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Fotos: Miro Bacin/Especial ESPECIAL ZIKA À BEIRA DO RISCO Moradoras da região ribeirinha de fronteira entre Brasil e Argentina convivem com os mosquitos sem maior preocupação com o perigo do Aedes Aegypti transmitir o vírus Zika. U m rio separa duas cidades. Mais que isso, limita - e ao mesmo tempo integra - dois países. As águas do rio Uruguai fazem parte da história e dos costumes da fronteira Oeste gaúcha. A bra- sileira São Borja e a argentina Santo Tomé se desenvolveram às suas margens. As atividades pesqueiras, agrícolas e de criação de gado, típicas da região, cresceram graças à abundância dos recur- sos naturais e à tradição laboral que vem dos tempos jesuíticos. Mas o rio já não é mais o mesmo. Pescadores têm de conviver com a piracema e com a criminalização da pesca de determinadas espécies. Há locais poluídos e outros de extrema periculosidade para banho. Os riscos não se esgotam com a cautela diante das águas; as cheias anuais demandam um ir-e-vir ao qual os ribeirinhos parecem resignados. A metros das barrancas de terra vermelha, são-borjenses e santo-tomenhos vivem em moradias simples, improvisadas até, cujos quintais de chão batido guardam ameaças à saúde. Entulhos e água parada potencializam a existência dos mosquitos - animais que, por natureza, costumam habitar esses lugares úmidos assegura- dos pela soma de água, terra e vegetação. Limpeza dos pátios nem sempre é feita Municípios lidam com constantes enchentes

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Fotos: Miro Bacin/Especial

ESPECIAL ZIKA

À BEIRA DO RISCOMoradoras da região ribeirinha de fronteira entre Brasil

e Argentina convivem com os mosquitos sem maior preocupaçãocom o perigo do Aedes Aegypti transmitir o vírus Zika.

Um rio separa duas cidades. Mais que isso, limita - e ao mesmotempo integra - dois países. As águas do rio Uruguai fazem

parte da história e dos costumes da fronteira Oeste gaúcha. A bra-sileira São Borja e a argentina Santo Tomé se desenvolveram àssuas margens. As atividades pesqueiras, agrícolas e de criação degado, típicas da região, cresceram graças à abundância dos recur-sos naturais e à tradição laboral que vem dos tempos jesuíticos.

Mas o rio já não é mais o mesmo. Pescadores têm de convivercom a piracema e com a criminalização da pesca de determinadasespécies. Há locais poluídos e outros de extrema periculosidadepara banho.

Os riscos não se esgotam com a cautela diante das águas; ascheias anuais demandam um ir-e-vir ao qual os ribeirinhos parecemresignados. A metros das barrancas de terra vermelha, são-borjenses esanto-tomenhos vivem em moradias simples, improvisadas até, cujosquintais de chão batido guardam ameaças à saúde. Entulhos e águaparada potencializam a existência dos mosquitos - animais que,por natureza, costumam habitar esses lugares úmidos assegura-dos pela soma de água, terra e vegetação.

Limpeza dos pátios nem sempre é feita Municípios lidam com constantes enchentes

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Cotidiano

Em uma chácara onde correm galinhas para todosos lados e com um chiqueiro de porcos marcado porgrandes poças d'água vive Maxima Lope (51) e seuesposo. A uma dúzia de quilômetros do Centro de San-to Tomé, a dona de casa pouco teme o vírus Zika. "Ouvifalar desse Zika pela televisão", relata. Defronte à resi-

Foto: Miro Bacin/Especial

dência, uma piscina de plástico que, no verão, é o alentoao calor dos netos, passa as demais épocas com anocom a água turva. "Tenho uma tartaruga ali", avisa. Se-gundo ela, já recebeu visitas da vigilância sanitária, queteria pulverizado a propriedade. "Mosquitos sempre exis-tiram, mas não tenho medo", afirma.

Fotos: Louise da Campo

Maxima pouco sabe sobre os riscos Poças de água na criação de porcos Piscina tem água sem troca

Roseni garante repelente aos filhos

Diferente de Maxima, em São Borjaos mosquitos deixam em alerta RoseniBoeira Garcia (32), que mora em umacasa de madeira próxima das águascom o esposo e os quatro filhos. "Tembastante mosquito por aqui, tem detudo que é tamanho, mas eu não seiidentificar qual mosquito é, se é do Zikaou não", confessa. Na dúvida, repelen-te. "Não deixo de passar nas crianças",conta, alegando prioridade.

A vizinha Rosangela de Paula Car-doso (37) compartilha o receio com re-lação aos mosquitos. Além das condi-ções e características naturais do local,um problema de saúde pública salta aos

olhos - o esgoto correndo a céu aberto."Fico com bastante medo. Cuido muito opátio, mas não adianta, têm esses valos aquina frente", comenta. Por ali, mosquitospodem ser vistos até mesmo durante o dia.

À beira do rio, do outro lado das mar-gens, a argentina Merlo Francisca (54),com o esposo e o neto, aproveita a tardede pescaria. Mãe de nove filhos, ela des-conhece a existência do vírus Zika e con-

sidera normal a presença de mosquitos."Quando é muita quantidade, uso fuma-ça para afastar, como faziam meus ante-passados", revela. "Não tenho medo", as-segura.

Rosângela evita focos na residência Falta de saneamento atrai mosquitos

Merlo não tem medo do mosquito À beira-rio, neto exibe pesca

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A vida na beira do rio inclui hábitosnem sempre coerentes com oscuidados necessários à saúde.

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SÃO BORJA

Foto: Miro Bacin/especial

EXPEDIENTEEquipe da Universidade Federal do Pampa (São Borja/RS):

ALUNAS: Larissa Burchard e Louise da Campo

PROFESSORA: Adriana Duval

COLABORAÇÃO:Miro Bacin (imagens), Fabiana Lima da Silva (projeto gráfico ediagramação), Susy Alsina e Daniel Ayala (produção/SantoTomé).

Reportagem especial(categoria Jornal) produzidapara a 8ª edição doPrêmio Jovem JornalistaFernando Pacheco Jordão,realizado peloInstituto Vladimir Herzog.Outubro/2016

Em São Borja já foram identificados 1.050 focos domosquito Aedes Aegyptis, sobretudo nos bairros Cen-tro, Pirahy, Várzea e Passo (este último junto ao rioUruguai). Segundo a agente sanitária da SecretariaMunicipal da Saúde Valeria Ulhmann, a vistoria dosagentes para acabar com os criadouros e orientar apopulação é constante. "Não quer dizer que um bal-de que esteja vazio não seja um criadouro; é um pos-sível criadouro, porque no momento que tiver águaele vai se tornar um criadouro e um possível focos demosquito", explica.

A frequência de retirada de larvas dos mosquitosnas residências é considerada grande. Na época deverão, os agentes recolhem aproximadamente 100tubos de larvas por semana, enquanto no inverno essenúmero alcança a metade.

Ainda não houve nenhum caso confirmado do Zikavírus, porém, Valéria considera fundamental o inves-timento em prevenção devido ao trânsito de pessoasna fronteira. "Pode vir um de lá um mosquito contami-nado na fase de transmissão de doença. Uma fêmeado mosquito pode contaminar até dez pessoas, e o

tempo de vida do mosquito na fase adulta é de 30 a40 dias. Então, se ele picar 10 pessoas em um dia,em um mês haverá muita gente contaminada", argu-menta.

Com base na quantidade de focos e na situação domunicípio, foi criado um o protocolo municipal para oenfrentamento das doenças transmitidas pelos AedesAegypti. De acordo com a enfermeira da Secretariade Saúde Janaina Pereira, o procedimento padrãoapós a identificação dos sintomas no paciente é soli-citar o exame, que é encaminhado para o laboratóriocentral da Capital gaúcha, que analisa as amostrasde todo o estado. Neste ano já 15 suspeitas foramanalisadas, mas nenhuma confirmada.

Além da atuação para prevenção de fotos e enca-minhamento de suspeitas da doença, o município di-vulga, nos locais públicos, informações relacionadasaos sintomas, tratamentos e riscos das doenças queo mosquito transmite. Cartazes podem ser vistos nospostos de saúde e instituições de ensino. Há tambémum trabalho de conscientização dos riscos junto àscrianças e aos jovens, nas escolas.

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Município a Oeste do Rio Grande do Sul, foi fundado em1682 e tem área de 3.616.026 km². Sua população é estimada

em 62.990 habitantes (IBGE/Censo, 2015)

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SANTO TOMÉMunicípio ao Norte argentino, localizado na

província de Corrientes, foi fundado em 1863. Seuúltimo censo, de 2010, contabilizou 23.299 habitantes.

Foto: Adriana Duval/Especial

Em Santo To-mé, a circulaçãode estudantesbrasileiros aumen-ta uma possíveltransmissão do ví-rus. Mais da meta-de dos alunos dafaculdade de Me-dicina instalada nacidade é oriundado Brasil. Naquelainstituição - Institu-to Universitario deCiencias de laSalud Fundación H.A. Barceló - foi criado um labo-ratório para o controle de vetores de importânciasanitária. O trabalho ali realizado se soma às açõesda Secretaria de Saúde e Meio Ambiente de SantoTomé e do Centro Integrado Comunitário (CIC).Juntos constituem a "Comissão de luta contra asenfermidades emergentes e reemergentes". Deacordo com o secretário da Saúde e Meio Ambien-te, Victor Marcelo Gimenez, o grupo se reúne se-manalmente para abordar o controle dos mosqui-tos, por meio das análises realizadas.

A ênfase das medidas argentinas é na identifi-cação de possíveis ocorrências do Aedes Aegypti.Gimenez considera que várias questões favorecema existência de mosquitos. "É um ambiente quepossui recipientes para acumular água, e o clima,as chuvas e o lugar contribuem para o mosquito",avalia.

Aos poucos Santo Tomé investe em informação.Desde setembro podem ser vistos pela cidademateriais impressos que alertam para o risco dasdoenças do mosquito e, sobretudo, do vírus Zika."Entregamos folhetos e passamos o pulverizador.Nos lugares de risco é feito também um isolamen-to", assegura. Guimenez explica que até o momen-to não existe uma preocupação concreta com oZika. "O único caso de suspeita de Zika vírus nacidade é estrangeiro. Foi uma pessoa vinda do Bra-sil, e a doença não foi confirmada", argumenta.

Secretário Gimenez destaca trabalhoem grupo

Na Fundación Barceló, as bió-logas Lucrecia Villarquide e MarinaLeporace trabalham e estudamsobre as doenças emergentes emSanto Tomé. Conforme Marina, omosquito transmissor do vírus Zikaestá na metade do país, mas nãoameaça Santo Tomé. Lucrecia

Osório enfatiza monitoramento

Para o titular da Defesa Civilem Santo Tomé, Silvio Osorio, avigília constante é eficaz paraevitar a existência do vírus Zikana cidade. "Estamos monitorandoa cidade para ver se há mosqui-tos ou não, monitorando as lar-vas também. Uma questão quepode ser um problema é a circu-lação de pessoas, pois aqui te-mos estudantes de todos os lu-gares, que podem trazer o víruspara cá", considera.

mostra o equipamento que utilizampara a captação do mosquito à aná-lise, uma espécie de armadilha ins-talada em vários pontos da cidade.Por meio desse aparato e dasamostras colhidas em águas para-das é averiguada a presença domosquito.

A bióloga Marina analisa focos

Fotos: Larissa Burchard

Lucrecia explica coleta de amostras

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