Upload
trinhanh
View
212
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
0
BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 707
(Ano VIII)
(23/9/2016)
ISSN- -
BRASÍLIA ‐ 2016
Boletim
Conteú
doJu
rídico-ISSN
–-
5
1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
ConselhoEditorial
COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha.
Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário
Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG.
Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP.
Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: [email protected] WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR
BoletimConteudoJurıdico
Publicação
diária
Circ
ulaç
ão: A
cess
o ab
erto
e g
ratu
ito
2
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
SUMÁRIO
COLUNISTA DO DIA
23/09/2016 Kiyoshi Harada
» Inversão das fontes do Direito
ARTIGOS
23/09/2016 Isaias de Almeida Pinheiro Filho » Aspectos conceituais das terras devolutas
23/09/2016 Cassio André Aniceto de Lima
» O prazo prescricional em face à reparação ao meio ambiente
23/09/2016 Pedro Mario Gomes Nascimento
» Analise do movimento de integração de pessoa com deficiência na sociedade frente à
nova lei de inclusão desta classe no território brasileiro
23/09/2016 Francisca Pereira Dias
» Impactos dos tratados internacionais e do princípio da proporcionalidade sobre a
política nacional antidrogas
23/09/2016 Tauã Lima Verdan Rangel
» O Direito à Educação Infantil: Uma análise à luz do Entendimento Jurisprudencial do
STF
23/09/2016 Roberto Monteiro Pinho
» JT possui 18 milhões de ações travadas
MONOGRAFIA
23/09/2016 Isaías Balthazar da Silva » Métodos não adversariais de resolução de conflito como instrumentos de
transformação da cultura jurídica brasileira
5
3 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
INVERSÃO DAS FONTES DO DIREITO
KIYOSHI HARADA: Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador‐Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Sempre aprendemos que a fonte primeira do Direito é a lei, sendo que a doutrina e a jurisprudência são fontes secundárias.
Realmente, somente a lei tem o caráter de perenidade que oferece segurança jurídica aos juridicionados. A doutrina, muda, evolui e, às vezes, retrocede, assim como a jurisprudência que modifica seu entendimento acerca de determinado dispositivo legal sempre que se alterar a composição do órgão do judiciário. À vezes, chega-se a revogar até súmulas sem que haja alteração legislativa.
Quanto à alteração legislativa acompanhando a evolução doutrinária no âmbito interno e internacional neste contexto do mundo globalizado, nada temos a opor. O Direito não deve ser estático, mas acompanhar a evolução do tempo para que o ordenamento jurídico mantenha a sua legitimidade.
Mas, com a constante alteração legislativa, a pretexto de se harmonizar com o entendimento jurisprudencial, normalmente, do Superior Tribunal de Justiça, não podemos concordar. É que a jurisprudência daquele Colendo Tribunal não é estável, pelo contrário, além de instável, não raras vezes, tem contrariado o espírito e o corpo da lei.
Exemplo mais expressivo do que estamos falando é o entendimento daquela Corte sobre o local do pagamento do ISS que resulta, com solar
4
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
clareza, da simples leitura dos dispositivos da lei de regência nacional daquele imposto, conjugado com o princípio da extraterritorialidade das legislações tributárias estaduais e municipais que está expresso no art. 102 do CTN. Porém, o STJ por meio de argumentos extrajurídicos, como combate à guerra fiscal, melhor distribuição do bolo tributário entre os diversos municípios etc. enveredou-se por caminhos opostos aos traçados pela lei de regência da matéria, trazendo perplexidade e insegurança jurídica permanente aos contribuintes. Mesmo no atual regime da LC nº 116/2003 as divergências continuam em relação ao local do pagamento nas operações de leasing.
Nesses casos, não há como o legislador ceder à jurisprudência do Tribunal sob pena de apequenar a independência do Poder Legislativo. O que o legislador deve fazer nessas hipóteses é melhor explicitar o texto legal para interditar interpretações tangenciais.
Outras vezes, o legislador altera a lei depois de corretamente interpretada e pacificada no âmbito do Tribunal. Pergunta-se, para quê? Se o Judiciário, depois de anos de debates e divergências, conseguiu alcançar a conclusão que poderia ter sido alcançada mediante interpretação sistemática dos dispositivos legais, tudo estará resolvido.
Refiro-me a não incidência do IPI na revenda do produto importado. Grassou durante décadas controvérsia quanto à incidência ou não do IPI nesse caso, para finalmente pacificar, corretamente, a tese da não incidência tributária.
Ora, a interpretação conjugada dos arts. 46 e 51 do CTN conduz ao entendimento de que o fato gerador do imposto sobre produtos industrializados – IPI – ocorre alternativamente:
a) no desembaraço aduaneiro quando de procedência estrangeira;
b) na sua saída do estabelecimento industrial ou a ele equiparado;
c) na sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
5
5 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
A industrialização é elemento ínsito na composição do fato gerador do IPI. O estabelecimento aferido na letra “b” supra só pode ser aquele que promoveu a industrialização do produto dando saída em seguida. Não se trata de saída de qualquer estabelecimento. Na revenda, a menos que tenha havido nova industrialização segundo o conceito definido no parágrafo único, do art. 46 do CTN, por óbvio, não haverá a incidência do IPI por inocorrência do fato gerador respectivo. Foi o que decidiu o STJ, de conformidade com os dispositivos do CTN acertadamente interpretados.
Entretanto, a Câmara dos Deputados já aprovou o texto do PLC nº 23/2015 acrescentado o § 2º ao art. 51 do CTN, mediante convolação do atual parágrafo único em § 1º, para dispor que não incidirá o IPI na saída de produto industrializado importado se não houver nova industrialização. Soa como uma declaração acaciana. É o mesmo que afirmar que o IPI não incide sobre produto que não seja industrializado. O legislador deveria ter agido antes quando a confusão jurisprudencial tomava muito tempo dos tribunais. Agora que a matéria está pacificada com a aplicação correta dos textos do CTN não havia nenhuma necessidade dessa providência legislativa.
Contudo, quando o Legislativo adéqua a lei vigente à correta interpretação dada pela Jurisprudência é um mal menor. O pior é quando acontece ao contrário: o Judiciário muda a lei causando efeitos colaterais imprevistos e o Legislativo a encampa.
É preciso restabelecer a hierarquia das fontes do Direito em respeito ao principio da independência e harmonia em Poderes.
6
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
ASPECTOS CONCEITUAIS DAS TERRAS DEVOLUTAS
ISAIAS DE ALMEIDA PINHEIRO FILHO: Analista
Judiciário ‐ Especialidade: Direito do Tribunal de
Justiça do Estado do Pará.
RESUMO: O presente estudo objetiva abordar aspectos conceituais do
instituto das terras devolutas, considerando as construções históricas,
legais e doutrinárias para obtenção de uma definição mais consolidada e
alinhada ao que de fato representa para o ordenamento jurídico brasileiro
atual o referido instituto de terras.
Palavras‐chave: Terras devolutas. Lei de Terras. Sesmarias. Conceitos
legais. Conceitos doutrinários. Titularidade dos bens devolutos.
SUMÁRIO:1. INTRODUÇÃO. 2. DESENVOLVIMENTO. 2.1.Conceitos Legais
do instituto das Terras Devolutas.2.1.1.A Lei nº. 601/1850. 2.1.2. O
Decreto‐Lei nº. 9760/1946. 2.2. Conceitos Doutrinários. 2.3. Titularidade
dos bens devolutos nas Constituições Brasileiras. 3. CONCLUSÃO. 4.
REFERÊNCIAS.
. INTRODUÇÃO
Em muito divergem os jus‐agraristas no que diz respeito à definição de
terras devolutas. Inicialmente, cabe destacar que essas terras constituem
espécie do gênero terras públicas, integrando a categoria de bens
dominicais ou dominiais pelo fato de não terem nenhuma destinação
pública, sendo, dessa forma, bens do domínio privado do Estado e, por
conta disso, bens disponíveis conforme assevera José Edgard Pereira
(2003, p. 40).
5
7 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Todavia, o caput do artigo 188 da nossa atual Constituição Federal
parece fazer uma distinção entre terras públicas e terras devolutas ao
dispor que “A destinação de terras públicas e devolutas será
compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma
agrária” (grifos nossos).
Importante se faz esclarecer que o sentido adotado para terras
públicas no dispositivo constitucional em destaque é o sentido restrito
(terras públicas strictosensu), conforme leciona o magistrado baiano
Dirley da Cunha Junior (2006), o qual vislumbra duas espécies de terras
públicas lato sensu (gênero): as terras devolutas (bens indeterminados,
porém passíveis de determinação conforme se observará adiante) e as
terras públicas stricto sensu (bens públicos determinados, quais sejam, os
bens de uso comum do povo e os de uso especial).
Em face do caráter de disponibilidade de que se revestem as terras
devolutas, vale ressaltar que o legislador constituinte de 1988 inovou ao
trazer uma exceção a essa regra. Ao dispor no art. 225, § 5º da
Constituição Federal que “são indisponíveis as terras devolutas ou
arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à
proteção dos ecossistemas naturais”, o legislador, ao conferir a esses bens
o caráter de indisponibilidade, colocou‐os sob o mesmo regime jurídico
dos bens de uso comum do povo e de uso especial.
. DESENVOLVIMENTO
Levando‐se em consideração o sentido etimológico do vocábulo
“devoluto”, qual seja devolvido, vago, desocupado, abandonado,
podemos chegar a clássica definição do instituto como sendo aquelas
terras que, uma vez transferidas a particulares através do sistema
sesmarial ou outras concessões, após caírem em comisso, foram
8
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
devolvidas ao patrimônio da Coroa Portuguesa. Esse conceito, porém não
é o que melhor define o instituto em análise devido sua incompatibilidade
com o atual papel assumido pelas terras devolutas em nosso
ordenamento jurídico. Opondo‐se a essa incompleta definição baseada
precipuamente na origem da palavra “devoluto”, Paulo Garcia (apud
PEREIRA, 2003, p. 42) ensina que nem todas as terras do Brasil colonial
foram concedidas em sesmarias aos particulares, visto que o sistema das
capitanias abrangeu uma restrita e limitada porção do nosso território.
Destaca ainda o especialista em direito agrário o fato de que as terras que
vieram a integrar o território brasileiro após o término da vigência do
sistema das capitanias hereditárias (o território do Acre, por exemplo)
nunca poderiam ser consideradas terras devolutas, visto que, nesse caso
não há que se falar em devolução à Coroa Portuguesa.
Adotando a didática proposta por Roberto de Moreira Almeida (2003,
p. 312), passaremos à análise conceitual do instituto considerando
primeiramente os conceitos legais e posteriormente os conceitos
sugeridos pelos doutrinadores.
. . Conceitos Legais do instituto das Terras Devolutas
Dois instrumentos legais trouxeram em seu conteúdo a definição
do instituto jurídico das terras devolutas: a Lei nº. 601/1850 (Lei de Terras)
e o Decreto‐lei nº. 9.760/1946. Vejamos cada uma em separado.
. . . A Lei nº. / .
Utilizando‐se do critério da exclusão, o legislador imperial
enumerou como devolutas as terras que não se encontrassem nas
situações previstas nos quatro parágrafos do artigo 3º conforme abaixo
transcrito:
Art. º. São terras devolutas:
5
9 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
§ º. As que não se acharem aplicadas a algum
uso público nacional, provincial ou municipal;
§ º. As que não se acharem no domínio
particular por qualquer título legítimo, nem forem
havidas por sesmarias e outras concessões do
Governo Geral ou Provincial, não incursas em
comisso por falta de cumprimento das condições de
medição, confirmação e cultura;
§ º. As que não se acharem dadas por
sesmarias ou outras concessões do Governo, que,
apesar de incursas em comisso, forem revalidadas
por essa lei;
§ º. As que não se acharem ocupadas por
posses que, apesar de não se fundarem em título
legal, forem legitimadas por essa lei.
Por esse critério, também denominado de “enumerativo legal” por
Edgard Pereira (2003, p. 43), excluíam-se do conceito de terras devolutas
todas as utilizadas pelo poder público (seja nacional, provincial ou
municipal), as que fossem objetos de sesmarias legítimas ou mesmo de
sesmarias ilegítimas (porém passíveis de revalidação pela própria Lei nº.
601/1850) e as que fossem objeto de posse. Todas as demais terras eram
tidas como devolutas.
. . . O Decreto‐lei nº. / .
Quase um século depois da promulgação da primeira lei de terras,
o Decreto‐lei nº. 9760/1946, dispondo sobre os bens imóveis da União traz
em seu artigo 5º o seguinte conceito do instituto em comento:
10
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Art. º. São terras devolutas, na faixa de
fronteira, nos Territórios Federais e no Distrito
Federal, as terras que, não sendo próprias nem
aplicadas a algum uso público federal, estadual,
territorial ou municipal, não se incorporaram ao
domínio privado:por força da Lei nº , de de
setembro de , Decreto nº. , de de
janeiro de , e outras leis e decretos gerais,
federais e estaduais;em virtude de alienação,
concessão ou reconhecimento por parte da União
ou dos Estado;em virtude de lei ou concessão
emanada de governo estrangeiro e ratificada ou
reconhecida, expressa ou implicitamente, pelo
Brasil, em tratado ou convenção de limites;em
virtude de sentença judicial com força de coisa
julgada;por se acharem em posse contínua e
incontestada, por justo título e boa‐fé, por termo
superior a (vinte) anos;por se acharem em posse
pacífica e ininterrupta, por (trinta) anos,
independentemente de justo título e boa‐fé;por
força de sentença declaratória proferida nos
termos do art. da Constituição Federal, de
de novembro de .
Parágrafo único ‐ A posse a que a União
condiciona a sua liberalidade não pode constituir
latifúndio e depende do efetivo aproveitamento e
morada do possuidor ou do preposto,
5
11 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
integralmente satisfeitas por estes, no caso de
posse de terras situadas na faixa da fronteira, as
condições especiais impostas na lei.
Note‐se que no dispositivo acima transcrito, o legislador manteve a
definição negativa adotada pela Lei nº. 601/1850 no que diz respeito às
terras devolutas e que, por conta do reconhecimento de todas essas
hipóteses de transferência de propriedade, aumentou‐se
consideravelmente o número de terras pertencentes a particulares.
Ainda com relação à definição dada pelo Decreto‐lei nº. 9760/1946,
Di Pietro (2014, p. 794) comenta que “O conceito de terras devolutas
continua sendo residual: são assim consideradas aquelas que não estão
destinadas a qualquer uso público nem incorporadas ao domínio
privado”.
. . Conceitos Doutrinários do instituto.
Devido à complexa e peculiar história de formação do território
brasileiro visto no capítulo anterior, bem como ao impreciso critério de
exclusão adotado pelos comentados diplomas legais ao conceituarem as
terras devolutas, a doutrina apresenta uma vasta e ao mesmo tempo
divergente gama de conceitos do instituto. Desse modo, o melhor
conceito do instituto deve ser o que leva em consideração todos esses
aspectos particulares que contribuíram para a estrutura agrária brasileira.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, vale dizer que, pelo conceito
legal, terras devolutas eram terras vagas, abandonadas, não utilizadas
quer pelo Poder Público quer por particulares. Essa concepção
corresponde ao sentido etimológico do vocábulo devoluto: devolvido,
vazio, desocupado.
12
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Clóvis Beviláqua (apud PEREIRA, 2003, p. 46), vai além do sentido
lecionado pela professora Di Pietro, ao discorrer que “terras devolutas são
as terras desocupadas, sem dono (grifos nossos)”.A imprecisão de tal
definição se dá em desconsiderar uma característica básica das terras
devolutas que é o seu caráter de bem integrante do patrimônio público,
mais precisamente como bens dominicais. Daí porque não há que se falar
em terras abandonadas, sem donos.
Relevante é a contribuição dada pelo especialista em direito
administrativo Hely Lopes Meirelles (2013, p. 617) ao definir terras
devolutas como:
[...] todas aquelas que, pertencentes ao
domínio público de qualquer das entidades
estatais, não se acham utilizadas pelo poder
Público, nem destinadas a fins administrativos
específicos. São bens públicos patrimoniais ainda
não utilizados pelos respectivos proprietários.
Apesar de delimitar os proprietários das terras em análise, o
eminente jurista não abrangeu em seu conceito um aspecto que
consideramos de extrema relevância, qual seja, a questão histórica que
influenciou diretamente na dimensão jurídica que alcançou o instituto.
Nesse sentido, bem mais preciso e coerente à realidade histórico‐jurídica
da formação do território brasileiro é a definição de terras devolutas
proposta pelo professor de Direito Administrativo Celso Antônio Bandeira
de Mello (2010, p. 920) ao dispor o seguinte:
Pode‐se definir as terras devolutas como sendo
as que, dada sua origem pública da propriedade
fundiária no Brasil, pertencem ao Estado – sem
5
13 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
estarem aplicadas a qualquer uso público – porque
nem foram trespassadas do Poder Público aos
particulares, ou se o foram caíram em comisso,
nem se integraram no domínio privado por algum
título reconhecido como legítimo.
Este último parece ser o melhor conceito, pois homenageou não
apenas o sentido etimológico do termo “devoluto” (devolvido), como
também considerou aspectos importantes para a delimitação do instituto
em comento como a origem pública da propriedade fundiária no Brasil e
as terras que nunca foram de propriedade da Coroa Portuguesa, pois
adquiridas em fase posterior a independência do Brasil.
. . Titularidade dos bens devolutos nas Constituições Brasileiras
Concernente à titularidade das terras devolutas, tem‐se
basicamente três fases distintas: a fase do período colonial em que as
terras pertenciam a Portugal; com a independência passaram a ser
propriedade da Coroa Imperial e, após a proclamação da República, a
Constituição de 1891 transferiu‐lhes o domínio para os Estados‐membros,
mantendo somente alguns trechos como propriedade da União, conforme
se depreende do art. 64, caput da citada carta constitucional, in verbis:
Pertencem aos Estados as minas e terras
devolutas situadas nos seus respectivos territórios,
cabendo à União somente a porção do território que
for indispensável para a defesa das fronteiras,
fortificações, construções militares e estradas de
ferro federais.
Assim, nos termos do dispositivo constitucional citado, podemos
inferir que a Constituição Republicana de 1891 classificou as terras
14
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
devolutas em federais e estaduais na medida em que nomeou como
propriedade dos Estados membros todas as terras devolutas situadas em
seu respectivo território, ressalvando‐se apenas aquelas consideradas
indispensáveis à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares
e estradas de ferro federais, as quais pertenceriam a União. Com relação
à titularidade das terras devolutas dada pela Constituição de 1891, bem
assevera o magistrado mineiro José Pereira (2003, p. 54) que:
[...] de uma forma geral, passaram os Estados‐
membros a ter a propriedade das terras devolutas
situadas em seu território, ressalvada a daquelas
que, à época da promulgação da primeira Carta
Republicana, já tivessem um caráter de
indispensabilidade para o interesse público
nacional, bem como as que o viessem a adquirir por
força de fato ou ato declaratório emanado da
União.
Importante se faz ressaltar o fato de que todas as demais
constituições republicanas reproduziram, com pequenas modificações,
essa sistemática baseada na “indispensabilidade para o interesse
nacional” como critério determinante para atribuir à União a propriedade
de determinada terra devoluta.
Com efeito, tem‐se que a Constituição de 1934 reiterou o fixado na
primeira constituição republicana ao dispor em seu art. 21 que “são do
domínio dos Estados os bens de propriedade destes pela legislação
atualmente em vigor” e em seu art. 20, I que “são bens do domínio da
União os bens que a esta pertencerem, nos termos das leis atualmente em
vigor”. A Constituição de 1946 estatuiu que “incluem‐se entre os bens da
5
15 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
União: a porção de terras devolutas indispensável à defesa das fronteiras,
as fortificações, construções militares e estradas de ferro” (art. 34, II). Por
sua vez, a Carta de 1967, com a Emenda Constitucional de 1969, atribuiu
a União “a porção de terras devolutas indispensável à segurança e ao
desenvolvimento nacionais” (art. 4º, I). Por fim, a vigente Constituição
Federal de 1988 estabelece o seguinte:
Art. . São bens da União:
..........................
II – as terras devolutas indispensáveis à defesa
das fronteiras, das fortificações e construções
militares, das vias federais de comunicação e à
preservação ambiental, definidas em lei;
Art. . Incluem‐se entre os bens dos Estados:
...........................
IV – as terras devolutas não compreendidas
entre as da União.
Percebe‐se de forma clara que a grande inovação do texto
constitucional de 1988 foi o acréscimo da expressão “preservação
ambiental”, atribuindo à União a titularidade das terras devolutas
destinadas a esse fim.
. CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, pode‐se concluir que o melhor conceito
adotado para terras devolutas deve ser aquele orientado pelo parâmetro
da residualidade, o qual nos conduz a afirmativa de que referidos bens
públicos seriam aqueles que, dada a origem pública da propriedade
fundiária no Brasil, pertencem ao Estado, sem estarem necessariamente
aplicados a qualquer uso público, porque nem chegaram a ser transferidos
16
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
do Poder Público aos particulares ou, se o foram, caíram em comisso
(quando o sesmeiro não cumpria determinadas obrigações o que
ocasionava o retorno do imóvel ao patrimônio da Coroa portuguesa). Da
mesma forma, também não chegaram a se integrarem no domínio privado
por algum título reconhecido como legítimo.
As terras devolutas, nos termos do que dispõe a Constituição
Federal em seus arts. 20, II e 26, IV, pertencem a União e aos Estados‐
membros, respectivamente.
. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Sesmarias e terras devolutas. In
Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 40, n. 158, p. 309‐317,
abr./jun. 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil:promulgada
em 5 de outubro de 1988.
BRASIL. Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras
devolutas do Império. Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio, Rio
de Janeiro, 20 set. 1850.
BRASIL.Decreto‐Lei 9.760, de 5 de setembro de 1946. Dispõe sôbre os
bens imóveis da União e dá outras providências.Rio de Janeiro, 5 set. 1946.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Terras Devolutas nas Constituições
Republicanas. Disponível em
<http://www.juridicohightech.com.br/2011/11/terras‐devolutas‐nas‐
constituicoes.html>. Acesso em 15 set. 2016.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. ed. São
Paulo: Atlas, 2014.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 39. ed. São
Paulo: Malheiros, 2013.
5
17 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
27 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
PEREIRA, José Edgar Penna Amorim. Terra Devolutas, In BARROSO,
Lucas Abreu (org), O Direito Agrário na Constituição. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p.45‐72.
______. Perfis Constitucionais das Terras Devolutas. Belo Horizonte:
Del Rey, 2003.
18
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
O PRAZO PRESCRICIONAL EM FACE À REPARAÇÃO AO MEIO AMBIENTE
CASSIO ANDRÉ ANICETO DE LIMA: Pós‐graduando em
Ciências Aplicadas e Sociais da Universidade Camilo Castelo
Branco.
Orientador: Prof. Dr. Adauto José de Oliveira
RESUMO: Este artigo busca de forma clara e objetiva oferecer ao leitor um
entendimento sucinto sobre a análise em relação ao prazo prescricional
diante à pretensão indenizatória e reparatória em virtude dos danos
causados ao meio ambiente. Em outra análise o estudo demonstra conceitos
jurídicos sobre aspectos relacionados ao meio ambiente, abordando de uma
forma sintética a política nacional de meio ambiente adotada e suas amplas
definições e conceitos legais determinantes sobre a matéria. O trabalho
ainda discorre sobre a classificação dos danos causados ao meio ambiente
e suas diferentes formas de reparação decorrentes à sua degradação,
fornecendo ainda importantes informações sob aspectos de
responsabilidade civil diante das esferas governamentais abrangidas pelos
dispositivos constitucionais.
Palavras‐chave: Meio Ambiente, Dano Ambiental, Pretensão e Prescrição.
THE STATUTE OF LIMITATIONS IN THE FACE OF THE ENVIRONMENT
REPAIRS
ABSTRACT: This article seeks to clearly and objectively give the reader a
brief understanding of the analysis in relation to the statute of limitations
on the damages and reparation claim because of the environmental
5
19 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
damage. In another analysis, the study demonstrates legal concepts on
aspects related to the environment, addressing a synthetic form the
national environmental policy adopted and its broad definitions and
decisive legal concepts on the matter. The paper also discusses the
classification of damage to the environment and its different forms of
reparation due to its degradation, providing further important
information on liability issues facing government spheres covered by
constitutional provisions.
Key Words: Environment, Environmental Damage, Pretension and
Prescription.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. MEIO AMBIENTE: CONCEITO LEGAL. 3.
DANO AMBIENTAL: RESPONSABILIDADE E FORMAS DE REPARAÇÃO. 08
3.1.Responsabilidade Administrativa. 3.2. Responsabilidade Criminal.
3.3.Responsabilidade Civil. 4. PRESCRIÇÃO: CONCEITO JURÍDICO. 5. PRAZO
PRESCRICIONAL: REPARAÇÃO AO MEIO AMBIENTE. 6. CONCLUSÃO. 7.
REFERÊNCIAS.
. INTRODUÇÃO
A qualidade de vida está ligada diretamente ao meio em que
vivemos, seja por esta razão o direito de operar a indisponibilidade de
pretensão aos reparos advindos de danos ambientais.
Neste sentido o presente trabalho tem como objetivo fundamental
desempenhar um estudo acadêmico relacionado à matéria ambiental,
abrangendo os principais pontos relacionados ao respectivo tema,
focando o prazo e a prescrição as reparações ao dano ambiental.
20
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Certa matéria, ainda que por se tratar de tema menos abordado em
nosso cotidiano, ainda é assunto muito discutido entre o conteúdo
jurisprudencial acerca do conflito do prazo prescricional.
Esta discussão se relaciona nas divergências de conflitos
estabelecidas entre a lógica hermenêutica, as quais defendem o instituto
da imprescritibilidade, já que se trata de direito fundamental e essencial à
coletividade.
Entende‐se que o prazo prescricional em regra constitui regular
perda do direito de acionar judicialmente em determinado período de
tempo a propositura de direito difuso em relação ao dano causado contra
o meio ambiente.
Já para muitos, este mesmo prazo em se tratando de matéria
ambiental é muito relativo, vez que, novas tendências em enfoque aos
prejuízos causados pela deterioração ao meio ambiente, abrangem cada
vez mais o bem jurídico tutelado, que por sua vez consagra direito
inerente à vida e a dignidade da pessoa humana.
Certo disso, assenta‐se que as prescrições relacionadas ao meio
ambiente são de certa forma, instituídas ao bem de uso comum do povo,
impondo diretamente suas pretensões em face às reparações aos danos
ocasionados ao meio ambiente em que vivem.
. MEIO AMBIENTE: CONCEITO LEGAL
O meio ambiente habitualmente chamado apenas de ambiente,
envolve todas as coisas vivas e não vivas que existem na Terra, ou em
alguma região dela, que afetam os ecossistemas e a vida dos seres
humanos.
O legislador infraconstitucional tratou de definir o meio ambiente,
conforme se verifica no artigo 3º, I, da Lei n. 6.938/81 (a Lei da Política
5
21 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Nacional do Meio Ambiente), dispõe: “Para os fins previstos nesta Lei,
entende‐se por: I ‐ meio ambiente, o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
A expressão meio ambiente, em sentido amplo, “abrange toda a
natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, de
molde a possibilitar o seguinte detalhamento”. (GONÇALVES, 2003, p. 86).
O conceito legal de meio ambiente foi estabelecido formalmente
diante da Lei 6.938/1981, a qual trata o entendimento à sua Política
Nacional do Meio Ambiente, onde são considerados vários aspectos
importantes e necessários para o esclarecimento diante da determinada
matéria, entre eles está o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordens físicas, químicas e biológicas, que permitem,
abrigam e regem a vida em todas as suas formas.
Em outro ponto, a nossa Constituição Federal de 1988, em especial
ao seu artigo 225, caput, também esboça uma conceituação, declarando
e afirmando que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo‐se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê‐lo
e preservá‐lo para as presentes e futuras gerações.
Meio ambiente, é fundamentado no equilíbrio ecológico entre as
espécies que os habitam, e ainda, em suas condições reais de saúde e
qualidade de vida que os acompanham‐nos quais se integram em um
ambiente totalmente favorável, vejamos:
Numa escalada, pode‐se dizer que se protegem
os elementos bióticos e abióticos e sua respectiva
interação, para se alcançar a proteção do meio
22
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
ambiente ecologicamente equilibrado, porque este
bem é responsável pela conservação de todas as
formas de vida.
Possui importância fundamental a identificação
do meio ambiente ecologicamente equilibrado como
sendo um bem autônomo e juridicamente protegido,
de fruição comum (dos elementos que o formam),
porque, em última análise, o dano ao meio ambiente
é aquele que agride o equilíbrio ecológico, e uma
eventual reparação deve ter em conta a recuperação
desse mesmo equilíbrio ecológico. (RODRIGUES,
2002, P.58)
Sob a visão de Silva (1998, p.02), meio ambiente, é definido como
“a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que
propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas.”
Ainda, segundo Silva (2004, p. 53), temos:
[...] em conseqüência disso, existem várias
definições para tentar explicar esta expressão de
forma a abranger os mais variados aspectos de seu
conteúdo. Existem definições acadêmicas, legais,
algumas de escopo limitado, abrangendo apenas os
componentes naturais, outras refletindo a
concepção mais recente a qual considera o meio
ambiente um sistema no qual interagem fatores de
ordem física, biológica e socioeconômica. Não
devemos, contudo, perder de vista que, apesar de a
5
23 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
expressão “meio ambiente” ter ficado consagrada
pelo uso e pela legislação brasileira, alguns autores a
consideram imprópria, em termos lingüísticos, por
terem ambas as palavras, meio e ambiente, o mesmo
significado.
Canotilho (apud Séguin, 2002, p. 15), conceitua meio ambiente
como “conjunto de elementos que, na complexidade das suas relações,
constituem o quadro, o meio e as condições de vida do homem, tal como
são, ou tal como são sentidos.”
Para Sirvinskas (2003, p. 28), define:
[...] o termo meio ambiente é criticado pela
doutrina, pois meio é aquilo que está no centro de
alguma coisa. Ambiente indica o lugar ou a área onde
habitam seres vivos. Assim, na palavra “ambiente”
está também inserido o conceito de meio. Cuida‐se
de um vício de linguagem conhecido por pleonasmo,
consistente na repetição de palavras ou de idéias
com o mesmo sentido simplesmente para dar ênfase.
Em outras palavras, meio ambiente é o lugar onde
habitam os seres vivos. É o habitat dos seres vivos.
Esse habitat (meio físico) interage com os seres vivos
(meio biótico), formando um conjunto harmonioso
de condições essenciais para a existência da vida
como um todo.
Outros autores, como Fiorillo (2009, p.19) a respeito à doutrina,
preferem denominar a matéria em estudo em um conceito mais amplo,
veja:
24
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Em face da sistematização dada pela
Constituição Federal de 1988, podemos
tranquilamente afirmar que o conceito de meio
ambiente dado pela Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente foi recepcionado. Isso porque a Carta
Magna de 1988 buscou tutelar não só o meio
ambiente natural, mas também o artificial, o cultural
e o do trabalho.
Desta forma, o entendimento sobre a matéria em questão
observada a sua ampla definição, pode ser tratada em diversos tipos de
conceitos e doutrinas.
Certamente, os estudos advindos acerca da matéria ambiental
adotaram durante esses anos em observar não apenas o conteúdo e
definição dos estudos, mas valendo dizer as formas as quais os nomes
devem ser tratados diante da questão, mas que por outro lado, já
superado, em maioria dos autores e doutrinadores no que concerne
Direito Ambiental.
. DANO AMBIENTAL: RESPONSABILIDADE E FORMAS DE
REPARAÇÃO
Para que se estabeleça dano ambiental, é necessária que ocorra
alguma forma de degradação ao meio ambiente, ou que haja formas
equiparadas à sua integridade e que sejam ainda, passíveis de reparação.
Segundo Milaré (2009, p. 421), “dano ambiental é a lesão aos
recursos ambientais, com consequente degradação – alteração adversa
ou in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida”.
Antunes (2000, p.156) conceitua dano como:
5
25 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
[...] o prejuízo causado a alguém por um terceiro
que se vê obrigado ao ressarcimento. É juridicamente
irrelevante o prejuízo que tenha por origem um ato
ou omissão imputável ao próprio prejudicado. A ação
ou omissão de um terceiro é essencial. Decorre daí
que dano implica em alteração de uma situação
jurídica, material ou moral, cuja titularidade não
possa ser atribuída àquele que, voluntária ou
involuntariamente, tenha dado origem à mencionada
situação. Desnecessário dizer que, no conceito,
somente se incluem as alterações negativas, pois não
há dano se as condições foram alteradas para
melhor. É a variação, moral ou material, negativa que
deverá ser, na medida do possível, mensurada de
forma que se possa efetivar o ressarcimento.
Para Agostinho Alvim, assim define:
[...] o termo dano, em sentido amplo, vem a ser
a lesão de qualquer bem jurídico, e aí se inclui o dano
moral. Mas, em sentido estrito, dano é, para nós, a
lesão do patrimônio; e patrimônio é o conjunto das
relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em
dinheiro. Logo, a matéria do dano prende‐se à da
indenização, de modo que só interessa o estudo do
dano indenizável (Alvim apud Gonçalves, 2003, p.
529).
26
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Em outras palavras dano é o prejuízo, ou seja, uma alteração
negativa da situação jurídica, material ou moral, causado a alguém por um
terceiro que se vê obrigado ao ressarcimento.
Com isso, quando a natureza do direito passa a ser o ambiental, em
função de suas particularidades não se enquadrarem às regras clássicas, a
responsabilidade subjetiva foi substituída pela objetiva, fundamentada no
risco da atividade.
Logo, pela teoria do risco integral, qualquer fato, culposo ou não,
que cause um dano, impõe ao agente a reparação, pois este assume os
riscos de sua atividade.
Contudo, ocorrendo lesão a um bem ambiental, resultante de
atividade praticada por pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que
direta ou indiretamente seja responsável pelo dano, não só há a
caracterização deste como a identificação do poluidor, como também
aquele que terá o dever de indenizá‐lo.
Dessa maneira, para que os atos praticados contra o patrimônio
individual ou coletivo, contra o desrespeito, degradação ou qualquer
outra forma que atinja diretamente ou indiretamente o meio ambiente a
qual estava preservado, haverá a insurgência de legislação e dispositivos
constitucionais os quais preveem a responsabilização diante dos danos
apresentados.
Essas modalidades estão previstas em nosso ordenamento jurídico,
as quais dispõe sobre as esferas de responsabilidades interdependentes
entre si, seguindo elas a serem apresentadas.
. – DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA
5
27 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
A Constituição Federal de 1988 em seu Art. 225, §3º, informa que
as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções administrativas, veja:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo‐
se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê‐lo e preservá‐ lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 3º As condutas e atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação
de reparar os danos causados.
Dessa maneira, nas palavras de Fiorillo (2009, p.64) define que:
Sanções administrativas são penalidades
impostas por órgãos vinculados de forma direta ou
indireta aos entes estatais (União, Estados,
Municípios e mesmo Distrito Federal), nos limites de
competências estabelecidas em lei, com o objetivo
de impor regras de conduta àqueles que também
estão ligados à Administração no âmbito do Estado
Democrático de Direito.
Cabe observar que a responsabilidade administrativa está
respaldada no poder de polícia, visto que em decorrência das infrações
praticadas por seus agentes, serão estes responsabilizados diante dos
28
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
entes do Poder Público, União, Estados, Municípios e Distrito Federal,
cada qual em no exercício de suas competências
Com a inovação da Constituição Federal de 1988, tal poder ganhou
enfoque e maior destaque diante do Artigo 225 que preceitua ainda a
responsabilidade objetiva como regra jurídica a ser seguida em face de
qualquer violação aos bens ambientais fundada na denominada teoria do
risco, sendo irrelevante a conduta (dolo ou culpa) das pessoas físicas ou
jurídicas que eventualmente se encontrem na condição de poluidoras.
Na visão de Leite (2003, p. 133), temos que:
[...] a substituição progressiva da
responsabilidade tradicional para a responsabilidade
objetiva traz consigo um evidente resultado de
facilitar a proteção dos prejudicados. A objetivação
da responsabilidade representa certamente um
avanço, exime o prejudicado da prova da culpa, mas
não é suficiente para deixar este em situação
totalmente satisfatória, considerando que o mesmo,
com vista à imputação da responsabilidade, deverá
evidenciar o penoso liame de causalidade entre o
fato e a lesão.
Desse modo, temos que certa responsabilidade pode ser resultada
em multa simples, advertência, interdição de atividades, suspensão de
benefícios, os quais incluídos na teoria objetiva, ou seja, independe da
intenção do agente para haver responsabilização, excluindo como
requisito necessário à culpabilidade para punição de caráter
administrativo, conforme previsto na legislação a responsabilidade
administrativa ambiental em seu Artigo 2º, §10º, do Decreto 3.179/99.
5
29 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Em resumo, temos que a responsabilidade administrativa em
matéria ambiental tem como finalidade obrigar os órgãos vinculados de
forma direta ou indireta aos entes estatais a defender e preservar os bens
ambientais para as presentes e futuras gerações ante a proteção indicada
pela Constituição Federal aos interesses difusos e coletivos em proveito
da dignidade da pessoa humana.
. – DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL
Atualmente, a responsabilidade penal imposta diante dos crimes
cometidos contra ao meio ambiente, está devidamente assentada em
nosso ordenamento jurídico, em especial por referência normativa ao
Artigo 225, §3º da Constituição Federal.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo‐
se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê‐lo e preservá‐lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 3º As condutas e atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação
de reparar os danos causados.
A responsabilidade criminal surge com a ocorrência de uma
conduta omissiva ou comissiva que, ao violar uma norma de direito penal,
pratica crime ou contravenção penal.
Deste modo, conceituam‐se dois tipos de infrações penais: o crime
(que é a ofensa grave a bens de interesses jurídicos de alto valor, de que
30
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
resultam dano ou perigos próximos, de onde as duas categorias de crime
– de dano e de perigo – a que a lei comina pena de reclusão ou de
detenção, acumulada ou não com multa) e a contravenção (conduta
menos gravosas, apenas reveladoras de perigo, a que a lei comina sanção
de pequena monta, prisão simples ou multa).
Temos ainda que, as infrações penais contra o meio ambiente são
de ação pública incondicionada, ou seja, cabe ao Ministério Público propor
ação penal pertinente, na forma prevista no Código de Processo Penal.
Também, aplica‐se, porém, as disposições do art. 89 da Lei
9.099/95, aos crimes de menor potencial ofensivo, nos termos dos Artigos.
27 e 28 da Lei 9.605/98.
Contudo, as infrações penais ambientais devem estar previstas em
lei, sendo que não existe crime sem lei anterior que o defina, nem pena
sem prévia cominação legal.
. ‐ DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil está moldada na condição a ser imposta ao
infrator para que este cumpra a obrigação de ressarcir o prejuízo causado
por sua conduta ou atividade.
Esta esfera de responsabilidade está condicionada em impor a
indenização ao dano moral ou patrimonial atingido, diante de
inadimplência de evento culposo, por obrigação legal ou contratual, ainda
impostos por lei (AZEVEDO, 2000).
Outra definição importante de responsabilidade civil seria o
ressarcimento do dano ambiental que pode ser realizado de duas formas,
sendo que a primeira ocorre com o que se denomina reparação natural ou
específica, em que há o ressarcimento “in natura”, e a segunda refere‐se
à indenização em dinheiro (FIORILLO, 2009).
5
31 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
No primeiro caso, visa‐se à restauração natural do bem agredido,
cessando‐se a atividade lesiva e repondo‐se a situação ao status anterior
ao dano, ou adotando‐se medida compensatória equivalente.
No segundo caso, vislumbra‐se a indenização em pecúnia, sendo o
dinheiro forma indireta de sanar a lesão ao meio ambiente atingido.
O Artigo 255 da Constituição Federal tem por uma das suas grandes
funções determinarem como legitimados passivos pelos danos causados
ao meio ambiente o Poder Público e a coletividade.
Assim é correto afirmar que são legitimados passivos todos aqueles
que, de alguma forma, foram os causadores do dano ambiental, sendo
certo que a responsabilidade dos causadores é solidária, por expressa
determinação do artigo 3º inciso I, bem como pela Lei n. 6.938/81, que
atribui à obrigação de indenizar o dano ambiental àqueles que, com a sua
atividade, causaram prejuízos.
A grande função do artigo 225 é dizer que todos podem encaixar‐se
no conceito de poluidor e degradador ambiental, que com isso se abrange
os conceitos de poluidor, poluição e degradação ambiental do artigo 3º da
Lei n. 6.938/81 na qual foram recepcionados pela Constituição Federal de
1988.
O direito ambiental, considerando a importância dos bens
tutelados, adotou a responsabilidade objetiva para reforçar o dever de
reparaçãoaos danos causados ao meio ambiente independentemente da
demonstração de culpa do agente, valendo frisar que, anteriormente à
Constituição Federal de 1988, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente
(Lei n. 6.938/81) em seu artigo 14, parágrafo 1º, já previa a
responsabilidade objetiva do poluidor.
32
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Com a promulgação da Lei Maior, tal norma infraconstitucional foi
recepcionada, tendo como fundamento de validade o artigo 225,
parágrafo 3º, porquanto este não estabeleceu qualquer critério ou
elemento vinculado à culpa como determinante para o dever de reparar
o dano causado ao meio ambiente, consagrando‐se, portanto, a
responsabilidade objetiva em relação aos danos ambientais.
A responsabilidade pelos danos ambientais apura‐se por meios
processuais, competindo‐lhe o princípio da legalidade e o da garantia de
acesso à jurisdição.
Desta forma o meio processual de Ação Penal apura‐se a
responsabilidade por prática de ilícito penal ou contravencional definido
na legislação ambiental mediante processo instaurado com a propositura
de ação penal, que é publica incondicionada.
Outra forma é a Ação Civil Pública, que é o típico meio processual
de defesa ambiental que foi embasada pela Constituição Federal quando,
em seu artigo 129, III, prevê como uma das funções institucionais do
Ministério Público promover essa ação para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos, sem prejuízo da legitimação de terceiros. Também, regulada
pela Lei 7.347/1985.
Prevista no art. 5°, LXXII da CF/88, a Ação Popular afirma que
qualquer cidadão (no gozo de seus direitos políticos) é parte legítima para
propor essa ação, desde que vise a anular ato lesivo ao meio ambiente e
ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má‐
fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. Regulada pela Lei
4.717/65.
5
33 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
O Mandado de Segurança Coletivo regulado pela CF/88, em seu art.
5°, LXX, conferindo a entidades associativas, aos partidos políticos e aos
sindicatos poderes para, através desse instrumento, empreenderem a
defesa de seus interesses transindividuais.
No Mandado de Injunção, diante do termo de nossa Carta Magna:
“conceder‐se‐á mandado de injunção sempre que a falta de norma
reguladora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, a soberania
e à cidadania. ”
A Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo tem
por objeto uma declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, com a consequência da retirada da lei declarada
inconstitucional do mundo jurídico por intermédio da eficácia erga omnes
da coisa julgada.
Por fim outras ações tradicionais, tais como a ação cominatória, visa
impedir que o mau uso da propriedade vizinha prejudique a segurança, o
sossego ou a saúde dos que a habitam; ação denunciação de obra nova,
busca impedir as construções contrárias à lei, ao regulamento ou à
postura, além de outras.
Dessa maneira, é necessário não somente meios legais para a
punição do dano ambiental e sim, meios adequados e ações concretas de
implementação, para que não se cometam injustiças.
Assim, inicialmente deve‐se tentar a reconstituição ou mesmo a
recuperação do meio ambiente agredido, cessando‐se as atividades
lesivas e revertendo‐se a degradação causada, em seguida, caso o dano
não possa mais ser reparado, ir além da ressarcibilidade, ou seja, a
34
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
indenização em dinheiro, mas, vale lembrar que, aqui não se consegue
recompor o dano ambiental.
. PRESCRIÇÃO: CONCEITO JURÍDICO
Derivada da palavra latina praescriptio, a prescrição é instituto de
ordem pública que tem previsão em leis variadas, sendo seu regime
jurídico disciplinado atualmente pela Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), em
seus artigos 189 e seguintes, na qual corresponde à extinção de uma
pretensão em virtude da inércia de seu titular durante determinado lapso
de tempo, fixado pela norma.
A regra geral está no artigo 205, sendo que, a prescrição ocorre em
dez anos quando a lei não tenha fixado prazo menor, sendo este, o prazo
máximo da prescrição.
Caso o Código Civil não tenha previsto outro prazo, o prazo
mencionado vale para todos os casos de prescrição, de modo que, ou a lei
impõe um prazo menor, ou a ação prescreve dentro do tempo
mencionado no artigo 205.
O artigo 206 contempla várias ações e fixa‐lhes um prazo diferente
de prescrição, que começa de um e vai até cinco anos, atribuído a muitas
ações.
Assim, trata‐se de instituto que visa a privilegiar a segurança das
situações de fato decorrentes da inércia do titular de um direito subjetivo
violado, justamente porque se ele não quis exercer seu direito durante um
período razoável (fixado em lei), entende‐se que a lesão não o afetou de
maneira tão significativa.
. PRAZO PRESCRICIONAL: REPARAÇÃO AO MEIO AMBIENTE
5
35 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Estabelecidas às limitações preliminares, cumpre o enfrentamento
do objeto do presente artigo, qual seja, a prescrição da pretensão
indenizatória do dano ambiental.
Como já visto anteriormente, a prescrição é a perda do direito à
pretensão pela inércia do titular em não o exercer durante o prazo fixado
em lei, estabelecida no Código Civil vigente em seu artigo 189.
No direito ambiental, se cuidando de reparação de dano ambiental,
alguns apontam para a verificação da prescrição com base no prazo de
cinco anos por analogia com a Lei da Ação Popular (art. 21, Lei 4. 717/65).
Outros defendem que o prazo era da lei civil, de 20 anos pelo Código Civil
antigo (art. 179, Lei 3.071/16), ou 10 anos pelo Código Civil de 2002 (art.
205, Lei 10.406/02).
Neste entendimento em profícuo voto proferido no julgamento do
REsp1120117‐AC2009/0074033‐7, a ministra Eliana Calmon, pontuou
que:
O direito ao pedido de reparação de danos
ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está
protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se
tratar de direito inerente à vida, fundamental e
essencial à afirmação dos povos,
independentemente de não estar expresso em texto
legal.
Disse ainda a ministra:
Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual
o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado
seguem‐se os prazos normais das ações
indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível,
36
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
fundamental, antecedendo a todos os demais
direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem
trabalho, nem lazer, considera‐se imprescritível o
direito à reparação.
Por isso, o dano ambiental inclui‐se dentre os direitos indisponíveis
e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da
imprescritibilidade diante da ação que visa reparar o dano ambientaI.
Conforme jurisprudência dominante do STJ o meio ambiente é um
direito fundamental, supraindividual, indisponível e baseado nos
princípios da solidariedade entre as presentes e futuras gerações, sendo
necessário para a afirmação dos povos.
Vejamos julgados do STJ sobre o tema:
RESPONSABILIDADE CIVIL. EXTRAÇÃO DE
ARENITO SEM AS CORRESPONDENTES LICENÇAS
AMBIENTAIS. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DIREITO
DE DEFESA. PRECLUSÃO TEMPORAL EM RELAÇÃO À
NÃO REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL.
IMPRESCRITIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO DE
REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL. DIREITO
FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO POLUIDOR.
AUTONOMIA ENTRE AS ESFERAS CIVIL, PENAL E
ADMINISTRATIVA. APELAÇÃO IMPROVIDA. I‐ A
obrigação de reparação do dano ambiental é
imprescritível, consoante orientação do Egrégio
Superior Tribunal de Justiça. II‐ A Constituição da
5
37 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
República consagra o direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado como
interesse difuso das presentes e futuras gerações,
prevendo a responsabilidade civil objetiva das
pessoas físicas ou jurídicas pela prática de conduta ou
atividade lesiva ao meio ambiente, sem prejuízo das
respectivas sanções penais e administrativas. III‐ Nos
termos do § 1º, do art. 14, da Lei n. 6.938/81, o
poluidor é obrigado, independentemente da
existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados
por sua atividade. IV‐ À responsabilização por danos
ambientais, basta a existência da conduta, do dano e
do nexo de causalidade entre ambos. V‐ Preclusão
temporal em relação às alegações de afronta ao
direito de defesa, dentre outras, decorrentes da
ausência de prova pericial. VI ‐ Afirmação falsa nas
razões de apelação. VII ‐ Não caracterização de bis in
idem em razão de condenação na esfera penal. VIII ‐
Inexistência de elementos a caracterizar condenação
em valor excessivo. IX ‐ Apelação improvida. (TRF‐3 ‐
AC: 100 SP 0000100‐15.2005.4.03.6125, Relator:
DESEMBARGADORA FEDERAL REGINA COSTA, Data
de Julgamento: 18/04/2013, SEXTA TURMA, )
E ainda:
38
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
MEIO AMBIENTE. FLORESTA NACIONAL DE
BRASÍLIA. BEM DE USO COMUM DO POVO.
OCUPAÇÃO, POR PARTICULAR, SEM
CONSENTIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. REMOÇÃO.
DEVER DA ADMINISTRAÇÃO. IMPRESCRITIBILIDADE.
AÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE, NO CASO.
RECUPERAÇÃO AMBIENTAL. RAZOABILIDADE DAS
MEDIDAS. OBRIGAÇÃO DO CAUSADOR DO DANO. 1.
Na sentença, foi julgado "parcialmente procedente o
pedido para condenar o requerido, AILTON DE JESUS
DA CONCEIÇÃO: a) a se abster de ocupar, edificar,
explorar, cortar ou suprimir qualquer tipo de
vegetação ou de realizar qualquer ação antrópica na
área envolvida, nem tampouco permitir que se
promova qualquer atividade danosa; b) na obrigação
de fazer, consistente na recuperação da área
efetivamente danificada, mediante a adoção de
práticas de adequação ambiental, com a adoção de
técnicas a serem indicadas por técnico habilitado, de
modo a promover a demolição de qualquer
edificação/benfeitoria existente nesta, com retirada
do entulho resultante, que deverá ser depositado em
local indicado pelo órgão ambiental competente, sob
pena de multa diária de 100,00 (cem reais); c)
obrigação de fazer consistente na adoção de medidas
compensatórias e mitigatórias a serem indicadas em
perícia realizada pelo IBAMA ou outro órgão
5
39 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
competente, correspondentes aos danos ambientais
que se mostrarem irrecuperáveis". 2. A
Administração pode recorrer à via judicial, conforme
as circunstâncias excepcionais do caso, em vez de
exercer diretamente a autotutela. Conforme a
jurisprudência, "embora a administração, pelo
princípio da autoexecutoriedade, possa reintegrar‐se
'ex proprio Marte' na posse de bem público de uso
comum, nada impede que o faça através do Judiciário
(JTA 118/213, maioria)". O presente caso é um
daqueles em que se justifica ingresso na via judicial,
tendo em vista tratar‐se da remoção da moradia de
um possível hipossuficiente (tanto que representado,
no processo, pela defensoria pública). 3. Há interesse
difuso ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Não se trata de proteger apenas a
chamada propriedade pública, atividade que, aliás,
em princípio, não seria da competência do Ministério
Público e da autarquia ambiental, mas de proteger o
meio ambiente como bem de uso comum do povo. 4.
Os bens públicos, incluído o meio ambiente, são
imprescritíveis. 5. Na própria apelação diz‐se que "o
caso em tela ... se refere a um pequeno barraco e seu
modesto ocupante, praticamente insignificante ...".
Além das provas constantes dos autos, o próprio
apelante reconhece, portanto, a autoria do fato
apontado na inicial. 6. A moradia em área pública,
40
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
sem o consentimento da Administração, não é direito
de quem quer que seja e muito menos superior ao
direito, de toda sociedade, ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. 7. Embora tenham
ficado indefinidas as "medidas compensatórias e
mitigatórias a serem indicadas em perícia realizada
pelo IBAMA ou outro órgão competente,
correspondentes aos danos ambientais que se
mostrarem irrecuperáveis", está implícito que sejam
medidas razoáveis e sujeitas a discussão mediante
devido processo legal. 8. Negado provimento à
apelação. (TRF‐1 ‐ AC: 10951220054013400, Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA
MOREIRA, Data de Julgamento:
06/08/2014, QUINTA TURMA, Data de Publicação:
13/08/2014)
Este raciocínio éde grandeza ímpar,poisde fato a regra
geraléaprescriçãodaspretensõesreparatóriasemdeterminado
prazo,mas,emsetratandodedanoaomeioambiente,mostra-se
detodoaplicávelanoçãodeimprescritibilidadeporestarmosa
falardeumbemdeusocomumdopovo(nessemesmosentido:
STJ-RECURSOESPECIAL:REsp SC / - ).
Nitidamente houve uma grande evolução nesse entendimento, que
vem apenas dar a devida importância e valor ao meio ambiente como bem
jurídico, atraindo a regra do art. 37, § 5, da Constituição Federal, a tratar
da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao patrimônio público.
5
41 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Tal entendimento, absolutamente escorreito, não alcança,
contudo, aquelas pretensões meramente individuais de natureza
patrimonial, ainda que decorrentes de danos a bens ambientais.
Nesses casos a prescrição pode ser invocada, pois não se está a
tratar do bem "meio ambiente ecologicamente equilibrado", mas, sim, de
pretensão reparatória individual comum, ainda que decorrente de evento
ambiental.
São coisas absolutamente diferentes, pois no primeiro caso se trata
de direito difuso de natureza transindividual, e no segundo, de mera
pretensão reparatória individual.
E neste caso (pretensão reparatória individual de natureza
patrimonial decorrente de evento ambiental) o prazo prescricional a
nosso ver há de ser o decenal genérico do artigo 205 do Código Civil, já
que a lei não trouxe um prazo prescricional específico para a espécie.
Contudo, repita‐se, se o dano transcende o caráter individual e
passa a atingir a qualidade de vida ambiental de forma coletiva, prevalece
seu viés de lesão ao meio ambiente em sentido mais amplo, relacionando‐
se com o direito fundamental e difuso da sociedade em ter um meio
ambiente saudável, resguardando assim, diante da doutrina majoritária, a
imprescritibilidade à pretensão de reparação em face dos danos causados
ao meio ambiente.
Daí exsurge que, em tais casos, pode‐se dizer que é sem dúvida
imprescritível a pretensão reparatória, uma vez que trata de direitos
constitucionalmente previstos no art. 225 da Constituição Federal de
1988, de amplitude incomensurável e não restritos apenas no âmbito da
presente geração, mas que alcançam infindávelmente também às futuras.
– CONCLUSÃO
42
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Após a análise da responsabilidade aplicada pelo legislador ao
degradador do meio ambiente, constatou‐se que a responsabilidade civil
imposta ao dano ambiental é objetiva, o que se constitui em um grande
avanço na defesa do meio ambiente, pois facilita ao julgador a
responsabilização dos causadores do dano, sem a necessidade de se
provar a culpa, o que na temática ambiental pode surgir muitas vezes
como empecilho.
Ao adotar o sistema da responsabilidade objetiva, o ordenamento
jurídico brasileiro se preocupou com a reparação dos danos causados ao
meio ambiente, contemplando a teoria do risco.
Após a análise dos casos e dos argumentos utilizados pelo STJ para
fundamentar a aplicação do instituto da prescrição aplicado às ações que
visam à reparação de danos ambientais, alcançando o objetivo geral deste
trabalho, verificou‐se que, atualmente, a tese predominante nos tribunais
é da imprescritibilidade, por ser o meio ambiente ecologicamente
equilibrado um direito fundamental, indisponível, e que decorre do direito
à vida.
Confirmou‐se a hipótese da imprescritibilidade, majoritária na
doutrina e na jurisprudência do STJ, uma vez que, atualmente, a Corte se
posiciona no sentido de que, em se tratando de dano ambiental coletivo,
atingindo o meio ambiente em sua concepção como macrobem, a
pretensão é imprescritível. No entanto, se a situação fática se tratar de um
dano ambiental individual ou reflexo, o prazo prescricional começa a
contar da ciência inequívoca do dano e deve ser aplicado o prazo de cinco
anos previsto na legislação.
5
43 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
O Direito Ambiental deve regulamentar alguns temas de forma
específica e objetiva tendo em vista que as regras originárias do Direito
Tradicional estão despidas da peculiaridade do bem ambiental.
Nesta seara, diante da ausência de uma previsão legal específica na
legislação ambiental, não se pode aplicar de forma inquestionável os
prazos prescricionais ditados pelo Direito Civil.
Nossa legislação brasileira não é expressa a respeito do prazo
prescricional em se tratando de matéria ambiental, ficando a cargo da
doutrina os ensinamentos e ao aplicador da lei sua interpretação, que por
sua vez ocasiona divergentes entendimentos diante da matéria.
Por tratar‐se de matéria ampla e complexa, uma classificação
quanto à sua especificidade caberia importantes limites e formas de
punições específicas, impondo condições sob multas ou reconstituições
do ambiente ou parte dele atingido.
Pela importância que a reparação do dano ambiental tem frente à
sociedade, na busca de uma melhor qualidade de vida, de suma
importância seria o legislador pátrio regular a questão, considerando o
instituto da prescrição dentro do direito ambiental, que é coletivo e
apresenta características e princípios próprios, diferente do direito civil.
De qualquer forma, verifica‐se que em relação ao dano ambiental
coletivo não há prescrição, por este ser um direito fundamental do
homem, não um direito patrimonial.
Portanto, de ordem pública, indisponível e insuscetível de
prescrição.
. ‐ REFERÊNCIAS
ALBERGARIA, Bruno. Direito Ambiental e a Responsabilidade Civil
das Empresas. Editora Forum. 2 Ed. 2010.
44
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
AMORIN, Priscila Kutne‐ Revista Jurídica Cesumar – v.3, n. 1 – 2003,
p.401
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 2. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2000.
AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Teoria Geral das Obrigações, São Paulo, RT,
8ª ed., 2000
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial nº
1120117 2009/0074033‐7/AC. 2ªTurma. Administrativo e processo civil.
Direito Ambiental. Ação Civil Pública. Competência da Justiça Federal.
Imprescritibilidade da reparação do dano ambiental. Pedido genérico.
Arbitramento do Quantum Debeatur na sentença: revisão, possibilidade.
súmulas 284/stf e 7/stj. Relator Min. Eliana Calmon. DJe, Brasília, 19 nov.
2011, p. 1.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão. Recurso Especial nº
6507282003/0221786‐0/SC. 2ª Turma. processual civil e ambiental.
natureza jurídica dos manguezais e marismas. terrenos de marinha. área
de preservação permanente. aterro ilegal de lixo. dano ambiental.
responsabilidade civil objetiva. obrigaçãopropter rem. nexo de
causalidade. ausência de prequestionamento. papel do juiz na
implementação da legislação ambiental. ativismo judicial. mudanças
climáticas. desafetação ou desclassificação jurídica tácita. súmula 282/stf.
violação do art. 397 do cpc não configurada. art. 14, § 1º, da lei
6.938/1981. 1. Relator Min. Herman Benjamin. DJe, Brasília, 02 Dez. 2009,
p.2.
BRASIL. Constituição Federal, Coletânea de Legislação de Direito
Ambiental / organizadora Odete Medauar; obra coletiva de autoria da
5
45 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Editora Revista dos Tribunais – 5. Ed. Ver., atual. E ampl. – São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006 – (RT‐mini‐códigos).
DI PIETRO, M. S. Zanella. Direito Administrativo. 14ª. Edição. Editora
Atlas, 2002.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco – Curso de direito ambiental
brasileiro / Celso Antonio Pacheco Fiorillo. – 10. Ed. Ver., atual. E ampl. –
São Paulo: Saraiva, 2009.
FERRAZ, Sérgio. Direito Ecológico, Perspectivas e Sugestões. In:
Revista da Consultoria‐Geral do Rio Grande do Sul, vol.2, n.4, Porto Alegre,
1972
GONÇALVES, Carlos Roberto, 1938 – Responsabilidade civil / Carlos
Roberto Gonçalves – 8. Ed. Ver. De acordo com o novo Código Civil (LEI n.
10.406, de 10‐1‐2002). – São Paulo: Saraiva, 2003.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo:
Saraiva,2003.
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao
coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.MILARÉ,
Édis – Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina,
jurisprudência, glossário / ÉdisMilaré; prefácio Ada Pellegrini Grinover. –
6. Ed. Ver., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª.
Edição. Editora Malheiros, 2007.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao Direito
Ecológico e ao Direito Urbanístico, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1975
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de direito ambiental. São
Paulo: Max Limonad, 2002.
46
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
SÉGUIN, Elida. Direito ambiental: nossa casa planetária. 2. ed. Rio de
Janeiro:nForense, 2002.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo:
Malheiros, 1998.
SILVA, Américo Luís Martins da. Direito do meio ambiente e dos
recursos naturais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 1 v.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003.
5
47 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
ANALISE DO MOVIMENTO DE INTEGRAÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE
FRENTE À NOVA LEI DE INCLUSÃO DESTA CLASSE NO TERRITÓRIO BRASILEIRO
PEDRO MARIO GOMES NASCIMENTO: Acadêmico
do Curso de Direito do Centro Universitário Ages‐
UNIAGES.
RESUMO: A preste obra visa discorrer sobre o movimento de integração
de pessoas com deficiência no meio social com fundamento de seus atos
na nova Lei de inclusão de portadores de deficiência na sociedade.
Promulgada em 2009, a convenção sobre Direitos Humanos e com
quórum de emenda Constitucional, surgiu o Decreto nº 6.949 para tal
promulgação, o que ensejou uma grande força nos direitos das pessoas
com alguma deficiência, haja vista, que outra norma de cunho
constitucional e de com status de fundamentais embasava normas
infraconstitucionais. Porém, diante da modernidade se fez necessário criar
uma nova Lei, trazendo maior conforto e segurança à classe, com
inovações e melhorias frente aos necessitados por possuírem
necessidades especiais, e é em analise a tal lei de inclusão a lei 13.146/15
que o intuito do trabalho aqui abordado é dialogar nas melhorias e ganhos
dos direitos do movimento de defesa da classe ora aqui estudada.
PALAVRAS‐CHAVE: Inclusão social; Movimento social; Pessoa com
deficiência; Direitos fundamentais; Aumento de direitos.
– INTRODUÇÃO:
Frente às necessidades de portadores com deficiência em novas
técnicas humanas de gestão e relações sociais, as pessoas com
48
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
necessidades especiais se viram acoadas no sentido de não poderem
interagir e se integrar no meio social com total conforto e disposição, e,
muito menos tiveram condições de trabalhar ou usar de sua liberdade de
locomoção e igualdade de direitos para conseguir algo que por suas
condições foram afetadas.
A Constituição Federal do Brasil adotou um critério de recepção as
normas internacionais, estas, quando o Brasil se fizer signatário, passa
pelo olhar popular através dos representantes do povo, que, no congresso
nacional irá apreciar a norma e verificar sua compatibilidade, com a Carta
Magna Brasileira e então, editar decreto legislativo. Passando, o
presidente irá ratificar e promulgar que será através de um Decreto do
executivo, conforme dispõe a CF/88. Algumas convenções internacionas
poderão quando aprovados pleo Brasil, entrar com força de norma
Constitucional desde que siga o rito do §3º do Art. 5º da Carta Magna.
Houve então, diante de tal critério de recpção, apenas uma
convenção sobre direitos humanos com aprovação do rito acima
mencionado, e, tal tratado visa o aumento da igualdade, liberdade e
dignidade das pessoas com deficiência. Surge frente a edicação do decreto
que promulgou tal convenção, maiores ganhos nacionais para as pessoas
com deficiência, pois, houve grande e significativo aumento de direitos e
melhorias e direitos pré‐existentes.
O problema então é que mesmo com tantas leis as pessoas e o
próprio governo ainda fazem descaso com os portadores de necessisades
especiais, sendo para tal classe hoje considerada como ‘’minoria’’ um
sério problema, pois, princípios constitucinais estão sendo
desrrespeitados, e com eles os direitos pertencentes a toda uma classe.
Faz necessário então, diante de tal problema que assola a classe de
5
49 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
pessoas com deficiência, um estudo quanto ao tema, as leis e os direitos
inerentes a tal grupo e tentar identificar o problema de existir tanto
descumprimento de lei, fato gerador de maiores danos a quem precisa de
apoio.
Diante da entrada em vigor da nova Lei de inclusão, o povo
brasileiro que pertence a classe aqui trabalhada tem uma grande força
normantiva, haja vista que é através desta lei que direitos de pessoas com
deficiência foram aumentados e/ou melhorados. O presente trabalho vem
tratar então primeiramente sobre os requisitos de aceitação de norma
internacional no Brasil, falando posteriormente dos direitos
fundamentais, dos ganhos e melhorias de direitos pela classe ora
abordada e também da participação dos movimentos sociais na luta por
melhores condições.
– A ENTRADA DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS NO DIREITO
BRASILEIRO:
O ordenamento jurídico brasileiro traz que o Brasil em virtude dos
princípios da cooperação entre os povos (Art. 4º, IX da CF/88), da paz
mundial (Art. 4, VI da CF/88) e do desenvolvimento social (Art. 3º, II e III
da CF/88) irá participar de acordos e convenções internacionais, sendo
esta, competência da União (Art. 21, I da CF/88). Logo em seu artigo 49,
Inciso I a CF/88 diz que é função dos representantes do povo (no
congresso nacional) resolver sobre as questões de atos, tratados (é o
mesmo que convenção) e acordos internacionais que acarretem
compromisso ao Brasil.
Percebe‐se que em virtude dos princípios acima descritos, mesmo
sendo permitida a participação do Brasil em orbita internacional, os atos
praticados pelo Brasil deverão diante do princípio do Estado Democrático
50
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
passar pelo crivo do povo Brasileiro, e é claro, respeitar a Constituição
Federal do Brasil. Para o STF, guardião da Constituição, a mesma nunca
poderá ficar por baixo de acordos internacionais, devendo esta sempre ser
à base de fundamentos para aceitação dos mesmos, e, provando esta
afirmação, no julgamento do RE . ‐SP e HC . ‐TO, pela qual se
pronuncia o Supremo Tribunal Federal dizendo que os tratados
internacionais, a depender do tema e da votação terá força diferente, e
para o STF ficaria desta forma:
– TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS APROVADOS COM
QUÓRUM DE EMENDA CONSTITUCIONAL: Esta espécie teria força de
emenda constitucional, sendo então, norma constitucional, ou seja, uma
parte da Constituição que tem força de Constituição, mas que não esta
expressa nela. No Brasil, o único tratado aprovado com quórum de EC foi
o tratado 6.949 da qual trata o presente trabalho. O fundamento de tal
força é oriundo da EC nº 45 que ditou regras e previu um reforma no
judiciário, e dentre as normas fixadas, foi adiciono o §3º do artigo 5º da
Constituição Federal, que diz que ‘’§ 3º Os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais’’, assim, não havendo discursão alguma quanto ao tema.
Este é o tratado mais forte, tendo força de Constituição, porém, nunca,
absolutamente nunca a superando, pois como afirma, Konrad Hesse:
[...] A Constituição não configura apenas a
expressão de um ser, mas também de um dever
ser. Graças à pretensão de eficácia, a
Constituição procura imprimir ordem e
5
51 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
conformação à realidade política e social. Ela
não é apenas determinada pela realidade social,
mas também determinante em relação a ela.
(HESSE, 1991, p. 15).
Não devendo então a Constituição se diminuir.
– TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NÃO APROVADOS COM
QUÓRUM DE EMENDA CONSTITUCIONAL: Para este tipo de tratado, a
constituição, atendendo ao fundamento do princípio basilar da Carta
Magna que é o princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III), será
atribuída força ‘’supralegal’’, ou seja, força hierárquica maior que as das
leis do país, e isto, se devido o que foi dito acima, haja vista que nas
normas internas, a CF/88 tem a lei maior, ficando dentro das próprias
normas da CF os direitos fundamentais que são os Direitos Humanos em
âmbito nacional, com a maior força normativa do Estado e sendo cláusulas
pétreas (Art. 60, §4º, IV).
– TRATADOS DE DIREITO TRIBUTÁRIO: Esta espécie de tratado
por força do próprio CTN recebe força de norma ‘’supralegal’’, conforme
o Art. 98 do CTN.
– TRATADOS QUE NÃO SÃO DE DIREITOS HUMANOS –
FUNDAMENTAIS: Estes tratados não terão força maior que a lei, apenas
será como decreto como outro qualquer no Brasil, isto por que, a Lei é a
força obrigacional do país, é a arma usada pelo princípio da soberania
popular, enquanto que o decreto serve para regular os moldes da Lei se
portar, expressar como a lei deve agir, sendo instrumentos distintos.
Porém vale ressaltar, que a obrigação decorre da Lei, conforme o Art. 5º,
II que diz ‘’ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei’’.
52
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Posicionando então quanto ao tema, o STF então tirou do povo
Brasileiro uma duvida que atormentava toda nação e a crítica de muitos
juízes ao julgar causas que envolviam tratados, haja vista não saber qual
força os mesmos possuíam por na época a CF não dizer expressamente
quanto a sua força. Quanto à norma internacional que o Brasil se
compromete a adotar, esta deve seguir ritos no para começar a valer, e
isto se deriva pelo regime que o Brasil adota. Dentre os regimes existentes
estão o ‘’monista’’ e o ‘’dualista’’. O regime monista é aquele em que as
leis internacionais (externas) e nacionais (internas) são as mesmas e tem
o mesmo condão, enquanto que no regime dualista as leis são
completamente distintas. Percebe‐se que o Brasil adota regras de direito
internacional, porém, após criar suas próprias leis seguindo as orientações
dos tratados, então, chegando à hipótese de que o Brasil segue um regime
dualista, haja vista que segue as regras do direito internacional em âmbito
internacional e suas regras internas diante de suas Leis e Constituição
Nacional, porém, o STF concordando com isso, acrescentou o ‘’titulo’’ de
‘’dualista moderado’’, e tirou a duvida que também havia no Brasil, que
quanto ao tema também se mostrou omisso no texto Constitucional. O
termo ‘’moderado’’ veio diante da influencia e algumas vezes diante da
copia literal das normas constitucionais devendo estas estarem em
‘’moderação’’ com a CF/88 e o STF também acrescentou que existe o
‘’monismo moderado’’ no Brasil e citou o caso do Pacto de São José da
Costa Rica, que ao contrario do Decreto 6.949 que regulou e ensejou na
criação de leis, o Decreto do Pacto São José da Costa Rica apenas
‘’regulou’’ o tratado sem a criação de leis, e, sendo o moderado pelas
mesmas razões, chegando assim a conclusão de que diante da omissão
5
53 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
clara, leva‐se o entendimento de que na verdade o Brasil chega a um
regime meio que ‘’misto’’.
O processo de entrada das normas internacionais no Brasil passa
por diversos atos, e o Mim. Do STF Celso de Mello no julgado do CR 8.279‐
AgR assim explicou todo procedimento:
[...] A recepção dos tratados internacionais
em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil
no âmbito do Mercosul depende, para efeito de
sua ulterior execução no plano interno, de uma
sucessão causal e ordenada de atos revestidos
de caráter político‐jurídico, assim definidos: (a)
aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante
decreto legislativo, de tais convenções; (b)
ratificação desses atos internacionais, pelo
Chefe de Estado, mediante depósito do
respectivo instrumento; (c) promulgação de tais
acordos ou tratados, pelo Presidente da
República, mediante decreto, em ordem a
viabilizar a produção dos seguintes efeitos
básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1)
publicação oficial do texto do tratado e (2)
executoriedade do ato de direito internacional
público, que passa. então ‐ e somente então ‐ a
vincular e a obrigar no plano do direito positivo
interno. Precedentes. O sistema constitucional
brasileiro não consagra o princípio do efeito
direto e nem o postulado da aplicabilidade
54
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
imediata dos tratados ou convenções
internacionais (CR 8.279‐AgR. Plenário. ReI.
Min. Presidente Celso de Mello. J. 17‐6‐98. DJ de
10‐08‐2000).
Percebe‐se que o processo de entrada em vigor é muito mais do
que o chefe do executivo, o vice‐presidente ou o Ministro de Estado
aceitar e assinar um documento internacional com regras é como visto
acima, apenas o primeiro passo, pois, deve passar pela apreciação do
Congresso, posterior ratificação do Presidente, a edição do decreto do
executivo para promulgar, a divulgação e a publicação. Confirmando isso,
vem Francisco Rezek (2008) dizer que “ratificação é o ato unilateral com
que a pessoa jurídica de direito internacional, signatária de um tratado,
exprime definitivamente, no plano internacional, sua vontade de obrigar‐
se” (p.50). Quando o presidente ratifica ele apenas confirma ao povo
internacional que o governo ‘’aceitou’’ as regras, tendo depois que
confirmar em âmbito interno com o decreto legislativo de promulgação,
tendo ainda a eficácia de validade apenas quando for divulgado e
publicado. Sobre a força em âmbito interno confirma o procurador federal
João Eudes Neto (2014) em um artigo citando Paulo Cachapuz de
Medeiros dizendo “depois de ratificado devidamente, o ato internacional
precisa ser promulgado pelo presidente da República e só então se
incorpora à legislação interna brasileira”.
Passando então por todo esse processo, entra em vigor o acordo,
a regra de direito internacional no Brasil positivado pela regra e norma
Brasileira em seu território, estabelecendo relações e modificando,
impulsionando e regendo relações entre o povo e suas condutas.
5
55 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
– O DECRETO PAI DA INCLUSÃO SOCIAL DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA NO BRASL E A LEI . DE (ESTATUTO DA PESSOA
COM DEFICIÊNCIA):
Depois de editado Decreto no Brasil, este passará a regular as
normas, o que aconteceu frente aos direitos das pessoas com deficiência.
Posteriores ao decreto novas normas foram trazidas, e então, em 2015
surge à nova lei de inclusão de pessoas com deficiência, a lei 13.146. Esta
lei, em seu artigo 1º descreve que a mesma é ‘’destinada a assegurar e a
promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das
liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua
inclusão social e cidadania’’. Percebe‐se que a lei baseia‐se nos princípios
da igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana e no exercício da
cidadania, e, a lei trouxe grandes melhorias ao direito dos portadores de
necessidades especiais.
Dentre as grandes mudanças na vida social das pessoas portadoras
de deficiência foram:
1 – O texto da lei velha, a lei . / trazia que: recusar, retardar
ou procrastinar a matricula de aluno devido sua deficiência constituía
crime com reclusão de 1 a 4 anos e multa. Agora, com a edição da lei
13.146 além destes atos que constituem crime, também constitui crime
‘’cobrar valores adicionais’’ a alunos portadores de deficiência, e a pena
agora mudou também e passou a ser de 2 a 5 anos e multa (maiores
chances de educação).
2 ‐ O texto da lei velha, a lei . / trazia que: Obstar, sem justa
causa o acesso de alguém portador de deficiente a cargo público
constituía crime com pena de 1 a 4 anos e multa. Agora, com a edição da
lei 13.146, além deste ato que é crime, também se tornou crime ‘’negar
56
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
ou obstar sem justa causa, pessoa com deficiência a realizar concurso
público’’ e a pena passou a ser de reclusão de 2 a 5 anos e multa (maiores
possibilidades de trabalho).
3 ‐ O texto da lei velha, a lei . / trazia que: Negar socorro
auxilio ou internação de pessoa com deficiência era crime com pena de 1
a 4 anos, porém, se a pessoa prova‐se que não ‘’podia’’ ajudar ela
‘’escapava’’ da imputação do crime. Agora, com a edição da lei 13,146,
negar o socorro, internação, auxilia a pessoa com deficiência é crime em
toda hipótese, não existindo mais a excludente ‘’não poder ajudar’’ que
existia para acabar a punibilidade do crime (socorro prioritário e maior
acesso à saúde).
4 – O texto da lei velha, a lei . / NÃO DIZIA QUE IMPEDIR
OU DIFICULTAR entrada de pessoa com deficiência em planos de saúde
privados era crime. Agora, pós‐edição da lei 13.146, é crime com pena de
reclusão de 2 a 5 anos e multa aquele que impede ou dificulta entrada de
pessoa com deficiência em plano de saúde privado (maior acesso à saúde).
5 – A pena e os crimes citados encontram‐se no artigo 8º da lei
7.853, e a lei 13.146 trouxe também um novo item, dizendo este que É
CAUSA DE AUMENTO DE PENA DE / se os crimes forem praticados em
caso de emergia ou urgência, este dispositivo também se encontra no
artigo 8º da Lei 7.853/89.
6 – Os taxis e vans serão obrigados a reservar 10% de seus veículos
a pessoas com deficiência (Art. da Lei . ), e as locadoras de
veículos a cada 20 veículos que possuírem deverão reservar 1 para pessoas
com deficiência e os veículos reservados para as pessoas com deficiência
deverão ser adaptados no mínimo, câmbio automático, direção hidráulica,
5
57 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
vidros elétricos e comandos manuais de freio e de embreagem (Art.
caput e parágrafo único).
7 ‐ A pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de
Previdência Social (RGPS) tem direito à aposentadoria nos termos da Lei
Complementar n° 142, de 8 de maio de 2013. (Art. da lei . ).
8 – Os artigos a da lei . , trazem quatro práticas que
constituem crimes contra as pessoas com deficiência, e estas práticas
são: A) Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de
sua deficiência; B) Apropriar‐se de ou desviar bens, proventos, pensão,
benefícios, remuneração ou qualquer outro rendimento de pessoa com
deficiência; C) Abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de
saúde, entidades de abrigamento ou congêneres e D) Reter ou utilizar
cartão magnético, qualquer meio eletrônico ou documento de pessoa com
deficiência destinada ao recebimento de benefícios, proventos, pensões
ou remuneração ou à realização de operações financeiras, com o fim de
obter vantagem indevida para si ou para outrem.
9 – O art. da lei , também trouxe prioridade de aquisição
de imóveis em programas habitacionais públicos ou financiados com
dinheiro, material ou profissional dado pela rede pública. O artigo diz:
Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos
públicos, a pessoa com deficiência ou o seu responsável goza de
prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria observada o
seguinte: reserva de, no mínimo, 3% (três por cento) das unidades
habitacionais para pessoa com deficiência.
10 – conforme o artigo º, VII as pessoas com deficiência TERÃO
PRIORIDADE EM QUAISQUER ATOS E DILIGÊNCIAS PROCESSUAIS E NA
PRÓPRIA TRAMITAÇÃO DE PROCESSOS.
58
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Percebe‐se a que a lei foi de grande auxilio as pessoas com
deficiência, haja vista trazer aos mesmos grandes melhorias e condições
maiores de comunicar‐se e lutar por seus direitos, além é claro de ter
prioridade e o direito a acessibilidade, e tudo isso não seria conseguido se
não fosse devido aos movimentos sociais, até por que a participação de
pessoas com deficiência na politica e na relação de representante do povo
é comum, atendendo ao princípio do Estado Democrático, do Sufrágio
Universal e do Estado Republicano, conforme o Art. da lei . traz
‘’O poder público deve garantir à pessoa com deficiência todos os direitos
políticos e a oportunidade de exercê‐los em igualdade de condições com
as demais pessoas’’ e § º do mesmo artigo diz que ‘’À pessoa com
deficiência será assegurado o direito de votar e de ser votada, inclusive
por meio das seguintes ações’’, ou seja, todos realmente são iguais
perante a Lei, independente de cor, raça, natureza, condição, etc. (Art. 5º
da CF/88). O direito a saúde é um direito fundamental, e faz parte dos
direitos sociais, conforme o Art. 6º da CF/88. Segundo José Murilo
Carvalho em sua obra ‘’Cidadania no Brasil: o longo caminho’’ discorre que
o direito a cidadania se constitui tanto os direitos políticos quanto sociais,
classificando os direitos políticos como os de votar, ser votado e participar
das politicas do país, enquanto que os sociais são a garantia dos direitos
subjetivos inerentes à pessoa na sociedade (CARVALHO, 2002, p. 09 e 10),
e assim faz a luta dos movimentos pelos direitos das classes a qual
representa.
– OS MOVIMENTOS SOCIAIS COMO FONTE DE ESPERANÇA E LUTA
POR DIREITOS PARA AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA:
Os movimentos sociais têm muita influência nas relações da
sociedade, principalmente quanto prestam auxilio social a alguma classe
5
59 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
ou grupo, que por falta de algo ou da execução de algo têm direitos
suprimidos, desconsiderados e por muitas vezes diretamente afetados.
Movimentos sociais para Poupeau (2007) ‘’torna‐se dependente da
opinião pública, pois é preciso que a sociedade manifeste o conhecimento
da ação, precisa que se discuta e debata o que se está demandando,
reclamando ou denunciando, para que a ação coletiva venha a atingir
reconhecimento e legitimidade social’’ (p. 47) e o mesmo autor trás que ‘’
A mídia e sua cobertura tornam‐se elementos estratégicos nessa
configuração; ela contribui para a direção do movimento, pois o
movimento social precisa de visibilidade (p. 48). Percebe‐se que os
estudiosos classificam os movimentos sociais como de ‘’função social’’,
pois levam os anseios de determinados grupos específicos para sociedade
em sua totalidade, e ganham maior força com mais divulgação,
especificamente, pelas mídias. Castells por sua vez, comenta sobre o
impacto que tem os movimentos na sociedade, alertando que são tão
fortes e impactantes que são capazes realmente de conseguir as
almejadas mudanças (CASTELLS, 2013, p. 25).
A UNIAGES, centro universitário localizado no interior da Bahia,
possui ao seu conteúdo programático, um projeto de pesquisa, o
conhecido ‘’Projeto Integrador’’, e para os alunos de Direito do IX período,
foi confiado aos alunos o dever de estudar movimentos sociais pela
microrregião local, seus problemas, dificuldades e qualidades, e também
o que fazem como fazem e por que fazem.
O projeto integrador e seus fundamentos relacionam‐se com o
presente trabalho em alguns aspectos, pelas quais, se poder afirmar que
a representatividade de uma classe, a importância na luta e o auxilio dos
60
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
movimentos sociais nos grupos de minorias representados e tratados nos
movimentos frente à sociedade.
Tem‐se como exemplo, por um estudo realizado, foi visto no
Relatório do projeto integrador do semestre passado (2015.2) a pesquisa
realizada no Sindicato dos trabalhos rurais, e, a maior relação em auxilio a
população, como dito acima, é a influencia nas lutas, tanto é que se pode
confirmar com as partes do relatório a seguir:
– ‘’Amor à causa’’: Nota‐se na ultima questão a resposta que é
indicada participar quem tem ‘’amor à causa’’, ou seja, determinação e
vontade para ajudar a classe, pois a causa aqui são as necessidades, e no
caso apresentando, as necessidades de lutar pelos interesses do grupo dos
trabalhadores rurais.
– Auxilio judicial e social: Percebe‐se na penúltima questão em
que foi respondido que existem mutirões para auxiliar a causa e quem
pertence à classe relacionada a causa, e nas questões 11, 12 e 16, a qual
percebe a ajuda do sindicato em questões judiciais de aposentadoria,
pensões, retificações de registros e em auxilio a mulheres gravidas.
É com isso que se percebe a relação e a importância dos
movimentos sociais. Outro ponto que vale ressaltar é a participação social
dos movimentos, por exemplo, como se pode observar houve ajuda em
questões jurídicas. A advocacia popular é defendida pelos movimentos
sociais, e segundo Flavia Carlet, em sua dissertação de mestrado
‘’Advocacia popular’’ (2010), ‘’a advocacia popular por sua vez, atua sob
uma perspectiva oposta a globalização neoliberal, em prol do Direito
transformador, preocupado com as necessidades humanas dos grupos
sociais excluídos’’ (p. 112), nota‐se que o âmbito jurídico é de suma
importância também nessa participação de movimentos sociais frente à
5
61 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
busca de direitos para as classes que estão no movimento, e o movimento
social com apoio jurídico é um movimento social mais completo, que
buscam segundo Castells ‘’a ascensão de novas formas e a transformação
social’’ (p. 49), que são seus objetivos.
‐ CONCLUSÃO:
Portanto vale salientar que é perceptível a importância dos
direitos fundamentais da igualdade e liberdade, assim também como o
exercício da cidadania, sendo todos esses direitos inerentes a uma vida
digna e em concordância com a Constituição Federal do Brasil. Nota‐se
que a evolução mundial e a globalização trouxeram consequências, e,
estas, afetam principalmente as pessoas que não possuem todas as
condições necessárias ao deslocamento, conhecimento, acesso à justiça,
à saúde e à educação, sendo muitas vezes causas de existirem doenças
como o empecilho que trás a distância dos seres a tais condições e
direitos.
Conclui‐se que existe sim um grande problema na sociedade e é a
falta da consciência e execução das leis no país, haja vista, que grandes
condições de melhorias e maiores ainda condições de acessibilidade à lei
brasileira veio trazer aos portadores de deficiência, sendo o problema
principal a falta do cumprimento da lei e a falta de conhecimento do povo
e o preconceito social existente ainda nos dias atuais.
Outras formas de combate à descriminação social foram criadas,
e estas derivam de projetos e movimentos sociais, que como visto são de
extrema importância e de grande necessidade a classe para evolução dos
direitos do grupo que pertence às minorias. Mesmo com o direito de
igualdade, as pessoas com deficiência ainda sofrem com a questão da
acessibilidade, pois, justamente o não cumprimento da lei torna fraca as
62
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
formas e as condições de se tornar acessível algumas atividades, cabendo
então, denuncia ao Ministério Público que como foi também salientado é
o fiscal da Lei e foi incumbido de guardar os diretos difusos e coletivos, as
quais se firmam os direitos das minorias, que em sua grandeza engloba os
direitos das pessoas portadoras de necessidades especiais.
O ordenamento jurídico brasileiro tem uma boa relação e até um
sentido em acatar as normas internacionais em sua ordem jurídica interna
com os requisitos previstos, percebe‐se que o povo é o maior interessado
e por isso realmente tem que aprovar, o que o faz, emanando seu poder
através de seus representantes. Os direitos fundamentais e humanos pela
dimensão de seu poder e de sua importância e auxilio a sociedade e
principalmente as classes das minorias vem a cada vez, mas serem
desrespeitados, o que é claramente visível como um erro, haja vista que
diante de tantas lutas que nossos antepassados travaram enfrentarem e
viveram para conseguir deveria ter todo respeito e cumprimento
voluntariamente necessário e organizado.
Uma hipótese de provocar uma maior executividade às leis do
Estado e assim garantir melhor trabalho e mais sentido ao princípio do
Estado de Direito, que rege que nenhum humano é maior que a lei seria
uma mudança no sistema punitivo do Estado, dando prioridade a
aumentar a pena para o descaso aos direitos fundamentais, inclusive,
aumentando mais ainda quando cometidos pelo próprio estado e também
aumento na corrupção dos representantes do povo no governo, que, é de
lá que originalmente se vem o maior desrespeito aos direitos
fundamentais, humanos e aos direitos gerais.
Os movimentos sociais vêm lutando por melhorias e avanços os
direitos de suas classes, e na relação aos direitos humanos fundamentais
5
63 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
para todos, dai a extremidade de sua importância, e outro ponto a
salientar é que o povo é parte dos movimentos sociais, o que então, faz
perceber que o próprio povo a qual é representado esta descontente com
algo.
Por fim, conclui‐se, portanto que é notavelmente percebido que o
Decreto nº 6.949 de 2009 que fundamentou a lei 13.146/15 que por sua
vez promoveu mudanças na lei 7.853/89, foi um grande avanço no direito
brasileiro, inclusive o precursor de melhorias e ganhos de direitos a
sociedade em geral, e, principalmente em relação aos direitos das
minorias na classe das pessoas com deficiência.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil.
Brasília, 1988.
BRASIL. Lei . / – Lei de integração de pessoas com
deficiência. Brasília, 1988.
BRASIL. Lei . / – Estatuto da pessoa com deficiência.
Brasília, 1988.
BRASIL. Decreto nº . / – Inclusão de pessoas com
deficiência. Brasília, 1988.
CARLET, Flávia. Advocacia Popular: práticas jurídicas e sociais no
acesso ao direito e à justiça aos movimentos sociais de luta pela terra.
Brasília: UNB. Faculdade de Direito/Coordenação de Pós‐Graduação em
Direito/Mestrado em Direito, Estado e Constituição, 2010. (Dissertação de
Mestrado).
CARVALHO, Jose Murilo. Cidadania no Brasil: o logo caminho. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
64
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
CASTELLS, Manuel. Rede de indignação e esperança: movimentos
sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de
Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Safe, 1991.
NETO, João Eudes Leite Soares. Promulgação e publicação como
condição para vigência doméstica dos tratados internacionais. Revista
Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4120, 12 out. 2014. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/29898>. Acesso em: 22 maio 2016.
POUPEAU, Franck. Dominación y movilizaciones. Córdoba: Ferreyra
Editor, 2007.
REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso
elementar. 11ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
5
65 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
IMPACTOS DOS TRATADOS INTERNACIONAIS E DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
SOBRE A POLÍTICA NACIONAL ANTIDROGAS
FRANCISCA PEREIRA DIAS: Acadêmica do Curso de
direito na Universidade de Brasília.
Resumo: o presente artigo tencionar apresentar algumas considerações
de natureza empírica a respeito do rumo normativo adotado pelo Brasil
no que refere à repressão ao tráfico internacional de drogas, com
fundamento nas convenções e resoluções da Organização das Nações
Unidas – ONU, das predisposições políticas e institucionais decorrentes
dessas normas, e nos reflexos do princípio da proporcionalidade entre as
penas e os objetivos almejados pela sociedade.
Palavras‐chave: Tráfico internacional de drogas. Normativos. Políticas
Internacionais. Proporcionalidade.
. Histórico e Desdobramentos recentes.
Após sua criação em 1945, a ONU – Organização das Nações Unidas
– começou a traçar diretrizes norteadoras aos países a ela associados, a
fim, sinteticamente, de harmonizar as relações internacionais.
Sob esse enfoque, foram estabelecidas as regras gerais da
repressão ao tráfico internacional de drogas. Assim, foram realizadas três
convenções dirigidas por esse organismo multilateral, compulsórias aos
países signatários, descritas a seguir.
66
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
A Convenção Única sobre Entorpecentes, aprovada em Nova Iorque
em 1961 e emendada pelo Protocolo de 1972. Revestida de caráter
proibicionista e bastante severo quanto à responsabilização e persecução
penal a quaisquer formas de comércio e consumo de drogas, essa
convenção estabeleceu um complexo sistema internacional de controle,
cabendo aos países‐membros a incorporação dos regramentos
formalizados no bojo da convenção. Entre as determinações e objetivos
constantes do referido documento, menciona‐se a instituição sistemática
do controle sobre a produção, vedação ao comércio e distribuição de
substâncias entorpecentes, bem como a aplicação de sanções penais a
quem infringisse tais imposições.
Entre suas regulamentações, destaque‐se a recomendação para
que toda forma dolosa de tráfico, produção e posse de drogas sejam
objeto de sanções penais. A estratégia de repressão ao tráfico se efetivaria
por meio da cooperação internacional e da realização de ações
coordenadas, com vistas a desestimular a formação do tráfico.
Em suma, na Convenção de 1961, observa‐se a compreensão de
que o uso de drogas deve se restringir finalidades médicas e científicas,
devendo ser coibidas quaisquer outras aplicações que não se enquadrem
estritamente nesses critérios. Além disso, o escopo da convenção se
limitou a duas tipologias de drogas: cannabis e coca.
Na mesma perspectiva de rigor na fiscalização e repressão, em
1971, foi assinada pela ONU a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas,
introduzindo as substâncias psicotrópicas no grupo de substâncias
vedadas e objeto de intervenção e controle. Repete‐se também nesta
5
67 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
resolução o propósito de supervisionar e monitorar o uso meramente
medicinal e científico das substâncias objeto da Convenção.
Em 1972, a Convenção de 1961 foi emendada, nos termos de
Protocolo assinado para tal fim. Esse documento representou uma inédita
possibilidade aos países‐membros de recorrerem a alternativas menos
gravosas no que diz respeito aos usuários, criando os subsídios que
serviriam de referência principalmente aos países europeus a
desenvolverem, ainda de maneira embrionária, sistemas de tratamento
ancorados no objetivo de recuperação de dependentes e da priorização
da política de redução de danos.
A partir desse momento, vislumbra‐se o começo de uma
reformulação metodológica e principiológica do sistema internacional de
repressão ao tráfico de drogas, com possível deslocamento do foco da
penalização absoluta para a lógica de redução de danos. Tudo isso sob um
ainda temerário e questionável consenso.
Apesar desse contexto preliminar, foi assinada em 1988 a
Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e
Substâncias Psicotrópicas de 1988, de caráter eminentemente repressivo,
reconhecendo a problemática do tráfico internacional de drogas como um
desafio coletivo global, sustentado fundamentalmente no princípio da
responsabilidade compartilhada, que deveria nortear ações internacionais
coordenadas para combater e reprimir o tráfico.
A ênfase da Convenção de 1988 é efetivamente o combate à
ramificada e crescente atuação das organizações criminosas de tráfico de
68
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
drogas, bem como aos delitos conexos, a exemplo da lavagem de dinheiro
resultante do comércio ilícito.
A esse respeito, a Convenção recomenda aos países signatários a
tipificação criminal em seu direito interno de todas as atividades
relacionadas à produção, fabricação, extração, preparação, comércio,
transporte e distribuição de qualquer das substâncias presentes nas listas
das Convenções de 1961 e 1971, conforme se observa na redação do art.
3, § 1.
A princípio, houve um disseminado consentimento em relações às
definições estabelecidas pela convenção, o que fez com esse instrumento
fosse ratificado e observado nas legislações nacionais, notadamente
sistemas penais, e orientasse o estabelecimento das políticas públicas
relativas ao tema.
Ainda a respeito dessa convenção, faz‐se necessário pontuar que a
posse de entorpecentes e o consumo pessoal também deveriam ser
severamente coibidos e igualmente classificados como tráfico ilícito.
Em decorrência da instituição das três convenções da ONU, foi
constituída uma estrutura orgânica para coordenar e executar as
diretrizes ora convencionadas, bem como monitorar o desenvolvimento
do tráfico internacional de entorpecentes. Os órgãos em questão têm seu
funcionamento regido pela seguinte dinâmica:
‐ Assembleia Geral da ONU (poder político‐legislativo);
5
69 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
‐ Comissão de Narcóticos ‐ CND, (pertencente à estrutura do Conselho
Econômico e Social – ECOSOC). Esse colegiado é encarregado do debate
sobre as políticas concernentes a drogas e suas implicações. Suas reuniões
são anuais;
‐ International Narcotic Control Board (INCB), que é Conselho de
Controle Internacional de Drogas, órgão independente e com cunho
judiciário, responsável pelo controle da implementação das Convenções
sobre drogas.
O controle perpetrado pela estrutura acima descrita toma como
instrumento, além obviamente dos dispositivos normativos das
convenções, um sistema de tabelas, contendo substâncias que receberão
níveis gradativos de intensidade de controle e intervenção, conforme os
riscos apresentados.
Em que pese o caráter vinculativo das convenções aos países que a
subscreverem, a própria Convenção de 1988 ressalva o respeito ao
sistema jurídico interno de cada país no que se refere ao acolhimento dos
preceitos internacionais, de acordo com o expressamente contido no art.
3º, item 2.
Em 1998, a Assembleia Geral da ONU promoveu uma Sessão
Especial denominada UNGASS, com o objetivo de debater o problema
internacional do tráfico ilícito de entorpecentes e seus efeitos. A sessão
teve como mola propulsora o fato de as políticas até então veiculadas sob
os auspícios da ONU terem se mostrado ineficazes no combate à evolução
do tráfico de drogas ilícitas.
70
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
No âmbito das conversações, formaram‐se algumas vertentes bem
distintas em termos de orientações e propósitos:
a‐ países simpáticos à manutenção do status quo das
convenções, ou seja, de continuidade do controle repressivo,
punitivo e penalizador, incondicionalmente, a fim de buscar
o ideal do mundo sem drogas. Os principais patrocinadores
dessa formulação eram Estados Unidos, China, Rússia e
grande parte da Ásia;
b‐ países que desejam a implantação da figura da
responsabilidade compartilhada, para os quais a ênfase
deveria ser na redução do consumo e no investimento na
construção de medidas alternativas. Em geral, tratava‐se de
países latino‐americanos produtores de substâncias
consideradas drogas naturais, como a coca;
c‐ países que defendiam uma política focada na redução
de danos, em razão da ineficácia do sistema absolutamente
repressivo vigente até o momento. Os países europeus eram
os principais representantes desse grupo.
Desde a realização da UNGASS/98, a partir da qual se passou um
lapso temporal de 10 anos até a avaliação de seus resultados,
intensificaram‐se as críticas e as objeções à política oficial de drogas da
ONU, dada a ausência de resultados que indicassem qualquer êxito das
políticas adotadas até aquele momento. Ao contrário, o tráfico ilícito
mostrou crescimento, acarretando com isso o aumento e a proliferação
5
71 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
do consumo de drogas. Essas visões divergentes aumentaram de
intensidade no período.
Em consonância com a tripartição de posições que se formou a
partir da UNGASS/98, alguns países europeus, com destaque para
Portugal, Holanda, Reino Unido e Suíça, começaram a questionar de forma
mais incisiva o modelo internacional de combate ao tráfico de drogas,
fortalecendo suas convicções em favor da política de redução de danos e
de um maior equilíbrio entre prevenção e repressão. Em contrapartida, o
citado modelo internacional mantém‐se paradigmático para potências
influentes como Estados Unidos, o que dificultava em demasia a mudança
de orientação das Nações Unidas.
Em 2009, em Viena, Áustria, foi realizada a reunião da CND, para a
qual se esperava a construção de um consenso a respeito da
recomendação para inserção no ordenamento interno dos países da
política de redução de danos, especialmente com a não criminalização dos
cultivos tradicionais, sobretudo em países da América Latina. Visava ainda
reformular o sistema proibicionista, moderar a gravidade das penas
(princípio da proporcionalidade) e admitir a prevalência dos tratados
internacionais de direitos humanos perante as normatizações sobre
drogas.
No entanto, oficialmente, essa conferência não concretizou as
expectativas de mudanças e de inclusão da expressão “redução de danos”
no Plano de Ação que regerá as políticas internas de controle de drogas
até 2019, mantendo‐se, para efeitos de documentação, a vigente política
72
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
proibicionista e punitiva, que era a defendida por potências como Estados
Unidos, Rússia e China.
Efetivamente, esse desfecho marcou notório dissenso entre os
países, pois, alguns países europeus, Canadá, Bolívia, entre outros
acenaram para a admissão em suas políticas internas da retórica da
política de redução de danos, respeito aos direitos humanos e
descriminalização da posse do consumo. Em linhas, essas nações
fundamentavam suas visões no fato de que o rigoroso controle até então
adotado e chancelado pela ONU fora ineficiente na repressão ao tráfico,
gerando, ao contrário, aumento do consumo e da marginalidade.
No caso específico do Brasil (e dos países em desenvolvimento em
geral), a despeito de cumprir rigidamente o modelo internacional
chancelado pela ONU, o tráfico ilícito seguiu evoluindo e com ele toda uma
variedade de problemas sociais, cuja gravidade cresce progressivamente.
Em 2009, por ocasião da reunião da CND, a representação brasileira
enunciou, em seu discurso, a necessidade de uma sistemática revisão das
políticas de drogas e, entre outros pontos, sublinhou a importância do
incremento de ações e programas de prevenção baseados em dados
científicos, com ênfase nas populações mais vulneráveis, além da maior
disponibilização de tratamento aos usuários de drogas.
À vista desse cenário, o Brasil passou a seguir, mesmo que não
declaradamente, uma tendência normativa e institucional aderente à
política de redução de danos, uma vez que, em julho de 2005, foi
publicada a Portaria nº 1258, cuja iniciativa aponta uma nítida
5
73 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
preocupação com a redução dos danos sociais, transferindo‐se, para a
saúde pública, a responsabilidade pela condução de medidas com o
enfoque de reduzir os efeitos adversos decorrentes, tanto sociais como à
saúde, do uso indiscriminado de produtos ou drogas que causem
dependência. Essa diretriz oficial denota, assim como iniciado na Europa,
uma justificável preocupação com a prevenção e a redução de danos.
Assim, em 2006, foi publicada a Lei nº 11.343, que passou a
constituir a política brasileira de repressão ao tráfico de drogas,
popularmente chamada de Lei de drogas.
Por fim, vale acrescentar que em abril de 2016 foi realizada mais
uma versão da UNGASS, cujo documento final, ainda que não tenha
trazido as soluções esperadas para repressão ao aumento progressivo do
tráfico de drogas e de seus efeitos deletérios, teve o mérito de contemplar
inovações há tempos desejadas, quais sejam, prestigiar a política de
redução de danos em face do usuário de drogas e favorecer o
sopesamento de outras medidas que não necessariamente o
encarceramento quanto a delitos relacionados a drogas. Esse fato
certamente pavimenta o caminho para o deslocamento dos esforços
públicos de uma política unicamente repressiva para a priorização de
medidas ancoradas nos direitos humanos e na saúde pública.
. Política Nacional Antidrogas. Lei n. / e o Princípio da
Proporcionalidade
Inicialmente, à guisa de esclarecimento, este tópico não visa ao
exaurimento das discussões doutrinárias referentes ao tema, mas apenas
74
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
focalizar o abrandamento do tratamento penal aplicado ao consumo e à
posse de drogas, e o surgimento de uma tônica mais humanista e aderente
à questão social, como se vislumbra no cotejo dos seguintes dispositivos
da Lei de Drogas:
Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas ‐ Sisnad; prescreve
medidas para prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de
drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas
e define crimes.
Art. 4o São princípios do Sisnad:
I ‐ o respeito aos direitos fundamentais da
pessoa humana, especialmente quanto à sua
autonomia e à sua liberdade;
VII ‐ a integração das estratégias nacionais e
internacionais de prevenção do uso indevido,
atenção e reinserção social de usuários e
dependentes de drogas e de repressão à sua
produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito;
Art. 5o O Sisnad tem os seguintes objetivos:
I ‐ contribuir para a inclusão social do cidadão,
visando a torná‐lo menos vulnerável a assumir
comportamentos de risco para o uso indevido de
drogas...
5
75 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Art. 19. As atividades de prevenção do uso
indevido de drogas devem observar os seguintes
princípios e diretrizes:
VII ‐ o tratamento especial dirigido às parcelas
mais vulneráveis da população, levando em
consideração as suas necessidades específicas;
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em
depósito, transportar ou trouxer consigo, para
consumo pessoal, drogas sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar
será submetido às seguintes penas:
I ‐ advertência sobre os efeitos das drogas;
II ‐ prestação de serviços à comunidade;
III ‐ medida educativa de comparecimento a
programa ou curso educativo.
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar,
produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda,
oferecer, ter em depósito, transportar, trazer
consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a
consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar:
76
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Pena ‐ reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e
pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e
quinhentos) dias‐multa....
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º
deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de 1/6
(um sexto) a 2/3 (dois terços), vedada a conversão
em penas restritivas de direitos, desde que o agente
seja primário, de bons antecedentes, não se dedique
às atividades criminosas e nem integre organização
criminosa.
(grifos nossos).
A análise comparativa dos trechos acima transcritos, notadamente
das expressões destacadas, revela de forma inequívoca o viés conservador
moderado da Lei de Drogas, em que a ênfase está dirigida aos aspectos
humanitários, à reinserção social dos usuários, aos atenuantes que
poderão ser aplicados pelo juiz no estabelecimento da pena ‐ o que
consagra o princípio da proporcionalidade ‐ e à proteção dispensada aos
que se enquadrarem na classificação de usuários, consumidores,
relativamente aos que responderem pelo tráfico e/ou comércio não
autorizado de substâncias ilícitas.
Adentrando‐se mais especificamente na noção de
proporcionalidade das medidas e ações previstas na Lei de Drogas, é
pertinente apresentar as seguintes conceituações do princípio da
proporcionalidade, basilar no ordenamento jurídico pátrio, reveladoras da
essência do principio e materialmente adequadas ao enredo deste
5
77 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
trabalho, extraídas do Sumário Executivo Relatório de Pesquisa “Tráfico
de Drogas e Constituição” (2009, p. 32):
O princípio da proporcionalidade é um princípio
geral do direito que proíbe que o indivíduo sofra ônus
desnecessários quando se comporte de forma
inadequada em face da norma jurídica. Devem ser
considerados dois pressupostos: o da necessidade
(de natureza técnico‐instrumental) e o da adequação
(normativo). É um princípio que se destaca por
“proibir o excesso” da intervenção do Estado sobre o
cidadão sendo, portanto, guardião da liberdade.
Em sentido estrito, o princípio da
proporcionalidade atua para que o resultado
pretendido justifi que o índice de coação provocado
pela norma jurídica, ele confronta objetivo com
meios empregados, para que os efeitos colaterais da
aplicação da norma não sejam maiores que os efeitos
que dela se espera.
Para reforçar os elementos presentes nas definições supra
destacadas, entende‐se pertinente apontar também que:
O princípio da proporcionalidade rechaça,
portanto, o estabelecimento de cominações legais
(proporcionalidade em abstrato) e a imposição de
penas (proporcionalidade em concreto) que careçam
de relação valorativa com o fato cometido
78
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
considerado em seu significado global. Tem, em
consequência, um duplo destinatário: o poder
legislativo (que tem de estabelecer penas
proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito)
e o juiz (as penas que os juízes impõem ao autor do
delito têm de ser proporcionadas à sua concreta
gravidade).” (FRANCO, 2007. p. 67).
Com o advento da CF/88, o controle da proporcionalidade das leis
foi consagrado, tornando‐se um dos elementos garantidores da proteção
aos direitos fundamentais e de verificação ex ante, no âmbito do controle
legistativo, e ex post, relativo à obrigatoriedade de o exame judicial
considerar esse princípio no controle dos atos normativos, tudo em
conformidade com a ordem democrática e com o sistema de freios e
contrapesos.
Esses apontamentos atestam o fato de que os sistemas legislativo e
judicial brasileiros estão harmônicos com as tendências sinalizadas,
especialmente por países europeus, de internalizar políticas de redução
de danos, em detrimentos dos normativos assentados na retórica do
proibicionismo e da criminalização, prevalentes nas convenções das
Nações Unidas, as quais sinalizam um indicativo de mudança, a julgar
pelos desdobramentos da UNGASS/2016.
. Conclusão
Desse modo, com fundamento no demonstrado cenário de
alheamento de considerável número de nações aos normativos
5
79 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
internacionais da ONU a respeito da repressão ao tráfico internacional de
drogas, e de acordo com as diretrizes instituídas na Lei 11.343/2006,
conclui‐se que o Brasil, em que pese historicamente acompanhar a
documentação internacional e, sobretudo, a política estadunidense,
altamente conservadora, está muito mais inclinado à crescente mudança
de paradigma, guiando‐se pelo respeito aos direitos humanos, pela
proporcionalidade das penas e pela construção de mecanismos
alternativos que considerem a questão social no tratamento dado a
usuários de drogas. Apesar disso, as iniciativas públicas ainda precisam ser
mais fomentadas, por meio da criação de programas de redução de danos
e de construção de estratégias que viabilizem medidas alternativas que
considerem os aspectos sociais e humanitários como condutores na
tomada de medidas punitivas (princípio da proporcionalidade).
REFERÊNCIAS
BOITEUX, Luciana. A nova lei de drogas e o aumento de pena do
tráfico de entorpecentes. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências
Criminais. São Paulo, 2014.
BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas ‐ Sisnad; prescreve medidas
para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários
e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção
não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras
providências. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004‐
2006/2006/lei/l11343.htm>. Consulta em 3 de set. 2009.
80
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
______. Ministério da Justiça. Secretaria de Assuntos Legislativos.
Sumário Executivo Relatório de Pesquisa “Tráfico de Drogas e
Constituição”. Resumo do Projeto de Pesquisa apresentado ao Ministério
da Justiça/ PNUD, no Projeto “Pensando o Direito”, Referência PRODOC
BRA/08/001. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009.
Brasília: Universidade de Brasília, 2009.
FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007.
5
81 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
O DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE À LUZ DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DO STF
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL: Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especializando em Práticas Processuais - Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.
Resumo: Evidenciar se faz imprescindível que o sentido de
fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no contexto da
construção histórica dos direitos básicos inerentes à pessoa humana, uma
das expressões mais robustas das liberdades reais ou concretas – impõe ao
Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por
cumprido, no que pertine às instâncias governamentais, quando estas
adotarem providências destinadas a promover, de maneira plena, a
satisfação efetiva da determinação ordenada pelo Texto Constitucional.
Denota-se, desta sorte, que, ultrapassando a simples positivação dos
direitos sociais, o que traduz estágio imprescindível ao processo de
afirmação constitucional e que afigura como pressuposto indispensável à
perseguição de sua eficácia jurídica, recai sobre o Ente Estatal,
independente da esfera, o inafastável liame institucional consistente em
82
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
conferir manifesta efetividade a tais prerrogativas elementares. Tal fato
decorre da necessidade de permitir, ao indivíduo, nas situações de
injustificável inadimplemento da obrigação, que tenham eles acesso a um
sistema organizado de garantias instrumentalmente atreladas à realização,
no que se refere às entidades governamentais, da tarefa imposta pela Carta
de 1988.
Palavras-chaves: Direitos Fundamentais Sociais. Direito à Educação.
Judicialização dos Direitos Fundamentais.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de
Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve
Retrospecto da Idade Antiga à Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de
Primeira Dimensão: A Consolidação dos Direitos de Liberdade; 4 Direitos
Humanos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais como substrato de
edificação dos Direitos de Igualdade; 5 O Direito à Educação Infantil: Uma
análise à luz do Entendimento Jurisprudencial do STF.
1 Comentários Introdutórios: Ponderações ao Característico de
Mutabilidade da Ciência Jurídica
Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise
robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a
Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço
doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra,
reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares
característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação.
Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram
a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não
mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques,
alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar
5
83 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não
mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em
uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados
pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a
evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influenciam
a confecção e aplicação das normas.
Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi
jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e
cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1].
Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada
na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no
constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e
arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por
sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar
que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem
valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião (“Olho por olho, dente
por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no
seio da coletividade.
Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é
possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço
axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando
se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos
84
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto
proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento
de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é
contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força,
o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que
apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a
aplicação dos Diplomas Legais.
Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a
concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via
de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais
da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta
doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do
valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir
de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da
corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua
principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas
hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das
leis.
2 Prelúdio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da Idade
Antiga à Idade Moderna
Ao ter como substrato de edificação as ponderações estruturadas,
imperioso se faz versar, de maneira maciça, acerca da evolução dos direitos
humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e garantias
fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de
5
85 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
uma construção paulatina, consistindo em uma afirmação e consolidação
em determinado período histórico da humanidade. “A evolução histórica
dos direitos inerentes à pessoa humana também é lenta e gradual. Não são
reconhecidos ou construídos todos de uma vez, mas sim conforme a própria
experiência da vida humana em sociedade”[4], como bem observam
Silveira e Piccirillo. Quadra evidenciar que sobredita construção não se
encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo à conquista de
direitos está em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira
substancial, pela difusão das informações propiciada pelos atuais meios de
tecnologia, os quais permitem o florescimento de novos direitos, alargando,
com bastante substância a rubrica dos temas associados aos direitos
humanos.
Nesta perspectiva, ao se estruturar uma análise histórica sobre a
construção dos direitos humanos, é possível fazer menção ao terceiro
milênio antes de Cristo, no Egito e Mesopotâmia, nos quais eram
difundidos instrumentos que objetivavam a proteção individual em relação
ao Estado. “O Código de Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira
codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, tais
como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo,
igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes”, como bem
afiança Alexandre de Moraes[5]. Em mesmo sedimento, proclama Rúbia
Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:
Na antiguidade, o Código de Hamurabi (na
Babilônia) foi a primeira codificação a relatar os
direitos comuns aos homens e a mencionar leis de
proteção aos mais fracos. O rei Hamurabi (1792 a
1750 a.C.), há mais de 3.800 anos, ao mandar redigir
o famoso Código de Hamurabi, já fazia constar alguns
86
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Direitos Humanos, tais como o direito à vida, à
família, à honra, à dignidade, proteção especial aos
órfãos e aos mais fracos. O Código de Hamurabi
também limitava o poder por um monarca absoluto.
Nas disposições finais do Código, fez constar que aos
súditos era proporcionada moradia, justiça, habitação
adequada, segurança contra os perturbadores, saúde e
paz[6].
Ainda nesta toada, nas polis gregas, notadamente na cidade-
Estado de Atenas, é verificável, também, a edificação e o reconhecimento
de direitos basilares ao cidadão, dentre os quais sobressai a liberdade e
igualdade dos homens. Deste modo, é observável o surgimento, na Grécia,
da concepção de um direito natural, superior ao direito positivo, “pela
distinção entre lei particular sendo aquela que cada povo da a si mesmo e
lei comum que consiste na possibilidade de distinguir entre o que é justo e
o que é injusto pela própria natureza humana”[7], consoante evidenciam
Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira, que os direitos
reconhecidos não eram estendidos aos escravos e às mulheres, pois eram
dotes destinados, exclusivamente, aos cidadãos homens[8], cuja acepção,
na visão adotada, excluía aqueles. “É na Grécia antiga que surgem os
primeiros resquícios do que passou a ser chamado Direito Natural, através
da ideia de que os homens seriam possuidores de alguns direitos básicos à
sua sobrevivência, estes direitos seriam invioláveis e fariam parte dos seres
humanos a partir do momento que nascessem com vida”[9].
O período medieval, por sua vez, foi caracterizado pela maciça
descentralização política, isto é, a coexistência de múltiplos centros de
poder, influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural do
feudalismo, motivado pela dificuldade de práticas atividade comercial.
5
87 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Subsiste, neste período, o esfacelamento do poder político e econômico. A
sociedade, no medievo, estava dividida em três estamentos, quais sejam: o
clero, cuja função primordial estava assentada na oração e pregação; os
nobres, a quem incumbiam à proteção dos territórios; e, os servos, com a
obrigação de trabalhar para o sustento de todos. “Durante a Idade Média,
apesar da organização feudal e da rígida separação de classes, com a
consequente relação de subordinação entre o suserano e os vassalos,
diversos documentos jurídicos reconheciam a existência dos direitos
humanos”[10], tendo como traço característico a limitação do poder estatal.
Neste período, é observável a difusão de documentos escritos
reconhecendo direitos a determinados estamentos, mormente por meio de
forais ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados à região em que
vigiam. Dentre estes documentos, é possível mencionar a Magna Charta
Libertati (Carta Magna), outorgada, na Inglaterra, por João Sem Terra, em
15 de junho de 1215, decorrente das pressões exercidas pelos barões em
razão do aumento de exações fiscais para financiar a estruturação de
campanhas bélicas, como bem explicita Comparato[11]. A Carta de João
sem Terra acampou uma série de restrições ao poder do Estado, conferindo
direitos e liberdades ao cidadão, como, por exemplo, restrições tributárias,
proporcionalidade entre a pena e o delito[12], devido processo legal[13],
acesso à Justiça[14], liberdade de locomoção[15] e livre entrada e saída do
país[16].
Na Inglaterra, durante a Idade Moderna, outros documentos, com
clara feição humanista, foram promulgados, dentre os quais é possível
mencionar o Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitações ao poder
de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o julgamento pelos pares
para a privação da liberdade e a proibição de detenções arbitrárias[17],
reafirmando, deste modo, os princípios estruturadores do devido processo
88
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
legal[18]. Com efeito, o diploma em comento foi confeccionado pelo
Parlamento Inglês e buscava que o monarca reconhecesse o sucedâneo de
direitos e liberdades insculpidos na Carta de João Sem Terra, os quais não
eram, até então, respeitados. Cuida evidenciar, ainda, que o texto de 1.215
só passou a ser observado com o fortalecimento e afirmação das instituições
parlamentares e judiciais, cenário no qual o absolutismo desmedido passa
a ceder diante das imposições democráticas que floresciam.
Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus Act, de 1679, lei
que criou o habeas corpus, determinando que um indivíduo que estivesse
preso poderia obter a liberdade através de um documento escrito que seria
encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe concederia a liberdade
provisória, ficando o acusado, apenas, comprometido a apresentar-se em
juízo quando solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi considerada
como axioma inspirador para maciça parte dos ordenamentos jurídicos
contemporâneos, como bem enfoca Comparato[19]. Enfim, diversos foram
os documentos surgidos no velho continente que trouxeram o refulgir de
novos dias, estabelecendo, aos poucos, os marcos de uma transição entre o
autoritarismo e o absolutismo estatal para uma época de reconhecimento
dos direitos humanos fundamentais[20].
As treze colônias inglesas, instaladas no recém-descoberto
continente americano, em busca de liberdade religiosa, organizaram-se e
desenvolveram-se social, econômica e politicamente. Neste cenário, foram
elaborados diversos textos que objetivavam definir os direitos pertencentes
aos colonos, dentre os quais é possível realçar a Declaração do Bom Povo
da Virgínia, de 1776. O mencionado texto é farto em estabelecer direitos e
liberdade, pois limitou o poder estatal, reafirmou o poderio do povo, como
seu verdadeiro detentor[21], e trouxe certas particularidades como a
liberdade de impressa[22], por exemplo. Como bem destaca
5
89 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Comparato[23], a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia
afirmava que os seres humanos são livres e independentes, possuindo
direitos inatos, tais como a vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a
segurança, registrando o início do nascimento dos direitos humanos na
história[24]. “Basicamente, a Declaração se preocupa com a estrutura de
um governo democrático, com um sistema de limitação de poderes”[25],
como bem anota José Afonso da Silva.
Diferente dos textos ingleses, que, até aquele momento
preocupavam-se, essencialmente, em limitar o poder do soberano, proteger
os indivíduos e exaltar a superioridade do Parlamento, esse documento,
trouxe avanço e progresso marcante, pois estabeleceu a viés a ser alcançada
naquele futuro, qual seja, a democracia. Em 1791, foi ratificada a
Constituição dos Estados Unidos da América. Inicialmente, o documento
não mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que fosse
aprovado, o texto necessitava da ratificação de, pelo menos, nove das treze
colônias. Estas concordaram em abnegar de sua soberania, cedendo-a para
formação da Federação, desde que constasse, no texto constitucional, a
divisão e a limitação do poder e os direitos humanos fundamentais[26].
Assim, surgiram as primeiras dez emendas ao texto, acrescentando-se a ele
os seguintes direitos fundamentais: igualdade, liberdade, propriedade,
segurança, resistência à opressão, associação política, princípio da
legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal,
princípio da presunção da inocência, da liberdade religiosa, da livre
manifestação do pensamento[27].
3 Direitos Humanos de Primeira Dimensão: A Consolidação dos
Direitos de Liberdade
No século XVIII, é verificável a instalação de um momento de
crise no continente europeu, porquanto a classe burguesa que emergia, com
90
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
grande poderio econômico, não participava da vida pública, pois inexistia,
por parte dos governantes, a observância dos direitos fundamentais, até
então construídos. Afora isso, apesar do esfacelamento do modelo feudal,
permanecia o privilégio ao clero e à nobreza, ao passo que a camada mais
pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por meio da tributação, eram
obrigados a sustentar os privilégios das minorias que detinham o poder.
Com efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da nova classe
que surgia, em especial no que concerne aos tributos cobrados, produzia
uma robusta insatisfação na órbita política[28]. O mesmo ocorria com a
população pobre, que, vinda das regiões rurais, passa a ser, nos centros
urbanos, explorada em fábricas, morava em subúrbios sem higiene, era mal
alimentada e, do pouco que lhe sobejava, tinha que tributar à Corte para que
esta gastasse com seus supérfluos interesses. Essas duas subclasses uniram-
se e fomentaram o sentimento de contenda contra os detentores do poder,
protestos e aclamações públicas tomaram conta da França.
Em meados de 1789, em meio a um cenário caótico de
insatisfação por parte das classes sociais exploradas, notadamente para
manterem os interesses dos detentores do poder, implode a Revolução
Francesa, que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do poder pelos
revoltosos, os quais estabeleceram, pouco tempo depois, a Assembleia
Nacional Constituinte. Esta suprimiu os direitos das minorias, as
imunidades estatais e proclamou a Declaração dos Direitos dos Homens e
Cidadão que, ao contrário da Declaração do Bom Povo da Virgínia, que
tinha um enfoque regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de
seu povo, foi tida com abstrata[29] e, por isso, universalista. Ressalta-se
que a Declaração Francesa possuía três características: intelectualismo,
mundialismo e individualismo.
5
91 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
A primeira pressupunha que as garantias de direito dos homens
e a entrega do poder nas mãos da população era obra e graça do intelecto
humano; a segunda característica referia-se ao alcance dos direitos
conquistados, pois, apenas, eles não salvaguardariam o povo francês, mas
se estenderiam a todos os povos. Por derradeiro, a terceira característica
referia-se ao seu caráter, iminentemente individual, não se preocupando
com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades associativas ou
de reunião. No bojo da declaração, emergidos nos seus dezessete artigos,
estão proclamados os corolários e cânones da liberdade[30], da igualdade,
da propriedade, da legalidade e as demais garantias individuais. Ao lado
disso, é denotável que o diploma em comento consagrou os princípios
fundantes do direito penal, dentre os quais sobreleva destacar princípio da
legalidade[31], da reserva legal[32] e anterioridade em matéria penal, da
presunção de inocência[33], tal como liberdade religiosa e livre
manifestação de pensamento[34].
Os direitos de primeira dimensão compreendem os direitos de
liberdade, tal como os direitos civis e políticos, estando acampados em sua
rubrica os direitos à vida, liberdade, segurança, não discriminação racial,
propriedade privada, privacidade e sigilo de comunicações, ao devido
processo legal, ao asilo em decorrência de perseguições políticas, bem
como as liberdades de culto, crença, consciência, opinião, expressão,
associação e reunião pacíficas, locomoção, residência, participação
política, diretamente ou por meio de eleições. “Os direitos de primeira
geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis
ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam
subjetividade”[35], aspecto este que passa a ser característico da dimensão
em comento. Com realce, são direitos de resistência ou de oposição perante
92
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
o Estado, refletindo um ideário de afastamento daquele das relações
individuais e sociais.
4 Direitos Humanos de Segunda Dimensão: Os Anseios Sociais
como substrato de edificação dos Direitos de Igualdade
Com o advento da Revolução Industrial, é verificável no
continente europeu, precipuamente, a instalação de um cenário pautado na
exploração do proletariado. O contingente de trabalhadores não estava
restrito apenas a adultos, mas sim alcançava até mesmo crianças, os quais
eram expostos a condições degradantes, em fábricas sem nenhuma, ou
quase nenhuma, higiene, mal iluminadas e úmidas. Salienta-se que, além
dessa conjuntura, os trabalhadores eram submetidos a cargas horárias
extenuantes, compensadas, unicamente, por um salário miserável. O Estado
Liberal absteve-se de se imiscuir na economia e, com o beneplácito de sua
omissão, assistiu a classe burguesa explorar e “coisificar” a massa
trabalhadora, reduzindo seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da
oferta e procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa essa época,
enriqueceu uns poucos, mas subjugou a maioria[36]. A massa de
trabalhadores e desempregados vivia em situação de robusta penúria, ao
passo que os burgueses ostentavam desmedida opulência.
Na vereda rumo à conquista dos direitos fundamentais,
econômicos e sociais, surgiram alguns textos de grande relevância, os quais
combatiam a exploração desmedida propiciada pelo capitalismo. É possível
citar, em um primeiro momento, como proeminente documento elaborado
durante este período, a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de
1848, que apresentou uma ampliação em termos de direitos humanos
fundamentais. “Além dos direitos humanos tradicionais, em seu art. 13
previa, como direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição, a
liberdade do trabalho e da indústria, a assistência aos
5
93 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
desempregados”[37]. Posteriormente, em 1917, a Constituição
Mexicana[38], refletindo os ideários decorrentes da consolidação dos
direitos de segunda dimensão, em seu texto consagrou direitos individuais
com maciça tendência social, a exemplo da limitação da carga horária diária
do trabalho e disposições acerca dos contratos de trabalho, além de
estabelecer a obrigatoriedade da educação primária básica, bem como
gratuidade da educação prestada pelo Ente Estatal.
A Constituição Alemã de Weimar, datada de 1919, trouxe
grandes avanços nos direitos socioeconômicos, pois previu a proteção do
Estado ao trabalho, à liberdade de associação, melhores condições de
trabalho e de vida e o sistema de seguridade social para a conservação da
saúde, capacidade para o trabalho e para a proteção à maternidade. Além
dos direitos sociais expressamente insculpidos, a Constituição de Weimar
apresentou robusta moldura no que concerne à defesa dos direitos dos
trabalhadores, primacialmente “ao instituir que o Império procuraria obter
uma regulamentação internacional da situação jurídica dos trabalhadores
que assegurasse ao conjunto da classe operária da humanidade, um
mínimo de direitos sociais”[39], tal como estabelecer que os operários e
empregados seriam chamados a colaborar com os patrões, na
regulamentação dos salários e das condições de trabalho, bem como no
desenvolvimento das forças produtivas.
No campo socialista, destaca-se a Constituição do Povo
Trabalhador e Explorado[40], elaborada pela antiga União Soviética. Esse
Diploma Legal possuía ideias revolucionárias e propagandistas, pois não
enunciava, propriamente, direitos, mas princípios, tais como a abolição da
propriedade privada, o confisco dos bancos, dentre outras. A Carta do
Trabalho, elaborada pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe
inúmeras inovações na relação laboral. Dentre as inovações introduzidas, é
94
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
possível destacar a liberdade sindical, magistratura do trabalho,
possibilidade de contratos coletivos de trabalho, maior proporcionalidade
de retribuição financeira em relação ao trabalho, remuneração especial ao
trabalho noturno, garantia do repouso semanal remunerado, previsão de
férias após um ano de serviço ininterrupto, indenização em virtude de
dispensa arbitrária ou sem justa causa, previsão de previdência, assistência,
educação e instrução sociais[41].
Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu da apatia e
envolveu-se nas relações de natureza econômica, a fim de garantir a
efetivação dos direitos fundamentais econômicos e sociais. Sendo assim, o
Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem como fito
primordial assegurar aos indivíduos que o integram as condições materiais
tidas por seus defensores como imprescindíveis para que, desta feita,
possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira geração. E,
portanto, desenvolvem uma tendência de exigir do Ente Estatal
intervenções na órbita social, mediante critérios de justiça distributiva.
Opondo-se diretamente a posição de Estado liberal, isto é, o ente estatal
alheio à vida da sociedade e que, por consequência, não intervinha na
sociedade. Incluem os direitos a segurança social, ao trabalho e proteção
contra o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias remuneradas,
a um padrão de vida que assegure a saúde e o bem-estar individual e da
família, à educação, à propriedade intelectual, bem como as liberdades de
escolha profissional e de sindicalização.
Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os direitos de segunda
dimensão “são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os
direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo
das distintas formas do Estado social, depois que germinaram por ora de
ideologia e da reflexão antiliberal”[42]. Os direitos alcançados pela rubrica
5
95 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
em comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolário da igualdade.
Como se percebe, a marcha dos direitos humanos fundamentais rumo às
sendas da História é paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos
fundamentais apresenta uma ampla capacidade de incorporar desafios.
“Sua primeira geração enfrentou problemas do arbítrio governamental,
com as liberdades públicas, a segunda, o dos extremos desníveis sociais,
com os direitos econômicos e sociais”[43], como bem evidencia Manoel
Gonçalves Ferreira Filho.
5 O Direito à Educação Infantil: Uma análise à luz do
Entendimento Jurisprudencial do STF
A educação é um direito humano por si só e um meio
indispensável para a realização de outros direitos humanos. Como direito
do âmbito da autonomia da pessoa, a educação é o meio principal que
permite a adultos e a crianças marginalizados económica e socialmente sair
da pobreza e participar plenamente nas suas comunidades. A educação
desempenha um papel decisivo na emancipação da mulher, na proteção das
crianças contra a exploração laboral, trabalho perigoso e exploração sexual,
na promoção dos direitos humanos e na democracia, na proteção do meio
ambiente e no controlo do crescimento demográfico. Cada vez mais a
educação é reconhecida como um dos melhores investimentos financeiros
que os Estados podem fazer. Entretanto, a importância da educação não é
apenas prática: uma mente instruída, esclarecida e ativa, com liberdade e
amplitude de pensamento, é um dos prazeres e recompensas da existência
humana.
Com o advento da Constituição Federal de 1988[44], o direito à
educação foi elevado à condição de direito social fundamental do homem,
tratando-se, com efeito, de direito revestido por núcleo denso que encerra
em seus pontos limites não apenas o aspecto de acesso à instrução e
96
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
formação intelectual, mas também permite a realização do vasto acervo de
potencialidades insertas no indivíduo. Salta aos olhos, neste sedimento, que
o direito à educação encontra-se revestido de proeminente destaque, sendo-
lhe colocada moldura de direito fundamental, capaz de promover a
realização do indivíduo em suas plurais potencialidades, permitindo a
instrução e desenvolvimento crítico. Em harmonia com o expendido, a Lei
Nº. 8.069, de 13 de Julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente e dá outras providências, com clareza ofuscante, em seu
artigo 53, dicciona que a criança e o adolescente têm direito à educação,
ambicionando, sobremaneira, o pleno desenvolvimento de sua pessoa,
preparando-o para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho,
sendo assegurada a igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola, tal como o acesso à educação pública e gratuita próxima à
residência.
A educação tem de ter a flexibilidade necessária para adaptar-se
às necessidades da sociedade e comunidades em transformação e responder
às necessidades dos alunos em contextos culturais e sociais diversos. Ao
considerar a aplicação correta destas “características inter-relacionadas e
fundamentais”, primeiramente terão de ser tidos em conta, os melhores
interesses dos alunos. Assim sendo, em um primeiro comentário, o direito
à educação infantil substancializa densa prerrogativa constitucional
indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegurar, para consequência
lógica de seu desenvolvimento integral, tal como primeira etapa do
processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-
escola. Ora, a prerrogativa jurídica em comento, por consequência, impõe,
ao Estado, em decorrência da elevada significação social de que se reveste
a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas
que possibilitem, de maneira tangível, em favor de crianças até cinco anos
5
97 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
de idade, o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-
escola, sob de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a
frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder
Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Carta de
1988. Sobre a temática, o Supremo Tribunal Federal já assentou
entendimento que:
Ementa: Direito constitucional e direito da
criança e do adolescente. Agravo Regimental em
Recurso Extraordinário. Garantia estatal de vaga em
creche. Prerrogativa constitucional. Ausência de
ingerência no poder discricionário do Poder
Executivo. Precedentes. 1. A educação infantil é
prerrogativa constitucional indisponível, impondo ao
Estado a obrigação de criar condições objetivas que
possibilitem o efetivo acesso a creches e unidades pré-
escolares. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar
a implementação pelo Estado, quando inadimplente,
de políticas públicas constitucionalmente previstas,
sem que haja ingerência em questão que envolve o
poder discricionário do Poder Executivo. 3. Agravo
regimental improvido. (Supremo Tribunal Federal –
Segunda Turma/ RE 464.143 AgR/ Relatora: Ministra
Ellen Gracie/ Julgado em 15.12.2009/ Publicado no
DJ em 18.02.2010).
Ementa: 1. Recurso. Extraordinário.
Inadmissibilidade. Educação infantil. Criança de até
seis anos de idade. Atendimento em creche e pré-
escola. Direito assegurado pelo próprio Texto
98
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
Constitucional (CF, art. 208, IV). Compreensão global
do direito constitucional à educação. Dever jurídico
cuja execução se impõe ao Poder Público,
notadamente ao Município (CF, art. 211, § 2º).
Precedentes. Agravo regimental não provido. Nega-se
provimento a agravo regimental tendente a impugnar,
sem razões consistentes, decisão fundada em
jurisprudência assente na Corte. 2. Recurso. Agravo.
Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria.
Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé.
Imposição de multa. Aplicação do art. 557, § 2º, c.c.
arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a
interposição de agravo, manifestamente inadmissível
ou infundado, deve o Tribunal condenar o agravante a
pagar multa ao agravado. (Supremo Tribunal Federal
– Segunda Turma/ RE 592.937 AgR/ Relator:
Ministro Cézar Peluso/ Julgado em
12.05.2009/ Publicado no DJ em 05.06.2009).
Ementa: Constitucional. Atendimento em creche
e pré-escola. I. - Sendo a educação um direito
fundamental assegurado em várias normas
constitucionais e ordinárias, a sua não-observância
pela administração pública enseja sua proteção pelo
Poder Judiciário. II. - Agravo não provido. (Supremo
Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE 463.210 AgR/
Relator: Ministro Carlos Velloso/ Julgado em
06.12.2005/ Publicado no DJ em 03.02.2006).
5
99 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
É plenamente observável, a partir do exposto, que a educação
básica tem por escopo desenvolver o educando, concedendo-lhe elementos
e informações imprescindíveis à formação comum indispensável para o
exercício da cidadania, ofertando-lhe meios para progredir no trabalho e
em estudos posteriores. Mais que isso, a educação infantil, por qualificar-
se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo
de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração
Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os
Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na
educação infantil - não poderão demitir-se do mandato constitucional,
juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei
Fundamental da República, e que representa fator de limitação da
discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas
opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche, não podem ser
exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples
conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de
índole social.
Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes
Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas
públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em
bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas
públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas,
sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos
político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a
comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos
sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. O Poder Público
– quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de
implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional –
100
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
vilipendia, com esse comportamento negativo, a própria integridade da
Constituição de 1988, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante
fenômeno atrelado à erosão dos núcleos sensíveis que sustentam a
sistemática constitucional.
Ementa: Recurso Extraordinário – Criança até seis
anos de idade – Atendimento em creche e pré-escola –
Educação infantil – Direito assegurado pelo próprio
Texto Constitucional (CF, art. 208, IV) –
Compreensão global do direito constitucional à
educação – Dever jurídico cuja execução se impõe ao
Poder Público, notadamente ao Município (CF, art.
211, §2º) – Recurso Improvido. - A educação infantil
representa prerrogativa constitucional indisponível,
que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito
de seu desenvolvimento integral, e como primeira
etapa do processo de educação básica, o atendimento
em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). -
Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe,
ao Estado, por efeito da alta significação social de que
se reveste a educação infantil, a obrigação
constitucional de criar condições objetivas que
possibilitem, de maneira concreta, em favor das
"crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208,
IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e
unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se
inaceitável omissão governamental, apta a frustrar,
injustamente, por inércia, o integral adimplemento,
pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs
5
101 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
o próprio texto da Constituição Federal. - A educação
infantil, por qualificar-se como direito fundamental de
toda criança, não se expõe, em seu processo de
concretização, a avaliações meramente discricionárias
da Administração Pública, nem se subordina a razões
de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios
- que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental
e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não
poderão demitir-se do mandato constitucional,
juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo
art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que
representa fator de limitação da discricionariedade
político-administrativa dos entes municipais, cujas
opções, tratando-se do atendimento das crianças em
creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de
modo a comprometer, com apoio em juízo de simples
conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia
desse direito básico de índole social. - Embora resida,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo,
a prerrogativa de formular e executar políticas
públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder
Judiciário, determinar, ainda que em bases
excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas
públicas definidas pela própria Constituição, sejam
estas implementadas pelos órgãos estatais
inadimplentes, cuja omissão - por importar em
descumprimento dos encargos político-jurídicos que
sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se
102
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
apta a comprometer a eficácia e a integridade de
direitos sociais e culturais impregnados de estatura
constitucional. A questão pertinente à "reserva do
possível". Doutrina. (Supremo Tribunal Federal –
Segunda Turma/ RE 410.715 AgR/ Relator: Ministro
Celso de Mello/ Julgado em 22.11.2005/ Publicado no
DJ em 03.02.2006).
Cuida, ainda, ponderar que a inércia estatal em adimplir as
imposições constitucional exterioriza inaceitável comportamento de
desprezo pelos feixes axiológicos irradiados da Constituição de 1988 e que
configura comportamento a ser combatido. O entendimento de ser a
educação infantil direito fundamental substancial, abalizador e
concretizador do superprincípio da dignidade da pessoa humana, não pode
encontrar no comportamento negativo do Estado óbice para sua realização;
ao reverso, consoante assentado pelo Supremo Tribunal Federal, é direito a
ser inexoravelmente observado e cumprido, inclusive no que toca à
disponibilidade de vagas em creches e em pré-escolas, a ser implementada
pelo Poder Público, com o escopo de observar a essência axiológica
advinda do Texto de 1988.
REFERÊNCIAS:
ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: .
Acesso em 04 mar. 2016.
___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso
em 04 mar. 2016.
5
103 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. atual.
São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007.
CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à história
da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em: . Acesso em 04
mar. 2016.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos
Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.
CORREIA, Érica Paula Barcha. A relação homoafetiva e o direito de
seguridade social – uma leitura a partir dos direitos fundamentais. In:
CANOTILHO, J. J. Gomes; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves;
CORREIA, Érica Paula Barcha (Coord.). Direitos Fundamentais Sociais.
São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2.
São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos
Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, Teoria
Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da Republica
Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. São
Paulo: Editora Atlas, 2011.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na
valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano
8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 04 mar. 2016.
SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do
Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016.
___________. Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789).
Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016.
104
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
___________. Magna Carta (1.215). Disponível em: . Acesso em 04
mar. 2016.
___________ Petição de Direito (1.628). Disponível em: . Acesso em
04 mar. 2016.
SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos
fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo
caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev. 2009.
Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito
Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível
em: . Acesso em 04 mar. 2016.
NOTAS:
[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009.
Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de
Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço
Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978.
Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço
Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput,
inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos
Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização.
Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição
conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se
configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às
5
105 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal
Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ago. 2009.
Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016.
[3] VERDAN, 2009, s.p.
[4] SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.
Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um
longo caminho. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 61, fev. 2009.
Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016.
[5] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,
Teoria Geral, Comentário dos art. 1º ao 5º da Constituição da
Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e Jurisprudência. 9
ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06.
[6] ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na
perspectiva social do trabalho. Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016,
p. 01.
[7] SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009. Acesso em 04 mar. 2016.
[8] MORAES, 2011, p. 06.
[9] CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face à
história da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponível em: .
Acesso em 04 mar. 2016.
[10] MORAES, 2011, p. 06.
[11] COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos
Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-72.
[12] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016: “Um homem livre será
punido por um pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um
grande crime ele será punido conforme a sua magnitude, conservando a sua
posição; um mercador igualmente conservando o seu comércio, e um vilão
106
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa mercê; e nenhuma das
referidas punições será imposta excepto pelo juramento de homens
honestos do distrito”.
[13] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Magna Carta
(1.215). Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016: “Nenhum homem livre
será capturado ou aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou
declarado fora da lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos
contra ele, nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento
legítimo dos seus pares ou pela lei do país”.
[14] Ibid. “A ninguém venderemos, a ninguém negaremos ou
retardaremos direito ou justiça”.
[15] Ibid. “Será permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do
nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,
salvaguardando a fidelidade a nós devida, excepto por um curto espaço em
tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto aqueles
aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do país e pessoas de
países hostis a nós e mercadores, os quais devem ser tratados como acima
dito”.
[16] Ibid. “Todos os mercadores terão liberdade e segurança para sair,
entrar, permanecer e viajar através da Inglaterra, tanto por terra como por
mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de pedágio iníquos,
segundo as antigas e justas taxas, excepto em tempo de guerra, caso sejam
do país que está lutando contra nós. E se tais forem encontrados no nosso
país no início da guerra serão capturados sem prejuízo dos seus corpos e
mercadorias, até que seja sabido por nós, ou pelo nosso chefe de justiça,
como os mercadores do nosso país são tratados, se foram encontrados no
país em guerra contra nós; e se os nossos estiverem a salvo lá, estes estarão
a salvo no nosso país”.
5
107 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
[17] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Direitos Humanos
Fundamentais. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12.
[18] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Petição de
Direito (1.628). Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016: “ninguém seja
obrigado a contribuir com qualquer dádiva, empréstimo ou benevolence e
a pagar qualquer taxa ou imposto, sem o consentimento de todos,
manifestado por ato do Parlamento; e que ninguém seja chamado a
responder ou prestar juramento, ou a executar algum serviço, ou
encarcerado, ou, de uma forma ou de outra molestado ou inquietado, por
causa destes tributos ou da recusa em os pagar; e que nenhum homem livre
fique sob prisão ou detido por qualquer das formas acima indicadas”.
[19] COMPARATO, 2003, p. 89-90.
[20] MORAES, 2011, p. 08-09.
[21] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do
Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016:
“Que todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele procede; que
os magistrados são seus mandatários e seus servidores e, em qualquer
momento, perante ele responsáveis”.
[22] Ibid. “Que a liberdade de imprensa é um dos grandes baluartes da
liberdade, não podendo ser restringida jamais, a não ser por governos
despóticos”.
[23] COMPARATO, 2003, p. 49.
[24] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração do
Bom Povo da Virgínia (1.776). Disponível em: . Acesso em 04 mar. 2016:
“Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes,
e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de
sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros
108
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de
possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança”.
[25] SILVA, 2004, p.155.
[26] SILVA, 2004, p.155.
[27] MORAES, 2003, p. 28.
[28] COTRIM, Gilberto. História Global – Brasil e Geral. 1 ed. vol.
2. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.
[29] SILVA, 2004, p. 157.
[30] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em: . Acesso em
04 mar. 2016: “Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a
conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses
direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à
opressão”.
[31] SÃO PAULO. Universidade de São Paulo (USP). Declaração
dos Direitos dos Homens e Cidadão (1.789). Disponível em: . Acesso em
04 mar. 2016: “Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não
prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada
homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros
membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas
podem ser determinados pela lei”.
[32] Ibid. “Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e
evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de
uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada”.
[33] Ibid. “Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser
declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor
desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido
pela lei”.
5
109 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
[34] Ibid. “Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões,
incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a
ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre comunicação das
ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo
cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo,
todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei”.
[35] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.
[36] COTRIM, 2010, p. 160.
[37] SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na
valorização do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano
8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/4609>. Acesso em: 04 mar. 2016.
[38] MORAES, 2011, p. 11.
[39] SANTOS, 2003, s.p.
[40] FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.
[41] SANTOS, 2003, s.p.
[42] BONAVIDES, 2007, p. 564.
[43] FERREIRA FILHO, 2004, p. 47.
[44] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: .
Acesso em 04 mar. 2016.
110
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
www.conteudojuridico.com.br
JT POSSUI 18 MILHÕES DE AÇÕES TRAVADAS
ROBERTO MONTEIRO PINHO: Foi diretor de Relações Internacionais da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), editor do Jornal da Cidade, subeditor do Jornal Tribuna da Imprensa, correspondente internacional, juiz do trabalho no regime paritário, tendo composto a Sétima e Nona Turmas e a Seção de Dissídios Coletivos - SEDIC, é membro da Associação Brasileira de Imprensa - ABI, escritor, jornalista, radialista, palestrante na área de RH, cursou sociologia, direito, é consultor sindical, no setor privado é diretor de RH, especialista em Arbitragem (Lei 9.307/96). Membro da Associação Sulamericana de Arbitragem – ASASUL.
Com 18 milhões de ações travadas a justiça especializada do trabalho
é hoje um fenômeno jurídico sem precedente no judiciário mundial. O
Judiciário brasileiro também é o maior do planeta, pesquisando 208 países,
o Brasil lidera o ranking de ações ajuizadas tendo atingido o número de 108
milhões de processos em 2015.
Os dados refletem a base de dos registrados na estatística do programa
“Justiça em Números”, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ
desde 2006. Em 2015 o número de ações trabalhistas teve um aumento de
12,3% em 2015 (dados do TST), que foram distribuídos nas 1, 4 mil Varas do
Trabalho, 2,6 milhões de ações registrando um recorde de toda a série histórica,
iniciada em 1941.
Os atores do judiciário não se preocupam com o seu desgaste junto à
comunidade. E quando reagem no sentido de aplacar o embuste jurídico,
tomam medidas (vide inciso 4° do art. 139 NCPC) a exemplo da 2ª Vara Civil
5
111 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56815
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
de São Paulo, que cancelou a CNH do devedor, passaporte, e seus cartões de
crédito. Decisão drástica, de efeito moral, porém ineficaz.
Em 2012 mais de 92 milhões de processos tramitavam na Justiça, e a
taxa de acúmulo era de em 70%. Neste mesmo ano foram 28 milhões de
casos novos, dessa forma a maioria dos tribunais, com exceção da Justiça
Federal, não conseguiu dar vazão aos processos em relação ao estoque
existente.
Segundo os dados do relatório, as despesas do Judiciário somaram R$
57,2 bilhões no ano passado, o equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto
(PIB). Isso significa que, para cada cidadão brasileiro, a Justiça tem um
custo de R$ 300,48.
Dos gastos, R$ 50,7 bilhões (88,7% da despesa) são com recursos
humanos. Entre todos os fatores, para os técnicos em RH, um é determinante:
a alta do desemprego em 2015. “A crise econômica fez com que mais
trabalhadores despedidos procurassem a Justiça do Trabalho para reparar
algum direito”, afirma o professor da FGV e da PUC-SP Paulo Sérgio João.
“Quando há uma situação econômica mais estável, não há um fluxo tão grande
de reclamações trabalhistas. A Justiça do Trabalho é uma Justiça dos
desempregados. É a última tábua de salvação.”
“Os efeitos da crise se mostram duradouros. Isso
afeta todo o mercado de trabalho. Se há um número
expressivo de demandas, em 2016 ele vai ser ainda
maior". - Claudinor Barbiero, professor do
Mackenzie Campinas.
O novo presidente do TST, Ives Gandra Martins Filho, em seu discurso
de posse, declarou que há uma preocupação com o grande volume de
processos. "O que explica o crescimento desmesurado das demandas
trabalhistas e a pletora de recursos, atolando e paralisando todos os nossos
112
Boletim Conteúdo Jurídico n. 707 de 23/09/2016 (ano VIII) ISSN
‐ 1984‐0454
tribunais? Como tirar do papel a garantia constitucional da celeridade
processual?
O ministro afirmou que "trabalhará para contribuir com a racionalização
judicial, a simplificação recursal e a valorização da negociação coletiva,
fazendo do processo meio e não fim, prestigiando as soluções que tornem mais
célere e objetivo o processo, reduzindo ao mesmo tempo as demandas
judiciais".
Para os especialistas, o aumento de ações também é resultado de uma
conscientização maior dos trabalhadores em relação a seus direitos. Para
Claudionor Barbiero, “o trabalhador hoje não é tão passivo.
Tem uma instrução melhor e recebe orientação. Senão por meio do
sindicato, por iniciativa própria vai buscar informações. E quando uma
irregularidade acontece fatalmente, vai desaguar numa reclamação na Justiça”,
afirma Barbiero.
Segundo ele, o que não pode acontecer é o trabalhador ter receio de entrar
na Justiça. “Muitos ficam com medo por conta de cadastros, listas negras, de
ficarem marcados, estigmatizados. A Justiça tinha, em 2012, 17.077 juízes,
dos quais 14.410 na primeira instância, 2.379 desembargadores e 82
ministros dos tribunais superiores. Ao todo, o Judiciário tem 390 mil
funcionários, sendo 269 mil efetivos e comissionados e 121 mil
terceirizados, estagiários e conciliadores sem vínculo.
Em 2015, este numero praticamente dobrou, porém, a morosidade e a
solução dos conflitos engessaram.
www.conteudojuridico.com.br
COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DE SANTA CATARINA – CESUSC
FACULDADE CESUSC CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
ISAÍAS BALTHAZAR DA SILVA
MÉTODOS NÃO ADVERSARIAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO COMO INSTRUMENTOS DE TRANSFORMAÇÃO DA CULTURA JURÍDICA
BRASILEIRA
FLORIANÓPOLIS/SC JUNHO 2015
Isaías Balthazar da Silva
Métodos não adversariais de resolução de conflito como instrumentos de transformação da cultura jurídica brasileira
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Faculdade CESUSC como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Aline Beltrame de Moura
Florianópolis Junho 2015
Isaías Balthazar da Silva
Métodos não adversariais de resolução de conflito como instrumentos de transformação da cultura jurídica brasileira
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Faculdade CESUSC como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito, sendo submetido à Banca Examinadora e considerado aprovado em __/__/____.
___________________________________________ Prof. Aline Beltrame de Moura
Professor Orientador
___________________________________________
Membro da Banca Examinadora
___________________________________________
Membro da Banca Examinador
Dedico este trabalho à minha amada esposa, cuja a importância se estende além do que podemos tornar compreensível. Que sempre me apoiou e me fortaleceu nos momentos difíceis, que me incentivou nos momentos de desânimo, que me auxiliou quando em nossas reflexões e debates, onde não raramente se sobrepunham assuntos do mundo acadêmico, compartilhados com assuntos de nossa vida e família. Dedico este trabalho, dedico meu amor, dedico meu respeito e admiração e dedico o futuro que nos espera.
“A Ciência é, e continua a ser, uma aventura. A Verdade da ciência não está unicamente na capitalização das verdades
adquiridas, na verificação das teorias conhecidas. Está no caráter aberto da aventura que permite, melhor dizendo, que
hoje exige a contestação das suas próprias estruturas de pensamento. Bronovski dizia que o conceito da ciência não é
nem absoluto nem eterno. Talvez estejamos num momento crítico em que o próprio conceito de ciência está a modificar-se.”
Edgar Morin
RESUMO
O presente trabalho adota uma metodologia histórico comparativa por meio da qual
busca-se apresentar, as raízes da cultura jurídica brasileira, traçando para tanto as
principais influências de pensamento que nortearam o mundo acadêmico desde as
primeiras faculdades de Direito, até os dias atuais. Utilizando-se desta metodologia,
objetiva-se demonstrar que a atual crise de jurisdição pela qual passa o Poder
Judiciário, está intimamente vinculada à construção do pensamento jurídico brasileiro
e as influências históricas inerentes a formação do Estado e da sociedade. Descreve-
se, no presente trabalho, os principais fatores relacionados com às dificuldades de
acesso à Justiça e suas implicações nos contextos sociais da colônia, no período
republicano, no pós-ditadura e atualmente. Busca-se ainda apontar as medidas
adotadas com vistas a promover a redemocratização do Poder Judiciário brasileiro
medidas estas, compostas por alterações legislativas e a adoção de Políticas
Judiciárias voltadas à divulgação, implementação e positivação dos métodos não
adversariais de resolução de conflitos. Com base na análise das influências no
pensamento jurídico acadêmico e sua inter-relação com a própria administração da
justiça no País, apresenta-se algumas novas linhas de pensamento jurídico, formadas
a partir de elementos como pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade. Com base nesta construção busca-se demonstrar a
aplicabilidade dos métodos não adversariais de conflitos como eficazes instrumentos
de construção de uma nova cultura jurídica brasileira.
Palavras-chave: Ditadura. Crise de jurisdição. Acesso à justiça. Métodos Não
Adversariais de Resolução de Conflitos. Pensamento jurídico. Estado. Sociedade.
LISTA DE ABREVIATURAS
CCJ – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
CESUSC – Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público
CPC - Código de Processo Civil
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC – Ministério da Educação
MP – Ministério Público
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TCC - Trabalho de Conclusão de Curso
TJ/SC – Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 8
2 AS ORIGENS DO PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ................................ 11
2.1 DA IMPERIO À FORMAÇÃO DE UM NOVO ESTADO – A “POLITIZAÇÃO DO
DIREITO”.................................................................................................................... 11
3 ASPECTOS GERAIS DA CRISE DE JURISDIÇÃO NO BRASIL NO PERÍDO PRÉ
E PÓS CONSTITUCIONAL E A CONTINUIDADE DA CULTURA JURÍDICA .......... 22
3.1 PRINCIPAIS MEDIDAS DESTINADAS À EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
................................................................................................................................... 29
3.1.1 Algumas medidas legislativas destinadas à redemocratização do acesso à
justiça ........................................................................................................................ 30
3.1.2 Política nacional de tratamento adequado dos conflitos ............................ 32
3.1.3 As novas correntes de reformulação da metodologia do ensino e do
pensamento jurídico contemporâneo .................................................................... 39
4 MÉTODOS NÃO ADVERSARIAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E SUA
INCLUSÃO NA PRAXIS JURÍDICA E NO MEIO ACADÊMICO ............................... 46
4.1 MÉTODOS NÃO ADVERSARIAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NA
ESTRUTURA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA .......................................................... 46
4.1.1 Mediação .......................................................................................................... 46
4.1.2 Conciliação ...................................................................................................... 51
4.1.3 Arbitragem ....................................................................................................... 53
4.2 Os métodos não adversariais de resolução de conflitos no meio acadêmico
................................................................................................................................... 54
5 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 58
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 64
8
1 INTRODUÇÃO
A crise transcende a esfera política, legislativa e social do país e avança
sobre o poder judiciário.
A excessiva demanda processual, falta de estrutura, de servidores, de
juízes e os entraves processuais impelem o Judiciário a uma profunda reforma que
estabelecida em níveis, busca a efetivação da justiça.
Surgem novos movimentos de busca pelos direitos e acesso à justiça,
mudanças concretas e cada vez mais dinâmicas na estrutura social impelem a
adoção de profundas reflexões, a busca por soluções e por conseguinte a
transformação da maneira de pensar e ensinar o Direito.
Toda crise tem seus aspectos positivos, considerando que desde os
primórdios da humanidade as transformações mais drásticas da natureza forçaram-
na a se adaptar, a se desenvolver e se organizar socialmente para que a civilização
pudesse atingir o atual nível evolutivo, em uma análise mais restritiva, vivemos uma
constante transmutação do nosso conhecimento empírico, cuja complexidade muitas
vezes impossibilita uma clara compreensão de suas origens ou de suas
consequências, mas de forma muito profunda afeta principalmente a rigidez
metodológica com a qual busca-se aprofundar determinado problema científico.
No que tange o Direito, como ciência humana ou social, não poderia deixar
de ser diferente. A complexidade de sua organização, finalidade e eficiência no tempo
e no espaço de cada sociedade, está composta por elementos intrinsicamente
enraizados na formação política, social e cultural da nação no qual ele busca a
justiça.
O problema do acesso à justiça no Brasil demanda uma busca por
elementos nucleares da atual crise de jurisdição pela qual passa o Poder Judiciário.
Para satisfazer a urgente necessidade de reformulação do Judiciário, são
implementadas, à título de exemplo, “inovações” legislativas como a Lei n. 9.099/95,
que trata da criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, a Emenda
Constitucional n. 45/04 que traz em seu bojo a criação do Conselho nacional de
Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), bem como a Lei
n. 11.419/06 que regulamenta a informatização do processo judicial.
Dentre as alterações promovidas, destaca-se a Resolução n.º 125/10 que
dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de
9
interesses no âmbito do Poder Judiciário, objetiva a regulamentação e
implementação dos métodos consensuais de resolução de conflitos.
Os abalos provocados pela forte crise interna e a inflação processual
impeliram o judiciário na busca por soluções e como partes das medidas postuladas à
sua reforma surgem os métodos não adversariais de resolução de conflitos.
A sociedade evolui rapidamente, a dinâmica das transformações sociais,
tecnológicas e culturais, são também fatores que não podem e não devem ser
afastados do estudo da crise jurídica do país.
É um desafio constante acompanhar esta mutabilidade social, desafio este
que independe de um olhar unicamente crítico ou excessivamente técnico, ou mesmo
isolado no âmbito acadêmico, mas se perfaz de maneira plena por ações
organizadas, programas destinados à emancipação, como ponto de efetiva
aproximação do direito com aquelas populações menos favorecidas,
desconhecedoras de seus direitos. O estudo deve ser interdisciplinar e fruto da união
de esforços técnicos e práticos.
A mesma importância se estende aos programas instituídos pelo Poder
Judiciário. Seria impossível tratar a eficácia prática dos métodos não adversárias de
resolução de conflitos, sem compreender a evolução do pensamento jurídico,
disseminado pelas Instituições de ensino jurídico, com a mesma dificuldade e
igualmente complexo, seria tentar abordar em uma única e solitária oportunidade e
sem a merecida dedicação, cada um daqueles.
Para tanto, a revisão dos aspectos históricos desde as raízes da
colonização portuguesa até os momentos atuais, donde as mudanças necessárias à
renovação não só do Poder Judiciário, mas do ensino jurídico e por que não da
“cultura jurídica”, disseminado pelas incontáveis faculdades de direito espalhadas
pelo país, não cessam, e refletem as principais mudanças na forma de pensar e
praticar o direito.
O presente trabalho busca estudar a formação da nossa cultura jurídica
objetivando verificar se a cultura jurídica perpetrada pelas faculdades de direito, pode
ter contribuído para crise de jurisdição. Para isto busca-se averiguar se a promoção e
implementação de uma redemocratização do Judiciário, utilizando como instrumento
os métodos não adversárias de resolução de conflitos, contribui para um novo
desenvolvimento do pensamento jurídico na formação dos novos bacharéis.
As futuras gerações talvez sejam beneficiadas por estas mudanças, mas
10
isto não dispensa, análise, a busca das raízes históricas, a reflexão e a compreensão
sobre o impacto que os métodos não adversárias de conflitos têm sobre a formação
jurídica e a sociedade, a obrigatoriedade de uma busca transdisciplinar das
prementes necessidade do Poder Judiciário e principalmente, da sociedade brasileira.
Considerando tais premissas, o primeiro capítulo passa pela busca de
dados que possam lançar luz sobre o processo de colonização e formação do Estado
brasileiro e dos primeiros operadores do direito, estes formados na Universidade de
Coimbra em Portugal e a posterior criação dos primeiros cursos de direito no Brasil.
No segundo capítulo, por sua vez, faz-se uma introdução ao período pré, e
pós democrático do país sacudido pelas transformações políticas e sociais e seu
impacto sobre o Poder Judiciário e os operadores do direito, bem como as crises
pelas quais passa a instituição e as medidas adotadas com o objetivo de promover o
acesso à Justiça e a democratização do Judiciário.
Por fim, no terceiro capítulo, trata-se dos métodos não adversárias de
conflitos traçando em linhas gerais seus tipos e métodos no plano normativo, bem
como sua inclusão na legislação e nos currículos acadêmicos.
Utiliza-se o método de abordagem Hipotético-Dedutivo, o procedimento de
pesquisa se dá pelo Método Histórico-Comparativo e as técnicas de pesquisa
utilizadas são as Bibliográfica e documental, com análise de fontes primárias e
secundárias.
11
2 AS ORIGENS DO PENSAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Não seria possível tratar dos métodos não adversárias de resolução de
conflitos como possíveis instrumentos renovadores do pensamento jurídico sem que,
mesmo que brevemente, abordar as origens da própria identidade jurídica brasileira e
os motivos desencadeantes da sua “atual” crise de jurisdição. A existência de fatores
interligados e com raízes históricas profundas na sociedade brasileira dos quais, o
mais próximo da nossa realidade contemporânea, está encravado no regime ditatorial
pelo qual o país passou e cujas marcas ainda se fazem presentes. Na vigência deste
período as decisões políticas, econômicas e sua influência no ensino, tiveram forte
impacto na sociedade e nas universidades, conduzindo assim à supressão de direitos
civis e ao controle da produção intelectual/acadêmica, por meio da censura.
2.1 DO IMPERIO À FORMAÇÃO DE UM NOVO ESTADO – A “POLITIZAÇÃO DO
DIREITO”
As raízes culturais fundantes da colônia portuguesa atravessaram o
oceano e alicerçaram no solo brasileiro as bases de uma nova sociedade, como bem
assevera Alberto Venancio Filho (2004, p. 3).
Assim, quando Portugal, na peripécia do processo das descobertas, depara-se com a Terra de Santa Cruz, a Colônia que passará a ser, em pouco tempo a jóia mais preciosa do Império Português, iria sofrer os influxos desse condicionamento cultural, ao mesmo tempo em que as populações que para aqui vinham compostas de degredados e de elementos de pouca nobreza, teriam de se adaptar a um novo tipo de atividades econômicas.
Inicia-se assim, o processo de colonização portuguesa, cujos
desdobramentos impulsionados pelas mudanças de um mundo em evolução e
revolução se refletem permanentemente em nosso ordenamento jurídico e em nossa
organização política, social e econômica.
No Brasil colônia, predestinado a tornar-se uma grande nação a educação
foi inicialmente promovida pelos Jesuítas da Companhia de Jesus1. Cerca de
1 A Companhia de Jesus foi fundada por Santo Inácio de Loyola em plena Contrarreforma, no ano de 1534. Ele juntamente com um grupo de estudantes da Universidade de Paris, fizeram votos de obediência à doutrina da Igreja Católica e foram reconhecidos por bula papal em 1540. Já no Brasil, desde 1549, ano em que chegaram ao país, começaram a desenvolver um trabalho de catequização do povo (índios, imigrantes africanos e imigrantes europeus). O primeiro grupo foi trazido ao Brasil por Tomé de Sousa, então governador geral, e liderado por Manuel da Nóbrega. Foram também eles os
12
quarenta e nove anos após a descoberta e dezenove anos após, do que se entende
por período pré-colonial, que durou de 1500 até 1530, o qual ficou limitado ao envio
de expedições destinadas a desbravar o território, descobrir e explorar suas riquezas,
não implicou na imediata ocupação territorial da nova colônia, como podemos ver no
trabalho de Caio Prado Junior (2006, p. 8):
A idéia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum. É o comércio que os interessa, e daí o relativo desprezo por estes territórios primitivos e vazios que formam a América; e inversamente, o prestígio do Oriente, onde não faltava objeto para atividades mercantis. A idéia de ocupar, não como se fizera até então em terras estranhas, apenas com agentes comerciais, funcionários e militares para a defesa, organizados em simples feitorias destinadas a mercadejar com os nativos e servir de articulação entre rotas marítimas e os territórios cobiçados, mas ocupar com povoamento efetivo, isto só surgiu como contingência, necessidade imposta por circunstâncias novas e imprevistas.
Como bem aponta o autor ao traçar os pormenores do início e
desenvolvimento da atividade econômica no Brasil colônia, cuja importância tardou a
ser percebida e valorada, dava-se maior importância à exploração dos recursos
naturais da nova terra do que ao processo de criação de novas cidades e
consequentemente, da formação cultural de seu povo explorador e explorado.
Fazendo ainda uma comparação entre a “operacionalização” do trabalho
de exploração da colônia brasileira, ele aponta alguns dos elementos que tornavam a
joia da coroa portuguesa mais atrasada em relação as demais nas Américas,
apontando de forma breve as condições do ensino promovido pelos jesuítas tanto em
Portugal quanto na universidade de Coimbra. (VENANCIO FILHO, 2004, p. 4)
A razão da diferença está, não pode haver outra, na natureza do colono português, e sobretudo no regime político e administrativo que a metrópole impôs à sua colônia. Este fora sempre, pelo menos no último século, de isolar o Brasil, mantê-lo afastado do mundo e impedindo portanto que aqui chegasse outra coisa qualquer que os reflexos do já baixo nível intelectual do Reino. Doutro lado, não supria o isolamento em que vivia a colônia o mais rudimentar sistema de educação e instrução que fosse. Não se pode considerar sistema de ensino as magras cadeiras de primeiras letras, latim e grego, que havia nalguns dos maiores centros da colônia. Criadas aliás só depois de 1776, e que funcionavam ao deus-dará, com professores mal pagos, alunos indisciplinados e aulas desorganizadas. O nível cultural da colônia era da mais baixa e crassa ignorância. Os poucos expoentes que se destacavam pairam num outro mundo, ignorados por um país que não os podia compreender. E sobre tudo isto pesava uma administração mesquinha, ciosa unicamente dos rendimentos do fisco e dos particulares dessa chusma de burocratas incapazes e pouco escrupulosos que a metrópole nos remetia para este lado do Atlântico (PRADO JUNIOR, 2006, p. 63).
primeiros a iniciar o trabalho de educação do povo, tendo criado muitos estabelecimentos educacionais, como a Fundação de São Paulo de Piratininga. (ARAÚJO, 2015).
13
Resgatando o currículo empregado pelos educadores jesuítas Alberto
Venancio Filho (2004, p. 4), aponta a sua importância na história da educação do
Brasil. Continuando, ele ressalta o forte papel desempenhado pelo sistema de ensino
jesuíta na formação da elite brasileira no período da colônia, onde segundo a Ratio
Studiorum2 de 1559, o currículo empregava o curso de letras humanas, o de filosofia
e ciências e o de teologia e ciências sagradas (VENANCIO FILHO, 2004, p. 4).
O sistema de ensino eminentemente retórico imposto pelos jesuítas
perdurou até o advento da reforma Pombalina, medida que impôs uma completa
reformulação do ensino no berço das mentes intelectuais do Brasil, a universidade de
Coimbra.
Segundo Sérgio Rodrigo Martinez (2006, p. 2) no império, até o início do
século XIX, a única fonte de formação jurídica do Brasil se dava na faculdade de
Coimbra em Portugal. Evidentemente acessível somente à uma seleta classe da
sociedade brasileira composta em sua maioria por membros da realeza, abastados
filhos de burgueses, militares e outros privilegiados pelo imperador.
Isso perdurou prioritariamente, até a sanção da Carta de lei de 11 de
agosto de 1827 que instituiu os cursos de Direito em São Paulo e Olinda.
Os acadêmicos formados em Coimbra, nesta época, trouxeram na
bagagem, as influências do pensamento liberal inaugurado pela Reforma Pombalina
e chanceladas pelo espírito de mudanças que se espalhava pela Europa, tendo como
marco a Revolução Francesa e a ascensão do pensamento iluminista (MARTINEZ,
2006, p. 2), afetando profundamente o império e o hermético clero e transferindo
posteriormente esta influência para os currículos das primeiras escolas jurídicas do
Brasil.
Dentro dessa formulação de hegemonia liberal que ocorre uma primeira transformação do Ensino Jurídico Brasileiro, pois as duas faculdades criadas em 1827 não supriam a necessidade de formação de profissionais do Direito. As pressões da sociedade civil sobre o Estado induziram a reforma educacional do Ensino Jurídico, deixando as duas faculdades existentes de ter o monopólio e a primeira faculdade a ser criada foi a da Bahia em 1891 (SOARES, MASSINE, 2013, p. 59).
Como observa Antônio Paim (1982, p. 18-19):
[...]A Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra, levada a cabo em 1772, e a maneira pela qual se deu início à organização do ensino superior com a mudança da Corte para o Rio de Janeiro, marcaram em definitivo a
2 O Ratio Studiorum, como se denomina abreviadamente, permaneceu por quase dois séculos, até a supressão da ordem, em 1773, quando o Papa Clemente XIV proibiu a Companhia de Jesus de atuar em seus colégios. (NEGRÃO, 2000).
14
posição que a cultura brasileira iria adotar em relação à universidade.
Segundo Alberto Venancio Filho (2004, p. 6), no que tange ao ensino
jurídico perpetrado na então colônia portuguesa, “[...] a reforma pombalina representa
sobretudo a ênfase que se procurou dar ao estudo do direito pátrio, abandonando o
direito romano, e a introdução da “lei da boa razão” e dos princípios racionalistas na
interpretação das normas jurídicas [...]”.
Neste modelo implementado por meio da revolução pombalina, adota-se
no Brasil um sistema de ensino descentralizado do modelo jesuíta, transferindo-se a
responsabilidade das academias à coroa portuguesa.
[...]Em lugar de um sistema único de ensino, a dualidade de escolas, umas leigas, outras confessionais, regidas todas, porém, pelos mesmos princípios; em lugar de um ensino puramente literário, clássico, o desenvolvimento do ensino científico que começa a fazer lentamente seus progressos ao lado da educação literária, preponderante em todas as escolas; em lugar da exclusividade de ensino de latim e do português, a penetração progressiva das línguas vivas e literaturas modernas (francesa e inglesa); e, afinal, a ramificação de tendências que, se não chegam a determinar a ruptura de unidade de pensamento, abrem o campo aos primeiros choques entre as idéias antigas, corporificadas no ensino jesuítico, e a nova corrente de pensamento pedagógico, influenciada pelas idéias dos enciclopedistas franceses, vitoriosos, depois de 1789, na obra escolar da Revolução. (AZEVEDO, 1976, p. 56-57)
Torna-se clara a forte influência do pensamento europeu no ensino
brasileiro, especificamente no ensino jurídico, onde nossas raízes históricas
encontram-se plenamente voltadas aos interesses do mercado mundial, conservando
sem maiores alterações a estrutura social e a visão de mundo tomista (NEDER,
CERQUEIRA FILHO, 2001, p.115),donde os ideais liberais perpetrados pela Europa,
como forma de pensamento “livre”, por meio do sucesso da revolução francesa,
ascenderam a chama do desejo por reformas no meio social brasileiro, o que veio a
ocorrer mais tarde com a proclamação da república.
A importância da influência europeia no pensamento da elite que
compunha o Brasil imperial, tornara-se evidente no decorrer da transição do império
para a república, arraigado ao âmago do desejo de mudança social, política e
econômica esta última por sua vez, passa a preponderar no ambiente social e político
brasileiro, a possibilidade de auferir lucros com o empuxo da revolução industrial3 que
3 A Revolução Industrial trouxe diversos benefícios para o Brasil, e em muito acelerou seu desenvolvimento. Podemos citar entre suas maiores benfeitorias, a queda de dependência brasileira de produtos manufaturados importados; a criação de milhares de empregos para trabalhadores nas indústrias; a diminuição de custos e aumento de produção, tornando os produtos mais baratos; o crescimento e progresso de infraestruturas e transportes; e a criação de sindicatos que lutariam por
15
somente em meados da década de 30 e 40 iria se fortalecer no brasil, mobilizando as
classes mais nobres da sociedade brasileira pela mudança, transformando-se a partir
de então em turbulento e complexo processo de mutação da estrutura político-social
que sobrepesa na formação do pensamento jurídico dentro das academias.
Aurélio Wander Bastos (2000, p. 31), leciona:
[...]O Estudo e a análise dos currículos jurídicos nos permitiram, com clareza, chegar a esta conclusão; se, de todo, não é original, pelo menos confirma os especiais interesses, propostas e objetivos dos parlamentares e das elites brasileiras. O currículo dos cursos, por conseguinte, apesar da sua visível inclinação para o ensino das disciplinas jurídicas, criou-se como um curso destinado à formação das elites políticas e administrativas nacionais, na exata dimensão dos interesses combinados com a elite imperial e da fração conservadora das elites civis, que, provisoriamente, admitiram o Estatuto do Visconde da Cachoeira como estatuto regulamentar.
Como bem assevera o professor e jurista, o país inaugura seus cursos de
direito com o perfil de formar políticos, sistematizar a ideologia político-jurídica do
liberalismo, com a finalidade de promover a integração ideológica do estado nacional
projetado pelas elites (RODRIGUES, 1993, p 13), em que pese no âmago do
pensamento liberal e os ideais iluministas terem um sentido axiológico mais profundo,
liberdade, igualdade e fraternidade.
Não se pode deixar de apontar a ausência de maior espírito científico e
doutrinário, mas é inegável que se tivesse sido seguido em sua fundamentação, ter-
se-iam evitado muitas das deficiências que se observam a partir de 1827, com ênfase
demasiada no espírito retórico e pouco objetivo. (VENANCIO FILHO, 2004, p. 36).
Da leitura das reflexões acima exaradas percebe-se o que pode vir a ser o
nascimento do discurso político, adotado pelos dirigentes do país nos tempos atuais.
É neste contexto que a devida abordagem acerca do ensino jurídico e suas
principais influências ganham importância, pois a evolução conseguinte das decisões
políticas, econômicas e a mobilização do povo brasileiro são os elementos
necessários para desencadear a adoção de uma nova metodologia acadêmica, tal
qual asseveram José Sebastião Oliveira e Vitor Toffoli (2012, p.2).
[...] Afirmar, com simplicidade, que o problema que a sociedade confronta-se em relação à ineficiência da justiça emerge apenas de códigos ultrapassados e má administração da justiça, não parece ecoar justo, mormente quanto as políticas públicas e os estudos científicos sobre o fenômeno processual,
salários mais adequados, direitos e condições de trabalho dignas para os trabalhadores. Como tudo tem seu lado bom e o ruim, os contras da Revolução Industrial no Brasil foram o uso de mão de obra infantil em seu início – o que felizmente foi erradicado após algum tempo; o aumento da chegada de imigrantes para as capitais em busca de emprego e, por sua vez, o crescimento descomunal dos centros urbanos; e a crescente poluição do ar e dos rios, nos quais muitas indústrias desovavam seus lixos e produtos químicos. (MOURET, 2015).
16
surgem em grande escala, inclusive em bancos acadêmicos [...].
Fazendo uma releitura da formação jurídica promovida pelo império,
Horácio Wanderlei Rodrigues, destaca pontualmente as deficiências dos cursos
jurídicos no País. (a) ter sido totalmente controlado pelo governo central. Os cursos,
embora localizados nas províncias, foram criados, mantidos e controlados de forma
absolutamente centralizada. Esse controle abrangia recursos, currículo, metodologia
de ensino, nomeação dos lentes e do diretor, definição dos programas de ensino e
até dos compêndios adotados; (b) ter sido o jusnaturalismo a doutrina dominante, até
o período em que foram introduzidos no Brasil o evolucionismo e o positivismo, em
torno de 1870; (c) ter havido, em nível de metodologia de ensino, a limitação às
aulas-conferência, no estilo de Coimbra; (d) ter sido o local de comunicação das elites
econômicas, onde elas formavam os seus filhos para ocuparem os primeiros
escalões políticos e administrativos do país; (e) por não ter acompanhado as
mudanças que ocorriam na estrutura social (RODRIGUES; JUNQUEIRA, 2002, p.
19).
Os primeiros anos de funcionamento das duas primeiras faculdades de
direito do Brasil, não são dos mais fáceis, como pode ser visto nas palavras de
Alberto Venancio Filho (2004, p. 37) [...] As dificuldades para o funcionamento dos
cursos eram, porém, de toda ordem, tanto quanto às instalações materiais como
quanto ao pessoal. Em relação às instalações materiais, tiveram os cursos jurídicos
de se abrigar à sombra de velhas instituições eclesiásticas, o que ocorreu tanto em
São Paulo como em Olinda.
As influências externas denotam a realidade de um mundo já globalizado,
neste ponto no que tange à formação de ideologias, tendências filosóficas e demais
afirmações que comporiam a base dos futuros partidos e regimes políticos, uma
espécie de mosaico passível de ser adequado aos interesses e necessidades
daqueles que almejavam o poder.
Alberto Venancio Filho (2004, p. 76), introduz seu trabalho acerca da
Reforma do Ensino Livre aduzindo que o período compreendido entre 1870 e o início
da Primeira Guerra Mundial, como o período da Ilustração Brasileira assim
denominado, por Roque Spencer Maciel de Barros.
O liberalismo clássico brasileiro, com origem nas fontes filosóficas europeias, ao lado do novo liberalismo cientificista tem como ponto teórico de partida a crença fundamental na liberdade humana: o homem é senhor de seu destino e por isso responsável por ele. Tais idéias têm sua origem em Kant [...].
17
(VENANCIO FILHO, 2004, p. 76).
O período de transição para República inaugura a reformulação da
estrutura jurídica e social do país, colocando em debate as suas principais
necessidades e deficiências e como não poderia deixar de ser, o clamor social aliado
ao confronto de interesses políticos torna esta transição marcada por inúmeras
revoltas.
Após uma breve passagem pelo período do império, sem enfatizar
dicotomias históricas, surge um dos períodos mais críticos da nova realidade da
então recém nascida e independente política brasileira, aquele que colocou “frente a
frente” os ideais de Thomas Hobbes e John Locke4.
De um lado os conservadores e de outro os liberais, desenhavam os
rumos da política e da sociedade brasileira.
O desgaste, e a posterior queda do segundo reinado com a Proclamação
da República em 1889, inaugurou um novo e conturbado momento político e por
conseguinte influenciou na formação jurídica dos atores do direito sendo o precursor
das inúmeras reformas do currículo acadêmico das faculdades de direito brasileiras,
no entanto, sua inclinação ideológica profundamente fundada nos interesses do
Estado e afastadas da realidade cultural e social do país já encontravam-se
enraizadas.
O projeto sociopolítico de Comte pressupunha uma evolução ordeira da sociedade, incompatível com revoluções e mudanças bruscas. Curiosamente, no Brasil, os ideais positivistas serviram para alavancar uma troca de regime com a Proclamação da República. O aparente paradoxo se explica, em parte, pelo fato de a influência positivista ter resultado em pensamentos muito diversos no Brasil, conforme se combinou com outras correntes ideológicas. Nenhum setor teve maior presença da ideologia comtiana do que as Forças Armadas, de onde saiu o vitorioso movimento republicano e a ideia de adotar o lema “Ordem e Progresso”. Várias das medidas governamentais dos primeiros anos da República tiveram inspiração positivista, como a reforma educativa e a separação oficial entre Igreja e Estado, ambos em 1891. (PARANÁ, 2015, p.1).
Neste contexto, a construção da identidade jurídica da nação ocorre em 4 Thomas Hobbes (1588 – 1679) em sua obra “Leviatã” discorre sobre o estado de natureza, o contrato social que os indivíduos tiveram necessidade de firmar e o governo soberano. Para Hobbes, os homens no estado de natureza são todos iguais, até mesmo o mais forte não possui a garantia de poder sobre os demais. Possuem, ademais, a mesma inteligência, entretanto devido à vaidade humana (requisito comum a todos) cada indivíduo se sente e se considera mais inteligente que o seu semelhante. John Locke (1632 – 1704) difere consideravelmente da teoria de Hobbes. Locke em “Segundo tratado sobre o governo civil” acredita que os homens no estado de natureza viviam em relativa harmonia e paz. Nesse momento, os homens eram dotados de razão e tinham sua propriedade. Propriedade para o autor, em uma primeira acepção, significava: vida, liberdade e bens. (AMARAL, 2013, p.1).
18
meio as aceleradas transformações políticas e econômicas a partir dos primórdios
liberalismo econômico, aumentando o choque de tenções entre os liberais e os
conservadores, estes ávidos defensores do positivismo jurídico “Kelseniano”, no qual
o processo de compartimentalização na ciência do direito, acaba por afastar o ensino
jurídico da realidade social.
O positivismo no Brasil tornara-se de fundamental importância na
afirmação do poder do Estado Republicano e da organização social, visando a
construção do que viria a ser uma sociedade vertical, donde a soberania do Estado
emanada das normas, seria suficientemente capaz de direcionar os rumos da
sociedade. José Carlos de Araújo Almeida Filho (2007), abordando a influência da
Maçonaria no ensino jurídico brasileiro destaca o trabalho de Franz Wieacker, onde
leciona que “[...] o ponto de partida deste método é a convicção, baseada no ideal
científico do idealismo formal, de que a justeza lógica, do ponto de vista conceitual e
sistemático de uma frase, fundamenta também a sua correção material”. (ALMEIDA
FILHO, 2007, p. 47).
Estas afirmações ficam claras na leitura da Lei que institui as duas
primeiras faculdades de direito do Brasil, constituída por um currículo disciplinar
claramente voltado aos interesses do império.
Não se pode deixar de apontar a ausência de maior espírito científico e
doutrinário, mas é inegável que se tivesse sido seguido em sua fundamentação, ter-
se-iam evitado muitas das deficiências que se observam a partir de 1827, com ênfase
demasiada no espírito retórico e pouco objetivo (VENANCIO FILHO, 2004, p. 36).
Da leitura das reflexões acima exaradas percebe-se o que pode vir a ser o
nascimento do discurso político, adotado pelos dirigentes do país nos tempos atuais.
Da breve leitura da lei que instituiu as duas primeiras faculdades de direito do Brasil,
percebe-se a intensão de fundamentar um sistema voltado ao ensino de operadores
jurídicos estatais, ao contrário do que a própria denominação dada ao curso de
“Ciências Jurídicas e Sociais”.
Lei de 11 de Agosto de 1827 Crêa dous Cursos de sciencias Juridicas e Sociaes, um na cidade de S. Paulo e outro na de Olinda. Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deus e unanime acclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos os nossos subditos que a Assembléia Geral decretou, e nós queremos a Lei seguinte: Art. 1.º - Crear-se-ão dous Cursos de sciencias jurídicas e sociais, um na cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, e nelles no espaço de cinco annos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes:
19
1.º ANNO 1ª Cadeira. Direito natural, publico, Analyse de Constituição do Império, Direito das gentes, e diplomacia. 2.º ANNO 1ª Cadeira. Continuação das materias do anno antecedente. 2ª Cadeira. Direito publico ecclesiastico. 3.º ANNO 1ª Cadeira. Direito patrio civil. 2ª Cadeira. Direito patrio criminal com a theoria do processo criminal. 4.º ANNO 1ª Cadeira. Continuação do direito patrio civil. 2ª Cadeira. Direito mercantil e marítimo. 5.º ANNO 1ª Cadeira. Economia politica. 2ª Cadeira. Theoria e pratica do processo adoptado pelas leis do Imperio. (BRASIL, 1827)
Em suma o que se tem na República Velha é de certo modo uma
continuidade do pensamento jurídico florescido no decorrer do segundo Império nas
arcadas de Coimbra, refletido tanto no ensino quanto na elaboração das normas.
Neste sentido destaca-se os apontamentos de Antonio Paim (1998, p.92) ao analisar
as cartas de 1824 e a de 1891 afirma.
A Declaração de Direitos está redigida de modo muito assemelhado ao que dispunha o título da Constituição de 25 de março de 1824 relativo às “garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros”. As inovações da Constituição republicana dizem respeito: 1º) às decorrentes da eliminação da nobreza; e 2º) as que advieram da separação da Igreja do Estado. Em matéria de privilégios da Igreja Católica, na Constituição imperial dizia-se que “ninguém pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado e não ofenda a moral pública”. Com o abandono do princípio de que deveria haver uma religião oficial, altera-se a legislação referente ao casamento civil, à administração dos cemitérios e ao ensino. A Constituição mantém um resquício do passado ao deixar de introduzir o divórcio. A nova elite dirigente, constituída pelos positivistas, era radicalmente contrária à providência. No que respeita às liberdades públicas (de imprensa, de reunião e de associação, etc.) as duas Cartas apresentam disposições idênticas. Quanto aos princípios gerais da aplicação da justiça, os dois estatutos são bastante assemelhados.
Por sua parte, Horácio Wanderlei Rodrigues e Eliane Botelho Junqueira
(2002, p. 20) espelha a dinâmica educacional jurídica no período da República Velha.
Na República Velha continuou havendo uma desvinculação entre a instância educacional e a realidade social, sendo que as principais alterações motivadas pela alteração do regime político foram: (a) a introdução de alterações no currículo dos cursos, procurando dar maior profissionalização aos seus egressos. Continuou ele, no entanto, sendo rígido, não sendo introduzida nenhuma alteração estrutural; (b) a influência decisiva do positivismo na concepção de Direito e seu ensino; (c) o início das discussões sobre a questão da metodologia de ensino. No entanto, a aula-conferência continuou sendo, em regra geral, a opção didático-pedagógica adotada.
Sem abrir mão da necessidade de aprofundamento do estudo desta
formação da escolástica da justiça brasileira em seus primeiros ensaios nos cursos
20
de direito, a abertura do trabalho elaborado por Elizete Lanzoni Alves (2007, p.241)
encerra a abordagem do período histórico e abre o caminho, para um período mais
próximo da contemporaneidade.
Os cursos jurídicos têm desde a sua implementação no Brasil, como característica marcante a transmissão de um conhecimento reproduzido e sem grandes inovações, tendo como finalidade preparar um profissional do direito estritamente tecnicista, refém do sistema normativo codificado como se essa fosse a essência do Direito. (ALVES, 2007, p. 241)
E continua afirmando.
Essa realidade, acentuada pelas exigências de mercado que busca valorizar mais a memorização do que a reflexão, bem como pela composição de matrizes curriculares com forte característica positivista e pouco interdisciplinar, tem como produto um profissional em descompasso com os desafios dos novos direitos e os verdadeiros problemas sociais. (ALVES, p. 241).
Não obstante as inúmeras tendências filosóficas e ideológicas que
fervilharam na Europa no decorrer do período inicial da formação dos primeiros
atores jurídicos do cenário político e jurídico nacional, o liberalismo sob a face das
liberdades individuais e igualdades e o positivismo sob a rigidez da lógica normativa
como instrumento do Estado, consolidaram o afastamento do mundo jurídico da
realidade social de uma nação cuja a identidade forjada sobre a discriminação, a
exploração de recursos naturais, a escravidão e os privilégios do império.
Neste sentido o ensino jurídico evoluiu no período republicano, fortemente
atrelado aos interesses do Estado, onde “[...]O projeto político republicano, tanto no
Brasil (1889) quanto em Portugal (1910), pombalinamente, possibilitou um conjunto
de modernizações, separando a Igreja do Estado[...]” (NEDER; CERQUEIRA FILHO,
2001, p. 4).
Em 2004 o parecer CNE/CES 0055/2004 elaborado pelo Ministério da
Educação – MEC, revela a forte influência do positivismo no currículo acadêmico do
direito.
Advindo a Proclamação da República, alterações curriculares foram introduzidas, decorrentes das modificações políticas e no campo das ciências, sob a influência da corrente positivista. Com efeito, não prevalecendo a orientação decorrente do Direito Natural (o jusnaturalismo) e desvinculando-se a Igreja do Estado, especialmente sob a influência do período Pombalino, extinguiu-se o Direito Público Eclesiástico em 1890, logo após a Proclamação da República, criando-se também as cadeiras de Filosofia e História do Direito e de Legislação Comparada sobre o Direito Privado, até que, adveio, já no período Republicano, a Lei 314, de 30/10/1895, fixando um novo currículo para os cursos de Direito [...] (BRASIL, 2004, p. 4-5)
21
A ideologia de controle social refletida nos ambientes acadêmicos do
direito e em sua grade curricular, contribuíram na formação de uma grande parcela
de juristas, altamente especializados nos interesses privados “burgueses” e nos
interesses do Estado, voltados para expansão industrial, de outra sorte construía-se
no país uma grande parcela sociedade excluída e desprovida de acesso à justiça
Nos séculos dezoito e dezenove, no alvorecer dos estados da burguesia
liberal, erigidos sob os auspícios da Revolução francesa e suportados pela filosofia
protestante, firmada na ideia de que o trabalho dignifica o homem, têm-se um acesso
à justiça onde o Estado permanecia passivo frente aos conflitos, posto que estes
eram vistos como eminentemente individualistas, conforme a filosofia vigorante
(WEBER, 2004, p. 51). Diante disto, o indivíduo que sofresse uma ofensa ao seu
direito, deveria empreender por si, meios de alcançar a reparação, ainda que o
acesso à justiça fosse considerado um “direito natural”, anterior ao Estado.
(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 9).
Encerrando esta breve passagem pelas origens históricas da formação
jurídica e a estruturação do Estado brasileiro, mesmo sem abarcar com a devida
dedicação todos os elementos constitutivos deste importante período, abrem-se as
portas para busca de uma melhor compreensão dos motivos desencadeantes da
crise de jurisdição do Poder Judiciário.
22
3 ASPECTOS GERAIS DA CRISE DE JURISDIÇÃO NO BRASIL NO PERÍDO PRÉ
E PÓS CONSTITUCIONAL E A CONTINUIDADE DA CULTURA JURÍDICA
No final da década de 1980, o mundo já havia passado por inúmeras
mudanças o panorama político internacional, já havia sido bruscamente alterado por
duas Grandes Guerras, Guerra Fria e a Guerra do Vietnã, alianças econômicas e
inúmeras dissidências políticas, neste período iniciou-se o processo de
redemocratização do Brasil, a ditadura militar havia, pelo menos aparentemente, sido
suprimida por completo dando início ao novo marco dos avanços sociais, políticos e
democráticos pelos quais o país viria a passar como bem ilustra Paulo Rogério Areias
de Souza (2009, p.1) em seu artigo.
Ainda sentindo a presença do fantasma, ainda não exorcizado, dos vinte anos de Ditadura Militar, os brasileiros passam a viver sob a égide da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada na Câmara dos Deputados, em Brasília pelo Presidente da Assembleia Nacional Constituinte o Deputado Ulisses Guimarães, em 5 de outubro de 1988. (SOUZA, 2009, p.1).
A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em
1988, consolidada pelos princípios e cláusulas pétreas, definiu a estrutura do sistema
de governo adotado pelo país e os objetivos sociais aos quais ela se propunha
garantir. As cláusulas pétreas5 estão dispostas em seu artigo 60, § 4º, são elas: a
forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação
dos poderes; e os direitos e garantias individuais.
A Magna Carta pode ser definida como um núcleo jurídico fundamental e não redutível que tem a capacidade de fixar os procedimentos para a resolução de conflitos emergentes, bem como a forma e a unidade política das tarefas estatais, cuja tarefa primordial é estruturar a sociedade, elencando as garantias e direitos fundamentais e, ainda, disciplinando o processo de formação do Estado. (MARIN, 2012, p.105-106).
Em que pese as profundas vitórias alcançadas pela população brasileira
pós-Constituição de 88, como dito anteriormente, as marcas da ditadura formaram
cicatrizes profundas na sociedade e na estrutura do Estado brasileiro, suas chagas
alastraram-se pelos órgãos públicos, pelo sistema de ensino fundamental e superior,
desenhando assim uma estrutura social de desigualdades e injustiças que persistem
até hoje, como bem acentuado na obra de José Eduardo Faria e Celso Fernandes
5 De acordo com o artigo 60, §4º, da Constituição Federal, "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais". Têm como objetivo evitar as alterações temerárias de assuntos essenciais para os cidadãos e o Estado. (BRASIL, 1988).
23
Campilongo (1991).
A partir do regime burocrático-militar pós-64 o Brasil viveu um período fortemente autoritário. A supressão das franquias democráticas e o recurso sistemático à censura e à tortura fizeram do país um lugar de desrespeito à ordem jurídica. Paralelamente a isso, a necessidade de modernização dos serviços públicos – para acompanhar uma sociedade crescentemente complexa e diferenciada [...] As metas estabelecidas pela ditadura militar centraram-se em criar um estado tecnicista, com profissionais treinados e eficientes que servissem aos seus objetivos sem questionar, que produzissem de forma contínua e não fossem capazes de criticar, seus métodos “[...] o Estado promoveu uma reforma educacional dissociada do contexto sócio-econômico brasileiro [...]” (FARIA; CAMPILONGO, 1991, p. 10).
Na medida em que o Estado ditatorial desenhava a estrutura sócio
econômico do país, construía um sistema de ensino estritamente adequado aos
interesses do capital, para tanto os futuros profissionais de nível superior deveriam
receber uma formação altamente técnica, voltada aos interesses econômicos do
Estado Nacional (FERREIRA JUNIOR; BITTARE, 2006, p. 13-14).
A metodologia adotada pelo regime militar não ficou restrita apenas aos
órgãos públicos, alcançando também as universidades, em especial as de Direito, por
tratar-se de ambientes de discussão e de produção intelectual o que representava um
problema para o regime, além do que, com a economia em expansão, o mercado
precisaria de mais profissionais, independentemente de sua qualificação, visando
apenas a criação de profissionais habilitados ao desempenho de funções inerentes
aos interesses das grandes indústrias, cumprindo fielmente os propósitos do Estado
formado sob a égide do liberalismo econômico.
Por isso, desde que um amplo espectro de movimentos sociais emergiu entre os anos de 1970 e 1980 procurando ampliar o acesso dos segmentos marginalizados da população ao MP e à Justiça, o advento da Constituição de 1988 propiciou um sem número de demandas judiciais para o reconhecimento de novos direitos (moradia) e a aplicação de direitos já consagrados (reforma agrária), os tribunais brasileiros passaram a protocolar, carimbar, distribuir e julgar milhões de ações. Mas, apesar dessa explosão de litigiosidade, ou por causa dela, eles jamais conseguiram conduzir os processos a uma solução definitiva e coerente com outras ações idênticas, dentro de prazos de tempo razoáveis. (FARIA, 2004, p. 105).
À medida que todo este processo de incentivo ao desenvolvimento
econômico estava sendo moldado, outro fenômeno se dava nas grandes capitais
brasileiras, por intermédio dos incentivos fiscais e outros benefícios oferecidos pelo
governo dos militares ocorreu a instalação de grandes indústrias e empresas, que
geraram uma crescente demanda por mão de obra, e consequentemente, incentivou
24
o grande êxodo rural6,
[...] A análise destes índices demonstra que o ponto culminante deste crescimento ocorre entre as décadas de 1950 e de 1960, período marcado pelo forte êxodo rural, consequência, entre outros fatores, da forte política de industrialização adotada no governo de Juscelino Kubitschek [...] (BOTEGA, 2008, p. 4-5).
Não obstante a supressão de direitos imposta pelo regime militar
compondo o agravamento, deste sistema social desintegrado e a mecanização dos
modelos acadêmicos na implementação de uma ideologia tecnocrata, como
sustentam Amarilio Ferreira Junior e Marisa Bittare (2006, p. 3), a política educacional
adotada afetou profundamente todos os níveis de educação. As práticas adotadas a
partir desta política foram eminentemente tecnicistas, baseadas no cerceamento e
controle das atividades acadêmicas, no interior das universidades e ampliando a
expansão da iniciativa privada no ensino superior, tornando as escolas o meio mais
eficaz da propagação da ideologia do regime militar (FERREIRA JUNIOR; BITTARE,
2006, p. 3).
Passa-se a criar no país um cenário de crescente busca dos grupos
sociais pelo resgate de seus direitos. “Na década de 1960, houve a eclosão da
chamada crise de administração da justiça7, cujos efeitos ainda não se esgotaram.”
(ABREU, 2004, p. 49), dando início ao que veio se conhecer como a atual crise do
Poder Judiciário.
Em um efeito cascata após a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, assentava-se no país um panorama de reivindicações
sociais e conflitos em contraste com uma ineficiência jurisdicional, onde “[...] a luta é
pela efetividade dos direitos fundamentais, exigindo-se do judiciário, ou do Estado,
em sentido lato, no plano individual ou no plano coletivo, meios e modos de
efetivação.” (ABREU, 2004, p. 50), o panorama sócio-político passa a ser moldado
pelos movimentos sociais, as décadas de 80 e 90 trazem à tona a busca pelos
direitos firmados na nova Constituição.
Esta nova realidade social de busca pela efetivação dos direitos e
garantias, ramificados nos códigos brasileiros, pode muito bem ser demonstrada
pelas palavras de Boaventura de Sousa Santos (2007, p.9).
6Os dados estatísticos evidenciam este fato. (BOTEGA, 2008, p. 4-5). 7São diversas as crises da Justiça: crise estrutural (de financiamento e infraestrutura), crise objetiva (da linguagem técnico-formal utilizada no processo, ritos, burocracia e lentidão), crise subjetiva (incapacidade técnica para atender à nova realidade social) e crise paradigmática (métodos de tratamento dos conflitos, modelo de jurisdição) (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 78-79).
25
Longe de se limitarem a chorar na inércia, as vítimas deste crescente processo de diferenciação e exclusão cada vez mais reclamam, individual e coletivamente, serem ouvidas e organizam-se para resistir. Esta consciência de direitos, por sua vez, é uma consciência complexa, por um lado, compreende tanto o direito à igualdade quanto o direito à diferença (étnica, cultural, de gênero, de orientação sexual, entre outras); por outro lado, reivindica o reconhecimento não só de direitos individuais, mas também de direitos coletivos (dos camponeses sem terra, dos povos indígenas, dos afro-descendentes, das comunidades quilombolas etc.).
A busca pelo judiciário teve enorme impulso no período pós-ditatorial,
onde as organizações sociais e a ampliação dos direitos e garantias individuais
semearam na sociedade a consciência e a necessidade de busca por seus direitos,
não apenas no plano individual, mas também na busca da coletividade por seus
direitos suprimidos, afetando profundamente a cultura jurídica centralizadora formada
sob os interesses do desenvolvimento burguês-capitalista (WOLKMER, 2001, p.336).
Àquelas parcelas da sociedade que no decorrer das décadas anteriores
sofreram com os abusos do Estado, com a perda de seus direitos e com a exploração
de sua mão-de-obra pelas grandes indústrias que se assentaram no país,
despertaram. “O salto aconteceu com o processo de transição democrática, iniciado
em 1985. Intensificou-se no períodode1980 a 1990, quando o Supremo Tribunal teve
que administrar uma demanda que simplesmente dobrou em dez anos.” (LOBATO,
2001, p.49).
É basicamente neste contexto histórico que o Poder Judiciário
estigmatizado pelo precário e desestimulante método de ensino jurídico
historicamente segmentado da realidade social e pelo sistema tecnicista propagado
pelo regime militar (FARIA; CAMPILONGO, 1991. p.60), se defronta com acrescente
demanda da população que desenvolve sua consciência de direitos, e paralelamente
aos avanços trazidos pela Constituição de 1988, passou a reivindicar a tutela estatal,
neste processo de busca pela efetivação do direito à saúde, ao lazer, a educação e
ao trabalho em melhores palavras, “Tornou-se lugar comum observar que a atuação
positiva do Estado é necessária para assegurar o gozo de todos esses direitos
básicos.” (CAPPELLETTI, GARTH 1988, p.11).
A atual conjuntura do Poder Judiciário brasileiro demonstra claramente o
desgaste causado pelas profundas mudanças sociais e políticas do país,
[...] sobre as causas da situação de crise do judiciário, percebe-se a necessidade de abordagem do aumento da complexidade das relações sociais, o surgimento de novos atores sociais e os reflexos destes elementos na perspectiva de obtenção de novos direitos. (PINHEIRO, 2008, p. 16).
O golpe militar de 1964 fechou um período da história brasileira e abriu
26
outro, constituindo assim um segundo período histórico, onde as classes existentes
são bruscamente alteradas e onde as construções e consensos ideológicos sofrem o
mesmo impacto (SILVEIRA, et al., 2007. p. 77).
Os reflexos deste desgaste do poder judiciário podem ser observados no
mais recente Relatório ICJ Brasil – 2º TRIMESTRE / 2013 – 1º TRIMESTRE / 2014:
ANO 05 elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, cujos dados materializam as
impressões da população, acerca da confiança no poder judiciário e os principais
entraves encontrados na busca pela tutela jurisdicional.
O ICJBrasil, criado há cinco anos, é composto por dois subíndices: (i) um subíndice de percepção, pelo qual é medida a opinião da população sobre a Justiça e a forma como ela presta o serviço público; e (ii) um subíndice de comportamento, por meio do qual procuramos identificar a atitude da população, se ela recorre ao Judiciário para solucionar determinados conflitos ou não. O subíndice de percepção é produzido a partir de um conjunto de oito perguntas nas quais o entrevistado deve emitir sua opinião sobre o Judiciário no que diz respeito (i) à confiança, (ii) à rapidez na solução dos conflitos, (iii) aos custos do acesso, (iv) à facilidade no acesso, (v) à independência política, (vi) à honestidade, (vii) à capacidade para solucionar os conflitos levados a sua apreciação e (viii) ao panorama dos últimos 5 anos. (ICJ BRASIL, 2013, p.4).
Na avaliação realizada pela Fundação Getulio Vargas, os dados coletados
e apresentados no quesito (i) que visa medir a percepção da população sobre a
justiça e a forma como ela presta o serviço público, revelou que no que diz respeito
ao subíndice de percepção, os entrevistados residentes no Rio Grande do Sul são os
que avaliam melhor o Judiciário se comparados aos entrevistados residentes nos
demais Estados pesquisados, visto que apresentaram o maior subíndice de
percepção para o período (4,6), seguindo tendência identificada no ano passado. Já o
menor subíndice de percepção (3,8) foi observado em quatro das oito unidades da
Federação avaliadas: Amazonas, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, este
subíndice de percepção, foi elaborado com base nos principais aspectos da crise do
judiciário, visando aferir a forma como a população avalia o judiciário. Para tanto,
foram elaboradas oito questões, quais sejam: - à confiança, (ii) à rapidez na solução
dos conflitos, (iii) aos custos do acesso, (iv) à facilidade no acesso, (v) à
independência política, (vi) à honestidade, (vii) à capacidade para solucionar os
conflitos levados a sua apreciação e (viii) ao panorama dos últimos 5 anos.
Na declaração espontânea sobre o quanto os entrevistados confiam no
Poder Judiciário, 32% dos entrevistados responderam que o Judiciário é confiável ou
muito confiável. Em outras palavras, mais da metade da população (68%) não confia
27
no sistema de Justiça. Comparando-se a confiabilidade no Poder Judiciário com a
confiabilidade nas outras instituições, o resultado não foi muito positivo, uma vez que
o Judiciário foi considerado uma das instituições menos confiáveis, ficando à frente
apenas de 4 entre 11 instituições pesquisadas. São elas: os Partidos Políticos, o
Congresso Nacional, o Governo Federal e as Emissoras de TV. De acordo com os
entrevistados, o Judiciário foi considerado uma instituição menos confiável do que a
Polícia, as Grandes Empresas, a Imprensa Escrita, o Ministério público, a Igreja
Católica e as Forças Armadas, está sempre apontada como a instituição mais
confiável. (ICJ BRASIL, 2013, p. 14-15).
É possível observar uma relação do uso do Judiciário com a escolaridade,
a renda e o local de residência da população. Quanto maior a escolaridade e a renda,
maior é a utilização do Judiciário. Assim como no ano anterior, os entrevistados do
Rio de Janeiro (50%) e do Rio Grande do Sul (50%) são os que em maior quantidade
afirmaram já terem utilizado o Judiciário. Em contrapartida, os entrevistados do
Amazonas são os que em menor quantidade declararam já terem utilizado o
Judiciário, na medida em que apenas 17% dos residentes nesse Estado informaram
ter proposto uma ação judicial. (ICJ BRASIL, 2013, p. 16).
Na esfera individual, outro grande entrave ao acesso à justiça está na
espera pela resposta do juiz-estado, na morosidade processual e os elevados custos
do processo, o que claramente desestimula as classes menos favorecidas na busca
da solução aos seus conflitos, pois “A procura de direitos da grande maioria dos
cidadãos das classes populares deste e de outros países é procura suprimida.”
(SANTOS, 2007, p. 24).
Os dados no quinto ano do ICJ Brasil seguem a tendência, já identificada
nos relatórios anteriores, de má avaliação do Judiciário como prestador de serviço
público. De maneira geral, os entrevistados consideram que o Judiciário presta um
serviço público lento, caro e difícil de utilizar. Para 89% dos entrevistados o Judiciário
resolve os conflitos de forma lenta ou muito lentamente, 81% disseram que os custos
para acessar o Judiciário são altos ou muito altos e 72% dos entrevistados acreditam
que o Judiciário é difícil ou muito difícil para utilizar. Outros três problemas apontados
pelos entrevistados são a falta de honestidade (69% dos entrevistados consideram o
Judiciário nada ou pouco honesto), a parcialidade (64% dos entrevistados acreditam
que o judiciário é nada ou pouco independente) e a falta de competência para
solucionar os casos (60% da população entrevistada classificam o Judiciário como
28
nada ou pouco competente). (ICJ BRASIL, 2013, p. 13).
O relatório, aponta ainda um levantamento realizado com objetivo de
apurar a disposição da população pela busca de métodos não adversariais de
resolução de conflitos. Segundo o estudo, no período analisado a maioria dos
entrevistados respondeu positivamente, visto que 40% dos entrevistados afirmaram
que aceitariam com certeza procurar meios alternativos de solução de conflitos,
enquanto 30% afirmaram que possivelmente o fariam. Ou seja, 70% dos
entrevistados mostraram-se favoráveis aos meios alternativos de resolução de
conflitos. Entre os entrevistados que se mostraram mais dispostos a realizar acordos
extrajudiciais, aparecem em maior quantidade os respondentes mais jovens, os que
já utilizaram o Judiciário, aqueles com maior renda e, maior grau de escolaridade.
(ICJ BRASIL, 2013, p. 18).
Os dados apresentados revelam que o Poder Judiciário permanece
abalado não só por uma crise de aspecto material, mas por uma crise de imagem que
se reflete nos últimos cinco anos de apuração, período em que o levantamento
passou a ser realizado, revelam a continuidade das deficiências acumuladas no
decorrer da formação jurídica e política do Estado brasileiro.
Como prediz Norberto Bobbio (2004, p. 15-16), a mutabilidade das
relações humanas não comporta posicionamentos rígidos e formas dogmáticas
inflexíveis as esferas de direitos, sejam eles individuais ou coletivos, são
constantemente alteradas por fatores históricos de relação entre poder e sociedade
no qual os direitos do homem não podem mais ser vistos ou tratados de forma
isolada, suas relações sociais e principalmente sua relação com o Estado,
demandam do Poder Judiciário novas formas de tratamento de conflitos que não se
orientem unicamente pelo positivismo legal.
Um dos fatores para se refletir sobre a ineficácia instrumental do judiciário, reside na mentalidade dogmática dos juristas que tendem a considerar a aplicabilidade e efetividade de certos direitos humanos e sociais como uma distorção das “funções judiciais”, como uma ameaça a “certeza jurídica” e como perversão da “segurança do processo (SANTOS, 2000, p.38).
Reconhecer a necessidade de uma justiça social em detrimento do
individualismo legal, que predominou até as duas Grandes Guerras, colocam o Poder
Judiciário frente a uma mudança de paradigma.
Surgem no contexto histórico do país como fruto da democracia, na qual,
segundo Dagnino (apud SANTOS, 2000, p. 30), existem três dimensões criadoras da
29
nova noção de cidadania, onde a primeira forma-se da experiência concreta dos
movimentos sociais de tipo urbano, no qual se busca o acesso às cidades e pelos
movimentos de determinados grupos sociais a exemplo da busca das mulheres por
seu espaço na sociedade, negros na luta por seus direitos, meninos e meninas de
rua face a sua exclusão social e homossexuais em busca do respeito e igualdade. Na
segunda dimensão percebe-se que as experiências concretas destes movimentos
sociais, agregado cumulativamente, aprofundaram a noção de democracia. Por
último, ampliação da noção de cidadania cria um novo patamar teórico e político.
Compreender a crise de acesso à jurisdição implica necessariamente em
abordar os tipos de entraves encontrados pela população na busca por seus direitos,
assim, ficam evidentes os principais obstáculos do acesso à justiça, bem como os
principais fatores desencadeantes da crise de jurisdição sendo, portanto, um ponto
crítico que depende de medidas efetivas que possibilitem sua reestruturação,
redemocratização e de meios que possam ser utilizados de forma a garantir a
segurança jurídica, assim surgem por meio de esforços interdisciplinares, os métodos
não adversariais de conflitos.
Unificar os conceitos e as percepções das diversas áreas do
conhecimento, em torno de um objeto tão complexo quanto a organização política,
jurídica e social de um Estado, não implica necessariamente no abandono da
epistemologia jurídica ou da tutela jurisdicional do Estado, mas constitui-se de uma
necessidade de abandonar antigos dogmas em busca de novas alternativas aos
problemas concretos que desafiam a ciência jurídica.
3.1 PRINCIPAIS MEDIDAS DESTINADAS À EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA
As medidas amplamente implementadas visando a reestruturação do
Poder Judiciário, cujo núcleo está centrado em uma prestação jurisdicional
redemocratizada, derivam de uma profunda necessidade de mudança do
“pensamento jurídico” nacional.
No arcabouço das propostas, projetos e novos modelos de prestação
jurisdicional desenvolvidos pelo Poder Judiciário, estão comportadas correntes de
pensamento contemporâneo, donde emana a crítica, a interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade sem o esgotamento de outras, como práticas metodológicas de
ensino transformadoras, integradas e transformadoras, como núcleos concretos do
30
início da formação de um novo ou novos modelos pensamento jurídico adequados à
nova realidade social.
Não obstante a necessidade de aprofundamento das principais medidas
voltadas ao acesso à justiça que serão brevemente apresentadas, buscar-se-á traçar,
ao menos suas principais características, ligadas a algum dos métodos não
adversariais de conflitos.
3.1.1 Algumas medidas legislativas destinadas à redemocratização do acesso à
justiça
Em que pese o esforço no sentido de se demarcar os fatores
desencadeantes da crise de acesso à jurisdição no Brasil, denota-se que o apanhado
histórico da formação da cultura jurídica do pais, desde o período colonial, forjado
pelo Estado português fundaram a uma estrutura jurídica desvinculada da realidade
sócio econômica da população brasileira (FARIA, 2004, p. 2), o que se percebe
atualmente pode ser o ponto máximo de um desgaste secular, em descompasso com
as novas demandas sociais.
O processo8 de resgate da confiança no Poder Judiciário parte de uma
série de medidas legislativas e de políticas judiciárias, destinadas à criação de
instrumentos necessários ao trabalho de reconstrução da imagem da instituição.
A criação dos Juizados de Pequenas Causas, por exemplo, instituídos
ainda sob a égide do regime militar, como resgata Maria Tereza Sadek (2004, p. 95),
abre um leque de possibilidades aos cidadãos na busca pela justiça, na busca por
seus direitos.
Efetivamente, criados ainda sob o regime militar, em 1984, no Ministério da Desburocratização, como Juizados de Pequenas Causas, tinham por finalidade abriras portas do Judiciário para novas demandas – de reduzido valor econômico – e propiciar respostas eficientes, orientadas pelos princípios da conciliação, da oralidade, da simplicidade dos procedimentos, da celeridade e amplitude dos poderes do juiz. A Constituição de 1988 reconheceu os êxitos da experiência e consagrou esses Juizados em dois dispositivos. (arts.24,n.X, e 98,n.I). (SADEK, 2004, p. 95).
Posteriormente este sistema de Juizado de Pequenas Causas, veio a ser
substituído pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, instituídos pela Lei n. 9.099
8 O termo processo aqui empregado, constitui-se como o conjunto sistematizado de ações e medidas legislativas destinadas a implementação de uma finalidade concreta, verificável no mundo fenomênico, qual seja patrocinar o acesso à jurisdição.
31
de 26 de setembro de 1995, tendo em vista o aumento do rol de conflitos e a
necessidade de aperfeiçoamento daquele instituto, onde se assentou a proposta de
dirimir a lide já em sua etapa processual inicial, por meio da audiência conciliatória.
A conciliação, como um valor prevalente na resolução das controvérsias, foi alçada ao status de princípio informativo do sistema processual brasileiro e a composição das lides não é novidade em nosso ordenamento jurídico, existindo desde a época das Ordenações Filipinas, em seu Livro III, Título XX, § 1º. Atualmente a previsão está em diversas disposições legais, seja do Código de Processo Civil de 1973 (arts. 125, IV, 269, III, 277, 331, 448,449,584, III, e 475-N, III e V, inserido pela Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005), do Código Civil (art. 840, correspondente ao art. 1.025 do CC/1916), da Lei de Arbitragem (arts. 21, § 4º, e 28), do Código de Defesa do Consumidor (arts. 5º, IV, 6º, VII, e 107), da Lei n. 9.099/95 dos Juizados Especiais (na qual se consagra como princípio jurídico – art. 2º), da Lei n. 10.259/01 dos Juizados Especiais Federais, da Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos, arts. 9º e 11) e da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT (arts. 649, 764, 831, 847 e 850). (INSTITUTO BRASILEIRO DE ALTOS ESTUDOS DO DIREITO PÚBLICO, 2012, p.1).
Surgem ainda as reformas introduzidas pela Emenda Constitucional n.
45/04, que traz em seu escopo grandes inovações para o Poder Judiciário, dentre as
principais, destaca Otávio Augusto de Souza (2006, p. 1), em artigo publicado na
Revista Evocati, Aracaju, “Nos cabe ressaltar, ainda, a instituição de controle externo
à magistratura e ministério público através de órgão híbrido com a composição
prevista nos artigos 103-B e 130-A.”, bem como a inovação inserida pelo inciso
LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal (introduzido pela Emenda Constitucional nº
45, de 2004 – Reforma do Judiciário), que consolida, “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação”.
Mas é como advento do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que outras
propostas destinadas à reforma do judiciário, ganham força e passam a figurar como
métodos alternativos, destinados a garantir o acesso à justiça, a celeridade na
resolução dos conflitos e a gratuidade para a parcela hipossuficiente da sociedade.
As propostas de modernização e democratização do Poder Judiciário
acompanham também, a evolução tecnológica destas últimas décadas.
Implantado pela Lei n. 11.419/06 o processo virtual emerge com a
proposta de dar maior celeridade a os trâmites processuais, visando dar corpo ao que
a Emenda Constitucional n. 45/04 propôs, possibilitando a facilidade de acesso das
partes e seus procuradores aos autos, sendo que anteriormente tinham que se
deslocar aos cartórios das varas judiciais enfrentando uma série de entraves.
32
Segundo Puerari e Isaia (2012, p. 2) autores de um artigo apresentado no
Iº Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade ocorrido na Universidade
Federal de Santa Maria, nos dias 30, 31 de maio e 1º de junho de 2012, destaca-se
que com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, que adicionou ao art. 5º da
Constituição Federal de 1988 o inciso LXXVIII, assegurando expressamente a
duração razoável do processo como garantia constitucional fundamental.
3.1.2 Política nacional de tratamento adequado dos conflitos
É com o advento da Resolução n. 125/10, editada pelo CNJ que se
implanta a política pública de tratamento de conflitos, conforme se extrai do
preâmbulo.
CONSIDERANDO que, por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação; (BRASIL, 2010).
Da leitura do preâmbulo da citada Resolução, urge a necessidade de
implantar uma política judiciária eficaz com vistas à redução da crescente escalada
dos conflitos sociais e por conseguinte a demanda na busca pelo Poder Judiciário,
criando a “Política Pública de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses”,
ainda nesta resolução faz-se obrigatória a criação, pelos Tribunais, dos denominados
Centros de Resolução de Conflitos.
Art. 7º Os Tribunais deverão criar, no prazo de 30 dias, Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, compostos por magistrados da ativa ou aposentados e servidores, preferencialmente atuantes na área, com as seguintes atribuições, entre outras: IV – instalar Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania que concentrarão a realização das sessões de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, dos órgãos por eles abrangidos; (BRASIL, 2010, grifo nosso)
A Resolução n.º 125/10, estabelece ainda a estrutura, a composição e as
competências dos Centros de Solução de Conflitos, onde deverão estar centralizados
os serviços de conciliação e mediação, onde deverão ser realizadas todas as
audiências de mediação e conciliação pré-processuais.
Art. 8º Para atender aos Juízos, Juizados ou Varas com competência nas áreas cível, fazendária, previdenciária, de família ou dos Juizados Especiais Cíveis e Fazendários, os Tribunais deverão criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (“Centros”), unidades do Poder Judiciário,
33
preferencialmente, responsáveis pela realização das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão. (BRASIL, 2010).
Nos centros, todas as sessões de conciliação e mediação pré-processuais
deverão ser realizadas, podendo excepcionalmente, as sessões de conciliação e
mediação processuais ser realizadas nos próprios Juízos, Juizados ou Varas
designadas, desde que o sejam por conciliadores e mediadores cadastrados junto ao
Tribunal e supervisionados pelo Juiz Coordenador do Centro.
Os Centros deverão ser instalados nos locais onde exista mais de um
Juízo, Juizado ou Vara com pelo menos uma das competências do caput do art. 8º.
Nas Comarcas das Capitais dos Estados e nas sedes das Seções e
Regiões Judiciárias, bem como nas Comarcas do interior, Subseções e Regiões
Judiciárias de maior movimento forense, o prazo para a instalação dos Centros será
de 4 (quatro) meses a contar do início de vigência desta Resolução.
Nas demais Comarcas, Subseções e Regiões Judiciárias, o prazo para a
instalação dos Centros será de 12 (doze) meses a contar do início de vigência deste
ato.
Os Tribunais poderão, excepcionalmente, estender os serviços do Centro a
unidades ou órgãos situados em outros prédios, desde que próximos daqueles
referidos no § 2º, podendo, ainda, instalar Centros nos chamados Foros Regionais,
nos quais funcionem dois ou mais Juízos, Juizados ou Varas, observada a
organização judiciária local. (BRASIL, 2010).
Do “caput” do artigo 8º extrai-se a amplitude dada às competências
atribuídas aos métodos não adversariais de resolução de conflitos, quais sejam - os
Juízos, Juizados ou Varas com competência nas áreas cível, fazendária,
previdenciária, de família ou dos Juizados Especiais Cíveis e Fazendários.
À saber já foram instalados Centros Judiciários de Solução de Conflitos e
Cidadania pelo Tribunal de Justiça do Acre, Tribunal de Justiça de Alagoas, Tribunal
de Justiça do Amazonas, Tribunal de Justiça do Amapá, Tribunal de Justiça da Bahia,
Tribunal de Justiça do Ceará, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Tribunal de
Justiça de Goiás, Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, Tribunal de Justiça do Pará, Tribunal de Justiça da Paraíba, Tribunal de
Justiça do Paraná, Tribunal de Justiça de Pernambuco, Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Tribunal de Justiça de Santa
34
Catarina, Tribunal de Justiça de São Paulo, Tribunal de Justiça de Sergipe e o
Tribunal de Justiça de Tocantins. (MEDIADORES E CONCILIADORES, 2015, p.1).
Ainda no âmbito do Ministério Público Nacional em 2014, foi editada a
Resolução n. 118/14 do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, cujo teor
visa instituir como prioridade daquela instituição a Política Nacional de Incentivo à
Autocomposição.
Art. 1º Fica instituída a POLÍTICA NACIONAL DE INCENTIVO À AUTOCOMPOSIÇÃO NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, com o objetivo de assegurar a promoção da justiça e a máxima efetividade dos direitos e interesses que envolvem a atuação da Instituição. Parágrafo único. Ao Ministério Público brasileiro incumbe implementar e adotar mecanismos de autocomposição, como a negociação, a mediação, a conciliação, o processo restaurativo e as convenções processuais, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão sobre tais mecanismos. (BRASIL, 2014, grifo nosso).
O mesmo dispositivo traça ainda em seus artigos as principais
características de cada um dos métodos, bem como o papel a ser cumprido pelos
membros do Ministério Público.
Assim, a negociação é recomendada para as controvérsias ou conflitos em
que o Ministério Público possa atuar como parte na defesa de direitos e interesses da
sociedade, em razão de sua condição de custos legis. (Art. 129, III, da CF/1988),
aduz ainda, que a negociação é recomendada para a solução de problemas
referentes à formulação de convênios, redes de trabalho e parcerias entre entes
públicos e privados, bem como entre os próprios membros do Ministério Público,
possivelmente as regulamentadas pela Lei n. 11.079/04.
A mediação é recomendada para solucionar controvérsias ou conflitos que
envolvam relações jurídicas nas quais é importante a direta e voluntária ação de
ambas as partes divergentes. Ampliando o rol de aplicação da técnica de mediação,
prevê que a mediação comunitária e a escolar que envolvam a atuação do Ministério
Público sejam regidas pela máxima informalidade possível. A mediação no âmbito do
Ministério Público, poderá ser promovida como mecanismo de prevenção ou
resolução de conflito e controvérsias que ainda não tenham sido judicializados; As
técnicas do mecanismo de mediação também podem ser utilizadas na atuação em
casos de conflitos judicializados; As técnicas do mecanismo de mediação podem ser
utilizadas na atuação em geral, visando ao aprimoramento da comunicação e dos
relacionamentos; Ao final da mediação, havendo acordo entre os envolvidos, este
poderá ser referendado pelo órgão do Ministério Público ou levado ao Judiciário com
35
pedido de homologação; A confidencialidade é recomendada quando as
circunstâncias assim exigirem, para a preservação da intimidade dos interessados,
ocasião em que deve ser mantido sigilo sobre todas as informações obtidas em todas
as etapas da mediação, inclusive nas sessões privadas, se houver, salvo autorização
expressa dos envolvidos, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo
o membro ou servidor que participar da mediação ser testemunha do caso, nem atuar
como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese.
Finalmente a Resolução n.º 118/14, aponta que a conciliação é
recomendada para controvérsias ou conflitos que envolvam direitos ou interesses nas
áreas de atuação do Ministério Público como órgão interveniente e nos quais sejam
necessárias intervenções propondo soluções para a resolução das controvérsias ou
dos conflitos, a conciliação será empreendida também, naquelas situações em que
seja necessária a intervenção do membro do Ministério Público, servidor ou
voluntário, no sentido de propor soluções para a resolução de conflitos ou de
controvérsias, sendo aplicáveis as mesmas normas atinentes à mediação.
As críticas ao Poder Judiciário e a tardia consciência de suas deficiências,
servem de propulsores à adoção de instrumentos eficazes na reconstrução da
democratização na prestação da justiça, cujos principais componentes, estão
consolidados no texto do novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105/15 que prevê,
em seu bojo, especial tratamento dado aos métodos não adversariais de resolução
de conflitos, em particular a mediação e a conciliação sem o esgotamento de outras
propostas de lei que ainda encontram-se em tramitação no Congresso Nacional a
exemplo do Projeto de Lei da Câmara nº 94, de 2002 (nº 4.827, de 1998, na Casa de
origem), de autoria da Deputada Zulaiê Cobra, que institucionaliza e disciplina a
mediação e, em especial a mediação “extrajudicial”, como método de prevenção e
solução consensual de conflitos e que atualmente aguarda parecer da Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ.
No texto do Novo Código de Processo Civil, a saber, a mediação e a
conciliação como institutos obrigatórios na resolução dos litígios podem ser
encontrados no art. 3º, §2º afirma-se que o Estado promoverá, sempre que possível,
a solução consensual dos conflitos.
A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e
membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial, segundo o art.
36
3º, §3º.
O art. 139, inc. V, prevê que o juiz dirigirá o processo conforme as
disposições deste Código, incumbindo-lhe promover, a qualquer tempo, a
autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores
judiciais.
O novo Código, no art. 149, introduz como auxiliares da Justiça o mediador
e o conciliador judicial, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas
normas de organização judiciária.
Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos,
conforme o art. 165, responsáveis pela realização de sessões e audiências de
conciliação e mediação, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar,
orientar e estimular a autocomposição, como parte da Política Nacional de
Tratamento Adequado dos Conflitos.
Em seu parágrafo 2º, o art. 165, prevê que conciliador, que atuará
preferencialmente nos casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes,
poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de
constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. No parágrafo 3º, o
mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo
anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os
interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da
comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios
mútuos.
O art. 166, estabelece que a conciliação e a mediação serão informados
pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da
confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada, neste
sentido.
Art. 166 ... §1º A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes; §2º Em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação; §3º Admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição; §4º A mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais;
37
No art. 167, o novo CPC descreve a forma de registro dos conciliadores,
os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação que deverão ser
inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal
regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de
sua área profissional. No seu parágrafo 1º, o at. 167 estabelece que deverão ser
preenchidos, o requisito da capacitação mínima, por meio de curso realizado por
entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido pelo Conselho Nacional
de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça, o conciliador ou o mediador, com
o respectivo certificado, poderá requerer sua inscrição no cadastro nacional e no
cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal. Segundo o parágrafo
segundo, efetivado o registro, que poderá ser precedido de concurso público, o
tribunal remeterá ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciária onde
atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que seu nome passe a
constar da respectiva lista, para efeito de distribuição alternada e aleatória, observado
o princípio da igualdade dentro da mesma área de atuação profissional. O
credenciamento das câmaras e o cadastro de conciliadores e mediadores deverão
constar todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como o número de
causas de que participou, o sucesso ou insucesso da atividade, a matéria sobre a
qual versou a controvérsia, bem como outros dados que o tribunal julgar relevantes,
art. 167, §3º. Ainda, os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados, se
advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que exerçam
suas funções art. 167, §5º. Poderá tribunal, segundo o art. 167, §6º, optar pela
criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por
concurso público de provas e títulos.
As partes podem escolher o conciliador, o mediador ou a câmara privada
de conciliação e de mediação, desde que concordem, art. 168. O conciliador ou
mediador escolhido pelas partes poderá ou não estar cadastrado junto ao tribunal,
art. 168, §1º; Inexistindo acordo na escolha do mediador ou conciliador, haverá
distribuição entre aqueles cadastrados no registro do tribunal, observada a respectiva
formação – art. 168, §2º; Sempre que recomendável, haverá a designação de mais
de um mediador ou conciliador, art. 168, §3º.
O conciliador e o mediador, ressalvadas as exceções previstas na lei,
receberão pelo seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal,
conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, art. 169. A
38
mediação e a conciliação podem ser realizadas como trabalho voluntário, observada
a legislação pertinente e a regulamentação do tribunal, art. 169, §1º. Os tribunais
determinarão o percentual de audiências não remuneradas que deverão ser
suportadas pelas câmaras privadas de conciliação e mediação, com o fim de atender
aos processos em que haja sido deferida gratuidade da justiça, como contrapartida
de seu credenciamento, art. 169, §2º.
O novo CPC, prevê também no art. 170, o caso de impedimento, do
conciliador ou do mediador, que deverá comunicar imediatamente, de preferência por
meio eletrônico, e devolver os autos ao juiz da causa, ou ao coordenador do centro
judiciário de solução de conflitos e cidadania, devendo este realizar nova distribuição.
Se a causa de impedimento for apurada quando já iniciado o procedimento, a
atividade será interrompida, lavrando-se ata com relatório do ocorrido e solicitação de
distribuição para novo conciliador ou mediador, art. 170, §único.
O conciliador e o mediador ficam impedidos, pelo prazo de um ano,
contado do término da última audiência em que atuaram, de assessorar, representar
ou patrocinar qualquer das partes, art. 172.
Será excluído do cadastro de conciliadores e mediadores aquele que agir
com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação sob sua
responsabilidade; atuar em procedimento de mediação ou conciliação, apesar de
impedido ou suspeito, art. 173.
O novo CPC regulamenta a aplicação do método de mediação no âmbito
da União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios os quais criarão câmaras de
mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de
conflitos no âmbito administrativo, tais como: dirimir conflitos envolvendo órgãos e
entidades da administração pública; avaliar a admissibilidade dos pedidos de
resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública;
promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta, art.
174.
No art. 334, §1º, fica estabelecido que o conciliador ou mediador, onde
houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação,
observando o disposto neste código, bem como as disposições da lei de organização
judiciária. Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação,
não excedentes a dois meses da primeira, desde que necessárias à composição das
partes, art. 334, §2º. A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por
39
meio eletrônico, nos termos da lei, art. 334, §7º. O não comparecimento injustificado
do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à
dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem
econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do
Estado, art. 334, §8º. A autocomposição obtida pelo conciliador ou mediador será
reduzida a termo e homologada por sentença, art. 334, §11º. A pauta das audiências
de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo
mínimo de vinte minutos entre o início de uma e o início da seguinte, art. 334, §12º.
Com o advento do Novo Código de Processo Civil, solidifica-se no mundo
fenomênico jurídico a aplicação dos métodos não adversariais de resolução de
conflitos, destaque-se o art. 334, §8º, no qual fica atribuída a total obrigatoriedade
acerca comprometimento das partes em relação ao procedimento de conciliação,
sendo considera sua ausência injustificada como ato atentatório à dignidade da
Justiça.
Ao se vislumbrar a positivação dos métodos de autocomposição, torna-se
necessária a devida abordagem sobre as origens do pensamento jurídico que
compõe sua criação e a sua absorção no meio jurídico.
3.1.3 As novas correntes de reformulação da metodologia do ensino e do
pensamento jurídico contemporâneo
As medidas implementadas com vistas à reestruturação do poder
judiciário, são compostas também por ações concretas que derivam de uma profunda
necessidade de mudança epistemológica e de hermenêutica jurídica.
No arcabouço das propostas, dos projetos e dos novos modelos de
prestação jurisdicional desenvolvidos na prática pelo Poder Judiciário, estão
comportadas correntes de reformulação pensamento científico contemporâneo,
absorvidas pela ciência jurídica.
Não obstante a necessidade de aprofundamento das principais vertentes
que serão brevemente apresentadas buscar-se-á ao menos suas principais
características.
O reconhecimento da crise material e da crise subjetiva que se revela na
medida em que os operadores jurídicos, possuem dificuldades em encontrar as
medidas legais adequadas aos novos casos decorrentes dos fenômenos sociais,
40
produz a necessidade de reformulação estrutural nas diretrizes que norteiam a
disseminação do conhecimento científico, “[...] O terceiro milênio reclama uma opção
translúcida sobre a proposta universitária no campo do direito [...]”. (FUX, 2000,
p.175).
O reconhecimento da existência de uma crise de jurisdição, paralela ao
ensino jurídico brasileiro, pode bem ser demonstrada nas palavras de Paulo Roney
Ávila Fagúndez (2009, p.6), que afirma que a crítica é fundamental para construção
de um novo mundo, principalmente quando se pensa a lei sobre a perspectiva de
instrumento de controle social da classe dominante, donde aos juízes resta o apego
positivista, sem levar em consideração aspectos mais amplos e complexos de uma
sociedade que exige cada vez mais do operador do direito uma visão interdisciplinar
dos fenômenos jurídicos. Neste sentido, defende que a existência de uma
hermenêutica jurídica, que abranja a moral, a política, a arte, a sociologia e a própria
vida em sua plenitude.
Surge no seio das mudanças curriculares das faculdades do Direito a
necessidade da implementação de novas metodologias de ensino, não mais estáticas
na letra fria da lei ou nos designíos do Estado e do próprio Poder Judiciário.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB número 9394/96,
estabelece como princípios e fins da educação Nacional.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: ... II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; ... III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; ... X - valorização da experiência extra-escolar; ... XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. (BRASIL, 1996, grifo nosso).
Do inciso III da referida lei, nota-se o surgimento do termo ‘pluralismo de
ideias’ e de ‘concepções pedagógicas’, como princípios a serem observados pelas
instituições de ensino.
No mesmo diapasão, a Resolução CNE/CES n. 9/04, que institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, consolida como
elemento estrutural do Projeto Pedagógico do curso a utilização das formas de
realização da interdisciplinaridade.
A mesma referência, agora adotando uma nova definição do termo
41
‘pluralismo de ideias’, pode ser observada no artigo 8º da Resolução CNE/CES nº
9/04.
Art. 8º As atividades complementares são componentes curriculares enriquecedores e complementadores do perfil do formando, possibilitam o reconhecimento, por avaliação de habilidades, conhecimento e competência do aluno, inclusive adquirida fora do ambiente acadêmico, incluindo a prática de estudos e atividades independentes, transversais, opcionais, de interdisciplinaridade, especialmente nas relações com o mercado do trabalho e com as ações de extensão junto à comunidade. (BRASIL, 2004, grifo nosso).
Nesta corrente de reformulação metodológica, extrai-se ainda do art. 11 da
Portaria nº 1.886/94 espedida pelo MEC, onde os estágios supervisionados dos
cursos jurídicos serão práticos e compostos de “técnicas de negociações coletivas,
arbitragens e conciliação, sob o controle, orientação e avaliação do núcleo de prática
jurídica” (BRASIL, 1994, p.2).
Buscando atender aos desígnios e anseios da comunidade jurídica, da
sociedade e do próprio Poder Judiciário, a busca pela reformulação da metodologia
do ensino jurídico brasileiro perpassa pela constante necessidade de readequação e
construção tanto no campo teórico quanto prático.
Em seu trabalho os ‘Filhos da Lei’, os autores Neder e Cerqueira Filho
(2001), apontam e necessidade do emprego de uma metodologia disciplinar e prática
da interdisciplinaridade, processo que ocorre gradualmente.
Entretanto, encontramos evidências de uma continuidade psicológica e ideológica que garante a prática autoritária de controle social, com ênfase numa dogmática jurídico-penal em detrimento de procedimentos disciplinares aplicados pela Criminologia, que poderiam abarcar, interdisciplinarmente, algumas questões suscitadas pela Sociologia, pela Antropologia e pela Psicologia e a Psicanálise. (NEDER; CERQUEIRA FILHO, 2001, p. 4).
A partir da compreensão destes anseios, uma comissão criada pelo MEC,
formada por especialistas no ensino do Direito, elaborou um parecer com objetivo de
avaliar as diretrizes curriculares do curso de Direito.
Em uma análise apurada da formatação do curso e de suas necessidades
destacaram como fundamentos da formação do acadêmico para vida profissional, os
seguintes pontos ligados aos métodos não adversariais de resolução de conflitos
onde se tornam prioridades: a) permanente formação humanística, técnicojurídica e
prática, indispensável à adequada compreensão interdisciplinar do fenômeno jurídico
e das transformações sociais; b)capacidade para equacionar problemas e buscar
soluções harmônicas com as demandas individuais e sociais; c) capacidade de
desenvolver formas judiciais e extrajudiciais de prevenção e solução de conflitos
42
individuais e coletivos.
Observa-se na leitura do projeto pedagógico dos cursos, do referido
Parecer a necessidade de utilização de formas de realização da interdisciplinaridade
como instrumento de busca da adequada compreensão dos fenômenos jurídicos e
das transformações judiciais.
Paralelamente observa-se o estabelecimento da diretriz de busca pela
capacidade de empregar as formas judiciais e extrajudiciais de resolução de conflitos.
Neste ponto torna-se necessária a compreensão das implicações do termo
interdisciplinaridade, empregado nos dois dispositivos e sua estreita ligação com os
métodos não adversariais de resolução de conflitos.
A modernidade trouxe consigo novas descobertas, novos desafios e uma
infinidade de novas informações, acessíveis à quase todos, promoveu o rompimento
das fronteiras físicas pela WEB, engenhosamente erguida sobre as redes sociais,
promoveram a possibilidade de estreitamento de ideias, ideais e opiniões entre
grupos de diferentes partes do globo e não menos importante, do capital social
(RECUERO, 2009, p.12).
Os avanços trouxeram consigo inúmeros desafios ao mundo jurídico o que
não comporta mais a inflexibilidade da metodologia científica baseada na
experimentação e resultados de fenômenos sociais isolados, principalmente em uma
ciência jurídica construída sob a égide de uma “racionalidade lógico-formal
centralizadora do direito produzida unicamente pelo Estado e seus órgãos (doutrina
do monismo jurídico), enquanto referencial normativo da moderna sociedade
ocidental” (WOLKMER, 2001, p. 30).
Acompanhando as mudanças de paradigmas, surge na segunda metade
do século XX, a interdisciplinaridade como sistema teórico-metodológico, em
confronto com uma epistemologia positivista desenvolvida a partir do mecanicismo
científico (THIESEN, 2008, p.546), constituindo-se assim em um elemento de
comunicação no campo empírico, de conceitos e fundamentos de diferentes ciências
na busca por resultados metodológicos mais eficazes na área da educação.
No que tange o ensino jurídico, a necessária ‘simbiose’ entre
conhecimentos advindos das áreas das ciências humanas, como a sociologia, a
psicologia e a antropologia, constitui-se em elemento essencial à produção de novos
conceitos e novas práticas, baseadas nas constantes necessidades de uma
sociedade em determinado contexto histórico (FUX, 2000, p. 177-178).
43
Em que pesem os esforços institucionais, a exemplo das regulamentações
expedidas pelo MEC, existem ainda inúmeras dificuldades na implementação efetiva
da interdisciplinaridade no meio acadêmico, apontando estas dificuldade Thiesen
(2008, p.550) reflete sobre suas principais barreiras, quais sejam, o modelo disciplinar
desconectado da formação presente nas universidades, com currículos escolares
fragmentados, a lógica funcional e racionalista de organização do seu quadro
funcional, tanto em instituições públicas quanto privadas e as exigências de
determinados setores da sociedade que insistem na construção de um saber cada
vez mais utilitário.
Como bem assevera o referido autor, no que tange os pontos críticos do
emprego da interdisciplinaridade no ensino, observa-se ainda, a inexistência de um
currículo único para os cursos de Direito, o qual já teve sua implantação avaliada e
debatida pelo Parecer nº 055/04, encaminhado ao Conselho Nacional de Educação,
com vistas a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação em Direito.
Não haveria urgência em se estabelecer metodologias de ensino, fundadas
nas práticas interdisciplinares ou, indo mais além, de práticas e metodologias
transdisciplinares se as mazelas que acometem o ensino jurídico, já não fossem
desde muito conhecidas.
É inegável que existe uma crise dos fundamentos. Deve-se reconhecê-la, mas não tentar superá-la buscando outro fundamento absoluto para servir como substituto para o que se perdeu. Nossa tarefa, hoje, é muito mais modesta, embora também mais difícil. Não se trata de encontrar o fundamento absoluto — empreendimento sublime, porém desesperado —, mas de buscar, em cada caso concreto, os vários fundamentos possíveis. Mas também essa busca dos fundamentos possíveis — empreendimento legítimo e não destinado, como o outro, ao fracasso — não terá nenhuma importância histórica se não for acompanhada pelo estudo das condições, dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado. Esse estudo é tarefa das ciências históricas e sociais. O problema filosófico dos direitos do homem não pode ser dissociado do estudo dos problemas históricos, sociais, econômicos, psicológicos, inerentes à sua realização: o problema dos fins não pode ser dissociado do problema dos meios. Isso significa que o filósofo já não está sozinho. O filósofo que se obstinar em permanecer só termina por condenar a filosofia à esterilidade. Essa crise dos fundamentos é também um aspecto da crise da filosofia. (BOBBIO, 2004, p. 16).
As constantes alterações do contexto social em um mundo globalizado,
seus fenômenos, seus desafios ao Direito, demandam cada vez mais das diversas
áreas do conhecimento humano, inevitavelmente uma capacidade de interlocução
entre seus operadores.
As propostas interdisciplinares, ganham um novo enfoque e, de certo
44
modo, formam um conceito mais amplo capaz de construir uma rede de ligação entre
as disciplinas de esferas epistemológicas distintas, na busca da construção de uma
nova sistematização do saber (WIVIURKA, 2010, 7-8).
Surge, assim, a Transdisciplinaridade.
Neste sentido vale destacar o dossiê, elaborado pela socióloga e
professora Márcia de Paula Leite (2000, p. 67), “Trabalho e sociedade em
transformação”, onde ressalta a importância do estudo interdisciplinar no campo da
sociologia e do direito na busca por soluções aos problemas apresentados pelo
mundo globalizado.
Destaca, a importância da comunicação transdisciplinar, da Sociologia do
trabalho com a engenharia de produção na busca pelo entendimento dos avanços e
inovações tecnológicas e sua influência na sociedade, bem como a comunicação com
a administração para compreensão das formas de gestão de mão-de-obra, da
psicologia na busca pela compreensão das psicopatias e subjetividades que afetam o
ambiente de trabalho e por fim, ressalta a importância da comunicação com o direito
do Trabalho que,“[...] vem sendo de grande valia para iluminar os estudos sobre a
desregulamentação dos direitos, bem como as análises sobre o conjunto de
modificações que vêm ocorrendo na institucionalidade sindical.[...]”. (LEITE, 2000, p.
68-69).
Em termos gerais, “A transdisciplinaridade, como o prefixo “trans” indica,
diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das
diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina.” (NICOLESCU, 1999. p. 11).
A interdisciplinaridade tem uma ambição diferente daquela da pluridisciplinaridade. Ela diz respeito à transferência dos métodos de uma disciplina à outra. É possível distinguir três graus de interdisciplinaridade: [...] b) um grau epistemológico. Por exemplo, a transferência dos métodos da lógica formal ao campo do direito gera análises interessantes na epistemologia do direito; [...] (CIRET, 1997, p.1).
Em consonância com a nova concepção metodológica/cientifica de
integração entre as áreas do saber humano, a Resolução nº 75 do CNJ, em seu
anexo VI – Noções Gerais de Direito e Formação Humanística, congrega à aplicação
das provas de concurso público para preenchimento dos cargos de juiz, a inclusão
das disciplinas de sociologia do direito e da psicologia judiciária (BRASIL, 2009).
A construção do ensino jurídico à partir da metodologia transdisciplinar e
interdisciplinar, pode abarcar um amplo rol de disciplinas passiveis de serem
45
estudadas em sintonia com a ciência jurídica, na busca de soluções eficazes aos
constantes desafios impostos pelo Estado e pela sociedade, podendo-se aplicar uma
metodologia ou outra em consonância com as necessidades que por ventura se
apresentem.
Transdisciplinarizar o Direito considerando sua complexidade ao descrevê-lo, assemelha-se ao objetivo de Kelsen, mas a partir de outro paradigma e outra metodologia, que levam à adoção de um outro recorte do objeto. O Positivismo Jurídico descreveu o Direito sob o aspecto formal, disciplinar, considerando-o como um objeto isolado. Pensar o Direito a partir da Transdisciplinaridade implica em compreendê-lo a partir de suas interações complexas. (WIVIURKA, 2010, p.25).
Assim, no que tange a eficácia metodologia interdisciplinar ou
transdisciplinar no ensino e na aplicação dos métodos não adversariais de resolução
de conflitos, aquela se perfaz na medida em que os métodos, em que pese compor
um sistema positivado e tutelado Poder Judiciário, afasta a necessidade do Estado-
juiz e possibilita a atuação de profissionais de outras áreas do conhecimento tais
como psicologia, administração, serviço social, pedagogia, sociologia e relações
internacionais, contribuindo com a busca pela justiça.
46
4 MÉTODOS NÃO ADVERSARIAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E SUA
INCLUSÃO NA PRAXIS JURÍDICA E NO MEIO ACADÊMICO
Ao se resgatar os aspectos históricos associados ao desenvolvimento do
ensino jurídico e seu afastamento da realidade social, frente aos novos desafios, nos
defrontamos com a inevitável necessidade de reforma do mesmo, objetivando
possibilitar aos operadores do direito respostas eficazes às crescentes e complexas
demandas desta sociedade, abalada por anos de supressão de direitos e garantias
fundamentais e disparidades econômicas.
Inevitável tratar o tema do acesso à jurisdição, sem perpassar antes por
questões inerentes a formação da cultura jurídica brasileira, pois deste modo torna-se
possível construir um panorama que possibilita ampliar os horizontes de visualização
do processo de restruturação da imagem do Poder Judiciário.
Este resgate se dá principalmente pelo incentivo da prática dos métodos
não adversariais de resolução de conflitos os quais por si só, não esgotam a evolução
para sistema que possibilitem ao cidadão buscar a tutela jurisdicional do estado de
certo modo delegada à um terceiro.
Em que pese nos casos de violação dos acordos arbitrais ou de
conciliação, haver a “provocação” do Estado-juiz, para que se faça cumprir o
transigido pelas partes e nos casos de homologação dos acordos de família, tratados
pela mediação, estas técnicas possuem uma ampla abertura ao compartilhamento de
saberes de diferentes áreas do conhecimento.
4.1 MÉTODOS NÃO ADVERSARIAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NA
ESTRUTURA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA
4.1.1 Mediação
Partindo da necessidade de uma melhor compreensão da mediação,
enquanto o método não adversariais de resolução de conflitos, torna-se necessário
uma breve abordagem histórica de sua evolução e incorporação ao sistema jurídico
brasileiro.
Em termos funcionais, como foi concebido com a prerrogativa exclusiva de aplicar o direito positivo, sob a forma de uma ordem jurídica postulada como coerente e livre de lacunas ou antinomias, o monopólio do “sistema de
47
Justiça” vem sendo desafiado pela expansão de ordens normativas e práticas jurídicas que, quando não negam aos órgãos judiciais do Estado a exclusividade do exercício da função de dirimir conflitos de interesses, modificam drasticamente o conceito tradicional de jurisdição. (FARIA, 2004, p. 104).
Segundo aponta Faria, as mudanças de paradigmas no “sistema de
Justiça” brasileiro, estão em sua fase de concretização plena.
Podemos observar isto no novo CPC, quando em seu art. 3º estabelece no
parágrafo 2º que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual
dos conflitos e ainda que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução
consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores
públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial,
estabelecendo a abertura necessária à um amplo rol de instrumentos destinados à
uma célere prestação jurisdicional.
No âmbito do Ministério Público – MP, os métodos não adversariais
ganham destaque, por meio da Resolução n. 118/14, que prevê em seu art. 9º as
diretrizes pelas quais o MP promoverá a prática da mediação.
Art. 9º A mediação é recomendada para solucionar controvérsias ou conflitos que envolvam relações jurídicas nas quais é importante a direta e voluntária ação de ambas as partes divergentes. Parágrafo único. Recomenda-se que a mediação comunitária e a escolar que envolvam a atuação do Ministério Público sejam regidas pela máxima informalidade possível. Art. 10. No âmbito do Ministério Público: I – a mediação poderá ser promovida como mecanismo de prevenção ou resolução de conflito e controvérsias que ainda não tenham sido judicializados; II – as técnicas do mecanismo de mediação também podem ser utilizadas na atuação em casos de conflitos judicializados; III – as técnicas do mecanismo de mediação podem ser utilizadas na atuação em geral, visando ao aprimoramento da comunicação e dos relacionamentos. §1º Ao final da mediação, havendo acordo entre os envolvidos, este poderá ser referendado pelo órgão do Ministério Público ou levado ao Judiciário com pedido de homologação. §2º A confidencialidade é recomendada quando as circunstâncias assim exigirem, para a preservação da intimidade dos interessados, ocasião em que deve ser mantido sigilo sobre todas as informações obtidas em todas as etapas da mediação, inclusive nas sessões privadas, se houver, salvo autorização expressa dos envolvidos, violação à ordem pública ou às leis vigentes, não podendo o membro ou servidor que participar da mediação ser testemunha do caso, nem atuar como advogado dos envolvidos, em qualquer hipótese
Não obstante as raízes deste método de resolução de conflitos, sua
aplicação ganha destaque em meados dos anos setenta, principalmente nos Estados
Unidos da América do Norte, onde passa a ser mais empregada na dissolução de
conflitos existentes dentro das empresas, como bem acentua o professor Ildemar
48
Egger (2006, p. 37) do Centro de Ciência Jurídicas da Universidade Federal de Santa
Catarina, “Nesse sentido, cabe recordar que a linha tradicional de mediação da
escola de Harvard iniciou seus estudos de mediação a partir do campo empresarial e
para solucionar problemas que se davam dentro das empresas”.
A expansão do capitalismo e a necessidade da adoção de alternativas
mais céleres aos conflitos oriundos dos contratos comerciais, acentuaram a
incorporação e difusão da técnica de mediação em lato sensu.
Essa prática de intervenção nasceu nos Estados Unidos e na Grã-
Bretanha no início dos anos setenta, seus principais introdutores foram Coogler em
1978, Haynes em 1981, Saponesk em 1985 e Folberg em 1984. No Canadá ela
começou nos anos oitenta, levada por Howard Irving (ÁVILA, 2004, p. 25).
Há autores que alegam que a sua existência remonta aos idos de 3.000
a.C. (RODRIGUES JUNIOR, 2006, p.64), mas na contemporaneidade a mediação
ressurge como elemento de resgate na autonomia e da alteridade das partes em
buscar de forma rápida, desburocratizada e com menor onerosidade a solução para
suas lides.
A mediação pode ser composta de modalidades distintas, as quais,
algumas serão melhor aplicadas conforme identificado o tipo de lide, a saber, 1)
Mediação da Escola de Havard, esta linha baseia-se em linhas gerais, nos princípios
da negociação, objetivando assim identificar os interesses das partes e restabelecer a
comunicação entre as mesmas; 2) Mediação Circular-Narrativa, esta modalidade ou
escola da mediação, visa avaliar o conflito e os interesses das partes à partir do seu
contexto histórico e de suas relações sociais; 3) Mediação Transformativa, busca
incentivar as partes na busca por um acordo na medida em que busca identificar as
necessidades das partes e a sua efetiva capacidade de decisão e escolha,
restabelecendo seus vínculos; 4) Mediação Avaliadora ou Avaliativa, nesta última
modalidade a busca pela solução será sustentada pelas soluções apresentadas pelas
próprias partes, no decorrer do procedimento. O mediador com base nas soluções e
propostas debatidas e não consensualizadas, poderá opinar sobre o caso objetivando
assim facilitar o acordo (BACELLAR, 2012, p.111-112).
Não obstante as peculiaridades técnicas das escolas de mediação, seu
centro de gravidade orbita na necessidade do mediador, em conduzir as partes ao
acordo de maneira que elas possam superar as barreiras do conflito e assim
restabelecer seu diálogo (AZEVEDO, 2013, p. 141).
49
Identificar, compreender e tratar a natureza do conflito, (BACELLAR, 2012,
p. 113) implica necessariamente em uma arte de total entrega às necessidades dos
“outros”, ou seja, daquelas partes que naquele momento buscam uma solução para
suas oposições conflitantes, oriundas de um contexto pessoal ou sócio cultural
desabonador, ou suprimido pelas adversidades cotidianas e que obstaculiza suas
capacidades de autocomposição (WARAT, 2001, p.76-77), neste sentido operar a
mediação implica necessariamente em fazer renascer a capacidade de comunicação
entre os opostos, com base em suas autodecisões.
A mediação assim como nos dispositivos do Novo Código de Processo
Civil cuja entrada em vigor se dará em 2016, no Projeto de Lei da Câmara nº 94, de
2002 (nº 4.827, de 1998, na Casa de origem) de autoria da Deputada Zulaiê Cobra
arquivado em 20 de março de 2007 com fulcro no art. 332 do Regimento Interno do
Senado Federal - Resolução nº 93/70, ganha destaque no PL 7169/14 cujo texto final
foi aprovado sob o a denominação PL nº 517/11, destinado a regulamentar a prática
da mediação Judicial e Extrajudicial entre particulares e entre as pessoas jurídicas de
direito público no âmbito da administração pública com a seguinte redação:
[...] art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio alternativo de solução de controvérsias entre particulares e sobre a composição de conflitos no âmbito da Administração Pública. § 1º Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial e sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. § 2º Aplica-se a mediação para a resolução consensual de conflitos envolvendo pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado, nos termos do que dispõe o Capítulo I desta Lei. § 3º A composição de conflito em que ao menos uma parte é pessoa jurídica de direito público seguirá o regramento estabelecido no Capítulo II desta Lei. (BRASIL, 2014, grifo nosso).
Extrai-se ainda, do Capítulo II do PL 517/11 a regulamentação acerca do
emprego da técnica de mediação, no âmbito das Pessoas Jurídicas de Direito Público
cujas disposições comuns estabelecem o seguinte:
Art. 30. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, com competência para: I – dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública; II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público; III – promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta. § 1º O modo de composição e o funcionamento das câmaras de que trata o caput serão estabelecidos em regulamento de cada ente federado. § 2º A submissão do conflito às câmaras de que trata o caput é facultativa e será cabível apenas nos casos previstos no regulamento do respectivo ente federado. § 3º Se houver consenso entre as partes, o acordo será reduzido a termo, e exceto no caso do inciso I, constituirá título executivo extrajudicial. § 4º Não se incluem na competência dos órgãos mencionados no caput deste artigo as controvérsias que somente
50
possam ser resolvidas por atos ou concessão de direitos sujeitos a autorização do Poder Legislativo ou que possam acarretar onerosidade excessiva para a Administração Pública. § 5º Não se aplica o disposto nos incisos II e III do caput às controvérsias jurídicas em matéria tributária. (BRASIL, 2014).
O Projeto de Lei, traz inúmeras novidades para o campo de aplicação da
mediação, dentre algumas, pode-se destacar o art. 8º onde os mediadores e
auxiliares do procedimento de mediação, ficam equiparados aos servidores públicos,
para efeitos da legislação penal, - art. 9º no qual os mediadores extrajudiciais
poderão ser qualquer pessoa capaz, independentemente de ser capacitada, ou de
integrar qualquer conselho ou associação e por último, sem o esgotamento de outras
e por fim o art. 42 que possibilita a realização da mediação a distância, seja pela
internet ou por outro meio de comunicação, desde que previamente autorizado pelas
partes.
A incorporação da técnica de mediação ao tratamento dos conflitos,
provenientes dos interesses do Estado, demonstram claramente a dimensão dada à
Política de Resolução de Conflitos adotada pelo Poder Judiciário, em que pese, na
história brasileira já ter experimentado mecanismo análogo ao que está previsto no
art. 30 e ss., do PL 517/11, denominado Ministério da Conciliação9.
Vale ressaltar, à título de curiosidade, a interessante conclusão do trabalho
realizado por Fábio Santiago Santa Cruz (2008, p.193-194) com vistas à obtenção do
título de doutor em História, intitulado Em busca da conciliação – Idéias Políticas no
Parlamento do Império do Brasil 1831-1855. Discorrendo sobre o contexto histórico
do rompimento do reinado, sobre as constantes revoltas, dentro e fora do ambiente
político, destaca ao final que em que pese a Conciliação, ter reduzido de forma
significativa os atritos entre os liberais e os conservadores, produzindo assim a tão
almejada estabilidade ao Império, a mesma possibilitou que no decorrer do século
XIX alguns segmentos sociais privilegiados impusessem seus interesses à população
marginalizada do Brasil.
No que tange os mediadores, os mesmos, podem ser profissionais com
capacitação específica para exercer essa prática de intervenção e preferencialmente
com formação em Serviço Social, Psicologia, Direito e Pedagogia. (SANTA
9 Para diminuir a disputa entre os membros da elite, o Marquês de Paraná, Hermeto Carneiro Leão, compôs um gabinete formado por liberais e conservadores, chamado de ministério da conciliação, em 1853. A tranquilidade obtida com a conciliação estendeu-se até 1868, quando se reiniciou o revezamento de liberais e conservadores no poder. (MEMÓRIA RIMA COM HISTÓRIA, 2010).
51
CATARINA, 2008), a pluralidade de profissionais admitidos como mediadores, desde
que previamente capacitados e cadastrados demonstra claramente, ruptura de
paradigma, da qual resulta a clara contribuição de esferas distintas do conhecimento
no direito concreto, como contribuintes na construção de soluções aos conflitos.
Mais uma vez, surge na estruturação prática dos métodos não adversariais
de resolução de conflitos a necessidade de adoção de uma metodologia
interdisciplinar como meio de efetivação da Política Nacional de Tratamento
Adequado de Conflitos.
Neste sentido vale destacar a Resolução nº 11/01, do TJ de Santa
Catarina.
Art. 2º - Tendo em vista que o mediador cuida das relações emocionais, psicológicas, sociais, econômicas e jurídicas dos conflitos, convém estruturar a equipe com caráter interdisciplinar, apta a desenvolver o trabalho sob todos esses aspectos. (SANTA CATARINA, 2001).
Nesta onda de acesso à justiça (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 67),
cumpre aos Tribunais de Justiça instituírem formas de efetivação da política de
autocomposição, seja por meio da constante capacitação de seus servidores ou seja
por meio de projetos desenvolvidos em parceria com outras instituições, dando assim
um novo enfoque no acesso à justiça.
4.1.2 Conciliação
A frase “Conciliar é Legal”, é o slogan que sustenta a campanha nacional
pela conciliação encabeçada pelo CNJ, bem como o nome do prêmio oferecido aos
parceiros que promovem projetos voltadas à Política Nacional de Tratamento
Adequado de Conflitos.
Historicamente a prática da conciliação no Brasil pode ser resgatada desde
o período do segundo reinado até a fase de transição para República, no entanto já
no período republicano, por força do Decreto Lei nº 359 de 1890, expedido pelo então
chefe do Governo Provisório da República, o Marechal Manoel Deodoro da Fonseca,
foi abolida a prática da Conciliação do sistema jurídico republicano, permanecendo no
entanto, em caráter facultativo em alguns Estados (CARNEIRO, 2015, p. 1).
A considerar pelo histórico da prática conciliatória pela justiça brasileira,
infere-se que não são poucos os dispositivos legais positivados, que se destinaram,
propiciar esta alternativa de resolução de conflitos como medida viável a redução do
52
número de demandas judiciais.
Diferentememente da mediação, na conciliação o conciliador atua de forma
mais efetiva na autocomposição, apresentado às partes possíveis soluções ao
conflito, buscando assim a resolução da lide em uma única oportunidade, enquanto
na mediação, se necessário, haverá quantas seções forem necessárias até que as
partes cheguem ao consenso (SILVA, 2008, p.24-26).
Assim como o Poder Judiciário, o Ministério público também adotou a
Política Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos onde, por meio da Resolução
nº118/14, delineia a aplicação dos métodos não adversariais de resolução do conflito,
traçando inclusive os objetivos gerais de cada um dos métodos e impondo no âmbito
do Ministério Público a busca constante pela evolução dos métodos
autocompositivos, seja por meio de cursos, seminários, o incentivo de publicações e
de artigos sobre o tema.
Art. 11. A conciliação é recomendada para controvérsias ou conflitos que envolvam direitos ou interesses nas áreas de atuação do Ministério Público como órgão interveniente e nos quais sejam necessárias intervenções propondo soluções para a resolução das controvérsias ou dos conflitos. Art. 12. A conciliação será empreendida naquelas situações em que seja necessária a intervenção do membro do Ministério Público, servidor ou voluntário, no sentido de propor soluções para a resolução de conflitos ou de controvérsias, sendo aplicáveis as mesmas normas atinentes à mediação. (BRASIL, 2014).
O Código de Ética e Disciplina do Advogado prevê em seu artigo 2º:
Art. 2o O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce. [...] Parágrafo único. São deveres do advogado: [...] VI – estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.”
A conciliação pode ser empreendida dentro do processo, nos Juizados
Especiais por exemplo, por força de Lei 9099/95, a conciliação poderá ser tentada em
qualquer fase do processo se houver interesse das partes em transigir. Pode também
ser realizada de maneira extrajudicial, por entidades parceiras dos Tribunais, como
universidades ou outros órgãos.
A técnica de conciliação tem sido utilizada pelos Tribunais, também em
segunda instância. Em alguns Tribunais a parte pode requerer por meio da internet a
inclusão de seu processo, que se encontre em grau de recurso, na pauta de
conciliações da câmara.
53
Em Santa Catarina o Núcleo de Conciliação foi criado em 2006 pela
Resolução n. 11/2005-TJ, a unidade, que busca a solução amigável para litígios
pendentes de julgamento no âmbito do segundo grau de jurisdição, passou a
funcionar oficialmente a partir de maio do ano de 2006.
Art. 4º Poderão ser submetidos ao procedimento de conciliação, no segundo grau de jurisdição, os processos relativos a recursos de apelação, embargos infringentes, recursos ordinários, extraordinários, e especiais, selecionados a critério dos Desembargadores Relatores e respectivos 2º e 3º Vice-Presidentes, quando houver prévia requisição da parte. Art. 5º Selecionados os processos, a Secretaria do Núcleo de Conciliação fará publicar aviso no Diário da Justiça aos advogados e encaminhará correspondência às partes para, no prazo de 10 (dez) dias, manifestaram seu interesse à realização da audiência de conciliação. §1º Os advogados das partes, após a distribuição dos processos, poderão, espontaneamente, requerer ao Relator ou aos 2º e 3º Vice-Presidentes, que os feitos sejam submetidos a audiência de conciliação a ser designada. §2º No caso de manifestação positiva serão designados dia e hora para audiência de conciliação, sendo as partes e advogados comunicados por telefone, por meio eletrônico, pelo correio ou, se necessário, pelo Diário da Justiça. §3º Não havendo manifestação das partes e/ou advogados, ou esta for negativa, a Secretaria do Núcleo de Conciliação devolverá os autos ao Desembargador Relator. (SANTA CATARINA, 2005)
Nos procedimentos conciliatórios extrajudiciais, o acordo entabulado pelas
partes dispensa homologação, constituindo-se assim em um título extrajudicial, este
foi o entendimento da Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1184267,
onde estabeleceu-se a desjudicialização do conflito por meio do uso dos métodos não
adversariais de resolução de conflitos (CONSULTOR JURÍDICO, 2012).
4.1.3 Arbitragem
Diferentemente da mediação e da conciliação, a arbitragem se enquadra
na forma heterocompositiva de resolução de conflitos, na qual as partes submentem
seu conflito ao arbitro, partindo deste a palavra final acerca do direito à ser tutelado.
No Brasil a lei de arbitragem, Lei nº 9.307/96, inaugurou um novo enfoque
do acesso à justiça.
Em que pese, integrar os métodos não adversariais de resolução de
conflitos, a arbitragem possui um rol de atuação especifico, se destinando aos
conflitos oriundos de interesses contratuais, geralmente decorrentes de conflitos entre
empresas. Neste sentido a arbitragem não busca atender os anseios da grande
parcela carente da população, na medida em que envolve gastos, mas mesmo se
assemelhando a forma tradicional de justiça e sem se centrar na redução das
54
desigualdades sociais, pode possibilitar uma solução rápida aos conflitos de
interesses (SILVA, 2008, p. 22).
As partes podem escolher o árbitro ao qual será submetido seu conflito,
levando em consideração sua capacidade técnica, podendo contar ainda com um alto
grau de confidencialidade do procedimento arbitral (KATSWINKEL, 2008, p. 78).
O procedimento arbitral, pode ser buscado pelas parte ou ser previamente
ajustado por elas, fazendo-se presente no momento da celebração do contrato, por
meio da cláusula compromissória, subtraindo assim do Poder Judiciário a tutela para
resolução dos conflitos (SANTOS, 2008, p. 276).
Na arbitragem as partes podem, ainda, optar pelo método pelo qual se
dará o processo arbitral, podendo também, o árbitro decidir a lide com base nas leis
brasileiras, estrangeiras, na equidade ou nos usos e costumes, e por fim, se
necessário for nas práticas internacionais de comércio (AMARAL, 2008, p. 2).
Em 2001 o STF julgou um caso emblemático sobre a matéria trata-se de
uma ação movida a partir de 1995. A empresa, de origem estrangeira, pretendia
homologar um laudo de sentença arbitral dada na Espanha, para que tivesse efeitos
no Brasil. A princípio, o pedido havia sido indeferido. Entretanto, em 1996, foi
promulgada a Lei 9307, que dispensaria a homologação desse laudo na justiça do
país de origem. Durante o julgamento do recurso, o ministro Moreira Alves levantou a
questão da constitucionalidade da nova lei (BRASIL, 2011 ).
Analogamente aos acordos entabulados no procedimento de conciliação
extrajudicial, passou-se a operar no Brasil a total constitucionalidade da Lei de
Arbitragem, por se tratar de direitos patrimoniais disponíveis, neste sentido não
haveria a necessidade de homologação para que se proceda a execução do acordo
ou do laudo da sentença arbitral (BRASIL, 2011).
4.2 OS MÉTODOS NÃO ADVERSARIAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO
MEIO ACADÊMICO
Os métodos não adversariais de conflito são uma pequena parcela da
Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos.
Em uma análise superficial, a política engloba ainda a justiça restaurativa,
a justiça emancipatória, parcerias com instituições como, órgãos de classe,
sindicatos, associações comunitárias, associações empresariais e instituições de
55
ensino (WOLKMER, 2001, p. 303), contribuindo para prática efetiva de serviços legais
ou assistência judicial extraestatal, com o escopo de possibilitar uma gama de
caminhos que conduzam a redemocratização da justiça.
Destarte, não se poderia abranger todos os mecanismos inerentes à cada
uma das importantes vias adotas pelo Poder Judiciário, no entanto, os métodos não
adversariais colocam-se como percussores metodológicos de uma prática concreta
de efetivação do acesso à jurisdição e por conseguinte, como elementos que rompem
o paradigma de uma construção epistemológica da ciência jurídica, distanciada da
realidade sociopolítica do país.
O desenvolvimento da área do direito pode ser auxiliado pela aplicação das teses da dupla ruptura epistemológica e da aplicação edificante da ciência, na medida em que, considerando-se que o ensino do direito tende muito mais à continuidade da metodologia do ensino, do que à sua própria reorientação, ou seja, investir em pesquisas e debater propostas de solução para os problemas sociais, no campo jurídico, e, ao mesmo tempo, buscar novas orientações para firmar as bases da universidade. Em primeiro lugar, romper com os parâmetros atuais de ensino do Direito, proporcionando, principalmente aos alunos, o desenvolvimento da capacidade de participação, o conhecimento do meio social em que vivem e a construção de regras práticas de convivência, e a partir daí, apontar as possíveis soluções. (RIGHETTI, 2008, p. 4824).
Neste sentido, existe uma profunda alteração dos modelos político e
jurídico, na medida em que existe uma pluralidade de transformações técnico-
científicas, nas experiências de vida e da complexidade das transformações sociais.
(WOLKMER, 2012, p. 260).
Wolkmer (2012, p. 41), discorrendo acerca da formação do pensamento
jurídico crítico, situa a condição histórico-jurídica da formação da cultura jurídica
brasileira, em um patamar de transformação plena, indo além dos marcos
emancipatórios de tradição moderna, essencialista, racionalista e eurocêntrica para
uma construção realista, contextualizada e transformadora. Para tanto, ressalta a
importância da adoção de um pensamento jurídico fundado nas tradições intelectuais
e na própria experiência histórica, em busca de uma teoria crítica
alternativa/descolonial.
A aproximação da prática não adversarial de resolução de conflitos, do
meio acadêmico, constitui-se como instrumento de transposição paradigmática, frente
a um modelo de dogmática jurídica enquanto ideologia dominante, onde a influência
do positivismo jurídico e de seu método nos cursos jurídicos (RODRIGUES, 1993,
p.115).
56
A formação prática destina-se a propiciar a aplicação dos conhecimentos a
situações reais ou simuladas, onde os acadêmicos podem estabelecer uma
construção baseada nas realidades sociais de determinada comunidade, assim faz-
se uma construção epistemológica concreta, em consonância com as demandas
atendidas, apreendendo-se suas carências e a natureza subjetiva/objetiva dos
conflitos.
Em que pese algumas instituições de ensino, terem incorporado ao seu
currículo, a disciplina de mediação, conciliação e arbitragem, a grande maioria dos
acadêmicos participa mais ativamente nos projetos desenvolvidos pelos Tribunais,
nos quais o aluno pode atuar como conciliador nos juizados especiais,
endoprocessualmente, tendo assim pouca ou nenhuma oportunidade de atuar na
conciliação e na mediação extrajudicial.
Em 2000 o Conselho Federal da OAB elaborou um relatório, no qual tratou
de fazer uma avaliação do ensino jurídico no país, como resultado deste “balanço”,
apontou oito itens do perfil do formando que deveriam ser explorados e incentivados
no decorrer do curso, quais sejam, 1) permanente formação humanística, técnico-
jurídica e prática, indispensável à adequada compreensão interdisciplinar do
fenômeno jurídico e das transformações sociais; 2) conduta ética associada à
responsabilidade social e profissional; 3) capacidade de apreensão, transmissão
crítica e produção criativa do Direito a partir da constante pesquisa e investigação; 4)
capacidade para equacionar problemas e buscar soluções harmônicas com as
demandas individuais e sociais; 5) capacidade de desenvolver formas judiciais e
extrajudiciais de prevenção e solução de conflitos individuais e coletivos; 6)
capacidade de atuação individual, associada e coletiva no processo comunicativo
próprio ao seu exercício profissional; 7) domínio da gênese, dos fundamentos, da
evolução e do conteúdo do ordenamento jurídico vigente; e por fim, 8) consciência
dos problemas de seu tempo e de seu espaço (OAB, 2000, p. 25).
Da leitura da recomendação do perfil do formando apresentado no
relatório, destaca-se: a) permanente formação humanística, técnico-jurídica e prática,
indispensável à adequada compreensão interdisciplinar do fenômeno jurídico e das
transformações sociais, b) capacidade para equacionar problemas e buscar soluções
harmônicas com as demandas individuais e sociais; c) capacidade de desenvolver
formas judiciais e extrajudiciais de prevenção e solução de conflitos individuais e
coletivos.
57
Novamente verifica-se a inclinação ao emprego da interdisciplinaridade no
que tange a formação do acadêmico de direito, buscando uma constante integração
com esferas distintas do saber, por meio da troca de experiências e conceitos que
possibilitem uma nova forma de pensar o Direito frente aos desafios da sociedade.
58
5 CONCLUSÃO
É impossível compreender determinados fenômenos sem que se possa,
antes de tudo, conhecer sua gênese.
A formação da cultura jurídica brasileira foi forjada em meio a um processo
histórico conturbado, foi influenciada pelos pensamentos e construções científicas de
países europeus, em contraste com a realidade de uma colônia abandonada por seu
colonizador, cuja a sociedade se formou à margem do império português.
Mesmo após a efetiva mudança da coroa portuguesa para o Brasil,
enquanto nos países colonizados pela Espanha, já haviam sido erguidas faculdades
de direito, somente em 1827 surgiram as duas primeiras faculdades. Até então
apenas os membros da classe social privilegiada poderiam alcançar sua formação
jurídica, em Portugal, na Universidade de Coimbra.
As mudanças que sacudiram o panorama global, na Europa a exemplo
revolução Francesa, inaugurava o rompimento com a igreja católica e o absolutismo,
em favorecimento da burguesia, sob o ideal protestaniza onde conservava-se a ética
do trabalho como valor máximo do homem e que posteriormente serviram de
combustível ao inflamado desejo burguês de ampliar seu capital.
No Brasil, mesmo após a inauguração das faculdades de direito de São
Paulo e de Recife, a metodologia de ensino e a filosofia empregada permaneceram
as mesmas perpetradas pelo então sistema de ensino de Coimbra, baseado nas
aulas meramente expositivas, ministradas pelos “lentes” da época.
As principais influências de pensamento jurídico que advieram da Europa,
como os ideais liberais, somados ao positivismo jurídico de Kelsen propiciaram a
formação de bacharéis elitizados, por sua origem e dedicados aos interesses
econômicos do Estado.
No período republicano as tensões entre conservadores e liberais,
ocorriam em paralelo com os anseios de uma sociedade em revolta, os interesses
dos cafeicultores e as pressões sofridas pela supressão histórica de direitos,
conduziram à inúmeras revoltas pelo país.
No entanto, mesmo diante de inúmeras reformas curriculares no período
republicano, as mesmas destinaram-se à manutenção dos interesses do Estado e
das elites burguesas da época em detrimento de uma sociedade, cuja cultura em
sentido lato, foi formada sob o desinteresse do império. Em uma breve análise
59
histórica depreende-se que o acesso aos melhores sistemas de ensino da época,
bem como o acesso aos meios, onde fervilhavam os eventos culturais e intelectuais,
eram acessíveis somente a elite brasileira.
Neste patamar a formação da cultura jurídica brasileira, se deu com suas
bases enraizadas no modus operandi do pensamento intelectual e científico, europeu,
enquanto na formação social das classes menos favorecidas a falta de instrução e o
seu distanciamento dos órgãos estatais, contribuía no crescimento das desigualdades
sociais.
Não obstante, recorrentes tentativas de adotar medidas capazes de sanar
ou ao menos apaziguar os conflitos sociais, percebe-se que a transição histórica para
o período da república nova contribuiu para ampliação do rol de direito trabalhistas e
na reformulação do currículo acadêmico do direito, sendo reconhecido a excelência
do ensino jurídico como um dos pilares do desenvolvimento da nação.
Ao final da república nova, inaugura-se uma nova e devastadora fase no
cenário político, jurídico e social do país.
A ditadura militar, ampliou o processo de abertura da nação aos interesses
das grandes indústrias e abertura de capitais, bem como do incentivo ao
desenvolvimento promovido no decorrer do governo de Getúlio Vargas, incentivando
inclusive o crescente êxodo rural para as grandes cidades, sob a promessa de
oportunidades de melhora de suas condições de vida, com base no acelerado
desenvolvimento econômico.
Em uma breve análise dos dados estatísticos têm-se que ao final da
década de 80, cerca de 70% (setenta por cento) a população brasileira estava
residindo nas grandes cidades. Enquanto se dava este processo de “alavancamento”,
do desenvolvimento econômico chancelado pelo governo ditatorial, o sistema de
ensino, em especial, o de ensino superior, sofria as influências deste processo de
total controle.
Buscando a produção de profissionais especializados, capazes de atender
de forma efetiva os interesses das grandes indústrias e do governo, os militares
promoveram durante a ditadura, uma formação acadêmica “tecnicista”, na qual os
universitários fossem obrigados ao emprego sistemático desta metodologia e
ideologia, sendo então podados da capacidade de reflexão, discussão e
principalmente de oposição ao controle do Estado ditatorial.
Paralelamente ao período de vigência do regime ditatorial, a sociedade
60
brasileira, construída em sua grande maioria pelas parcelas desfavorecidas do
histórico empobrecimento cultural do país, condensava os elementos necessários ao
que viria se conhecer pela atual crise de jurisdição do estado brasileiro.
Os efeitos acumulados por séculos de distanciamento do Estado e do
Direito da realidade vivida pela sociedade carente, tiveram seu auge na transição da
ditadura para democracia.
A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
desencadeou a ampliação do rol de direitos individuais e coletivos, “Art. 5º - Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[..]”, há
muito sonegados pelo Estado, fazendo eclodir em todo o país inúmeras
reivindicações, intentadas por sindicatos, associações e outros setores da sociedade
civil.
No campo dos direitos individuais, o reconhecimento de direitos e
garantias individuais possibilitou à população a busca pela prestação jurisdicional do
Estado, na crescente expectativa de alcançar a justiça, que em muitos casos, não
fora alcançada em gerações, donde os conflitos nas esferas civil e familiar alçaram
um patamar de complexidade que acompanhou a conturbada formação do estado
brasileiro.
Não obstante os esforços legislativos e políticos destinados à efetiva
prestação do acesso à justiça, a crise do Poder Judiciário já se materializará no
campo instrumental, físico e estrutural (de financiamento e infraestrutura), crise
objetiva (da linguagem técnico-formal utilizada no processo, ritos, burocracia e
lentidão), crise subjetiva (incapacidade técnica para atender à nova realidade social)
e a crise paradigmática (métodos de tratamento dos conflitos, modelo de jurisdição).
Neste contexto o reconhecimento de uma incapacidade imensa de atender
as demandas sociais (pluralismo jurídico), impeliu o Poder Judiciário à uma busca
constante por medidas efetivas de prestação jurisdicional, que no entanto, desde a
criação dos Juizados de Pequenas Causas, formatados ainda sob a égide do regime
militar em 1984, Lei nº 7244/84, revogada posteriormente pela Lei 9099/95 que
instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, não alcançou os índices esperados
de redução das demandas e nem de efetivada das decisões judiciais, espelhados nos
elevados números de recursos impetrados nas instâncias superiores.
61
Na busca pela restruturação do Poder Judiciário Brasileiro, surgem ainda
aspectos complexos da dinâmica social, desencadeados pelos acelerados avanços
tecnológicos e científicos pós Segunda Guerra, colocando frente à Justiça temas
polêmicos e complexos, para os quais a construção positivista não seria capaz de
produzir respostas.
A epistemologia jurídica, construída sob modelo do pensamento europeu e
colonial, aliada ao tecnicismo jurídico metodológico produzido pela ditadura,
tornaram-se insuficientes na construção de medidas efetivas destinadas às novas e
antigas demandas da população carente ou não.
Neste contexto estratificado e segmentado que, assim como a pirâmide de
Kelsen produziu uma pirâmide social no Brasil, da qual a muito custo poucos
conseguem alcançar os patamares superiores, surgem novas e efervescentes formas
de compreensão dos fenômenos jurídicos.
Movimentos nascidos dentro das faculdades de direito, nos gabinetes de
promotores e juízes e de entidades da sociedade civil, delinearam a nova formulação
da metodologia do ensino jurídico, da epistemologia jurídica (pensamento jurídico
crítico), e da cultura jurídica brasileira.
Em meio as constantes necessidades surge a compreensão de que o
Estado não mais possui a capacidade de tutelar os direitos e ainda aliada à esta
compreensão no campo da metodologia de ensino na construção epistemológica,
incorpora-se a adoção de técnicas interdisciplinares e transdisciplinares, expressas
na LDB 9394/96, de construção do ensino.
Imediatamente adotadas como diretrizes dos cursos jurídicos, por meio da
Resolução 09/2004, que prevê em seu art. 5º, os seguintes eixos interligados de
formação: I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante
no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber,
abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre
Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e
Sociologia. II - Eixo de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque
dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos
ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e
contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às
mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações
internacionais, incluindo-se necessariamente, dentre outros condizentes com o
62
projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito
Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial,
Direito do Trabalho, Direito Internacional e Direito Processual; e III - Eixo de
Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos
desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o
Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares.
Das diretrizes expressas na resolução observa-se o necessário emprego
da interdisciplinaridade na metodologia de ensino jurídico, como mecanismo de
integração de conhecimento jurídico, na construção de um amplo rol de
conhecimento e na concreta capacitação dos acadêmicos.
Não obstante o emprego interdisciplinar, a construção transdisciplinar
inaugurada por Jean Piaget em 1970 durante o seminário de Nice, estende a
significação metodológica para patamares mais elevados, em decorrência das
complexas necessidades de uma sociedade em transformação onde a ciência se
interaciona entre suas ramificações, e com ramos distintos do conhecimento.
No âmbito do ensino jurídico fica claro a incorporação das novas
concepções metodológicas, destinadas à reformulação do “saber”, estudar o direito
sob a dogmática estática, não produziu em séculos de história sociopolítica do Estado
brasileiro os mecanismos necessários à redução das desigualdade e a construção de
uma justiça equânime.
Em decorrência das urgentes necessidades e pressões da massa
estratificada da população, surge por meio do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, a
Política Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos, por meio da qual, dentre
outras importantes medidas, surgem os métodos não adversarias de resolução de
conflitos não como novel instrumento de pacificação social, mas resgatados de
períodos históricos e origens distintas da realidade jurídica brasileira.
Compostos pela mediação, conciliação e a arbitragem, este métodos
consistem em uma forma não linear de prestação jurisdicional, sendo empregados
tanto endoprocessualmente, judicialmente, quanto extrajudicialmente, por meio de
parcerias e de profissionais de distintas áreas de atuação, demonstram a capacidade
de empoderamento das partes, na busca por soluções satisfativas aos seus conflitos
de interesse.
Neste turbilhão de transformações cujos efeitos concretos, decorrentes da
política de tratamento de conflitos, se fazem irretroativos, impossível seria tratar este
63
“fenômeno” distante da metodologia do ensino jurídico.
Em termos práticos, a tutela e o controle dos dados estatísticos produzidos
pela aplicação da mediação, conciliação e arbitragem, permanecem sob o controle do
Poder Judiciário, mas a construção de parcerias com vistas à aproximação desta
metodologia que interliga áreas dos saberes e o acadêmico do direto com seu objeto
de estudo, qual seja a efetividade das normas positivadas no mundo fenomênico, no
qual se verifica de forma empírica a amplitude desta complexidade que se traduz nas
relações entre sociedade e Estado, tendo por delimitador e interlocutor o Poder
Judiciário e a construção da epistemologia jurídica baseada no contexto histórico-
social do Brasil.
As mudanças já se fazem sentir no mundo concreto e a
interdisciplinaridade, que possivelmente poderá conduzir à resultados
transdisciplinares na epistemologia do Direito, transformando o ensino jurídico, se
materializa no texto de inúmeros dispositivos legais positivados e principalmente no
texto do Novo Código de Processo Civil, em seu art. 694. “ Nas ações de família,
todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia,
devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento
para a mediação e conciliação.” (BRASIL, 2015).
Aprofundar o desenvolvimento científico jurídico, paralelamente a
metodologia interdisciplinar e transdisciplinar, intrínsecos aos métodos não
adversariais de conflitos, implicará em uma concreta transformação da cultura jurídica
brasileira.
64
REFERÊNCIAS
ABREU, Pedro Manoel. Acesso à Justiça e Juizados Especiais: O Desafio Histórico da Consolidação de uma Justiça Cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. A bucha, a maçonaria e sua influência no ensino jurídico, com forte apego no positivismo. In: CARLINI, Angélica; CERQUEIRA, Daniel Torres de; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. 180 anos do Ensino Jurídico no Brasil. Campinas, SP. 2007. p. 3-62. ALVES, Elizete Lanzoni. Ensino jurídico como fonte de direito: uma abordagem crítica sobre o espaço universitário. In: CARLINI, Angélica; CERQUEIRA, Daniel Torres de; ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. 180 anos do Ensino Jurídico no Brasil. Campinas, SP. 2007. p. 241-258. AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues. Arbitragem: oportunidades, riscos e desafios. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord). Mediação, conciliação e arbitragem. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2008, p.1-16. AMARAL, Patrícia. Resumo sobre os Contratualistas (Locke, Hobbes, Rousseau). Ebah! 2013. Disponível em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAgKigAL/resumo-sobre-os-contratualistas-locke-hobbes-rousseau>. Acesso em: 20 abr 2015. ARAÚJO, Ana Paula de. Companhia de Jesus. Info Escola, 2015. Disponível em: <http://www.infoescola.com/educacao/companhia-de-jesus/>. Acesso em: 20 abr 2015. ÁVILA, Eliedite Mattos. Mediação Familiar: Formação de Base. 2004. Disponível em:<www.tj.sc.gov.br/institucional/mediacaofamiliar/apostila.pdf>. Acesso em: Acesso em março de 2015. AZEVEDO, André Gomma (org.). Manual de Mediação Judicial. Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2013. AZEVEDO, F. de. A transmissão da cultura: parte 3. São Paulo: Melhoramentos/INL, 1976. (5.ed da obra "A cultura brasileira"). BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2012. BASTOS, Aurélio Wander. Ensino Jurídico no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
65
BOTEGA, Leonardo da Rocha. A política habitacional no Brasil (1930-1990). Revela: Periódico de Divulgação Científica da FALS, ano 1,n. 2, mar, 2008. Disponível em: <http://www.fals.com.br/revela11/politicahabitacional.pdf>. Acesso em 20 abr. 2015. BRASIL. Câmara dos deputados. Decreto nº 359, de 26 de Abril de 1890. Revoga as leis que exigem a tentativa da conciliação preliminar ou posterior como formalidade essencial nas causas civeis e commerciaes. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-359-26-abril-1890-506287-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Câmara dos deputados. PL 7169/2014. Ementa: Dispõe sobre a mediação entre particulares como o meio alternativo de solução de controvérsias e sobre a composição de conflitos no âmbito da Administração Pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. Autor: Senado Federal - Ricardo Ferraço - PMDB/ES. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606627>. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10 mai 2015. ______. Casa Civil. Emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm >. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Casa civil. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm >. Acesso em 15 abr 2015. ______. Casa Civil. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Casa Civil. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Casa Civil. Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11419.htm>. Acesso em: 20 abr 2015.
66
______. Casa Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Casa Civil. Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm>. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n.º 75, de 12 de maio de 2009. Dispõe sobre os concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário nacional. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/rescnj_75b.pdf >. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Congresso Nacional. Projeto de lei da Câmara nº 94, de 2002 (nº 4.827/98, na Câmara dos Deputados). Institucionaliza e disciplina a mediação, como método de prevenção e solução consensual de conflitos. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/publicacoes/diarios/pdf/sf/2002/12/06122002/23780.pdf>. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n° 9, de 29 de setembro de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito e dá outras providências. Disponível em: <http://www.direitosbc.br/Data/Sites/2/arquivos_servidor_fdsbc/projeto_pedagogico/resolu%C3%A7%C3%A3o-cne_09_04.pdf>. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/Resolucao_n_125-GP.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2015. ______. Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução nº 118, de 1º de dezembro de 2014. Dispõe sobre a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Público e dá outras providências. Disponível em: <http://www.cnmp.gov.br/portal/images/Normas/Resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o_n%C2%BA_118_autocomposi%C3%A7%C3%A3o.pdf >. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Lei nº 7.244, de 7 de Novembro de 1984. Dispõe sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas. Disponível em: <http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:lei:1984-11-07;7244>. Acesso em: 20 abr 2015.
67
______. Leis, etc. Lei de 11 de Agosto de 1827. Collecção das leis do Imperio do Brazil de 1827. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1878. p. 5-7. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_63/Lei_1827.htm>. Acesso em: março de 2015. ______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer n.º: CNE/CES 0055/2004. Assunto: Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Direito. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2004/ces0055_2004.pdf>. Acesso em: 20 mar 2015. ______. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional da Educação. Portaria nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994. Fixa as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico. Disponível em: <http://oab-rn.org.br/arquivos/LegislacaosobreEnsinoJuridico.pdf>. Acesso em 20 abr 2015. ______. Senado Federal. PLS - Projeto de lei do Senado, nº 517 de 2011. Ementa: Institui e disciplina o uso da mediação como instrumento para prevenção e solução consensual de conflitos. Autor(a): Senador Ricardo Ferraço. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=101791>. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Supremo Tribunal Federal. Supremo Tribunal Federal julga constitucional a Lei de Arbitragem (republicação). Notícias STF, 12 dez 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=58198>. Acesso em: 20 abr 2015. CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre, Fabris, 1988. CARNEIRO, Athos Gusmão. A conciliação no novo CPC. Disponível em: <http://icj.com.br/portal/wp-content/uploads/2010/11/Conciliacao-Athos-Gusman-Carneiro.pdf>. Acessado em: 14 de maio de 2015. CIRET - Centre International De Recherches Et Études Transdisciplinaires. Projeto CIRET-UNESCO: evolução transdisciplinar da Universidade. CONGRESSO DE LOCARNO. Locarno, Suíça, de 30 de abril a 02 de maio de 1997. Disponível em: <http://ciret-transdisciplinarity.org/locarno/locapor4.php Acesso em maio de 2015.>. Acesso em 20 abr 2015. CONSULTOR JURÍDICO. Próprios pés: Acordo extrajudicial dispensa homologação judicial. Revista Consultor Jurídico, 22 nov. 2012. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-nov-22/acordo-extrajudicial-forca-executiva-propria-dispensa-homologacao >. Acesso em 20 abr 2015. EGGER, Ildemar. Mediação comunitária: uma experiência com adolescentes. 2006. Disponível em: <http://www.egger.com.br/ie/med_comunitaria.pdf>. Acesso em: 20 abr 2015.
68
FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila. A Crise do Ensino Jurídico. Portal Ciclo. Disponível em: <http://portalciclo.com.br/downloads/artigos/direito/a_crise_do_ensino_juridico.pdf> Acesso em: 30 ago. 2009 FARIA, José Eduardo. O sistema brasileiro de Justiça: experiência recente e futuros desafios. Estudos avançados, São Paulo, v. 18, n. 51, p. 103-125, ago. 2004 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000200006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 05 maio 2015. FARIA, José Eduardo; CAMPILONGO Celso Fernandes. A Sociologia Jurídica no Brasil. Porto Alegre, 1991. FERREIRA JUNIOR, Amarilio; BITTARE, Marisa. A ditadura militar e a proletarização dos professores. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 27, n. 97, p. 1159-1179, set./dez. 2006. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 16 out 2014. FUX, Luiz. O novo ensino jurídico. Revista da EMERJ, v. 3, n. 09, 2000. Disponível em: <http://www.emerj.rj.gov.br/revistaemerj_online/edicoes/revista09/Revista09_174.pdf> Acesso em: 15 maio 2015. ICJ BRASIL Relatório com os dados da pesquisa Índice de Confiança na Justiça. ICJBrasil, ano 5, 2º trimestre de 2013 1º trimestre 2014. 2013. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/12024>. Acesso em: 20 abr 2015. INSTITUTO BRASILEIRO DE ALTOS ESTUDOS DO DIREITO PÚBLICO. Resolução alternativa de conflitos: Conciliação: É dever do juiz tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes. Belo Horizonte: Fórum, jan 2012. Disponível em: <http://www.altosestudos.com.br/?p=49010>. Acesso em: 15 mar 2015. KATZWINKEL, Edgard. A arbitragem como procedimento eficaz para a solução dos conflitos (entre sócios e a sociedade) nas sociedades empresárias. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord). Mediação, conciliação e arbitragem. Rio de Janeiro. Forense, 2008. p.73-104. LEITE, Márcia de Paula. Trabalho e sociedade em transformação. Sociologias, Porto Alegre, ano 2, n. 4, jul/dez 2000, p.66-87. Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.br/index.php/sociologias/article/view/5709>. Acesso em: 15 maio 2015. LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante. Política, constituição e justiça: os desafios para a consolidação das instituições democráticas. Revista Sociologia Política, Curitiba, n. 17, nov. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010444782001000200005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 nov. 2013.
69
MARIN, Jeferson Dytz. Hermenêutica constitucional e realização dos direitos fundamentais: o afastamento das arbitrariedades semânticas na atribuição de sentido. Sequência (Florianópolis), Florianópolis, n. 65, dez, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S217770552012000200006& lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 04 nov. 2013. MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. A evolução do ensino jurídico no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 969, 26 fev. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8020/a-evolucao-do-ensino-juridico-no-brasil >. Acesso em: 20 nov. 2013. MEDIADORES E CONCILIADORES. Núcleos e Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania da Justiça Estadual pelo Brasil. c2015. Disponível em <http://www.mediadoreseconciliadores.com/#!news-and-publications/c17jc >. Acesso em 20 fev 2015. MEMÓRIA RIMA COM HISTÓRIA. Política no Segundo Reino. 9 abr 2010. Disponível em: <http://memoriarimacomhistoria.blogspot.com.br/2010/04/politica-no-segundo-reino.html >. Acesso em 20 abr 2015. MORAIS, José Luis Bolzan; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição! 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. MOURET, Stefanie. Revolução Industrial no Brasil. EP. Disponível em: <http://www.estudopratico.com.br/revolucao-industrial-no-brasil/ >. Acesso em: 20 abr 2015. NEDER, Gizlene; CERQUEIRA FILHO, Gisálio. Os filhos da lei. Revista brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 16, n. 45, Fev. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092001000100006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 10 fev. 2015. NEGRAO, Ana Maria Melo. O método pedagógico dos jesuítas: o "Ratio Studiorum". Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n. 14, p. 154-157, ago, 2000. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782000000200010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 23 maio 2015. NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: TRION, 1999. OAB - Ordem dos advogados do Brasil. Código de ética e disciplina da OAB. Brasília-DF, 1995. Disponível em: <http://www.oab.org.br/visualizador/19/codigo-de-etica-e-disciplina>. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Ensino Jurídico: Balanço de uma experiência Brasília, DF: OAB, Conselho Federal, 2000.
70
OLIVEIRA, José Sebastião de; TOFFOLI, Vitor. O ensino jurídico em nosso país no período imperial e no primeiro momento republicano, sua evolução histórico-metodológica e suas consequências na contemporaneidade. ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI: SISTEMA JURÍDICO E DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS E COLETIVOS. 1., 2012, Florianópolis. Anais... Florianópolis: Fundação Bouitex, 2012. PINHEIRO, Vanessa de Abreu. Poder Judiciário: Crise e Reforma. 2008. 81 f. Monografia (Especialização em Administração Judiciária) - Escola Superior de Magistratura, Fortaleza, 2008. Disponível em: <http://portais.tjce.jus.br/esmec/wp-content/uploads/2014/12/Vanessa-de-Abreu-Pinheiro.pdf >. Acesso em: 26 de out 2013 PAIM, Antonio. A história do liberalismo brasileiro. Itatiaia. 1998. Disponível em: <http://www.institutodehumanidades.com.br/arquivos/historia%20do%20liberalismo%20brasileiro_completo.pdf>. Acesso em março de 2015. ______. Por uma universidade no Rio de Janeiro. In: SCHARTZMAN, Simon (org), et al.. Universidades e instituições científicas no Brasil. Brasília: CNPq, 1982. PARANÁ. Secretaria da Educação. A influência positivista na Proclamação da República. Disponível em: <http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=165>. Acesso em: 20 abr 2015. PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2006. PUERARI, Adriano Farias; ISAIA, Cristiano Becker. Processo eletrônico, garantias constitucionais do processo e a realidade digital do brasil. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO E CONTEMPORANEIDADE, 30, 31 mai e 01 jun, 2012. Santa Maria/RS. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2012/24.pdf>. Acesso em: 04 nov 2013. RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. RIGHETTI, Moacir Spadoto. Ensino jurídico e a função social da universidade. CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI. 17. Brasília, 20, 21 e 22 de novembro de 2008. Anais... Brasília – DF, 2008. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico e direito alternativo. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. RODRIGUES, Horácio Wanderlei; JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Ensino do direito no Brasil: diretrizes curriculares e avaliação das condições de ensino. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. A prática da mediação e o acesso à justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
71
SADEK, Maria Tereza. Judiciário: mudanças e reformas. Estudos avançados. São Paulo, v. 18, n. 51, ago., 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103 40142004000200005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 nov. 2013. SANTA CATARINA. Poder Judiciário de Santa Catarina. Perguntas frequentes sobre o PAC. 2008. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/institucional/especial/coordjuzesp/pac_faq/faq.html >. Acesso em 20 abr 2015. ______. Poder Judiciário. Resolução nº 11/05-TJ. Institui o Núcleo de Conciliação no âmbito do Tribunal de Justiçado Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 2005. Disponível em: <http://busca.tjsc.jus.br/buscatextual/integra.do?cdSistema=1&cdDocumento=889&cdCategoria=1&q=&frase=&excluir=&qualquer=&prox1=&prox2=&proxc=>. Acesso em: 20 abr 2015. ______. Tribunal de Justiça. Resolução n. 11/2001–TJ. Dispõe sobre a instituição do Serviço de Mediação Familiar e dá outras providências. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/institucional/mediacaofamiliar/apostila.pdf>. Acesso em: 20 abr 2015. SANTA CRUZ, Fábio Santiago. Em busca da conciliação: ideias políticas no parlamento do império no Brasil (1831-1855). 2008. 202 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade de Brasília, Brasília, 2008. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Revolução Democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007. SANTOS, Ricardo Soares Stersi dos. A cláusula compromissória cheia na Arbitragem: pressupostos e requisitos. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord). Mediação, conciliação e arbitragem. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2008. p. 273-304. SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. A justiça brasileira e a modernidade inacabada. Florianópolis. OAB-SC, 2000. SILVA, Antônio Hélio. Arbitragem, mediação e conciliação. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (coord). Mediação, conciliação e arbitragem. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2008. p. 18-38. SILVEIRA, Rosa Maria Godoy, et al. Educação em Direitos Humanos: fundamentos teóricos-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007. SOARES, Fernanda Heloisa Macedo; MASSINE, Maiara Cristina Lima. Crise do ensino jurídico brasileiro brazilian legal teaching crisis. Revista Argumenta, Jacarezinho/PR, n. 12, p. 57-74, fev., 2013. Disponível em: <http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/article/view/159>. Acesso em: 09 fev. 2015.
72
SOUZA, Otávio Augusto Reis de. Principais Inovações Da Emenda Constitucional 45/04. Revista Evocati, Aracaju, ano 1, n. 1, ed. 7 jul, 2006. Disponível em: <http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=4 >. Acesso em: 03 nov. 2013. SOUZA, Paulo Rogério Areias de, O início do processo de redemocratização do Brasil após a Ditadura Militar: o nascimento de uma nova geração de direitos, vinte anos de Constituição Cidadã. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 64, maio 2009. Disponível: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artig o_id=6239>. Acesso em: 10 nov. 2013. THIESEN, Juares da Silva. A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem. Revista Brasileira de Educação, v. 13, n. 39, set./dez., 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v13n39/10.pdf.> Acesso em: 08 maio 2015. VENANCIO FILHO, Alberto. Das Arcadas do Bacharelismo. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. WARAT, Luís Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, Companhia das Letras, 2004. WIVIURKA, Eduardo Seino. A transdisciplinarização do direito. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 19. Florianópolis, 2010. Anais...Florianópolis, 2010. WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Alfa Ômega, 2001. ______. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 8. ed São Paulo: Saraiva, 2012.