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--Saudades do nosso pai-sirleidesá

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Page 1: --Saudades do nosso pai-sirleidesá
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Já há algum tempo tenho desejo

de escrever e resolvi fazer agora

para contar um pouco da vida de

minha família. Meus pais se

conheceram ainda crianças e

brincaram, viveram a infância,

cresceram juntos se casaram na

região de Floresta. Dessa união,

nasceram três filhos: Eu, Sirley,

a mais velha, Sonia a do meio e

Marina a caçula; enfim, uma

família feliz.

Barbosa Ferraz, novembro de 1993.

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Meu pai era um homem trabalhador e

vivíamos no sitio. Papai adorava cuidar

das criações e tínhamos de tudo nesse

sítio onde também moravam os irmãos

de meu pai, que seriam meus tios e os

pais deles, meus avôs. Ele trabalhava o

dia inteiro na roça e quando chegava em

casa, no final da tarde, ele ainda ia

cuidar das criações. Minha mãe fazia

todo serviço de casa, e à noite, deixava

tudo arrumado para que no outro dia

bem cedinho, pudéssemos todos sair

para a roça, sendo que eu e as minhas

irmãs ficávamos em um ranchinho que

meu pai construiu no meio dela.

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Éramos pequenas e às vezes

chorávamos, pois as

formigas nos ferroavam e lá

vinha meu pai correndo

para ver o que havia

acontecido. Meu pai era um

homem muito bom, amigo

de todos e jamais levantou

a mão sequer para nos dar

um tapinha, ainda que

fosse.

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O tempo foi se passando... crescemos em

um lar de felicidade, eu me casei tive meus

três filhos, Sonia também se casou e tem 2

filhos, Marina casou-se também, teve 2

filhos e ganhou mais um há pouco tempo.

Houve uma época que meu pai bebia

muito, bebia e fumava, mas era um homem

muito carinhoso e sempre comentávamos

com ele sobre o mal que o cigarro e o álcool

faziam, mas ele dizia que não que tinha

uma saúde de ferro, - E na verdade, tinha

sim - só que ninguém é de ferro. Ele

aparentava ter essa saúde perfeita; mas

um dia, quando estava fazendo silagem

para alimentar o gado, ele sentiu que não

estava bem. Atribuiu o mal estar ao calor,

e perdeu a voz.

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Começou a tomar remédios

caseiros, chás, gargarejos e

nada de melhorar. Passados

vários meses ele relutava em

ir médico, mas de tanto a

minha mãe insistir ele

acabou cedendo. Ao ser

examinado, o medico disse a

ele:

– “Seu” João, o senhor tem

um pequeno calo na

garganta!

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Mas um pequeno calo? Não

acreditávamos naquilo... Mas meu

pai confiava no medico e passado

vários meses meu pai começou a

emagrecer, não comia direito,

alimentava-se mais de sopas até que,

de tanto a gente insistir, ele resolveu

fazer outros exame e ouvir uma

outra opinião médica. Eu morava

em Barbosa e o levei para Maringá

onde foram feitos vários exames,

inclusive uma endoscopia; e nesse

exame foi constatado que o meu pai

estava com câncer na garganta

evoluído para o esôfago, estomago e

pulmão.

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Ele estava totalmente tomado

pela doença, embora não

quiséssemos acreditar, era essa a

realidade, com os médicos prevendo

que ele teria mais seis meses de vida

no máximo. Justo ele, um homem

forte de 52 anos que amava os

netos e a vida estava ali, com data

marcada para nos deixar. Eu vi

estampada no rosto da minha mãe

à dor no momento em que ela

recebeu essa notícia tão dura, de

que o seu marido e companheiro

teria somente mais seis meses de

vida...

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Meu pai pediu para que nós

fossemos morar com eles, mesmo eu

já estando casada, pois ele queria

toda família junto. Eu morava

mais longe e não levamos a

mudança, mas atendemos ao seu

pedido e fomos viver com ele; eu,

meu marido e os meus filhos. Meu

marido o levava todos os dias para

fazer aplicações e ele tinha

esperança de se curar e todos os dias

nos chamava para rezarmos junto

com ele e pedia para que Deus

tivesse piedade e que o deixasse

viver para ver seus netinhos

crescerem...

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Pobre papai; tanto sofrimento!! Gritava

dia e noite de dor chegou à situação de não

poder engolir nem mesmo água, minha mãe

molhava o algodão e colocava em sua boca

para aliviar a sede e ainda nos corta o

coração até hoje quando lembramos dele

vendo a chuva, e ele, olhando para fora

chorava ao ver tanta água sem poder beber

nada, nem um golinho como ele dizia, e,

quando sentia o cheiro da comida, chorava

de fome, mas não conseguia e nem podia

comer nem um caldo que fosse. Nós

também, diante daquele sofrimento

comíamos direito, fazíamos comida sem

temperos para ele não sentir o aroma,

vivíamos em lagrimas em prantos em ver o

sofrimento dele ali se definhando cada vez

mais e ele ainda falava e dizia que tinha

tanta comida e tanta fartura sem poder

usufruir dela.

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Perguntávamos em nossas orações a

Deus sobre o que adiantaria ter tudo

isso, minha mãe e meu pai que tiveram de

tudo, o melhor para vê-lo reclamar e

dizer a nós sobre a sua situação de estar

morrendo de fome sem que lhe tivesse

dado a graça de desfrutar. Mas meu pai

foi um homem muito bom, que sempre

ajudou as pessoas, uma pessoa temente a

Deus e nós crescemos num seio familiar

sólido e santo. Meu pai pesava mais de

setenta quilos, e em pouco tempo, pesava

somente trinta. Minha mãe o pegava no

colo. Numa quinta feira, 20 de janeiro,

meu pai passou muito mal não dormimos

sequer um minuto, da mesma forma em

que vínhamos dormindo há muito tempo.

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Meu pai recebia muitas visitas, muito amigos e

parentes; as pessoas vinham vê-lo, visitá-lo e

ele passou dessa quinta para a sexta feira

completamente desacordada, vindo a despertar

no sábado de madrugada. Ele estava muito

mal e a sua mãe, minha avó veio vê-lo. Não

podemos esquecer a emoção quando minha avó,

nos seus 80 anos de vida vendo ali o

sofrimento do filho, ela que havia perdido um

outro filho em um acidente há exatamente um

ano e vendo ali a luta do meu pai para

sobreviver; e vendo também meu avô, marido

dela, em uma outra cama, olhando por um lado

meu pai acamado com câncer e na mesma

propriedade, meu avô com a mesma doença,

minha avó veio ali conversando, presenciando

os sofrimento dos dois, viu que meu pai

começou a chorar e dizer não queria que ela o

visse naquele estado, pedindo-lhe que saísse,

pois não suportava que sua mãe o visse sofrer.

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Minha avó saiu e já não tinha mais

lágrimas, eram só sofrimentos e lutando

com a doença do marido e vendo o filho

com o mesmo mal.

Ao mesmo tempo, minha irmã mais nova

olhou e a gente percebeu que era uma

hora e trinta minutos da tarde e

estávamos nós ali, meu pai

evidentemente que não estava bem e

estávamos sentados ao pés da cama.

Olhei e vi que meu pai puxou a cortina.

Eu percebi e disse a todos que ele está

morrendo, e ali foi seu ultimo e

derradeiro suspiro, partindo dessa vida e

deixando a todos nós ali, num

sofrimento, numa angustia que somente

quem passa por ela, poderia avaliar.

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Ele não queria morrer e lutou pela vida

até o ultimo momento. Foi muito triste

para todos nós, que passamos por

dificuldades e pelas dores insuportáveis e

não desejamos a ninguém que passe por

um testemunho desses em ver ali,

derrotado pela doença, um homem

lutador, um homem de ferro,

consumido por esse terrível mal. 25 dias

após a morte de papai foi a vez do meu

avô, que também com câncer, sendo eles,

meu pai meu avô muito amigos, tiveram

um fim parecido. Nós todos sentimos

muito que pai e filho ficassem doentes

quase que ao mesmo tempo, pois eles não

se largavam um instante e trabalhavam

juntos.

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Hoje estão juntos de Deus. A

gente jamais vai esquecer e os

meus filhos falam muito no avô,

meu pai, que faleceu no dia 30 de

janeiro de 1993. Temos que

prosseguir lutando, pois a vida

continua embora diferente do que

era antes. Minha irmã, a caçula,

teve um menino colocou o nome

de meu pai e do avô. Meu pai

tinha um jeito todo especial de

nos dar a sua bênção e sempre nos

dizia: “-Deus te abençoe minha

filha, e cuide bem das crianças...”.

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Nós, Papai, não o esquecemos e jamais

iremos esquecer. Ficou para nós a

saudade, a sua lembrança do homem

saudável, caminhando e mexendo com o

gado... Agora a outra imagem, numa

cama chorando de fome e de sede onde

tínhamos ali na nossa propriedade tudo

para oferecer a ele, mas infelizmente a

doença o impossibilitava de ingerir

sólidos ou líquidos. São fatos da vida

que marcam e que chocam e são

passagens que a gente nunca esquecer,

em ver uma pessoa que amamos e que

gente gostamos sofrer como ele sofreu.

Peço desculpas, pois estou emocionada e

tremula. Demorou muito tempo para eu

escrever esse depoimento.

Page 17: --Saudades do nosso pai-sirleidesá

Minha mãe mora comigo aqui em

Barbosa Ferraz. Essa é a história

de nossas vidas. Hoje 2006 a

nossa vida continua, e o meu pai

que eu sei que está no céu olhando

por nós, eu ainda o vejo em

sonhos, sadio e feliz, cuidando

das criações que tanto amava e

ainda ouço sua voz quando me

ligava e a quem pedia a benção

meu pai e o ouvia responder “... -

Deus te abençoe minha filha!...”.

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Saiba paizinho, que seus netos estão

lindos... o Fabrício já terminou a

faculdade e se formou... Lembra como o

senhor o adorava e comprou até uns

cabritinhos para alegrar a ele porque ele

não queria ir morar ai no sitio.. A Daya

está cursando Enfermagem e será uma

linda enfermeira... Ela iria cuidar muito do

senhor, acho que até melhor que eu. A

Dani, paizinho, está linda!! Lembra como

a Dani dizia para o senhor, quando ela

tinha só 2 aninhos e meio e levava

bolachinha Mirabel para o senhor na cama

numa bandejinha, lembra? “E dizia...” -

Vozinho como essa bolachinha é molinha o

senhor consegue engolir..” e até hoje

paizinho ela vai ao mercado e compra a

bolachinha do vô João como ela apelidou.

Page 19: --Saudades do nosso pai-sirleidesá

Eu paizinho, to bem e estou trabalhando,

estudando, fiz Magistério... Lembra

quando dizia para o senhor que eu sonhava

em ser professora? Estou fazendo um

curso; mas vou fazer pedagogia, pois é o

meu sonho. A Sonia também está bem,

apesar da bronquite dela tadinha, mas está

bem. A Marina também esta bem, embora

que eu não deva mentir, não é, pai? Tenho

certeza de que o senhor deve saber mais de

nossas vidas do que nós mesmas, não é

assim, paizinho?? Tenho certeza de que o

senhor está aí, olhando por nós. A nossa

vida continua e vamos viver até quando

Deus quiser e um dia vamos nos encontrar;

e então o senhor e nós vamos rir muito

juntos!! Obrigada, meu Pai, por tudo que

nos ensinou.

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CRÉDITOS

Formatação: Prado Slides

E-mail:

[email protected]

Texto: Lembranças do meu pai

Sirley de Sá

Música:

What A Wonderful World

Imagens:

Internet / Cadê