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Página 01 EDITORA VOZES LEITURA CRÍTICO – COMPREENSIVA ARTIGO A ARTIGO 14ª Edição MOACI ALVES CARNEIRO Página 02 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Carneiro, Moaci Alves LDB fácil : leitura crítico-compreensiva : artigo a artigo / Moaci Alves Carneiro. 14. ed. - Petrópolis, RJ : Vozes, 2007. Bibliografia. ISBN 978-85-326-1966-2 1. Educação - Leis e legislação - Brasil l. Título. 98-0243 CDD-370.2681 ______________________________________________________________ Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Leis: Educação 370.2681 2. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Brasil 370.2681

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  • Pgina 01 EDITORA VOZES

    LEITURA CRTICO COMPREENSIVA ARTIGO A ARTIGO

    14 Edio MOACI ALVES CARNEIRO

    Pgina 02

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Carneiro, Moaci Alves LDB fcil : leitura crtico-compreensiva : artigo a artigo / Moaci Alves Carneiro.

    14. ed. - Petrpolis, RJ : Vozes, 2007.

    Bibliografia.

    ISBN 978-85-326-1966-2

    1. Educao - Leis e legislao - Brasil l. Ttulo. 98-0243 CDD-370.2681

    ______________________________________________________________

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Brasil: Leis: Educao 370.2681

    2. Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional: Brasil 370.2681

  • Pgina 03 Moaci Alves Carneiro

    LDB FCIL Leitura Crtico-compreensiva artigo a artigo

    EDITORA VOZES

    Petrpolis

    Pgina 04 1997, Editora Vozes Ltda.

    Rua Frei Lus, 100 25689-900 Petrpolis, RJ

    Internet: http://www.vozes.com.br

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poder ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrnico ou mecnico, incluindo fotocpia e gravao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permisso escrita da Editora.

    Capa: Josiane Furiati

    ISBN 978-85-326-1966-2

    Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.

  • Pgina 05 Quase uma dedicatria ...

    Para os que sonham,

    Pois, sem esperana, a vida no existe ...

    Para os que olham o horizonte,

    Pois, sem futuro, no h aprendizagem ...

    Para os que acreditam,

    Pois, sem f, no h construo ...

    Para os que semeiam,

    Pois, sem plantao, nada vai brotar ...

    Para os que trabalham,

    Pois s se descansa depois da criao ...

    Para os que lutam por uma escola-cidad, Pois, sem educao, fica distante o amanh ...

    Para os despossudos e plebeus,

    Pois, sem eles, como entender a riqueza de Deus? Pgina 06___________ Pgina em branco no original.

    Pgina 07 Sumrio

    Prefcio, 9

    Nota do Autor Quarta Edio, 11

    Nota do Autor dcima primeira edio, 12

    Introduo, 13

    Breve Histria das Leis Bsicas da Educao Nacional, 1 7

    Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, 31

    Anexos, 209

    Bibliografia, 231

    Pgina 08_____________ Pgina em branco no original.

  • Pgina 09

    Prefcio

    A educao brasileira vive um clima de intensa efervescncia depois de um quarto de sculo, em que o Pas conviveu com uma legislao educacional ortodoxa e contraditria no seu processo de formulao. Ortodoxa pois inteiramente pautada por amarraes que lhe impossibilitavam a mnima flexibilidade na organizao. Nada traduz melhor este formato travado do que a ideia de grade curricular. Contraditria, pois a Lei da Reforma Universitria, antecedendo a Lei da Reforma do Ensino de 19 e 2- graus, fraturou a lgica dos ordenamentos jurdicos da educao.

    Ao longo deste perodo, o mundo foi varrido por mudanas profundas. A revoluo cientfica e tecnolgica, enquanto fato global, mudou os paradigmas de produo e transformou, radicalmente, o cotidiano das pessoas. A rpida evoluo nos padres de comunicao e a aplicao universal da informtica geraram um formidvel impacto sobre a produo e circulao de bens. Mudaram os conceitos de espao e tempo e, portanto, tambm, de aprendizagem. Lanava-se, desta forma, um grande desafio ao aparelho escolar.

    Na perspectiva da construo do saber, da ideia estanque de contedo aprendido, evoluiu-se para a noo de capacidade para a inovao. Em decorrncia, a educao era instada a buscar novos paradigmas capazes de preparar trabalhadores com alta qualificao, ntimos de tecnologias nascentes. Aprender a lio passou a ser pensar, criar, imaginar e, no, memorizar apenas.

    No horizonte deste "tempo novo", o Ministrio da Educao tomou uma srie de providncias para conferir, educao brasileira, as condies necessrias s mudanas, a partir de uma legislao alicerada em quatro grandes eixos: i) descentralizao da gesto educacional; ii) democratizao e flexibilizao do sistema nacional de educao; iii) garantia de insumos bsicos a fim de se oferecer, de fato, uma educao de qualidade; iv) desenvolvimento de um robusto sistema de avaliao, capaz de conferir o adequado acompa-nhamento dos processos educacionais. As iniciativas para as mudanas dos

    Pgina 10 marcos normativos se sucederam, comeando com a Emenda Constitucional n 14, que criou o Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio at a promulgao da Lei 9.394/96 e legislao decorrente.

    A nova LDB surge, assim, como o clmax desta ao poltica. Sancionada em dezembro de 1 996, a Lei Darcy Ribeiro resultou de uma gestao penosa em que a figura polmica do Relator nem sempre foi bem compreendida. Mas sua contribuio foi inquestionvel. Apresentou um substitutivo com duas qualidades essenciais: parcimnia e congruncia. Neste sentido, pode-se dizer que o corpo do texto no pequeno, mas adequado. Por definio, a LDB deve conter princpios e diretrizes e, no, casusmos.

    O texto da 9.394/96 oferece um espao de flexibilidade para que os sistemas de ensino operem, criativamente, os seus ordenamentos. A Lei respalda a prtica da autonomia pedaggica e administrativa e de gesto financeira como condio para a escola executar, realmente, o seu projeto pedaggico. Por outro lado, a Unio, instncia coordenadora da poltica nacional de educao, vai-se guiar pelo princpio colaborativo com Estados e Municpios, desaparecendo, assim, o histrico comando vertical da educao nacional.

    Todas estas questes e tantas outras so analisadas neste novo livro do Prof. Moaci Alves Carneiro. Trata-se de uma iniciativa de transcendental valor pelo sentido de contribuio educao brasileira. Creio que a "leitura crtico-compreensiva" da LDB o primeiro passo para firmar convico em torno de uma educao reconceituada e de uma escola refeita. De uma escola participativa e democrtica. A hermenutica do texto legal enriquecida com o apoio de uma slida base conceitual e de aportes de estatsticas educacionais pertinentes e atualizadas. Assim, o Autor oferece pistas iluminadas para uma adequada apropriao dos balisamentos normativos da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao.

    Enfim, ao buscar apreender o essencial, o Autor se preocupa, grandemente, com o aspecto prtico da Lei, razo por que os comentrios so comedidos, uma vez que a inteno estimular o leitor a desatar as idias. Alis, esta a funo de um bom livro.

    Braslia, outubro de 1997

    Atila Lira Secretrio de Educao Mdia e Tecnolgica do Ministrio da

    Educao

  • Pgina 11

    Nota do autor quarta edio

    Esta quarta edio do LDB FCIL vem enormemente enriquecida. Muitos dos assuntos, objeto de disposio regulamentar seja pelo Governo Federal atravs do MEC, seja pelo Conselho Nacional de Educao, que foram disciplinados nestes dois ltimos anos, acham-se, aqui, devidamente comentados. A natureza destes assuntos variada. Sumariamente, o inventrio dos itens regulamentados pelo CNE abrange as reas de: a) Currculo; b) Formao de docentes; c) Ensino Superior; d) Planos de carreira e de formao para o magistrio; e) Educao distncia; f) Educao Profissional; g) Carga Horria; h) Competncia dos Conselhos Estaduais de Educao; i) Remunerao do Magistrio; j) Educao Especial; l) Ensino Religioso; m) Instituies Filantrpicas. Quanto ao Governo Federal/MEC, a pu-blicao do Decreto que regulamenta as novas formas de organizao do Ensino Superior teve os esclarecimentos necessrios, como era de se esperar de um texto de legislao da educao.

    Temas como diretrizes curriculares e parmetros curriculares, respeitantes ao Ensino Fundamental, Ensino Mdio e Educao Profissional esto convenientemente tratados. Os Institutos Superiores, os Cursos Sequenciais, a nova estrutura anatmica do Ensino Superior e a formao de docentes atravs dos programas especiais de formao pedaggica mereceram ateno maior, a partir de sugestes recebidas de educadores e de equipes tcnicas de Secretarias Estaduais e Municipais de Educao de todo o Pas.

    Por fim, atualizamos as estatsticas educacionais e acrescentamos novas sries estatsticas, tentando contribuir para um desafio crnico da educao nacional: aduzir estatsticas defasadas. Neste sentido, o INEP/MEC vem dando uma contribuio inestimvel ao desenvolvimento da Educao do Pas.

    Resta um agradecimento a todos os profissionais da educao, gestores de sistemas de ensino e estudantes pela acolhida que tm dispensado ao LDB FCIL.

    Braslia, maro de 1999

    Moaci Alves Carneiro

    Pgina 12

    Nota do Autor dcima primeira edio

    O LDB Fcil chega 11 - edio com seis anos de vida, o que revela a boa acolhida que lhe tem sido dispensada por professores, alunos e educadores em geral. Deste universo de "usurios", temos recebido apelos para a ampliao de comentrios sobre pontos como formao de professores, educao de jovens e adultos, educao a distncia, organizao do ensino em ciclos, educao inclusiva, cursos sequenciais, universidade corporativa, universidade temtica, mecanismos de controle e acompanhamento do FUNDEF, classes de acelerao, cursos livres, ps-graduao, educao profissional e mercado de trabalho e, ainda, educao multicultural. Tudo isto est didaticamente tratado nesta nova edio. A questo multicultural ganha mais espao em razo da prpria alterao da LDB para o acrscimo de dispositivos que tratam da educao das relaes tnico-raciais.

    Teve-se o cuidado de atualizar as estatsticas que servem para ilustrar a doutrina tcnico-legal abordada. Neste caso, trabalhamos ora com dados de 2002, ora com dados de 2003, em razo de alguns nmeros liberados pelo INEP serem ainda preliminares. Tambm, sempre que a inteligncia do texto exigiu novos dados estatsticos para aumentar a visibilidade do alcance do contedo legal, incorporaram-se novos dados estatsticos, tentando, assim, responder a um desafio crnico da educao brasileira: trabalhar com estatsticas e informaes atualizadas.

    Promoveram-se ajustes na prpria estrutura do texto, objetivando oferecer uma leitura mais harmoniosa do conjunto da LDB, pr-condio para os estudiosos do assunto se sentirem inteiramente confortveis neste tipo de aprendizado.

    Deixo um penhorado muito obrigado a todos os profissionais da educao, professores e gestores de escolas e, ainda, aos estudantes pela acolhida generosa ao LDB Fcil.

    Braslia, outubro de 2004

    Moaci Alves Carneiro

  • Pgina 13 Introduo

    Cada vez que surge uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao, surge, tambm, um ambiente de intranquilidade para todos aqueles - educadores e agncias educacionais - que lidam com a problemtica da educao e do ensino. Alm do que, a prpria sociedade nacional questiona-se quanto real funcionalidade do novo cnone legal. No fundo, os questionamentos se orientam pelo desconforto que toda mudana profunda traz. No apenas porque, sob o ponto de vista das externalidades, busca-se um ordenamento diferente, uma reorganizao, mas tambm, e, sobretudo, porque se est inaugurando uma nova rota para a operacionalizao de valores na prtica escolar. Ou seja, implanta-se um processo de substituio de "convices" sobre novas bases axiolgicas.

    As mudanas nas organizaes regidas por normas explcitas, como o caso das que ocorrem nos sistemas de ensino, supem uma transio entre um e outro regime. Elas no podem operar-se abruptamente. Embora o novo texto legal passe a viger imediatamente, o ritmo de mudanas vai-se encorpando por aproximaes: aos alunos que j esto na escola, assegura-se o direito adquirido de permanecer como esto; dos novos alunos, exige-se obedincia s novas conformidades legais. A concomitncia das duas situaes faz esmaecer os pontos de resistncia, ao mesmo tempo em que se vo ampliando os espaos de adeso aos novos esquemas normativos e valorativos. Como j se disse, em toda mudana h um perodo de descontaminao.

    Como professor da rea de gesto da educao, participei desta difcil travessia em 1971, quando do surgimento da Lei 5.692. Movido por esta experincia e comovido pelas dificuldades enfrentadas, poca, por tantos educadores, tomei a deciso de produzir esta leitura crtico-compreensiva da nova LDB, artigo a artigo, calando as reflexes com estatsticas e conceitos elucidativos do texto legal nascente.

    O trabalho est plantado sobre a seguinte estrutura: i) uma viso diacrnica da educao nas Constituies Brasileiras; ii) uma breve histria das leis bsicas da educao nacional;

    Pgina 14 iii) o texto da nova LDB comentado, artigo a artigo; iv) e, por fim, os Anexos.

    A Lei 9.394/96 resultou de um parto difcil. Os interesses envolvidos no palco das discusses eram fortes, contraditrios e, no raro, inconciliveis. Do Projeto inicial do Deputado Octvio Elsio em 1988 ao substitutivo do Senador Darcy Ribeiro, afinal aprovado em 1996, passaram-se oito longos anos que funcionaram como cenrios fecundos de despistes de interesses. O texto, por fim, aprovado tem o grande mrito de, abdicando das discusses improdutivas, apresentar uma moldura de organizao educacional dentro de um escopo de autonomia possvel. A nova LDB, claro, no vai resolver todos os problemas da educao brasileira. No sendo uma panacia, tem limitaes conceituais (confunde, s vezes, educao com ensino), estratgicas (compete Unio a ao hegemnica de coordenar a poltica nacional de educao (Art. 9, Inc. l), aos Estados e ao Distrito Federal a responsabilidade de elaborar e executar polticas) e planos educacionais (Art. 10, Inc. III), porm omissa quanto idntica incumbncia para os Municpios). Possui, no entanto, um acervo enorme de virtudes legais, distribudo num visvel feixe de eixos estruturantes.

    Os grandes eixos da Lei 9.394/96 esto identificados pelas seguintes definies relevantes: i) conceito abrangente de educao; ii) vinculao da educao com o mundo do trabalho e com as diferentes prticas sociais; iii) padres mnimos de qualidade do ensino; iv) pluralidade de formas de acesso aos diversos nveis de ensino, como forma de ensejar o cumprimento da obrigatoriedade de ensino; v) avaliao da qualidade do ensino pelo Poder Pblico; vi) defini-o das responsabilidades da Unio, dos Estados, dos Municpios, das Escolas e dos docentes; vii) configurao dos sistemas federal, estaduais e municipais do ensino; viii) mapa conceitual preciso da educao escolar e de educao bsica; ix) requisito de relao adequada entre o nmero de alunos e o professor, a carga horria e as condies materiais da escola; x) construo da identidade do ensino mdio; xi) resgate da natureza e da finalidade da educao profissional; xii) preciso conceitual para os elementos de despesas no mbito da manuteno e do desenvolvimento do ensino; xiii) fortalecimento das fontes e dos canais de financiamento da educao, includa a fixao dos prazos de repasses de recursos para Estados e Municpios; xiv) reconfigurao de toda a base curricular tanto da educao bsica como um todo, como do ensino mdio em particular. Neste caso, ganha relevncia a educao tecnolgica bsica.

    Para desocultar os grandes eixos da LDB, convm no distanciar, do horizonte de anlise, a funo do Estado, de provedor de qualidade de vida da populao e de provedor da equidade. Nesta perspectiva, o aparelho estatal define polticas e elege estratgias para operacionaliz-las. Dentre as polticas sociais

  • Pgina 15 bsicas e permanentes, est a educao. O provimento de servios educacionais pe-se, desta forma, no apenas como resposta s postulaes de uma cidadania fundamental, mas tambm como pr-requisito de eficcia social. No primeiro caso, emerge, como direito humano fundamental, a generalizao do acesso, indiferenciado, s oportunidades do desenvolvimento intelectual (educao) e de sociabilidade. No segundo caso, requer-se a alocao de recursos adequados para "plasmar" competncias e habilidades apropriadas a reconquista de padres razoveis de desenvolvimento, propiciadores de resultados socialmente relevantes.

    Sob esta tica, a vigncia de uma nova lei educacional pode ser importante medida que se consiga, a partir do seu conhecimento, um patamar mnimo de consenso social, um grau satisfatrio de agregao de suportes polticos, uma sistemtica de articulaes producentes e, ainda, instrumentos adequados de controle de etapas e de resultados.

    Para a adoo do novo regime legal, por conseguinte, no se pode desconsiderar que, por mais bem formulada e estruturada que seja a nova LDB, preexistem condies intrnsecas e extrnsecas ao sistema educativo, enquanto realidade desigual sob o ponto de vista organizacional. E, enquanto realidade complexa, sob o ponto de vista poltico. As condies intrnsecas decorrem da existncia de grupos com interesses diferenciados no interior do sistema educativo, com percepes e alternativas diversas no tocante compreenso das funes sociais dos sistemas de ensino, dos seus objetivos e dos seus beneficirios. As condies extrnsecas vinculam-se s funes dspares que os sistemas de ensino passaram a assumir em decorrncia de padres distintos de demanda social.

    A leitura da Lei 9.394/96 deve principiar, assim, pelas vrias leituras da realidade. Sim, porque a Lei uma s, mas o Pas mltiplo. Cada diretriz normativa refinalizada em linha de ao poltica dever, portanto, visualizar o foco de conflitos e de contradies. Basta olhar a deslinearidade da expanso e da desigualdade de oferta do parque escolar nacional, para inferir a existncia de graves desequilbrios e de conflitivas superposies na repartio de responsabilidades entre os diferentes nveis de governo e entre os segmentos pblico e privado. Esta problemtica no menos aguda quando se buscam enxergar as formas de participao da categoria dos professores, da burocracia escolar, dos pais de alunos, da representao poltica e das organizaes da sociedade civil, seja no gerenciamento das redes, seja na gesto da unidade escolar. A constatao vai desde uma inteira desarticulao at um total esquartejamento na distribuio de encargos.

    Pgina 16 Quem o responsvel pela escola? A quem a escola pertence? Para quem a escola existe?

    Para quem a escola dever continuar a existir? O que o bsico da educao na educao bsica?

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educao no vai responder, definitivamente, a estas questes. No entanto, sem ela, as respostas ficaro mais difceis. Com efeito, a mudana de padres educacionais supe a reestruturao dos marcos legais, institucionais e polticos do gerenciamento dos sistemas de ensino, da gesto da escola, de uma ampla capilaridade para disseminao de conceitos e de metodologias e, relevantemente, de um gil e eficiente sistema de accountability.

    Com o advento da Lei 9.394/96, renasce a esperana da superao da cultura das aes educativas concorrentes, inaugurando-se um novo desenho de medidas de natureza estrutural inafastveis, envolvendo gesto e financiamento da educao, reestruturao curricular, formao do professor, atualizao dos contedos e inovao metodolgica e, por fim, encorpamento de sistemas de ensino dinamicamente articulados. Tudo isto supe relaes intergovernamentais robustas, definidoras de um novo padro de responsabilidades na formula-o e implementao de polticas para a educao.

    A nova LDB poder nos ajudar a responder por que a escola est, sempre, na sociedade, embora a sociedade nem sempre esteja na escola.

  • Pgina 17

    Breve histria das leis bsicas da educao nacional

    1. AS CONSTITUIES BRASILEIRAS E A EDUCAO

    A dimenso teleolgica da atividade estatal foi-se aperfeioando ao longo da Histria, at o estgio de compreenso atual segundo o qual o escopo do Estado o interesse coletivo. Para atingi-lo, o Estado moderno, enquanto sistema poltico, pressupe uma ordem de valores sobre a qual repousam as instituies. Esta ordem encorpada na Constituio, verdadeira bssola da vida pblica e garantia de liberdade dos cidados.

    Nas formas democrticas de governo, a Constituio o fundamento do direito medida que, de seu cumprimento, deriva o exerccio da autoridade legtima e consentida. No menos importante compreender que, ao institucionalizar a soberania popular, o texto constitucional traduz o estado da cultura poltica da nao.

    No que concerne especificamente Educao, as Constituies brasileiras foram incorporando, ao longo do tempo, conquistas tnues dentro de um ritmo historicamente lasso, como, de resto, foi todo o processo brasileiro de aproximao entre direitos polticos e direitos sociais. No fundo, estivemos, sempre, distanciados da cidadania como categoria estratgica de construo do cotidiano1 (nota: Cotidiano deve ser entendido aqui como vida cotidiana, ou seja, como um nvel de realidade social, na acepo de Lefebvre. Para um melhor entendimento desde conceito, ver:

    LEFEBVRE, Henri, La vicia cotidiana em el mundo moderno, Madrid, Alianza Editorial S/A, 1968.). Na verdade, somente a partir de 1948, com a Carta de Direitos da Organizao das Naes Unidas (ONU), que grande parte de pases como o Brasil se deu conta de que todos sero iguais perante a lei, de fato, medida que todos tiverem direito ao trabalho, moradia, sade, educao, livre expresso, a uma vida digna, enfim.

    Pgina 18 No caso da Educao, as conquistas foram desiguais de pas a pas. No prembulo da

    Declarao Mundial Sobre Educao Para Todos (1990), este registro est feito. E o Brasil, que ajudou a compor o cenrio das naes com os mais elevados ndices de desescolarizao do mundo, no fugiu regra.

    A incluso da Educao como direito fundamental de todo cidado contribuiu para sinalizar na perspectiva da construo de uma Escola de padro bsico, vazada em um modelo organizacional de objetivos convergentes, logo estruturado luz de marcos normativos comuns. A trajetria, no entanto, at se chegar a este estgio, foi demorada como se pode verificar de uma viso-sntese das vrias Constituies brasileiras.

    A primeira Constituio do Pas data de 1824. De ento at agora, o Brasil teve oito Constituies, a saber: a de 1824, a de 1891, a de 1934, a de 1937, a de 1946, a de 1967, a de 1969 e a de 1988. Destas, apenas as de 1891,1934, 1946 e 1988, foram votadas por representantes populares com delegao constituinte. A ltima destas Constituies, a de 1988, contou com uma robusta participao da Comunidade nacional, mediante a mobilizao de amplos segmentos da sociedade civil. Culminncia deste movimento cvico, foram os atos pblicos que cimentaram a criao do Plenrio Nacional Pr-Participao Nacional Popular na Constituinte. Neste cenrio, a defesa da escola pblica e de uma educao de qualidade ganhou relevncia mpar no conjunto da sociedade brasileira como se ver mais adiante.

    A Constituio imperial de 1824 incorporou a iniciativa de implantao de colgios e universidades ao conjunto de direitos civis e polticos, alm de fixar a gratuidade do ensino primrio. O processo gerencial do ensino ficou resguardado no mbito da Coroa e, quatro anos mais tarde, com a instalao das Cmaras Municipais, foi-lhes cometida a tarefa de inspeo das escolas primrias. Em 1834, a declarao do Ato Adicional criou as Assemblias Legislativas Provinciais, cabendo-lhes a atribuio de legislar sobre instruo pblica. No en-tanto, o formato assumido pelo ensino superior, de contedo generalizante e humanstico, terminou por repercutir no prprio ensino secundrio. De fato, ao excluir, da competncia das Assemblias Legislativas Provinciais, as Faculdades de Medicina, de Direito e as Academias, abria-se uma brecha para a coexistncia de uma dualidade de sistemas, advinda de uma concomitncia de poderes (provincial e central), no tocante ao ensino primrio e secundrio. E no poderia ser diferente, at porque estabeleceu-se um mecanismo natural de direcionamento do currculo pr-universitrio. De um lado porque o ensino secundrio visava preparao dos alunos para o ensino superior, portanto, tinha uma orientao curricular propedutica e, de outro, porque os candidatos s Faculdades Superiores eram examinados nos prprios cursos em que faziam o Secundrio. Tanto mais grave: a maioria das Escolas Secundrias abrigava-se

  • Pgina 19 em mos de particulares, o que por si s representava uma elitizao da escola, dado que somente famlias de posse poderiam custear os estudos de seus filhos.

    O que parecia na Constituio imperial uma incurso descentralizadora no formato organizacional do ensino, representava, na verdade, um despiste legal, uma vez que os avanos aparentes dos dispositivos constitucionais eram contidos por uma mstica organizacional cimentada no princpio da ao hegemnica da Igreja e da Famlia sobre a Educao2(nota: A escola que se queria buscava manter tradio da educao aristocrtica, totalmente voltada para os

    freqentadores da Corte e, portanto, para os destinatrios do ensino superior, em detrimento dos demais nveis de

    ensino.).

    A Constituio Republicana de 18913 (nota: Primeira Constituio Republicana, instituiu ela o sistema federativo de governo.) trouxe mudanas significativas na Educao. Ao Congresso Nacional foi atribuda a prerrogativa legal exclusiva de legislar sobre ensino superior. Ainda poderia criar escolas secundrias e superiores nos Estados, alm de responder pela instruo secundria do Distrito Federal. Quanto aos Estados, cabia-lhes legislar sobre o ensino primrio e secundrio, implantar e manter escolas primrias, secundrias e superiores. Nestes dois lti-mos casos, o Governo Federal poderia, igualmente, atuar.

    A Constituio de 1934 inovou ao atribuir, Unio Federal, a tarefa absoluta de fixar as diretrizes e bases da educao nacional. Criou, tambm, o Conselho Nacional de Educao e os Estados e o Distrito Federal ganharam autonomia para organizar seus sistemas de ensino e, ainda, instalar Conselhos Estaduais de Educao com idnticas funes das do Conselho Nacional, evidentemente, no mbito de suas respectivas jurisdies. A Unio recebeu a tarefa institucional de elaborar o Plano Nacional de Educao, com dois eixos fundamentais: a organizao do ensino nos diferentes nveis e reas especializadas e a realizao de ao supletiva junto aos Estados, seja subsidiando com estudos e avaliaes tcnicas, seja aportando recursos financeiros complementares. Trs outras conquistas foram incorporadas ao texto constitucional: ensino primrio gratuito para todos, desde que oferecido em escola pblica, inclusive para alunos adultos, percentual de 10%, por parte da Unio e dos Municpios, e de 20% por parte dos Estados e do Distrito Federal, da renda resultante de impostos, objetivando aes de manuteno e desenvolvimento do ensino4(nota: Aqui surge, pela primeira vez, esta expresso, embora com contornos conceituais imprecisos, ensejando que, ao longo de dcadas, se aplicassem

    recursos do ensino primrio em aes que nada tinham a ver com sua manuteno e desenvolvimento. Somente no

    atual Governo, este ralo de desvio de dinheiro do ensino fundamental foi corrigido.). Dos recursos federais, 20% deveriam destinar-se ao ensino na zona rural. Por fim, estabelecia-se, pela

    Pgina 20 primeira vez, a obrigatoriedade de auxiliar alunos carentes, pelo mecanismo da concesso de bolsas de estudo.

    Estas diferentes conquistas abraadas pela Constituio de 1934 devem ser percebidas na moldura das metamorfoses por que o Pas passava. Todo o perodo da 1 - Repblica exibiu um ndice de urbanizao e industrializao bastante baixo. Da, poder-se dizer que, at o final da dcada de 20, a economia no fazia, praticamente, nenhuma exigncia escola. Como assinala Octavio IANNI, depois da Primeira Guerra Mundial - e em escala crescente a seguir - que os setores mdios e proletrios urbanos e rurais comeam a contar mais abertamente como categoria poltica5(nota: IANNI, Octavio, O Colapso do Populismo no Brasil, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2- edio, 1971, p. 13.). De fato, na estrutura oligrquica de predominncia rural, os requerimentos de instruo no eram sentidos. a partir de 19306(nota: De 1930 a 1945, o Pas foi governado por Getlio Vargas. Foram 15 anos de instabilidade poltica, culminando com a ditadura de 37 a 45.

    Mas foi neste perodo que o Estado assumiu mais ativamente a tarefa de dnamo do desenvolvimento, firmando as

    bases para a implantao de uma indstria pesada. Estavam, assim, asseguradas as condies para o ingresso do

    Pas na era da civilizao urbano-industrial.), com a intensificao do capitalismo industrial, que se inaugura um quadro de novas exigncias educacionais por parte de camadas da populao cada vez mais amplas7( nota: O adensamento demogrfico e a diversificao ocupacional geraram a expanso da demanda de ensino. Para uma melhor compreenso deste fato, ver: FILHO, Loureno M.B. Reduo da taxa de

    analfabetismo no Brasil de 1900 a 1960, in Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos, n 100, p. 265.).

    A Constituio de 1946, traduzindo o clima de afirmao democrtica que invadiu o mundo no ambiente dos ps-guerra, possua um eixo teleolgico representado por um conjunto de valores transcendentais que tinham, na liberdade, na defesa da dignidade humana e na solidariedade internacional, os dormentes de sustentao. Proclamava a educao como um direito de todos plasmado em princpios interligados, tais como:

    Compulsoriedade do ensino primrio para todos e sua gratuidade nas escolas pblicas.

    Gratuidade do ensino oficial nos nveis ulteriores, para alunos carentes.

    Obrigatoriedade de oferta de ensino primrio gratuito por parte de empresas com mais de cem empregados e, ainda, exigncia s empresas industriais e comerciais de assegurarem aprendizagem aos trabalhadores menores.

    Ingresso no magistrio atravs de concurso de provas e ttulos.

    Fornecimento de recursos por parte do Estado para que o direito universal de acesso escola primria fosse assegurado, buscando-se, desta forma, a equidade social.

  • Pgina 21 Responsabilidade educativa compartilhada pela famlia e pela escola, podendo haver oferta

    pblica e privada em todos os nveis de ensino.

    Oferta obrigatria de ensino religioso, embora fosse de matrcula facultativa para os alunos.

    Pode-se afirmar que a Carta de 1946 preceituou uma organizao equilibrada do sistema educacional brasileiro, mediante um formato administrativo e pedaggico descentralizado, sem que a Unio abdicasse da responsabilidade de apresentar as linhas-mestras de organizao da educao nacional. Nela, h muito das idias e do esprito do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, de 1932. Foi a partir desta percepo que o Ministro da Educao de ento, Francisco Mariani, oficializou comisso de educadores para propor uma reforma geral da edu-cao nacional. Aqui, a origem da Lei 4024/61, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, nossa primeira LDB, somente aprovada pelo Congresso Nacional depois de uma longa gestao de onze anos.

    Com a Constituio de 1946, o Ministrio da Educao e Cultura passava a exercer as atribuies de Poder Pblico Federal em matria de Educao.

    A Constituio de 1967, pautada sob inspirao da ideologia da segurana nacional, abriu amplos espaos de apoio ao fortalecimento do ensino particular. Para ele, eram direcionados recursos pblicos desapeados de qualquer critrio. A ampliao da obrigatoriedade do ensino fundamental de sete a quatorze anos, aparentemente uma grande conquista, conflitava com outro preceito que permitia o trabalho de crianas com 12 anos. Nisto, contrastava com a Carta de 1946 que estabelecia os 14 anos como a idade mnima para o trabalho de menores. Tambm a ideia de gratuidade do ensino esbarrava na prescrio constitucional da criao de um sistema de bolsas de estudo reembolsveis. Por fim, retirava-se a obrigatoriedade de percentuais do oramento destinados manuteno e desenvolvimento do ensino.

    A Constituio de 1969 preservou, basicamente, todos os ngulos restritivos da Carta anterior. Recursos oramentrios vinculados ao ensino ficaram adstritos aos municpios que se obrigavam a aplicar, pelo menos, 20% da receita tributria no ensino primrio.

    O lado mais obscurantista do texto constitucional de 1969 foi o relativo s atividades docentes. A escola passou a ser palco de vigilncia permanente dos agentes polticos do Estado. Neste perodo, editaram-se vrios Atos Institucionais que eram acionados, com muita frequncia, contra a liberdade docente.

    A Constituio de 1988 significou a reconquista de cidadania sem medo. Nela, a Educao ganhou lugar de altssima relevncia. O Pas inteiro despertou

    Pgina 22 para esta causa comum. As emendas populares calaram a ideia da educao como direito de todos (direito social) e, portanto, deveria ser universal, gratuita, democrtica, comunitria e de elevado padro de qualidade. Em sntese, transformadora da realidade. Para tanto, deveria pautar-se pelos seguintes princpios fundamentais8(nota: Arts. 206, 207 e 208 da Constituio Federal. 22) :

    I. Igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola;

    II. Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

    III. Pluralismo de idias e de concepes pedaggicas e coexistncia de instituies pblicas e privadas de ensino;

    IV. Gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais;

    V. Valorizao dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira para o magistrio pblico, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso pblico de provas e ttulos, assegurado regime jurdico nico para todas as instituies mantidas pela Unio;

    VI. Gesto democrtica do ensino pblico, na forma da lei;

    VII. Garantia de padro de qualidade.

    Por outro lado, as universidades passaram a gozar de autonomia didtico-cientfica, administrativa e de gesto financeira e patrimonial, e a obedecer ao princpio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extenso.

    Enfim, o dever do Estado com a educao passou a ser efetivado mediante a garantia de:

    I. ensino fundamental, obrigatrio e gratuito, inclusive para os que a ele no tiveram acesso na idade prpria;

    II. progressiva extenso da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino mdio;

    III. atendimento educacional especializado aos portadores de deficincia, preferencialmente na rede regular de ensino;

    IV. atendimento em creche e pr-escola s crianas de zero a seis anos de idade;

    V. acesso aos nveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criao artstica, segundo a capacidade de cada um;

  • Pgina 23 VI. Oferta de ensino noturno regular, adequado s condies do educando;

    VII. Atendimento ao educando, no ensino fundamental, atravs de programas suplementares de material didtico-escolar, transporte, alimentao e assistncia sade.

    2. O SUBSTRATO DAS VRIAS LEIS DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAO

    Os termos diretrizes e bases como conceitos integrados no surgiram na educao brasileira, de forma refletida, ou seja, em decorrncia de uma filosofia da educao que, nutrida por uma crtica pedaggica coerente, desaguasse numa postura de confrontao viso fragmentria de compreenso de educao, de sistema educacional e de seus desdobramentos. So conceitos que se vo encorpando. Na verdade, estas noes (palavras), primeiro, surgiram separadas em contexto fraseolgico fluido. Eram despossudas, portanto, do dinamismo de que se revestiriam quando, na Constituio do Estado Novo (1946), reaparecem em posio contgua. De fato, o retorno normalidade democrtica, calado pelo esprito liberal e democrtico dos enunciados da nova ordem constitucional, reencontrava a necessidade de organizao de um sistema educacional descentralizado administrativa e pedagogicamente, sem que isto representasse uma rendio do papel da Unio quanto proposio dos grandes lineamentos atravs dos quais a educao nacional deveria organizar-se (Art. 5, item XV, alnea d, e Art. 1 70 e 171). Mas, at se chegar a este entendimento, fez-se um longo trajeto, como vamos passar a examinar.

    A Constituio de 1934 cometeu Unio, com exclusividade, a atribuio de traaras diretrizes da educao nacional (Art. 5Q, Inc. XIV). Trs anos mais tarde, a Constituio do Estado Novo (1937) reforou a ideia das diretrizes, pela adio do conceito de bases. Assim, surgiram, pela primeira vez, no texto constitucional brasileiro, estas duas noes complementares, embora postas em espaos distintos. Dizia o Artigo 15, Inciso IX, que, Unio, incumbia "fixar as bases e determinar os quadros da educao nacional, traando as diretrizes a que deve obedecer a formao fsica, intelectual e moral da infncia e da juventude". Cinco anos depois, o Ministro da Educao do Governo Vargas, Gustavo Capanema, detonava o processo de reformas da educao, atravs das chamadas "leis orgnicas do ensino", comeando com a promulgao da Lei Orgnica do Ensino Industrial, atravs do Decreto-Lei n 4.073, de 30.01.42. Ao longo deste mesmo ano e do ano seguinte, foram postos em execuo o Decreto-Lei 4.048, de 22.01.42, criando o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial, o Decreto-Lei 4.244, de 09 de abril de 1942, fixando a Lei Orgnica do Ensino Secundrio, o Decreto-Lei 6.141, de 28 de dezembro de 1943, estabelecendo

    Pgina 24 a Lei Orgnica do Ensino Comercial. Mais tarde, j com o pas redemocratizado, surgem as leis orgnicas do Ensino Agrcola (Decreto-Lei n2 9.613, de 20.08.46), e do Ensino Primrio (Decreto-Lei n9 8.529, de 02.01.46), do Ensino Normal (Decreto-Lei n 8.530, de 02.01.46). Trs observaes, aqui, so inescapveis: i) neste cenrio legiferante que surgem o SENAI (Servio Nacional de Aprendizagem Industrial) (1942) e o SENAC (Servio Nacional de Aprendizagem Comercial) (1946); ii) A Lei Orgnica do Ensino Primrio vem posterior Lei Orgnica do Ensino Profissional. Ou seja, estvamos dispostos, legal e realmente, a manter um sistema produtivo com operrios de baixo nvel de escolaridade, iii) A Lei Orgnica do Ensino Secundrio precede, em quatro anos, a promulgao da Lei Orgnica do Ensino Primrio. Ambas, por seu turno, so posteriores Lei Orgnica do Ensino Industrial.

    Com a introduo dos conceitos de diretrizes e bases no bojo da norma constitucional de natureza educacional, embora estivessem os termos postos de maneira no contgua, pronunciava-se, ainda tenuemente, a necessidade de buscar um princpio orientador para a educao nacional. Tanto assim que, passados quatro anos, a Constituio do Brasil redemocratizado (1946) resgatava a significao interdependente dos dois conceitos, juntando-os no Art. 5, Inc. XV, alnea a, que identificava, na Unio, a competncia para legislar "sobre diretrizes e bases da educao nacional".

    Sob o ponto de vista denotativo, bases so fundamentos, vigas de sustentao, elementos estruturantes de um corpo. Diretrizes denotam o conceito de alinhamento e, no caso, de normas de procedimento. Aplicados os conceitos norma educativa, infere-se que as bases remetem funo substantiva da educao organizada. Compem-se, portanto, de princpios, estrutura axiolgica, dimenses teleolgicas e contorno de direitos. A este conjunto, podemos chamar de funes substantivas. As diretrizes, por outro lado, invocam a dimenso adjetiva da educao organizada. Encorpam-se, por conseguinte, em modalidades de organizao, ordenamentos da oferta, sistemas de conferncia de resultados e procedimentos para a articulao inter e intra-sistemas. As bases detm um contedo de concepo poltica, as diretrizes, um contedo de formulao operativa.

    A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, a Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961, teve uma gestao lassa e penosa. Entre a chegada do texto Cmara Federal, outubro de 1948, e o incio dos debates sobre o texto, maio de 1957, decorreram oito anos e meio. Da, at a aprovao, em 20 de dezembro de 1961, mais quatro anos e sete meses! Ou seja, entre o encaminhamento, as discusses e a aprovao do texto, passaram-se treze anos. O texto original foi sucedido pelo substitutivo Lacerda e este, em decorrncia de um

  • Pgina 25 grande esforo na busca de uma posio conciliatria, pelo substitutivo da Cmara. O eixo das discusses era o da defesa da presena da iniciativa privada nas atividades de ensino. A presso das escolas particulares terminou por transformar o debate partidrio em um debate de fundo fortemente ideolgico, galvanizado pela competente oratria de Carlos Lacerda, que, como ningum, conhecia o poder da palavra.

    O texto aprovado em 1961 oferecia, pela primeira vez na histria de educao brasileira, um arcabouo onde se podiam divisar, com relativa clareza, as diretrizes e bases da educao nacional. Os grandes eixos falavam: i) Dos Fins da Educao; ii) Do Direito Educao; iii) Da Liberdade de Ensino; iv) Da Administrao do Ensino; v) Dos Sistemas de Ensino; vi) Da Educao de Grau Primrio; vii) Da Assistncia Social Escolar; viii) Dos Recursos para a Educao.

    Como se pode inferir, definia-se, afinal, um lineamento estruturado para a educao do Pas.

    A Lei 4.024/61 conseguiu flexibilizar a estrutura do ensino, possibilitando o acesso ao ensino superior, independentemente do tipo de curso que o aluno tivesse feito anteriormente. Por outro lado, a flexibilizao se dava, tambm, em nvel da migrao interna do aluno que, atravs do mecanismo de aproveitamento de estudos, poderia, a partir de ento, migrar de um ramo para outro de ensino, sem ter de recomear como se nada houvera antes.

    A nossa segunda Lei de Diretrizes e Bases, a Lei 5.692/71, oficialmente denominada de Lei da Reforma do Ensino de 19 e 2- graus, teve, tambm, um processo gestatrio lento, embora impermevel a debates e participao da sociedade civil, em funo do contexto em que foi gestada: perodo de governo discricionrio com as liberdades civis estranguladas. O processo foi, portanto, atpico. O quadro de asfixia poltica empurrava as universidades para uma situ-ao de confrontao com o poder estabelecido. Assim, a reforma da educao comeava pelo ensino superior. Ou seja, a reforma universitria se antecipava reforma dos demais nveis de ensino. Nascia, desta forma, a Lei 5.540 em 1968 e, somente trs anos mais tarde, editava-se a Lei 5.692/71, voltada, especificamente, para os nveis de ensino anteriores ao ensino superior. Deste modo, surgiam duas legislaes sucedneas Lei 4.024/61, a nossa primeira LDB.

    O trajeto da Lei da reforma universitria comeou pela constituio de um Grupo de Trabalho, institudo por Decreto, para realizar estudos que possibilitassem "a eficincia, modernizao e flexibilidade administrativa" das universidades. Em outubro de 1968, chegava, ao Congresso, a Mensagem n- 36, acompanhada do projeto de lei n9 32, voltada para estabelecer "normas de organizao e funcionamento do ensino superior e sua articulao com a escola mdia...".

    Pgina 26

    Com o Congresso totalmente engessado em sua ao, o texto era aprovado em 28 de novembro de 1968, sob a forma da Lei 5.540/68. Por ela, extinguia-se a ctedra, a estrutura de universidade passava a ser prioritria como forma de organizao do ensino superior, o ensino, a pesquisa e a extenso assumiam a natureza privada, via instituies isoladas, e o instituto da autonomia no conseguia se afirmar, encalhado pelas injunes de natureza financeira.

    Seguindo o esprito que presidiu a reforma universitria, em maio de 1970, criava-se, tambm, um Grupo de Trabalho para cuidar da "atualizao e expanso do ensino fundamental e do Colegial". Dois meses depois, estava pronto o Relatrio do Grupo, que o encaminhou ao Ministro da Educao. Apreciado pelo Conselho Federal de Educao e, a seguir, pelos Conselhos Estaduais de Educao, o texto, com alteraes, retornou ao Ministro da Educao que o remeteu ao Presidente para encaminhamento ao Congresso Nacional. A o texto recebeu 362 emendas de cuja apreciao originou-se o substitutivo do relator, submetido apreciao da Comisso Mista e de quem recebeu aprovao em 20 de julho de 1971. Uma semana depois, o Congresso Nacional aprovava o substitutivo, encaminhado, de imediato, para a sano do Presidente da Repblica. Assim, um ano e trs meses depois da criao do Grupo de Trabalho, era sancionada a nova Lei da Reforma do Ensino de 1s e 2S graus, Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971.

    Sob o ponto de vista tcnico-educativo-formal, no se pode considerar a Lei 5.692 propriamente uma Lei de Diretrizes e Bases da Educao. Primeiro, porque lhe faltava um sentido de inteireza. Tratava do ensino de forma esquartejada, uma vez que focava somente os ordenamentos organizacionais da pr-escola e do 1 e 2 graus, deixando de lado o ensino superior. Depois, a substncia educativa, energia vivificadora de uma LDB, era substituda pela mera "razo tcnica", com inegveis prejuzos para os aspectos de essencialidade do "processo educativo". Estes aspectos nunca podem ser sufocados pelos elementos da organizao do ensino, sob pena de se oferecer uma subeducao.

    A nova lei representava uma mudana radical na estrutura bsica do ensino brasileiro. O Curso Primrio, de quatro anos, e o Curso Mdio Ginasial, de trs, se cingiam no ensino de 1 grau de oito anos. O Ensino Mdio Colegial, de trs anos, transformava-se em ensino de 2- grau com estrutura nica, oferecendo, pelo mecanismo do currculo universal, a profissionalizao compulsria, disponibilizada, legalmente, pela oferta de uma extensa gama de habilitaes profissionais. Ficava claro, tambm aqui, o cunho poltico excludente das

  • Pgina 27 duas reformas: a universitria e a da educao bsica. O vetor de inspirao era o mercado de trabalho, porm desfocado de uma viso de transformao das estruturas sociais e econmicas do Pas. Houve aguda resistncia por parte da sociedade. Em consequncia, onze anos depois, eram revogados os dispositivos que tornavam a profissionalizao obrigatria. Era a Lei 7.044/82.

    Os grandes eixos da Lei 5.692/71 foram, assim, definidos: i) Do Ensino de 1e2Graus; ii) Do ensino de 1QGrau; iii) Do Ensino de 2Q Grau; iv) Do Ensino Supletivo; v) Dos Professores e Especialistas; vi) Do Financiamento.

    Como se observa, a 5.692/71 mantinha o conceito degrau de ensino, presente na legislao anterior. Tal conceito est alicerado na Psicologia Evolutiva. Cada Grau corresponde a uma faixa etria determinada. Ao lado disto, h que se considerar, igualmente, a questo do nvel de desenvolvimento scio-econmico do Pas. Com a evoluo da matriz de conhecimentos e das tcnicas de produo, vai-se possibilitando a crescente incorporao de malhas da populao ao mercado de trabalho. Em decorrncia, exigem-se trabalhadores com nveis cada vez mais avanados de escolaridade. Esta a razo do ensino organizado em graus.

    Os quadros que seguem apresentam, de forma esquematizada, a organizao do ensino nas disposies das diversas leis de diretrizes e bases da educao nacional e, ainda, a estrutura comparada das Leis 5.691/71 e 9.394/96.

    Pgina 28

    A ORGANIZAO DO ENSINO NAS DISPOSIES NORMATIVAS DAS DIVERSAS LEIS DE DIRETR1ZES

    E BASES DA EDUCAO NACIONAL

    Lei 4.024/61

    Durao

    Lei 5.692/71

    Durao

    Lei 9.394/96

    Durao

    Ensino Primrio Ciclo Ginasial do Ensino Mdio Ciclo Colegial do Ensino Mdio Ensino Superior

    4 anos 4 anos 3 anos Varivel

    Ensino de Primeiro Grau Ensino de Segundo Grau Ensino Superior

    8 anos 3 a 4 anos Varivel

    Educao Bsica: -Educao Infantil -Ensino Fundamental -Ensino Mdio Ensino superior

    Varivel 8 anos 3 anos Varivel

    OBS.: OBS.: OBS.:

    a) A passagem do Primrio para o Ginasial era feita atravs de uma prova de acesso: o Exame de Admisso. b) Os ciclos Ginasial e Colegial eram divididos em Ramos de Ensino, a saber: Secundrio, Comercial, Industrial, Agrcola, Normal e outros.

    a) Com a juno dos antigos Primrio e Gi-nasial, desapareceu o Exame de Admisso. b) A durao normal do 2 grau era de 3 anos. Ultrapassava, no entanto, este limite quando se tratava de Curso Profissionalizante. c) O Ensino de 1 grau e 2 grau tinham uma carga horria mnima anual de 720 horas e o ano letivo a durao mnima de 180 dias.

    a) Os nveis da Educao Escolar passam a ser dois: educao bsica e educao superior. b) A educao de jovens e adultos, a educao profissional e a educao especial so modalidades de educao. c) A educao bsica, nos nveis fundamental e mdio, passam a ter a carga horria mnima de 800 horas anuais, distribudas em 200 dias letivos anuais, no mnimo.

  • Pgina 29

    QUADRO COMPARATIVO DA ESTRUTURA BSICA DAS LEIS 5.692/71 E 9.394/96

    Lei 5.692/71 Lei 9.394/96 Captulo I - Do Ensino de 1a e 2a Graus Captulo II - Do Ensino de 1a grau Captulo III - Do Ensino de 2a grau Captulo IV - Do Ensino Supletivo Captulo V - Dos Professores e Especialistas Captulo VI - Do Financiamento Captulo VII - Das Disposies Gerais Captulo VIII - Das Disposies Transitrias

    Ttulo l - Da Educao

    Ttulo II - Dos Princpios e Fins da Educao

    Nacional

    Ttulo III - Do Direito Educao e do Dever de

    Educar

    Ttulo IV - Da Organizao da Educao

    Nacional

    Ttulo V - Dos Nveis e das Modalidades de

    Educao e Ensino

    Captulo l - Da Composio dos Nveis

    Escolares

    Captulo II - Da Educao Bsica

    Seo l - Das Disposies Gerais

    Seo II - Da Educao Infantil

    Seo III - Do Ensino Fundamental

    Seo IV - Do Ensino Mdio

    Seo V - Da Educao de Jovens e

    Adultos

    Captulo III - Da Educao

    Profissional

    Captulo IV - Da Educao Superior

    Captulo V - Da Educao Especial

    Ttulo VI - Dos Profissionais de

    Educao

    Ttulo VII - Dos Recursos

    Financeiros

    Ttulo VIII - Das Disposies Gerais

    Ttulo IX - Das Disposies

    Transitrias

    Pgina 30____ Pgina em branco no original.

    Pgina 31

    Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996

    Estabelece as diretrizes e bases da educao nacional

    TITULO I DA EDUCAO

    Art. 1 A educao abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivncia humana, no trabalho, nas instituies de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e nas manifestaes culturais.

    19 Esta Lei disciplina a educao escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituies prprias.

    2- A educao escolar dever vincular-se ao mundo do trabalho e prtica social.

    O termo educao tem um sentido abrangente. Fala-se em educao formal, educao no-formal, educao continuada, educao a distncia, educao ambiental, educao sexual, etc. Sob o ponto de vista legal, educao tem, quase sempre, sentido limitado. Na legislao anterior, por exemplo, era sinnimo de ensino. Seja de ensino regular, seja de ensino supletivo. Portanto, referia-se, sempre, educao formal. Embora a lei estatusse que poderia ser dada no lar e na escola, de fato, a ao educativa verdadeiramente "certificada" pelos cnones legais era aquela encorpada na modalidade ensino.

    O artigo em apreo representa uma ruptura de dimenso axiolgica medida que elastece a carga semntica de educao, imputando-lhe um atributo de ao do indivduo sobre o indivduo para construir seu destino nas mais diferentes

  • Pgina 32

    ambincias humanas: na famlia, no trabalho, na escola, nas organizaes sociais, etc. Em qualquer destes espaos, h um processo formativo, ou seja, um cho de aprendizagem sobre o qual se forma a cidadania. Trata-se, por conseguinte, de uma prtica humana eivada de equipamentos de subjetividade e de aes intencionalizadas que focam a construo histrica e coletiva da humanidade.

    l A lei 9.394 enquadra uma tipologia especfica de educao, a chamada educao escolar, desenvolvida, predominantemente, porm no exclusivamente, em instituies especficas, denominadas de instituies educativas (Creches, Escolas, Colgios, Institutos, Faculdades, Centros Universitrios, Universidades, etc.).

    2 A educao aqui referida atrai quatro conceitos estruturantes do novo mapa de referncia da escola, enquanto palco principal do processo educativo:

    a) Prtica Social: Atividade socialmente produzida e, ao mesmo tempo, produtora de existncia social. Significa, tambm, soma de processos histricos determinados pelas aes humanas;

    b) Mundo do Trabalho: Ambiente de construo de sobrevivncia, mas tambm de transformao social;

    c) Movimentos Sociais: Esforos organizados de construo de espaos alternativos de organizao coletiva;

    d) Manifestaes Culturais: Trata-se de expresses da cultura enquanto conceito antropolgico e se reporta ao mundo que o homem cria atravs de sua interveno sobre a natureza, ou seja, atravs do seu trabalho. Neste sentido, no h cultura superior a outra, h, isto sim, culturas diferentes.

    TTULO II

    DOS PRINCPIOS E FINS DA EDUCAO NACIONAL

    Art. 2- A educao, dever da famlia e do Estado, inspirada nos princpios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho.

    A responsabilidade da famlia e do Estado com educao tem origem em vrios dispositivos da Constituio (ver os arts. 203,1, 227,205,229). Em decorrncia, outras fontes legais ratificam e explicitam esta obrigatoriedade. Assim, o Cdigo Penal estabelece pena de deteno de 15 dias a um ms ou multa a quem "deixar, sem justa

    Pgina 33

    causa, de prover a instruo primria de filhos em idade escolar". O Estatuto da Criana e do Adolescente, por sua vez, no Art. 53, declara que "a criana e o adolescente tem direito escola pblica e gratuita prxima de casa". Portanto, no se trata de uma mera concesso, mas de um princpio de coercibilidade.

    Ao atribuir a responsabilidade da educao famlia e ao Estado, o dispositivo legal retrata o Art. 205 da Constituio Federal e, igualmente o faz, ao abordar a dimenso tecnolgica da educao (qualificao para o trabalho).

    As fontes de inspirao da Educao so conquistas da humanidade consagradas em estatutos universais como a Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem (maro de 1948), a Declarao Universal dos Direitos Humanos (dezembro de 1948), as vrias Constituies nacionais c a atual Constituio Brasileira em seu Artigo 5.

    A finalidade da Educao de trplice natureza:

    a) O pleno desenvolvimento do educando Significa que a educao, como processo intencional, deve contribuir para que o organismo psicolgico do aprendiz se desenvolva numa trajetria harmoniosa e progressiva. o nvel cognitivo em evoluo, voltando-se para a assimilao de certos conhecimentos e de certas operaes mentais. A primeira etapa da trajetria corresponde s aprendizagens desenvolvidas na fase inicial da evoluo da criana. Aqui, as aprendizagens estimulam a formao de hbitos sensoriomotores. A segunda etapa corresponde formao consciente de estruturas, ao entendimento de propriedade e de relaes fundamentais do mundo real. Aqui, adquirem-se formas de fazer e de aplicar conhecimentos adquiridos. No nvel cognitivo, as pessoas desenvolvem a aprendizagem na relao direta com o seu mundo e, tambm, no uso do vocabulrio, medida que as palavras so portadoras de sentido. So elas condio essencial de aprendizagem, uma vez que constituem a base dos conceitos com os quais ns pensamos.

    b) Preparo para o exerccio da cidadania O conceito de cidadania centra-se na condio bsica de ser cidado, isto , titular de direitos e de deveres a partir de uma condio universal porque assegurada na Carta de Direitos da Organizao das Naes Unidas e de uma condio particular porque vazada em clusula ptrea da Constituio Federal: todos so iguais perante a lei. Mas tal entendimento vai alm, sob o resguardo do prprio texto constitucional, ao discriminar os chamados direitos sociais, a saber: educao, sade, trabalho, lazer, segurana, previdncia social, proteo maternidade e infncia, assistncia aos desamparados. Estes direitos so tidos, na atualidade e universalmente, como indicadores de competncia social. A educao escolar parte deles e, ao mesmo tempo, manancial para seu exerccio.

  • Pgina 34 A cidadania, hoje, no se reduz ao mbito da ao do Estado, mas se dilata nas diferentes

    formas de presso da sociedade civil para responder s particularidades de grupos e de pessoas.

    c) Qualificao para o trabalho- A relao educao-trabalho deve ser entendida como a necessidade de fazer do trabalho socialmente produtivo um elemento gerador de dinmica escolar. O estudante estimulado, pelo conjunto dos agentes da sala de aula (Professor, disciplina, materiais instrucionais e processos de acompanhamento e de avaliao), a inserir o aprendizado nas formas de produtividade. Como ensina MANACORDA (1977), a educao deve ser concebida como um processo onde cincia e trabalho coincidem. Assim, o objetivo essencial da educao cientfica a omnilateralidade do homem, visto que no trabalho que ele se realiza. Expresso criadora e transformadora, o trabalho o cho firme das chances de liberdade para o ser humano. Aprender, portanto, conhecer e aprender a fazer. Segundo BUBER (1977), a liberao das potencialidades humanas a condio prvia da educao. Este alicerce de todo o processo de realizao individual e coletiva no pode permanecer divorciado da educao. A escola e os Sistemas de Ensino precisam entrar no mundo do trabalho e introduzi-lo como categoria de inspirao do currculo se, de fato, pretendem resgatar a sala de aula como um ambiente funcional para a sociedade tecnolgica em metamorfose profunda.

    Para GRAMSCI (1976), o trabalho o elemento catalisador de toda a vida do indivduo e, mais do que isto, o elemento eficaz para se chegar a um conhecimento preciso e realista da natureza. Importa dizer que, dificilmente, se chegar a saber cientificamente, a dominar c a transformar a natureza, sem uma ao atravs do trabalho.

    O texto legal pretende possibilitar, ao estudante, os meios de aprendizagem que o conduzam a depreender, do contexto cotidiano e do trabalho, o mtodo cientfico e o teor humanista de que necessita para se realizar como cidado pleno na sociedade em que vive.

    A qualificao para o trabalho no quer significar uma diviso da vida em dois tempos: um tempo prprio para estudar e outro, um tempo sucedneo, para trabalhar. Considerando que no existem valores pedaggicos descontextualizados da prtica social e da vida real, entende-se que a educao no e para o trabalho inerente educao poltica. No se pode pensar em formao humana do aluno se, pela ao do trabalho, o cidado no contribuir para humanizar as estruturas sociais, econmicas e polticas. Como ensina JOO PAULO II (Laborem Exercens, 1981, p. 20) cada um se faz homem, entre outras coisas, atravs do trabalho, e esse fazer-se homem expressa precisamente a finalidade principal de todo o processo educativo.

    Pgina 35 Art. 39 O ensino ser ministrado com base nos seguintes princpios:

    I. Igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola;

    II. Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

    III. Pluralismo de idias e de concepes pedaggicas;

    IV. Respeito liberdade e apreo tolerncia;

    V. Coexistncia de instituies pblicas e privadas de ensino;

    VI. Gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais;

    VII. Valorizao do profissional da educao escolar;

    VIII. Gesto democrtica do ensino pblico, na forma desta Lei e da legislao dos sistemas de ensino;

    IX. Garantia de padro de qualidade;

    X. Valorizao da experincia extra-escolar;

    XI. Vinculao entre a educao escolar, o trabalho e as prticas sociais.

    Estes princpios constituem matria constitucional (Art. 206) e, como tal, assumem a forma de ordenamentos jurdicos universais quanto sua aplicao ao ensino ministrado nas escolas brasileiras.

    Considerando que a educao direito de todos e dever do Estado nos termos do Art. 205 da Constituio Federal, impositivo que, quando oferecida sob a forma de ensino sistematizado, esteja norteada por princpios bsicos que calam o mundo dos valores e o cho das significaes da organizao escolar e dos ritos educativos. Ademais, se todos so iguais perante a lei, o ensino oferecido deve ser igual na inteno especfica de cada disciplina e na investigao problematizadora da sala de aula. Os princpios, portanto, devem ser entendidos como elementos recorrentes do dilogo pedaggico e da prtica de ensino, de tal maneira que o ser, o valer e o refletir sejam vividos como elementos integradores de "situacionalidades" da sala de aula, de cada curso, de cada Escola, de cada Sistema de Ensino, de cada projeto educativo, enfim.

    Inc. I A igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola vai alm de se proclamar que a educao direito de todos. imperativo revelar como este direito pode ser exercido a partir da oferta escolar. Esta preocupao implica em se definirem, participativamente, parmetros de qualidade para a educao luz de trs princpios:

  • Pgina 36 a) Princpio da Incluso: Trabalhar com uma organizao escolar aberta a uma educao

    para a integrao na diversidade. A realidade plural dos alunos deve encontrar, na sala de aula, o espao adequado para a aprendizagem da convivncia entre diferentes. Este o melhor entendimento do conceito de equidade contido na Constituio Federal: Todos so iguais perante a Lei. Uma escola com qualidade funcional deve ser permevel s especificidades das populaes. A criana de classe social favorecida economicamente no tem problema de permanecer na escola. O problema existe com as crianas de periferias urbanas, de ambientes rurais, populaes submetidas a condies de extrema pobreza, populaes negras e indgena, alm dos evadidos e excludos do sistema escolar. Como garantir a permanncia de todos estes desfavorecidos socialmente, de modo que lhes seja assegurado um desenvolvimento pessoal luz do critrio da satisfa-o das necessidades bsicas de aprendizagem? O princpio da incluso o alicerce da ideia de uma s escola para todos, inclusive para aqueles alunos com algum tipo de deficincia.

    b) Princpio da Pertinncia dos Contedos e das Metodologias: Contextualizar os programas escolares a fim de que sejam instrumentos para a formao geral de uma cidadania moderna e participativa.

    c) Princpio da Avaliao Formativa: Diversificar a avaliao para que ela seja um processo impulsionador da aprendizagem e potencializador das capacidades dos alunos.

    Inc. IIA liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte c o saber , alm de norma constitucional inviolvel, princpio fecundador do processo de aprendizagem com autonomia. A verdadeira escola ou a escola no-autoritria tem como misso precpua formar para a autonomia. Neste sentido, o dilogo a sua linguagem prpria, mtodo, alis, muito utilizado nos primrdios da filosofia grega.

    Inc. III O pluralismo de idias e de concepes pedaggicas significa que o espao escolar c o ensino nele ministrado devem ser dinamizados a partir do conceito de heterogeneidade cultural. Mais do que isto: a partir do eixo igualdade/alteridade. O ponto essencial do trabalho do professor, ao preparar suas aulas, reside em como articular o itinerrio educativo da sala de aula com a pluralidade cultural e ideolgica dos alunos. Ao professor e Escola cabe contribuir para desatar as capacidades intelectuais do aluno, porm, jamais para induzir este aluno a pensar como ele (professor) pensa. Se a escola no caminhar neste horizonte, o ensino ser, apenas, um processo de impostura.

    Inc. IV O respeito liberdade e o apreo tolerncia so manifestaes avanadas da evoluo democrtica. O multiculturalismo vai sendo reconhecido medida

    Pgina 37 que se fortalecem o reconhecimento e o respeito aos direitos civis das minorias. O ensino torna-se, assim, um veculo privilegiado de aprofundamento de uma pedagogia dos direitos humanos (BEST, 1991, p. 39) e de uma convivncia democrtica tranquila entre as pessoas.

    Inc. V A coexistncia de instituies pblicas e privadas de ensino responde no apenas a exigncias de uma sociedade pluralista, um dos fundamentos da Repblica, mas tambm a dispositivos constitucionais que cometem, ao Estado e iniciativa privada, a co-responsabilidade de ministrao de ensino.

    Inc. VI Gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais - Esta uma questo de grandssimo alcance social. O contribuinte paga a escola, quando paga seus impostos. O princpio da gratuidade do ensino decorre, assim, das responsabilidades pblicas deste ente dinossurico que se chama estado. Cada vez que ele cobra por um servio que essencial e universal, como o caso da educao bsica, est praticando a bitributao, o que constitucionalmente vedado.

    Inc. VII A valorizao do profissional da educao escolar tema recorrente em todas as discusses sobre educao, porem, de limitado alcance sob o ponto de vista de sua operacionalizao. Como se trata de questo de dimenso poltico-transcendental, cabe sociedade brasileira exigir que os representantes polticos criem os marcos normativos e os mecanismos para concretizao deste princpio. Questes como carreira do magistrio, piso profissional, formao, poltica de capacitao, concurso para ingresso na carreira e mecanismos de atualizao permanente, so fulcrais no mbito da valorizao do profissional da educao. Nada disto, porm, ganhar expresso enquanto a sociedade no disser o que de-seja de sua escola e, em decorrncia, que tipo de professor deseja formar para trabalhar nesta escola. A rea de educao, apesar de grande detentora de mo-de-obra, concentra os mais baixos salrios do setor pblico. Talvez este fato explique a falta de professores. De 5a 8a srie mais Ensino Mdio, h necessidade de contratao de 250 mil professores licenciados. Na verdade, seriam necessrios 711 mil professores licenciados. Temos apenas 457 mil. Na rea municipal da regio Nordeste, ainda, perduram salrios aviltantes, embora a implantao do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio (FUNDEF) v modificando esta situao. Na verdade, quanto mais vigilante for a sociedade no sentido da fiscalizao e do controle dos recursos do FUNDEF, mais rapidamente tal situao se reverter. Enfim, sem bons salrios, no h boa escola nem h bom ensino e, com certeza, haver sub-educao, conceito que pertence ao mundo do faz de conta, da pedagogia da iluso.

    A valorizao do profissional da educao escolar questo diretamente ligada s condies de trabalho e ao salrio. Neste ltimo caso, vale a pena cada um perguntar o seguinte: No meu estado e no meu municpio, quanto vale um professor? Para responder a esta questo, a Revista Educao realizou um levantamento

  • Pgina 38

    indito objetivando cotejar o valor da hora-aula nas 27 unidades da federao e os resultados so assombrosos como se pode verificar:

    Acre

    25

    1200,00

    12,00 Alagoas 20 454,25 5,67

    Amap 40 957,00 5,98 Amazonas 20 595,00 7,43 Bahia 20 388,00 4,85 Cear 20 340,00 4,25 Distrito Federal 40 800,00 5,00 Esprito Santo 25 360,23 3,60 Gois 30 572,92 4,77 Maranho 20 850,00 10,62 Mato Grosso 30 978,00 8,15 Mato Grosso do Sul 20 365,38 4,56 Minas Gerais 24 382,28 3,90 Par - - 2,44 Paraba 20 670,00 8,37 Paran 20 515,00 6,43 Pernambuco 150 301,50 2,01

    Piau 40 459,00 2,86 Rio de Janeiro 22 431,00 4,89 Rio Grande do Norte 40 580,00 3,62 Rio Grande do Sul 20 421,13 5,26 Rondnia 40 897,00 5,60 Roraima 30 1205,40 10,04 Santa Catarina 40 585,75 3,66 So Paulo 30 800,60 6,67 Sergipe 25 343,08 3,43 Tocantins - - 9,22

    Revista Educao, ano 08, n 86, junho 2004

    E estranho que nem o MEC, atravs do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP), nem o Conselho Nacional de Secretrios de Educao (CONSEDE), nem a Confederao Nacional dos Trabalhadores em Educao (CNTE), nem a Unio Nacional de Dirigentes Municipais de Educao (UNDIME), instncias comprometidas com a qualidade dos servios educacionais, e, em decorrncia, com a valorizao dos profissionais da educao, disponham de dados sistematizados sobre o salrio docente.

    Os Estados e o Distrito Federal tm de investir, no mnimo, 25% de todas as transferncias e impostos em manuteno e desenvolvimento do ensino. O mesmo ocorre com os Municpios. Estes contam, ainda, com impostos arrecadados a

    T

    Pgina 39

    partir de legislao prpria, como o caso do IPTU, do ISS e do ITBI (Imposto sobre Transmisso de Bens Imveis). A Unio deve aplicar em educao pelo menos 18% do que arrecada. Estes recursos so constantemente ameaados pelo que MONLEVADE (1997, p. 83) chama de "demnios que cercam as verbas da educao", a saber: sonegao, isenes e desvios. Agora mesmo, vai tomando corpo, junto a vrios governadores, a ideia de acabar com a desvinculao constitucional dos recursos para a educao. Se isto acontecer, o pas sofrer um dos maiores retrocessos no tocante aplicao de recursos na rea social. Na verdade, a vinculao constitucional dos recursos para educao foi uma luta de toda a sociedade brasileira ao longo de 25 anos e que teve na Emenda Calmon (incorporada Constituio de 1988) o primeiro grande passo neste sentido. E lamentvel que a equipe econmica do governo atual venha trabalhando pelo fim da vinculao oramentria, o que significa um golpe fatal sobre os recursos constitucionais para educao e sade. Sem estes recursos, a dvida social do pas assumir propores inimaginveis. Com a aprovao da PEC 233/95, transformada na Emenda 14 Constituio Federal, oportunizou-se a criao do Fundo de Manuteno e De-senvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio, passo essencial para se reverter esta situao calamitosa de valorizao salarial do professor. A regulamentao dos Fundos se deu atravs da Lei 9.424/96. Seu funcionamento estava previsto para 1997, no entanto, governadores e prefeitos, pressentindo que a re-distribuio (ver o mecanismo de funcionamento na exegese dos Arts. 68 a 77) poderia ensejar perda de recursos, montaram um forte lobby, ficando a aplicao do FUNDEF para o ano seguinte. A partir de ento, a evoluo do valor bsico do salrio pago com recursos do FUNDEF passou a ser como se v abaixo:

    Evoluo do valor per capita (aluno/ano) do FUNDEF, no perodo 1997/2004 Ano

    1 a 4

    5 a 8 + Educao Especial

    1 a 8

    Ato legal de fixao do valor

    1997

    300,00

    Art. 6S, 42, Lei 9.424, de 24/12/1996

    1998

    -

    -

    315,00

    Dec. 2.440, de 23/1 2/1 967

    1999

    _

    _

    315,00

    Dec. 2.935, de 11/01/1999

    2000

    333,00

    349,65

    _

    Dec. 3.326, de 31/1 2/1 999

    2001

    363,00

    381,15

    _

    Dec. 3.742, de 01/02/2001

    2002

    418,00

    438,90

    _

    Dec. 4.103, de 24/01/2002

    2003

    462,00

    485,60

    _

    Dec. 4.861, de 20/10/2003

    2004

    537,71

    564,60

    - Dec. 4.966, de 30. 01. 2004

    Fonte: MEC/SEF/FUNDEF, 2004.

    Inc. VIII A gesto democrtica do ensino pblico tem sido um dos desafios dos anos 90. O horizonte deste conceito de gesto o da construo da cidadania que inclui: autonomia, participao, construo compartilhada dos nveis de deciso e

  • Pgina 40 posicionamento crtico em contraponto ideia de subalternidade. Este o visor que nos faz construir c enxergar a escola-cidad2 (nota: Expresso cunhada por BORDICNON, Genuno e OLIVEIRA, Lus S. Macedo de, "A escola cidad: uma utopia municipalista". Revista Educao Municipal. So

    Paulo, Cortez/Undime/Cead, no 4, mai-1989, p. 5-13.) que nada tem a ver com um modelo burocrtico tradicional, tecnicista e excludente. Na gesto democrtica, a ideologia da burocracia, que tem como eixo a hierarquia autoritria, substituda pela "construo da hegemonia da vontade comum", pela construo de um projeto poltico-pedaggico que a caracteriza e singulariza, na sua execuo, acompanhamento e avaliao, por todos os participantes3 (nota: ANPAE, "Administrao da Educao: Desafios dos anos 90", Anais do XVI Simpsio Brasileiro da Administrao c/a

    Educao, Rio de Janeiro - 7 a 11 de setembro de 1993, p. 31.). Neste caso, a eleio de diretores representa, apenas, um dos aspectos deste tipo de gesto, sem esgotar o processo de democratizao e de participao gestionrias. A formulao coletiva deste modelo de gesto parte da definio de uma filosofia pedaggica referenciada realidade social ampla, passando pelo entorno da escola, at adentrar o contexto imediato. So cenrios articulados para esta tarefa de definio do projeto poltico-pedaggico. Os atores/profissionais da educao precisam ter competncia tcnica, poltica e humana, condio que vai assegurar uma adequada percepo da realidade concreta.

    A gesto democrtica do ensino pblico fundamental para a ultrapassagem de prticas sociais aliceradas na excluso, na discriminao, na apartao social que inviabilizam a construo histrico-social dos sujeitos. Neste sentido, a ingerncia poltico-partidria na gesto escolar antidemocrtica e deformadora dos interesses educacionais.

    Inc. IX A garantia de padro de qualidade est cimentada no princpio da eqidade/diversidade que no pode ser visto como critrio abstrato de oferta de ensino. Urge desocultar os parmetros concretos de um ensino de qualidade. O comeo do comeo e a visualizao dos fundamentos ticos deste ensino. Fundamentos que vo alm dos conceitos de eficcia e de eficincia administrativas. Cabe, aqui, ressituar a questo das demandas sociais face ao saber escolar formal. Professores bem qualificados e bem pagos, escolas adequadamente equipadas, salas de aula bem organizadas so precondies importantes para a garantia de um padro de qualidade institucional. Porm, no currculo, na eleio das disciplinas, na integrao dos contedos, na formulao dos objetivos de cada programa e na forma da construo da aprendizagem no cotidiano da sala de aula que se reflete, de fato, o chamado padro de qualidade. Mas, o currculo somente motiva, criativamente, quando h materiais pedaggicos disposio de professores e de alunos e, ainda, quando o uso deste material feito mediante uma prtica pedaggica

    Pgina 41 avaliada permanentemente. E esta prtica deve ser fonte de uma formao permanente em servio. O currculo foca os contedos e esta prtica pedaggica avaliada foca o aluno nas suas diferenas individuais e, portanto, nas suas apropriaes diferenciadas de trabalhar e de assimilar cada disciplina.

    O contedo legal destes dois ltimos incisos (Gesto Democrtica do Ensino Pblico e Garantia de Padro de Qualidade) deve ser agregado ao Art. 4, Inc. IX, que trata do "padro mnimo de qualidade do ensino, como um dos deveres do Estado com a educao escolar pblica. Estes trs dispositivos formam o amlgama garantidor de sistemas de ensino e de redes de escolas comprometidos com uma educao para a sociedade do conhecimento. Importa dizer que os prprios gestores dos sistemas precisam estar adequadamente preparados para o exerccio de uma gesto educativa em uma sociedade que est trocando ordenamentos patrimonialistas por conhecimento, competncia e capacidade co-gestionria. A realidade brasileira mostra que estamos bem distantes deste tipo de gesto. Pesquisa da UNESCO e da Unio dos Dirigentes Municipais de Educao (UNDIME), denominada "Um Perfil dos Dirigentes Municipais de Educao/2000", revelou que apenas l em cada 5 secretrios municipais de educao concluiu o Ensino Mdio. O tempo mdio de estudo foi de 14,7 anos, ou seja, tempo inferior ao necessrio para se percorrerem os caminhos da educao infantil, do ensino fundamental e mdio. Isto sem contar a ocorrncia de anos de repetncia. Foram ouvidos 2.000 secretrios em todo o Brasil e este estado de "calamidade pblica" est presente em todas as regies do pas. Por fim, convm registrar que as avaliaes internacionais (testes e provas) com alunos brasileiros revelam a m qualidade da educao bsica oferecida, com foco nas reas de Matemtica e Portugus. Alguns pesquisadores consideram a baixa qualidade do ensino mdio como um problema mais preocupante do que o j reconhecido nvel crtico de qualidade do ensino fundamental. Resultados recentes do SAEB (Sistema de Avaliao da Educao Bsica) revela que os alunos da 3a srie do ensino mdio apresentam uma baixa performance no campo das competncias e habilidades de leitura e de resoluo de problemas. Ou seja, no caso de portugus, desenvolveram habilidades insuficientes para o nvel de letramento da 3a srie. No caso de matemtica, os alunos no conseguiram responder a comandos operacionais elementares compatveis com a 3a srie do ensino mdio. As ltimas estatsticas da educao bsica/2004 confirmam estas constataes do SAEB. Os dados mais relevantes so: a) mais de 10 milhes de alunos esto em sries atrasadas para a sua idade; b) um em cada cinco alunos do ensino fundamental e mdio, o que equivale a 8,7 milhes de estudantes e a 19,8% do total de matrculas, foi reprovado ou abandonou a escola em 2002; c) no ensino mdio, a proporo de alunos reprovados evoluiu de 10,7% em 2000, para 10,9% em 2001 e, afinal, para 11,5% em 2002; d) no ensino mdio, a evoluo foi 7,4% em 2000, 7,7% em 2001 e 8,5% em

  • Pgina 42 2002; c) as desigualdades regionais so, mais uma vez, reveladas pelas estatsticas. Enquanto a proporo nacional mdia de aprovao da primeira oitava srie do ensino fundamental ficou em 10,7% na regio Nordeste, a reprovao foi a mais alta do pas, alcanando 14,8%.

    Inc. X Valorizao da experincia extra-escolar: Aqui est uma das desafiadoras questes do ensino brasileiro. A nossa tradio escolar, radicalmente formal e formalizante, tem impedido o desenvolvimento de uma cultura pedaggica que valorize o patrimnio de conhecimentos que o aluno construiu e constri fora do espao da sala de aula. No fundo, esta dificuldade traduz a relevncia absoluta que se d qualidade formal do conhecimento. O saber sistematizado encorpa um tipo de hegemonia que beneficia estratos restritos da sociedade, em detrimento da coletividade ampla. Os prprios professores recebem uma formao que lhes dificulta o desenvolvimento da capacidade para construir intersees de saberes no bojo das disciplinas que ministram. O extra-escolar representa um canal importante para abrir espaos de articulao escola/comunidade, pela possibilidade de construir um contedo de ensino capaz de "satisfazer as necessidades bsicas de aprendizagem".

    Convm destacar que o extra-escolar no a subeducao. Pelo contrrio, o extra-escolar o trabalho, a convivncia, o lazer, a famlia, o amor, a festa, a igreja, o esporte em suas diferentes modalidades, a vida, enfim. Portanto, valorizar o extra-escolar atribuir valor educativo ao cotidiano das pessoas; ou seja, "o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade" (HELLER, 1972, p. 17).

    Inc. XI A vinculao entre a educao escolar, o trabalho e as prticas sociais tem, no currculo escolar, seu esturio prprio de concretizao. Esta relao significa o prprio desenho da formao bsica na linha da pedagogia contempornea do "aprender a aprender". Sem isto, no se pode falar em qualidade educativa nem em ensino de qualidade. Nesta perspectiva, h de se alentar uma urgente transformao da pedagogia pouco afeita ideia de atribuir, ao ensino, uma dimenso produtiva. A prpria expresso ensino/aprendizagem transmite a ideia de ensino como processo passivo, marcado por uma formulao burocrtica inercial. Longe desta viso, o texto legal preconiza um ensino ativo enriquecido pelo dinamismo interno do trabalhar e fecundado pelas vibraes transformadoras das prticas sociais. Para tal, necessrio substituir a ideia de grade curricular pela ideia de currculo ativo. O uso dos mtodos pedaggicos precisa, igualmente, ser reorientado, uma vez que eles no existem para "aprisionar" os conhecimentos, as disciplinas, seno para realar os processos das articulaes do que se est aprendendo.

    Pgina 43 TITULO III

    DO DIREITO EDUCAO E DO DEVER DE EDUCAR

    Art. 4 O dever do Estado com educao escolar pblica ser efetivado mediante a garantia de:

    I. Ensino fundamental, obrigatrio e gratuito, inclusive para os que a ele no tiveram acesso na idade prpria;

    II. Progressiva extenso da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino mdio;

    III. Atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;

    IV. Atendimento gratuito em creches e pr-escolas s crianas de zero a seis anos de idade;

    V. Acesso aos nveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criao artstica, segundo a capacidade de cada um;

    VI. Oferta de ensino noturno regular, adequado s condies do educando;

    VII. Oferta de educao escolar regular para jovens e adultos, com caractersticas e modalidades adequadas s suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condies de acesso e permanncia na escola;

    VIM. Atendimento ao educando, no ensino fundamental pblico, por meio de programas suplementares de material didtico-escolar, transporte, alimentao e assistncia sade;

    IX. Padres mnimos de qualidade de ensino. Definidos como a variedade e quantidade mnimas, por aluno, de insumos indispensveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

    Inc. I O Poder Pblico, nos seus vrios desdobramentos formais (Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios), tem o dever de oferecer ensino fundamental gratuito a todas as crianas na faixa etria de 7 a 14 e, ainda, quelas pessoas que no puderam frequentar este nvel de ensino na idade prpria.

  • Pgina 44

    A Evoluo da Matrcula no Ensino Fundamental por Regies e no Brasil foi a seguinte nos ltimos 4 anos:

    Matrculas no Ensino Fundamental por Regio

    Regio

    1999

    2001 2002

    2003*

    Norte

    3.317.657

    3.272.305

    3.331.130

    3.255.476

    Nordeste

    12.552.677

    12.430.998

    12.369.470

    12.119.384

    Centro-Oeste

    2.626.659

    2.542.969

    2.582.346

    2.500.726

    Sudeste

    13.201.120

    12.672.107

    12.575.085

    12.415.790

    Sul 4.472.530

    4.379.710 4.375.465

    4.352.556

    Brasil

    36.170.643

    35.298.089

    35.233.496

    34.719.506

    Fonte: MEC/INEF! 2004.

    * Os dados de 2003 so preliminares.

    O declnio de matrcula no Ensino Fundamental se deve ao fato de que o Brasil j em 1998 atingiu uma taxa de escolarizao lquida de 98% (relao percentual da populao de 7 a 14 anos matriculada no Fundamental sobre o total da matrcula da populao nessa faixa etria). O grande desafio consiste em assegurar condies de permanncia no sistema e de xito escolar. No menos importante registrar que os desnveis regionais em matria de escolaridade continuam maisculos. Basta lembrar que, nas Regies Norte e Nordeste, no que pesem os avanos de 1991 a 1998, as taxas de escolarizao continuam bem abaixo da mdia nacional. Tanto mais grave: estas duas Regies possuem cerca de 60% das crianas de 7 a 14 anos que esto fora da escola.

    Apesar de uma cobertura de matrcula bastante expressiva, com a mdia nacional em torno de 95%, havia, neste mesmo ano, 1.3 milhes de crianas na faixa etria de escolaridade compulsria fora da escola. Deste total, 84% eram crianas residentes na regio Nordeste.

    Inc. II O Ensino Mdio e a etapa final da Educao Bsica. Embora com uma matrcula em 2003 de 8.398.008 para uma populao na faixa etria prpria (de 15 a 17 anos) de 10.727.038, segundo o IBGE, h de se considerar, pela relevncia do problema, que 63% dos brasileiros matriculados neste nvel de ensino esto fora da faixa etria. Por outro lado, embora gratuito nas escolas pblicas, o Ensino Mdio, equivocadamente, no obrigatrio. A lei fala em sua progressiva obrigatoriedade e gratuidade. Esta posio deixa o Brasil em ntida desvantagem em relao ao que ocorre no apenas no mundo desenvolvido, mas tambm em muitos pases com nvel de desenvolvimento semelhante ao nosso. Vejamos a situao da populao com o Ensino Mdio em alguns pases em diferentes regies do mundo:

    Pgina 45

    Alemanha Grcia

    Inglaterra Israel Chile

    Argentina Hong-Kong

    Uruguai Hungria

    Itlia Frana Malsia

    Tailndia Indonsia

    ndia Brasil

    99% 95% 94% 94% 93% 90% 90% 90% 89% 89% 88% 85% 73% 71% 60% 13%

    Fonte: UNESCO's Statistics on Education, 2003.

    Estudos recentes indicam que a populao brasileira se acha cerca de dois anos de estudo abaixo da expectativa de um pas com idntica renda per capita. Focando esta questo na perspectiva latino-americana, pases como Argentina, Chile, Colmbia, Venezuela, Costa Rica e Mxico se encontram dois anos a mais em termos de mdia de escolaridade. Note-se que estes pases tm renda per capita similar do Brasil (Relatrio Sobre Desenvolvimento Humano, ONU, 2002).

    No que pesem as possibilidades de acesso 2- fase do ensino fundamental e ao prprio ensino mdio virem crescendo significativamente a partir de 1990 (entre 92 e 98, as matrculas no Ensino Mdio cresceram a uma taxa anual acima de 11%, o que representa um incremento jamais visto no Brasil), continuamos, ainda, em ritmo abaixo das necessidades do Pas. Este fato revela que o quadro de escolarizao desigual em nosso pas resulta do processo de extrema concentrao de renda e de nveis elevados de pobreza. O Quadro que segue d uma viso de conjunto da condio de educao da populao adulta na Amrica Latina:

    INDICADORES DE EDUCAO E IDH DA POPULAO NA AMRICA LATINA

    Pas

    PI B per capita US$

    Taxa de analfabetismo

    N de anos de estudo

    IDH

    Argentina

    6,9

    3,2

    8,7

    0,849 Bolvia

    9,5

    14,6

    4,0

    0,672

    Brasil

    3,07

    12,4

    4,6

    0,777 Chile

    4,6

    4,2

    7,9

    0,831

    Colmbia

    1,89

    8,4

    7,1

    0,779

  • Pgina 46

    Pas PIB per capita US$

    Taxa de analfabetismo

    N de anos de estudo

    IDH

    Costa Rica

    4,06

    4,4

    8,1

    0,832 Cuba

    7,45

    3,3

    7,6

    0,806

    El Salvador

    1,897

    21,3

    4,1

    0,719 Equador

    1,080

    8,4

    5,6

    0,731

    Guatemala

    1,680

    39,5

    5,3

    0,652 Haiti

    4,8

    50,2

    1,7

    0,467

    Honduras

    9,0

    25,0

    3,9

    0,667 Mxico

    5,5

    8,8

    7,9

    0,800

    Nicargua

    3,70

    35,5

    4,3

    0,643 Panam

    3,231

    8,1

    7,3

    0,788

    Paraguai

    1,35

    6,7

    4,9

    0,751 Peru

    1,98

    10,1

    6,4

    0,752

    Rep. Dominicana

    2,537

    16,3

    4,3

    0,737 Uruguai

    5,71

    2,4

    8,3

    0,834

    Venezuela

    4,960

    7,5

    7,9

    0,775 O IDH capta a expectativa de vida, grau de conhecimento traduzido por duas variveis: a taxa de

    alfabetizao de adultos e a taxa combinada de matrcula nos trs nveis de ensino, renda "per capita" ajustada para refletir a paridade do poder de compra entre pases.

    Fontes: Banco Mundial, Pnud, Unesco, 2004.

    Numa viso de sntese, constata-se que a escolaridade no Brasil inferior quela dos pases membros da OECD e at mesmo de pases da Amrica Latina. O Quadro que segue aponta neste sentido:

    Brasil e outros pases: percentual da populao de 25 a 64 anos, por nvel mximo de escolaridade atingida.

    Pas

    Ensino Fundamental

    Completo

    Ensino Mdio Completo

    3 grau no universitrio

    Educao Superior

    Coria

    39

    42

    19 Espanha

    70

    13

    5

    13 Estados Unidos

    14

    52

    8

    26 Hungria

    37

    50

    13 Polnia

    26

    61

    3

    10 Portugal

    80

    9

    3

    7 Repblica Checa

    16

    74

    0

    10 Mdia OECD

    40

    40

    10

    13 Argentina

    73

    18

    4

    5 Brasil

    75

    16

    9 ndia

    92

    3

    1

    5 Paraguai

    67

    19

    13

    11 Uruguai

    73

    12

    4

    10

    Fonte: Education at a Glance. OECD, 1998.

    Por outro lado, no se pode negar uma melhoria crescente nas estatsticas da Educao Bsica, com destaque para o Ensino Mdio, como se pode ver nas Tabelas que seguem:

    Brasil: estimativa de matrculas na Educao Bsica 1995 a 2010.

    Ano Total (em mil) 1aa45(%) 5a a 8 (%) Ensino Mdio

    1995 37.857 52,9 33,0 14,0 1998 42.451 49,9 33,7 16,4 2002 44.968 42,9 34,8 22,3 2006 43.936 40,9 35,3 23,7 2010 42.594 40,5 35,2 24,3

    Fonte: MEC/INEP/SEEC.

    Brasil: evoluo das matrculas de 1a 4a e de 5a 8a sries no Ensino Fundamental - 1997 a 2000.

    Ano

    Total 1a a 4 srie

    5a a 8a srie

    1975 19.549.249 13.919.065 5.630.183 1985 24.769.359 17.338.551 7.430.807 1989 27.557.542 18.849.358 8.708.183 1993 30.548.879 19.795.673 10.753.205 1997 34.229.388 20.571.862 13.657.525 2000 35.717.948 20.211.506 15.506.442

    Variao % 4,3 -1,8 13,5

    Fonte: MEC/INEP/SEEC, 2000.

    Matrculas no Ensino Mdio

    Regio 2002 2003 Crescimento

    Norte 669.269 695.142 3,8 Nordeste 2.374.200 2.545.164 7,2

    Centro-Oeste 628.070 633.808 0