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___ IBGE - século XX - Estatisticas

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Presidente da Repblica

Luiz Incio Lula da SilvaMinistro do Planejamento, Oramento e Gesto Paulo Bernardo Silva

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGEPresidente Eduardo Pereira Nunes Diretor Executivo Srgio da Costa Crtes

rgos Especficos SingularesDiretoria de Pesquisas Wasmlia Bivar Diretoria de Geocincias Guido Gelli Diretoria de Informtica Luiz Fernando Pinto Mariano Centro de Documentao e Disseminao de Informaes David Wu Tai Escola Nacional de Cincias Estatsticas Pedro Luis Nascimento Silva

Unidade ResponsvelCentro de Documentao e Disseminao de Informaes Assistente Magda Prates Coelho

Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE Centro de Documentao e Disseminao de Informaes

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Rio de Janeiro 2006

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGEAv. Franklin Roosevelt, 166 . Centro . 20021-120 . Rio de Janeiro . RJ . Brasil ISBN 85-240-3894-2 (DVD) IBGE . 2006 Elaborao do arquivo PDFRoberto Cavararo

Produo da multimdiaMarisa Sigolo Mendona Mrcia do Rosrio Brauns

CapaGerncia de Editorao/CDDI Mnica Pimentel Cinelli Ribeiro Ana Bia Andrade

Folhas de GuardaOperrios, 1933 Tarsila do Amaral leo sobre tela 150 x 205cm Palcio Boa Vista, Campos do Jordo, SP. Criana Morta, 1944 Cndido Portinari Painel a leo/tela 180 x 190 cm Museu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand MASP

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SUMRIOAPRESENTAO INTRODUO O BRASIL DO SCULO XX ENTREVISTA COM CELSO FURTADO

ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAISO BRASIL SOCIAL CONTADO PELO IBGE NO SCULO XX WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS POPULAO E ESTATSTICAS VITAIS NELSON DO VALLE SILVA E MARIA LIGIA DE O. BARBOSA ASSOCIATIVISMO E ORGANIZAES VOLUNTRIAS LEILAH LANDIM ESTATSTICAS DO SCULO XX: EDUCAO CARLOS HASENBALG HABITAO E INFRA-ESTRUTURA URBANA NSIA TRINDADE LIMA JUSTIA MARIA TEREZA SADEK PREVIDNCIA E ASSISTNCIA SOCIAL NOS ANURIOS ESTATSTICOS DO BRASIL GILBERTO HOCHMAN

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SECULOX X X XSADE NOS ANURIOS ESTATSTICOS DO BRASIL NSIA TRINDADE LIMA E FRANCISCO VIACAVA SINDICALISMO, TRABALHO E EMPREGO ADALBERTO MOREIRA CARDOSO ESTATSTICAS DO SCULO XX SOBRE REPRESENTAO POLTICA E PARTICIPAO ELEITORAL NO BRASIL FABIANO SANTOS ENTRE O PALCO E A TELEVISO SERGIO MICELI

ESTATSTICAS ECONMICASO BRASIL NO SCULO XX: A ECONOMIA MARCELO DE PAIVA ABREU FINANAS PBLICAS BRASILEIRAS NO SCULO XX ANTONIO CLAUDIO SOCHACZEWSKI. NVEL DE ATIVIDADE E MUDANA ESTRUTURAL REGIS BONELLI O SETOR EXTERNO BRASILEIRO NO SCULO XX JORGE CHAMI BATISTA RENDIMENTOS E PREOS GUSTAVO GONZAGA E DANIELLE CARUSI MACHADO SCULO XX NAS CONTAS NACIONAIS EUSTQUIO REIS, FERNANDO BLANCO, LUCILENE MORANDI, MRIDA MEDINA, MARCELO DE PAIVA ABREU TENDNCIAS DE LONGO PRAZO DA MOEDA E DO CRDITO NO BRASIL NO SCULO XX ANTONIO CLAUDIO SOCHACZEWSKI

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APRESENTAOEDUARDO PEREIRA NUNESPRESIDENTE DO IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, orgulhosamente, publica as Estatsticas do Sculo XX com dados histricos sobre a realidade socioeconmica brasileira que se consolidou ao longo do ltimo sculo. Reunidas numa obra composta por um volume impresso acompanhado de um CD-ROM, que contm mais de 16 000 arquivos com tabelas e sries histricas, essas informaes so provenientes do prprio IBGE e de outros rgos do Governo Federal e foram selecionadas dos Anurios Estatsticos e das Estatsticas Histricas do Brasil. So informaes estatsticas que retratam as transformaes ocorridas na demografia, educao, cultura, sade, habitao, sindicalismo, trabalho, rendimento, preos e contas nacionais do Pas. Os pesquisadores envolvidos no projeto foram unnimes em constatar que trata-se de um retrato amplo mas descontnuo e, por isso mesmo, coerente com as marchas e contramarchas de um sculo em que a industrializao e a democracia se consolidaram no Brasil. Convidados pelo o IBGE, os professores Wanderley Guilherme dos Santos e Marcelo de Paiva Abreu coordenaram os trabalhos de anlise da enormidade de estatsticas sociais e econmicas existentes, analisadas e comentadas tematicamente por um grupo de renomados especialistas responsveis pelos ensaios contidos na publicao. Com esta iniciativa, pretendemos homenagear aqueles que ajudam a instituio a cumprir a sua misso de retratar o Brasil com as informaes necessrias ao conhecimento da sua realidade e ao exerccio da cidadania. Entre estes, queremos especialmente destacar o Professor Celso Furtado, pelos importantes trabalhos dedicados investigao dos problemas brasileiros e seu subdesenvolvimento. Sua obra contribui permanentemente para que a sociedade brasileira preste ateno ao estudo da nossa realidade, passada e presente, e assuma o propsito de construir um futuro com menos desigualdades sociais. Tudo isso, inegavelmente, aproxima o economista, professor, ministro e cidado brasileiro Celso Monteiro Furtado do IBGE. Hoje, passados 67 anos desde a criao do IBGE, acreditamos que a produo de estatsticas no Brasil situa-se num patamar equivalente ao dos pases mais desenvolvidos. No entanto, sabemos que ainda precisamos avanar muito. E este o desafio para o Sculo XXI.

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INTRODUOprojeto que deu origem publicao Estatsticas do Sculo XX teve como objetivo recuperar, organizar e colocar disposio do pblico o acervo de estatsticas referentes a reas temticas previamente selecionadas, de modo que permitisse a reconstituio da histria do Brasil atravs dos dados estatsticos produzidos num sculo. Para isso, o IBGE reuniu especialistas em populao, economia, poltica, cultura e na rea social para selecionarem e analisarem as estatsticas de cada um desses temas. Os dados foram recuperados do acervo do IBGE na coleo dos Anurios Estatsticos e atravs de levantamentos feitos a partir das Estatsticas Histricas do Brasil; os textos representam a viso dos especialistas enquanto usurios externos das informaes produzidas pelo IBGE. Esta obra composta de um livro e de um CD-ROM. Em ambos o contedo est dividido em duas partes: a das estatsticas sociais, culturais, polticas e populacionais e a das estatsticas econmicas. O CD-ROM contm mais de 16 000 arquivos de tabelas, contemplando as duas partes. Essas tabelas passaram por um complexo processo de converso para o meio digital, incluindo as etapas de escaneamento e de reconhecimento ptico de caracteres (OCR). Durante esse processo manteve-se uma constante orientao e superviso dessas atividades para assegurar a transformao na ntegra do material original para os arquivos que viriam a compor o CD-ROM. O livro apresenta um conjunto de textos para cada uma das partes, que alm de variarem na temtica tambm possuem abordagens diferentes. Os textos sobre populao e panorama sociopoltico e cultural do Brasil no Sculo XX se detiveram na descrio do conjunto de dados e na avaliao de sua comparabilidade e do seu potencial de utilizao, visto que as estatsticas no apresentavam qualquer organizao. Elas se distribuam desigualmente pelos 60 Anurios Estatsticos publicados no sculo, com quase total ausncia de sries histricas ou fator que mostrasse algum tipo de aglutinao entre elas.

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SECULOX X X XOs textos sobre as estatsticas econmicas tm como referncia as estatsticas do IBGE e de outros rgos pblicos, que atualizam as sries histricas j publicadas pelo Instituto. Diferentemente dos textos da parte anterior, no se detiveram na avaliao das estatsticas publicadas, mas na anlise da evoluo dos diferentes aspectos da economia brasileira luz de sries histricas atualizadas dos respectivos temas. A publicao apresenta tambm uma entrevista com o Professor Celso Furtado, que introduz o leitor s estatsticas presentes nesta obra e antecipa a percepo crtica da evoluo do Pas em todas as suas dimenses econmica, social, poltica, cultural e populacional atravs das estatsticas do Sculo XX.

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O BRASIL DO SCULO XXENTREVISTA COM CELSO FURTADOEduardo Pereira Nunes Presidente do IBGE As Estatsticas do Sculo XX, publicadas pelo IBGE, mostram que o Brasil iniciou o sculo com uma economia agrrio-exportadora, recm-sada de um regime escravista de trabalho, e se transformou em uma economia industrial apoiada no trabalho assalariado e com um alto grau de urbanizao. Como o senhor sintetizaria essa evoluo da economia brasileira? Celso Furtado Em primeiro lugar, eu diria que uma iluso imaginar que o Brasil provavelmente se desenvolveu nessa escala. A verdade que o Brasil continua sendo uma constelao de regies de distintos nveis de desenvolvimento, com uma grande heterogeneidade social, e graves problemas sociais que preocupam a todos os brasileiros. No comeo do Sculo XX, a ocupao das terras no Brasil no formava propriamente um sistema econmico, pois as conexes comerciais entre as regies eram precrias. As ligaes entre o Norte e o Nordeste com o Centro-Sul dependiam de uma frgil navegao de cabotagem. Tratava-se de uma realidade poltica decorrente do centralismo do imprio portugus. A nica regio que dependia do mercado interno era o extremo-sul pecurio. Esse quadro se modificaria com a forte expanso do caf no altiplano paulista e a extrao de borracha na regio amaznica. Nestes dois casos, houve importantes deslocaes de populaes. Mas a estruturao de um sistema econmico nacional s viria a ocorrer nos primeiros decnios do Sculo XX, com o avano da industrializao. Eduardo Pereira Nunes O ltimo Censo Demogrfico revelou que a populao brasileira cresceu quase dez vezes neste sculo: passou de 17 milhes em 1900 para quase 170 milhes em 2000. No incio do sculo, cerca de 52% da populao ocupada trabalhava no campo. Em 2000, essa proporo caiu para 17%, e 80% da populao vivia na rea urbana. Em 1900, a agropecuria contribua com 45% do PIB; a indstria com 11%, e os servios, com 44%. J em 2000, essa distribuio passou a ser de 11% para a agropecuria, 28% da indstria e 61% para os servios. Qual o impacto do avano da industrializao, combinado com o xodo rural, sobre a organizao das cidades e do mercado de trabalho no Brasil?

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SECULOX X X XCelso Furtado Esses dados so muito importantes, mas so um pouco ilusrios quando se pretende esclarecer o que aconteceu no Brasil. A estrutura ocupacional da populao ativa um dado que deve ser utilizado com muito cuidado. O mundo rural abrigava um considervel excedente de populao submetida a formas extremas de explorao. Por motivos diversos, essa populao deslocou-se para as zonas urbanas. A partir dos anos 70 do sculo passado, o vis tecnolgico assumido pelo setor industrial, submetido a crescente concorrncia internacional, traduziu-se em forte declnio na criao de emprego. Este um dos motivos pelos quais o Brasil enfrenta atualmente um problema social de gravidade excepcional. Mas o processo de urbanizao da sociedade brasileira no semelhante ao que se verifica na Europa e em outras partes do mundo. Na Europa, a urbanizao decorreu da criao de um mercado de trabalho muito intenso nas cidades, que absorveu o excedente de populao rural, transformando o continente ao longo dos anos. No Brasil, o processo migratrio do campo para a cidade ocorreu de forma distinta: houve uma fase, na metade do Sculo XX, em que se criou muito emprego no setor industrial, mas nos ltimos 30 anos o emprego industrial j no cresceu. O crescimento da populao urbana inchou as cidades, mas nelas no se criou emprego suficiente para absorver toda essa gente, da as taxas de desemprego crescentes, a marginalidade. Eduardo Pereira Nunes E esse processo tem repercusso na distribuio de renda e na formao de mercado? Celso Furtado Tem srias repercusses negativas, especialmente no perfil social, porque o Brasil cresceu muito mas, no essencial, no se transformou. Por exemplo, crescente, em nmeros absolutos, a massa de populao subempregada ou desempregada. No se pode admitir que um pas possa se urbanizar to rapidamente criando apenas subemprego urbano. Eduardo Pereira Nunes Isto , necessrio que o emprego tenha qualidade, cuja renda permita ao empregado se transformar em um consumidor dos bens produzidos, criando um mercado de massa. Celso Furtado Sim. necessrio criar empregos que permitam uma insero social plena. O que ocorreu no Brasil foi a criao de uma enorme massa de subempregados. Este o fenmeno das cidades brasileiras de hoje, sendo a cidade de So Paulo o exemplo conspcuo, com quase vinte por cento de sua populao sem emprego. Os trabalhadores tm de ficar pedinchando empregos, porque as grandes empresas no querem cri-los. Estranhamente, elas no criam empregos, mas enfrentam problemas de falta de mercado para seus produtos. Eduardo Pereira Nunes Essa massa de subempregados explica o fato de, no Brasil, a taxa de desemprego no ser to elevada? Estudos mais abrangentes sobre as estatsticas de emprego deveriam contemplar o emprego, o desemprego, o subemprego, ou emprego de qualidade e renda precrias.

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Celso Furtado Exato, mas estamos falando apenas do quadro urbano. No setor rural tambm houve uma transformao muito especial. Assistimos a uma forte presso para desempregar no campo, particularmente no Centro-sul do Brasil, onde a mecanizao da agricultura tem sido muito intensa nos ltimos tempos. O desemprego no mundo rural no decorreu apenas do crescimento da produtividade, mas tambm da impressionante concentrao das terras em todo o Brasil, isto , do crescimento dos latifndios. A massa de populao que perdeu seu emprego no campo contribuiu para a forte reduo da populao rural, como mostra o livro do IBGE sobre as Estatsticas do Sculo XX. O declnio da populao rural e do emprego no campo no teve como contrapartida a criao de empregos urbanos. O resultado foi que o Brasil terminou o Sculo XX com esse bolso enorme de desempregados e subempregados urbanos. Eduardo Pereira Nunes Podemos ento dizer que o modelo brasileiro de desenvolvimento do setor urbano e do setor rural no exatamente igual quele que os modelos clssicos da economia sugerem? Celso Furtado O Brasil um caso parte e os problemas sociais se agravam a cada dia. Quem observa o Pas se impressiona com esse quadro. O Brasil cresceu. Hoje em dia, uma das dez maiores economias do mundo e tem um sistema industrial complexo. Mas, ao mesmo tempo, este Pas tem uma massa enorme de subempregados. A parte da populao que no participa dos benefcios do desenvolvimento to grande que este passa a ser um dos principais problemas, seno o prioritrio, de quem governa o Brasil. Qual ser o futuro deste Pas, se continuarmos a expelir a populao do campo, a reduzir o emprego no campo como se fez intensamente nos ltimos 20 anos? Vamos expulsar a populao rural para a beira das estradas? impressionante ver esses desempregados e subempregados querendo invadir as terras no prprio campo e nas cidades. Este um problema social cada vez mais difcil de resolver, enquanto no se atacar o fundo da questo. Para superar a situao atual, urgente pensarmos na criao de empregos. Veja os dados que vocs publicaram sobre o setor industrial: a indstria brasileira se modernizou consideravelmente, aumentou a produtividade e outro lado dessa moeda causou o declnio do emprego industrial. A indstria automobilstica, por exemplo, hoje emprega um tero do contingente que empregou h dez, vinte anos atrs, em virtude do forte aumento da modernizao da produo e dos sistemas, da terceirizao, etc. Paralelamente, precisamos pensar numa poltica rural de outro tipo, a fim de atrair gente para trabalhar no campo, mas com base em um modelo novo. O desafio ser criar emprego no campo sem inviabilizar a produo nas grandes propriedades. preciso criar uma agricultura variada: produo comercial e familiar. Muita gente j est debatendo isso. O Movimento dos Sem-Terra pensa nessa direo, est consciente disso.

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SECULOX X X XEduardo Pereira Nunes O senhor sugere ento que o Brasil precisa conciliar o agronegcio, de grande produtividade, com tecnologia avanada intensiva em capital, voltado para exportao, com uma agricultura familiar intensiva em mo-de-obra, voltada para o mercado interno, levando em conta a imensa extenso territorial, as terras disponveis e a necessidade de preservao do meio ambiente? Celso Furtado Quando debato esse problema internacionalmente, todos partem do seguinte raciocnio: o Brasil um Pas inexplicvel, pois com essa abundncia extraordinria de terras, o que hoje em dia rarssimo, tem uma massa enorme de desempregados! Por que no utilizar as terras disponveis para criar emprego? inexplicvel! Como defender esse modelo de desenvolvimento que cria desemprego e subemprego num Pas de terras abundantes e ociosas? Por que a invaso de terras preocupa mais do que a constatao do imenso nmero de desempregados e subempregados? Eduardo Pereira Nunes Ns temos que nos preocupar com o impacto do nosso modelo atual de desenvolvimento sobre o meio ambiente, sobre a estrutura agrria e sobre o mercado de trabalho. Este modelo, para ser sustentvel, tem de associar a poltica de ocupao de terras voltadas tanto para o agronegcio capitalista desenvolvido quanto para uma agricultura familiar geradora de emprego e abastecedora do nosso mercado interno, sempre preservando os recursos naturais. Celso Furtado Exato. Esse o problema a ser enfrentado, a ser discutido pelos governantes. O governo que no enfrent-lo de verdade ter falhado na poltica de desenvolvimento. Desenvolvimento no Brasil, hoje em dia, essencialmente solucionar o problema social. Este o desenvolvimento sustentvel. No basta apenas aumentar o produto. Depois de ter assistido a tantos anos de transformaes, creio que esse o problema mais grave do Brasil atual. Um pas que no tem uma populao rural e uma agricultura forte uma economia muito frgil. Como manter o equilbrio interno entre os setores? Na primeira metade do Sculo XX, o Estado ainda absorvia mo-de-obra dos imigrantes que vieram da Europa. Como era um Pas de terras abundantes e virgens, nessa poca o Brasil conciliava o setor rural com o setor urbano. At os anos 50, no havia preocupao com a gerao de emprego, mas sim com a produtividade, a fim de se ganhar competitividade internacional. Ou seja, o Estado precisava fomentar a criao de indstrias modernas, ou no teramos desenvolvimento. Isso era aceito como sendo uma lei da natureza. Mais adiante, o resultado dessa poltica foi uma situao crescente de desemprego estrutural, que atualmente prevalece. O Brasil tem terras abundantes e baratas, tem mo-de-obra disponvel. Por que enfrenta tantas dificuldades? Por que tem crescentes problemas sociais? Por que o desenvolvimento s para servir uma minoria? Eu no consigo explicar. Ainda num passado recente, nem mesmo os economistas queriam debater esse problema, que agora imperativo.

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Eduardo Pereira Nunes Eu gostaria de voltar aos anos 50, quando o senhor comeou a discutir com Rostow e outros economistas as teorias do desenvolvimento prevalecentes. Na poca, o senhor j contestava as teorias de que o subdesenvolvimento era uma etapa histrica do processo de desenvolvimento. De acordo com aquela teoria, todas as economias passavam por uma etapa de subdesenvolvimento, para, depois, alcanar um estgio superior de desenvolvimento. Dessa forma, podia-se concluir que o planejamento econmico representava uma interferncia desnecessria e indesejvel do Estado nas trajetrias das economias nacionais. Podemos dizer que o debate atual sobre o papel do Estado na formulao de polticas ativas de desenvolvimento, tecnolgicas e de comrcio exterior representa uma volta quele antigo debate e quela postura que o senhor j contestava nos anos 40 e 50? Celso Furtado Vamos responder por etapas. Primeiramente, a questo do desenvolvimento e subdesenvolvimento. Em meu primeiro livro de teoria econmica, escrito no final dos anos 50, defendi a tese de que o subdesenvolvimento no era uma fase pela qual tiveram de passar todas as economias, e sim a situao de dependncia que decorria de como as economias se inseriram nas correntes de expanso do comrcio internacional, a partir da Revoluo Industrial. Eu pretendi rebater as idias de Rostow, que eram amplamente dominantes na poca. Estvamos ambos em Cambridge, eu e Rostow, o famoso economista que formulou a teoria dos cinco estgios do desenvolvimento. Ao ouvir o debate sobre essa teoria, pensei: um absurdo; no pode haver isso; a nossa situao no uma fase, pois nela estamos h 100 anos; nada mudou; somos sempre subdesenvolvidos, e os outros esto cada vez mais frente. Ento, havia que repensar tudo isso. Foi quando formulei a teoria do subdesenvolvimento. Comparando pases de distintos nveis de renda per capita, percebi que o que fazia a diferena era a forma como cada pas incorporava a tecnologia moderna. A simples modernizao dos hbitos de consumo, mediante a importao de veculos de luxo e artigos do gnero, podia significar o enriquecimento de uma elite local, mas estava longe de ser um autntico desenvolvimento. Se comparamos as economias da Argentina e do Japo no primeiro quartel do Sculo XX, comprovamos que a renda per capita do pas latino-americano era muito superior do asitico, apesar de a economia deste ltimo ser bem mais desenvolvida. A verdade que os pases que comearam pelo caminho certo tenderam a uma diversificao na economia foi o chamado progresso enquanto outros se especializaram na produo de matrias-primas, absorvendo muito pouco progresso tcnico. Portanto, constituram um quadro diferente, que chamei de estgio de subdesenvolvimento. Dele no se sai sem srias transformaes estruturais. No h um avano automtico para

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SECULOX X X Xo estgio do desenvolvimento. preciso fazer um grande esforo de transformao e enfrentar os problemas estruturais. Portanto, esse era um quadro novo. Reuni essas idias em meu livro Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, de 1961 . Na poca, poucos aceitaram a teoria do subdesenvolvimento. Hoje em dia, ela est evidente: todos percebemos que um pas pode crescer muito, como o Brasil cresceu, e continuar subdesenvolvido. Por que o Brasil no reduziu o subdesenvolvimento, se o seu PIB cresceu 100 vezes no Sculo XX? Durante muitos anos trabalhei nesse tema, e s cheguei a perceber o mago da questo quando introduzi o aspecto cultural. Alguns pases podem ter crescimento econmico, a partir dos produtos primrios. Tero aumento de renda, o qual poder ser apropriado por uma minoria, por uma elite que adota, ento, padres de consumo e formas de viver tpicas dos pases mais ricos, e totalmente incompatveis com o nvel de renda do prprio pas. Esse pas crescer economicamente, mas no se transformar, ao contrrio, se deformar. Eduardo Pereira Nunes Moderniza-se o padro de consumo, mas no se absorve a tecnologia moderna de produo. Celso Furtado Absorve-se a tecnologia moderna, mas num setor, ou noutro. No setor de exportao, a produo de soja tem a tecnologia mais moderna, mas o conjunto da economia nacional no se transforma. Crescem a produtividade e a renda per capita, mas, se no houver distribuio dessa renda, apenas se reproduzem os padres de consumo dos pases mais ricos. As elites do Brasil vivem to bem, ou melhor, do que as do chamado Primeiro Mundo. O subdesenvolvimento cria um sistema de distribuio de renda perverso, que sacrifica os grupos de renda baixa. Pois inerente economia capitalista a tendncia concentrao social da renda. O processo competitivo da economia de mercado exige a seleo dos mais fortes, e os que vo passando na frente concentram a renda. Essa tendncia pode ser corrigida pela ao das foras sociais organizadas, que levam o Estado capitalista a adotar uma poltica social. Na Europa, onde se criaram grandes sindicatos, a sociedade civil se modificou, evoluiu, e a prpria luta social passou a ser um elemento dinmico. Se a Europa avanou tanto no foi s porque cresceu economicamente, mas porque redistribuiu a renda, o que foi possvel graas s presses dos poderosos sindicatos. O problema que nas economias subdesenvolvidas a ao dessas foras sociais de muito menor eficcia. Aqui, a tendncia agravao das desigualdades somente se reduz em fases de forte crescimento do intercmbio internacional. Da o fator poltico ser to relevante nos pases do Terceiro Mundo. Eduardo Pereira Nunes Qual deve ser o papel do planejamento econmico? Celso Furtado Em relao ao planejamento econmico, digo o seguinte: se um pas acumulou tamanho atraso, como o caso do Brasil, no pode sair dessa situao pelo mercado. Este no suficiente, pois no far

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as transformaes estruturais necessrias. O mercado concentra renda e preciso desconcentrar. O pas submetido por longo tempo a um processo de concentrao de renda, como est acontecendo no Brasil, adquire uma rigidez estrutural muito grande. difcil impor as reformas. Veja o debate atual sobre as reformas sociais. A classe dominante quer defender de todas as maneiras os seus privilgios. H uma resistncia enorme para ceder. A concentrao de renda , no fundo, uma contrapartida das lutas sociais. A lgica do capitalismo a de concentrar renda, mas ele prprio engendra foras sociais que vo pression-lo para desconcentrar. E seu desenvolvimento surgiu da interao dessas foras, de um lado o progresso tecnolgico criando desemprego, de outro os movimentos sociais pressionando para criar emprego. Foi assim nos pases onde o capitalismo se desenvolveu em sua plenitude: as lutas sociais permitiram a desconcentrao da renda. Em cada ciclo econmico, em cada movimento social, os salrios se corrigiam, os salrios mdios cresciam cresciam tanto quanto a produtividade. Concentra, desconcentra: so as crises cclicas, que redistribuem a renda, permitem a retomada do crescimento; o capitalismo andando, navegando, indo de crise em crise, mas, em geral, crescendo. Porm, num Pas subdesenvolvido, que acumula o atraso, isso no ocorre: a sociedade no capaz de reagir suficientemente para modificar o quadro. No Brasil no se tem esse dinamismo do sistema capitalista, porque os movimentos sociais so fracos. A elevao dos salrios o o que h de mais difcil num pas como o Brasil. Isso uma deformao social, que no fundo o espelho do subdesenvolvimento. Eduardo Pereira Nunes Por isso o subdesenvolvimento no uma etapa do desenvolvimento, mas uma deformao. Os pases mais desenvolvidos Estados Unidos, Europa ocidental e Japo so aqueles que ao longo do seu processo de desenvolvimento sempre realizaram polticas ativas de desenvolvimento cientfico, tecnolgico, procurando promover o crescimento e a distribuio da renda nacional. Olhando os pases menos desenvolvidos o senhor tem destacado a enorme desigualdade social. Como explicar que o Brasil, que procura elimin-la, enfrente tanta dificuldade no cenrio internacional, por exemplo, no mbito da Organizao Mundial do Comrcio, para executar as suas polticas ativas? E os pases que um dia as praticaram so os que hoje se opem a prticas semelhantes adotadas pelo Brasil? Celso Furtado Essa a realidade. muito difcil enfrent-la porque as foras organizadas so, na verdade, contra os pases pobres. Na OMC todos os debates so para preservar os privilgios dos pases ricos. A poltica americana nesse quesito muito clara. Na Unio Europia, passa-se o mesmo. No existe globalizao quando se trata da necessidade de repensar o mundo. Hoje em dia proibido subsidiar as exportaes, como antigamente o Brasil tanto fez. O poder est se concentrando em todos os planos e isso vai criar dificuldades novas. Evidentemente, o que esperamos que pases como o Brasil se unam para lutar por novas formas de desenvolvimento.

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SECULOX X X XPor outro lado, eu me pergunto se o Brasil precisa tanto desse apoio externo para se desenvolver. H uma abundncia to grande de recursos naturais, de mo-de-obra subempregada, de capacidade tcnica, e mesmo cientfica! Ento, por que no buscar um caminho prprio para se desenvolver? Entre a dcada de 30 e a de 70 o Brasil se desenvolveu fortemente, foi um dos pases que mais cresceram no mundo. Pode-se argumentar que tnhamos a faca e o queijo na mo. Hoje diferente, sem dvida. Mas fico pensando se nas condies atuais o Brasil pode voltar a crescer, quando seu setor externo enfrenta srias limitaes e a participao de seu comrcio exterior na renda nacional se reduziu de cerca de 20% para 8%. No passado, quando o Brasil sofreu as conseqncias de uma poltica internacional de reduo de espao, voltouse para o mercado interno, deixou de crescer segundo a linha tradicional das exportaes de produtos primrios e das importaes de manufaturas, e investiu na criao de um mercado interno. A descobriu o enorme potencial de seu mercado interno, graas tambm poltica de incentivos. Nessa poca, ainda se podia ter protecionismo, poltica cambial, etc. Alis, a poltica cambial brasileira foi muito inventiva, adotando a taxa mltipla de cmbio. Isso permitiu que o Brasil encontrasse uma maneira de financiar um desenvolvimento expressivo de seu produto nacional, com crescimento para dentro. Mas tudo se perdeu nos ltimos 10 ou 20 anos, quando se passou a afirmar que mercado interno era coisa secundria, que no favorecia o avano tecnolgico; ou seja, o jeito era se acomodar e ficar com uma tecnologia de segunda classe. O resultado dessa mudana a situao atual. O Brasil ter de voltar a pensar no seu mercado interno e abrir, assim, espao para crescer. Eduardo Pereira Nunes Falemos um pouco mais sobre o mercado interno, que sempre foi uma preocupao sua. Em 1961, o senhor apresentou no seu livro Desenvolvimento e subdesenvolvimento as idias sobre o subdesenvolvimento brasileiro, e destacou a importncia da distribuio de renda para o fortalecimento do mercado interno brasileiro e a superao do atraso econmico e social do Pas. Hoje, continua afirmando que o fortalecimento do mercado interno fundamental para a sustentabilidade do desenvolvimento brasileiro. Tambm no seu livro de 1968, Um projeto para o Brasil, preparado para debater no Congresso Nacional as perspectivas do desenvolvimento brasileiro, o senhor afirmava que o crescimento apoiado no mercado interno dependia, necessariamente, da prvia distribuio da renda. Caso contrrio, o Pas correria o risco de cair em uma estagnao econmica. Vou ler aqui alguns dados do livro do IBGE sobre as Estatsticas do Sculo XX. Em 1960, a parcela da renda nacional apropriada pelos 10% mais ricos do Pas era 34 vezes maior que a renda dos 10% mais pobres. Em 1990, essa proporo passou para 78 vezes! As Estatsticas do Sculo XX revelam portanto que, ao longo desse perodo, a desigualdade social no Brasil cresceu e, com ela, cresce a dificuldade de se promover o desenvolvimento e a justia social numa economia voltada para o mercado interno, em virtude da excluso social. E esse j era o motivo da sua preocupao na obra de 1968, Um projeto para o Brasil.

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Celso Furtado O problema j estava todo colocado. Naquela poca, ficou muito claro para ns que o mercado interno representava um trunfo para o Brasil crescer. Logo, era importante mostrar como uma poltica que o privilegiasse poderia contribuir para a promoo do desenvolvimento econmico e social do Pas. o que exponho em Um projeto para o Brasil. A meu ver, a poltica de distribuio de renda era a nica forma de fazer com que esse mercado interno se traduzisse em poder de compra para a populao. Eduardo Pereira Nunes Mercado interno, distribuio de renda, incluso social, poder de compra, consumo de massa e desenvolvimento econmico e social caminham passo a passo. Celso Furtado Veja como a coisa perversa: ao concentrar a renda, voc cria uma minoria de alto nvel de vida, que tem acesso a um mercado privilegiado. Esse mercado privilegiado de objetos de luxo, mas pequeno, e no leva muito longe. Portanto, o mercado interno que tem de se transformar em mercado de massa. E para haver um mercado de massa, preciso que a renda seja redistribuda. uma luta que integra, por um lado, a questo de privilegiar o mercado interno e, por outro, a de privilegiar a desconcentrao da renda. Qualquer poltica econmica, para ser eficaz, tem de levar em conta o consumo de massa, essencialmente, popular. Pode parecer demagogia, mas a verdade essa: o Brasil tem todos os meios para sair rapidamente da situao em que est e avanar por muitos anos. Veja os dados da distribuio de renda na ndia, que publiquei em meu livro mais recente. O povo na ndia tem mais ou menos o nvel de vida do povo no Brasil, mas a classe rica na ndia pesa muito menos, sendo dez vezes menos rica do que a brasileira. O Brasil poderia ter uma forma de distribuio de renda distinta, sem deixar de ser capitalista. Tenho a impresso de que hoje em dia dispomos dos meios para resolver esse problema. Os dados estatsticos disponveis atualmente confirmam a tese que havamos formulado desde os anos de 1950, segundo a qual a dinmica da economia brasileira leva inexoravelmente concentrao da renda. A raiz desse problema, conforme j expliquei, est no comportamento das elites que se empenham em reproduzir os padres de consumo dos grupos de altas rendas dos pases mais ricos. Nos perodos de fraco crescimento, esse problema se agrava muito e cresce a responsabilidade do poder pblico. Ento, o primeiro objetivo deveria ser o de recuperar o nvel da taxa de poupana de meio sculo atrs. Eduardo Pereira Nunes De que forma a concentrao de renda afeta o desenvolvimento social e econmico do Pas a longo prazo? Celso Furtado A concentrao de renda representa um custo em divisas para a economia brasileira, pois pode agravar essa tendncia ao desequilbrio externo, que, por sua vez, leva a um permanente endividamento. A concentrao de renda corresponde, digamos, necessidade de se fabricarem automveis de luxo. Estes, por sua vez, tm um custo em divisas muito elevado, pois vrios de seus componentes so importados. Assim, boa

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SECULOX X X Xparte do setor industrial se deforma para produzir artigos de luxo e essa transformao duplamente perversa, pois os produtos de alto contedo de divisas agravam a tendncia do Pas escassez de divisas. De um lado, piora a concentrao da renda, de outro, piora o desequilbrio externo. Eduardo Pereira Nunes E, depois, torna-se necessrio adotar polticas especficas para o seu pagamento, ou renegociao... Celso Furtado A tendncia a se endividar parece, de fato, uma condenao, mas est ligada concentrao da renda. Quando a renda cresce, cresce mais que proporcionalmente a demanda de importaes; os grupos de alta renda exigem produtos mais nobres, importados, querem as ltimas novidades. Analisando as estatsticas do IBGE sobre o Sculo XX, vemos que, hoje, o Pas produz grande parte desses produtos nobres, mas so as firmas estrangeiras que os vendem. Isso custa divisas ao Pas, pois preciso pagar royalties e dividendos, ou importar. Quando o custo em divisas aumenta mais do que a prpria renda nacional, cria-se o desequilbrio externo, que torna o pas vulnervel. Este o fulcro da questo. Eduardo Pereira Nunes Os captulos do livro do IBGE sobre as Estatsticas do Sculo XX mostram este problema nas contas nacionais do Brasil. Essas estatsticas mostram que, hoje em dia, a economia brasileira tende a pagar ao exterior um volume de divisas com a importao de mercadorias e servios, com rendas de juros da dvida externa e com dividendos, muito maior do que recebe com as exportaes e rendas. Celso Furtado Este um problema difcil de resolver porque a populao deseja gastar em divisas, deseja viajar para a Europa, os Estados Unidos, deseja consumir produtos modernos. So gastos nobres. Mas quantos brasileiros podem realizar esses desejos? O gasto em divisas representa uma sangria do fator mais escasso no Brasil: os dlares. Se no tivermos divisas para pagar, teremos de pedir emprestado, aumentando a dvida ainda mais. Por isso eu digo que precisamos de uma poltica de equilbrio da balana de pagamento distinta da atual. Quando fui Ministro do Planejamento, classificamos as importaes brasileiras em cinco categorias. De acordo com essa classificao, os produtos pouco essenciais, suprfluos para a economia do Pas, eram negociados a uma taxa de cmbio muito mais alta que a dos produtos essenciais. Assim, o Brasil tinha o dlar de 40 mil ris e o dlar de 200 mil ris, de acordo com o produto. E assim voc tinha uma discriminao e desencorajava as importaes de produtos no essenciais. Hoje o FMI no permite polticas discriminatrias. O Pas no tem autonomia, tem de se subordinar s regras do FMI, no pode discriminar as importaes de luxo. Da a situao de grande fragilidade externa na economia brasileira. Foi ao aprofundar o estudo desse problema que percebi seu forte componente cultural. O brasileiro tende a reproduzir padres de consumo que vm de fora, baseando-se na noo de que o produto importado melhor.

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A classe de renda alta tem poder aquisitivo para comprar os produtos mais caros do mundo. Mas so poucos os que esto nessa situao. Assim, se voc permite que a economia opere sozinha, isto , de acordo com as regras do livre-mercado e sem polticas discriminatrias, ela engendra uma demanda por importaes de bens e servios muito maior do que a capacidade de exportar do pas. Da o desequilbrio permanente da balana de pagamentos, que culmina na dvida externa, nas privatizaes, na atrao de capitais de curto prazo. Em condies adversas, um pas dependente do endividamento externo apela para a importao do capital de curto prazo para fechar o seu balano de pagamentos. Mas essa iniciativa faz com que a dvida do governo cresa. Da a necessidade de termos uma poltica permanente para evitar a sangria de divisas, fator to caro no Brasil. Hoje, essas polticas s so adotadas quando ocorre uma crise no balano de pagamentos que afete a confiana dos investidores. Eduardo Pereira Nunes Os dados das contas nacionais do Brasil, includos nas Estatsticas do Sculo XX, revelam que a nossa taxa de investimento era de cerca de do PIB nos anos 70 e agora se encontra no patamar de 20%. Nos ltimos 30 anos do sculo passado, tivemos uma dcada de crescimento, os anos 70, e duas outras de estagnao econmica, os anos 80 e 90. A pergunta que eu fao a seguinte: at que ponto essas duas ltimas dcadas refletem aquela sua preocupao com a estagnao econmica e social do Pas que o senhor j havia apontado no seu livro Um projeto para o Brasil? Celso Furtado Os problemas fundamentais so os mesmos. O Brasil avanou em muitos setores, mas perdeu em capacidade de autogoverno. Hoje tem dificuldade para se defender da grande vulnerabilidade do setor externo. Antes do golpe militar de 1964 participei de trs governos, e naquela poca tnhamos a possibilidade de condicionar as importaes poltica de cmbio mltiplo e ao controle de cmbio. O Brasil renunciou a tudo isso, renunciou alavanca de poder. Hoje, o governo receia uma corrida contra o real. A qualquer instante, como ocorreu em 1998, 1999 e 2002, pode haver uma sada de 20, 30 bilhes de dlares, deixando o Pas completamente vulnervel. O Brasil tem recursos externos limitados. So poucos os seus meios de autodefesa. Ao mesmo tempo, vive aterrorizado com a ameaa da retomada da inflao. uma ameaa, no h dvida. Mais grave, contudo, a perda das alavancas de poder. Precisamos voltar a ter uma poltica cambial ativa. O FMI um fantasma usado por naes poderosas para que as indefesas no tenham uma poltica prpria. Governar o Brasil uma tarefa difcil, porque os meios de controlar a situao econmica e seguir uma determinada poltica so limitados. O Pas tem grandes possibilidades, mas vulnervel no curto prazo. Bastam dois ou trs boatos em Londres dizendo que o Ministro da Fazenda vai cair para o cmbio flutuar seriamente e abalar a taxa de juros.

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SECULOX X X XEduardo Pereira Nunes Podemos dizer que o rpido crescimento dos anos 70 criou uma iluso de que seria possvel crescer sem promover a distribuio de renda, ou isso seria um mito, como o senhor escreveu, em 1974, no seu livro O Mito do desenvolvimento econmico? Celso Furtado Quando escrevi esse ensaio era muito mais limitado o conhecimento que tnhamos da realidade do subdesenvolvimento. Hoje vemos com clareza que o crescimento no condio suficiente para superar o subdesenvolvimento. S se consegue isso mediante reformas estruturais importantes. Naquela poca tampouco se tinha conscincia da gravidade do problema da concentrao de renda. O Brasil optou por financiar grandes projetos nos anos 70 com financiamento externo privado, numa poca de inundao de recursos lquidos. Isso mudou rapidamente quando teve incio a crise americana, em 1979. Foi ento que o Brasil teve de enfrentar uma situao nova, de endividamento de curto prazo. No incio dos anos 90, comeou uma nova fase de abundante liquidez. Mas, de novo, foi seguida por outra fase de retrao de recursos, aps as crises do Mxico, da sia e da Rssia, iniciadas em 1994. Agora, ningum mais confia em financiamento internacional, seno em condies muito bem estudadas, pois como j no h controle de cmbio e das taxas de juros, tudo mais incerto, e no se sabe quem responder pelas conseqncias. Eduardo Pereira Nunes O senhor est enfatizando bastante o problema da vulnerabilidade externa de pases como o Brasil. So vulnerveis e tm muita dificuldade para fortalecer a prpria moeda. Os governos locais tendem a adotar medidas de poltica econmica condicionadas por esses fatores. Esses choques externos s ocorrem em economias que no tm capacidade de gerao prpria da sua poupana, a qual poderia financiar os seus projetos de investimento. Desde os seus tempos de trabalho na CEPAL o senhor j destacava os problemas provenientes da escassez de poupana interna do Brasil. At que ponto o apelo ao capital estrangeiro, seja sob forma de capital de emprstimo, de investimento direto e de capital de curto prazo, representa poupana externa efetiva para o desenvolvimento de economias como a do Brasil? Celso Furtado O que sabemos sobre a histria das economias que o endividamento externo til e operacional deve atuar no curto prazo para resolver problemas de calamidade pblica. Fora disso, todo endividamento deve ser feito em funo da capacidade de pagamento desse capital, que o servio da dvida externa. Ao tomar dinheiro emprestado, voc deve saber que tem que pag-lo com moeda estrangeira, ou seja, com as suas escassas divisas. Ento preciso muito cuidado. Eduardo Pereira Nunes Ns estamos analisando o Sculo XX, no qual o PIB do Brasil cresceu 100 vezes. Essa uma contradio da sociedade brasileira: o Pas cresceu 100 vezes em um sculo e estamos aqui falando

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de todos os seus problemas. Um Pas que cresceu cem vezes no poderia ter tantos problemas. Mas o senhor aqui deu uma aula de quantas alternativas a sociedade brasileira tem para ser mais desenvolvida. Ao longo de sua obra o senhor fala desse dilema: no basta crescer; preciso repartir os seus frutos por toda a sociedade brasileira. Se olharmos agora para o Sculo XXI, quais seriam os conselhos que o senhor poderia dar para os novos cientistas sociais? Como devem trabalhar para dar um sentido mais igualitrio a toda a sociedade brasileira? Celso Furtado Esta a pergunta que cada brasileiro deve fazer a si mesmo: por que o desenvolvimento brasileiro foi to desigual? Por que existe essa injustia to profunda? O Brasil um Pas com tantos recursos e com uma massa enorme de gente excluda. uma profunda injustia. O fenmeno da excluso social a questo que ns todos nos colocamos. J ningum se satisfaz com meias medidas. H uma enorme preocupao com o problema da fome e da excluso social. O Brasil criou uma elite capaz, investiu na classe mdia alta, mas investiu muito pouco no povo. Temos ento essa massa desvalida, sem o mnimo necessrio para exercer a sua cidadania. Um pas como o Brasil tem sempre problemas novos, pois est em formao. Em meu livro Brasil, a construo interrompida, publicado h pouco mais de dez anos, mostrei que a edificao do nosso desenvolvimento vinha perdendo flego, reduzindo o seu lan criativo. Agora a situao est se invertendo, o fato de termos eleito um presidente progressista pode ajudar retomada dos debates. J um grande avano estarmos interessados nesse problema. O que antes era tachado de pessimismo, derrotismo, hoje revela um amadurecimento, uma conscincia de que devemos transformar este Pas, e de que a gerao nova vai cumprir sua misso. Que papel caber ao Brasil na cena internacional? E na Amrica Latina, que posio teremos? E como conquistar novos espaos, como o mercado da China? Ainda h muito o que pensar. S espero que a gerao nova encontre um contexto internacional favorvel. Hoje, pensar uma poltica para o Brasil reconhecer que, tendo em conta os compromissos j assumidos internacionalmente, limitada a nossa capacidade de ao. Para os novos cientistas sociais, eu digo, primeiramente: pacincia. Pacincia para completar a construo deste Pas. J cheguei a uma fase da vida em que propriamente no me preocupo com o futuro. Mas meu otimismo no desapareceu, embora reconhecendo que a responsabilidade dos que vo assumir o comando na prxima gerao muito grande. Por isso, a mensagem que deixo para os novos cientistas sociais a seguinte: em seus trabalhos como pesquisadores no hesitem em formular hipteses arrojadas. Assumam riscos. Sem isso, o conservadorismo que nos cerca por todos os lados deglutir a todos. Eduardo Pereira Nunes Professor Celso Furtado, antes de encerrar, gostaria de uma explicao sua. O IBGE produziu as Estatsticas do Sculo XX, mas parte das nossas estatsticas sobre esses 100 anos foi construda a partir de informaes criadas pelos prprios usurios, j que o IBGE tem apenas 67 anos de idade. Sabemos que o senhor foi um grande pesquisador e, diversas vezes, muito criativo na utilizao de fontes alternativas de

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SECULOX X X Xinformao para construir os seus modelos de interpretao da realidade. Sua obra sobre a Formao econmica do Brasil um exemplo da sua capacidade de investigao. O que o pesquisador, professor, cientista social Celso Furtado poderia nos dizer a respeito desse perodo em que construiu suas prprias estatsticas para, num momento posterior, ser um grande usurio das estatsticas do IBGE? Celso Furtado Essa uma pergunta que nunca ningum me fez. Estudei a economia brasileira sculo a sculo, a partir do Sculo XVI. Fiz isso com um pouco de engenho e arte porque s dispunha das informaes que estavam nos documentos histricos brasileiros. Aprendi desde cedo com meus professores da escola austraca que os dados estatsticos so to importantes que, no existindo, indispensvel invent-los. Estimativas aproximativas do processo de formao de capital e de renda nacional nos anos 40 do sculo passado nos permitiram formular muitas hipteses teis para penetrar na realidade da economia brasileira. O importante era manter-se na vanguarda nesse esforo de descobrir novas fontes de informao. Como voc sabe, para medir o fluxo de renda naquela poca era preciso ser engenhoso. Na verdade, atrevi-me a imaginar as contas nacionais do Brasil antes que elas tivessem sido estimadas por rgos oficiais. Mas o fato que os trabalhos do IBGE, nesse meio sculo em que venho estudando o Brasil, ajudaram-me a entender o Pas. A primeira vez que vi estatsticas histricas, abrangendo o Sculo XIX, por exemplo, foi numa publicao do IBGE. A partir da, fiquei pensando se no seria possvel sistematizar aqueles dados e abrir um debate sobre a natureza do atraso da economia brasileira. O que me impressionou, nos primeiros anos em que trabalhei na CEPAL, quando eu era muito jovem e cheio de idias, foi o atraso acumulado da Amrica Latina. Mxico, Chile e Argentina j tinham at clculo de renda nacional, ao passo que o Brasil tinha umas estimativas curiosssimas, feitas a partir de tcnicas muito primitivas. Mais tarde, o trabalho feito pelo IBGE para aperfeioar as estatsticas brasileiras foi fantstico. Eu no tenho nenhuma dvida de que foi esse avano que permitiu formar uma conscincia nacional do nosso atraso, da gravidade dos problemas sociais.

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Vila da Felicidade, Manaus, AM. Foto: Jos Caldas - BrazilPhotos.

* Graduado em Filosofia e Ph.D. em Cincia Poltica (Universidade de Stanford), professor titular (aposentado) de Teoria Poltica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Diretor do Laboratrio de Estudos Experimentais e Pr-Reitor de Anlise e Prospectiva da Universidade Cndido Mendes. Distinguido pela Guggenheim Foundation, Comendador da Ordem do Baro do Rio Branco, da Ordem Nacional do Mrito Cientfico e da Ordem da Cultura Nacional e Prmio Moinho Santista, membro titular da Academia Brasileira de Cincias. Publicou, entre outros, Razes da Desordem 3 edio, Rio de Janeiro: Rocco, 1994, Dcadas de Espanto e uma apologia democrtica, Rio de Janeiro: Rocco, 1998, Roteiro Bibliogrfico do Pensamento Poltico-Social Brasileiro (1870-1965): Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2002 e O Clculo do Conflito Estabilidade e Crise na Poltica Brasileira, Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003.a

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O BRASIL SOCIAL CONTADO PELO IBGE NO SCULO XXWANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS*

exigente do que algum ocasional curioso, de pesquisar. Variando os interesses do pesquisador, iro se alterar igualmente os motivos para satisfao ou circunstancial desnimo. Naturalmente, no estaro dispostas nestes arquivos todas as sries desejadas, nos perodos pretendidos, e possivelmente nem mesmo se encontraro informaes que, no obstante existentes, e aqui recolhidas, no tenham sido designadas no passado conforme a nomenclatura atualmente consagrada. Reiterada observao dos colaboradores informa justamente que o sistema classificatrio oficial modifica-se ao longo dos anos, talvez decnios. Com freqncia, as mudanas, em si prprias, indicam a complexidade crescente da sociedade, exigindo a desagregao de rubricas e a redefinio de outras. Aperfeioamento inegvel, ao preo, contudo, de dificultar a comparabilidade dos dados sem prvio investimento de reclassificao. Sirvam, como exemplo, as informaes sobre o que contemporaneamente entendemos por associativismo, que compreendia, sobretudo na metade do sculo passado, as organizaes filantrpicas privadas e os asilos pblicos, e que, dispensando os asilos, passou a distinguir, mais recentemente, as associaes voluntrias e de interesse. Ocorre, tambm, o surgimento de sries consistentes de informaes sobre temas inexistentes anteriormente ou de registro altamente fragmentrio e, outra vez, testemunhando importantes mudanas sociais. o caso, sem dvida, das estatsticas eleitorais, de presena constante e relevante depois da redemocratizao de 1945. Faz parte da anlise poltica a considerao de que, de fato, as eleies s adquiriram o atributo de imprevisibilidade, caracterstica dos processos competitivos ps-oligrquicos, com o fim do Estado Novo. Estudiosos interessados no que correntemente se inclui no conceito de capital social, cultura cvica ou cultura poltica no deixaro de anotar as lentes com que os estratos intelectuais do passado examinavam certos fenmenos tais como desquites, suicdios ou taxas de criminalidade. Em particular informaes sobre raa, gnero e educao de encarcerados e apenados reclamaro o cuidado dos investigadores.

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As estatsticas brasileiras aqui consolidadas no dispensam os esforos de redefinio, reclassificao e mensurao. Em uma palavra, no desobrigam o usurio profissional, mais

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SECULOX X X XSem surpresa, as estatsticas populacionais so, se no me equvoco, as que melhor atendero s expectativas do pesquisador moderno. Pela quantidade e pela qualidade, as sries demogrficas disponveis propiciam enorme economia de tempo e de investimento na preparao de dados - o que poder ser observado, inclusive, nas listas de observaes negativas e favorveis dos ensaios introdutrios, menos enfticas, as negativas, em relao s estatsticas demogrficas. minha impresso, alis, espero que sem impropriedade, que parte da sensao de frustrao, sublinhada por praticamente todos os colaboradores, se deve, precisamente, descoberta, surpreendente, da riqueza de informaes acumuladas durante o Sculo XX. Juzo ponderado sobre os trabalhos de coleta e registro dessas informaes, quando a absoro do instrumental estatstico ainda se encontrava em estgio inicial, refiro-me, particularmente, primeira metade do sculo passado, deve levar em considerao as estatsticas de outros pases - e no s latino-americanos - e o empreendimento de recuperao e restaurao delas que, em algum momento, todos esses pases realizaram. So recentes, por exemplo, as publicaes sobre as elites polticas inglesas, membros do parlamento e dos gabinetes. Vale a pena observar, em relao a este tpico, que as estatsticas polticas do II Imprio brasileiro so inesperadamente completas e relativamente confiveis. Mas este tpico ultrapassa os limites da presente publicao. Cada um dos ensaios introdutrios traz a descrio do que, em geral, os estudiosos encontraro de relevante nas estatsticas. Ademais, os atuais comentadores no resistiram e aceitaram o atraente convite, insistentemente emitido pelos dados, a que sugerissem pistas de anlise e, tambm, sugestes no sentido de tornar as estatsticas mais ajustadas s demandas do presente. Com o sentimento de segurana que a contemporaneidade estimula, supe-se que, finalmente, seria possvel elaborar um sistema classificatrio que viesse a servir aos interesses de todos os pesquisadores futuros. Se verdade que, sem tal pretenso, dificilmente se produziria o nimo para o aperfeioamento do presente, em qualquer de seus aspectos, bastante provvel tambm que, no futuro, talvez mais breve, talvez mais remoto, o resultado do tempo e das aes que o presente favorece venham exigir novo esforo de atualizao. Reclamaro os jovens colegas de ento, com toda certeza, de nossa falta de discernimento e previso. Creio que isso ser um bom sinal. Estou seguro de que no violarei gravemente o formalismo de apresentaes semelhantes se deixar assinalados meus agradecimentos pelo convite do Dr. David Wu Tai para coordenar a rea de temas sociais desta publicao. Aos colegas que concordaram em cooperar com esta iniciativa e que, superando obstculos por todos imprevisveis, conduziram a tarefa ao seu final, meu profundo reconhecimento.

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Cinco moas de Guaratinguet, 1930 Di Cavalcanti leo sobre tela 92 x 70 cm Museu de Arte de So Paulo Assis Chateaubriand - MASP.

*Ph.D. (1978) em Sociologia pela Universidade de Michigan, EUA; Pesquisador Titular (aposentado) do Laboratrio Nacional de Computao Cientfica e Professor Titular do Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ/UCAM. Autor de Cor e Estratificao Social no Brasil, Rio: Contra Capa, 1999 (em colaborao com Carlos Hasenbalg e Mrcia Lima) e de Mobilidade Social no Brasil, So Paulo: Makron Books, 1999 (em colaborao com Jos Pastore). ** Doutora em Sociologia pela UNICAMP. Professora do Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou Um Toque de Clssicos - (co-autoras: Marcia Gardnia M. Oliveira e Tania B. Quintaneiro), Editora da UFMG, 1995 e 2002; Combater a Pobreza Estimulando a Freqncia Escolar: O Estudo de Caso do Programa Bolsa-Escola do Recife - Dados, vol. 43, n. 3, 2000. pp. 447-477. (coautora: Lena Lavinas); Eficincia e eqidade: os impasses de uma Poltica Educacional, revista Brasileira de Poltica e Administrao da Educao, Porto Alegre, v. 14, n. 2, pp. 211-242, 2001. (Co-autora: Laura da Veiga); Para onde vai a classe mdia: um novo profissionalismo no Brasil? Revista Tempo Social/ USP:volume 10, n. 1- maio de 1998, pgs. 129-142.

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POPULAO E ESTATSTICAS VITAISNELSON DO VALLE SILVA* E MARIA LIGIA DE OLIVEIRA BARBOSA**

2000, a populao brasileira atingiu em 1 de agosto daquele ano um total de 169 590 693 habitantes presentes1. Comparando com o ltimo dia do ltimo ano do sculo anterior, quando a populao recenseada havia indicado um contingente de apenas 17 438 434 residentes, podemos dizer que a populao brasileira praticamente decuplicou durante o Sculo XX. Se considerarmos o no to longnquo ano de 1970 o ano da Copa do Mxico os 90 milhes em ao de ento (mais precisamente,Mulher no interior do Piau , 1998. Foto Jos Caldas - BrazilPhotos.

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e acordo com os resultados do Censo Demogrfico

93 139 037 habitantes) cresceriam em 82% nos 30 anos seguintes. Em qualquer contabilidade que se faa, trata-se de um crescimento impressionante: a populao que j havia quase triplicado durante a primeira metade do sculo, atingindo 51 941 767 de pessoas em 1950, mais que triplica novamente na sua segunda metade2. Alm disso, devemos esperar um crescimento ainda vigoroso no futuro. As1 Cf. SINOPSE PRELIMINAR DO CENSO DEMOGRFICO 2000 (v. 7, 2001, Tabela 1). 2 A principal fonte de informaes populacionais no Brasil so os Censos Demogrficos. Estes, em princpio, deveriam ser decenais. Mas, na verdade, apresentam uma histria atribulada. Os dados relativos cidade do Rio de Janeiro no Censo de 1900 foram considerados deficientes e os resultados referentes ao Distrito Federal cancelados. Um novo recenseamento do Estado do Rio de Janeiro foi ento feito em 1906. Por razes de ordem poltica o recenseamento de 1910 foi suspenso. O mesmo ocorreu com o Censo de 1930. O Censo de 1920 foi considerado deficiente, com uma aparente superestimao de cerca de 10%. Por outro lado, os Censos de 1940,1950 e 1970 so considerados exemplares. Um escndalo administrativo suspendeu o processamento do Censo de 1960, o qual s foi completado, ainda de forma precria, quase 20 anos depois. Os censos posteriores enfrentaram crescentes problemas operacionais no levantamento de campo. O censo previsto para 1990 foi adiado para o ano seguinte, novamente por problemas poltico-administrativos, sem que esse adiamento, no entanto, resultasse em ganhos de qualidade em relao aos censos anteriores.

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POPULAO E ESTATSTICAS VITAIS

Grfico 1- Populao residente - Brasil - 1900/2000180 000 160 000 140 000Total da populao

120 000 100 000 80 000 60 000 40 000 20 000 01900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000

Ano do recenseamentoFonte: Sinopse preliminar do censo demogrfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 7, 2001.

ESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS

projees mais recentes feitas pelo IBGE3, que certamente devero sofrer algumas revises menores dada a recente disponibilidade dos resultados do Censo 2000, indicam-nos que devemos esperar que pelo menos mais 40 milhes de pessoas devero ser acrescentadas ao total da populao do Pas (Grfico 1). No entanto, o crescimento extraordinrio da populao no apenas uma peculiaridade brasileira. O rpido alguns diriam, explosivo crescimento populacional um importantssimo aspecto de nossa poca e a caracteriza como um perodo sem precedentes na histria da Humanidade. Na verdade, nunca esta passou por uma fase de igual crescimento populacional, tanto globalmente como em suas diversas regies. Segundo estimativas de J. Durand, do ano 1 da era crist at 1750 a populao do mundo cresceu de cerca de 500 milhes para um total de aproximadamente 800 milhes de pessoas. O meio do Sculo XVIII marca uma mudana extraordinria no padro de crescimento populacional, verificando-se uma acentuada acelerao na taxa de

crescimento que, de resto, acompanha de perto a chamada revoluo industrial, centrada particularmente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos da Amrica. A taxa anual de crescimento populacional, que foi de cerca de 0,56 por mil habitantes por ano durante o perodo 1 d.C. 1750 d.C., elevou a 4,4 por mil entre 1750 e 1800, resultando desse crescimento uma populao mundial de cerca de 1 bilho de pessoas. Por volta de 1850, a populao do mundo era de cerca de 1,3 bilho de pessoas, e em 1900 atingiu aproximadamente 1,7 bilho, o que representa taxas de 5,2 e 5,4 por mil ao ano para cada metade do Sculo XIX, respectivamente. Segundo estimativas da ONU, a populao mundial em torno de 1950 compreendia cerca de 2,5 bilhes de pessoas, o que, se for comparado com o 1,7 bilho para 1900, implica uma taxa anual mdia de 7,9 por mil para a primeira metade do Sculo XX. As estatsticas para perodos mais recentes so ainda mais impressionantes. No terceiro quartel do sculo passado, a taxa de crescimento mais que duplicou, atingindo a marca anual de

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Veja dados em: Anurio Estatstico do Brasil 1998, Tabelas 2.6-2.8.

NELSON DO VALLE SILVA E MARIA LIGIA DE O. BARBOSA

IBGEentanto, o ritmo de crescimento populacional rapidamente volta a se intensificar, subindo at atingir um pico histrico de 2,99% ao ano entre 1950 e 1960. A trajetria descendente ento retomada, inicialmente de forma lenta durante a dcada seguinte e de forma bem mais acentuada da em diante. A taxa de crescimento estimada para a ltima dcada do sculo, embora maior do que o seu valor mnimo durante o perodo, atingiu o nvel de 1,63% anual em mdia (Grfico 2). Ao que tudo indica, esta trajetria descendente dever permanecer no futuro, projetando-se para o ano de 2020 um crescimento populacional em torno de 0,71%. O primeiro fato a ser compreendido sobre o crescimento da populao brasileira diz respeito s causas das elevadas taxas de crescimento no incio do sculo e do abrupto declnio destas no perodo subseqente. Para isto devemos examinar a evoluo dos componentes do crescimento populacional ao longo do sculo (Grfico 3). Neste caso, fica evidente que a migrao internacionalESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS

17,1 por mil, da qual resultou uma populao em torno de 1980 estimada em cerca de 4 bilhes de pessoas. Assim, o Brasil foi parte desse quadro de crescimento historicamente sem precedentes, marcado no apenas pelas elevadas taxas com que nossa populao cresceu no ltimo sculo como tambm pelo crescimento muito substancial que ainda temos garantido para o futuro prximo. Fica, no entanto, a questo: quais causas e quais os mecanismos que deram origem a esse crescimento extraordinrio da populao mundial em geral, e da populao brasileira em particular? Como se comportou a populao brasileira no ltimo sculo ? Examinando-se as taxas mdias de crescimento da populao brasileira durante o Sculo XX4, observamos que estas se encontravam num patamar muito elevado nos dois primeiros decnios (uma taxa de 2,91% ao ano), decaindo imediatamente nas duas dcadas seguintes para um nvel que se revelou como o mais baixo de todo o sculo (1,49% anual). A partir dos anos de 1940, no

Grfico 2 - Taxa mdia geomtrica de crescimento anual - Brasil - 1900/20003,5

Taxa geomtrica de crescimento anual

3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,01900/1920 1920/1940 1940/1950 1950/1960 1960/1970 1970/1980 1980/1991 1991/2000

Perodo intercensitrioFonte: Sinopse preliminar do censo demogrfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE, v. 7, 2001.

4

Cf. SINOPSE PRELIMINAR DO CENSO DEMOGRFICO 2000 (v. 7, 2001, Tabela 1).

IBGE

POPULAO E ESTATSTICAS VITAIS

Grfico 3 - Componentes do crescimento da populao brasileira - 1900/200045 40 35 30 25 20 15 10 5 0 -5

Taxa (por mil)

1900-1910

1910-1920 1920-1930 1930-1940

1940-1950

1950-1960

1960-1970

1970-1980

1980-1990

1990-2000

DcadaCrescimento total (N-M+I) Migrao lquida (I) Natalidade (N) Mortalidade (M)

Fonte: Anurio estatstico do Brasil 1990. Rio de Janeiro: IBGE, v. 50, 1990; Anurio estatstico do Brasil 1997-1998. Rio de Janeiro: IBGE, v. 57-58, 1998-1999.

ESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS

contribua de forma muito significativa para o crescimento da populao desde o final do sculo anterior at as primeiras dcadas do Sculo XX. Enquanto que o crescimento natural (isto , o saldo entre nascimentos e mortes) pode ser estimado em cerca de 19 por mil habitantes durante as quatro primeiras dcadas do sculo, a contribuio da imigrao pode similarmente ser estimada em 2 por mil durante este mesmo perodo, ou seja, a migrao externa respondia por cerca de 10% do crescimento populacional no perodo. Na verdade, o forte impacto da imigrao estrangeira j datava do final do sculo anterior. Com a abolio formal da escravatura em 1888 e a carncia decorrente de mo-de-obra agrcola, um esforo de recrutamento de trabalhadores estrangeiros foi desenvolvido no s pela iniciativa privada como pelos governos federal e estadual, atravs do subsdio dos custos de transporte para o Brasil. Dessa forma, estima-se que um total de quase 5 milhes

de pessoas emigraram para o Pas entre 1887 e 1957, sendo este contingente formado em cerca de 32% por italianos, 31% por portugueses, 14% por espanhis e 4% por japoneses. O pico deste influxo imigratrio se deu na ltima dcada do Sculo XIX, quando mais de 1 milho de imigrantes ( majoritariamente italianos, com destino a So Paulo) aportaram aqui, estimando-se que isto representou quase um quarto do crescimento populacional total no perodo5. O influxo de imigrantes resultou no agravamento do conflito no mercado de trabalho, opondo os trabalhadores nacionais aos estrangeiros, tendo constitudo foco de agitao popular em vrias regies durante as primeiras dcadas da Repblica, especialmente no Rio de Janeiro, onde foi forte o movimento dito jacobino e freqentes os episdios chamados de mata galegos, opondo violentamente trabalhadores brasileiros e portugueses6. Assim, tendo em vista a proteo ao trabalhador nacional,

5 6

Cf. SMITH (1972). Veja, por exemplo, Ribeiro (1990).

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IBGEbem maior de imigrantes, em detrimento daquela de origem asitica. A partir da dcada de 1930 a imigrao perde sua relevncia na determinao da taxa de crescimento da populao brasileira, no s pelo decrscimo do nmero de imigrantes em termos absolutos, mas tambm e sobretudo pelo aumento muito forte do crescimento natural desta populao, especialmente em meados do sculo. Na dcada de 1960 a contribuio da imigrao externa ao crescimento populacional brasileiro j havia se tornado irrelevante. De qualquer forma, mesmo sendo relativamente modesto, cabe se observar que as ltimas dcadas do Sculo XX presenciaram o nascimento de um fato supostamente sem precedentes histricos. Neste perodo, resultante das seguidas crises econmicas que comeam a se manifestar no Brasil a partir da primeira crise do petrleo em 1973, e que se agravam no incio dos anos de 1980, assistimos inaugurao de sensveis movimentosESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS

emigratrios por parte de brasileiros em busca de melhores oportunidades em outros pases7. Embora a imigrao tenha sido fundamental para a formao da populao em diversas regies brasileiras (destacando-se os italianos e espanhis em So Paulo e os alemes no Sul), algumas anlises indicam que esta no teve a mesma importncia no Brasil como um todo do que a observada para outros pases da Amrica. Assim, em 1934 o governo federal estabeleceu um sistema de quotas para controlar a entrada de imigrantes. Estas quotas se aplicavam ao total de imigrantes oriundos de cada pas fornecedor, sendo fixadas no valor de 2% do total da imigrao proveniente de cada um destes pases no perodo de 1884 a 1934. Adicionalmente, restringiase o fluxo de imigrao total a 77 mil pessoas por ano. Este sistema, embora fortemente restritivo, caracterizou-se por beneficiar relativamente mais a imigrao de origem europia, que correspondia a um estoque prvio7 8

Filha de colonos alemes. Londrina, PR. Acervo IBGE.

Mortara8, estudando a contribuio da imigrao no crescimento da populao de alguns destes pases entre 1840 e 1940 , concluiu que a imigrao contribuiu de forma direta (os prprios imigrantes) e de forma indireta (seus descendentes) com 19% do aumento populacional brasileiro, comparado com uma contribuio de 58% no caso da Argentina, 44% no caso dos Estados Unidos, e 22% no caso do Canad, o que vale dizer, que a populao de origem imigrante correspondia a 16%, 54%, 36% e 19% das populaes totais daqueles pases, na mesma

Estimativas recentes dos saldos migratrios internacionais so feitas em Carvalho (1996) e Oliveira e outros (1996). MORTARA (1947 apud CLEVELARIO JNIOR, 1997).

IBGEordem. Mortara9 ainda refez seus clculos, baseado na mesma metodologia para o perodo entre 1890 e 1940, concluindo que a imigrao foi responsvel por cerca de 15% do crescimento populacional no perodo, o que indicaria que cerca de 10% da populao brasileira em 1940 tinha origem nos imigrantes aportados no perodo e em seus descendentes. Mesmo sendo as estimativas de Mortara baseadas no pressuposto irrealista de que o crescimento vegetativo das populaes nativas e imigrantes eram idnticas e, portanto, sendo provavelmente subestimativas (dado um suposto maior dinamismo reprodutivo da populao imigrante), como o pressuposto foi aplicado a todos os pases igualmente, parece ser indiscutvel ser bem menor a relevncia da imigrao na constituio da populao brasileira, especialmente quando comparada com os casos da Argentina e dos Estados Unidos10. De qualquer forma, a importncia da imigrao na dinmica populacional uma caracterstica histrica dos pases do Novo Mundo e da Oceania, sendo ainda hoje muito substancial no crescimento da populao dos Estados Unidos. Do ponto de vista histrico, um fator que contribui para dar verdadeiramente um carter de unicidade nossa poca o fato de ter a mortalidade declinado a nveis

POPULAO E ESTATSTICAS VITAIS

nunca antes experimentados, especialmente nos pases desenvolvidos. No entanto, declnios tambm espetaculares ocorreram mais recentemente, na segunda metade do Sculo XX, em muitos pases em desenvolvimento, como, por exemplo, nos pases da Amrica Latina. De fato, o extraordinrio crescimento da populao mundial, a que j nos referimos, pode ser atribudo ao declnio da mortalidade e no, como poderia se pensar, num suposto aumento da natalidade. Embora tal aumento possa ter sido observado em algumas regies de mudana recente (em particular em alguns pases da frica tropical), este aumento responde parcialmente a uma melhora nas prprias condies de sobrevivncia das mes e no desempenha qualquer papel mais significativo em relao ao crescimento populacional. O vertiginoso crescimento experimentado pela populao mundial durante o Sculo XX basicamente resultante da queda espetacular da mortalidade aliada relativa manuteno dos tradicionais e elevados nveis da fecundidade nas sociedades em desenvolvimento por longo espao de tempo durante este perodo. O debate em torno das causas do declnio da mortalidade na Europa tem sido intenso, alguns apontando para os avanos mdicos alcanados j no Sculo XVIII, como, por exemplo, a inoculao e, posteriormente, a vacinao antivarilica; outros sustentando como causa provvel as mudanas em saneamento e higiene pblica que teriam tido um significativo impacto sobre certas causas de morte, como o tifo e o clera. No entanto, o que a experincia dos pases em que a queda da mortalidade se deu mais recentemente (como os pases latinoamericanos) nos ensina que provavelmente as duas causas esto presentes na reduo da mortalidade. O que

ESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS

Coefficiente de Mortalidade- Anno 1907 Fonte: Exposio Nacional de 1908, IBGE.

9

MORTARA (1951 apud CLEVELARIO JNIOR, 1997).

Um quadro evolutivo da imigrao anual para o Brasil no perodo de 1900 a 1968 foi publicado em: Sries estatsticas retrospectivas (1986, v. 1, p. 71, Tabela 2.2.4.1). Similarmente, um quadro para todo o perodo de 1884 a 1951, segundo a nacionalidade do imigrante, encontra-se em: Anurio Estatstico do Brasil 1953, apndice, p. 489.10

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IBGEpode, entretanto, ser tomada com exagerado otimismo. Deve-se observar que comparaes internacionais utilizando-se a taxa bruta de mortalidade devem ser feitas com extrema cautela, uma vez que esse tipo de taxa reflete parcialmente a estrutura por idade da populao. Assim, dada uma mesma situao geral de mortalidade, uma sociedade que tenha uma populao mais velha (ou seja, com uma maior freqncia relativa de pessoas nos grupos de idade mais avanados) apresentar uma taxa bruta de mortalidade maior que aquela obtida para uma sociedade com estrutura etria mais jovem, uma vez que ter um maior nmero relativo de pessoas nas faixas de idade onde a mortalidade maior. O Brasil, como veremos posteriormente, possui uma populao ainda relativamente jovem, o que o favorece quando comparamos sua taxa de mortalidade com as dos pases desenvolvidos, sociedades que, tipicamente, tm populaes velhas. De fato, o Brasil se tivesse uma estrutura etria similar seria bem mais elevada, algo provavelmente em torno de 12 por mil habitantes ao ano. Nesse sentido, mais indicada para comparaes internacionais (e mesmo entre regies de um mesmo pas) a utilizao da expectativa de vida ao nascer, ou vida mdia, medida que independe da estrutura etria da populao.ESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS

tambm essa experincia recente deixa claro que ganhos importantes na mortalidade podem ser obtidos sem nenhuma modificao significativa na situao social das populaes. Na verdade, muitas vezes a evoluo temporal da mortalidade caminha em sentido contraditrio com esta situao social. Os avanos na medicina social, com todo um arsenal farmacutico e de conhecimentos de higiene elementar, resultam em sucessos extraordinrios a custos muito reduzidos. De forma semelhante, melhoramentos relativamente menores no saneamento, particularmente em reas urbanas, resultam geralmente em ganhos substanciais na sade das populaes. Assim, a histria recente registra casos de pases em desenvolvimento com baixssima renda per capita que apresentam redues marcantes em seus nveis de mortalidade, de tal forma que as diferenas entre pases pobres e ricos nessa questo muito menor hoje que em algumas dcadas passadas. Esta narrativa descreve em grande medida a evoluo da mortalidade no Brasil durante o Sculo XX. O nvel de mortalidade no Brasil no final do sculo pode ser estimado em pouco menos de sete mortes por mil habitantes por ano , o que o torna comparvel mdia dos pases desenvolvidos. Histori11

predominante na Europa, sua taxa bruta de mortalidade

camente tambm experimentamos o mesmo processo de espetacular declnio da mortalidade: de uma taxa bruta superior a 30 por mil ao ano durante a maior parte do Sculo XIX, atingimos no final do sculo passado uma taxa correspondente a menos de um quarto da registrada 100 anos antes. Essa taxa relativamente baixa para a populao brasileira no

Quatro homens em Belo Horizonte, MG, 1925. Museu Histrico Ablio Barreto.

11 Cf. Anurio Estatstico do Brasil 1998, Tabela 2.13.

IBGEAdicionalmente, embora tenha havido ganhos espetaculares nas ltimas dcadas , a situao da mortali12

POPULAO E ESTATSTICAS VITAIS

crianas afortunadas o suficiente para sobreviverem ao primeiro ano de vida podiam esperar viver em mdia mais 65,0 anos no caso dos homens (isto , viverem at os 66 anos de idade) e mais 71,1 anos adicionais no caso de mulheres. Isso evidencia os tremendos riscos ainda enfrentados pelas crianas brasileiras no primeiro ano de vida. A situao em pases desenvolvidos bastante diversa. Por exemplo, na Sucia dos anos de 1970, uma criana do sexo feminino tinha uma expectativa de vida ao nascer de 77,7 anos. Ao completar 5 anos sua expectativa de vida adicional era de 73,5 anos, ou seja, deveria sobreviver em mdia at os 78,5 anos, o que mostra que j naquele perodo praticamente nenhuma criana sueca morria antes dos 5 anos de idade. Observe-se que, comparada com a mortalidade infantil, a mortalidade adulta apresentou ganhos relativamente modestos. De fato, associado sobretudo ao aumento da violncia nas cidades brasileiras, tem-se verificado mesmo o aumento da mortalidade em algumas reas,

dade infantil em nosso Pas ainda relativamente preocupante: se, por um lado, observou-se um aumento muito significativo na expectativa de vida ao nascer13 , quase que dobrando ao longo do sculo (a expectativa de vida ao nascer para homens era de 33,4 anos em 1910 e estimada em torno de 62,3 anos em 1990; para mulheres os valores correspondentes eram 34,6 e 69,1 anos, respectivamente), a mortalidade das crianas menores de 1 ano ainda bastante significativa, constituindo ainda um fator relevante para ganhos futuros na expectativa de vida ao nascer. Para se ter uma idia da extenso do problema, recorramos a uma comparao internacional, cotejando-se a expectativa de vida restante a 1 ano de idade com aquela que se tem ao nascer. Como vimos, uma criana do sexo masculino nascida em 1990 tinha uma expectativa de vida estimada em 62,3 anos; o valor correspondente paraESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS

crianas do sexo feminino estimado em 69,1 anos. J as

Grfico 4 - Evoluo da esperana de vida ao nascer - Brasil - 1940/200080 70

Esperana de vida (em anos)

60 50 40 30 20 10 01940 1950 1960 1970 1980 1990 2000

Fonte: Anurio estatstico do Brasil 1990. Rio de Janeiro: IBGE, v. 50, 1990; Anurio estatstico do Brasil 1998. Rio de Janeiro: IBGE, v. 58, 1999.

12 13

Sobre os ganhos na mortalidade infantil, veja Simes (1997). Uma importante contribuio ao tema a de Ferreira e Flores (1987). Cf. Anurio Estatstico do Brasil 1990, Tabelas 7-9.

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IBGEcom menor valor era o Nordeste (38,2 anos), com uma diferena de quase 12 anos entre elas. As demais regies se diferenciavam mais ou menos uniformemente dentro deste intervalo. No final do sculo, todavia, havia-se registrado uma substancial convergncia na expectativa de vida entre as regies: embora o maior valor continuasse a ser observado na Regio Sul, com 68,7 anos em 1990 e, similarmente, a de menor valor no Nordeste, com 64,3 anos naquele mesmo ano, a diferena havia se reduzido a 4,4 anos. Ademais, as diferenas entre as outras regies quase desapareceram, oscilando entre 67,8 anos no Centro-Oeste e 67,4 anos na Regio Norte. Observe-se ainda que as diferenas entre o Nordeste e as demais regies de fato se ampliaram entre 1950 e 1970, a convergncia s ocorrendo aps esta ltima data. A evoluo temporal da mortalidade infantil ao longo do Sculo XX compatvel com esta descrio feita para a expectativa de vida ao nascer, conforme esperado, dado serem os ganhos na sobrevida durante a primeira infncia o pases como o Brasil (Grficos 6 e 7).ESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS

concentrada em jovens do sexo masculino de 15 a 29 anos. Esta , sem dvida, uma tendncia preocupante e que tem contrariado as expectativas mais otimistas propiciadas pelos outros indicadores .14

Quanto evoluo temporal da expectativa de vida no Brasil ao longo das ltimas dcadas (Grfico 4), pode-se dizer que, aps um perodo de ganhos muito substanciais entre 1940 e 1960, quando aumentou em quase 10 anos (indo de 42,7 em 1940 para 52,4 em 1960), os ganhos em sobrevida praticamente se estagnaram na dcada de 1960, para retomar um vigoroso crescimento na dcada seguinte, atingindo 61,7 anos em 1980. A partir da continuam os ganhos, embora em ritmo mais lento, atingindo um nvel estimado em 67,1 anos de vida no ltimo ano do Sculo XX. Um fato importante a se observar quanto expectativa de vida ao nascer que os diferenciais entre grupos sociais e entre regies no Brasil eram historicamente elevados (Grfico 5). Em 1940 a maior esperana de vida15

principal componente no prolongamento da vida mdia em

encontrava-se na Regio Sul (50,1 anos) enquanto a regio

Grfico 5 - Evoluo da esperana de vida ao nascer, por Grandes Regies - Brasil - 1940/199080 70

Esperana de vida (em anos)

60 50 40 30 20 10 01940 1950 1960 1970 1980 1990

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

Fonte: Anurio estatstico do Brasil 1990. Rio de Janeiro: IBGE, v. 50, 1990.

14 15

Veja a este respeito, por exemplo, Albuquerque e Oliveira (1996) e Ferreira e Castieras (1996). Veja, por exemplo, Curtis e McDonald (1991), Wood e Lovell (1992) e Sastry (1996).

IBGE

POPULAO E ESTATSTICAS VITAIS

seja o fato de que pela primeira vez a fecundidade (isto , o nmero mdio de filhos tidos por mulher ao final de seu perodo reprodutivo) tornou-se o elemento responsvel pela dinmica populacional. Nos pases desenvolvidos, o nvel de mortalidade atingiu nveis to baixos que seu efeito sobre a dinmica demogrfica hoje muito reduzido. Como quase toda a populao feminina nesses pases sobrevive at o fim do perodo reprodutivo, tendo portanto todos os filhos que deseja ter, o efeito da mortalidade sobre o tamanho (ou seja, o nmero de pessoas) da populao mnimo, se comparado ao efeito das mudanas nas taxas de fecundidade. Numa demonstrao pitoresca desse fato, Coale mostrou que o efeito de se obter a completaGrfico publicado na Exposio Nacional de 1908. Acervo IBGE.

imortalidade para todos os americanos sobre a taxa de crescimento da populao dos Estados Unidos nos anos de 1970 seria inferior ao efeito produzido por um acrscimo de apenas 15% na taxa de fecundidade das mulheres americanas. Nos pases em desenvolvimento, o crescimento populacional ainda depende em larga medida de futuros declnios da mortalidade. Mas, no caso do Brasil, embora ainda haja ganhos muitos importantes a serem feitos em relao mortalidade, historicamente o componente mais forte no que diz respeito ao crescimento populacional foi a manuteno em nveis elevados da fecundidade das mulheres durante a maior parte do sculo. Como indicado acima, a mortalidade declinou acentuadamente no Brasil nos ltimos 100 anos. Entretanto, a natalidade ( ou seja, o nmero de nascimentos anuais para cada mil indivduos na

Uma conseqncia interessante da evoluo temporal dos ganhos na sobrevida no Brasil reside no fato de que, na segunda metade do sculo, os maiores ganhos relativosESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS

no que diz respeito mortalidade adulta tenham se dado ligeiramente mais na populao feminina, que j possua um nvel inicial mais favorvel16. Com isso, a razo de sexos, isto , o nmero de homens para cada 100 mulheres, cai com a idade. Estima-se que em 1991 a razo de sexos entre jovens era de 102,4, indicando um maior nmero de jovens homens do que de mulheres. Esta razo cai sistematicamente conforme se passa para grupos etrios superiores, alcanando o valor de 85 homens para cada 100 mulheres entre pessoas com 60 anos e mais. Conforme indicado, esta diferena tem tendido a aumentar. Assim, por exemplo, a razo de sexos entre estas mesmas pessoas de 60 anos e mais em 1960 ainda era estimada em 98,817. Talvez a caracterstica mais marcante da nossa poca, mais ainda do que a queda da mortalidade,

Ncleo colonial de imigrantes, entre 1930 e 1937. CPDOC/FGV.

16 Aparentemente, um elemento importante nestes diferenciais a maior exposio ao risco por morte violenta na populao jovem masculina, conforme indicado acima. 17 Cf. Anurio Estatstico do Brasil 1993, ver CD-ROM da publicao Estatsticas do Sculo XX (2003).

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IBGE

Grfico 6 - Evoluo da mortalidade infantil - Brasil - 1930/1990180

Taxa de mortalidade infantil (por mil)

160 140 120 100 80 60 40 20 01930/1940 1940/1950 1950/1960 1960/1970 1970/1980 1980/1990

PerodoFonte: Anurio estatstico do Brasil 1990. Rio de Janeiro: IBGE, v. 50, 1990.

populao) manteve-se bastante estvel durante boa parte do mesmo perodo: a taxa bruta de natalidade, que oscilou em torno de 46,5 por mil habitantes durante todo o Sculo XIX, comeou a declinar desde o incio

houve apenas uma reduo de 6,5 nascimentos por mil habitantes em mais de 100 anos. Aliada ao declnio

Grfico 7 - Evoluo da mortalidade infantil, por Grandes Regies - Brasil - 1930/1980200Taxa de mortalidade infantil (por mil)

180 160 140 120 100 80 60 40 20 01930/1940 1940/1950 1950/1960 1960/1970 1970/1980

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

Fonte: Anurio estatstico do Brasil 1990. Rio de Janeiro: IBGE, v. 50, 1990.

ESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS

do sculo seguinte, mas a um ritmo to suave que a mdia para a dcada de 1960-1970 ainda era de 40 por mil, ou seja,

IBGEvertiginoso da mortalidade, essa manuteno da alta natalidade resultou em ritmos ascendentes do crescimento natural, o qual atingiu um mximo histrico na dcada de 1950, quando superou a marca de 29 por mil em mdia por ano. Uma taxa dessa magnitude implica uma duplicao do total da populao a cada 25 anos aproximadamente. No entanto, desde meados da dcada de 1960, a fecundidade feminina no Brasil tem se reduzido em ritmo muito acelerado18, fato possibilitado principalmente pela introduo de mtodos modernos e eficientes de contracepo19. Todos os censos e pesquisas sobre reproduo humana desde 1970 indicaram que a taxa de fecundidade total (isto , o nmero total mdio de filhos que cada mulher teria ao fim de seu perodo reprodutivo, caso sua trajetria de vida reprodutiva seguisse as taxas

POPULAO E ESTATSTICAS VITAIS

especficas de fecundidade por idade observadas no momento da pesquisa) tem declinado rpida e constantemente ano a ano (Grfico 8). Assim, para o Brasil como um todo, a taxa de fecundidade total - TFT - declinou de um nvel estimado em cerca de 5,8 filhos por mulher em 1970 para aproximadamente 4,3 filhos em 1980, uma reduo sem dvida muito substancial, atingindo cerca de 1,5 filho em mdia em apenas dez anos. O ritmo acelerado de queda da fecundidade tem continuado e, pelo que a experincia dos pases desenvolvidos sugere, dever ainda continuar no futuro. Os dados da ltima pesquisa sobre comportamento reprodutivo feita no Brasil20, datada de 1996, indicam que, naquele ano, a taxa de fecundidade total para o Pas tinha atingido o nvel estimado em 2,5 filhos em mdia por mulher. Comparando com a TFT

Grfico 8 - Evoluo da taxa de fecundidade total - Brasil - 1940/1990ESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS7 6 5 4 3 2 1 01940 1950 1960 1970 1980 1990

Fontes: Anurio estatstico do Brasil 1998. Rio de Janeiro: IBGE, v. 58, 1999; Brasil: pesquisa nacional sobre demografia e sade 1996. Rio de Janeiro: Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil, 1997.

18

O ritmo do declnio da fecundidade no Brasil comparvel ao que ocorreu em outros pases em desenvolvimento. Martine (1996) indica que no caso brasileiro a fecundidade caiu mais rapidamente do que no Mxico, na ndia ou em Bangladesh, mas mais lentamente do que na China ou na Tailndia.

19 Muitos estudos tm apontado para a importncia da introduo de mtodos contraceptivos na reduo da fecundidade no Brasil. Veja, por exemplo, Faria (1989); Silva, Henriques e Souza (1990) e Carvalho e Wong (1996). A discusso sobre poltica de populao no Brasil feita em McDonough e Souza (1984) e em Fonseca Sobrinho (1993), entre outros. 20

Veja BRASIL: pesquisa nacional sobre demografia e sade 1996 (1997).

Taxa de fecundidade (em filhos por mulher)

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IBGEA queda da fecundidade feminina observvel para todos os tipos de reas e para todos os grupos e estratos sociais22. Nesse sentido, h uma clara tendncia convergncia no comportamento reprodutivo23. Por exemplo, a maior diferena na TFT entre as grandes regies brasileiras em 1950 estava calculada em cerca de 2,5 filhos (correspondendo aos valores de TFT de 8,0 para a Regio Norte e de 5,5 para a Sudeste). J nos dados para 1996 referidos acima, a maior diferena se d entre o Nordeste (com TFT=3,1) e o Sudeste (com TFT=2,2), uma diferena que havia se reduzido a menos de um filho em mdia (Grfico 9). Deve-se indicar que, apesar da queda generalizada e em ritmo acelerado na fecundidade, nas ltimas dcadas as taxas para mulheres com idade abaixo de 20 anos permaneceram estveis e as gravidezes entre adolescentes (isto , mulheres entre 15 e 19 anos) tm aumentado, com gravesESTATSTICAS DO SCULO XX - ESTATSTICAS POPULACIONAIS, SOCIAIS, POLTICAS E CULTURAIS

para 1960, verifica-se que no espao dos 40 ltimos anos do sculo o nmero mdio de filhos tidos por mulher havia se reduzido em cerca de quatro filhos