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Confissões de um turista profissional

 · diretor de redação da revista Viagem e Turismo, do Guia Quatro Rodas e do portal Viajeaqui, ... É um sinal de esquizofrenia, para dizer o mínimo. ... de suas maiores bandeiras

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Confissões de

um turista profissional

Kiko Nogueira

Confissões de

um turista profissional

Tudo o que você sempre quis saber sobre viagens e nunca teve

coragem de perguntar

Índice para catálogo sistemático:1. Crônicas : Literatura brasileira 869.93

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Rua Dr. Hugo Fortes, 1885 – Parque Industrial Lagoinha14095-260 – Ribeirão Preto – SPwww.editoranovoconceito.com.br

Copyright © 2011 Editora Novo ConceitoTodos os direitos reservados.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer meio, seja este eletrônico, mecânico de

fotocópia, sem permissão por escrito da Editora.

1ª Impressão - 2011

Produção EditorialEquipe Novo Conceito

Revisão de Texto: Maria Dolores D. Sierra Mata e Márcio Fabiano Monteiro

Diagramação: Studio SpotlightIlustração: Tchelo Nogueira

Capa: Esper Leon

Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa

Nogueira, Kiko

Confissões de um turista profissional : tudo o que você sempre quis saber sobre viagens e nunca teve coragem de perguntar / Kiko Nogueira. --

Ribeirão Preto, SP : Novo Conceito Editora, 2011.

ISBN 978-85-63219-43-5

1. Crônicas 2. Turismo 3. Turistas 4. Viagens

I. Título.

11-10203 CDD-869.93

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Kiko Nogueira

Apresentação

Matérias de viagem podem ser um desfile interminável de clichês. De Nova York à

Tunísia, de Cuba a Cancún, do Haiti a Paris — tudo é divino, maravilhoso.

Em busca de uma certa verdade, o jornalista Kiko Nogueira, ex-diretor de redação da revista Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas criou a coluna O Turista Razoável, assinando como Jota Pinto Fernandes, seu pseudônimo.

Jota Pinto acha que nem toda praia do Nordeste ou do Caribe é um paraíso e nem toda natureza é exuberante. Paraíso, aliás, é o lugar para onde você vai quando morre, se der sorte e, ainda, se morrer. Pousadas com “charme, requinte e sofisticação” não existem. Ou,

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se existem, são todas do Amaury Júnior. “Casinhas incrustadas (ou encravadas, tanto faz) na montanha” já cansaram. Na sua opinião, é preciso cuidado com as paisagens, principalmente a “paisagem deslumbrante”, a “paisagem de cartão-postal”, a “paisagem de cair o queixo” e a “paisagem de tirar o fôlego”.

Jota Pinto acha que Dubai é uma miragem tirada de uma loja de abajures do centro de São Paulo, que pousadas românticas as quais não aceitam crianças são racistas e que os paulistas estão para o Brasil assim como os americanos estão para o mundo. Não é mau humor. É aquilo que você não tem coragem de dizer quando seus amigos voltam de Orlando e o chamam para ver as fotos e o filminho.

Esta coletânea traz as crônicas de Jota Pinto/Kiko sobre o mundo. Um mundo que, nas reportagens e jornais de turismo, é cor-de-rosa. Mas que, na vida real, pode ser melhor.

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Sobre o autor

Kiko Nogueira é jornalista, filho e irmão de jornalistas. Nasceu em São Paulo. Foi

repórter e editor da revista Veja São Paulo. Atuou como diretor de redação da revista Viagem e Turismo, do Guia Quatro Rodas e do portal Viajeaqui, da Editora Abril. Atualmente dirige a revista ALFA. Tem dois filhos, Davi e Antônio, que andam sempre com o passaporte em dia. Seu alter ego é o mineiro de profissão, Jota Pinto Fernandes. Fumante. Heterossexual, com uma escorregada em Paris, nos anos de 1970. Ex-militante da organização terrorista Var-Palmares. Fundador, com Carlinhos de Jesus, da Academia de Dança Acadêmicos da Profilaxia. Reúne 253 destinos e alguns desatinos carimbados em seu passaporte. Casado em quintas núpcias com uma prima bem mais nova.

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PrefácioSeparados no nascimento

Apesar de Kiko e Jota Pinto se parecerem um pouco fisicamente e andarem tão juntos que já são quase uma coisa só (os dois tem a mania insuportável de fazer uma vozinha macabra e fina que geme histericamente quando alguém conta algo tedioso), a maneira como conheci o primeiro é completamente diferente da maneira como conheci o segundo.

O Kiko, eu conheci num bar da Vila Madalena, há uns sete anos. Ele é primo de um amigo do amigo de um ex-namorado meu, que na época não era nada meu e nem estava na mesa porque eu ainda namorava o primo dele, que não era amigo de ninguém. Acho que é isso. Falei que eu escrevia e o Kiko se interessou em ler alguma coisa, daí mandei alguns textos e ele adorou. Começamos a trocar uns e-mails e nunca mais paramos. Hoje temos uma linda amizade (intelectual, espiritual, fraternal) e um dá muita força pro outro: ele publica tudo o que eu escrevo e eu falo que ele aparenta ter 28 anos.

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Já com o Jota Pinto a coisa se “deu” completamente diferente. Nós nos conhecemos numa balada da Vila Madalena, há uns sete anos. Ele é amigo de um primo do amigo de um ex-amigo meu, que na época era namorado, mas que nem estava na mesa porque eu o estava chifrando com o seu melhor amigo, que não era primo de ninguém. Acho que é isso. Falei que eu escrevia e o Jota Pinto se interessou em ler alguma coisa, daí mandei um material e ele achou tudo uma grande droga. Começamos a trocar uns e-mails nos xingando e nunca mais paramos. Hoje nutrimos um ódio especial um pelo outro (intelectual, espiritual, fraternal) e no que podemos atrapalhar a vida um do outro, atrapalhamos: ele não publica quase nada do que eu escrevo e eu simplesmente falo a verdade.

Os dois são pessoas incríveis, sem as quais a vida não teria a menor graça. E muito menos este livro.

Tati Bernardi

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Ráu mãtch?O Rio iniciou um curso de inglês para prostitutas, por

causa do Pan. Isso é que é investir no turismo.

Bonito isso. Os controladores de voo, aqueles que estão sendo satanizados como

responsáveis pelo caos nos aeroportos, não sabem falar inglês. Mas as prostitutas da Vila Mimosa, no Rio, logo estarão falando. Um professor ligado a uma ONG deu aulas para um grupo de 20 garotas, com vistas ao aumento da demanda causado pelo Pan. Hoje, calcula-se que as 3.500 moças do bairro atendam cerca de 120 mil homens por mês. A Secretaria do Estado de Ciência e Tecnologia, que encampou o projeto, planejava incluir o espanhol no currículo.

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É um sinal de esquizofrenia, para dizer o mínimo. A ministra na época, Marta Suplicy, sinalizou que uma de suas maiores bandeiras seria o combate ao turismo sexual. Então, como é que, no cartão-postal do país, as profissionais são treinadas para atender melhor? Fico pensando em como serão as aulas. “Hello, mister tourist”. “Do you want to make love to me?”; “I’ll make a good price for you”; “Do you want me to... or do you prefer if I...?”

É impressionante como banalizamos as coisas. Se o Rio não quer ser conhecido como um paraíso para quem procura samba, caipirinha e sexo fácil com meninas pobres, tomamos o caminho errado. Ou deveríamos estender essa iniciativa a outros “setores” da “comunidade”. Por exemplo, os camelôs. E, já que a procura dos visitantes é grande, não custa nada, também, ensinar noções de inglês aos traficantes. O problema ia ser traduzir termos técnicos como “papelote de pó”.

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Ó o auê aí, ó!Uma oração em favor do sossego e do silêncio

nas praias. Coisas em extinção.

Não sei de onde veio a ideia de que praia é sinônimo de barulho e desassossego. Isso

deve ter vindo de algum anúncio de cerveja. Hoje, cidades como Porto Seguro se orgulham de ter, por exemplo, uma rua chamada Passarela do Álcool. É muita falta de noção. A grande culpada pela poluição sonora é uma instituição que, no início, lembrava um bangalozinho de madeira, com um dono chamado Zé ou Cafu, que jogava bola nos fins de tarde e servia duas coisas: camarão frito e caipirinha. Isso, se o Zé ou o Cafu não estivessem bêbados demais.

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Falo das barracas, atualmente, complexos de diversão com axé, forró, cerveja quente e multidões sedentas de sei lá o quê. A Avenida Zezé Diogo, na Praia do Futuro, em Fortaleza, é o símbolo supremo desse modo de encarar a vida. Nada contra quem curte essas coisas. O problema é que a Praia do Futuro e outras, que têm barracas a dar com pau, jamais poderá ser visitada por quem não gosta de barulheira.

Haverá o dia em que a patrulha do Decibel Zero irá multar os barraqueiros e obrigá-los a ouvir Ivete Sangalo no iPod. E, então, sentiremo-nos como os franceses chegando à Baía de Guanabara no século 16: “Voilà! Que bom lugar para descansar os ossos”.

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Os americanos do BrasilO que querem os turistas de São Paulo?

Os turistas americanos são vítimas de um tipo de preconceito difundido mundo afora. Eles

são, segundo crê muita gente, arrogantes; mal-educados; brancos demais; altos demais; monoglotas demais; eles vestem bermuda e camisa florida; elas usam tênis e tailleurs. Às vezes, encarregam-se de confirmar essa ideia. Via de regra, é um estereótipo. E nós pensamos, quando eles se acomodam ao nosso lado, naquele café em Paris, naquela igreja na Espanha ou naquele bar em Los Angeles: por que eles são assim? E a resposta imediata, dita ou não em voz alta: porque eles são ricos.

Como diz o dramaturgo George Bernard Shaw, as classificações cruas e as falsas generalizações são a maldição da vida organizada. Ok. Mas me ocorre um paralelo com

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outro personagem, que exerce um papel parecido, só que no Brasil: o paulista. Quem já não viu um paulista, naquele restaurante em Salvador, reclamar que o serviço está lento? Ou aparecer naquele boteco do Rio de Janeiro e começar uma conversa, em voz alta, sobre a relação entre a decadência do velho balneário e o fato de os cariocas não saírem da praia? Ou ligar para a recepção da pousada, reclamando em altos brados, porque aquele suco de açaí, pedido 15 minutos antes, não chegou ao quarto. Uma vez eu ouvi um sujeito dizer: “Sabe com quem você está falando? Com a locomotiva do Brasil! Na minha terra não tem disso, não”.

O paulista carrega dentro de si a responsabilidade inata de pertencer ao Estado mais rico do país. O lugar onde ninguém tem tempo para outra coisa que não o trabalho. E onde tudo funciona (sei...). Descemos do avião no timing do trânsito no rush, ainda com a reunião na cabeça — e uma tremenda culpa na consciência, diga-se. A garçonete demorou a nos atender? Em São Paulo, isso não aconteceria. O vendedor de coco não tem troco? Em São Paulo, isso não aconteceria. O tempo está fechado e o mar está sujo? Em São Paulo, isso não aconteceria.

Para quem está recebendo os paulistas, fica aquela pergunta: por que eles são assim? A resposta: porque nós somos ricos. Os paulistas estão para o Brasil como os americanos para o mundo.

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Made in Brazil

Vai aí uma pecinha de legítimo artesanato local, feito por locais que não podem ser localizados? Não, obrigado...

Em todo o Brasil, principalmente no Nor-deste, há um artigo que é supervalorizado.

Trata-se do artesanato. Vendido como “produto típico da região”, “feito por gente da região”, esse negócio movimenta milhões. Claro que tem gente séria metida nisso. Mas existe também uma indústria que fatura em cima dos incautos, apelando para aquela vaga noção de “brasilidade” — a qual, naturalmente, varia de Brasil para Brasil.

Os governos adoram dizer que investem nisso. Em feiras de turismo, há gigantescos estandes com badulaques assinados por “comunidades ribeirinhas” ou “tribos indígenas”. Não é fácil distinguir a coisa boa da vagabunda.

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Você, provavelmente, já comprou das duas. Mas o produto de segunda vai ficar para sempre em seu coração.

Uma lista de arrependimentos clássicos: cadeirinhas de rede para varanda que você adquire e só depois se lembra de que não tem varanda; legítimas redes cearenses, as quais irão para o sítio que você ainda vai comprar; almofadas de renda que não combinam com sua sala, com sua Tv e com São Paulo. E isso não é só no Brasil, façamos justiça: quem já foi ao México e não voltou com miniaturas de deuses astecas, ou ao Egito e não trouxe essência de perfumes fedidos e legítimos papiros, nunca viajou.

O “artesanato local” não é um valor em si. Tem o bom e o ruim. Aquele que é feito com seriedade e o outro, feito para enganar turista. Mas de uma coisa você pode ter certeza: in loco, inspirado por forças indefiníveis como a brasilidade, a febre amarela ou a insolação, você vai optar pelo pior.

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Viva a rua Javari, meu!   Como um bairro de imigrantes italianos virou

um point turístico, em São Paulo, sem qualquer marketing ou coisa parecida.

Você conhece a rua Javari? Se não gosta de futebol, aposto que não. Quem me falou

do lugar foi o repórter Pedro Henrique Araújo, sujeito antenado como o diabo, apesar do bigode. A rua Javari fica na Mooca, em São Paulo, um dos bairros mais antigos da cidade, marcado principalmente pela imigração italiana. Não é charmoso, não é descolado, não é chique, não é... nada. Nada de especial. Um local de operários. Mas tem uma coisa que falta a muitos pedaços. Personalidade.

Isso é difícil de traduzir. A Mooca não aparece em novela da Globo e nunca será cool ou hypada. Graças ao bom Dio. Seus moradores usam camisetas com os dizeres “Sou da Mooca”. E daí? Bom, daí que é melhor não mexer com eles.