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| 16 GVEXECUTIVO • V 18 • N 6 • NOV/DEZ 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CE | INOVAÇÃO NO ENSINO • LIÇÕES ÀS UNIVERSIDADES

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CE | INOVAÇÃO NO ENSINO • LIÇÕES ÀS UNIVERSIDADES

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LIÇÕES ÀS UNIVERSIDADES

A USP, maior universidade brasileira, possui 475 cursos de graduação e pós-graduação e 93 mil alunos matriculados.

O Coursera tem 3.600 cursos com 40 milhões de estudantes.

GVEXECUTIVO • V 18 • N 6 • NOV/DEZ 2019 17 |

| POR EDSON SADAO IIZUKA

O s profissionais que atuam na área edu-cacional, especialmente os gestores, têm acompanhado um intenso e pro-fundo processo de transformação no ensino superior. Até pouco tempo atrás, as universidades eram detentoras quase que exclusivas do conhecimento. Não

mais. O diploma tem sofrido questionamento sobre a sua relevância. As empresas estão atualmente interessadas em saber se a pessoa de fato tem as competências necessárias para resolver os problemas que importam – e o diploma, por si só, não é garantia disso.

As universidades não têm se transformado suficientemente para enfrentar essa mudança. A sala de aula é praticamente a mesma há mais de um século. O método de ensino base-ado em exposição e memorização persiste, em contraste às abordagens ativas de aprendizado demandadas pelas no-vas gerações. O setor educacional é altamente regulamen-tado, e a legislação nem sempre acompanha as profundas e aceleradas transformações sociais, econômicas, culturais e

políticas que vivemos. Diante da perda de atratividade do setor, os investidores do setor educacional que adquiriram universidades nos anos 2000 estão se reposicionando. Parte deles tem migrado para outros setores ou direcionado seus recursos para o ensino básico e fundamental. Diante desse

O crescimento das plataformas de cursos online, como Coursera, Udacity e Udemy, ensina que os alunos desejam diversidade e flexibilidade,

características não oferecidas hoje pelo modelo de educação tradicional.

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cenário, é inevitável perguntar: seria o fim das universida-des como as conhecemos?

A resposta não é simples. Novos modelos de ensino vêm surgindo para concorrer com o modelo tradicional das uni-versidades. O mercado de tecnologia educacional, mais especificamente as plataformas de ensino conhecidas pela sigla MOOC – massive open online course –, apareceu em meados dos anos 2000 para oferecer cursos acadêmicos via web. Essas plataformas ganharam popularidade a partir de 2012. Investidores e especialistas que atuam nesse segmento estimam crescimento anual de 11% e faturamento total de US$ 341 bilhões em 2025. Entre as grandes plataformas, a Coursera teve receita de US$ 140 milhões em 2018; a Uda-city, de US$ 67,5 milhões; e a Udemy, de US$ 28 milhões.

VANTAGENS DAS PLATAFORMASDocentes e experts têm investido suas atenções nessa

modalidade de ensino, entre outros fatores, porque há pers-pectiva de retorno monetário. Os professores da Udemy ficam com 97% da receita do curso se o cliente chega por indicação do próprio docente e 50% se o aluno vem por recomendação da plataforma. Na Udemy, os dez profes-sores com a maior quantidade de alunos faturam em con-junto algo em torno de US$ 17 milhões por ano. Apenas para ilustrar o que isso significa: um docente titular na

Universidade de São Paulo (USP) levaria uma vida intei-ra profissional, ou seja, mais de 35 anos, para ganhar esse volume de dinheiro.

Com as MOOCs, os professores têm a possibilidade de atingir uma massa de alunos que jamais conseguiriam de outra forma. Os fundadores do Coursera, os professores Andrew Ng e Daphne Koller, da Universidade Stanford, alcançaram em apenas um ano de atuação mais alunos que obtiveram em uma década de carreira. Os docentes mais populares chegam a atrair um número que supera 200 mil alunos em um único curso.

Os cursos, em geral, são criados, mantidos ou mesmo encerrados em função da demanda e não são regulados por governos. A quase totalidade permite acesso gratuito ao material e cerca da metade não possui um período para inscrições. Isso tem estimulado a participação dos que se encontram à margem dos sistemas de ensino tradicional.

Qualquer profissional, acadêmico ou não, pode criar uma disciplina. John Purcell, por exemplo, é responsável por um curso sobre linguagem Java para iniciantes que obteve o maior volume de alunos do Udemy, mais de 1,1 milhão de alunos até 10 de outubro deste ano. No entanto, ele não é graduado em Ciências da Computação. Aprendeu a desen-volver software por hobby e acabou trabalhando na área du-rante 14 anos, antes de começar a dar aulas sobre o assunto.

CRESCIMENTO DAS PLATAFORMAS DE CURSOS ONLINE (MOOCS)

FONTE: CLASS CENTRAL

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EDSON SADAO IIZUKA > Professor do Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana “Padre Saboia de Medeiros” (FEI) > [email protected]

PARA SABER MAIS:− Brian Robson. The Best MOOC Platforms. Reviews.com. Disponível em: reviews.com/mooc-

platforms/− Dan Fedirko. How to Create MOOCs Platform Like Udemy, Coursera, EdX, Udacity etc.,

Medium, 2019. Disponível em: medium.com/elligense-team/how-to-create-moocs-platform-like-udemy-coursera-edx-udacity-etc-808c09883ffd

− Li Yuan e Stephen Powell. MOOCs and open education: Implications for higher education, 2013. Disponível em: publications.cetis.org.uk/wp-content/uploads/2013/03/MOOCs-and-Open-Education.pdf

− Saijing Zheng. Occupy MOOCs: Understanding Users’ Motivations, Perceptions and Activity Trajectories, 2016.

− Valéria Feitosa de Moura e César Alexandre de Souza. Características Disruptivas dos Massive Open Online Courses (MOOCs): Uma Análise Exploratória no Ensino Superior Brasileiro. Teoria e Prática em Administração, v.7, n.2, 2017. Disponível em: dx.doi.org/10.21714/2238-104X2017v7i2-33103

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Há uma diversidade de opções de cursos, desde os de curta duração, de oito horas, até os mestrados e Master of Busi-ness Administration (MBA). Há também a educação corpo-rativa. No caso do Coursera for Business – são mais de 500 empresas usuárias –, um curso deve ter, no mínimo, cinco alunos e o custo anual começa em US$ 400 por estudante.

O Coursera possui 40 milhões de estudantes em mais de 3.600 cursos, alguns dos quais oferecidos em parceria com Stanford, John Hopkins e Duke e, no Brasil, com ins-tituições como USP, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Insper Instituto de Ensino e Pesquisa e Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). A Udemy possui mais de 15 milhões de estudantes em mais de 65 mil cursos. A Udacity, por sua vez, possui 160 mil alunos e é reconhe-cida pelo conceito de nanodegree – uma formação curta, rápida e com foco na atuação profissional. A edX agrega mais de 20 milhões de estudantes em 1.800 cursos, alguns dos quais promovidos por docentes de Harvard ou Berke-ley. Para efeitos de comparação, a USP, maior universidade brasileira, possui 475 cursos de graduação e pós-graduação e 93 mil alunos matriculados.

RUMO A MODELOS SINÉRGICOSO modelo das MOOCs é relativamente recente e, portan-

to, sujeito a erros, problemas e desafios. Estimativas apon-tam que a evasão é maior do que 50%, o que tende a afe-tar a saúde financeira dessas organizações. Outro aspecto que não pode ser ignorado é a percepção sobre qualidade e consistência dos cursos. Você se sentiria confortável em passar por uma ponte construída por um engenheiro que se formou por meio de vídeos, enquetes e fóruns? Será que aceitaria ser operado por um médico formado num curso totalmente online?

O fato é que essas plataformas reforçam ao mercado edu-cacional a necessidade de se observar a relevância do que se ensina. A rápida adaptação às demandas e a flexibilidade e diversidade na oferta de cursos são características estraté-gicas das MOOCs. Essas formas distintas de aprendizado indicam que o desejo de aprender de muitas pessoas está além dos muros das universidades e dos currículos tradi-cionais e ocorre ao longo de toda a vida. As plataformas de cursos online suprem a demanda, por exemplo, de um es-tudante de engenharia que se interessa por psicologia or-ganizacional, de uma advogada recém-formada que quei-ra aprender linguagem de programação, ou de um médico experiente que gostaria de se matricular em cursos de ioga, meditação e acunpuntura.

As MOOCs apresentam-se como alternativa educacional e modelo de negócio inovador, mas não devem prejudicar as faculdades nem universidades. Ao contrário, podem atu-ar de maneira complementar e em sinergia com as univer-sidades de tal forma a contribuir com uma formação mais ampla, rica e diversa e, sobretudo, com impacto em um vo-lume ainda mais expressivo de pessoas.

As plataformas de ensino enfrentam questões como evasão e qualidade questionável dos cursos, mas revelam que o desejo de

aprender de muita gente está além dos muros das universidades e dos currículos tradicionais.