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O SERMÃO DA MONTANHA HUBERTO ROHDEN 1

( Espiritismo) - # - Huberto Rohden - O Sermao Da Montanha.doc

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HUBERTO ROHDEN

PAGE 131

O SERMO DA MONTANHA

HUBERTO ROHDEN

NDICE

AdvertnciaHuberto Rohden, Vida e ObraO Sermo da MontanhaPrlogoO Sermo da Montanha, Base da Harmonia EspiritualPRIMEIRA PARTE

CAPTULO 1 = Bem-Aventurados os Pobres Pelo Esprito!CAPTULO 2 = Bem-Aventurados os Puros de CoraoCAPTULO 3 = Bem-Aventurados os Mansos...

CAPTULO 4 = Bem-Aventurados os MisericordiososCAPTULO 5 = Bem-Aventurados os que Tm Fome e Sede da JustiaCAPTULO 6 = Bem-Aventurados os PacificadoresCAPTULO 7 = Bem-Aventurados os Tristes

CAPTULO 8 = Bem-Aventurados os que Sofrem Perseguio por Causa da JustiaCAPTULO 9 = Vs Sois a Luz do MundoCAPTULO 10 = Contemplai os Lrios do Campo Como Crescem...CAPTULO 11 = Vs Sois o Sal da Terra...

CAPTULO 12 = No Jureis de Forma Alguma!

CAPTULO 13 = No Resistais ao Maligno!

CAPTULO 14 = Quando Algum te Ferir na Face Direita, Apresenta-lhe Tambm a OutraCAPTULO 15 = Amai os Vossos InimigosCAPTULO 16 = Cuidado que no Pratiqueis as Vossas Boas Obras Para Serdes Vistos Pelas GentesCAPTULO 17 = Quando Jejuares, Lava o Rosto e Unge a CabeaCAPTULO 18 = Quem No Renunciar a Tudo que Tem No Pode Ser Meu DiscpuloCAPTULO 19 = Quem Quiser Construir Uma Torre... Empreender Uma Guerra - Renuncie a Tudo!CAPTULO 20 = No Julgueis e No Sereis Julgados! No Condeneis e No Sereis Condenados!

CAPTULO 21 = Pedi, e Recebereis; Procurai, e Achareis; Batei e Abrir-se-vos-CAPTULO 22 = Quem Dentre Vs Quiser Ser grande Seja o Servidor de TodosCAPTULO 23 = Foi Dito aos Antigos Eu, Porm, Vos DigoCAPTULO 24 = Com a Mesma Medida com que Medirdes Ser-vos- MedidoCAPTULO 25 = Estreita a Porta e Apertado o Caminho que Conduzem Vida EternaCAPTULO 26 = Quem Ouve Estas Minhas Palavras e as Realiza...

SEGUNDA PARTE - ROHDEN ACONTECEU ENTRE OS ANOS 2000 e 3000, Viso de uma Humanidade com a Bomba Atmica e sem o CristoCAPTULO 27 = Explicaes Necessrias

CAPTULO 28 = 1. Era Pelo Ano 2.000...

CAPTULO 29 = 2. Era Pelo Ano 3.000...

Advertncia

A substituio da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar aceitvel em nvel de cultura primria, porque favorece a alfabetizao e dispensa esforo mental mas no aceitvel em nvel de cultura superior, porque deturpa o pensamento.

Crear a manifestao da Essncia em forma de existncia criar a transio de uma existncia para outra existncia.

O poder Infinito o creador do Universo

um fazendeiro um criador de gado.

H entre os homens gnios creadores embora no sejam talvez criadores.

A conhecida lei de Lavoisier diz que na natureza nada se crea nada se aniquila, tudo se transforma, se grafarmos nada se crea, esta lei est certa, mas se escrevermos nada se cria, ela resulta totalmente falsa.

Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer convenes acadmicas.

Huberto Rohden, Vida e Obra

Nasceu em Tubaro, Santa Catarina, Brasil.

Fez estudos no Rio Grande do Sul. Formou-se em Cincias, Filosofia e Teologia em Universidades da Europa Innsbruck (ustria), Valkenburg (Holanda) e Npoles (Itlia).

De regresso ao Brasil, trabalhou como professor, conferencista e escritor. Publicou mais de 60 (sessenta) obras sobre cincia, filosofia e religio, editadas pela Editora Vozes (Petrpolis), Unio Cultural (So Paulo), Editora Globo (Porto Alegre), Livraria Freitas Bastos (Rio de Janeiro), Fundao Alvorada e outras editoras.* Vrios livros de Huberto Rohden foram traduzidos em outras lnguas, inclusive o Esperanto; alguns existem em Braille, para institutos de cegos.

Rohden no est filiado a nenhuma igreja, seita ou partido poltico. Fundou e dirigiu o movimento mundial Alvorada, com sede em So Paulo.

De 1945 a 1946 teve uma Bolsa de estudos para Pesquisas Cientficas, na Universidade de Princeton, New Jersey (Estados Unidos), onde conviveu com Albert Einstein e lanou os alicerces para o movimento de mbito mundial da Filosofia Univrsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a constituio do prprio Universo, evidenciando a afinidade entre Matemtica, Metafsica e Mstica.

Em 1946, Huberto Rohden foi convidado pela American University, de Washington, D.C., para reger as ctedras de Filosofia Universal e de Religies Comparadas, cargo esse que exerceu durante cinco anos.

Durante a ltima Guerra Mundial foi convidado pelo Bureau oflnter-American Affairs, de Washington, para fazer parte do corpo de tradutores das notcias de guerra, do ingls para portugus. Ainda na American University, de Washington, fundou o Brazilian Genter, centro cultural brasileiro, com o fim de manter intercmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos, sendo ento, seu presidente honorrio, o senhor Nereu Ramos.

Na capital dos Estados Unidos, Rohden freqentou, durante trs anos, o Golden Lotus Temple, onde foi iniciado em Krzya Yga por Swami Premananda, diretor hindu desse ashram.

Pelo fim da sua permanncia nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado para fazer parte do corpo docente da nova Universidade International Cbrstian University (JCU), de Metaka, Japo, a fim de reger as ctedras de Filosofia Universal e Religies Comparadas; mas, devido guerra na Coria, a Universidade japonesa no foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em So Paulo foi nomeado professor de filosofia na Universidade Mackenzie, cargo do qual no tomou posse.

Em 1952, fundou em So Paulo a Instituio Cultural e Beneficente Alvorada, com a finalidade de manter cursos permanentes, em So Paulo, Rio de Janeiro e Goinia, sobre Filosofia Univrsica e Filosofia do Evangelho. Dirigiu casas de Retiro Espiritual (asbrams) em diversos Estados do Brasil.

Em 1969, Rohden empreendeu viagens de estudo e experincia espiritual pela Palestina, Egito, ndia e Nepal, realizando diversas conferncias com grupos de yoguis na ndia.

Em 1976, Rohden foi chamado a Portugal para fazer conferncias sobre autoconhecimento e auto-realizao. Em Lisboa fundou um setor do Centro de Auto Realizao Alvorada.

Nos ltimos anos de sua vida, Rohden residiu na capital de So Paulo, onde permanecia alguns dias da semana, escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos definitivos. Trs dias da semana costumava pass-los no asbram, em contato com a natureza, plantando rvores, flores ou trabalhando no seu apirio modelo.

Quando estava na capital, Rohden freqentava, periodicamente, a editora Alvorada* responsvel pela editorao de seus livros, dando-lhe inspirao e orientao cultural.

Fundamentalmente, toda a obra educacional e filosfica de Rohden divide-se em quatro grandes segmentos: 1) a sede central da Instituio (Centro de Auto Realizao), em So Paulo, que tem a finalidade de ministrar cursos e horas de meditao; 2) o asbram, situado a 70 quilmetros da capital, onde so dados, periodicamente, os Retiros Espirituais, de 3 dias completos; 3) a Editora Martin Claret, de So Paulo, que difunde, atravs de livros e cassetes, a Filosofia Univrsica; 4) um grupo de dedicados e fiis amigos, alunos e discpulos, que trabalham na consolidao e continuao da sua obra educacional.

A zero hora do dia 7 de outubro de 1981, aps longa internao em uma clnica naturista de So Paulo, aos 87 anos, o professor Huberto Rohden partiu deste mundo e do convvio de seus amigos e discpulos. Suas ltimas palavras, em estado consciente, foram: Eu vim para servir a Humanidade.Rohden deixa, para as geraes futuras, um legado cultural e um exemplo de f e trabalho, somente comparado aos dos grandes homens do nosso sculo.Ver relao completa das obras, no fim deste livro.

Hoje, Editora Martin Claret.

O Sermo da Montanha

Se se perdessem todos os livros sacros da humanidade, e s se salvasse O SERMO DA MONTANHA, nada estaria perdido.

Mahatma Gandhi

Prlogo

Antes de iniciar a sua vida pblica, fez Jesus 40 dias de silncio e meditao no deserto. E a primeira mensagem que, logo no principio, dirigiu ao povo o chamado Sermo da Montanha, proferido nas colinas de Kurun Hattin, ao sudoeste do lago de Genezar.

Estas palavras podem ser consideradas como a plataforma do Reino de Deus, como diramos em linguagem poltica. Representam o programa da mstica divina e da tica humana, visando a total auto-realizao do homem.

Logo de incio, vm as oito beatitudes, onde o Mestre proclama felizes precisamente aqueles que o mundo considera infelizes: os pobres, os puros, os mansos, os sofredores, os perseguidos, etc. Esta distino entre felicidade e gozo, entre infelicidade e sofrimento vai atravs de todo o Evangelho do Cristo, e s pode ser compreendida por aqueles que despertaram para a Realidade do seu Eu espiritual.

O Sermo da Montanha representa o mais violento contraste entre os padres do homem profano e o ideal do homem iniciado. Para compreender to excelsa sabedoria deve o homem ultrapassar os ditames do seu intelecto analtico e abrir a alma para uma experincia intuitiva. O homem profano acha absurdo amar os que nos odeiam, fazer bem aos nossos malfeitores, ceder a tnica quem nos roubou a capa, sofrer mais uma injustia em vez de revidar a que j recebeu e da perspectiva do homem mental tem ele razo. Mas a mensagem do Mestre um convite para o homem se transmentalizar e entrar numa nova dimenso de conscincia, indita e inaudita, paradoxalmente grandiosa.

No adianta analisar esse documento mximo da experincia crstica. S o compreende quem o viveu e vivenciou.

E, para preludiar o advento do reino de Deus sobre a face da terra, necessrio que cada homem individual realize dentro de si mesmo esse reino; que reserve cada dia, de manh cedo, meia hora para se interiorizar totalmente no seu Eu Divino, no seu Cristo Interno, pela chamada meditao.

Durante a meditao, o homem se esvazia de todos os contedos de seu ego humano sem nada sentir, nada pensar, nada querer, expondo-se incondicionalmente invaso da plenitude divina.

Onde h uma vacuidade acontece uma plenitude. O homem vazio de si plenificado por Deus.

Mas, no se iluda! Quem vive 24 horas plenificado pelas coisas do ego ganncias, egosmos, luxrias, divertimentos profanos no pode esvaizar-se desegoficar-se, em meia hora de meditao; esse se ilude e mistifica a si mesmo por um misticismo estril. indispensvel que o homem que queira fazer uma meditao fecunda e eficiente, viva habitualmente desapegado das coisas suprfluas e se sirva somente das coisas necessrias para uma vida decentemente humana. Luxo e luxria so lixo e tornam impossvel uma vida em harmonia com o esprito do Cristo e do Evangelho.

Ohomem que queira ser crstico, no apenas cristo, necessita de viver uma vida 100% sincera consigo mesmo, e no se iludir com paliativos e camuflagens que lhe encubram a verdade sobre si mesmo.

Vai, leitor, conhece-te a ti mesmo! Realiza-te a ti mesmo! e sers profundamente feliz.

O Sermo da Montanha, Base da Harmonia Espiritual

H sculos que as igrejas crists do Ocidente se acham divididas em partidos, e, no raro, se digladiam ferozmente pr causa de qu?

Por causa de determinados dogmas que elas identificam com a doutrina de Jesus infalibilidade pontifcia, batismo, confisso, eucaristia, pecado original, redeno pelo sangue de Jesus, unicidade e infalibilidade da Bblia, etc.

No entanto, seria possvel evitar todas essas polmicas e controvrsias bastaria que todos os setores do Cristianismo fizessem do Sermo da Montanha o seu credo nico e universal. Essa mensagem suprema do Cristo no contm uma s palavra de colorido dogmtico-teolgico O Sermo da Montanha integralmente espiritual, csmico, ou melhor, mstico-tico; no uma teoria que o homem deva crer, mas uma realidade que ele deve ser.

E neste plano no h dissidentes nem hereges. A mstica o primeiro e maior de todos os mandamentos, o amor de Deus; a tica o segundo mandamento o amor de nossos semelhantes. E, nesta base, possvel uma harmonia universal.

Quem proclamado bem-aventurado feliz? Quem chamado filho de Deus? Quem que ver a Deus? De quem o reino dos cus?

Ser de algum crente no dogma A, B ou C?

Ser o adepto da teologia desta ou daquela igreja ou seita?

Ser o partidrio de um determinado credo eclesistico?

Nem vestgio disto!

Os homens bem-aventurados, os cidados do reino dos cus, so os pobres pelo esprito, so os puros de corao, so os mansos, os que sofrem perseguio por causa da justia, so os pacificadores, so os misericordiosos e os que choram, so os que amam aos que os odeiam e fazem bem aos que lhes fazem mal.

No dia e na hora em que a cristandade resolver aposentar as suas teologias humanas e proclamar a divina sabedoria do Sermo da Montanha como credo nico e universal, acabaro todas as dissenses guerras de religio e excomunhes de hereges e dissidentes.

Isto, naturalmente, supe que esse documento mximo de espiritualidade, como Mahatma Gandhi lhe chama, seja experiencialmente vivido, e no apenas intelectualmente analisado.

A vivncia espiritual convergente e harmonizadora a anlise intelectual divergente e desarmonizadora.

Se todos os livros religiosos da humanidade perecessem e s se salvasse o Sermo da Montanha, nada estaria perdido. Nele se encontram o Oriente e o Ocidente, o Brahmanismo e o Cristianismo e a alma de todas as grandes religies da humanidade, porque a sntese da mstica e da tica, que ultrapassa todas as filosofias e teologias meramente humanas. O que o Nazareno disse, nessa mensagem suprema do seu Evangelho, representa o patrimnio universal das religies seja o Kybalion de Hermes Trismegistos, do Egito, se/am os Vedas, Bhagavad-Gita ou oTao Te Ching deLao-lie, do Oriente, sejam Pitgoras, Scrates, Plato ou os Neoplatnicos, sejam So Joo da Cruz, MeisterEckhart, Tolstoi, Tagore, Gandhi ou Schweitzer todos convergem nesta mesma Verdade, assim como as linhas de uma pirmide, distantes na base, se unem todas num nico ponto, no vrtice.

Se o Evangelho o corao da Bblia, o Sermo da Montanha a alma do Evangelho.

*

Nesses ltimos 50 anos e tanto, o Ocidente foi inundado por um dilvio de sistemas msticos e sociedades iniciticas, cada uma das quais promete a seus adeptos a introduo no reino dos cus. As suas prticas so complicadas, os seus mtodos, no raro, artificiais, as suas tcnicas, se no desanimam os candidatos pela sua dificuldade, os levam ao orgulho de pretenso super-humanismo e ao desprezo dos profanos.

Entretanto, os trs captulos, 5, 6 e 7, do Evangelho segundo So Mateus, nada tm de misterioso e extico; so de uma simplicidade to difana como o mais lmpido cristal ferido pelos raios solares. A sua dificuldade jaz em outro setor: o Sermo da Montanha convida o homem a abdicar definitivamente do seu velho ego pecador, despojar-se do homem velho e revestir-se do homem novo, da nova creatura em Cristo, feita em verdade, justia e santidade. Isto, inegvel, um convite para o homem se deitar sobre a mesa de operao e sofrer uma interveno cirrgica, sem anestesia de espcie alguma, suportando todas as dores necessrias para que o novo homem crstico possa nascer sobre as runas do velho homem lucifrico.

E precisamente por causa dessa inevitvel sangria que as sociedades iniciticas procuram contornar essa dolorosa operao cirrgica e consolam os seus adeptos com teorias e tcnicas menos cruis prometendo-lhes um parto sem dores e uma entrada no reino dos cus por alguma secreta portinhola dos fundos. Acham que, na Era Atmica e Cosmonutica onde o homem viaja de avio a jato, e no mais em canoa ou carro de boi, tambm o ingresso no reino dos cus deva ser modernizado; essas praxes obsoletas do primeiro sculo do Cristianismo, como aparecem no Evangelho do Nazareno, acham eles, perderam a sua razo de ser. Vamos, pois, ingerir comodamente alguns comprimidos de magia mental ou ritualismo esotrico, a fim de entrarmos suavemente e de contrabando nesse reino da felicidade, e no mais pela porta estreita e caminho apertado, como queria o profeta de Nazar. Hoje em dia, se ele voltasse dizem eles, o Cristo no mais repetiria as palavras cruas do Sermo da Montanha, mas se adaptaria ao estado da nossa civilizao e mostraria aos homens o modo de viajar ao cu de Pullmn e em cabine de luxo...

Condutores cegos conduzindo outros cegos...

*

Nas seguintes pginas passaremos a analisar as principais palavras de Jesus proferidas no Sermo da Montanha. Mas necessrio que o leitor, depois de ler esta nossa orientao, feche o livro e abra de par em par os olhos da alma, a fim de intuir e viver espiritualmente aquilo que pessoa alguma lhe pode explicar intelectualmente. Quem julga ter compreendido o sentido real de alguma palavra de Jesus pelo simples fato de t-la ouvido em uma conferncia ou lido num livro, esse labora em funesta iluso.

Para alm de todo o inteligir est o intuir, que uma vivncia ntima; est o saber, que um saborear direto e imediato. Em ltima anlise, o homem s sabe aquilo que ele vive e o que ele .

Para essa vivncia ntima do esprito do Cristo necessitamos de um grande silncio silncio material, mental e emocional; e, mais do que isto, de uma profunda contemplao interior.

Quem no vive, saboreia, sofre e goza a alma do Sermo da Montanha, no o compreende.

Mas quem o compreende deste modo pode prescindir de qualquer outro sistema de iniciao.

Aqui se trata, antes de tudo, de ser integralmente sincero e honesto consigo mesmo!

*

Diz o texto evanglico, que Jesus proferiu esta mensagem, depois de ter passado a noite toda em orao com Deus. Durante essa noite de colquio ntimo com o Pai dos cus, deve a alma de Jesus ter sido empolgada por uma veemente experincia da Divindade, porque em cada uma das palavras do Sermo da Montanha vibra ainda o eco de uma grande voz e cintila uma luz to fascinante que ningum pode ler estas palavras, sem sentir em si, algo desse eco divino, e vislumbrar algo dessa luz celeste...

Se, algum dia, a humanidade fizer as pazes religiosas e se harmonizar em Deus, adorando o Pai em esprito e em verdade, ento esse grande Tratado de Paz s poder ser realizado na base do Sermo da Montanha.

Por outro lado, quanto mais cada indivduo se identificar vivencialmente com esse esprito, tanto mais apto se tornar ele para servir de precursor e arauto do reino de Deus sobre a face da terra.

O brado venha a ns o teu reino! s poder ter resposta na atmosfera dessa mensagem do Cristo, porque o reino de Deus est dentro de ns, e estas palavras so o mais veemente clamor para o despertar da sua longa dormncia e proclamar a gloriosa liberdade dos filhos de Deus...

PRIMEIRA PARTE

1

Bem-Aventurados os Pobres Pelo Esprito!

Poucas palavras do Evangelho sofreram, atravs dos sculos, to grande adulterao e ludbrio tamanho como estes. Escritores e oradores de fama mundial, e at ministros do Evangelho, aderem blasfmia de que o Nazareno tenha proclamado bem-aventurados e cidados do reino dos cus os pobres de esprito, isto , os apoucados de inteligncia, os idiotas e imbecis, os mentalmente medocres.

Se assim fosse, o prprio Nazareno, riqussimo de esprito, no faria parte dos bem-aventurados e possuidores do reino dos cus.

No se sabe o que mais estranhar nessa interpretao, que se tornou proverbial, se a hilariante ignorncia dos seus autores, se a revoltante arrogncia dos profanadores de uma das mais sublimes mensagens do Cristo.

Nem no texto grego do primeiro sculo, nem na traduo latina da Vulgata se encontre o tpico pobres de esprito, mas sim pobres pelo esprito, ou seja, pobres segundo o esprito (em grego: t pneu mati, no terceiro caso, dativo, no no segundo, genitivo; em latim: spiritu, no sexto caso, ablativo no no genitivo). Na traduo de esprito entende-se o genitivo, como se dissssemos: fulano pobre de sade, de inteligncia, isto , falta-lhe sade, inteligncia. De maneira que nem a gramtica nem o esprito geral do Nazareno permitem a traduo pobres de esprito, que, no entanto, se tornou abuso quase universal.

Jesus proclama bem-aventurados, cidados do reino dos cus, agora e aqui mesmo, todos aqueles que so pobres, ou desapegados, dos bens terrenos, no pela fora compulsria das circunstncias externas e fortuitas, mas sim pela livre e espontnea escolha espiritual; os que, podendo possuir bens materiais, resolveram livremente despossuir-se deles, por amor aos bens espirituais, fiis ao esprito do Cristo: No acumuleis para vs bens na terra mas acumulai bens nos cus.

Essa libertao da escravido material pela fora espiritual supe uma grande experincia e iluminao interna. Ningum abandona algo que ele considera valioso sem que encontre algo mais valioso. Quem no encontrou o tesouro oculto e a prola preciosa do reino dos cus no pode abandonar os pseudotesouros e as prolas falsas dos bens da terra. da ntima psicologia humana que cada um retenha aquilo que ele julga mais valioso.

O verdadeiro abandono, porm, no consiste em uma fuga ou desero externa, mas sim em uma libertao interna. Pode o milionrio possuir externamen-te os seus milhes, e estar internamente liberto deles e pode, tambm, o mendigo no possuir bens materiais e, no entanto, viver escravizado pelo desejo de os possuir, e, neste caso, ele escravo daquilo que no possui, assim como o milionrio pode ser livre daquilo que possui. Este possui sem ser possudo aquele possudo pelo que no possui.

O que decide no possuir ou no possuir externamente o principal saber possuir ou no possuir. Ser rico ou ser pobre so coisas que nos acontecem, de fora mas a arte de saber ser rico ou de ser pobre, algo que ns produzimos, de dentro. O que nos faz bons ou maus no aquilo que nos acontece, mas sim o que ns mesmos fazemos e somos.

A verdadeira liberdade, ou seu contrrio, consiste numa atitude do sujeito, e no em simples fatos dos objetos.

O que de fora entra no homem no torna o homem impuro mas o que de dentro sai do homem e nasce em seu corao, isto sim torna o homem impuro ou tambm, puro, conforme a ndole desse elemento interno.

Ser rico no pecado ser pobre no virtude.

Virtude ou pecado saber ou no saber ser rico ou pobre.

Naturalmente, quem incapaz de se libertar internamente do apego aos bens materiais sem os abandonar, tambm, externamente, esse deve ter a coragem e sinceridade consigo mesmo de se despossuir deles, tambm, no plano objetivo, a fim de conseguir a pobreza pelo esprito, isto , a libertao interior. Aquele jovem rico do Evangelho, ao que parece, era incapaz de possuir sem ser possudo; por isso, o divino Mestre lhe recomendou que se despossusse de tudo a fim de no ser possudo de nada mas ele falhou. E por isso se retirou, triste e pesaroso, porque era possuidor de muitos bens. Possuidor? no era possudo de muitos bens.

Entre possuidor e possudo h, verbalmente, apenas a diferena de uma letra, o r mas esser fez uma diferena enorme, porque e o r da redeno. O possudo escravo o possuidor no possudo remido da escravido. Quem no sabe possuir sem ser possudo, fez bem em se despossuirde tudo. Mas quem sabe possuir sem ser possudo pode possuir.

No raro, o ato externo do despossuimento condio preliminar necessria para a libertao interna.

Quem fez dos bens materiais um fim, em vez de um meio, pratica idolatria, porque ningum pode servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro. Quem serve servo, escravo, inferior. Quem serve ao dinheiro proclama o dinheiro seu senhor e soberano e a si mesmo servo e sdito. Mas quem obriga o dinheiro a servir-lhe senhor do mesmo, porque usa o dinheiro como meio para algum fim superior.

Quem serve a Deus em esprito e verdade pode ser servido pelo dinheiro e por outros bens materiais.

Bem-aventurados os pobres pelo esprito, os que, pela fora do esprito, se emanciparam da escravido da matria. Deles o reino dos cus, agora, aqui, e para sempre e por toda a parte, porque, sendo que o reino dos cus est dentro do homem, esse homem leva consigo o reino da sua felicidade aonde quer que v...

O nosso pequeno ego humano muito fraco, e necessita de ser escorado por muitos bens materiais para se sentir um pouco mais forte e seguro mas o nosso Eu divino to forte que pode dispensar essas escoras e muletas externas e sentir-se perfeitamente seguro pela fora interna do esprito.

Todo o problema est em saber ultrapassar a fraqueza e insegurana do ego e entrar na fora e segurana do Eu...

Bem-aventurado esse pobre do ego e esse rico do Eu!...

I)ele o reino dos cus!...

2

Bem-Aventurados os Puros de Corao

Pobre pelo esprito aquele que se libertou interiormente de todo o apego a qualquer objeto externo.

Puro de corao aquele que se libertou, no s dos objetos externos, mas, tambm, do sujeito interno, isto , daquilo que ele idolatrava como sendo o seu sujeito, o seu eu, embora fosse apenas o seu pseudo-eu, o seu pequeno ego fsico-mental.

Quem se libertou dos bens materiais fora dele possui o reino dos cus, porque o seu reino j no deste mundo; rejeitou a oferta do ego lucifrico eu te darei todos os reinos do mundo e sua glria - mas quem se libertou, tambm, do maior pseudobem dentro dele, o seu idolatrado ego personal, esse tem a certeza de ver a Deus, ver o verdadeiro Deus, porque olha para alm do seu falso eu.

De maneira que ser puro de corao ainda mais glorioso do que ser pobre pelo esprito; ser interiormente livre da obsesso do ego vivo mais do que ser livre da escravido da matria morta. Alis, ningum pode ser realmente livre da matria morta dos bens externos sem ser livre da iluso do ego vivo, porque tudo que eu chamo meu apenas um reflexo e uma conseqncia do meu falso eu, o ego fsico-mental; se o meu falso eu se tivesse integrado no verdadeiro Eu, que o Universo em mim, no teria eu necessidade alguma de me apegar quilo que chamo meu, os bens individuais. Enquanto o pequeno eu no tiver em si suficiente segurana interna, necessita de buscar seguranas em fatores externos; mas a segurana interna torna suprflua as seguranas externas; o pequeno eu fez tantos seguros de vida porque no possui segurana. Age sob o impulso da lei da compensao.

A definitiva integrao do pequeno ego fsico-mental no grande Eu racional-espiritual que pureza de corao, que garante uma viso clara de Deus. Ningum pode ver claramente o Deus transcendente do universo de fora antes de ver nitidamente o Deus imanente do universo de dentro.

Nas letras sacras como tambm nos escritos de Mahatma Gandhi impureza quer dizer egosmo, e pureza significa o oposto, que o amor universal a solidariedade csmica. Os demnios, no Evangelho, so constantemente chamados espritos impuros, porque so egostas, tanto assim que procuram apoderar-se de corpos humanos, desequilibrando-os fsica e mentalmente, s para gozarem de certo conforto pessoal que essa obsesso lhes d. Esse egosmo que chamado impureza.

Gandhi, quando no conseguia fazer prevalecer os seus ideais entre os patrcios renitentes, recorria a um perodo de self-purification, mediante a orao e o jejum, porque atribuia essa falta de fora espiritual ao seu egosmo; para ele, egosmo era impureza e fraqueza, ao passo que amor era pureza e fora.

Certa teologia crist, quando fala em impureza, entende apenas o abuso dos prazeres sexuais. Estes, certamente, tambm fazem parte do egosmo humano, so o egosmo da carne; mas no so a nica nem mesmo a principal zona do egosmo ou da impureza; todo e qualquer egosmo impureza. Os demnios de que o Evangelho nos fala, eram espritos impuros, embora no estivessem sujeitos impureza sexual. Eram impuros por egosmo.

O egosta impuro no pode ver a Deus, que amor purssimo. O egosmo, portanto, a egolatria, equivale a uma cegueira mental. Entre o Deus-amor e o homem egosta se ergue, por assim dizer uma muralha opaca que intercepta a luz divina. Enquanto o homem no ultrapassar as estreitas barreiras do seu ego personal, est com os olhos vendados, separados de Deus por uma camada impermevel luz, que a impureza do corao. Por mais que um eglatra oua falar em Deus, nada compreende, porque compreender supe ser. Ningum pode compreender seno aquilo que ele vive ou no seu ntimo ser. Entender um ato mental, mas compreender uma atitude vital; entender mentalmente uma funo parcial, unilateral do nosso ego humano compreender uma vivncia total, unilateral, do nosso Eu divino. Quem no divino no pode saber o que Deus. O egosta antidivino, e por isso no pode compreender o que divino, no pode ver a Deus, antes de adquirir pureza de corao.

Ver a Deus ver o reino de Deus, so expresses tpicas queJesus usa para designar a experincia direta da Realidade eterna, o contato ntimo com ela. Outros crem em Deus mas s o puro de corao v a Deus. O simples crer, embora necessrio como estgio preliminar, no suficiente para a definitiva redeno do homem, que consiste na vidncia ou viso de Deus. Bem-aventurados os puros de corao, porque eles vero a Deus...

*

Se difcil a pobreza pelo esprito, muito mais difcil a pureza do corao. O desapego dos bens externos o abandono de algo que no fez, nem jamais poder fazer parte integrante do homem algo que nunca foi nem pode ser realmente seu - ao passo que o ego personal faz parte integrante do homem, seu, embora no seja ele mesmo; e por isso a renncia sua personalidade fsico-mental em prol da sua individualidade espiritual , incomparavelmente, mais difcil do que a renncia cobia dos bens externos. Parece ser uma morte para o homem que ainda no descobriu o seu eterno Eu. Mas essa morte indispensvel para a ressurreio. A coragem de arriscar ou no arriscar esse salto mortal do ego humano para o Eu divino que divide a humanidade em dois campos: em profanos e iniciados, nos de fora e nos de dentro, em cegos e videntes, em inexperientes e experientes, em insipientes e em sapientes. necessrio que o homem sofra tudo isso para, assim, entrar em sua glria...

*

O despertar dessa nova vidncia, que existe, dormente, em cada um de ns, requer exerccio intenso, assduo e prolongado, porque o homem tem de superar barreiras j estabilizadas h sculos e milnios. Se essa vidncia no fizesse parte integrante da natureza humana, nenhuma esperana haveria de podermos despert-la, porque no se pode despertar o que no existe. Mas ns sabemos que ela existe. Em alguns essa vidncia adquiriu intensidade e nitidez muito maior do que em ns, e pelo menos num homem, chegou ela, a ser perfeitamente desenvolvida. Ora, o que aconteceu uma vez pode acontecer mais vezes.

Sem exerccios sistemticos e bem orientados impossvel termos esse contato consciente com o grande mundo desconhecido.

Os exerccios, porm, no consistem apenas em determinadas tcnicas intermitentemente praticadas, como as escolas iniciticas prescrevem; muito mais importante que essas prticas peridicas a vivncia contnua, o viver de cada dia inteiramente pautado por essa realidade.

Esse exerccio dirio e vital consiste, principalmente, em uma permanente atitude interna de querer servir, servir espontnea e gratuitamente a todos. Esse clima de querer servir, espontnea e gratuitamente, remove os obstculos que existem entre ns e o Todo (Deus), porque diminui gradualmente o egosmo unilateral e exclusivista e aumenta a solidariedade unilateral e inclusivista, que uns chamam altrusmo, outros amor, outros ainda benevolncia universal. Com essas prticas dirias, a muralha opaca que se ergue entre ns e Deus se torna cada vez mais transparente, permitindo-nos a viso da grande Luz.

3

Bem-Aventurados os Mansos...

Indcio infalvel da verdadeira auto-realizao a mansido. O homem que encontrou o seu

Eu divino necessariamente manso. Em que consiste a mansido?

Consiste na desistncia de qualquer violncia, fsica como mental, e sua substituio pela do esprito.

Todos os seres que no atingiram a conscincia espiritual recorrem violncia para conseguirem os seus fins. Os irracionais s conhecem violncia material. O homem, depois de intelectualizado, descobriu outro tipo de violncia muito mais eficiente, que a violncia mental, violncia essa que tem muitos nomes entre os homens; uns lhe chamam astcia, outros sagacidade, outros ainda poltica, diplomacia, explorao, etc. No fundo, porm, invariavelmente o mesmo: so certos argumentos analticos de que a inteligncia se serve para conseguir os seus fins prprios da personalidade do ego.

Entretanto, no estgio atual da sua evoluo, nada pode o homem comum fazer de positivo s com a sua fora mental; necessita de exercer impacto mental sobre os fenmenos materiais necessita de aplicar a sua energia intelectual matria.

Existe, todavia, uma classe de seres e tambm h representantes entre os homens que no necessitam de mquinas e aparelhos fsicos para realizarem as suas concepes mentais: servem-se das foras astrais, invisveis ao comum dos homens, porm, muito mais eficientes que os fenmenos materiais.

Esses so os magos, os reis da magia mental.

O maior dos magos mentais que a histria conhece foi, provavelmente, aquele homem estranho chamado Mose, ou Moiss, em cujas veias corria sangue hebreu e talvez egpcio que foi iniciado em toda a sabedoria dos egpcios no palcio do fara, e que atingiu o auge da magia mental durante os 40 anos que viveu, como pastor, na silenciosa solido das estepes da Arbia. Para libertar o seu povo da opresso dos faras do Egito, no recorreu violncia fsica, como alis havia tentado quarenta anos antes, mas apelou para as terrveis armas invisveis da magia mental, fulminando contra o Egito as dez pragas, que terminaram com a morte de todos os primognitos do pas.

esta a violncia mxima a que o homem pode chegar, as foras do mundo astral, teleguiadas pela inteligncia humana. O comum da nossa humanidade est bem longe dessa conquista, a que ela chegar um dia. E ser, ento, que a nossa fora mental desencadear sobre a humanidade a mais tremenda tempestade de catstrofes, se no integrar essa fora no domnio superior da razo espiritual.

Quando, porm, o homem avana notavelmente no caminho da sua evoluo superior, compreende ele que toda a violncia fsica e mental, sem excetuar a mais alta magia mental, sinal de fraqueza. Quando o homem descobre em si as potncias divinas, desiste definitivamente de toda e qualquer espcie de violncia fsica e mental. No mais confia em mquinas e aparelhos materiais manobrados pela fora do intelecto, nem recorre s energias do mundo astral para conseguir efeitos de magia mental a atuarem sobre o mundo visvel.

Todos esses tipos de violncia pertencem ao plano horizontal das quantidades, que no so reais, mas ilusrias. O homem profano no tem olhos assaz apurados para ver que tudo quanto o homem tem, na zona dos objetos, no decisivo para sua verdadeira realizao e felicidade. Decisivo somente aquilo que ele , no plano vertical. Esse seu verdadeiro ser, porm, no pode ser realizado por nenhuma espcie de violncia, que do mundo das quantidades, mas to somente pela mansido, que o caracterstico do mundo da qualidade, do qual faz parte integrante o nosso ser.

Uma vez descoberta em si, essa fora suprema, repugna ao homem recorrer a qualquer fora inferior, j que a suprema fora do Universo est a seu dispor. Quem pode lanar mo de uma fora igual a 100 no v razo para recorrer a foras iguais a 1 ou 2. Nenhum soldado ou oficial da Era Atmica sair ao campo de batalha armado de arco e flecha, ou de uma primitiva dava de pau ou de pedra, como os povos primitivos. Nenhum homem adulto sensato passar o seu tempo a brincar com bonecas de celulide, soldadinhos de chumbo ou aviezinhos de plstico.

Para o profano, o inexperiente, a violncia fsica, astral ou mental so as foras por excelncia supremas e nicas do mundo, porque ignora as foras espirituais. Ouviu dizer, verdade, que existe um mundo que se orienta unicamente por foras espirituais, e esse homem profano talvez creia nesse mundo e nessas foras; mas o simples crer no descobre a energia nuclear do esprito que forma a intima essncia do homem. No basta a aceitao de um artigo de f, necessria a experincia direta da realidade ltima.

O homem auto-realizado descobriu a essncia de si mesmo e de todas as coisas, essncia essa que imaterial, e por isso no mais o interessam as aparncias perifricas, que os profanos consideram realidades.

Por isso, o agir do iniciado totalmente diferente do profano. No corre freneticamente atrs dos efeitos ilusrios, mas apodera-se tranqilamente da causa real de todas as coisas. Crea dentro de si mesmo uma espcie de centro de suco (desculpe a comparao primitiva!), espcie de vcuo; em virtude dessa vacuidade estabelecida e mantida voluntariamente, todas as plenitudes, mesmo as da vida presente, so sugadas ou atradas para esse homem De dentro do seu centro dinmico e silencioso, domina ele todas as periferias. Ele silenciosamente poderoso, quando outros so ruidosamente fracos, embora se tenham em conta de fortes. Esse homem sabe por experincia prpria que todas as coisas so dadas de acrscimo quele que em primeiro lugar busca o reino de Deus e sua justia. Isto ele no cr, isto ele sabe, porque vive cada dia essa grande verdade. E ele tambm descobriu o segredo - ia quase dizendo, a tcnica dessa fora csmica.

Por isto, no h para o homem manso de corao motivo algum para recorrer fraqueza da violncia brutal, quando ele possui a fora da suavidade e benevolncia espiritual.

*

O que, primeira vista, causa estranheza nessa bem-aventurana a promessa de que os mansos possuiro (ou herdaro) a terra. Harmoniza com as palavras dos livros sacros de que, um dia, o reino de Deus ser proclamado sobre a face da terra, porque, na plenitude dos tempos, haver um novo cu e uma nova terra. A humanidade imperfeita que agora habita esta terra com suas vibraes baixas e pesadas ter de passar por muitos estgios de evoluo, em outros mundos, outros planetas ou nos espaos intersiderais, e, aps longos milnios de experincias e sofrimentos, voltar ela, purificada e com outras vibraes, a habitar esta terra, transformada em um habitculo de seres puros. Esses homens puros sero mansos, isto , no violentos; nada faro por meio de fora bruta, tudo faro com fora espiritual. O esprito da fora ser substitudo pela fora do esprito. E os que, j agora, assumirem essa atitude de no violncia (ahimsa, diria Gandhi) sero os legtimos herdeiros e possuidores desta terra, da qual j esto tomando posse na vida presente. O esprito da fora realiza uma posse temporria, efmera, como alis mostra a histria da humanidade, ao passo que a fora do esprito realiza uma posse permanente e durvel. Onde esto as conquistas violentas de Alexandre Magno, de Jlio Csar, de Gengis-Khan, de Napoleo, de Hitler, Mussolini e outros adeptos da fora bruta? Entretanto, as conquistas feitas pela irresistvel suavidade do esprito da mansido e do amor, como as de Jesus Cristo, de Francisco de Assis, de Mahatma Gandhi e outros continuam em milhares e milhes de almas humanas. Violenta non durante*, diziam os antigos pensadores romanos; as coisas violentas no duram as coisas suaves tm durao garantida, embora a sua atuao inicial seja, quase sempre, lenta e quase imperceptvel. Uma bomba atmica destri uma cidade inteira em poucos segundos, ao passo que uma semente viva leva sculos inteiros para construir uma rvore no seio da floresta. Aqui, a fora suave da vida acol a fora brutal da morte.

De resto, mesmo agora, no exato que os violentos, fsica ou mentalmente, possuam a terra, como parece primeira vista. Possuir no agarrar, segurar, isolar violentamente um objeto; esse modo de possuir totalmente ilusrio e meramente aparente, como tudo que violento e compulsrio. Quem no possui o corao, a alma, a simpatia, o amor de uma pessoa no possui esse ser, ainda que o abrace, coloque em sua casa e encerre em uma cadeia. Ningum pode possuir realmente aquilo de que ele possuido s pode possuir aquilo de que ele livre, contanto que o afirme com a misteriosa fora do amor e da benevolncia. Arrebatar e segurar violentamente um objeto o mesmo que no possuir esse objeto. S a suavidade do amor que torna o objeto possuvel. A verdadeira posse supe espontaneidade bilateral da parte do possuidor e do possudo. Se o possuidor se apodera violentamente

* Frase latina que quer dizer: violncia no duradoura.de um objeto, um ser qualquer, e se esse ser por ele possudo compulsoriamente, sem ou contra sua vontade ento esse homem no possui realmente esse ser, porque ele no possuvel.

H auras annimas e imponderveis que envolvem e penetram o homem espiritual, auras que atuam com suave intensidade sobre outros homens, e at sobre os objetos circunjacentes. Ningum imita a vida de um homem que no lhe seja simptico. Simpatia, porm, uma emanao da verdade e do amor.

fato multimilenar que os homens que mais realizam em si a fora do esprito do que o esprito da fora so credores do amor, da simpatia e entusistica dedicao dos melhores dentre os filhos dos homens.

E quem possui a alma, o corao, o amor de algum possui, tambm, o corpo dele e todas as coisas que ele possui.

Esta sabedoria csmica que proclama a posse do mundo e dos homens pela suavidade do amor e da benevolncia, pela no violncia e no agressividade, privilgio de poucos homens da atual gerao. Os violentos ainda predominam entre ns, e tm-se em conta de senhores da terra; mas o seu domnio fictcio e ilusrio. Os poucos mansos que existem so mais possuidores da terra do que os numerosos violentos, os insolentes, os impertinentes, os tiranos, os ditadores.

Essa promessa de Jesus, de que os mansos possuiro a terra, parece to estranhamente paradoxal e contrria a todas as nossas experincias, que julgamos necessrio investigar um pouco mais o conceito de possuir.

Podem os violentos conquistar a terra, apoderarse dela fora de armas e carnificinas mas eles nunca possuiro a terra, e menos ainda os homens da terra. O verdadeiro possuidor no um ato fsico, material, mas uma atitude metafsica, espiritual. O verdadeiro possuidor do mundo do ser interno e no do mundo do ter externo. O profano pensa que possui algo ou algum quando o tem preso nas mos ou por detrs de grades de ferro mas o iniciado sabe que possuir supe ser, e at uma atitude de ser bilateral, da parte do possuidor e da parte do possudo. Enquanto o pretenso possuidor possui o seu objeto ou uma pessoa, esse algo ou algum no por ele possuido realmente enquanto a posse unilateral, porque possuir realmente supe uma atitude bilateral da parte do possuidor e da parte do possudo; e, neste caso tambm o possuido (passivo) se torna um possuidor (ativo).

Ningum pode possuir algo ou algum enquanto esse algo ou algum no concorda em ser possudo; mas, a partir do momento em que consente em ser possudo, o possuidor o possui realmente, porque tambm o possudo se tornou um possuidor, e h igualdade de posse de parte a parte.

Por esta mesma razo, nenhum homem pode possuir realmente um objeto inconsciente, coisas inanimadas, objetos neutros, porque este algo, embora no possa discordar explicitamente da possesso, ou do possuimento, porque para esse protesto explcito lhe falta a necessria conscincia contudo, esse objeto no realmente possudo pelo possuidor porque no deu o seu consentimento em ser possudo.

Supomos, neste caso, que haja objetos inconscientes, e por isso em estado neutro em face do possuimento humano; mas no bem exato, porque no h nada realmente inconsciente. Todo e qualquer objeto, mesmo do mundo mineral, tem certo grau de conscincia, e pode, at certo ponto, no concordar em ser possudo pelo homem. E como, no plano da intelectualidade no espiritualizada, o homem essencialmente inimigo da Natureza, nenhum ser da Natureza concorda, de fato, em ser possudo por ele, porque o homem mental o homem profano e hostil. Pode, certamente, uma escrava ser possuda fisicamente por seu tirnico senhor, mas, enquanto ela escrava, e no amiga, esse senhor no a possui realmente, embora a tenha conquistado, tomado de assalto, violentado, estuprado; o ntimo qu, o verdadeiro Eu, da escrava continua livre, no possudo, pelo pseudopossuidor.

S se pode possuir algo ou algum pelo amor mtuo, bilateral, espontneo, quando ao sim de um responde o sim do outro.

Compreendemos facilmente que uma pessoa possa sintonizar as suas vibraes pela freqncia vibratria de outra pessoa mas dificilmente admitimos que uma coisa inanimada e inconsciente como a terra ou a natureza, possam sintonizar a sua vibrao com a do homem. Poder ela concordar ou discordar em ser por ele possuda ou no?

Aqui que est um dos velhos erros do homem profano de todos os tempos e de todas as idades: pensar que a natureza infra-humana, falsamente chamada inconsciente, no sinta as auras irradiadas pelo homem. Como se a natureza fosse uma massa morta, e no uma presena viva!...

Est provado, com milhares de exemplos, que a natureza, mesmo mineral, reage s invisveis e variveis irradiaes do homem, que ela assume atitude negativa ou positiva, hostil ou amiga, em face do homem , consoante a atmosfera interna do homem. Paramahansa Yogananda conta em seu livro Autobiografia de umyogui contemporneo, daquele grande botnico da Califrnia, Lutero Burbank, que falava s flores e delas conseguia novas formas e cores, at o abandono de espinhos, por sugesto espiritual. Paul Brunton, em sua obra A search in secret India, refere muitos casos congneres, inclusive aquele em que um hindu tomou nos braos uma cobra venenosa e a acalmou plenamente com suas vibraes amigas. Uns anos atrs, referiu o Readers Digest o drama de um elefante furioso no Zoolgico de Chicago, que, por indomvel, ia ser morto a tiro, quando apareceu algum que acalmou o animal, segredando-lhe ao ouvido vibraes carinhosas.

Toda a vida de So Francisco de Assis uma afirmao permanente de que a natureza no inconsciente e que compreende a linguagem do homem, quando esta deixa o plano terico da anlise mental e passa para a misteriosa zona vital ou espiritual. A zona do amor a zona do superconsciente por excelncia, porque, como diz Schweitzer, die Liebe ist die boechste Vernunit (o amor a mais alta razo). No fcil, ao homem comum, atingir os pinculos da suprema racionalidade pela ladeira ngreme da metafsica, e poucos conseguem escalar o Himalaia por esse lado; mas fcil ascender ao mais alto Everest da suprema racionalidade pelo caminho do amor. Amar incondicionalmente, o caminho mais curto e rpido s alturas da compreenso integral e universal.

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Bem-Aventurados os Misericordiosos

Misericordioso aquele que tem corao para os mseros; aquele que compreende e ama os fracos, os ignorantes, os doentes, todos os necessitados de corpo, mente e alma, e procura aliviar-lhes os sofrimentos.

Verdade que o Cristianismo no , simplesmente, a religio da tica ou caridade; ele , essencialmente, mstico, na sua infinita verticalidade divina mas, tambm, certo que ningum chega a essas alturas msticas da direta experincia de Deus se no se exaurir em caridades ticas para com seus semelhantes; e, depois de atingir as excelsitudes da mstica, nunca deixar de manifestar pelo segundo mandamento o primeiro e maior de todos os mandamentos.

Ohomem meramente profano ruidosamente.

Ohomem mstico silenciosamente solitrio.

Mas o homem plenamente crstico dinami camente solidrio,

Essa solidariedade dinmica do homem cristificado no exclui, mas inclui a solido espiritual do mstico. O homem crstico , por dentro, unicamente de Deus, e, por fora, de todas as creaturas de Deus.

Ningum pode ser, firme e fecundamente, solidrio com os homens se no for, slida e profundamente, solitrio em Deus. A fraternidade humana supe a paternidade de Deus.

Os misericordiosos recebero misericrdia, no da parte dos homens aos quais mostraram misericrdia, mas por parte de Deus, em cujo divino amor est radicada a verdadeira caridade humana e de cujo seio brota sem cessar.

Quanto mais o homem d, na horizontal, tanto mais recebe, na vertical. Existe uma lei csmica que produz infalvelmente o enriquecimento do homem que em si mantm, permanentemente, uma atitude doadora, que est sempre disposto a dar do que tem e a dar o que , isto , ajudar a seus semelhantes com os objetos que possui e com o amor do prprio sujeito que ele . No basta fazer o bem (dar objetos) necessrio tambm ser bom (dar o sujeito). O Cristianismo no uma religio meramente tica, que ensine a fazer o bem mas sobretudo, uma religio mstica, que exige que o homem seja bom. Fazer o bem o cumprimento do segundo mandamento, amars o teu prximo como a ti mesmo; ser bom a atitude do primeiro e maior de todos os mandamentos, amars o senhor teu Deus de todo o teu corao, com toda a tua alma, com toda a tua mente e com todas as tuas foras.

Pode algum fazer o bem sem ser bom, porque esse bem apenas um objeto mas ningum pode ser bom sem fazer o bem, porque esse ser bom o prprio sujeito, que, como o prprio vocbulo diz, subjaz (jaz por debaixo) como causa a todos os efeitos, que objazem (jazem defronte ou de fora). No so os efeitos que produzem a causa, mas a causa que produz os efeitos; no so os objetos, o fazer bem, que produzem o sujeito, o ser bom, mas sim vice-versa, o ser bom produz o fazer bem. A mstica produz a tica. Se a mstica de algum no produz a tica, porque no real, mas apenas uma pseudomstica.

Existe, certamente, uma espcie de tica anterior mstica, e ela at necessria para preparar o caminho para este; mas essa tica pr-mstica sempre difcil, dolorosa, sacrificial e todos sabem por experincia que as coisas difceis no tm garantia de perpetuidade.

Somente a tica post-mstica, que brotou das fecundas profundezas da experincia de Deus, que fcil e deleitosa, e tem slida garantia de perpetuidade.

Por isso, os misericordiosos que Jesus proclama bem-aventurados no so apenas pessoas eticamente boas, fazedoras do bem mas so pessoas misticamente perfeitas, experientes de Deus, e, por isto, essencialmente boas.

Esses homens essencialmente perfeitos pelo imediato contato com Deus so, tambm, existencialmente bons pela solidariedade com todas as creaturas de Deus. Quem viveu misticamente o Deus do mundo, vive eticamente com todo o mundo de Deus, porqanto a profunda vertical da mstica produz necessariamente a vasta horizontal da tica esta a grandiosa matemtica csmica da Verdade Libertadora.

Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertar. Esses misericordiosos recebero misericrdia, no dos homens, mas de Deus. A misericrdia que eles fazem a seus semelhantes no causa, mas condio para que recebam misericrdia de Deus, porque ningum pode merecer causalmente uma ddiva divina; tudo que espiritual e divino essencialmente gratuito, de graa, porque graa; , todavia, necessrio que o homem crie dentro de si o clima propcio para que essa ddiva gratuita lhe possa ser concedida; esse clima propcio, ou essa receptividade, que a condio, que em hiptese alguma causa.

Quem espera recompensa, pagamento, pelos benefcios que presta humanidade egosta, mercenrio, ainda que essa recompensa consista apenas no desejo de reconhecimento ou gratido da parte de seus beneficiados. Esse desejo no deixa de ser egosta e mercenrio e tolhe ao homem a gloriosa liberdade dos filhos de Deus, tornando-o escravo e prisioneiro de uma priso muito perigosa, porque sumamente sutil e, aparentemente, justificada, como o desejo de gratido. O beneficiado, certo, tem a obrigao de ser grato, mas o benfeitor no tem o direito de esperar gratido. Com esse desejo, por mais secreto e bem camuflado, ele inutilizaria a sua ao e tolheria a si mesmo a liberdade.

O homem crstico est liberto de qualquer esprito mercenrio; trabalha inteiramente de graa, nem espera resultado algum externo de seus trabalhos. Trabalha por amor sua grande misso, pois sabe que embaixador plenipotencirio de Deus aqui na terra e em outros mundos. E por isso, que ele trabalha com o mximo de perfeio e alegria em tudo, tanto nas coisas grandes como nas coisas pequenas. Nunca trabalha para ter pblico que o aplauda. Por isso, no o exaltam louvores, nem o deprimem censuras; indiferente a vivas e a vaias, a aplausos e a apupos, a benquerenas e malquerenas, porque se libertou definitivamente de todas as escravides do homem profano, do homem velho, e se revestiu da leve e luminosa vestimenta do homem novo liberto pela Verdade.

Esse homem vive permanentemente na atmosfera serena e sorridente da gloriosa liberdade dos filhos de Deus, cujo diploma crstico vem resumido nas seguintes palavras: Quando tiverdes feito tudo o que deveis fazer, dizei: Somos servos inteis, cumprimos apenas a nossa obrigao, nenhuma recompensa merecemos por isto...

So estes os misericordiosos que alcanaro misericrdia esses bem-aventurados...

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Bem-Aventurados os que Tm Fome e Sede da Justia

Esta bem-aventurana visa, sobretudo, os insatisfeitos, os descontentes consigo mesmos, os que sofrem o tormento do Infinito, a nostalgia do Eterno, os que vivem ou agonizam em uma estranha inquietude metafsica, os que crem mais no muito que ignoram do que no pouco que sabem.

Esta bem-aventurana sobre a bendita fome e sede no ser compreendida por aqueles que esto quites e em dia consigo e com Deus, os que nunca experimentaram o que quer dizer estar sofrido de Deus.

Por mais estranho e paradoxal que parea, o fato que os que mais possuem a Deus mais o procuram, e tanto mais dolorosamente o sofrem quanto mais deliciosamente o gozam. Na vida presente, o homem espiritual vtima da sua espiritualidade e mrtir da sua prpria mstica. que toda a conquista no terreno espiritual sofre a sua prpria insuficincia, uma vez que a distncia que medeia entre qualquer finito e o infinito sempre igual a infinito, e os que j percorreram boa parte do caminho e adquiriram grande clarividncia das coisas de Deus percebem mais apuradamente esta verdade do que outros.

Mas este sofrimento uma doce amargura, uma bem-aventurada fome e sede.

*

Antes de tudo convm esclarecer o que aqui se entende pela palavra justia. Esta palavra, toda vez que ocorre nas sagradas Escrituras, significa a relao ou atitude justa e reta que o homem assume em face de Deus. No se refere justia no sentido jurdico, do plano horizontal, como usada na vida social de cada dia. Justia , pois, a compreenso intuitiva de Deus (a mstica) e o seu natural transbordamento na vida cotidiana (a tica).

Jesus proclama felizes os que tm fome e sede dessa experincia ntima, os que esto insatisfeitos com o pouco ou muito que alcanaram no caminho rduo da sua cristificao. Sabem que estrada imensa lhes resta ainda a percorrer; mas sabem que glorioso continuarem a andar rumo a seu grande destino. So como aves migratrias que, aproximao do outono, percebem em si o tropismo de regies distantes, nunca vistas, onde a luz e o calor, j em declnio na zona do seu habitat, se acham em plena ascenso. Da o misterioso magnetismo que as atrai para regies longnquas.

Para que o homem sinta em si essa espcie de nostalgia metafsica, deve ele ter ultrapassado certas fronteiras de vivncia comum; deve sentir certo cansao ia quase dizendo pessimismo da vida terrestre, deve sentir, com maior ou menor intensidade e nitidez, o anseio de algo que nunca viu, mas de cuja existncia tem intuitiva certeza. O homem que ainda vive totalmente engolfado nos afazeres da lufa-lufa comum dos profanos, caadores de matria morte e carne viva , esse no est maduro para ter fome e sede de um mundo invisvel. Antes de sentir essa fome, ter de experimentar o fastio daquilo de que agora tem fome. Quem bebe desta gua (das coisas materiais) torna a ter sede (das mesmas); mas quem beber da gua que eu lhe darei, esse nunca mais ter sede (das coisas materiais) porque esta gua se lhe tornar em uma fonte que jorra para a vida eterna.

Sendo que as coisas materiais no apagam o desejo; pelo contrrio, quanto mais gozadas tanto mais acendem o desejo, porque a posse aumenta o desejo, e o desejo exige novas posses os profanos tm de intensificar cada vez mais os estmulos para sentirem ainda novos gozos; e, no raro, procuram narcotizar-se com os pequenos finitos de cada dia para no sofrerem a insatisfao de que estas coisas no podem dar definitiva satisfao. Em vez de ultrapassarem a barreira das quantidades e entrarem na zona da qualidade, tentam aumentar as quantidades - assim como quem bebe gua salgada para apagar a sede, acendendo-a cada vez mais.

*

O divino Mestre proclama felizes os que sofrem essa fome e sede da experincia de Deus, porque eles sero saciados.

certo que, um dia, em outros mundos, essa nostalgia ser satisfeita, porque a natureza no engana seus filhos, impelindo-os a um alvo fictcio. Se existem terras tropicais adivinhadas pelas aves migratrias das zonas frias, no pode deixar de existir aquele mundo que os anseios metafsicos dos melhores dentre os filhos dos homens sentem nas profundezas da alma.

Ainda que o finito em demanda do Infinito tenha sempre diante de si itinerrio ilimitado, e jamais chegar a um ponto onde lhe seja vedado progredir ulteriormente porque no h luz vermelha nos caminhos de Deus certo que o humano viajor chegar a um ponto em que a sua compreenso e amor de Deus o tornar profundamente feliz.

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Bem-Aventurados os Pacificadores

A palavra latina pacificare, da qual derivada pacificus, composta de dois

radicais (e o mesmo acontece em grego): pax e facere, isto , paz e fazer. Pacificador (em latim: pacificus) , pois, aquele que faz a paz, um fazedor de paz, um homem que possui em si a fora creadora de estabelecer ou restabelecer um estado ou uma atitude permanente de paz no meio de qualquer campo de batalha.

A traduo pacficos, em vez de pacificadores, que se encontra em muitas verses portuguesas, no corresponde ao sentido do original grego eirenopo, nem ao latim pac~fici, porque ambos significam um processo ativo e dinmico, e no apenas um estado passivo de paz.

Quem , pois, verdadeiro pacificador?

No , em primeiro lugar, aquele que restabelece a paz entre pessoas ou grupos litigantes, mas sim aquele que estabelece e estabiliza a paz dentro de si mesmo. Alis, ningum pode ser verdadeiro pacificador de outros se no for pacificador de si mesmo. S um autopacificador que pode ser um alo-pacificador. A pior das discrdias, a mais trgica das guerras o conflito que o homem traz dentro de si mesmo o conflito entre o ego fsico-mental da sua humana personalidade e o Eu espiritual da sua divina individualidade. Se no houvesse conflito interior, entre o seu Lcifer e o seu Lgos, no haveria conflitos exteriores na famlia, na sociedade, nas naes, entre povos. Todos os conflitos externos so filhos de algum conflito interno no devidamente pacificado. Por isso, absurdo querer abolir as guerras ou revolues de fora as discrdias domsticas no lar ou no campo de batalha, enquanto o homem no abolir primeiro o conflito dentro da sua prpria pessoa.

Ogrande tratado de paz tem de ser assinado no foro interno do Eu individual antes de poder ser ratificado no foro externo das relaes sociais. Nunca haver Naes Unidas, nunca haver sociedade ou famlia unida enquanto no houver indivduo unido. Pode, quando muito, haver um precrio armistcio (que quer dizer repouso de armas), mas no uma paz slida e duradoura enquanto o individuo estiver em guerra consigo mesmo. Que um armistcio se no uma trgua, maior ou menor, entre duas guerras? Paz social, segura e estvel, supe paz individual, firme e slida.

*

Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz disse o Mestre, em vsperas da sua morte no a dou assim como o mundo a d; dou-vos a minha paz para que a minha alegria esteja em vs, e seja perfeita a vossa alegria, e ningum mais vos tire a vossa alegria.

este o grande tratado de paz, no santurio da alma. No um armistcio precrio de cuja

estabilidade se deva temer a cada momento, mas uma paz firme e indestrutvel, plena de alegria e

felicidade, porque alicerada sobre a verdade, a verdade libertadora.

Essa paz segura e duradoura, porm, s pode existir no homem que ultrapassou todos os erros e todas as iluses do velho ego e se identificou com a verdade do novo Eu, o homem que descobriu em si o Cristo e o fez triunfar sobre sua vida.

Esta bem-aventurana , pois, a apoteose da auto-realizao porque o homem que realiza o seu elemento divino, o seu Cristo interno, entra em um mundo de firmeza e paz, que se revela constantemente em forma de alegria e felicidade e se concretiza em benevolncia e vontade de servir e de dar. O homem que encontrou Deus pela experincia mstica , naturalmente, bom e benvolo com todos os homens e com os seres infra-humanos. A felicidade interna tem a irresistvel tendncia de transbordar em benevolncia externa e em uma vontade de servir e dar espontnea e jubilosamente. Quando o homem mau e desabrido com os outros porque no tem paz interior e sente a necessidade de descarregar o excesso da sua infelicidade nervosismo, na linguagem eufemstica de cada dia em algum ou em alguma coisa, e os objetos mais prximos servem de prarraios para essa tenso do homem infeliz. Propriamente, deveria esse homem ser spero consigo msmo, o principal culpado; mas, como o egosmo no lhe permite semelhante sinceridade, so os inocentes ou os menos culpados no raro, at coisas e animais domsticos alvo dessa irritao do homem intima-mente desarmonizado consigo mesmo.

Quando o homem tolera a si mesmo, graas a uma profunda paz de conscincia, todas as coisas e pessoas do mundo so tolerveis; mas, quando o homem, de conscincia insatisfeita, no se tolera a si mesmo, nada lhe tolervel.

O remdio no est em mudar os objetos, mas em corrigir o sujeito. Isto, porm, supe uma sinceridade muito difcil e rara.

*

A verdadeira paz um carisma divino, uma graa, uma ddiva de Deus, que dada a todo homem que se tornar receptivo para receber esse tesouro.

A verdadeira paz no pode ser manufaturada pelo ego humano, porque esse ego o autor de todas as discrdias que existem sobre a face da terra. S quando esse pequeno ego humano se integrar no grande Eu divino que pode surgir uma paz duradoura.

A paz de que fala o divino Mestre e que ele prometeu a seus discpulos no algo inerte e passivo, como a no-resistncia de uma ovelha em face do lobo. O amor uma violncia espiritual, disse Gandhi, que derrota todos aqueles que recorrem violncia material do dio.

Verdade que o creador da verdadeira paz prefere morrer a matar; mas isto apenas uma conseqncia natural da sua atitude; no a essncia da paz. A verdadeira paz algo essencialmente ativo e dinmico; uma exuberante plenitude vital, e no uma agonizante vacuidade: uma jubilosa afirmao, e no uma titubeante negao.

Quem tem firme conscincia de possuir a plenitude do ser pode facilmente renunciar abundncia do ter. Quem algum na sua profunda qualidade vertical, necessita de bem pouco, no plano horizontal do algo, onde impera o ter. O seu ser e o seu ter esto em razo inversa, como as duas conchas duma balana, como o znite e o nadir. Quanto maior o ser de uma pessoa, menor o seu desejo de ter; e, como toda a falta de paz nasce do desejo do ter, e ter cada vez mais, lgico que o homem que reduziu ao mnimo o seu desejo de ter, no tem motivo para perder a paz.

A paz , pois, um atributo do ser, algo qualitativo, algo que tem afinidade com o EU SOU do homem. O homem que tem plena conscincia do seu divino EU SOU no tem motivo para brigar ou declarar guerra a algum por causa dos teres, que desunem os homens profanos. Mesmo que os outros o tratem com injustia por causa dos teres, o homem espiritual sabe que todo esse mundo quantitativo do ter pura iluso: ningum pode ter algo que ele no s o nosso ser que realmente nosso.

Por isso, em vez de brigar por causa da capa que algum lhe roubou, esse milionrio do ser oferece, tranqilamente, ao ladro, tambm a tnica, porque nem a capa nem a tnica fazem parte do seu verdadeiro ser. E, destarte, ele no sofre perda alguma real; perde dois zeros em vez de um zero, mas a perda de dois zeros (capa e tnica) no perda maior que a perda de um zero (s a capa). O profano, precisamente por ser profano, isto , analfabeto do real*, corre loucamente atrs do zero da capa que algum lhe roubou, mas o iniciado, em vez de reclamar o zero da capa, cede ao amante desse zero mais o zero da tnica e no sofreu prejuzo algum, porque todos os objetos so desvalores, apenas o sujeito que valor.

Por isso, o homem que chegou ao conhecimento de si mesmo invulnervel; ningum pode prejudic-lo, ningum pode ofend-lo, ningum pode empobrec-lo, ningum lhe pode infligir perda de espcie alguma, uma vez que ningum pode obrig-lo a perder o que ele , e aquilo que ele tem no o enriquece nem a sua perda o empobrece.

A paz nasce, portanto, de uma profunda sabedoria, do conhecimento da verdade sobre si mesmo. Quem conhece essa verdade livre de todo o dio, tristeza, rancor, senso de perda e frustrao.

*

Uma pessoa profundamente harmonizada em si mesma irradia harmonia ao redor de si e satura dessa impondervel e benfica radiao, todas as coisas.

As suas auras benficas envolvem tudo em um halo de serenidade e bem-estar, de fascinante leveza e luminosidade, que atuam, imperceptvel, porm, seguramente, sobre outras pessoas receptivas.

O homem que estabeleceu a paz de Deus em sua alma um poderoso fator para restabelecer a paz em outros indivduos, e, atravs destes, na sociedade. No necessrio que fale muito em paz,

* Verdade, verdadeiro N. do E.que aduza eruditos argumentos propace basta que ele mesmo seja uma fonte abundante e um veemente foco de paz.

O filsofo mstico norte-americano merson disse, certa vez, a um homem que falava muito em paz, mas no possua paz dentro de si: No posso ouvir o que dizes, porque aquilo que s troveja muito alto.

Quem no pacificado dentro de si mesmo, no pode ser pacificador fora de si.

*

A conquista definitiva e slida da paz da alma fruto de uma grande guerra, guerra que o homem declara a si mesmo, isto , a seu velho ego. O reino dos cus sofre violncia, e os que usam de violncia o tomam de assalto.

Isto linguagem blica! O homem tem de lutar arduamente para conquistar a paz. necessrio cruzar misteriosa fronteira dentro de ns para descobrirmos o tesouro oculto e a prola preciosa do nosso verdadeiro Eu divino.

Deus.

*

Os pacificadores sero chamados filhos de Deus a paz eterna, infinita, absoluta; no a paz da inrcia, fraqueza e vacuidade mas a paz da dinmica, da fora, da plenitude. Nele no h discrdia, luta, conflito; e quanto mais o homem se aproxima de Deus, pela compreenso e pelo amor, tanto mais a sua vida se assemelha vida divina pela paz e serenidade. O homem que fez definitivo tratado de paz consigo mesmo irradia uma atmosfera de calma e felicidade que contagia a todos os que forem suficientemente suscetveis para perceber essas auras pacificantes.

Os primeiros discpulos de Jesus, referem os Atos dos Apstolos, eram todos um s corao e uma s alma; viviam em paz e harmonia e tomavam as suas refeies em comum, na alegria e simplicidade do seu corao; nem havia entre eles um s indigente, porque os que possuam demais davam do seu suprfluo aos que tinham de menos.

Destarte, pela paz individual, estava solucionado o problema da paz social.7

Bem-Aventurados os TristesNo parece estranho que Jesus tenha proclamado felizes os tristes? Ele que disse a seus discpulos: Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz, para que minha alegria esteja em vs e seja perfeita a vossa alegria e ningum mais tire de vs a vossa alegria!

Antes de tudo, convm distinguir duas espcies de tristeza e alegria, uma tristeza central, permanente, por vezes circundada de alegrias perifricas, intermitentes e uma alegria central, permanente, que, por vezes se acha envolta em tristeza perifrica, intermitente.

Com outras palavras: pode haver uma tristezaatitude e uma alegria-atitude como tambm pode haver uma tristeza-ato e uma alegria-ato. Pode algum ser triste e estar alegre como tambm pode ser alegre e estar triste, O que decisivo a atitude interna, permanente, negativa ou positiva. E essa atitude radica, em ltima anlise, em um profundo substrato metafsico, a VERDADE, ou ento o seu contrrio. Quem tem a conscincia reta e sincera de estar na Verdade profundamente alegre, calmo, feliz, embora externamente lhe aconteam coisas que o entristeam e quem , no ntimo da sua conscincia, sabe que no est na Verdade profundamente triste, ainda que externamente se distraia com toda a espcie de alegrias.

Quanto mais triste o homem internamente, pela ausncia de harmonia espiritual, tanto mais necessita ele de alegrias externas, geralmente ruidosas e violentas. Esse homem no tolera a solido, que lhe traz conscincia mais ntida da sua vacuidade ou desarmonia interior; por isso, evita quanto possvel estar a ss consigo; procura companhia por toda a parte, e, quando no a pode ter em forma de pessoas, canaliza para dentro da sua insuportvel solido parte dos rudos da rua, por meio do jornal, do rdio, da televiso. Alguns vo mais longe e recorrem a entorpecentes maconha, cocana, morfina, etc.

para camuflarem, por algum tempo, a sensao da sua triste solido.

Quem teme a concentrao necessita de toda a espcie de distraes para poder suportar-se a si mesmo. E, como essas distraes e prazeres, pouco a pouco, calejam a sensibilidade, necessita esse homem de intensificar progressivamente os seus estimulantes artificiais para que ainda produzam efeito sobre seus nervos cada vez mais embotados. Por fim, nem j os mais violentos estimulantes lhe causam mossa e ento esse homem chega, no raro, a tal grau de tristeza, no meio de suas alegrias que pe termo sua tragdia por meio do suicdio. Outros acabam no manicmio. que nenhum homem pode viver sem uma certa dose de alegria.

Enquanto o homem no descobrir a bela tristeza da vida espiritual, tem de iludir a sua fome e sede de felicidade com essas horrorosas alegrias da vida material. Essas alegrias externas, porm, tm sobre ele o efeito da gua do mar, que tanto maior sede d quanto mais dela se bebe.

*

Mas, quando o homem acerta em descobrir a bela tristeza da vida com Deus, renuncia espontaneamente a essas horrorosas alegrias da vida sem Deus, ou ento satura de espiritualidade todas as suas materialidades, transformando em osis de vida abundante o seu velho deserto morto.

E ento compreende ele o que o divino Mestre quis dizer com as palavras no dou a minha paz assim como o mundo a d. O que o mundo d no paz real, apenas uma trgua artificial, espcie de armistcio temporrio e precrio entre duas guerras, ou melhor, em um campo de batalha de guerra permanente. A paz do Cristo, porm, uma paz profunda e slida, porque nascida da Verdade que liberta.

O homem cuja felicidade nasceu da verdade calmo e sereno em todas as vicissitudes da vida, porque sabe que no precisaria mudar de direo fundamental se a morte o surpreendesse nesse instante. Perguntaram ao jovem estudante Joo Berchmans, que estava jogando bola, o que faria se soubesse que, da a cinco minutos, tivesse de morrer; respondeu calmamente: Continuaria a jogar. Assim s pode falar quem tem plena certeza de que est no caminho certo, em linha reta ao seu destino, embora distante da meta final.

Ora, esse caminho no pode deixar de ser estreito e rduo, uma espcie de tristeza, como toda a disciplina; mas no fundo dessa tristeza externa dormita uma grande alegria interior. , todavia, uma alegria annima, silenciosa, impondervel, como costumam ser os grandes abismos e as grandes alturas. Aos olhos dos profanos, leva o homem espiritual uma vida tristonha e descolorida; o seu ambiente parece montono e cor de cinza como um vasto deserto. E talvez no seja possvel dar ao profano uma idia da profunda alegria e felicidade que o homem espiritual goza, porque esta felicidade jaz numa outra dimenso totalmente ignorada pelo profano. O homem habituado a certo grau de espiritualidade tem uma imensa vantagem sobre o homem no-espiritual; no necessita de estmulos violentos para sentir alegria, porque a sua alegria no vem de fora, e sim de dentro. Basta-lhe uma florzinha beira da estrada; basta o sorriso de uma criana caminho escola; basta o tanger de um sino ao longe; basta o cintilar de uma estrela atravs da escurido tudo enche de alegria, suave e pura, a alma desse homem, porque ela est afinada pelas vibraes delicadas que vm das luminosas alturas de Deus. E as fontes da sua alegria brotam por toda a parte; nem necessrio que saia de casa para encontrar motivos de alegria, porque a sua alegria de qualidade, que no est sujeita s categorias de tempo e espao, como as alegrias ruidosas e grosseiras dos profanos. Um nico grau de alegria-qualidade d maior felicidade do que cem graus de alegria-quantidade.

Por isso a vida do homem espiritual uma bela tristeza, ao passo que a vida do homem profano uma pavorosa alegria. Mas o homem espiritual prefere a sua bela tristeza pavorosa alegria do profano, que ele compreende perfeitamente, porque tambm ele j passou por esse estgio infeliz ao passo que o profano no compreende a felicidade annima do iniciado, porque nunca passou por essa experincia.

*

O homem espiritual da bela tristeza proclamado bem-aventurado, e tem a certeza de ser consolado. Um dia, a sua bela tristeza de hoje se converter em uma jubilosa alegria de amanh. E isto pode acontecer mesmo antes de ele morrer fisicamente. Quando plenamente realizado no Cristo, pode dizer como este, em vsperas de sua morte: Dou-vos a paz, deixo-vos a minha paz para que minha alegria esteja em vs e seja perfeita a vossa alegria. Pode dizer, tambm, com um dos homens mais cristificados que a humanidade conhece: Transborde de jbilo em todas as minhas tribulaes.

Para a maior parte dos homens, a vida presente no ainda uma Pscoa em toda a sua plenitude; antes um sbado de soledade, misto de alegria e tristeza, de gozo e sofrimento, de sorrisos e de lgrimas, espcie de luminoso arco-ris sobre as guas escras de um dilvio.

Mas, nesse misto de luz e de trevas, h um qu de inefvel poesia, porque toda a poesia profunda e real polarizada de suavidade e amargura, de alegria e sofrimento, de certeza e incerteza, devido s condies da vida presente. O certo que nenhum homem espiritual estaria disposto a trocar sua silenciosa felicidade pelas ruidosas alegrias dos profanos.

Geralmente, os homens mais felizes so ignorados pela humanidade que escreve e l livros e jornais, que fala do alto dos plpitos e das tribunas, que perde tempo com rdio e televiso ou procura salvar o gnero humano pela poltica, Os milionrios da felicidade so, quase sempre, os grandes annimos da histria, os no-existentes. Os poucos homens que aparecem em pblico so raras excees da regra. O grande exrcito dos bem-aventurados no aparece em catlogos e cadastros estatsticos. So os irmos annimos da fraternidade branca que esto presentes em toda a parte onde haja servios a prestar, mas ningum lhes percebe a presena, porque sempre desaparecem por detrs das suas obras. Os muitos e os ruidosos que se servem das suas obras como de fogo de artifcio e deslumbramento pirotcnico para iluminar a sua personalidade no fazem parte da fraternidade branca, porque no se eclipsaram no anonimato da benevolncia universal.

Os verdadeiros redentores da humanidade so to felizes no cumprimento da sua misso que nunca esperam pelos aplausos de platias, mas desaparecem por detrs dos bastidores do esquecimento, no mesmo tempo em que terminam a sua tarefa. So igualmente indiferentes a vivas como a vaias, a aplausos como a apupos, a louvores como a vituprios, porque eles vivem no mundo da silenciosa e profunda verticalidade invisvel, incompreendidos pelos habitantes da ruidosa horizontalidade visvel.

Bem-aventurados os que esto tristes porque eles sero consolados.8

Bem-Aventurados os que Sofrem Perseguio por Causa da Justia

Justia, como j dissemos, significa a atitude justa e reta do homem para com Deus. O homem justo, nos livros sacros, o homem santo, o homem crstico, o homem que realizou em alto grau o seu Eu divino pela experincia mstica manifestada na tica. O homem justo o homem que se guia, invariavelmente, pelos dois grandes mandamentos, o amor de Deus e a caridade do prximo.

Mas, ser possvel que algum sofra perseguio por causa dessa justia, por causa da sua santidade?

O Evangelho de Jesus est repleto de afirmaes dessa natureza, e a experincia multissecular o confirma. Por causa do meu nome sereis odiados de todos, e chegar a hora em que todo aquele que vos matar julgar prestar um servio a Deus. Arrastarvos-o perante reis e governadores e sinagogas; mas no vos perturbeis! Porque o servo no est acima de seu senhor; se a mim me perseguiram tambm vos ho de perseguir a vs. Os inimigos do homem so os seus companheiros de casa.

Estamos habituados a pensar e a dizer que esses perseguidores dos justos so homens maus, perversos, de m-f; e, de fato, assim acontece muitas vezes. Entretanto, as mais cruis perseguies que a histria humana conhece foram perpetradas por homens sinceros e subjetivamente bons, em nome da verdade e do bem, em nome de Deus e do Cristo. Sobretudo as igrejas e sociedades religiosas organizadas tm empreendido, e empreendem ainda, cruzadas e guerras santas, trucidando infiis, queimando hereges, torturando homens de elevada espiritualidade, excomungando como apstatas e perversos muitos dos homens mais puros e santos que o mundo conhece. A maior parte desses perseguidores no tem m inteno nem conscincia pecadora; agem por um sentimento de dever.

H duas razes fundamentais por que o homem justo perseguido por outros homens individuais ou por sociedades humanas.

1 Um indivduo persegue outro indivduo, no s porque este seja mau, mas, tambm, pelo fato de ser bom.

Por qu?

Porque o homem justo aparece como elemento hostil a outro homem menos justo. A simples presena de um homem mais santo do que eu , para mim, uma declarao de guerra, ou, pelo menos, uma permanente ofensa. O homem espiritual, pelo simples fato de existir, diz silenciosamente a outros: Vs deveis ser como eu, mas no sois, e isto culpa vossa. Nenhum homem espiritual, claro, diz isto; mas os profanos interpretam deste modo a presena do homem justo, e atribuem a este a ingrata censura. Ora, ningum tolera, por largo tempo, a conscincia da sua inferioridade. Enquanto no aparece outro homem de elevada espiritualidade, pode o homem menos espiritual viver tranqilo na sua inferioridade, porque esta no nitidamente percebida seno quando polarizada pelo contrrio ou por uma espiritualidade superior. Quando o homem pouco espiritual encontra outro ainda menos espiritual, sente-se ele relativamente seguro do seu plano, e tem mesmo a tendncia instintiva de fechar os olhos para as virtudes do outro, a fim de poder brilhar mais intensamente, ele s, como aquele fariseu, no templo em face do publicano. E que o homem profano mede o seu valor pelo relativo desvalor dos outros. Quando ento a sua luz , ou parece ser, mais forte que as luzes dos outros, o homem profano ou de escassa espiritualidade experimenta um senso de segurana e tranqilidade; no tem remorsos da sua pouca espiritualidade nem se julga obrigado a um esforo especial para subir. Entre cegos, diz o provrbio, quem tem um olho rei.

Mas ai desse homem complacentemente satisfeito consigo mesmo, se lhe aparecer algum de maior espiritualidade! Logo comea ele a sentir-se inseguro e inquieto. Em face dessa inquietao, duas atitudes seriam possveis: a) o vivo desejo de ser to espiritual como o outro e o esforo correspondente a esse desejo; b) uma atitude de despeito e agressividade.

A primeira atitude a dos homens humildes e sinceros; a segunda a dos homens orgulhosos e insinceros consigo mesmos. Os primeiros se tornam discpulos do homem espiritual, os ltimos se tornam seus adversrios.

doloroso para um pigmeu ver-se eclipsado por um gigante.

desagradvel para um impuro ter a seu lado um homem puro.

Se o pigmeu no sente em si a capacidade de crescer; se o impuro no dispe da fora de se tornar puro, declarar guerra ao gigante e ao puro.

Essa guerra nem sempre se desenrola no plano fsico; muitas vezes se trava no campo moral: o homem menos espiritual descobre no mais espiritual numerosas manchas, e, esquecido da muita luz que ele irradia, s enxerga, o despeitado, os pontos escuros que encontra no sol e acha que no convm tomar banho de sol, porque h tantas e to grandes manchas no globo solar.

*

2 No terreno social das organizaes eclesisticas acresce ao primeiro, outro fator, aparentemente mais justificvel: o homem altamente espiritualizado sempre uma espcie de exceo da regra, um pioneiro que abandonou as velhas estradas conhecidas e batidas pela turbamulta dos crentes e rasga caminhos novos, por mares nunca dantes navegados, por ignotas florestas, por nvios desertos que poucos conhecem. Esse homem ultrapassa, quase sempre, os caminhos tradicionais do passado, e at do presente, e abre novas rotas para o futuro. Toda e qualquer inovao, por mais verdadeira, , no principio, considerada como erro, e at como perigo social.

Ora, sabido que, no mundo espiritual, todo homem se sente grandemente inseguro, porque esse mundo lhe desconhecido, como tudo que apenas se cr, sem dele ter experincia imediata. Nenhum crente sabe o que o reino de Deus assim como um cego de nascena no sabe o que a luz, o que so cores, embora tenha decorado as mais verdadeiras teorias sobre esses assuntos. A nica coisa que nos d certa segurana ao homem inexperiente o fato de que milhares e milhes de outros homens trilham esses mesmos caminhos, j por sculos e milnios, e muitos deles so bons e relativamente felizes.

De maneira que o fator massa e o fator tradio nos do uma espcie de segurana e firmeza, no meio da insegurana e incerteza que, naturalmente, experimentamos por entre as trevas ou penumbras da vida espiritual. E isto nos faz bem.

Quando ento aparece um homem que parece no necessitar desses elementos de segurana garantidos pela massa e tradio, d-se uma espcie de terremoto que abala as instituies antigas. E os que ainda necessitam dos elementos massa e tradio comeam a afastar-se desse revolucionrio iconoclaste, a fim de no perderem o seu senso de segurana. Mesmo na hiptese de que esse iconoclasta possua verdadeira segurana interior, graas sua experincia direta, essa segurana no transfervel aos outros, e assim compreensvel que estes, no tendo a mesma experincia, prefiram apegar-se firmemente s tradies antigas que a massa professa.

E o arrojado bandeirante do Infinito fica s, ou faz parte de uma pequenina elite, que no representa 1% da humanidade. Em caso algum pode esse homem apelar para uma longa tradio no passado; nunca houve grande massa de homens espirituais que fizesse tradio estratificada, e os poucos que houve ou h so praticamente desconhecidos da parte da humanidade-massa, que decide pela tradio.

Por isso , as sociedades religiosas organizadas, que contam sempre com o fator massa e tradio, do grito de alerta e de alarme, e previnem seus filhos contra o perigoso inovador, o herege, o demolidor, o apstata. Quando as sociedades religiosas possuem suficiente poder fsico, eliminam do nmero dos vivos o perigoso demolidor das tradies, e isto pela maior glria de Deus e salvao das almas. Quando no possuem esse poder, procuram neutralizar a ao do herege matando-o moralmente, isolando-o por meio de campanhas sistemticas de difamao e calnia. E como, segundo eles, o fim justifica os meios, e como o fim (ou parece ser) bom, todos os meios so considerados lcitos e bons, mesmo os maiores atentados verdade, justia, caridade.

Donde se segue que o homem espiritual vive em uma relativa solido. A massa no simpatiza com ele se no lhe positivamente antiptico, mantm pelo menos uma atitude de apatia e desconfiana em face dele.

Para o homem espiritual, porm, o fator massa sobejamente compensado pelo fator elite ou mesmo pelo simples testemunho da sua conscincia em plena solido.

Existe, aqui na terra, e por toda a parte, a comunho dos santos, isto , a misteriosa unio de todos os que conhecem e amam a Deus, a fraternidade branca dos irmos annimos formada pelos solitrios pioneiros do Infinito. E eles sabem qu profundamente verdadeiro o que o grande Mestre disse: Onde dois ou trs estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles

Dois ou trs porque nunca sero muitos no mesmo lugar e tempo, os homens cristificados. E mesmo que sejam mais, nunca deixar de imperar a misteriosa lei da polaridade ou da trindade; dentro de um grupo maior haver sempre essa constelao interna de dois ou trs. A grande experincia crstica circular sempre entre dois ou trs, e s mediante essa pequena constelao que ela se comunicar ao resto do cu estrelado e s galxias do universo espiritual.

No tempo de Jesus eram Pedro, Tiago e Joo essa trade espiritual, que presenciaram o Mestre no seu sofrimento e na sua glria. O total dos discpulos era doze, quatro vezes trs; e, quando um deles falhou, se apressaram os restantes onze a preencher a lacuna; mas quem designou o substituto de Iscariotes no foram eles, mas foi o Esprito Santo, como referem os livros sacros. Nenhum homem podia restabelecer o nmero sagrado quatro vezes trs; s o esprito de Deus. O homem, quando canal puro e veculo idneo, serve de intermedirio para canalizar as guas vivas que jorram para a vida eterna.

J o grande Pitgoras sabia que trs o nmero da sacralidade vertical, e que quatro o nmero das realizaes horizontais, O nmero trs a mstica do primeiro mandamento; quatro a tica do segundo mandamento.

O homem justo perseguido por causa da sua espiritualidade, tanto pelos indivduos menos espirituais, como tambm pelas sociedades organizadas que necessitam de massa e tradio para sua sobrevivncia; mas, apesar de tudo, ele vive num ambiente de paz e felicidade, porque est na comunho dos santos.

Bem-aventurado... dele o reino dos cus. O reino dos cus, porm, est dentro de

vos...

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Vs Sois a Luz do Mundo

constante, em todos os livros sacros da humanidade, a afirmao de que Deus luz. Antigamente, essa comparao parecia ser apenas um arroubo potico, e no uma verdade filosfica; porqanto sabido que a luz enche de vida, beleza e alegria o universo inteiro.

Hoje em dia, porm, na alvorada da Era Atmica, entrou essa verdade em uma nova fase de significao; ultrapassou as fronteiras da beleza potica e invadiu os domnios da cincia fsica e da verdade metafsica.

Sabemos, em nossos dias, que a luz csmica, no focalizada o c da conhecida frmula einsteiniana, E = mc2 a base e, por assim dizer, a matria-prima de todas as coisas do mundo material e astral. Os 92 elementos da qumica, desde o mais simples ou Hidrognio) at ao mais complexo ou Urnio), so filhos da luz invisvel, a qual quando condensada em diversos graus, produz os elementos, e destes so feitas todas as coisas do mundo.

Quer dizer que, no plano fsico, a luz a causa e origem de todas as matrias e foras do universo.

Ora, o que a luz no plano fsico, isto Deus na ordem metafsica ou espiritual do cosmos. A luz fsica o grande smbolo desse simbolizado metafsico.

Deus, segundo Aristteles, actuspurus(pura atividade); nele no h passividade, ou, no dizer de Joo Evangelista, Deus luz, e nele no h trevas.

Ora, afirma o divino Mestre que ele a luz do mundo, e que tambm seus discpulos so a luz do mundo quer dizer que a essncia de Deus est nele e neles.

A luz a nica coisa incapaz de ser contaminada, porque a sua vibrao mxima, que no afetada por nenhuma vibrao inferior.

Todas as coisas do mundo so lucignitas, e sua ntima essencia luz ou lucidez. E tanto mais incontaminvel uma coisa quanto mais lcida.

A afirmao de que os discpulos do Cristo so luz, a mesma luz divina do Cristo, um veemente convite, quase um desafio, para a completa lucificao da existncia humana pela essncia divina. A mente do homem como que um invlucro semitranslcido, e o corpo um invlucro totalmente opaco; no interior desses invlucros, porm, est a luz integral da divindade, que se individualizou no homem como seu Eu central.

Toda a tarefa da espiritualizao do homem consiste em que ele faa a sua existncia humana to pura e luminosa como a sua essncia divina que essencialize toda a sua existencia.

A lucidez ou luminosidade consiste na intensidade da nossa conscincia divina. No plano da ideologia dualista, em que se move quase toda a teologia e filosofia do ocidente cristo, difcil o homem convencer-se definitivamente de que a ntima essncia do seu prprio ser seja idntica essncia divina.

A verdade, porm, esta: o homem no est separado de Deus, como no idntico a Deus, mas distinto de Deus. Esse ser distinto, por assim dizer, equidistante do ser separado e do ser idntico, equidistante do dualismo transcendentista e do panteismo imanentista. Esse ser distinto de Deus, baseado no ser idntico pela essncia e no ser diferente pela existncia faculta ao homem a divinizao da sua vida, sem o levar ao absurdo da deificao, garantindo-lhe assim, a responsabilidade tica dos seus atos conscientes e livres. Se o homem moralmente bom, virtuoso, no Deus que bom nele, mas ele mesmo; se o homem moralmente mau, pecador, no Deus que mau nele, mas o homem. Quem pratica virtude ou comete pecado o homem existencial, e no o homem essencial, o elemento humano nele e no o elemento divino.

*

Diz, pois, o divino Mest