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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO À SOMBRA DA IGREJA: As edificações religiosas e o espaço urbano nas Minas Setecentistas Ronaldo Henrique Giovanini Rocha Belo Horizonte 2010

À SOMBRA DA IGREJA...A manutenção do poder da Igreja Católica ao longo da história do Brasil pode ser observada nas letras históricas do período colonial. Ao escolher a primeira

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

À SOMBRA DA IGREJA:

As edificações religiosas e o espaço urbano nas Min as Setecentistas

Ronaldo Henrique Giovanini Rocha

Belo Horizonte

2010

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RONALDO HENRIQUE GIOVANINI ROCHA

À SOMBRA DA IGREJA:

As edificações religiosas e o espaço urbano nas Min as Setecentistas

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

Orientador: Professor Amauri Carlos Ferreira

Belo Horizonte

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Rocha, Ronaldo Henrique Giovanini R672s À sombra da Igreja: as edificações religiosas e o espaço urbano nas Minas

setecentistas/ Ronaldo Henrique Giovanini Rocha. Belo Horizonte, 2010. 107f. : Il. Orientador: Amauri Carlos Ferreira Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião 1. Igreja – Minas Gerais. 2. Espaços urbanos. 3. Religião. 4. Poder. I.

Ferreira, Amauri Carlos. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. III. Título.

CDU: 261.6

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À SOMBRA DA IGREJA:

As edificações religiosas e o espaço urbano nas Min as Setecentistas

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

_______________________________________________

Prof. Dr. Amauri Carlos Ferreira (Orientador) – PUC Minas

_______________________________________________

Prof. Dr. Mauro Passos – PUC Minas

_______________________________________________

Prof. Dr. Renato da Silva Dias – UNIMONTES

Belo Horizonte, 08 de novembro de 2010.

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À minha família que com sua união foram luz em

hora de sombras. Especial carinho à mamãe e

Angelina, filha querida, que com mais intensidade

iluminaram meu caminho.

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AGRADECIMENTOS

Ao longo de toda minha vida fui abençoado por pessoas que sempre estavam

no lugar certo, na hora certa, quando mais precisei de ajuda. Em sua perfeição Deus

escolheu “Anjos” para me resgatar toda vez que insistia em me dirigir para o “limbo”.

Não foi diferente ao longo deste trabalho.

Agradeço a Deus por colocar estas pessoas em meu caminho. Ao professor

Amauri, orientador e há muito um amigo, que com sua sabedoria, paciência e

dedicação trouxera sua sensibilidade e profissionalismo à minha vida.

Minha mãe, meus irmãos, especial atenção a José Leonardo, nosso Zé.

Minha sempre disponível e doce filha, Angelina, que somente com sua existência já

seria motivo de conforto e alegria.

À professora Carla Anastasia que me fez descobrir que o verdadeiro gosto

pela História ainda estava por vir.

Ao meu eterno amigo (e professor) Daniel Valle Ribeiro, que sempre acreditou

em mim, mesmo quando eu mesmo não acreditava. Amigo que é, elogiou e criticou

sempre com o mesmo carinho promovendo meu contínuo crescimento.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências da

Religião da PUC Minas, na pessoa do Prof. Flávio Serra, sem o qual não poderia ter

desenvolvido meus estudos.

A todos os meus amigos pela paciência, incentivo e compreensão na fase de

conclusão deste trabalho.

Agradeço a Deus por todos vocês existirem em minha vida.

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RESUMO

A presente dissertação mergulhou no universo setecentista das Minas Gerais no

ambiente religioso colonial discutindo como a Igreja interferiu no processo de

construção urbana naquele período. Através de registros em documentos, pesquisas

acadêmicas e da vasta bibliografia sobre a vida da colônia, comprovou-se o estreito

relacionamento entre a Igreja e o Estado. Verificando a dimensão do político na

esfera religiosa ficou constatada a influência católica no processo de formação,

crescimento e consolidação das primeiras aglomerações urbanas do sertão mineiro

colonial. O cotidiano das primeiras vilas foi exemplificado na primitiva Ribeirão do

Carmo do início do século XVIII. Desde a primeira cruz chantada às margens do

córrego que lhe deu nome, à primeira ermida de pau-a-pique construída à sombra

do crescimento do arraial, constata-se que não se edificaria nenhuma obra urbana

sem a interferência da instituição católica. A formação da vida urbana, desde sua

juventude até seu amadurecimento, somente se consolidaria a partir da presença da

representação religiosa. Festas, comemorações, negócios, eleições, o cotidiano

urbano em geral vive à sombra da vida espiritual. Cruzeiros, capelas e igrejas

complementam o cenário urbano consolidando o papel da autoridade eclesiástica na

estrutura de poder do Brasil colonial.

Palavras-chave: Religião, Poder, Cidade, Igreja

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ABSTRACT

This dissertation plunged into the eighteenth century the religious environment in

Minas Gerais colonial discussing how the church interfered in the process of urban

construction in that period. Through records of documents, academic research and

the vast literature on the life of the colony, it was shown the close relationship

between church and state. Noting the political dimension in the religious sphere was

established the Catholic influence in the formation, growth and consolidation of the

first urban wilderness of colonial mining. The daily life of the first villages was

exemplified in the primitive Ribeirão do Carmo early eighteenth century. Since the

first cross chantada the banks of the creek which gave name to the first shrine of cob

wall built in the shadow of the growth of the camp, it appears that there is no work will

build urban without the interference of the Catholic institution. The formation of urban

life, from his youth to his maturity, would be consolidated only from the presence of

religious representation. Festivals, celebrations, business, elections, the general

urban everyday lives in the shadow of the spiritual life. Cruises, chapels and

churches add to the urban landscape by strengthening the role of ecclesiastical

authority in the power structure of colonial Brazil.

Keywords: Religion, Power, City, Church

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LISTA DE SIGLAS

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino

IEPHA – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

SC – Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro [Secretaria de Governo]

SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 9

2 DE VILA A CIDADE ................................ ............................................................ 13 2.1 Antes da Cidade ............................... .............................................................. 13 2.2 O Maravilhoso da Europa para a América ........ ............................................ 15 2.3 O Sagrado na Descoberta ....................... ....................................................... 19 2.4 A Descoberta das Minas e a Presença da Igreja . ........................................ 24 2.5 A cidade improvisada – Do Carmo a Mariana ..... ......................................... 30

3 IGREJA E ESTADO: TRADIÇÃO BUROCRÁTICA ........... ................................ 37 3.1 Padroado Régio................................. .............................................................. 37 3.2 A Igreja e as Irmandades ...................... ......................................................... 41 3.2.1 Irmandade e as Edificações Religiosas ..................................................... 48 3.3 Triunfo Eucarístico e Áureo Episcopal ......... ................................................ 49 3.4 Organização Política .......................... ............................................................ 54

4 O ESPAÇO URBANO E O SAGRADO ..................... ......................................... 58 4.1 Da Cruz à Capela .............................. .............................................................. 58 4.2 A Urbanização e a Influência Eclesiástica ..... .............................................. 61 4.3 Urbanização, Capelas e Espaço Urbano .......... ............................................ 70 4.4 Sociabilidade ................................. ................................................................. 74

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................ .................................................... 77

6 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 80

ANEXOS .................................................................................................................92

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1 INTRODUÇÃO

O espaço sagrado e o espaço profano estão vinculados a um espaço social. A ordenação do espaço requer sua distribuição entre sagrado e profano: é o sagrado que delimita e possibilita o profano. (ROSENDAHL, 1996, p.32).

Esta dissertação discute o papel da Igreja Católica no processo de

desenvolvimento urbano nas Minas setecentistas levando-se em consideração as

diferenças econômicas, sociais e geográficas que motivaram o aparecimento das

vilas mineiras. Confrontando diversos pesquisadores e consultando documentação

presente em museus, arquivos e órgãos oficiais, discutiu-se como a diversidade

social e a configuração do espaço urbano foram influenciados de maneira direta ou

indireta pela Igreja. Ermidas, capelas, Igrejas ou qualquer outro símbolo de devoção

tornaram-se referência no processo de nascimento das cidades coloniais.

A opção em concentrar esta pesquisa na esfera eclesiástica apoia-se na

consagrada influência da Igreja nos assuntos do Estado ao longo de sua existência.

A manutenção do poder da Igreja Católica ao longo da história do Brasil pode ser

observada nas letras históricas do período colonial. Ao escolher a primeira cidade

mineira como objeto de análise, encontramos material de pesquisa atestando que,

mesmo após a separação do Estado da Igreja em assuntos políticos (e isso só

ocorre em 1889), a herança religiosa continuou muito forte. Os estudos sobre a

fundação das cidades brasileiras, a despeito da ênfase dada aos motivos

econômicos e/ou políticos, revelam que, em sua quase totalidade, após a construção

das primeiras aglomerações, era erigida uma capela e, a partir daí começava-se

desenhar um precário planejamento urbano. De uma maneira ou de outra, aquelas

vilas nasceram a partir dessas edificações.

O problema que inspirou esta pesquisa é o questionamento sobre qual seria a

influência política da Igreja no processo de urbanização observando-se

particularmente as Minas setecentistas, com destaque para a cidade de Mariana,

quando de sua fundação. Até onde a sociedade brasileira teria se formado sob

influência Católica?

A interferência da Igreja nos assuntos de Estado é discutida com certa

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frequência, mas até que ponto esta pode ser confirmada? Seria a instituição

religiosa a única a interferir na construção do espaço urbano?

O estudo da influência da Igreja e do fenômeno religioso católico no processo de

urbanização no Brasil é extremamente relevante e, como exemplo, a cidade de Mariana é

importante referência, tendo em vista a vasta documentação disponível (documentos

oficiais, eclesiásticos etc.) e os inúmeros trabalhos já realizados por diversos e renomados

pesquisadores.

Ao fazer um simples exercício de observação no retrato urbano dessa e outras

cidades mineiras é possível elaborar indagações a partir da disposição das construções ao

redor de igrejas e capelas apontando formas de organização e manifestação de poder que

elas representavam e ainda representam como expressão da memória e do patrimônio

cultural nacional.

Mas qual a interferência da Igreja na construção do espaço urbano? Ao

pesquisar a gênese da maioria das cidades brasileiras desse período comprova-se a

importância e o papel da instituição na formação das vilas e cidades da então

colônia portuguesa.

Quais os interesses políticos por trás dessa interferência? Apesar do regime

do Padroado1 “fazer parte” da administração colonial, a influência da Igreja nem

sempre pode ser comprovada de maneira direta. Documentos e testemunhos

históricos devem ser analisados com cautela. É necessário compará-los e perceber,

dentro de seu contexto, o real papel da instituição religiosa.

Existe relação entre a fé e tais interesses? Apesar das motivações políticas

evidenciadas por documentos não deve ser descartada a presença da fé em todos

os segmentos sociais que compõem a matriz religiosa brasileira.

O caminho escolhido para compreender o processo de influência da Igreja Católica

nas políticas urbanas da Minas colonial foi a utilização de fontes primárias, documentos

manuscritos e impressos, além de estudos específicos sobre os assuntos que foram

criticados, processados e interpretados a partir da análise comparativa dos documentos

eclesiásticos e escritos doutrinários, em sua versão original, bem como documentos oficiais

disponíveis no Arquivo Público Mineiro, Arquivo Histórico Ultramarino e acervo da Diocese

de Mariana.

Desse modo, o objetivo geral deste trabalho foi o de comparar a participação da

1 O Padroado Régio foi um pacto. Ele participa da administração colonial, determinando as relações entre o rei de Portugal e Roma, entre o Rei e seus vassalos principalmente no que diz respeito às questões religiosas.

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Igreja Católica no processo de urbanização a partir das construções católicas no que se

refere à concepção e planejamento urbano em Ribeirão do Carmo (Mariana), comparando a

disposição de construções oficiais ou não, como símbolo de poder e diferenças sociais

(Prédio da Câmara, Cadeia, Pelourinho, etc.), comprovando a influência da instituição

religiosa junto aos assuntos de Estado no que diz respeito à política urbana colonial

(organizada ou não).

É importante esclarecer que neste trabalho também foi citada outras vilas e arraiais a

fim de demonstrar o padrão da interferência religiosa na formação daqueles centros

urbanos.

Ao se pesquisar, sobretudo em fontes primárias, documentos manuscritos e

impressos, além de estudos específicos sobre o assunto, pretendeu-se fazer uma análise

comparativa sobre o tema.

Nesse sentido procura-se:

a) salientar o papel da instituição eclesiástica na construção urbana do período

colonial brasileiro;

b) examinar como a Igreja pode ter interferido no processo de urbanização no

período setecentista;

c) buscar delimitação onde começa e termina a influência da Igreja junto ao Estado

nas questões das políticas de planejamento e desenvolvimento urbano.

Assim sendo, esta dissertação apresenta, em seu capítulo inicial, a descoberta das

terras mineiras demonstrando que já se fazia presente a força da Igreja na qual o sagrado

era fonte de segurança e inspiração para o colonizador. Esse tópico reforça a dependência

do homem europeu em relação à segurança que a Igreja pode lhe dar. A mentalidade da

época enxergava no Novo Mundo a materialização do maravilhoso europeu. O

acompanhamento da Igreja era a garantia das bênçãos divinas.

No segundo capítulo, a pesquisa se desenvolve demonstrando como na colônia se

dava o relacionamento Igreja/Estado através do padroado régio, força das associações de

leigos e o consequente processo urbanizador determinado pelos contornos das construções

religiosas. Ao mesmo tempo discute o Triunfo Eucarístico e Áureo episcopal reforçando a

ideia de organização política dependente da chancela religiosa a partir dos eventos

religiosos.

Este trabalho termina com a consagração do espaço urbano sob o olhar religioso,

através de seus símbolos. A influência eclesiástica na vida social e política da comunidade

mineira do século XVII. Fica claro que o fenômeno religioso no Brasil atual é uma

consequência do processo histórico de instalação religiosa nos primórdios de nossa

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existência. A eficiência da expansão da fé católica na colônia pode ser verificada pelas

inúmeras referências bibliográficas que sustentaram este trabalho, bem como a constatação

da presença de construções católicas que ainda hoje são referências espaciais nas cidades

mineiras.

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2 DE VILA A CIDADE

2.1 Antes da Cidade

Nas palavras de Coulanges (2007), a gênese da Cidade pode ser entendida como

uma união de tribos. Tribos que se identificam como uma união de famílias. Juntar uma tribo

a outra significa agregar famílias. A união dessas famílias só acontece quando suas

tradições são semelhantes. Ainda segundo Coulanges (2007) essas semelhanças

convergiam para práticas religiosas e somente a partir delas que a união seria consumada:

A tribo, como a família e a fratria, constituía-se em corpo independente, com culto especial de onde se excluía o estrangeiro. Uma vez formada, nenhuma nova família podia nela ser admitida. Duas tribos de modo algum podiam fundir-se em uma, pois a religião a isso se opunha. Mas, assim como várias fratrias estavam reunidas em tribo, diversas tribos puderam associar-se, sob a condição de o culto de cada uma ser respeitado. No dia em que se firmou essa aliança nasceu a cidade.(COULANGES, 2007, p.138).

A existência da cidade está condicionada à união do grupo em torno de um culto

religioso. É sua prática que purifica a vida na comunidade.

A origem da cidade remonta a um passado mítico no qual o fratricida Caim a funda.

O que nos faz pensar que ela é filha de Caim em sua recusa a Deus. É a cidade de Babel

que faz com que o historiador Jacques Le Goff pense a cidade como um objeto que vale a

pena contemplar e sobre o qual vale a pena pensar. (LE GOFF, 1992, p.32).

No embrião da formação da Cidade existe uma mesma ideia do sagrado, do rito, da

prática religiosa. Desse modo, parece natural que a prática religiosa seja um dos

componentes políticos da vida nas cidades e que a Igreja tenha sido por tanto tempo o

símbolo desta influência.

Rosendahl (1999, p. 14) também contribui com esta visão da concepção religiosa da

cidade:

Ao falar do sagrado e urbano, colocamos o templo como elemento forte da conexão entre cidade e religião. A presença do santuário ocupando o lugar central nos primeiros núcleos de povoamento é reconhecida por várias vertentes de pesquisadores.(ROSENDAHL, 1999, p.14).

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Se de um lado o sagrado é componente da vida em sociedade, a questão política

pode ser definida como uma atividade que se inscreve na vida social, onde a Igreja é um

dos principais componentes. Assim, mais uma vez a religião aparece como instrumento

político.

Resgatando a ideia do sagrado como componente da vida, o retorno à gênese da

construção urbana explica o processo de formação das cidades na colônia portuguesa na

América.

Hoje, as forças religiosas são levadas em consideração como fator de explicação política em numerosos domínios. Elas fazem parte do tecido político, relativizando a intransigência das explicações baseadas nos fatores sócio-econômicos. (COUTROT, Apud RÉMOND, 2003, p. 331).

Como essas reflexões se manifestaram fisicamente? É preciso ter em mente que a

presença da Igreja antecede à estrutura administrativa colonial. Contudo, sua presença

pareceu suprir com competência essa ausência:

A Igreja, em seu sentido político, intentava, por meio de uma ação discursiva e de controle das práticas – tendo como porta-vozes de sua doutrina os vigários, capelães e clérigos de maneira geral –, o controle da violência e organização do corpus social, o reconhecimento da autoridade régia, bem como a aceitação da própria estrutura social, baseada no sistema escravista e nas distinções entre os extratos sociais. (DIAS, 2004, p. 64).

O nascimento da cidade, por um lado, remonta à ideia dessa junção de tribos e por

outro à sua origem mítica, o que nos faz indagar: como refletir sua gênese numa perspectiva

histórica especificamente no Brasil e, em particular, em Minas Gerais? De que maneira o

fenômeno urbano em Minas Gerais é dependente da ocupação religiosa católica?

O colonizador trouxe consigo a fé e a esperança. Retirou da terra suas riquezas e

agradeceu a Deus espalhando símbolos religiosos por onde passava. Os registros dessa

devoção estão vivos nas vilas e cidades.

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2.2 O Maravilhoso da Europa para a América

No universo imaginário do homem europeu dos séculos XI-XIII nota-se

misticismo, romantismo, ideias acerca da Igreja, Deus e flagelo. Seu universo mental

é limitado devido ao posicionamento de interioridade no feudo. Essa mentalidade

gira no afã do sonho, com criações de monstros, com um medo pelo desconhecido

(principalmente o inferno). O homem do renascimento é eminentemente pessimista.

O desejo provocado pelos sonhos produz um sentimento de culpa. A presença dos

poderes demoníacos vai povoar a mentalidade dos povoadores do Brasil até o

século XVIII (incorporação dos valores feudais, e não pré-capitalistas).

Toda essa construção vai aparecer de forma diferenciada, conforme o

segmento social, numa visão diversificada desse imaginário. A visão daqueles que

se dão à expansão é diferente da visão do camponês.

Laura de Mello Souza (SOUZA, 1986) trabalha com o conceito do “outro”. A

transição da Idade Média para a modernidade trás ao homem daquele tempo um

universo mental que é passado pelo que ouviu e lhe contaram, ou seja, o outro. O

que ele desconhece ele cria, imagina. As viagens marítimas assim tem metade de

realidade e metade de criação (lendas). As viagens marítimas, a exemplo das

cruzadas, trazem consigo uma carga de religião.

A colônia é vista de uma forma totalmente diversa, pelos portugueses.

Presencia-se tanto a visão paradisíaca como a detratora. Os Edenizadores verão a

colônia como paraíso terrestre, ao passo que os Detratores a verão como inferno.

Tratam a descoberta como uma visão super-preconceituosa devido a seu

imaginário.

Todos os “fantasmas” que alimentavam o imaginário europeu do mundo já

supostamente conhecido (exuberância da natureza, riquezas minerais, etc.) estavam

presentes na descoberta da América.

Com a familiaridade crescente do europeu em relação ao Índico – em que tiveram papel importante as viagens dos exploradores medievais – os países lendários e as humanidades monstruosas foram sendo empurrados para regiões cada vez mais distantes e periféricas, ainda indevassadas pelos homens do ocidente. (SOUZA, 1986, p. 26).

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O Paraíso terrestre, que já fora na África, se transportava para o novo mundo

americano. A imaginação europeia era alimentada pelas notícias oriundas das novas

terras recém-descobertas, de onde facilmente se construíam maravilhosas

descrições de riquezas e deslumbrantes paisagens. A crença no paraíso terrestre,

aqui presente, ganhava força no imaginário português que chega até a alimentar o

mito de que São Tomé teria pregado em terras americanas.

Sérgio Buarque de Holanda descreve esta crença em seu livro Visão do

Paraíso: motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Nele Holanda

adverte que existiriam vestígios que comprovariam a presença de São Tomé na

América confirmando a crença de que os apóstolos foram enviados para todos os

cantos do mundo (HOLANDA, 2002).

Ampliando a visão sobre o Éden encontrado no Novo Mundo a Carta de Pero

Vaz de Caminha ressignifica o imaginário do maravilhoso europeu para a América,

exemplificando de forma clara o a visão que o Velho Mundo tinha em relação às

novas terras descobertas.

Esta terra, Senhor, (...) Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem! Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé!2

Importante mencionar é também o impacto causado à consciência cristã dos

europeus sobre as notícias dos nativos encontrados, cujos costumes nem sempre

eram vistos como inocentes. Aos poucos a visão do Paraíso começa a se alterar

com as descobertas do cotidiano nativo. Luxuria e canibalismo se contrapunham à

2 A Carta, de Pero Vaz de Caminha é um importante documento histórico onde seu texto revela o pensamento do homem do Velho Mundo, fascinado com as descobertas reveladas no Paraíso Terrestre. Edição de base: Carta a El Rei D. Manuel, Dominus: São Paulo, 1963.

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simplicidade e inocência do silvícola. Novamente o bem e o mal atendiam à visão

religiosa de um mundo a ser salvo. Aos poucos, a mentalidade europeia demonizava

o Édem encontrado na Terra de Santa Cruz.

Ao que parece, o homem europeu necessita ora salvar, ora ser salvo. Quando

do início das grandes navegações a crença em altas temperaturas do Mar Oceano

ou na planificação da terra, povoados por monstros marinhos não foram suficientes

para afastar o espírito aventureiro humano. Contudo a coragem que acompanhava o

desbravador era alimentada pela fé e crença em Cristo. A época das descobertas é

fortemente caracterizada pela religiosidade conduzida habilmente pela Igreja

Católica. O imaginário europeu que tanto impulsionou a aventura marítima era de

fato alimento para o corpo e o espírito. A esperança de se achar riquezas era

também a esperança de se encontrar Deus.

Novamente o bem e o mal se encontram. Na América recém-descoberta

seres maravilhosos coexistem com seres repulsivos. O belo e o feio parecem

lembrar a existência de Deus e do diabo. A cruzada europeia tem a missão de

combater a presença do diabo para a salvação do mundo. As longínquas terras

americanas insurgem fantásticas e monstruosas para o delírio do Velho Mundo.

A migração do Paraíso para o Atlântico trouxe para essa parte do mundo os

medos e as esperanças de um homem que parecia não querer se desligar do

passado medieval estando às portas do mundo moderno. E era a mentalidade

católica que parecia ser a corrente que ancorava o espírito europeu à mentalidade

do passado.

Mas o papel missionário português procurava propagar a fé enquanto

colonizava. Em cada lugar que se chegava era percebida a mão de Deus. Se não

era para confortar o recém-chegado, era para lembrá-lo de sua missão. O

deslumbramento que o Paraíso causava também perturbava. O maravilhoso era a

lembrança do Divino e do profano. As cores vibrantes que lembravam a existência

de Deus poderiam a qualquer momento ser ofuscados pelas presenças de criaturas

demoníacas como cobras ou dragões marinhos. O tempo poderia se fechar a

qualquer momento demonstrando o descontentamento divino ou lembrando a força

do mal.

Fortalecido em ritos e práticas religiosas, protegidos por cruzes e relíquias, o

servo cristão deveria continuar sua peregrinação pelo mundo levando a presença e

a palavra de Deus escoltado pela Igreja que, por condução de seu Rei, representava

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Roma na missão cristã de propagação da palavra de Cristo.

O imaginário do século XVI era assombrado também pelo medo da morte

violenta. A navegação era fonte de esperança e de tristeza. O bestiário emanava

das águas desconhecidas. Desconhecida também era a terra recém-descoberta.

A nossa educação familial ainda é barroca, tem muito de culto do mórbido, do

sofrimento, da cruz, do padecimento. O barroco é do século XVI. Em nível

internacional, em 1517, Martinho Lutero havia dado o grito de dissidência com a

Igreja Católica ao apregoar as suas 95 teses, o que terá uma resposta dada pela

Igreja com o movimento de Contra Reforma. Daí adveio dois acontecimentos

importantes: O Concílio de Trento e a criação da Companhia de Jesus, sendo que, o

Concílio instaura o dogma, a moral e a disciplina da Igreja.

Uma das primeiras preocupações do dogma é a teologia do pecado que trata

separadamente o pecado original, o mortal e o venial. Posteriormente a influência do

estado vai implantar o pecado fiscal.

Os pecados são passíveis de pena com o juízo individual de cada um e pena

final com a morte. O Concílio de Trento implanta a Companhia de Jesus que passa a

ser o escudo e guarita da Igreja, protegendo os católicos do risco de aderirem ao

protestantismo. Cria-se um vínculo de comunicação visual e auditivo desses ideais,

incomodando a consciência de cada um. Um instrumento eficaz, o barroco. O

barroco refletirá a sensibilidade católica. Afrânio Coutinho (COUTINHO, 1968) diz

significar o barroco a “pedra defeituosa” ou “pérola defeituosa”. O barroco é assim

uma arte com defeito. O barroco apropriou-se dos princípios ditados pelo Concílio de

Trento utilizando-o exaustivamente, deformando a arte em função de uma ideologia:

a ideologia do medo.

Ao se desbravar o sertão da nova colônia o imaginário não se desprendia

nem do corpo nem da alma. O sertão (do latim “desertanium”, local deserto, moradia

dos desertores – bandidos) é também espaço do desconhecido.

Houve aí uma transferência do imaginário quinhentista para os sertões. Dessa

forma, temiam-se seres imaginários, teratológicos como o saci-pererê, curupira,

cabloco d’água (ou mãe d’água), lobisomem, mula-sem-cabeça, etc.

Diante do medo, e desejando inscrever esta região no espaço sagrado, a

presença de símbolos religiosos viriam sacralizar a terra que deixaria de ser símbolo

profano para tornar-se espaço de Deus. E foi com esse espírito que o desbravador

português começou a colonizar o Brasil.

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A mentalidade religiosa acompanhou os primeiros fazendeiros criando uma

sociedade patriarcal, dominada pela figura do senhor de engenho com a

cumplicidade da Igreja interessada nos dividendos materiais e espirituais que as

terras além-mar trariam para a missão de São Pedro. A decadência da cultura da

cana só fez aumentar a fé do gajo. À esperança renovada com a descoberta do ouro

se juntou a tradição religiosa. Ritos e tradições reinventavam-se cotidianamente

pelos caminhos da colônia. Os monstros agora não nadam mais no oceano. Eles

sobrevoam a paisagem verde do sertão mineiro carregados de ouro e pedras

preciosas valorizando cada dia de caminhada. O imaginário religioso é instrumento

de fé e poder. Todos se servem dele. O rei, a Igreja e o bandeirante. A fé que

dominou o homem medieval agora colonizava, em terras do novo mundo, o coração

do colono que também esperava ser salvo.

A mentalidade europeia do século XV (que tanto alimentou a crença no

maravilhoso Paraíso Terrestre, apesar da realidade de mais de dois séculos de

riquezas e frustrações que a colônia sempre apresentava) parecia ainda presente no

bandeirante que insistia em desbravar a antiga Terra de Santa Cruz. Monstros do

mar ou da terra continuavam a existir. Como também existiam fé e esperança. O que

houve foi apenas a transmutação do imaginário da terra para o mar e do mar para a

terra novamente. Certo é que tal qual o homem medieval o homem moderno

continuou a viver do imaginário para se satisfazer. A necessidade humana de

respostas que, se não existem são inventadas. Corpo e espírito carecem de

alimento e a imaginação parece ser fonte inesgotável de alimento para o homem

europeu temente a Deus.

2.3 O Sagrado na Descoberta

No século XVIII acreditava-se que Deus havia abençoado os cristãos da

monarquia portuguesa com os tesouros que enriqueciam o Estado. A descoberta

das riquezas minerais no Brasil fortaleceu tal crença.

Qualquer empreendimento minimamente organizado contava com a presença

de número considerável de homens, víveres e pelo menos um religioso (para

conforto espiritual diário). Contudo, a presença religiosa no Brasil não se restringia

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ao mero acompanhamento das expedições. Várias são as missões patrocinadas

pelos clérigos: Jesuítas em 1549, seguida pelos Carmelitas Descalços em 1581,

Franciscanos em 1584, Oratorianos em 1611, Mercedários em 1640 e Capuchinhos

em 1642.

Fortalecidas pelo Padroado as missões cumpriam, além de seu papel

religioso, o fortalecimento do projeto colonial português. Para administrar conflitos

junto a colonos e índios foi criada, em 1681, em Pernambuco, a Junta das Missões.

Extinta somente em 1759 sua existência reforça o papel da Igreja no processo

colonizador.

Mas de onde vem toda essa “inspiração” religiosa? A construção da fé e do

poder da Igreja se ampliaram no período medieval onde se oficializou a ideia de a

Igreja ser um dos dois poderes que governavam o mundo de então, o espiritual e o

temporal. Já nos tempos modernos a reação católica ao movimento reformista de

1517 reforça a autoridade papal com o Concílio de Trento (1545-1563). A chamada

“Igreja Tridentina” valorizava os sinais dos sacramentos através de símbolos visíveis

da fé.

O catolicismo ibérico, e no caso especialmente o lusitano, procurou na

simbologia e rito religioso reforçar o poder temporal de seu reino. O Padroado Régio

tornava os reis portugueses chefes espirituais das colônias.

As dificuldades impostas pelo desconhecido das terras brasileiras reforçavam

a força da fé bandeirante. Nesse contexto a simbologia e o rito eram a

materialização da fé. Profano e sagrado vivendo a dualidade do poder temporal e

espiritual.

As coisas sagradas são aquelas que os interditos protegem e isolam; as coisas profanas, aquelas às quais esses interditos se aplicam e que devem permanecer à distância das primeiras. As crenças religiosas são representações que exprimem a natureza das coisas sagradas e as relações que essas mantêm entre si e com as coisas profanas. Enfim, os ritos são regras de comportamento que prescrevem como o homem deve se comportar com as coisas sagradas (DURKHEIM, 1989, p.72).

Não se pode esquecer que a busca de riquezas mandaram para as Minas

toda sorte de pessoas e a realidade da região será a de desordem e violência. Mais

uma vez a presença religiosa terá fundamental importância para a “pacificação” da

região.

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Nas Minas do Ouro, era urgente garantir o domínio da Coroa, o que significava divulgar modelos de comportamento social ajustados para assegurar a reprodução da autoimagem cultivada pelo rei, como pai, bondoso e caridoso, além de manter o controle da violência social. Sabe-se que, embora o poder dinástico seja antigo em Portugal, primeiro Estado a centralizar-se na Europa, diante das distâncias, ele precisava ser legitimado e tornar-se consensual na América portuguesa, ou seja, carecia ser construído socialmente. Deve-se, então, perscrutar o político não somente em seu registro mais aparente, em que é tradicionalmente procurado, mas também nas causas mais profundas, para, assim, se construir “uma história que inclua notadamente o simbólico e o imaginário”. Além disso, diante da complexidade do “real”, é preciso verificar as suas mediações, seus limites e o coeficiente de dependência/independência entre essa instância e o religioso nos diversos planos de penetração do poder (RÉMOND apud DIAS, 2009).

Apesar da forte presença da Igreja nas terras do ouro, a instituição não era

livre da desorganização. Segundo Antonil (1967), como não havia definição “acerca

da jurisdição” nas minas, a autoridade eclesiástica, em seus primórdios, tinham

pouco alcance, se limitando ao conforto das almas, quando solicitadas. Esta

“desorganização” inicial logo deveria ser corrigida uma vez que, para a Igreja, a

colonização ibérica fazia parte da estratégia tridentina da contrarreforma. O

catolicismo, como religião ou expressão política, tinha no processo colonizador uma

importante ferramenta de reação ao movimento reformista europeu. Novamente a

força ritualística do culto católico era a marca da presença de Roma junto ao

colonizador.

Em lei de 20 de março de 1720 o monarca português, D. João V, temendo o

descontrole do fluxo já existente para o Brasil, por ocasião da descoberta de ouro

nas Minas, tenta disciplinar o processo migratório. Dentre as diversas restrições à

qualidade das pessoas que viriam para a Colônia, reservou cuidado especial aos

representantes da Igreja:

Daquelas pessoas eclesiásticas somente as que fossem como bispos, prelados, missionários e religiosos das religiões do Estado, professores nas províncias dele, como também capelães dos navios que para aqui navegassem (Observe-se que, a carta régia de 31 de janeiro de 1713 já havia determinado que se mandassem para o reino todos os religiosos sem conventualidade e todos os clérigos nas conquistas, - carta régia que foi reforçada por outra no mesmo sentido, de dois de maio de 1715) (GARCIA, 1956, p 157).

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Dessa forma a presença constante de religiosos católicos (representantes das

“religiões do Estado”) demonstra que, mesmo de maneira desorganizada, a Igreja

esteve presente em todos os momentos do processo descobridor das Minas. O

fenômeno religioso que vai conduzir principalmente o povo dessas terras ao longo

de sua história foi e continua sendo marca registrada do povo mineiro que tem na fé,

principalmente em regiões mais distante dos grandes centros, instrumento

catalisador de boa parte de sua vida social, seja em festas, cerimônias ou até

mesmo em eventos políticos.

A presença religiosa no descobrimento de ouro em Minas era apenas a

continuidade da religiosidade no processo colonizador português. O caso das Minas

torna-se interessante para o entendimento do fenômeno religioso no Brasil pelo seu

caráter desafiador. Ao contrário do ciclo açucareiro, a riqueza do ouro não era

estanque. Desbravar o sertão “espalhava” o colonizador por imenso território

desafiando a manutenção católica do fiel, mais sujeito às seduções terrestres da

colônia.

A cada cruz erigida pelos caminhos percorridos, cada capela que fecundava

a terra lembrava a força de Deus e da Igreja. Força esta que tinha na Coroa

portuguesa a representação do sagrado e do profano. Os de símbolos religiosos

tinham a função de garantir conforto espiritual e um mínimo de disciplina às

longínquas terras coloniais. Mas, estaria o homem verdadeiramente ligado, de

“corpo e alma”, à tradição religiosa? Perdido numa terra distante dos olhos das

mais altas lideranças eclesiais, no interior do sertão do Brasil, seria verdadeira

manifestação de fé a chancela de uma cruz ou a inauguração de uma capela? Ato

burocrático ou ato de fé? Provavelmente um pouco de ambos.

A fé, o sagrado, ganham força na dificuldade. A esperança de dias melhores

se renovava com pequenas descobertas e quando estas tardavam em aparecer

era na fé que se renovavam as esperanças. Também diante das dificuldades

impostas por acidentes, mortes e qualquer tipo de revés era no rito religioso que se

buscava forças para não desistir.

A divisão do tempo nas caminhadas era ditada pela fome do corpo e do

espírito. Com relicários ou qualquer outro objeto de idolatria o andarilho se cercava

de coragem para manter-se vivo e vivo ser merecedor do olhar divino que o

socorresse em seu empreendimento. Outro fator a ser considerado era que, apesar

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de ter uma liderança, a presença de padres nas comitivas, e em qualquer outro

lugar, impunha disciplina e ordem dando de alguma maneira objetividade ao

intento:

Como os Párocos não só são Pastores de seus fregueses, mas também Pais, e Mestres espirituais, e não possam bem cumprir com esta obrigação senão admoestando, e repreendendo suavemente como Pais, em quanto as admoestações, e repreensões bastarem; e não sendo bastantes, castigando como Mestres, e superiores, usando de todos os meios para lucrar as almas para Deus, e guiá-las para a eterna glória, mandamos que quando for necessário arguir, e repreender aos seus fregueses, e também multá-los, mostrem que o fazem com amor, e caridade paternal, e para bem de suas almas. (DIAS, 2004, p.141)

Certo é que o sagrado, na descoberta do ouro nas Minas, foi catalisador do

processo de formação da identidade social e política da região, moldando a cultura

local e permitindo que, com a ausência inicial da burocracia oficial da coroa, uma

organização mínima nascesse da autoridade católica. Seja ela precária na figura

de religiosos sem vínculos com ordens, seja ela na presença tardia de autoridades

mais elevadas como padres e bispos ordenados.

O objetivo material de conquista do Brasil era a verdadeira prioridade da

Coroa. A Igreja era, na visão da autoridade real, ferramenta importante. Já para a

Igreja, utilizar-se do aparelhamento estatal era vantajoso, uma vez que a

autoridade do rei legitimaria a presença religiosa. A interdependência de um sobre

o outro era evidente. Essa relação começou a ser construída por volta do século

XIV com a formação da Ordem de Cristo, nos tempos da reconquista portuguesa,

consagrando, assim, o que se chamou de Padroado3. Ao longo de sua história a

tradição religiosa foi se fortalecendo assim como os benefícios que o Estado tirava

da relação.

Quando da Chegada dos portugueses ao Brasil o Padroado já estava

consolidado. Nenhum religioso saia de Portugal para o Brasil sem a chancela do

Rei. Era natural que o peso de toda esta tradição se refletisse no cotidiano colonial.

Apesar do aparente caráter burocrático da presença religiosa na colônia

sempre deve-se lembrar que o sentimento religioso é inerente ao ser humano e o

3 É importante lembrar que a Igreja era parte da estrutura estatal portuguesa. Sua legitimação reporta à aliança consumada no Padroado Régio, já mencionado nesse trabalho, objeto de análise no Capítulo 2.

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catolicismo do homem europeu foi se consolidando ao longo dos séculos. A

manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo (ELIADA, 1992, p. 17). É

peculiar ao homem a busca do sagrado. Se não para responder suas dúvidas, para

confirmar suas certezas.

Outra importante observação a ser considerada é a necessária sacralização

do espaço profano colonial. O servo do Rei e de Deus só pode existir em espaço

assistido pelo divino. Nesse sentido, os símbolos religiosos é que legitimarão sua

presença. Cruzes, capelas e igrejas são exemplos que trazem a realidade sagrada

ao espaço profano.

...é fácil compreender por que a igreja participa de um espaço totalmente diferente daquele das aglomerações humanas que a rodeiam. No interior do recinto sagrado, o mundo profano é transcendido. Nos níveis mais arcaicos de cultura, essa possibilidade de transcendência exprime-se pelas diferentes imagens de uma abertura: lá, no recinto sagrado, torna-se possível a comunicação com os deuses; consequentemente, deve existir uma “porta” para o alto, por onde os deuses podem descer à Terra e o homem pode subir simbolicamente ao Céu. Assim acontece em numerosas religiões: o templo constitui, por assim dizer, uma “abertura” para o alto e assegura a comunicação com o mundo dos deuses (ELIADE, 1992, p.19).

É fato que na chamada fase pré-urbana (DA MATA, 2002) das minas foi a

presença católica, através de toda simbologia religiosa, que marcou a gêneses de

boa parte das futuras cidades mineiras4 em particularmente a cidade em estudo.

2.4 A descoberta das Minas e a presença da Igreja

É difícil precisar a partir de que momento da história o ouro, a prata e as pedras

preciosas aparecem incorporados às atividades humanas. Expressando riqueza e poder, já

nos primeiros registros da civilização, encontra-se testemunho da fascinação de homens e

4 Sérgio Ricardo Damata apresenta ainda outras possibilidades do nascimento urbano das minas: outros processos de surgimento de arraiais como os oriundos de pontos de parada ao longo das estradas (pousos, vendas...), os presídios ou postos avançados, as aldeias indígenas...

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mulheres pelo brilho dos minérios.

Desde a chegada do europeu à América a demanda por riquezas, que

atendessem à necessidade mercantilista de sustentar as monarquias ibéricas, ditava

as sucessivas penetrações pelo interior da colônia. A aparente ausência de minerais

valiosos no início da exploração das terras brasileiras levou o conquistador

português ao empreendimento açucareiro. Esta opção não apagara o sonho lusitano

de encontrar riquezas minerais tal qual o concorrente espanhol.

Ao longo de todo o século XVI inúmeras foram as expedições de busca de

metais preciosos, em especial o ouro, pelo interior da Colônia. Não foi diferente no

século seguinte. O imaginário sobre o potencial de riquezas alimentava a mente não

só dos desbravadores, mas também daqueles que indiretamente sobreviviam da

colônia, como comerciantes e clérigos5.

O empreendimento colonial fazia parte da ação virtuosa de honra ao Estado

português e a Deus. A própria saída de uma expedição já era motivo de mercês e

honras, uma vez que normalmente era feita em nome do rei e de Deus.

O homem moderno do século XVI ainda era conduzido pela fé. A fé ibérica

parecia estar ligada mais à Idade Média do que o resto da Europa estava. É curioso

lembrar que Portugal e Espanha entraram na modernidade antes de seus irmãos

europeus ao se tornarem os primeiros Estados nacionais. A presença da Igreja

parece prender aqueles países à tradição medieval da instituição católica.

A esperança e a fé guiavam o empreendedor pelos caminhos das terras

coloniais. A fé em ser guiado por Deus. A esperança em achar riquezas.

O sonho português de achar ouro e pedras preciosas na colônia era uma

febre que sempre se manifestava no coração do homem bandeirante, aquele que

não escolheu ser o que é, mas que foi empurrado para o interior do Brasil. O

bandeirismo paulista era uma ação particular que impunha ao homem desbravador e

aventureiro a busca incessante por riquezas. Enquanto as Entradas tinham origem

oficial e procurava materializar o sonho português de riqueza, as Bandeiras eram a

alternativa delirante dos homens que se embrenhavam pelo interior das terras do

Brasil.

5 Informa Waldemar de Almeida Barbosa que em 1634 os jesuítas acumulavam dívida de 150 mil cruzados vendo as possíveis descobertas de riquezas minerais como sua salvação financeira. Naquela época conseguiram licença para fazerem eles mesmos suas incursões pelo interior em busca de riquezas. BARBOSA, Waldemar de Almeida. História de Minas – Ed Comunicação – Belo Horizonte, p.21.

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...não se pode esquecer que a ocupação das terras mineiras foi impulsionada por motivações econômicas, a busca desenfreada pelo ouro e pedras preciosas. Aqueles povoadores, ao se aventurarem em longa e penosa viagem às Minas, faziam-no na expectativa de posteriormente desfrutarem da magnificência que um eventual enriquecimento poderia lhes propiciar (DIAS, 2004, p. 29).

No mais religioso espírito desbravador foi que em 1693 se registrou os

primeiros relatos de descoberta do ouro em Minas.

Várias foram as expedições em busca do “vil metal”, mas a história da

“Primeira de Minas” (assim chamada a futura Mariana) começou em 1696 quando a

bandeira paulista de Miguel Garcia e do Coronel Salvador Fernandes Furtado

localizou ouro no rio que batizaram de Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo.

Ao lado das primeiras cabanas ergueram pequena capela6 que foi consagrada

a Nossa senhora do Carmo pelo padre da comitiva, Francisco Gonçalves Lopes.

A simples cruz de madeira, e em seguida a rústica capelinha, eram o símbolo da sacralização, do domínio, da posse e de um território antes considerado profano, porque desconhecido. Desde as primeiras implantações, a igreja era o foco e o elemento polarizador dos agrupamentos mineiros, em termos não somente sociais, mas também (...) espaciais (FONSECA, 1997).

Como já citado, foi em nome de Deus e da Coroa que, entre 1693 e 1695, o

metal brilhou para aqueles que tinham fé e obediência. Segundo o historiador inglês

Charles R. Boxer (1962), analisando documentos do padre Antonil, a data exata e

quem realmente foi o pioneiro na descoberta não podem ser precisados7. O fato é

que após as expedições de Fernão Dias Pais o território da então capitania do Rio

de Janeiro já não era mais um total mistério.

Por aquela época a metrópole, já em dificuldades pela decadência da cultura

da cana-de-açúcar, via as “gentes” da colônia se embrenhar pelo mato a procura de

6 A região onde foi construída a capela ficou conhecida como Mata Cavalos tendo em vista as condições precárias do terreno “mole e alagadiço” onde teriam se perdido vários animais. 7 Ao longo deste trabalho encontraremos datas conflitantes tendo em vista a precariedade de relatos e documentos pesquisados contudo, é importante salientar que sempre que possível excluirei dados que possam comprometer a analise do tema

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outras riquezas. O ouro chega para salvar os devotos de D. Sebastião8.

As necessidades da metrópole e dos aventureiros que habitavam a América

portuguesa levaram o colonizador para o interior buscando riquezas minerais.

Quando não lograva sucesso em seu intento se virava com as especiarias,

apresamento de índios ou caçando o cativo fugido. Enquanto o ouro não chegava o

interior era a riqueza do homem9.

A complementaridade entre devoção e vassalagem se impôs nas terras

exploradas. O andarilho inspirado pela fé e pela lealdade a Deus, ao rei e a si

próprio carregava consigo toda sorte de símbolos religiosos. O santo de sua

devoção e relíquias familiares o guiava rumo à esperança e ao céu.

A trilha deixada registrava sua presença pelas cruzes e demarcações

plantadas ao longo do caminho.

Os primeiros relatos sobre as terras das Minas reportam à expedição

organizada por Martim Afonso de Souza que pretendeu mapear as terras

portuguesas na América em 153110. Mais tarde, por volta de 1572/1573, Sebastião

Fernandes Tourinho, sertanista baiano, chegou até a região do Rio Doce, tendo

antes passado pela região de Diamantina onde achou pedras que o estimulou a

continuar-se embrenhando pelo mato.

Porém, é a expedição das esmeraldas de Fernão Dias Pais, em 1674, que

parece inaugurar as terras mineiras. A descoberta de ouro antecede à chegada do

Coronel Salvador Fernandes Furtado ao ribeirão do Carmo em 1696.

As disputas pela região chega ao seu auge por volta do ano de 1708 no que

ficou conhecido como Guerra dos Emboabas. Conflito entre paulistas e forasteiros,

motivado pelo controle da exploração do ouro sertanejo.

O Coronel Salvador Fernandes Furtado teria descoberto no dia de Nossa Senhora do

Carmo (16 de julho) o ribeirão aurífero que batizou com o mesmo nome. A construção da

capela de Nossa Senhora do Carmo abençoou a descoberta11.

8Rei santo português desaparecido em batalha em 1578 criando o mito do “sebastianismo”, onde acreditava-se no retorno do rei que fundaria um reino universal de paz e justiça. 9 Esta idéia já foi abordada por Sérgio Buarque de Holanda em Caminhos e Fronteiras onde descreve a lenta ocupação colonial brasileira. 10 Derby, Orville Adalberto – Ver. Do Inst. Hist. E Geogr. De São Paulo, vol. V, p. 241. 11 O site oficial da Prefeitura Municipal de Mariana dá como descobridor do ribeirão do ouro de Nossa senhora do Carmo o Coronel Salvador Fernandes Furtado, contudo segundo Antonil as minas do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo teriam sido descobertas por João Lopes de Lima. (Antonil, Cultura e Opulência Do Brasil por suas drogas e Minas, p.132.). Tal controvérsia ganha força também através do Códice Matoso que aponta João Lopes de Lima como o descobridor do local.

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Cláudio Manuel da Costa, Cônego Trindade e Salomão de Vasconcelos apresentam o Coronel Salvador Fernandes Furtado como descobridor e fundador do arraial do Ribeirão do Carmo. Aí teria descoberto o ribeirão aurífero exatamente no dia 16 de julho de 1696, dia de Nossa Senhora do Carmo. E aí teria erigido logo a capela dedicada a N. S. do Carmo, com sua imagem. Seria excesso de coincidência dar-se o descobrimento exatamente no dia da padroeira do Arraial – 16 de julho – e encontra-se a imagem dela com o descobridor (BARBOSA, 1979, p. 100).

A presença do Padre Francisco Gonçalves Lopes na comitiva da bandeira

reforça o importante papel da instituição eclesiástica junto aos interesses da coroa.

Instalada nos arredores do córrego do Carmo, o pequeno acampamento guardado

pelo olhar de Nossa senhora foi-se “organizando desordenadamente”. O improviso

era ditado pela necessidade. Todavia, aos poucos se vê o nascimento da pequena

vila e a formação do espaço urbano. Lívia Romanelli d’Assumpção discute de “que

maneira as questões políticas, sociais e econômicas influenciaram na criação e

desenvolvimento dos espaços urbanos típicos da época”. Com o título

Considerações sobre a formação do Espaço Urbano Setecentista nas Minas, a

autora descreve a formação urbana de Minas Gerais a partir dos primeiros

“aglomerados humanos de caráter temporário” até a efetiva instalação das primeiras

cidades. Para ela o crescimento das primeiras vilas a partir de uma motivação

econômica esclarece como ocorria a construção de casas, prédios públicos e

instituições comerciais (ROMANELLI, 1989). Naturalmente, como já dito, a questão

religiosa é lembrada de maneira constante, mesmo não sendo sua abordagem

principal. Confirmando esse raciocínio, Francisco Iglesias (1985), citado pela autora,

afirma:

Pode-se alegar que o comércio surgiu para atender a mineradores mas ele é

que explica a concentração populacional. Ao lado do comércio, a igreja: as

funções religiosas, com missas, batizados, casamentos, exéquias, festas,

atraíam os povos. Alguma capela é sempre referência na origem das cidades

(ROMANELLI, 1989).

A historiadora Cláudia Damasceno Fonseca (1998) comenta sobre a

importância e o papel da Igreja junto ao poder civil na constituição e regulamentação

dos espaços urbanos. Para ela, Mariana mereceu especial atenção o que foi

traduzido em ordenamento mínimo da cidade: “isto se deveu provavelmente pelo

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fato do local ser o centro religioso de Minas”.12

É fato que o empreendimento colonizador atraiu elevado contingente para a

região das minas. Os aglomerados habitacionais improvisados logo careceriam de

um mínimo ordenamento.

Os primeiros núcleos populacionais constituíram-se em torno de capelas, onde

igualmente se fixava um precário comércio. Esses aglomerados não obedeciam a uma

prévia escolha de local, mas à lógica de seus objetivos, que eram os negócios em torno da

mineração.

Ocupando o fundo dos vales, próximo aos cursos de água, as primeiras construções

comerciais seguiam a estratégia das capelas, construídas perto da área mineradora.

Haviam, além dos mercadores fixos ou ambulantes, uma grande quantidade de

trabalhadores, como pedreiros, carpinteiros, ferreiros, alfaiates e dentre outros.

A partir da formação dos núcleos populacionais, percebe-se o

desenvolvimento das vilas ocorrer por diversos caminhos tendo em vista as

peculiaridades econômicas e geográficas de cada região. O deslocamento do

eixo econômico do nordeste para o centro-sul do Brasil imporia transformações

na sociedade patriarcal vigente. A sociedade rural açucareira cede lugar à

sociedade urbana da mineração.

O corpo social se modificaria sem, contudo, perder seu aspecto mais

conservador controlado pela autoridade eclesiástica, refém do Padroado lusitano,

mas inteiramente adaptado à realidade colonial. A demonstração de força da

autoridade religiosa se faz presente em todos os setores da sociedade

mineradora assim como foi na sociedade do açúcar. Assim, a ordem burocrática

do Estado se faria representar também pela presença da Igreja.

A pedra fundamental do processo urbanizador estava ali fincada com a construção

religiosa. Tão importante é a influência da Igreja no processo de urbanização que até

mesmo sua ausência é motivo de referência.

O professor Luiz Carlos Villalta, em artigo publicado no Termo de Mariana: história e

documentação, comenta a ordenação das edificações urbanas de Ouro Preto quando da

ampliação, em 1797, da atual praça Tiradentes, chamando atenção para a ausência nesse

espaço de qualquer “edificação religiosa” (VILLALTA, 1998). Não é por acaso que isso

acontece, sua origem pode ser identificada no período medieval. Jacques Le Goff, em seu

“O Apogeu da Cidade Medieval” (LE GOFF, 1992), explica que a evolução paroquial ocorre

12 Artigo publicado no Termo de Mariana – História e Documentação. Editora UFOP, 1998.

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juntamente com a evolução urbana, demonstrando em várias reproduções de mapas de

cidades daquele período, onde se destacam em abundância as construções religiosas,

como igrejas e mosteiros, que são beneficiados pela localização privilegiada que se

encontram nas cidades que ora nascem.13

Fica claro que a pequena capela ou ermida precedia a vila apresentando às pessoas

seu lugar sagrado, abençoando sua fixação naquele local. A vida social começava a pulsar

na medida em que o espírito fosse assistido pelo toque divino. A presença do templo

religioso era a consumação da ligação do profano ao sagrado.

2.5 A cidade improvisada – Do Carmo a Mariana

Alimentar a alma não era a única preocupação das autoridades. A febre do

ouro impedia os aventureiros de analisar com frieza a situação das novas terras. A

falta de alimentos e as precárias condições de moradia só eram percebidas após as

primeiras frustrações e a realidade dura do interior acabava por jogar muitos à

marginalidade. A violência e a desordem eram cotidianamente presentes, como

observou Carla Anastasia (2005):

A violência e os desmandos faziam parte de todos os segmentos da sociedade daqueles sertões. Se homens brancos pobres, libertos e escravos apresentavam comportamentos transgressores, o perigo imprevisto também estava presente, com o concurso de vassalos de mais qualidade, como todas as outras qualidades de gentes, no exercício do mandonismo bandoleiro (ANASTASIA, 2005, p. 61).

Ao lado do comércio, a Igreja teve papel preponderante para a implantação

das bases de uma estrutura urbana no início do povoamento das Gerais. Com o

crescimento rápido e desordenado da economia, a Coroa impôs severas restrições

com o intuito de conter a desordem. Nesse cenário a Igreja, ligada ao Estado, era

um instrumento de urbanização face a uma política genérica e evasiva da Coroa, em

relação ao planejamento, construção ou ordenamento das cidades coloniais

(ANASTASIA, 1999).

13 Ver Anexos A e B.

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A partir da descoberta da riqueza surge um precário desenho urbano mais

baseado em questões práticas do que estéticas. A referência religiosa orientava o

instinto urbanizador do empreendedor. Segundo Dias (2004):

Concomitantemente à construção de suas moradias, primeiramente casebres de pau-a-pique cobertos de palha, esses povoadores iniciavam a ereção de capelinhas, também rústicas, mas que se tornavam expressão da permanência e organização do espaço, em um processo inicialmente marcado pela efemeridade e desapego àquela região.

A força da instituição eclesiástica se faz sentir em praticamente todo processo

de formação da aglomeração urbana daquela época:

Em 1696 – portanto somente três anos após a data “oficial” da descoberta do áureo metal – erigiu-se, segundo Diogo de Vasconcelos, a primeira capela nos altiplanos das Minas do Ouro, onde o padre Francisco Gonçalves Lopes ministrava os ofícios divinos. Aos vinte e quatro dias do sexto mês de 1698, o afamado Padre Faria celebrava missa na serra do Ouro Preto, inaugurando simbolicamente a ocupação do lugar. Em torno dessas capelas primitivas e, posteriormente, da fundação das irmandades passou a gravitar a vida social (DIAS, 2004).

O simples ato de edificação de uma construção religiosa era entendido como

uma presença institucional da Coroa uma vez que a Igreja e o Estado possuíam

atribuições muitas vezes indistintas:

Como é sabido, durante o período colonial a Igreja e a Coroa tinham seus bens e seus papéis confundidos. Assim, estes desbravadores, encarregados do descobrimento das Minas – ou pelo menos incentivados nesse sentido – pelas autoridades metropolitanas seguiam “como perfeitos cavaleiros de Cristo”. (FONSECA, 1997, p. 28)

A partir da institucionalização do conglomerado urbano o crescimento

demográfico surge como consequência do avanço econômico proporcionado pelo

ouro e pelo comércio dele decorrente. Na Capitania de Minas a organização

administrativa necessária à burocracia real também exigia um acompanhamento da

instituição católica. Como se daria isso? Com a edificação de um prédio religioso

compatível com a importância do município.

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A noticia do descobrimento se espalhou, e em pouco tempo o arraial já contava com uma população suficientemente numerosa, que lhe permitia pleitear o reconhecimento institucional de seu crescimento perante a Igreja e, ao mesmo tempo, perante o próprio Estado. Este reconhecimento dava-se por meio da elevação de sua simples capela a outro patamar, o de paróquia, ou freguesia. (...) Assim, em 1710, atendendo a uma solicitação, feita em 1698, pelo coronel Salvador Furtado, o Bispo do Rio de Janeiro criou paróquia na capelinha do Carmo e nomeou o primeiro pároco, o Padre Manuel Brás Cordeiro. (FONSECA, 1997, p. 29)

O crescimento da localidade foi brevemente interrompido por duas vezes,

entre 1697 e 1698 e depois entre 1701 e 1702, (FONSECA, 1997). É importante

mencionar tal acontecimento tendo em vista que a retomada do crescimento da

região foi devidamente acompanhada pelo empreendimento religioso.

O cotidiano da Arraial-Vila, embora girasse em torno da extração aurífera, não

vivia exclusivamente do brilho do metal precioso. As pessoas tinham afazeres outros

que tornava a vida do cidadão cheia de desafios. Pautado pela moral cristã-católica

a vida seguia com suas dificuldades dentro e fora de casa. Famílias iam se

formando e a paisagem urbana crescendo. Mais uma vez o crescimento e

desenvolvimento da região pediam um acompanhamento da Igreja. Foi em 1945 que

o Rei D. João V elevou a próspera vila à condição de cidade, prerrogativa

indispensável para receber a sede do bispado, recém-criado14. O nome escolhido

para a nova cidade era uma homenagem à Rainha, Maria Ana D’Áustria.

É importante salientar que, embora a intervenção técnica em projetos

urbanizadores já houvesse sido experimentada na colônia, o cuidado com o

empreendimento mineiro era maior tendo em vista a importância do local:

No século XVIII, quando foi ainda maior o número de criações urbanas brasileiras realizadas com a intervenção dos engenheiros, o modelo lusitano de planificação urbana encontrava-se já estabelecido, como atestam os tratados do período. São bastante conhecidas as cartas que regulamentam o ordenamento urbano de Vila Boa de Goiás (11/02/1736), Vila Bela da Santíssima Trindade (05/08/1746), Vila de São Jose do Rio Negro (03/03/1755) e de Oeiras (14/06/1761). Em todos esses documentos menciona-se a determinação de local para uma praça e para os principais edifícios públicos e faz-se exigências quanto à abertura de ruas, que deveriam ser “largas e diretas”. (...) No tocante às vilas mineiras, parece que Mariana foi a única a constituir objeto de um documento régio de mesmo

14 Desde 1720 a criação do bispado já era demandada, fato concretizado com a chegada do primeiro bispo, D. Manoel da Cruz em 1748.

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teor dos citados acima. Provavelmente porque, como centro religioso das Minas, a cidade tinha um valor estratégico, devendo ostentar uma imagem que refletisse a nova ordem social que se desejava impor e uma imagem digna do nome da rainha – regular, ordenada, bastante diferente do arraial decadente e castigado pelas inundações do Ribeirão do Carmo (FONSECA, 1997, p.44,45).

O engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim15 foi escolhido para o

projeto urbanístico que deveria respeitar as necessidades da sede do novo bispado.

A primeira cidade planejada de Minas deveria ter ruas em linha reta e praças

retangulares onde as principais vias levassem à catedral e o casario das famílias

mais importantes guardassem o edifício religioso.

É importante frisar que elevar à condição de cidade um determinado território

não significava necessariamente o reconhecimento do desenvolvimento da região,

mas apenas a necessidade de instalação de estrutura administrativa compatível com

a importância do empreendimento colonial. Nesse contexto, a presença da Igreja

constituía importante ferramenta de controle, pois:

fato de grande relevo que para a vida colonial se refere às funções exercidas pela Igreja no diz respeito à administração colonial, dada a sua importância para a organização da vida social. Para além das necessidades espirituais, a Igreja setecentista, como corpo indissociável da monarquia portuguesa, era uma instituição absolutamente presente no cotidiano colonial. As atribuições que lhe recaiam e que hoje podem ser classificadas como pertencentes à vida civil, faziam da Igreja a primeira representante do estado português nas novas Minas. Todas as ocorrências da vida civil necessariamente passavam pelos registros paroquiais. O nascimento, batismo, casamento, óbito devem ser registrados perante a autoridade clerical. Amplas eram as atribuições de competência da jurisdição eclesiástica, inclusive em questões de foro íntimo ou “privado”, além da jurisdição privativa de assuntos fundamentais como casamento, divórcio, pecado. Assim, também se organizavam as listas próprias da Igreja referentes à prática da religião como: rol de confessados, denunciados ao Santo Ofício, questões relacionadas à prática da fé e da doutrina através das visitações diocesanas (FIGUEIREDO, 1998, p.101).

Uma vez que Portugal não tinha um plano urbanístico específico para a

15 Sargento-Mor e engenheiro-arquiteto português nascido na Colônia do Sacramento, que veio a ser uma das principais figuras da arquitetura colonial brasileira e ensinando conhecimentos elementares de Aritmética e Geometria, foi também, o primeiro professor de matemática contratado por Portugal para estabelecer-se em terras brasileiras. Foi enviado pelo governo português (1743) como Sargento-Mor, para desenvolver um plano de expansão urbana para a Vila de Nossa Senhora do Carmo, para torná-la a primeira cidade da capitania de Minas Gerais.

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Colônia, sendo o planejamento, mesmo que precário, uma consequência da

necessidade metropolitana, a escolha do local de um núcleo urbano seguia, via de

regra, apenas alguns traços em comum, dentre elas a “predileção” pelas colinas e

encostas e a referência religiosa (VILLALTA, 1998, p.76).

O improviso do amontoado populacional que se formou a partir da notícia do

descobrimento do brilhante minério fez com que o pequeno arraial que se formava

visse crescer sua frequência humana. A pequena capela já não representava mais a

importância do local. Foi a percepção dessa realidade que fez, em 1701, o Bispo do

Rio de Janeiro atender solicitação do Coronel Salvador Furtado e criar a paróquia do

Carmo nomeando o primeiro pároco o Padre Manuel Brás Cordeiro.

A despeito de dois breves períodos (1697-1698 e 1701-1702) que viu sua

população decrescer drasticamente em função da fome e dificuldades na extração

do ouro, o processo de ocupação da região seguiu desordenado até 1745 quando

fica decidido, conforme já mencionado, que a vila deveria acolher a primeira sede

do bispado das Minas. Registro deve ser feito é que, na segunda onda de

povoamento do local, a partir de 1703, segundo Diogo de Vasconcelos, o português

Antônio Pereira de Vasconcelos construiu uma ermida consagrada a Nossa Senhora

da Conceição por onde renasceu o povoado. Mais uma vez é um símbolo católico

que vai legitimar a formação urbana. Segundo Murillo Marx (1991),

A conformação gregária que percebemos nas aglomerações coloniais – esta proximidade entre as moradias e a polarização das mesmas, exercidas pelos edifícios religiosos – não se explica somente pelas leis do poder civil. Em Minas, como em outras partes do reino português, a Igreja desempenhou um papel fundamental na organização fundiária e espacial dos arraiais (MARX, 1991).

Mais uma vez o poder religioso se consolidava a partir da constituição de

capelas e de seus patrimônios (FONSECA, 1997). Estes conseguidos muitas vezes

a partir de doações que não se restringiam à área da construção religiosa, se

estendendo por vezes a faixas de terrenos livres nas proximidades. Estas áreas

constituíam verdadeiras reservas patrimoniais que tinham a função de garantir à

Igreja qualquer necessidade de ampliação ou reforma a fim de manter seu espaço

decente e capaz de acolher os fieis. Era necessário também espaço reservado à

garantia de rendas para manutenção da edificação religiosa bem como seus

servidores. Desta feita, o patrimônio da Igreja se espalhava por vários cantos do

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espaço urbano o que acabava por impor uma trajetória urbanística que seguia os

contornos delineados pela Igreja. Várias eram as determinações, através de leis

codificadas, que orientavam como deveriam se impor as construções religiosas.

Espaços livres ao redor, distância entre as casas de modo a não dificultar o trajeto

de procissões acabaram por tornar um condicionante para o sistema de ruas e de

edificações em torno do templo (FONSECA, 1997).

A força política da instituição eclesiástica pode também ser constatada pelo fracasso

de algumas vilas que não progrediram por, dentre outros fatores, não terem a presença da

autoridade religiosa confirmada.

...aqueles povoados que não se desenvolveram em torno de capelas logo perderam sua identidade e foram absorvidos por outros núcleos. Em muitos casos, aquelas capelas emprestam seus nomes aos arraiais ou vilas e delimitaram as fronteiras entre os mesmos, inscrevendo no território a cartografia geradora da ocupação (ANASTASIA, 1999, p. 38).

Este aspecto da ocupação e constituição do espaço urbano de Mariana,

juntamente com sua topografia, ajudam a entender a necessidade de uma

reorganização urbanística por ocasião da promoção da vila à condição de cidade.

Contudo ao deixar de ser mero povoado em 1711 para galgar a categoria de Vila,

Mariana já necessitava de um mínimo de estruturação. Novamente a presença de

edifícios católicos impôs as áreas para utilização da comunidade, tais como prédios

públicos, comércio, plantações e pastagens.

É importante lembrar que nos autos de ereção das vilas coloniais era

determinada a escolha de locais adequados à construção casa da câmara, da

cadeia e do pelourinho. Porém, havia orientação particular em relação aos cuidados

com o local da Igreja Matriz, que deveria ser satisfatório às necessidades dos fiéis.

Podemos ainda verificar que mesmo nas decisões políticas havia um certo

cuidado com a instituição:

Foi aí, no arraial de Nossa Senhora do Carmo, que o Governador Antônio de Albuquerque convocou os principais moradores não só do arraial, como todo o distrito, para uma reunião, em 8 de abril de 1711, na sua residência. Comunicou-lhes sua intenção de erigir o arraial em vila, “por ser o mais capaz”, e perguntou se estavam dispostos a viver ‘sujeitos às leis e justiça de S. Majestade’ e ajudar na construção da igreja, da Casa da Câmara e da Cadeia, ‘como era estilo e pertencia a todas as repúblicas’. Responderam todos unanimemente (...) que estavam dispostos a concorrer, na medida

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das posses de cada um, para construção da igreja e da Câmara e Cadeia. (ANASTASIA, 1999, p. 103).

Por tudo até aqui visto, pode-se constatar que, mesmo em seu improviso

inicial, o arraial nascente se valeu de uma organização burocrática. Os ritos e as

heranças advindas da prática religiosa davam ao local um caráter formal. A

importância desse precário formalismo está na consciência do homem setecentista,

que necessitava de um mínimo de organização para se sentir gente. Se a presença

institucional do Estado não era possível, a presença espiritual da Igreja

compensava.

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3 IGREJA E ESTADO: TRADIÇÃO BUROCRÁTICA

3.1 Padroado Régio

A notícia da descoberta de riquezas minerais e a expectativa de

enriquecimento fácil e rápido trouxeram à região toda sorte de pessoas. Nas

palavras de Antonil,

A mistura é de toda a condição de pessoas; homens e mulheres, moços e

velhos, pobres e ricos; nobres e plebeus; seculares, clérigos e religiosos de

diversos institutos, muitos dos quais não tem no Brasil convento nem casa

(ANTONIL,1967).

Era então necessária uma organização mínima para que a Coroa não

perdesse o controle da região. Da mesma forma, as autoridades religiosas se

preocupavam com práticas heréticas que aqui pudessem contaminar os fieis que

naquelas terras estariam “enfeitiçados” pelo brilho do ouro. A conveniência do

padroado era a saída para a presença institucional da Coroa através do

empreendimento católico, Assim:

Por meio do Padroado Régio, os monarcas lusitanos tornaram-se os patronos

das missões e instituições eclesiásticas católicas na África, Ásia e Brasil,

firmando-se, dessa forma, como os responsáveis pela conversão espiritual

dos povos desses confins. Além disso, decidiam sobre a criação de novas

dioceses e igrejas, definiam a fronteira das mesmas, indicavam os candidatos

aos bispados, cobravam o dízimo – um dos principais tributos na época –

bem como dependia de sua aprovação a indicação dos vigários e religiosos

para as paróquias e freguesias (DIAS, 2004 p. 54).

O papel da Igreja nessas terras foi fundamental. À importância na propagação

do catolicismo somam-se a compensação pela ausência do Estado português em

vários cantos da Colônia. Controlando a vida cotidiana nos arraiais, vilas e cidades,

a Igreja propagava o modelo de vida imposto pela metrópole.

A autoridade religiosa era o representante da burocracia estatal portuguesa.

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Eventos religiosos (missas, procissões, festas em geral) eram também

acontecimentos políticos. Em muitas ocasiões eram nesses eventos que notícias e

orientações vindas das capitais ou de Lisboa eram repassadas à população.

As origens do poder real português sobre a representação eclesiástica

remontam à criação da Ordem de Cristo em 1319, ainda na época das Guerras de

Reconquista na região ibérica. A luta pela expulsão dos mouros dos territórios

europeus encontrou na Ordem a organização e disciplina que faltavam para o

sucesso do empreendimento libertador. A partir das sucessivas vitórias, a Ordem de

Cristo foi ganhando força e importância até que em 1514 o rei português Dom

Manuel I consegue a confirmação de várias prerrogativas, dentre elas o ius

praesentandi, o direito de “provisão” de bispados, paróquias e cargos em troca do

financiamento das atividades eclesiásticas. Em 1551, o rei Dom João III, “O Piedoso”

torna-se grão-mestre da Ordem de Cristo. O Padroado Régio estava consolidado.

Esta relação Igreja-Estado permite inferir que o número de religiosos no Brasil

não respeitava necessariamente uma necessidade espiritual, mas também uma

obrigação burocrática que a metrópole portuguesa impunha.

A Igreja como forma de controle social permitia à Coroa estruturar a

administração da Colônia, neste caso em especial as Minas Gerais, ao regular

cotidianamente o dia a dia de seus súditos. Nesses termos, a Igreja transfere para a

América a ideia europeia de sociedade controlada.

A Igreja, ao lado do Estado, aliada ao absolutismo trabalhou o medo

generalizado, como meio de repressão. É um medo repassado no cotidiano: o medo

da morte, do sofrimento, do inferno, etc. Um medo repressivo, orientado e

ideologicamente tratado pelo poder para ter uma sociedade submissa que possa

conviver com a ideologia do sofrimento.

Com a expansão do comércio ultramarino, as colônias vão ser absorvedoras

desses princípios. Uma das primeiras áreas que atuou é o imaginário (sentido de

ídolos, estatuas) deformando as imagens, de maneira que determinados santos

tornam-se vítimas do barroco.

Os santos representam uma extrema morbidez, roupas sérias, corpos

distorcidos, excesso de palidez, olhos esbugalhados, portadores de caveiras nas

mãos, etc.

As igrejas de Ouro Preto, em sua maioria, datam da segunda metade do século

XVIII. Aí a representação barroca foi um instrumental para o cultivo do medo pela

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Igreja. O barroco é uma representação social do que se quer que aconteça, a

submissão inquestionada pelo medo. O barroco transfere para a arte sacra todo o

sofrimento e a punição. É um cotidiano definitivo porque é passado pela arte

enquanto monumento, uma repressão incutida pelo visual.

Também a ordem institucionalizada é habilmente trabalhada pelo barroco. Por

exemplo, não se deformam as imagens negras, os santos de cor do escravo. Ao

representar o escravo vai tentar fazer um “primor de gente”, proporcionando uma

visão suavizada da escravidão que deve ser perpetuada.

Nas igrejas pobres, os santos de devoção passam ser integrados aos

instrumentos do martírio lógico romano. Há uma proposital comunicação através das

imagens.

O cemitério passa a ser parte integrante do meio urbano. Instala-se em

qualquer parte da cidade, nos pisos das igrejas, ao lado delas, etc., compondo o

conjunto arquitetônico da cidade. O morador tem intimidade com o cemitério. A

presença da morte constante é uma imposição do ideológico. A morbidez interessa

ao “status quo”.

Nem mesmo as proibições de instalação de ordens religiosas nas Minas do

ouro inibiram o conservadorismo religioso. As ordens terceiras (de leigos) cuidaram

de propagar o pensamento espiritual em perfeita harmonia com a ideia

governamental de estrutura político-social. Seu modelo hierarquizante encontrava

amparo na necessidade humana de normatização e patrulha, uma vez que a vida

em sociedade pressupõe regras.

Mas é importante ressaltar que, apesar dessa estrutura hierarquizante, o ser

humano também é transgressor, de tal forma que a ausência de uma estrutura mais

distinta do Estado em relação à Igreja também permitia ao colono mineiro criar suas

próprias regras. Talvez essa peculiaridade tenha contribuído para algumas das

características próprias do povo mineiro. Religiosidade e conservadorismo de um

lado; hospitalidade e desconfiança de outro. O político e o religioso, ao se fundirem e

confundirem, tornam a presença da Igreja tão necessária quanto arbitrária. Se a

religião por si só já determina padrões e modo de ser das sociedades foi no Brasil

Colonial, especialmente em Minas, que ela se consolida como força estrutural da

formação de seu povo.

Importantes serviços eram realizados pelo clero local. As certidões de batismo

bem como a encomendação das almas eram importantes instrumentos para o

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controle demográfico local. Também era pela presença institucional da Igreja que se

discutiam os “desvios” na conduta social dos moradores. Confissões e

aconselhamentos se confundiam com decisões administrativas. Era através dos

padres que muitas das necessidades da comunidade eram negociadas com os

representantes administrativos locais.

Mesmo as obrigações exclusivamente religiosas deveriam se submeter ao

crivo real. Assim, eventos religiosos como procissões, quermesses e até mesmo

celebrações de dias santos necessitavam da chancela de Lisboa. Se esta

interdependência era tão forte, como saber até onde a autoridade religiosa tinha

efetivos poderes para interferir nos contornos urbanos que a estrutura colonial

ganharia? O fato é que embora o poder do Rei ditasse os normativos administrativos

locais, a vocação religiosa ibérica é uma tradição da região desde os primórdios

medievais. A força da Igreja está enraizada em Portugal e o padroado é apenas uma

transmutação de um poder já presente no homem europeu que tem no sangue

português a presença do sagrado.

O padroado régio é ao mesmo tempo fé e tradição adaptado às necessidades

burocráticas do Estado Português e da Igreja Romana. Num primeiro momento

pode parecer que a Coroa se sobrepôs ao Trono de São Pedro. Contudo, os fatos

demonstram que a realidade era outra. Igreja e Estado mantém, cada um, seu

poder.

No decorrer dos séculos iniciais da colonização brasileira a Coroa buscou um

equilíbrio entre Governo Central e a Igreja na tentativa de administrar os conflitos

entre religiosos e colonos. A peculiaridade do padroado português trouxe inúmeras

dificuldades junto aos colonos. A Igreja no Brasil era fortemente dependente da

atuação de leigos não só pela escassez de padres, que eram insuficientes pelo

tamanho da Colônia, como pela natureza dos nativos.

Na tentativa de “salvar” os índios perdidos na imensidão do “paraíso tropical”

muitos dos que se embrenhavam pela floresta acabaram por encontrar resistência

do silvícola, o que pedia muita dedicação e tempo para propagar a palavra de Deus.

Outro momento de tensão foi o período pombalino que impôs a saída dos

jesuítas da Colônia em 1759, o que criou um vazio enorme na já precária burocracia

colonial. Naquele mesmo ano Portugal restringiu a vinda de Ordens religiosas

impondo um controle ainda maior sobre a atuação religiosa no Brasil de então. O

crescimento populacional, apesar de não ter sido acompanhado do respectivo

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aparato religioso, via na atuação das Irmandades uma compensação à ausência

mais efetiva da autoridade religiosa. Porém, tal era sua visceral participação na vida

do gajo conquistador que a estrutura das Irmandades seguia o modelo católico com

seus santos e padroeiros. Desta forma mantinha-se a estrutura formal fortemente

identificada com a atuação do Estado português integrada à identidade católica.

...as necessidades coloniais se colocam no mesmo plano que as exigências da vida civil. A participação nas atividades religiosas não é menos importante que nas daquela última. Poder frequentar os sacramentos, o culto, as cerimônias da Igreja, constitui urgência que nada fica a dever ao que se pede noutro setor: a justiça, a segurança, ou as demais providências da administração pública. O Estado não se podia furtar a ela. E nem jamais cogitou disto. Pelo contrário, disputou sempre à Igreja de Roma o direito de ministrar ele próprio, a seus súditos, o alimento espiritual que reclamavam. Nunca lhe escapou a importância política disto. (JÚNIOR, 1994, p. 329)

3.2 A Igreja e as Irmandades

Na medida em que o povoado se sofisticava com a chegada cada vez mais

intensa de escavadores de ouro, as necessidades espirituais também aumentavam.

As Irmandades iam-se formando pela afinidade dos grupos cada qual com suas

obras e edificações.

Importante instrumento na estrutura da hierarquia social das Minas

setecentistas, as Irmandades de leigos (Ordens Terceiras) ocuparam o espaço

deixado pelas ordens religiosas banidas por ordem real portuguesa. Segundo Caio

César Boschi,

...não obstante o debate historiográfico em torno da singularidade das Minas Gerais comparativamente aos diferentes contextos históricos e espaços geográficos que conformaram o amplo império colonial português dos Tempos Modernos, parece ser consensual a afirmativa de que não se entende a História de Minas Gerais do século XVIII (e não só), sem a boa compreensão da emergência e da dinãmica das irmandades presentes naquela realidade.(BOSCHI, 2007, p. 59).

O primeiro objetivo da criação das irmandades foi provavelmente o de

propagar a vida espiritual e o conforto espiritual a seus membros. No entanto, nas

Minas setecentistas as confrarias se projetavam numa atividade muito mais ampla,

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quase transformando a corporação religiosa em uma estrutura formal cujo conteúdo

principal se expressa na formulação da assistência social e securitária ao meio da

época. Existe na história daquelas ordens uma coincidência de interesse do Estado

com o processo de formação dos escalões sociais que buscavam formas ou

veículos capazes e próprios de sintetizar e defender seus interesses vitais.

Por este processo a sociedade foi se desenvolvendo, marcada pelas

Irmandades que influíram, de maneira objetiva, nos hábitos e na forma de vida de

toda a população.

As igrejas das cidades históricas das áreas de mineração, devem-se

principalmente às irmandades, sendo todas elas compostas por leigos. As

irmandades são de origens medievais, muitas vezes, até ligadas ás corporações de

ofícios. No litoral do Brasil elas já existiam antes da mineração. A ordem primeira era

a dos padres franciscanos que viviam em mosteiros, a ordem segunda era composta

por freiras que viviam em conventos e, por fim, a ordem terceira que incluía os leigos

que viviam em suas casas e tinham afazeres comuns ao homem não eclesiástico.

Cada irmandade tinha sua própria devoção e administrava seu próprio

patrimônio. Na área de mineração existiu uma profusão de irmandades, sendo que,

cada irmandade atuava num determinado segmento social (Carmo e São Francisco

eram irmandades de ricos, Rosário dos negros, Mercês dos mestiços, etc.). Cada

irmandade tinha seu estatuto, o chamado “compromisso”. As irmandades da

capitania das Minas eram filiais das matrizes que foram implantadas no Rio de

Janeiro.

A irmandade para ser fundada tinha que ser aprovada pelo poder público

(Estado) e pelo poder eclesiástico (Igreja). Elas são subvencionadas pelo poder

público, com doação de terras, ajuda na construção das igrejas, contratações de

artistas, etc..

O patrimônio das irmandades era diversificado e englobava bens como terras,

casa de comércio, áreas de exploração, dentre outros. No século XVIII essas

irmandades desempenharam o papel de verdadeiros bancos, concedendo

empréstimos e financiamentos. Eram organizações fechadas, com mesa

administrativa organizada onde figuravam uma diretoria composta por priores. Para

se incluir nessas sociedades tinha-se que pagar uma jóia e contribuir mensalmente.

Cada irmandade tinha o seu cemitério, sendo que, era importante pertencer a uma

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irmandade para que os mortos da família pudessem ser enterrados em solo

sagrado, garantindo-se, assim a vida eterna.

As irmandades ricas tiveram espetaculares realizações arquitetônicas. As

diversas irmandades foram dominadas pelo Estado, sendo que, salvaguardava os

“status quo” de cada seguimento social.

Era importante dopar a sociedade da época, que trabalhava com uma riqueza

básica que ia embora. O ouro que aqui ficava nas obras artísticas da Igreja,

constituía-se numa tentativa de justificação do ouro em maior quantidade que ia

embora.

Na verdade as irmandades funcionavam como freios da sociedade. Vão fazer

o trabalho da igreja, semear a devoção, promover a religiosidade do escravo.

Sendo o século XVIII, um momento de crise do sistema colonial, essas empreitadas

artísticas representam um esforço de manutenção da realidade social do

colonialismo.

A Igreja é que tinha o controle dessas irmandades, porém eram por vezes,

subsidiadas pelo Estado. Os padres, porém, eram assim chamados por pertencerem

a diversas comissões. Ser comissário de uma irmandade era um cargo muito

aspirado e disputado. Era uma Igreja permeada de pelo regalismo. A Igreja

funcionava como um aparelho ideológico a serviço do Estado.

Desse processo advém a cooptação do artista com o sistema, embora guarde

o seu talento pessoal, o artista tem a sua arte ditada pelas irmandades, mesmo que

arrisque certos “voos e fugas” de vez em quando.

É importante lembrar a opinião de Augusto de Saint Hilaire que afirmava que

a religiosidade do mineiro do século XVIII se constituía numa exterioridade.

Em seu caráter assistencialista, as irmandades mineiras coloniais

apresentavam um aspecto “singular” (BOSCHI, 2007). Elas se adaptavam à

realidade da capitania, tão longe de outras influências como Rio de Janeiro, São

Paulo e Salvador. A Igreja era a mão que acolhia as esperanças do colono uma vez

que a presença do Estado não se fazia impor pelas bandas de Minas. Ao contrário

de outras áreas a presença do colono era imposição da riqueza mineral e a ação da

Igreja era necessária para conforto dos mineradores e não para salvação do gentio.

À medida que se achavam riquezas também aumentavam a força de

religiosos na região. Esta presença cada vez mais intensa acabou por chamar a

atenção da Coroa que aos poucos vai impondo restrições à presença católica nesta

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parte do Brasil.

A substituição das Ordens religiosas pela ação de leigos foi alternativa

natural. Por obra da necessidade a associação dos moradores era imperiosa e

nesse contexto as Irmandades tiveram importante papel na organização e

assistência social da região:

As Irmandades ofereceram para a Igreja uma dupla vantagem: foram simultaneamente gestoras e sedes de devoção, além de serem eficientes instrumentos de sustentação material do culto (...) substituíram o papel precípuo do clero, como agentes e intermediárias da religião. No segundo momento, arcando com os onerosos encargos dos ofícios religiosos, eximiram esse mesmo clero de combater a instituição do Padroado régio (...) além de aliviar o Estado do compromisso de aplicação dos dízimos eclesiásticos recolhidos na implementação do culto religioso, os irmão leigos acabaram por absorver a responsabilidade dos serviços de toda a população colonial. (BOSCHI, 1986, p. 93)

A gênese das Irmandades em Minas provavelmente está ligada à própria

decisão de se erguer uma capela onde, à sua volta, se organizava a vida social,

política e até mesmo comercial das vilas mineiras. Promovendo a dinâmica da vida

social, as irmandades nasceram para organizar a vida daqueles moradores

buscando disciplinar a ordem onde o Estado era ausente. As irmandades

precederam ao estado e à Igreja, como instituições (BOSCHI, 1986).

Processo natural, os primeiros templos cederam lugar às futuras edificações

católicas, mais elaboradas e bem construídas. Parte delas se tornaram matrizes,

patrocinadas por comerciantes e mineradores. Porém, a construção de igrejas não

era exclusivamente uma ação da elite local, uma vez que várias eram as

Irmandades de escravos e gente humilde.

Importante é esclarecer que mesmo sendo uma iniciativa de leigos as

Irmandades seguiam a orientação normativa católica e sua natureza jurídica

precisava ser definida de acordo com os preceitos burocráticos da Igreja de Roma,

naturalmente guardado pela imposição do padroado régio português. Outro

importante aspecto da existência das Irmandades era sua inspiração religiosa na

vida cotidiana de seus associados. Seguindo os preceitos cristãos católicos o fiel

deveria levar uma vida de acordo com o que determinava a sua entidade. Fazer

parte de uma ordem religiosa reforçava o papel do cidadão no contexto social em

que vivia.

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O caráter urbano das Irmandades explica seu importante papel no processo

de formação das cidades mineiras. A ausência de Ordens religiosas na capitania

não significava ausência de influência religiosa na região. Ao contrário do que pode

em princípio parecer a inauguração de uma Irmandade reforça a necessidade do

homem moderno de uma presença marcadamente espiritual para conforto e

esperança nos dias que virão.

O cotidiano urbano, construído à volta das edificações religiosas demonstra

sua importância na concepção de cidade onde a vida se movimenta à sua volta. A

cada nova Igreja ou templo construído a organização urbana vai se adaptando às

necessidades do citadino impondo uma dinâmica burocrática de acordo com suas

necessidades. Porém na maioria das vezes a ausência de planejamento impunha o

improviso como ordem natural das coisas. A competição e concorrência entre as

Irmandades produziam desconcertantes trajetos urbanísticos ao ponto de uma

construção se impor ao lado de outra caracterizando um perfil equivocado de

(des)organização urbanística.

A característica peculiar desta manifestação religiosa era seu caráter

espontâneo. Sem a influência das autoridades religiosas as escolhas dos santos

padrinhos das Irmandades seguiam muito mais a orientação social de seus

membros do que a conveniente preferência do clérigo representante de Roma.

Portanto, as irmandades se impuseram como peculiar forma de expressão e manifestação dos interesses locais, isto é, dos núcleos urbanos, dos arraiais e das freguesias. Não eram apanágio das principais e mais populosas comunidades. Disseminavam-se pelo vasto território, ainda que, aqui e acolá, e, explicavelmente, tivessem maior inserção em determinados centros urbanos. Organizaram-se nos mais distantes e heterogêneos rincões da capitania, o que não significava absoluto alheamento entre elas: não era incomum que irmandades e ordens terceiras de uma mesma invocação se comunicassem entre si e acolhessem os adeptos de suas homólogas. (BOSCHI, 2007, p. 63).

Outra importante diferença entre as manifestações de leigos nas Minas era

que, enquanto em Portugal tais manifestações ocorriam inspiradas nas ocupações

profissionais de seus adeptos, nas montanhas mineiras tais associações

representavam os interesses sociais de seus seguidores ultrapassando seu caráter

exclusivamente religioso para alimentar o ego de seus beneficiários. A riqueza de

algumas construções demonstra isso. Foi por ação voluntária destes que se

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mantinham as atividades religiosas e espirituais. Festas, procissões e celebrações

eram patrocinadas pelas Irmandades o que dava aos Irmãos aparente controle

sobre o processo espiritual da localidade. Contudo, a palavra final era de

responsabilidade do representante eclesiástico o que demonstra a força da

instituição. Ela podia não estar presente de corpo mas, certamente estava de alma.

Mais um exemplo da importância das associações religiosas eram aquelas

que não se encontravam vinculadas a um santo padroeiro. Eram as de Misericórdias

ou as do Santíssimo Sacramento. Enquanto a primeira acolhia os enfermos e

necessitados a outra encaminha os mortos que não tinham nenhuma vinculação

confrade sendo por isso desassistido por ocasião de seu passamento. Mais uma vez

a ausência estatal era suprida por um órgão de vinculação religiosa.

Carta Régia participando ao gov. as diligências já tomadas para construir Hospital e Casa de Misericórdia nestas Minas . (07/01/1736)

Dom João...Vos Faço saber a voz Gomes Freyrede Andrade governador e Capitão general da Capitania das Minas q. servio a cont [contento ?] o q. me destes pella minha Secretaria de Estado em carta de Trinta de Agosto do anno passado em como essa Capitania se achava sem caza de Mizericórdia, instituto igualmente q. é o q.no Rio de Portuguezes, q. o introduzirão em todas as Collonias de Affrica, Azia, e América em notoria uttilidade temporal dellas, alem do principal fim do Serviço de Deos e q. em nenhua parte dos meos dominios era maes necessaria e util a Irmandade da Mizericórdia com Hospital, pois ainda as pessoaz q. possuem bastante riqueza morrem ao dezamparo, (?) por q. ficao nas doenças sem maes assistência q. a de escravos barbaroz e’ buçaes, e q. hum Henrique de Paz (?) de Araujo deixara a camera dessa villa Rila Hua ay (?) cazas em citio acomodado em q. fizerao Hospital e desde logo tratarao de fazerem cura dos doentes e mais obraz de charidade q. são do instituto da Irmandade da Mizericordia na esperança de q. seu Rey (?) faria merce e ato das esiaz (?) Minas de baixo da minha leal Immediata (?) proteção (?) este Hospital é congregação, para q’. fossecaza Real da Mizericordia, como a do Rio de Janeyro e mais q.há no Brazil, e q. esta concessão tão propria (?) da minha piedade animaria os devottoz q. hoje cuidavao na enfermaria e’ sem e’lla não seria possivel q. continuasse o seo zello; é vendosse tão bem a suplica q. sobre esta mesma materia me fizerão os moradores dessa mesma villa e’seo termo.16

A importância das Irmandades como aparato assessório da Coroa está

também no papel que as mesmas tiveram no controle da população negra das

Minas. Com o grande contingente de escravos da Colônia nos setecentos as

associações que acolhiam os negros tinham ali espaço para sua manifestação de fé

invocando muitas vezes, de maneira sincrética, suas raízes e tradições africanas.

16 SC- 46 p. 57 – ANEXO C

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Tal comportamento ajuda a entender a força do catolicismo em determinadas

regiões onde a escravidão não formou barreira ao catolicismo tradicional. Ao

contrário, ajudou-o a acrescer componentes culturais afros que ainda hoje fazem

parte da tradição religiosa mineira como os congados.

Naturalmente que a aparente negligência da coroa ao crescimento

desordenado das confrarias de Irmandades ou Ordens Terceiras tinha por trás uma

estratégia de controle burocrático. Porém, ao se estimular, mesmo que

indiretamente, as disputas entre uma e outra, o desequilíbrio social presente na

capitania apresentava-se de maneira bastante evidente. As desavenças inicialmente

inocentes davam, vez ou outra, lugar à concorrência desleal e desenfreada. Cada

sucesso em uma procissão ou festa demonstrava o prestígio social alcançado pela

Irmandade impondo o respeito da comunidade junto a seus membros participantes.

Mesmo assim o Estado permanecia à margem de tais disputas uma vez que eram as

entidades que bancavam financeiramente suas despesas. Aliás, eram nessas

despesas que aquelas associações demonstravam sua força cooperativa. A

contribuição de cada membro permitia a atuação e a ajuda mútua e recíproca dos

interesses dos vinculantes.

Porém, a aparente e estratégica ausência do Estado não significava

descontrole. Longe disso, a autonomia das associações de leigos era, na verdade,

mais uma ferramenta de controle da Coroa uma vez que tais organismos tinham sua

existência regulamentada por documentos fundadores submetidos ao crivo de sua

Majestade, não sem antes de ter sua viabilidade confirmada pelas autoridades

religiosas, ligadas ao Rei pela obrigação do padroado. Na verdade eram as

Irmandades mais um de tantos veículos de colonização (BOSCHI). Seus registros e

movimentações financeiras eram constantemente auditados por autoridades,

religiosos e estatais.

A proliferação das entidades acompanhava o crescimento da capitania. A

cada nova vila que nascia junto com a construção religiosa que a caracterizava,

tinha como acompanhante uma associação leiga que moldava a estrutura urbana e

social de Minas. Esta proliferação foi, com o passar do tempo, deixando de ser, aos

olhos de Lisboa, mecanismo eficiente da presença (ausência) da administração

portuguesa na Colônia, até que em março de 1794 Martinho de Melo e Castro, então

secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos; impôs limites à sua

contínua fundação. Outro importante aspecto de seu declínio foi a crescente

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inadimplência de seus associados, fato que pareceu acompanhar o declínio da

produção aurífera da região.

No espaço urbano mineiro colonial havia um vai-e-vem de ermitães com suas

caixinhas de esmolas, geralmente representando a invocação do santo padroeiro

das Irmandades. O auxílio da população servia como forma de expiação de

pecados, que seriam resgatados pela oferta dada em honra ao santo.

3.2.1 Irmandade e as Edificações Religiosas

Com a consolidação do espaço urbano e o consequente desenvolvimento da

urbanidade, das hierarquias sociais e órgãos da administração surgem a demanda

de templos maiores tanto para congregar fieis como para dar vazão às celebrações

litúrgicas e administrativas17. Destarte, nota-se que a partir da segunda metade do

século XVIII a sociedade mineira tornou-se cada vez mais hierarquizada e, desta

forma, tornava-se imperativo destacar-se diante de uma multidão disforme de

negros, mulatos e homens brancos e pobres.

Assim, o vestuário, as regras de comportamento e vasto cerimonial serviam

para distinguir os “homens bons” da gente comum. Decerto, a partir da estratificação

social a nobreza da terra precisava se destacar dos demais e, desta forma, a

construção das matrizes e capelas filiais permitia a separação dos indivíduos

segundo seu lugar no ordo social.

Pedido de Provisão dos Confrades da Irmandade de N. Sra. do Rosário dos homens pretos da Freguesia do Ouro Preto para pedirem esmolas para reerguerem a capela em decadência. 20/11/1767

Da meza da Concª [consciência] os confrades da irmde [irmandade] de N. Sra. do Rozário dos homens pretos da Fregª. [freguesia] de Ouro Preto . Para trazerem dous homens a tirarem esmolas pª. a dª. [ para a dita] confraria e Irmde pr. toda a Capnia [irmandade por tooda a Capitania] menos em pte [parte] Diamantina.

Dom José por graça de deos Rey de Portugal e dos Algarves daquem e

17 O espaço religioso era utilizado para eventos políticos e burocráticos. Era neste espaço que ocorriam as eleições de membros do Senado (vereadores). Notícias e consultas populares também eram explorados ali.

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dalém mar em África senhor de Guiné. Como Governador, e perpétuo Administrador que sou do Mestrado cavalaria e ordem de Nosso Senhor Jesus Christo, Faço saber aos que esta minha Provizão virem, que attendendo os Devotos e Confrades da Capela de Nossa Senhora do Rozario de homens Pretos felial da Matriz de Nossa Senhora do Pillar do ouro Preto do Bispado de Mariana que pela total decadencia em que se achava a Capela da mesma Senhora lhe fora Reino (?) o fazela de novo com avultada despesa a qual não podia suprir os sobreditos confrares por viverem os mais deles subgeitos á escravidão que attestam o Parcho da mesma Freguesia, e por não haver outro algum Rendimento mais que as esmolas dos ditos Confrades como tambem atestarão os officiaes da Camera da mesma villa, e porque se não podia conservar tão pia devoção.18

3.3 Triunfo Eucarístico e Áureo Episcopal

Toda discussão sobre a força política da Igreja e sua influência na vida

urbana encontram reforço nos eventos do Triunfo Eucarístico e o Áureo Trono

Episcopal demonstrando que os eventos eram não só acontecimentos religiosos

mas também acontecimentos sociais, políticos e econômicos.

O primeiro, ocorrido em 1733, dá nome às festividades por ocasião da

inauguração da nova matriz de Nossa Senhora do Pilar em Vila Rica. Os

preparativos para o evento são descritos em 1734 por Simao Ferreira Machado com

riqueza de detalhes beneficiado pelo momento de fausto na produção aurífera das

Gerais.

A instituição eclesiástica, patrocinadora institucional da programação,

vê também a oportunidade de afirmar a hierarquia colonizadora em Minas, realizando quinze anos antes da instalação do primeiro bispado, verdadeira demonstração de poderio temporal e domínio religioso. Ao numeroso cortejo de sacerdotes, variada e ricamente paramentados, assinalando com sua presença a forca diretora da Igreja, soma-se o séquito das irmandades, que se sucedem num desfile competitivo de preeminência social e de recursos de organização. A religião e o rei exibem a firmeza de sua aliança, integrados no rito piedoso-formal da procissão o delegado real, governador Conde das Galvêas, e as tropas militares aquarteladas em Vila Rica. (ÁVILA, 1967, p.15).

18 SC 131 - p.55v – ANEXO D

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Os meses que antecederam à mudança do altar para a nova casa religiosa

foram de tensos preparativos e cuidados com a organização. A festa que se

preparava era muito mais que uma celebração religiosa. Os cuidados administrativos

e burocráticos são descritos por Simão Ferreira Machado, natural de Lisboa e

morador nas Minas, como o grande evento da sociedade colonial por aquelas

bandas. O fausto nos preparativos retratava a riqueza existente naquele momento

da colonização portuguesa no Brasil. A festa ou festas decorrente do acontecimento

foi comparada por Affonso Ávila com as festas carnavalescas atuais. Descreve o

autor

A ornamentação e iluminação da vila revivem motivos tipicamente barrocos, com a montagem decorativa de cenários festivos à maneira dos presentes na obra de Góngoras ou Cervantes, enquanto as sucessivas noites de luminárias dão ao ambiente uma atmosfera de “ensueño”. Estabelece-se, nos desfiles descritos e que precedem a procissão de 24 de maio, uma conotação de féerie coreográfica com o modernocarnaval carioca, pela profusão do colorido e pelo movimento e monumentalidade dos quadros. (ÀVILA, 1967, p. 16).

Mais uma vez sagrado e profano se confundem na vida religiosa como

também é na vida social e política. Negócios foram tratados e fechados por ocasião

da festa. Este aspecto das festividades não era uma exceção na vida dos mineiros.

Ao contrário, constituíam o cotidiano daqueles tempos. Este estilo de vida era uma

consequência das características da colonização e da maneira como o colono vivia

sua fé. A realidade era a de um dia a dia em que sagrado e profano se misturavam a

tal ponto que muitas vezes não se sabia onde acabava um e começava outro.

A cada dia a busca por riquezas exigiam do minerador, do comerciante, do

religioso e de qualquer cidadão fé e esperança. As adversidades só poderiam ser

vencidas com uma dose de coragem e de desprendimento que não poderiam ser

superadas somente com a fé, mas também com ela. Neste aspecto as delícias da

vida profana seriam anestésico para o dia a dia duro do sertão mineiro enquanto a fé

cumpriria a função de perdão às fraquezas do homem frente às tentações

mundanas.

Quanto à instalação do bispado de Mariana em 1748,19 demonstra como a

presença institucional eclesiástica decretou definitivamente a entrada da

19 O evento foi descrito em pequeno livro publicado pelo cônego Francisco Ribeiro da Silva em Lisboa no ano seguinte à instalação.

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comunidade no ambiente burocrático da coroa. Por mais estranho que possa

parecer esta é outra festa de cunho ao mesmo tempo religioso e profano. A

concorrência das autoridades e elite locais, buscando lugar de destaque nas

festividades, demonstram mais uma vez como o fenômeno religioso constitui

importante aspecto da vida social no Brasil. Já na elevação da vila de Ribeirão do

Carmo à sede do bispado em 1745 até a efetiva chegada de seu bispo três anos

depois, os preparativos e adequações físicas entrelaçaram interesses públicos e

privados, interesses da Igreja e do Estado. Como na inauguração da Matriz do Pilar

em 1733, o evento foi prévia e amplamente anunciado a todo o povo, através de

arautos para o fim devidamente caracterizados. A reforma urbana que se seguiu foi

totalmente determinada pelas necessidades da autoridade religiosa e como tal

pautaram uma nova estruturação civil de seus moradores.

Ao ser designado para a nova sede do bispado, dom Frei Manoel da Cruz

optou por fazer sua jornada, a partir do Maranhão, por via terrestre e fluvial o que fez

durar o empreendimento de agosto de 1747 a outubro de 1748. Pregando ao longo

de sua jornada evitou de determinar o dia de sua chegada com muita antecedência,

provavelmente para evitar os mesmos excessos das festividades por ocasião da

Triunfo Eucarístico. Esta prudente medida talvez demonstre a sensibilidade do

religioso ante a nova realidade mineira que via o início do esgotamento de suas

riquezas minerais. Nas palavras do sacerdote

...de mais perto faria o aviso; mas foi com o desígnio occulto de não o avisar, senão na véspera da sua chegada, para não dar lugar aos execessivos gastos da pompa, e lustre, com que os habitantes daquelle dourado Emporio da America costumão ostentar-se em semelhantes funções, sem embargo de ser tanta a decadência do mesmo paiz, que por acaso se acha nelle que possa com despendio necessario para a conservação da sua pessoa e fabricas. (ÁVILA, 1967, p. 35)

Porém, os apelos do sacerdote não impediram que as comemorações se

estendessem por algumas semanas. No final de novembro de 1748, iniciaram-se as

festas, que se estenderiam até o mês de dezembro, entre procissões, desfiles

alegóricos, jogos de iluminação, missas solenes, encenações teatrais e oralizações

poéticas, num misto espetaculoso de ritual católico e divertimento público. Os

recursos de decoração e indumentária são também ricos e cuidadosos realçando a

diversidade e o colorido presente no conjunto dos carros triunfais, das Irmandades,

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figuras equestres, grupos musicais e do numeroso grupo de clérigos e do

contingente militar. É importante ressaltar que apesar de toda programação, mais do

que o mero objetivo da diversão pública e do regozijo religioso, havia ainda uma

preocupação com o brilho intelectual do evento. Inscrições latinas em estandartes,

tarjas e emblemas na procissão enriqueciam todo o aparato festivo. Natural,

portanto, que os cônegos e clérigos de Mariana aproveitassem o momento festivo

para exercitar seus pendores intelectuais. Passadas as comemorações, o peso das

dificuldades daquela região logo trariam os moradores à sua dura realidade.

A dura realidade da vida mineira nos setecentos e a importância cotidiana da

Igreja naqueles tempos podem ser confirmadas mesmo antes da antiga vila se

tornar cidade. Em documento de 1734 a Irmandade do Santíssimo Sacramento da

igreja Matriz da Vila solicita às autoridades políticas verba para recuperação da dita

Matriz. Novamente os interesses se confundem. As obrigações do Estado por obra

do padroado são lembradas de maneira indireta no requerimento:

Os oficiais da Câmara da Vila do Ribeirão do Carmo expõem a Vossa Majestade com atenção e reverência que devem, que por se achar propingua (?) a total ruína a Matriz da dita Vila, em razão de ter já caido um lanço da parede de taipa da dita Matriz, concorreram os moradores da mesma Vila a reedificá-la com grande zelo e despesa, e pondo-se a obra em praça se arrematou por vinte e cinco mil cruzados sujeitando a Irmandade do Santíssimo a Renda que tem das suas esmolas para a dita obra, e como esta seja pouca, ofereceram os moradores dar o que tocasse a cada um para fazer quantia dos vinte e cinco mil cruzados: porém havendo quinhentas outavas de ouro das sobras do donativo Real, que tocou a esta Vila, representavam os Irmãos do Santíssimo da dita Matriz ao conde das Galvêas Governador e Capitão General destas Minas a necessidade que tinham de que se lhes devem para a obra da Igreja as ditas quinhentas outavas de ouro, pois não podiam ter melhor aplicação que serem para a Casa de Deus, mandou o dito General que recorressem a esta Câmara a qual ordenou que atendesse ao Requerimento dos Irmãos do Santíssimo na forma que o pedia a matéria: Recorreram os ditos Irmãos a a esta câmara e por se o tem (?) para que se pedem as quinhentas oitavas de ouro Santo e pio, e parecer razão, que e que sobrou do ouro e em que os povos concorreram para o donativo Real se aplique para o Donativo da Casa de Deus, mandamos os ditos Irmãos se o ouro das sobras do donativo Real dando fiança ao tornarem a repor no caso que Vossa Majestade ordene o contrário.

Porém esperamos na Real grandeza de Vossa Majestade haja por bem, que estas outavas tenham tão boa aplicação, como a que delas fizemos; por que ainda que o Dr. Antônio Freyre de A Fonseca Ozório [do caso Roiz?] sendo Juiz de Fora desta Vila pediu a Vossa Majestade estas outavas para a obra da cadeia da mesma vila, já deste particular demos a Vossa Majestade conta pela frota passada, e como a dita obra da cadeia se principiou, e por representações que se fizeram ao Dres corregos [ doutores corregedores?] da Comarca mandou sabotar a dita obra até dar conta a

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Vossa Majestade cuja obra tem a aplicação das 20Rendas do Conselho, e que se tem já dado a conta dela sete mil e tantos cruzados, esperamos da Real grandeza de V. Majestade se digne mandar que as ditas quinhentas outavas de ouro se não tirem à Igreja por ser preciza em uma vila tão principal destas Minas Porém V. Majestade mandará o que for servido.

Ribeirão do Carmo, 29/ Dezembro/1734. Joseph Pereira de Moura. Thomas de Gouvea Serra. João Vieyra Aranha

Os exemplos aqui narrados reforçam a ideia principal deste estudo. A

interação e interdependência da Igreja de Roma e o Estado português faz parte do

processo de formação da identidade religiosa mineira.

Tanto o Triunfo Eucarístico quanto o Áureo Trono Episcopal significaram ocasiões em que o poder e a soberania do Estado português e de seu Rei puderam ser evidenciados nas Minas. No Triunfo Eucarístico a preocupação com essa evidenciação apresentava-se, descontados os efeitos retóricos utilizados , já na dedicatória do texto de Simão Machado. O autor destacou que “tão grande solenidade se publicasse, porque a notícia tem estímulos para o exemplo [...]” Fazia-se necessária a “contínua narração aos presentes, e futuros toda a ordem de tão magnífica solenidade” porque assim se “providencia a utilidade do exemplo [...]” . A preocupação em tornar pública e notória a celebração do “triunfo” da política católica nas Minas poderia reforçar a idéia de que a Coroa havia triunfado na submissão dos colonos e, ao mesmo tempo, celebrar a grandeza da nação portuguesa. Ao iniciar o relato, escreveu Simão Machado: “que se perpetue na lembrança este circunspecto exemplar daquelles Catholicos moradores [...] e este resplendor Luzitano, para que sua exaltada memória sirva de gosto, e alegria a toda a Igreja, e a todos os Portugueses; de pasmo, e assombro a todos os infieis; de admiração a todas as gentes [...]” . Na aprovação para a publicação do relato concedida pelo M. R. P. Mestre Fr. Antonio de Santa Maria, ele justificava: “porque será um clarim da fama, que faça estremecer o universo assombrado d generosa piedade e prodiga magnificencia dos portuguezes [...]” (PAES, 1999) .

De uma maneira ou de outra serve de base para outros estudos do fenômeno

religioso no Brasil. Pesquisadores podem encontrar na gênese das Minas

argumentos para tal. As celebrações descritas são também ponto de partida para a

organização política que a capitania vivenciou ao longo de sua existência.

No micromundo daquelas festas, uma sociedade vive as determinações

burocráticas do Estado sob a vigilância moral da Igreja. Sagrado e profano

conduzem a vida do cidadão. Ele peca à luz do dia e se salva à sombra da noite. Ele

é súdito de dois reis. O sagrado e o profano.

20 AHU, cx 30, doc 26, rolo 025, gav. F-2

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3.4 Organização Política

Desde o advento das primeiras edificações católicas na Idade Média as

comunidades tendem a se organizar à volta dos templos eclesiásticos. Sinal de

prosperidade, fazer parte da comunidade religiosa através de doações era garantia

de perdão e salvação para a vida eterna. A construção das vilas ao redor das igrejas

fazia parte do ideário cotidiano medieval. As famílias mais tradicionais procuravam

se fixar ao redor destas igrejas. Talvez em um primeiro momento por questão de

segurança e mais tarde por status. Seguindo esta tradição a organização política

administrativa de Mariana foi ditada pela presença católica agora sob a tutela do

bispado.

O exame do aspecto político a partir da crença religiosa vem demonstrar

como a ordem social é determinada pelo campo religioso. Na configuração do poder

nos diversos núcleos urbanos do Brasil colonial podemos ver como o papel da Igreja

foi importante ferramenta da consolidação do poder local. Mariana, neste contexto,

representa um dos exemplos mais explícitos desta relação. As características do

corpo administrativo das Minas (já anteriormente mencionada) tem em sua peculiar

formação farto material de estudo.

Em Minas o sagrado é parte estrutural do Estado onde o político acaba

tomando uma dimensão emocional influenciada pela religião oficial. A participação

do clero na administração local se fazia não através de atividades burocráticas, que

deveriam ser exclusivamente do Estado, mas, na maioria das vezes de maneira

indireta. Era em épocas de festividades religiosas que a cidade ganhava iluminação

pública. O crescimento populacional podia ser verificado através de censos

informais. Era possível saber quais locais da cidade foram ocupados por famílias

mais ou menos abastadas pelo trabalho dos padres que percorriam a cidade para

verificar quem havia confessado para a quaresma.

Os registros de nascimento, batismo, casamento, óbito devem ser registrados

perante a representação religiosa. O cotidiano da população também era

acompanhado pelo padre local. Divergências políticas e familiares eram

intermediadas pelos religiosos. A presença do bispado trouxe nova configuração de

poder na região. Antes de se apelar para as autoridades políticas buscava-se ajuda

do representante de Roma. O aval do bispo para qualquer questão ganhava novo

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significado. Contar com as bênçãos da Igreja era forte argumento não só religioso

como também político.

No aspecto dos contornos do crescimento urbano a Igreja foi determinante

principalmente na disposição física das construções da cidade, uma vez que não se

poderia contrariar as tradicionais demarcações do espaço religioso. Todavia,

qualquer intervenção no cenário urbano era acompanhado pela administração

pública que, por tradição e força, era obrigada a se submeter às necessidades da

Igreja Católica. Não se podia alterar traçados de ruas ou se fazer construções que

pudessem “ofender” a fé do bom cidadão da cidade. Desta forma a Igreja acabava

por contribuir no planejamento urbano quanto às políticas públicas.

Em momentos de catástrofes naturais como enchentes ou secas contínuas

era através da Igreja que se discutiam as providências a serem tomadas. Isto não

quer dizer que a Câmara local não exercia suas funções políticas e administrativas.

Porém, as discussões ganhavam caráter popular pela participação do clero.

Ao se cuidar da cidade se cuidava também do espírito. A construção de

templos religiosos aproximava o súdito/fiel ao reino de Deus.

Ele acreditava profundamente na existência do inferno, do purgatório e do céu, e, que sua alma iria alojar-se em um desses locais da ‘topografia do além’, de acordo com a sua conduta durante a vida e na hora da morte. Ele é um pecador e sente-se culpado diante de Deus. Entretanto, tem plena consciência de que, frente ao seu arrependimento e bons atos, pode aliviar a sua pena. (ALVES, 1999, p.34)

A forte influência católica em Minas fez com que a população incorporasse os

padrões controladores da Coroa portuguesa legitimando suas normas sociais.

Através das festas e acontecimentos patrocinados pela Igreja o Estado fortalecia sua

presença colonizadora. Este aspecto também determinou outra característica

mineira. Aqui, o catolicismo tem um caráter mais urbano. Enxergar o sacerdote como

autoridade era uma maneira eficiente da Coroa se fazer presente.

Apesar de todo este aparente poder que os representantes religiosos

gozavam, também eram estes foco de constante vigília a fim se evitar os

costumeiros abusos. Com o intuito de impedir tais abusos os governadores estavam

sempre informando ao Bispo ou até mesmo ao Rei sobre eventuais desvios. Caso

se confirmasse as denúncias, as punições viriam ou da autoridade religiosa ou da

autoridade política. Novamente evidencia-se a força política da Igreja ou a força

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religiosa do Estado.

A constatação da existência de desvios por parte do corpo religioso

demonstra a dificuldade de se manter fiel aos preceitos religiosos. A confusão entre

o político e o religioso acabava por contribuir para este comportamento.

Estudos que analisam a conduta política ou ética do clero colonial se polarizam diante de pares opostos, como a falsa dicotomia controle/descontrole, subordinação/anarquia, e a historiografia mineira não escapou dessa tendência. Visto de forma genérica, como elemento de ordenamento do social, ou “funcionários régios”,21 em outras ocasiões, o clero foi considerado desordeiro. Em ambos os casos, tratam-se de estereótipos, apesar de atitudes individuais que permitam tais interpretações, mas, postas de forma generalizada, desviam o foco para aspectos particulares, desconexos com o todo da realidade social. Para além de apreciações polarizadas, deve-se esforçar para perceber as tensões produzidas no interior daquela sociedade, que se revelam extremamente ricas, bem como procurar uma aproximação dos sujeitos sociais, num esforço para apreender as diversas variáveis que concorrem para as maneiras peculiares de ver e reagir dos indivíduos. (DIAS, 2004, p.65)

Também é de se constatar, através de documentos, que o relacionamento

entre Igreja e Estado era por vezes conflituoso. Nem sempre os interesses se

convergiam. Apesar do caráter genérico desta afirmação é fácil compreender alguns

desses conflitos. Acostumados com a ausência do poder real, separados por um

oceano de mistérios, políticos e religiosos se acostumaram a assumir atitudes sem a

interferência um do outro. Quando alguma medida não agradava uma das partes, se

instalava as divergências.

Apesar desse aspecto pouco edificante do relacionamento da Igreja com as

autoridades políticas locais em Minas tais atritos pareciam ser menores do que no

resto da Colônia. Achava-se que como a fonte de atração da região se esgotaria

rapidamente uma vez que o ouro aqui era principalmente de aluvião, as querelas

seriam também transitórias. A quantidade de clérigos não deveria ser alta nem durar

21 Uma dúvida que se tem a respeito da aplicação do conceito dos padres como “funcionários”, fiéis obedientes ao rei, é se a mesma se derivou da análise do Padroado Régio, onde esses recebiam a côngrua régia, o que teoricamente significaria um cargo, uma “função”, ou foi essa resultado da leitura de Max Weber pelo primeiro autor que a utilizou, uma vez que o mesmo possuía íntimo contato com o escritor da Ética protestante e o espírito do capitalismo; os demais seguiram-no em sua linha de raciocínio, embora nessas leituras não demonstram a fonte da primeira referência! Cf. dentre outros: HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil, p. 84; PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo, p. 332-333; FAORO, Raimundo. Os donos do poder, p. 229; SCARANO, Julita. Devoção e escravidão, p. 20; BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder, p. 63. Nota do autor.

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muito tempo.

Outro fator que contribuiu para este raciocínio era a falta de recursos para se

manter a ação pastoral da Igreja nas terras mineiras. O interesse maior da Coroa era

o de produção de riquezas e não o aumento de despesas.

Neste contexto de dificuldades em se conter os abusos dos religiosos

presentes em Minas com sua real e necessária presença é que no mesmo ano em

que começou-se a fundar as primeiras vilas nas Minas, o governador Antônio de

Albuquerque enviou carta ao Rei, solicitando a criação de um bispado para São

Paulo e Minas, separado da jurisdição do Rio de Janeiro. Tornava-se necessário a

presença de autoridade de maior valor na região.

Os bispos, os seus ministros, as ordens regulares e os representantes

eclesiásticos em geral aspiravam sempre à emancipação mais ou menos completa

do poder civil, ao qual em inúmeros momentos tentou se sobrepor, recorrendo-se ao

pagamento do dízimo, convertendo as igrejas em asilo de criminosos, sendo

indulgente com várias perturbações. As excomunhões insensatas, os sermões

sediciosos foram severamente denunciados em numerosas cartas régias, por vezes

ineficazes, a que a Corte recorria para tentar por ordem a tais desmandos.

Fica claro até aqui, que a organização política nas vilas mineiras seguia uma

ordem já determinada pelo colonizador. A elite formada pelos “homens bons”

consagra a estrutura política local. Contudo, sem a presença da autoridade religiosa

o aparato administrativo da vila/cidade não se consolidaria.

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4 O ESPAÇO URBANO E O SAGRADO

4.1 Da Cruz à Capela

A descoberta do ouro e dos diamantes no interior da Colônia levou a uma

ocupação desordenada do espaço recém descoberto. Aquele local é um espaço

dessacralizado, profano. O homo religiosus tem necessidade de habitar em local

sagrado. Erigir cruzes e cruzeiros era o primeiro ato de purificação daqueles

espaços.

Em seguida construía-se uma rústica capela ou ermida de sapé ou palha,

símbolo de efemeridade do ouro. Com o estabelecimento das vilas e arraiais, estes

fieis passavam a se organizar em irmandades religiosas, edificando capelas com

materiais mais duradouros. Acompanhava ao crescimento do arraial/vila uma

organização burocrática mínima que buscava normatizar, mesmo que

primitivamente, as construções e eventuais reformas que qualquer edificação,

particular ou não, exigissem.

Nesse sentido, a interferência burocrática da Coroa se fazia presente uma vez

que os fregueses se não intrometam a reedificar, ou ampliar as ditas Igrejas

Paroquiais, sem primeiro vos darem conta e ao Provedor da fazenda, que

mandarão fazer planta proporcionada à necessidade, evitando

superfluidades; com cominação que para as obras que se fizerem sem

proceder a dita diligência não mandarei concorrer com a parte que toca a

Fazenda Real”.22

Apesar da pujança inicial que as riquezas minerais trouxeram para as Minas,

o brilho do ouro não sorriu para todos. As construções religiosas, como fora

explicado anteriormente, acabavam refletindo as diferenças entre os confrades de

outras irmandades.

Da simplicidade da fixação de uma cruz à edificação de uma capela,

22 SC-18, p. 63. Resolução proibindo reformas, ampliação e construção de igrejas paroquiais nas Minas, Lisboa, 02 de Abril de 1739.

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enxergava-se o florescimento da região com seu respectivo amadurecimento. Esta

realidade impunha os contornos que acabariam caracterizando o espaço urbano

nascente.

A pequena capela logo se tornaria construção que saciasse a necessidade

espiritual do fiel. A capela rústica de pau-a-pique, sucedida por outra construção

demandava sacrifícios financeiros que exigiam mobilização de seus fieis. A nova

edificação, com paredes de adobe ou taipa de pilão, exigiria mais apuro na obra, o

que demonstrava a devoção de seus financiadores. O auge das construções

religiosas eram os templos de pedra, raros não só nas Minas, mas em todo o Brasil

setecentista.

As finanças para todos estes empreendimentos eram administradas pelos

confrades que buscavam de várias maneiras recursos para suas obras. Eram

comuns os pedidos de recursos ao Rei ou autorização para pedidos de esmolas

para obras de construção, reforma e recuperação de edificações religiosas.

Em 1736 os irmãos confrades de Santa Ana da Vila do Carmo das Minas

Gerais fazem pedido ao Rei para que este autorize o pedido de esmolas para

construção de uma casa para acolher enfermos e pobres de MG. Assim:

Dizem os irmãos confrades da Senhora Ana da Vila do Carmo das Minas Gerais, que incitados da fraternal caridade e magoados da compaixão que faz ver perecer naquela terra muitos enfermos no desamparo por faltar nos moradores dela, em cuja [huma, cuja?] a possibilidade para se vos recolherem e curarem, e em outros a caridade para o fazerem, tiveram pensamento de edificarem junto da capela da mesma Senhora uma casa para o dito fim, e pondo em pratica, com efeito em Mesa resolveram dar-lhe princípio, como consta da ? cuja cópia oferecem, a qual deliberação tomaram confiando só na Divina Providência: e como seja obra tão pia e singular nas Minas, pois ainda nelas não há Casa de Misericórdia, considerando os suplicantes ser o Real peito de V. Majestade inflamado de mais ardente zelo de Caridade, e sem limite a manamidade [magnanimidade, sic?] de seu Real ânimo, lhes pareceu seria muito de seu agrado fazela sua, o a ter nela parte e aí prostrados a seus reais pés.23

É curioso verificar que o pedido é recheado de alegorias onde todo o texto

tenta buscar cumplicidade na manamidade do monarca. O apelo a Vossa Majestade

busca na sua suposta bondade deferimento para o empreendimento.

Não era apenas ao bondoso Rei que as obras ganhavam apoio. Em outro

23 AHU, ex32, doc 57 – 22/Nov/1736

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documento os irmãos da Mesa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja

da Vila do Carmo solicitam ao Senado da Câmara da Vila que lhes dê uma

quantidade de ouro para reedificação da mesma igreja.

Em requerimento, esclarecem que a igreja estaria toda arruinada, com real

perigo de desabamento de suas paredes. Informam que contraíram dívida para as

obras emergenciais de recuperação da mesma e que a população ajudou no

pagamento da dívida contraída. Porém, como o povo daquela freguesia é pobre:

Recorreu a dita Irmandade ao Senado da Câmara daquela Vila, para que por esmola quizesse dar quinhentas e tantas outavas de ouro, que no dito Senado se acham em ser por terem crescido do Donativo Real que se lançou naquela vila e se tro [se tirou?] a o que respondeu o Senado recorressem a Vossa Majestade a quem darão conta pela que Vossa Majestade por sua Real grandeza se digne mandar que o Senado da Câmera da sobredita vila dê por esmola as ditas quinhentas oitavas de ouro visto ser acréscimo do donativo para a dita reedificação da Igreja para que assim fique o povo dela mais aliviado, em razão da pobreza em dizerme24

Outro fato importante a ser lembrado é que nem sempre as Irmandades

tinham condições de manter um vigário fixo. As Irmandades mais modestas como as

de escravos (N. S. Rosário) viviam em dificuldades e não raro solicitavam

autorização para pedir esmolas. Com seus oratórios percorriam as ruas pedindo

auxílio para sua obra.

Pedido de Provisão dos Confrades da Irmandade de N. Sra. do Rosário dos homens pretos da Freguesia do Ouro Preto para pedirem esmolas para reerguerem a capela em decadência. 20/11/1767. Da meza da Concª [consciência] os confrades da irmde [irmandade] de N. Sra. do Rozário dos homens pretos da Fregª. [freguesia] de Ouro Preto . Para trazerem dous homens a tirarem esmolas pª. a dª. [ para a dita] confraria e Irmde pr. toda a Capnia [irmandade por tooda a Capitania] menos em pte [parte] Diamantina.25

A ação gloriosa levava o homem setecentista a fincar uma cruz sacralizando o

terreno profano da Colônia. Seguindo o crescimento do local dava abrigo ao santo

de sua devoção em uma pequena ermida para em seguida empreender templo mais

de acordo com as necessidades espirituais da comunidade. Todo o caminho

24 AHU, cx 30, doc 26 - 1735 25 SC 131 - p.55v – 1767 – ANEXO E

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percorrido, desde a primeira marca religiosa até a mais sofisticada edificação,

necessitava de recursos e por vezes autorização superior. Mais uma vez as

necessidades privadas e religiosas se confundiam com as coisas do Estado. O

processo urbanizador se pautava pelas necessidades dos homens que moravam na

vila. Nem sempre é possível determinar para aquelas pessoas qual era sua primeira

necessidade, o conforto do brilho do ouro ou a paz da luz de Deus (ou da Igreja).

Fato é que um não vive sem o outro. E por causa dele o homem vive na cidade.

4.2 A Urbanização e a Influência Eclesiástica

O grande deslocamento humano para o Brasil provocado pela fascinação do

ouro era em sua maior parte proveniente do norte de Portugal, jurisdição religiosa do

Arcebispado de Braga.

Ligados ancestralmente à religião cristã, aqueles desbravadores trouxeram

para a colônia, além das pequenas imagens dos santos de sua devoção, um fervor

religioso profundo. Porém tal motivação religiosa nem sempre de traduzia à ideia

moral na vida prática. Mesmo assim, esse espírito místico faz parte de nossa

tradição, especialmente em Minas e na Bahia.

Vale lembrar a contradição observada nas populações formadas por

imigrantes que formaram a base racial do Brasil, especialmente em Minas, Bahia e

Pernambuco.

Com a coragem inflada pela necessidade , enfrentaram doenças e a morte,

sob o perigo de variações do clima e a maldade alheia. Dispondo de poucos

recursos arriscavam a longa travessia marítima, varando a distância entre a terra

natal e a terra das minas do ouro, passando por caudalosos rios, sertões pestilentos,

sonhado com a riqueza que haveria de ser obtida, a qualquer custo, homens

capazes de matar ou morrer. Entretanto, paradoxo que a religião permite, eram

todos ternura e humildade ao contemplar as menores das imagens de nossa

Senhora ou de quaisquer outros santos, conduzidos em seus baús de andarilhos.

Na travessia marítima ou nos ranchos desabrigados das longas picadas, era

diante dessas imagens que, com olhos marejados, pediam proteção divina para que

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pudessem encontrar nas riquezas terrenas o mesmo conforto que esperavam

alcançar no paraíso celestial.

Ao primeiro sinal de prosperidade surgiam capelas e taipas, em cujo altar

descansava o santo de devoção ou padroeiro da aldeia que ora se formava.

Reunidos os moradores, iniciava-se o culto pelas calejadas mãos daqueles pioneiros

fundadores das Minas.

À beira dos caminhos, nas proximidades dos locais onde se encontravam as

minerações ou nos sítios dos grandes sesmeiros, por todo território imenso dessas

extensas terras, ficaram os marcos do espírito cristão e católico, plantados pelas

gerações do século XVIII. Basta uma breve pesquisa toponímica que encontraremos

a origem de quase todas as localidades mineiras no atrativo da capela edificada pela

iniciativa de um devoto aventureiro.

Aqueles construtores procuravam reproduzir no padroeiro as visões das

localidades de sua origem. Muitas das construções religiosas dessa época eram

baseadas em modelos de construções portuguesas. Do Porto foram modelos o

convento de São Francisco, na Bahia, reproduzindo o franciscano da cidade

portuguesa e a igreja dos Jesuítas, reprodução da igreja de São Martinho da Costa.

Também o culto à Virgem Maria, a quem Afonso Henriques entregara

Portugal e os portugueses, apareceu logo como o mais difundido nessas fundações

primitivas, destacando-se as do Carmo, do Pilar, Conceição, Piedade, Boa Viagem,

Dores, Desterro, dentre outras, generalizadas no universo católico, sempre

invocando Nossa Senhora a todo o momento, seja para pedir ou agradecer.

Importante lembrança é a de Santo Antônio, o santo português, miraculoso e

popular, na estima coletiva e nos serviços privados e públicos, só cederia lugar à

Virgem Maria. Bom amigo das moças, para as quais sempre arranjou casamento de

amor, inigualável para que se recuperassem qualquer coisa perdida, ele auxiliava

até a domar animais bravos e a amansar crianças de grande peraltice, bastando

invocar pequena trova religiosa para tal. E o remédio invocado devia ser eficiente

uma vez que em todas as igrejas, capelas e oratórios públicos e privados era

obrigatória a imagem do estimável Santo, que em seu altar da Matriz do Pilar de

Ouro Preto chegou a ter honras de Capitão de Infantaria recebendo até mesmo o

soldo que qualquer mortal servidor militar faria jus.

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Santo Antônio deu seu nome a várias localidades na colônia, muitas vezes

com especificação do local onde nascera, como o caso de vários arraiais que se

formaram e foram paróquias, com a invocação de “Santo Antônio de...”.

São José, o humilde e casto esposo de Maria, foi menos lembrado pelos

povoadores primitivos, porém, obteve seu nicho, onde em pequenas imagens eram

adoradas pelos carpinteiros tornando-se Santo de devoção dos homens pardos, que

lhe ergueriam templos próprios.

O culto a São João Batista, parece que atraia mais pela sua natureza festiva,

pouco solicitado a milagres e graças. Contentavam-se seus devotos em obterás

adivinhações do futuro, no salto da fogueira ou nas sortes tiradas pelo ovo partido

deixado em repouso num prato exporto ao sereno da festejada véspera. Sem a fama

de outros santos milagreiros, São João deu nome a vários povoados das eras

primitivas, que se desenvolveram em vilas e cidades que se tornaram prósperas.

Muitos outros santos deram nomes às concentrações urbanas que viriam a se

tornar vilas ou cidades. São Sebastião, protetor contra a peste e contra a guerra;

São Gonçalo, arranjador de casamentos às solteironas; São Caetano, protetor do

trabalho; São Miguel, com sua influência entre as almas do purgatório, remédio

contra aparições e maus olhados e mais Santa Rita, São Francisco, São Domingos,

etc.

Nas capelas e oratórios amontoavam-se imagens de santos que o espírito

humano punha a seu serviço. Santos que a crença considerava obrigados a uma

imediata intervenção nos casos de suas especialidades. De muitos deles já se

perdeu a memória e suas pequenas imagens servem às vezes de grande desafio

aos pesquisadores que tentam reconstituir coisas do passado colonial.

Reserva-se especial importância à Sant’Ana, Mãe da Virgem Maria, cuja

imagem, representando-a no ato de ensinar a ler sua filha, encontra-se em grande

quantidade, não só como padroeira de arraiais, como em irmandades que

entretinham obras de assistência a doentes cuidando de enterros de indigentes,

especialmente em Ouro Preto e Mariana.

Nota-se que muitas devoções disseminadas e mantidas até hoje raramente

lograram em Matrizes ou igrejas principais. Nossa Senhora do Rosário, por exemplo,

devoção de escravos e libertos, não deu origem a nenhuma localidade nem suas

igrejas foram sedes paroquiais. A pobreza e a humildade tem a “sorte” de abaixar os

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homens não só na vida, mas também arrastam a uma descida na hierarquia

religiosa.

Quase todas as igrejas paroquiais, as mais famosas de Minas, desde a

fundadora Sé de Mariana, tiveram a origem humilde de uma ermida com tosco altar

de tábuas, tendo na praça fronteira um cruzeiro, com os símbolos da paixão, a cujos

pés se fixava o cofre de esmolas. Nele eram depositados as doações dos que

passavam transformando-se em fundos para edificação de um templo melhor e mais

rico.

O encarregado de arrecadar as esmolas e dirigir a construção da igreja

começava ermitão e passava logo a fabriqueiro, por ter a seu cargo a fábrica de

construção.

Enquanto não dispunha de igreja completa e bem montada, com paramentos

para os sacrifícios e padre para celebrá-los, reuniam-se os fieis para oração em

comum, a ladainha, o ofício de Nossa Senhora, rezados coletivamente sob direção

de um mais indicado, naturalmente o que soubesse ler, fato raro naqueles tempos.

Estabeleceu-se, como consequência da opulência proporcionada pelo brilho

do ouro, uma convergência comercial, que se tornava permanente, movimentando

continuamente o incipiente povoado, que se formava como abrindo alas à pequena

igreja.

A maior influência de fieis facilitava a cotização para que se aparelhasse a

casa de Deus, cuja construção definitiva obedecia unicamente ao modelo português,

em naves, e capelas mores, com as características torres do tipo beneditino.

Pode-se dizer que raras igrejas tenham sua terminação externa definitiva

antes de muitos anos, levando algumas quase um século para concluírem suas

fachadas. Nesses templos primitivos foram criadas as primeiras paróquias mineiras.

O desenvolvimento rápido da localidade explicava-se então pelo motivo

religioso, que, confundindo-se na vida cívica, era o aglutinador de povoados, a base

da existência social.

Instalada a paróquia, eram os vigários, por disposição canônica, obrigados a

organizar a lista de seus jurisdicionados ou fregueses, isto é, quantos eram

obrigados a satisfazer os deveres para com Deus. A sociedade civil confundia-se

com a religiosa e essas listas serviam não só para a vigilância do clero como por

elas se escolhiam os chamados “homens bons”, isto é, abastados e de conduta

supostamente regular, para a eleição das Câmaras.

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Era ainda nas igrejas matrizes de Vila Rica que se empossavam os

governadores, que assistiam obrigatoriamente às solenidades religiosas, parte do

cerimonial de posse.

Como a presença à missa dos domingos era obrigatória para todos, inclusive

os escravos pertencentes a senhores que não tinham ermidas com capelães, eram

essas listas lidas pelo sacerdote para fiscalizar a pontualidade dos fregueses.

Cabia, então aos familiares do Santo Ofício, figurões das irmandades e

integrantes em geral, a delação das faltas, e todos eram convidados a se justificar.

Assim também se cumpria em relação à desobrigação anual da confissão e

comunhão pela Páscoa, devidamente vigiada pelas relações dos que a elas eram

sujeitos.

Nas igrejas paroquiais eram ainda feitos os lançamentos relativos a

nascimentos, casamentos e óbitos, vigorando nos atos da vida civil as disposições

do Direito Canônico.

Com as rendas dos dízimos, que, por força do Padroado, eram arrecadadas

por funcionários régios, pagava o Rei o salário do pároco, ficando as demais

despesas por conta das irmandades.

Padres e frades haviam em quantidade, atraídos também pela aventura do

ouro com as notícias maravilhosas que corriam sobre as Minas do ouro.

Enchiam-se os povoados, as trilhas e caminhos da região de frades de

diversas ordens e conventos do Brasil, de Portugal e da Itália, esmolando ou

especulando em negócios de toda ordem. Sem tirar-lhes o mérito de difundirem

devoções, pregando a doutrina cristã nos mais remotos povoados, ensinando a fé

aos negros, trazendo para Minas o gosto pela arte e brilho do culto, introduzindo,

com seu comércio, imagens e telas preciosas de grandes artistas portugueses e

italianos, civilizando, enfim, populações barbarizadas pelo deserto pelo brilho do

ouro.

A rapidez com que se ergueram em todo território das Minas tão numerosas

igrejas resultava não só do fervor religioso como também pela preocupação utilitária.

Uma mistura de misticismo e materialismo grosseiro dominavam essas

multidões transmigradas, de senso moral embaçado no que seriam os bons

costumes e ao respeito à propriedade e à vida alheia, fato que permaneceu nas

camadas mais baixas e incultas do povo até nossos dias.

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Ainda com a mentalidade medieval, em que espiritualmente ainda se

encontravam, os emigrados dos séculos dezesseis, dezessete e dezoito, homens do

campo ou operários da cidade, por conseguinte seus descendentes mestiços,

mantinham ideias religiosas impregnadas de hábitos e concepções dos séculos

anteriores e das raças de que se originaram ou mantiveram contato.

O antropomorfismo incutia-lhes um falso conceito da Divindade, muito

próximo do paganismo, cujos usos e costumes adotados encontramos ainda em

muitos pontos do brasil, o que, às vezes, tem sido interpretado falsamente como

influência africana.

Todos os crimes se cometiam, todos os abusos eram tolerados, se ocultos,

desde que as oferendas às Igrejas, aos santos e os donativos às irmandades

aplacassem a cólera divina (ANASTASIA, 2005).

Por essas razões a igreja era a obra mais urgente, menos talvez por piedade

desinteressada que pela premência de criar possibilidades de perdão para as faltas

frequentes, sobretudo em matéria sexual. Gente, como se sabe, de grande fortaleza

de espirito, mas de lamentável fraqueza da carne.

Roubos, assassinatos, opressão a viúvas, violação de donzelas,

desonestidade em negócios, concubinatos, para tudo havia meio de se conseguir o

perdão por meio da confissão obrigatória com as penitências de donativos de toda a

ordem.

Bulas e outras graças de nobre finalidade decaiam nos abusos interpretativos

e abriam portas aos destemperos da vida cotidiana, altares privilegiados com

indulgencias plenárias, santinhos, escapulários que ornavam pescoços virtuosos

figuravam também em muitos concubinários e ladrões de boa aparência.

Cruzes à porta das casas, nos caminhos, nos altos de morros, nas guardas

das pontes, em toda a parte, erguiam-se para espantar o demônio, que tinha razões

de sobra para sentir-se à vontade em Minas se não fora o empecilho frequente do

símbolo da redenção (DIAS, 2004). E todas as lendas demoníacas europeias

andavam assustando os aventureiros, que ainda encontravam na nova terra sacis e

curupiras, contra os quais era necessário reforçar sua proteção. A igreja dava-lhes a

segurança contra o Demônio, ao qual muitas vezes se associavam com a firme

intenção de logra-lo.

A vida civil e religiosa, confundindo-se, não era exagero que se erguessem os

muros dentre os quais se celebrariam os atos necessários à compostura de homens

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que enriqueciam e que se esforçavam em tudo para imitar o que faziam os homens

importantes do reino.

Cercados de perigos, a ideia de morrer era constante. A igreja, então, com o

padre, para a missa dos domingos, para os batizados, os casamentos, procissões e

demais atos em torno dos quais giravam o principal da vida social de Minas; a igreja

e o padre ainda mais importantes para uma morte tão tranquila quanto possível,

confortada pelos sacramentos, assistida pela encomendação do corpo e sepultura

garantida no ambiente da igreja, para ser consumido em terra sagrada ao contrário

de ser lançado em um buraco qualquer, como pessoa sem Deus em sua vida. Tal

fato contribuiu para tão numerosa quantidade de capelas construídas por confrarias,

quando, nas matrizes, os irmãos do Santíssimo Sacramento, julgando-se melhores

que os demais cristãos, reservavam para si as campas das naves da igreja, criando

cemitérios paroquiais para os menos privilegiados confrades das devoções dos

altares laterais.

Graças ao enriquecimento farto e rápido, muitos foram generosos ao

destinaram recursos para construções e reformas de capelas e igrejas, permitindo o

culto religioso, não poupando meios para que as casas de Deus se erguessem ricas

e belas.

Pouco mais que duas décadas após a descoberta do ouro seguido do

povoamento da região, as igrejas matrizes das vilas e de muitos arraiais tinham seus

luxuosos altares de talha policromáticas ou douradas, suas banquetas de prata,

tocheiros, cálices, ostensórios de prata ou ouro, vindos do reino ou fabricados em

Sabará, Vila rica ou Bahia. A quantidade de prata e ouro em obras e ornamentos

traduzem-se a valores de difícil cálculo, tamanha riqueza disponível naqueles anos.

Retábulos reproduzindo os mais notáveis de Portugal, imagens talhadas pelos

melhores artesãos, mobiliários de desenho igual aos mais altos e custosos padrões

do reino, tudo foi realizados nessa profusão de pompa religiosa que durou um século

e fez concentrar nas minas uma espantosa coleção de artes de diversas formas e

tendências.

Mesmo os mais humildes como os pretos das irmandades do Rosário, das

Mercês, de santa Efigênia, acompanharam os poderosos de seu tempo e suas

igrejas construindo templos com beleza arquitetônica semelhante aos irmão mais

favorecidos.

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Importante lembrança é que o zelo nas construções religiosas não eram

privilégios das grandes vilas onde assistia a chamada nobreza local, dos ofícios

militares ou do governo. Foi obra generalizada e está de pé documentando a

existência de um grupo artístico que encheu o século XVIII de beleza e graça.

Padres emigrados durante a primeira metade do século XVIII, não se

contentavam com os benefícios eclesiásticos, sendo que muitos não viviam deles.

Bom exemplo são os casos de inventário e testamentos. Demanda a serem

resolvida entre o ordinário e o eclesiástico, ambos com grande movimentação de

causas, facilitava o exercício da advocacia a inúmeros sacerdotes doutores em

cânones, que mantiveram bancas famosas nas sedes das comarcas.

Em 1756 havia em Vila rica oitenta padres e em Sabará quarenta e dois.

Outras profissões foram exercidas quase exclusivamente por sacerdotes, que

acumulavam atividades espirituais e temporais. A medicina o comércio de

medicamentos em larga escala, estavam com os padres, que também possuíam

fazendas de gado além de numerosas minerações próximas a vila Rica, Ribeirão do

Carmo, São João Del Rei e Sabará. Foram ainda os mestres dos filhos de homens

ricos que, depois de educados, eram mandados para o colégio dos jesuítas no Rio

de Janeiro e em seguida para Coimbra. A expressão padre-mestre, aplicável a todo

sacerdote que não era vigário, documenta quanto generalizado era o ofício de

ensinar entre os padres.

Em 1745, ao abrir-se a nova era religiosa das Minas com a criação do

Bispado de Mariana existiam 51 paróquias, então sujeitas ao Bispado do Rio de

Janeiro, e que, pela lotação das arrecadações dos dízimos, mostra ainda a

importância econômica de cada uma.

A criação do Bispado marcou uma nova ordem de coisas nos assuntos

religiosos de Minas e foi, sem dúvida, o fato criador de uma era de grandes

progressos espirituais.

A distância que se encontrava o opulento território mineiro das vistas dos

Bispos que o governavam fora sempre causa de se não poderem coibir os abusos

do clero e dos fiéis, uns e outros geralmente em luta pela ganância do primeiro e

pela soltura dos costumes dos demais.

A história religiosa de Minas, anterior à sua organização episcopal autônoma,

oferece uma série de episódios pouco edificantes, com a luta entre os três bispados,

Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, para se incorporarem o novo e rico território

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com periódicas visitações de representantes daqueles bispados que se

aproveitavam dos períodos de sede vacante nos bispados para se desmandarem de

modo lamentável.

Como exemplo fica o caso do bispado de Pernambuco que guardara

jurisdição em todo território mineiro, vindo até as portas de Sabará, já criada

paróquia pelo Bispo do Rio de Janeiro, ao qual competira a região.

Em 1719 um Cabido pernambucano tentou ampliar, pela violência, a extensão

de seu âmbito nas Minas e para isso despachou um de seus membros, o cônego

Pedro Rodrigues Velasco, nomeado vigário da vara e visitador do ribeirão do Carmo,

paróquia pacificamente criada e provida pelo bispo do Rio desde 1703.

D. Frei Francisco de S. Jerônimo, que regia a Sé fluminense, protestou, e em

longa representação ao Rei, que por força do Padroado, era quem resolvia as

questões administrativas religiosas, informou que tal cônego “não era doutor em

Cânones nem fora a Coimbra”, não podendo, por isso, ser forame. Além disso,

segundo representação, o tal delegado do Cabido de Pernambuco andava a

cometer abusos de toda natureza, extorsões e violências.

Esse é apenas um dos inúmeros casos de desavenças entre religiosos que

por aqui passaram. O fato importante é a constatação dos interesses por trás

daquelas disputas. O crescimento e enriquecimento da representação religiosa. Os

benefícios espirituais disputavam espaço com os benefícios terrenos como se pode

perceber por ocasião da Criação do Seminário de Mariana em 1750, proporcionando

melhor instrução à mocidade da Capitania e formando um clero local; a libertação

das visitas extorsivas dos cônegos do Rio de Janeiro; uma melhor ação apostólica

pela organização eficiente de constante obra missionária foram resultados imediatos

da autonomia religiosa de Minas.

A construção urbana nas Minas do século XVIII parece demonstrar todas as

evidências de como a Cidade, o Sagrado e o Político se serviram uns dos outros no

processo de construção do espaço urbano. A distante Ribeirão do Carmo demonstra

como foi seu processo de maturação a partir da interferência política da Igreja. Fica

evidente que a prática religiosa nas Minas foi utilizada como mecanismo de controle,

muitas vezes compensando a ausência do poder institucional da Coroa. A presença

da autoridade religiosa contribuía para a formação da identidade do colono. A cidade

só seria cidade se ali houvesse a presença do sagrado.

Esta determinação parece ter sido uma constante às cidades coloniais assim como a

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existência de uma “Rua Direita” na maioria daquelas cidades coloniais. Aquelas ruas sempre

parecem conduzir à Igreja Matriz e se a Igreja mudava de local, também a rua seguia para

um novo endereço.

Nas vilas e cidades a iluminação nas ruas só existia em eventos religiosos.

Não havia iluminação pública. Nos eventos religiosos a população era obrigada, sob

pena, a acender lamparinas em frente às suas casas.

Muitas das informações sobre a vida das famílias só chegaram a nossos dias

por ação de sensos eclesiásticos como, por exemplo, levantamento de padres nas

localidades que percorriam as casas da cidade para saber quem não havia se

confessado na quaresma. Os registros de empreendimentos como esse é bastante

criterioso.

No processo de urbanização colonial um fator importante era a distribuição de

terrenos aos colonos. A partir do momento que se era determinado o espaço religioso as

demais construções deveriam seguir um distanciamento pré-definido da construção

religiosa. A demarcação do loteamento era definida a partir de critérios decididos pela Igreja.

Somente as pessoas “decentes” poderiam ficar mais próximas à Igreja.26

Assim, o sagrado e o profano, travestidos na relação entre Igreja e Estado,

promoveram na antiga Ribeirão do Carmo, mais sagrada que profana, a institucionalização

dos poderes onde Igreja, “remédio das almas” (ANTONIL, 1967) e Estado se serviam um do

outro para, na promoção da vila à condição de cidade, ver nascer Mariana, mais profana

que sagrada. Nas palavras de Caio Boschi:

A criação da diocese marianense é um desses raros eventos que conseguem congregar os interesses das variadas partes nele envolvidas. Ao papado, atendia o deliberado empenho de Bento XIV de, diante da crise que abalava a Igreja na Europa, constituir clero nativo nas conquistas ultramarinas. A Coroa, talvez maior interessada, atendia a seu propósito geopolítico de (...) compor os limites irreversíveis do expansionismo territorial português...( BOSCHI , 1994, p. 21)

4.3 Urbanização, Capelas e Espaço Urbano

O termo de criação da Vila do Carmo era bastante. Este documento seguia

orientação de tradição medieval portuguesa e procurava determinar as áreas de uso

26 Termo de Mariana, pag 31

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comum e privado de um município. Procurava-se garantir, inclusive, as

necessidades futuras prevendo-se o crescimento da Vila.

Mesmo estando o local povoado a algum tempo era necessário garantir os

edifícios da administração pública. Outra importante decisão era sobre a construção

da Igreja Matriz, se a mesma já não existisse ou se ainda não estivesse instalada

em local adequado.

No caso em questão a Matriz seria construída em local onde já havia

edificação religiosa. No ano seguinte à criação da Vila,

...e determinando a Coroa que a Câmara concorresse com o necessário para a construção da Matriz, foi a capela da Conceição escolhida para esse fim, por se achar em sítio mais apropriado, com maior largueza, melhor servindo, portanto, à população nascente.( VASCONCELOS, 1935)

A doação das terras que incluíam a antiga capela e seu redor, as terras

desimpedidas tornavam-se assim terras públicas, estágio final para que ela fosse

oficialmente declarada Matriz.

A partir da elevação do antigo arraial à condição de vila as aglomerações que

se espalhavam pelas redondezas naturalmente perderiam sua importância uma vez

que a construção dos prédios públicos e substituição da antiga capela pela Matriz

determinariam uma nova referência do poder local. Contudo, as modificações

estéticas consequentes do crescimento urbano não se fizeram sentir de imediato.

O ritmo lento do cotidiano da pequena vila manteve-se praticamente

inalterado em seus primeiros anos. O modelo desordenado de construções ainda

fariam parte do cenário do Carmo por um bom tempo.

A exceção era o entorno da Matriz que aparentemente mereceu um cuidado

especial em sua configuração. Seu desenho influenciou a disposição de prédios

públicos que seriam construídos à sua volta.

O terreiro da capelinha da Conceição, agora transformado em Largo da Matriz, adquiria uma estudada forma quadrangular, e passava a abrigar não somente a principal igreja, mas outros símbolos do poder 27 colonial, colocados bem junto à praça ou em suas proximidades, e acentuando seu valor de polarização. No centro desse espaço assentou-se o tosco pelourinho, cuja construção representou a primeira despesa da câmara. A

27 Grifo meu

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Cadeia foi colocada, também, perto da matriz (tendo em frente uma capelinha que servia aos presos). Já a Câmara mudou de endereço várias vezes, tendo seu prédio definitivo construído muitas décadas depois, em outro logradouro (...). Posteriormente, a Casa da Intendência, assim como a dos Juízes de Fora seriam instaladas (por volta de 1730) em edifícios localizados na rua lateral à matriz, no trecho inicial do caminho de Itaverava (o “caminho de fora”), que passou a se chamar Rua da Intendência.28

Como se pode perceber a construção religiosa passa a determinar a

evolução do espaço urbano e como tal o próprio andamento do cotidiano local. Aos

poucos a igreja Matriz se transformará em referência para as novas construções

que passarão a ser identificadas socialmente e comercialmente pela proximidade

ou não daquela construção. As ruas e caminhos que levassem à Matriz ganhavam

assim mais importância. Caso bastante sintomático era os das ruas de nome

“Direita” que estavam presentes em praticamente todos os municípios Setecentos.

Segundo o professor José Eduardo Horta Correia a Rua Direita tratava-se da

“principal via de cesso ao núcleo mais significante” 29, o que em outras palavras

dizia respeito à igreja Matriz. Tamanha era a força da presença da Igreja que, se

mudasse o endereço religioso também se transferia o nome da rua.

A realidade da estruturação urbana sob a influência direta ou indireta da Igreja

pode ser observada no papel dos centros urbanos no século XVIII virtualmente

ligado à noção de território. A política urbanizadora que vinha sendo adotada pelas

autoridades portuguesas desde a metade do século anterior visava controlar o

crescimento daquelas comunidades, a fim de limitar a dispersão espacial de seus

habitantes. A presença física de uma construção religiosa era importante

instrumento centralizador populacional. Mesmo que de maneira bastante primitiva

várias foram as cidades coloniais que contavam com a visita de engenheiros

militares portugueses que, já tendo experiência urbanizadora em outras possessões

portuguesas na Índia, executavam diversos estudos no sentido de organizar os

pequenos aglomerados. Esse fato pode ser confirmado pelos planos urbanísticos se

Salvador, Rio de Janeiro (Século XVI) e Belém e São Luis (Século XVII).

No caso de Mariana a cidade mereceu atenção especial da Coroa sendo a

mesma objeto de documento régio que determinava local de praças, ruas e

28 Termo de Mariana, P. 36. 29 Citado por Claudia Damasceno Fonseca no termo de Mariana, p. 37.

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prédios,

Provavelmente porque, como centro religioso das Minas, a cidade tinha um valor estratégico, devendo ostentar uma imagem que refletisse a nova ordem social que se desejava impor, e uma imagem digna do nome da rainha – regular, ordenada, bastante diferente do arraial decadente e castigado pelas inundações do Ribeirão do Carmo. Essas intenções são visíveis na Ordem Régia de setembro de 1747, onde o rei fazia recomendações expressas acerca das regras a serem respeitadas na urbanização dos terrenos, ditos “dos pastos”, concedidos à Câmara”.30

No documento citado por Claudia Damasceno é possível verificar a

preocupação com a ordenação da praça principal, a posição e retidão das ruas e

símbolos religiosos, além dos principais edifícios civis e do pelourinho.

Uma constante na forma de organização desses centros era a valorização, por meio de praças, dos pontos de maior interesse para essas comunidades. Casas de Câmara, igrejas ou conventos, provocavam a preservação de um espaço livre destinado à aglomeração de população, decorrente das próprias finalidades desses edifícios. Tal solução exigia uma atitude especial para a ocupação do solo junto a esses locais, à qual necessariamente deveria corresponder um esforço de controle, inexistente em se tratando de outros aspectos do traçado.31

A região onde se encontra a atual cidade de Mariana em seus anos iniciais

sofria constantemente com as cheias provocadas pelas chuvas da região. As

enchentes ocorridas em 1743 impuseram severas perdas com a destruição de boa

parte da vila atingindo inclusive a chamada Rua Direita (a primitiva, na região de

Mata Cavalos, onde o arraial teria nascido). Mesmo sabendo desses problemas, o

Rei D. João V resolveu instalar na Vila do Carmo a sede do novo bispado. Em 1745

consumou a criação do bispado. Porém, para atender a uma necessidade

burocrática, as sedes eclesiásticas só poderiam ser criadas em terras livres,

segundo as leis da Igreja. Desta forma a promoção da vila à sede do bispado

pressupunha sua emancipação.

Neste mesmo ano de 1745, a Vila foi elevada à condição de Cidade

recebendo o nome de Mariana em homenagem à D. Maria Anna D’Áustria, esposa

de D. João V.

Ato contínuo à promoção da Vila foi a designação do engenheiro militar José

30 Citado por Claudia Damasceno Fonseca no termo de Mariana p. 45 31 REIS FILHO, Nestor Goulart. Op. Cit. P.130 – In. Termo de Mariana p. 45

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Fernandes Pinto de Alpoim de levantar na antiga vila a planta de uma cidade a ser

construída, uma vez que o novo centro urbano não se encontrava adequado para

acolher a nova sede da Igreja.

Todo processo urbanizador pelo qual a cidade passou contou com forte

interferência da Igreja. A mentalidade reinante à época era a de que a constituição

do espaço social urbano só seria alcançada ao se ter todos os componentes

constituintes à vida em comunidade. As regras e normas sociais determinavam a

presença burocrática do Estado que só existiria como tal sob a tutela espiritual da

Igreja. O súdito só se sentiria parte integrante do reino se percebesse a presença do

Estado. Porém, Estado e Igreja em Portugal, eram um só.

O colonizador português, ao se embrenhar pelo sertão, carregava consigo a

marca da presença de Vossa Majestade fincando cruzes e marcos em cada

pousada. Ao fixar-se em uma baixada ou margem de rio a primeira oração era em

agradecimento e em honra ao Rei. A evolução desordenada do primitivo

acampamento passando de arraial à Vila, até chegar à condição de cidade, é

acompanhada pela edificação de construções religiosas que humanizam o local

garantido conforto espiritual e segurança burocrática ao habitante pioneiro.

É fato, pois, que os marcos católicos existentes no cenário urbano colonial

eram também um reforço aos viajantes que viam na (precária) organização urbana

segurança e referência de bons negócios. Ao se cuidar do traçado daqueles

aglomerados, dava-se relevo à importância do local.

Não é por menos que, ao se promover a Vila do Carmo à condição de Sede

do bispado, o traçado urbano passasse a ser objeto de discussão com especial

cuidado, como já se falou, sobre as referências do poder local.

4.4 Sociabilidade

Em Minas Gerais era necessário garantir o domínio da Coroa de maneira

rápida e eficaz. Expor modelos de comportamento social para assegurar a

reprodução da “auto-imagem” cultivada pelo Rei, como pai bondoso e caridoso,

mantendo o controle da violência crescente naquela área da Colônia. Embora o

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poder real seja antigo em Portugal, na Colônia, em função da distância, este poder

precisava ser legitimado através de uma construção social. (DIAS, 2004).

Nesse sentido, a presença de clérigos nas vilas mineiras teria mais este

papel. Criar um modelo de conduta onde o cidadão de bem pudesse viver com o

mínimo de desvio possível. Contudo, as inúmeras dificuldades vividas pela

população nas Minas acabaram por tirar do caminho da correção não só os homens

pecadores mas também os representantes de Deus.

Os desvios de conduta dos párocos e religiosos, em geral, eram motivos de

preocupação para a alta hierarquia eclesiástica. D. Sebastião Monteiro da Vide, ao

redigir as Constituições da Bahia, não se esqueceu de incluir medidas para

regularizar o comportamento dos religiosos. Para seguir o ideal de comportamento

estipulado no Concílio de Trento, esse arcebispo assinalou recomendações com o

propósito de reduzir práticas reprováveis

O comportamento da população nas cidades mineiras que cresceram sob a

influência da Igreja acabava por refletir o comportamento dos religiosos que ali

viviam. Naturalmente que os desvios de alguns membros do clero local acabavam

por avalizar eventuais desvios do homem comum.

A responsabilidade dos religiosos ficava a cargo dos bispos. Porém, na

imensidão das terras mineiras as dificuldades em se manter um controle mais rígido

sobre o corpo religioso favoreciam eventuais abusos. A criação do bispado de

Mariana acabou por reduzir o número de transgressões não solucionando, porém,

todos os problemas.

Em 1773, temos uma reclamação sobre os desmazelos do padre Francisco Lopes do Vale, que havia negligenciado suas obrigações de pastor “ocasionando por este modo morrerem alguns sujeitos sem confissão, por lhes não administrar os sacramentos naquele conveniente tempo, por se ocultar a toda ocasião, que para isto se lhe oferece”. Delitos sacramentais não eram tolerados, posto que abalariam não somente a doutrina, mas também a ordem social. Por isso, o rei ordenava que se tomassem as medidas necessárias, “consolando tão somente a esse povo, e inserindo-lhe prudência, e sossego”, recomendando ainda que se adotassem as providências cabíveis se o mesmo persistisse em seus excessos . SC-198, fl. 06. Petição. s/local. 10 de janeiro de 1773.(DIAS, 2004, p.167).

Contribuía para o comportamento duvidoso do clero a Coroa portuguesa ao

fornecer recursos para manutenção dos padres e paróquias além de controlar

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precariamente suas contas. Festas e eventos não podiam ser eficazmente

acompanhados permitindo por vezes desvios financeiros generosos para a bolsa do

religioso local.

Como já comprovado ao longo deste trabalho, a confusa administração do

período colonial brasileiro caracterizava-se tanto pela indefinição entre as esferas

públicas e privadas quanto pela desorganização entre as funções e competências na

administração, uma vez que não havia clareza na separação entre os órgãos ou

mesmo normas que regulassem a estrutura administrativa.

Desta feita, era comum o colono recorrer diretamente ao Rei informando-o

sobre abusos e exageros, solicitando solução sobre os casos relatados.

De qualquer modo, a sociedade nascente nas Minas do século XVIII era

também reflexo do comportamento português, uma vez que vários eram os relatos

de desvios do clero lusitano. Retrato de um mundo que convivia há tempos com a

dualidade entre o profano e o sagrado.

Nota-se aqui um paradoxo, pois os elementos os quais deveriam seguir fielmente suas obrigações, vigiando e conduzindo seu rebanho segundo o modelo de perfeição cristã, também faziam uso privado de seu poder, às vezes gerando distúrbios à paz. A resposta a esse paradoxo estaria muitas vezes na demora do pagamento das ditas côngruas, como já foi comentado anteriormente. Muito embora esse atraso no pagamento explique em parte a sobretaxação nos serviços que prestavam, contudo, é insuficiente para esclarecer os desvios de ordem moral, os quais de certa forma poderiam vir a desacreditá-los diante da população, comprometendo a imagem da Igreja.(DIAS, 2004, p. 168)

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se, nesse trabalho, localizar a dimensão da interferência da Igreja

no ambiente urbano setecentista. Como argumento, procurou-se identificar como

foi a consolidação da força política da instituição que tornou capaz tal empreitada,

a partir das origens medievais das relações de poder entre o homem,

representante dos interesses mundanos, com a instituição que pretendia resgatar o

pecador, habitante da terra.

Não foi intenção desse pesquisador esgotar as discussões de tema tão

complexo e insistentemente estudado. Pretendeu-se apenas trazer à luz das

discussões já conhecidas mais um argumento que pudesse corroborar o aspecto

político da existência eclesiástica.

Ao longo desse trabalho, procurou-se também analisar a interação entre o

político e o religioso no âmbito da construção do espaço urbano nas Minas do

século XVIII. Tendo como ponto de partida a descoberta do ouro na região próximo

a atual cidade de Mariana usou-se como referência o nascimento do arraial até se

tornar Vila/Cidade quando da instalação do bispado em Minas, não se esquecendo

a gênese da relação política e religiosa se fez manifestada pela consagração do

padroado régio originado ainda na Idade Média.

Outra importante lembrança foi a ideia da qual o homem europeu dos

tempos modernos fazia do mundo até então conhecido. O maravilhoso esperado e

o profano encontrado. A terra maravilhosa que necessitava ser salva. O sagrado

na descoberta opondo-se ao profano aqui encontrado.

Desde os primeiros momentos nas terras coloniais o desbravador se armou

de esperança e fé. A fé o acompanhava em todos os cantos. Nas inúmeras

frustrações e nos poucos sucessos. Símbolos religiosos acompanhavam o homem

em seu empreendimento. Relíquias iluminavam seu caminho. Os desafios e

tentações impostos pelas dificuldades representavam a terra profana que deveria

ser santificada.

Ao se fixar em um local, o profano precisaria se tornar sagrado. A cidade é a

sacralização do mundo. É nela que o homem deve viver.

Desde a precária aglomeração do acampamento improvisado até a

consolidação do espaço urbano com a construção dos primeiros edifícios públicos

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a presença da instituição católica determinou regras e conduta para a organização

do espaço urbano daquela cidade. As construções religiosas, patrocinadas por

entidades leigas, suas festas e comemorações. Tudo girava ao redor da vida

religiosa. Os altos e baixos da mineração refletiam no cotidiano colonial mineiro e

da mesma forma a evolução da vida religiosa daqueles moradores.

Foi tomado como exemplo desta intervenção da Igreja na vida colonial

setecentista as festa do Triunfo Eucarístico e o Áureo Episcopal. Nestes

acontecimentos a interação entre o político e o religioso fica evidente tanto nos

preparativos para inauguração da nova matriz de Nossa Senhora do Pilar em Vila

Rica quanto na instalação do bispado de Mariana em 1748. Os meses que

antecederam os dois eventos foram de intensa discussão política e religiosa.

Preparativos comerciais e burocráticos se confundiam com as questões religiosas. O

ritual que cercava cada um dos eventos foi por diversas vezes alterado tendo em

vista interesses distintos dos vários grupos envolvidos.

A vida no Novo Mundo não significou o abandono das práticas do Velho

Mundo. As mesmas esperanças e os mesmos medos foram transplantados e

adaptados à nova realidade da colônia. O maravilhoso europeu exportado para o

Brasil impôs ao colono as mesmas normas medievais que se procurava superar. A

práxis social se submetia à vontade religiosa imposta pelo Rei e pela Cruz de

Roma.

Todos os caminhos levam à Igreja. No imaginário e no material. A cidade

que nasceu no sertão mineiro tinha suas ruas traçadas conduzindo à igreja em

qualquer ponto da cidade. Ao se reformar a Mariana, (re)construindo uma cidade

sagrada para receber a sede do bispado, cuidou-se de construir uma vizinhança

que glorificasse a Deus. Ao ser vizinho do sagrado se glorificava o homem.

Construir, preservar, reformar. Todas as etapas da edificação religiosa

determinavam uma movimentação na comunidade. A mobilização para tais

empreendimentos era acompanhada por intenso desdobramento político

envolvendo muitas vezes autoridades de grande relevo como bispos e até mesmo

o Rei. As inúmeras interferências do poder religioso local na vida cotidiana das

vilas e cidades coloniais foram aqui expostas, não sendo possível aprofundar em

apenas um ou outro caso. A exemplificação através dos fragmentos documentais

comprova tanto a força da instituição católica como a dependência do cidadão

comum em relação à mesma.

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A vasta documentação disponível foi o grande desafio a esta pesquisa. O

historiador trabalha debruçado sobre suas fontes. Inúmeras são as vezes em que o

pesquisador tem seu trabalho limitado pela escassez de documentos. Não foi o

caso desta dissertação. Contudo, a abundância de informações que possibilitaram

esta pesquisa empurrou esse historiador para um labirinto de documentos e

publicações onde muitas portas puderam e foram abertas, mas somente algumas

foram fechadas. De certo é que quando isto acontece fica claro que o trabalho não

acabou, apenas encerrou uma etapa. O próximo passo é o estreitamento dos

questionamentos e a escolha da porta certa a ser fechada.

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Page 94: À SOMBRA DA IGREJA...A manutenção do poder da Igreja Católica ao longo da história do Brasil pode ser observada nas letras históricas do período colonial. Ao escolher a primeira

92

ANEXO A

Figura 1 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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93

ANEXO B

Figura 2 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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94

ANEXO C

SC- 46 p. 57

Figura 3 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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95

Figura 4 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

Page 98: À SOMBRA DA IGREJA...A manutenção do poder da Igreja Católica ao longo da história do Brasil pode ser observada nas letras históricas do período colonial. Ao escolher a primeira

96

Figura 5 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

Page 99: À SOMBRA DA IGREJA...A manutenção do poder da Igreja Católica ao longo da história do Brasil pode ser observada nas letras históricas do período colonial. Ao escolher a primeira

97

Figura 6 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

Page 100: À SOMBRA DA IGREJA...A manutenção do poder da Igreja Católica ao longo da história do Brasil pode ser observada nas letras históricas do período colonial. Ao escolher a primeira

98

Figura 7 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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99

ANEXO D

SC 131 - p.55v

Figura 8 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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100

Figura 9 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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Figura 10 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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Figura 11 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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ANEXO E

SC 131 - p.55v - 1767

Figura 12 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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Figura 13 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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Figura 14 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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Figura 15 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro

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Figura 16 Fonte: Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro