligível onde a liberdade se fundamenta. Em síntese, a coexistênciade dois planos, dá sustentação à afirmação da liberdade que sem violar as leismecânicas da natureza, tem seu fundamento numa natureza que Kant denomina dearquétipa conhecida apenas pela razão.

Na parte final da dedução das proposições fundamentais da razão práticapura Kant defende que:

a realidade objetiva da lei moral não pode ser provada por nenhumadedução, por nenhum esforço da razão teórica, especulativa ouempiricamente apoiada, e, pois ainda que se quisesse renunciar àcerteza apodíctica nem ser confirmada pela experiência e destemodo ser provada a posteriori e, contudo, é por si mesmo certa (KpV,A 82).

Assim a consciência da lei moral é anunciada como um fato da razão porquenão pode ser deduzida de outra instância qualquer, pois:

Pode-se chamar a consciência desta lei fundamental um fato darazão, porque não se pode derivá-la de dados precedentes da razão,p.ex., da consciência da liberdade (pois esta não nos é dada antes),mas porque ela se nos impõe por si mesma como proposição sintéticaa priori que não se baseia em nenhuma intuição, nem pura nemempírica (KpV, A 56).

Esta tese de que a consciência da lei moral é um fato da razão ancora decerta forma, toda a filosofia moral de Kant. Pois pela consciência da lei moralcomo único fato da razão, a razão prática pura, não complementa o esforço doconhecimento levado a efeito pela primeira Crítica, porém constitui seu domíniopróprio num campo em que esta foi forçada a reconhecer como inacessível paraela; a constituição da esfera prática repousa, toda ela, sobre a consciência da leimoral.

Ao invés de tentar, como podia parecer à primeira vista, uma dedução da leimoral, Kant a apresenta de forma apodíctica na qual o conceito de liberdade étrazido a foco para cumprir uma função essencial, porém não como ponto departida de uma dedução da lei moral que, pelo acima apresentado, é totalmentefora de propósito na esfera do mundo sensível, e sim como um pressupostonecessário da mesma. Tendo sido declarado que a lei moral não pode ser deduzidade nenhuma outra instância, ela é agora “colocada como um princípio da deduçãoda liberdade como uma causalidade da razão pura” (KpV, A83). Poder-se-ia tirardaí a conclusão de que, com isto, o conceito de liberdade foi deslocado para umsegundo plano, o dos pressupostos necessários, cuja realidade objetiva dependeinteiramente da validade daquilo de que são pressupostos. Todavia, não parecerser esta exatamente a posição de Kant, que vê nesta dedução da liberdade comopressuposto necessário da lei moral um abono de sua validade no âmbito dosistema da razão pura. Disso se pode concluir que:

esta espécie de credenciais da lei moral [...] é inteiramente sufici-ente no lugar de toda legitimação a priori, uma vez que a razãoteórica foi obrigada a admitir pelo menos a possibilidade de umaliberdade, para completar uma necessidade sua (KpV, A83).

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Com a dedução da realidade da liberdade a partir da lei moral, a Crítica darazão prática dá um fecho à perspectiva sistemática aberta pela Crítica da razãopura, na medida em que defendia a possibilidade de uma causalidade livre,encontrando assim o espaço onde isto se pode fazer possível, ou seja, no usoprático da razão.

REFERÊNCIAS KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos eAlexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª edição,2001.______ . Crítica da Razão Prática. Tradução Valério Rohden. São Paulo: MartinsFontes, 2003.PERIN, Adriano e MORAES, Solange. A Teoria Kantiana da Causalidade porLiberdade na “Crítica da Razão Pura”. Disciplinarum Scientia, Série: CiênciasSociais e Humanas, Santa Maria, V.2, n.1, p. 15-35, 2001.BELKENKAMP, Joãozinho. O Lugar Sistemático do Conceito de Liberdade naFilosofia Crítica Kantiana. Kante-prints. Campinas, Série 2, v.1, n.1, p. 31-56, 2006.SILVA, Ailton José. A Noção de Liberdade na Terceira Antinomia da Crítica daRazão Pura. São João Del-Rei: 2003.

Enviado para publicação: 27/03/2013

Aceito para publicação: 15/04/2013

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4. ENSAIO SOBRE O AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM: desafios e propostas

ESSAY ON THE LEARNING MANAGEMENT SYSTEM:Challenges and purposes

Cláudia Rödel Bosaipo Sales da Silva 0

Resumo. Este trabalho tem como objetivo apresentar o contexto do AmbienteVirtual de Aprendizagem, o chamado “AVA”. Ele permite a disponibilização doconteúdo programático do professor-tutor aos seus alunos durante a realização deum curso feito na modalidade “ensino a distância” (modalidade que se encontra emgrande crescimento sendo implantada em várias instituições públicas eparticulares). O “AVA” faz uso de uma série de interfaces: interatividade,comunicação, efeitos visuais, além disso, pode exercitar atributos da área afetiva.Um exemplo de “AVA” bem difundido é o Moodle.

Palavras-chave: AVA – Educação – Ensino – Ensino a distância

Abstract: The main scope of this essay is to present LMSs (Learning ManagementSystems). It allows the teacher to free up programmatic content to their studentswhile they are studing in a course in a distance teaching way (modality which is ingreat growth nowadays, and it is embedded on many places of education eitherpublic or private). O LMSs uses many interfaces: interactivity, communication,visual effects, and can exercises features of the affective area. An known exampleof LMSs is the Moodle software.

Key Words: LMS – Education – Education – Distance teaching way

0 Cap QCO Informática - MSC Engenharia de Sistemas e Computação- COPPE-UFRJ. Departamento de Educaçãoe Cultura do Exército (DECEx) – Seção de Ensino a Distância da Assessoria de Tecnologia da Informação eEducação a Distância. Contato: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

A educação a distância é caracterizada, dentre outras questões, peladistância geográfica, mobilidade, gerenciamento correto do recurso do tempo econhecimento. Onde existirem computadores conectados à internet, haverá alunosem potencial.

Para que o conhecimento possa ser construído e os alunos acompanhadosdurante um curso na modalidade “Ensino a Distância”, é necessário, além deoutras necessidades, um ambiente tecnicamente propício. Este ambiente échamado de Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).

A tecnologia aplicada no desenvolvimento do ambiente é um dos desafiosdos profissionais de Tecnologia da Informação (TI). Dessa forma, estas ferramentaspermitem a colaboração com os educadores e docentes para refinamento doprocesso de aprendizagem. O alinhamento tecnologia/educação favorece o avançoda educação a distância.

A disponibilização de conteúdo potencializado com o recurso tecnológicotraz benefícios à qualidade de aprendizagem (BASTOS, 2011) o diálogo daeducação – tecnologia é para criar uma linguagem de ação comunicativa em buscade caminhos e indicativo de horizontes. De acordo com o mencionado por UbiratanD’ambrosio (D’AMBROSIO, 2003), é difícil conseguir uma educação de qualidadesem a tecnologia, logo observa-se novamente a forte ligação entre os doiscontextos educação-tecnologia.

A forma de organização do conteúdo a ser estudado, em consonância com odesign bem estruturado no ambiente virtual de aprendizagem construído, faz comque o aprendiz fique motivado. E, segundo Almeida (ALMEIDA,2006), o maiordesafio para os desenvolvedores de softwares educacionais é criar ambientesflexíveis para permitir ao usuário o seu envolvimento, de tal forma que faça suasdescobertas e representações, deixando o espaço virtual para que o aluno sinta-selivre sem ficar confuso. Logo, há o estímulo da exploração do ambiente, fato esteque desenvolve o processo de autonomia do aluno, já que o aprendiz sente-seenvolvido com o conteúdo disponibilizado durante o processo de aprendizagem.

Outros fatores como a mediação pedagógica e a estratégia do curso emquestão influenciarão “o ser autônomo”, porém os recursos tecnológicos sãodiretamente proporcionais ao despertar de estímulos do autoditada. Para vencer osdesafios no decorrer do curso, é essencial o comprometimento do aprendiz. Aodominar as questões técnicas e absorver o conteúdo, há a construção doconhecimento com acervo significativo e gerando melhorias no processo cognitivo.

No AVA, a escrita acontece de forma mais forte, e por meio destemecanismo, juntamente com os recursos técnicos acontecem interações entrealuno/professor-tutor, aluno/aluno, surgindo desta forma o estabelecimento decomunicação de forma a exercitar o atributo afetividade.

As atividades ministradas podem ser desenvolvidas no tempo, espaço e ritmodo aprendiz devido à existência de conjuntos de tecnologia de informação ecomunicação (TICs) que apóiam as técnicas educacionais. Logo, fomenta-se acolaboração e a interação entre os participantes com discussões, coleta e revisãode tarefas.

No ambiente virtual de aprendizagem existem grupos de ferramentas: as decoordenação, suporte para organização dos cursos; de comunicação, responsáveispela facilitação da comunicação no processo ensino-aprendizagem e estímulo da

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colaboração e interação entre os participantes; de produção, oferecem o espaço depublicação e organização do trabalho dos alunos; e de administração, oferecemrecursos de gerenciamento.

2. UM AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM

Um exemplo bem conhecido de AVA é o Moodle, que foi desenvolvido porMartin Dougiamas em 1996. É um software que possui visões de usuário(administrador, criador de cursos, professor, aluno, visitante) e propicia aos tutoresinserirem seus conteúdos prontos, deixando o material disponível para leitura eapoio durante o processo de aprendizagem. Permite ainda lançar mão dasatividades que nada mais são mais que um conjunto de ferramentas decomunicação e discussão (fórum, bate-papo), construção coletiva (trabalho, wiki),pesquisa (questionários) e disponibilização de materiais (artigos, publicações,livros). Muitas instituições utilizam o Moodle como plataforma para a realização decursos sendo que outras o utilizam como “blended learning”, ou seja, apenas comouma forma de contato.

O Moodle é um software de código aberto que necessita ser instalado em umservidor WEB. Sendo de código aberto, permite que a instituição possa adaptá-lode acordo com sua necessidade, de tal forma que seja customizado. O Moodleconta com traduções para 50 idiomas diferentes, dentre eles, o português, doBrasil, o espanhol, o italiano, o japonês, o alemão e o chinês.

Ao acompanhar a evolução do Moodle, verifica-se sua importância naEducação a Distância, pois existem inúmeras instituições espalhadas pelo mundoque utilizam essa plataforma. Com o passar do tempo, o reconhecimento eaceitação pelo sistema aumenta consideravelmente. No Brasil, ele ainda é poucoaplicado, porém sua utilização vem melhorando expressivamente; Já, Portugal éum dos países de maior crescimento do Moodle na Europa, e é classificado comorepresentante oficial esta plataforma.

Logo, observa-se que o ambiente virtual de aprendizagem permite à EADatingir um patamar de intensa difusão. De acordo com Almeida (ALMEIDA, 2009),o ambiente virtual possui características que tornam a sala virtual uma sala deaula presencial quase na sua totalidade. Por meio dos mecanismos de comunicaçãoembutidos no ambiente, o AVA consegue aproximar alunos e professores-tutoresdiminuindo a sensação da distância física existente.

Em abril de 2009, a Associação Brasileira de Ensino a Distância (ABED)divulgou o censo em números de 2008, em que 2,64 milhões de brasileirosestudaram por EAD distribuídos em 1752 cursos. Estes estavam distribuídos daseguinte forma ao longo dos anos:

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Gráfico 1-Percentual de Cursos de Pós-Graduação, Mestrado, Aperfeiçoamento e Extensão

a Distância.

A redução observada no gráfico acima, em termos percentuais, de acordocom as informações citadas no portal da ABED, deve-se ao crescimento de ofertade graduações a distância. Pelos Dados do MEC em 2009, o ensino a distânciacontava com a distribuição de instituições da seguinte maneira:

Gráfico 2- Distribuição por tipo de instituição quanto ao uso da modalidade EAD

Outro ponto importante é o total de benefícios acumulados, tendo em vistaque muitas instituições pretendem investir em EAD; conforme o anuário E-learningBrasil 2009/2010, o total destes benefícios acumulados em 2008 superou R$ 4.5bilhões havendo retorno significativo em pouco mais de 5 meses. No ano de 2013deve haver a superação destes benefícios na casa dos R$ 18 bilhões comcrescimento médio de 17%.

O curso ministrado em uma plataforma bem estruturada, com o conteúdoprogramático bem elaborado e adequado, com acompanhamento pedagógico firmee zelo para com a formação do aluno, pode exemplificar um caso de sucesso decurso na modalidade EAD. Muitas instituições renomadas e de credibilidade estãoinserindo-se no contexto de ensino por meio desta modalidade.

O AVA Moodle dinamiza a maneira de ensinar, aprender, avaliar, verificar,deixando a marca das tecnologias na educação. Porém é inevitável que as práticasdocentes devem ser revistas e aprimoradas com metodologias e retroalimentação,assim como todo o contexto envolvido no ambiente educacional.

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Hoje em dia, fala-se muito de pedagogia digital aliando a tecnologia e osfundamentos teóricos de educação. Como já mencionada anteriormente oAmbiente Virtual de Aprendizagem pode ser personalizado e a partir daí através doalinhamento entre as propostas e conteúdo do curso juntamente com os interessese anseios do aluno, haverá condição de potencializar todo o contexto deaprendizagem.

Existe o incentivo da troca de informações entre aluno/aluno ealuno/professor, e conseqüentemente há a construção do conhecimento conjunto,compartilhado que caracteriza o ambiente como colaborativo e interativo.

Observa-se que o aluno tem condição, estando inserido neste ambiente, dedesenvolver sua autonomia e gestão adequada de uso do tempo e conhecimento, eassim ter o seu aprendizado de modo mais flexível, porém, o seu professor agirá detal forma que possibilite o acompanhamento lado a lado deste aluno, (tal como emuma sala presencial) para que continue o estímulo e ambos alcancem os objetivosestipulados.

Como a nossa sociedade está em constante processo de transformação, ehoje, a era da informação está acontecendo, o mundo é globalizado, a sociedadeencontra-se centrada na Educação, torna-se necessário o aprimoramento dospensamentos de Educação. A demanda educativa não pertence apenas àquelafaixa etária que tradicionalmente freqüenta cursos em escolas /universidades epassou a também aos anseios do público que precisa cada vez mais se aperfeiçoare, continuamente se atualizar para o competitivo mercado de trabalho.

Com criatividade e modernidade consegue-se atingir um patamar dedesenvolvimento tecnológico, enfocando principalmente as telecomunicações einformática que nos permite alcançar as ciências humanas e biológicas atingindouma difusão em massa no tocante ao processo educacional.

Os AVAs têm sido cada vez mais popularmente utilizados para atender ademanda de diversos públicos, atingindo o mundo acadêmico e corporativo com afinalidade de suprir a demanda educacional ora provocada por toda estatransformação ocasionada pela era da informação. Procura-se estudar cada vezmais profundamente o tipo da estrutura humana e tecnológica para embasar oprocesso educacional (ensino-aprendizagem).

O aluno que ingressa em um curso a distância atualmente possui muitasexpectativas quanto a este curso, como por exemplo: os assuntos ministrados, aforma de condução dos assuntos, a atitude do professor/tutor, a parceria com oscolegas, como ele se adaptará a tecnologia, dentre outras. A utilização doAmbiente Virtual de Aprendizagem faz com que este mesmo aluno, possa tercondições de usufruir da melhor forma possível do seu curso. Claro que é uma viade duas mãos: tanto o aluno deve ser autônomo ou, aprimorar esta qualidade, serorganizado, fazer gestão de seu tempo de forma ao estudo contínuo; como oprofessor/tutor deverá ter uma postura de acompanhamento, presença constante,estimulando a pesquisa e mostrando que a distância não atrapalha a construção doconhecimento.

No ambiente virtual a interatividade é expressa através de ferramentas dediscussão como Fóruns, Chats ou atividades que estimulem a comunicação e trocade idéias entre todos os atores do cenário virtual (como vídeo-aulas emconferência). A sala virtual é estruturada em plataformas ou softwares (como oMoodle), e , possui uma série de recursos que podem ser explorados facilitando acomunicação, interação, auxílio, acesso do material, compartilhamento de

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informações, compreensão do conteúdo disciplinar, acompanhamento de pessoaltornando o processo ensino-aprendizagem um trabalho conjunto. Além disso, asinformações disponibilizadas na sala de aula virtual são facilmente manipuladaspor gestores, tutores, coordenadores e alunos. Com a utilização adequada dosrecursos, existe uma relação de cristalinidade entre todos, pois todo material temcondições de ser organizadamente alocado fornecendo claramente as informações,favorecendo a boa condução do curso.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao finalizar o presente trabalho, é importante ressaltar que à modalidadeEnsino a Distância em um curso, é algo que fica cada vez mais necessário dentrodo escopo do mundo atual, com a crescente demanda por atualizações, reciclagense posturas profissionais. Porém é importante salientar a seriedade com que deveser estruturada, lançando mão de uma plataforma tecnológica robusta, compondoo Ambiente Virtual de Aprendizagem que atenda as necessidades técnicas assimcomo a utilização de uma equipe de professores/tutores/gestores que acompanhemas fases do curso e forneçam os subsídios para seus alunos/estudantes possamtirar proveito com sucesso de seu estudo.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria I. Apontamentos a respeito da formação de professores. In:BARBOSA, Raquel L. L. (Org.). Formação de Educadores: artes e técnicas,ciências e políticas. São Paulo: Editora Unesp, 2006.

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Enviado para publicação: 26/02/2013

Aceito para publicação: 20/03/2013

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5. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO E INCLUSÃODIGITAIS NO BRASIL E NO CEARÁ: O CASO DO PROINFO

INTEGRADO

PUBLIC POLICY OF DIGITAL EDUCATION AND INCLUSION IN BRAZIL AND THE CEARÁ:

THE CASE OF THE INTEGRATED PROINFO

Lisimere Cordeiro do Vale Xavier 0

Antonio Roberto Xavier0

Resumo. O presente estudo tem como escopo principal debater sobre as políticas públicasde educação tecnológica no Brasil e no Ceará destacando, especificamente, o ProgramaNacional de Tecnologia Integrado (PROINFO INTEGRADO). O fio condutor deste artigopauta-se na seguinte problemática: o que são políticas de educação digital? Como fomentaressas políticas? Metodologicamente este artigo é de abordagem qualitativa utilizando-se deestudo exploratório-bibliográfico e está dividido em 5 (cinco) subtópicos, além daintrodução, considerações finais e referências. Inicia-se conceituando e definindo o que sãopolíticas públicas, suas origens e amplitudes. Em seguida, a discussão gira em torno daspolíticas públicas educacionais e suas tecnologias a partir da Constituição Federal de 1988,no Brasil. Dando prosseguimento, o debate aborda sobre o surgimento do PROINFOINTEGRADO como uma política pública do governo federal voltada para a educação digitalno âmbito nacional e estadual. Com efeito, este estudo é de natureza teórica e sustenta-seem fontes bibliográficas, tais como: Laswell (1965); Châtelet; Duhamel; Psier-Kouchner(2000); Bobbio (2002); Queiroz (2003); Xavier (2009); Hill (2003); Constituição Federal doBrasil (1988); Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n°. 9394 (1996); DecretoFederal nº 6.300 (2007), que institui o PROINFO INTEGRADO, dentre outras obras.

Palavras-chave: Educação – Ensino – Educação Tecnológica – Políticas Públicas

Abstract: The present study has as main target to debate on the public politics oftechnological education in Brazil and the Ceará detaching, specifically, the NationalProgram of Integrated Technology (INTEGRATED PROINFO). The conducting wire of thisarticle following guideline in the problematic one: what they are politics of digitaleducation? How to foment these politics? Metodologicamente this article is of qualitativeboarding using itself of exploratório-bibliographical study and is divided in 5 (five)subtópicos ones, beyond the introduction, final considerações and references. It is initiatedappraising and defining what they are public politics, its origins and amplitude. After that,the funny quarrel around educational the public politics and its technologies from theFederal Constitution of 1988, in Brazil. Giving continuation, the debate approaches on thesprouting of the INTEGRATED PROINFO as one public politicy of the federal governmentdirected toward the digital education in the national and state scope. With effect, this study

0 Professora da Rede Estadual e Municipal da Educação; Mestra em Planejamento e Políticas Públicas – UECE;Especialista em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa – UECE; Graduada Plena em Pedagogia e Letras –UECE; Prestadora de serviços nos Cursos Superiores de Graduação e Pós-graduação (Lato Sensu) nas IES: FVJ,UVA, IESC e FACEDI. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0158837362272266 - Contato: [email protected]

0 Sgt da PMCE; Graduado Pleno em História – UECE; Especialista em História e Sociologia – URCA; Mestre emPlanejamento e Políticas Públicas – UECE; Mestre em Políticas Públicas e Sociedade – UECE e Doutorando emEducação – UFC. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6041487079855448 - Contato: [email protected]

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it is of theoretical nature and it is supported in bibliographical sources, such as: Laswell(1965); Châtelet; Duhamel; Psier-Kouchner (2000); Bobbio (2002); Queiroz (2003); Xavier(2009); Hill (2003); Federal constitution of Brazil (1988); Law of Lines of direction andBases of National Education n º. 9394 (1996); Federal decree nº 6,300 (2007), that itinstitutes the INTEGRATED PROINFO, amongst other workmanships.

Key Words: Education – Education – Technological Education – Public Politics

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1. INTRODUÇÃO: POLÍTICAS PÚBLICAS: CONCEITOS E PRINCÍPIOS

Antes de se adentrar ao debate sobre políticas públicas de educação digitalfaz-se necessário conceituar e definir o que são políticas públicas, suas origens edimensão.

Os estudos das políticas públicas começaram em 1922, quando CharlesMerriam, cientista político Norte-americano, procurou interligar a política, a teoriae à práxis sócio histórica. A partir dos estudos e da práxis empreendida porMerriam, inúmeras questões passaram a ser tratadas pelas políticas públicas;política externa, segurança pública, políticas de saúde, políticas de bem-estarsocial em geral e, em particular, a questão da inclusão no cerne da educação.

Fomentando e incrementando as ideias de Merriam, Lasswell (1965),sistematizou e relacionou às políticas públicas à Policy Sciences. Essas ideiasforam edificadas no contexto da academia e defendiam a criação de uma ciênciasocial que pudesse intermediar as ações e decisões governamentais com vistas àidentificação e resolução de problemas que viessem melhorar as condições de vidados cidadãos (apud CARNEIRO, 2007).

Enfatiza-se que as políticas públicas em primeira instância sãoempreendimentos sócio-políticos efetivados por um Estado-Nação, contudo essasações são atravessadas e mediadas por um reclame social que expressam edemandam necessidades coletivas diversas no contexto político, econômico,cultural e de forma relevante no contexto da inclusão educacional que semprerequere a apropriação da técnica e do saber que é sempre histórica e socialmenteconstruído. Todavia, com especial atenção, na contemporaneidade, ainda, as açõessociais ou políticas sociais podem ser implementadas por setores privados, atoresnão governamentais, instituições religiosas e instituições culturais, que entendema necessidade de programar, implementar e investir em políticas sociais denatureza diversas, haja vista que, o Estado, segundo estas, não dá conta dademanda nem do reclame social existente.

No ocidente as políticas públicas se projetaram sistematicamente somente apartir da segunda metade do século XX. Contudo, sua gênese está fincada naGrécia antiga, (século VI a. C),

[...] as organizações político-sociais tradicionais eram [...], realezasde tipo feudal, onde predominavam grandes famílias – “os bemnascidos” – que exerciam sua autoridade política, religiosa, jurídica eeconômica sobre um pequeno povo de agricultores, artesãos epescadores; e, nas terras bárbaras, vastos impérios comandados porum déspota que impunha uma dominação absoluta, apoiado emcastas militares, sacerdotais e técnico-administrativas (CHÂTELET;DUHAMEL; PSIER-KOUCHNER, 2000, p. 13).

Em contexto, o termo política deriva do grego antigo πολιτεία (politeía), quese referia a todos os procedimentos pertinentes à pólis, ou cidade-Estado. Estapodia significar a sociedade, a coletividade, a comunidade e outras atividades davida urbana. Com o passar do tempo, o termo se estendeu ao latim “politicus”, e asdemais sociedades europeias através do termo francês “politique”, que desde 1265significa ciência de governo dos Estados ou ciência social que trata dos fenômenosdo Estado e do governo (BOBBIO, et. al. 2002; QUEIROZ, 2003).

Desse modo, as políticas efetivadas pelos governantes devem serdirecionadas para as atividades socias relacionadas às coletividades ou a vivência

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em sociedade, pois no entendimento atual, as políticas públicas são tentativasgovernamentais para resolver problemas que comprometem o bem-estar coletivo.Para tanto, os governantes, seja no âmbito federal, estadual ou municipal,desenvolvem políticas públicas que se traduzem em forma de leis, regulamentos,normas, decisões e ações que devem atender uma determinada demanda numdado contexto, considerando-se as diferentes peculiaridades, sejam elas, culturais,sociais e/ou econômicas.

De um modo geral, as políticas públicas, são empreendidas a partir doproblema existente (diagnóstico), o qual exige e determina um planejamento deatendimento, a priori; dos protagonistas envolvidos; e, da política pública a serempregada, que é a ação ou decisão final tomada, consensualmente, com ossujeitos envolvidos. Conforme Bobbio “[...] uma política pública também facilitaamplos consensos sociais e promove o desenvolvimento do sistema institucional,tornando possível o controle e a responsabilidade pública dos governos de plantão[...]” (apud XAVIER, 2009, p. 93).

A América Latina, hoje, e em especial o Brasil, têm como referência para oempreendimento de suas políticas os paradigmas de países onde as políticaspúblicas já passaram por análise científica, tais como: Inglaterra e Estados Unidos.Essas políticas foram analisadas estruturalmente em três dimensões: estrutura,processo e resultado, ou seja, polity, politics e policy, conforme a concepçãooriginal no inglês (CARNEIRO, 2007).

A estrutura (polity) refere-se ao tipo de sistema político em que umasociedade se organiza – cidade-estado (polis), Império, Monarquia, Estado –,define, determina e mantém os padrões de vida em sociedade. O processo (politics)é a dinâmica dos componentes da estrutura, ou seja, é a forma de como ospartidos, associações, agremiações, instituições e os próprios sujeitos sociais secomportam, agem e atribuem formas às políticas públicas visando o bem comum.Neste sentido, enquanto a estrutura (polity) pauta-se na estabilidade, o processo(politics), prima pela a ação num constante dinamismo de ação. Por último, oresultado (policy) como sendo o produto final ou síntese da aplicação dos doisprimeiros componentes da política, ou seja, o retorno (HILL, 2005 apudCARNEIRO, 2007).

Num plano geral, os diversos segmentos que empreendem em políticaspúblicas ou políticas sociais, sejam seguimentos de governo ou segmentos nãogovernamentais, partem do pressuposto, de que estas devem está incluídas nosprogramas e diretrizes governamentais. Acredita-se que é dever do Estadoproporcionar sempre as ferramentas indispensáveis e estratégicas que garantam aqualidade social de vida à todo cidadão, muito embora, reconheçam-se as muitasincógnitas e variáveis sócio-políticas existente entre Estado e setores nãogovernamentais. Segundo Bucci (2001, p. 06)

Por definição, todo direito é política pública, e nisso está a vontadecoletiva da sociedade expressa em normas obrigatórias; e todapolítica pública é direito; nisso ela depende das leis e do processojurídico para pelo menos algum aspecto da sua existência (apudXAVIER, 2009, p. 94).

A expressão, política pública, faz referência à determinados programas eações de governos que atendem certas demandas sociais. Nesse sentido, aspolíticas públicas de inclusão social e por consequência, de inclusão digital, serão

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sempre mais robustas, quando atendidas de acordo com as reivindicações dasociedade civil.

As políticas públicas e seus impactos na sociedade mereceramestudos de especialistas por tornar-se fundamentais para acompreensão do Estado e sua tomada de posição diante de questõessociais. Essa postura viabiliza a compreensão da sua natureza, porum lado, e possibilita o entendimento das diversas formas deorganização da sociedade civil e sua relação com o setor público, poroutro. A atualidade desse tipo de conhecimento está nas mudançaspolíticas ocorridas nas últimas décadas, o que torna imprescindível oplanejamento (PARENTE, 2001).

As políticas públicas no Estado Democrático de Direito serão sempreefetivadas de maneira satisfatória se a população participar, planejar, contribuirpara seu desenvolvimento e, sobretudo, fiscalizar (XAVIER, 2007).

2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO E TECNOLOGIAS A PARTIR DACONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, NO BRASIL.

Ao falar sobre as políticas públicas de educação no Brasil parte-se dopressuposto de que elas estão incluídas nos direitos fundamentais, universais einalienáveis e que é dever do Estado proporcionar políticas públicas que garantama qualidade social da educação bem como o acesso e permanência de todos osbrasileiros e brasileiras. Nesse sentido, o poder público há de garantir e construirespaços de participação direta, indireta e representativa, nos quais a sociedadecivil possa atuar efetivamente na definição, gestão, e execução de políticaspúblicas educacionais e de suas tecnologias.

Nessa perspectiva, a Constituição Federal – CF (1988) estabelece:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, serápromovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando aopleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício dacidadania e sua qualificação para o trabalho [...]. O ensino seráministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade decondições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade deaprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e osaber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, ecoexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV –gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V –valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei,planos de carreira para o magistério público, com piso salarialprofissional e ingresso exclusivamente por concurso público deprovas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas asinstituições mantidas pela União; VI – gestão democrática do ensinopúblico, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade(ARTs. 205- 206).

O texto Constitucional coaduna com a redação da Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional – LDBEN, Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996,salvaguardando algumas permutas de categorias que podem implicar em sutisestratégias de linguagem do discurso ideologicamente pensadas. Como observaSaviani (2006), houve mudança de alguns detalhes na redação do texto da LDBEN.O primeiro deles é a inversão operada no enunciado do art. 205. Enquanto ali se lê

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que a educação é “dever do Estado e da família”, na lei está escrito “dever dafamília e do Estado” (SAVIANI, 2006, p. 202). A segunda inversão categórica naLDBEN, observada por Saviani trata do princípio expresso no inciso V do artigo206 da Constituição:

Valorização dos profissionais de ensino, garantindo, na forma da lei,planos de carreira para o magistério público, com piso salarialprofissional e ingresso exclusivamente por concurso público deprovas e títulos, assegurando regime jurídico único para todas asinstituições mantidas pela União.

Na LDBEN, Art. 3º, esse princípio, também, foi reduzido para “valorizaçãodo profissional da educação escolar” (p. 203). Um terceiro detalhe importanterelativo às garantias educacionais está expresso no Art. 208, inc. VII, § 1º, da CF:“O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”.

Questionando sobre essas mudanças operacionais de categorias ocorridaspela contraposição das diferentes estratégias de linguagem, Saviani (2006) instigaa se levantar a seguinte indagação: porque o Estado em sua redaçãoconstitucional, assume posição subsidiária, em relação a sua atuação no queconfere a educação de seus concidadãos? Não se teria, então, mais uma estratégianeoliberal de se tornar o Estado cada vez mais “mínimo para o social e máximopara o capital”? Não será assim, pelas vias desses meandros, que a esferaeducativa privada, prevalece sobre a pública?

Ainda, no segundo caso, onde a lei omite a expressão: “[...] asseguradoregime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União”, não seriauma antecipação ao empenho em que se encontra o governo em eliminar, mediantereforma constitucional, o regime jurídico único e, assim, ir eliminandogradativamente as garantias sociais conquistadas à duras penas pelas lutas dostrabalhadores? E No terceiro caso “O acesso ao ensino fundamental é direitopúblico subjetivo” não deixa a lei brechas e incentivos para que haja uma emendaconstitucional que elimine o direito ao ensino obrigatório e gratuito ou reduza essagarantia apenas ao ensino fundamental? (SAVIANI, 2006, p. 203; SADER;GENTILI, 1995; CASTEL, 1998, 2005; ARENDT, 1991).

Desse modo, é tarefa de todos e de todas que acreditam no direito àeducação pública e de qualidade, exigir que o Estado otmize as políticas deeducação, não apenas como um simples acesso às escolas, pois se sabe que épreciso efetivar a permanência e garantir a apropriação ao conhecimentocientífico-tecnológico e socialmente construído, pois bem se compreende queexiste uma relação que vai da ciência à técnica, da técnica à indústria, da indústriaà sociedade, da sociedade à ciência (MORIN, 2010). Nesse sentido, é que se esperaque as políticas públicas democratizem os diversos âmbitos do saber que em regraconstituem um campo de atuação por parte do Estado como tantas outras: saúde,segurança, habitação, assistência social, previdência, etc. (CASTEL, 1998).

3. POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO DIGITAL NO BRASIL: O CASO DOPROGRAMA NACIONAL DE TECNOLOGIA INTEGRADO

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Pensando-se numa educação de qualidade e no “Déficit Tecnológico emEducação” (DEMO, 1996), o Ministério da Educação em parceria com a Secretariade Educação a Distância (Seed), lançaram o Programa Nacional de TecnologiaEducacional Integrado (PROINFO INTEGRADO), instituído pelo Decreto Federal nº6.300, de 12 de dezembro de 2007, que postula a integração e articulação deambientes tecnológicos nas escolas com fins de promover o uso didático-pedagógico de mídias e recursos tecnológicos digitais capazes de otimizar ainformação e a comunicação na rede pública de ensino, formando e capacitandode forma continuada professores, alunos e demais agentes educacionais envolvidosno processo de ensino-aprendizagem. Para este fim, o Programa promovido pelaSecretaria de Educação a Distância e o Ministério da Educação e Cultura(Seed/MEC) em parceria com o Conselho dos Secretários Estaduais de Educação(Consed) e com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime)disponibilizam conteúdos e recursos educacionais de multimídias digitais para arede pública de ensino no Brasil.

Esse Programa, inicialmente, intitulou-se Programa Nacional de TecnologiaEducacional (PROINFO), posteriormente foi redimensionado e passou a intitular-sePrograma Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional – ProinfoIntegrado. Esse passou a congregar articuladamente um conjunto de PolíticasPúblicas e determinados processos formativos; dentre eles o Curso de Introdução àEducação, o Curso de Introdução à Educação Digital Guia do Formador, o Curso deIntrodução à Educação Digital Guia do Cursista, o Curso de Tecnologias naEducação: Ensinando e Aprendendo com as Tecnologias da Informação eComunicação – TIC, o Curso de Formação Continuada para Professores do EnsinoFundamental e Médio da Rede Pública de Ensino, todos, coordenados pelaSecretaria de Ensino à Distância (SEED) e pelo Ministério da Educação (MEC),onde a professora Leda Fiorentini, professora da Universidade de Brasília (UNB)teve grande colaboração (MEC/SEED/ PROINFO INTEGRADO, 2008).

Esse Programa está consolidado em três diretrizes básicas:

a) a instalação de ambientes tecnológicos nas escolas (laboratóriosde informática com computadores, impressoras e outrosequipamentos, e acesso à internet – banda larga); b) a formação continuada dos professores e outros agenteseducacionais para o uso pedagógico das Tecnologias de Informação eComunicação (TIC); c) a disponibilização de conteúdos e recursos educacionaismultimídia e digitais, soluções e sistemas de informaçãodisponibilizados pela SEED/MEC nos próprios computadores, pormeio do Portal do Professor, da TV/DVD escola etc. O objetivo central desse Programa é a inserção de tecnologias dainformação e comunicação (TIC) nas escolas públicas brasileiras,visando principalmente a: a) promover a inclusão digital dos professores e gestores escolaresdas escolas de educação básica e comunidade escolar em geral; b) dinamizar e qualificar os processos de ensino e de aprendizagemcom vistas à melhoria da qualidade da educação básica. Esse Programa cumprirá suas finalidades e objetivos em regime decooperação e colaboração entre a União, os Estados, o DistritoFederal e os Municípios (MEC, 2008).

Esses processos formativos constituem, indubitavelmente, uma das medidasrevitalizadoras ao PROINFO original que lançado no Brasil desde 1996, vem

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ressignificando as justificativas principais de dinamizar a qualidade do ensino, daspesquisas, da construção e reconstrução do conhecimento e do saber, desse modo,construindo novas formas de pensar, estudar, trabalhar, viver e conviver no mundoatual, onde um dos principais objetivos é

[...] contribuir para a inclusão digital de profissionais da educaçãobásica dos sistemas públicos de ensino (professores e gestoresescolares). Tem também a intenção de promover a reflexão sobre oimpacto das transformações provocadas pela evolução das mídias eda tecnologia na sociedade e, a partir do uso de recursostecnológicos do computador, dinamizar as práticas pessoais epedagógicas (MEC/SEED/PROINFO INTEGRADO, 2008).

Dessa forma, o PROINFO INTEGRADO em seu nascedouro acreditavanuma profunda transformação nas “instituições educacionais e outrascorporações” (BRASIL, 1996, p. 6). Além disso, o PROINFO INTEGRADO se propõecumprir com seus objetivos de “preparar o indivíduo para uma nova gestão socialdo conhecimento, apoiada num modelo digital explorado de forma interativa “[...].“E o locus ideal para deflagrar um processo dessa natureza é o sistemaeducacional.” (BRASIL). Os objetivos originais do PROINFO são:

1. Melhorar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem [...]; 2.Possibilitar a criação de uma nova ecologia cognitiva nos ambientesescolares mediante incorporação adequada das novas tecnologias dainformação pelas escolas [...]; 3. Propiciar uma educação voltadapara o desenvolvimento científico e tecnológico [...]; 4. Educar parauma cidadania global numa sociedade tecnologicamentedesenvolvida [...]; (BRASIL, 1996: 7).

Vale ressaltar que o PROINFO INTEGRADO oferece a possibilidade deinserção de tecnologias da informação e comunicação nas escolas públicasbrasileiras e principalmente proporciona a inclusão digital de comunidadesescolares através de uma ação concentrada em prover às escolas públicas com ainfraestrutura tecnológica necessária as demandas educacionais, conectando-as, àinternet que substancialmente disponibiliza conteúdos educacionais de multimídia.Sobretudo, o PROINFO INTEGRADO objetiva capacitar os agentes educacionais,alunos, professores, gestores e funcionários que terão a oportunidade depesquisar, desenvolver e disseminar experiências pedagógicas de forma integradano âmbito educacional.

4. INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO DIGITAL A PARTIR DO PROINFOINTEGRADO

O Curso de Introdução a Educação Digital promovido pelo Ministério daEducação (MEC) e a Secretaria de Educação à Distância (SEED) apresentam comopressupostos relevantes a apropriação, conhecimento e o uso dos recursos básicosque formam os computadores, tais como – Hardwares: monitor, teclado, drives,memórias, placas, estabilizador, impressora, escaner, câmera, mouse, gabinete,além de sistemas operacionais substanciais que possibilitam ativar o softwarebásico que é o sistema operacional que administra os programas que serãoutilizados no desenvolvimento de trabalhos diversos e que são conhecidos comosoftwares básicos, é o caso dos seguintes aplicativos: navegador, correio

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eletrônico, editor de texto escrito, wiki, editor de imagem fixa, sonora eaudiovisual, editor de apresentações, editor de páginas, web, planilhas, blog. Essesaplicativos apresentam as principais instruções e operações que poderão serexecutadas pelo hardware (processador).

Sabe-se que, hoje, o mercado tecnológico disponibiliza e oferece diversossistemas operacionais que podem inovar e dinamizar o trabalho pedagógico deeducadores e educandos, dentre os principais, destacam-se o Windows; produzidopela Microsoft, o Unix; produzido Bell Labs e o Linux oriundo do sistema Unix. Osistema operacional Linux diferentemente do Windows é um dos sistemasoperacionais mais utilizados na rede pública de ensino e é de livre distribuição. Porisso, o Programa aqui em estudo, ProInfo Integrado tem edificado parceria comesse sistema operacional que lhe permite montar suas plataformas e seuslaboratórios governamentais sempre utilizando softwares livres.

Desse modo, o sistema Linux Educacional integra mais um dos elementosque constituem os processos de domínio e aquisição das tecnologias e mídiasdesenvolvidas para os docentes e discentes que formam a rede pública de ensino.O Linux Educacional proporciona o acesso às diversas ferramentas, como: acessoas obras literárias de domínio público, vídeos da TV Escola, diversos programaseducacionais e inúmeras ferramentas de produtividade do tipo: processador detextos, de planilhas e de PowerPoint, dentre outras ferramentas do gênero. Omesmo disponibiliza ainda, objetos de aprendizagem do RIVED (Rede InternacionalVirtual de Educação) que é um programa do MEC com o SEED e que produzconteúdos pedagógicos digitais na forma de objetos de aprendizagem (jogoslúdicos interativos e outros) com a finalidade de desenvolver o raciocínio dosestudantes que tem a possibilidade de criar blogs, participar de bate-papos,netiquetas e fóruns de discussões que acontecem no decorrer do processo decooperação e interação entre as redes sociais, entre outras atividades quetipificam essas ações.

Sem dúvida o Curso de Introdução a Educação Digital intenta oferecer aosque tecem a comunidade escolar da rede pública de ensino as tecnologias quedesafiam o cotidiano dos sujeitos sociais, promovendo sempre o acesso às mídiasdigitais e uma inclusão digital inerente a formação contemporânea daqueles queprecisam se aventurar no oceano dos recursos técnicos-educacionais, mas queprecisam navegar e lançar suas redes com segurança.

O curso de Introdução à Educação Digital: Guia do Formador é mais umainiciativa do Programa Nacional de Formação Continuada em TecnologiaEducacional – Proinfo Integrado promovido pela Secretaria de Educação aDistância em parceria com o Conselho dos Secretários Estaduais de Educação(Consed) e com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação(Undime), destinado à promover a formação e a capacitação de professores egestores da rede pública de ensino no âmago do Plano de Desenvolvimento daEducação (PDE), onde o lócus da formação desses sujeitos é a escola em que estãosocialmente inseridos, tendo-se em vista suas competências e atribuições no quecerne a ação técnico-pedagógica (MEC/SEED/PROINFO INTEGRADO, 2008).

4. A EFETIVAÇÃO DO PROINFO INTEGRADO NO ESTADO DO CEARÁ

No Estado do Ceará, o PROINFO INTEGRADO, também, se propõe ofereceruma educação de melhor qualidade, promovendo, assim, a Inclusão Digital dos

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alunos da rede estadual de ensino através da Secretaria de Estado da Educação(SEDUC). Esta por meio da Coordenadoria Regional de Desenvolvimento daEducação (CREDE) disponibiliza os técnicos para assessorar as escolas cearensese oferecer assistência técnica aos laboratórios de informática educativa.

Um dos objetivos do PROINFO INTEGRADO seria implantar uma rede deacesso à internet em todas as unidades de ensino da capital e do interior até 2010.Deste modo, aperfeiçoando, equipando e interligando todas as escolas da redepública com as redes sociais que promovem o conhecimento, a pesquisa e o saber.Neste sentido, o Ceará investiu cerca de R$ 55 milhões para o projeto “Cinturãodigital”, o qual tem empreendido na instalação de uma rede de 2.500 quilômetrosde fibra ótica que vai iluminar com sinal de internet o interior e a capital doEstado. A primeira etapa do projeto aconteceu em março de 2009. A meta é queele esteja plenamente efetivado até julho, alcançando cerca de metade doterritório cearense e 83% da população. O objetivo é que, ao final de 2010, aGigaFor, atenda a capital cearense e esteja 100% ativada (CEARÁ, 2009). Contudo,em 2011, as expectativas, deixam a desejar, considerando-se as inúmeraslimitações e dificuldades que inviabilizam a meta em foco.

O Cinturão Digital pretende conectar, através da fibra ótica, órgãos públicose escolas estaduais, em uma mesma rede que pode chegar a até 1 Gbps develocidade de transmissão de dados, no interior, e 2 Gbps na capital, Fortaleza. Oprojeto inclui também, sinal sem fio (na frequência de 5,8 GHz, que correspondeao WiMax) e, quando possível, transmissão de sinal via rede elétrica, tecnologiaconhecida como PLC. A meta de 2009 previa a ligação de 71% das escolasestaduais, hospitais, instituições de ensino e órgãos de administração pública(CEARÁ, 2009).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se com este estudo que o avanço tecnológico só será otimizado noâmbito educacional se forem efetivadas políticas públicas suficientes, eficientes eeficazes capazes de incluir digitalmente todos os sujeitos envolvidos no processo.Quando se fala em todos o sujeitos envolvidos no processo é referencial a todos osatores sujeitos que atuam de forma direta e indiretamente na educação.

Destarte, as políticas públicas educacionais no âmbito informacionalnecessitam de envolvimento de todos os sujeitos incluídos na educação. Aeducação e inclusão digitais não podem ser passivas ou excludentes de certascategorias. Acredita-se que o sucesso dessas políticas públicas depende nãosomente da garantia legal, mas e, sobretudo, da consciência de todos oseducadores e educadoras e de toda comunidade escolar. A relutância em ignorartais políticas públicas é insustentável e inadequada para o momento atual.

Com efeito, as políticas públicas de educação e inclusão digitais não devemser relevadas a segundo plano ou ser celetista no âmbito da educação. Elas são edevem ser priorizadas e aplicadas com afinco e seriedade, pois, a realidade para selidar com o tripé economia-tecnologia-telecomunicação exige que todos os viventesno atual sistema conheçam e saibam lidar com essas ferramentas tecnológicas.

REFERÊNCIAS

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Enviado para publicação: 16/05/2013

Aceito para publicação: 13/06/2013

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6. CURRÍCULO CONTEMPORÂNEO: Construcionismoe inovação pedagógica

CONTEMPORARY CURRICULUM: Constructionism and educational innovation

Gleyce Abreu Vieira 0

Renata Rovaris Diorio0

Resumo. Este artigo tem como objetivo refletir sobre o uso da tecnologia em sala de aulacomo ferramenta para ajudar o discente no momento da transposição didática,ou seja,durante o processo de mediação, a construção do conhecimento.

Palavras-chave: Conhecimento – Didática – Tecnologia – Educação

Abstract: This article aims to reflect about Technology in classrooms and how this toolmay help the student,in the moment of Teaching transposition,in other words, during theprocess of mediation, the construction of knowledge.

Key Words: Knowledge – Teaching – Technology – Education

0 Mestranda em Ciências da Educação pela Universidade da Madeira, Portugal.Lattes:http://lattes.cnpq.br/1043227713359436Contato:

0 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do CearáLattes: http://lattes.cnpq.br/1598881167571162Contato:

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1. INTRODUÇÃO

Nesse artigo abordamos algumas reflexões sobre a mudança paradigmáticada pós-modernidade, a fim de contextualizar o momento sociohistórico, político,econômico e cultural, pela qual a sociedade tecnológica está vivenciando.

É necessário também fazer uma retrospectiva histórica, no sentido deestabelecer algumas fronteiras entre as teorias pedagógicas e psicológicas, quemuito contribuíram para o entendimento do construtivismo e da inovação nosbancos escolares na contemporaneidade.

Os objetivos desse estudo são: refletir sobre a teoria da Complexidade(MORIN, 2000) no contexto escolar; demonstrar a transição paradigmática na quala humanidade encontra-se imersa; entender as contribuições psicopedagógicasque nos levaram a outros entendimentos, outras possibilidades de compreensãoacerca dos processos de ensino e de aprendizagem, a fim de possibilitarinferências sobre a inovação pedagógica, vista não tão somente sobre o ângulo dasferramentas tecnológicas, mas também, sobre o próprio ângulo da transposiçãodidática.

Então, primeiramente, fazemos algumas inferências sobre a mudançaparadigmática, no pensamento contemporâneo, trazendo algumas reflexões desdea sociedade industrial, até o momento de transição paradigmática em que estamosinseridos (3ª ONDA, TOFFLER, 1980). Em seguida, abordamos a concepção daracionalização instrumental e a complexidade fundamentadas em Edgar Morin(2005). Posteriormente, abordamos alguns modelos pedagógicos, sob o prismapsicológico de Jerome Brunner (2001), na tentativa de articular esse diálogo, naperspectiva do objeto alvo desse estudo, que consiste em perceber o computadorcomo uma ferramenta adicional na sala de aula. Por fim, reflitimos sobre atecnologia em sala de aula e como essa ferramenta pode auxiliar o aluno, nomomento dessa transposição didática, ou seja, durante o processo de mediação, daconstrução do conhecimento.

2. ENTRE RAZÃO INSTRUMENTAL E A RACIONALIDADE: A 3ª ONDA EMQUE VIVEMOS

É dentro da nossa mente que devem ser demolidosos muros. Só depois estaremos aptos a ajudar àmaterialização de algo novo (FINO, 2003, p.09).

Fazendo uma retrospectiva histórica, segundo Alvin Toffler (1980), temos a1ª onda que consistiu na Revolução Agrícola, a 2ª Revolução, que foi a Industrial,que se iniciou na Inglaterra e a 3ª onda, que estamos vivenciando, que se traduzpela ruptura de paradigmas, em que os princípios industriais clássicos nãos nosimpulsionam mais, pois estamos imersos numa sociedade tecnológica,caracterizada pela rapidez nas informações, nas redes sociais, no consumoexarcebado, entre outros aspectos.

Segundo Fino (2005, p.02-03), quando a escola surgiu, no auge daRevolução Industrial, tinha por missão:

dar resposta a necessidades relacionadas com profundas alteraçõesnas relações de produção emergentes. A revolução tinha provocado aconcentração de grandes massas de operários nos subúrbios dascidades em condições de salubridade absolutamente miseráveis. Aos

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baixos salários, que obrigavam a que famílias inteiras seempregassem nas fabricas a troco de remunerações irrisórias,juntavam se ritmos de trabalho desumanos, o numero excessivo dehoras da jornada, [... ] A sociedade industrial, fundada sobre asincronização do trabalho, precisava, portanto, de indivíduos quepouco tinham que ver com um passado rural [...] A única questão aque faltava responder era a que se relacionava com o tipo de escolacapaz de dar resposta às necessidades do modelo industrial, depacificação social e adaptado ao modelo de produção[...].

Nesse cenário, a Educação sempre serviu para a reprodução do “statusquo”, pois os bancos escolares reproduziam as relações fabris na escola. E essainstituição sempre colaborou para a manutenção de mão de obra às indústrias.

Segundo Marrach (1996), a retórica neoliberal atribuiu um papel estratégicoà Educação ao:

- preparar o indivíduo para adaptar-se ao mercado de trabalho, deforma submissa;- fazer da escola um meio de transmissão da ideologia dominante edos princípios neoliberais, a fim de garantir a reprodução e amanutenção desses valores;- incentivar o funcionamento da escola conforme os padrões demercado, adotando técnicas de gerenciamento empresarial, poisessas são as mais eficientes para garantir a consolidação daideologia neoliberal na sociedade globalizada.

Nesse prisma, fazendo uma retrospectiva, nos anos 50, do séc.XX, estudarsignificava garantir um lugar no mercado de trabalho, em permanente e ilimitadaexpansão.

Em 1957, quando os russos lançaram o “Sputnik”, os americanosperceberam que havia algo de errado no currículo escolar de suas escolas einiciaram uma reforma que dizia respeito ao ensino de ciências e matemática.Nesse percurso, surge a globalização, juntamente com a Guerra Fria queestimulou uma corrida incessante entre as superpotências: União Soviética eEstados Unidos da América, porém, causando implicações a todos os países,inclusive, trazendo também outras demandas acerca dos conteúdos na escola.

Em 1989, com a Queda do muro de Berlim, o mundo volta a respirar. E asconsequências de tal façanha se espalharam pelo mundo: gritos de liberdadeecoaram entre todos e a democracia se revigorava.

Nas escolas, os seus integrantes, que ora sujeitos dessa mesma sociedadeque se iniciava na virada do milênio, também traziam consigo novas aspirações,necessidades e expectativas dessa aldeia tecnológica. Nesse sentido, oneoliberalismo que surgiu com outra roupagem propõe um desafio à Educação queconsiste em: “formar” indivíduos competentes ao mercado de trabalho, cada vezmais restrito, mais especifico, quando os melhores e somente os melhores devemter sucesso, ou seja, ter estabilidade no emprego.

Trata-se, portanto, de uma crescente subordinação ao econômico e datransformação da própria educação em mercadoria, quando pais e alunos passam aser vistos como consumidores e o conteúdo político da educação é substituídopelos direitos do consumidor apenas. Nesse sentido, quando se delega a ofertaescolar à iniciativa privada, ocorre a fragilização da escola pública. Assim, quandoo Estado nega a Educação, no sentido da qualidade de ensino à maioria dapopulação, ele aprofunda os mecanismos de exclusão social, aos quais estão

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submetidos os setores populares. Portanto, as relações socioeconômicas, históricase culturais e o contexto escolar caminham juntos, na tentativa de incorporarvalores, de inculcar ideologias, utilizando-se da escola, como esse espaço perversode reprodução das classes sociais.

No entanto, onde há austeridade, há também resistência. E a escola tambémse constituiu num espaço de luta de classes; numa arena invisível, onde por meioda construção da ciência, novos parâmetros podem emergir, possibilitando novaspossibilidades, novas saídas oriundas da própria construção desse pensamentocientífico acumulado pela humanidade, ao longo de sua história.

Então, na contemporaneidade a ciência é inserida no discurso político eético da própria atividade científica e segundo Morin (2008, p.11): “[...] a ciênciadeve reatar com a consciência política e a ética”. Sob esse viés, de nada adianta aCiência neutra, sem ser ética, sem ser humana, ou seja, sem reflexão dos porquêsdos estudos científicos, o ser humano pode ser aniquilado pela própria criação. Sobessa ótica, para um princípio de complexidade, Edgar Morin (2008, p.35) nosrevela que há necessidade de uma “visão poliocular, poliscópica”, fundamentadaem condições antroposociais, conforme o próprio autor destaca:

- manutenção e desenvolvimento do pluralismo teórico (ideológico,filosófico) em todas as instituições e comissões científicas;- proteção de desvio, ou seja, tolerar/favorecer os desvios no seiodos programas e instituições, apesar do risco de que o original sejaapenas extravagante, de que o espantoso não passe de absurdo.

A criatividade do ser está na sua imprevisibilidade, no seu nãoenquadramento, no seu não aceitamento do padrão já existente, no seu vir-a-ser. Aciência só é ciência, pois é falível, podendo ser refutada. Nesse sentido, Morin(2008, p.111) ainda nos alerta que:

[...] a organização humana funciona com desordem, muitasaleatoriedades e conflitos e como dizia Montesquieu, referindo-se aRoma: os conflitos, as desordens e as lutas que marcaram Roma nãoforam apenas à causa de sua decadência, mas também de suagrandeza e existência.

Então, o conflito é necessário, é a chave do crescimento e da existênciasocial. E a razão instrumental, clássica não prevê isso, somente uma epistemologiafundamentada em uma racionalidade que ultrapassa fronteiras multiculturais podedar conta desse processo dialético e hermenêutico da compreensão da ontologiado ser humano.

Sob esse prisma, a racionalidade verdadeira se manifesta na luta contra aracionalização (MORIN, 2008, p. 112). E o professor deve ser um inovador, no quediz respeito à ruptura desse cenário racional no currículo escolar, pois aindasegundo Morin (2008, p.113): “É evidente que, para fazer funcionar o sistema queoprime, é preciso trapaceá-lo”.

Nesse sentido, o sistema hegemônico que predomina ainda a cultura darazão apenas, do lógico, das “verdades absolutas”, que não respeita à diversidadehumana em suas subjetividades constitui nesse próprio sistema que deve ser“trapaceado”. Contudo, posicionamentos de vanguarda, imbuídos de uma teoriacrítica que analisa o contexto em sua complexidade e totalidade de variantes, é oque nos possibilita visualizar caminhos diferentes, percorridos já pela ciência da

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pós-modernidade. E ainda segundo Morin (2008, p. 115), essa “resistência” contraa razão lógica do pensamento é essencial à humanidade, visto que:

[...] fundamentada apenas em uma tecnologia que nos leva aoisolamento, ao conceito de técnica apenas, separando e distinguindoo que devemos tentar pensar conjuntamente. Em outras palavras, aresistência à tecnologização da epistemologia é problema não sóespeculativo, mas também vital para a humanidade.

Diante do exposto, a tecnologização, o uso exarcerbado do olhar técnicoapenas, nos mecaniza, nos torna robôs, escravos de tecnologias, de máquinas quenão nos permite inovar.

Nessa perspectiva, a complexidade é a incompletude do próprio serhumano, já que somos seres diversos, múltiplos, inacabados e ao mesmo tempo,físicos, biológicos, culturais, sociohistóricos, ideológicos, psíquicos, espirituais,entre tantos outros ingredientes que nos compõem. E por esse motivo, acomplexidade encontra-se também na articulação e no entrelaçamento dessescomponentes inseridos no currículo escolar, no currículo ensinado e no vivenciadopelos alunos, na escola.

Abordamos, a seguir, alguns modelos pedagógicos fundamentados napsicologia de Brunner (2001), para que possamos reconhecer as diversasconcepções de homem, ao longo da trajetória da humanidade e para que possamostambém fazer inferências sobre qual “homem” desejamos construir nessa aldeiaglobal.

3. MODELOS PEDAGÓGICOS FUNDAMENTADOS NA PSICOLOGIA

Diversos modelos de pedagogia se desenvolveram ao longo da história daEducação. Tais modelos se estruturaram pelo contexto sócio-econômico, político,histórico e cultural da época. Estes se caracterizam não somente pelo o modocomo ensinamos, mas também, como percebemos o mundo que nos rodeia.

As concepções de homem, de conhecimento, de sociedade, do aprender,constituem alicerces desses modelos de pedagogia, bem como, inerentes daprópria psicologia, quando esta surge como ciência, tentando desvendar osmistérios da psique humana.

Será que sabemos o porquê que ensinamos de tal forma, seguindo taisestratégias e usando específicos recursos? Por que, para que, e como, osprofessores ensinam, são indagações que só fazem sentido, dentro de um contextosociohistórico, econômico, político e cultural de uma época.

Visto, nessa perspectiva, abordamos os modelos de pedagogia, que segundoBrunner (2001), mantêm sua influência na atualidade, com diferentes objetivoseducacionais: aquisição de habilidades, aquisição de conhecimento dogmático,desenvolvimento de metaconhecimento e co-construção do conhecimento pelainteração. Primeiramente, passarei a descrever o modelo pedagógico, baseado nocomportamento humano.

Em seguida, abordamos o modelo baseado na instrução, o modelo baseadona construção e o modelo baseado na interação, sob os aspectos da tipificação dospapéis de professor e aluno, bem como, dos modos de interação entre ambos esuas peculiaridades.

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É importante salientar que a história da civilização se encarregou depreparar o terreno para que a Psicologia encontrasse na Educação suas raízes parase desenvolver. E é na história da humanidade, que a Educação torna-se uma dasferramentas de manipulação e coação às classes subalternas, como jámencionamos, anteriormente.

À medida que a sociedade, politicamente organizada, desenvolveu novosmodos de produção, a educação refletiu sempre, os anseios da classe dominante,tentando manter e reproduzir o poder instaurado. Assim, a psicologia entrelaçadana Educação, serviu também, para atender aos interesses dos dominantes, emresignar, modelar e adaptar, os que não se enquadravam no quadro sócio-econômico e histórico da época. Segundo Beatriz Flandoli “[...] os temaspsicológicos mais desenvolvidos sempre foram àqueles voltados para a procura defórmulas de ajustamento e adequação de comportamentos individuais ao contextosocial” (LEÃO, 2003, p. 112).

No entanto, segundo Urt (apud LEÃO, 2003, p.116) a “Psicologia aliada àHistória da Educação, colabora no entendimento dos modelos pedagógicosutilizados, ao longo dos anos, nos bancos escolares, advindos dos moldes deprodução da época”. Nesse sentido, alguns estudiosos, como Urt, Antunes, Merani,entre outros, afirmam a possibilidade de se trabalhar a Psicologia, dentro de umaabordagem sóciohistórica “[...] superando os entraves individualizantes epsicologizantes do sujeito presentes em abordagens anteriores” (LEÃO, 2003,p.117).

Nesse viés, passamos a descrever os modelos pedagógicos e suasimplicações para a Educação na sociedade tecnológica da pós modernidade, natentativa de fazer reflexões acerca do nosso objeto alvo desse estudo, que consistena inovação pedagógica no novo milênio, período de rupturas paradigmáticas.

3.1. Modelo baseado no comportamento

O modelo baseado no comportamento compreende o aprendiz comoimitador: o professor apresenta um modelo e o aprendiz, que não sabe como fazer,aprende e imita. Esse modelo deriva da teoria da psicologia conhecida comobehaviorismo, que teve como principal expoente B.F. Skinner.

A base da teoria Skinneriana encontra-se no estabelecimento doaprendizado de comportamentos por condicionamento, isto é, no conceito decondicionamento operante. Assim, a aprendizagem consiste em um sistema derespostas a estímulos contínuos, por meio do reforço da prática da motivação.Nesse modelo, o aprendiz é passivo, pois necessita de motivação externa e reforçoapropriado para progredir. O seu sucesso é medido por meio de resultadosobserváveis, ou comportamentos em tarefas já determinadas.

Skinner suponha que o homem é neutro e passivo e que todo ocomportamento é mecânico:

Através do reforço de instâncias ligeiramente excepcionais decomportamento, uma criança aprende a levantar-se em ajuda, a ficarde pé, a andar, a segurar objetos, e a girá-los. “Posteriormente,através do mesmo processo, aprende a falar, a cantar, a dançar, ajogar – em resumo, a exigir o enorme repertório característico doadulto normal” (SKINNER, 1953, p. 103 apud RAMUNDO, 2003,p.60).

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Assim, nesse modelo pedagógico, o aluno é visto como alguém semcriatividade e o professor como mero transmissor de comportamento. O alunodeve, portanto, saber imitar, isto é, de produzir conhecimento prático,desmerecendo a inovação. Nessa concepção, o conhecimento advém de hábitos,não estando ligada a negociação de significados ou de aquisição de teorias, mas,simplesmente, da imitação.

Para uma sociedade avançada e complexa, esse modelo é reducionista, poisleva o aprendiz a se tornar um mero especialista. No entanto, quando se desejaque o aluno seja capaz de ter um comportamento, que dependa de específicashabilidades, um dos meios, é a demonstração em sala de aula.

3.2. O modelo baseado na instrução

O segundo modelo encontrado em Brunner (2001) relaciona a aprendizagemà didática: princípios e regras devem ser aprendidos para efetuar a aprendizagemem qualquer área do conhecimento humano. Esse modelo é positivista, poisacredita que o conhecimento é imutável, regido por regras e dogmas.

A mente do aprendiz é uma “tábua rasa”, algo a ser preenchido, assim como,um terreno vazio, onde o conhecimento será semeado. Essa filosofia é o quecaracteriza esse modelo, predominando uma “verdade” única e absoluta.

O aluno é ainda passivo. E o que deve ser aprendido está somente nos livrosque são indicadores “oficiais” de uma verdade cristalizada. O aluno só escuta, nãofala o que pensa e as aulas, são, meramente, expositivas, segundo o modelodenominado também de tradicional, positivista de ensino.

Esse modelo centrado na figura do professor, transmissor de conhecimento,não é capaz de promover o ser humano em sua amplitude, como uma sociedadecomplexa exige. Será que pretendemos que nossos alunos não tenham opiniõespróprias, pontos de vistas e histórias de vidas diferentes? Nesse modelo, espera-seuma atitude passiva, sendo os aprendizes meros receptores de informações.

A negociação do significado não é realizada, visto que não há diálogo na salade aula. E sem isso, os alunos não se comunicam, não se escutam e não seentendem. Sem o diálogo, não há avanços. Por isso, o monólogo, que écaracterístico nesse modelo pedagógico, é inoperante para os processos de ensinoe de aprendizagens atuais.

3.3. Modelo baseado na construção

Esse modelo percebe o aluno, como um ser pensante, refletindo amodernidade na concepção de Educação integral desse homem.

A epistemologia do conhecimento consiste na construção de inúmerasrelações, conexões que são construídas por meio de processos, intimamenteligados que perpassam a socialização desse mesmo conhecimento, que é agora temum caráter provisório.

O papel do professor é ajudar o aluno a entender o mundo que o cerca esuas relações. Para isso, o professor precisa saber como o seu aluno pensa. Assim,o aprendiz não é mais ignorante, como nos modelos passados, mas alguém queraciocina que pode rever suas ações através da reflexão.

A concepção desse modelo fundamenta-se na teoria evolutiva de Jean Piaget.Esse biólogo iniciou os seus estudos por meio de pesquisas genéticas, que trazendo

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essas crenças para a pedagogia, desenvolveu uma teoria que criticava asanteriores, propondo uma nova concepção sobre o desenvolvimento humano. Eleconcebeu a ontogênese humana, através da relação biológica entre organismo emeio.

Assim, nesse contexto, o papel do educador é de preparar o ambiente quepropicie experiências novas para “o aprender a aprender”. Sob esse prisma, todo oaluno obtém sucesso na aprendizagem, pois esta é entendida, como uma reflexãoindividual acerca da mesma.

O papel do professor nesse modelo é periférico, pois este é entendido comoum organizador de experiências, um “facilitador” e onde o aluno é o próprioagente de sua aprendizagem. Contudo, o centro do processo de ensino e deaprendizagem não é mais o professor, e sim o aluno, deslocando o pêndulo para ooutro lado.

Mas, o que acontece quando o professor organiza as suas atividades,programa as experiências, pelos quais, serão vividas pelos os alunos e estes nãoconseguem aprender, satisfatoriamente? Já que nessa concepção, ocorre oamadurecimento genético, isto é, as fases biológicas dos seres humanos sãoidentificadas e esperadas, mas, mesmo assim, o que fazer, diante do ambienteprogramado, se os alunos não conseguem “aprender a aprender”?

Nesse sentido, Newton Duarte (2000) afirma:

Numa perspectiva construtivista, a finalidade última da intervençãopedagógica é contribuir para que o aluno desenvolva a capacidadede realizar aprendizagens significativas por si mesmo, numa amplagama de situações e circunstâncias, que o aluno aprenda a aprender(COLL, 1994 p. 136 apud DUARTE, 2000, p. 33).

Nesse modelo pedagógico, o importante é ensinar aprender, “[...] o ideal daeducação não é aprender o máximo, maximalizar os resultados, mas é antes detudo aprender a aprender, é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a sedesenvolver, depois da escola” (PIAGET, 1983 p. 225 apud DUARTE, 2000, p. 34).

Sob essa perspectiva, no Brasil, na década de 1970, essa filosofia sependurou, legitimando uma época de ensino técnico, profissionalizante, cujométodo, predominantemente adotado era o técnico (instrumental) nas escolas.Nesse prisma, não há intervenção do educador, ele é apenas um “facilitador” edeve permanecer imparcial, neutro, distante, mas proferindo ideias pré-concebidasque podem influenciar os valores a serem apreendidos pelos alunos.

Nessa linha de raciocínio, Newton Duarte afirma que esse modelopedagógico estruturado apenas na evolução genética da espécie, não responde,nos dias atuais, aos anseios da concepção de homem e humanidade. “O modelo deinteração entre o organismo e meio não possibilita a compreensão da relaçãohistórico social entre objetivação e apropriação que caracteriza a especificidade dodesenvolvimento humano” (DUARTE, 2000, p.31).

Já no modelo a seguir, baseado na interação, bem como, na construção dasubjetividade do “EU”, poderá contribuir com respostas acerca da inovaçãodidática que almejamos na contemporaneidade, uma vez que o homem só apreendealgo, construindo significados sociais e sentidos próprios para ele mesmo.

3.4. Modelo baseado na interação

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[...] Os atos ou experiências que não têm sentidopara o sujeito, não se refletem em suapersonalidade, representando eventos formais semsignificação para o desenvolvimento pessoal”(GONZALEZ, 2003, p.259).

Nesse modelo pedagógico, o processo de ensino e aprendizagem não éunidirecional, mas “[...] se estabelece no espaço da intersubjetividade, num terrenointerindividual, de compreensão comum” (NUNES, 2000 apud RAMUNDO, 2003,p.66).

O papel do aprendiz é de detentor de conhecimento prévio, proveniente deseu “background”, por isso, merecedor de respeito, mantendo seu papel decolaborador ativo no processo, que é dinâmico, constante e dialógico.

Ao professor cabe interagir com o aluno, mediando o seu conhecimentoprévio, desmistificando suas crenças e concepções já apreendidas, reelaborando-ase reconstruindo novos conhecimentos, por meio da metacognição. A concepçãodesse modelo, que focaliza a interação e não mais o professor e nem o aluno,baseia-se na pesquisa sóciohistórica, que tem como eixo teórico os estudos deVygotsky e Bakhtin. As idéias de Vygotsky foram influenciadas pelo momentohistórico em que viveu. Após a Grande Revolução Socialista, ocorrida na Rússia,em 1917, os seus ideais foram enraizados por uma sociedade socialista.

Os modelos pedagógicos anteriores eram idealistas e escamoteavam tanto asociedade industrial, que surgiu no séc.XVIII, quanto à sociedade capitalista, poisnecessitavam de trabalhadores, de operários, que apenas cumpriam ordens, semquestionamentos dos porquês que deviam agir de maneira tal, ou ter determinadoprocedimento na vida. Portanto, que obedecessem as leis, as normas de controledo Estado, sem contestações.

Nesse sentido, o pensar era religioso, o espírito crítico era abolido, areflexão sobre os problemas sociais não era necessária, uma vez que o espírito dosjovens deveria ser mantido na obediência, para o controle estatal. Desta forma, aEducação manteve-se um “joguete”, uma peça chave na manutenção e reproduçãodo poder instaurado, assim como, do “status quo”.

No entanto, em 1912 foi criado em Moscou, o primeiro Instituto dePsicologia, aliado à Universidade. Outras escolas na Europa surgiram também, embusca de soluções para a compreensão do “novo homem”, como o freudismo, ogestaltismo, segundo Tereza Bressan (2003). Nos Estados Unidos, surge o“behaviorismo”, que, já mencionado, adéqua-se ao padrão de produção norte-americano.

Nesse contexto, surge a abordagem vygotskyana, que tem o seu fundamentoteórico na filosofia do materialismo dialético e histórico. Ela rompe com o modelobiológico do desenvolvimento humano e constrói uma psicologia baseada naatividade de produção, portanto, histórico social do homem contemporâneo.

Nessa linha de raciocínio, Vygotsky procurou entender como as funçõespsicológicas superiores eram formadas no sujeito, para entendê-lo em suainteração com o meio. Em sua teoria, o organismo e o meio são influenciados umpelo outro, ocorrendo modificações e transformações, num processo dialético.

Portanto, “O desenvolvimento do homem é produto da apropriação, pelosujeito, da experiência histórica e cultural acumuladas (BRESSAN apud LEÃO,

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2003, p.179). Assim, a história individual e a social caminham sempre juntas, naconstrução da intersubjetividade humana.

O processo de ensino e aprendizagem, sob esse viés, tem como objetivo,atuar no que Vygotsky denomina de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), queconsiste:

A distância entre o nível real (da criança) de desenvolvimento,determinado pela resolução de problemas independentemente e onível de desenvolvimento potencial, determinado pela resolução deproblemas sob orientação de adultos ou em colaboração comcompanheiros mais capacitados (VYGOTSKY, 1993, apud RAMUNDO,2003, p. 66).

O nível de desenvolvimento potencial consiste no conhecimento que aindaestá por vir, pois depende da interação com o professor para a sua concretização.Assim, o professor tem o papel de mediador do conhecimento sistematizado emsala de aula, devendo propor desafios para os seus alunos, pois a aprendizagem sóocorre diante do inusitado, do novo.

Desse modo, Vygotsky enfatiza o diálogo, que é a negociação dossignificados, compreendendo o aluno como ativo e reconhecendo o ensino e aaprendizagem como processos distintos, mas fundamentalmente social, em ummesmo sentido. Bakhtin, seguidor das idéias de Vygotsky compreende o diálogocomo o “curinga” de toda a transformação social.

Partindo do pressuposto de que o dialogismo opera dentro dequalquer produção cultural e que qualquer situação de uso dalinguagem é dialógica, o autor revela a influência do destinário naelaboração do enunciado, do que ele chama: atitude responsiva ativa(BAKHTIN, 1929/1997, apud RAMUNDO, 2003, p.67).

Portanto, o entendimento nunca é passivo ou mera duplicação, ou cópia dopensamento do outro. A compreensão é ativa, pois lemos e ouvimos para discordar,concordar, acreditar, não gostar, questionar, duvidar e assim, influenciamos naelaboração do sentido. Desse modo, a interação é essencial à aprendizagem deuma forma geral, mas, sobretudo, para aquisição da linguagem.

Sintetizando esse modelo pedagógico, enfatizo que Vygotsky afirma que odesenvolvimento das funções psicológicas superiores “[...] é como um processo deapropriação e elaboração da cultura, no sentido de que estas funções sãotransformações internalizadas de interação social” (SMOLKA, 1991, p.54) eposteriormente, intramentalmente armazenadas e processadas pelos indivíduos.

Esse processo é mediado pela linguagem, pelo qual, utiliza-se da palavracomo: “[...] um poderoso amálgama: parte signo, parte instrumento, ela é o eventohumanizador mais significativo” (EMERSON apud SMOLKA, 1983, p.55). Esseprocesso caracteriza-se então, não só por uma dimensão mental, mas também, pordimensões: simbólica e discursiva.

A dimensão simbólica está contida na análise do discurso, na materialidadeda experiência do dia-a-dia, que tanto Vygotsky e Bakhtin trabalharam: é alinguagem permeada pela a experiência “[...] sígnica e significativa” (SMOLKA,1991, p.57), alinhavada pela a ideologia.

A dimensão discursiva está nos diferentes contextos em que a linguagem éutilizada: conversa na esfera familiar, conversa entre amigos, etc. Bakhtinaprofunda o conceito de diálogo, nessa esfera, afirmando que o diálogo não pode

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ser compreendido apenas como uma relação a um falante a um ouvinte,codificando mensagens, mas sim, com o objetivo de alguém sempre se colocar naposição do outro, viabilizando assim o diálogo, que visa à compreensão dossignificados, negociando-os, sempre que possível.

Portanto, há uma mediação discursiva e também uma mediação pedagógicaem que o professor pode atuar através da zona de desenvolvimento proximal.Essas formas de mediação, segundo Ana Luiza B. Smolka (1991), marcam aatividade mental do indivíduo, no sentido de que os seus modos de agir e de pensarestão profundamente enraizados no contexto e impregnados na dinâmicasóciocultural. Isso, naturalmente, vem trazer um novo enfoque, um novo teor aosentido da aprendizagem que caracteriza esse modelo pedagógico de interação, nasociedade denominada tecnológica.

Nesse viés, o computador é visto como uma ferramenta educacional. Valente(1993, p.12) explica que segundo essa modalidade construcionista, “o computadornão é mais o instrumento que ensina o aprendiz, mas a ferramenta com a qual oaluno desenvolve algo, e portanto, a aprendizagem ocorre pelo fato de estarexecutando uma tarefa por meio do computador”.

4. INOVAÇÃO PEDAGÓGICA: NOVAS TECNOLOGIAS E APRENDIZAGENSEM SALA DE AULA

Diante desse panorama, estamos num mundo mundializado, que se articulapor meio de novas mídias, novas comunicações, diversas redes sociais, blogs, entreoutras e a escola está imersa nessa aldeia. Não se constrói mais conhecimentocientífico desvinculado desses amparatos que as novas tecnologias nos trazem.

Então, para os aspectos relativos à tecnologia educacional, inovar significaempregar as modernas tecnologias educacionais para tornar mais significativas, assituações de aprendizagens, o que vai além do simples uso do instrumental trazidopelo avanço dos meios tecnológicos. Qual tem sido e qual deve ser o papel dastecnologias no processo educacional? Como as tecnologias podem ser utilizadaspara auxiliar a aprendizagem dos indivíduos? Será que o aprendiz que domina asnovas tecnologias gerencia eficientemente ações inseparáveis, já que ele sabe:controlar o funcionamento dos dispositivos técnicos digitais; transformar ainformação bruta em conhecimento útil e aprender a aprender ininterruptamente?Tais dilemas, abordamos a seguir.

Para autores como (Valente 1999, p.17), o grande desafio da entrada dainformática nas escolas brasileiras era a “mudança da bordagem educacional:transformar uma educação centrada no ensino, na transmissão da informação,para uma educação em que o aluno pudesse realizar atividades por intermédio docomputador e, assim, aprender.” Para isso, o autor defende a adoção de mudançaseducacionais urgentes, tais como: na organização da escola; na dinâmica da salade aula; no perfil do professor; na relação dos sujeitos com o conhecimento, entreoutras.

Essa mudança pedagógica fundamental, a qual a escola deve empreendercom o suporte das novas tecnologias, implica a criação de ambientes virtuais deaprendizagem que possibilitam a reconstrução do conhecimento e evitam oinstrucionismo mecanizado. Para isso as TIC (Tecnologias de Informação eComunicação) devem ser vistas como novos espaços de distribuição de informaçãoà espera de acesso, processamento e articulação com outras informações játranformadas em saber útil para o aprendiz e para sua comunidade.

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O professor convencido do desuso do ensino insrucional e convertido àaprendizagem (re) construcionista deve adotar os seguintes procedimentos,segundo Valente (1999, p.18):

a) Refletir sobre as questões mais relevantes de um conteúdo a sertrabalhado;b) Analisar criticamente as vanatagens e desvantagens de cadaferramenta pedagógica disponibilizadas pelas TIC;c) Escolher os recursos didáticos em função dos estilos cognitivosdos aprendizes;d) Imaginar formas contextualizadas e criativas de trabalhar osconteúdos com a turma.

Então, o professor que assim procede reconhece que as tecnologias digitaise a comunicação interativa na rede ampliam incomensuravelmente a relação dosujeito com o saber e potencializa certas capacidades cognitivas (imaginação,memória, percepção e raciocínio) e as formas de expressão linguísticas (além daverbal, agrega a linguagem visual e sonora) nas superfícies de visualização comotelas, monitores, visores de celulares e displays diversos.

Educar, portanto, é principalmente promover condições para que os alunosconstruam, mas não se resume a isso. O construcionismo postula que oaprendizado ocorre especialmente quando o aprendiz está engajado em construirum produto de significado pessoal, visando à aprendizagem significativa. Portanto,ao conceito de que se aprende melhor fazendo, o Construcionismo acrescenta:aprende-se melhor ainda quando se gosta, pensa e conversa sobre o que se faz.

Nesse sentido, o novo cenário cibernético, informático e informacional nãovem marcando apenas o nosso cotidiano através das modificações sócioeconômicase culturais, mas também vem mudando a maneira como pensamos, conhecemos eaprendemos o mundo. Isso porque o homem desse milênio requer a aquisição denovos hábitos intelectuais de simbolização, novas leituras imersas em hipertextos,entre outros desafios, e para o professor, estratégias que utilizam equipamentoscomputacionais podem favorecer um melhor desempenho aos seus alunos.

Para Fagundes (1996), os ambientes de aprendizagem podem serenriquecidos de forma inovadora quando o aluno interage com os computadores,pois como as representações, tanto dos produtos quanto, principalmente dosprocessos vão sendo concretizados e armazenados por esse tipo de tecnologia,num ambiente de aprendizagem definido como construcionista, os processos deensino e de aprendizagem tornam-se mais sígnicos para o discente. Aprenderatravés de computadores possibilita ao aluno desenvolver o raciocínio e enfrentarsituações de resolução de problemas. Estas duas situações podem levá-lo adesenvolver seu poder de pensamento, o que seria “a razão mais nobre eirrefutável de uso do computador na educação” (VALENTE,1993 b, p. 28).

As novas tecnologias causam transformações na vida das pessoas. Aointroduzi-las nas salas de aula devemos pensar sobre seus efeitos futuros epreparar eicamente nossos estudantes, o que Apple (1995) chama de“alfabetização social”. Nessa perspectiva, de acordo com Prado (1999, p.27), oconstrucionismo é uma teoria em movimento que “[...] está pautada nos princípiospsicológicos construtivistas, numa visão desenvolvimentista e nos aspectoscomputacionais.” Então, a utilização do computador como recurso pedagógicopoderá vir a auxiliar no desenvolvimento de um porfissional mais adaptado àsnecessidades dos meios de produção e, ao mesmo tempo, no desenvolvimento de

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um indivíduo que é capaz de perceber a sociedade em que vive e de perceber a simesmo como alguém que tem possibilidade de construí-la e reconstruí-la. Paratanto, a utilização do computador deverá ser de tal forma que o aluno possaconstruir seu conhecimento e caminhar em direção ao desenvolvimento dehabilidades que lhe permitirão uma maior qualidade de vida e que sãoconsideradas como importantes pelo mercado de trabalho. Dentre essashabilidades podemos citar: cooperação, criatividade, reflexão crítica, capacidadede aprender a aprender e autonomia, entre outras. Para Almeida (1996), a atitudedo professor no ambiente construcionista é fundamental, pois cabe a ele:

[...] promover a aprendizagem do aluno, para que ele possa construirseu conhecimento num ambiente que o desafia e o motiva para aexploração, a reflexão, a depuração de ideias e a descoberta deconceitos envolvidos nos problemas que permeiam seu contexto(p.49).

Portanto, a utilização do construcionismo permite que o professor construacom seu aluno, novos saberes, que articulados pelas novas tecnologias possamcontribuir também para sua autonomia, sua emancipação, nessa aldeia global emque vivemos.

5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

Diante do exposto, a ciência pautada na racionalidade está impregnada deconexões, de elos, de fios, de uma extensa teia articulada por diferentes áreas doconhecimento, isto é, de cunho interdisciplinar. Isso desvela a necessidade deinovações na escola, na sala de aula, remetendo-nos ao pressuposto de Morin(2000, p.20): “A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento e areforma do pensamento deve levar à reforma do ensino”. Esse princípio énorteador porque nos inspira em novas formas de ver e sentir a realidade e,sobretudo, de perceber a cultura escolar que nos rodeia no cotidiano. Com autilização do computador e do ambiente virtual como estratégias e fontes dereflexão, torna-se possível um melhor desempenho do aluno, no processo deconstrução do conhecimento, através dessas novas tecnologias na educação.

E a sociedade tecnológica exige, com suas novas demandas, um pensamentomais elaborado, mais articulado, enfim, complexo e com a possibilidade do uso denovas ferramentas na sala de aula, tal desafio poderá ser alcançado, contribuindopara uma sociedade mais humanizada nesse período de rupturas paradigmáticas,desde que o professor tenha consciência do que ele tem feito em sala, dos porquêsde suas opções, para que na medida do possível, possa “transgredir” , como Morin(2008) nos sugere, construindo novos conhecimentos, novas descobertas eaprendizagens mais significativas com seus alunos, promovendo assim a cidadaniaglobal.

REFERÊNCIAS

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Enviado para publicação: 15/03/2013Aceito para publicação: 27/03/2013

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7. INCLUSÃO: um grande desafio da educação no séculoXXI

INCLUSION: a great challenge of the education in centuryXXI

Andréia Vieira de Mendonça0

Julio Cesar Vieira Lopes0

Resumo. A inclusão escolar resulta de uma mobilização mundial que consolida os ideaisde igualdade na educação de qualidade para todos e se constitui em um dos grandesdesafios atuais da sociedade. A sinopse histórica apresentada sobre o tema sinalizacrescimento da preocupação com os novos personagens no ambiente escolar. Recentelegislação determina o acesso e permanência de pessoas com deficiência nas escolasregulares, o que amplia a complexidade da estrutura educacional. O fito do presentetrabalho é refletir sobre o processo de inclusão de alunos com deficiência em escolasregulares. Para isso, relaciona questionamentos pertinentes à valorização das diferençasindividuais dos educandos, discute as políticas educacionais inclusivas e os caminhos parasua prática, retratando o novo panorama, e reflete sobre a reestruturação do modelovigente para se adequar à concretização da inclusão. Sinaliza para a necessidade deformação docente específica com vistas a permitir uma relação de aprendizagem inclusiva.Traça o perfil e a formação necessária do profissional que irá receber as pessoas comdeficiência.

Palavras-chave: Inclusão – Pessoas com deficiência – Formação docente – Ensino

Abstract. School inclusion results of a worldwide movement that consolidates the ideals ofequality in quality education for all, and constitutes one of the main challenges of society.The historical overview presented on the topic indicates growing concern about the newcharacters in the school environment. Recent legislation requires the access andpermanence of people with deficiency in mainstream schools, which increases thecomplexity of the educational structure. The aim of this paper is to discuss the process ofinclusion of students with deficiency in regular schools. For this, pertinent questionsrelated to the appreciation of individual differences of students, discusses the inclusiveeducational policies and approaches to its practice, portraying the new landscape, andreflects on the restructuring of the current model to suit the implementation of inclusion.Signals the need for specific teacher training in order to allow a relation of inclusivelearning. Traces the profiles and training required of professionals who will get people withdeficiency.

Keywords: Inclusion - People with deficiency - Teaching Formation - Education

0 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará (UFC).Professora de Educação Especial da Prefeitura Municipal de Fortaleza e do Governo do Estado do Ceará. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5033543188292544Contato: [email protected]

0 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará (UFC).Pedagogo do Colégio Militar de Fortaleza (CMF).Lattes: http://lattes.cnpq.br/0142238855641283Contato: [email protected]

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

São muitos os desafios enfrentados pelas instituições de ensino nestecomeço de século, sobremodo por aquelas dedicadas à educação básica. Acrescente presença nos educandários da geração nativo digital inquieta osdocentes e os estimula a buscar novas estratégias de ensino capazes detransformar os conteúdos curriculares em peças atraentes para esses jovens.

Aliás, a preocupação vai muito além do ensino de conteúdos. Todo omanancial de informações está disponível para acesso cada vez menos limitado.Por isso, a ênfase está em desenvolver competências. A formação acadêmica deveestar voltada para possibilitar aos futuros cidadãos o saber lidar com o conjunto deinformações disponíveis no mundo virtual.

Andriola (2011), ao destacar a portabilidade do conhecimento ou dainformação, afirma que é possível a qualquer cidadão, desde que tenha acesso àtecnologia, portar um pen-drive contendo toda a Enciclopédia Britânica em suaroupa, no bolso. É também possível a um aluno de doutorado fazer download ouupload de um artigo científico cujo conteúdo verse sobre a mais recentedescoberta da engenharia genética: a indução da vida através de materialinorgânico.

Nesse contexto, a crescente preocupação com a avaliação educacional,conforme Vianna (2000) está em conhecer os sistemas de ensino com o fito deverificar se eles atendem às demandas sociais e se o fazem com a qualidadeesperada. A conjuntura atual da educação precisa atender aos princípios dedemocratização do ensino pelo acesso e permanência dos alunos na escola(LUCKESI, 1998).

No elenco dos desafios a serem enfrentados pelos educadores em seusambientes de aprendizagem não podemos deixar de citar o processo de inclusão depessoas com deficiência nas escolas regulares. Esse é o desafio que será alvo deinvestigação aprofundada no presente estudo.

A complexidade que envolve a questão da identidade pessoal, da identidadesocial e mesmo das identidades nacionais deve-se intensamente à dualidadeapontada pela presença ou ausência de participação, dignidade e respeito,sobretudo às situações de inclusão e exclusão do ser humano enquanto sujeitoreflexivo e transformador.

Conforme Mantoan (2004) a inclusão, como consequência de um ensino dequalidade para todos os alunos, exige da escola brasileira novos posicionamentos eé um motivo a mais para que o ensino se modernize e os professores aperfeiçoemsuas práticas, o que implica esforço de atualização e reestruturação das condiçõesatuais da maioria de nossas escolas de nível básico.

O ingresso de pessoas com deficiência em salas regulares é considerado pormuitos um grande avanço no sentido da construção de uma escola inclusiva.Entretanto, não podemos perder de vista seus direitos a uma educação adequada ede qualidade, orientada por princípios básicos de igualdade de oportunidadeseducativas e sociais que sejam significativas para todos.

A educação constrói o homem, estimula seu potencial criador, produtor eorganizador do pensamento social. Ao mesmo tempo ela ratifica ou retifica formasde pensar, isso não somente referindo-se aos alunos, mas também aos professorese a todos os segmentos da comunidade escolar.

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O conhecimento forjado nessa perspectiva constitui-se em uma rede deintersubjetividades e está substancialmente enriquecido pela diversidade humana.Esse olhar impede que vislumbremos somente um ponto de chegada comum aosalunos que compõem a escola. Ao mesmo tempo nos impulsiona para um modo deensinar que inclua.

A inclusão escolar, conforme a legislação pertinente ao tema (Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96; MEC, 2001; UNESCO, 1994),e em estudos diversos (Mazzota, 1996; Mantoan, 1988, 2001, 2004; Januzzi, 2004)é baseada, sobretudo na diversidade. Tratar da inclusão escolar requer analisar osignificado atribuído à educação, além de atualizar concepções e repensar oprocesso de formação do indivíduo, refletindo acerca da complexidade e amplitudeque envolve esse tema.

Para a prática da inclusão escolar é preciso compreender a forma como aescola considera as singularidades das pessoas com deficiência em relação àconstrução da aprendizagem e investigar as estratégias usadas pelos educadorespara que esse aluno seja estimulado e desafiado a se desenvolver em todas asetapas do processo educativo.

2. BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Nas duas últimas décadas a realidade educacional brasileira configurou-semarcada por uma prática abrangente no quesito inclusão. O objetivo deproporcionar ao educando o acesso e a permanência à escola foi alvo de políticaspúblicas que efetivamente elevaram o número de brasileiros na escola.

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) define, no artigo 205, aeducação como um direito de todos. O Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA), Lei nº 8.069/90 (BRASIL, 1990), no artigo 55, determina que “os pais ouresponsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regularde ensino”.

Também nessa década, documentos como a Declaração Mundial deEducação para Todos (1990), a Declaração de Salamanca (1994) e a Convenção daGuatemala (1999) promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.956/2001, influenciarama formulação das políticas públicas da educação inclusiva. Acompanhando oprocesso de mudança, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial naEducação Básica, Resolução CNE/CEB nº 2/2001, no artigo 2º, determinam que:

Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo àsescolas organizarem-se para o atendimento aos educandos comnecessidades educacionais especiais, assegurando as condiçõesnecessárias para uma educação de qualidade para todos.(MEC/SEESP, 2001)

O movimento mundial pela educação inclusiva é uma ação política, cultural,social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos deestarem unidos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação.Assim, além das dificuldades cotidianas escolares – ainda mal resolvidas – estáposto novo dilema: como modificar o espaço escolar para incluir o novo aluno?

Em 2004, o Ministério Público Federal publicou o documento “O Acesso deAlunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular” (BRASIL,2004), com o objetivo de disseminar os conceitos e diretrizes mundiais para a

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inclusão, reafirmando o direito e os benefícios da escolarização de alunos com esem deficiência nas turmas comuns do ensino regular.

Somadas às dificuldades em torno das questões educacionais da redepública e privada existem outras que se inserem no contexto regular: o novopersonagem das pessoas com deficiência e a obrigatoriedade de sua presença naescola. Esse fato modifica o cenário da educação no Brasil e amplia a pauta deproblemas relacionados à educação (SAWAIA, 2004).

A escola sempre foi idealizada para um perfil de aluno engajado e cheio depossibilidades a serem semeadas e colhidas ao longo da trajetória estudantil.Receber o educando cujo perfil não corresponde às expectativas iniciais do sistemaescolar suscita muitas preocupações no âmbito da sociedade.

A formação do cidadão competente está atrelada à autonomia moral, aodesenvolvimento intelectual, a uma autoestima elevada. Por isso é importante asescolas incluírem em sua estrutura curricular atividades que possam favorecer aaceitação mútua entre os alunos.

Baptista (2006) alerta que devemos conter nosso pragmatismo, frear nossatendência às respostas, explorar de maneira crítica nossa própria experiência,reconhecer nossa dolorosa e contínua implicação. A ação do educador é percebersua funcionalidade na maneira particular de ser no mundo, de olhar o mundo e deinteragir no cotidiano rumo à ressignificação contínua da aprendizagem.

No momento em que as pessoas com deficiência passam a dividir o espaçoescolar com os sujeitos sem deficiência há necessidade de revigorarem-seprincípios de solidariedade humana cujos conceitos e práticas permitam osurgimento de possibilidades múltiplas em relação à prática escolar e social deinclusão.

Foucault (2000) assevera que o controle social é exercido de maneira muitoeficiente pelos elementos que compõem o grupo social. Mesmo diante da estruturade vigilância e de controle (leis, decretos, instituições), os indivíduos sãosubmetidos ao controle e à vigilância exercidos pela apreciação sancionadora dooutro.

O discurso acerca da inclusão de pessoas com deficiência está arrimado noentendimento dessa condição como um desvio da norma, como um desajustamentoaos padrões ideologicamente apontados como normais. As análises históricasrealizadas por Foucault (2000) mostram como as práticas e os saberes vêmfuncionando para conceber o sujeito moderno.

Na perspectiva pedagógica, autores como Piaget (1993), Vygotsky (1991) eWallon (1989) contribuem, com suas teorias, de forma significativa e eficaz para acompreensão do desenvolvimento humano no processo de ensino e aprendizagem,essenciais à reflexão do professor acerca de suas práticas pedagógicas.

As ideias desses teóricos propiciaram transformações no campo educacional,possibilitando uma nova concepção sobre transtornos de desenvolvimento edeficiências, uma dimensão distinta dos processos de aprendizagem e dasdiferenças individuais.

É necessária uma revisão dos princípios em que se alicerçam as práticaseducativas, discutindo-se além de suas dimensões técnicas, teóricas e ideológicas,o aluno real que protagoniza um papel condizente com sua condição: um cidadão,independentemente de suas especificidades, competências ou deficiências dequalquer natureza.

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3. CAMINHOS DA INCLUSÃO ESCOLAR

A elaboração da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva daEducação Inclusiva, em 2007, garantida pelo Decreto nº 6.571/08, que dispõesobre o Atendimento Educacional Especializado (AEE), (BRASIL, 2008a), entendidocomo conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicosorganizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementarà formação dos alunos no ensino regular, constitui em grande avanço na educaçãobrasileira.

As escolas regulares, diante da obrigatoriedade de matricular pessoas comdeficiência, tiveram que se organizar para disponibilizar o AEE e assim, possibilitaro processo inclusivo. Por meio desse atendimento o professor pode ter recursoscompartilhados com o professor do AEE que proporcionem as condiçõesnecessárias para a inclusão na escola regular.

Stainback e Stainback (1999) consideram que o educador podedesempenhar um importante papel na percepção de características dos alunoscujas potencialidades e limitações são diferentes. Sugerem atividades queidentifiquem as limitações e estimulem as habilidades dos educandos. Conforme asespecificidades de cada deficiência são necessárias articulações entre os docentespara elaborar recursos apropriados ao Projeto Político Pedagógico (PPP) da escolae às peculiaridades de cada indivíduo, a fim de que prevaleça sua eficiência a serdesenvolvida, em detrimento da deficiência que possui, seja ela qual for.

Encontra-se presente como premissa básica em todas as etapas do processode ensino e aprendizagem um olhar para conectar o aluno concreto ao alunoidealizado no PPP. Está explícita na prática educativa uma constante divergênciaentre essas duas figuras. Relacionar situações específicas do cotidiano da inclusãoem um novo momento implica redescobrir essa nova escola que se (re)organizapautada em uma necessidade emergente, para além de seu passado, em busca deuma nova prática.

Por meio do AEE e de um pensar apropriado para o novo público incluído, épossível produzir condições de acessibilidade física e estrutural a um ambientedesignado para atender a todos os alunos com o mesmo padrão de qualidade.

O Decreto nº 7.611, de 17 de Novembro de 2011 (BRASIL, 2011), que veiorevogar o Decreto nº 6.571/08 (BRASIL, 2008a), garante a matrícula e apermanência das pessoas com deficiência na escola regular e seu atendimentoespecializado em contraturno. O Art. 1º do Decreto nº 7.611 tem foco na EducaçãoEspecial e no seu público alvo (pessoas com deficiência, com transtornos globaisdo desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação) e na garantia do Estadoem oferecer ensino fundamental gratuito e compulsório, baseado na igualdade deoportunidades. Mantém ainda o AEE, tal como na versão anterior, a ser oferecidotanto nas escolas regulares quanto nas escolas especiais.

O aludido decreto possibilitou a manutenção das escolas especiais sem,contudo, frear a ampliação de oferta de ensino nas escolas regulares. De acordocom dados presentes na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva daEducação Inclusiva, o ingresso de pessoas com deficiência em classes comuns doensino regular cresceu 640%, passando de 43.923 alunos em 1998 para 325.316em 2006. (BRASIL, 2008b).

Os números revelam importantes avanços alcançados pela atual política:62,7% das matrículas da educação especial em 2007 estavam nas escolas públicas

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e 37,3% nas escolas privadas. Em 2012, os números alcançaram 78,2% naspúblicas e 21,8% nas escolas privadas, mostrando a efetivação da educaçãoinclusiva e o empenho das redes de ensino em organizar uma política públicauniversal e acessível às pessoas com deficiência (BRASIL, 2012).

Apesar das adversidades na realidade educacional brasileira, os dadossinalizam uma significativa mudança na dinâmica crescente das matrículas depessoas com deficiência, o que comprova um novo perfil de aluno que exige umaconcepção diferenciada da escola e dos professores.

Com a garantia de matrícula e permanência na rede regular de ensinoampliam-se as possibilidades de escolha da modalidade educacional em quepretende estudar. Emergem as obrigações das instituições de ensino em desmontarestruturas fixas, imutáveis e perpetuadas por um legado histórico de certezas,antes incontestáveis.

Conduzir os novos rumos requer aceitação e reconhecimento daindividualidade e, sobretudo, adequação processual, contínua e planejada em todosos âmbitos do cotidiano educacional. Romper paradigmas em busca de solucionaras questões que envolvem a trajetória de inclusão que ganha impulso pelaretomada de discussões relacionadas ao papel da educação nesta nova era.

Já se conhece o efeito socializador do meio escolar regular nodesenvolvimento de pessoas com deficiência, como enfatiza Mantoan (1988).Assim, para aumentar seu sucesso escolar e social é preciso respeitar oseducandos em sua individualidade, em sua capacidade de decisão e escolha, paranão reservar a uma parte deles o fracasso e as categorias especiais de ensino.

4. O PROFESSOR NA ESCOLA INCLUSIVA

Conforme Stainback e Stainback (1999, p.21) “[...] a educação inclusivapode ser definida como a prática da inclusão de todos, independente de seutalento, deficiência, origem socioeconômica ou cultural”. A inclusão não almejamodificar o aluno para que ele possa apenas frequentar a escola regular, mas aocontrário, torna emergente a necessidade de mudança do modelo escolar pautadoem ideais de uniformidades. Nessa vertente é imperioso transpor barreirasculturais, históricas, estruturais e arquitetônicas. Cabe um posicionamento detodos os envolvidos no processo educacional e, sobretudo, um professor emconsonância com a nova escola.

Libâneo (1994) traz a lume informações históricas quando se refere ao papeldo professor como fundamental do ponto de vista político e cultural. Para o autor,há mais de dois séculos o ensino se constitui como forma dominante desocialização e de formação nas sociedades modernas.

Em sua trajetória histórica a educação tem sido usada como recurso paraconstruir o comportamento humano. O contexto social contemporâneo aponta parauma apropriação de condições essenciais a fim de redimensionar o papel da escolarumo às novas exigências de uma sociedade que se pretende inclusiva em todassuas diversidades.

A intervenção do professor é fundamental para o sucesso da inclusãoescolar. Nesse processo são necessárias novas condutas referentes às práticaspedagógicas. É preciso abertura para aceitar o novo e almejar sua inclusão.

A legislação brasileira prevê a adequada formação dos profissionais comeste propósito, como disposto na Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994) e na

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atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996). A capacitação doprofessor, em sua formação inicial e na continuada, é pilar essencial para ocumprimento das políticas educacionais inclusivas.

A formação docente não pode restringir-se à participação em cursosesporádicos, eventos ou seminários sobre a temática. Deve constituir-se emconstante esforço intelectual na apropriação de conhecimentos teóricos eestratégias práticas a serem implementados e (re)avaliados na prática inclusiva.

O professor precisa analisar sua prática pedagógica para além dasnecessidades usuais de seus alunos, com o objetivo de considerar asespecificidades pedagógicas das pessoas com deficiência, percebendo suadiversidade, e não um fator de impedimento para apropriação do ensino dequalidade, conforme preconiza a legislação brasileira (BRASIL, 1988).

Novas atitudes e renovadas formas de interação caracterizam o perfil desteprofessor que deve ter como base para sua atuação estratégias de ensino-aprendizagem que se preocupem em incorporar a inclusão e suas exigênciaspeculiares. Para Libâneo (2001), a escola precisa assumir que também é seu papelensinar valores e atitudes, sob o ponto de vista de um comportamento ético, noque se refere à vida, ao ambiente e às relações humanas. É primordial ao professorestabelecer uma prática docente condizente com uma sociedade sem preconceitos.

Desenvolver potencialidades dos alunos implica reestruturar conceitosatitudinais a fim de transformar a figura profissional intrínseca ao contexto escolarem ambiente inclusivo. Além disso, é preciso disponibilizar uma políticapermanente de reconhecimento e valorização da diversidade, novo desafio que serevela, acrescentado aos outros tantos dilemas da escola nacional. Não existemodelo eficiente e incontestável de escola, professor ou aluno, existemabordagens, experiências e construções que conseguem superar as barreiras dofracasso ao executar ações contextualizadas com o compromisso permanente daqualidade, aceitando e valorizando a diversidade humana.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A legislação pode ser considerada importante para mobilizar os agenteseducacionais a fim de suscitar discussões sobre a inclusão nas escolas. Embora aincorporação das pessoas com deficiência deva acontecer no sentido vertical,indubitavelmente a lei poderá contribuir para fomentar ideias e ações no sentidode atender à demanda. Cabe salientar que apenas a lei não é capaz de resolver oproblema.

A formação docente é reconhecidamente outro aspecto merecedor de nossaatenção. A epistemologia adotada pelo educador em sala de aula, se voltada paraum fazer pedagógico cuja essência esteja consubstanciada na crença no potencialhumano, permitirá ao profissional melhores condições para compreender oprocesso de inclusão de pessoas com deficiência.

Ademais, o domínio do conhecimento técnico acerca do tema inclusão é deprimordial importância para a implantação de uma prática pedagógica voltadapara a inclusão escolar. Além disso, o docente precisa desenvolver competênciascom vistas a atender às demandas dos alunos incluídos.

Contudo, isolado, esse profissional pouco terá condições de alicerçar otrabalho. Somente ele não resolverá a questão da inclusão. Trata-se de umaedificação coletiva a ser erguida por todos os personagens da instituição. É

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necessário que as ações representem o discurso da escola. Para tanto, o PPPprecisa incorporar esse ideal. A inclusão precisa estar impregnada nos sujeitos dacomunidade escolar.

São inúmeros os debates em torno do papel do professor na inclusão depessoas com deficiência. Ressalte-se a importância de tais discussões no sentido deprovocar mudanças no cenário escolar com vistas ao engendramento de novasideias e práticas permeadas por uma intencionalidade direcionada ao aluno real,único em sua própria diversidade.

Não é coerente exigir consenso social em torno da aceitação da práticainclusiva. Todavia, é legítimo aos cidadãos brasileiros com deficiência a incessantebusca por soluções no sentido de ampliar sua participação efetiva no mundo dotrabalho, o que será facilitado, sobremodo, por sua inclusão na escola regular.

A legislação vigente em torno das políticas inclusivas deve ser apreciada emsuas proposições, compartilhada pela sociedade brasileira e discutida junto àcomunidade escolar. Cabe a cada partícipe do universo das escolas conhecer,debater, e posicionar-se quanto à necessidade de delineamento de novos papéis naeducação.

Desse modo, a inclusão escolar, cuja gênese histórica está vinculada a ummovimento internacional, passa a pertencer ao cotidiano escolar. Por isso é umarealidade que não pode se restringir exclusivamente ao âmbito legislativo.Ademais, é tema gerador de expectativas que extrapolam a escola para atingir aparticipação social dos sujeitos incorporados e precisa ser refletido em todas suasnuances.

É preciso redimensionar o PPP, a didática e o sistema avaliativo paraviabilizar a concretização do conteúdo das leis de ensino. A escola inclusiva deveadequar-se às exigências legais, mantendo foco na autonomia e no processo deevolução condizente com a educação inerente ao mundo atual e suas implicações.

Nessa perspectiva, o caminho para retirar a legislação inclusiva das letrasinertes está calcado na redefinição dos papéis da escola, seus objetivos, suaproposta de formação do indivíduo. Desse modo sobressalta-se a transposição debarreiras reais e imaginárias na construção de uma escola de qualidade paratodos.

REFERÊNCIAS

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Enviado para publicação: 01/08/2013Aceito para publicação: 14/08/2013

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8. ANÁLISE DA INFLUÊNCIA DA OBESIDADE NOS NIVEIS DE APTIDÃO FISICA EM ESCOLARES DO SEXTO

E SÉTIMO ANOS DE UMA ESCOLA PUBLICA FEDERAL

ANALYSIS OF THE INFLUENCE OF OBESITY ON PHYSICAL FITNESS LEVELS IN SCHOOLCHILDREN

OF A FEDERAL PUBLIC SCHOOL

Roberta Ferreira da Costa Malagutti0

Francisco Clineu Queiroz França0

Resumo. Esta pesquisa tem por objetivo analisar a influência da obesidade nos níveis deaptidão física de crianças com sobrepeso e obesidade. A pesquisa caracterizou-se comodescritiva, transversal de natureza quantitativa. A amostra compreende 30 crianças docolégio militar de Fortaleza- CE com níveis de sobrepeso e obesidade cursando o 6° e 7°ano do ensino fundamental integrantes do programa adolescente esporte e nutrição. Foramutilizados como instrumentos de pesquisa testes de flexibilidade, potência dos membrosinferiores, agilidade e velocidade. Os procedimentos estatísticos utilizados foram osseguintes: média, máxima, mínima, moda, mediana e desvio-padrão. O programa utilizadofoi Microsoft Office Excel 2007. Quanto aos resultados verificou-se que as crianças comsobrepeso e obesidade obtiveram índices abaixo da média estabelecida pelas tabelas declassificação. Assim conclui-se que a obesidade tem uma forte influencia negativa sobre osníveis de aptidão física dessas crianças.

Palavras chaves: Obesidade – Educação – Aptidão física – Crianças

Abstrat. This research aims to analyze the influence of obesity on physical fitness levels inchildren with overweight and obesity. The research characterized as descriptive,transversal quantitative in nature. The sample comprises 30 children of the military schoolof Fortaleza with levels of overweight and obesity tacking the 6°and 7° year of elementarycomponents of the sport and nutrition program. Were used as research instruments fortesting flexibility, lower limb power, agility and speed. The statistical procedures used wereas follows: minimum, maximum, average, median, and standard deviation. The programused is Microsoft Office Excel 2007. The results it was found that children with overweightand obesity have below-average rates established by the classification tables. So weconclude that obesity has a strong negative influence on levels of physical fitness ofchildren.

Keywords: Obesity – Education – Physical fitness – Children

0 Graduada em Educação Física, pelo Centro Universitário Estácio – FIC do Ceará .Contato:[email protected]

0 Graduado em Educação Física pela Universidade de Fortaleza (1986). Especialista nas áreas de futebol emarketing no esporte. Mestre na área de educação e gestão desportiva. Professor titular - Colégio Militar deFortaleza e da Faculdade Estácio do Ceará. Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em EducaçãoFísica escolar, futebol, terceira idade e avaliação física, atuando principalmente nos seguintes temas: obesidade,atividade física, peso corporal, nutrição infantil e crianças.Lattes: http://lattes.cnpq.br/4910448583541736. Contato:[email protected]

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1 INTRODUÇÃO

A obesidade e o excesso de peso corporal se caracterizam nos dias de hojeem um dos grandes problemas do mundo atual. O excesso de peso pode serexplicado como um aumento do acúmulo de gordura corporal e a obesidade comoum aumento excessivo do acúmulo de gordura. Já para Katch e Mcardle (1996), aobesidade é um processo demorado, que muitas vezes tem seu início na infância, equando isso acontece, as chances para que essa criança venha a ser um adultoobeso são três vezes maiores. Para Marcones (1992, p.674) aumentaria, portanto,em 2,6 vezes o risco de obesidade quando adulto. A alta taxa da prevalência deobesidade na infância vem preocupando profissionais da área da saúde. Foi noinício dos anos noventa que a Organização Mundial da Saúde começou a soar oalarme, depois que uma estimativa de que 18 milhões de crianças em todo omundo, menores de 5 anos, foram classificadas como tendo sobrepeso (THELANCET,2001).

Mcardle (2002), afirma que a obesidade consiste no resultado de umdesequilíbrio entre a ingestão calórica e os gastos energéticos, utilizados para amanutenção das diversas atividades orgânicas e outras atividades adicionais. Issoindica que todas as vezes que se consome mais do que o organismo necessitahaverá sempre um acúmulo, reserva maior do que o necessário.

A atividade física é aceita como pré-requisito para o crescimento edesenvolvimento normal de crianças e adolescentes como também a forma idealpara o individuo, ainda criança, assumir um comportamento físico ativo. O mundoinfantil gradativamente passou a adotar estilo de vida que compromete odesenvolvimento motor e funcional, colocando em risco a qualidade futura de seunível de saúde. Atividades cotidianas buscando cada vez mais a economia doesforço físico provocam o desequilíbrio entre a ingestão e o consumo de energia.Aptidão física é um estado dinâmico de energia e vitalidade que permite a cada umnão apenas realizar as tarefas diárias, as ocupações ativas das horas de lazer eenfrentar emergências imprevisíveis sem fadiga excessiva, mas também ajuda aevitar doenças hipocinéticas, enquanto funcionando no pico da capacidadeintelectual e sentindo uma alegria de viver.(NIEMAN 1999)

Neste contexto o estudo tem como objetivo analisar a influencia daobesidade nos níveis de aptidão física em crianças do sexto e sétimo anos de umaescola pública federal, por entender que as crianças se tornaram menos ativas,incentivadas pelos avanços tecnológicos, passando horas assistindo televisão, emcomputadores e vídeo games, cada vez mais crianças brincam menos, e semovimentam menos. (BARBANTI, 1990)

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Obesidade Infantil

A prevalência da obesidade infantil vem apresentando um rápido aumentonas últimas décadas, sendo caracterizada como uma verdadeira epidemia mundialLohman (1992). Este fato é bastante preocupante, pois a associação da obesidadecom alterações metabólicas, como a dislipidemia, a hipertensão e a intolerância àglicose, considerados fatores de risco para o diabetes mellitus tipo 2 e as doençascardiovasculares até alguns anos atrás, eram mais evidentes em adultos; no

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entanto, hoje já podem ser observadas frequentemente na faixa etária mais jovem.Além disso, alguns estudos sugerem que o tempo de duração da obesidade estádiretamente associado à morbimortalidade por doenças cardiovasculares(FARINATI, 1995).

Vários fatores são importantes na gênese da obesidade, como os genéticos,os fisiológicos e os metabólicos; no entanto, os que poderiam explicar estecrescente aumento do numero de indivíduos obesos parecem estar maisrelacionados às mudanças no estilo de vida e os hábitos alimentares. (FISBERG,1995).

O excesso de peso na infância, segundo Salbe & Ravussin (2000), acontecegeralmente por uma combinação de fatores, incluindo hábitos alimentareserrôneos, propensão genética, estilo de vida familiar, condição socioeconômica,fatores psicológicos e etnia. Um fato bastante importante dentro das causas daobesidade que merece atenção, é que mais de 95% das pessoas que desenvolvemobesidade por causa nutricional, também denominada simples ou exógena, osrestantes 5% segundo Fisberg (1995), seriam os obesos denominados de obesosendógenos, ou seja, alterações hormonais, por exemplo: alteração do metabolismotireoidiano, gonadal, hipotálamo-hipofisário e tumores como o crâniofaringeoma.

Outro fator importante é o histórico familiar. Uma criança que os dois paissão obesos possui 80% de chances de desenvolver a obesidade, essa situação caipara 40% se apenas um dos pais for obeso, e se nenhum dos pais possuírem talenfermidade essa criança terá apenas 7% de chances de se tornar uma pessoaobesa (BERHEMAN & KLIEGMAN, 1994).

O aumento no consumo de alimentos ricos em açúcares simples e gordura,com alta densidade energética, e a diminuição da prática de exercícios físicos, sãoos principais fatores relacionados ao meio ambiente. O estudo de Oliveira et al.(1996), verificou que a obesidade infantil foi inversamente relacionada com aprática da atividade física sistemática, com a presença de TV, computador evideogame nas residências, além do baixo consumo de verduras, confirmando ainfluência do meio ambiente sobre o desenvolvimento do excesso de peso em nossomeio.

Os pilares fundamentais no tratamento da obesidade infantil são asmodificações no comportamento e nos hábitos de vida (tanto da criança como sepossível da família), que incluem mudanças nos planos alimentares e atividadefísica. Para Gomes (2002) o objetivo básico é manter o peso adequado para aestatura preservando o crescimento e desenvolvimento normal. Em função docrescimento, não se fazem dietas restritivas para a criança, uma vez que os níveisde vitaminas e micronutrientes ficam demasiadamente reduzidos, levando aprejuízos no desenvolvimento físico e mental (VITOLO & CAMPOS, 1998).

Para combater a obesidade infantil existe um consenso entre especialistasda área que incluem a mudança de comportamento, dieta equilibrada, sem grandesrestrições alimentares, combinada com exercícios físicos diários(POLLOCK&WILMORE,1993; DIETZ,1998; DÂMASO et AL, 1995, BEHRMAN &KLIEGMAN,1994).

Certamente pode ser considerada a melhor maneira de conduzir o problemaconsiderando que “.o conhecimento do crescimento e desenvolvimento normaisdas crianças é essencial à prevenção e detecção de doenças por reconhecerdesvios evidentes dos padrões normais”(FOYE&SULKES 1994,p.1).

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2.2 O Professor de Educação Física

O professor de Educação Física é o profissional que possui um contato diretocom o desenvolvimento das crianças, sendo assim capaz de observar mudançasantropométricas como nenhum outro profissional da área escolar e, também nestecontexto, perceber mudanças (como o excesso de peso) antes ignoradas, éinadmissível que continuem negligenciando tal evidência. Associando a essesfatores, o reconhecimento de que a prevalência de obesidade em criançasaumentou muito tanto em países desenvolvidos como naqueles emdesenvolvimento, é necessário entender melhor esse fenômeno com o objetivo deestudar as possíveis causas e intervenções que diminuam a gravidade dessasituação. O profissional de Educação Física tem a possibilidade de avaliar eacompanhar as sucessivas alterações em componentes do crescimento e daaptidão física ao longo de determinados períodos.

2.3 Obesidade na Escola

As crianças obesas necessitam que haja um estímulo dos pais, professores,para que elas não se sintam inferiores aos demais colegas por serem gordas. Éimportante incluir a criança obesa em atividades ligadas ao movimento corporal eorientar aos demais colegas do seu convívio social que não façam gozações, nãocoloquem apelidos, pois frustrará a criança e como consequência futura será umadulto complexado e cheio de problemas. A obesidade é considerada uma barreira,pois estar com excesso de gordura corporal dificulta o deslocamento.Biomecanicamente as pessoas obesas têm dificuldades em correr, podem terdificuldades em habilidades motoras relacionadas aos esportes, correm mais riscosde terem lesões de joelho, nos pés, torções nos tornozelos, e problemas musculares(HILLS, 2001).

Nahas (2001) coloca que a Educação Física é a profissão que tem umaresponsabilidade maior do que as outras profissões em relação à prestação deserviços relacionados com a atividade física e o desenvolvimento humano;incluindo as escolas. A Educação Física tem a responsabilidade de umacontribuição educacional para seus praticantes em relação ao seu desenvolvimentomotor e aptidão física, tanto para o bem estar como para saúde.

A Educação Física escolar tem como um dos seus objetivos principais fazercom que o aluno conheça seu corpo, valorizando e adotando hábitos saudáveiscomo um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidadeem relação a sua saúde e a saúde coletiva (PCN, EDUCAÇÃO FÍSICA, 1997) o queindica que a Educação Física tem uma responsabilidade educacional com a saúdede seus alunos.

2.4 Aptidão Física

Diversas são as descrições expostas sobre o que é ou o que é ter aptidãofísica, mas essencialmente a maioria dos autores que escreveram a respeitovislumbra uma mesma concepção final. Para Araújo & Araújo (2000), aptidão físicasão as habilidades físicas que permitem ao indivíduo desempenhar suas tarefascotidianas sem demonstrar fadiga e possuir reservas de energia para finsrecreativos e necessidades de emergência. De acordo com Saba (2003, p42), “ Ter

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aptidão física é estar com o coração, pulmões, vasos sanguíneos e músculosprontos para suportar, sem problemas, as atividades que o corpo realiza”.

Barbanti (1990) sugere a aptidão física como um estado dinâmico de energiae vitalidade que permite a cada individuo que realize não apenas as tarefas diárias,as ocupações ativas das horas de lazer e enfrentar emergências imprevisíveis semfadiga excessiva, mas também ajuda a prevenir doenças hipocinéticas, enquanto,funcionando no pico da capacidade intelectual e sentindo uma alegria de viver.Araújo & Oliveira (2008), tem uma concepção muito próxima e descrevem aaptidão física como:

(...) a capacidade de executar atividades físicas com energia e vigorsem excesso de fadiga e, também, como a demonstração dequalidades e capacidades físicas que conduzam ao menor risco dedesenvolvimento de doenças e incapacidades funcionais (ARAUJO &OLIVEIRA 2008, p2).

3 METODOLOGIA

Este estudo caracteriza-se por descritivo, transversal de naturezaquantitativa e foi realizado no Colégio Militar de Fortaleza - CE, no dia cinco desetembro de dois mil e doze, a uma temperatura aproximada de 27° Celsius. Tevecomo população e amostra alunos do sexto e do sétimo anos do ensinofundamental, com níveis de sobrepeso e obesidade, 30 crianças do Colégio Militarde Fortaleza, situado na Av. Santos Dumont, 485 Bairro Aldeota. Quanto aosaspectos éticos, em um primeiro momento, entramos em contato com os alunos,pedindo a sua colaboração para com o estudo. Todos os procedimentos da pesquisaatenderam as recomendações descritas na literatura e não implicaram emqualquer risco ou prejuízo para os indivíduos participantes. Quanto aos fatores deinclusão e exclusão, participaram do estudo alunos integrantes do programa,adolescente esporte e nutrição. Para a exclusão do escolar da amostra adotou-se:a) recusa em participar do estudo; b) não autorização do responsável; c) algumproblema físico que impedisse temporariamente ou definitivo o aluno a sersubmetido; e d) ausência às aulas no dia da coleta de dados. No que se refere aosinstrumentos e procedimentos de pesquisa, a presente pesquisa visa observar ainfluência da obesidade na aptidão física de crianças escolares com idade de 11 e12 anos cursando o 6° e 7° ano do ensino fundamental. Foram utilizados comoinstrumentos de pesquisa, testes de Flexibilidade, Potência dos membros inferiores(impulsão horizontal), agilidade e velocidade.

3.1 Flexibilidade (teste de sentar e alcançar)Utilizou-se, para a realização do teste, o banco criado por Wells & Dillon, um

banco com as seguintes características: a) um cubo construído com peças de 30 x30 cm; b) uma peça tipo régua de 53 cm de comprimento por 15 cm de largura; c)colocada no topo do cubo na região central fazendo com que a marca de 23 cmfique exatamente em linha com a face do cubo aonde os alunos apoiarão o pé.Partindo da posição sentada, com as pernas estendidas, com as mãos sobrepostas edispostas sobre a régua cada aluno inclina (em um único movimento e semimpulso) o tronco para frente até o seu limite de extensão com os joelhos sendoapoiados pelo avaliador para baixo, tentando alcançar o mais longe possível.Executam-se três tentativas, registrando-se o melhor resultado. Os registros são

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feitos em centímetros. Foi utilizada para classificação do teste de flexibilidade atabela de classificação conforme Fernando (1998, p 61-62)

3.2 Potência dos membros inferiores (teste de impulsão horizontal):

O teste de força explosiva dos membros inferiores foi efetuado levando-seem consideração a maior distancia alcançada de um salto realizado por cadavoluntario em relação a uma linha previamente demarcada no solo. O salto érealizado a partir da demarcação, com os pés paralelos, ligeiramente afastados,joelhos semiflexionados, tronco ligeiramente projetado a frente, sendo o resultadoregistrado em cm. Foi utilizado para realização do teste trena, apito e fita crepe.Foi utilizada para classificação do teste de Impulsão horizontal a tabela declassificação conforme Lancetta (1988).

3.3 Agilidade (teste de Shutle Run)

O teste de agilidade Shutle Run foi efetuado em uma sequencia dedeslocamento contínuo realizado pelo voluntário no menor tempo possível.Realizam-se duas linhas paralelas traçadas no solo numa distancia de 9,14 metros,medidas a partir de suas bordas externas. Os dois blocos de madeira comdimensões de 5 cm x 5 cm x 10 cm são colocados a 10 cm da linha externa eseparados entre si por um espaço de 30 cm. Estes devem ocupar uma posiçãosimétrica em relação a margem externa. O avaliado coloca-se em afastamentoântero-posterior das pernas , com o pé anterior o mais próximo possível da linhade saída e ao ouvir a voz de comando do avaliador, o avaliado em ação simultâneacorre a máxima velocidade até os blocos, pega um deles e retorna ao ponto deonde partiu depositando esse bloco atrás da linha de partida. Em seguida seminterromper a corrida, vai à busca do segundo bloco, procedendo da mesma forma.O cronometro é parado quando o avaliado coloca o ultimo bloco no solo eultrapassa com pelo menos um dos pés a linha final.

Foi utilizada para a classificação do teste de Agilidade a tabela declassificação segundo Dantas, E.H.M.,(1986)

3.4 Velocidade de deslocamento (teste de 20m)

No teste de velocidade de deslocamento, os voluntários foram posicionadosem pé, atrás de uma linha pré-demarcada. Ao comando cada aluno deverádeslocar-se o mais rápido possível até a outra linha pré-demarcada a 21 metros daprimeira. No teste são traçadas três linhas paralelas (0 m, 20 m, 21 m) e éconsiderado para registro o tempo do percurso entre o posto zero e a marca dos 20metros. O tempo é registrado em segundos com precisão centesimal. Foi utilizadapara a classificação do teste de Velocidade a tabela de classificação ConformePROESP- BRASIL.

4 RESULTADOS

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Gráfico 1 – Flexibilidade – Fonte: Pesquisa Direta

O gráfico 1 nos apresenta os resultados alcançados no teste de flexibilidade.Os alunos alcançaram uma máxima de 28 cm, a mínima de 7 cm e a médiaalcançada pelos alunos foi de 18,36667 cm. De acordo com a tabela utilizada napesquisa, classifica-se como Regular e Fraca.

Gráfico 2 – Agilidade – Fonte: Pesquisa direta

O gráfico 2 nos apresenta os resultados alcançados no teste de agilidadesendo a máxima atingida 17 seg. e a mínima atingida foi 13 seg. e a médiaalcançada foi de 14 seg. De acordo com a tabela de classificação utilizada napesquisa, classifica-se como Ruim.

Gráfico 3 – Velocidade 20metros – Fonte: Pesquisa direta

O gráfico 3 nos apresenta os resultados alcançado no teste de velocidadesendo a máxima atingida 6 seg. e a mínima atingida 4 seg. e a média alcançada

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pelos alunos foi de 4,56 seg. De acordo com a tabela de classificação utilizada napesquisa, temos como resultado Muito Fraco.

Grafico 4 – Impulsão Horizontal – Fonte: Pesquisa diretaO gráfico 4 nos apresenta os resultados obtidos no teste de impulsão

horizontal sendo a máxima atingida 173 cm e a mínima 84 cm e a média alcançadapelos alunos foi de 118,9667 cm. De acordo com a classificação utilizada napesquisa, temos como resultado Fraco.

5 DISCUSSÃO

A importância de investigar índices de aptidão física fundamenta-se natentativa do estabelecimento de padrões desejáveis em relação ao desempenhomotor e a gordura corporal, que, quando atingidos, possam assegurar algum tipode proteção contra o surgimento e o desenvolvimento de disfunções de caráterhipocinético (SALLIS 1993)

Quanto aos resultados no teste de sentar e alcançar no qual o seu objetivofoi avaliar os padrões de flexibilidade da região inferior das costas, do quadril edos músculos posteriores dos membros inferiores, os valores médios foramaproximadamente 18,36 cm e máxima 28 cm classificando como regular e fraca.

Para (FERNANDES 2009) A flexibilidade nos permite ampliar osmovimentos, gestos, que correspondem ao nosso desenvolvimento motor. O seucomprometimento pode acarretar em sérios problemas a saúde, como por exemplo,alterações posturais, dores musculares, dificuldades respiratórias, diminuição nascapacidades motoras diárias entre outros.

Fernandes (2009), ao classificar a flexibilidade não encontrou diferençassignificativas entre os gêneros masculino e feminino, já comparando os níveis deflexibilidade entre as faixas de IMC, as crianças com IMC normal obtiveram amédia geral de 21,64 cm as classificadas com sobrepeso 17,27 cm as classificadascomo obesas 19,38 cm. Sendo o resultado das crianças com sobrepeso e obesasabaixo da média, comparado as crianças com seu índice de IMC normal.

Os resultados encontrados por Sousa (2003), em estudo com escolares nafaixa etária de 10 a 18 anos, na classificação ao avaliar a flexibilidade através doteste de sentar e alcançar no Banco de Wells encontrou os seguintes resultados; deforma geral uma média de 24,1 cm. Ao relacionar a flexibilidade dos escolares compercentual de gordura classificado como sobrepeso/obesidade demonstraram

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aproximadamente 1,8 vezes a mais chance de ter boa flexibilidade quandocomparados aos com IMC normal.

Já no nosso estudo as crianças com sobrepeso/obesidade obtiveram umaclassificação fraca/regular ficando abaixo da média estabelecida pela tabela declassificação conforme Fernandes (1998, p 61-62).

Quanto aos resultados dos testes relacionados aos componentes agilidade,velocidade e potência dos membros inferiores cuja classificação foi ruim, muitofraca, fraca, observamos que as crianças com sobrepeso/obesidade tambémobtiveram uma classificação abaixo da média estabelecida pelas tabelas declassificação conforme Lancetta (1988), Dantas, E.H.M (1986) e Proesp-Brasil.

Agilidade é a habilidade de alterar a direção do corpo, rápida eprecisamente, é a capacidade de mudar a posição do corpo, no menor tempopossível, dependendo das valências forças, velocidade, equilíbrio e coordenação(BARBANTI, 1990).

Segundo Grosser (1988), a velocidade é a capacidade que permite realizarmovimentos de forma correta e econômica, e de reagir tão rápido quanto possívelem diversas situações ou manter-se em equilíbrio, de ainda executar gestos deacordo com ritmos pré-determinados. A velocidade pode definir-se como umacapacidade complexa derivada de um conjunto de propriedades funcionais (força ecoordenação), que possibilita regular em função de parâmetros temporaisexistentes a ativação dos processos cognitivos e funcionais do indivíduo paraprovocar uma resposta motora ótima. (VINASPRE s/d)

Estudo de Brum (2009), realizado em Florianópolis constatou que, demaneira geral, as crianças que apresentavam obesidade possuem um atraso emseus componentes de aptidão física, fazendo com que os movimentos como, saltar,correr, equilibrar-se se tornem menos eficientes relacionados a crianças eutróficas.Os resultados do estudo apontam para a insuficiência da aptidão física relacionadaa obesos. Sabe-se que a aptidão física tem significativas melhoras com a prática e otreinamento e que, indivíduos obesos tendem a ser mais sedentários.

Segundo Pesquisa, revela que crianças obesas que praticam atividade físicaregular conseguem melhorar estes quatros componentes da aptidão física(AAHPERD, 1999). Agilidade, velocidade, potencia e flexibilidade tal melhora estaassociada a um menor risco de doenças ou incapacidade funcional. (ACSM, 2005).

De acordo com Malina et al. (2004), existem vários fatores, tais como ocrescimento e a maturação, que podem influenciar a aptidão física das crianças eadolescentes.

Para Barata (1997), o excesso de peso é um dos principais fatores queinterfere na condição física e na prestação desportiva. Numa perspectivamecânica, o excesso de gordura representa uma carga inerte ( peso morto ), quetem de ser movida, constituindo-se como um importante fator da aptidão física.(MALINA et al., 2004), este autor afirma que os efeitos da obesidade naperformance são especialmente visíveis quando comparados com indivíduos nãoobesos.

Normalmente, crianças e adolescentes obesos apresentam menores níveisde aptidão física, comparativamente, com sujeitos não obesos, independentementeda idade e do gênero. (BAR-OR & ROWLARD, 2004, MALINA et al., 2004).

Segundo Malina et al. (2004), a aptidão física negativa de crianças eadolescentes obesos manifesta-se de forma mais clara em determinadas atividades

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tais como: saltos, movimentos rápidos (de agilidade), lançamentos, corridas(velocidade).

6. CONCLUSÃONo presente estudo, constata-se que, em todos os testes realizados, as

crianças com sobrepeso e obesidade obtiveram um resultado abaixo da médiaestabelecida pelas tabelas de classificação. Sendo assim, conclui-se que aobesidade tem uma forte influencia negativa sobre os níveis de aptidão físicadessas crianças.

Entendemos que a aptidão física dessas crianças pode ser melhorada namedida em que for aumentando a prática de atividades físicas. E, automaticamentediminuindo o sedentarismo, diminuirá também o nível de sobrepeso e obesidade e,consequentemente, haverá melhora em seus resultados.

REFERÊNCIAS

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Enviado para publicação: 29/05/2013

Aceito para publicação: 19/06/2013

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9. PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL E A (RE)SIGNIFICAÇÃO FILOSÓFICA DO CORPO:

desculpabilização e disponibilidade corporal no setting

THE PSYCHOMOTOR RELATIONSHIP AND A(RE)FRAMING PHILOSOPHICAL BODY:

apologize and availability body in setting

Marcos Antônio Bezerra Lima 0

Resumo. O texto objetiva examinar as marcas deixadas pelo dualismo teológicocorpo/alma e pelo dualismo cartesiano corpo/mente em nossa cultura ocidental, ao longode séculos de história, sob a influência da Filosofia Medieval e da Filosofia Modernacartesiana do “cogito ergo sun” – penso, logo existo e o aspecto (re)significativo do corpona Psicomotricidade Relacional, tomando-a como possível possibilitadora de meios eficazesna relação do sujeito com seu próprio corpo e com o corpo do outro, a partir da abordagemda prática realizada na Formação Pessoal e nos Estágios no Curso de FormaçãoEspecializada em Psicomotricidade Relacional do CIAR/FACEL, realizado com crianças de 8a 13 anos da Rede Pública Municipal de Fortaleza, buscando (re)significar o corpo, tendocomo metodologia a vivência lúdica do contato corporal, para a criança e para o adulto, apartir do jogo simbólico, pssibilitando-lhe crescimento quanto aos aspectos psíquicos,afetivos e emocionais.

Palavras chaves: Filosofia – Corpo – (Re) significação – Psicomotricidade Relacional – Educação

Abstrat. The text aims to examine the marks left by theological dualism body / souldualism and the Cartesian body / mind in our Western culture over centuries of historyunder the influence of Medieval Philosophy and Modern Philosophy Cartesian "cogito ergosun" - I think, therefore I exist and appearance (re)significant body in PsychomotorRelational, taking it as possible enabler of effective means in respect of the subject with hisown body and the body of the other, from the approach of the practice performed inPersonal Training Internships and Specialized Training Course on Psychomotor RelationalCIAR / FACEL conducted with children 8-13 years of the municipal public Fortaleza,seeking (re)define the body, with the methodology the experience playful body contact, forthe child and the adult, from the symbolic play pssibilitando her growth as aspects psychic,affective and emotional.

Keywords: Philosophy – Body – (Re)framing – Psychomotor Relational – Education

0 Licenciado e bacharel em Filosofia pela UFC, Licenciado em Pedagogia pela UVA, Especialista emPsicomotricidade Relacional pelo CIAR/FACEL, Professor do Ensino Fundamental da Rede Pública Municipal deFortaleza, ocupando a função de vice-diretor na Escola Lirêda Facó. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8354489168004541Contato: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

Em relação ao dualismo corpo/alma, surge uma problematização queLapierre (2010, p. 11-13) relata como um processo de absorção da culturaocidental, a partir do surgimento do cristianismo, como prática de valorização daalma e desprezo do corpo. Na Idade Média essa divisão tomou grandes proporções.Abbagnano (2000, p. 210) retoma questões centrais do pensamento cristão,exemplificando com textos de São Tomás de Aquino e relacionando também afilosofia cristã com idiais platônicos de superioridade da alma sobre o corpo.

A problematização acerca do dualismo corpo/mente, presente na filosofiacartesiana também é de desprezo do corpo. Nesta perspectiva, a superioridade éda mente. André Lapierre (2010, p. 11- 13) assume uma postura crítica em relaçãoao dualismo corpo/alma do cristianismo e também ao dualismo corpo/mente deDescartes. O dualismo teológico, segundo Lapierre, (2010, p. 11-12) supervalorizaa alma e despreza o corpo. Já o dualismo cartesiano, dá total poder de existênciada pessoa à mente, ao espírito. É o que conhecemos como “cógito ergo sun”,penso, logo existo.

Para a Psicomotricidade Relacional o corpo é mais que instrumento dopecado ou carcaça da alma, porque é condítio sine qua non da existência humana.Todo o esforço da Psicomotricidade Relacional está direcionado para adisponibilidade corporal no “setting” e se propõe a melhorar a pessoa enquantoportadora de corporalidade, que carrega consigo a afetividade, a significação docontato humano como ferramenta importante na construção da afetividade vital doser e como meio determinante para uma vida saudável, desculpabilizada.

2. DUALISMO TEOLÓGICO CORPO/ALMA

Na concepção dualista corpo/alma, percebe-se uma perspectiva corporalculpada, onde cabe ao corpo uma condição desprezível, por ser ele impecílio dasvirtudes da alma. Um corpo que não participa da essência divina da pessoa, porqueo que é puro, divino, pertence à alma. O corpo é exterior, abrigo provisório desta.Além disto, é matéria animal que necessita dos prazeres vulgares, lugar dastentações satânicas. O corpo representa a carne fraca, totalmente vulnerávio aopecado, ou mesmo forte demais, porque indócil às purezas do espírito. Portanto,afirma Lapierre:

Para o dualismo teológico, a alma imortal, de essência divina, éexterior ao corpo e só o habita provisoriamente. O corpo, mortal, éapenas matéria, carne animal, com suas necessidades, seus instintos,seus prazeres vulgares. É ele o alvo de todas tentações e a presa detodas seduções de Satã. A carne é fraca ou, ainda, forte demais.(LAPIERRE, 2010, p. 11).

Dessa forma, a imposição da culpa ao corpo traz consigo a necessidade dadisciplina corporal, que se apresenta como um instrumento de castigo e depunição. Assim, impõe-se ao corpo uma vigilância contra o pecado, à tentação.Junto com esta vigilância desenvolve-se o bloqueio ao prazer corporal, porque estetorna o homem pecador, indigno da salvação eterna. Está escrito na Bíblia, em Mt,25, 13: “vigiai e orai, porque não sabeis o dia, nem a hora em que o Senhor há devir para salvar o justo e punir o pecador”. O corpo faz a pessoa pecar e pode ser acausa da perda da salvação eterna. E o pecado relacionado ao corpo está, muitas

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vezes, representado pelo prazer. Geralmente, o prazer satisfaz o corpo e condena aalma.

Como cultura ocidental, assumimos a condição de corpo culpado,vergonhoso e desprezível, que através do prazer, da sexualidade, principalmente,nos leva a pecar. Corpo feio, em suas partes íntimas. Por isso, cubrimos-o,escondemos suas vergonhas, para que a pureza espiritual não seja maculada.Nesta perspectiva, é também causa de culpa qualquer forma de prazer, comoexplica Lapierre:

Corpo de pecado, corpo culpado, corpo vergonhoso, corpo que épreciso esconder. O corpo, este farrapo, que é necessário desprezar.O catolicismo romano – que não deve ser confundido com ocristianismo original - culpou o corpo, a sexualidade, o prazercorporal e, a partir daí, o prazer em geral. Restam em nós traçosdessa impregnação cultural. Nos sentimos sempre mais ou menosculpados pelo prazer que nos permitimos. (LAPIERRE, 2010, p. 11).

Neste contexto de dualismo teológico, o corpo precisa passar pelo processode purificação, que implica na renúncia ao prazer e, em muitos casos, até no seupróprio martírio, acreditando-se que o sofrimento corporal leva à santidade, àpurificação do espírito.

Na época Medieval a prática da autoflagelação era comum, como forma dese purificar dos pecados. Mortificar o corpo era uma virtude do homem espiritual.Muitos penitentes iam mais longe ainda, usando o cilício, que é um instrumentomais agressivo, porque contem partes cortantes e perfurantes. Na Idade Médiaexistia o movimento dos flagelantes. Sobre esse movimento, afirma Hilário:

Esse quadro de combate a si mesmo como forma de combate asforças malignas atingiu seu auge na baixa Idade Média, com omovimento dos flagelantes. Enquanto no século XII a autoflagelaçãoera aceita em termos, apenas como uma forma de penitência, nasegunda metade do século XIII passou a ser praticada pelo seu valorescatológico.Os flagelantes, encapuzados e levando a cruz, mortificavam-se comchicotes de três correias e pontas de ferro, acreditando assim sepurificarem e, portanto se imunizando à peste. Em razão disso elesforam muitas vezes considerados mártires que expiavam os pecadosdo mundo. Levavam-se até eles doentes para curar, endemoninhadospara exorcizar, mortos para ressuscitar. (HILÁRIO, 2007).

André Lapierre faz uma consideração a cerca da transição entre a civilizaçãogreco-latina e a implantação do catolicismo, quanto às diferença de perspectivasem relação ao corpo, relacionadas à arte. Ele enfatiza a representação artística docorpo e conta o que pode ser visto os museus de florença. Enquanto que nacivilização greco-latina o corpo aparece como símbolo da beleza, da graça, daharmonia, sensualidade e virilidade, na perspectiva cristã este mesmo corpoaparece frio, rígido, coberto. Quando aparece nu, é na figura dos mártires, que jávem carregado de sofrimento, tendo como fundamentação primeira a própriapaixão de Cristo.

A transição entre a civilização greco-latina e a implantação docatolicismo é brutal. É atestada pelas produções artísticas. A arte,que é frequentemente a representação do corpo, revela os valoresculturais de uma sociedade.Ao se visitar os museus de Florença, fica-se chocado com a oposiçãoentre as duas culturas. No estatuário greco-romano, o corpo está nu,

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exprime a beleza, a harmonia, a graça, a sensualidade, a virilidade.Na pintura e na escultura religiosas que vieram a seguir, esse mesmocorpo, frio e rígido, está asfixiado sob uma montanha de tecidos quelhe mascaram as formas. Apenas os mártires estão seminus, como opróprio Cristo. O corpo só pode ser representado no sofrimento.Quanto à expressão da afetividade na relação maternal, encontra-setotalmente ausente em todas representações da Virgem e daCriança. (LAPIERRE, 2010, p.12).

Toda esta cultura de mortificação e de desvalorização do corpo influenciou oocidente e motivou a criação dos tabus, ao longo de séculos de história. Muitaspessoas enfrentam diversas dificuldades, quando se trata em lidar com acorporalidade, tanto nas questões consigo mesmo, quanto nas relações queenvolvem o outro.

Desenvolveu-se no Ocidente, influenciada por essa perspectiva teológico-cristã, toda uma concepção negativa do corpo. Corpo matéria e por isto menosimportante que a alma, parte inferior no conjunto constitutivo do ser. NicolaAbbagnano assim aborda, em seu dicionário de filosofia, a concepção deinstrumentalidade dominante na filosofia medieval, a cerca do corpo:

A doutrina da instrumentalidade domina toda a filosofia medieval.Diz S. Tomás: “A finalidade próxima do C. humano é a alma racional esuas operações. Mas a matéria existe em vista da forma e osinstrumentos existem em vista das ações do agente” (S. Th., I, q. 91,a. 3). (ABBAGNANO, 2000, p. 210).

Na verdade, segundo Abbagnano (2000, p. 210), esta concepção de corpoinstrumentalizado, em estado de queda, que influenciou toda a filosofia medieval, éretomada principalmente de Aristóteles. Para ele, a definição de corpo pode serdada a partir dos princípios básicos da ciência natural, onde tudo que tem corpopertence à natureza e todo corpo tem grandeza: profundidade, largura e extensão.Estando, portanto, à parte da metafísica.

Como o próprio Abbagnano (2000, p. 210-211) descreve, “ [...] a maiscompleta e típica formulação da doutrina da instrumentalidade é a de Aristóteles,para quem o C. é “certo instrumento natural” da alma, assim como o machado é oinstrumento de cortar [...]”.

Não somente em Aristóteles, mas também em Platão a filosofia cristã buscafundamentos. Um dos grandes teóricos cristãos, Santo Agostinho, bebeu muito nateoria platônica. No entanto, Plantão também toma o corpo como instrumento daalma. Na perpectiva platônica, só há uma forma de se encontrar a verdade:renunciar aos sentidos corporais e mergulhar no pensamento. Conforme pode-seanalisar no diálogo Fédon:

E quem haveria de obter em sua maior pureza esse resultado, senãoaquele que usasse no mais alto grau, para aproximar-se de cada umdesses seres, unicamente o seu pensamento, sem recorrer no ato depensar nem à vista, nem a um outro sentido, sem levar nenhum delesem companhia do raciocínio; quem, senão aquele que, utizando-se dopensamento em si mesmo, por si mesmo e sem mistura, se lançasse àcaça das realidades verdadeiras, também em si mesmas, por simesmas e sem mistura? e isto só depois de se ter desembaraçado omais possível de sua vista, de seu ouvido, e, numa palavra, de todo oseu corpo, já que é este quem agita a alma e a impede de adquirir averdade e exercer o pensamento, todas as vezes que está em contatocom ela? Não será este o homem, Símias, se a alguém é dado fazê-loneste mundo, que atingirá o real verdadeiro? (PLATÃO, 1972, p. 73).

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Temos uma herança filosófico-cristã de desconstrução do corpo, de negaçãoprofunda deste como parte constitutiva do ser humano. A forma como o Ocidenteinterpretou e absorveu esta filosofia pode ser percebida em muitas culturas queutilizam práticas de desvalorização do corpo, muitas vezes acompanhadas até depráticas autoflagelativas. O corpo acaba por figurar como parte negativa dapessoa, sujeito de punição, de inibição das suas necessidades e de castração dassuas formas de prazer.

3. DUALISMO CARTESIANO CORPO/MENTE

Se por um lado tivemos a filosofia medieval dividindo o ser humano em partesanta e parte pecadora – o dualismo corpo/alma – por outro lado, o advento damodernidade nos trouxe, com a filosofia de René Descartes, uma nova divisão dapessoa, o dualismo corpo/mente. Não é mais a questão do espiritual se opor aomaterial e sim da superioridade da mente. Nesta perspectiva, o que constitui aessência humana é o pensar. Só o pensamento é capaz de garantir a realidade. Ocorpo, portanto, é o escravo da essência pensante. Para a filosofia cartesiana, nadado que o corpo vive e experimenta pode sequer comprovar que ele existe. Todarealidade prática, empírica, palpável, pode ser apenas uma ilusão. Descartes põetudo à dúvida e chega a conclusão de que só o pensamento é capaz de comprovar arealidade. Em suas meditações, conclui:

Mas eu, o que sou eu, agora que suponho que há alguém que éextremamente poderoso e, se ouso dizê-lo, malicioso e ardiloso, queemprega todas as suas forças e toda a sua indústria em enganar-me?Posso estar certo de possuir a menor de todas as coisas que atribuíhá pouco à natureza corpórea? Detenho-me em pensar nisto comatenção, passo e repasso todas essas coisas em meu espírito, e nãoencontro nenhuma que possa dizer que exista em mim. [...] se éverdade que não possuo corpo algum, é verdade também que nãoposso nem caminhar nem alimentar-me. Um outro é sentir; mas nãose pode também sentir sem o corpo; além do que, pensei sentiroutroras muitas coisas, durante o sono, as quais reconheci, aodespertar, não ter sentido efetivamente. Um outro é pensar; everifico aqui que o pensamento é um atributo que me pertence; sóele não pode ser separado de mim. Eu sou, eu existo: isto é certo;mas por quanto tempo? A saber, por todo o tempo em que eu penso;pois poderia, talvez, ocorrer que, se eu deixasse de pensar, deixariaao memso tempo de ser ou de existir. [...] Nada admito agora que nãoseja necessariamente verdadeiro: nada sou, pois, falandoprecisamente, senão uma coisa que pensa, isto é, um espírito, umentendimento ou uma razão, que são termos cuja significação me eraanteriormente desconhecida. (DESCARTES, 1983, p. 94).

O dualismo teológico corpo e alma dá lugar ao dualismo corpo e mente. Noentanto, a inovação cartesiana desmistifica o corpo e o faz servo da mente,tornando-o também sem grande importância, enquanto parte constitutiva do serhuamano. A postura dogmática medieval dá lugar à abertura para o conhecimento,para a lógica moderna e para a liberdade de pensamento. O corpo, entretanto,figura agora como servo da mente, do saber, da razão.

Com Abbagnano (2000, p. 27) podemos fazer uma distinção dos termos almae mente, ou alma e espírito, quanto a minúcias dos argumentos expostos nafilosofia medieval e na filosofia moderna. A alma é descrita como “[...] o princípio

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da vida, da sensibilidade e das atividades espirituais [...], enquanto que a mente ouespírito é interpretada como [...] o conjunto das funções superiores da alma. [...].

Como aborda André Lapierre (2010, p.12), a filosofia cristã e ocartesianismo desprezam o corpo, tendo como consequência a instrumentalizaçãodeste:

A esse dualismo teológico vai suceder-se, no século XVI, o dualismocartesiano, corpo e espírito. “Penso, logo existo”. Existo porquepenso, porque sou espírito, e não porque tenho um corpo que sente,percebe e age. Descartes, ao mesmo tempo em que afirma suacrença em Deus e na alma eterna, confia que o homem possa utilizarlivremente os dons de Deus, que são a inteligência e a razão. Daíresulta uma libertação da mente que vai permitir o desenvolvimentode um pensamento lógico que se opõe ao dogmatismo. O corpo não élevado em consideração. Tudo o que lhe é pedido é que seja uminstrumento dócil a serviço da mente e do pensamento. (LAPIERRE,2010, p. 12).

Giovanni Reale e Dario Antiseri comentam sobre o princípio cartesiano dares cogitans, que explica sobre o pensamento em ato e a realidade pensante:

[...] procurando definir a natureza de sua própria existência,Descartes afirma que ela é uma res cogitans, uma realidadepensante, sem qualquer corte entre pensamento e ser. A substânciapensante é o pensamento em ato e o pensamento em ato é umarealidade pensante. (REALE, 1990, p. 367).

Batista Mondin, enfatizando que o princípio ao qual Descates chega aconclusão da existência é o princípio infalível do cogito, explica:

A essência do homem consiste no pensamento. Descartes chega aesta conclusão mediante o princípio infalível do cogito. Vê-se doexame do cogito que o seu ser é pensante, é ser do algo que pensa: oseu ser revela-se como pensamento. Só o pensamento lhe é esencialpara ser. De fato, diz Descartes: “Posso muito bem fingir que nãotenho corpo, mas não posso fingir que não existo, porque, do fato deeu dividar da verdade das outras coisas segue-se evidentíssima ecertissimamente que existo; mas, se eu deixasse de pensar, mesmoque tudo o que imaginei fosse verdadeiro, não teria nenhuma razãopara acreditar que existo. (MONDIN, 1981, p. 70-71).

Batista Mondin (1980, p. 61) aborda os sistemas filosóficos e suasproblemáticas chamando à atenção para o fato de que o problema do dualismocorpo e alma, ou corpo e mente é recorrente na filosofia e que a sistemáticamedieval e moderna, em sua grande maioria, considera a relação entre corpo ealma acidental. Cito-o:

O problema das relações entre alma e corpo recebeu também,soluções muito discrepantes [...]. [...] – união acidental [...] É uma dasteses mais bem aceitas; sustentada inicialmente por Pitágoras ePlatão, foi em seguida retomada e desenvolvida por seus inúmerosdiscípulos, dos quais os mais ilustres são Agostinho, Boaventura,Descartes, Melebranche e Leibniz. Todos esses autores consideramacidental a união entre alma e corpo, isto é, uma união entre duassubstâncias já inteiramente estruturadas, cada uma dotada de umato próprio de ser, duas substâncias absolutamente hererogêneas e,

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portanto, alheias a qualquer ligação profunda e duradoura.(MONDIN, 1980, p. 61).

O dualismo cartesiano constitui-se como o primeiro passo para a libertaçãodo dogmatismo religioso. Por outro lado, tal racionalidade ao mesmo tempo em queliberta o homem do aprisco religioso, o apresiona num intelectualismo que odireciona para uma supervalorização da razão, em detrimento da afetividade.Então, nos perguntamos: será que como consequência, influenciado por tal estilode pensamento, não poderíamos questionar se o mundo mergulhou num modelo dedesenvolvimentismo que trouxe consigo uma sociedade de pessoas-máquinas;incensíveis, técnicas e distante da prática da harmonia do ser, na direção dafraternidade, do companheirismo e do cuidado de si mesmo e do outro, também?Como bem percebe Lapierre:

A rejeição ao dogmatismo e a exigência da lógica e da racionalidadena pesquisa farão nascer o positivismo de Augusto Comte, ocognitismo, o racionalismo e permitirão o sugimento das ciências edas técnicas. De fato, nossa cultura será dominada por essa crençano racionalismo científico, o cidadão é estimulado a se tornar um serracional não só em seus pensamentos, mas também em seussentimentos, desejos e pulsões, transformando os desejos emrealidades. (LAPIERRE, 210, p. 13).

Um dos atuais críticos do modelo ocidental de sociedade é o filosófo eteólogo Leonardo Boff. Ele relaciona o pensamento cartesiano com a sociedadeatual e coloca-o como precursor do desenvolvimento de um consumismodesenfreado, que desmistifica e destrói a natureza, na forma do sistema capitalista.Tais problemas são frutos, segundo Boff, de uma concepção que separa homem enatureza, como se isso fosse possível. O resultado é o esgotamento da mãe Terra,diz ele e por causa de um estilo de vida consumista, muitos outros problemas segeram. Para ele, tudo isto é fruto da perspectiva de um ser humano que acreditademasiadamente na técnica, na racionalidade e se esquece que é parte de umtodo, que precisa cuidar também. Como ele mesmo escreve:

O ser humano deixa de se sentir parte da nagureza para seconfrontar com ela e submetê-la ao projeto de sua vontade.Esse paradigma ganhou sua expressão acabada mil anos depois, noséculo XVI, com os fundadores do paradigma moderno, Descartes,Newton, Bacon e outros. Com eles se consagrou a cosmovisãomecanicista e dualista: a natureza de um lado e o ser humano deoutro, de frente e encima dela, como seu “mestre e dono”(Descartes) e coroa da criação em função do qual tudo existe.Elaborou-se o ideal do progresso ilimitado que supõe a dominação danaturza, no pressuposto de que esse progresso poderia caminharinfinitamente na direção do futuro. (BOFF, 2012, p. 30).

Para Boff (op. cit.), o homem é muito mais que concepções dualistas. É umtodo e não pode separar-se da natureza, enquanto sistema vivo, e muito menos dooutro que convive consigo em sociedade. Há aqui um aspecto ligado à afetividade,que está diretamente relacionado à Psicomotricidade Relacional, porque aafetividade diz respeito às questões corporais.

4. A (RE)SIGNIFICAÇÃO FILOSÓFICA DO CORPO NA PSICOMOTRICIDADERELACIONAL

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A Psicomotricidade Relacional pensa o ser humano integrado e o corpo comouma parte fundamental da pessoa. Por isto, pretende superar o dualismo teológicoe o dualismo cartesiano. Esta nova visão filosófico-ontológica da pessoa surge comAndré Lapierre e vai resgatar a corporalidade como base estrutural do equilibríoemocional, fortalecendo a pessoa e incentivando-a a conhecer-se a si mesma, avalorizar seu corpo como fonte de prazer e bem estar, procurando (re) significarsuas frutações e outras dificuldades decorrentes da sua base emocional, através dadisponibilidade corporal no “setting”.

Com a Psicomotricidade Relacional, o corpo toma uma dimensão muitosignificativa, na estrutura humana e nega as perspectivas do dualismo corpo/almae do dualismo corpo/mente. Porque segundo André Lapierre (2010, p. 13) mesmo aperspectiva cartesiana, que liberta o corpo do dogmatismo, não consegue colocá-loem seu devido lugar, na constituição do ser. Ao contrário, nega-o, quando eleva amente à razão última do exisir. Portanto, conclui André Lapierre, sobre aperspectiva moderna cartesiana:

O espírito é livre e o corpo não é mais culpado, mas o que ele setorna? O corpo físico é racionalizado e se torna objeto da ciênciamédica. De resto, se quer reduzi-lo ao papel de instrumento a serviçoda razão, como testemunham, entre outros, os escritos de JeanJacques Rousseau: “Quanto mais fraco e controlável é o corpo, maisse torna forte e melhor obedece. Um bom servidor deve ser robusto”e os escritos de Alain: “ A verdadeira ginástica, como acompreenderam os gregos, é a retomada do domínio da razão sobreos movimentos do corpo”. (LAPIERRE, 2010, p. 13).

A Psicomotricidade Relacional vai abordar a questão corporal a partir de umnovo olhar, através de argumentos teóricos e da prática, vivenciando o corpo eanalisando-o, nas sessões Psicomotricistas Relacionais. E conclui que o corpo temgrande importância na vida humana e merece lugar de destaque, em relação aobem viver, a partir da (re)significação deste na relação do indivíduo consigo mesmoe também nas relações sociais. O contraponto da Psicomotricidade Relacional,quanto ao aspecto filosófico, é de, em primeiro lugar, negar que em algumacircunstância o corpo tenha menos importância. André Lapierre diz:

Mas meu corpo não é apenas um conjunto de órgãos, nem o dócilexecutor das decisões da minha vontade. Ele é o lugar onde vivo,sinto, onde existo. Lugar de desejo, prazer e sofrimento, domicílio daminha identidade, do meu ser. Este corpo, dominado por sentimentose pulsões, escapa à racionalização precisamente porque é irracional.Mais ou menos liberado do pecado, este corpo vivido oscila entre alibertinagem e o pudor. (LAPIERRE, 2010, P. 13).

A argumentação preliminar de André Lapierre parte do pressuposto de queo corpo tem uma linguagem universal, que se expressa a partir de estruturasarcaicas, inatas, transmitidas de geração em geração, que estão inscritas dealguma forma no id de cada pessoa. São estruturas neuropsicomotoras que fazemparte do patrimônio genético da própria humanidade. O homem, portanto, antesmesmo de falar, comunicava-se através de gestos, ou seja, através do seu corpo, deforma imetiata. Neste caso, o corpo assume uma dimensão muito maior do queapenas um opositor da alma ou uma carcassa a serviço da mente. Cito-o:

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Se a linguagem corporal é universal, é porque ela repousa sobreestruturas arcaicas, inatas, transmitidas de geração em geração,inscritas de alguma forma no id. Essas estruturas neuropsicomotorasfazem parte do patrimônio genético da humanidade. A espéciehumana, como cada espécie animal, tem seus códigos gestuais e seusrituais de comunicação. Há até uma certa analogia entre os códigosgestuais de diferentes espécies, o que permite ao homem e ao animalcompreenderem-se na expressão dos sentimentos primários.(LAPIERRE, 2010, p. 132).

O corpo, segundo André Lapierre (2010, p. 135) faz parte da estrutura dapessoa a partir de três regulações tônicas: a postural, a de sustentação doscomportamentos menores e a da afetividade. Desta forma, o corpo evidencia oespírito de cada pessoa e transmite aos demais aspectos significativos do seu serna sua totalidade humana. Ele explica que:

Podem-se distinguir três tipos de regulação tônica que estão mais oumenos em interconexão: o tônus postural, o tônus de sustentação doscomportamentos menores e o tônus afetivo, que acompanha asmodificações tímicas, os estados de alma. (LAPIERRE, 2010, p. 135).

Os aspectos de consciência e inconsciência também estão ligados àsmodulações tônicas, expressas nos gestos de cada pessoa. A partir do gesto apessoa é mais autêntica, porque o gesto surge de forma instintiva. Como explicaLapierre:

As modulações tônicas que acompanham o gesto dão-lhe suatonalidade afetiva, reveladora dos sentimentos, conscientes ouinconscientes, que o acompanham. Isto quer dizer, como algunsafirmam, que “o corpo não mente”? Não, o corpo também podemenir, entretanto com maior dificuldade que a palavra, porque ele émais “instintivo”, mais espontâneo e escapa mais facilmente aocongrole do ego consciente. A linguagem, dizem, foi dada ao homempara esconder seu pensamnto. (LAPIERRE, 2010, p. 135).

5. DESCULPABILIZAÇÃO E DISPONIBILIDADE CORPORAL NO SETTING

Relato a seguir a experiência vivida por mim no processo de formaçãopessoal no CIAR e nos estágios desenvolvidos numa escola da Rede PúblicaMunicipal de Fortaleza, nas etapas I, II e III com crianças do 3º ano do EnsinoFundamental, com idade entre 8 a 13 anos, no período de maio de 2012 a fevereirode 2013. Nas sessões foram utilizados materiais como bambolês, bastões, bolas,caixas, cordas, jornais e tecidos. Após cada sessão, foi feito um relatório, a partirde orientações dadas pelo CIAR, sobre cada criança e um relato autoavaliativo doestagiário, com supervisões a cerca do próprio desenvolvimento do PsicomotricistaRelacional em Formação. Todas as sessões foram filmadas e uma parte dasfilmagens foi analisada pela supervisão do estágio.

Antes de passarmos ao relato, faz-se importante esclarecer que, nosestágios, somos orientados a brincar com as crianças, disponibilizando osmateriais acima descritos e o nosso próprio corpo. As sessões, filmadas eanalisadas pela supervisão, objetivaram acompanhar o processo dedesenvolvimento do Psicomotricista Relacinal em Formação, tendo como foco a(re)significação corporal, tanto do estagiário, quanto das crianças. Cada sessão

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tinha um propósito, um direcionamento, a partir das demandas debatidas nassupervisões.

As relações entre o estagiário e as crianças se estabelecem no “setting” apartir dos encontros casuais das brincadeiras com os materiais. A partir destesencontros, o corpo do adulto é identificado pelas crianças sob diversas formassimbólicas e a sua (re) significação vai depender também da forma como o adultodisponibiliza seu corpo. Para a criança, o adulto ali pode representar seu pai, suamãe, professor/a e outros adultos de sua convivência, possibilitando-lhe trabalhardemandas agressivas, afetivas, de dominação, de posse, de proteção, dedestruição, de contenção, de reconhecimento, de identificação, de oposição ou deafirmação.

Nas primeiras sessões, percebo que as crianças me acessam ou fogem demim a partir de suas diversas demandas. Quando disponibilizo os materias, logosurgem as primeiras tentativas de contato por parte delas. Alguns contatos surgemcomo convite ao brincar, já outros, a partir da agressividade, onde tentam meatingir com os materiais de diversas formas. Outras crianças, no entanto, fogem deminha presença e evitam qualquer contato corporal. Nas supervisões dos estágios,porém, logo surgem as observações da supervisora sobre minha postura inflexível,por demais em pé, rígida e difícil de ser acessado pelas crianças. Surge, a partirdaí um apelo evidente pela minha (re) significação corporal. E é no “setting” doCIAR, nas Formações Pessoais, que busco reforço para trabalhar minha rigidez,minha inflexão. Aos poucos, começo a tomar consciência da necessidade de (re)significar filosoficamente o corpo e começo também a fazer uma retrospectiva domeu entendimento filosófico de corpo. Apoiado na bibliografia descrita no finaldeste trabalho, interpreto que até então vivi meu corpo na PsicomotricidadeRelacional sob a égide de uma concepção filosófica de corpo culpado eintelectualizado. Conclui que minhas buscas afetivas estavam ligadas ao dualismocristão corpo versus alma, ou ao dualismo moderno corpo versus mente. A partirde minhas reflexões e do acompanhamento da Formação Pessoal no CIAR, dasintervenções da supervisão e da prática nos estágios, busquei (re) significar-menos dois espaços de vivências da Psicomotricidade Relacional – o “setting” do CIARe o “setting” do estágio com as crianças.

Quando me disponibilizo mais, desço ao chão e me entrego ao jogo simbólicodo brincar, David me acessa, me agride, provoca uma briga. Sua agressividade élatente. Saco meu bastão, como se fosse uma espada. Passamos longo tempo embatalha. David é forte, briga mesmo para valer e chega a se emocionar, porque elequer vencer, quer subjugar-me. Resisto, mas no final deixo que me vença. Estemomento é importante para ele, porque a figura do adulto parece representar osobstáculos para sua realização, seus desejos reprimidos, sua liberdade. Depois devárias sessões, David já se sente à vontade comigo e me pede maternagem. Seentrega a longos momentos de relaxamento, aparentemente, sentindo-se seguro eprotegido.

Marília, por sua vez, é retraída, pouco brinca e geralmente isola-se numcanto da sala, enquanto outras crianças desfrutam do corpo do adulto e doscontatos corporais entre elas mesmas. Ela observa de longe e não toma iniciativanas dinâmicas proporcionadas pelas outras crianças e pelos materiais disponíveis.Aos poucos me aproximo dela, sugiro alguns movimentos, brincadeiras, contatocorporal. A partir de determinadas sessões, onde entre os materiais está disponívelos tecidos, Marília enfeita-se e junto com outras crianças participa de um desfile.

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Depois, baila comigo, o adulto, e ao que tudo indica, (re) significa seus movimentosao lado do estagiário, como que encontrando ali o preenchimento do vazio deixadopela ausência da figura masculina em sua vida.

Cristiano não esboça agressividade. Nas primeiras sessões, preocupa-se emacumular materiais. Fica um pouco afastado do grupo, e os materiais que acumulaservem para doar aos que de si se aproximam em busca de relação. Para nãoentrar em conflito, doa seus materiais e depois volta a acumulá-los novamente. Suapreocupação maior parece girar em torno do estagiário porque, quando este estádisputando com alguma criança algum material, prontamente ele se aproxima e lheoferece materiais dos que ele tem, como que tentando evitar que precise brigarpor eles. Aos poucos vou pressionando Cristiano a ter que disputar e conquistarcom esforço seu material. Para isso, diminuo a quantidade destes materiais no“setting” e estimulo o acúmulo deles, a partir da formação de grupos rivais. Nofinal do estágio II e início do estágio III, cristiano disputa materiais, principalmentecomigo, o adulto. Suas ações, agora, buscam dominar e domesticar este adulto.Numa determinada sessão, Cristiano depois de dominar este adulto sobe em cimadele e glorioso sente-se um vencedor. Em outras sessões, lidera o grupo, tomafrente nas brincadeiras de batalhas e assume uma posição de líder por algunsmomentos. Isto é muito significativo, se comparado com seu processo inicial.

Eduardo é uma criança tímida e frágil fisicamente, porque tem problemas nojoelho. Poucos movimentos já são suficientes para lhe causar dor e se isolar notapete, afastando-se dos demais e apenas acompanhando de longe as brincadeirasda turma. Com ele não foi possível intensificar o investimento na relação e napossibilidade de contato corporal por meio de brincadeiras, porque faltou muito.No entanto, invisti um pouco mais em si, durante as sessões que frequentou. Já nasúltimas sessões do estágio Cristiano se envolveu bem mais e parecia muito àvontade quando brincava comigo e com as outras crianças. Sua fragilidade físicaparecia bem diminuída e suas dores corparais já não o incomodavam tanto comoantes. Parece-me ter ganho confiança e fortalecimento, sentindo-se com issoapoiado, amparado e valorizado.

Interpreto que todos os resultados aqui descritos só foram possíveis a partirda consciência da necessidade de (re) siginificar filosoficamente o corpo. Porque sóesta consciência tornou possível a interação com as crianças num outro nívelcomunicacional, o da disponibilidade corporal.

Minha ação passou a se pautar na necessidade de aprender a falar com ocorpo. Fala esta, que no “setting” da Psicomotricidade Relacional está diretamenteligada à necessidade de se disponibilizar nas relações, interagindo nos jogos,intensificando os gestos, atitudes e mímicas. Tudo, objetivando se situar numarelação desculpabilizada e menos intelectual, abrindo mão, também, “do poderdominador da palavra”.0

Quando tomei consciência que estava situado num nível culpabilizado eintelectualista do corpo e que, filosoficamente era necessário (re) significar-me,procurei reelaborar minhas próprias dificuldades relacionais, “de forma a estardisponível para escutar o outro, separando-se o máximo possível”0 do meu conflito

0 ALBERTO, Gustavo Pereira de Moura. A desculpabilização do corpo na Psicomotricidade Relacional. Fortaleza, 2005, p. 11 .

0 Id., p. 11.

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e procurando entrar num nível mais profundo do brincar, para aí encontrar oprazer e poder favorecer à criança a oportunidade de (re) significar seus conflitos.Porque, “Da qualidade da comunicação corporal depende toda a profundidade darelação”.0

Como bem esclarece Vieira e Bellaguarda (2004, p. 39):

A Psicomotricidade Relacional visa desenvolver e aprimorar osconceitos relacionados ao enfoque da Globalidade Humana. Buscasuperar o dualismo cartesiano corpo/mente, enfatizando aimportância da comunicação corporal, não apenas pela compreensãoda organicidade de suas manifestações, mas essencialmente, pelasrelações psicofísicas e sócio-emocionais do sujeito.

Considero muito importante compreender que o Psicomotricista Relacionalprecisa entender a si mesmo, trabalhar-se quanto às suas próprias questões defrustações, desejos e compreensões acerca do seu corpo. Só depois, poderá, creio,tornar-se disponível ao trabalho no “setting”, na sua disponibilidade corporal, nacapacidade de (re) significar movimentos e gestos, na abertura ao acolhimento eao prazer de brincar.

6. CONSIDRAÇÕES FINAIS

Somos herdeiros de toda uma cultura da culpabilidade do corpo, bem comoda intelectualização do sujeito, ficando em segundo plano as questões afetivas,emocionais e prazerosas, no contexto do cotidiano da vida. Somos, dentro dosistema capitalista ocidental, sujeitos que têm que dar conta de toda uma cargapesada de tarefas impostas pelo estilo de vida consumista, que valoriza por demaiso ter, esquecendo-se da importância do ser. Por isso, corremos demais, buscamosdemais e, neste contexto, não é difícil esquecermos as pequenas coisas que nosdão prazer e que nos melhoram enquanto ser humano.

No “setting” da Psicomotricidade Relacional, não é difícil perceber asdificuldades que surgem quando colocamos o corpo no espaço do lúdico. Asdificuldade que temos para nos entregarmos ao “ridículo” e ao prazer de brincar.Nos momentos dedicados às dinâmicas das sessões, pode vir a tona todo umconjunto fantasmático de culpa corparal. E no caso do adulto, dificuldades de seentregar às atividades a serem vividas, porque se não é a culpa, pode ser o medodo ridículo. A final de contas, o ser pensante não quer permitir o “simplório”, nãoaceita que as coisa simples sejam relevantes para o espírito.

Para a Psicomotricidade Relacional, é possível sim (re)significar o corporígido, fantasmático e trabalhar no sujeito as suas frustações mais arcaicas. Suaproposta é abrir mão da fala e se entregar ao simbolismo corporal. No entanto, éessencial viver sinceramente o nível infraverbal, desculpabilizando edesintelectualizando o corpo.

Para que a comunicação aconteça num nível infraverbal, em queconvergimos emoção e motricidade, é essencial que o psicomotricistatenha desenvolvido por excelência sua disponibilidade corporal.Neste sentido, conhecimentos precisam ser vividos no corpo eintegrados à personalidade e, para tanto, se faz necessária uma

0 Id., p. 11.

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experiência pessoal da comunicação corporal e não verbal. Nesteponto ressaltamos o eixo central da teoria de Lapierre, quandoaborda de forma diferente o inconsciente e o consciente, colocando ocorpo como eixo central, para compreensão do comportamentohumano e para intervenção do psicomotricista relacional.(BELLAGUARDA; ELIZABETH; VIEIRA, 2012, p. 71).

O corpo culpado ou intelectualizado passa por um processo de (re)significação na Psicomotricidade Relacional, pois, através do contato com o corpodo outro, direcionado pelo Psicomotricista Relacional, nas dinâmicas e com osmateriais, naturalmente o corpo vai se trabalhando e ajustando sua postura tônica.

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes,2000.ALBERTO, Gustavo Pereira de Moura. A desculpabilização do corpo na Psicomotricidade Relacional. Fortaleza, Editora, 2005.BELLAGUARDA, Maria Isabel. ELIZABETH, Ana e VIEIRA, José Leopoldo. Apostilasobre a Prática Profissional Supervisionada. Fortaleza, janeiro de 2012.Bíblia. Português. Bíblia Sagrada. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional e Edições Paulinas, Brasil, 1990.BOFF, Leonardo. Tudo começou na Grécia e acabará na Grécia? Jornal O Povo,Fortaleza-CE, 9 de jan. 2012.FRANCO JR, Hilário. A Idade Média: Nascimento do Ocidente. São Paulo:brasiliense, 2007. Disponível em:˂http:// www.historiaemperspectiva.com˃. Acessoem: 23 de fev. 2013.LAPIERRE, André. Da Psicomotricidade relacional à análise corporal darelação – Curitiba: Ed. UFPR, 2010.MONDIN, Batista. Curso de filosofia; [tradução do italiano de Benôni Lemos;revisão de João Bosco de Lavir Nedeuris]. – São Paulo: Paulus, 1981. ______ . Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. [traduçãode J. Renard; revisão técnica de Danilo Morales; revisão literária de luiz AntônioMiranda]. – São Paulo: Paulus 1980.PLATÃO. Diálogos: O Banquete – Fédon – Sofista – Político – In: coleção ospensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1972.REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da filosofia: Do Humanismo aKant; v. 3. – São Paulo: Paulus, 1990.RENÉ, Descartes. Discurso do método; Meditações; Objeções e respostas; Aspaixões da alma; Cartas;In: Coleção os pensadores – 3.ed. – São Paulo: AbrilCultural, 1983.

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10. DOMÍNIO DA LÍNGUA MATERNA: da aula de Literatura à expressão do mundo

DOMAIN MOTHER LANGUAGE: Literature class expression of the world

Olidnéri Bello0

Resumo. Com o presente artigo, pretendemos tecer algumas reflexões advindas daexperiência como docente de Literatura. O objetivo principal é expor o trabalho deprodução textual de dois alunos do Ensino Médio. Trata-se, portanto, de uma reflexão sobreaspectos inerentes à utilização da Língua Materna, no sentido de essa ser desenvolvidacomo uma prática necessária à expressão de um ser escolarizado. Um discente deLiteratura, no percurso de sua caminhada escolar, deve vivenciar oportunidades deexercitar o seu corpo linguagem. Assim, o produto escrito do discente possibilita, ainda, umnovo entendimento sobre a interdisciplinaridade; o que pode ser significativo é o alunoobter uma visão interdisciplinar de seus saberes e, essa visão interdisciplinar émanifestada por meio da produção textual.

Palavras chaves: Literatura – Produção textual – Interdisciplinaridade – Ensino

Abstrat. With this article we intend to make some reflections arising from the experienceas a teacher of literature. The main objective is to expose the work of textual production oftwo high school students. It is therefore a reflection of the use of the aspects of language,in order to be developed as such a practice need to be educated expression of a. A studentof literature, in the course of his walk school should experience opportunities to exerciseyour body language. Thus, the product of student writing provides also a newunderstanding of interdisciplinarity, which may be significant is the student obtain aninterdisciplinary view of their knowledge, and this interdisciplinary approach is manifestedthrough textual production.

Keywords: Literature – Text production – Interdisciplinary – Education

0 Doutoranda em Inovação Pedagógica pela UMa (Universidade da Madeira). Mestre em Comunicação e Culturapela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Supervisão Escolar pelo Centro de Estudos de Pessoale Universidade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Português: Linguística do Texto pelo Centro de Estudosde Pessoal e Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduada em Letras – Português/ Inglês e respectivasLiteraturas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Major do Exército Brasileiro. Professora do Colégio Militarde Fortaleza. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6223164265509522Contato: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

Programas curriculares, sequências didáticas e assuntos pinçados de umcontexto maior de conhecimento são temas que consolidam a prática pedagógicadas escolas.

Nesse mesmo contexto pedagógico, vivem indivíduos dotados de razão e deemoção. Entre tais seres humanos, existe a expressão do livre arbítrio. É o livrearbítrio um dos responsáveis por levar o discente a querer fazer as atividades efazê-las com empenho ou, caso contrário, como uma mera obrigação.

Atualmente, mesmo em processo de formação, o jovem nem sempre seentende como alguém que necessita se apoiar no exemplo e nos conselhos de seusmestres. Nesse contexto, os adolescentes, diante de uma autoridade queestabeleça o diálogo e que os estimule a participar vivamente do processo deaprendizagem, podem desenvolver uma postura mais comprometida com o estudo.Com uma ação planejada e ampliada com desafios é que ocorre a possibilidade dea escola conduzir o discente a se envolver plenamente na construção de suaprópria aprendizagem e, dessa maneira, traduzir missões que são, noentendimento juvenil, enfadonhas e que não os levam a nada, a motivos paraefetiva participação.

Diante de uma juventude crítica, que se faz caracterizar pelas qualidades daprópria sociedade atual, na qual muitas coisas são descartáveis e simbolizadorasde processos contínuos de transformação, a autoridade docente vive o conflito demanter e sustentar a permanência do valor da aprendizagem. O processoeducacional não se sustenta apenas com a realização de atividades lúdicas.Evidentemente, não estamos diminuindo o valor de tais atividades; elas podem sera forma de a escola fazer o aluno ser o centro do processo educacional, masacrescentamos que estudo é esforço e dedicação.

O que desejamos expressar é o fato de que, por mais que se criem novasmetodologias, não há como dizer que um indivíduo é um ser que possuiconhecimento do mundo se este mesmo indivíduo não possui, em seu cabedal desaberes, a memorização de alguns fatos históricos; não possui uma posição críticada vida embasada em alicerces sociológicos e filosóficos; não compreende aracionalidade do mundo capitalista porque não domina algumas fórmulasmatemáticas; não entende o próximo porque não adquiriu a visão ampla emulticultural oferecida por meio da leitura de obras clássicas da Literatura, assimcomo da crônica da existência humana que se escreve na vida diária de qualquercidadão.

Frente a uma realidade em que muitos jovens apresentam uma inabilidadede expressão em sua própria língua materna, abordaremos no presente texto, coma exemplificação da escrita de dois de nossos alunos do 2º Ano do Ensino Médio,como a Disciplina de Literatura é vista por nós como contribuinte de meios para osjovens adquirirem a arte da expressão escrita. Uma arte na qual se sustentam osconhecimentos gerais da humanidade.

2. O DOMÍNIO DA LÍNGUA PORTUGUESA - PRODUÇÃO TEXTUAL,LEITURA E INTERPRETAÇÃO – AÇÕES INTERDEPENDENTES

A expressão do pensamento é feita por meio da língua materna, assim comoo entendimento de boa parte do que compõe o conjunto de ações humanas

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depende da capacidade de o sujeito interpretar. Francisco Cajiao, um dosespecialistas em educação mais reconhecido da Colômbia, fala-nos da importânciada leitura. Seja qual for a Língua Materna do indivíduo, saber o que se está lendo éprimordial; nesse sentido, Cajiao (2013, p.56) apresenta algumas afirmações e dizque a leitura é:

[...] el vehículo esencial de toda construcción humana, en tanto quepermite no solamente comunicarse con otros, sino apropiarse deotras experiências y compreender lo que otros comprendieron en sumomento y en sus circunstancias particulares. De esta manera cadapersona que sabe ler puede explorar los aspectos más insospechadosde la historia del mundo y de la humanidad, y también puede hacerlodentro de sí misma todos sus propios misterios y dar inicio a laconstrucción de nuevos mundos interiores. (CAJIAO, 2013, p. 56).

Parece-nos que a questão da leitura pode ser trabalhada na escola demaneira diversificada e não apenas pelos docentes de Língua Portuguesa, mas portodos os docentes. Além disso, com o comprometimento de pais e responsáveis,membros copartícipes na continuidade ao estímulo da realização de ações deaprendizagem dos alunos.

O trabalho conjunto entre escola e família pode ser uma das alternativaspara resolver uma questão que, a nosso ver, é preocupante. Essa questão refere-seà queixa comum dos docentes no que diz respeito a certo desinteresse do alunocom as questões pedagógicas. Ademais de que as atividades pedagógicasnecessitam ser, de acordo com o nosso pensamento, criadas e recriadasconstantemente pelo corpo docente no sentido de que o aluno esteja envolvido emquestões desafiadoras, as quais conduzam de fato a ação de aprender do discente.Rubem Alves (2002, p.32) apresenta uma visão sobre o sujeito da educação a qualconsideramos sustentadora de nossa opinião. Diz o autor:

O sujeito da educação é o corpo porque é nele que está a vida. É ocorpo que quer aprender para poder viver. É ele que dá as ordens. Ainteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajudá-lo a viver.Nietzsche dizia que ela, a inteligência, era “ferramenta” e“brinquedo” do corpo. (ALVES, 2002, p. 32).

Para que esse “corpo” seja instigado a aprender, acreditamos que a leitura ea produção escrita estão envolvidas nesse processo. Sobre a importância daescrita, o romancista e jornalista brasileiro Thales Guaracy (2009) expõe seu pontode vista, dizendo que: “Por meio da escrita, podemos refletir, organizar ideias etransmiti-las com mais clareza, o que é essencial no trabalho e na vida pessoal.”Concordando com essa afirmação, acrescentamos que o discente necessitadesenvolver, ao construir seus conhecimentos, essa certificação de que a escrita éessencial para mais além do que já temos ciência, pois acreditamos que o aluno dêimportância ao ato de escrever; no entanto, parece-nos que ele aplica essahabilidade em contextos nem sempre associados às atividades escolares.

Essa opinião deve-se ao fato de verificarmos que a escrita é umanecessidade do homem letrado, pois, numa era tecnológica em ascensão,verificamos que a comunicação por meio da palavra tem sido facilitada e ampliada.Os indivíduos se comunicam entre si a todo o momento e independente do local emque estejam. Para exemplificar essa questão, podemos citar os sites derelacionamento com seus milhares de participantes, os blogs e os telefones

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celulares que possibilitam ao usuário produzir mensagens. Diante desse contextomarcado pela tecnologia, os alunos são sujeitos atuantes na manipulação dessesaparatos e servem-se deles para estreitar laços de amizade e manifestar ideias,emoções e preferências. Talvez, esses jovens, ou os usuários desse tipo decomunicação, estejam fazendo, por meio da escrita, um tipo de catarse. Essapossibilidade nos proporciona dimensionar o quanto escrever pode ser necessárioà vida das pessoas. Voltando às afirmações de Thales Guaracy (2009) “o processode escrever é também uma forma de autoconhecimento, por meio da exploração,compreensão e expressão das nossas formas de pensar e sentir”. Consideramosque, além de ser uma forma de autoconhecimento, a escrita é parte da cultura,pois pensamos que o domínio dessa habilidade ajuda na manifestação, manutençãoe promoção dos feitos na sociedade. Estar integrado, por meio da leitura e daescrita, a tudo isso, significa ser um indivíduo letrado e

[...] letramento é o estado ou a condição de quem se envolve nasnumerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita.Letramento não é aprender e dominar algumas determinadashabilidades técnicas de decodificação, produção e compreensão darealidade, do mundo, de si mesmo e dos outros. (LOPES, 2004, p.31).

Por isso, a escola precisa desenvolver uma metodologia pedagógica eficienteno sentido de estimular ações de aprendizagem no aluno. Para tanto, conformeMarinho (2009, p.12) “[...] há necessidade de que o espaço escolar não seja apenasum lugar que veicule o conhecimento pelo conhecimento, no sentido de quemdetém o saber e passa esse saber de forma hierárquica e artificialmente formalpara o outro.” Porque, voltando às afirmações de Lopes (2004, p. 33) “[...] nãobasta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e doescrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade fazcontinuamente [...].” Com base nas afirmações expostas, acreditamos que oatendimento às exigências sociais poderá ser mais bem resolvido pelo indivíduo seesse souber conjugar o conhecimento das várias áreas do saber. É nesse ponto quenos cabe considerar a interdisciplinaridade.

3. A CONJUGAÇÃO DO SABER – UMA CONSTRUÇÃO CONFORMADA PELAINTERDISCIPLINARIDADE

Diante das constatações até então expostas, a interdisciplinaridade se fazimportante porque tende a unir o que a escola trata de maneira fragmentáriaquando divide o conhecimento em disciplinas escolares. A interdisciplinaridade éum tema estudado por Fazenda (2002, p. 08) que assim o conceitua: “Antes que um‘slogan’, é uma relação de reciprocidade, de mutualidade que pressupõe umaatitude diferente a ser assumida frente ao problema do conhecimento, ou seja, é asubstituição de uma concepção fragmentária para unitária do ser humano.” Apartir do entendimento de que a expressão do conhecimento é manifestada quandoo sujeito sabe construir conceitos e que esses conceitos integram saberes diversos,podemos concluir sobre a importância de os alunos trabalharem integrados unscom os outros. Nesse sentido, consideramos a afirmação de Toschi, na introduçãoda obra de Silva e Polenz (2002, p. 16):

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[...] ideia de que o aluno contribui com os demais na sala de aula,falando, sugerindo, tem como base não só a contribuição de um valorà curiosidade, troca de ideias e a socialização do saber no conjuntodos participantes, mas, também, a novas funções e responsabilidadesdo professor. (TOSCHI, 2002, p. 16)

Essas funções e responsabilidades docentes conjugam a socialização dosaber que, segundo a nossa visão, distancia-se de uma mera transmissão deinformações para resgatar o sentido que a construção do conhecimento dá aosujeito ativo dessa construção. Esse sentido ou significado das coisas se forma apartir do momento em que o discente constrói saberes e, isso, para nós, é aconsequência da aplicação de uma metodologia pedagógica voltada aos ensaios, àstentativas, aos erros e acertos e demais atuações de aprendizagem do discente; é oque constitui, a nosso ver, uma das possibilidades de aplicação de uma visãointerdisciplinar de trabalhar os diversos conteúdos escolares. Um trabalho em quehá a comunhão de saberes das diversas áreas do conhecimento humano. Assim,essa construção do conhecimento, baseada na realidade do aluno e desenvolvidana intenção de atingir avanços em termos de formação de um indivíduo preparadoem aspectos sociais, econômicos, filosóficos, culturais, entre outros, exige daescola a condução, também, de uma metodologia voltada para práticas e usossociais da leitura e da escrita em contextos variados.

Diante desses conceitos, vamos buscar no passado, para exemplificarmosesse processo de construção de saber, uma metodologia de alfabetização, emespecial, aquela que se baseava na exploração silábica: Ivo viu a uva. Diante dessafrase, perguntamo-nos qual o significado para um aluno em processo dealfabetização? Passando a outros níveis de escolaridade, qual o significado de umaleitura de uma obra da Literatura Brasileira se esta não for estudada nos maisdiversos aspectos?

Acreditamos que explorar contextos, dissecar sentidos, saborear o mundopela palavra são ações que devem ocorrer em cada sala de aula do ensino formalporque, embora tenhamos vários saberes que dependem de habilidades práticas, aexpressão dos sentidos das coisas sempre se dá por meio da linguagem e mesmonuma linguagem não oral ou escrita, existe um pensamento que se estrutura pelapalavra, além de que, conforme expõe Vygotsky (1998, p. 6): “A função dalinguagem é a comunicação, intercâmbio social.” Já que a linguagem tem essafunção, acrescentamos que a aprendizagem, desenvolvida nos ambientesescolares, pode ter muito a ganhar se, também, for uma construção na qual seestabelece um intercâmbio social. Alunos em interação, comunicando anseios ecuriosidades, além dos feitos pedagógicos, podem estar contribuindo para aaprendizagem coletiva. O ato de pensar em conjunto pode estabelecer produção denovas ideias, de novos saberes, os quais necessitam ser comunicados e uma vezcomunicados podem gerar caminhos em busca de novos saberes e, dessa forma,teremos a escola como um espaço instigador do conhecimento. Paulo Freire (2007,p. 117) faz algumas afirmações sobre o ato de pensar. Essas afirmaçõesacrescentam sentido ao que expusemos. Diz o autor:

Não posso investigar o pensar dos outros, referindo ao mundo se osoutros também não pensam. Simplesmente, não posso pensar pelosoutros nem para os outros, nem sem os outros. A investigação dopensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, comosujeito de seu pensar. E se seu pensar é mágico ou ingênuo, será

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pensado o seu pensar, na ação, que ele mesmo se superará. E asuperação não se faz no ato de consumir idéias, mas no de produzi-las e de transformá-las na ação e na comunicação (FREIRE, 2007, p.117).

Com o sentido de evidenciar que a linguagem é importante e considerandoque a escola trabalha com a escrita e a leitura, citamos Lévy (2010). Esse autor fazuma afirmação que permite, a nosso ver, identificarmos que a possível garantia desucesso e evolução a ser registrada na História da humanidade depende de umhomem letrado. Diz o autor (2010, p. 22) que “as imagens, as palavras, asconstruções de linguagem entranham-se nas almas humanas, fornecem meios erazões de viver aos homens e suas instituições”.

Nesse sentido, o desenvolvimento de um trabalho em que ocorra uma visãointerdisciplinar e em que os alunos interajam entre si pode garantir uma oposiçãoa que Barguil (2000, p. 98) expõe em tom de lamentação. Diz o autor que “[...] oconhecimento é utilizado para se comparar as pessoas, sendo interpretado comofonte de valor pessoal: quem sabe mais vale mais.” Essa afirmação quando, porcasualidade, ocorre numa sala de aula, pode interferir na autoestima dos discentesque rotulam a si próprios como incapazes. O que o discente deve construir comomeio para buscar o saber está na ciência de ser alguém inacabado e não de suaincapacidade, como afirma Paulo Freire (1982, p. 27-28):

A educação é possível para o homem, porque este é inacabado esabe-se inacabado. Isto leva-o à sua perfeição. A educação, portanto,implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. Ohomem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser oobjeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém. (FREIRE, 1982, p. 27-28).

Sabemos que o desenvolvimento de práticas pedagógicas por meio das quaiso discente seja levado a expressar saberes interdisciplinares é importante. Comodiz Fazenda (2002, p.11) “é necessário não fazer dela um fim, poisinterdisciplinaridade não se ensina nem se aprende, apenas vive-se, exerce-se e,por isso, exige uma nova pedagogia, a da comunicação”.

Acreditando na possibilidade de o discente realizar um trabalho no qual seestabeleça uma visão interdisciplinar do conhecimento, apresentamos dois textosproduzidos por alunos do 2º Ano do Ensino Médio:

3.1 Texto da aluna Ana Virgínia Saraiva Veras Frota, turma 201

Fui ao dicionário Aurélio (1999, p. 1225) procurar o significado do termo“Literatura”; eis: arte de compor ou escrever trabalhos artísticos, em prosa ou emverso; o conjunto de trabalhos dum país ou duma época. Mas conheço, ainda,definição mais sucinta, elaborada por Cereja e Magalhães (2003, p. 12): “quandousamos a palavra para criar arte”.

Assim, discorrer em prosa sobre os países lusófonos nas suas generalidades,creio ser uma forma de produzir essa “arte pela palavra”. Como a maioria dosescritos, que não se torna uma obra imortalizada através das décadas, eu almejo,por meio de minha singela produção, saudar e enaltecer povos que se comunicamno ramo neolatino, na tão amada Língua Portuguesa.

Países Lusófonos

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Língua que ao soprar dos ventos do destino firmou-se nos continentes.Língua que afrontou a geografia e assentou-se nos desertos, nas savanas, noscoqueirais e nos cerrados. Rochas vulcânicas, acima do nível do mar e firmou-se namata atlântica, na caatinga, na restinga, nos cenários de cá e de lá. Língua símboloda coragem e da ousadia. E por que não dizer da ciência e da ambição? Portugalem expansão! Língua que comandou frágeis caravelas e onde se pôs em prática,indo avante, os ensinamentos da Escola de Sagres, obra de Dom Henrique, oInfante. Língua da atual cantora galega Uxía; língua que, num passado surgiu parafazer-se eternamente exuberante por meio da obra maior “Os Lusíadas”. Língua dePortugal, língua dos belos fados.

Língua clara e límpida como os algodoais angolanos de outrora. Língua queacende os faróis dos portos de Luanda e de Lobito a mostrar que grandes riquezaslá existem: petróleo e diamante.

Língua de Cabo Verde, pequeno país gigante, onde a dança faz parte docotidiano; além de essa terra ser a esperança africana com a promoção de umavida digna até 2030, conforme bem crê a União Europeia.

Língua de Moçambique, terra deitada no Oceano Índico. Palavras em bomportuguês que se misturam às línguas de origem bantu para expressar suas precesconfiantes à Iemanjá. Terra de gente forte, cujo lema é “Um novo começo”. Quallema mais esperançoso e promissor?

Língua de São Tomé e Príncipe, pura como seus córregos radiantes quedescem das montanhas atravessando florestas exuberantes. Língua que se mantémem país sem fronteiras terrestres.

Língua do Timor Leste, país que a 20 de maio de 2002 teve a Restauração desua Independência; língua que se funde em outro sotaque, o de Lisboa, por meiodo Dr. José Amaral, cantor, autodidata, ator, declamador de poesia e contador dehistórias timorenses.

Língua que testemunhou o início do tráfico de escravos da redimida GuinéBissau, por ser a primeira colônia reconhecida; fruto da luta de filhos bravos paraque a independência fosse estabelecida. Língua que ao crioulo se misturou paratransmitir a mais pura expressão de Manecas Costa, guitarrista e compositor,manancial de talentos, artista de valor.

Língua que embeleza com a riqueza da flora e fauna exuberantes e nomeiaelefantes, antílopes, leões, zebras, gazelas, girafas e rinocerontes. Língua que semisturou à tradição totalmente divergente dos costumes e hábitos ocidentais e semostra muito mais a Deus convergente nas preces e atitudes dos filhos seus,angolanos que eliminaram os vocábulos “ter” e “possuir”, mostrando-nos que nadatemos nesta vida, apenas o direito de usufruir em nossa curta estrada terrena, semposse definitiva e plena.

Língua cantada, ouvida, falada, admirada em verso e em prosa. Língua denossa pátria amada, nação abençoada, afortunada, ditosa. Língua que se estendedo Oiapoque ao Chuí, que fez eco no aboio nostálgico e triste dos vaqueiros doPiauí. Língua na qual se sucedem as interjeições ante as belezas das Cataratas doIguaçu; Itaipu iluminando a Argentina, o Paraguai e o Brasil pelas terrasparanaenses. Língua na qual pululam as exclamações da brancura, da alvura, doencanto dos inesquecíveis Lençóis Maranhenses. Língua do portentoso Amazonas,que enfrenta o mar e ficando a pororoca anos provar que o oceano dos nossosinúmeros desafios não faz o povo recuar. Língua na qual se erguem precesmostrando e demonstrando a nossa fé ante a expressiva participação ao envolvente

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Círio de Nazaré. Língua da Bahia, solo primeiro que exclamou ao avistar “Terra àvista”, “Monte Pascoal”. Língua do vatapá, caruru, acarajé; língua de Castro Alves;do descobridor, Pedro Álvares Cabral!

Língua na qual foram dadas ordens a virem, para o Brasil, mudas de cana deaçúcar, importante cultura no período da colonização. E eis o Nordeste, o Sul e oSudeste, a brasileira nação, produzindo açúcar, álcool, aguardente, etanol,biocombustível que menos polui o meio ambiente.

Língua da Inconfidência, cuja “Libertas que sera tamen” emitiu-se nasAlterosas e no Ipiranga se confirmou. Língua que do Rio de Janeiro o CristoRedentor, imponente, altaneiro, abençoa o povo brasileiro. Língua dosbandeirantes que nosso país fizeram-no crescer. Terra onde primeiro se ouviu obrado convincente de Dragão do Mar, por meio do conhecido slogan: “no Cearánão se embarcam escravos”.

Língua na qual Rachel de Queiroz poetizou: “Terra de gente que medoNunca aprendeu o que éQue faz do rifle um brinquedoSó tem no mundo uma fé”Língua de Caetano, Chico Buarque, Luiz Gonzaga e Roberto Carlos. Língua

de Milton Nascimento, Patativa do Assaré, Vinícius de Moraes, Tom Jobim,referências no cenário mundial. Língua de Ary Barroso, Aquarela do Brasil,imortal!

Língua na qual nos apresentamos a nossos mestres, língua na qualrecebemos as ordens de comando que nos induzem à obediência e hierarquia.Língua na qual ouvimos as ordens do dia e na qual repetimos “Verás que um filhoteu não foge à luta” com um entusiasmo formal, entoando o Hino Nacional, emcuja mensagem sempre a ecoar nas nossas convicções; "Para frente, custe o quecustar!"

3.2 Texto do aluno Caio Fábio Sampaio Porto, turma 203

O que leva alguém à arte?Perguntas sem respostaComo, onde, quando e quais os porquês;Exposta jaz a verdade?(Baconianos recolhem-se à sua pequenezA assistirem à coroação de MarteO Grande Rei dos Reis...)Há quem recueAche resistir ilusão vãContente-se em chorar pelos túmulosVivendo no passadoDos que viveram o presente"Ontem, ontem sempre!"Eis o mantra do que teme o amanhãEntão, o que traz alguém à arte?Faz ela parte do que somos,

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Do que queríamos ser ouDaquilo que ingenuamente sonhamos?Até onde a arte nos leva?Ao passado? Ao futuro? A nós mesmos?Armistício consigo, em estranhos termos?A nenhum lugar? A um lugar-comum?Seria a arte um início?Do caminho que leva a si?Seria um fim? Branca rosapintada de carmim?Cabeças arrancadaspor um três de copas?Ou seria então um meio?Um que não leva daquiOu mesmo até lá, mas simUma expressão do agora?Do futuro futuro, que aflora?Seria então a arteNada mais que uma chuva de exclamaçõesNum terreno de interrogativas?Ou uma procissão de gatos pingadosQue seguem em antitésicas comitivas?A levar a defunta sociedade nas costasAté seu local de descanso finalPara ali velar por seu triste destino?Cartas postas: sem lamentos, sem perguntasE igualmente sem respostas?Num caixão de madeira de lei,moral e bons costumesDesce o corpo de um natimortoEm direção a seu olvidamentoAo som de um choroso réquiemPôs-se a arte a lamentar, naquele momento,O destino daqueles que são nada alémDe homens de bem?Ah, então falta à arteuma razão de existir?Ela consiste entãonuma perda de tempo? Talvez...Talvez sejam esses setepalmos de terra a turvar-lhe a visãoTalvez o que esteja faltandoSeja mais uma pá de calSobre o fedor dessa eterna necessidadeDe dinheiro, correção, reputação...De ser normal.

4. UMA RÁPIDA ABORDAGEM SOBRE A PRODUÇÃO DISCENTE

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Verificamos que a aluna Ana Virgínia elaborou um texto no qual estãoinseridas as mais variadas informações. No “passeio concretizado pela escrita”, elapercorreu a História; definiu o panorama geográfico dos ambientes descritos;estabeleceu alguns pontos definidores da expressão artística de cada paíscomentado; escolheu alguns nomes, vultos consagrados e conhecidosinternacionalmente; uniu passado e presente; associou lemas e hinos; apontou asmarcas sociais de povos que souberam lutar pela Independência Nacional; apontoua religiosidade das nações; identificou características culturais dos diversoslusófonos. Enfim, viajou pela economia, pela religiosidade, pela gastronomia...Manifestou-se como dedicada aluna do CMF ao concluir o texto com o lema doColégio, precedido da incorporação de um dos versos do Hino Nacional, no qualacreditamos estar apontado uma das maiores missões de um cidadão brasileiro,homem ou mulher que, aconteça o que acontecer, “não foge à luta”.

Ao prosseguirmos, identificamos, no texto do aluno Caio Fábio, uma novaabordagem poética por meio da retomada do texto “Profissão de fé”, de OlavoBilac. Como Cereja e Magalhães (2003, p. 280) afirmam, o poema de Bilac“representa uma espécie de plataforma teórica do Parnasianismo no Brasil,embora o movimento já estivesse implantado em nosso país quando sua publicaçãoocorreu. Nele pode ser observado o projeto estético de seu autor e dos parnasianosem geral.” No poema de Caio Fábio, vemos uma discussão poética sobre a arte. Omencionado aluno expõe uma visão crítica por meio da qual estabelece a arte comouma necessidade de expressão humana e, por assim ser, não depende de umarazão para existir. Tal qual um filósofo, verificamos um eu-lírico a fazer umareflexão poética.

De ambas as produções, chegamos a um pensamento que nos conduz àsafirmações de Cosson (2012). Praticamente todas as ações humanas necessitam deprática, de um contínuo exercício e de um empenho por parte de quem asdesenvolve. Nessa esteira argumentativa, Cosson (2012, p. 15) afirma que:

o nosso corpo linguagem funciona de uma maneira especial. Todosnós exercitamos a linguagem de muitos e variados modelos em todaa nossa vida, de tal modo que o nosso mundo é aquilo que ela nospermite dizer, isto é, a matéria constitutiva do mundo é, antes demais nada, a linguagem que o expressa. E constituímos o mundobasicamente por meio das palavras (COSSON, 2012, p. 15).

De acordo com o que pensamos sobre Literatura, acreditamos que, entre oestudo de uma escola literária e outra, o discente precisa ser o sujeito de suaprópria arte literária. Nessa criação artística, o que nos interessa, particularmentecomo docente, é que o aluno tenha uma visão ampla de mundo e, portanto, saibafazer de sua produção de saber uma aplicação interdisciplinar do que aprendetanto na escola quanto em sua vida pessoal. Diante desse pensamento,encontramos mais uma vez em Cosson uma explicação e justificativa para aDisciplina de Literatura. Diz o autor (2012, p. 16):

O corpo linguagem, o corpo palavra, o corpo escrita encontra naliteratura seu mais perfeito exercício. A literatura não apenas tem apalavra em sua constituição material, como também a escrita é seuveículo predominante. A prática da literatura, seja pela leitura, sejapela escritura, consiste exatamente em uma exploração daspotencialidades da linguagem, da palavra e da escrita, que não temparalelo em outra atividade humana (COSSON, 2012, p. 16).

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O mesmo autor sintetiza (2012, p. 16): “nosso corpo linguagem é feito daspalavras com que o exercitamos, quanto mais eu uso a língua, maior é o meu corpolinguagem e, por extensão, maior é o meu mundo”.

Assim sendo, pensamos que a escola tem algo a contribuir para mais alémdo imediatismo processo em que os bimestres se sucedem e as avaliações sãoprogramadas, a fim de que o discente consiga paulatinamente construir seuspróprios conhecimentos. Existe, do nosso ponto de vista, uma herança a sertransmitida pela escola. Essa herança consiste em transmitir ao aluno a insaciávelbusca de saber sobre as coisas e as pessoas, com a finalidade única de que cadaindivíduo escolarizado possa agir e interagir com propriedade no meio em que estáinserido. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo do princípio de que a aprendizagem é um processo que ocorrecontinuamente na pessoa do aprendiz, pensamos que a Disciplina de Literaturapode ser uma fonte de estímulo ao jovem para este buscar a compreensão do meioem que se encontra. As circunstâncias que permeiam o indivíduo são, por vezes,rígidas e complexas. Nesse caso, a Literatura vem a suavizar e encantar oscorações enamorados com a vida. Assim deve ser o jovem, no nosso entendimento,alguém com olhos curiosos e com um coração enamorado pela vida.

A Literatura, nesse sentido, pode conduzir o discente a atingir oamadurecimento para a compreensão de situações menos amenas da vida. Pode,ainda, ser motivo para despertar o gosto não apenas pela leitura, mas pelapesquisa e pela produção textual. Afinal, escrever, no nosso entendimento, carregao indivíduo para uma fonte inesgotável de buscas, sejam das mais simples, como ada procura de um termo no dicionário, sejam das mais complexas, aquelas capazesde sustentar o ânimo de grandes pesquisadores.

Logo, o desejo que manifestamos por meio dessa pequena produção é a denão deixarmos morrer o entusiasmo de nossos iniciantes na tão nobre eencantadora arte de escrever.

REFERÊNCIAS

ALVES, R. Por uma educação romântica. Campinas-SP: Papirus, 2002.BARGUIL, P.M. Há sempre algo novo! – algumas considerações filosóficas epsicológicas sobre a avaliação educacional. Fortaleza: ABC Fortaleza, 2000.CAJIAO RESTREPO, F. Qué significa leer. In: Leer para comprender, escribir paratransformar: palabras que abren nuevos caminos en la escuela. 1ª ed. Bogotá:Ministerio de Educación Nacional. 2013.CEREJA, W. R; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. São Paulo: Atual,2003.COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto,2012.FAZENDA, I.C.A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro:efetividade ou ideologia. São Paulo: Loyola, 5ª ed. 2002.FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.______ . Educação e mudança. 5ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1982.

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GUARACY, T. A importância de escrever. Disponível em:<http://thalesguaracy.blogspot.com.br/2009/08/importancia-de-escrever.html>. Acesso em 03 set. 2012.LOPES, J. S. M. Cultura acústica e letramento em Moçambique: em busca defundamentos antropológicos para uma educação intercultural. São Paulo: EDUC,2004.MARINHO, J. M. A convite das palavras: motivações para ler, escrever e criar.São Paulo: Biruta, 2009.SILVA, L.D. e POLENZ, T. (Org.). Educação e contemporaneidade: mudança deparadigma na ação formadora da universidade. Canoas: Ed. ULBRA, 2002.VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes,1998.

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11. USANDO A LINGUISTICA DE CORPUS PARACOMPARAR

O VERBO TO DREAM E SEUS EQUIVALENTES SONHAR,SOÑAR, SOGNARE, SONGER E RÊVER

USING CORPUS LINGUISTICS TO COMPARE THE VERB TO DREAM AND ITS EQUIVALENTS SONHAR,

SOÑAR, SOGNARE, SONGER E RÊVER

Angela de Alencar Carvalho Araújo0

Resumo. O presente artigo elenca e analisa comparativamente os usos do verbo to dreame seus equivalentes sonhar, em português, soñar, em espanhol, sognare, em italiano esonger e rever, em francês, buscando o suporte teórico da Lingüística de Corpus (LC) eutilizando como fonte de consulta e coleta de dados sites de corpora disponíveis nainternet. As considerações constantes deste relato abrangem aspectos semânticos,sintáticos e morfológicos dos verbos em questão. Com essa análise, a pesquisa pretendecontribuir para os estudos de ensino/aprendizagem de línguas com base em corpora.

Palavras chaves: Linguística de Corpus – Verbo to dream – Aprendizagem de Línguas – Ensino.

Abstrat. This article lists and comparatively analyzes the uses of the verb ‘to dream’ andits equivalents in Portuguese (sonhar), in Spanish (sonar), in Italian (sognare) and inFrench (songer and rêver), seeking theoretical support from the Corpus Linguistics (CL)and using as a source of information and data collection sites about corpora available onthe Internet. The considerations in this article include semantic, syntactic andmorphological aspects of these verbs. With this analysis, the research aims to contribute tothe study of teaching and learning of languages based on corpora.

Keywords: Corpus Linguistic – Verb ‘to dream’ – Language Learning – Education

0 Aluna especial do Programa de Doutorado em Lingüística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará (UECE).Mestre em Lingüística Aplicada pela UECE. Especialista em Metodologia de Ensino de Língua Estrangeira (Inglês).Graduada em Letras: Português/ Inglês e respectivas literaturas e Administração de Empresa pela UniversidadeFederal do Ceará (UFC). Certificada em Língua Inglesa pelo Certificate in Advanced English e pelo Certificate ofProficiency in English expedidos pela Universidade de Cambridge. Professora de Língua Inglesa do Colégio Militarde Fortaleza.Lattes: http://lattes.cnpq.br/5821783276076985Contato: [email protected]

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS0

Este trabalho tem por objetivo elencar e comparar os usos do verbo todream e seus equivalentes em francês (rêver/songer), português (sonhar),espanhol (soñare) e italiano (sognare), utilizando como fonte de coleta de dadossites de corpora disponíveis na Internet conforme propõe a lingüística de corpus(LC).

O termo corpus, nesta linha de pesquisa da lingüística, refere-se a umacoleção de textos (escritos ou falados) que são transferidos dos suportes onde sãonormalmente veiculados, como televisão, rádio, jornal impresso, livros, revistas eoutros, para o suporte eletrônico. Também podem ser compilados textos recolhidosno próprio meio virtual, como por exemplo, as revistas e jornais eletrônicos e asconversas nos chats. Uma vez formatados para o meio eletrônico, os textos sãoorganizados segundo o objetivo do pesquisador e os critérios de pesquisa pré-estabelecidos. As análises são também realizadas pelo pesquisador auxiliado porferramentas computacionais criadas para esta finalidade, promovendo relatosestatísticos e dados suficientes que evidenciam as peculiaridades da língua emestudo.

Prosseguimos nesta introdução com um breve relato histórico sobre a LC0.Os primeiros estudos com corpora datam do século XIX, com avanço no início doséculo XX (1927-1957), “pausa” durante as décadas de 60 e 70 e retomada nosanos 90. No início os pesquisadores observavam a aquisição da linguagem porcrianças e buscavam uma gramática descritiva da língua baseada na forma comoos falantes a utilizavam. Contudo, com o lançamento da obra Estruturas Sintáticasde Noam Chomsky em 1957, considerada um divisor de águas na lingüística doséculo XX, esses estudos foram criticados por diversos motivos. Chamamos aatenção do leitor para três deles. O primeiro diz respeito às pesquisas de Chomskyque sustentavam que “os falantes usam sua competência para ir muito além dequalquer corpus, sendo capazes de criar e reconhecer enunciados inéditos, e deidentificar erros de desempenho” (Weedwood, 2002). Na verdade, a intenção deChomsky era estudar a competência, isto é, o conhecimento formal que se temsobre as regras que regem a língua e não o desempenho, ou seja, o uso que é feitodessa língua em situações reais de comunicação. Os outros dois motivos quecolaboraram para o descrédito dos estudos com corpora foram: a demanda detempo na coleta e observação dos dados e a necessidade de recursos financeirospara desenvolvê-los.

Atualmente, a LC, por meio dessas ferramentas computacionais, permite quedados sejam analisados e a partir deles se possa verificar desde a co-ocorrência determos, formando as expressões marcadas ou convencionais, até comportamentosmais complexos das línguas. Assim, o ensino/ aprendizagem de línguasestrangeiras (LE) e de língua materna pode usufruir de uma ferramenta quemostra, ao contrário da gramática normativa, a língua em contextos reais de uso,já que os corpora são construídos a partir de enunciados veiculados em todos os

0 Abreviaturas utilizadas nesta pesquisa: Suj (sujeito); V (verbo); VTD (verbo transitivo direto); VTI (verbo transitivo indireto); VI (verbo intransitivo); S (substantivo); OD (objeto direto); Prep (preposição);N (nome); fr. (francês); it. (italiano); pt. (português); esp. (espanhol); ing. (inglês).

0 Tagnin (2005) apresenta um capítulo sobre LC, sobre observação de dados em concordância e sobre uma lista de corpora online.

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meios de comunicação humana. Isso permite aos professores de LE trabalhar comseus alunos exercícios de análise de corpus, promovendo a autonomia noaprendizado da LE. E é partindo desta característica da LC – promover reflexãosobre os dados – que desenvolvemos esta mini pesquisa.

Para este trabalho buscamos suporte teórico e exemplos de metodologia depesquisa no texto de Tagnin (2005), em artigos da Revista TradTerm (1994, n1), noartigo de Rundell (2001), em Tymoczko (1998), bem como no artigo de MichaelHoey “From concordance to text structure: new uses for computer corpora”.Esperamos que esta mini pesquisa possa contribuir com os estudos em LC para oensino/aprendizagem de línguas.

2. METODOLOGIA

2.1. A motivação para a pesquisaDo nosso trabalho docente com língua inglesa e da nossa experiência

discente nas línguas francesa e italiana nasceu a motivação para esta pesquisa: acuriosidade sobre o comportamento do verbo ‘to dream’ em inglês e seusequivalentes ‘soñar’ (espanhol), ‘sognare’ (italiano), ‘rever’ e ‘songer’ (francês) e‘sonhar’ (português). Ao observarmos suas coligações (combinação de uma palavrade conteúdo ou palavra base com uma palavra gramatical: ‘dream of/about/up’(inglês) e ‘sonhar com’ (português), optamos por buscar as semelhanças ediferenças no uso desses verbos nas suas respectivas línguas.

A consulta de fontes impressas como dicionários levou à formulação de cincoperguntas: 1) Qual a coligação mais freqüente: dream about ou dream of? 2) Overbo ‘to dream‘ pode apresentar-se como VTD? 3) Existem outras coligaçõessignificantes de ‘dream + prep’? 4) O verbo frasal ‘dream up’ tem somente osentido de criar/ inventar algo? 5) Os equivalentes (sonhar, sognare, soñar, rêver esonger) se comportam da mesma forma e têm os mesmos sentidos e imagenssemelhantes no leitor desses idiomas?

A pesquisa foi realizada em cinco fases. A 1ª fase consistiu na redação dasquestões acima e levantamento bibliográfico. Na 2ª fase buscamos pelas fontesimpressas e eletrônicas. A 3ª fase consistiu na coleta dos dados acerca dos verbosnas fontes impressas. A 4ª fase consistiu na coleta de dados nas fontes eletrônicas.Na 5ª fase procedemos à análise dos dados encontrados.

O primeiro resultado encontrado foi gerado pelas informações em 13 (treze)fontes impressas como os dicionários de compreensão e produção0 e gramáticas.Mas, entendemos que tais questionamentos poderiam ser mais bem respondidos apartir do estudo e da observação das linhas de concordâncias geradas pelasferramentas da LC e dos corpora disponíveis como WEBCORP, COMPARA,EULOGOS CORPUS CHAT-LINE e outras.

2.2. Coleta e análise de dados2.2.1. A coleta de dados nas fontes impressasOs resultados das fontes impressas foram reunidos em três quadros para

facilitar a observação das diferenças e semelhanças. Nos quadros 1 e 2 asinformações estão dispostas em 1) estruturas em que os verbos ‘to dream’ e‘sonhar’ aparecem; 2) os sentidos que as fontes indicam para cada caso; 3) os

0 Adotamos a definição dada por Welker (2004, p.37)

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exemplos extraídos das fontes e 4) as fontes. O quadro 1 a seguir ilustra ocomportamento do verbo ‘to dream’.

Os dados do quadro 1 foram extraídos de seis fontes impressas: quatrodicionários monolíngues, uma gramática e um livro de referência sobrepreposições. As fontes indicam que há diferenças semânticas entre as formas‘dream of’, ‘dream up’ e ‘dream about’. Em cinco das fontes impressas, ‘dream of’carrega o sentido de pensar, imaginar, considerar (ou não) uma possibilidade,desejar ou querer algo. Em três das fontes, ‘dream about’ significa a ação deexperimentar sentimentos e imagens durante o sono. Em duas fontes, ambossignificam tanto desejar algo quanto pensar algo durante o sono. Já ‘dream up’aparece com um significado apenas: o de ter uma idéia, inventar algo, tercriatividade. Também observamos que ‘to dream’ não se apresentou como VTD emnenhum exemplo.

QUADRO 1 – VERBO ‘TO DREAM’ EM GRAMÁTICAS E DICIONÁRIOSESTRUTURAS SENTIDO EXEMPLOS FONTE

Dream of (VTI)0 ‘think of’, ‘imagine’ -pensar sobre algo, imaginar

I often dreamed of being famous when I was younger / Eu muitas vezes sonhei em ser famoso(a) quando era mais jovem.0

Swan (1998,p.446)

Dream about (VTI)

‘dream about’ ação de experimentar sentimentos, imagens durante osono.

What does it mean if you dream about mountains? / O que significa sonhar com montanhas ?I was dreaming about a black cat. / Eu estava sonhando com um gato preto.

Swan (1998,p.446)

MacmillanDictionary

(2002, p.416)

dream of (VT) ‘Think about’ pensar em algo que se deseja/ desejou conseguir

She had always dreamed of going to Africa. /Ela sempre sonhou em visitar a África. He sometimes dreamed of leaving his dull life behind him./Às vezes ele sonhava em deixar sua vida sem graça paratrás.

Macmillan(2002, p.416)

Wouldn’t dream of sth (fraseologia Would+not + dream +of/about+ N)

Inimaginável, nunca consideraria tal possibilidade

I wouldn’t dream of asking my mother to look after her./Eu jamais pediria a minha mãe que cuidasse dela.

Collins CobuildPhrasal Verbs

(1994, p.89)

Dream upV + ADV + N

Inventar, criar He would never dream up a desperate scheme like that on his own. /Ele jamais inventaria um esquema desesperado como aquele sozinho.

Dream of/ aboutV + PREP + N

Experimentar umasérie de imagens,

I dreamt about you last night. /Eu sonhei com você a

OxfordDictionary

0 Ver abreviaturas no anexo 1

0 Nossas traduções.

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eventos e sensações na mente durante o sono.

noite passada. (2001, p.383)

Dream of/aboutV+ PREP + N

Imaginar e pensar sobre algo que se deseja

She dreams of running her ownbusiness. /Ela sonha em ter o seu próprio negócio.

Dream upV + ADV + N

Ter uma ideia Trust you to dream up a crazy Idea like this./Só poderia ser você para ter uma idéia malucacomo esta.

Dream of (VT) ‘want’ - querer Stephanie often dreams of longsea journeys./Stephanie sonha,muitas vezes, com longas viagens por mar.

Activator(1995, p. 379)

Dream upV + ADV + N

‘Invent’ – inventar Sem exemplos

Dream of/ about V + OF/ABOUT + N

Of - identifica um conteúdo ou tópico. About – identifica um tópico

Sem exemplos Yates (1999, p.5, 80, 128)

Dream up V + ADV + NV + UP + N

UP – indica criatividadeMake up, dream up, think up, draw up

Sem exemplos

Ao analisarmos o verbo ‘sonhar’ em português nas fontes que seguem agramática normativa obtivemos o seguinte quadro demonstrativo.

QUADRO 2 – VERBO ‘SONHAR’ EM GRAMÁTICAS E DICIONÁRIOSEstruturas Sentido Exemplos Fonte

Sonhar (VI) Ter sonhosdormindo; devanear.

A criança dorme e sonha.Vive no mundo da lua, sempre asonhar

Cegalla(1996:309)

Sonhar VTD Ver em sonhos Sonhei uma viagem à Lua.Sonhei que era um mágico famoso.

Sonhar (VTD) Imaginar, pensar Os antigos nem sequer sonhavamos maravilhosos inventos do séculoXX.

SonharV + OD

Imaginar “Sonhava o seu lindo sonho deprosperidade” (Paulo Moreira)

Sonhar (VTI)V + PREP +OI

Ver em sonhos

Pensar, imaginar

Quantas vezes Dirceu deve tersonhado com sua Marília. O pobre sonha com uma vidamelhor. Sonha em possuir umpedaço de terra.

Sonhar (VTI)V + em

Pensarconstantemente emalgo; ter idéia fixa

A: Em que sonhas?B: Sonho em conseguir a minhacasa.

Luft(1997:488)

Sonhar (VTD)V + ODSonhar (VTI) V + COM + OI

Alimentar, pôr naimaginação, desejarvivamente

Sonhar (com) um casamentoimpossível.Sonhar (com) a possibilidade de ...

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O quadro 2 mostra as realizações do verbo ‘sonhar’ em português ora comoverbo transitivo, ora como verbo intransitivo. Observamos também a presença daspreposições ‘com’ e ‘em’ acompanhando esse verbo e ainda a possibilidade deutilizar ou não a preposição sem modificar o sentido de sonhar como desejar, comonos dois exemplos finais.

Infelizmente, nas fontes em italiano, espanhol e francês não encontramos umnúmero significativo de exemplos como nas fontes em inglês e português. Destaforma, optamos por listar apenas os sentidos atribuídos a esses verbos e aestrutura em que se apresentam nas fontes consultadas.

A partir dos dados nos quadros 1 e 2 e no quadro 3, observamos que astraduções, assim como as estruturas, parecem próximas nos cinco idiomas.

QUADRO 3 – ESTRUTURAS DOS EQUIVALENTES EM ITALIANO, ESPANHOL E FRANCÊSVERB

OSSENTIDO ESTRUTU

RAFONTE

Sognare

Imaginar, fantasiar, desejar, almejar VT e VI Polito (1993:291)

Sonhar, ter um sonho ou sonhos, ver emsonhos; fantasiar, devanear, fazer castelos noar; imaginar, preocupar-se, aplicar opensamento; idealizar, supor, pensar noimpossível.

VT e VI Amendola(1990: 833)

Soñar Sonhar, devanear, fantasiar, imaginar VT e VI Pereira &Singer (1993:282)

Rêver Sonhar - Sonhar com alguém (rever dequelqu’un)

VT e VI Avolio & Favry(1998: 240)

VI : sonhar, deixar voar a imaginaçãoVTI: rêver à (meditar sobre ; sonhar com)VTI: rêver de (ver em sonhos, imaginar,desejar)

VT e VI Larousse(1997: 513)

Songer ‘Songer à’ equivale a ‘pensar em’, haver aintenção de fazer algo.

VTI (idem: 548)

2.2.1.1. Conclusões geradas pela observação das fontes impressas

Ao coletar e organizar os dados das fontes impressas, observamos doispontos em comum entre os verbos nos cinco idiomas em questão: transitividade/intransitividade e sentido. Quanto à intransitividade/ transitividade, observamosque:

1. a exceção de ‘to dream’ (ing.) (VTI) e de ‘songer’ (fr.) VTI, os demaisverbos podem ser transitivos diretos e indiretos, assim comointransitivos.

2. apenas o verbo ‘songer’ (fr.) é apresentado apenas como verbo transitivoindireto.

3. sonhar em português pode ser VI, VTD e VTI.

Quanto ao sentido, os seis verbos traduzem idéias que pertencem ao mesmocampo semântico. Vejamos o esquema abaixo que ilustra esta afirmação:

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Figura 1 – Sentidos do verbo ‘to dream’ em inglês, francês, italiano, espanhol eportuguês.

2.2.2. Coleta e análise de dados nas fontes eletrônicas2.2.2.1. Resultados para ‘to dream’

De posse desses dados0, buscamos os sites de corpora para verificar asocorrências dos verbos e suas manifestações em cada uma das cinco línguas econseqüentemente as respostas aos questionamentos feitos anteriormente a fim deprosseguir com as comparações. A busca por ‘to dream’ indicou as seguintesestruturas, como mostra o quadro 4.

QUADRO 4 – ENUNCIADOS COM O VERBO ‘TO DREAM’ENUNCIADO TRADUÇÃO LIVRE

1. We dream of you. Nós sonhamos com você.2. I dream of it. Eu sonho com isto.

I dream of them in a big house. Eu sonho com eles numa casa grande.You mustn’t dream of it! Você não deve sonhar com isto!5. …those who dream of a holiday. …aqueles que sonham com um feriado.6. I dream of Jeanie. Eu sonho com Jeanie.7. I’m dreaming of a White Christmas. Eu estou sonhando com um natal branco.8. She was free to dream of paintings

and detective stories.Ela era livre para sonhar com pinturas e histórias de detetive.

9. I dream of a better world. Eu sonho com um mundo melhor.10. ...dream of a better human race. …sonho com uma raça humana melhor.11. We might dream of questions. Nós podemos sonhar com perguntas.12. I dream of love. Eu sonho com o amor.13. I dream of long periods away from

peopleEu sonho com longos períodos longe das pessoas.

I dream of becoming a baron. Eu sonho em me tornar um barão.OCORRÊNCIAS DE ‘DREAM ABOUT’ SEGUEM A MESMA ESTRUTURA DE ‘DREAM

OF’15. You dream about marriage. Você sonha com casamento.16. you dream about someone. Você sonha com alguém.17. I still dream about him. Eu ainda sonho com ele.18. You dream about scoring at Anfield. Você sonha em marcar pontos em Anfield.

0 Os exemplos que ilustram esta etapa da pesquisa foram extraídos de corpora diferentes como BNC, Webcorp, Collins entre outros sites.

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SUBJ + (dream)V + OF/ABOUT

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19. You dream about situations like this. Você sonha com situações como esta.20. I dream about having my own house. Eu sonho em ter minha casa própria.21. ...who dream about fishing. …os quais sonham em pescar.22. …just dream about our future. ...só sonhe com o nosso futuro.23. I dream about all sort of things. Eu sonho com todo tipo de coisas.

Talvez possamos questionar o porquê de os dicionários só falam em ‘of + N’.Em inglês, o verbo seguido da preposição ‘of’ ou ‘about’ acompanhadas de outroverbo, este fica no ‘-ing’, podendo ser traduzido e comparado a ‘em’ em português,como nos exemplos 14, 18, 20 e 21. Não havíamos encontrado uma relação entre overbo ‘to dream’ e a preposição ‘in’ nas fontes impressas, mas ao observar asconcordâncias geradas pela busca ‘dream in’ encontramos esta preposiçãointroduzindo uma locução prepositiva (ou adverbial), exemplos 1 e 2, não formandoem nenhum dos exemplos uma coligação de regência com ‘dream’. Temos ‘dream’como substantivo em 3 e 4. Vejamos os únicos exemplos listados pelos corpora0:

1. I know I’m fluent, now, because I can dream in it.(Eu sei que sou fluente agora por que eu posso sonhar nesta língua.)2. We sometimes dream in that language, too. (Às vezes nós sonhamos

naquela língua também.)

3. My one dream in life is to be able to travel. (Meu único sonho na vida époder viajar.)

4. ...call it my dream in life. (...chamá-lo sonho da minha vida.)

Observamos, ainda, as expressões idiomáticas que apresentam ‘dream’como verbo ou como substantivo.

5. never dream in colour (nunca sonhar em cores)6. like someone in a dream in response to (como alguém num sonho em

resposta a…)7. Palladian dream in miniature (sonho paladiano/ paladino em

miniatura) Encontramos mais exemplos com a coligação ‘dream up’:

1. dream up advertisements ( criar anúncios)2. dream up a bright profit-winning idea ( inventar uma idéia lucrativa

brilhante) 3. dream up hypothetical questions ( inventar questões hipotéticas) 4. dream up a set of rules ( inventar um conjunto de regras) 5. dream up fancy schemes (inventar esquemas mirabolantes)

0 O leitor poderá visualizar algumas das concordâncias geradas nos anexos deste trabalho.

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Subj + (dream) V + IN + N

Subj + (dream) V + up + N

Subj + (dream) S + IN + N

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A freqüência para a coligação ‘dream about’ em relação a ‘dream of’ foi bemmais baixa do que pensávamos. Numa relação restrita de 100 colocados, fornecidapelo Cobuild Concordance Sampler este índice de significância foi de 17 para‘dream of’ e 7 para ‘dream about’ em concordâncias geradas para a palavra‘dream’ (Collins) acompanhada de preposição (‘of’ e ‘about’). Na busca ‘dream@’(Collins) que mostra dream como verbo nas formas flexionadas: dream, dreams,dreaming, dreamed/ dreamt) o resultado foi 18 para ‘dream of’ e 9 para ‘dreamabout’. Vejamos a tabela 1 a seguir.

TABELA 1 – LISTA DE COLOCADOS GERADOS PELO COLLINS PARA ‘DREAM’ (1)Collocate Corpus Freq Joint Freq Significance

of 1100578 545 17.278958a 973489 282 9.333416

about 106379 80 7.413852wouldn’t 8853 46 6.614368

would 97660 54 5.638377I 512080 119 4.868336

never 26751 30 4.848763

A primeira coluna (Collocate) apresenta os colocados de dream, isto é,aquelas palavras que co-ocorrem com dream. A segunda coluna (Corpus Freq)lista o número de ocorrências de cada palavra em todo o corpus. A terceira (jointfreq) indica o número de exemplos em que dream (palavra de busca ou palavrabase) e colocado co-ocorrem num horizonte de 4 palavras à direita e 4 à esquerda.A última coluna (Significance) prova estatisticamente se as palavras da primeiracoluna constituem verdadeiros colocados de dream. Serão considerados colocadosas palavras cujo valor esteja acima de 3. Neste caso todas as palavras acima sãocolocados de dream. A próxima tabela mostra o outro resultado já mencionado e oleitor percebe que of, about, up e in são candidatos a colocados de ‘dream’. Apenasa concordância vai demonstrar se são ou não.

TABELA 2 – LISTA DE COLOCADOS GERADA PELO COLLINS PARA ‘DREAM’ (2)Collocate Corpus Freq Joint Freq Significance

of 1100578 1722 18.479302a 973489 1572 18.339499

her 111700 291 11.375900true 7490 115 10.117641

about 106379 245 9.754130she 127836 269 9.636739

never 26751 133 9.519434american 16008 108 9.055455

night 20466 106 8.570438up 104073 156 5.258416

nightmares 213 14 3.692252romantic 1301 15 3.581449recurring 127 13 3.574982

in 765730 761 3.496010

2.2.2.2. Resultados para ‘sonhar’

Nos outros quatro idiomas encontramos, por meio de busca no WebCorp,COMPARA (somente para o português e o inglês) as ocorrências dos verbos

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‘sonhar’, ‘sognare’, ‘soñar’, ‘songer’ e ‘rêver). Como não é gerado o quadro doscolocados (a não ser pelas ferramentas do Wordsmith não utilizadas nestetrabalho) observamos as listas de concordâncias e elencamos as co-ocorrências noquadro abaixo para facilitar a observação de semelhanças e diferenças. Os itensassinalados com (*) mostram maior ocorrência no corpus.

QUADRO 5 - COLOCADOS/ COLIGAÇÕES EXTRAÍDOS DAS CONCORDÂNCIASSONHAR SOÑAR SOGNARE SONGER RÊVER

1. V + sonhar V + soñar V + sognareImparato a sognare *

V + songer V + rêver

2. Faz sonhar Hacer/ haces/ hacen/ hacían/ hecho / hace soñar*

Fare/ fateci/ fanno/hanno fatto/ faremo/ facendomi/ fammi sognare

Faire songer* Faire/ fait/ rêver

3. Podes/ pode/ podemos/ sonhar*

Podria/ podian/ podemos soñar (poder soñar)

potremo sognare

Peut/ pourras/pourra/ pourrait songer *

Peut rêver

4. a sonhar com * a soñar com a sognare a Songer à,au, aux*

à rêver au, aux,

5. a soñar por Rêver pour6. Soñar para7. Gostar de

sonharGustar soñar Piace sognare

8. Sonhar que Soñar que Sognare Che Songer que Rêver que9. De sonhar De soñar Di sognare De rêver10.

Nossa capacidade de sonhar/ sem a capacidade de sonhar

La capacidad de soñar

Capacitá di sognare Coraggio di sognare

11.

Sonhar acordado

Soñar despierto Sognare ad occhi aperti

12.

Sonhar demais Soñar mucho Sognare di piú

13.

Capaz de sonhar

Capaces de soñar

Incapace a sognare*

14.

Para sonhar Per sognare Pour rêver

15.

Chega de sonhar

Basta sognare Cessais de songer

16.

É preciso sonhar

Bisogna sognare

Il faut songer Il faut rêver,besoin de rêver

17.

Forse sognare

18.

Sognare da sola

1 Deixar de Smettere di Cessais de

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9. sonhar sognare* songer

20.

Di sognare com

21.

Continua a sonhar

Continua a sognare

Continuer à rever/

22.

Lasciami sognare

Laisse-moi rêver

23.

Sembra di sognare

24.

Il est temps de songer

Lê temps de rêver

25.

Sognare in pace

26.

O direito de sonhar

Il diritto di sognare

Le droit de rêver

2.2.2.3. Conclusões geradas pela observação das fontes eletrônicas

Observando o quadro 5, percebemos semelhanças nas estruturas de Songer,sognare, soñar e sonhar. Entendemos esta possibilidade haja vista a origemcomum que eles têm: o verbo latino somniare (Faria, 1992). Desta formaconcluímos que este verbo é intransitivo quando equivale ao sentido próprio que ésonhar ou ter um sonho, ter a experiência de um sonho ao dormir. Notamos que omesmo ocorre com os equivalentes acima (ex. linhas 1 e 2). Quando usado nestemesmo contexto to dream também comporta-se com intransitivo como os exemplosextraídos do corpus BNC: (...Everyone can dream – Todos podem sonhar; It’s whathappens when you dream, I guess. – É o que acontece quando você sonha, eusuponho.). Todos os verbos analisados nesta pesquisa, nas cinco línguas, podemser precedidos de outros verbos. Conforme ilustram as linhas 1, 2 e 3, há opredomínio dos verbos ‘fazer’ e ‘poder’, o que ocorre também na língua inglesacom verbos ‘make’ e ‘can’ / ‘could’ (make me dream of you/ me faz sonhar comvocê. – ...because I can dream in it / ... porque eu posso sonhar nesta (língua)).Os verbos comportam-se também como VTI: ‘dream of/about’, ‘sonhar com/em’(não encontramos muitas ocorrências de sonhar + em) como ilustra a linha 4 etambém como VTD conforme linha 8. No caso do verbo ‘to dream’, encontramosnos vários corpora apenas os exemplos que se enquadram na estrutura abaixo:

I dream you back to being. / We dream a world… / I think it I dream it / Wedream big dreams.

Vejamos ainda o exemplo extraído do corpus Collins “Cross knew that mostwhites never dreamed that their behaviour toward negroes …” / Cross sabia que amaioria dos brancos nunca sonhou que seu comportamento em relação aos negros…” Na verdade, todos assumindo o sentido de imaginar, sonhar com algo serão VT.

Afora as coligações ‘dream up’, ‘dream of’ e ‘dream about’, os corporamostraram exemplos que seguem a seguinte estrutura: S + prep + ‘sonhar’( equivalentes). Na linha 10 lemos: ‘capacidade de sonhar’, ‘capacidad de soñar’ e

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Subj + dream (V) + DO

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‘capacitá di sognare’. Em inglês há a forma ‘capacity of dreaming’ como em(...humans and gives them the capacity of dreaming and is / ...humanos e dá a elesa capacidade de sonhar e …).

Encontramos a estrutura V + para (equivalente): ‘soñar por’, ‘rêver pour’ e‘dream for’ (linha 5). Para ‘dream for’ as co-ocorrências são muitas para dreamcomo substantivo0, Entendemos que para validar estes resultados precisaríamosverificar sua existência em outros sites, mas vejamos:

Forwarded by Banjo Odutola My dream for Nigeria is for a safe where things will work. My dream for Nigeria is a country of of a safe country. My dream for Nigeria is to have a journey around the country. My dream for Nigeria is where being ill high standard of education. My dream for Nigeria is for peace between cars to collect bribes. My dream for Nigeria is for a strong is polluted. And, my last dream for Nigeria is for its citizens

Para ‘dream’ como verbo seguido de ‘for’ o Webcorp nos forneceu os exemplosseguintes0:

BA (Hons). the dreams I dream for you. so it's official. your heart the dreams I dream for you are deeper than the deeply of the dreams I dream for you see your shame BA (Hons). the dreams I dream for you. : Comments so glad for

Voltemos aos questionamentos feitos no item 3 deste trabalho. No item (1)queríamos saber que coligação era mais freqüente na língua inglesa: ‘dream of’ ou‘dream about’. Decobrimos nos dados desta pesquisa que dream of foi maisfreqüente, seja ‘dream’ como verbo ou substantivo. No item (2) questionamos se overbo ‘to dream’ manifesta-se como VTD e descobrimos que sim. No item (3)perguntamos se havia coligações significantes de ‘dream + preposition’ eencontramos que há ‘dream of/about/up’. Os exemplos elencados nos corpora nãonos deram outra. No item (4) indagamos se ‘dream up’ teria mais de umsignificado, este apresentou somente o sentido de inventar/ criar, como informa agramática normativa. Finalmente, em (5), indagamos se os equivalentes (sonhar,sognare, soñar, rêver e songer) se comportam da mesma forma e têm os mesmossentidos e imagens semelhantes no leitor desses idiomas? Conforme ocomportamento desses verbos nos dados, encontramos não só semelhançassemânticas, mas também estruturais.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS0

0 Plain Text Word List 978 unidades lexicais, 415 tipos http://www.nigeriavillagesquare1.com/Articles/Guest/2004/09/my-dream-for-nigeria-by-onyi.htmldocumento datado de 20/07/2005 01:18:34

0

Plain Text Word List 1051 unidades lexicais, 569 tiposhttp://bigbluesky.typepad.com/art/2005/06/ba_hons_the_dre.html ´documento datado de 01/01/2005 00:00:00 (url)

0

Agradecemos à Professora Dra. Stella E. O. Tagnin pela leitura deste trabalho e por seus valiosos comentários que muito contribuíram para corrigir e enriquecer esta mini-pesquisa realizada após o seminário ministrado por ela no Curso de Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada da UECE, em julho de 2005.

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A LC é uma fonte de dados extremamente rica e válida e cuja presença naspesquisas em tradução e ensino de línguas vem crescendo à medida que tambémcresce o acúmulo de dados na internet. Acreditamos que com a Internet e asnovas tecnologias trazidas por ela, a LC também é irreversível, cabendo aosprofessores de LE da educação básica – o nosso contexto, de cursos livres e doensino superior – aprender a lidar com esta valiosa ferramenta de pesquisa.

REFERÊNCIAS

AMENDOLA, João. Dicionário de italiano-português. 4ªed. rev. , ampliada eatualizada. São Paulo: Hemus, 1990, p. 833AVOLIO, Jelssa Ciardi & FAVRY, Mara Lucia. Michaelis: minidicionário francês-português, português-francês. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1998,240BUDINI, Paola. Verbi italiani = Verbos italianos: manual bilíngüe de verbosregulares e irregulares. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de dificuldades da línguaportuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 309Collins Cobuild Dictionary of phrasal verbs. London: Cobuild, 1994, p. 89 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira daLíngua Portuguesa. 2ª ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986 FARIA, Ernesto. Dicionário Escolar Latino Português. Rio de Janeiro: FAE, 1992HOEY, Michael. “From Concordance to text structure: new uses for computercorpora”. In Lewandowska-Tomaszczyk, B. & P.J. Melia (eds.) 1997Language Activator: the world’s first production dictionary. England: Longman,1995, 379Larousse: mini dictionnaire de français. Bouchenville, Québec, 1997, p. 513, p. 548Longman Dictionary of American English. New York: Longman, 1996LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de regência verbal. São Paulo: Ática, 1997,p. 488MACMILLAN: English dictionary for advanced learners of American English.Oxford: Macmillan Publishers Limited, 2002, p. 416OXFORD Advanced Learner’s Dictionary of Current English. Oxford: OUP,2001, p. 383PEREIRA, Helena B.C. & SINGER, Rena. Michaelis: minidicionário espanhol-português, português-espanhol. São Paulo: Melhoramentos, 1993, p. 282POLITO, André Guilherme. Michaelis: pequeno dicionário italiano-português,português-italiano. São Paulo: Melhoramentos, 1993, p. 291RUNDELL, Michael. “A major new resource for the language industry”. LongmanConnection nr 1, May 2001, p.10-11SWAN, Michael. Practical English Usage. New Edition. Oxford: OUP, 1998, p.446TAGNIN, Stella E.O. O jeito que a gente diz: expressões convencionais eidiomáticas. São Paulo: Disal, 2005The American Heritage Dictionary. Boston: Houghton Mifflin Company, 1991, 424TradTerm: Revista do centro Interdepartamental de Tradução e Terminologia.Universidade de São Paulo. N1, 1994. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1994TYMOCZKO, Maria. “Computerized corpora and the future of translation studies”.In Meta XLIII, 4, 1998

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WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da lingüística. [trad.] Marcos Bagno.São Paulo: Parábola Editorial, 2002WELKER, Herbert Andréas. Dicionários: uma pequena introdução àlexicografia. Brasília: Thesaurus, 2004YATES, Jean. The Ins and Outs of prepositions. New York: Barron’s, 1999, 5, 80,128

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AnexoExemplo de concordância gerada pelo Wecorp. Foram geradas 171 linhas deconcordância pelo Webcorp.

pour Jérusalem devrait songer à rejoindre au plus viteécrivains. Il n’est que de songer aux relations que Thomas Bernhardqui n’est pas sans faire songer , par sa liberté piaffante, à celle dede toute façon. - On peut songer à un vin blanc , légerA.T. : Comment ne pas songer aux grands bisons des grottesc'est toi qui m'y fait songer , tu pourrais donner la suiteécrire. Dormir maintenant, songer qu'on peut s'enfoncer dans ladu mois. Vous pourriez vous-même songer à changer de vocation nepas, difficile de ne pas songer au récent Belleville Barcelone deil est difficilement concevable de songer à parcourir de si longues

Enviado para publicação: 07/07/2013Aceito para publicação: 14/08/2013

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12. ASPECTOS GERAIS DO ETHOS E A ENUNCIAÇÃO DO DISCURSO

OVERVIEW OF ETHOS AND SPEECH ENUNCIATION

Antonia Valdelice de Sousa0

Resumo. O presente artigo apresenta uma leitura acerca da noção de Ethos, que provémda retórica, deslocando-se para a pragmática moderna e para a análise do discurso. Dessaforma, serão colocados conceitos à luz das teorias de Maingueneau sobre ethos, habitus ediscurso. Destarte, esperamos poder contribuir para a retomada da teoria direcionada a umsujeito que sente, tem voz, corpo e caráter e que apresenta um modo de ser no mundo,como crítico, lúdico, que pode fazer rir ou refletir, ou ambos.

Palavras chaves: Ethos – retórica – discurso.

Abstrat. The present paper presents the concept of Ethos from traditional rhetoric whichtouches on modern pragmatics and discourse analysis. Here we explore, underMaingueneau’s theories, the concepts of ethos, habitus and discourse. Thus, we hope tocontribute to the theory’s repraisal which focus on a subject who feels, has a voice, a bodyand a character that present a way of being in the world, as a critical, ludical body that cangenerate laughter, reflection, or both.

Keywords: Ethos – rhetoric – discourse.

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Doutora e Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Especialista em Língua Portuguesapela Universidade Estadual do Ceará – UECE e Graduada em Letras e História em Licenciatura Plena. Temexperiência em Linguística e Psicolinguística, com ênfase em Linguística Cognitiva e Linguística Aplicada.Pesquisa os seguintes temas: capacidade argumentativa, compreensão textual, tipos de texto, marcas deargumentação. Membro do grupo de pesquisa GELP-COLIN da UFC.Lattes:http://lattes.cnpq.br/6504203164903672Contato:

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1. INTRODUÇÃO

Neste trabalho, apresentamos o conceito de ethos, inserido na linha daAnálise do Discurso, segundo Maingueneau.

Isto posto, percebemos que com o ethos surge uma dimensão analógica daenunciação. Nota-se, pois, que a eficácia do orador não está apenas na substânciapropriamente linguística, mas deriva da adequação funcional e social do locutor: odiscurso terá autoridade se for enunciado por um orador legitimado e numa cenalegítima, com alocutários legítimos. Diante disto, o ethos tem, nessa visão, posiçãoimportante, pois consiste em uma autoridade exterior através da qual o oradordeve legitimar seu lugar, podendo-se em certas circunstâncias dizer que aeficiência do orador não depende de enunciação, mas daquele que enuncia e dopoder de que está investido pelo seu auditório. Assim, trata-se de um dizer e umfazer que constituirão a interação social em que as trocas simbólicas devemacontecer. Isto dá ao discurso duas dimensões: uma perspectiva interacional eoutra institucional, que é inseparável da posição ocupada pelos participantes doauditório.

Nesta perspectiva, observamos que nas pesquisas da pragmática moderna, aimportância das trocas verbais, da interação, fundamenta-se no estudo da imagemque os interlocutores fazem de si mesmos, no modo como se inserem na cena deenunciação, no gênero de discurso e nos papéis que desempenham. De fato, sehouver uma boa correspondência entre a imagem que o orador faz de seuauditório, e vice-versa, haverá eficácia do discurso, o que se conclui que aconstrução discursiva se faz num jogo especular em que o orador constrói suaimagem em função da imagem que ele cria de seu auditório. A esse espelhamento,Maingueneau (1999) chama de ethos pré-discursivo.

Cabe assinalar, entretanto, que muitas vezes, esse ethos pré-discursivo nãoacontece de modo novo ou totalmente singular. Por esta forma, para serreconhecido e valorizado pelo seu auditório, para parecer legítimo, o orador seindexa de representações divididas que podem ser aproximadas a modelosculturais, mesmo que se trate de modelos de contestação. A esse respeito, entra oestereótipo, que consiste numa operação de pensar o real através de umarepresentação cultural pré-existente, um esquema coletivo fixo, uma vez que umindivíduo pode ser percebido e valorizado em função do modelo pré-construídodifundido na comunidade de que faz parte. Afinal, trata-se de uma personalidadeconhecida, ou com uma imagem pública forjada pela mídia, ou, ainda, uma imagemque lhe é atribuída com premissas éticas ou políticas às quais ele deve aderir.Assim sendo, essa estereotipagem serve para dar à construção da imagem doorador a autoridade e legitimidade do discurso. Por fim, ao auditório/alocutáriocabe identificar esse orador/locutor numa categoria conhecida socialmente.

Dentre essas perspectivas teóricas, pretendemos, pois, discorrer sobre aspropostas a respeito de retórica antiga e ethé, aspectos gerais do ethos, a retórica,ethos e habitus, ethos e tom, caráter, corporalidade e ethos e discurso.

2. ASPECTOS GERAIS DO ETHOS

A noção de ethos, pertencente à retórica aristotélica, foi retomada porMaingueneau que a desenvolveu inscrita no quadro da Análise do Discurso.Entretanto, foram necessários dois deslocamentos do ethos retórico.

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Em primeiro lugar, foi preciso recorrer a uma concepção de ethos que nãose restringe à eloquência judiciária ou aos discursos orais, como na retóricaantiga, mas é válida para qualquer discurso, seja oral, seja escrito. Em segundo, foipreciso afastar a ideia de que o enunciador, como o autor, desempenharia o papelque escolhesse em função dos efeitos que pretendesse produzir sobre seu público,pois, do ponto de vista da Análise do Discurso, esses efeitos são impostos pelaformação discursiva, e não pelo sujeito.

Segundo Maingueneau (2005, p. 70-92):

A noção de ethos permite, além da persuasão por argumentos,refletir sobre o processo de adesão à ideia apresentada num dadodiscurso. Esse processo fica evidente em discurso publicitário,filosófico, político etc. que não têm por objetivo uma adesãoimediata, mas que devem conquistar um público que tem o direito denão aceitá-los ou simplesmente ignorá-los.

A questão essencial é que o ethos está ligado à enunciação e não a um saberextradiscursivo sobre o enunciador. Deste modo, revela-se a personalidade doenunciador por meio da enunciação e não pelo conhecimento prévio da pessoareal; em outras palavras, o ethos se mostra na enunciação.

No âmbito dos estudos da Análise do Discurso, o ethos não se reserva àeloquência judiciária ou à oralidade; qualquer discurso, seja qual for seu modo deinscrição material, possui uma vocalidade específica, um tom. A determinação dotom implica uma determinação do corpo do enunciador. Destarte, essa concepçãode ethos compreende não só a dimensão vocal, mas também, o conjunto dasdeterminações físicas e psíquicas ligadas pelas representações coletivas àpersonagem do enunciador. Maingueneau (1997) refere-se à personagem doenunciador como uma instância subjetiva encarnada que exerce o papel de fiador.A esse fiador são atribuídos um caráter e uma corporalidade. ConformeMaingueneau (1997, p. 47):

O “caráter” corresponde a este conjunto de traços “psicológicos” queo leitor-ouvinte atribui espontaneamente à figura do enunciador, emfunção de seu modo de dizer. Para o humanismo devoto, este“caráter” será o de um homem essencialmente comedido e sociável.Bem compreendido, não se trata de caracterologia, mas deestereótipos que circulam em uma cultura determinada. Deve-sedizer o mesmo a propósito da “corporalidade”, que remete a umarepresentação do corpo do enunciador da formação discursiva.Corpo que não é oferecido ao olhar, que não é uma presença plena,mas uma espécie de fantasma induzido pelo destinatário comocorrelato de sua leitura.

De fato, sem entrar na discussão dessa concepção muito extensa, o autorratifica que o caráter e a corporalidade do fiador apóiam-se, portanto, sobreestereótipos culturais cristalizados que podem ser valorizados ou desvalorizados esobre os quais se apóia a enunciação que, por sua vez, pode confirmá-los ou não.

De acordo com o autor pode-se, a rigor, perceber que o coenunciadorconstrói uma figura representativa do fiador, com base em indícios textuais dediversas ordens, e, por intermédio da enunciação, incorpora uma forma específicade se inscrever no mundo, um estilo próprio do enunciador.

Por outro lado, a incorporação atua em três registros indissociáveis:

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1) a enunciação “dá corpo” ao seu enunciador que exerce o papel de fiador –de uma fonte legitimante – permitindo ao coenunciador construir umarepresentação dinâmica dele.2) o coenunciador incorpora, assimila os esquemas característicos dessefiador, sua maneira de habitar seu corpo, de se mover no mundo.3) esse duplo processo permite a incorporação do coenunciador àcomunidade imaginária dos que comungam na adesão a um mesmo discurso.Em vista disto, a cargo da enunciação está persuadir o coenunciador para

fazê-lo aderir a certo universo de sentido que o discurso impõe tanto pelo ethosquanto pela ideologia e, portanto, as ideias apresentam-se por uma maneira dedizer que remete a uma maneira de ser do enunciador. Na perspectiva da Análisedo Discurso, o ethos é mais que um meio de persuasão; ele é parte constitutiva dacena de enunciação. Segundo Maingueneau (2005, p. 75), a cena de enunciaçãointegra três cenas: cena englobante, genérica e cenografia:

A cena englobante corresponde ao tipo de discurso; ela confere aodiscurso seu estatuto pragmático: literário, religioso, filosófico etc. Acena genérica é a do contrato associado a um gênero, a uma“instituição discursiva”: o editorial, o sermão, o guia turístico, avisita médica etc. Quanto à cenografia, ela não é imposta pelogênero, mas é construída pelo próprio texto: um sermão pode serenunciado por meio de uma cenografia professoral, profética etc.

A cenografia, assim como o ethos que dela participa, implica um processo deenlaçamento paradoxal: a enunciação supõe uma cena enunciativa que se validaprogressivamente por essa mesma enunciação. Em outras palavras, a cenografialegitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la.

3. A RETÓRICA ANTIGA E ETHÉA retórica antiga, segundo Maingueneau (1995, p. 137), entendia por ethé

“as propriedades que os oradores se conferem implicitamente através de suamaneira de dizer: não o que dizem explicitamente sobre si próprios, mas apersonalidade que mostram através de sua maneira de se exprimir”.

O filósofo grego distinguia três formas de ethé, a saber: a) phrônesis: ter oaspecto de uma pessoa ponderada; b) areté: assumir a atitude de um homemsimples e sincero; c) eunòia: oferecer uma imagem agradável de si mesmo ao seuauditório.

Na AD (Análise do Discurso), existe a proposta de um duplo deslocamento:1) efeitos são impostos não pelo sujeito, mas pela FD (Formação Discursiva); 2)concepção transversal entre o oral e o escrito.

De acordo com os teóricos do grupo U2, o Ethos: “é assimilável ao queAristóteles chama de Pathos em sua Poética e é definido como um estado afetivosuscitado no receptor por uma mensagem particular”. (MAINGUENEAU, 1985, p.138).

A arte retórica: o orador para ter eficácia na sua argumentação deve serpossuidor do ethos, do pathos e do logos, ou seja, o ethos: ética; seria o caráterque o orador deve possuir com o objetivo precípuo de revelar-se com sensatez,sinceridade e simpatia; pathos: paixão; diz respeito ao conjunto de emoções esentimentos que o orador suscita em seu auditório. Destarte, o auditório seria oconjunto daqueles que o orador quer influenciar (idade, profissão, fortuna,elementos psicológicos e sociológicos, a natureza social, bem como a cultura dos

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ouvintes no auditório); logos: razão; a argumentação propriamente dita; o oradortem a obrigação de adaptar-se ao auditório (adaptação do discurso ao auditório).

A retórica é uma arte (techne, em grego) que se dedica ao domínio dodiscurso em todos os seus níveis, tendo em vista obter-se uma maximização dosseus efeitos sobre o público. Logo, ela foi dividida já na Grécia antiga em trêsmodalidades ou gêneros, conforme o seu objeto, público e fim: 1) retórica judicial(genus iudiciale, na terminologia latina); 2) retórica deliberativa ou política (genusdeliberativum); e 3) retórica epidíctica ou demonstrativa (genus demonstrativumno qual elogia-se ou censura-se uma pessoa). A primeira modalidade tem o seulocal privilegiado no tribunal; a segunda, na ágora, a praça pública; a terceira emfestas ou enterros. Assim, o tempo verbal da primeira é predominantemente opassado (julgam-se ações passadas); o da segunda é o futuro (delibera-se na ágorasobre ações futuras que deverão ser compreendidas) e o da terceira, o presente (oprincípio da epidêixis é descritivo e visa a apresentação da pessoa elogiada oucensurada).

A retórica divide a preparação e apresentação de um discurso em cincofases: 1) invenção (conhecida pelo termo latino inventio); 2) disposição (em gregotaxis, em latim dispositio); 3) elocução (léxis, elocutio); 4) memória (ar memoriae);e 5) ação (hypocrisis, pronunciatio).

4. ETHOS: HABITUS, TOM, CARÁTER E CORPORALIDADE

O ethos parece indissociável de uma “arte de viver”, de uma “maneira globalde agir”. Assim sendo, Maingueneau (1995) acrescenta àquilo que um sociólogocomo P. Bourdieu chama de habitus:

Os condicionamentos associados a uma classe particular decondições de existência produzem habitus, sistemas de disposiçõesduráveis e transponíveis (...), princípios geradores e organizadoresde práticas e de representações que podem ser objetivamenteadaptados à sua meta sem supor o desígnio consciente de fins e odomínio proposital das operações necessárias para atingi-lo. (p.147).

Com isso, habitus surge então como um conceito capaz de conciliar aoposição aparente entre realidade exterior e as realidades individuais e capaz deexpressar o diálogo, a troca constante e recíproca entre o mundo objetivo dasindividualidades. Neste caso, habitus é então concebido como um sistema deesquemas individuais, socialmente constituído de disposições estruturadas (nosocial) e estruturantes (nas mentes), adquirido nas e pelas experiências práticas(em conciliações sociais específicas de existência), constantemente orientado parafunções do agir cotidiano.

Segundo Bourdieu (1992), pensar a relação entre indivíduo e sociedade combase na categoria habitus implica ratificar que o individual, o pessoal e o subjetivosão simultaneamente sociais e coletivamente orquestrados. Ademais, o habitus éuma subjetividade socializada. Dessa forma, deve ser visto como um conjunto deesquemas de percepção, apropriação e ação que é experimentado e posto emprática, tendo em vista que as conjnturas de um campo o estimulam.

Neste sentido, Bourdieu (1992) salienta que a relação de interdependênciaentre o conceito de habitus e campo é condição para seu pleno entendimento, istoé, a teoria praxiológica, ao fugir dos determinismos das práticas, pressupõe umarelação dialética entre sujeito e sociedade, uma relação de mão dupla entre

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habitus individual e a estrutura de um campo, socialmente determinado. Segundoesse ponto de vista, as ações, comportamentos, escolhas ou aspirações individuais,não derivam de cálculos ou planejamentos, são antes produtos da relação entre umhabitus e as pressões e estímulos de uma conjuntura.

O termo ethos ganha maior reformulação conceitual com Maingueneau. Parao autor, o ethos está adstrito ao tom (a voz que sustenta o que é dito) que oenunciador dá do seu discurso ao enunciatário e por meio do qual revela o carátere a corporalidade do seu dizer.

Ao ressaltar que, embora o texto esteja sempre relacionado a alguém, a umaorigem enunciativa, a uma voz que atesta o que é dito, Maingueneau (1985, p. 139)pondera que se deve levar em conta que:

O ethos de uma obra não implica que se volte aos pressupostos daretórica antiga, que se considere o escrito como o vestígio, o pálidoreflexo de uma oralidade primeira. Trata-se antes de levar emconsideração a maneira como a cenografia gere sua vocalidade, suarelação inelutável com a voz.

De acordo com o autor, o ethos não encerra somente na vocalidade, mas estáintimamente relacionado a um caráter e a uma corporalidade. Na concepção deMaingueneau (1997, p. 47):

O “caráter” corresponde a este conjunto de traços “psicológicos” queo leitor-ouvinte atribui espontaneamente à figura do enunciador, emfunção de seu modo de dizer [...]. Deve-se dizer o mesmo a propósitoda “corporalidade”, que remete a uma representação do corpo doenunciador da formação discursiva. Corpo que não é oferecido aoolhar, que não é uma presença plena, mas uma espécie de fantasmainduzido pelo destinatário como correlato de sua leitura.

Na verdade, se o “caráter” corresponde a um conjunto de traços“psicológicos” do enunciador, a “corporalidade” está relacionada a “umacompleição corporal, mas também, a uma maneira de se vestir e de se movimentarno espaço social” (MAINGUENEAU, 2001, p.98-99).

5. ETHOS, DISCURSO E CENOGRAFIA

Ao enunciar, o locutor dá uma representação de sua pessoa, ou seja, ofereceuma imagem de si mesmo através da competência linguística, do conhecimento demundo e da própria apresentação pessoal. No campo da retórica, cada vez mais,fica patente a relevância da adesão do auditório/alocutário que deve tornar-se oobjetivo maior do orador/locutor. Nos estudos da Pragmática moderna, em relaçãoà análise de discursos, as teorias de diversos campos se entrecruzam parapesquisar a arte de persuadir e convencer.

Segundo Amossy (1999), Ducrot foi o teórico moderno a usar pela primeiravez, o termo ethos integrado à ciência da linguagem, no momento em que expressaa teoria polifônica do discurso na pragmática semântica. Ao estabelecer adiferença entre locutor (L) e enunciador (E) como fonte das posições assumidas no

discurso, e dividindo o L - ele-mesmo - com o locutor-pessoa-no-mundo -significando o “eu” como sujeito da enunciação e “eu” como sujeito do enunciadorespectivamente, permite, não apenas ver o que o locutor diz de si mesmo, mastambém a aparência que a palavra lhe confere.

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O ethos representa o estilo que o orador deve usar para captar a atenção eganhar a confiança de seu auditório, tudo o que fizer para ter a simpatia de seuauditório. O ethos apela para a imaginação do interlocutor. Além disso, Aristótelesdefinia o bom senso, a virtude e a honestidade como sendo elementos facilitadoresde confiança no orador.

Na Retórica (I, 1356a 13) Aristóteles afirma: “o ethos constitui-se na maisimportante das provas”. Em outra passagem (Retórica III, 1408a 31) diz: “umrústico não saberia dizer nem as mesmas coisas nem de um modo idêntico a umhomem culto”. Para Aristóteles, os temas e o estilo escolhido deveriam serapropriados ao ethos do orador, ou dizendo em termos da sociologia interacionista,a seu tipo social. Assim é que se pode perceber o sentido do termo ethos, emAristóteles, ligado a dois campos: um no sentido moral, ligado às atitudes e àsvirtudes, como honestidade, sabedoria; outro com sentido neutro entendido comoconjunto de termos como hábitos e costumes.

Cabe assinalar, entretanto, que o lugar que engendra o ethos é o discurso, ologos do orador, pois ele se mostra através das escolhas de linguagem que faz. Defato, todo modo de se exprimir é resultado de uma escolha entre diversaspossibilidades linguísticas e estilísticas. Diante disto, é necessário que acredibilidade do orador seja de fato o seu discurso. Porém, observa-se que asescolhas efetuadas pelo orador concernem, sobretudo, ao modo de se exprimir,pois o plano de expressão inclui o elocutio e o actio. Assim, esta é a forma como eletraduz os termos fundamentais de Aristóteles das três razões que inspiramconfiança: ter um ar ponderado (phrónesis); apresentar-se como um homemsimples e singelo (aretê) e dar uma imagem agradável de si mesmo (eunóia). Porfim, esta análise se fundamenta na passagem de Retórica II, (1378 a 6).

Os oradores inspiram confiança por três razões, que são, com efeito, asrazões que determinam nossa convicção para além das demonstrações (apódeixis):a) a prudência, a sabedoria prática (phronésis), b) a virtude (aretê) e c) oaltruísmo, simpatia (desejar o bem de outro, eúnoia). Os oradores erram por nãopreencher algumas dessas razões ou uma entre elas: ou sem a prudência, pois suaopinião não está correta; ou, pensando corretamente, não dizem, - por maldade – oque pensam; ou prudentes e honestos (epieikés), eles não são altruístas.

No pensamento aristotélico, as virtudes positivas da dianoética e da éticasão relevantes porque o verdadeiro e o justo são por natureza mais forte que seuscontrários. Isto pode ser entendido como: aconselhar ou falar sobre o verdadeiro ejusto inspira mais facilmente a confiança do auditório/alocutário e, quando oorador/locutor atinge esse patamar, estará usando integridade discursiva eretórica. Mas não se pode realizar o ethos moral sem realizar, ao mesmo tempo, ochamado ethos neutro, objetivo e estratégico, e essas duas faces se constituem nosdois elementos essenciais do mesmo procedimento: convencer pelo discurso, sendoo ethos constituído no e pelo discurso, pelo logos, portanto, também portador depersuasão.

O ponto essencial é que o ethos está ligado à enunciação quando o discursotorna o orador digno de fé, pois as pessoas honestas inspiram confiança, mas estaconfiança deve ser efeito de um discurso e não de uma previsão do caráter doorador. Maingueneau (1999, p. 77) marca essa característica essencial:

São os traços do ethos que o orador deve mostrar ao auditório(pouco importa sua sinceridade) para causar uma boa impressão. O

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orador enuncia uma informação e, ao mesmo tempo, diz: “eu souisso, eu não sou aquilo”.

Nota-se, pois, que o ethos está ligado ao orador/locutor, enquanto fonte daenunciação é o exterior que o caracteriza. O alocutário atribui a esse locutor,inscrito no mundo, traços extradiscursivos que são realidades intradiscursivas umavez que associadas a um modo de dizer, a um estilo, a uma escolha de palavras. Poresta forma, são extradiscursivos porque intervêm em sua elaboração dadosexteriores como o tom de voz, a mímica, o modo de vestir, na exposição oral; ou oestilo, o gênero, a modalidade discursiva e a ideologia, no discurso escrito. Nessesentido, deve-se levar em conta também, que nem sempre o ethos visado é o ethosproduzido. Às vezes, o locutor apresenta uma imagem de pessoa séria, pensandoestar falando com profundidade e o que consegue é uma imagem cansativa e poucosimpática; outras vezes, um orador desejando ser simpático e descontraído podepassar uma imagem de demagogo e pouco responsável.

Por esta razão, ainda é importante lembrar que não se pode, namodernidade, falar em ethos no mesmo sentido tradicional, mas o que interessa éver como aqueles conceitos podem, hoje em dia, colaborar com os estudos dasdiversas ciências que tratam da linguagem e da comunicação. Assim é queMaingueneau (1999, p. 79-82) considera válidas as seguintes ideias para trabalharcom ethos:

1º) ethos é uma noção discursiva, que se constrói através dodiscurso, não se trata de uma imagem exterior à palavra; 2º) ethosestá funcionalmente ligado a um processo interativo de influênciasmútuas entre orador/locutor e auditório/alocutário; 3º) é uma noçãosócio-discursiva, um comportamento social avalizado que não podeser apreendido fora de uma situação de comunicação precisa, trata-se de uma noção integrada a uma conjuntura sócio-históricadeterminada.

No que diz respeito ao ethos e à cenografia, notificamos que nesse últimosentido, o ethos está ligado a uma cena enunciativa, na qual o destinatário estáconvocado, inscrito. Ademais, um enunciador está inscrito em um quadrointerativo, em uma instituição discursiva em que existem configurações culturais,papéis a serem desempenhados, lugares e momentos legítimos, que servem desuporte material e de modo de circulação dos enunciados. Maingueneau (2002) dizque, na perspectiva da análise do discurso, é necessário ver o ethos como umaparte da cena de enunciação, do mesmo modo como se vê o vocabulário ou osmodos de difusão que dão existência ao enunciado. Enfim, esta cena deenunciação, o discurso a pressupõe para que possa ser enunciada e em troca, vaivalidá-la, pois a cena institui a situação que torna o discurso pertinente. O autorratifica:

A cenografia não é simplesmente um quadro, um cenário, como se odiscurso aparecesse inesperadamente no interior de um espaço jáconstruído e independente dele: é a enunciação que, ao sedesenvolver, esforça-se para constituir progressivamente seu própriodispositivo de fala. [...] Desse modo, a cenografia é, ao mesmo tempo,a fonte do discurso e aquilo que ela engendra. (p. 87).

Por conseguinte, ele apresenta, então, as cenas: a primeira seria a cenaenglobante que tem seu estatuto pragmático no discurso, integrada a um tipo dediscurso, como o publicitário, filosófico, autoajuda; a cena genérica que está ligada

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a um gênero ou sub-gênero de discurso como o editorial, o sermão. A cenografia,no entanto, não se constrói imposta por um gênero, mas é construída no texto:trata-se da cena apropriada para um determinado discurso, para validá-lo, torná-lopertinente.

A cenografia torna-se um procedimento, um dispositivo que permitearticular o discurso com sua origem e percurso, como por exemplo, a vida doorador/locutor, a sociedade em que ele se inscreve. Há, portanto, uma duplaarticulação: o discurso considerado como enunciação de um lado; e a imagem doorador/locutor, o lugar de que ele fala, o momento histórico, de outro.

Dessa forma, Maingueneau emprega cenografia com um duplo valor: 1º - adimensão teatral da cena, a “grafia” o modo como o discurso se inscreve e selegitima em seu modo de existir; 2º - o desenvolvimento da enunciação como ainstauração progressiva de seu próprio dispositivo de palavra em que a “grafia”deve ser apreendida como quadro e como processo. Portanto, um ouvinte/leitorconstrói a cenografia de um discurso com a ajuda de diversos índices, entre eles, oreconhecimento do gênero do discurso, os registros e níveis de linguagem e aideologia.

Importa destacar, para a nossa avaliação, que cenografia e ethos implicamum processo conjunto: desde a emergência, a palavra traz um ethos que é validadoprogressivamente, pois ele depende de diversos fatores, desde o pré-discursivo, odiscursivo, o mostrado e o dito diretamente ou indiretamente, tornando-se muitasvezes, impossível descrever as fronteiras entre o dito, o sugerido, o mostrado e ointuído, e as interações ocorridas no processo de comunicação.

Maingueneau (1999) chama de “incorporação”, o modo como o interlocutorna posição de intérprete – ouvinte ou leitor – se apropria do ethos, pois aenunciação confere uma corporalidade à argumentação, lhe dá um corpus que odestinatário incorpora, ao assimilar um conjunto de esquemas que corresponde aum modo específico de se referir ao mundo em relação a esse corpus; e por fim, asduas primeiras incorporações permitem a constituição de um corpus, constituindo-se uma unidade imaginária daqueles que aderem ao mesmo discurso.

Do mesmo modo, essa última posição de incorporação revela uma identidadeque será reconhecida não apenas pela doutrina ou pelas ideias, mas também poruma maneira de dizer, que retrata uma maneira de ser, mobilizando oauditório/alocutário na direção de um determinado sentido. Enfim, o poder depersuasão de um discurso será maior se investido de valores historicamenteespecificados pelo auditório/alocutário e o ethos é a parte que garante, através dapalavra, a identificação com esses valores: é através do enunciado que se legitimaa força da persuasão, não visto como uma forma ou um conteúdo, mas como umacontecimento inscrito em configurações sócio-históricas e deve-se associar aorganização do conteúdo e da forma à cena que vai legitimar essa enunciação.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os comentários apresentados neste trabalho, longe de querer esgotar aspossibilidades de leitura do Ethos, pretendeu, analisando o ethos que emerge naenunciação do discurso, retomar em Maingueneau a afirmação de que cadadiscurso estabelece seu tom por meio de uma voz que repousa na figura do oradore de seu ethos. Ao leitor, compete buscar, na materialidade da linguagem e nocontexto, os sentidos possíveis pela identificação precisa das estratégias

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persuasivas. Cabe, portanto, ao leitor saber que a ideia de uma linguagemidealmente transparente às coisas não é verdadeira nem mesmo para o discursomais comum, uma vez que a enunciação deixa sempre seu vestígio no enunciado eque a linguagem só pode designar designando-se.

Na sequência, discutimos, com apoio dos autores citados, que os meios decompetência da razão fundamentam-se no argumento, nem sempre lógicos, pois osmeios que dizem respeito à afetividade centram-se em dois pólos distintos ecomplementares: de um lado o ethos, o caráter que o orador assume e demonstrapara chamar a atenção e angariar a confiança do auditório; de outro, o pathos, astendências, os desejos, as emoções do auditório das quais o orador procura tirarpartido.

Por sua vez, como vimos, esse recorte da teoria deixa patente que, no quediz repeito ao ethos, são vários os fatores que contribuem para que o leitorapreenda suas diversas nuances como a credibilidade conquistada por um autoratravés da inteligência, do bom caráter e do respeito ao público, pois o ethos não édito, é mostrado.

REFERÊNCIAS

AMOSSY, Ruth (org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos.Tradução Dílson Ferreira da Cruz; Fabiana Komesu; Sírio Possenti. São Paulo:Contexto, p. 69-92, 1999.ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro, Tecnoprint, (Ed. A.Pinto de Carvalho), 1989.______. Retórica. Lisboa, INCM, I, II, III (Ed. M. A. Junior, P. F. Alberto, A. N. Pena),1998. MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo:Cortez. p. 95-103, 2001, 2002. ______. O contexto da obra literária. São Paulo: Martins Fontes. p. 137-154,1995. ______. Ethos, cenografia, incorporação. In AMOSSY, Ruth (org.). Imagens de Sino Discurso – A Construção do Ethos. São Paulo: Contexto, 2005.______. L’Ethos e pragmatique. In: Ruth Amossy (Org.). Images de soi dans lediscourse: La contruction de l’ethos. Lausanne, Fr.: Delachaux et Niestlé, 1999.______. Novas tendências em análise do discurso. 3ª ed. Campinas: Pontes. p.45-52, 1997. BOURDIEU, Pierre avec Löic Wacquant. Ce que parler veut dire. In: L’économiedes échanges linguistiques. Paris: Fayard, 1992.______. Réponses. Paris: Seuil, 1992.

Enviado para publicação: 16/05/2013Aceito para publicação: 13/06/2013

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13. MARCAS DE ORALIDADE NO CORDEL O PECADOR OBSTINADO AOS PÉS DA COMPADECIDA,

DE KLÉVISSON VIANA

OVERVIEW OF ETHOS AND SPEECH ENUNCIATION

Carlos Jorge Dantas de Oliveira0

Resumo. A Literatura de Cordel nordestina surgiu como fenômeno literário a partir daCantoria de viola ou Repente. Por ser uma manifestação poética oral improvisada, acantoria legou ao cordel formas estilísticas típicas, notadamente construções sintáticas,vocabulário e expressões populares pertencentes ao universo da oralidade. Mesmo umpoeta contemporâneo, escolarizado, como Klévisson Viana, em seu processo de criação, elecontinua a utilizar essas marcas orais de forma consciente e intencional. Nesse artigo,analisaremos o cordel O pecador obstinado aos pés da compadecida, procurando mostraralgumas dessas marcas, com o objetivo de mostrar a sua importância dentro do discursocordelístico que lhe confere fisionomia própria, particular, em oposição ao discurso daliteratura oficial dominante.

Palavras chaves: Cordel – Oralidade – Cantoria – Literatura

Abstrat. The Cordel Literature Northeastern emerged as literary phenomenon from thesing or violates Suddenly. To be a manifestation improvised oral poetry, the singingbequeathed the string typical stylistic forms, notably syntactic constructions, vocabularyand expressions pertaining to the world of popular orality. Even a contemporary poet,schooled as Klévisson Viana, in his creative process, he continues to use such trademarksoral consciously and intentionally. In this paper, we analyze the line “The obstinate sinnerat the foot of compassionate”, trying to show some of these brands, in order to show itsimportance within the discourse cordelístico which gives physiognomy, particularly inopposition to the dominant discourse of the official literature.

Keywords: Cordel – Orality – Sing – Literature

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Possui graduação em Licenciatura plena em letras pela Universidade Estadual do Ceará (2002), mestrado emDiploma de Estudos Avançados (Mestrado) pela Universidade de Santiago de Compostela (2006) e doutorado emTeoria da literatura e literatura comparada pela Universidade de Santiago de Compostela (2012). Atualmente éprofessor de Literatura Brasileira e de Língua Portuguesa da FGF (Faculdade Integrada da Grande Fortaleza) e daFaculdade Ateneu. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando principalmentenos seguintes temas: literatura de cordel, poesia, origem, cordel e pliegos sueltos.Lattes:http://lattes.cnpq.br/3218814902016162Contato:

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1. INTRODUÇÃO

Historicamente, as investigações literárias sempre foram marcadas pelapredominância do registro escrito sobre o registro oral. Ou seja, somente as obrasescritas de acordo com a norma-culta e os paradigmas literários dominantes é queobtinham capital simbólico (para usar uma expressão de Bourdieu) suficiente paraintegrarem o cânon oficial, com todas as implicações que isso representa. Assimsendo, ficaram no ostracismo uma grande quantidade de textos orais, como aslendas, os mitos, as anedotas, os contos maravilhosos etc., assim como os outrosgêneros escritos que por não obedecerem às normas das “belas letras”, tambémforam excluídos, como os Romances Policiais, os “Quadrinhos” e a Literatura deCordel, objeto desta análise.

O mais curioso e paradoxal de tudo isso é que, à hora de buscar as origensda literatura culta, os historiadores não tiveram a menor vergonha em beber nafonte oral das Cantigas medievais de Amor, de Amigo, de Escárnio e Maldizer que,como está devidamente comprovado, eram gêneros absolutamente orais. Isso sedeu porque essas cantigas, já por ocasião de sua produção e divulgação, foramtranscritas manualmente (não se sabe com que alterações e retoques) ecolecionadas nos chamados Cancioneiros, como o da Vaticana, o da BibliotecaNacional e o da Ajuda, todos copiados entre os séculos XIII e XVI. Assim, algumaspergunta pairam no ar: por que a nossa literatura oral não recebeu o mesmotratamento dado às cantigas? Por que a nossa historiografia literária oficial não sevaleu do mesmo fundamento epistemológico? Em que Martin Codax e Pero Meongose diferenciam de Patativa do Assaré e Leandro Gomes de Barros? Somente o velhopensamento eurocentrista explica essa mentalidade elitista e retrógrada queconsidera apenas como bom, útil e lícito o que vem da Europa, ficando tudo o maisque for produzido e criado aqui como deturpado, tosco e feio, portanto indigno deser considerado fundador de nossa literatura local.

2. O CORDEL E SUA ORALIDADE CARACTERÍSTICA

Uma das características mais marcantes da Literatura de Cordel é a suaambiguidade, isto é, em sua composição textual subjazem marcas de oralidadeclaramente identificáveis. A razão disto reside no fato de que os poetas semi-alfabetizados, ou mesmo os já plenamente alfabetizados, são os herdeiros de umatradição poética sedimentada social e historicamente de acordo com odesenvolvimento do cordel enquanto gênero textual popular que se originou dapoesia oral improvisada dos cantadores e repentistas.

Este artigo visa encontrar as marcas dessa oralidade num Cordelcontemporâneo, intitulado O Pecador Obstinado aos Pés da compadecida0 -adaptado da tradição popular medieval, publicado em 2003, de autoria do poeta egravurista cearense Klévisson Viana. O objetivo é mostrar que, mesmo tratando-sede um poeta devidamente escolarizado, pode-se encontrar uma espécie deoralidade subjacente ao seu texto, indicando a origem popular desse gênero.

A fala e a escrita são modos diferentes de expressão humanas. Não cabedúvida alguma assinalar a maior antiguidade da primeira em relação à segunda; deque mesmo após o surgimento da segunda, a primeira continua a existir de

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O cordel será transcrito em sua totalidade.

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maneira irrefutável e imprescindível nos nossos dias, mesmo que a segunda gozede um maior status perante os valores da nossa sociedade, marcadamente de livrose documentos, onde a escrita exerce um papel fundamental na conservação detoda a produção científica, artística, política e, inclusive, social.

Essa maior importância da escrita em detrimento da fala gera distorçõesmuito fortes na maneira como as pessoas comuns e, inclusive os intelectuais,valoram a produção oral artística. Ou seja, devido ao caráter fugidio e imediatistada oralidade, ela é tomada como coisa simples e fácil, portanto, deficitária emrelação às formas mais elaboradas de literatura culta. Segundo Gillian Brown eGeorge Yule, em seu livro Análise del discurso (1993), o grau de complexidadeinerente à fala e, por extensão, à criação improvisada oral, resulta do fato de queum falante controla sistemas comunicativos diferentes dos que controla umescritor, já que o primeiro tem que controlar o que acaba de dizer e determinar seconcorda com as intenções de seu interlocutor, ao mesmo tempo que produz a suaexpressão enunciativa.

No entanto, todos sabemos que um escritor tem a sua disposição o tempoque quiser para escrever e reescrever o seu texto, não está sob nenhum tipo depressão psicológica; ao contrário, pode estar comodamente criando seu textodiante de uma máquina de escrever, ou de um computador ou até mesmoescrevendo manualmente.

Todavia, a escrita, de forma alguma, conseguiria expressar os tons de voz eas expressões faciais de forma direta e inerente ao próprio texto. Não se trata aquide dizer que o registro textual é inferior ao registro falado, mas apenas o desalientar suas diferenças, sem valorar absolutamente nada. Até porque cadaregistro tem funções muito diferentes em cada sociedade.

Passaremos agora a verificar de forma prática algumas marcas de oralidadeinscritas numa produção escrita, tomando como parâmetros as categorias deanálise propostas por Claire Blanche-Benveniste, explicitadas em seu livroEstudios lingüísticos sobre la relación entre oralidad y escritura.

Começaremos nossa análise por verificar que quase em sua total maioria, asorações de tipo coordenadas são largamente utilizadas pelos poetas. A razão dissoreside em que esse tipo de oração pressupõe uma relação muito mais explícita edireta entre as ideias. A autora ressalta que “para los fines de la descripcióninteresa separar dos fenómenos: por una parte, el fenómeno de lista paradigmáticaque engloba las diversas instancias del complemento; por la otra, el fenómeno del“conector”, que implica una operación sobre los elementos de esa lista”(BENVENISTE, 1998, p. 111).

Essas listas de que fala a autora podem ser entendidas, no caso do cordel,como a sequência de versos de uma estrofe. Nelas podemos encontrar oraçõessimples; orações coordenadas, principalmente aditivas que, às vezes, vêm ligadaspor conectivos do tipo aditivo, outras vezes, não. Vejamos um exemplo:

Fui buscar na tradiçãoEsse relato profundo(Creio, na Idade MédiaSer este conto oriundo);Adaptei-o em sextilhas,Nosso estilo mais fecundo.

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Como podemos ver, as três orações conformando cada uma dois versos nãoestão entre si conectadas, é o próprio leitor que deverá fazer as devidas ligaçõesde sentido entre elas. Já a seguinte estrofe apresenta uma das poucas construçõesoracionais construídas com subordinação em que o poema utiliza pronomesrelativos do tipo “que” ou “por quem”.

Existiu, no Velho Mundo,Pecador obstinado:Matou o padre e o padrinhoPara provar que era malvado(Não poupou sequer a vidaDo pai por quem foi gerado)

Tinha Deus por intrigadoE o crime, por amigo;Matou sua própria mãeA serviço do inimigo…As mãos, lavadas de sangue,Trazia sempre consigo.

Dizia sempre: - Não ligoPara o arrependimento;De nada tenho remorso,Não creio no Sacramento!Eu sou a própria chacinaQue deixa um rastro sangrento!

Era, este mau elemento,Para Natureza um insulto;Em toda a sua existência,Causou tristeza e tumultoMas, quando estava morrendo,À frente desceu-lhe um vulto.

Agora observemos nesta próxima estrofe outras marcas próprias daoralidade: a primeira diz respeito a concordância verbal, pois no quarto verso, emconformidade com a variante linguística popular atual, a segunda pessoa dosingular é conjugada exatamente igual a da terceira pessoa; e, a segunda marca,relaciona-se com a utilização de uma expressão tipicamente oriunda do povo:“Deixa estar”, significando “não se preocupe”.

Falando assim, o tal vultoDisse a ele: - Estou sabendoDe toda a sua históriaE como vinha vivendo…Esqueça-se do passado,Deixa estar qu’eu te defendo!

Grande vertigem sofrendo,

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Logo, então, desencarnou!O demônio do seu lado,Ativo se conservou;Mas surge o Anjo da GuardaQue vindo do Céu, chegou.

Nesta outra, podemos observar dois verbos com mudança semântica: noquarto verso, o verbo “tirar” vem utilizado com o significado de “ganhar”, umaacepção também muito comum entre os falantes em uma situação informal deconversação, inclusive por pessoas de extratos sociais elevados; e no sexto,“querer” com o sentido de “precisar”.

Ao anjo, o cão perguntou:O amigo vem a negócio?Este homem, que morreu,Eu já tirei num consórcio;Esta alma me pertenceE nela não quero sócio!

Cala-te, infeliz beócio!Lhe disse o Anjo da Guarda;A alma não foi ao juizPara poder ser julgada:Pois ela só será suaDepois da sentença dada!

E, lá na Mansão Sagrada,A alma se ajoelhouAos pés do Santo juizE o seu perdão implorou:Devido aos graves pecados,O Deus-Pai não se abalou.

Nesta seguinte estrofe, podemos observar uma falta de coerência nautilização dos pronomes oblíquos “te” e “lhe”, causados, provavelmente, pelainfluência da conjugação verbal própria da variante popular, antes comentada, quegera confusões e inseguranças na hora de muitos poetas utilizarem essespronomes de forma adequada e uniforme.

Mas Emanuel falou:Antes que eu te confesse,Publica, por tua boca,Que benefício fizessePara q’Eu possa pesarQual sentença lhe apetece!

Ordenou o Pai: - comece!Disse a alma: - O meu passadoÉ insano, Senhor Deus;

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Sempre O vi como intrigadoPois tanto o pai quanto a mãeFoi por mim assassinado!

Foste escrava do pecadoPor ser tão obstinada,Por minha justa sentençaTe digo: estás condenada!Para ti, não há espaço,Aqui na Santa Morada!

A alma, desesperada,No receber da sentença,Caiu prostrada no chãoAos pés da Santa Presença.Disse o Cão, com seus botões:Oh, felicidade imensa!

Aqui verificamos a utilização do verbo “fritar” fora de seu campo semânticohabitual, utilizado no sentido “estar perdido”, “sem esperança alguma”. Essatambém é uma utilização bastante utilizada por quase todas as classes sociaisbrasileiras, quando em estado de informalidade.

Arrependida da ofensa,No terror da agoniaA alma, se vendo frita,Caiu aos pés de Maria, Ainda na esperançaQue a Virgem a socorreria.

Maria, oh, Virgem Maria!Oh, Mãe do Filho de Deus,Me cubra com o seu manto!Imploro os socorros seusRecorra junto ao altíssimo,Releve os pecados meus!

Tu queres perdão de Deus?Pois, alma, fica-te ai,Que vou falar com Jesus…Digo o que te prometi:Eu penso q’Ele me atende,Sabendo que sou por ti!

O Cão parou de sorrirPois viu, da Virgem, a partida;Disse a outro companheiro:Lá vai a Compadecida…Mulher em tudo se mete,

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Quer ganhar questão vencida!

Neste caso o poeta utilizou a palavra “precisão” com sentido de“necessidade”, não apenas por questões de rima, mas principalmente porque estapalavra faz parte do vocabulário popular do campo, sendo muito pouco utilizadapelas pessoas moradoras de centros urbanos.

Disse a Virgem Concebida:Jesus, tenho precisão,Por isso que vim a Ti!Recorra esta decisão;Lançai sobre o infeliz,Tenha dele compaixão…

Mas meu Pai já a deu ao Cão,Não a posso mais tomar;Uma alma sentenciadaNão pode mais se salvar!E a palavra de Deus-PaiNão se pode revogar.

Jesus foi ao Pai falar.Do trono de EmanuelVoltou, e disse: - Mamãe,Meu Pai é justo e fiel!Para ver que jeito dá-se,Mandou chamar São Miguel!

Veio o Arcanjo MiguelE disse: - Pronto, Senhor!Jesus disse: - Miguel, váDefender um pecador,Para ver se pode aterrarA razão do traidor.

Disse assim o impostor:Miguel escute a verdade;Esta alma praticouTudo que é perversidade!Tu vens cheio de razão,Não sabe da missa a metade!

São Miguel disse: - É verdade!Tu só vives de atentar;Mas a culpa é toda tua,Pois fez o homem pecar…Jesus disse à Imaculada:Maria pode salvar!

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Ficou a alma a louvarO Santo nome de Maria…Dizia: - Bendita seja,Seja nossa Luz e Guia,Amparo dos desgraçadosFonte de paz e harmonia!

De ódio, o diabo gania,Pois seu plano foi baldado:Lançava fogo das fuças,Gemia, desesperado;Tocava os dentes no couro, Como um cão qu’está danado!

3. CONCLUSÃO

De tudo o que foi exposto, podemos concluir que mesmo um poeta comoKlévisson Viana, tendo uma escolaridade adequada, vivendo num centro urbanocomo Fortaleza, a capital do estado nordestino do Ceará, ao escrever esse cordel,utiliza formas e categorias gramaticais próprias de um gênero que surgiu e sedesenvolveu no âmbito da oralidade. Acrescentamos o fato de que o autor aquiestudado, nasceu na cidade de Quixeramobim, interior do Ceará, uma região ondeainda persiste uma cultura popular bastante forte que, com certeza, o poetavivenciou desde a sua mais tenra infância. Somamos também o fato de que, é nointerior onde se encontra mais fortemente marcada a utilização de uma normalinguística diferente da norma padrão oficial.

Devemos salientar ainda que, é claro que o poeta tem consciência de tudoisso. Ele intencionalmente deixou-se levar pela memória de tudo o que escutou eaprendeu durante a sua infância. Em toda a sua formação no sertão cearense,Klévisson ouviu várias cantorias, assim como, leu dezenas de folhetos. Essa suaatitude estética, visa ao cumprimento de toda uma tradição poética com fortesraízes na oralidade, mas que, em nenhum momento pode ser consideradafolclórica. Ela é, sim, literatura em sua plena acepção. E literatura da boa!

Entretanto, é claro, nem todos os poetas populares têm uma formaçãoeducativa adequada. Aliás, devemos afirmar que casos como o de Klévisson sãouma exceção, e não uma regra. Normalmente, os cordelistas são pessoas oriundasdo interior das diversas províncias nordestinas, onde o nível educacional ébastante deficitário. O que, sem dúvida alguma, favoreceu ao Klévisson, foi o fatode ter emigrado para Fortaleza e ter tido a oportunidade de estreitar contatos comdiversas manifestações artísticas, podendo, assim, absorver novos e variadosconhecimentos.

Finalizando, esperamos com esse nosso trabalho mostrar que, ao contráriodo que muitos pensam, a Literatura de Cordel é um gênero extremamente rico emexpressões linguísticas e, porque não dizer, estilísticas, já que se trata de um estilopopular que se diferencia substancialmente de outros estilos canonizados pelatradição literária atual. Queremos ainda salientar que o aparente “erro” gramaticalou má utilização da língua, frequentemente caracteriza o Cordel, é o elemento quelhe confere cor própria, estatuto particular; uma vez que obedece a normaslinguísticas próprias, diretamente ligadas a uma tradição literária legada por

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gerações e gerações de poetas anônimos no decorrer de anos de evolução literáriano âmbito de uma oralidade repleta de riquezas ainda por serem devidamenteestudas e valorizadas.

REFERÊNCIAS

BLANCHE-BENVENISTE, Claire. Estudios lingüísticos sobre la relación entreoralidad y escritura. Madrid: Gedisa, 1983.BROWN, Gillian e YULE, George. Discourse Analysis, Cambridge, CambridgeUniversity Press. Trad. esp.: Análisis del discurso, Madrid, Visor, 1993.VIANA, Klévisson. O pecador obstinado aos pés da compadecida. Fortaleza:Tupynanquim Editora, 2003.

Enviado para publicação: 01/08/2013Aceito para publicação: 20/08/2013

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no máximo cinco palavras-chave. O mesmo vale para Abstract eKeywords, que devem ser totalmente fiéis ao resumo e às palavras-chave. Esses descritores (palavras-chave/keywords) devem refletir damelhor maneira possível o conteúdo abordado no artigo, de forma afacilitar a pesquisa temática dos leitores.

Notas de rodapé: no final da página, numeradas em algarismosarábicos, devem ser sucintas e usadas somente quando estritamentenecessário.

Referências bibliográficas: devem, obrigatoriamente, seguir asnormas da ABNT, com tamanho de fonte 12, entrelinhamento simples,sem recuo, com os nomes das obras em negrito. A exatidão dasreferências é de responsabilidade dos autores. Lembramos que devemser arroladas apenas as obras que efetivamente sofreram referência noartigo.

Exemplos:

SOBRENOME, Nome. Título: subtítulo. Edição (a partir da 2ª). Cidade daeditora: Nome da editora, ano.

SOBRENOME, Nome. Título do capítulo ou parte do livro. IN: Título do livroem itálico. Cidade da editora: Nome da editora, ano, p.

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico em itálico.Cidade da editora: Nome da editora, vol, fascículo, ano, p.

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Jornal ou Revista onde foi publicado,data (dia, mês, ano). Disponível em:<http://www.enderecoeletronico.com.br>. Acesso em: (dia, mês, ano).

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- 1,5 para o texto;

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- 10 para notas de rodapé.

Número de página: numere a partir da primeira página, no cantosuperior direito.

Total de páginas: mínimo de 10 e máximo de 15, incluindo referênciasbibliográficas, anexos, figuras e tabelas. Figuras e tabelas devem ser

EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 5– Nº. 8 – Out. 2013

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numeradas sequencialmente à medida que aparecerem no texto. Figurascomuns, fotografias e gráficos do Word ou Excel devemobrigatoriamente ser apresentados em .jpg com definição mínima de300 DPI.

Citações no texto: citações com mais de três linhas devem vir emdestaque no texto, com recuo de 3 cm à esquerda e de 1 cm à direita.

Nome do autor fora dos parênteses: caixa baixa.

Nome do autor dentro dos parênteses: caixa alta.

Exemplo: Segundo Fulano (2007, p. 51), “xxxxxxxxx” ou “xxxxxxxx”(FULANO, 2007, p. 51).

Importante: apenas o título do artigo deve vir em CAIXA ALTA. Osubtítulo, se houver, deve vir em caixa baixa.

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