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Revista Brasileira de Neurologia » Volume 47 » Nº4 » out, nov, dez, 2011 » 7 Neurocisticercose em pacientes epilépticos acompanhados em um ambulatório especializado Neurocysticercosis in epileptic patients followed at a specialized clinic Sílvio Roberto de Souza-Pereira 1 Bruno Engler Faleiros 2 Bernardo Cardoso Pinto Coelho 2 Marilis Tissot Lara 1 Eduardo Jardel Portela 1 Antônio Lúcio Teixeira 1,3 1 Neurologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais; 2 Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; 1,3 Professor de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Ambulatório de Epilepsia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Endereço para correspondência: Antônio Lúcio Teixeira - Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina da UFMG. Av. Alfredo Balena, 190. Santa Efigênia, Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 30130-100 - E-mail: [email protected] - Tel/Fax: 31-3409-2651 Resumo A neurocisticercose (NCC) é a causa identificável mais comum de epilepsia em países em desenvolvimento. O objetivo desse estudo é investigar o perfil dos pacientes com diagnóstico de NCC acompanhados em um ambulatório neurológico especializado em epilepsia. Métodos: Trata-se de estudo transversal, descritivo de 502 pacientes com epilepsia. Resultados: NCC foi encontrada em 14,9% dos pacientes, sendo que 73,3% destes apresentaram crises focais. A farmacorresistência foi observada em um maior percentual de pacientes com NCC (32,0%, 24/75) em comparação com os pacientes sem NCC. Conclusão: A frequência de NCC mostrou-se elevada nesse contexto clínico, associando-se à refratariedade à medicação. Palavras-chave: neurocisticercose, epilepsia, epidemiologia, farmacorresistência. Summary Neurocysticercosis (NCC) is the most common identifiable cause of epilepsy in developing countries. The aim of this study was to investigate the profile of patients diagnosed with NCC followed at a specialized neurological service in epilepsy. Methods: This was a transversal descriptive study of 502 patients with epilepsy. Results: NCC was found in 14.9% of patients, 73.3% of them had focal seizures. Drug resistance was observed in a higher percentage of patients with NCC (32.0%, 24/75) in comparison with patients without NCC. Conclusion: The frequency of NCC was elevated in the present clinical setting, being associated with refractoriness to anti-epileptic medication. Keywords: neurocysticercosis, epilepsy, epidemiology, drug resistance. » Rev Bras Neurol, 47 (4): 7-10, 2011

» Rev Bras Neurol, 47 (4): 7-10, 2011 A eficácia da ...files.bvs.br/upload/S/0101-8469/2012/v47n4/a2945.pdf · Ambulatório de Epilepsia do Hospital das Clínicas da ... A trazodona

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Revista Brasileira de Neurologia » Volume 47 » Nº4 » out, nov, dez, 2011 » 7

Neurocisticercose em pacientes epilépticos acompanhados em um ambulatório

especializadoNeurocysticercosis in epileptic patients followed at a specialized clinic

Sílvio Roberto de Souza-Pereira1

Bruno Engler Faleiros2

Bernardo Cardoso Pinto Coelho2

Marilis Tissot Lara1

Eduardo Jardel Portela1

Antônio Lúcio Teixeira1,3

1Neurologista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais; 2Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais; 1,3Professor de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Ambulatório de Epilepsia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Endereço para correspondência: Antônio Lúcio Teixeira - Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina da UFMG.Av. Alfredo Balena, 190. Santa Efigênia, Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 30130-100 - E-mail: [email protected] - Tel/Fax: 31-3409-2651

ResumoA neurocisticercose (NCC) é a causa identificável mais comum de epilepsia em países em desenvolvimento. O

objetivo desse estudo é investigar o perfil dos pacientes com diagnóstico de NCC acompanhados em um ambulatório neurológico especializado em epilepsia. Métodos: Trata-se de estudo transversal, descritivo de 502 pacientes com epilepsia. Resultados: NCC foi encontrada em 14,9% dos pacientes, sendo que 73,3% destes apresentaram crises focais. A farmacorresistência foi observada em um maior percentual de pacientes com NCC (32,0%, 24/75) em comparação com os pacientes sem NCC. Conclusão: A frequência de NCC mostrou-se elevada nesse contexto clínico, associando-se à refratariedade à medicação.

Palavras-chave: neurocisticercose, epilepsia, epidemiologia, farmacorresistência.

SummaryNeurocysticercosis (NCC) is the most common identifiable cause of epilepsy in developing countries. The aim

of this study was to investigate the profile of patients diagnosed with NCC followed at a specialized neurological service in epilepsy. Methods: This was a transversal descriptive study of 502 patients with epilepsy. Results: NCC was found in 14.9% of patients, 73.3% of them had focal seizures. Drug resistance was observed in a higher percentage of patients with NCC (32.0%, 24/75) in comparison with patients without NCC. Conclusion: The frequency of NCC was elevated in the present clinical setting, being associated with refractoriness to anti-epileptic medication.

Keywords: neurocysticercosis, epilepsy, epidemiology, drug resistance.

» Rev Bras Neurol, 47 (4): 7-10, 2011

w w w . a p s e n . c o m . b r / d e p r e s s a o

SE PERSISTIREM OS SINTOMAS O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO.

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Donaren® Retard é um medicamento. Durante seu uso não dirija veículos ou opere máquinas, pois sua agilidade e atenção podem estar prejudicadas.Referências: 1) Saletu-Zyhlarz GM, Anderer P, Arnold O, Saletu B. Confirmation of the neurophysiologically predicted therapeutic effects of trazodone on its target symptoms depression, anxiety and insomnia by postmarketing clinical studies with a controlled-release formulation in depressed outpatients. Neuropsychobiology. 2003;48(4):194-208. 2) Kasper S, et al. A comparative, randomised, double-blind study of trazodone prolongad-release and paroxetine in the treatment of patients with major depressive disorder Curr Med Res Opin 2005 21(8) p. 1139-46. 3) Munizza C, Olivieri L, Di Loreto G, et al. A comparative, randomized, double-blind study of trazodone prolonged-release and sertraline in the treatment of major depressive disorder Current Medical Research and Opinion 2006 22(9): 1703-13. 4) Stahl S.M. Selecting an antidepressant by using mechanism of actions to enhance efficacy and avoid side effects J. Clin. Psychiatry 1998:59 (Supl.18):23-9. 5) Bula do Produto.

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Os pacientes do sexo masculino com ereções prolongadas ou com duração inadequada, devem suspender imediatamente o tratamento com o medicamento e consultar o médico. A trazodona não é recomendada para o uso durante a fase inicial de recuperação do infarto do miocárdio. GRAVIDEZ: Não há estudos adequados e bem controlados sobre os efeitos em mulheres grávidas. A trazodona não deve ser usada durante os três primeiros meses da gravidez, e nos meses restantes apenas se o benefício esperado justificar o risco potencial para o feto. AMAMENTAÇÃO: A trazodona e/ou seus metabólitos foram encontrados no leite de ratos lactantes, sugerindo que o medicamento pode ser excretado no leite humano. Não se recomenda administrar o cloridrato de trazodona para lactantes. DONAREN® RETARD não deve ser utilizado durante a gravidez e a amamentação, exceto sob orientação médica. Informe ao seu médico ou cirurgião-dentista se ocorrer gravidez ou iniciar amamentação durante o uso deste medicamento. PEDIATRIA: A segurança e eficácia em crianças abaixo de 18 anos ainda não está bem determinada. GERIATRIA: O uso em pacientes idosos, acima de 65 anos de idade, exige uma administração reduzida, conforme especificado em Posologia e Modo de Usar. INTERFERÊNCIA EM EXAMES LABORATORIAIS: Ocasionalmente foram observadas contagens baixas de células brancas e neutrófilos no sangue em pacientes que receberam cloridrato de trazodona que, em geral, não exigiram a suspensão do medicamento; contudo, o tratamento deve ser suspenso em qualquer paciente cuja contagem de células brancas ou neutrófilos absolutos no sangue caia abaixo dos níveis normais. Contagens de células brancas e diferenciais são recomendadas para pacientes que apresentem febre e dor de garganta (ou outros sinais de infecção) durante a terapia. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS: Deve-se evitar o uso de DONAREN® RETARD concomitantemente à terapia por eletrochoque pela ausência de pesquisa nessa área. Há relatos de ocorrência de aumento e diminuição de tempo de protrombina em pacientes sob tratamento com warfarina e trazodona. A trazodona na dose de 175 mg/dia não intervem na terapia anticoagulante com cumarínicos, embora modere o efeito da heparina. A trazodona na dose de 100 a 300 mcg/Kg produz uma inibição dose-dependente do efeito anti-hipertensivo da clonidina. Há relatos da ocorrência de aumento nos níveis de digoxina ou fenitoína no sangue em pacientes que recebem trazodona juntamente com um desses medicamentos. Foi descrito um caso de possível intoxicação digitálica precipitada pela trazodona em um paciente geriátrico, sugere-se especial cuidado nestes casos. Não se conhece sobre a ocorrência de interações entre inibidores de monoaminaoxidase (IMAO) e a trazodona. Devido à ausência de pesquisa clínica, se os inibidores da MAO forem suspensos um pouco antes ou forem administrados concomitantemente à trazodona, a terapia deve ser iniciada com cautela aumentando-se gradualmente a dosagem até que se obtenha a reação esperada. REAÇÕES ADVERSAS: - Reações mais frequentes: sonolência, boca seca, gosto desagradável, náusea, vômito e cefaleia. Assim como outras drogas psicoativas, a trazodona causa sedação, mas seu efeito sobre o sono difere de todas as demais drogas da classe, pois não deprime o sono REM como a fenotiazida que deprime o comportamento de auto-estimulação pela ação da anfetamina e produz um bloqueio alfa-adrenérgico, mas ao contrário das demais drogas a trazodona apresenta mínimos efeitos anticolinérgicos e não antagoniza a dopamina central. - Reações ocasionais ou raras: priapismo, efeitos no SNC, batimento cardíaco irregular, hipotensão, excitação anormal, visão turva, constipação, diarreia, dor muscular, debilidade ou fraqueza anormal. Houve ocorrências ocasionais de bradicardia sinusal em estudos a longo prazo. Outros relatos mais raros, incluem: acatísia, reação alérgica, anemia, dores no peito, fluxo alterado de urina, alteração da menstruação, flatulência, hematúria, hipersalivação, hipomania, dificuldade da fala, impotência, aumento do apetite, aumento de libido, contrações musculares, entorpecimentos e ejaculação retrógrada. O tratamento com a Trazodona foi associado à ereção do pênis e priapismo. Para avaliar esta reação adversa, um estudo duplo-cego em 6 pacientes saudáveis, comparou a ação da trazodona com a trimipramina (tricíclico). Durante o tratamento com trazodona houve um aumento estatisticamente significativo da ereção noturna que passou de 177±21 minutos com trimipramina para 285±115 minutos com trazodona (p<0.05). A análise do sono REM, quando ocorre a ereção, em relação à detumescência foi significativamente prolongada em 2,4 vezes com trazodona. A trazodona foi associada à melhora da ereção em homens impotentes e ao prolongamento da ereção em homens normais. O aumento da libido na mulher e priapismo no homem com trazodona foi relatado em um estudo aberto em 3 pacientes onde o autor realça que a trazodona pode causar priapismo intratável no homem, mas pode ter alguma utilidade terapêutica nas mulheres com distúrbios sexuais. POSOLOGIA: A posologia recomendada para adultos é de 75-150 mg ao dia, a ser administrado em uma dose única à noite, antes de dormir. A dose pode ser aumentada para 300 mg ao dia, dividida em duas administrações. Em pacientes hospitalizados a dose pode ser adicional aumentada para 600 mg ao dia, em doses divididas. Pacientes idosos: Começar com uma dose única de 100 mg ao dia, a ser administrada à noite. A dose pode ser aumentada, como prescrita pelo médico, dependendo da resposta clínica. Não são ultrapassadas doses maiores que 300 mg ao dia. VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA. SÓ PODE SER VENDIDO COM RETENÇÃO DA RECEITA. SE PERSISTIREM OS SINTOMAS O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. Reg. MS - 1.0118.0601.

CONTRAINDICAÇÕES: IAM, intolerância a frutose e diabetes. INTERAÇÃO MEDICAMENTOSA: O uso concomitante com álcool ou outros depressores do SNC, pode causar depressão excessiva do Sistema Nervoso Central.

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8 » Revista Brasileira de Neurologia » Volume 47 » Nº4 » out, nov, dez, 2011

Souza-Pereira SR, Faleiros BE, Coelho BCP, Lara MT,Portela EJ, Teixeira AL

IntroduçãoA neurocisticercose (NCC) humana é uma condição

relacionada à presença de fases larvais de Taenia solium no sistema nervoso central. No Brasil, sua epidemiologia é pouco precisa pela inexistência de notif icação obrigatória na maioria dos estados. Agapejev (2003), em uma revisão crítica da literatura nacional, relatou a menor incidência em hospitais gerais de São Paulo, sendo responsável por 0,19% dos atendimentos, e a maior no Paraná, 4,8%1.

A principal manifestação clínica da NCC é o aparecimento de crises epilépticas na vida adulta1-6. A NCC, tanto na forma ativa, como na forma inativa, é a causa identificável mais comum de epilepsia em países em desenvolvimento, sendo as crises focais, com ou sem generalizações secundárias, os tipos mais frequentes2,3,4. Por exemplo, Valença et al., em um ambulatório de neurologia geral, identificou a NCC como a principal causa de epilepsia em cerca de 11% dos pacientes com menos de 45 anos7. Não há estudos disponíveis no Brasil sobre a frequência de NCC em ambulatórios especializados de epilepsia, que geralmente concentram os casos mais complexos e/ou refratários do ponto-de-vista terapêutico.

O presente estudo tem como objetivo investigar o perf il dos pacientes com diagnóstico de NCC acompanhados no Ambulatório de Epilepsia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG).

MétodoTrata-se de um estudo transversal, descritivo,

realizado no Ambulatório de Epilepsia do HC-UFMG, sendo coletados os dados clínicos de 502 pacientes acompanhados neste serviço.

O diagnóstico de NCC baseou-se nos critérios de Del Bruto para NCC provável ou definida6. A classificação dos tipos de crises baseou-se na Classificação Internacional das Crises Epilépticas de 19818.

A análise estatística dos dados foi efetuada utilizando-se o programa SPSS versão 12.0. As variáveis categóricas foram analisadas pelo teste do Qui-quadrado e as variáveis contínuas, pelo teste t de Student.

ResultadosDos 502 pacientes estudados, 51,2% eram do

sexo feminino e a média de idade foi de 38,8 anos. A frequência de NCC encontrada foi 14,9% (N=75) dos

pacientes. Destes, 40 (53,3%) eram do sexo feminino e a média de idade foi de 46,8 anos.

Quanto ao tipo de crise, as crises focais ocorreram em 73,3% (N=55) dos pacientes com NCC. No grupo sem NCC, as crises focais também foram as mais frequentes, mas foram responsáveis por um menor percentual de casos, 52,3% (N=224) (p=0,020).

Terapia com apenas uma droga antiepiléptica (DAE) foi a principal estratégia em ambos os grupos, sendo utilizada por 62,6% (N=47) dos pacientes com NCC e por 60,7% (N=258) dos sem NCC. Como droga de primeira escolha, a carbamazepina foi a mais utilizada tanto pelos pacientes com (56,0%, N=42) como pelos sem NCC (50,3%, N=215). No entanto, farmacorresistência foi observada em maior frequência nos pacientes com NCC (32,0%, 24/75) do que nos pacientes sem NCC (16,6%, 71/427) (p=0,010).

DiscussãoEste é um dos únicos trabalhos brasileiros a relatar

a frequência de NCC entre pacientes epilépticos acompanhados em um centro especializado. A prevalência de 14,9% de NCC encontrada em nosso estudo é menor do que a de trabalhos realizados em hospitais gerais, que a descreveram em torno de 20%9,10. Por sua vez, estudos realizados na população de zonas rurais de países endêmicos da América do Sul demonstraram prevalência de NCC em 30% dos indivíduos com epilepsia11,12,13.

A discordância entre os números do presente estudo e outros estudos pode ser explicada, em parte, pelo fato de nosso estudo ter sido conduzido em um ambulatório especializado em epilepsia, em que pacientes com quadros clínicos mais complexos são acompanhados. Nesse sentido, Velasco e colaboradores, avaliando 512 pacientes com epilepsia intratável, encontraram lesões sugestivas de NCC isoladamente em 1,56% dos casos, sugerindo que a NCC não estaria relacionada com formas mais graves de epilepsia14. No entanto, observamos maior frequência de refratariedade a DAE nos casos de pacientes epilépticos com NCC. No sentido de conciliar esses resultados aparentemente contraditórios, é possível que a maioria dos casos de epilepsia associados à NCC seja realmente de controle simples, sendo atendidos por serviços de atenção primária e/ou ambulatórios de neurologia geral, não requerendo o encaminhamento para serviços especializados. Por sua vez, os casos encaminhados para serviços especializados seriam

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Neurocisticercose em pacientes epilépticos acompanhados em um ambulatório especializado

especialmente complexos, exibindo maior refratariedade ao tratamento farmacológico.

Confirmando dados da literatura, as crises focais foram as mais observadas entre os pacientes com NCC1,3,11. Alguns estudos exibem dados bastante variáveis, com frequências que oscilam de 50 a 90%, quanto à frequência de crises generalizadas entre pacientes epilépticos com NCC4,5. Uma crítica a esses estudos seria a não diferenciação clínica entre crises primariamente generalizadas e as secundariamente generalizadas, possivelmente superestimando a frequência de crises generalizadas9. Outro ponto seria a não especificação do número e da topografia dos cistos encontrados no parênquima cerebral dos pacientes. De fato, a presença de infecção maciça poderia ser responsável pelo aparecimento de crises com manejo clínico mais difícil3.

Em nosso trabalho, o número e a localização dos cistos também não foram precisados, o que poderia contribuir para a elucidação dos casos de crises

generalizadas e daqueles com refratariedade às DAEs e manejo clínico mais difícil.

A casuística de pacientes com quadros epilépticos mais complexos nos permite avaliar a importância da NCC como fator de gravidade e de aumento da morbidade nesse grupo. Sabidamente, a NCC tem se mostrado como causa importante de epilepsia no adulto, e embora alguns autores defendam que, aparentemente, não se traduz em fator de complicação, observamos um índice maior de refratariedade às DAEs entre os pacientes com NCC. Tal aspecto aponta para a necessidade de mais estudos para uma melhor caracterização dessa casuística refratária e para esclarecer a real importância da NCC na gravidade e no manejo clínico desses pacientes. Salientamos ainda a importância de um diagnóstico precoce dessa doença parasitária, tornando possível o seu tratamento ainda em fase ativa e prevenindo o surgimento de quadros epilépticos mais graves e de elevada recorrência15.

Tabela. Comparação de variáveis clínicas entre pacientes epilépticos com e sem neurocisticercose (NCC) acompanhados em um serviço terciário

Com NCC Sem NCC χ2

IdadeMédia 45,0 37,6Desvio-padrão 12,2 13,6

0,07N % N %

SexoM 35 46,7 210 49,2

F 40 53,3 217 50,80,688

Crises

Focais 55 73,3 224 52,4Secundariamente generalizadas 10 13,3 65 15,2Generalizadas 6 8,0 78 18,2Indeterminadas 4 5,4 60 14,2

0,020

DAEs

Nenhuma 4 5,4 41 9,5

1 droga 47 62,6 258 60,72 drogas 24 32,0 114 26,7

3 drogas 0 0 11 2,6

4 drogas 0 0 2 0,50,370

FarmacorresistênciaSim 24 32,0 71 16,6Não 51 68,0 356 83,4

0,010

Total 75 100 427 100

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Souza-Pereira SR, Faleiros BE, Coelho BCP, Lara MT,Portela EJ, Teixeira AL

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