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Título original I Promessi SposiMilão 1840, edição revista pelo autor

Tradução © 2015, Paulinas EditoraTradutor José Colaço Barreiros

Capa Gito LimaPré-impressão Paulinas Editora – Prior Velho

Impressão e acabamentos Artipol – Artes Tipográficas, Lda. – ÁguedaDepósito legal 389 249/15

ISBN 978-989-673-438-1(edição original 978-88-04-39440-2)

© Março 2015, Inst. Miss. Filhas de São PauloRua Francisco Salgado Zenha, 112685-332 Prior VelhoTel. 219 405 640 – Fax 219 405 649e-mail: [email protected]

SEM VALOR COMERCIAL

Questo libro è stato tradotto grazie ad un contributo alla traduzione assegnato dal Ministero degli Affari Esteri italiano

Este livro foi traduzido graças a um contributo à tradução atribuído pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros italiano

A presente tradução corresponde à edição definitiva de I promessi sposi,ilustrada por Francesco Gonin, e publicada em Milão em 1840.

Das 400 ilustrações originais, foram selecionadas algumas que considerámos poderem auxiliar o leitor

na análise de contextos, ambientes e costumes da época.

Coordenação da coleção José Tolentino Mendonça

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– Senhor cura – disse um dos dois, fixando-lheos olhos na cara.

– O que mandais? – respondeu logo DomAbbon dio, levantando os seus do livro, que lheficou aberto de par em par nas mãos, como se forasobre uma estante.

– Vós tendes intenções – prosseguiu o outro,com o ar ameaçador e iracundo de quem apanhaum seu inferior prestes a fazer qualquer malan-drice –, tendes intenções de casar amanhã RenzoTramaglino e Lucia Mondella!

– Quer dizer… – respondeu com voz trémulaDom Abbondio –, quer dizer. Suas senhorias sãoho mens vividos, e sabem muito bem como sãoestas coisas. O pobre cura não tem nada a ver comisso: eles fazem as suas asneiras um com o outro, edepois… e depois vêm ter connosco. Como sefossem a um banco fazer um levantamento; enós… nós somos os servidores da comunidade.

– Pois bem – disse-lhe o bravo ao ouvido, masem tom solene de comando –, esse casamento nãose há de fazer, nem amanhã, nem nunca.

* * *

Dom Abbondio (o leitor já deve ter reparado)não nascera com coração de leão. Mas desde osseus primeiros anos de vida tivera de compreenderque a pior condição, naqueles tempos, era a de umanimal sem garras nem unhas e que ao mesmotempo não sentisse inclinação para ser devorado.A força legal não pro tegia de modo nenhum o ho -mem tranquilo e inofensivo, e que não tivesseoutros meios de fazer medo a alguém. Não é quefaltassem leis e punições contra as violências pri-vadas. Pelo contrário, as leis caíam em dilúvio; osdelitos eram enumerados, e pormenorizados comminuciosa prolixidade; as penalidades, loucamenteexorbitantes e, como se não bastasse, aumentáveiscomo que para cada caso, ao arbítrio do própriolegislador e de cem executores; os processos, estu-dados apenas para libertar o juiz de tudo o quepudesse ser obstáculo para proferir uma condena-ção; os trechos que apresentámos dos éditoscontra os bra vos disso são uma pequena mas fielamostra. Com tudo isto, aliás, em grande partepor causa disto, aqueles editais, republicados e re -forçados de go verno para governo, não serviamsenão para testemunhar amplamente a impotência4

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dos seus autores; ou então, se produziam algumefeito imediato, era principalmente o de acrescen-tar muitos vexames aos que os pacíficos e osfracos já sofriam por parte dos agressores, e au -mentar as violências e a astúcia des tes. A impuni-dade era coisa organizada, e tinha raízes que oséditos não tocavam, ou não podiam demover.Eram tantas as proteções, tantos os privilégios deal gu mas classes, em parte reconhecidos pela forçalegal, em parte tolerados com teimoso silêncio, ouimpugnados com vãos protestos, mas apoiados defacto e defendidos por essas classes, com atos emprol dos seus interesses e dos seus ciosos rancores.Agora, esta impunidade ameaçada e insultada,mas não destruída pelos éditos, devia natural-mente, perante qualquer ameaça e insulto, usar denovos esforços e novas invenções para se poderconservar. Assim acontecia com efeito; e, ao surgi-rem éditos destinados a reprimir os violentos, estesprocuravam na sua força real os novos meios maiseficientes para continuarem a fazer o que as leisvinham proibir. Bem podiam estas tropeçar a cadapasso e molestar o homem bondoso, que não ti -vesse força própria nem proteção; porque, com ofim de ter todos os homens sob a sua alçada, paraprevenir ou para punir todo e qualquer delito, sub-

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metiam todos os movimentos do privado à von-tade arbitrária de executores de toda a espécie.

* * *

– Bom dia, Perpetua. Esperava que hoje esti-véssemos todos mais alegres.

– Ora! É o que Deus quiser, meu pobre Renzo. – Fazei-me um favor: aquele bendito homem

do senhor cura embarrilou-me bem com certasrazões que eu não consegui entender: explicai-mevós me lhor porque é que ele não pode ou não quercasar-nos hoje.

– Oh! Achais que eu sei dos segredos do meupatrão?

«Eu bem disse que nisto havia mistério», pen -sou Renzo; e para o tirar a limpo, continuou: – Vá,Per pe tua; nós somos amigos; dizei-me aquilo quesabeis, que assim ajudais um pobre rapaz.

– Má coisa é nascer pobre, meu querido Renzo. – É verdade – prosseguiu este, confirmando

cada vez mais as suas suspeitas; e tentando chegarao assun to –, é verdade – acrescentou –, mas cabeaos padres tratar mal os pobres?

– Ouvi, Renzo; eu não posso dizer nada, por -que… não sei nada; mas o que vos posso garantir

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é que o meu patrão não quer fazer mal, nem a vós,nem a ninguém: e ele não tem culpa.

– Então quem é que tem a culpa? – perguntouRenzo com ar de certa indiferença, mas de coraçãosusp enso, e de ouvido alerta.

– Se eu vos digo que não sei nada… Em defesado meu patrão, posso falar; porque me custa ouvirque o acusem de querer fazer mal a alguém. Pobrehomem! Se peca, é por demasiada bondade. Nestemundo há muitos vigaristas, prepotentes, homenssem temor de Deus…

«Prepotentes! Vigaristas! – pensou Renzo. –Estes não são os superiores.»

– Vá lá – disse então, ocultando a custo a agi-tação crescente –, vá lá, dizei-me quem é.

* * *

– Em que posso servi-lo? – disse Dom Rodrigo,ficando de pé no meio do salão. O som das pala-vras era alto; mas a maneira como eram proferidasque ria dizer claramente: vê bem quem tens à fren -te, pesa as palavras, e despacha-te.

Para dar coragem ao nosso frei Cristoforo, nãohavia meio mais seguro nem mais expedito do quetratá-lo com modos arrogantes. Ele que estava sus-

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penso, procurando as palavras, e fazendo escorrerpor entre os dedos as ave-marias do terço que tra -zia à cintura, como se nalguma delas esperasse en -contrar o seu exórdio àquele ato de Dom Rodrigo,sentiu logo virem-lhe aos lábios mais palavras doque quantas eram precisas. Mas pensando comoera importante não prejudicar os seus interessesou, o que contava muito mais, os interessesalheios, apressou-se a temperar as frases que lhetinham vindo à cabeça, e disse, com prudentehumildade:

– Venho propor-lhe um ato de justiça, suplicar--lhe um gesto de caridade. Certos homens de mávida serviram-se do nome de Vossa Senhoria Ilus -tríssima para fazer medo a um pobre cura e im pe -di-lo de cum prir o seu dever, e para oprimir doisinocentes. O senhor, com uma só palavra sua,pode desmentir esses homens, restituir ao direito asua força, e aliviar aqueles sobre quem foi exercidatão cruel violência. O senhor pode fazê-lo e, que-rendo-o... a consciência, a honra...

– Fale-me da minha consciência quando eu forter consigo para me confessar. Quanto à minhahonra, fique sabendo que quem a guarda sou eu, emais ninguém; e que quem quer que se atreva a

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partilhar comigo esses cuidados, o tratarei como aum temerário que a ofenda.

* * *

Um dos maiores consolos desta vida é a ami-zade; e um dos consolos da amizade é o de se ter aquem confiar um segredo. Ora bem, os amigosnão são aos dois e dois, como os casais: cada um,ge ralmente fa lan do, tem mais do que um: o queforma uma corrente da qual ninguém consegueachar o fim. Por tan to, quando um amigo tentaobter o consolo de depor um segredo no seio deoutro, dá a este a vontade de obter também omesmo consolo. Pede-lhe, é certo, que não diganada a ninguém; e uma tal condição, quem a to -masse no sentido rigoroso das palavras, truncariaimediatamente o curso dos consolos. Mas quis aprática geral que obrigue a não confiar o se gre dosenão a quem for um amigo igualmente de con-fiança, e impondo-lhe a mesma condição. Assim,de ami go de confiança em amigo de confiança, ose gre do corre e circula por essa imensa corrente,de modo que chega aos ouvidos daquele ou daque-les a quem o primeiro que falou tinha precisamen -te a intenção de nunca o deixar chegar. Deveria,

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contudo, passar muito tempo no campo se cadaum tivesse apenas dois amigos: o que lhe diz, eaquele a quem repete a coisa que se deve calar. Háhomens privilegiados que os contam às centenas; equando o segredo chega a um destes homens, ospercursos ganham tanta rapidez e multiplicam-sede tal modo que deixa de ser possível seguir osseus passos. O nosso autor não pôde contar porquantas bocas passou o segredo que o Griso tinhaordem de descortinar: a verdade é que o bom ho -mem que tinha escoltado as mulheres até Monza,ao regressar, pelas cinco da tarde, com a sua car-roça a Pescarenico, cruzou-se antes de chegar acasa com um amigo de confiança, a quem contou,como gran de confidência, a boa ação que haviacometido, bem como o resto; e o facto é que oGriso, duas horas depois, pôde acorrer ao palacetee relatar a Dom Ro dri go que Lucia e a mãe esta-vam abrigadas num convento de Monza, e queRenzo tinha seguido o seu caminho até Milão.

* * *

Pouco depois, o bravo veio relatar que, na vés-pera, o cardeal Federigo Borromeo, arcebispo deMilão, chegara a ***, e ali estaria todo esse dia; e

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que a notícia propagada na véspera despertara emtodos nas terriolas em volta a vontade de irem vereste homem; e tocavam os sinos a rebate mais pelaalegria do que para avisar a gentinha. O senhor, aoficar sozinho, continuou a fitar o vale, ainda maispensativo. «Por um homem! Todos pressurosos,todos alegres, por verem um homem! E, no en -tanto, cada um destes deve ter o seu diabo que oatormente. Mas ninguém, ninguém terá um comoo meu; ninguém terá passado uma noite como aminha! O que tem aquele homem, para fazer tantagente alegre? Al gum dinheiro que ele depois distri-buirá por aí ao acaso... Mas estes não vão todosatrás da esmola. Pois bem, um ou outro sinal noar, uma ou outra pa lavra... Oh, se eu tivesse paramim as palavras que podem consolar?... Porque éque eu não vou tam bém? Porque não?... Irei, irei; equero falar-lhe: de olhos nos olhos, é que lhequero falar. O que lhe direi? Pois bem, o que, oque... Ouvirei o que este homem sabe dizer!»

* * *

– Então? – continuou ainda mais afetuosamen -te Federigo. – Tendes uma boa notícia para me dar,e fazeis-me suspirar tanto por ela?

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– Uma boa notícia, eu? Tenho o inferno nocora ção; e dou-vos uma boa notícia? Dizei-me vós,se o souberdes, qual é essa boa notícia que esperaisde uma pessoa como eu.

– Que Deus vos tocou o coração e quer fazer--vos seu – respondeu pacatamente o cardeal.

– Deus! Deus! Deus! Ainda se o visse! Se o ou -visse! Onde está esse Deus?

– E sois vós que mo perguntais? Quem mais doque vós o tem próximo? Não o sentis no coraçãoque vos oprime, que vos agita, que não vos deixaem paz, e que ao mesmo tempo vos atrai, vos fazpressentir uma esperança de calma de consolaçãoque será plena, imensa, assim que vós o reconhe-cerdes, o confessardes e implorardes?

– Oh, certamente! Tenho aqui qualquer coisaque me oprime, que me corrói! Mas Deus!… Se háeste Deus, se é aquilo que dizem, o que quereis quefaça de mim?

Estas palavras foram ditas com uma voz deses-perada; mas Federigo num tom solene, como deplácida inspiração, respondeu:

– O que pode fazer Deus de vós? O que quereráfazer? Um sinal do seu poder e da sua bondade:quer tirar de vós uma glória que mais nenhumpoderia dar-lhe. Que o mundo grite há tanto

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tempo contra vós, que mil e mil vozes detestem asvossas obras... – o Inominado estremeceu, e ficouum momento estupefacto ao ouvir aquela lingua-gem tão insólita, e mais estupefacto ainda por nãose indignar com ela, mas sentir quase um alívio. –Que glória – continuou Federigo – dá isso a Deus?São vozes de terror, são vozes de interesse; vozestalvez mesmo de justiça, mas de uma justiça tãofácil, tão natural! Algumas vozes talvez, infeliz-mente de inveja desse vosso desgraçado poder,desta até hoje deplorável segurança de alma. Mas,quando vós mesmo aparecerdes a condenar avossa vida, a acusar-vos a vós mesmo, então!Então, Deus será glorificado! E ainda perguntais oque pode Deus fazer de vós? Quem sou eu, pobreho mem, que saiba dizer-vos desde já que proveitopoderá tirar de vós um tal Senhor? O que podefazer desta vontade im petuosa, desta impertur-bada constância, quando a tiver animado e infla-mado de amor, de esperança e de arrependimento?Quem sois vós, pobre homem, que pensais ter sa -bido por vós mesmo imaginar e fazer coisas maio-res no mal, que Deus não possa fazer-vos querer eagir no bem? O que pode fazer Deus de vós? E per-doar-vos? E tornar-vos salvo? E completar em vósa obra da redenção? Não são coisas magníficas e

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dignas dele? Oh, pensai! Se eu, mero homenzinho,eu miserável e contudo tão cheio de mim mesmo,eu como sou, agora anseio tanto pela vossa salva-ção, que por ela daria com gáudio (Ele é minhatestemunha) estes poucos dias que me restam;oh!… Pensai quanta e qual terá de ser a caridadedaquele que me in funde esta tão imperfeita, mastão viva; como vos ama, como vos quer. Aqueleque me comanda e me inspira um amor por vósque me devora!

À medida que estas palavras iam saindo dosseus lábios, o rosto, o olhar, todos os movimentosrespiravam o seu sentimento. O rosto do seu ou -vin te fez-se ao princípio atónito e atento; depoiscompôs-se numa emoção mais profunda e menosangustiosa; os seus olhos, que desde a infâncianunca mais tinham conhecido as lágrimas, incha-ram-se-lhe; quando cessaram as palavras, cobriu orosto com as mãos, e deu num copioso pranto, quefoi como que a última e mais definitiva resposta.

– Deus grande e bom! – exclamou Federigo,erguendo os olhos e as mãos ao céu. – Que fiz eu,ser vo inútil, pastor sonolento, porque me chamaisa este festim de graça, porque me fazeis digno deassistir a este jucundo prodígio? – Assim falando,estendeu a mão para pegar na do Inominado.

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* * *

– Olhe – disse-lhe, quando ele entrou, a boamulher, indicando Lucia; a qual ficou de cara ver-melha, levantou-se e começou a balbuciar algumadesculpa. Mas ele, aproximando-se, interrompeu--a, fazendo-lhe uma grande festa e exclamando:

– Bem-vinda, bem-vinda! Sois a bênção dosCéus sobre esta casa. Como estou contente por vosver aqui! Já tinha a certeza de que chegaríeis abom por to; porque nunca dei por que o Senhorcomeçasse a fazer um milagre sem o acabar bem;mas estou contente por vos ver aqui. Pobre jovem.Mas é uma grand e coisa receber um milagre!

Não se julgue que fosse ele o único a opinardeste modo o grande acontecimento, por ter lidoas Lendas: por toda a terra e pelos arredores nãose falou do caso com outros termos, enquanto delerestou memória. E para dizer a verdade, com asfranjas que lhe coseram, nem lhe poderia convirqualquer outro nome.