36
1 ! "#$ % &’! () ! ( *++ $ ! , *++ $ "" ! -. /0 ! 122& & & 0/0

 · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

1

������������������� ���������������

��������������

���������������������� �����������������

�������� �!�"#$��% & ����'������!�������������() �!�������( ��������� *++� ��� ���$� � �� !� ,�� *++� ��� ���$� �""�� !� ��-�. ����/��� 0���� !� 1����22& & & 0����/��� 0����

Page 2:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

2

��

34 5��� 1. Introdução 2 2. A Lei Eleitoral e o Regulamento da Lei Eleitoral 6 3. Regulação da Comunicação Social e Restrições à Livre Expressão 13 4. Acesso à Informação 21 Anexo: Padrões Internacionais sobre a Liberdade de Expressão 27 ������� ��� ��� ���Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente de Angola: estas vão ser as primeiras eleições nacionais realizadas desde o cessar-fogo assinado em 2002, e apenas a segunda volta de eleições já realizadas no país. O sucesso das eleições será crucial para o futuro da democracia em Angola. O respeito total pela liberdade de expressão será um factor crítico durante as eleições. Numa democracia, os cidadãos nomeiam o governo da sua escolha, votando nos seus candidatos preferidos em eleições periódicas. Para poder fazer isto, devem estar inteiramente informados sobre quem está a concorrer e quais os programas e os currículos dos candidatos. Por sua vez, isto envolve uma comunicação social livre e pluralística e – para os candidatos – um acesso equitativo aos órgãos de comunicação social, num ambiente com um enquadramento regulatório que proporcione a liberdade de expressão. O acesso livre à informação, incluindo aquela em posse de órgãos do governo, também é decisivo: uma devida vistoria das políticas do governo do dia é impossível quando prevalece um clima de secretismo. Isto quer dizer que é necessário que esteja em vigor uma lei sobre o acesso à informação e que as leis sobre os segredos do estado e outras restrições de cunho penal (criminais) não devem injustificadamente neutralizar a livre circulação livre de informação. Este relatório analisa – dentro do actual quadro legislativo de Angola – três conjuntos de leis que são pertinentes à liberdade de expressão em períodos eleitorais: a Lei Eleitoral e o Regulamento da Lei Eleitoral; o enquadramento regulatório da comunicação social; e o enquadramento regulatório que envolve o acesso à informação. Analisamos estas leis com base em padrões internacionais em matéria de liberdade de expressão. Angola é parte de vários tratados internacionais que protegem o direito à liberdade de expressão assim como o direito ao voto e o direito de participar em assuntos públicos, e está juridicamente sujeita

Page 3:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

3

a fazer valer estes direitos a todos dentro do seu território nacional e sob a sua jurisdição1. Ao passo que estes tratados internacionais reconhecem que a liberdade de expressão não é um direito ilimitado, requerem que quaisquer restrições sejam especificamente indicadas na lei e rigorosamente limitadas ao que for necessário e proporcional para a protecção de um interesse público legítimo. Não obstante que o direito internacional reconheça que a gestão de eleições sem incidentes contra a ordem justifique a regulação da conduta da comunicação social, quaisquer restrições não podem ir além de parâmetros rigorosamente definidos: leis que impõem restrições além daquelas que são extremamente necessárias, ou que impõem restrições vagas ou exprimidas em terminologia imprecisa sãos incompatíveis com o direito à liberdade de expressão2. Contra este pano de fundo, ao mesmo tempo que saudamos medidas tomadas recentemente para a liberalização do quadro regulatório da comunicação social, preocupa-nos que o enquadramento jurídico global continue a restringir a liberdade de expressão para além do que pode ser justificado como sendo ‘necessário’. As nossas preocupações, em termos amplos, dividem-se em duas categorias. Em primeiro lugar, são preocupações que decorrem de um conjunto de leis e regulamentos que impõem restrições injustificáveis à liberdade de expressão. Estão aí incluídas restrições à comunicação social como aquelas, por exemplo, decorrentes das disposições sobre difamação constantes do Código Penal ou a obrigação de que todos os jornalistas devam ser absolutamente imparciais. Exprimimos também a nossa preocupação com restrições impostas aos próprios candidatos através de disposições constantes de várias leis e do regulamento da lei eleitoral. Por exemplo, o Código de Conduta Eleitoral proíbe a prática de promessas eleitorais ‘irrealizáveis’ ou comportamentos contrários à ‘ética’ e ‘costumes sociais’. Restrições deste género são facilmente abusadas para restringir a liberdade de expressão ilegitimamente. Em segundo lugar, preocupa-nos também que embora existam alguns diplomas que possam promover o livre fluxo de informação e ideias, estas leis não são suficientemente postas em prática. O exemplo principal aqui é a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos que foi adoptada em 2002. Embora legislação como esta poderia teoricamente promover uma governação mais aberta e permitir que jornalistas responsabilizem aqueles no poder pelos seus actos, a lei angolana sobre o acesso à informação continua praticamente intocada até ao presente. De forma geral, isto resulta num quadro jurídico e regulatório que impede, em vez de promover, o livre fluxo de informação e ideias. Por conseguinte, recomendamos que as seguintes medidas sejam tomadas para melhorar a liberdade de comunicação social antes das eleições de 2008 e 2009: �� ��� ����� ������ �� ��� �� ����� ����� � �����������

1 Em particular, vamos trabalhar com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o principal tratado de direitos humanos das NU, e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, o principal instrumento de direitos humanos a nível regional. Angola é parte dos dois e por isso obrigada nos termos do direito internacional a fazer cumprir o respeito aos direitos garantidos ao abrigo destes tratados, que incluem o direito à liberdade de expressão. 2 O Anexo 1 pormenoriza estes requisitos gerais.

Page 4:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

4

Tempo de antena • O direito ao tempo de antena deve ser limitado à comunicação social pública. A lei deve

ser clara que todos os candidatos e partidos têm o uso gratuito em termos iguais das facilidades dos órgãos da comunicação social pública para a produção da sua propaganda de campanha.

• A Comissão Eleitoral deve agir com o maior cuidado e respeito pela liberdade de expressão sempre que houver alegações de abuso do direito de tempo de antena.

Restrições ao discurso e reportagem em tempo de campanha eleitoral • A lei não deve impor restrições vagamente definidas ou sujeitas a mais de uma

interpretação sobre o discurso de campanha. Em especial, não deve haver nenhuma proibição de conteúdo que possa vir a ser entendido como sendo difamatório de órgãos públicos, ofensivo aos valores ou instituições democráticas, ou que ‘manche’ a imagem dos candidatos.

• Não deve haver nenhuma proibição sobre a reportagem de sondagens de opinião. • A obrigação de equilíbrio e isenção deve ser imposta apenas à comunicação social

televisiva. Reuniões e comícios políticos • A polícia não deve ter o poder de recusar a autorização de reuniões políticas. Se

depararem com uma reunião sem autorização, devem fazer todos os esforços para permitirem que o evento vá em frente e tomarem mediadas para dispersa-lo apenas se houver perigo imediato de atentado sério à ordem pública.

� ��� ����� �� ���� � �� � �������� ��� ��� ��������� ������� � � ������ ��� ���� ���������� !�����Sobre a regulação da comunicação social • O sistema de registo para órgãos da comunicação social impressa deve ser de cariz

puramente técnica e administrativa. Deve ser gerido por um órgão independente; não deve haver nenhuma discrição para recusar o registo; e não deve haver nenhuma punição por publicar sem registo.

• Não deve haver registo ou licenciamento de jornalistas a nível individual. • Não deve haver qualquer obrigação por parte de quaisquer jornalistas de serem

imparciais, ou de divulgarem informação com absoluto rigor. Restrições sobre o conteúdo • A Lei de Imprensa não deve repetir as ofensas já previstas no Código Penal • As restrições à liberdade de expressão que fazem parte da Lei de Imprensa devem estar

claras e rigorosamente elaboradas, e com a intenção de seguir objectivos legítimos. • A Lei de Imprensa não deve proibir a publicação de ‘notícias falsas’. • A difamação deve ser inteiramente descriminalizada. Se isto não for imediatamente

possível, então no mínimo deve-se remover a provisão de pena de cadeia, dando lugar à admissão da prova da verdade.

Restrições em técnicas investigativas

Page 5:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

5

• Restrições sobre o uso por parte de jornalistas de máquinas fotográficas ou de gravadores ocultos deve ser removido da Lei de Imprensa. As leis gerais sobre privacidade devem permitir que o interesse público ultrapasse os interesses da privacidade.

O direito de resposta • O direito de resposta deve apenas estar disponível em casos de publicação de uma

matéria falsa que afecte os direitos de outrem, e apenas quando uma rectificação não bastar.

�� ��� ����� ������ ����� ����"���#��� ������� Melhorando o regime do acesso • A Lei de Acesso aos Documentos Administrativos necessita passar por uma revisão

para integrar o princípio de que todos os documentos detidos por autoridades públicas são abertos, sujeito apenas a um regime restrito de excepções.

• O acesso deve ser recusado apenas caso a divulgação [da informação requisitada] possa causar um dano real a um interesse legítimo protegido, tal como a segurança nacional. Ainda assim, o acesso deve ser autorizado se existir um interesse público ainda maior na divulgação daquela informação.

• A lei do Segredo de Estado deve, do mesmo modo, passar por uma revisão, de modo que documentos sejam classificados apenas caso a sua divulgação causaria um dano real à segurança nacional ou a outros interesses legítimos protegidos.

Monitorização e fiscalização • Um regime eficaz de monitorização e fiscalização necessita ser estabelecido, com

poderes para não só fazer cumprir a lei quando necessário, mas também realizar actividades de formação e promoção de uma consciencialização sobre a lei

• O órgão de fiscalização deve estar adequadamente financiado e equipado com pessoal competente para realizar as suas funções.

Divulgação de segredos do estado • Jornalistas que publicam uma informação que lhes chegou em função de um fuga, e que

lhes foi comunicada em boa fé boa e no interesse público, não devem ser sujeitos a processo criminal.

• É necessário haver uma forma de protecção para os denunciantes (whistleblowers = ‘sopradores de apito’) – indivíduos que ao longo do transcurso das suas funções profissionais deparam com informação que demonstra irregularidades e que decidem em boa fé divulgar essa informação.

Nas seguintes Secções, analisamos em mais pormenores as nossas preocupações e recomendações.

Page 6:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

6

$��% �&'��'&'��� �%&� ����'( &%) '� �� ����&'��'&'��� �%&��6����7% �/���A Lei Eleitoral e o Regulamento da Lei Eleitoral contêm várias provisões que regulam a liberdade de expressão e de informação durante períodos eleitorais, incluindo sobre o que os candidatos podem e não podem dizer, como a comunicação social deve cobrir as eleições e o grau de acesso à comunicação social que os candidatos e os partidos políticos devem ter. Três actos legislativos são de particular relevância: a Lei Eleitoral de 17 de Junho de 20043; o Regulamento da Lei Eleitoral de 24 de Agosto, de 2005, que da execução a Lei Eleitoral4; e a Resolução Governamental 10/05 de Julho de 2005, que decretou o Código de Conduta Eleitoral5. Acesso à comunicação social e cobertura A Lei Eleitoral estabelece o enquadramento regulatório geral para a liberdade de expressão em períodos de eleições. O Título V da Lei Eleitoral (sobre “Campanha Eleitoral”) contem no Capítulo II – sobre “Propaganda Eleitoral” – várias regras sobre não só como os candidatos e partidos devem gerir as suas campanhas, mas também sobre como a comunicação social deve dar cobertura às campanhas eleitorais. Esta secção da lei estabelece regras sobre a afixação de cartazes e sobre o uso de sistemas sonoros (que são restringidos ao período entre as sete horas da manhã e as 20 horas). A lei contempla também o direito dos candidatos de desfrutarem de acesso à rádio e à televisão. O Artigo 87 estabelece que durante o período de campanha, os candidatos às eleições presidenciais e os partidos e as coligações que concorrem às outras eleições têm o direito a 10 minutos de tempo de antena na rádio por dia, entre as 12 e 22 horas e cinco minutos de tempo de antena na televisão por dia entre as 18 e as 22 horas. A distribuição da ordem de utilização dos tempos de antena é feita por sorteio pela Comissão Nacional Eleitoral. Tempo adicional pode ser cedido pelos órgãos de comunicação social privados, desde que esta cedência seja aberta em igualdade de condições a todos os candidatos e partidos. O Artigo 93 da Lei Eleitoral, no entanto, proíbe o uso de “publicidade comercial”, o que parece ter o efeito de proibir qualquer publicidade paga6. O Artigo 184 proíbe o “uso abusivo” de tempo de antena, tal uso sendo definido como consistindo de “expressões ou imagens que constituam o crime de difamação, calúnia ou injúria da pessoa de outrem ou façam apelo à desordem, anarquia, insurreição ou incitamento ao ódio, à violência ou à guerra”. Qualquer candidato ou partido que usar o que for interpretado como sendo o tipo de mensagem contemplada no Artigo 184, perde o direito de acesso à comunicação social e pode também ser responsabilizado nos termos gerais do direito civil ou criminal. O Artigo 185 estabelece que a Comissão Eleitoral fará cumprir o Artigo 184 e enuncia várias garantias de equidade processual. O Artigo 51 do

3 Lei Eleitoral de Angola, Lei 7/2004, de 17 de Junho de 2004, que pode encontrar aqui: http://www.cne.gv.ao/legislacao/legislacao.html. 4 Decreto No. 58/05, de 24 de Agosto de 2005, que pode encontrar aqui: http://www.cne.gv.ao/legislacao/legislacao.html. 5 Resolução No. 10/05 de 4 de Julho de 2005, que pode encontrar aqui: http://www.cne.gv.ao/legislacao/legislacao.html. 6 O autor aguarda mais informação sobre a interpretação deste artigo.

Page 7:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

7

Regulamento da Lei Eleitoral é praticamente uma repetição na íntegra da substância do Artigo 184 da Lei Eleitoral, mas estabelece uma suspensão do direito de tempo de antena de até cinco dias. Os Artigos 52 a 56 impõem regras derivadas das garantias de equidade processual aplicáveis a esta matéria, incluindo o direito de apelo final aos tribunais. O Artigo 88 da Lei Eleitoral requer que todas as publicações garantam a igualdade de tratamento a todos os candidatos. O Artigo 48 do Regulamento da Lei Eleitoral aprofunda este tema, impondo a todas as publicações periódicas, à excepção daquelas que pertencem aos partidos políticos, a obrigatoriedade de serem absolutamente imparciais na sua cobertura das eleições, incluindo na disponibilização de espaço que dedicam a cada um dos candidatos ou dos partidos. O Artigo 49 impõe a todas as emissoras de rádio e televisão uma obrigação geral de ‘tratamento igual’ [para todos os concorrentes]. A Lei Eleitoral impõe também várias restrições vagas ou expressas em terminologia imprecisa sobre a cobertura mediática das eleições. O Artigo 78 protege o direito à liberdade de expressão, mas impõe aos órgãos de comunicação social que se conduzam “de uma maneira profissional disciplinada”. O Artigo 21 do Código de Conduta Eleitoral pormenoriza esta matéria e requer dos órgãos de comunicação social que actuem com os devidos rigor e profissionalismo, que se abstenham de incitamento ao ódio e se abstenham de “outras formas de linguagem que possam conduzir à violência”. Para terminar, o Artigo 82 da Lei Eleitoral repete várias proibições que constam em outros diplomas legislativos, sobre difamação, calúnia ou injúria, apelo à desordem ou à insurreição ou incitamento ao ódio ou à guerra. O Artigo 81 da Lei Eleitoral proíbe qualquer divulgação de resultados de sondagens de opiniões durante todo o período de campanha. O Artigo 41 do Regulamento da Lei Eleitoral acresce uma cláusula sobre um ‘período de reflexão’ proibindo qualquer actividade de campanha eleitoral a partir das zero horas do dia anterior ao dia marcado para as eleições. O Artigo 124 da Lei Eleitoral permite a presença de órgãos de comunicação social dentro das assembleias de voto, devendo os seus agentes identificarem-se nessa capacidade e abster-se de colher imagens “muito perto das urnas” ou entrevistar eleitores dentro da área dos 500 metros do local da assembleia de voto. O Artigo 78(3) da Lei Eleitoral estabelece que órgãos de comunicação social e seus representantes não possam ser sujeitos a qualquer forma de sanções por actos integrados na campanha até após o termo das campanhas eleitorais. Restrições ao discurso de campanha e afim Tanto o Regulamento da Lei Eleitoral como o Código de Conduta Eleitoral impõem várias restrições à propaganda de campanha. O Artigo 40 do Regulamento da Lei Eleitoral proíbe, inter alia, ofensas a moralidade, apologia da violência, incitamento à desordem pública ou à desobediência colectiva e a difamação de órgãos ou entidades públicas. Isto é pormenorizado nos Artigos 3 a 8 do Código de Conduta Eleitoral, que estabelecem os direitos e os deveres dos partidos e dos candidatos, e dos seus militantes. Em suma, a secção sobre direitos entra em detalhes sobre os direitos gerais de liberdade de expressão e

Page 8:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

8

de reunião, colocados num contexto de actividades eleitorais. As restrições, que fazem parte dos Artigos 4, 6 e 8, incluem o seguinte:

���abster-se de reunir sem comunicação prévia às autoridades (Artigos 4(b) e 6(b)); ���abster-se de fazer promessas eleitorais “irrealizáveis” (Artigos 4(f) e 6(e)); ���abster-se de adoptar condutas contrárias à ética eleitoral ou aos bons costumes

(Artigos 4(g) e 6(f)), ou agir de modos “contrários à democracia” (aplica-se a militantes e simpatizantes), sob o Artigo 8(g); e

���abster de usar órgãos de comunicação social para ofender os militantes de outros partidos e candidatos (Artigo 8(e)).

O Código de Conduta Eleitoral impõe também deveres a entidades religiosas, autoridades tradicionais e intervenientes da sociedade civil (nos Artigos 25, 27 e 29, respectivamente), incluindo imposições de se absterem de usar linguagem que possa conduzir à intolerância ou à discriminação. A Comissão Eleitoral faz cumprir o Código de Conduta Eleitoral. ��8������As várias provisões na Lei Eleitoral, no Código de Conduta e no Regulamento [da Lei Eleitoral] que afectam a livre expressão e os órgãos de comunicação social dividem-se em duas categorias: um conjunto que regula o acesso aos órgãos de comunicação social, e um outro conjunto que restringe o que pode ser dito, publicado ou veiculado por candidatos, partidos, a comunicação social e outros intervenientes durante períodos eleitorais. Embora saudemos na quase generalidade as regras que regulam o tempo de antena, quando analisadas do ponto de vista das garantias internacionais em matéria de direito à liberdade de expressão, temos sérias reservas quanto à compatibilidade das restrições de conteúdo impostas pelos três diplomas. Expomos em seguida as nossas reservas e preocupações. Tempo de Antena O acesso aos órgãos de comunicação social é um assunto importante. Para a maioria das pessoas, a sua informação provem dos órgãos de comunicação social, e por conseguinte, alguma forma de tempo de antena cedido pelos órgãos de comunicação social é essencial para possibilitar que os partidos e candidatos nas eleições divulguem a sua mensagem. Ao passo que programas noticiosos e outros devem disponibilizar aos eleitores informação sobre as políticas e plataformas dos partidos, o tempo de antena cedido pelos órgãos de comunicação social permite aos concorrentes falarem com as suas próprias vozes. A grande maioria das democracias maduras tem sistemas instituídos provendo blocos de certa duração de tempo de antena atribuídos aos vários partidos e candidatos concorrentes. A intenção é permitir que os partidos falem directamente com o eleitorado. As emissoras públicas ou financiadas com fundos públicos são normalmente os veículos principais para a concessão do tempo de antena. Em alguns países, as emissoras privadas também têm a obrigação de disponibilizar tal recurso. A atribuição exacta do tempo de antena entre os partidos e os candidatos pode ser calculada de maneiras diferentes. Na maioria de países com um histórico comprovado de eleições, o

Page 9:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

9

tempo de antena é atribuído de uma forma proporcional ao histórico de desempenho do partido em questão, usando, por exemplo, o número de votos obtidos na última eleição. Em outros países, o tempo de antena livre é distribuído uniformemente entre todos os partidos e candidatos políticos. A Lei Eleitoral angolana adoptou este segundo método, permitindo quantidades iguais de tempo de antena para cada candidato, sendo a distribuição da ordem de utilização dos tempos de antena feita por sorteio. Esta é uma maneira justa de distribuir o tempo de antena, e uma que saudamos. No entanto, constatamos que o Artigo 87 concede um direito de tempo de antena em órgãos de comunicação social de radiodifusão públicos e privados. Isto é demasiado, particularmente se levarmos em conta o facto de que não existem provisões para remunerar as emissoras privadas pelo tempo de antena ou o uso pelos candidatos e pelos partidos de qualquer equipamento. Recomendamos portanto que se considere limitar o direito de tempo de antena à televisão e às estações de rádio públicas. Recomendamos também que se deve deixar bem claro que os partidos e os candidatos podem fazer uso das valências das emissoras públicas de rádio e televisão para a produção dos seus pacotes de conteúdo para os blocos de cinco ou dez minutos. Assim, garante-se um espaço de actuação em igualdade de condições, e evita-se uma situação na qual os mais ricos dos partidos e dos candidatos teriam uma vantagem injusta por terem maiores capacidades de produzir anúncios de melhor qualidade. Sob o Artigo 51 do Regulamento da Lei Eleitoral, o direito de tempo de antena pode ser suspenso por um período de até cinco dias por várias razões, inclusive em razão da prática de difamação ou de “ofensa” às instituições democráticas. Esta provisão é da competência da Comissão Nacional Eleitoral. Temos várias reservas e preocupações no que diz respeito a estas provisões. Em primeiro lugar, “instituições” nesse sentido – democráticas ou não – não têm nenhuma reputação, não podem ser ou sentir-se ofendidas e portanto não lhes deve ser atribuído a capacidade de processar por “ofensa” ou por difamação. Em segundo lugar, o sentido das palavras “ofensa às instituições democráticas” não está definido na lei, criando a possibilidade de ser interpretado de modo a incluir linguagem que ofenda a presidência – que também constitui uma instituição democrática. Se interpretado desta maneira, seria fàcilmente abusada para silenciar criticas políticas, o que constituiria uma violação do direito à liberdade de expressão. Preocupa-nos também a possibilidade de um concorrente perder o direito ao tempo de antena por difamação ou calúnia. Uma alegação de difamação muitas vezes depende de um complexo conjunto de factos e circunstâncias, que a Comissão Eleitoral pode não ter a capacidade para resolver. Alegações de difamação são muitas vezes abusadas em países em todo o mundo para silenciar oponentes políticos. Portanto, instamos que a Comissão observe cautela no uso destas provisões. Preocupa-nos também a aparente contradição – pelo menos na versão do texto em inglês – entre os Artigos 87 e 93, na questão de publicidade política paga. Este é um assunto importante e – no grau em que existem ambiguidades no texto original em português – isto merece atenção.

Page 10:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

10

Restrições ao discurso de campanha e cobertura mediática Preocupam-nos as várias restrições impostas à liberdade de expressão dos órgãos de comunicação social e dos candidatos em razão de disposições constantes da Lei Eleitoral e no Regulamento da Lei Eleitoral. O direito internacional permite restrições por várias razões, inclusive para prevenir violência, ou para proteger a ordem pública ou os direitos de outrem. Isto engloba restrições ‘normais’ impostas por Estados, por exemplo no que diz respeito à difamação e ao discurso do ódio. Estas restrições vigoram também em períodos eleitorais e são aplicadas do mesmo modo que em qualquer outra situação. Durante eleições, no entanto, restrições específicas podem ser impostas para poder garantir que o público esteja adequadamente informado. Caso específico, é internacionalmente aceito que as emissoras podem ser obrigadas a observar critérios de equilíbrio e isenção na sua cobertura das eleições. Esta obrigação tem a ver principalmente com programas de notícias e actualidades, assim como outros programas prováveis de influenciar a atitude dos eleitores. Duas coisas, no entanto, devem ler levadas em conta. A primeira, é que, embora esta obrigação possa legitimamente ser imposta a emissoras, não deve ser imposta aos órgãos da comunicação social impressa. Muitas vezes, estes órgãos estão politicamente alinhados, tanto em democracias maduras como nas novas democracias; alem disso, o argumento da escassez de órgãos de comunicação social que justifica impor às emissoras de rádio e televisão a obrigação de equilíbrio, não se aplica à mídia impressa. Conquanto operar uma emissora requer uma licença e uma quantidade expressiva de capital de investimento, comunicar com os eleitores através da imprensa não apresenta grandes dificuldades a qualquer partido político acima de certo porte. Sendo assim, dado o número reduzido de emissoras, impõe-se a lógica de exigir obediência ao requisito de equilíbrio. Ademais, mesmo para os órgãos de comunicação social radiotelevisivos, a obrigação de equilibro não deve atrapalhar a sua função – socialmente importantíssima – de actuar como ‘cão de guarda público’, de investigar e expor possíveis infracções, corrupção e má administração por representantes eleitos. O facto de um administrador titular estar a concorrer nas eleições não deve ser motivo para protegê-lo contra cobertura crítica nos órgãos de comunicação social7. Deve-se também lembrar que por norma, o direito internacional vê com suspeita máxima8 quaisquer restrições ao discurso político, particularmente restrições prévias. A liberdade de expressão é de especial importância durante eleições, quando é crucial que os partidos e os candidatos devam poder expressar as suas opiniões e ideias sem restrições indevidas e os órgãos de comunicação social devem poder fazer cobertura de assuntos de interesse9.

7 Embora a obrigação de equilíbrio e isenção exige das emissoras que demonstrem a mesma atitude critica para com os outros candidatos também. 8 Por exemplo, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) decidiu que “a liberdade de debate político está ao centro do conceito de sociedade democrática ...” Lingens contra a Áustria, decisão de 8 de Julho de 1986, req. n° 9815/82, parágrafo 42. 9 O Tribunal Europeu de Direitos Humanos salientou os “perigos inerentes em limitações pré vias” e observou que “informação é um bem perecível e atrasar a sua publicação, mesmo que seja por um breve período, arrisca bem priva-las de todo o seu valor e interesse” The Observer and Guardian contra o Reino Unido, Decisão de 26 de Novembro de 1991, Requisição Número 13585/88, paragrafo 60. Vide também o Artigo

Page 11:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

11

Contra este pano de fundo geral, deixamos aqui as nossas preocupações no que diz respeito a várias das provisões na Lei Eleitoral, no Regulamento da Lei Eleitoral e no Código de Conduta [Eleitoral]. Em primeiro lugar, todos estes três diplomas impõem várias obrigações e restrições que se expõem a interpretações vagas e à possibilidade de abuso. Em específico, preocupam-nos as seguintes disposições:

1. as proibições relativas ao uso de meios que “ofendem a moral pública” e à “instigação à desobediência colectiva”, no Artigo 40 do Regulamento da Lei Eleitoral;

2. as proibições no Código de Conduta Eleitoral de “recorrer a promessas eleitorais irrealizáveis”, e adoptar formas de conduta que sejam “contrárias à ética eleitoral e costumes sociais (Artigos 4(g) e 6(f)), ou praticar actos que sejam “contrários à democracia” (diz respeito apenas a simpatizantes e militantes) sob o Artigo 8(g);

3. a exigência, constante da Lei Eleitoral, de que órgãos de comunicação social se devem comportar profissionalmente; e

4. a proibição de usar linguagem que “possa conduzir” à discriminação ou intolerância.

Todas estas proibições são alvos fáceis de abuso expressivo e recomendamos que sejam suprimidas. As três primeiras são susceptíveis de dar lugar a mais do que uma interpretação e usam uma terminologia vaga, e assim não passam o teste de restrições [permissíveis] da liberdade de expressão10. Adicionalmente, a restrição de “recorrer a promessas eleitorais irrealizáveis” é susceptível de dar azo a um amplo leque de interpretações e ao mesmo tempo não serve nenhum dos objectivos legítimos reconhecidos sob o direito internacional11; ao passo que a proibição do uso de linguagem que “possa conduzir” à discriminação ou intolerância não cumpre o requisito de que é necessário haver uma forte ligação causal entre o tipo de discurso merecedor de restrição e qualquer conduta indesejável que possa seguir. Preocupa-nos também a repetição, no Artigo 82 da Lei Eleitoral, de várias proibições que já constam no Código Penal. Como citado acima, o Código Penal permanece em vigor durante períodos eleitorais e não vemos qualquer razão que justifique a repetição do regime de crimes específicos num outro diploma legislativo. No contexto actual, onde os crimes em questão são mencionados apenas em termos muito gerais, tudo o que se consegue com isso é criar uma situação jurídica ambígua na qual está previsto um conjunto de infracções vagamente definidas numa lei, e definidas com maior precisão em outra. Sendo assim, recomendamos a sua eliminação. Um outro motivo para preocupação são as proibições em matéria de difamação de órgãos ou entidades públicas (Artigo 40 do Regulamento da Lei Eleitoral) e proibições relacionadas com a prática de ‘ofender moralmente’ os outros partidos e os seus candidatos

13(2) da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, que expressamente proíbe todas as formas de “censura prévia”. 10 Vide o Anexo 1 deste memorando para consultar os padrões internacionais aplicáveis. 11 Ibid.

Page 12:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

12

(Artigo 8(e) do Código de Conduta). A respeito do primeiro aspecto, órgãos e entidades públicas não têm reputações a defender e por conseguinte não podem ser difamados (mas os servidores públicos vinculados a estas instituições têm reputação e podem sentir-se ou ser difamados, na sua capacidade individual). Provisões tais como estas são muito fàcilmente abusadas para silenciar críticos do governo. No que diz respeito à proibição de ofender moralmente candidatos e partidos, alertamos para o facto de que este conceito não está definido na lei. Isto pode provavelmente resultar numa interpretação excessivamente subjectiva e é susceptível de ser facilmente abusada para silenciar opositores políticos. Recomendamos por isso a eliminação de ambas estas provisões. Temos também a convicção de que várias das restrições impostas aos órgãos de comunicação social não podem ser justificadas. Por exemplo, sob o Artigo 81 da Lei Eleitoral, a divulgação de resultados de sondagens é proibida durante todo o período eleitoral, salvo o dia anterior à votação. Achamos difícil entender a necessidade de tal requisito. Enquanto muitos países impõem ‘um dia de reflexão’ no período de 24 horas anteriores a um escrutínio – análogo à proibição que consta no Artigo 41 do Regulamento da Lei Eleitoral – parece excessivo impor uma proibição de divulgação de resultados de sondagens durante quase todo o período da campanha eleitoral. Preocupa-nos também o requisito rigoroso de igualdade de tratamento previsto nestas leis. Sob o Artigo 88 da Lei Eleitoral e o Artigo 48 do Regulamento da Lei Eleitoral, todos as publicações periódicas com a excepção daquelas que pertencem a partidos políticos devem ser inteiramente isentas na sua cobertura das eleições, incluindo na quantidade de espaço concedido a cada um dos candidatos e/ou partidos concorrentes. O Artigo 49 impõe a todos os órgãos de comunicação radiotelevisivos uma obrigação geral de ‘tratamento igual’. Como salientado acima, os padrões internacionais aceitam que as emissoras devem operar sob uma obrigação de equilíbrio e isenção no seu trabalho jornalístico. No entanto, esta mesma obrigação não pode ser estendida de modo a abranger os órgãos da comunicação social impressa. Na maioria dos países pelo mundo afora, é prática aceite que órgãos da mídia impressa podem ter uma certa orientação política; isto não é uma área na qual o Estado devia estar a interferir. A única excepção que pode ser feita neste aspecto é no caso de órgãos de comunicação social estatais ou financiados pelo estado: como as suas verbas vêem dos cofres públicos, devem ser equilibrados e isentos na sua cobertura. Finalmente, preocupa-nos o requisito geral de que todas as reuniões políticas devem ser previamente comunicadas às autoridades, por força dos Artigos 4 e 6 do Código de Conduta Eleitoral. Com demasiada frequência, testemunhamos a dispersão de comícios políticos por ‘não estarem autorizados’; isto é um requisito que facilmente se presta a abuso. Consequentemente, desaconselhamos a exigência de comunicação prévia da intenção de realizar um evento público; se for mesmo necessário, então que seja regido de modo a não atribuir às autoridades qualquer espaço de manobra que permita recusarem a concessão de autorização. � ��� ����� ����• A lei não deve impor restrições vagamente definidas ou sujeitas a mais de uma interpretação sobre o discurso de campanha. Especificamente, não deve haver qualquer

Page 13:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

13

proibição em matéria de difamação de órgãos públicos, ofensa a valores ou instituições democráticas ou ofensa moral de candidatos. • O direito a tempo de antena deve ser limitado aos órgãos de comunicação social públicos. A lei deve ser clara que todos os candidatos e partidos têm o uso livre em termos iguais às valências dos órgãos de comunicação social públicos para a produção dos seus anúncios de campanha. • A comissão eleitoral deve actuar com o maior cuidado e respeito pela liberdade de expressão sempre que houver qualquer alegação de abuso do direito de tempo de antena. • Não deve haver qualquer proibição em matéria de divulgação de resultados de sondagens das atitudes dos eleitores. • A obrigação de equilíbrio e isenção deve ser imposta apenas aos órgãos de comunicação social radiotelevisivos. • As autoridades não devem ter o poder de recusar autorização para reuniões políticas. Caso deparem com um evento não autorizado, devem envidar todos os esforços para permitir que vá adiante, e tomar medidas para a sua dispersão apenas caso haja perigo imediato de grave perturbação da ordem pública. *����'( &%��� � % � +� ) � �+%��� � ,� +�%&� '� �',����- ',� . �

'/0�',,�� �&�1�'��6����7% �/���Como citado acima, os órgãos de comunicação social desempenham um papel chave nas eleições. São instituições que ao mesmo tempo servem de veículo através do qual os partidos e os candidatos alcançam o público geral, e – em virtude do seu trabalho de indagação do desempenho, políticas e histórico de resultados dos concorrentes – fazem uma grande contribuição à globalidade de informação disponível ao público. Durante eleições, os parâmetros do que podem publicar constam não só nos termos das disposições conjugadas das leis e regulamentos eleitorais específicos, analisados na secção anterior; como também no regime regulatório ‘normal’, o qual permanece em vigor e é de imensa importância. Nos próximos parágrafos, vamo-nos concentrar especificamente em dois conjuntos de diplomas de regulação. Em primeiro lugar, vamos analisar o enquadramento regulatório geral que regula a actividade dos órgãos de comunicação social, nos termos impostos pela Lei de Imprensa de 2006; e, em segundo lugar, um conjunto de restrições que constam no Código Penal em matéria de calúnia e difamação que afectam de modo singular os órgãos de comunicação social. A Lei de Imprensa é um diploma de legislação extenso que regula não só os órgãos de comunicação social – tanto radiotelevisiva como impressa – como também cinemas e agências de notícias. Foi adoptada com o objectivo de aproximar a lei angolana dos requisitos do direito internacional em matéria de liberdade de expressão. Este objectivo está subscrito no Artigo 4, que reza que a lei deve ser interpretada de acordo com as provisões da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Carta Africana dos Direitos Humanos e

Page 14:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

14

dos Povos12 *[NT]. Os Artigos 5 e 6 da Lei pormenorizam a essência do direito à liberdade de expressão, ao passo que o Artigo 7 delineia quais as restrições permissíveis de serem aplicadas à livre expressão. Esta fórmula é repetida nos Artigos 17 e 18: o Artigo 17 detalha um conjunto de direitos fundamentais dos jornalistas, incluindo o direito de manter a confidencialidade das fontes, filiar-se a qualquer associação da sua escolha e recusar-se a publicar material que seja contra a sua consciência; enquanto o Artigo 18 impõe os “deveres fundamentais” dos jornalistas. O Artigo 8 estabelece um “Conselho Nacional da Comunicação Social”, entre cujos objectivos consta o de garantir a “objectividade e isenção da informação... na imprensa”. A Lei de Imprensa também prevê a adopção, pelo governo, de um Estatuto do Jornalista, que, entre outras coisas, define quem é jornalista e o procedimento de licenciamento para jornalistas; e impõe ainda que um Código de Ética para jornalistas seja elaborado.13 A imprensa estrangeira também é rigorosamente regulada; todas as empresas mediáticas estrangeiras e correspondentes estrangeiros carecem de autorização oficial do governo para poderem actuar em Angola.14 Os Capítulos II e III da Lei de Imprensa debruçam-se sobre questões de organização interna dos órgãos de comunicação social, e limitam também o investimento estrangeiro e a formação de monopólios. O Artigo 29 requer que todos os órgãos de comunicação social devem ter um estatuto editorial, que deve ser submetido ao Concelho Nacional da Comunicação Social estabelecido ao abrigo do Artigo 8. O Capítulo IV continua, pormenorizando mais requisitos a respeito da organização interna dos órgãos da comunicação social impressa. Por exemplo, descreve os requisitos para a ficha técnica, e distingue entre vários tipos diferentes de publicações impressas. Todos os órgãos da comunicação social impressa devem ser registados, seguindo o procedimento para o registo regulamentado pela lei. Não está patente se há uma discrição para recusar o registo, ou se alguma circunstância substantiva pode ser imposta. A isto segue-se na Secção II do Capítulo IV um regime detalhado para o licenciamento da radiodifusão sonora – algo que geralmente é regulado num diploma próprio – indicando os Ministérios da Comunicação Social e dos Correios e Telecomunicações como as entidades principais que exercem a tutela conjunta do processo de licenciamento. As licenças são concedidas formalmente pelo Conselho de Ministros, com o Instituto Angolano das Comunicações responsável pela gestão global do espaço electromagnético. O Capítulo V da Lei de Imprensa trata do direito de resposta e de rectificação, que garante tal direito a qualquer pessoa que se “considere prejudicado” por uma publicação que “afecte o seu bom nome e reputação” – mesmo se apenas indirectamente. As respostas ou rectificações devem ser publicadas no prazo de 48 horas a partir do momento que é feito o pedido de execução de resposta ou rectificação, e não podem ser seguidas por quaisquer

12 Artigos 19 e 9 destes instrumentos internacionais protegem respectivamente o direito à liberdade de expressão. Vide o Anexo 1 deste memorando para consultar uma análise dos padrões internacionais aplicáveis. 13 Artigo 21 14 Artigo 22

Page 15:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

15

comentários. O órgão de comunicação social que se recusar a publicar a resposta ou rectificação pode ser forçado a faze-lo pelo Conselho Nacional da Comunicação Social, ou por uma ordem de tribunal. Por fim, o Capítulo VI estabelece um conjunto de regras de responsabilidade. O Artigo 74 em especifico prevê o crime de “abuso da liberdade de imprensa”, que na sua resolução inclui o seguinte:

��divulgação de informação susceptível de incitar secessão; ��divulgação de informação susceptível de causar perturbações da ordem e a

tranquilidade públicas; ��“manipulação” de notícias através da sonegação sistemática de informação de

interesse público ou por meio de tratamento discriminatório ou pejorativo de matérias caracterizadamente iguais ou semelhantes;

��a divulgação de material obtido por meio fraudulento; e ��a publicação de “notícias falsas” ou de boatos.

O Artigo 75 continua neste tom, acrescentando vários outros ‘crimes de imprensa’: ‘desobediência’, incluindo por publicar sem estar registado; por não cumprir com uma ordem para publicar um direito de resposta ou de rectificação; e de não divulgar os meios de financiamento da publicação. O Artigo 77 estabelece que uma publicação periódica que tenha sido condenada por difamação, injúria, desobediência ou ‘abuso da liberdade de imprensa’ três vezes num período de três anos pode ser suspensa, ao mesmo tempo que o seu director perde o direito de dirigir qualquer órgão de comunicação social por um período de três anos. Este artigo prevê também várias outras penas atinentes a restrições substantivas mencionadas nos parágrafos anteriores. O Artigo 76 prevê o crime de ‘atentado à liberdade de imprensa’ tornando responsável qualquer pessoa que interferir com qualquer actividade dos órgãos de comunicação social. Para além da Lei de Imprensa, o Código Penal também prevê um conjunto de ofensas que restringem a liberdade da comunicação social. O Capítulo V, que trata de difamação, é particularmente relevante. O Artigo 407 do Código Penal descreve o crime de difamação da seguinte maneira: “Se alguém difamar outrem publicamente, de viva voz, por escrito ou desenho publicado ou por qualquer meio de publicação, imputando-lhe um facto ofensivo da sua honra e consideração, ou reproduzindo a imputação, será condenado a prisão até quatro meses e de uma multa até um mês”. O Artigo 408 limita a disposição de recorrer à prova da verdade dos factos imputados a casos de alegações feitas a respeito do desempenho de funções de oficiais públicos, ou onde a alegação feita se refere a uma ofensa criminal. Neste último caso, julgamentos por difamação são sobrestardos até a conclusão do processo criminal; o que essencialmente implica que o acusado necessitará de ter prova da alegada infracção na altura da publicação do material que deu azo ao processo; tendo tal prova que satisfazer, em processo, o ónus de prova da verdade dos factos. O Artigo 410 estabelece o crime de “injúria”. “O crime de injúria, não se imputando facto algum determinado, se for cometido contra qualquer pessoa publicamente, por gestos, de viva voz, ou por desenho ou escrito publicado, ou por qualquer meio de publicação, será

Page 16:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

16

punido com prisão até dois meses e multa [... ].” Na acusação por “injúria” não se admite prova sobre a verdade de facto algum, a que a “injúria” se possa referir. ��8������O regime regulatório para os órgãos de comunicação social estabelecidos nos termos da Lei de Imprensa e do Código Penal é demasiado severo. Todos os órgãos de comunicação social, incluindo os órgãos da comunicação social impressa, são controlados por meio de sistemas de registo e de licenciamento e estão sujeitos a numerosas restrições amplas e indefinidas sobre o que podem publicar ou transmitir. As provisões do Código Penal sobre difamação foram recentemente criticadas pelo Comité das NU para os Direitos Humanos, especificamente as restrições impostas à apresentação da prova da verdade15. Estamos cientes de que estas provisões estão actualmente em fase de revisão. Os parágrafos que seguem apresentam uma avaliação das restrições sobre o que os órgãos de comunicação social podem dizer ou publicar, examinando-as à luz dos padrões internacionais relativos à livre expressão e especificamente no contexto de eleições16. Analisamos também o regime do direito de resposta, que – particularmente durante eleições – pode assumir uma importância fundamental. Restrições à liberdade da comunicação social A Lei de Imprensa foi adoptada em Maio de 2006 e desde então tem sido exibida como um passo em frente para a protecção da liberdade de expressão em Angola. Ao mesmo tempo que saudamos provisões do género exemplificado no Artigo 4, que exige que a lei seja interpretada de acordo com padrões internacionais sobre livre expressão, é extremamente preocupante que isto seja em seguida negado pela multiplicidade de graves restrições impostas aos órgãos de comunicação social nas provisões seguintes do referido diploma. De facto, muitas das restrições constituem um ataque directo ao âmago da liberdade de expressão e são tão severas que se torna difícil ver como podem ser lidas ou interpretadas de forma compatível com o direito internacional em matéria de direitos humanos. As restrições impostas nos termos das disposições da Lei de Imprensa podem ser agrupadas em quatro distintas categorias. Em primeiro lugar, estamos aqui a lidar com um conjunto de provisões que limitam o modo como os jornalistas podem obter informações. Os Artigos 7(2)-(3) estabelecem que jornalistas não podem obter informação usando métodos fraudulentos, o que resultaria em informação ilegal ou desleal. Estas restrições são absolutas, implicando que os jornalistas estão impedidos de usar dispositivos tais como máquinas fotográficas ou gravadores escondidos quando não têm o consentimento da pessoa que está a ser gravada. Preocupa-nos que isto vai seriamente dificultar o jornalismo investigativo. Não é incomum jornalistas usarem máquinas fotográficas escondidas, por exemplo, para desmascararem casos de corrupção. Esta prática constitui um exercício

15 Vide a Comunicação Numero 1128/2002, de 18 de Abril de 2005, CCPR/C/83/D/1128/2002. 16 É de assinalar que este Memorando não fornece uma análise exaustiva das provisões da Lei de Imprensa. Por exemplo, não pormenorizamos os detalhes do regime regulatório da radioteledifusão ou a legitimidade de algumas das medidas que impõe, nomeadamente a obrigação de revelar as fontes de financiamento. Para uma visão panorâmica dos padrões internacionais que figuram neste contexto, ver o Anexo 1 deste Memorando.

Page 17:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

17

legítimo do direito à liberdade de expressão, que inclui o direito de ‘procurar’ informação17, o que não devia ser proibido. Preocupa-nos também o uso da palavra ‘desleal’, no Artigo 7(2), que não está definida e sujeita-se deste modo a uma interpretação ampla, e é, por conseguinte, facilmente abusada para oprimir a liberdade da comunicação social18. Um segundo conjunto de provisões impõe ‘deveres’ a todos os jornalistas. O Artigo 18 impõe um conjunto de deveres absolutos, que incluem uma obrigação de “informar com rigor, objectividade e isenção”, respeitar os “limites” da liberdade da comunicação social e contribuir para a educação cívica. Estes deveres são, mais uma vez, absolutos, querendo dizer que são vinculativos para todos os jornalistas sem excepção. Preocupa-nos que muitos destes deveres são excessivamente restritivos. Por exemplo, embora seja verdade que jornalistas devem primar pelo rigor nos seus trabalhos, o direito internacional dos direitos humanos reconhece que às vezes se cometem erros honestos e que jornalistas nem sempre devem ser responsabilizados pelos seus erros. Os tribunais constitucionais em vários outros países tais como o Zimbabué e o Uganda, a título de exemplo, revogaram as provisões que proíbem a publicação impressa de “notícias falsas”, visto estarem em violação do direito à liberdade de expressão19. O Artigo 18 viola este princípio ao estabelecer uma obrigação jurídica vinculativa de imprimir apenas aquilo que obedece ao critério de “rigor”. Semelhantemente, obrigar todos os jornalistas a serem ‘isentos’ também está em violação do direito internacional. Como citado na Secção 2 deste Memorando, é prática comum em países democráticos por todo o mundo que órgãos da comunicação social impressa expressem uma preferência ou um certo viés político. Fica assim difícil ver como uma imposição que obriga todos os jornalistas a aderirem aos restringentes requisitos de isenção pode ser justificada como sendo “necessária” numa sociedade democrática, mesmo durante períodos de eleição. Sugerimos, portanto que seja abandonada. Um terceiro conjunto de provisões vai ao cerne da profissão jornalística, limitando quem pode ser jornalista ou criar um órgão de comunicação social. Estas provisões regulam também as actividades dos órgãos de comunicação social estrangeiros em Angola. A provisão principal que governa a profissão jornalística é o Artigo 21, que estabelece a adopção de um “Estatuto do Jornalista” e de um Código de Ética. O Estatuto – que define quem pode ser jornalista e estabelece regras para a emissão de carteiras profissionais de jornalista – é adoptado pelo governo, ao passo que a adopção do Código de Ética fica por conta das associações dos jornalistas numa assembleia convocada pelo Conselho Nacional da Comunicação Social. Até ao memento da elaboração deste trabalho, nenhum dos dois tinha sido adoptado e nenhum projecto estava disponível. Preocupa-nos muito que o regime regulatório a ser estabelecido ao abrigo do Artigo 21 pode na prática ser restritivo da liberdade da comunicação social. O direito internacional dos direitos humanos estabelece claramente que qualquer modo de licenciamento de jornalistas individuais viola o direito à

17 O Artigo 19 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos protege o direito de difundir, procurar e receber informação. 18 Embora reconheçamos que o Artigo 7(3) oferece um exemplo do que pode ser considerado como ‘desleal’, isto não nos oferece uma definição clara e sem espaço para dúvidas. 19 Vide Chavunduka e Choto contra o Ministro dos Negócios Internos e o Procurador-geral, 22 de Maio de 2000, Decisão Numero SC 36/2000 (Tribunal Supremo do Zimbabué); Onyango-Obbo e Mwenda contra o Procurador-geral, Apelo Constitucional Numero 2, de 2002, a 11 de Fevereiro de 2004 (ainda por publicar) (Tribunal Supremo do Uganda).

Page 18:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

18

liberdade de expressão20. Instamos assim a que os regulamentos de execução do Artigo 21 – que estão ainda por ser elaborados – não devam impor qualquer limitação substantiva à prática do jornalismo. Semelhantemente, o Artigo 38 da lei contempla o estabelecimento de um registo dos órgãos da comunicação social impressa. De acordo com esta provisão, todos os órgãos da comunicação social impressa necessitam inscrever-se junto ao órgão competente para obedecer ao requisito de registo prévio. Não está patente se o registo pode ser recusado e se circunstâncias substantivas podem ser impostas à inscrição. Se este for o caso, então o sistema de registo torna-se essencialmente uma ferramenta de licenciamento, o que concede ao órgão regulador poderes significativos sobre os órgãos de comunicação social. Isto seria também contrário às garantias internacionais de liberdade de expressão. Um quarto e último conjunto de provisões impõe restrições vagas e indefinidas sobre o que pode ser publicado nos órgãos de comunicação social. O Artigo 7 estabelece a base principal destas restrições, e estabelece que “o exercício da liberdade de imprensa tem como limites os princípios, valores e as normas da Lei Constitucional e da lei”. Esta provisão prossegue com a listagem de um conjunto de objectivos, a prossecução dos quais pode restringir a liberdade da comunicação social. Estes incluem a necessidade de salvaguardar a objectividade e isenção [da informação] (que já comentamos no parágrafo anterior); proteger o direito ao bom nome; defender o interesse público e a ordem democrática; e proteger a saúde e a moralidade públicas. Isto é pormenorizado nos Artigos 74 e 75, que prevêem os “crimes” de “abuso da liberdade de imprensa” e de “desobediência”. As infracções contempladas nestas provisões incluem a divulgação de informação capaz de incitar o ódio racial ou perturbações à ordem pública, a publicação de “notícias falsas” ou boatos, manipulação de notícias, a edição ou venda de publicações periódicas não registadas e a não divulgação dos meios de financiamento de uma publicação. Estas provisões necessitam ser analisadas à luz das restrições estabelecidas pelo Código Penal sobre calúnia e difamação. Conforme os Artigos 407 e 409, a difamação ou ‘a calúnia’ podem levar à imposição de uma pesada pena de prisão. A prova da ‘verdade’ pode ser feita pelo acusado apenas em casos muito limitados, o que pode ter um efeito verdadeiramente intimidante sobre a comunicação social, cerceando a sua liberdade. Violações repetidas das proibições contempladas ao abrigo do Código Penal ou da Lei de Imprensa podem levar uma publicação a ser encerrada ou suspensa, e leva o director do órgão de comunicação social a perder o seu cargo, ficando o mesmo incapacitado de dirigir um outro órgão de comunicação social por um período de três anos21. 20 Ver, entre outros, o Princípio X da Declaração de Direitos sobre a Liberdade de Expressão em Africa da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, adoptada em Outubro de 2002; a Declaração Conjunta do Relator Especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão; o Representante da OSCE para a Liberdade da Comunicação Social e o Relator Especial sobre a Liberdade de Expressão; e a decisão seminal do Tribunal Interamericano para Direitos Humanos, no Parecer Consultivo OC-5/85 de 13 29 de Novembro, 1085, Tribunal Inter Americano de Direitos Humanos (Ser. A) Numero 5 (1985). 21 Artigo 77 da Lei de Imprensa.

Page 19:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

19

No contexto de reportagem eleitoral e campanhas eleitorais, estas restrições necessitam também ser analisadas à luz das restrições específicas impostas ao discurso livre em períodos de eleição, que avaliamos e comentamos na Secção 2 deste relatório. Globalmente, preocupa-nos que isto resulte num regime de restrições de conteúdo indevidamente rigoroso. Muitas das infracções enumeradas no Artigo 74 estão definidas de forma muito ampla, permitindo a imposição de uma penalidade ainda que um dado discurso apenas eventualmente possa dar azo a ocorrências tais como a desordem pública ou violência. Isto viola os princípios internacionais sobre liberdade de expressão, que requerem que o discurso seja realmente não só susceptível de dar azo à desordem, mas também que haja uma conexão directa e imediata entre o acto de expressar a mensagem e a probabilidade ou ocorrência da eventual violência decorrente22. O crime de publicar “notícias falsas” na verdade corrobora o dever de cada jornalista de reportar com rigor, que comentamos no parágrafo anterior. É necessário que se entenda que os jornalistas, como todos mais, são humanos e fazem erros de vez em quando. Torná-los criminalmente responsáveis pelo mais exíguo erro de reportagem, especialmente quando o jornalista em questão agiu de acordo com a ética profissional, viola o direito à liberdade de expressão. Além disso, o que constitui a ‘verdade’ está frequentemente aberto a interpretações diferentes e a lei deve permitir que cada pessoa possa decidir por conta própria, ao contrário de querer forçar uma posição específica. Preocupa-nos também que o regime repete basicamente o que já está proibido nos termos do direito criminal, com talvez algumas pequenas variações. Não vemos qualquer justificação para isto. Seria muitíssimo melhor se houvesse um regime único, por exemplo, sobre incitamento ao ódio, com uma regra que se aplicasse a todos em Angola, não obstante se são profissionais da comunicação social ou não. No que diz respeito ao direito criminal em si, constatamos que as provisões sobre difamação no Código Penal foram criticadas pelo Comité dos Direitos Humanos das NU. Num caso a respeito de uma convicção por difamação contra o presidente, o Comité não julgou que fosse necessário prover figuras públicas de um nível mais elevado de protecção; o Comité considerou também o impedimento contra a prova da verdade como um factor agravativo. O Comité declarou:

[O requisito de necessidade implica um elemento da proporcionalidade, no sentido que o âmbito da limitação imposta à liberdade de expressão deve ser proporcional ao valor que a limitação serve proteger. Dado a importância suprema, numa sociedade democrática, do direito à liberdade de expressão e de uma imprensa e outros órgãos de comunicação social livres e não censurados, a severidade das sanções impostas ao autor não pode ser considerada como uma medida proporcional para proteger a ordem pública ou a honra e a reputação do Presidente, uma figura pública que, como tal, está sujeita a críticas e a oposição. Para além disso, o Comité considera um factor agravativo que a proposta apresentação da prova da verdade do autor contra a acusação de injúria foi rejeitada pelos

22 Ver, nomeadamente, os Princípios de Joanesburgo sobre Segurança Nacional, Liberdade de Expressão e Acesso à Informação, U.N. Doc. E/CN.4/1996/39 (1996). Vide, especificamente Principio 6(c).

Page 20:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

20

tribunais. Dadas as circunstâncias, o Comité concluiu que houve uma violação do Artigo 19 (que protege a liberdade de expressão).23

Estamos cientes que o Código Penal está actualmente a ser reelaborado. No mínimo, incitaríamos os responsáveis pela reelaboração que respeitassem as palavras do Comité, suprimindo a pena de prisão ao mesmo tempo que adicionassem a admissão da prova da verdade feita pelos acusados. Também sugeriríamos fortemente que consideração fosse dada à descriminalização da difamação por completo. Os ‘cães de guarda’ intergovernamentais que monitorizam o discurso livre, incluindo o Relator Especial das NU para a Liberdade de Opinião e de Expressão instou os Estados a descriminalizarem a difamação24. Numa declaração conjunta com os seus congéneres na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e na Organização dos Estados Americanos (OEA) ele declarou:

A difamação criminal não é uma limitação justificável à liberdade de expressão; todas as leis sobre a difamação criminal devem ser abolidas e substituídas, onde necessário, por leis de difamação apropriadas, do direito civil.

A difamação é uma disputa entre duas pessoas e é, essencialmente, uma matéria civil. Nenhum interesse público de maior relevância está em causa; não há qualquer risco de perturbação da ordem pública. Portanto, não existe qualquer razão para aplicar o direito criminal para proteger a reputação, e – antes pelo contrário – existem todas as razões para remover o direito criminal deste contexto: a severidade da sanção criminal que pode vir a ser imposta, assim como a possibilidade de acabar por ter um registro criminal, exerce um sério efeito intimidante sobre o discurso livre, o que na análise final, prejudica o interesse público global na circulação livre de informação. Direito de resposta O regime do direito de resposta estabelecido nos termos do Capítulo V da Lei de Imprensa é um exemplo de uma tentativa positiva de contemplar uma resposta não criminal e não litigiosa a uma acusação de difamação. Sendo assim, saudamo-la no sentido amplo. No entanto, o regime tal como actualmente elaborado apresenta uma redacção demasiado abrangente e é necessário passar por uma definição mais estrita. Um direito de resposta constitui uma interferência com a liberdade editorial da publicação da qual se pretende uma resposta, e sendo assim é necessário que seja proporcional e estreitamente formulada. Deve estar disponível apenas em resposta à publicação de informação falsa que afecta os direitos de outrem, e apenas quando uma rectificação – que representa uma interferência menor na liberdade editorial – não basta. A resposta por si própria deve ser proporcional à publicação original, e não deve prosseguir com quaisquer diatribes sem ligação. Vários aspectos do regime estabelecido no Capítulo V não obedecem a estes princípios gerais. O Artigo 64 estabelece que qualquer pessoa que “se considere prejudicada” por uma

23 Comunicação Numero 1128/2002, 24 Vide, Declaração Conjunta de 10 de Dezembro de 2002, do Relator Especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão; o Representante da OSCE para a Liberdade da Comunicação Social e o Relator Especial sobre a Liberdade de Expressão

Page 21:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

21

publicação que “afecte o seu bom nome e a sua reputação” tem um direito de resposta. Não consideramos que isto esteja correto. Em primeiro lugar, estabelece um direito de resposta até mesmo quando se trata de informação verídica, tal como seria o caso com uma reportagem a trazer à luz uma ocorrência de corrupção; em segundo lugar, facilitando o direito de resposta a qualquer um que “se considere prejudicado”, não estabelece um padrão suficientemente objectivo. Algumas pessoas podem “considerar-se prejudicadas” mais facilmente que outras, algo que é particularmente mais provável quando se lida com políticos e outras personagens da vida pública. Contudo, deviam tolerar mais, não menos críticas do seu desempenho. O Capítulo V também não distingue entre uma mera rectificação e uma resposta. � ��� ����� ����• A limitação do uso por parte de jornalistas de máquinas fotográficas ou gravadores escondidos deve ser suprimida da Lei de Imprensa. As leis gerais sobre a privacidade devem permitir que o interesse público seja considerado superior aos interesses da privacidade. • O sistema para o registo dos órgãos da comunicação social impressa deve ser de natureza puramente técnico e administrativo. Deve ser administrado por um órgão independente; não deve haver qualquer discrição para a possibilidade do órgão de tutela recusar o registo; nem deve haver qualquer pena por publicar sem estar registado. • Não deve ser exigido que jornalistas individuais tenham que estar registados ou que seja, portadores de licença profissional. • Não deve haver qualquer obrigação que exija que todos os jornalistas sejam isentos, ou que publiquem com o máximo de rigor. • A Lei de Imprensa não deve repetir as penas já previstas no direito criminal. • Restrições à liberdade de expressão inscritas na Lei de Imprensa devem ser nítida e rigorosamente formuladas, de modo a prosseguirem objectivos legítimos. • A Lei de Imprensa não deve proibir a publicação “de notícias falsas”. • A difamação deve ser inteiramente descriminalizada. Se isto não for imediatamente possível, então, o mínimo seria deixar de aplicar a sanção de prisão e o recurso à prova da verdade deve ser instaurado. • O direito de resposta deve apenas estar disponível como remédio contra a publicação de informação falsa que afecte os direitos de outrem, e apenas quando uma rectificação não bastar. 2���%+',,� �. ��� 3� �) %��� ��6����7% �/���O direito à liberdade de expressão e de informação é de importância fundamental à democracia e à protecção de direitos humanos. Uma sociedade no seio da qual o fluxo de informação é inibido não pode chamar-se uma sociedade democrática. Como o Conselho Geral das Nações Unidas formulou por ocasião da primeira sessão da organização, a liberdade de informação – compreendida como sendo o fluxo livre de informação no seu

Page 22:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

22

sentido mais amplo – é a “pedra de toque de todas as liberdades a que as Nações Unidas se consagram”25. A circulação livre de informação é também necessária para garantir que o público esteja ciente das actividades dos seus dirigentes eleitos e – durante períodos de eleições – providenciar informação relativa aos concorrentes. Mesmo sendo improvável que a maioria das pessoas na sua capacidade individual venham a fazer uso extensivo do direito de acesso à informação, é uma ferramenta chave que permite aos órgãos de comunicação social desempenharem o seu papel do cão de guarda público, e informarem o público. Leis sobre a liberdade de informação têm sido adoptadas em números recorde na última década. Angola adoptou a sua “Lei do Acesso aos Documentos Administrativos” [documentos detidos por autoridades públicas] em Agosto de 200226. Ao abrigo desta lei, qualquer pessoa pode – mediante pedido – ter acesso a documentos detidos ou da autoria das autoridades públicas, com as seguintes excepções:

• Dados pessoais (Artigos 4(1) e 7(1)), acesso aos quais é restringido à pessoa a quem os dados dizem respeito ou a terceiros que possam demonstrar um interesse directo e pessoal. O acesso pode também ser concedido a terceiros se os dados pessoais puderem ser expurgados do documento (Artigo 8(4));

• “notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante” (Artigo 4(2)(a));

• “documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros, bem como à sua preparação” (Artigo 4(2)(b));

• documentos devidamente classificados, cujo conhecimento possa causar dano à segurança interna ou externa (Artigo 5);

• documentos referentes a matéria em segredo de justiça. (Artigo 6); • documentos a respeito de processos de tribunal parados, até após o decurso do prazo

de um ano a partir da data da elaboração dos documentos (Artigo 7(5)); • documentos a respeito de inquéritos e sindicâncias, até o decurso do prazo para

eventual procedimento disciplinar (Artigo 7(6)); • documentos “notariais e registrais, documentos de identificação civil e criminal,

documentos referentes a dados pessoais com tratamento automatizado e aos documentos depositados em arquivos históricos” (Artigo 7(7)).

Sujeito a estas mesmas isenções, acesso pode também ser concedido a documentos detidos por órgãos estatais que exercem “autoridade pública” (Artigo 3). O Artigo 11 da Lei requer que todos os órgãos públicos devem também por conta própria e proactivamente publicar a seguinte informação:

• todos “os documentos, designadamente despachos normativos internos, circulares e orientações, que comportem enquadramento da actividade administrativa”;

25 Resolução Assembleia-geral das NU 59(1), de 14 de Dezembro de 1946. 26 Lei 11/02 de Agosto de 2002, que pode encontrar aqui: http://www.privacyinternational.org/countries/angola/foi-law02.doc.

Page 23:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

23

• uma enunciação de “todos os documentos que comportem interpretação de direito positivo ou descrição de procedimento administrativo, mencionando, designadamente, o seu título, matéria, data, origem e local onde podem ser consultados”

A publicação e o anúncio de documentos devem efectuar-se com a periodicidade máxima de seis meses. Exercer o direito de acesso é relativamente simples. Consoante o Artigo 13, os pedidos devem ser feitos por escrito e conter informação suficiente para permitir que o funcionário a atender possa identificar o documento pretendido. O Artigo 15 estabelece que os órgãos públicos respondam dentro de dez dias, proporcionando o acesso ou indicando razões porque o acesso total ou parcial não será possível. Recusar-se a proporcionar acesso pode ser contestado ao abrigo do Artigo 16. O Artigo 12 estabelece que se o acesso for concedido, os documentos podem ser consultados no seu formato original, ou que o pretendente pode obter fotocópias (pelas quais deverá pagar). Consoante o Artigo 14, cada instituição abrangida por esta lei deverá nomear uma pessoa ou um departamento responsável pela execução da lei. Os Artigos 17-19 estabelecem uma “Comissão de Fiscalização” a quem cabe zelar pelo cumprimento da lei. A comissão é composta de 7 membros, dos quais pelo menos 3 serão nomeados pelo Presidente e pelo governo, e parece ter principalmente funções consultivas. Ao abrigo do Artigo 19, a Comissão pode:

• “avaliar” as reclamações que lhe sejam dirigidas pelos interessados; • “dar um parecer” sobre acesso a documentos nominativos; • “pronunciar-se sobre o sistema de classificação de documentos”; • “dar um parecer sobre a aplicação do presente diploma, bem como sobre a

elaboração e aplicação de diplomas complementares; e • preparar um relatório anual.

Na prática, é importante ler esta lei conjugadamente com a Lei do Segredo de Estado, que foi adoptada no mesmo dia27. Nos termos desta lei, uma vasta gama de documentos pode ser classificada. A Lei do Segredo de Estado contempla informação – assim reza o Artigo 2 – “cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é susceptível de pôr em risco ou causar dano à independência nacional, à unidade e integridade do Estado e a sua segurança interna e externa”; o parágrafo (2) do Artigo 2 reza ainda que documentos devem ser avaliados seguindo uma metodologia de ‘caso a caso’ para as finalidades da classificação. O parágrafo (3) do Artigo 2 reza que a classificação pode abranger não apenas documentos tais como aqueles que tratam das forças armadas mas também documentos que “regulam o funcionamento das instituições democráticas” (ao abrigo de (b)) e aquelas que “salvaguardam os direitos, liberdades e as garantias dos cidadãos” (ao abrigo de (c)).

27 Lei 10/02 de 16 de Agosto de 2002.

Page 24:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

24

O Artigo 3 da Lei do Segredo de Estado reza que o dever de sigilo em matéria de segredo de estado abrange todas as pessoas que tiverem acesso a documentos classificados, e não apenas os funcionários públicos, e os Artigos 24-26 pormenorizam as penas aplicáveis pela revelação desautorizada de segredos do estado, incluindo por jornalistas. ��8������Ao mesmo tempo que saudamos o princípio do direito de acesso aos documentos que está consagrado ao abrigo da lei angolana de 2002 sobre o Acesso aos Documentos Administrativos [detidos por autoridades públicas], preocupa-nos que o regime de excepções a este direito está formulado de modo tão expansivo que praticamente o invalida. Adicionalmente, o mecanismo de fiscalização e monitorização estabelecido nos termos da lei – através da “Comissão de Fiscalização” – carece de verdadeiros poderes e parece ser improvável que possa fazer cumprir ou promover uma consciencialização mais difundida deste direito. Estes dois factores juntam-se para tornar a lei ineficaz. É significativo que nos quatro anos e meio decorridos desde que a lei foi decretada, raramente foi usada e não figura entre jornalistas como uma ferramenta digna de ser confiada para fins da recolha de informação. Isto contrasta acentuadamente com a prática nas democracias desenvolvidas, onde os jornalistas confiam nas leis da liberdade de informação para escancarar abusos de poder no sector público. Preocupa-nos também a vasta gama de documentos que podem ser classificados como sendo ‘segredo’ nos termos da Lei do Segredo de Estado, e as penas que podem ser impostas não apenas a funcionários públicos que possam ser responsáveis por uma ‘fuga’ de documentos deste género, mas também os jornalistas que publicarem matéria proveniente destes. A nossa análise vai focalizar estas três questões em maior detalhe. Isenções O direito internacional reconhece que o direito de acesso à informação não é um direito absoluto – restrições podem ser impostas. No entanto, quaisquer restrições devem estar contempladas na lei, rigorosamente formuladas, para salvaguardar um objectivo legítimo. É importante que sejam proporcionais e não prejudicam o direito de acesso mais do que é necessário para a protecção de um específico objectivo legítimo. Por exemplo, a divulgação de informação que causa dano sério à segurança nacional pode ser limitada; mas o direito internacional não permite uma regra que barre a divulgação de qualquer informação que simplesmente ‘tem a ver’ com a segurança nacional. Para além disso, o direito internacional requer que mesmo quando a divulgação de informação cause dano a um legítimo interesse protegido, não pode mesmo assim ser proibida, caso haja um interesse público que se sobreponha à probabilidade de dano. Por exemplo, a divulgação de determinadas transacções financeiras de um ministro do governo pode prejudicar a privacidade desse ministro; mas se revelar também indícios de corrupção, então o interesse público global exige a sua divulgação28. A lei angolana de Acesso aos Documentos Administrativos não incorpora os preceitos descritos acima. Os Artigos 4-8 contêm uma série das chamadas ‘isenções de classe’: inteiras categorias de documentos que estão isentas do âmbito da Lei do Acesso aos 28 Vide Secção IV do Anexo para mais informação.

Page 25:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

25

Documentos Administrativos. Nomeadamente, os Artigos 4 e 7 restringem qualquer acesso aos documentos que são de uma natureza pessoal (excepto se puderem ser divulgados de modo que os dados pessoais sejam expurgados); e o Artigo 5 restringe a divulgação de qualquer documento que for classificado como constituindo um segredo de estado. Nos termos da Lei do Segredo de Estado, uma gama extremamente vasta de documentos podem ser classificados como correspondendo a esta descrição, incluindo qualquer documento cujo conhecimento é “susceptível de pôr em risco ou causar dano à independência nacional, à unidade e integridade do Estado e a sua segurança interna e externa”29 ou até que seja “desvantajoso” para o estado, o seu aparelho ou qualquer organização internacional da qual faça parte30. Não existe nenhum teste para determinar o ‘interesse público’; se for decidido que um documento está abrangido por uma das categorias protegidas, então a sua divulgação é proibida não obstante qualquer interesse maior que possa haver para a sua divulgação. Algumas das outras isenções também causam bastante preocupação. Preocupa-nos sobretudo que ao abrigo do Artigo 4(2)(b), qualquer documento ‘referente’ a reuniões do Conselho de Ministros, ou que tenha sido usado par preparar tal reunião está completamente isento da lei. Isto coloca fora da fiscalização pública uma gama de documentos que são chave ao funcionamento íntimo do governo. Embora seja internacionalmente reconhecido que ministros e os responsáveis pelas decisões precisam de algum ‘espaço para pensar’, e que se pode sonegar documentos cuja divulgação poderiam causar um dano real ao processo de tomada de decisão dentro do governo, o Artigo 4(2)(b) vai muito além disso. Fiscalização ineficaz A “Comissão de Fiscalização” estabelecida ao abrigo dos Artigos 17-19 da lei sofre de um conjunto de fraquezas estruturais. Em primeiro lugar, mais do que metade dos seus membros são na verdade nomeados do partido no poder: dos sete membros, um é nomeado pelo presidente, dois são nomeados pelo governo, para além de um parlamentar do partido no poder com assento na comissão31. Para além disso, os membros servem apenas um mandato de dois anos, o que significa que efectivamente estão ‘presos a uma trela curta’: o governo está inteiramente livre de substituir aqueles membros que considerar demasiado críticos no fim do seu mandato. Estes factores juntam-se para seriamente minar a independência da Comissão de Fiscalização. Em segundo lugar, mesmo que a questão da independência seja resolvida, a comissão carece de poderes suficientes para garantir execução. Embora possa receber queixas e rever práticas, as suas decisões simplesmente não são vinculativas, o que quer dizer que podem ser ignoradas à vontade. Observamos também que a comissão não tem um mandato para proporcionar formação para autoridades públicas, ou para promover uma

29 Artigo 2(1). 30 Artigo 9. 31 Vide Artigo 18.

Page 26:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

26

consciencialização mais ampla do direito de acesso à informação entre o público geral. Ambos são elementos importantes de um regime bem sucedido de acesso à informação32. Em terceiro lugar, a lei é omissa relativamente ao financiamento e recursos humanos da Comissão de Fiscalização. Para que a comissão possa fazer o seu trabalho, é essencial que tenha recursos suficientes; e a lei deve garantir que tais lhe sejam providenciados. Revelação de segredos do estado A Lei do Segredo de Estado estabelece penas severas para qualquer pessoa que revelar ou divulgar segredos do estado sem a devida autorização. O Artigo 24 estabelece uma pena mínima de 6 meses de prisão para qualquer pessoa que revelar um segredo do estado com a intenção de prejudicar o estado ou um terceiro partido, ou com a finalidade de obter um ganho ou uma vantagem; e o Artigo 25 estabelece uma pena da prisão de até seis meses pela revelação negligente de informação. Do Artigo 26 surge a implicação de que jornalistas que divulguem quaisquer segredos do estado provenientes de uma fuga de informação em violação dos Artigos 24 ou 25 podem ser sujeitos à mesma pena. Não há nenhuma provisão para a publicação de informação no interesse público – por exemplo, para revelar corrupção – embora a condição, inscrita no Artigo 24, de que é necessário haver intenção, pode em certa medida dar resposta a essa preocupação. O direito internacional desaprova punir os jornalistas que publicam segredos do estado. As NU, a OEA, a OSCE e os relatores especiais oficiais da União Africana em matéria de liberdade de expressão recentemente adoptaram uma resolução na qual manifestaram a sua preocupação com legislação que estabelece penas específicas para jornalistas, declarando que:

Jornalistas não devem ser responsabilizados por publicar informação classificada ou confidencial em situações em não têm eles próprios cometido alguma infracção no processo de obtê-la. Cabe às autoridades públicas proteger a informação confidencial que legitimamente detêm33.

Preconizamos fortemente que este padrão seja seguido em Angola, sobretudo levando em conta que as leis que governam os segredos do estado são fàcilmente abusadas para ‘enterrar’ informação que é embaraçosa ou prejudicial ao governo. Pela mesma razão, recomendamos também que se adicione uma salvaguarda do ‘interesse público’ que permita que os arguidos reivindiquem que divulgaram a informação em boa fé para proteger um bem público maior – como por exemplo, expor corrupção ou a má gestão de fundos públicos. Os mesmos relatores especiais para a liberdade de expressão das NU, da OSCE e da OEA adoptaram uma resolução em 2004, em que declararam:

“Denunciantes” são indivíduos que divulgam informação confidencial ou secreta embora estejam sob uma obrigação oficial ou outra de manter a confidencialidade ou o segredo.

32 No México, por exemplo, uma agência federal independente foi instaurada com poderes significativos para fazer cumprir a execução da lei de acesso à informação no país. Na prática, isto teve como consequências uma expressiva consciencialização pública sobre o direito e um verdadeiro melhoramento na transparência das instituições públicas. 33 19 de Dezembro de 2006.

Page 27:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

27

“Denunciantes” que divulgam informação sobre violações da lei, sobre má gestão por parte de órgãos públicos, sobre uma ameaça grave à saúde, à segurança ou ao ambiente, ou sobre uma violação de direitos humanos ou do direito humanitário, devem ser protegidos contra sanções jurídicas, administrativas ou relacionadas ao emprego se agirem em “boa fé”34.

� ��� ����� ������A Lei do Acesso aos Documentos Administrativos precisa de ser revista para incorporar o princípio que quaisquer documentos detidos por autoridades públicas são abertos, sujeito apenas a excepções estritamente definidas. ��O acesso deve ser recusado apenas quando a divulgação causaria um dano real a um legítimo interesse protegido, tal como a segurança nacional, a menos que houver um interesse público superior a favor da divulgação. ��Um regime eficaz de fiscalização e supervisão necessita ser estabelecido, com poderes não só para fazer cumprir quando necessário, mas também proporcionar formação e promover uma ampla consciencialização da lei. ��O órgão de fiscalização deve estar adequadamente financiado e equipado com recursos humanos competentes para realizar as suas funções. ��A Lei do Segredo de Estado também deve ser revista, seguindo uma metodologia semelhante, que permita a classificação de documentos apenas quando a sua divulgação causaria um dano real à segurança nacional ou a outros interesses protegidos legítimos. ��Jornalistas que publicam informação proveniente de uma fuga de informação, que lhes foi passada em boa fé e no interesse público, não devem ser sujeitos a responsabilização em juízo. ��Deve haver uma protecção para denunciantes: indivíduos que ao longo da execução dos seus deveres deparam com informação que revela infracções, e que decidem em boa fé tornar essa informação pública.

%� '/� �� 0%�- ',� �� �'�� %+�� � %�,� ,� 4�'� % � &�4'�%'� '�'/0�',,�� ���

���&�4'�%'�'�'/0�',,�� �� � ���'��� ��� �'�� %+�� � %&���Há muito tempo que o direito à liberdade de expressão é reconhecido como um direito humano fundamental. É de importância crucial para o funcionamento da democracia, e uma necessária pré-condição para o exercício de outros direitos e liberdades e, no seu próprio direito, essencial para a dignidade humana. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)35, o principal instrumento de direitos humanos adoptado pela Assembleia-geral das Nações Unidas em 1948, protege o direito à liberdade de expressão nos seguintes termos, no Artigo 19:

34 6 de Dezembro de 2004. 35 Resolução da Assembleia-geral das NU 217A(III), adoptada a 10 de Dezembro de 1948: http://www.unhcr.ch/udhr/index.htm.

Page 28:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

28

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP)36, um tratado juridicamente vinculativo a que Angola aderiu em 1992, garante o direito à liberdade de opinião e de expressão em termos bastante semelhantes à DUDH, também no seu Artigo 19. A constituição de Angola também protege o direito à liberdade de expressão, no seu Artigo 32. A liberdade de expressão também é garantida na Carta Africana dos Direito Humanos e dos Povos37 no seu Artigo 9. Este tratado regional de direitos humanos foi ratificado por Angola38 e, tal como o PIDCP, é vinculativo em matéria de direito. A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, o órgão intergovernamental que supervisiona a execução da Carta, adoptou uma declaração fidedigna que pormenoriza os princípios principais da liberdade de expressão que resultam do Artigo 9 da Carta. Esta é a Declaração dos Princípios sobre a Liberdade de Expressão em África39. O reconhecimento global da importância da liberdade de expressão repercute em dois outros sistemas regionais para a protecção de direitos humanos, a Convenção Americana dos Direitos Humanos (CADH)40 e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (ECHR)41, ambos garantindo o direito à liberdade de expressão. Embora nenhum destes instrumentos nem as decisões dos tribunais que operam ao seu abrigo são directamente vinculativos para Angola, são importantes evidências comparativas do conteúdo e aplicação do direito à liberdade de expressão e podem ser usados para informar a interpretação do Artigo 19 do PIDCP e do Artigo 9 da Carta Africana, ambas das quais são vinculativas para Angola. �����% ��) 0� ��5� +�% �'�'/0�',,�� �0� &6��+% �'�'&'��- ',���Os órgãos internacionais e os tribunais já deixaram bem claro que o direito à liberdade de expressão e de informação é um dos direitos humanos mais importantes. Na sua primeira sessão, em 1946, Assembleia-geral das Nações Unidas adoptou a resolução 59(I)42, com referencia à liberdade de informação no seu sentido mais amplo e declara que:

A liberdade de informação é um direito humano fundamental e alicerce de todas as liberdades às quais estão consagradas as Nações Unidas.

36 Resolução da Assembleia-geral das NU 2200A(XXI), adoptada a 16 de Dezembro de 1966, em vigor 23 de Março de 1976: http://wwwohchr.org/english/law/ccpr.htm. 37 Adoptada a 26 de Junho de 1981, em vigor Outubro de 1986: http://www.africa-union.org/root/au/Documents/Treaties/Text/Banjul%20Charter.pdf 38 Aos 2 de Março de 1990. 39 Gambia, a 23 de Outubro de 2002: http://www.achpr.org/english/_info/index_declarations_en.html. 40 Adoptado a 22 de Novembro de 1969, em vigor 18 de Julho de 1978: http://www.cidh.oas.org/Basicos/basic3.htm. 41 ETS Série Numero 5, adoptada a 4 de Novembro de 1950, em vigor 3 de Setembro de 1953: http://conventions.coe.int/Treaty/EN/Treaties/Html/005.htm. 42 14 de Dezembro de 1946.

Page 29:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

29

Como esta resolução observa, a liberdade de expressão é não só fundamentalmente importante em seu próprio direito, mas é também uma chave para a realização de todos os outros direitos. Só em sociedades onde o fluxo livre de informação e das ideias é permitido e garantido, a democracia é capaz de florescer. Para além disso, a liberdade de expressão é crucial para a denúncia e exposição de violações de direitos humanos e para contestar tais violações. Isto foi subscrito por tribunais dos direitos humanos. Por exemplo, o Comité dos Direitos Humanos das NU, órgão estabelecido para fiscalizar a execução do PIDCP, sempre manteve que:

O direito à liberdade de expressão é da maior importância em qualquer sociedade democrática43.

Semelhantemente, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos enfatizou “a importância fundamental da liberdade de expressão e de informação como um direito humano individual, como um pedra angular da democracia e como meio de garantir o respeito por todos os direitos humanos e liberdades”44; e enfatizou ainda que:

Leis e costumes que reprimem a liberdade de expressão são um desserviço à sociedade45. A garantia da liberdade de expressão aplica-se com específico vigor à assim chamada ‘expressão política’ e às reportagens dos órgãos de comunicação social que relatam sobre matérias de interesse público comum. A Comissão Africana para os Direitos Humanos e dos Povos, por exemplo, enfatizou que “o papel chave dos órgãos de comunicação social e outros meios de comunicação está em garantir o pleno respeito pela liberdade de expressão, promover o fluxo livre de informação e ideias, auxiliar indivíduos a tomarem decisões informadas e facilitar e fortalecer a democracia”46. O Tribunal Europeu para os Direitos Humanos enfatizou semelhantemente o “papel preeminente da imprensa num estado de direito”47. Acrescentou ainda:

A liberdade de imprensa proporciona ao público um dos melhores meios de descobrir e formar uma opinião das ideias e atitudes dos seus dirigentes políticos. Especificamente, proporciona aos políticos uma oportunidade para reflectir e comentar sobre preocupações da opinião pública; habilita assim todos a participarem no livre debate político que está no âmago do conceito de uma sociedade democrática48.

O Comité dos Direitos Humanos das NU também salientou o papel fundamental que a comunicação social desempenha no processo político:

A comunicação livre de informação e ideias sobre questões públicas e políticas entre cidadãos, candidatos e representantes eleitos é essencial. Isto implica uma imprensa livre

43 Tae-Hoon Park contra a Republica da Coreia, a 20 de Outubro de 1998, Comunicação Numero 628/1995, parágrafo 10.3. 44 Resolução sobre a adopção da Declaração dos Princípios da Liberdade de Expressão em África, a 23 de Outubro de 2002, Preâmbulo. 45 Declaração, Observação e Preambulo 46 Ibidem 47 Thorgeirson contra a Islândia, a 25 de Junho de 1992, Requisição Numero 13778/88, parágrafo 63. 48 Castells contra a Espanha, a 24 de Abril de 1992, Requisição Numero 11798/85, parágrafo 43.

Page 30:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

30

e outros órgãos de comunicação social capazes de comentar sobre questões públicas sem censura ou restrição e capazes de informar a opinião pública49.

Como consequência natural, segue que em períodos de eleições, a liberdade de expressão assume uma importância especial. A possibilidade dos partidos políticos de comunicarem com os eleitores é de maior importância para o bom funcionamento de uma democracia. Os eleitores hesitariam em votar para um partido se não estiverem seguros de saber quais as propostas do partido. Embora os eleitores possam formalmente estar em posição de votar para o partido da sua escolha, tal escolha é ilusória na ausência de informação adequada sobre os partidos e os candidatos que estão a concorrer. Se apenas um ou dois partidos tiveram oportunidade de comunicar as suas opiniões, inevitavelmente vão dominar as eleições. Inevitavelmente, alguns partidos políticos estarão numa posição melhor do que outros para difundirem a sua mensagem; um partido fundado por uma pessoa famosa ou financiada por apoiantes ricos, mais fàcilmente atrairá a atenção do que um partido com falta de recursos financeiros ou fama. Tais vantagens naturais são simplesmente parte da política. No entanto, ao abrigo do PIDCP, o estado tem a obrigação de garantir que todos os partidos tenham ao menos algum acesso aos meios que proporcionem comunicar com o público50. Quaisquer obstáculos à excepção das desvantagens naturais que fluem de ser um partido pequeno devem ser removidos. Por exemplo, condições do tipo que impõem um determinado número dos militantes e apoiantes não devem ser requisitos para a obtenção de autorização para que os partidos possam distribuir folhetos ou realizar reuniões públicas. Para além disso, o estado deve tomar determinadas medidas positivas para garantir que estes partidos tenham algum acesso aos meios de comunicação maciça. Tipicamente, uma emissora estatal ou financiada com fundos públicos está sob obrigação de ceder uma determinada quantia de tempo de antena gratuitamente a todos os partidos concorrentes. Este conceito é reforçado na Declaração Africana que declara que as emissoras do serviço público devem estar sob “uma obrigação de garantir que o público receba informação apropriada e politicamente isenta, particularmente durante períodos de eleição”51. Um outro requisito afim é que os órgãos de comunicação social devem ser verdadeiramente livres e pluralísticos. O Comité dos Direitos Humanos das NU tem frequentemente manifestado a sua preocupação com o regulamento rigoroso dos órgãos de comunicação social no contexto de eleições. Por exemplo, nas suas observações finais sobre a Arménia, o Comité declarou-se

“... preocupado com o controlo excessivamente rígido que o governo impôs aos órgãos de comunicação social electrónicos, o que pode levantar certas questões à luz do Artigo 19 e que suscita restrições sérias ao exercício dos direitos garantidos no Artigo 25, especificamente no que diz respeito a eleições.”52

49 Observação Geral Número 25 do Comité para os Direitos Humanos das Nações Unidas, emitida a 12 de Julho de 1996. 50 Isto decorre dos Artigos 2, 19, 25 do PIDCP, conjugados. 51 Nota 2, Principio VI. 52 Por exemplo, nas suas Observações Finais sobre a Arménia (CCPR/C/79/Add.100, de 19 de Novembro de 1998, parágrafo 21).

Page 31:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

31

�����&�4'�%'�'��� 3� �) %��� ��O direito de ter acesso a informação detida pelos órgãos públicos, frequentemente denominado ‘liberdade de informação’ é um direito humano fundamental reconhecido no direito internacional. É essencial como um direito por si próprio assim como decisivo para o funcionamento da democracia e para garantir o gozo de outros direitos. Sem liberdade de informação, as autoridades do estado podem controlar o fluxo de informação, ‘escondendo’ conteúdo que é prejudicial à imagem do governo e selectivamente publicando ‘boas notícias’. Num ambiente como este, a corrupção prospera e violações dos direitos humanos podem ficar por investigar. O eleitorado não estará devidamente informado sobre os actos dos seus representantes escolhidos, e não estará em posição de depositar um voto informado. Por estas razões, os órgãos internacionais tais como o Relator Especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão53 têm repetidamente convidado todos os Estados a adoptarem e implementarem legislação em matéria de liberdade de informação54. Em 1995, o Relator Especial das NU para a Liberdade de Opinião e Expressão declarou:

O Relator Especial, consequentemente, acentua mais uma vez que a tendência de muitos governos de sonegar informação dos cidadãos em geral ... deve ser rigorosamente combatida55.

As suas declarações foram saudadas pela Comissão das NU para os Direitos Humanos, que convidaram o Relator Especial para que “elaborasse mais os seus comentários sobre o direito de procurar e receber informação e que expandisse as suas observações e recomendações decorrentes de comunicações56 [relativas às actividades do Relator]”. No seu Relatório Anual de 1998, o Relator Especial reafirmou que a liberdade de informação inclui o direito de ter acesso a informação detida pelo estado [informação em documentos administrativos]:

“O direito de procurar, receber e difundir informação impõe aos estados uma obrigação positiva de garantir acesso à informação, especialmente no que diz respeito à informação detida pelo governo em quaisquer tipos de sistemas de armazenagem e recuperação ...."57

Em Novembro de 1999, o Relator Especial das NU recebeu o apoio dos seus congéneres regionais, reunindo todos os três mandatos especiais sobre liberdade de expressão – o Relator Especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão, o Representante para a Liberdade da Comunicação Social da Organização para a Segurança e

53 O Gabinete do Relator Especial para a Liberdade de Opinião e Expressão foi criado em 1993 pela Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o principal órgão em matéria de direitos humanos nas Nações Unidas, Resolução 1993/45, a 5 de Março de 1993. 54 Ver, por exemplo, as Observações Finais do Comité para os Direitos Humanos, em relação a Trinidad e Tobago, Doc. das NU Numero CCPR/CO/70/TTO/Add.1, de 15 de Janeiro de 2001. As observações do Relator Especial para a Liberdade de Opinião e Expressão são analisados em pormenor mais adiante. 55 Relatório do Relator Especial, de 4 de Fevereiro de 1997, Promoção e protecção do direito à liberdade de opinião e expressão, Doc. das NU E/CN.4/1997/31. 56 Resolução 1997/27, de 11 de Abril de 1997. 12(d). 57 Relatório do Relator Especial, de 28 de Janeiro de 1998, Promoção e protecção do direito à liberdade de opinião e expressão, Doc. das NU E/CN.4/1998/40.

Page 32:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

32

Cooperação na Europa e o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos. Os três adoptaram uma Declaração Conjunta que inclua a seguinte afirmação:

Implícito na liberdade de expressão está o direito do público de gozar de acesso aberto à informação e de saber o que os seus governos estão a fazer em prol dos seus cidadãos, sem o qual a verdade padeceria e a participação dos cidadãos no governo continuaria fragmentada58.

O direito de ter acesso a informação detida ou sob o controlo de um órgão público foi reconhecido no Artigo 19 da DUDH e também artigo 19 do PIDCP. Há muito tempo que o Comité das NU para os Direitos Humanos, órgão estabelecido para supervisionar a execução do PIDCP, se vem pronunciando sobre a necessidade de Estados introduzirem leis sobre a liberdade de informação. Nas suas Observações Finais de 1994 sobre a execução do PIDCP no Azerbeijão, por exemplo, o Comité declarou que o Azerbeijão “devia introduzir legislação que garantisse liberdade de informação...”59 Enquanto na sua capacidade de estado parte na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Angola deve também respeitar as obrigações de liberdade de informação impostas pela Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão em África.60 O Princípio IV da Declaração afirma:

1. Órgãos públicos detêm informação não para si próprios mas como guardiões do bem público e qualquer pessoa tem o direito de ter acesso a esta informação, sujeito apenas às regras claramente definidas, estabelecidas na lei.

2. O direito à informação será garantido pela lei de acordo com os seguintes princípios:

• qualquer pessoa tem o direito de ter acesso a informação detida por órgãos públicos;

• qualquer pessoa tem o direito de ter acesso a informação detida por órgãos privados, informação essa que seja necessária para o exercício ou a protecção de qualquer direito;

• qualquer recusa de divulgar a informação será sujeita à apelação a um órgão independente e/ou aos tribunais;

• órgãos públicos serão obrigados, mesmo sem que tenha havido um pedido, a publicar activamente informação importante de expressivo interesse público;

• ninguém será sujeito a qualquer sanção por divulgar em fé boa informação sobre infracções, ou informação que divulgaria uma ameaça séria à saúde, à segurança ou ao ambiente, excepto quando a imposição de sanções serve um interesse legítimo e é necessário numa sociedade democrática; e

• as leis do segredo serão alteradas conforme necessário para cumprir com os princípios da liberdade de informação.

3. qualquer pessoa tem o direito de ter acesso a, actualizar ou de qualquer outro modo corrigir a sua informação pessoal [nominativa], não obstante se esta está detida por órgãos públicos ou privados.

58 26 de Novembro de 1999. 59 Doc. das NU CCPR/C/79/Add.38; A/49/40, de 3 de Agosto de 1994, na secção 5, intitulada “Sugestões e Recomendações”. 60 Observação.

Page 33:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

33

Finalmente, o direito de ter acesso a informação é reconhecido pela Convenção das NU contra a Corrupção, que Angola ratificou em Agosto de 200661, assim como pela Convenção da União Africana sobre a Prevenção e a Luta Contra a Corrupção, que Angola não assinou nem ratificou62. Uma análise do direito internacional e de boas práticas revela que para ser eficaz, leis sobre a liberdade de informação devem ser fundamentadas num conjunto de princípios gerais. O mais importante é o princípio de abertura máxima: qualquer informação detida por um órgão público deve em princípio ser abertamente acessível, em reconhecimento ao facto que os órgãos públicos detêm informação não para si próprios, mas para o bem público. Além disso, o acesso à informação pode ser recusado apenas em circunstâncias estritamente definidas, quando necessário para proteger um interesse legítimo. Finalmente, os procedimentos de acesso devem ser simples e fàcilmente acessíveis e aqueles a quem for recusado acesso devem de gozar de meios para contestar a recusa em tribunal63. No seu Relatório Anual à Comissão dos Direitos Humanos das NU, o Relator Especial das NU aprovou o parecer apresentado na panorâmica do ARTIGO 19 sobre o estado do direito internacional em matéria de liberdade de informação, publicada em O Direito do Público de Saber: Princípios sobre a Legislação da Liberdade de Informação e apelou aos governos, exortando-os a rever as suas leis domésticas para dar efeito ao direito à liberdade de informação. Mais especificamente, ele direccionou a atenção dos Estados para nove áreas de importância:

O Relator Especial direccionou a atenção dos governos para um conjunto de áreas e exortou-os a rever legislação em vigor ou adoptar nova legislação sobre o acesso à informação e garantir a sua conformidade com estes princípios gerais. Entre as considerações de importância figuram: • Órgãos públicos têm uma obrigação de divulgar informação e qualquer membro do

público tem um direito correspondente de receber informação; a “informação” inclui quaisquer registros detidos por um órgão público, não obstante o meio em que a informação está armazenado;

- A liberdade de informação implica que os órgãos públicos publiquem e difundam extensamente documentos de expressivo interesse público, por exemplo, informação

61 Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adoptada pela Assembleia-geral das Nações Unidas a 31 de Outubro de 2003, Doc. das NU A/58/422: http://www.unodc.org/unodc/en/crime_convention_corruption.html. Ver especificamente os Artigos 10 e 13. 62 Maputo, Moçambique, a 11 de Julho de 2003. Artigo 9 da Convenção reza que: “Cada Estado Parte deverá adoptar as medidas legislativas e outras medidas para garantir o direito de acesso a qualquer informação que seja necessária para ajudar na luta contra a corrupção e infracções afins”. 63 Para uma vista panorâmica destes princípios gerais, ver a publicação da ARTICLE 19 The Public’s Right to Know (Londres:1999) (Princípios da ARTICLE 19). Estes princípios são o resultado de um estudo do direito internacional e boas praticas em matéria de liberdade de informação e têm a aprovação de – entre outros – o Relator Especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão, declarada no seu relatório à sessão do ano 2000 da Comissão para os Direitos Humanos das Nações Humanas (Doc. das NU E/CN.4/2000/63, Anexo II), e citado na sua resolução de 2000 sobre liberdade de expressão (Resolução 2000/38). Foram também aprovados pelo Sr Santiago Canton, o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Organização de Estados Americanos (OEA) no seu relatório de 1999, Volume III do Relatório da Comissão Inter Americana para os Direitos Humanos da OEA.

Page 34:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

34

operacional sobre como o órgão público funciona e o conteúdo de qualquer decisão ou política que afecte o público;

- No mínimo, a lei sobre a liberdade de informação deve conter provisões para educação pública e a disseminação de informação a respeito do direito de ter acesso à informação; a lei deve também proporcionar um conjunto de mecanismos para solucionar o problema de uma cultura de secretismo no seio dos governos;

- Uma recusa de divulgar informação não pode ser fundamentada no objectivo de proteger governos de situações embaraçosas ou para encobrir infracções; uma lista completa dos objectivos legítimos que podem justificar a não-divulgação deve fazer parte da lei e quaisquer excepções devem ser rigorosamente elaboradas para evitar incluir conteúdos que não prejudicam o interesse legítimo;

- Todos os órgãos públicos devem ser obrigados a estabelecer sistemas internos abertos e

acessíveis para garantir o direito do público receber informação; a lei deve prover limites de tempo para responder aos pedidos de informação e deve exigir que qualquer recusa seja acompanhada por razões substantivas para a(s) recusa(s) por escrito;

- O custo de conseguir o acesso à informação detida por órgãos públicos não deve ser

assim tão elevado que tenha o efeito de desencorajar a consulta e deste modo invalidar o intento da própria lei;

- A lei deve estabelecer uma presunção de que qualquer reunião de órgãos de gestão é

aberta ao público;

- A lei deve exigir que a restante legislação seja interpretada, na medida do possível, numa maneira consistente com provisões deste diploma; o regime de excepções contempladas na lei da liberdade da informação deve ser pormenorizado e outras leis não devem permitir um alargamento do regime de excepções;

- Os cidadãos devem ser protegidos de sanções jurídicas, administrativas ou relacionados

ao emprego por divulgarem informação sobre infracções, nomeadamente, a comissão de uma ofensa criminal, desonestidade, incumprimento de uma obrigação jurídica, de um erro judiciário, corrupção ou sérias falhas na administração de um órgão público64.

Isto constitui uma orientação forte e persuasiva para os Estados em matéria do conteúdo de legislação sobre a liberdade de informação. �1�� �',����- ',� ,� 4�'� % � &�4'�%'� '� '/0�',,�� � '� '��� 3� �) %��� ��

�Os direitos à liberdade de expressão e do acesso à informação não são absolutos; podem, em determinadas circunstâncias rigorosas, ser restritos. No entanto, restrições devem ser rigorosas e devem estar de acordo com o princípio de Estado de direito. Além disso, as restrições devem perseguir um objectivo legítimo; a liberdade de expressão não pode ser restringida apenas porque uma determinada declaração ou modo de discurso tenha sido considerado ofensivo ou porque constituía um desafio às doutrinas estabelecidas.

64 Ibidem. 44.

Page 35:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

35

O Artigo 19(3) do PIDCP estabelece as circunstâncias que qualquer limitação à liberdade de expressão ou do acesso à informação deve reunir:

O exercício dos direitos fornecidos no parágrafo 2 deste artigo traz deveres e responsabilidades especiais. Pode, consequentemente, ser sujeito a determinadas restrições, mas estas serão apenas as que estão contempladas na lei e são necessárias:

(a) Para o respeito dos direitos ou da reputações de outrem; (b) Para a protecção da segurança nacional ou da ordem pública, ou da saúde ou moral públicas.

A Declaração de Princípios da Liberdade de Expressão em África usa uma fórmula semelhante. Esta declara, no princípio II que:

1. Ninguém será sujeito à interferência arbitrária da sua liberdade de expressão. 2. Quaisquer restrições à liberdade de expressão serão contempladas pela lei, servem um interesse legítimo e são necessárias numa sociedade democrática.

Ambas as fórmulas têm sido interpretadas de modo que exigem que as restrições estejam em conformidade com o rigoroso ‘teste de três partes’65. Em primeiro lugar, qualquer interferência deve estar contemplada na lei. Este requisito será cumprido apenas onde a lei é acessível e “elaborada com precisão suficiente para permitir que o cidadão regule a sua própria conduta”66. Isto significa também que leis elaboradas com definições amplas ou vagas ou leis que concedem discrição excessiva às agências de execução são ilegítimas. Em segundo lugar, a interferência deve ter um objectivo legítimo. A lista de objectivos no Artigo 19(3) do PIDCP é exclusiva no sentido que nenhum outro objectivo será considerado como sendo legítimo, como motivo para restringir a liberdade de expressão. Em terceiro lugar, a limitação deve ser necessária para alcançar um dos objectivos. A palavra “necessária” quer dizer que deve haver uma “necessidade social gritante” para justificar a limitação. As razões avançadas pelo estado para justificar a limitação devem ser “relevantes e suficientes” e a limitação deve ser proporcional ao objectivo perseguido67. A adição “numa sociedade democrática” na Declaração Africana deve também ser considerada: o que é considerado “necessário” numa democracia é muito diferente daquilo que possa ser “necessário” num regime autoritário. No contexto da liberdade de informação, o elemento de “necessidade” do texto foi interpretado como impondo duas obrigações importantes: em primeiro lugar, que documentos devem ser divulgados a menos que isto cause um dano real a um interesse público legítimo, e em segundo lugar, que mesmo se o dano for causado, que um documento deve ser divulgado se isto servir a um interesse público maior. Por exemplo, a divulgação de um documento do governo que mostra transacções financeiras pode

65 Ver, por exemplo, Mukong contra Cameron, de 21 de Julho de 1994, Comunicação Numero 458/1991, parágrafo 9.7 (Comité das NU para os Direitos Humanos). 66 The Sunday Times contra o Reino Unido, 26 de Abril de 1979, Requisição Numero 6538/74 parágrafo 49 (Tribunal Europeu para os Direitos Humanos). 67 Lingens contra a Áustria, 8 de Julho de 1986, Requisição Numero 9815/82, parágrafos 39-40 (Tribunal Europeu para os Direitos Humanos).

Page 36:  · Em 2008 e 2009, Angola realizará as suas primeiras eleições legislativas e presidenciais legislativas em 16 anos. As eleições representam um ponto fulcral na história recente

36

facilmente prejudicar o interesse de confidencialidade; mas se também revelar transacções corruptas, então é do interesse público global que se divulgue. NT: Em conformidade com esforços globalmente envidados visando uma maior consciencialização de questões do género, alteramos neste trabalho o nome de alguns instrumentos e/ ou instituições onde figura a referência a “direitos do homem” em favor de “direitos humanos”.