12
Helena da Silva, Rui M. Pereira, Filomena Bandeira Coordenação CENTENÁRIO DA GRIPE PNEUNNÓXICA A PANDEMIA EM RETROSPETIVA PORTUGAL I9T 8- 1919 IGAS Inspeção-Geral das Atividades em Saúde IHC _ NOVA FCSH Instituto de História Contemporânea Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa CNCP Comissão Nacional para celebração do Centenrário da Pneumónica 2019

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Helena da Silva, Rui M. Pereira, Filomena BandeiraCoordenação

CENTENÁRIODA GRIPE PNEUNNÓXICA

A PANDEMIA EM RETROSPETIVA

PORTUGAL I9T 8- 1919

IGASInspeção-Geral das Atividades em Saúde

IHC _ NOVA FCSHInstituto de História Contemporânea

Faculdade de Ciências Sociais e Humanasda Universidade Nova de Lisboa

CNCPComissão Nacional para celebração do Centenrário da Pneumónica

2019

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ÍNucB

Introdução 7

Helena da Silva, Rui M. Pereira e Filomena Bandeira

No Centenário da Gripe Pneumónica

ncH¡,rÉcNucl A Saúde Pública, a História e o diagnóstico de situações

Centenário da Gripe PneumónicaA Pandemia em Retrospetiva, Portugal 1918-1919

Alexandra EstevesAne Maria Diqmant¡no CorreiaDiogo FerreiraFernando AlmeidaFilomena BandeiraHelena da SilvaIsmaeL VieiraJosé Manuel SobralLeonor FurtadoManuel CardosoMaria Luísa LimaPedro Aires OlíveiraRui M. Pereira

problemáticas ...

Leonor FurtadoI3

A Pneumónica em contexto de guerra totalPedro Aires Oliveira

15

Uma tragédia que importa não esquecer

Fernando Almeida

l7

A Pandemia em Retrospetiva. Portugal 1918-1919

Coordenação: Helena da Silva, Rui M. Pereira e Filomena BandeiraCapa: Diana Jorge TrigoPaginação: Gráfica99Revisão: Joaquim E. OliveiraImpressão: Multitipo - Artes Gráficas, Lda.1." edição: novembro de2Ol9

Catástrofe e silêncio: a epidemia da Pneumónica em Portugalno seu tempo e no espaço da recordação..............

Jos,é Manuel Sobral

2l

Aspetos do estado sanitário em Portugal no primeiro quartelImagem da capa: <Visita do provedor da Misericórdia de Cintra ao hospital provisório estabelecidon'aquela vila para debelar a epidemia pneumónica e que prestou serviços importantes.>> IlustraçãoPortugueza, n." 670, 23-12-1918:5 16. Hemeroteca Municipal de Lisboa

do século xxIsmael Vieira

37

ISBN: 978-989 -33 -0052-7Depósito legal n.o: 463 254119

Ricardo Jorge, o mal-amado. Os serviços de saúde militarno quadro da Grande Guerra e da Gripe Pneumónica.............Rui M. Pereira

55

5

Edição promovida pelas IGAS no âmbito do programa da Celebração do Centenário da Pneumónica.

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A Pneumónica na Imprensa do distrito de Viana do Castelo

Alexandra Esteves

87

A epidemia de Gripe Pneumónica (1918-1919) na região

de Coimbra 109 INTRODUÇAOAna Maria Diamantino Correia

A <<Pandemia Esquecido>: a cidade do Sado durante o tempo

negro da Gripe Pneumónica (1918-1919)

Diogo Ferreira

125

A Pneumónica em Macedo de Cavaleiros: o fundo de verdade

nas páginas do romance Um Tiro na Brunta

Manuel Cardoso

151

Nenhuma outra doença causou tantas vítimas moftais em tão pouco

tempo como a Gripe Pneumónica de l9l8-1919, que afetou o mundo,já massacrado pela Guera, manifestando-se em três vagas coincidentes

com os derradeiros confrontos militares (a partir de março de 1918),

seguidos do Armistício (novernbro) e das negociações para a paz (pri-meiros meses de l919). Nenhum dos conflitos bélicos deflagrados no

século xx, que envolveram nações à escala rnundial e surpreenderam

pela devastação, provocou tantos óbitos.

Erroneamente conhecida como <gripe espanhola>, devido às notí-cias publicadas na Imprensa daquele país - cuja neutralidade durante a

Primeira Guena Mundial isentou os jornais de censura, ao contrário dos

países beligerantes que cercearam a divulgação de informações sobre apandemia -, o vírus era à época desconhecido, o que dificultou o seu

combate, agravado pela falta de meios eficazes de assistência médica e

controlo sanitário das populações. O vírus transmitia-se por contactodireto com pessoas infetadas, através de espirros ou tosse, tinha umcurlo período de incubação (um a três dias) e exprimia-se por diversossintomas, desencadeando problemas respiratórios com implicações de

alto risco de vida para os contaminados. A Gripe propagou-se rapida-mente entre continentes e países em três vagas sucessivas: a primeira,na primavera de 1918, caracterizou-se por uma baixa mortalidade, ape-

sar de um elevado número de doentes; a segunda vaga, no outono de

1 9 1 8, foi extremamente letal; e uma terceira vaga, no inverno-primaverade 191 8- 1 919, que teve menor irnpacto.

Investigadores de diferentes nacionalidades, com formações acadé-

micas distintas, continuam hoje a analisar este surto de Gripe, colno, por

exemplo, o número de mortes e o perfil dos engripados ou as consequên-

cias sanitárias da pandemia. Do mesmo modo, continua a debater-se aorigem geográfica deste surto pandémico. No que respeita ao foco ini-

As estruturas hospitalares face à Gripe Pneumónica

Helena da Silva

t64

A domesticação da ameaça? Estratégias de gestão do risco

na Pneumónica..........Maria Luísa Litna

181

Notas biográficas 195

6 7

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cxrÁsrno¡'e s sn-ÊNCIo: A EpIDEMTA DA pNguMoutctptttroRTUGAL No sEU TEMpo E No ESpAÇo DA RECoRnnçÃo

JosÉ MnNuBr- Sonnnr

APNnuuó¡¡tcA)uMA EITDEMTA DEVASTADoRA NUM coNTrxro DE cRrsn

A epidemia de <gripe espanhola> (Spanish Flu) de 1918-1919 foi a

maior do século xx e, para alguns, a pandemia mais impoftante da Histó-ria da Humanidade. Todavia, reina ainda aincetteza quanto à amplitudeda mortalidade que provocou. Há quem defenda que teria provocado glo-balmente uns 30 milhões de vítimas (Phillips & Killingray 2003) e quem

pense que estas terão sido pelo menos 50 milhões (Honigsbaum 2019), ou

entre 50 a 100 milhões (Brown 2018), admitindo-se até que pudessem ser

o dobro desta estimativa (Johnson 2006). Recentemente calculou-se que

esta moftalidade, a ter ocorrido nos dias de hoje, corresponderia a algocomo entre 200 e 425 milhões de moftos (Honigsbaum20lS), o que dá

uma imagem expressiva do tipo de devastação que provocou.

As incertezas quanto à mortalidade também se repetem no caso

de Portugal. De acordo com estatísticas oficiais, teriam morrido perto de

56 000 pessoas apenas em 1918 - a que acresceriam um pouco maisde 3000 em 1919. No entanto, se se tivesse em conta o excesso de mor-tes provocado por doenças infeciosas habituais do aparelho respiratório,que incidiam agora sobre organismos enfraquecidos - e pensa-se que

isso ocorresse com doenças provocadas por bactérias, como a pneumo-

nia, mortal antes do advento dos antibióticos (Brown 2018, 59) -, ou porcausas desconhecidas, admitia-se que tivessem morrido bem mais de

100 000 (Correia 1938). Recentemente, o demógrafo Leston Bandeiraapontou - reportando-se ao continente e ao distrito de Ponta Delgada

- para mais de 130 000 mortos (Bandeira 2009). Acresce que a morta-lidade em Portugal terá sido das mais elevadas da Europa (Johnson e

Mueller 2002), superior mesmo à de países com mortalidade elevada

2l

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como a Espanha e aItâlia (Machado 1959). O seu impacto sobre a de-

mografia foi enonne, coln urta subida forlíssima da rnortalidade e umdeclínio da natalidade.

Há consenso quanto ao facto de a epidemia ter ceifado em toda a

pafte sobretudo os adultos jovens e não os muito jovens ou muito velhos,as vítimas habituais da <<influenza>> sazonal de inverno (Sobral et al.2009a,73-74). Mas este consenso não existe quanto à condição socialdas vítimas. Apandernia afetou todos os grupos sociais, dela tendo adoe-

cido o rei de Espanha, o presidente dos EUA, os prirneiros-ministros da

Alemanha, França e Grã-Bretanha. Seria uma epidemia que atingia todos

indiscriminadamente ou a moftalidade seria mais elevada entre os maispobres (Sobral et al. 2009a, 7 4-7 6)?

A discordância existente a nível global tarnbérn ocorre em Portugal.

O médico e professorAntónio de Almeida Garrett, encarregado do com-bate à pandemia no Norte, entendeu que todas as classes foram atingidaspor igual (Garett l9l9). Mas essa opinião não foipartilhada por outromédico e professor universitário poftuense, Joaquim Américo Pires de

Lima. Este, natural de Santo Tirso, uma zona onde coincidiam a ativi-dade agrícola e a industrial, encontrava-se aí durante a fase mais aguda

do sutto pandérnico, intervindo no combate ao flagelo. A sua opinião era

a de que os efeitos eram mais gravosos entre quem vivia em piores con-dições (Lima 1918). Esta era também, genericamente, a opinião do rné-

dico Costa Maia, expressa na sua tese de doutoramento apresentada à

universidade poftuense (Maia l9l 8), e a da principal autoridade rnédicaportuguesa, Ricardo Jorge. Este último naîta, num dos opúsculos maisimpoftantes que dedicou à Gripe, o sucedido novapor Moçambique,quetrazia 952 passageiros, militares e civis, daquela colónia para Portugal.Os passageiros viajavam em quatro classes. A mortalidade na 4.o classe,

na qual se encontravam mais de 500 soldados, foi superior a 30%. Nasrestantes, em que viajavam sargentos, oficiais e civis, de 7,ZYo. Factorevelador: não se registou qualquer óbito entre os oficiais (Jorge l9l9).Também se constatou que a rnortalidade foi comparativamente menornos centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde havia maiores recursos

rnédicos e sanitários do que no resto do continente, basicamente rural

- e mais pobre (Bandeira 2009).A epidemia desenrolou-se em Portugal, como em termos internacio-

nais (Werner 1962), em três vagas. A primeira, que eclodiu na primave-ra de 1918, manifestou-se inicialmente entre trabalhadores alentejanos

22

que haviam participado em trabalhos sazonais em Espanha - ceifas -expandindo-se depois para outros pontos do País, como Lisboa e Porto;

teve o seu ápice em junho de 1 9 1 8 e foi relativamente benigna. A segun-

da emergiu em agosto na zona do Porto, irradiando a partir daí para o

Minho e para o Douro, aparecendo também no Centro do País. A partir

de setembro, expandiu-se para o Sul até alcançar o Algarve em outubro.

Esta segund a v aga fo i particularmente mortífera, man ifestando-se com

uma violência sem paralelo tanto em relação a outras epidemias a que o

País estava habituado, como relativamente a surtos graves de ínfiuenza

anteriores, como o de 1889- I 890. Uma terceira vaga viria ainda a ocor-

rer em maio e junho de 1919, mas já sem o carácter devastador da ante-

rior (Jorge 2019; Sobral et aL.2009a,77-72).Ninguém estava preparado para este surto pandémico, nem em Por-

tugal, país agrícola pobre e periférico na Europa, nem noutros países,

sobretudo os do Norte, industrializados e com outros recursos rnédico-

-sanitários, onde, contudo, a mortalidade foi menor (Johnson e Mueller2002).4 velocidade de propagação da doença não deixava muito tempo

para ponderar as medidas de defesa. Tem de se ter em conta também que

não existia, ao tempo do surto, consenso médico quanto à identificaçãodo agente patogénico, que ocorria após décadas de triunfos da Medicina,na sequência do desenvolvimento da teoria dos germes por figuras comoPasteur, Koch e os seus discípulos (Werner 1962,18-19). Havia quem

apoiasse a explicação de Pfeiffer, de que se tratava de uma bactéria que

este identifi cara (Haemophilus influenzae), e havia quem - corretamen-

te - entendesse que se tratava de um vírus, como sucedeu corn RicardoJorge.

E,ste era um médico prestigiado, experimentado no combate às epi-demias, diretor-geral da Saúde, a quem o Governo de então confiou a

coordenação central do combate à doença. Ricardo Jorge cedo se mos-trou convicto de que se tratava de um vírus <filtrante>, isto é, um vírusque, por ser muito mais pequeno do que microrganismos como os baci-los e as bactérias, não era capturado pelos filtros de porcelana que reti-nham estes, não sendo observável através do microscópio ótico (Werner

1962,20). Este vírus - mais concretamente o subtipo H1N 1 do vírus A- e outros vírus da gripe só viriam a ser identificados décadas depois(Werner 1962, 19-61; Brown 2018, 36-41). Para Jorge, premonitoria-mente, só uma vacina seria eficaz no seu combate - ao menos em parte,

dado tratar-se de vírus mutantes, como hoje se sabe. As suas recomen-

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dações, por isso, eram sobretudo de ordem higiénica, de repouso, de

dieta, de recurso aos cuidados médicos e paliativos - (cama, dieta,tiza-nas e médico> (Sobral et a\.2009a,77) - e de isolamento dos contagia-dos, para que se evitasse a propagação. Todavia, se houve preocupação

etn fechar escolas, o Parlamento, proibir feiras, peregrinações e roma-rias, para evitar a propagação do contágio, não houve urna aplicaçãosisternática de medidas de isolamento - os transpoftes continuaram acircular, os teatros e as salas de cinema mantiveram-se em funcionamen-to, as igrejas estavam abertas ao público... - não só por o poder médico,

a começar pelo diretor-geral da Saúde, não acreditar na sua eficácia para

lidar corn o vírus, como por pensar que era melhor permitir o desenrolarda vida económica e social para não aurnentar o pânico (Jorge l9l9).Em outros locais, como nos EUA, sucedeu, aliás, algo de parecido (Brown2018,62-63). Note-se que, se a pandemia afetou todos os países em que

tocou, ela terá tido efeitos mais graves em Portugal- manifestos na sua

mortalidade elevada em termos comparados, pois encontrou um país

com carências estruturais em cuidados médicos e sanitários, agravadas

pela conjuntura específica da participação na Grande Guerra de l9l4--1918. O conflito teve grandes implicações no agravamento da situação

alimentar - falta e carestia do pão, nomeadamente - e no da prestação

de cuidados de saúde. E a completar este quadro de crise profunda,conflitos agudos de natureza política, cultural e social.

Comecemos pelas carências estruturais. Estas revelarn-se desde logono facto de só existirern hospitais públicos, que eralr os mais rnodernos,

nas três cidades em que havia ensino da Medicina: Lisboa, Porto e Coim-bra. E era em Lisboa que ficavam unidades especializadas colro o Real

Hospital das Crianças (criado ern 1882) e o do Rego (ern 1906), desti-nado ao combate às doenças infetocontagiosas. Era ainda a capital que

albergava um impoftante laboratório bacteriológico e os hospitais civis(1913) (Sobral et al. 2009a, 65-7 1).

A rnaioria dos hospitais do País -241 em25l - era propriedade das

Misericórdias. Os recursos destes estabelecimentos eram muito diferen-tes, estando os das cidades sedes de distrito muito mais bern apetrecha-

dos do que os das Misericórdias rurais, a avaliar pelo exemplo do hos-

pital de São Vicente da Beira, que deixou meslno de isentar os pobres

do pagamento das despesas de internamento por carência de recursos

(Prata e Teodoro 2011,76-89).Em 1920, havia em Portugal um médicopara cada 2338 habitantes e uma farmácia para cada 3825 - note-se a

24

desproporção na assistência médicâ entre esse tempo e a atualidade

e018), com um rnédico por 189 habitantes - no continente; nos Açores

e na Madeira o número de habitantes por médico é maior, mas inferior

a300.Háainda um farmacêutico por 750 habitantes no continente, pro-

porção mais elevada nas Ilhas (Pordata 2019). E esses números seriam

ainda inferiores, se ponderarmos os efeitos da mobilização, para o teatro

bélico - na Flandres, em Angola e em Moçambique -, de médicos, far-

macêuticos (Pita e Pereira 2014) e mesmo alunos finalistas de Medicina

(Araújo 2014).

À desigualdade ligada à assimetria na distribuição territorial dos re-

cursos acresce a desigualdade social, pois nos tempos anteriores à con-

ceção universalista subjacente ao Serviço Nacional de Saúde, os pobres

só podiam contar com os recursos da assistência caritativa das Miseri-

córdias e dos municípios - com os médicos do partido municipal. Só quem

tinha possibilidades podia recoruer à medicina de clínica livre, comercial

(Campos 1983). A isto haverá que acrescentar igualmente a carência de

estruturas adequadas a nível sanitário, como o abastecimento de água

potável e as redes de esgotos, a que acresciam os efeitos da pobreza

geral da população, maioritariamente rural - em 1918, dos 5 605 472

habitantes de Portugal Continental , só 676 107 viviam em Lisboa e no

Porto -, que se fazia sentir em dirnensões centrais das condições de vida,como a alimentação e a habitação. Os inquéritos à habitação rural, tidacomo insalubre e propiciadora do desenvolvimento de infeções, promo-vidos um quarto de século depois da epidemia, são um testemunho elo-quente da gravidade dessas carências (Sobral 2017).

Mau grado a direção do cornbate à epidemia ser centralizada no co-

missário Ricardo Jorge, que encabeçava uma estrutura de autoridade de

saúde hierarquizada, com os delegados de saúde a nível distrital e os

subdelegados no plano concelhio, articulados com as autoridades civis,e este ter uma ideia clara do perigo, isso não evitou a impotência e odesespero das populações e das autoridades locais, como se vê em algunsestudos publicados (Frada 1998; Girão 2003,2009} Da carência de tudoé testemunho eloquente a viagem de comboio do Presidente da Repú-blica ao Nofte, levando um auxílio composto por vinte sacas de açucar,trinta de arcoz e cinquenta cobertores (Sobral et aL. 2009a. 88-89)! Ca-

rência agravada pelas circunstâncias de guerra, traduzidas na falta de

géneros, como o pão, e o seu preço incomportável, que levam ao assal-

to a padarias e a grandes protestos contra a carestia de vida (Sobral e

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O srlÊNcro soBRE ¡ PNeuuóNrcl (NlcloNAL E A NÍvel rNrnnNlcrou.lI.) Mrttónta socIAL, Ivtntvlónn FAMILIAR? nnconnlçõns pÚsllcÄ.s E PRIVADAS

Lima 2018). Estas faltas, bem como a repressão dos protestos, terão

contribuído para afastar alguma parte da população de Sidónio Pais,

político qtre gozara, de início, do apoio dos que se opunham ao governo

da União Sagrada - republicanos conservadores, monárquicos, católi-cos, sindicalistas - que promovera a participação de Portugal na guerra.

Sidónio será mofto em dezembro, já depois da guerra cessada com oArmistício. Neste contexto, a epidernia, que nada parecia conter,

adicionou-se como flagelo maior aos outros sofrimentos que afligiam a

população.

A devastação causada pela epidemia não fez dela urn acontecimentoque perdurasse na recordação pública. Algurnas publicações médicas

irão referir-se a ela nas décadas seguintes (Correia 1938; Sampaio 1959),

mas é urn tópico pouco tratado. Não há menção do ocorrido no País nas

entradas sobre a gripe das duas grandes enciclopédias publicadas emPoftugal, a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e a Verbo,

Enc i c lopé dia Lus o - br a s i le ir a. Embor a fosse regu larmente mencionadanas histórias gerais portuguesas do período - e seja referida no artigo<epidemias>> do Dicionário de História de Portugai (Seruão 1965) -, a

epidemia não foi objeto de estudo durante muito tempo (Garnel 2009).

Só recentemente começou a suscitar a atenção de vários investigadores(Frada 1998,2005; Girão 2003; Sobral et al. 2009b,21-37).

Tarnbérn não se revelou um tema destacado no domínio da ficção -algumas das raras referências encontram-se no romance Os Reinegros(1972), de Alves Redol, ou num dos contos inseridos na coletânea de

Torga Novos Contos da Montanha Q9a\ -, e na memorialística, em

obras da autoria do poeta Arrnindo Rodrigues, do conhecido militanteanarco-sindicalista Emídio Santana ou do arquiteto Keil doAmaral,llrs-tórias à Margem de um Século de História (1970). Note-se que todoseles eram crianças no tempo da pandernia (Sobral et aL.2009b,21-371'Melo 2009).

A situação portuguesa nada tem de peculiar. A historiografia da <gri-pe espanhola> a nível internacional é relativamente recente, estando li-gada ao desenvolvimento da história da saúde e das doenças (EchevemiDávila 201 8) e os ecos que a pandemia deixou em obras de ficção - como

26

se vê nos casos norte-americano (Crosby 1976) ou britânico (Johnson

2006) - também são escassos, tendo em conta a magnitude do fenóme-

no. De facto, aobra pioneira de Crosby, Epidemic and Peace, tem pou-

co mais de 40 anos, e, em Espanha, a historiografia da pandernia

desenvolveu-se um pouco antes de Portugal (Porras-Gallo 1997 Eche-

verri Dávila 1993). Como assinalou Susan Sontag, há uma amnésia qua-

se total em torno da pandemia (Sontag 1977)' Nas páginas que se se-

gLtem) procuramos aprofundar a análise dos processos ligados ao

esquecimento público da Pneumónica.

Como afirmou o sociólogo Maurice Halbwachs, numa obra fundado-

ra dos estudos da memória social ou coletiva, esta não é uma simples

sobrevivência do passado no presente, mas uma (reconstrução do pas-

sado> feita no presente (Halbwachs,1925l1994, 84-113). Isso náo laz

dela uma criação arbitrária, pois o próprio passado levanta limites às

manipulações de que pode ser objeto quando se trata da produção da

memória (Olick e Robbins 199S). É, de qualquer modo, um processo

dependente de contextos e da ação de coletivos muito variados, os (qua-

dros sociais da memória> (Halbwachs 192511994), as <comunidades

mnemónicas> (Zerubavel 1996) ou as (comunidades da memória> (Mis-

ztal2003), como a família, o lugar de trabalho, o grupo religioso ou

étnico-nacional.Estas comunidades não têm a mesma importância. O espaço público

é há séculos historicamente dominado pelo Estado, uma agência de pro-

dução de um passado coletivo de importância crucial. Basta pensar no

papel da escola pública na difusão de uma narrativa histórica nacional,

na toponímia, na nacionalização do espaço - povoando-o com monu-

mentos, como os Jerónimos ou a Batalha, em Poftugal, ou conferindoum simbolismo nacionalista a lugares como Sagres - e do tempo, por

via das comemorações dos feriados nacionais, para entender a impor-

tância do Estado na produção de uma memória coletiva. A família, em

contrapartida, com a exceção parcial dos grupos dominantes, constituiuma comunidade de memória cujo âmbito é muito restrito. Só as classes

dominantes puderam deixar traços materiais relevantes da sua existência

- casas e palácios - ou procuraram edificar monumentos que os exaltas-

21

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sem - panteões e sepulturas familiares -, e ffresmo, através de memórias

familiares, difundiram publicamente uma representação da sua história.

Mesmo assirn, a memória destes grupos não se compara com a promo-vida pelas diversas agências do Estado. A memória da rnaioria assenta

na oralidade, collì todas as fragilidades que lhe são inerentes enquantorneio de comunicação (Fisher 2012).

Há que ter em conta, igualmente, que existem modos diferentes de

recordar. Há um modo de recordar (monulnel'ìtal>, que é o próprio dos

Estados triunfantes e das suas elites de governo, que canoniza os atos

dos indivíduos collìo parte de um telos (objetivo) heroico e progressivo

comemorado na pedra, em histórias oficiais e numa alta cultura pública.

Através do reconhecimento de feitos alcançados, ultrapassa sentimentos

de luto, perda e transitoriedade. E existe, no polo oposto, um modo de

recordar <traumático)), que é próprio da cultura subrnergida dos subal-

ternos. Sem acesso a uma esfera pública, é perpetuado por evocações

repetidas e através de redes familiares, de parentesco ou de redes infor-mais (Leerssen 2001). Esta distinção revela-se útil para compreendermos

o enorme contraste entre a recordação da Grande Guerra e o silêncio que

rodeia a <<Pneumónica>.

O coNrR¡,srr coM a upruóRra o¡. GR¡.NoB Gu¡nna

O contraste na recordação entre estes eventos é incomensurável. São

muito raros os monumentos às vítimas da epidemia, enquanto os dedi-

cados aos moftos no conflito proliferam nos Estados envolvidos na Gran-

de Guerra, ligada que está a unìa enonne intensificação do culto da

memória, já existente anteriormente (Winter 2006). Ernbora a celebração

dos que morreram pelapártria seja antiga, é a partir do século xrx, com

a generalização de conflitos na Europa - colno as guerras napoleónicas

- que se assiste à proliferação de monumentos em espaços públicos que

lhes são dedicados. Os Estados desempenharam um papel fundamental

nestes processos de construção da recordação através da criação de

feriados nacionais e da implantação de memoriais no centro das capitaise das principais cidades, colno o Arco do Triunfo e a Madalena, emParis, que celebram glórias napoleónicas, a praça de Trafalgar coln acoluna de Nelson, que comemora a batalha naval que cimentou a supre-

macia britânica nos mares, e o memorial de Kreuzberg, em Berlim, que

28

exalta a resistência prussiana aos exércitos napoleónicos (Hutchinson

2017,62).Como se afirmou numa das primeiras obras dedicadas ao tema, a

comemoração tornou-se uma preocupação universal depois da Grande

Guerra de l9l4-1918 (Winter 1995 120141,28), época que assistiu, aliás,

àrevitalização do tópico, vindo daAntiguidade romana, do <<morrerpela

oëúria>> (Pro parria mori) (Kantorowicz I 951). Com a guerra, cemitérios

e memoriais tornam-se locais de lamentação para as nações (Mosse

lgg0), comemorando-se o <sacrifício demótico> nos monumentos ao

Soldado Desconhecido (Hutchinson 2017,63), que celebravam não he-

róis singulares, mas todos aqueles que tinham sofrido pela nação, con-

ferindo um sentido à sua morte. Mas estas iniciativas de construção de

uma recordação não se limitavam ao Estado e às suas agências. Tâmbém

dependeram da iniciativa dos particulares, como as famílias dos soldados

mortos, as suas localidades, as suas associações; são estes quem quer

recuperar os corpos dos soldados para os honrar e, através do luto, po-

derem lidar com a perda e encontrar um sentido para <seguir adiante>

(Winter 1995 l20l4l, 1 15).

Em Portugal, o esforço rememorativo não coube igualmente apenas

ao Estado, a nível central ou municipal, mas também a associações, al-gumas das quais ativas no próprio apoio à intervenção pottuguesa, como

a Junta Patriótica do Norte, sediada no Porto, e a Comissão dos Padrões

da Grande Guerra (CPGG) (Correia 2015,242-243,420-450). Esta úl-tima, criada posteriormente ao conflito (1921) por um grupo de antigos

combatentes presidido pelo general Gomes da Costa, viria a ser respon-

sável pela organização das comemorações do 9 deAbril - data da Batalha

de La Lys, em que se registou o maior número de baixas portuguesas - e

do I I de Novembro, o dia do Armistício, bem como pela edificação de

diversos monumentos (padrões) e romagens a cemitérios (CPGG 193 I ).A Liga dos Combatentes da Grande Guerra, ofrcializada em 1924, seriaa mais importante destas organizações, tendo-se distinguido no esforçorememorativo. Em Portugal, muitas sedes de concelho terão os seus

monumentos aos mortos da Grande Guerra desde o final da década de

1920,o mesmo ocorrendo em outros locais do antigo Império Português.

O monumento nacional aos mortos da Grande Guerra será inauguradoem 1931 (Correia 2015,459,439). Entretanto, o Governo promove, em192I,à imagem do sucedido um ano antes em Londres na abadia de

Westminster e em Paris sob o Arco de Triunfo, a sepultura num edifício

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marcado pelo simbolismo nacional - o mosteiro de Santa Maria da Vi-tória, erguido na Batalha para celebrar a vitória portuguesa sobre os

castelhanos ern Aljubarrota - dos dois Soldados Desconhecidos prove-nientes da Flandres e de Moçambique (Correia2015,3l7). Ainda hojelá perdura, acesa, a <<chama da pátria>.

Uma outra dimensão do processo memorialístico expressa-se nos

monumentos funerários. A construção de cemitérios inicia-se ainda du-rante o conflito e em l9l8 havia rnilhares de cemitérios construídos adhoc no norte da França e na Flandres, bem como em outros locais, mais

tarde reorganizados (Winter 1995 120141,23).Conta-se entre estes o

cemitério português de Richebourg, onde se encontram sepultados per-

to de 2000 mortos, ligado à ação da Cornissão Portuguesa das Sepulturas

de Guerra, fonnada ern 1919 (Correia 2015,393-403).Em Portugal não haverá cernitérios exclusivos de combatentes, mas

serão criados espaços específicos nos cemitérios - os talhões dos com-

batentes da Grande Guerra -, que tambérn virão a servir para os enterros

de conflitos posteriores (Guerra Colonial). Destes, o mais irnportante é

o rronunìento com ossário existente no cemitério do Alto de São João,

em Lisboa, onde se encontram também sepultados importantes chefes

rnilitares (Correia 201 5, 404-405).Todavia, as práticas memorialísticas não se esgotam nestes <lugares

da memória>. São renovadas através de comemorações que marcam o

calendário anual, colno o <<Remembrance Sunday>, iniciado ern 1919 no

Reino Unido e que tem lugar anualmente no domingo rnais próximo da

data do Armistício, 1l de novembro. Há homenagens em memoriaisdispersos por todo o país e um toque de silêncio em memória dos moftos

fazparar todas as atividades às 11 horas. Ern Portugal, comemora-se a

Batalha de La Lys (9 de abril de 191 8), durante a qual uma divisão por-tuguesa foi destroçada por uma força alemã muito superior, tendo os

portugueses sofrido baixas avultadas.O que se faz nesta matéria em Portugal obedece a urn figurino inter-

nacionalem que as iniciativas dosAliados servem de modelo. E estarão

longe de assumir o mesmo sentido para todos, argumentando-se que

comenìorações como a do <9 de Abril> serão marcadas, nos seus inícios,pelo protesto de combatentes e pelo antimilitarislno, em contraste com

a atitude do Estado (Correia 2015,331). Apesar disso, a Grande Guerra

de 1914-1918, identificada iniciahnente com os republicanos afetos à

União Sagrada, tornou-se, ao longo das décadas, um acontecimento

30

rrraior do memorialismo oficial, inscrito na toponímia, nos monumentos

e nos cemitérios. Através da ação da Liga dos Combatentes, afticulou-se

a produção da memória desse conflito, em que tarnbém se combateu pelo

lmpério. com a da Guerra Colonial que desencadeou o seu fim (Liga dos

Combatentes,2019)'Note-se também que o maior desfile militar portu-

guês contemporâneo teve lugar em 4 de dezembro de 2018, comemo-

iando o Centenário do Armistício que pôs fim à guerra.

Mas podemos falar de outras formas de memorizaçáo da guerra,

como a que foi inscrita nos corpos, memória incorporada ou memória-

-hëbito, involuntária e inconsciente (Connerton 1989): a dos mutilados

de guerra ou das vítimas do PTSD, a síndrome do slress pós-traumático,

primeiro diagnosticado como <<shell-shocfr> no decurso da Grande Guer-

ra (Winter 2006,55-61). O passado associado ao conflito prolongou-se,

aliás, no presente através de diversos hábitos que passaram a ser quoti-

dianos, sem que persistisse a memória dessa conexão. Neles se inclui o

uso do relógio de pulso, que teria sido primeiro uma moda das trinchei-

ras, até hábitos culinários: os ovos estrelados com batata frita tornaram-

-se populares nessa época na Grã-Bretanha, substituindo o bife e o bacon

(Fussell 197512013,341-345). E - dado extremamente importante - a

recordação perpetua-se igualmente na historiografia sobre o evento, que

é vasta - incluindo obras específicas sobre práticas memorialísticas(Fussell 197512013, Winter 1995 120141,2006, Mosse 1990) -, em par-

ticular nos países mais implicados no conflito, e também em Poftugal,

onde se publicou recentemente uma obra de historiografia sobre a pro-

dução de memória ligada ao conflito (Correia 2015).

Exelrcaçõns PARA o srI-ÊNclo

A relação entre conflito bélico e pandemia foi evocada por um dos pri-meiros historiadores desta, para quem a proximidade da Grande Guena

contribuiu para a menorização do surto pandémico (Crosby 198912003).

Ao contrário da Grande Guerra, faltam dispositivos mnemónicos ligados

à epidemia que contribuam para manter viva a sua recordação no presente.

Também em contraste com as guerras, que são fatores importantes

da identidade nacional, por consolidarem um sentido de pertença cole-tiva fundado na hostilidade a um inimigo comum (Hutchinson2017) -como ocorre nas guerras de independência ou de libertação nacional-,

3l

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a pandemia, que não reconhece fronteiras, não pode ser integrada ern

nenhuma narrativa de identificação nacional.Hâ,por isso, grandes dife-

renças entre o que ocorre coln uffra pandemia e o que sucede no caso de

traumas ligados a conflitos que afetam coletivos etno-nacionais, como

a destruição do Templo de Jerusalém pelos Romanos, o Holocausto an-

tijudeu, o genocídio arménio perpetrado pelos Turcos, ou a Nakba, a

tragédia dos Palestinianos forçados a paftir da sua terra após a sua der-

rota pelos Israelitas ern 1948. Estes eventos constituem narrativas fun-

dadoras de sentimentos de identificação nacional.

A epidernia foi marcada, aliás, por fracassos, que não convidavam a

qualquer celebração. Desde logo, o da ciência médica, que desde o tem-

po das descobertas de Pasteur e Koch vinha registando grandes sucessos

no domínio do combate às doenças infeciosas (Fisher 2012,17). Fracas-

so também do Estado, pois a rnodernidade ansiada não encontrava cor-

respondência na assistência médica e hospitalar existente e no estado

sanitário do País.

Para o silêncio que envolveu a pandemia tarnbérn terá contribuído o

facto de esta, enquanto doença, ser algo de banal (Quinn 2008), pois,

mau grado a sua violência excecional, ela inscrevia-se num contexto em

que as epidemias - tifo exantemático, cólera, difteria, etc. - e a tubercu-

lose eram uma presença constante na experiência social.

Sendo a memória, ou recordação, utn processo social (Winter 2006),

não houve agentes envolvidos - Estado, famílias, localidades, grupos,

como a Liga dos Combatentes (os <quadros sociais da rnemória> de que

falavaHalbwachs) - na construção e reprodução de uma recordação pú-

blica da pandernia. Serão raras as inscrições ou monumentos dedicados

a epidemias relativamente recentes - ao contrário, por exemplo, de me-

rnoriais dedicados à peste bubónica, os mais impoftantes dos quais são

as colunas erguidas nos séculos xul e xvIII no Sacro Império Romano-

-Germânico; alusivas à peste bubónica, evocam as vítimas, os santos

patronos e, em última instância, o triunfo da fé cristã sobre o rnal epidé-

rnico (Alves e Tubino 2017).4 recordação da pandemia não vive, assim,

na memória pública, mas na memória familiar e individual, no privado e

na oralidade; não há suportes materiais, a começar pela escrita, que tor-

nem possível a existência e reprodução de uma memória externa.

Assinalámos anteriormente a distinção - em termos de <tipos ideais>

- entre o modo de recordar monumental e o traumático. A memória da

epidemia inscreve-se neste último, como se revela no testemunho rarís-

32

simo do poeta Armindo Rodrigues, ao evocar o pai morto pela <Pneu-

rnonica>>, muitas décadas passadas sobre o acontecimento:

O meu pai não morreu nesse dia [21 de dezembro, dia do funeral de

Sidónio]. Morreria no dia de Natal. Teve uma agonia demorada e penosa.

A um mês de se completarem, pois que estamos em novembro de 1984,

sessenta e seis anos da mofte dele, cuido sentir-lhe o arquejo aflito e ver-lhe

os olhos ternos e baços, fitos nos meus, atónitos e impotentes. (Rodrigues

1998,82-83)

Acn¡osclN,IENTos

Este trabalho baseou-se, em larga medida, na pesquisa levada a cabo

no âmbito do projeto <Gripe pneumónica em Portugal: Gestão de risco

e saúrde púrblica no Portqgal da Primeira República>>, financiado pela

Fundação para Ciência e Tecnologia (Projeto POCI/HCT/6071812004),

realizado por uma equipa formada, além do autor, por Maria Luísa Lima,Paula Castro e Paulo Silveira e Sousa. Esta pesquisa esteve na origemdo livro A Pandemia Esquecida: Olhares comparados sobre a pneumó-nica (lmprensa de Ciências Sociais, 2009).

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