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Uma construção com estruturas de concreto armado, argamassa e ferro, a partir de técnicas de pré-molda- gem, que preze por conforto am- biental. O lugar em questão não é um mero conjunto de prédios de Brasília, mas sim os edifícios da rede Sarah Kubitschek, todos pensados pelo arquiteto João Filgueiras Lima, mais conhecido como Lelé. A seme- lhança com o trabalho de Niemeyer ou Lucio Costa não é acidental. To- dos eles trabalharam juntos na construção da nova capital. O dife- rencial de Lelé, porém, é o baixo custo e curto prazo. Seus projetos para a construção de edifícios – em particular hospitais – são todos com custos muitos reduzidos, aspecto relevante apenas para um raro gru- po de arquitetos que, além de domi- narem o ofício de criar e construir, valoriza o lado social das obras. Seu traço definido e objetivo nos le- va a pensar que tem habilidades ina- tas para a arquitetura, mas ele pró- prio já declarou em entrevistas: “coi- sas inesperadas me levaram a fazer o curso”. Nascido de uma família po- bre do Rio do Janeiro, Lelé trabalha- va como assistente datilógrafo da Marinha quando foi incentivado a fazer arquitetura. Formou-se na Es- cola Nacional de Belas Artes e logo foi chamado para fazer parte do gru- po que construiu Brasília. Na época, viajou por países do Leste Europeu para pesquisar a tecnologia de racio- nalização do concreto armado (arga- massa, ferro e cimento), depois de projetar, juntamente com Niemeyer e sua equipe, o Instituto Central de Ciências da Universidade de Brasília (UnB). Esses primeiros contatos com materiais pré-fabricados foram importantes para obras seguintes, como o Hospital de Taguatinga (1968) e as Secretarias do Centro Administrativo da Bahia (1973). Depois do concreto pré-moldado, a partir de 1979 Lelé passa a trabalhar com argamassa armada, ou ferro-ci- mento na urbanização e melhoria de algumas áreas de ocupação irre- 10 BR Notícias do Brasil A RQUITETURA Lelé, um construtor de idéias geniais em baixo custo, rapidez e conforto ambiental Fotos: Reprodução do livro João Figueiras Lima, Lelé Fachada do Tribunal de Contas da União (Alagoas) Hospital Sarah Kubitschek (Brasília) Creche do Bom Juá (Salvador)

BRcienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v60n1/a05v60n1.pdf · o arquiteto colaborou com o proje-to de revitalização do Centro Histó-rico de Salvador, comandado por Lina Bo Bardi, e produziu

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Uma construção com estruturas deconcreto armado, argamassa e ferro,a partir de técnicas de pré-molda-gem, que preze por conforto am-biental. O lugar em questão não éum mero conjunto de prédios deBrasília, mas sim os edifícios da redeSarah Kubitschek, todos pensadospelo arquiteto João Filgueiras Lima,mais conhecido como Lelé. A seme-lhança com o trabalho de Niemeyerou Lucio Costa não é acidental. To-dos eles trabalharam juntos naconstrução da nova capital. O dife-rencial de Lelé, porém, é o baixocusto e curto prazo. Seus projetospara a construção de edifícios – emparticular hospitais – são todos com

custos muitos reduzidos, aspectorelevante apenas para um raro gru-po de arquitetos que, além de domi-narem o ofício de criar e construir,valoriza o lado social das obras.Seu traço definido e objetivo nos le-va a pensar que tem habilidades ina-tas para a arquitetura, mas ele pró-prio já declarou em entrevistas: “coi-sas inesperadas me levaram a fazer ocurso”. Nascido de uma família po-bre do Rio do Janeiro, Lelé trabalha-va como assistente datilógrafo daMarinha quando foi incentivado afazer arquitetura. Formou-se na Es-cola Nacional de Belas Artes e logofoi chamado para fazer parte do gru-po que construiu Brasília. Na época,

viajou por países do Leste Europeupara pesquisar a tecnologia de racio-nalização do concreto armado (arga-massa, ferro e cimento), depois deprojetar, juntamente com Niemeyere sua equipe, o Instituto Central deCiências da Universidade de Brasília(UnB). Esses primeiros contatoscom materiais pré-fabricados foramimportantes para obras seguintes,como o Hospital de Taguatinga(1968) e as Secretarias do CentroAdministrativo da Bahia (1973). Depois do concreto pré-moldado, apartir de 1979 Lelé passa a trabalharcom argamassa armada, ou ferro-ci-mento na urbanização e melhoriade algumas áreas de ocupação irre-

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BRN o t í c i a s d o B r a s i l

ARQU I T E T U R A

Lelé, um construtor de idéias geniais em baixo custo, rapidez e conforto ambiental

Fotos: Reprodução do livro João Figueiras Lima, Lelé

Fachada do Tribunal de Contas da União (Alagoas)

Hospital Sarah Kubitschek (Brasília)

Creche do Bom Juá (Salvador)

gular nas encostas de Salvador. As-sim, usando placas de argamassa ar-mada (nata de cimento e malha deferro) para desenvolver peças maisleves e flexíveis, que fossem fáceis detransportar e instalar, ele conseguiuelaborar obras públicas menos inva-sivas. Afastado dos projetos públi-cos nos anos 1970, Lelé voltou a fa-zer intervenções públicas com oprojeto da Fábrica de Equipamen-tos Comunitários (Faec) na décadaseguinte: desde bancos e conten-ções de jardim, passando pelas pas-sarelas de pedestres até a construçãode escolas e creches. Dentro da Faec,o arquiteto colaborou com o proje-to de revitalização do Centro Histó-

rico de Salvador, comandado porLina Bo Bardi, e produziu obras deintervenção na Casa do Benin e naLadeira da Misericórdia, tambémna capital baiana. A diversidade e complexidade doselementos produzidos nas Faecs atransformaram numa fábrica com-pleta. Além do núcleo produtor daspeças de argamassa armada,tem osetor de metalurgia responsável nãosó pelas fôrmas dos elementos de ci-mento e ferro, mas também pela es-trutura de alguns edifícios e passare-las, tornando este um experimentopioneiro no uso conjunto de aço eargamassa armada.Sua atuação na arquitetura hospita-

lar começou em 1964, depois de so-frer um acidente de carro. Conhe-ceu, então, o médico e colega Aloy-sio Campos da Paz e pensou emprojetar hospitais que dessem maiorautonomia ao paciente. Essa idéiaevoluiu até, em 1980, ser inaugura-do em Brasília o primeiro hospitalda rede Sarah, especializado na rea-bilitação de pessoas com problemasfísico-motores. A integração entrearquitetura e medicina é especial-mente potencializada nesse tipo deobra, que permite criar espaços al-ternativos de terapia e cura. Lelé trabalhou por muito tempo emprojetos públicos arquitetônicos,porém, como seu método construti-vo é rápido e de baixo custo, passoua sofrer boicotes. Hoje, o arquitetosó trabalha nos hospitais da rede Sa-rah, afirma a pesquisadora AnáliaAmorin, professora da Faculdade deUrbanismo e Arquitetura Escola daCidade. Ela já fez vários cursos como arquiteto e o considera um dosmais importantes e significativospensadores do espaço na atualidade.“Sua principal qualidade é aliar aconstrução de prédios à formaliza-ção do elemento que compõe o pró-prio edifício. Ele pensa, desde a ma-ca que será utilizada pelo pacienteno hospital até na espessura da vigaque sustenta o prédio. E ainda pro-duz os materiais envolvidos nos doisprocessos”, conclui.

Lívia Botin

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Uma das fábricas, de estruturaspré-moldadas, em centrocomunitário de Salvador; acima,cadeiras adaptadas anecessidades especiais, usadasnos hospitais da rede SarahKubitschek

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