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2 0 0 8 O melhoramento animal e a qualidade do leite dos caprinos no Brasil Anamaria Cândido Ribeiro 1 1 Consultora da Capritec - [email protected] Professora do Unipinhal – Espírito Santo do Pinhal - SP Representante Brasileira da IGA (International Goat Association) Introdução O leite de cabra é utilizado na alimentação humana desde os primórdios da humanidade, já que os caprinos foram os primeiros animais a serem domesticados pelo homem capazes de produzir alimentos (Ribeiro, 1997). Atualmente o leite de cabra é classificado como alimento funcional, pois além de ser ótimo alimento, participar da manutenção da saúde, reduzir doenças crônicas também tem efeitos benéficos nas funções fisiológicas (Correia & Cruz, 2006; Osmari, 2006; Rocha, 2007). Também é reconhecido como importante na nutrição de crianças e idosos, por apresentar alta digestibilidade, além de seu uso por pessoas alérgicas ao leite de vaca ser recomendado por alguns autores (Silva et al., 2007). Isto realça o potencial do leite de cabra no mercado. Contudo, até alguns séculos atrás as cabras tinham baixa produção leiteira sob a óptica do produtor, pois não havia seleção genética neste sentido, tampouco nutrição adequada. Aliás, uma boa cabra, sob a óptica da seleção natural é aquela capaz de aleitar seus cabritos de maneira adequada, sem o excesso de produção que poderia inclusive trazer problemas sanitários (mastite). Para que a produção fosse maior, os cuidados ficaram maiores no quesito nutrição, ainda que sem informações técnicas. Desta forma as cabras que tinham um potencial genético de uma produção um pouco maior responderam à suplementação alimentar. A partir de então, sempre de maneira empírica, os animais foram sendo “selecionados”. Com as cabras a comparação entre contemporâneas permitiu certo avanço, enquanto que com os bodes a falta da expressão da característica nos machos dificultou o processo. E assim seguiu a caprinocultura, até que se iniciaram os programas de melhoramento genético propriamente dito, na Europa de forma geral e mais especificamente na França, que até hoje é considerada a detentora do melhor programa de seleção de caprinos leiteiros do mundo. Outra consideração a ser feita é que os objetivos dos programas de seleção de outros países nem sempre estão de acordo com as necessidades dos criadores brasileiros, apesar do objetivo principal ser a rentabilidade do empreendimento, os fatores que interferem nesta rentabilidade podem diferir entre regiões e/ou sistemas de produção.

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O melhoramento animal e a qualidade do leite dos caprinos no Brasil

Anamaria Cândido Ribeiro1

1 Consultora da Capritec - [email protected] do Unipinhal – Espírito Santo do Pinhal - SPRepresentante Brasileira da IGA (International Goat Association)

Introdução

O leite de cabra é utilizado na alimentação humana desde os primórdios dahumanidade, já que os caprinos foram os primeiros animais a serem domesticados pelohomem capazes de produzir alimentos (Ribeiro, 1997).

Atualmente o leite de cabra é classificado como alimento funcional, pois além deser ótimo alimento, participar da manutenção da saúde, reduzir doenças crônicas tambémtem efeitos benéficos nas funções fisiológicas (Correia & Cruz, 2006; Osmari, 2006;Rocha, 2007). Também é reconhecido como importante na nutrição de crianças e idosos,por apresentar alta digestibilidade, além de seu uso por pessoas alérgicas ao leite de vacaser recomendado por alguns autores (Silva et al., 2007). Isto realça o potencial do leite decabra no mercado.

Contudo, até alguns séculos atrás as cabras tinham baixa produção leiteira sob aóptica do produtor, pois não havia seleção genética neste sentido, tampouco nutriçãoadequada. Aliás, uma boa cabra, sob a óptica da seleção natural é aquela capaz de aleitarseus cabritos de maneira adequada, sem o excesso de produção que poderia inclusive trazerproblemas sanitários (mastite).

Para que a produção fosse maior, os cuidados ficaram maiores no quesito nutrição,ainda que sem informações técnicas. Desta forma as cabras que tinham um potencialgenético de uma produção um pouco maior responderam à suplementação alimentar.

A partir de então, sempre de maneira empírica, os animais foram sendo“selecionados”. Com as cabras a comparação entre contemporâneas permitiu certo avanço,enquanto que com os bodes a falta da expressão da característica nos machos dificultou oprocesso.

E assim seguiu a caprinocultura, até que se iniciaram os programas demelhoramento genético propriamente dito, na Europa de forma geral e maisespecificamente na França, que até hoje é considerada a detentora do melhor programa deseleção de caprinos leiteiros do mundo.

Outra consideração a ser feita é que os objetivos dos programas de seleção deoutros países nem sempre estão de acordo com as necessidades dos criadores brasileiros,apesar do objetivo principal ser a rentabilidade do empreendimento, os fatores queinterferem nesta rentabilidade podem diferir entre regiões e/ou sistemas de produção.

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E o Brasil?? Bem, agora o Brasil tem um programa de melhoramento de caprinosleiteiros delineado e está em andamento o primeiro teste de progênie de bodes de raçasleiteiras.

O objetivo desta revisão foi relatar a percepção da qualidade do leite de cabra emdiferentes países, bem como os sistemas de pagamento do leite por qualidade e o que jáexiste de fato no Brasil.

Qualidade do leite de cabra

A qualidade do leite de cabra pode ser definida, segundo Jaubert (1997) como seupotencial para tolerar o tratamento tecnológico e resultar em um produto que satisfaça asexpectativas do consumidor em termos de saúde (valor nutricional), segurança (higiene) eprazer (atributos sensoriais).

Pode-se dividir a qualidade em qualidade do produto, qualidade da produção equalidade emocional.

Dentro da qualidade do produto estão o valor nutricional, a qualidade sensorial e aqualidade higiênica (ou microbiológica).

Na qualidade de produção estariam os sistemas de produção, preferencialmentedocumentados (Boas Práticas de Fabricação), o não uso de agrotóxicos e eficiência no usoda água. O bem estar dos animais que produzem o leite, bem como o respeito ao meioambiente onde os animais são criados e a responsabilidade social da empresa cada vezmais ganham relevância e se encaixam na qualidade de produção.

Por fim, na qualidade emocional estariam a contribuição às expectativas, tradições,tendências de mercado, histórico do produto, produtos locais e experiências anteriores comprodutos similares.

Segundo Moioli et al. (2007) o objetivo de melhorar a qualidade do leite não éfacilmente alcançado devido a este conceito envolver muitos aspectos.

Parte dos itens que refletem a qualidade tem um componente genético relevante,enquanto ou são predominantemente relacionados com o ambiente e, portanto, a maneiramais rápida e eficiente que alterá-los ou ajustá-los é através de práticas de manejoadequadas.

Diversos aspectos são importantes para medir e assegurar a qualidade do leite decabra. Algumas delas são abordadas a seguir.

Contagem de Células Somáticas (CCS)

A CCS é um bom indicador da qualidade do leite, com a alta CCS podendo estarassociada à redução da produção do leite e à mastite subclínica, levando, neste caso, aperdas econômicas que podem ser desastrosas para o produtor (Sung et al., 1999).

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Apesar do tipo de secreção das glândulas mamárias de vacas e de cabras serdiferente, os efeitos da CCS são semelhantes para ambas espécies (Sung et al., 1999).Contuso, a CCS em cabras em úberes saudáveis pode ser mais alta que no caso das vacas(Bergonier et al., 2003; Kalantzopoulos et al., 2004; Raynal et al., 2005; Pirisi et al, 2007).

Poucas pesquisas se dedicaram aos efeitos da CCS sobre os produtos derivados doleite de cabra, como queijos e suas características sensoriais (Pirisi et al., 2007).

Num dos poucos trabalhos efetuados, Morgan & Gaspar (1999) não observaramefeitos significativos (P<0,05) nas características sensoriais de queijos frescos elaboradoscom leite de cabras tampouco nas características bioquímicas, sensoriais e microbiológicasde queijos maturados, trabalhando com CCS de 250.000 a 1.000.000 células/mL. Damesma forma que Zeng & Escobar (1996) não observaram diferenças em queijos frescosquando compararam queijos elaborados com três classes de CCS: até 650.000, entre650.000 e 1.000.000 e acima de 1.000.000 células/mL (médias de 2.066.000).

Kalantzopoulos et al. (2004) comentam que na França a média de CCS no leite decabra se situa entre 1.200.000 e 1.500.00 células/mL de leite enquanto na Espanha estamédia é de 1.600.000 células/mL. Na Itália (região da Sardenha) a média é de 1.743.000células/mL no leite de cabra.

Os limites de CCS estabelecidos para os sistemas de pagamento do leite de cabra naFrança, bem como em outros países como Estados Unidos é de 1 milhão de células/mL(Raynal-Ljutovac et al., 2005).

Pirisi et al. (2007) relatam que o valor do pH do leite de animais com mastite émais elevado, e tem como resultado uma pior coagulação deste leite quando exposto aocoalho no processo de fabricação de queijos.

Inibidores

Substâncias inibidoras podem diminuir ou mesmo inibir o desenvolvimento dasculturas láticas e dificultar o processo de fabricação de queijos (Raynal-Ljutovac et al.,2005; Pirisi et al., 2007), além de constituir um risco para a saúde do consumidor(Kalantzopoulos et al., 2004).

Os mais usuais são os resíduos farmacológicos, antibióticos de uma maneira geral,especialmente os utilizados para tratamento de mastite, substâncias detergentes edesinfetantes e água oxigenada (Kalantzopoulos et al., 2004; Raynal-Ljutovac et al., 2005;Pirisi et al., 2007).

O leite e derivados destinados ao consumo humano devem estar livres desubstâncias inibidoras e isto está explícito nos sistemas de controle de leite e, quando há,nos programas de pagamento por qualidade (Pirisi et al., 2007).

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Contagem de bactérias

A contagem de bactérias pode ser limitada com a manutenção dos animais em boascondições sanitárias e práticas higiênicas durante a ordenha (Raynal-Ljutovac et al., 2005).

O resfriamento do leite imediatamente após sua retirada da glândula mamáriatambém é muito importante. A temperatura recomendada é 4 °C. Este procedimento,apesar de limitar o desenvolvimento de contagem total de bactérias, pode aumentar ocrescimento de bactérias psicotróficas, como a Pseudomonas (Raynal-Ljutovac et al.,2005).

Conteúdo de proteína e gordura

Não há regulamentações globais no que diz respeito aos conteúdos de gordura eproteína que o leite de cabra deve ter (Pirisi et al., 2007). No Brasil segue-se, para o leiteinspecionado e distribuído para consumo fluido, uma composição adaptada da estabelecidapara bovinos, que nem sempre são adequados ao leite de cabra, e nos laudos vem a ressalvade produto fora dos padrões...

A Normativa 51, legislação sanitária federal sobre a produção de leite, de 2002,exclui o leite de cabra desta atualização dos parâmetros de obtenção e qualidade, portanto alegislação que rege o leite de cabra no Brasil continua sendo a Normativa 37, de 2000.

A composição do leite também tem um efeito direto sobre as propriedades deacidificação. Uma alta concentração de proteínas e minerais favorece a atividade debactérias láticas (Raynal-Ljutovac et al., 2005).

Características funcionais

As características funcionais têm aumentado de importância em esquemaseficientes de melhoramento na indústria do leite de cabra, principalmente nos paísesMediterrâneos, devido ao aumento dos custos de produção relativos aos preços do leite e àdemanda dos consumidores por segurança, qualidade alimentar a atenção ao bem estaranimal (Barillet, 2007).

As características funcionais são definidas por Barillet (2007) como aquelas queaumentam a eficiência biológica e econômica não pelo maior rendimento dos produtos,mas pela redução dos custos de produção. O autor menciona que a lista das possíveiscaracterísticas funcionais pode ser grande, incluindo componentes de eficiência alimentar(peso corporal, ingestão de alimentos e reservas corporais), características reprodutivas(precocidade sexual, sazonalidade reprodutiva, fertilidade), prolificidade, habilidade deordenha (morfologia de úbere, velocidade de ordenha), resistência a doenças (mastite,parasitos internos), adaptabilidade, longevidade, entre outros.

Barillet (2007) previne que as correlações entre produção de leite e característicasfuncionais são muitas vezes nulas ou antagônicas, ilustrando a importância de conhecer taiscorrelações.

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A seleção para prolificidade pode ter importante impacto econômico em diversassituações, no que diz respeito a caprinos leiteiros, por ser um componente essencial deprodutividade (mais animais para comercialização e reposição do plantel). Contudo, há umtamanho da prole ótimo para cada situação, que maximiza o lucro por cabra.

Características de tipo

A seleção para as características de tipo talvez sejam as que mais tenham sidotrabalhadas ao longo do tempo. Por apresentarem estimativas de herdabilidade demoderadas a altas, a seleção massal tem surtido efeito ao longo do tempo e as exposiçõesagropecuárias de uma maneira geral servem como estímulo para os produtoresselecionarem animais maiores.

Deve-se lembrar que algumas características de tipo são muito importantes narentabilidade de caprinos leiteiros, como as relacionadas com o conjunto de úbere e asrelacionadas com pernas, especialmente para animais criados em sistemas desemiconfinamento ou a pasto. Contudo, as característica de volume e qualidade de leitetêm o maior impacto na rentabilidade.

Lipólise e Sabor

De acordo com Soryal et al. (2005), a característica sabor é o principal critérioutilizado pelo consumidor em suas decisões de compra e consumo de queijos de leite decabra.

Segundo Jaubert et al. (1997) as características sensoriais do leite de cabra têm sidopouco estudadas e de forma subjetiva. Contudo o sabor típico caprino é um componente dequalidade de particular importância para a produção dos queijos de leite de cabra. Em suarevisão, observaram que há uma variabilidade individual no sabor e uma relaçãosignificativa entre o sabor e a composição do leite. Existem indícios dos efeitos doconteúdo de ácidos graxos livres (AGL), fatores relacionados ao animal (idade, estágio dalactação, produção) e, em menor extensão, o tipo de alimentação.

A concentração de AGL, particularmente os de cadeia curta (C4, C6 e C8) temgrande impacto no sabor e aroma dos queijos. Excesso de AGL leva a sabor de ranço,amargo e sabor desagradável, indesejável ao consumidor (Soryal et al., 2005).

O sabor “caprino” geralmente é necessário, mas dependendo do produto final, aintensidade desejável varia. Por exemplo, na produção de queijos maturados ou queijosduros, o sabor do leite (matéria-prima) deve ser mais intenso, para queijos frescos ouiogurtes, moderadamente pronunciado e muito sutil quando for o caso de consumo do leitefluido (Jaubert, 1997), ainda que ocorra algum processamento de leite UHT (Pirisi et al.,2007).

A lipólise, segundo Raynal-Ljutovac et al. (2005) corresponde à hidrólise(enzimática) do material gorduroso. É relacionada com o sabor e aroma do leite, comníveis elevados conduzindo a defeitos de sabor no leite de cabra (Jaubert, 1997; Jaubert etal., 1997; Pirisi et al., 2007). Este critério, apesar de aplicado ainda em poucas empresasdedicadas a laticínios, é relevante. A lipólise pode ser espontânea, ligada ao estado

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fisiológico do animal, como o estágio de lactação, mas também pode fazer parte de seupatrimônio genético. A lipólise pode, ainda, ser induzida por tratamentos mecânicosdurante a ordenha e choques térmicos (Morgan & Gaborit, 2001).

Mas no Brasil ainda não há uma preocupação com a qualidade sensorial doproduto. Na próxima década este aspecto deve ganhar relevância, a exemplo do quecomeça a acontecer em outros países, como é o caso da França e Noruega, ainda para oleite de cabra que será transformado em queijos finos.

Nos Estados Unidos a maior fatia do mercado de queijos de leite de cabra cabe aosqueijos frescos (chevrè) e para produzi-los com boa qualidade e bom rendimento énecessário trabalhar com animais que produzam leite com as características adequadas(Soryal et al., 2005).

Soryal et al. (2005) obtiveram um rendimento 60% maior de queijos frescos quandoproduzidos com leite de cabras Nubianas que quando produzidos com leite de cabrasAlpinas, mas com textura semelhante do produto final. Ou seja, a composição do leite,como matéria-prima, não influenciou as características sensórias do queijo, apenascaracterísticas de rendimento (muito importantes em termos econômicos...).

Pagamento por qualidade – Questão-chave

O melhoramento genético não é algo que ocorra do dia para a noite. Assim, oobjetivo ou objetivos de seleção precisam ser determinados com vistas ao mercado atual ea expectativa de como será o mercado daqui a alguns anos. Esta visão permite que osprodutores alcancem seus objetivos a tempo de usufruir as bonificações por qualidade outerem melhor colocação de seu produto no mercado.

Como a princípio o objetivo de seleção de qualquer produtor de caprinos leiteiros éobter o maior LUCRO possível, desde que respeitados o ambiente e o bem estar dosanimais, o raciocínio recai sobre os itens de receita e despesa da atividade, que seriampotencialmente as características a serem incluídas nos objetivos de seleção.

O mais freqüente é que incluam as características envolvidas no item receitas, aindaque algumas características que reduzam as despesas algumas vezes sejam incluídastambém. Caso sejam várias, o ideal seria compor um índice de seleção, onde a ponderaçãodeve expressar o impacto econômico de cada característica sobre o lucro na atividade. Paratanto é importante conhecer os sistemas de pagamento do leite de cabra, incluindo abonificação ou penalização por qualidade.

Os sistemas de pagamento do leite de cabra por sua qualidade são aplicados apenasem alguns países. Na Europa, segundo Pirisi; Lauret; Dubeuf (2007), os países com o setorbem desenvolvido e que praticam uma política de pagamento por qualidade são França,Espanha, Itália, Grécia, Portugal, Noruega e Holanda. Fora da Europa os autoresmencionam os Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Israel e Taiwan, mas esquecem doBrasil.

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Para que possa ser efetivado o sistema de pagamento por qualidade é necessárioque sejam supridos alguns pré-requisitos, conforme listam Pirisi et al. (2007): laboratórioqualificado para realizar as análises, logística de coleta de amostras e uma organizaçãointer profissional para garantir a independência das análises. Além disso, um serviçotécnico de assistência aos produtores, para melhorar a qualidade do leite. Como algumasvezes as análises são efetuadas pelas indústrias que adquirem o leite, os autoresmencionam a preocupação com a veracidade das informações divulgadas.

Como dito anteriormente, mesmo para os que atualmente comercializam seuproduto sem remuneração adicional por conteúdos de gordura, por exemplo, devem estaratentos, pois esta deve ser a prática de mercado em geral em poucos anos.

Segundo com Raynal-Ljutovac et al. (2005), para atender às necessidades dosprocessadores de leite, bem como dos consumidores finais, os critérios de qualidade deleite foram estabelecidos em muitos países de acordo com requerimentos higiênicos,tecnológicos e sensoriais. Estes critérios fazem parte do sistema de pagamento do leite, oque assegura, em retorno, uma melhor qualidade dos produtos finais (higiênica e sensorial).

Segundo com Raynal-Ljutovac et al. (2005), na França, Itália, Estados Unidos,Espanha, Noruega e Holanda, o leite passa por controles regulares para aferir a qualidadedo leite de cabra. Além critérios qualitativos como cor e odor do produto, outros critériosincluídos no sistema de pagamento são conteúdos de proteína e gordura no leite, qualidademicrobiológica, contagem de células somáticas, imunoglobulinas, inibidores, crioscopia e,opcionalmente, lipólise (caso da França). Nestes sistemas de pagamento bônus epenalidades são aplicados ao preço do leite, em função dos critérios mencionados, sempreenvolvendo as expectativas dos consumidores.

Para Moioli et al. (2007) não faz sentido a pouca atenção dada aos constituintes doleite em alguns processos de seleção, devido à sua importância econômica que está noprocessamento do leite em produtos lácteos, onde os conteúdos de gordura e proteína têmuma relevância no mínimo igual à quantidade de leite produzido.

Segundo Berry (2008) o aumento de produtividade em termos nacionais, éresultado do aumento de produtividade tanto dentro quanto fora da porteira da fazenda. Osprocessadores de leite têm uma grande influência no germoplasma utilizado por seusfornecedores, especialmente no que diz respeito à qualidade e sazonalidade de suprimentode leite através de diferentes esquemas de pagamento do leite e qualidade assegurada.

Atualmente a maioria do leite comercializado na forma fluida no Brasil não éremunerada por sua composição química nem qualidade microbiológica. Neste caso, ointeresse por melhorar o teor de sólidos totais, ou mais especificamente gordura e/ouproteína é pequeno. Mas vale lembrar que a tendência de mercado é que este tipo depagamento por qualidade se instale. Ademais, mesmo que o produtor não venda o leite, amelhoria na qualidade do leite que ele mesmo processa (modelo verticalizado) só pode lhetrazer benefícios.

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Das poucas iniciativas no sentido de remuneração por qualidade do leite de cabrano Brasil pode-se citar o exemplo da CCA Laticínios, maior empresa brasileira deprocessamento de leite de cabra, que no ano de 2007 captou 1.644.093 L de leite de cabra.Ela iniciou sua coleta de leite de cabra no Brasil em 1999 e já em 2002 praticava umapolítica de pagamento por qualidade. Em 2006 agregou ao sistema de pagamento as UFC(Unidades formadoras de colônias).

A CCA laticínios pratica a política de remuneração do produto aos caprinocultoresapresentada na Tabela 1.

Tabela 1. Programa de pagamento do leite de cabra (cru), por qualidade, praticado pelaempresa CCA Laticínios, em 20081.

Preço base do leite = R$ 1,10Parâmetros de BonificaçãoQualidade Nível R$/LContagem de Células Somáticas (CCS) < 500.000 cel 0,03

500.000 a 750.000 0,02750.000 a 1.000.000 0,011.000.000 a 1.500.000 0,001.500.000 a 2.000.000 -0,01 2.000.000a 2.500.000 -0,02> 2.500.000 a 3.000.000 -0,03< 150 U.F.C. 0,12Contagem Microbiológica (Unidades

Formadoras de Colônia – UFC) 150 a 300 U.F.C. 0,09300 a 500 U.F.C. 0,06500 a 1.000 U.F.C. 0,001.000 a 1500 U.F.C. -0,021.500 a 2.000 U.F.C. - 0,04Acima de 2.000 U.F.C. -0,08

Extrato Seco Total (EST) 12,5 % 0,0611,5 % 0,0010,5 % -0,06

Sazonalidade Produção em mar-ab mai-jun-jul-ago 0,08Produção em set-out-nov-dez-jan- fev 0,00

Participação em programa de controle de rebanho (Rastreabilidade) 0,02

Observação: Parâmetros para aquisição do leite de cabra in natura:Acidez titulável: 14 a 16 °DGordura: > 3,0%Proteína: > 2,5%Lactose: > 4,0%Sólidos totais: > 11,0%Contagem de células somáticas: < 3.000.000/mLPresença de antibióticos e inibidores: negativoPresença de leite de outras espécies: negativo

1 Cordeiro, P. R. C. Comunicação pessoal. CCA Laticínios, Rio de Janeiro - Brasil. 2008.

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Exemplos de outros programas de pagamento por qualidade, praticado em outros países,podem ser observados nas Tabelas de 2 a 5.

Tabela 2. Programa de pagamento do leite de cabra com incentivo à qualidade (valores emdólares), nos Estados Unidos.

-0,10 -0,05 Padrão dequalidade

0,10 0,20 0,40 0,50

> 101.000 51 a 100.000 Contagem emplacas

< 20.000 < 10.000 < 5.000 < 3.000

> 201.000 101 a 200.000 Incubaçãopreliminar

< 40.000 < 30.000 < 20.000 < 10.000

> 751.000 601 a 750.000 CCS < 300.000 < 225.000 < 150.000 < 125.000< 530 < 530 Ponto

crioscópico530-550 530-550 530-550 530-550

< 90 < 90 EPP > 90 > 90 > 90 > 90CCS = Contagem de células somáticas; EPP = Escore de pontos da propriedade.Fonte: Haenlein (2007).

Tabela 3. Programa de pagamento do leite de cabra com incentivo à qualidade (valores emeuros), na região de Poitou-Charentes, França, especificações de 2001.

UFC/mL ptos CCS(cel/mL)

ptos IgG(g/L)

ptos Inib. ptos Lipólise(Meq/100gFM)

ptos Crios. ptos

Class. Leite média média

Leite de ref. R ≤ 50.000 0 ≤ 1.000.000 0 0,6 0 1ª vez 8 <= 1,77 0 > 2% 1 pto/% água

Cat. A 50.001-100.000

3 1.000.001-1.250.000

0 0,6-0,8 0 2ª vez 16 > 1,77 5

Cat. B 100.001-200.000

20 1.250.001-1.500.000

1 0,8-1,0 10 3ª vez 75 > 1,77 5

Cat. C > 200.000 50 1.500.001-2.000.000

3 > 1 50

Cat. D > 2.000.000 5

No análises/mês 3 3 1-3 3 1 3

Leite ref. mês mês mês mês mês mês

UFC = Unidades formadoras de colônias; CCS = Contagem, de células somáticas; IgG = Imunoglobulina G;Inib. = Inibidores (presença/ausência); Crioscopia (quantidade de água adicionada); Cat. = categoriaValor de 1 pto: 0,30 euros.Para conteúdo de proteína: preço do grama diferencial (referência 28 g/L, média aritmética de 3 análises pormês), 0,95 euros/gPara conteúdo de gordura: preço do grama diferencial (referência 33 g/L, média aritmética de 3 análises pormês), 0,35 euros/gFonte: Pirisi et al. (2007).

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Tabela 4. Programa de pagamento do leite de cabra com incentivo à qualidade, naEspanha.

Laticínios Forlactaria e Agrasur – 200-2005(valores em euros)

Murcia e Andalucia – 2000(valores em pesetas)

Composição do leite+ � 0,0041-1 por grama de gorduraSem pagamento por proteína

Composição do leiteValor base: 4,75% de gordura e 3,57% deproteína2,5 pesetas/ 1% de gordura (acima ou abaixo)7,5 pesetas/ 1% de gordura (acima ou abaixo)

Qualidade bacteriológica< 50.000: + � 0,0241-1

50.000-150.000: + � 0,0121-1

150.000-500.000: + � 0,0061-1

> 500.000: penalização de acordo com oprejuízo

Qualidade bacteriológica< 100.000: + 5 pesetas100.000-150.000: + 4 pesetas150.000-300.000: + 3 pesetas300.000-500.000: 0500.000-700.000: - 2 pesetas> 700.000: - 4 pesetas

Contagem de células somáticasForlactaria: penalização de + � 0,0061-1 quandoCCS > 1.000.000 (células/mL)Agrasur: sem pagamento por CCS

Sazonalidade - Meses:01-02: 68 pesetas03-06: 65 pesetas07-08: 68 pesetas09-12: 73 pesetas

Inibidores: penalizaçãoPrêmio por resfriamento: � 0,0041-1 Prêmio por resfriamento: 2 pesetas/L de leite

Fonte: Kalantzopoulos et al. (2004) e Pirisi et al. (2007).

Cruzamentos

As iniciativas que envolvem cruzamentos absorventes são diversas, e sãoespecialmente indicadas quando as condições ambientais não são as ideais para aintrodução direta de animais puros de raças especializadas. Dentre estas iniciativas citam-se Gaddour et al. (2008), com trabalho de cruzamento absorvente na Tunísia desde 1980.

Clark & Sherbon (2000b) concluem que a seleção de algumas raças para melhorar opotencial de produção de queijo, e eles sugerem a raça Nubiana como atrativa para estefim, por se sobressair no rendimento queijeiro entre diversas outras raças, como Alpina,Saanen e Toggenburg, além de seus cruzamentos. Sugerem que o cruzamento com animaisda raça Nubiana poderia ser interessante para melhorar a qualidade do leite ou até mesmoinserir alguns animais da raça no rebanho, de forma a melhorar o leite de conjunto. Soryalet al. (2005) fazem a mesma sugestão.

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Tabela 5. Sistema de pagamento do leite de cabra com incentivo à qualidade, na Noruega(especificações de 2004).

Classe UFC/mL CCS (cel/mL)Avaliaçãosensorial

Inibidores econtrole de adição

de água

Leiteanormal

Elite <= 20.000 = 1.500.000 Sem defeitos desabor

1 21.00-30.000 1.500.000-1.750.000 Sem defeitos desabor

2 31.000-50.000 1.750.000-2.000.000 Defeitossignificativos

3 > 50.000 > 2.000.000 Defeitos fortesNo

análises2/mês 2/mês 1/mês Crioscopia: 2/ano

Inibidores: todacoleta

Manejo de variações e pagamentos nulosPagamento Elite: preço com bônus

Classes 2 e 3: redução no preço relativo ao aumentoInibidores: sem pagamento e multaLeite anormal: sem pagamento

UFC = Unidades formadoras de colônias; CCS = Contagem de células somáticasFonte: Pirisi et al. (2007).

Há sugestões ainda de criação de raças sintéticas (Barillet, 2007), mas este é umprocedimento complexo que exige um número muito grande de animais.

Uma possibilidade para aumentar o conteúdo de caseína no leite de cabra seria autilização de cruzamentos de raças com baixa freqüência de alelos fortes com outra commaior freqüência dos mesmos (Serradilla, 2003). O que não se pode deixar de levar emconsideração é o objetivo de seleção. No Brasil, o mercado de leite para consumo direto, oaumento da freqüência de alelos fortes no leite de cabra pode prejudicar este mercado, pelapossibilidade de vir a desencadear reações alérgicas aos consumidores. Este é um mercadofiel e que remunera bem o produtor de leite de cabra.

Programa de melhoramento

Objetivos do melhoramento genético

Os objetivos de seleção devem ser definidos pelo interesse econômico dacaracterística e têm grande importância, já que dependem deles as decisões a seremtomadas. No caso das características relacionadas com a qualidade do leite, é necessárioque seja claramente estabelecida a destinação que será dada ao leite. No caso de produçãode queijos ou venda para laticínio que paga por qualidade (especialmente conteúdo deproteína ou caseína), seria interessante incluir a seleção pelos genes polimórficos das

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caseínas do leite de cabra. Já no caso de maior processamento do leite paracomercialização sob a forma de leite fluido, especialmente para crianças alérgicas à αs1-caseína, a recomendação se inverte.

Para os produtores que comercializam o leite fluido há basicamente duas possibilidades deinteresse: a produção de leite como único objetivo de seleção ou agregar a este a produçãode sólidos totais ou mais especificamente gordura e/ou proteína, dependendo da forma deremuneração vigente ou esperada para os próximos anos.

Se o objetivo for aumentar a qualidade do leite de cabra, é necessário definir corretamenteesta qualidade, para então propor quais fatores podem ou devem ser incluídos no objetivode seleção. Qualidade pode ser definida como o potencial de um produto em satisfazer asnecessidades, demandas, desejos e expectativas de um consumidor. Contudo, há váriasdimensões de qualidade, além de este conceito poder ser diferente de acordo com oconsumidor (diferenças culturais, faixa etária, sexo, etc.).

Programas de Seleção

Apenas nas últimas décadas passou a ser dispensada uma maior atenção ao melhoramentogenético de caprinos leiteiros no Brasil. A primeira dificuldade em realizar trabalhos era ajunção de dois fatores predominantes: o reduzido tamanho dos rebanhos leiteiros e a faltade controle leiteiro mais antigo. E os trabalhos realizados com os arquivos disponíveis, emsua maior parte, mostraram que não estava ocorrendo progresso genético, apenas umaoscilação aleatória em torno da média (Gonçalves, 1996; Tholon et al., 2001; Gonçalves etal., 2002). Ribeiro (1997) trabalhou com um rebanho pequeno, porém com controleleiteiro iniciado há 15 anos antes, obra de um criador visionário, Sr. José Maria de AlmeidaRibeiro. Talvez por este motivo a tendência genética observada, apesar de quadrática,mostrou que a criação foi iniciada com animais de boa produção e ao longo dos anos eacompanhamento da produção das cabras a tendência de ganho anual ao final do estudo erade 5,92 kg/ano para as cabras. O trabalho de dissertação foi finalizado em 1997 (Ribeiro,1997), mas não o trabalho de criação e melhoramento dos animais. Através de ajustes demanejo e avaliações genéticas sucessivas, ao longo do tempo este rebanho alcançou umaprodução média de leite por lactação por cabra elevada. A diferença entre as médias deprodução ao longo dos anos pode ser observada na Figura 1.

Alguns trabalhos fora do Brasil também mostram a ausência de ganho genético, ou pior, atendência genética negativa, como é o caso dos resultados de Valencia et al. (2005), quetrabalharam com cabras Saanen no México. A tendência fenotípica foi de -37,75 kg de leitepor ano, enquanto a tendência genética foi de -4,31 kg para machos e -3,41 kg para fêmeas.Os autores discutem que estas tendências negativas devem-se à ausência de um programade seleção efetivo.

Com caprinos há a vantagem do pequeno intervalo de gerações quando se compara combovinos, bem como uma idade ao primeiro parto bem menor. Desta forma podem-sealcançar ganhos genéticos anuais bastante expressivos, quando se trabalha da formacorreta.

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0

200

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1000

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1993

1994 ...

2007

Produção de leite por lactação

Figura 1. Média de produção de leite de cabra por lactação (kg) por ano, desde o início do controle leiteiro até a finalização do projeto do Capril Serra de Andradas.

Para se alcançar ganho genético em um objetivo de seleção composto por diversascaracterísticas é necessário que sejam ponderados os pesos econômicos para cadacaracterística (Berry, 2008), lembrando que é necessário que haja suficiente variaçãogenética em cada característica e que possam ser quantificadas as diferenças genéticasentre indivíduos (de maneira direta ou por características correlacionadas). Quanto menorfor o intervalo de gerações, quanto maior será o ganho genético anual.

Barillet (2007) sugere que um consenso precisa ser encontrado se a seleçãoconsidera tanto produção de leite quanto seus conteúdos. Este consenso consiste emsubstituir a produção de leite por uma combinação linear de produção de gordura eprodução de proteína, como o principal critério de seleção leiteira, possivelmentecombinado com conteúdo de gordura e de proteína se o objetivo global for melhorarsimultaneamente produção de leite e conteúdos que significa dizer que para aumentar tantoo rendimento queijeiro quanto a produção de queijos.

Lembrando Bourdon (1997), o sucesso de um programa de melhoramento dependenão apenas da soma dos detalhes técnicos, nem da compreensão por parte dos produtoresda teoria e importância do programa, mas depende, isto sim, do bom senso na aplicaçãodestas teorias dentro dos conceitos técnicos.

Segundo ele, os atributos importantes e necessários são o entendimento doprograma em si, o uso de informações de qualidade, o consenso nos objetivos econsistência destes objetivos (que animais serão mais úteis ou lucrativos no futuro),simplicidade (quanto menos características forem incluídas no objetivo, tanto melhor) epor fim, mas não menos importante, paciência.

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O programa de melhoramento de caprinos leiteiros na França tem selecionadoindivíduos com alelos fortes para este gene por cerca de 20 anos (Raynal-Ljutovac et al.,2005), o que levou ao aumento de conteúdo tanto de proteína (especialmente caseína)quanto de gordura no leite de cabra. Esta mudança provocou um efeito positivo naprodução de queijos.

Para organizar um Programa de Melhoramento Genético de Caprinos Leiteiros, nofinal de 2005, a Embrapa Caprinos, unidade da Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (EMBRAPA) iniciou seus trabalhos, em cujo principal plano de açãoconsiste na implementação do 1° Teste de Progênie de Reprodutores Caprinos Leiteiros doBrasil (Facó & Lobo, 2008).

A intenção inicial era promover o teste de reprodutores das raças Saanen e Anglo-nubiana, mas a partir das sugestões de associações e criadores foi incluída também a raçaAlpina. No projeto inicial o 1º grupo de reprodutores a serem testados compreenderiamsete reprodutores da raça Saanen, quatro da Anglo-nubiana e quatro da Alpina.

Em dezembro de 2005, a ABCC (Associação Brasileira de Criadores de Caprinos)fez a indicação dos reprodutores. Após os contatos e avaliação preliminar dos animais(sanidade e qualidade de sêmen), foi iniciada a coleta de sêmen de 10 reprodutores, sendocinco da raça Saanen, três da Anglo-nubiana e dois da Alpina (Facó & Lobo, 2008).

Apenas 15 rebanhos se dispuseram a participar como colaboradores (fornecerfêmeas para reprodução), sendo dois da raça Anglo-nubiana, um da raça Alpina e 12 daraça Saanen. Porém, para testar os 10 reprodutores, seriam necessários pelo menos 9, 6 e15 rebanhos Anglo-nubiana, Alpina e Saanen, respectivamente. Já foram inseminadas 677matrizes (Facó; Lobo, 2008).

Além do teste de progênie, o Programa de Melhoramento Genético de CaprinosLeiteiros pretende estruturar o Arquivo Zootécnico Nacional de Caprinos Leiteiros. Depoisde longa negociação com os órgãos relacionados ao assunto foi implantado em 2007 oControle Leiteiro Oficial. O arquivo está estruturado e sendo alimentado com dadosmensais de controle leiteiro oficial de 11 rebanhos localizados nos estados de MinasGerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

Além de produção de leite e seus conteúdos, há o objetivo de avaliar ospolimorfismos em genes candidatos com características de produção de leite, estudar errosde genealogia e propor medidas de controle, além de ampliar o banco de DNA dasprincipais raças caprinas exploradas para produção de leite no Brasil (Facó & Lobo, 2008).

Polimorfismos das caseínas do leite de cabra (seleção assistida por marcadores)

Até o final da década de 1980 acreditava-se que o leite de cabra não possuía afração de proteína denominada αs1-caseína, que era abundante no leite de vaca (Clark &Sherbon, 2000a). Até o final daquela década, não apenas sabia-se da existência destafração da caseína no leite de cabra como já se conhecia 7 alelos diferentes que a regiam(Clark & Sherbon, 2000b).

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O leite de cabra apresenta quatro frações de caseína: αs1, αs2, β- e κ-caseína(Moioli et al., 2007).

Os polimorfismos das proteínas do leite, que apresentam herança Mendeliana, têmsido mapeados e seqüenciados. O genótipo dos indivíduos tem sido utilizado na Françacomo critério de seleção, muito precocemente (ao nascimento), tanto para machos quantopara fêmeas, pela utilização de probes específicas de DNA (Serradilla, 2003).

ααααs1-caseína (CSN1S1)

Um gene principal como o CSN1S1 pode explicar a maior porção da variaçãogenética total em conteúdo de proteína (Barillet, 2007), chegando a cerca de 50% davariância genética total no conteúdo de proteína da população caprina (Barbieri et al.,1995).

O leite de cabra com altos níveis de αs1-caseína apresentam também melhorcomposição (Jordana et al., 1996), incluindo sólidos totais, gordura, proteína, caseína,fósforo e menor pH que o leite com baixos níveis (Clark & Sherbon, 2000b). Além disso,os altos níveis de αs1-caseína apresentam um tempo de coagulação alongado(desfavorável), mas uma desejável coagulação mais rápida e coalhada resultante maisfirma que os com baixos níveis (Clark & Sherbon, 2000a).

Segundo Serradilla (2003), um senão dos genótipos com alelos fortes eintermediários da CSN1S1 seria o menor sabor característico dos queijos de leite de cabraproduzidos por estes indivíduos, se comparados com os portadores de alelos fracos ounulos.

Ricordeau et al. (1995) estudaram as diferenças nas freqüências alélicas no locus deCSN1S1 dos bodes utilizados nas centrais de inseminação artificial na França de 1975 a1994. Eles relatam que apesar do esquema de seleção para as raças Alpina e Saanen seremo mesmo, a evolução das freqüências alélicas foi diferente. O aumento dos alelos fortespara este gene foi mais elevado na raça Alpina que na raça Saanen.

Nos últimos 20 anos muitos estudos relataram o polimorfismo genético no locusCSN1S1, que é responsável pelas variações individuais observadas nos conteúdos decaseína do leite de cabra. Sabe-se, até o memento que há no mínimo 17 variantesobservados (Marletta et al., 2007; Moioli et al., 2007), a maioria deles associados a quatroníveis de expressão quantitativa, variando de 0 g.L-1 a 3,5 g.L-1 por alelo. Os alelos A, B1,B2, B3, B4, C, H e L estão associados com altas quantidades de α-s1 caseína, os alelos E e Icom quantidade moderada (~1,1 g.L-1 por alelo) e os alelos D, F e G com baixasquantidades (~0,45 g.L-1 por alelo). Os alelos O1, O2 e N são responsáveis pelo fenótiponulo, correspondente a uma aparente ausência desta fração no leite (Marletta et al., 2007;Moioli et al., 2007).

Assim, o leite produzido por cabras com diferentes genótipos de CSN1S1apresentam uma quantidade variável de α-s1 caseína, variando de 7 g.L-1 em cabrashomozigotas para o alelo fortes a 0,9 g.L-1 e 0 g.L-1 , respectivamente para as homozigotaspara os alelos fracos ou nulos (Marletta et al., 2007).

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Segundo Barillet (2007), na década de 1990 a seleção de caprinos leiteiros naFrança, ignorando a informação molecular, produziu tendências genéticas positivas paraprodução de leite, produção de proteína e conteúdo de proteína e uma evolução positiva defreqüências dos alelos favoráveis de �s1-caseína (gene CSN1S1). Estudos de simulação,baseados neste esquema de seleção francesa (Barbieri et al., 1995; Manfredi et al., 1998)mostraram que a informação adicional de genes principais seria útil tanto a curto quantoem longo prazo e aumento tanto em conteúdos de proteína (especialmente caseína) quantode gordura (Grosclaude et al, 1994). Sánchez et al. (2005), através de estudo de simulação,também chegaram a resultados semelhantes e ressaltaram a possibilidade de fixação maisrápida de alelos fortes.

O estudo do polimorfismo das caseínas do leite de cabra também têm sido utilizadopara caracterizar populações locais em diferentes países, inclusive para ilustrar avariabilidade genética existente nas características leiteiras destas raças (Ouni et al., 2007).

Além de auxiliar no entendimento de estruturas populacionais, conhecer afreqüência alélica do polimorfismo da caseína do leite de cabra pode ajudar a entender aevolução genética de grupos raciais, muitas vezes devida à seleção natural em ambientesmenos favoráveis (Ouni et al., 2007).

Silva et al. (2007) estudaram o polimorfismo da caseína do leite de cabra emPernambuco, e com as raças Alpina Americana, Moxotó e animais SRD, e demostraram aproximidade genética entre animais Moxotó e SRD.

αααα-s2 caseína (CSN1S2)

Há no mínimo 8 alelos identificados no polimorfismo da CSN1S2 (Moioli et al.,2007), associados a três níveis de síntese.

A quantidade de α-s2 caseína foi associada com propriedades alergênicas do leite,com os alelos A, B, C, E e F com maior potencial alergênico que os alelos D e O (Marlettaet al., 2004).

Algumas pesquisas também têm sido realizadas sobre o polimorfismo de outrascaseínas do leite de cabra (α-s2 caseína (CSN1S2) e β-caseína (CSN2)). SegundoSerradilla (2003), em ambos os casos a variante nula apresenta um efeito importante noconteúdo de caseína.

ββββ-caseína (CSN2)

Durante muito tempo a β-caseína foi considerada monomórfica, até que foidescoberta a existência de um fenótipo nulo em algumas raças caprinas (Moioli et al.,2007). Atualmente há cinco alelos identificados. Três deles diferem apenas pelasubstituição de um aminoácido (A, B e C), associados aos níveis de síntese normais e doisalelos nulos.

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κκκκ-caseína (CSN3)

Há 16 alelos observados até o momento (Moioli et al., 2007), dos quais 13 sãovariantes protéicos e 3 são mutações nulas.

O interesse de alguns pesquisadores tem se voltado para a κ-caseína, que estálocalizada na superfície das micelas e tem mostrado seus efeitos nas propriedadestecnológicas do leite de cabra. A adição dos genótipos CSN3 como um critério adicionalpode beneficiar a seleção das propriedades relacionadas à produção de queijos (Marletta etal., 2007).

Caseína haplotipo

É sabido que os genes de caseína estão organizados em agrupamentos na ordemCSN1S1, CSN2, CSN1S2 e CSN3 (Moioli et al., 2007), num segmento do cromossomo 6(Barillet, 2007).

Devido a essa associação entre os genes de caseína, a estimação da correlação entreas variantes de caseína e características de produção de leite de cabra poderiam serotimizadas com a utilização das informações em conjunto ao invés de genes isolados(Marletta et al., 2007; Moioli et al., 2007).

Parâmetros genéticos das características quantitativas

As características mais usuais na produção de leite incluem a própria produção deleite, a produção de gordura, produção de proteína e conteúdos de gordura e de proteína.Os parâmetros genéticos destas características foram estudados em diversos trabalhos e sãorelativamente bem conhecidos. Algumas estimativas de herdabilidade e repetibilidade decaracterísticas de interesse econômico em caprinos leiteiros podem ser observadas naTabela 6.

Clark & Sherbon (2002a) calcularam as correlações fenotípicas entre diferentescomponentes do leite de cabra, αs1-caseína e propriedade de coagulação do leite, comopode ser observado na Tabela 7.

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Tabela 6. Estimativas de herdabilidade (h2) e reprtibilidade (t) de características deimportância econômica de caprinos leiteiros.

Autor/ano h2 tIdade ao primeiro partoGonçalves (1996) 0,22 e 0,27 -Ribeiro (1997) 0,14 -Intervalo de partosGonçalves (1996) 0,04 e 0,0003 0,10 e 0,09Ribeiro (1997) 0,09 0,09Produção de leiteBishop et al. (1995) 0,29 -Analla et al. (1996) 0,18 0,39Gonçalves (1996) 0,30 e 0,22 0,28 e 0,22Ribeiro (1997) 0,09 0,20Bélichon et al. (1998) 0,32-0,34 -Breznik et al. (2000) 0,20 -Tholon et al. (2001) 0,37 0,52Valencia et a. (2006) 0,22 0,40Barillet (2007) ~0,30 -Duração da lactaçãoGonçalves (1996) 0,11 e 0,12 0,11 e 0,12Ribeiro (1997) 0,06 0,11Valencia et a. (2006) 0,04 0,11Barillet (2007) ~0,30 -Produção de gorduraIloeje & Van Vleck (1978) 0,22 a 0,51 -Bélichon et al. (1998) 0,37-0,40 -Conteúdo de gordura (%)Iloeje & Van Vleck (1978) 0,10 a 0,29 0,35Analla et al. (1996) 0,16 0,36Bélichon et al. (1998) 0,58-0,60 -Breznik et al. (2000) 0,18 -Barillet (2007) ~0,50-0,60 -Produção de proteínaBélichon et al. (1998) 0,34-0,36 -Barillet (2007) ~0,30 -Conteúdo de proteína (%)Analla et al. (1996) 0,25 0,47Bélichon et al. (1998) 0,50-0,58 -Breznik et al. (2000) 0,24 -Barillet (2007) ~0,50-0,60 -Conteúdo de lactoseBreznik et al. (2000) 0,23 -Sabor do leiteIloeje & Van Vleck (1978) 0,25 0,28Velocidade de ordenhaBarillet (2007) 0,54 a 0,65 -Características lineares de tipoLuo et al. (1997) 0,16 a 0,42 -

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Tabela 7. Correlações de Pearson entre composição do leite de cabra e propriedades decoagulação.

ST SNG G P CN αs1 TC TxCSNG 0,64 ***G 0,93 *** 0,32 ***P 0,53 *** 0,84 *** 0,25 **CN 0,44 ** 0,76 *** 0,15 0,92 ***αs1 0,32 *** 0,33 *** 0,23 * 0,33 *** 0,51 ***TC 0,15 * 0,33 ** 0,02 0,40 *** 0,30 0,26 *TxC 0,59 *** 0,64 *** 0,44 *** 0,70 *** 0,48 ** 0,09 -0,02FC 0,50 *** 0,43 *** 0,44 *** 0,37 ** 0,31 0,17 0,33 ** 0,65 ***

ST = sólidos totais; SNG = sólidos não gordurosos; G = gordura; P = proteína; CN = caseína total; αs1 =αs1-caseína; TC =tempo de coagulação; TxC = taxa de coagulação; FC = firmeza da coalhada.*P<0,05; **P<0,01; ***P<0,001.Fonte: Clark & Sherbon (2002a).

Iloeje & Van Vleck (1978) revisaram as correlações entre produção de leite etempo de ordenha e sabor do leite, relatando valores de 0,37 e 0,77, respectivamente. Osautores também relataram correlação entre sabor do leite e conteúdo de gordura de 0,19.

Segundo Barillet (2007) a velocidade de ordenha apresenta correlação positiva comprodução de leite (0,10). As correlações entre produção de leite e posicionamento de tetosou profundidade de úbere são de levemente a claramente antagônicas (-0,10 a -0,55).

Desafios e futuro

Quanto de leite uma cabra pode chegar a produzir?

Os animais que são expoentes em produção de leite ou em componentes do leite são umapossibilidade de se vislumbrar o potencial genético dos caprinos leiteiros. Muitas vezes ascondições ambientais em que são mantidos são muito boas e não traduzem a rotina de umapropriedade leiteira, mas tem sua função de divulgação.

Haenlein (2007) relaciona as cabras que mais produziram leite, em todos os tempos decontrole, dos Estados Unidos (Tabela 8), mencionando o potencial das cabras em produzirleite e, conseqüentemente, de gerar alimentos e receita proveniente de sua comercialização.Os valores apresentados são realmente elevados, especialmente a da cabra da raçaToggenburg, que apresentou uma produção média de 11,9 kg em lactação de 305 dias.Outro ponto que chama a atenção são os valores apresentados como os maiores de todos ostempos terem sido obtidos todos antes do ano 2000.

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Tabela 8. Cabras líderes em produção de leite nos Estados Unidos.

Raça Anoda PL

Idade(anos emeses)

DL(dias)

PL total(kg)

PLdiária(kg)

PG(kg)

PP(kg)

Alpina Americana 1982 7/4 305 2916 9,6 140 -La Mancha 1991 5/0 253 2455 9,7 81 88Nubiana 1996 2/9 302 2700 8,9 138 98Oberhasli (Alpina) 1997 3/0 304 2120 7,0 106 61Saanen 1997 4/0 305 2987 9,8 76 74Toggenburg 1997 3/1 305 3620 11,9 142 109

DL = Duração da lactação; PL= produção de leite; PG = produção de gordura; PP = produção de proteínaFonte: Adaptado de Haenlein (2007) e ADGA (2008).

Ribeiro & Ribeiro (2008) fizeram um levantamento das cabras mais produtivas noBrasil, participantes de torneios leiteiros (6 ordenhas realizadas em 72 horas decompetição). Dentre as 6 cabras mais produtivas, todas são da raça Saanen e os valoresproduzidos na média dos 3 dias dos torneiros leiteiros podem ser observados na Tabela 9.Todos os animais pertenciam à categoria cabra adulta (acima de 4 anos de idade).

Tabela 9. Cabras mais produtivas em torneios leiteiros no Brasil.

Colocação Nome da cabra Raça Produção diária (kg) Ano1ª Mel do Capril Mantiqueira Saanen 11,348 20052ª Milena da Toca do Vovô Saanen 10,980 20013ª Tatine do Geneve Saanen 10,947 20014ª Milene do Capril JCR Saanen 10,552 20045ª Desiree do Geneve Saanen 10,415 20036ª Ostra da Serra de Andradas Saanen 10,400 2001

Por fim, para o leite fluido já se sinaliza a possibilidade de produção demedicamentos (hG-CSF - Fator Estimulante de Colônias de Granulócitos humano,utilizado em casos de imunodeficiência, através da transgênese, inclusive com os primeiroscabritos produzidos com esta tecnologia nascidos em março deste ano no Brasil, emFortaleza (um casal da raça Canindé) (UECE, 2008).

Considerações finais

O objetivo de seleção de caprinos leiteiros passa, indiscutivelmente, pela qualidade doleite, tanto para o consumo quanto para sua transformação na indústria, mas está focado narentabilidade do negócio. O ideal seria um modelo em que a seleção conduzisse aoaumento da rentabilidade para todos os elos da cadeia produtiva, mas nem sempre isto épossível.

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Com relação ao aspecto nutricional do leite de cabra, há indiscutíveis benefícios àsaúde relacionados a diversos problemas médicos, tais como subnutrição, desordensgastro-intestinais e alergias às proteínas do leite de vaca (Marletta et al., 2007).Infelizmente, a maioria dos estudos que confirmam estes benefícios foi conduzida comleite de conjunto, o que não caracteriza a influência dos polimorfismos das caseínas nestasimportantes características nutricionais e funcionais.

Urge conscientizar os produtores de rebanhos elite que os objetivos de seleçãodevem ser convergentes com os objetivos da indústria. A seleção apenas para tipo, aindaque funcional, é sedutora, principalmente por se basear em característica com valores deherdabilidade moderado a altos e, portanto, passível de seleção massal e com respostarelativamente rápida, mas não conduzirá a este desejo comum: Lucro. Muitas vezes oproblema é que os criatórios que se auto-intitulam criatórios elite querem o status e o lucrodesta classificação, mas muitas vezes nem têm idéia do que realmente é um rebanho elite.Encontram-se muitos produtores que acreditam que todos os seus cabritos são reprodutores(e não apenas os 5 que deveriam merecer tal incumbência).

Características que fazem parte do objetivo de seleção deveriam também levar emconta outros elos da cadeia produtiva do leite de cabra, desde o produtor até a casa doconsumidor.

Por fim, para um ganho genético máximo ocorrer, os produtores precisam serrecompensados financeiramente por seus esforços.

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