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© Todos os direitos reservados – Rui Seabra Ferreira Junior Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos - CEVAP/UNESP [email protected]

© Todos os direitos reservados – Rui Seabra Ferreira ... · Foram notificados ao Centro Nacional de Controle de Zoonoses e Animais Peçonhentos - CNCZAP, no período de janeiro

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© Todos os direitos reservados – Rui Seabra Ferreira Junior Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos - CEVAP/UNESP

[email protected]

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Sumário

I - Serpentes 2

II - Aranhas 15

III - Escorpiões 20

IV - Abelhas e vespas 23

V - Lepidópteros 25

VI - Anfíbios 27

VII - Animais Marinhos 30

VIII - Prevenção de acidentes e primeiros socorros

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IX - Apêndice 37

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I - Serpentes 1. Histórico Não há vestígios de fósseis a fim de reconhecer a evolução das serpentes

e, muito menos a sua origem. A semelhança de certas características entre as serpentes e os lagartos platinóides (Varanoides) levou muitos autores à opinião de que eles tiveram ancestrais estreitamente relacionados, corroborada por vários autores e contestada por outros tantos. Há, contudo, várias hipóteses sobre o assunto.

1.1. Aspectos ecológicos As serpentes são altamente especializadas. Sua distribuição é limitada,

sem dúvida, pelo fato de usualmente não conseguirem manter a temperatura corporal acima daquela do meio. Certas espécies de serpentes são excluídas de determinados habitats devido à impossibilidade de termorregulação. Em região temperada a atividade sazonal se restringe aos meses quentes e insolarados, que sejam suficientes para a termorregulação, permanecendo inativas durante os meses frios. Desta forma, há registro de apenas uma espécie de serpente que ultrapassa o círculo polar ártico, a Víbora-de-adder (Vipera berus). A maior diversidade de répteis é encontrada nos trópicos e decresce à medida que se afasta do equador.

1.2. Hábito alimentar As serpentes são exclusivamente carnívoras e comem os animais sempre

inteiros. Engolem, ancorando os dentes de um lado da mandíbula na presa e avançando o outro lado sobre ela. Prende os dentes de um lado na presa e depois afrouxa e avança o lado oposto, e assim sucessivamente, puxando a presa para trás. Quando a presa alcança o esôfago, é forçada em direção ao estômago por contração da musculatura do corpo.

Animais de corpo mole, assim como os pequenos roedores, podem ser mortos por sufocamento ou digestão. Contudo, presas maiores podem danificar ou lacerar as estruturas frágeis da boca e esôfago. Teria sido, portanto, vantagem adaptativa a morte da presa antes da ingestão. Essa vantagem aumenta com a proximidade da distensão máxima do ligamento das mandíbulas.

As atividades envolvidas no comportamento alimentar das serpentes são respostas a uma série de canais sensoriais utilizados em conjunto ou seqüencialmente. Como exemplo, o comportamento alimentar da jararaca (Bothrops jararaca), utilizando camundongos em encontros provocados na natureza. São as seguintes fases, na seqüência: orientação, aproximação, bote, rastreamento, inspeção, abocanhamento e ingestão.

As serpentes são sensíveis às vibrações do solo. Há evidências, contudo, de que o ouvido interno da serpente responde eletricamente aos sons transmitidos pelo ar, assim como as vibrações do solo. Contudo, o mais importante órgão no registro de estímulos químicos é o órgão de Jacobson. Este é constituído por um par de cavidades no céu da boca com revestimento semelhante ao da parte sensorial do nariz e funciona associado com a língua, que é longa e fendida.

A língua move-se para dentro e para fora da boca, colhendo partículas do ar ou do solo e levando-as para dentro da boca; a extremidade fendida da língua é colocada em contato com o órgão de Jacobson. Este, então, “cheira” o que a língua colheu. Desta forma, o órgão de Jacobson permite que as serpentes sigam o rastro da presa ou de companheiros potenciais, além de auxiliar na identificação do objeto ao seu redor.

2- Epidemiologia Foram notificados ao Centro Nacional de Controle de Zoonoses e Animais

Peçonhentos - CNCZAP, no período de janeiro de 1990 a dezembro de 1993, 81.611 acidentes, o que representa uma média de 20.000 casos/ano para o país. A maioria da notificações procedeu das Regiões Sudeste e Sul, as mais populosas do país e que contam com melhor organização de serviços de saúde e sistema de informação.

2.1- Distribuição mensal dos acidentes A ocorrência do acidente ofídico está,

em geral, relacionada a fatores climáticos e aumento da atividade humana nos trabalhos do campo. Com isso, nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, observa-se incremento do número de acidentes no período de setembro a março. Na Região Nordeste, os acidentes aumentam de janeiro a maio, enquanto que, na Região Norte, não se observa sazonalidade marcante, ocorrendo os acidentes uniformemente durante o ano.

2.2- Gênero da serpente Em 16,34% das 81.611 notificações analisadas, o

gênero da serpente envolvida não foi informada. A distribuição dos acidentes encontra-se a seguir:

Distribuição dos acidentes ofídicos, segundo o gênero da serpente

envolvido. Brasil – 1990-1993.

2.3- Local da Picada O pé e a perna foram atingidos em 70,8% dos acidentes

notificados e em 13,4% a mão e o antebraço. A utilização de equipamentos individuais de proteção como sapatos, botas, luvas de couro e outros, poderia reduzir em grande parte esses acidentes.

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2.4- Faixa etária e sexo Em 52,3% das notificações, a idade dos acidentes variou de 15 a 49 anos, que corresponde ao grupo etário onde se concentra a força de trabalho. O sexo masculino foi acometido em 70% dos acidentes, o feminino em 20% e, em 10%, o sexo não foi informado.

2.5- Letalidade Dos 81.611 casos notificados, houve registro de 359 óbitos.

Excluindo-se os 2.361 casos informados como "não peçonhentos", a letalidade geral para o Brasil foi de 0,45%. O maior índice foi observado nos acidentes por Crotalus, onde em 5.072 acidentes ocorreram 95 óbitos (1,87%).

Dos 359 óbitos notificados, em 314 foi informado o tempo entre a picada e o atendimento. Destes, em 124 (39,49%), o atendimento foi realizado nas primeiras 6 horas após a picada, enquanto que em 190 (60,51%) depois de 6 horas da ocorrência do acidente. Os dados aqui relatados demonstraram a importância do atendimento precoce.

3- Serpentes de importância médica 3.1 Importância da identificação das serpentes Identificar o animal causador do acidente é procedimento importante na medida

em que: possibilita a dispensa imediata da maioria dos pacientes picados por serpentes não peçonhentas; viabiliza o reconhecimento das espécies de importância médica em nível regional; é medida auxiliar na indicação mais precisa do anti-veneno a ser administrado.

Apesar da importância do diagnóstico clínico, que orienta a conduta na grande maioria dos acidentes o animal causador deve, na medida do possível, ser encaminhado para identificação por técnico especializado.

A conservação dos animais mortos pode ser feita, embora precariamente, pela imersão dos mesmos em solução de formalina a 10% ou álcool comum e acondicionados em frascos rotulados, com os dados do acidente, inclusive a procedência.

No Brasil, a fauna ofídica de interesse médico está representada pelos gêneros: Bothrops (incluindo Bothriopsis e Porthidium)* Crotalus Lachesis Micrurus e por alguns da família Colubridae**

* Estes novos gêneros resultaram da revisão do gênero Bothrops. As espécies Bothrops bilineatus, Bothrops castelnaudi e Bothrops hyoprorus passaram a ser denominadas Bothriopsis bilineata, Bothriopsis taeniata e Porthidium hyoprora, respectivamente.

** As serpentes dos gêneros Philodryas e Clelia, da família Colubridae, podem ocasionar alguns acidentes com manifestações clínicas locais.

3.2.Características dos gêneros de serpentes peçonhentas no Brasil As serpentes apresentam corpo alongado, sem membros, revestidos por

escamas. A camada superficial deste revestimento é trocada durante as mudas, que ocorrem a intervalos variáveis.

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Apresentam coluna vertebral e os órgãos internos – como fígado, estômago e rins – muito alongados. O crânio é mais delicado e apresenta ossos mais móveis que a maioria dos répteis. Os dentes são afilados e curvados para trás. A dentição é importante no reconhecimento das espécies causadoras de acidentes ofídicos.

3.2.1. DENTIÇÃO: De acordo com o tipo de dentes, as serpentes podem ser

agrupadas em quatro categorias: ÁGLIFA: (a = ausência; glyphé = sulco) Dentes pequenos iguais. Não

apresentam dentes especializados para inoculação de veneno. Exemplo: jararacuçu-do-brejo ou falsa jararacuçu caninana, etc.

OPISTÓGLIFAS: (opisthos = atrás; glyphé = sulco) Na maxila superior, há dois ou mais dentes posteriores com sulco na parte anterior ou lateral, por onde escorre o veneno. Exemplo: Mussuranas (Clelia clelia), são muito úteis ao homem pois se alimentam de serpentes peçonhentas, falsas corais Erythrolamprus, etc.

PROTERÓGLIFAS: (protero = dianteiro; glyphé = sulco) O dente sulcado está em posição anterior. Maxilar imóvel. Exemplo: No Brasil, a subfamília Elapinae; Micrurus (corais verdadeiras).

SOLENÓGLIFAS: (soleno = canal; glyphé = sulco) O dente anterior é oco, formando um tubo por onde escorre o veneno. O osso maxilar é muito móvel, permitindo ao dente anterior deslocar-se para frente quando a serpente abre a boca. É o tipo mais perfeito de aparelho venenífero, com extremidade da presa afilada, facilitando a penetração. O orifício de saída da peçonha tem uma fenda alongada e localiza-se na parte anterior da presa. Exemplo: Bothrops (jararacas); Crotalus (cascavéis).

3.2.2. Fosseta local presente A fosseta loreal, órgão sensorial termorreceptor,

é um orifício entre o olho e a narina, daí e denominação popular de "serpente de quatro ventas". Indica com segurança que a serpente é peçonhenta e é encontrada nos gêneros Bothrops, Crotalus e Lachesis. Todas as serpentes destes gêneros são providas de dentes inoculadores bem desenvolvidos e móveis situados na porção anterior do maxilar.

A identificação entre os gêneros referidos também pode ser feita pelo tipo de cauda.

3.2.3. Fosseta loreal ausente: As serpentes do gênero Micrurus não

apresentam fosseta loreal e possuem dentes inoculadores pouco desenvolvidos e fixos na região da boca.

3.3. Diferenciação básica entre serpentes peçonhentas e não peçonhentas 3.3.1. Como reconhecer serpentes peçonhentas O reconhecimento de serpentes peçonhentas, segundo o gênero a que

pertencem, pode tornar-se mais simples para a população utilizando-se o esquema abaixo:

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Pergunta 1: A serpente tem anéis coloridos [vermelho, preto (cinza) e branco (amarelo)] em qualquer combinação de cores?

Respostas: a) SIM Conclusão: Pode ser uma coral verdadeira e deve ser considerada como venenosa.

b) NÃO Conclusão: pode ser outra serpente venenosa. Obs: Na Amazônia, algumas corais verdadeiras não têm anéis e são marrons

e/ou pretas. Pergunta 2: Tem fosseta loreal? Respostas: a) NÃO Conclusão: Não é venenosa. b) SIM Conclusão: É venenosa. Falta averiguar a que gênero ela

pertence. Pergunta 3: Tem chocalho na ponta do rabo, além de ter fosseta? Respostas: a) SIM Conclusão: É cascavel. b) NÃO Conclusão: É outro gênero de serpente venenosa. Pergunta 4: Tem rabo com escamas arrepiadas e ponta de osso, além de

fosseta? Respostas: a) SIM Conclusão: É surucucu-pico-de-jaca. b) NÃO Conclusão: Só pode ser jararaca, pois ela é a única

serpente que tem fosseta loreal e rabo sem detalhes importantes, ou seja, ela não tem chocalho nem escamas arrepiadas no final da cauda.

3.4. Características e distribuição geográfica das serpentes brasileiras de

importância médica 3.4.1. Família Viperidae a) Gênero Bothrops (incluindo Bothriopsis e Porthidium) Compreende cerca

de 30 espécies, distribuídas por todo o território nacional. São conhecidas popularmente por: jararaca, ouricana, jararacuçu, urutu-

cruzeira, jararaca-do-rabo-branco, malha-de-sapo, patrona, surucucurana, combóia, caiçaca e outras denominações.

Estas serpentes habitam principalmente zonas rurais e periféricas de grandes cidades, preferindo ambientes úmidos como matas e áreas cultivadas e locais onde haja facilidade para proliferação de roedores (paióis, celeiros, depósitos de lenha).

Têm hábitos predominantemente noturnos ou crepusculares. Podem apresentar comportamento agressivo quando se sentem ameaçadas, desferindo botes sem produzir ruídos.

b) Gênero Crotalus Agrupa várias subespécies, pertencentes à espécie

Crotalus durissus . Popularmente são conhecidas por cascavel, cascavel quatro-ventas,

boicininga, maracambóia, maracá e outras denominações populares. São encontradas em campos abertos, áreas secas, arenosas e pedregosas e raramente na faixa litorânea. Não ocorrem em florestas e no Pantanal.

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Não têm por hábito atacar e, quando excitadas, denunciam sua presença pelo ruído característico do guizo ou chocalho.

c) Gênero Lachesis Compreende a espécie Lachesis muta com duas

subespécies. São popularmente conhecidas por: surucucu, surucucu-pico-de-jaca,

surucutinga, malha-de-fogo. É a maior das serpentes peçonhentas das Américas, atingindo até 3,5 m. Habitam áreas florestais como Amazônia, Mata Atlântica e alguns enclaves de matas úmidas do Nordeste.

3.4.2. Família Elapidae a) Gênero Micrurus O gênero Micrurus compreende 18 espécies, distribuídas por todo o território

nacional. São animais de pequeno ou médio porte com tamanho em torno de 1,0 m, conhecidos popularmente por coral, coral verdadeira ou boicorá. Apresentam anéis vermelhos, pretos e brancos em qualquer tipo de combinação.

Na Região Amazônica e áreas limítrofes, são encontradas corais de cor marrom-escura (quase negra), com manchas avermelhadas na região ventral. Em todo o país, existem serpentes não peçonhentas com o mesmo padrão de coloração das corais verdadeiras, porém desprovidas de dentes inoculadores. Diferem ainda na configuração dos anéis que, em alguns casos, não envolvem toda a circunferência do corpo. São denominadas falsas-corais.

3.4.3. Família Colubridae Algumas espécies do gênero Philodryas (P. olfersii, P. viridissimus e P.

patagoniensis) e Clelia (C. clelia plumbea) têm interesse médico pois há relatos de quadro clínico no envenenamento. São conhecidas popularmente por cobra-cipó ou cobra-verde (Philodryas) e muçurana ou cobra-preta (Clelia). Possuem dentes inoculadores na porção posterior da boca e não apresentam fosseta loreal. Para injetar o veneno, mordem e se prendem ao local.

As serpentes apresentam grande variedade de cores. Os padrões de colorido

estão relacionados ao ambiente em que a serpente vive, podendo apresentar função de proteção (camuflagem, advertência) ou de controle de temperatura, uma vez que as cores escuras permitem maior absorção de calor. Muitas espécies de serpentes podem ser reconhecidas pelo seu colorido característico, mas existem variações entre indivíduos da mesma espécie. Estas variações podem ocorrer ao longo da vida, de modo que a coloração dos adultos é diferente daquela dos jovens. Algumas destas variações não estão relacionadas à idade, sendo devida a diferenças individuais nos padrões de desenho ou na qualidade de pigmentos.

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Acidente Botrópico 1. Introdução Corresponde ao acidente ofídico de maior importância

epidemiológica no país sendo responsável por cerca de 90% dos envenenamentos.

2. Ações do Veneno 2.1 Ação Proteolítica As lesões locais, como edema, bolhas e necrose,

atribuídas inicialmente à "ação proteolítica" têm patogênese complexa. Possivelmente, decorrem da atividade de proteases, hialuronidases e fosfolipases, da liberação de medidores da resposta inflamatória, da ação de hemorraginas sobre o endotélio vascular e da ação pró-coagulante do veneno.

2.2 Ação Coagulante A maioria dos venenos botrópicos ativa, de modo isolado

ou simultâneo, o fator X e a protombina. Possui também ação semelhante à trombina, convertendo o fibrinogênio em fibrina. Essas ações produzem degradação de fibrina e fibrinogênio, podendo ocasionar incoagulabilidade sangüínea. Este quadro é semelhante ao da coagulação intravascular disseminada. Os venenos botrópicos podem também levar a alterações da função plaquetária bem como plaquetopenia.

2.3 Ação Hemorrágica As manifestações hemorrágicas são decorrentes da

ação das hemorraginas que provocam lesões na membrana basal dos capilares, associada à plaquetopenia e alterações da coagulação.

3. Quadro clínico 3.1 Manifestações locais São caracterizadas pela dor e edema endurado no

local da picada, de intensidade variável e, em geral, de instalação precoce e caráter progressivo. Equimoses e sangramentos no ponto da picada são freqüentes. Infartamento ganglionar e bolhas podem aparecer na evolução, acompanhados ou não de necrose.

3.2. Manifestações sistêmicas Além de sangramentos em ferimentos

cutâneos pré-existentes, podem ser observadas hemorragias à distância como gengivorragias, epistaxes, hematêmese e hematúria. Em gestantes, há risco de hemorragia uterina. Podem ocorrer náuseas, vômitos, sudorese, hipotensão arterial e mais raramente, choque.

Com base nas manifestações clínicas e visando orientar a terapêutica a ser

empregada, os acidentes botrópicos são classificados em: a) Leve: forma mais comum do envenenamento, caracterizado por dor e edema

local pouco intenso ou ausente, manifestações hemorrágicas discretas ou ausentes, com ou sem alteração do Tempo de Coagulação.

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Os acidentes causados por filhotes de Bothrops (< 40 cm de comprimento) podem apresentar como único elemento de diagnóstico a alteração do Tempo de Coagulação (TC).

Moderado: caracterizado por dor e edema evidentes que ultrapassam o segmento anatômico picado, acompanhados ou não de alterações hemorrágicos locais ou sistêmicas como gengivorragia, epistaxe e hematúria.

Grave: caracterizado por edema local endurado intenso e extenso, podendo atingir todo o membro picado, geralmente acompanhado de dor intensa e, eventualmente com presença de bolhas. Em decorrência do edema, podem aparecer sinais de isquemia local devido à compressão dos feixes vásculo-nervosos. Manifestações sistêmicas como hipotensão arterial, choque, oligoanúria ou hemorragias intensas definem o caso como grave, independente do quadro local.

4. Tratamento 4.1 Tratamento Específico Consiste na administração, o mais precocemente possível, do soro

antibotrópico (SAB) por via intravenosa e, na falta, das associações antibotrópico-crotálico (SABC) ou antibotrópico laquético (SABL).

Se o Tempo de Coagulação permanecer alterado 24 horas após a

soroterapia, está indicada dose adicional de 2 ampolas de anti-veneno. 4.2. Tratamento Geral Medidas gerais devem ser tomadas como: a) Manter elevado e estendido o segmento picado; b) Empregar analgésicos para alívio da dor; c) Hidratação: manter o paciente hidratado, com diurese entre 30 a 40

ml/horas no adulto, e 1 a 2 ml/kg/hora na criança; d) Antibioticoterapia: o uso de antibióticos deverá ser indicado quando houver

evidência de infecção. As bactérias isoladas do material proveniente de lesões são principalmente Morganella morganii, Escherichia coli, Providentia sp e Streptococo do grupo D, geralmente sensíveis ao cloranfenicol. Dependendo da evolução clínica, poderá ser indicada a associação de clindamicina com aminoglicosídeo, ou cefuroxima oral.

5. Prognóstico Geralmente é bom. A letalidade nos casos tratados é baixa (0,3%). Há

possibilidade de ocorrer seqüelas locais anatômicas ou funcionais.

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Acidente Crotálico 1. Introdução É responsável por cerca de 7,7% dos acidentes ofídicos registrados no Brasil,

podendo representar até 30% dos acidentes em algumas regiões. Apresenta o maior coeficiente de letalidade devido à freqüência com que evolui para insuficiência renal aguda (IRA). Observação: As Informações que se seguem referem-se a estudos realizados com as cascavéis das subespécies Crotalus durissus terrificus, C. d. collilineatus e C. d. cascavella e as observações clínicas dos acidentes ocasionados por estas serpentes nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Os dados sobre acidentes com cascavéis da região Norte são ainda pouco conhecidos.

2. Ações do Veneno São três as ações principais do veneno crotálico: neurotóxico, miotóxico e

coagulante. 2.1 Ação Neurotóxica Produzida principalmente pela fração crotoxina, uma

neurotoxina de ação pré-sináptica que atua nas terminações nervosas inibindo a liberação de aceticolina. Esta inibição é o principal fator responsável pelo bloqueio neuromuscular do qual decorrem as paralisias motoras apresentadas pelos pacientes.

2.2 Ação Miotóxica Produz lesões de fibras musculares esqueléticas

(rabdomiólise) com liberação de enzimas e mioglobina para o soro e que são posteriormente excretadas pela urina. Não está identificada a fração do veneno que produz esse efeito miotóxico sistêmico. Há referências experimentais da ação miotóxica local da crotoxina e da crotamina. A mioglobina excretada na urina foi inicialmente interpretada como sendo hemoglobina, e o veneno como possuindo atividade hemolítica "in vivo".

2.3 Ação Coagulante Decorre de atividade do tipo trombina que converte o

fibrinogênio diretamente em fibrina. O consumo do fibrinogênio pode levar à incoagulabilidade sangüínea. Geralmente não há redução do número de plaquetas. As manifestações hemorrágicas, quando presentes, são discretas.

3. Quadro clínico 3.1. Manifestações Locais São pouco importantes, diferindo dos acidentes

botrópico e laquético. Não há dor, ou esta pode ser de pequena intensidade. Há parestesia local ou regional, que pode persistir por tempo variável, podendo ser acompanhada de edema discreto ou eritema no ponto da picada.

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3.2. Manifestações Sistêmicas a) Gerais: mal-estar, prostração, sudorese, náuseas, vômitos, sonolência ou

inquietação e secura da boca podem aparecer precocemente e estar relacionadas a estímulos de origem diversas, nos quais devem atuar o medo e a tensão emocional desencadeados pelo acidente.

b) Neurológicas: decorrem da ação neurotóxica do veneno, surgem nas primeiras horas após a picada, e caracterizam o fácies miastênico (fácies neurotóxico de Rosenfeld) evidenciadas por ptose palpebral uni ou bilateral, flacidez da musculatura da face, alteração do diâmetro pupilar, visão turva e/ou visão dupla (diplopia). Como manifestações menos freqüentes, pode-se encontrar paralisia velopalatina, com dificuldade à deglutição, diminuição do reflexo do vômito, alterações do paladar e olfato.

c) Musculares: a ação miotóxica provoca dores musculares generalizadas (mialgias) que podem aparecer precocemente. A fibra muscular esquelética lesada quantidades variáveis de mioglobina que é excretada pela urina (mioglobinúria), conferindo-lhe cor avermelhada ou de tonalidade mais escura, até o marrom. A mioglobinúria constitui a manifestação clínica mais evidente da necrose da musculatura esquelética (rabdomiólise).

d) Distúrbios da Coagulação: pode haver incoagulabilidade sangüínea ou aumento do Tempo de Coagulação (TC), em aproximadamente 40% dos pacientes, observando-se raramente sangramentos restritos às gengivas (gengivorragias).

4. Tratamento 4.1 Específico O soro anti-crotálico (SAC) deve ser administrado intravenosamente. A dose

varia de acordo com a gravidade do caso, devendo-se ressaltar que a quantidade a ser ministrada à criança é a mesma do adulto. Poderá ser utilizando o soro antibotrópico-crotálico (SABC).

4.2. Geral A hidratação adequada é de fundamental importância na prevenção da IRA e

será satisfatória se o paciente mantiver o fluxo urinário de 1 a 2 ml/kg/hora na criança e 30 a 40 ml/hora no adulto. A diurese osmótica pode ser induzida com o emprego de solução de manitol a 20% (5 ml/kg na criança e 100 ml do adulto). Caso persista a oligúria, indica-se o uso de diuréticos de alça tipo furosemida por via intravenosa (1 mg/kg/dose na criança e 40 mg/dose no adulto). O pH urinário deve ser mantido acima de 6,2 pois a urina ácida potencia a precipitação intratubular de mioglobina. Assim, a alcalinização da urina deve ser feita pela administração parenteral de bicarbonato de sódio, monitorizada por controle gasométrico.

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5. Prognóstico Bom nos acidentes leves e moderados e nos pacientes atendidos nas primeiras

seis horas após a picada, onde se observa a regressão total de sintomas e sinais após alguns dias do tratamento. Nos acidentes graves, o prognóstico está vinculado a evolução para IRA.

Acidente Laquético 1. Introdução Existem poucos casos relatados na literatura. Por se tratar de serpentes

encontradas em áreas florestais, onde a densidade populacional é baixa e o sistema de notificação não é tão eficiente, as informações disponíveis sobre esses acidentes são escassas.

2. Ações do Veneno 2.1 Ação Proteolítica Os mecanismos que produzem lesão tecidual

provavelmente são os mesmos do veneno botrópico, uma vez que a atividade proteolítica pode ser comprovada in vitro pela presença de proteases.

2.2 Ação Coagulante Foi obtida a caracterização parcial de uma fração do

veneno com atividade tipo trombina. 2.3 Ação Hemorrágica Trabalhos experimentais demonstraram intensa

atividade hemorrágica do veneno de Lachesis muta muta, relacionada à presença de hemorraginas.

2.4 Ação Neurotóxica É descrita uma ação do tipo estimulação vagal, porém

ainda não foi caracterizada a fração específica responsável por essa atividade. Acidente Elapídico 1. Introdução Corresponde a 0,4% dos acidentes por serpentes peçonhentos registrados no

Brasil. Pode evoluir para insuficiência respiratória aguda levando ao óbito. 2. Ações do Veneno As frações tóxicas do veneno são denominadas neurotoxinas (NTXs) e atuam

da seguinte forma: 2.1. NTX de ação pós-sináptica Existem em todos acidentes elapídicos até

agora estudados. Devido ao seu baixo peso molecular pode ser rapidamente absorvidas para a circulação sistêmica, difundidas para os tecidos, explicando a precocidade dos sintomas do envenenamento.

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As NTXS competem com a acetilcolina (Ach) pelos receptores colinérgicos da junção neuromuscular, atuando de modo semelhante aos curares. Nos envenenamentos onde predomina essa ação (M. frontalis), o uso de substâncias anticolinesterásicas (edrofônio e neostigmina) podem prolongar a vida média do neurotransmissor (Ach), levando a uma rápida melhora da sintomatologia.

2.2. NTX de ação pré-sináptica Estão presentes em algumas corais (M.

corallinus) e também em alguns viperídeos, como a cascavel sul-americana. Atuam na junção neuromuscular, bloqueando a liberação de Ach pelos impulsos nervosos, impedindo a deflagração do potencial de ação. Esse mecanismo não é antagonizado pelas substâncias anticolinesterásicas.

Acidente por Colubrídeos 1. Introdução A maioria dos acidentes por Colubrídeos causam apenas ferimentos superficiais

na pele, não havendo inoculação de peçonha. Os Colubrídeos de importância médica pertencem aos gêneros Philodryas

(cobra-verde, cobra-cipó) e Clelia (muçurana, cobra-preta), havendo acidentes com manifestações locais também por Erythrolamprus aesculapii. A posição posterior das presas inoculadoras desses animais dificulta a inoculação do veneno.

2. Ações do Veneno Muito pouco se conhece das reações dos venenos dos Colubrídeos. Estudos

animais de experimentação mostram que o veneno de Philodryas olfersii possui atividades hemorrágica, proteolítica, fibrinogenolítica e fibrinolítica estando ausentes as frações coagulantes. Muito pouco se conhece das ações dos venenos dos Colubrídeos.

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II - Aranhas Histórico A palavra aranha vem do grego Aráchne, a qual deu origem também ao termo

aracnídeo, que designa a classe a qual pertencem ainda os escorpiões, carrapatos e ácaros.

Biologia As aranhas são animais carnívoros, alimentando-se principalmente de insetos

como grilos e baratas. Necessitam trocar de pele periodicamente, de 5 a 7 vezes durante o período de

crescimento, e a cada ano quando adultas. As aranhas constituem a ordem mais numerosa dos aracnídeos. Atualmente

são consideradas válidas cerca de 35 mil espécies, incluídas em 3 mil gêneros e 105 famílias.

A grande maioria das aranhas possuem glândulas produtoras de veneno, porém poucas são perigosas para os seres humanos. Como alimentam-se apenas de líquido, exudam ou injetam sucos digestivos em suas presas e depois sorvem o caldo resultante.

A aranha apresenta o corpo dividido em uma parte anterior, o cefalotórax ou prosoma, e uma parte posterior, o abdômen ou opistosoma, ligados por uma estreita haste, o pedúnculo. Possuem uma carapaça quitinosa revestindo externamente seu corpo, o exoesqueleto.

A teia e a seda As aranhas possuem diversas glândulas localizadas no seu abdômen que

produzem diversos fios de seda. Cada fio possui uma finalidade diferente: fios para encapsulamento da presa

(glândulas aciniformes); fios para formar a "moldura", raios, espirais de teia (glândulas ampoladas); fios para formar os casulos (glândulas tubuliformes).

Muitas aranhas tecedeiras reciclam suas teias. A teia tem de ser renovada freqüentemente, levando a aranha a se alimentar da própria seda.

O veneno No mundo existem pelo menos 25 mil espécies de aranhas potencialmente

venenosas. O aparelho de veneno consiste de um par de glândulas, ductos de veneno e garras ou quelíceras.

Este aparelho é usado basicamente para alimentação e defesa. Na maioria das vezes, a atividade e a quantidade de veneno são tão pequenas que não chegam a causar sérias complicações ao homem.

As quelíceras permitem que a aranha segure o corpo do animal onde será inoculado o veneno.

Aranhas de interesse No Brasil, as principais aranhas de interesse médico pertencem ao gêneros

Phoneutria, Loxosceles, Latrodectus e Lycosa.

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Devem ser considerados os acidentes com as aranhas do gênero Pamphobeteus, que podem provocar reação de hipersensibilidade, por apresentar o corpo coberto por pêlos urticantes.

As aranhas venenosas, em geral, não fazem teias com formas geométricas, típicas das não-venenosas, mas sim, irregulares, como flocos de algodão. Estas aranhas comumente saem do ninho e se locomovem à procura de alimento.

Nos acidentes causados por aranhas, o diagnóstico etiológico se baseia na identificação do agente agressor e o diagnóstico clínico, no relato de picada e nos sinais e sintomas determinados pelos diferentes tipos de veneno.

Phoneutria Nomes populares Aranha armadeira, aranha-da-banana ou aranha-dos-mercados-de-frutas Identificação Oito olhos distribuídos em três filas transversais, sendo dois na fila anterior,

quatro na mediana e dois na posterior (fórmula ocular 2-4-2). Espécies a) Phoneutria fera e P. reidyi - Região Amazônica; b) P. nigriventer - Goiás,

Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina; c) P. keyserlingi - Espiríto Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina.

Tamanho Até cinco centímetros de corpo e quinze centímetros de envergadura. Coloração Castanho ou cinza escuro, com pêlos castanhos nas pernas e no abdômen.

Dorso do abdômen com uma série longitudinal de pares de manchas claras; ventre negro em fêmeas adultas, vermelho ou laranja em jovens e machos adultos.

Comportamento Agressivas, quando molestadas apoiam-se nas patas posteriores, erguendo as

anteriores em característica posição de ataque. Não constróem teias. Habitat Bananeiras, terrenos baldios, zonas rurais, junto às residências humanas. Loxosceles Nomes populares Aranha marrom Identificação Oito olhos distribuídos em três filas transversais, sendo quatro na fila anterior,

dois na mediana e dois na posterior (fórmula ocular 4-2-2). Espécies Distribuição geográfica das espécies do gênero Loxosceles a) L. intermedia -

predomina nos Estados do Sul do País;

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b) L. laeta - ocorre em focos isolados em várias regiões do País, principalmente no Estado de Santa Catarina. c) L. gaucho - predomina no Estado de São Paulo;

Tamanho Aproximadamente um centímetro de comprimento de corpo e cerca de três

centímetros de envergadura; pernas delgadas, relativamente longas. Coloração Amarela ou marrom uniforme. Algumas espécies possuem o abdômen oliváceo. Comportamento Hábitos noturnos; são encontradas freqüentemente em refúgios de seda,

semelhantes a um lençol de algodão. Habitat Sob cascas de árvores, folhas secas de palmeiras, nas casas: atrás de móveis,

sótãos, garagens. Latrodectus Nomes populares Viúva-negra, aranha-ampulheta ou flamenguinha. Identificação Disposição característica dos olhos contados a partir das quelíceras (4:4). Espécies Distribuição geográfica das espécies do gênero Latrodectus a) L. curacaviensis - Ceará, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande

do Norte e São Paulo; b) L. geometricus - encontrada praticamente em todo o País. Tamanho As fêmeas têm aproximadamente um centímetro de comprimento de corpo;

machos com cerca de um terço de tamanho da fêmea. Coloração Em geral, negro; dorso do abdômen com manchas vermelhas de tamanho

variável, ventre com um característico desenho em forma de ampulheta. Comportamento Constróem teias irregulares na vegetação baixa. Não são agressivas. Habitat Casas de zonas rurais, plantações, vegetações arbustivas e gramíneas. Lycosa Nomes populares Tarântula, aranha-da-grama ou licosa. Identificação Oito olhos distribuídos em três filas transversais, sendo quatro na fila anterior,

dois na mediana e dois na posterior (fórmula ocular 4-2-2). Espécies Há um grande número de espécies descritas para todo o Brasil. Ex: Lycosa

erythrognata.

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Tamanho Até três centímetros de corpo e cinco centímetros de envergadura. Coloração Geralmente castanho acinzentado, com quelíceras freqüentemente cobertas de

pêlos vermelhos. Dorso do abdômen com uma mancha negra em forma de ponta de flecha; ventre geralmente negro.

Comportamento Ágeis, porém pouco agressivas, quando molestadas fogem. Não constróem

teias. Habitat São aranhas errantes, não constróem teia e freqüentemente são encontradas

em gramados e jardins. Caranguejeira Nomes populares Essas aranhas são conhecidas popularmente como aranhas caranguejeiras. Identificação Apresentam uma grande variedade de colorido e de tamanho, desde alguns

milímetros até 20 cm de envergadura das pernas. Algumas são muito pilosas. Espécies Existem cerca de 1.500 espécies descritas de caranguejeiras, ocorrendo cerca

de 300 destas no Brasil. Na América do Norte são erroneamente chamadas de tarântulas, nome que deve ser reservado unicamente às Lycosa.

Comportamento Sua importância médica está no fato delas poderem lançar pêlos urticantes,

situados no dorso do abdome. Habitat A maioria vive em lugares quentes, nas zonas tropical e subtropical. Nas

cidades são encontradas em quintais, terrenos baldios e eventualmente, dentro de moradias.

Epidemiologia dos acidentes com aranhas Os acidentes causados por aranhas são muito freqüentes em nosso meio,

talvez pela convivência destes aracnídeos com o homem no ambiente doméstico. Do total de casos atendidos com aranhas (1796), pelo Centro de Informação

Toxicológica do Rio Grande do Sul (CIT/RS), no período de 1995 a 1996, 24% foram do gênero Loxosceles, 25% foram do gênero Phoneutria, 3,8% foram do gênero Scaptocosa (Lycosa), 4,5% foram aranhas de outros gêneros e 43 % de aranhas não identificadas.

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Profilaxia do araneísmo 01. Manter jardins e quintais limpos. Evitar o acúmulo de entulhos, lixo

doméstico, material de construção nas proximidades das casas; 02. Evitar folhagens densas (trepadeiras, bananeiras e outras) junto às casas;

manter a grama aparada; 03. Limpar periodicamente os terrenos baldios vizinhos, pelo menos, numa faixa

de um a dois metros junto das casas; 04. Em zonas rurais, casas de campo, sacudir roupas e sapatos antes de usar

pois as aranhas e escorpiões gostam de se esconder neles e picam ao serem espremidos contra o corpo;

05. Não por a mão em buracos, sob pedras, sob troncos podres; 06. O uso de calçados e de luvas de raspas de couro pode evitar o acidente; 07. Como muitos destes animais apresentam hábitos noturnos, a entrada nas

casas pode ser evitada vedando-se as soleiras das portas e janelas quando começar a escurecer;

08. O emprego de inseticidas não é aconselhável, devido a sua pequena eficácia nestes animais.

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III - Escorpiões Histórico dos escorpiões Os escorpiões são animais muito antigos. Os fósseis mais remotos datam do

período siluriano, há mais de 400 milhões de anos. As espécies atuais não diferem muito das antigas. São conhecidas, atualmente,

mais de 1500 espécies em todo mundo, das quais apenas 25 delas são responsáveis por causar acidentes.

Biologia dos escorpiões Os escorpiões têm ampla distribuição geográfica. São encontrados em todos os

continentes, exceto na Antártida. Predominam nas zonas tropicais, mas também ocorrem em regiões temperadas.

Acredita-se que os escorpiões, quando colocados em um círculo de fogo, suicidam-se. Na verdade, irritado com o calor, eles assumem a posição característica de defesa e alerta, erguendo a cauda sobre o corpo e desferindo ferroadas em várias direções, morrendo por desidratação.

Classificação dos escorpiões Os escorpiões são artrópodes pertencentes à classe Arachnida, ordem

Scorpiones. No Brasil, atualmente, encontramos mais de 80 espécies, distribuídas em 4 famílias: Bothriuridae, Buthidae, Chactidae e Ischnuridae.

Espécies de interesse médico Tityus serrulatus Tamanho: 6 a 7 cm. Colorido: tronco marrom-escuro, pedipalpos, patas e cauda amarelos. Tityus bahiensis Tamanho: 6 a7 cm. Colorido: marrom-escuro, patas manchadas, pedipalpos com mancha escura no

fêmur e na tíbia. Tityus stigmurus Tamanho: 6 a 8 cm. Colorido: amarelo-escuro apresentando um triângulo negro na cabeça e uma

faixa escura longitudinal mediana. Presença de manchas laterais no tronco. Tityus fasciolatus Tamanho 6 a 8 cm. Tityus cambridgei Tamanho: 9 a 12 cm. Colorido: escuro, quase negro.

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Morfologia dos escorpiões O corpo do escorpião é formado por tronco e cauda. A parte anterior do tronco

não apresenta divisões. Neste local estão localizados dois olhos na linha mediana e até cinco olhos de cada lado.

Existem seis pares de apêndices ligados a essa região: um par de quelíceras em forma de pinça, um par de palpos ("braços") terminando em mão, com dois dedos. Quatro pares de pernas, que apresentam duas garras na extremidade.

A parte posterior do tronco é formada por sete segmentos e a cauda por cinco. Na extremidade da cauda há um artículo chamado télson ou vesícula.

O télson contém um par de glândulas de veneno, que desembocam em dois orifícios situados de cada lado da ponta do ferrão. O orifício anal fica localizado entre o quinto segmento da cauda e o télson.

Ecologia dos escorpiões Os escorpiões são ativos à noite. Vivem em lugares escuros e escondidos,

alojados em espaços estreitos. Podem viver em lugares muito secos conseguindo ficar meses sem água e mais de um ano sem alimentação.

Os escorpiões são carnívoros, alimentando-se exclusivamente de animais vivos. Aranhas e insetos (baratas e grilos) são as presas mais freqüentes. Localizam a presa orientando-se por vibrações do ar e do solo.

Diversos animais alimentam-se de escorpiões. Os principais predadores são as aves (siriemas, corujas, gaviões, galinhas) além de lagartos, macacos, coatis, sapos e rãs.

Epidemiologia A partir da implantação da notificação dos acidentes escorpiônicos no Brasil,

em 1988, vem se verificando um aumento significativo no número de casos. São notificados anualmente, cerca de 8.000 acidentes, com uma letalidade

variando em torno de 0,58%. O Tityus serrulatus é o maior causador de mortes no Brasil. Na sua grande

maioria crianças com menos de 7 anos de idade. Ações do veneno O veneno escorpiônico é uma mistura complexa de proteínas básicas de baixo

peso molecular, associadas a pequenas quantidades de aminoácidos e sais, sendo desprovido de atividade hemolítica, proteolítica, colinesterásica, fosfolipásica além de não consumir fibrinogênio.

Quadro clínico Os mediadores químicos liberados pela toxina escorpiônica atuam na maioria

dos sistemas do organismo .

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• SINTOMAS LOCAIS O local da picada é difícil de ser detectado, podendo se observar edema

discreto e hiperemia. A dor é o sintoma presente em todos os casos, variando de intensidade não só com a quantidade de veneno inoculada como com a sensibilidade individual.

• SINTOMAS SISTÊMICOS São observados principalmente em crianças, que se apresentam com intensa

agitação psicomotora, inquietos, com tremores sudorese abundante e pele arrepiada. Pode ocorrer cefaléia, lacrimejamento, alterações visuais, eritema e, nos pacientes do sexo masculino, priapismo.

Tratamento Todos pacientes vítimas de escorpionismo devem ficar em observação,

em ambiente hospitalar, entre 4 e 6 horas após a picada. O combate à dor deve ser sempre realizado. Analgésicos via oral ou parenteral

são utilizados, além da infiltração local de 2 a 4 ml de anestésico tipo lidocaína sem vasoconstritor. Pode-se repetir após uma hora se necessário.

A soroterapia específica (soro antiescorpiônico ou soro antiaracnídeo) é sempre indicada em casos graves e acidentes moderados em crianças abaixo de 7 anos de idade. O soro deve ser administrado por via endovenosa, ou mais precocemente possível.

Os pacientes com manifestações sistêmicas, especialmente as crianças, devem ser mantidas em regime de monitoração continuamente quanto a freqüência cardíaca, respiratória, pressão arterial, gases sangüíneos, equilíbrio ácido-básico e estado de hidratação.

Profilaxia do escorpionismo 1. Manter jardins e quintais limpos, evitando acúmulo de objetos (lixo,

entulhos), que sirvam de abrigo para escorpiões; 2. Vedar frestas de assoalhos, paredes e tetos, bem como a soleira das portas

e janelas; 3. Sacudir roupas e sapatos antes de usar, verificar roupa de cama e banho; 4. Não colocar a mão em buracos, bueiros, sob pedras ou troncos podres; 5. Estimular a criação de galinhas, pois estas podem eliminar muitos

escorpiões; 6. Evitar condições que favoreçam o aparecimento de baratas ou aranhas, que

servem de alimento para os escorpiões; 7. Usar luvas ao manipular jardins, lixo, pilhas de tijolos, etc.

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IV - Abelhas e vespas O cruzamento das abelhas africanas (Apis mellifera scutellata) com as demais

abelhas européias, que já habitavam o continente sul-americano, é o responsável pela formação das chamadas abelhas africanizadas que hoje dominam toda a América do Sul, Central e parte da América do Norte.

Após cerca de 15 a 20 segundos do início do ataque a um inimigo localizado, tornam-se muito bravas e saem em grande quantidade (mais de 200), voando para todos os lados e ferroando a todos que encontram pela frente. As africanas demoram em média 28 minutos para se acalmar após o ataque, enquanto as italianas levam apenas 3.

Pertencem à Ordem Hymenoptera os únicos insetos que possuem ferrões verdadeiros, existindo duas famílias de importância médica: Apidae e Vespidae.

As abelhas são insetos "sociais" que vivem em grupos organizados contendo grande número de indivíduos num mesmo ninho, onde existe divisão de trabalho e castas separadas.

As abelhas possuem pêlos ramificados ou plumosos principalmente na região da cabeça e tórax.

As vespas diferem das abelhas principalmente por apresentarem o abdome mais afilado e entre o tórax e abdome uma estrutura relativamente alongada, chamada pedicelo popularmente conhecida como "cintura".

O Brasil possui mais de 400 espécies de "Vespas Sociais", que são responsáveis por muitos acidentes. As mais comuns são:

Polybia paulista(paulistinha) Polistes versicolor (marimbondo cavalo) Stenopolybia vicina (caçununga) O veneno da Apis mellifera é uma mistura complexa de substâncias químicas

com atividades tóxicas, como a enzima fosfolipase A e os peptídeos melitina e apamina.

As reações desencadeadas pela picada de abelhas são variáveis, de acordo com o local e o número de ferroadas, as características e o passado alérgico do indivíduo atingido.

Os acidentes causados por picadas de abelhas e vespas apresentam manifestações clínicas distintas, dependendo da sensibilidade do indivíduo ao veneno e o número de picadas.

As manifestações clínicas podem ser: - Alérgicas (mesmo com uma só picada) - Tóxicas (múltiplas picadas) O acidente mais freqüente é aquele no qual um indivíduo não sensibilizado ao

veneno é acometido por poucas picadas, causando uma reação inflamatória local, com pápulas eritematosas, dor e calor locais.

Os doentes acometidos por milhares de picadas evoluem rapidamente para um quadro clínico grave de insuficiência respiratória e renal aguda, sendo observados ao exame anatomo-patológico alterações renais, cardíacas, hepáticas e de musculatura esquelética.

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As reações de hipersensibilidade podem ser desencadeadas por uma única picada e leva o acidentado à morte, em virtude de edema de glote ou choque anafilático.

O tratamento do acidente por múltiplas picadas de abelhas é sempre uma emergência médica e devem ser tomadas as seguintes providências após a entrada do paciente no hospital.

Deve-se realizar o controle da dor e de reações alérgicas; retirar os ferrões um por um, com o cuidado de se evitar espremer a glândula de veneno ainda existente. A retirada incorreta pode ser acompanhada de compressão deste aparelho e como conseqüência haverá inoculação de grande quantidade de veneno.

Deve-se salientar que durante a picada apenas 1/3 do veneno contido no ferrão é inoculado na vítima. O restante do veneno não inoculado fica no aparelho inoculador situado na extremidade proximal do ferrão.

O tratamento de poucas picadas de abelhas ou vespas em indivíduo não sensibilizado deve ser feito à base de anti-histamínicos sistêmicos e corticosteróides tópicos.

O choque anafilático, a insuficiência respiratória e a insuficiência renal aguda devem ser abordados de maneira rápida e vigorosa, mantendo os pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) em razão da alta mortalidade.

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V - Lepidópteros 1. Introdução Os acidentes causados por isentos pertencentes à ordem Lepidoptera, tanto na

forma larvária como na adulta, dividem-se em: 1.1. Dermatite urticante a) causada por contato com lagartas urticantes de vários gêneros de

lepidópteros; b) provocada pelo contato com cerdas da mariposa Hylesia sp. 1.2. Periartrite falangeana por Pararama 1.3. Síndrome hemorrágica por Lonomia sp. 2. Epidemiologia Os acidentes por lepidópteros têm sido, de modo geral, subnotificados, o que

dificulta seu real dimensionamento. Em virtude das particularidades apresentadas pelos três tipos de agravo, alguns aspectos epidemiológicos serão abordados nos tópicos específicos.

3. Lepidópteros de importância médica A Ordem Lepidoptera conta com mais de 150.000 espécies, sendo que

somente algumas são de interesse médico no Brasil. 3.1. Morfologia Formas larvárias A quase totalidade dos acidentes com lepidópteros decorre do contato com

lagartas, recebendo esse tipo de acidente a denominação de erucismo (erucae= larva), onde a lagarta é também conhecida por taturana ou tatarana, denominação tupi que significa semelhante a fogo (tata = fogo, rana = semelhante).

As principais famílias de lepidópteros causados de erucismo são Megalopygidae, Saturniidae e Arctiidae.

Família Megalopygidae Os megalopigídeos são popularmente conhecidos por sauí, lagarta-de-fogo,

chapéu armado, taturana-gatinho, taturana-de-flanela. Apresentam dois tipos de cerdas: as verdadeiras, que são pontiagudas

contendo as glândulas basais de veneno; e cerdas mais longas, coloridas e inofensivas.

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Família Saturniidae As lagartas de saturnídeos apresentam "espinhos" ramificados e pontiagudos

de aspecto arbóreo, com glândulas de veneno nos ápices. Apresentam tonalidades esverdeadas, exibindo no dorso e laterais, manchas e listas, características de gêneros e espécies. Muitas vezes mimetizam as plantas que habitam.

Nesta família se incluem as lagartas do gênero Lonomia sp, causadoras de síndrome hemorrágica. São popularmente conhecidas por orugas ou rugas (sul do Brasil), beijus-de-tapuru-de-seringueira (Norte do Brasil).

Família Arctiidae Nesta família se incluem as lagartas Premolis semirufa, causadores da

pararamose. Formas adultas (mariposas-da-coceira) Somente as fêmeas adultas do gênero Hylesia sp (Saturniidae) apresentam

cerdas no abdome que, em contato com a pele, causam dermatite pápulo-pruriginosa.

3.2. Biologia O ciclo biológico dos lepidópteros apresenta 4 frases distintas: ovo, larva, pupa

e adulto. Em Lonomia sp foram observados os seguintes períodos: a) ovo – 30 dias de período embrionário; b) larva – encontrada nos troncos das árvores, alimentando-se de folhas, esta

etapa dura 59 dias; c) pupa – permanece em dormência no solo por período de 45 dias; d) adultos – vive cerca de 15 dias. Após o acasalamento ocorre a oviposição. As lagartas alimentam-se de folhas, principalmente de árvores e arbustos. Os megalopigídeos são solitários, enquanto os saturnídeos apresentam hábitos

gregários.

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VI - Anfíbios Histórico Os anfíbios surgiram há 350 milhões de anos atrás e os primeiros

representantes deste grupo eram criaturas muito relacionadas à água. Na bem sucedida independência da água e colonização do ambiente terrestre, os anfíbios sofreram marcante irradiação adaptativa (diferenciação morfológica e fisiológica) originando um grande número de formas.

Quem são: Os anfíbios atuais pertencem a três ordens, sendo conhecidas cerca de

4200 espécies no mundo. No Brasil são conhecidas em torno de 600 espécies. A primeira ordem das Salamandras ou Urodelos, compreende cerca de 400 espécies. A segunda ordem das Gimnofionas ou cobra-cega ou ainda cecílias, compreendem aproximadamente 160 espécies. A terceira ordem, a maior e mais conhecida, dos Anuros, com mais de 3800 espécies de sapos, rãs e pererecas, adaptados a um modo peculiar de locomoção e salto.

Enquanto os primeiros anfíbios que surgiram eram enormes, com até quatro metros de comprimento, os atuais são pequenos, geralmente de poucos centímetros até no máximo 1,5 m (uma Salamandra). Existem rãzinhas de um centímetro de comprimento.

Onde vivem As salamandras não são registradas na maior parte do território brasileiro,

exceto na Amazônia. As cecílias vivem enterradas no solo úmido das florestas tropicais da Ásia,

África e da América do Sul (Amazônia e Mata Atlântica). Um grupo tem hábito aquático.

Os anuros, objeto deste estudo, ocorrem em todos os continentes, exceto a Antártica e em muitas ilhas oceânicas. A maior diversidade de espécie se encontra nas América Central e do Sul. Ocupam vários tipos de ecossistemas, inclusive em regiões áridas como os desertos norte americano e africano, ou grandes altitudes, como os Andes. São comuns em brejos e lagoas, em área aberta, assim como na beira de riachos e poças no interior das florestas. Alguns vivem no solo ou no meio da serapilheira que recobre o mesmo, ou ainda embaixo de tocos, pedras, dentro de buracos. Outros vivem trepados na vegetação, ocos de árvores ou dentro de bromélias. Existem espécies que vivem a maior parte do tempo enterradas, só subindo a superfície na época da reprodução. Algumas espécies, como os sapos-pipas (Pipa pipa) são exclusivamente aquáticos.

Reprodução Determinada época do ano, quando as condições ambientais, em especial

a temperatura e umidade são propícias, os anuros retornam ao ambiente aquático para se reproduzir. Geralmente coincide com o verão, quando chove bastante. É quando freqüentemente ouvimos o constante coaxar desses animais, formando ¨coros¨ atraindo as fêmeas para os locais de reprodução.

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O saco vocal ajuda a amplificar o som produzido pela passagem do ar pela passagem do ar pelas cordas vocais, de modo que o canto é ouvido de longe. O mais interessante é que cada espécie tem seu canto característico que atrai as fêmeas daquela espécie, evitando assim acasalamentos errôneos. Além disso, cada espécie tem seu próprio local para emitir o canto nupcial, facilitando o encontro dos machos pelas fêmeas da mesma espécie. Desse modo, alguns sapos cantam dentro d’água, outros ainda cantam trepados na vegetação for d’água, ou no solo próximo à margem, e assim por diante. Uma vez que a fêmea se aproxima do macho, este a abraça e podem ficar assim por horas, dias e até meses, até que ocorra a desova, ou seja, a eliminação simultânea dos óvulos e espermatozóides pelo macho, havendo então a fertilização no ambiente.

Alimentação Todos os anfíbios são predadores carnívoros, alimentando-se de

invertebrados, principalmente de insetos e ainda de vertebrados como é o caso dos grandes sapos e rãs que chegam a comer até pequenas aves e mamíferos. Tudo que se move e é visto pelos anuros pode servir como alimento, desde que tenha um tamanho compatível ao próprio tamanho.

Importância dos anfíbios Os anuros ou sapos como são popularmente chamados, muitas vezes, são

discriminados por sua aparência grotesca e assustadora. Poucos vêem a importância desses animais, inclusive para o homem. Ninguém imagina que durante toda sua vida um anuro come milhões de artrópodes (inclusive insetos nocivos para o homem). Portanto eles têm importante papel na cadeia alimentar, sendo útil no equilíbrio ecológico e até como consumidores de pragas agrícolas.

São estudados a sua fisiologia, o comportamento, a evolução, farmacologia e outras áreas aplicadas da ciência. Funcionam ainda, como bio-indicadores da degradação ambiental, pois em várias partes do mundo estão desaparecendo em conseqüência de desmatamentos e poluição dos ecossistemas.

Secreções cutâneas e toxinas Todos os anfíbios secretam muco e outras substâncias pela pele. O muco tem a

função de manter a pele úmida, requisito indispensável para estes animais com respiração cutânea. As outras substâncias, os populares “venenos”, são produzidas por glândulas especiais espalhadas por grandes áreas da pele e/ou concentradas em determinadas regiões do corpo, por exemplo, as glândulas paratóides dos sapos, situadas na região atrás dos olhos. Essas toxinas têm função antimicrobiana ou na defesa contra predadores. Nem sempre elas são venenosas. Sua toxicidade varia de espécie para espécie, podendo ser uma substância de odor e/ou sabor desagradável, como ocorre na rã – pimenta, até produtos irritantes e tóxicos, como nos sapos do gênero Bufo, ou mesmo alcalóides altamente tóxicos, como é o caso das rãs dendrobatas (ou dendrobatídeos).

Os anuros não possuem mecanismos para a inoculação das toxinas. O que ocorre na verdade é um processo de defesa passiva. No caso dos sapos, por exemplo, o predador só é envenenado se abocanhar um animal.

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Quanto ao homem, os sapos podem ser manipulados, tomando-se o cuidado para não apertar suas glândulas de veneno (paratóides) e para não levar a secreção à boca ou aos olhos. A toxina também pode entrar no corpo através de lesões na pele.

Em algumas espécies as toxinas podem ser absorvidas diretamente pelo contacto com a pele. É o caso dos alcalóides produzidos pelos dendrobatídeos. Alguns dendrobatídeos, como Phyllobates terribilis, que ocorre na Colômbia, têm o veneno tão potente que o simples toque em seu corpo é suficiente para promover contrações musculares irreversíveis levando a um ataque cardíaco e à morte em menos de cinco minutos. A secreção da pele de uma única rãzinha é suficiente para matar 400 pessoas de 60 K ou 20000 camundongos. Essas secreções são usadas pelos índios Emberá-chocó para envenenar seus dardos para caçar. Uma esfregada do dardo na pele de Phyllobates terribilis garante veneno para caçar o ano inteiro. Um aspecto interessante é que a maioria das espécies venenosas apresenta coloração “de aviso” ou aposemática, como os dendrobatídeos e as mantelas africanas: as cores são fortes e vibrantes como o amarelo, o vermelho e o alaranjado.

Como diferenciar os sapos, rãs e pererecas Os nomes populares pelos quais os anuros são conhecidos muitas vezes

não são precisos. Geralmente costuma-se diferenciar sapos, rãs e pererecas, embora tais nomes possam se referir a mais de uma família. Um caso típico é o das rãs da Família Ranidae , ou seja as rãs verdadeiras: no Brasil excetuando-se Rana catesbeiana ou rã- touro, que foi introduzida nos ranários, ocorre uma única espécie no Pantanal, que é Rana palmipes. O que nós chamamos de RÃ são os anuros de outra família –Leptodactylidae- que são a rã – estrela e a rã- pimenta.

As principais diferenças entre rãs, sapos e pererecas são: Os SAPOS são os mais terrestres dos anuros. Vivem em ambientes secos,

só se aproximando da água na época da reprodução. Têm o corpo robusto e a pele seca e enrugada, cheia de ”verrugas” que na verdade são glândulas de veneno. Os sapos do gênero Bufo têm ainda duas grandes glândulas de veneno- as paratóides- na cabeça logo atrás dos olhos. Têm pernas curtas e se locomovem com pequenos pulos.

As RÃS são mais esguias e têm a pele lisa e úmida. Vivem mais próximas da água. Suas patas posteriores são muito longas e os dedos são finos, o que as fazem boas saltadoras. As espécies de Rana apresentam membranas bem desenvolvidas entre os dedos dos pés, o que lhes permite nadar bem. As espécies brasileiras, como a rã – pimenta (Leptodactylus labyrinthicus) ou a rã – estrela (L. ocellatus) são muito apreciadas como alimento, o que tem causado sua dizimação. Hoje elas são muito raras nos brejos e lagoas.

As PERERECAS têm a pele lisa e são esbeltas, com os olhos proeminentes e as pernas longas e finas. A principal característica é a presença de discos adesivos, semelhantes a bolinhas, nas pontas dos dedos. Os discos adesivos são importantes na locomoção desses anuros (hábito arborícola).

É bom lembrar que tanto sapos, rãs como pererecas possuem cinco dedos nos pés e quatro dedos nas mãos.

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VII - Animais Marinhos Ictismo 1. Introdução Acidentes humanos provocados por peixes marinhos ou fluviais

são denominados de ictismo. Algumas espécies provocam acidentes por ingestão (acidente passivo), enquanto outras por ferroadas ou mordeduras (acidente ativo). Os acidentes ativos ocorrem quando a vítima invade o meio ambiente destes animais ou no seu manuseio. Na Amazônia existem ainda peixes que produzem descarga elétricas e outros que penetram em orifícios naturais dos banhistas.

2. Ações do Veneno Pouco se conhece sobre os órgãos produtores e os venenos dos peixes

brasileiros. Os acidentes acantotóxicos (arraias, por exemplo) são de caráter necrosante e

a dor é o sintoma proeminente. O veneno das arraias é composto de polipeptídeos de alto peso molecular. Em sua composição já foram identificadas a serotonina, fosfodiesterase e a 5-nucleotidase. É um veneno termolábil que ocorre na maioria desse grupo.

Os acidentes sarcotóxicos ocorrem pela ingestão de peixes e frutos do mar. Os baiacus (Tetrodontidae) produzem tetrodontoxina, potente bloqueador neuromuscular que pode conduzir a vítima à paralisia consciente e óbito por falência respiratória. Peixes que se alimentam do dinoflagelado Gambierdiscus toxicus podem ter acúmulo progressivo de ciguatoxina nos tecidos, provocando o quadro denominando ciguatera (neurotoxicidade).

Acidentes escombróticos acontecem quando bactérias provocam descarboxilação da histidina na carne de peixes mal conservados, produzindo a toxina saurina, capaz de liberar histamina em seres humanos. O acúmulo de metil-mercúrio em peixes pescados em águas contaminadas podem produzir quadros neurológicos em seres humanos, quando houver ingestão crônica.

3. Tratamento No Brasil, não existe anti-veneno para o tratamento dos

acidentes causados por peixes. Acidente traumatogênico ou acantotóxico: o tratamento deve objetivar o

alivio da dor, o combate dos efeitos do veneno e a prevenção de infecção secundária. O ferimento deve ser prontamente lavado com água ou solução fisiológica. Em seguida, imergir em água quente (temperatura suportável entre 30 a 45) ou colocar sobre a parte ferida compressa morna durante 30 ou 60 minutos. Esta tem por finalidade produzir o alívio da dor e neutralizar o veneno que é termolábil. Fazer o bloqueio local com lidocaína 2% sem vasoconstritor visando não só tratar a dor como a remoção de epitélio do peixe e outros corpos estranhos. Deve-se deixar dreno e indicar corretamente a profilaxia do tétano, antibióticos e analgésicos, quando necessário.

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Acidente por ingestão de peixes tóxicos: o tratamento é de suporte. Podem ser indicadas, como medidas imediatas, lavagem gástrica e laxante. Insuficiência respiratória e o choque devem ser tratados com medidas convencionais. Nos acidentes escombróticos está indicado o uso de antihistamínico.

4. Prognóstico Nos acidentes acantotóxicos e traumatogênicos o prognóstico,

de um modo geral, é favorável, mesmo nos casos com demora da cicatrização, com exceção dos acidentes provocados por arraias e peixes escorpião, cujo prognóstico pode ser desfavorável. Nos acidentes tetrodontóxicos e ciguatóxico o prognóstico é reservado e a taxa de letalidade pode ultrapassar 50% e 12%, respectivamente. Nos acidentes escombróticos e prognóstico é bom.

Acidentes por Celenterados 1. Introdução O filo Coelenterata é composto por animais simples, de estrutura radial,

apresentando tentáculos que se inserem em volta da cavidade oral. Esses tentáculos capturam presas e apresentam células portadoras de um minúsculo corpo oval chamado nematocisto, capaz de injetar veneno por um microaguilhão que dispara quando a célula é tocada. Compreende 3 classes:

a) Classe Anthozoa: anêmonas e corais. As anêmonas lembram flores aquáticas.

b) Classe Hydrozoa: são as hidras (pólipos fixos) e colônias de pólipos de diferenciação maior (caravelas ou Physalias).

c) Classe Scyphozoa: medusas, formas livres, popularmente conhecidas como águas-vivas.

Acidentes com anêmonas e corais são pouco freqüentes e de pouca gravidade:

o contato é rápido e existem poucos nematocistos. Corais podem produzir corte e introduzir fragmentos calcários. O gênero Anemona é o mais comum no Brasil. Corais são pólipos concentrados de cálcio e formam grandes recifes (gênero Orbicella e Oculina, os populares corais brancos).

Os acidentes mais importantes ocorrem devido às classes Hydrozoa (caravelas) e Scyphozoa (águas-vivas). As caravelas apresentam um balão flutuador de coloração azul-purpúrica, de onde partem inúmeros tentáculos. A caravela do Oceano Atlântico é a Physalia physalis que atinge 30 cm de comprimento do corpo e pode ter tentáculos de 30 metros. A freqüência dos acidentes é maior no verão, quando podem atingir a praia em grande número, provocando centenas de acidentes. A caravela (Physalia) é sem dúvida a responsável pelo maior número e pela maior gravidade dos acidentes desse gênero no Brasil. As medusas também provocam acidentes. As mais rigorosas, capazes de matar um homem em minutos, são as do gênero Chironex (box jellyfish), encontadas na Austrália.

No Brasil, os acidentes mais graves são causados pela Chiropsalmus quadrumanus, da mesma família da Chironex e pela Carybdea alata, menos perigosa. Existem ainda as espécies Tamoya haplonema e a Cynea sp.

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As medusas preferem águas de fundo arenoso e estuários de rios, recolhendo-se em águas profundas nas horas mais quentes do dia.

2. Ações do veneno O veneno de celenterados é uma mistura de vários polipeptídeos que tem ações tóxicas e enzimáticas na pele humana podendo provocar inflamação extensa e até necrose. Outra ação importante é a neurotoxicidade que provoca efeitos sistêmicos, desorganiza a atividade condutora cardíaca levando a arritmias sérias, altera o tônus vascular e pode levar à insuficiência respiratória por congestão pulmonar. Atividade hemolítica foi descrita para o veneno de Physalia.

3. Tratamento a) Fase 1- repouso do segmento afetado. b) Fase 2- retirada de tentáculos aderidos: a descarga de nematocistos é

contínua e a manipulação errônea aumenta o grau de envenenamento. Não usar água doce para lavar o local (descarrega nematocistos por osmose) ou esfregar panos secos (rompe os nematocistos). Os tentáculos devem ser retirados suavemente levantando-os com a mão enluvada, pinça ou bordo de faca. O local deve ser lavado com água do mar.

c) Fase 3- inativação do veneno: o uso de ácido acético a 5% (vinagre comum), aplicado no local, por no mínimo 30 minutos inativa o veneno local.

d) Fase 4- retirada de nematocistos remascentes: deve-se aplicar uma pasta de bicarbonato de sódio, talco e água do mar no local, esperar secar e retirar com o bordo de uma faca.

e) Fase 5- bolsa de gelo ou compressas de água do mar fria por 5 a 10 minutos e corticóides tópicos 2 vezes ao dia aliviam os sintomas locais. A dor deve ser tratada com analgésicos.

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VIII - Prevenção de acidentes e primeiros socorros 1. Ofidismo 1.1. Como prevenir acidentes a) o uso de botas de cano alto ou perneira de couro, botinas e sapatos evita

cerca de 80% dos acidentes. b) cerca de 15% das picadas atingem mãos ou antebraços. Usar luvas de

aparas de couro para manipular folhas secas, montes de lixo, lenha, palhas etc. não colocar as mãos em buracos;

c) serpentes gostam de se abrigar em locais quentes, escuros e úmidos. Cuidado ao mexer em pilhas de lenha, palhadas de feijão, milho ou cana. Cuidado ao revirar cupinzeiros.

d) onde há rato há serpente. Limpar paióis e terreiros, não deixar amontoar lixo. Feche buracos de muros e frestas de portas;

e) evitar acúmulo de lixo ou entulho, de pedras, tijolos, telhas, madeiras, como mato alto ao redor das casas, que atraem e abrigam pequenos animais que servem de alimentos às serpentes.

1.2. Primeiros socorros lavar o local da picada; manter o paciente deitado;

manter o paciente hidratado; procurar o serviço médico mais próximo; se possível, levar o animal para identificação.

1.2.1. Não fazer torniquetes ou garrotes; não cortar o local da picada; não

perfurar ao redor do local picada; não colocar folhas, pó de café ou outros contaminantes; não oferecer bebidas alcoólicas, querosene ou outros tóxicos.

2. Aracnídeos (escorpiões e aranhas) 2.1. Como prevenir acidentes a) manter jardins e quintais limpos, evitar o acúmulo de entulhos, folhas secas,

lixo doméstico, material de construção nas proximidades das secas; b) evitar folhagens densas (plantas ornamentais, trepadeiras, arbustos,

bananeiras e outras) junto a paredes e muros das casas. Manter a grama aparada; c) limpar periodicamente os terrenos baldios vizinhos, pelo menos, numa faixa

de um a dois metros junto das casas; d) sacudir roupas e sapatos antes de usá-los pois as aranhas e escorpiões

podem se esconder sob dormentes da linha férrea; e) não por as mãos em buracos, sob pedras e troncos podres. É comum a

presença de escorpiões sob dormentes da linha férrea; f) o uso de calçados e de luvas de raspas de couro pode evitar acidentes; g) como muitos destes animais apresentam hábitos noturnos, a entrada nas

casas pode ser evitada vedando-se as soleiras das portas e janelas quando começar a escurecer;

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h) usar telas em ralos do chão, pias ou tanques; i) combater a proliferação de insetos, para evitar o aparecimento das aranhas

que deles se alimentam; j) vedar frestas e buracos em paredes, assoalhos e vãos entre o forro e

paredes, consertar rodapés despregados, colocar saquinhos de areia nas portas, colocar telas nas janelas;

l) afastar as camas e berços das paredes. Evitar que roupas de cama e mosquiteiros encostem no chão. Não pendurar roupas nas paredes; examinar roupas principalmente camisas, blusas e calças antes de vestir. Inspecionar sapatos e tênis antes de usá-los;

m) acondicionar lixo domiciliar em sacos plásticos ou outros recipientes que possam ser mantidos fechados, para evitar baratas, moscas ou outros insetos de que se alimentam os escorpiões;

n) preservar os inimigos naturais de escorpiões e aranhas: aves de hábitos noturnos (coruja, joão-bobo), lagartos, sapos, galinhas, gansos, macacos, coatis, etc. (na zona rural).

2.2. Primeiros socorros lavar o local da picada; passar compressas mornas

ajudam no alívio da dor; procurar o serviço médico mais próximo; se possível, levar o animal para identificação.

3. Abelhas e Vespas 3.1. Como prevenir acidentes a) a remoção das colônias de abelhas e vespas situadas em lugares públicos

ou residências deve ser efetuada por profissionais devidamente treinados e equipados;

b) evitar aproximação de colmeias de abelhas africanizadas Apis mellifera sem estar com vestuário e equipamento adequados (macacão, luvas, máscara, botas, fumigador, etc.);

c) evitar a aproximação dos ninhos quando as vespas estiverem em intensa atividade, cujo pico é atingido geralmente entre 10 e 12 horas;

d) evitar aproximar o rosto de determinados ninhos de vespas pois algumas esguicham o veneno no rosto do operador, podendo provocar sérias reações nos olhos;

e) evitar a aproximação dos locais onde as vespas sejam coletando materiais, hortaliças e outras plantações, onde procuram por lagartas e outros insetos para alimentar sua prole; flores (coleta de néctar); galhos, troncos e folhas (coletam fibras para construir ninhos de celulose); locais onde haja água principalmente em dias quentes, outras fontes de proteína animal e carboidratos tais como frutas caídas, caldo de cana-de-açúcar (carrinhos de garapeiros), pedaços de carne e lixo doméstico.

f) Barulhos, perfumes fortes, desodorantes, o próprio suor do corpo e cores escuras (principalmente preta e azul-marinho) desencadeiam o comportamento agressivo e conseqüentemente o ataque de vespas e abelhas.

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3.2. Primeiros socorros em caso de acidente, provocado por múltiplas picadas de abelhas ou vespas, levar o acidentado rapidamente ao hospital e alguns dos insetos que provocaram o acidente; a remoção dos ferrões pode ser feita raspando-se com lâminas, evitando-se retirá-los através de pinças, pois provocam a compressão dos reservatórios de veneno, o que resulta na inoculação do veneno ainda existente no ferrão.

4. Lepidópteros 4.1. Hylesia Como prevenir acidentes a) afastar luminárias, principalmente com lâmpadas de mercúrio e fluorescente,

quando ocorrer surtos de Hylesia. Nestas ocasiões a troca das roupas de cama, antes de dormir, faz-se necessária, bem como a limpeza de móveis por meio de pano úmido, retirando-se, dessa forma, as inúmeras e microscópicas cerdas.

4.2. Pararama Como prevenir acidentes a) para os trabalhadores em seringais é indicado o uso de luvas; 4.3. Lonomia Como prevenir acidentes a) os acidentes ocorrem geralmente na manipulação de troncos de árvores

frutíferas e jardinagem (seringueiras, araticuns, cedro, figueiras-do-mato, ipês, pessegueiros, abacateiros, ameixeiras, etc.). Verificar previamente a presença de folhas roídas na copa, casulos e fezes de lagartas no solo com seu aspecto típico, semelhante a grãos dessecados de pimenta-do-reino.

b) observar, durante o dia, os troncos das árvores, locais onde as larvas poderão estar agrupadas. À noite, as taturanas dirigem-se para as copas das árvores para se alimentarem das folhas;

c) usar luvas de borracha, especialmente as pessoas que têm contato freqüente com as plantas.

Primeiros socorros lavar imediatamente a área afetada com água e sabão;

usar compressas com gelo ou água gelada que auxiliam no alívio da dor; procurar o serviço médico mas próximo; se possível, levar o animal para identificação.

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5. Peixes Como prevenir acidentes a)evitar banhos em águas sabidamente habitadas por candirus, piranhas,

poraquês, arraias ou tubarões; b) manusear cuidadosamente os peixes na sua retirada do anzol ou da rede. Primeiros socorros lavar o local com água; fazer compressas de água morna.

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IX – Apêndice

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