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Processos colaborativos: Possibilidades e Desafios entre academia e Organizações não
Governamentais do Brasil
Júnia Fátima do Carmo Guerra
Armindo dos Santos de Souza Teodósio
Resumo
Este artigo teve como objetivo central analisar as possibilidades e os desafios de colaboração entre acadêmicos e praticantes de Organizações não Governamentais do Brasil a partir do quadro conceitual sobre Gestão Social desenvolvido por cada um. Para tanto, foram discutidas as temáticas que envolvem o construto teórico da Gestão Social como pano de fundo para se compreender as dinâmicas e articulações presente entre acadêmicos e praticantes de Organizações não Governamentais do Brasil. De cunho qualitativo, esta pesquisa investigou três Centros e Programas de Estudo sobre Gestão Social e três Organizações não Governamentais, todos de atuação brasileira. Os resultados demonstraram que há processos colaborativos entre os acadêmicos e praticantes apoiados pela noção que cada um tem sobre Gestão Social. Todavia, observaram-se alguns limites oriundos da hegemonia do saber acadêmico sobre os praticantes, bem como traços de interesse unidirecional presente na relação entre esses dois agentes.
Palavras-chaves: Gestão Social, Academia e Praticantes, Processos Colaborativos.
Resumen
Tuvimos presente artículo pretende examinar cómo le Posibilidades y desafíos de la colaboración entre académicos y Organizaciones No Gubernamentales practicantes de Brasil para hacer conceptual Marco de gestión social desarrollada por uno. Para ello, como se discutieron temas relacionados o construcción teórica paño fundada gestión social como dinámicos como juntas y presentes entre los académicos y Organizaciones No Gubernamentales de Practicantes Entender Brasil. Naturaleza cualitativa de esta investigación investigó tres centros y programas de estudio sobre la gestión social y organizaciones de la sociedad civil de tres, todas Práctica brasileño. Es el resultado han demostrado procesos de colaboración entre académicos y profesionales Noción que pelar cada uno tiene una gestión social compatibles. Sin embargo, observaron límites no son nativos Algunas de la hegemonía del conocimiento académico sobre ustedes practicantes, así como rastros de interés unidireccional en esta relación dois sos entre los agentes.
Palabras clave: Gestión Social, la Academia y profesionales, procesos colaborativos.
Abstract
This article has mainly aimed to analyze the possibilities and challenges of collaboration between academics and practitioners Non-Governmental Organizations Brazil from the conceptual framework of Social Management developed by each. Therefore, the themes were discussed involving the theoretical construct of Social Management as a backdrop for understanding the dynamics and articulations present among academics and practitioners Non-Governmental Organizations of Brazil. A qualitative approach, this research investigated
1
three centers and study programs on Social Management and three Non-Governmental Organizations, all of Brazil's performance. The results showed that there are collaborative processes between academics and practitioners supported by the notion that each has on Social Management. However, there were some limitations arising from the hegemony of academic knowledge on the practitioners as well as traces of unidirectional present interest in the relationship between these two agents.
Key-words: Social Management, Academy and practitioners, Collaborative Processes
1 Introdução
A Gestão Social tem sido amplamente pesquisada e discutida no Brasil desde a década
de 1990. No âmbito dos acadêmicos destacam-se autores como Putnam (1993), Lewis (1998),
Morris (2000), Fredette e Bradshaw (2012), Tenório (1997), Fischer (1998), Junqueira (2000),
Carrion (2001), Boullosa e Schommer (2005), França Filho (2005) e Cançado (2011), cujas
abordagens revelam que o termo Gestão Social permeia um campo teórico em construção,
munido por indagações sobre seus fundamentos teóricos e práticos.
Tais indagações exprimem uma reflexão sobre as características distintivas que a
difere de outros campos da gestão e outras maneiras de gerir, como a gestão privada e a
gestão pública. Sob essa perspectiva, observa-se que a utilização do termo pode estar
relacionada aos atores sociais que a emprega, ao universo organizacional em que é exercida,
às finalidades que se pretende atingir ou, ainda às características do processo de gestão a que
se refere (Fischer, 2001; Schommer & França-FIlho, 2008). Nesse aspecto, destacam-se as
características organizacionais vigentes no campo das organizações da sociedade civil, da
Economia Solidária e relativas à Responsabilidade Socioempresarial. Além disso, elevam-se
esforços em compreender os aspectos vinculados a participação social, a emancipação e o
desenvolvimento social, podendo associá-los aos princípios que regem a coletividade e o
interesse comum.
Mediante os aspectos que fundamentam a Gestão Social e, partindo do pressuposto
que as dinâmicas e articulações desenvolvidas pelos atores deste campo são delimitadas pela
noção construída acerca de seus significados, este trabalho propôs analisar as possibilidades e
os desafios de colaboração entre acadêmicos e praticantes de Organizações não
Governamentais (ONGs) do Brasil a partir do quadro conceitual sobre Gestão Social
desenvolvido por cada um.
Compreende-se que a Gestão Social ao ser permeada por ideias que a associam à
integração e interseção entre diferentes atores sociais, supõe-se a possibilidade de processos
colaborativos entre academia e praticantes de ONGs. Esses processos podem ser observados
2
por meio da pesquisa e extensão universitária e pelo interesse das ONGs em firmarem
parcerias com a academia, visando o apoio científico para a estruturação dos seus trabalhos.
A partir dessa perspectiva colaborativa, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa no
âmbito das relações vigentes entre academia e ONGs cuja amostra baseou-se em três Centros
e Programas de Estudo sobre Gestão Social e três ONGs, todas de atuação brasileira. Para
tanto, adotou-se a entrevista semiestruturada em profundidade junto aos fundadores e
coordenadores das unidades de análise, bem como a pesquisa documental desenvolvida nos
sítios eletrônicos de cada unidade investigativa.
Além desta introdução, o artigo foi estruturado da seguinte forma. A primeira sessão
abordou as temáticas que norteiam a Gestão Social com o intuito de orientar a discussão que
envolve a noção que os atores deste campo têm sobre o tema. A sessão seguinte apresentou os
procedimentos metodológicos e a análise oriunda dos dados coletados. Por fim, nas
considerações finais, foram discutidos os resultados da pesquisa realizada que revelou a
presença de processos colaborativos entre acadêmicos e praticantes sustentados pela ideia de
coletividade seguida por uma visão intersetorial. Todavia, observaram-se alguns limites
mediados pela hegemonia do saber acadêmico sobre os praticantes, bem como traços de
interesse unidirecional presente na relação entre os dois agentes.
2 Gestão Social: temáticas que amparam seu construto teórico
Derivada de um contexto marcado pela “sociedade managerial” cujas características
decorrem das ideias capitalistas como categorias dominantes do pensamento econômico e do
mercado (Chanlat, 1999 p. 16), a Gestão Social destaca-se por suas características inovadoras
ao se apoiar em valores e práticas oriundas dos desígnios democráticos e da cidadania os
quais buscam a contraposição à perspectiva instrumental e mercantil (Maia, 2005). Esses
aspectos são mediados pela presença do sujeito coletivo, imbuído de subjetividade, crítica e
reflexão de si mesmo.
A partir desse foco, nota-se a complexidade da realidade na qual a Gestão Social vem
se inserindo, uma vez que, complexidade em latim “Complexus significa aquilo que é tecido
junto, entrelaçamentos múltiplos” (Mariotti, 2000). Essa proposição integra conhecimentos
orientados para a solução de problemas que afetam pessoas, organizações e a realidade social
(Mendonça, Gonçalves-Dias & Junqueira, 2012).
Nesse sentido, observa-se que o campo da Gestão Social vem se constituindo por meio
de múltiplos saberes, definições e práticas que precedem a lógica social, não se limitando a
um conceito único. Todavia, vale destacar que, a popularização do termo tem gerado
ambiguidade sobre o que está falando e tratando, podendo incorrer à prática da gestão dos
3
problemas sociais ou ambientais e não a forma articulada de organizar o conjunto para que
funcione (Pinho, 2005; Dowbor, 2010).
A partir deste aspecto buscou-se discutir alguns significados que envolvem a Gestão
Social por compreender que neles residem os elementos que apoiam os processos
colaborativos entre ONGs e Acadêmicos do Brasil.
Alguns autores como Tenório (2004, 2005), Boullosa e Schommer (2005), Gondim,
Fischer e Melo (2006) e França-Filho (2008) destaca a abordagem da participação como
aspecto fundamental da Gestão Social. Ela é reconhecida como um processo baseado não
somente na estratégia, mas, especialmente, na comunicação e no diálogo, em espaços nos
quais todos compartilham o direito à fala e o direito de participar das decisões sobre objetivos
e meios para atingi-los (Gondim, Fischer e Melo, 2006).
Corroborando esta ideia, Gondim, Fischer e Melo (2006, p. 70) afirmam que “a Gestão
Social deve estar a serviço de muitos, de interesses sociais e do bem comum”, de forma que a
identificação desses interesses, desejos e opiniões daqueles que pretendem servir a Gestão
Social se constitui por meio da “participação dos próprios beneficiários da gestão, em
interação e por meio de relações dialógicas” (Gondim, Fischer e Melo, 2006 p. 70).
Ao destacar a inclusão dos autores em processos organizacionais de bases dialógicas
observa-se que a Gestão Social contribui para a emancipação das pessoas, se colocando como
uma “gestão no qual o ser humano se desenvolve e com isto, a própria sociedade se
desenvolve nas mais variadas dimensões: ambiental, econômica e cultural” (Cançado, 2011 p.
124).
Nota-se que a abordagem da Gestão Social atrelada aos preceitos que incorporam a
noção da participação e da emancipação social representa os meios no qual ela se articula,
configurando-se em processos. Porém, “a ideia de Gestão Social orienta-se à gestão das
demandas e necessidades do social” (França-Filho, 2008 p. 29), conferindo a ela a noção de
fim ou como uma finalidade a ser alcançada. Este escopo surge no seio da modernidade em
uma sociedade onde a esfera econômica desempenha efetivamente um papel determinante, já
que se vive em uma sociedade do trabalho e onde o social é identificado como um dos
espaços do não trabalho (França-Filho, 2008). Neste âmbito, Gestão Social confunde-se com
gestão pública, pois compete tradicionalmente ao Estado o atendimento às demandas e
necessidades da sociedade (França-Filho, 2008).
Essa noção, motivo de críticas de diversos autores da área como França-Filho (2008),
Pinho (2010), Fischer (2008), Tenório (2004), permite orientar a discussão da Gestão Social
para um novo paradigma de interação entre Estado e sociedade (Boullosa e Schommer, 2005),
4
o qual o Estado revê sua suposta primazia na condução de processos de transformação social e
assume a complexidade de atores e de interesses em jogo como definidora dos próprios
processos de significação e construção de bens públicos (Boullosa e Schommer, 2005,
Gondim, Fischer e Melo, 2006).
Observa-se que o termo Gestão Social se insere também nos debates sobre a noção de
desenvolvimento social orientado pela “transição entre modelos do século passado e novas
formas comprometidas com utopias de desenvolvimento local, que os tempos de crise fazem
emergir” (Fischer, 2002 p. 97).
Essa proposição parte das considerações apontadas por autores como Fischer (2002),
Carrion & Calou (2008) e Gondim et al (2006), ao considerarem a gestão do desenvolvimento
social ou gestão social como um processo de mediação que articula múltiplos níveis de poder
individual e social (Fischer, 2002). Nessa perspectiva, a gestão não é uma função exercida
apenas por um gestor, mas por um coletivo que pode atuar em grau maior ou menor de
simetria/assimetria e delegação, o que traz uma carga potencial de conflito de interesses entre
atores envolvidos e entre escalas de poder (Fischer, 2002).
Fischer (2002, p. 29) amplia essa discussão ao definir desenvolvimento social como
um espaço “reflexivo das práticas e do conhecimento constituído por múltiplas disciplinas”,
permitindo significar a Gestão Social como gestão orientada para o social (enquanto
finalidade) pelo social (enquanto processo), norteada pelos princípios da ética e da
solidariedade” (Fischer, Melo, 2006, p. 17).
A noção de Gestão Social vinculada ao desenvolvimento social se insere em espaços
intersticiais, precedido de sobreposições com a esfera estatal e do mercado, no qual se
apresentam organizações sociais com múltiplas configurações e, em vários casos, de natureza
híbrida (Alves, 2002; Teodósio, 2010). Essas organizações, constituídas da conexão da
sociedade civil, Estado e mercado, ao mesmo tempo em que ganham identidade, se tornam
peças estratégicos no jogo dos chamados poderes espacialmente localizados (Fischer e Melo,
2006).
A identificação com a ética do bem comum e o uso do espaço público como contexto
de referência, são outros atributos preponderantes na formação dessas organizações, que
permitem a elas serem interlocutoras importantes no campo das políticas públicas e das ações
de desenvolvimento socioterritorial (Fischer e Melo, 2006).
O terceiro setor é um de seus campos de atuação e é constituído por “agentes de
natureza privada que praticam ações visando a fins públicos” (Alves, 2002 p. 2). Segundo
Evers (1995, p. 161) as organizações podem ser traduzidas “como um subespaço do espaço
5
público nas sociedades civis, isso é, como um campo de tensão sem fronteiras muito
definidas, no qual diferentes racionalidades e discursos coexistem e se interceptam”. Essa
definição atribui ao terceiro setor um sentido dialógico que, segundo Tenório (1999, p. 18)
deve atuar numa perspectiva comunicativa, na qual suas ações seriam implementadas por
meio da intersubjetividade racional dos diferentes sujeitos sociais a partir de esferas públicas
em espaços organizados da sociedade civil, a fim de fortalecer o exercício da cidadania
deliberativa.
Apreende-se que, essa perspectiva associada a uma diversidade de atores que se
organizam em prol do interesse comum, na busca de soluções para os problemas sociais, pode
ser observado como um processo fundamentado pelos preceitos que ancoram a Gestão Social.
Nas décadas de 1980 e 1990, além do crescimento mundial das organizações não
governamentais teve início também uma fase de fortalecimento da ideia de responsabilidade
social empresarial (Junqueira et al, 2009) que, conforme às diretrizes sociais que embasam a
sua prática, se expressa como categoria temática da Gestão Social.
Essa perspectiva se inscreve por meio da noção de cidadania embutida nas dinâmicas e
práticas organizacionais cuja vontade de colaborar com a sociedade antecede a expectativa de
vantagens para a organização (Pinto et al, 2008 p. 409). Entretanto, para Frederick (1994) a
responsabilidade social empresarial ancora-se na noção de que as corporações possuem a
obrigação de trabalhar para a melhoria do bem-estar social. Observa-se que essa perspectiva
coloca as organizações em uma posição central de evidência no qual destacam os seus
interesses. Nesse aspecto, a sociedade deixa de ser o ator principal na relação com as
empresas e outros setores, precedendo a uma hierarquia de poderes vinculados a lógica do
mercado.
Outra dimensão organizacional na qual a literatura brasileira atribui aspectos de cunho
social, do bem coletivo e de articulação entre múltiplos atores é o da economia solidária,
entendida como o resurgimento de práticas solidárias entre trabalhadores sob o capitalismo
(Singer, 2000). Para Costa e Carrion (2006), a economia solidária compreende uma
pluralidade de tipos de empreendimentos, cooperativas, associações, grupos não formalizados
de geração de trabalho e renda pautados pela gestão coletiva, propriedade comum dos meios
de produção e relações de trabalho reguladas pelos princípios de autogestão, participação,
cooperação, desenvolvimento humano e igualitarismo.
Vale ressaltar que “a economia solidária se propõe ir além dos atributos econômicos,
pois ela compreende a inserção da dimensão política no mercado” (França-Filho e Laville,
6
2004, p. 48). No entanto, é a ausência dessa dimensão política que mais prejudica a tarefa de
se promover um desenvolvimento alternativo (Cordeiro Neto et al, 2011, p. 176).
Segundo França-Filho e Laville (2004), o entrelaçamento entre os campos econômicos
e políticos, é que constituíram o cerne da economia solidária. “Desse enlace a solidariedade
entre os indivíduos não dispensaria a participação estatal, mas esta última estaria articulada à
sociedade civil, que não seria um apêndice das políticas, possuindo autonomia e identidade
própria” (Cordeiro Neto et al, 2011, p. 176).
A dimensão política conferida à práxis da economia solidária permite recorrer as
discussões acerca da Gestão Social, uma vez que se pretende inserir o sujeito como fator
central nas relações.
Ao identificar alguns elementos que envolvem a Gestão Social foi possível evidenciar
alguns processos que configuram sua prática, bem como suas proposições, porém, sem
delimitá-la rigidamente.
A partir das temáticas conceituais apresentadas é possível vislumbrar processos de
Gestão Social orientados para um fim comum, os quais podem ser representados pela noção
de participação, emancipação e desenvolvimento social. Essa perspectiva aponta uma
construção permeada pelo espírito de coletividade, exprimindo a presença de múltiplos
saberes, o que contribui para a sua pluralidade discursiva.
Nesse cenário, ressalta-se o ensino, a pesquisa e a extensão, elementos constituintes
da universidade contemporânea no qual se destaca a atuação de Centros e Programas de
Estudos que vêm implementando e disseminando os preceitos da Gestão Social. No âmbito de
sua atuação, é possível vislumbrar a presença de organizações não Governamentais (ONGs)
que, por meio da prática, evidenciam também processos de aprendizagem apoiados pela
lógica da Gestão Social. Essa perspectiva permite inferir processos colaborativos derivado da
relação instituída entre esses dois atores que, ao se amparar conforme os princípios da Gestão
Social fomentam o diálogo e a reflexão.
O quadro conceitual sobre Gestão Social partiu, primeiramente, da literatura brasileira
por nele constitui os preceitos que orientam a realidade do fenômeno investigado. Entretanto,
as abordagens presente na produção científica internacional salientam perspectivas temáticas
sobre Gestão Social que se aproximam das discussões brasileiras, contribuindo para a análise
proposta.
Constituído por perspectivas que envolvem processos de engajamento social,
consciência coletiva, confiança estruturada por meio de interesses comuns, dialógicos e
solidariedade (Leana e Pil, 2006; Fredette e Bradshaw, 2012), os temas são conduzidos a
7
partir das discussões que exprimem o capital social, o empreendorismo social, voluntariado e
as delimitações conceituais sobre o terceiro setor.
Umas das temáticas discutida pela produção científica internacional que converge
com o construto da Gestão Social desenvolvido no Brasil é o capital social cujo fundamento
se ancora na confiança, competência e consciência coletiva, atribuindo valores sociais
necessários a infraestrutura organizacional a fim de compartilhar e aplicar informação,
mobilizar capital humano e conhecimento. No âmbito das ONGs, o capital social é
evidenciado como um recurso crítico no complexo contexto dessas organizações, pois permite
construir entre os atores uma consciência partilhada sobre a organização, baseado na abertura
e transparência, na discussão de questões conflituosas, permitindo a exploração da
divergência, pensamento e reflexão (Fredette e Bradshaw, 2012).
Decorrente dessa abordagem, o terceiro setor pode ser compreendido como uma
“externalidade positiva para a sociedade cujo foco não é apenas o produto fornecido” (Morris,
2000 p.63). Lewis (1998) argumenta que, a produção científica internacional ao abordar o
terceiro setor direcionam seus estudos para características gerenciais e organizacionais. O
autor evidencia duas categorias distintas de pesquisa acadêmica ao considerar os países no
qual são realizadas.
Em países do sul ou em desenvolvimento a literatura sobre o terceiro setor se apoia
nas abordagens de cunho político e democrático ancorados nas dinâmicas e articulações das
ONGs, terminologia característica das pesquisas desses países. Nesse sentido, destaca-se o
trabalho focado na mudança social, pautados em assuntos políticos sobre a relação das ONGs
com o Estado e doadores, e com as comunidades no qual estão inseridas (Lewis, 1998).
Confrontando com os países do norte ou ocidentais, nota-se que as organizações
sociais do terceiro setor são denominadas de Organizações não Lucrativas cuja definição
apresenta prioridades diferentes (Lewis, 1998). Essas se concentram mais na prestação de
serviços de caráter organizacional do que nas discussões sobre a defesa de direitos para a
mudança social (Billis, 1993; Salamon, 1994). Este princípio aponta preferências de estudos
referentes à estrutura organizacional e ao gerenciamento interno das organizações (Lewis,
1998).
Corroborando essa ideia, os estudos de Mirabella e Young (2012), destacam que esta
distinção categorizada por Lewis (1998) pode ser explicada ao considerar que cada país tem
uma combinação diferente de sistemas jurídicos e políticos, desenvolvimento econômico ou
histórico e religioso o qual permite identificá-los como variáveis explicativas que determinam
a escala, o escopo e as funções do setor.
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Tais argumentos contribuem com o objetivo central deste estudo ao propor analisar a
noção que os acadêmicos e praticantes de ONGs brasileiras têm sobre Gestão Social como
possibilidade e desafio para o desenvolvimento de processos colaborativos. Como o âmbito
de atuação desses atores vincula-se à realidade brasileira, compreende-se que a noção
apreendida por eles permeia os aspectos vigentes da realidade na qual fazem parte.
A próxima sessão apresenta os procedimentos metodológicos adotados por esta
pesquisa e análise dos dados empíricos em consonância com as proposições teóricas
apresentadas.
3 Estratégias Metodológicas
Os procedimentos metodológicos deste trabalho basearam-se na pesquisa qualitativa
por compreender que ela permitiria, por meio da relevância que dá aos dados empíricos
contrastados com as suposições teóricas, condição para se analisar as possibilidades e os
desafios de colaboração entre acadêmicos e praticantes de ONGs do Brasil a partir do quadro
conceitual sobre Gestão Social desenvolvido por eles.
Os dados empíricos foram coletados em pesquisa de campo realizada junto a três
Centros e Programas de Estudo do campo da Gestão Social e três ONGs, todos com atuação
no Brasil. De forma a complementar os dados primários, adotou-se a pesquisa documental
que se ancorou em sítios eletrônicos, artigos e livros publicados por cada unidade de análise
investigada. A seleção das unidades de análise foi baseada tendo-se a teoria abrangente como
o critério de avaliação (Yin, 2007; Gaskell, 2002), visto que, as mesmas se despontam pela
atuação no campo da Gestão Social.
No âmbito dos acadêmicos os Centros e Programas de Estudo selecionados foram: o
Centro de Empreendedorismo Social e Administração do Terceiro Setor (CEATS), do
Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
da Universidade de São Paulo (FEA/USP); o Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e
Gestão Social da Universidade Federal da Bahia (CIAGS/UFBA) e o núcleo de Estudos de
Administração do Terceiro Setor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(NEATS/PUC-SP). No campo das ONGs foi selecionado o Instituto Hartmann Regueira; o
Instituto Camargo e Corrêa e a Fundação Avina.
A fim de manter a identidade dos entrevistados em sigilo os mesmos tiveram seus
nomes codificados, de modo que os acadêmicos receberam o código ACAD e os praticantes o
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código PRAT. Respectivamente, cada código teve um número agregado, correspondente à
unidade de análise pesquisada.
As entrevistas de profundidade foram realizadas com os fundadores e coordenadores
dos Centros e Programas de Estudo, bem como com os coordenadores e diretores das ONGs.
Elas tiveram duração média de 1 hora e meio cada. Procurou-se, nesse processo, identificar e
explorar: I) a influência do contexto sociopolítico na formação e desenvolvimento das
unidades de análise; II) As dinâmicas e articulações que emergem de cada instituição
investigada associadas a compreensão que os investigados têm sobre os elementos objetivos e
subjetivos da Gestão Social.
Análise dos dados
A discussão inicial abrangeu os aspectos que influenciaram o contexto sociopolítico na
formação e desenvolvimento dos Centros e Programas de Estudos e ONGs investigadas.
Nessa perspectiva, vale destacar que o Brasil, durante as décadas de 1980 e 1990 vivenciou
um quadro marcado por movimentos sociais reivindicatórios, período este de constituição e
desenvolvimento das unidades de análise.
Este período evidenciou um conjunto de práticas que se traduziram numa cultura de
cidadania (Gohn, 1995). Segundo Gohn (1995, p. 63), era algo “novo num país de tradição
centralizadora, autoritária, patrimonialista e clientelística”.
Tais movimentos decorreram de organizações da sociedade civil que, em 1980
geraram um cenário de grande participação civil, seguido pela criação de espaços de
interlocução entre o Estado e a sociedade civil e pela transição democrática no país (Gohn,
1995). Esse advento, apoiado pela promulgação da nova Constituição brasileira orientou-se
para a união da democracia direta à democracia participativa que visava a “participação na
definição das formas de gestão dos equipamentos e serviços, a definição da implantação das
Leis Estaduais e Municipais, a construção dos diferentes Conselhos e Câmaras de
interlocutores do Estado com a sociedade” (Gohn, 1995, p. 64).
Mediante esse cenário observou-se um alinhamento da trajetória inicial das
instituições investigadas com as perspectivas que estavam sendo desenhadas no contexto
sociopolítico do Brasil.
O relato da fundadora e coordenadora do CEATS/USP confirma essa proposição ao
pronunciar que, o surgimento do Centro e Programa de Estudo se deu a partir de uma
observação constante e sistematizada de movimentos da sociedade civil que vinha se
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organizando e adquirindo Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), tal como as
organizações sem fins lucrativos dos Estados Unidos (ACAD 1).
Essa percepção adicionada ao crescente número de organizações do terceiro Setor no
Brasil, desde meados dos anos 1980, refletiu no “reconhecimento da magnitude e da
importância que este setor vinha adquirindo no universo das organizações que conformam a
sociedade contemporânea” (Scaico, 1997 p. 74). Com o aumento da demanda de apoio
consultivo, palestras e conferências dos docentes, assim como no desdobramento do interesse
dos pesquisadores por esse fenômeno organizacional, em 1997, o CEATS/USP foi concebido
não somente com o intuito de “nuclear atividades acadêmicas e científicas, mas também para,
concomitantemente, dinamizá-las sob a forma de serviços e produtos que atendessem às
necessidades da comunidade” (Scaico, 1997 p. 74).
O CIAGS/UFBA, outro Centro e Programa de Estudos sobre Gestão Social pesquisado
teve a sua trajetória acadêmica inspirada “nos ideais de uma comunidade solidária que era
liderada por uma pessoa aberta e que dialogava com todas as correntes de movimentos
políticos e populares, a professora Ruth Cardoso” (ACAD 2). Sob a égide desses movimentos,
o CIAGS/UFBA se consolidou na década de 1990 como um espaço de articulação entre
saberes teóricos e práticos voltado para a promoção e aproximação entre discentes,
professores e pesquisadores de Gestão Social com o Estado, com a sociedade civil e com as
empresas.
Já o NEATS/PUC-SP se originou influenciado pelo interesse dos alunos da PUC/SP
que vinham observando um movimento de estudos e pesquisas na USP sobre o Terceiro
Setor. Em 1998, o núcleo de estudo surgiu mobilizado por alunos e professores da PUC/SP
empenhados em melhor compreender a sistemática do terceiro setor. Cadastrado desde 2000,
no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil (CNPQ) com
linhas de pesquisa ancoradas na Gestão de Organizações Sem Fins Lucrativos, Gestão Social
e Terceiro Setor, este núcleo de estudo tem por objetivo realizar pesquisas, atividades de
formação e de consultoria, produzir e difundir conhecimentos, articular redes e apoiar a gestão
de organizações do Terceiro Setor, bem como a gestão das políticas sociais.
Observa-se a relevância do contexto sociopolítico na formação dos Centros e
Programas de Estudos investigados. A trajetória inicial das unidades acadêmicas ocorreu
deflagrada pelos movimentos associativos presente no contexto brasileiro o que promoveu
iniciativas de trabalhos interdisciplinares e integrados à comunidade externa.
No campo dos praticantes, as ONGs investigadas foram influenciadas pelo mesmo
quadro sociopolítico. Nessa vertente, destaca-se o Instituto Hartmann Regueira constituído
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como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Este Instituto foi criado
decorrente de experiências anteriores relacionadas a um pequeno grupo de terapeutas que
trabalhavam em uma clínica de terapia sistêmica. Suas atividades em comunidades carentes,
ainda como clínica terapêutica, iniciaram após um convite da Secretaria Municipal de
Educação de Belo Horizonte a qual solicitou atendimento a uma escola municipal que vinha
apresentando sérios problemas de violência. Posteriormente, a comunidade sensibilizada com
o fato de uma clínica terapêutica querer conhecê-la melhor, bem como discutir e fomentar as
fortalezas locais apontou outras demandas as quais o grupo buscou contribuir por meio da
formação de uma associação de pais de amigos da escola e um projeto de liderança jovem
(PRAT 1).
Movidos pela vulnerabilidade da comunidade atendida, o pequeno grupo de terapeutas
decidiu continuar os seus trabalhos oferecendo atendimento na clínica. Entretanto, os demais
profissionais que ali exerciam suas atividades em parceria não concordaram, implicando na
separação do grupo e na criação do Instituto Hartmann Regueira (PRAT 1).
Conforme a entrevistada “o instituto foi fruto de uma pressão social que não fazia
parte da sua visão de futuro por ter sido direcionado para um trabalho social na dimensão que
se chegou a fazer” (PRAT 1).
Observa-se que esta ONG originou-se motivada pela carência social de uma
comunidade a qual demonstrava vivenciar problemas de violência e de exclusão social. Seus
propósitos iniciais permitem identificá-la como ONG cidadã por buscar o fortalecimento dos
direitos da cidadania junto a minorias vulneráveis (Gohn, 1997).
O Instituto Camargo Corrêa, outra ONG investigada originou da esfera do mercado
por ser proveniente do Grupo de Empresas Camargo Corrêa. Ele tem como característica
predominante o investimento social nas comunidades no qual se insere cuja atuação ancora-se
na diversidade e abrangência dos negócios do grupo e das comunidades envolvidas.
De acordo com o diretor do instituto, o propósito de integração estratégica aos
negócios do grupo ocorreu a partir de 2007, ano em que ele iniciou sua trajetória na
instituição. Antes, o objetivo do instituto permeava os desígnios do desenvolvimento social,
todavia ancorado na perspectiva filantrópica e assistencialista, no qual as empresas apenas
aportavam recursos para que pudessem desenvolver os projetos sociais na área da infância e
alguns na área da educação. A partir de 2007, os objetivos da instituição se concentraram em
três programas chamados estruturantes, sendo eles, Infância Ideal, Escola Ideal e Futuro Ideal.
Além desses, há um quarto programa que permeia os três, denominado Ideal Voluntário.
Segundo o relato do diretor do Instituto, o trabalho é direcionado para a “defesa dos direitos
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da infância, melhoria da qualidade da educação publica de ensino fundamental e num outro
programa, empreendedorismo e geração de renda focada em jovens” (PRAT 2).
Percebe-se que essa instituição se configura em ONGs que são observadas como do
Terceiro Setor, por se caracterizarem como organizações/empresas que atuam na área da
cidadania social, incorporando critérios da economia de mercado do capitalismo para a busca
da qualidade e eficácia de suas ações (Gohn, 1995). Elas também podem atuar segundo
“estratégia de marketing, utilizando a mídia para divulgar suas ações, além de desenvolverem
uma cultura política favorável ao trabalho voluntário nos seus projetos” (Gohn, 1995 p. 65).
Outra unidade de análise pesquisada foi a Fundação Avina. A partir da análise dos
dados secundários e primários foi possível observar que o cenário sociopolítico na qual esta
instituição se constituiu foi mediado por pressões de natureza ética com desígnios sustentável,
não só para as questões ambientais, bem como para as possibilidades de relacionamento entre
o Estado e a sociedade.
De cunho internacional, mas com foco na América Latina a Fundação Avina, desde a
década de 1990, vem incrementando a sua atuação na região ao verificar que poderia
complementar a sua contribuição para o crescimento da região via investimento social (PRAT
3).
Nesse contexto, o Brasil se tornou um foco de atenção para os investimentos da
Fundação, ao observarem um quadro social dotado de criatividade e de práticas
empreendedoras sociais diversificadas. Em 1997, foi criado um escritório no Rio de Janeiro
denominado “Centro de Serviços” da Avina destinado a atender os seus aliados no Brasil
(PRAT 3).
Destaca-se que essa instituição se assemelha às características das ONGs cidadãs
proferidas por Gohn, (1997) que, por meio da atuação em áreas urbanas e ambientais
vulneráveis, se articula através de redes e parcerias sociais e solidárias para a dinamização de
suas práticas. O exemplo disso é o seu envolvimento com várias outras organizações sociais
tal como o Instituto Hartmann Regueira.
Os relatos apresentados mediante a formação e atuação dos Centros e Programas de
Estudos e ONGs investigadas sinalizaram um ambiente movido pelo associativismo social
empenhado em desenvolver ações de enfrentamento aos problemas sociais, políticos e
econômicos vigentes daquele período. Infere-se que essa perspectiva contribuiu para a
compreensão dos valores e princípios que permeiam a Gestão Social.
A partir dessa proposição, a outra categoria indicada por este trabalho para analisar as
possibilidades e os desafios de colaboração entre acadêmicos e praticantes de ONGs do Brasil
13
baseou-se na compreensão que os investigados têm sobre os elementos objetivos e subjetivos
que compõem a Gestão Social a partir de suas dinâmicas e articulações.
Um primeiro aspecto realçado pelos atores e que se julgou de extrema relevância, por
nele apresentar a base para se dinamizar as proposições que envolvem a Gestão Social, foi a
ideia de que os problemas sociais, políticos e econômicos não são de responsabilidade de um
setor ou de uma esfera só, são de todos, de modo a incidir em soluções compartilhadas. Essa
primeira compreensão permite integrar à Gestão Social os pressupostos que envolvem a visão
intersetorial.
Além dessa inferência, apreende-se que a noção intersetorial conduz a ideia de
interdisciplinaridade, devido a necessidade de envolver campos de conhecimento diferentes
que se interagem de forma convergente ou divergente, com o intuito de ampliar as
possibilidades de enfrentamento às questões sociais impostas.
Destaca-se que, as instituições analisadas apresentaram no escopo de sua atuação
relações com diversos setores sociais, implicando em ações e articulações intersetoriais.
Uma das coordenadoras do CEATS/USP exprimiu a ideia de integração entre atores de
diversos setores em prol de objetivos comuns ou paralelos, ao evidenciar uma das propostas
do Centro e Programa de Estudo associada a visão intersetorial que se apoiou na integração
entre órgãos públicos, sociedade civil e também com empresas interessadas no
desenvolvimento sustentável (ACAD).
Em sintonia com essa perspectiva de atuação, a noção expressada sobre Gestão Social
comunga com os aspectos que enseja a ideia de ações intersetoriais ao exprimir que “parece
haver um reconhecimento de que a problemática social não é um problema de um único ator.
É um problema coletivo. Então, as soluções partem de um trabalho colaborativo” (ACAD 1).
Nota-se que essa visão incidiu nas atividades desenvolvidas pelo CEATS/USP que
segundo a entrevistada, teve relevante participação na criação de uma rede de pesquisadores
Iberoamericana, o Sken, de iniciativa de um professor da universidade de Harvard. “Essa rede
foi muito interessante por que foi uma forma de sair desse mundo, dessa realidade brasileira,
onde os problemas são continentais, que pouco se basta com o um único olhar” (ACAD 1).
Infere-se que a proposta de criação do CEATS/USP integrada à perspectiva da visão
intersetorial e fomentada, posteriormente, pela parceria com o Sken, demonstra processos de
colaboração entre academia e praticante, uma vez que induz parcerias sustentadas pelo
diálogo e reflexão.
No âmbito de atuação do CIAGS/UFBA, destaca-se a noção de território cujas
premissas abrangem a noção de Gestão Social intercedida pelos aspectos da intersetorialidade.
14
Conforme os dados secundários obtidos pelo site do Centro e Programa de estudo, este é um
espaço no qual se busca o desenvolvimento sócio-territorial mediante a criação de tecnologias
sociais replicáveis, considerando os conhecimentos gerados pela qualificação de gestores do
desenvolvimento social, nos âmbitos da graduação e pós-graduação. Este objetivo prevê uma
aproximação entre discentes, professores e pesquisadores da Gestão Social com o Estado, a
sociedade civil e empresas por se compreender que o desenvolvimento territorial e da Gestão
Social estão referenciados a um território que, por sua vez, expressa a construção cultural
(ACAD 2).
Nota-se que as articulações que sustentam o CIAGS/UFBA vigoram em bases
multidisciplinares de interlocução intersetorial, evidenciadas por preceitos sociais que se
desdobram por meio dos conflitos territoriais e atuais. Essa perspectiva demarca a
compreensão que o centro anuncia sobre a Gestão Social, amparada pela noção que este termo
“não significa a gestão da exclusão ou da pobreza, ele é a gestão da sociedade, e que precisa
ser resignificada conforme as demandas contemporâneas. Por isso é chamada de social”
(ACAD 2).
A noção de Gestão Social expressada pelo coordenador do NEATS/PUC/SP se
debruça na visão intersetorial e interdisciplinar as quais envolvem ideia de coletividade. Para
ele a Gestão Social é todo processo de trabalho na área social com o objetivo de coletividade
(ACAD 3). Adotando o princípio da coletividade, a dinâmica de trabalho do núcleo de estudo
ancora-se em projetos de extensão e cursos de formação direcionados ao terceiro setor de
forma interdisciplinar. Como exemplo, ele cita um projeto concebido a partir de um edital do
Ministério da Justiça o qual houve uma ampla integração entre o pessoal do Direito e da
Administração, implicando em uma vasta repercussão (ACAD 3).
A partir deste cenário o NEATS/PUC-SP demonstrou conduzir os seus trabalhos
mediados pela visão intersetorial o que permite envolver atores de diferentes setores,
promovendo processos colaborativos por indicarem ações coletivas.
A visão intersetorial, enquanto elemento chave para se conduz a Gestão Social foi
também observada no relato dos praticantes das ONGs investigadas. O Diretor de Alianças
Estratégicas da Fundação Avina, a fim de ilustrar a sua concepção sobre as práticas
intersetoriais no âmbito da instituição, ressaltou as diferentes fases de arranjos
organizacionais. A primeira apoiou-se em líderes sociais empreendedores individuais, a qual a
Fundação Avina investia com o intuito de dinamizar os seus propósitos. Nesta fase “o
importante era o perfil destes indivíduos, não tanto as agendas nas quais eles estavam” (PRAT
3). Na segunda etapa, as ações da Fundação Avina se direcionaram para o apoio a projetos de
15
rede, projetos de agendas compartilhadas com base nos territórios. “Eram organizações que
não trabalhavam com as mesmas coisas, mas se complementavam” (PRAT 3). A terceira
etapa, empreendida no período de 2008 a 2012, focou na construção de agendas coletivas por
meio de trabalhos em rede articulada com diferentes atores sociais e com alcance continental.
A atual fase, iniciada em 2013, é denominada de Fundação Avina facilitadora e tem o
propósito de promover a viabilização de processos de colaboração, em âmbito continental,
entre atores e organizações de interesses diversos vinculados as várias agendas temáticas
criadas pela Fundação.
Observa-se que, a partir da segunda etapa de atuação da Fundação Avina, a integração
entre atores de diferentes setores, porém com agendas similares foi fator decisivo para ações
de caráter colaborativo, mesmo que permeadas por relações conflituosas. Para o Diretor de
Alianças Estratégicas da Fundação Avina “é possível conviver com ideias que não sejam as
mesmas, não é necessário haver consenso e sim diálogos cada vez mais reflexivos e
estratégicos” (PRAT 3).
O Instituto Hartmann Regueira também exerce as suas ações por meio de dinâmicas
intersetoriais. Baseado no fortalecimento do capital social e do capital humano o Instituto foca
no fortalecimento da gestão das organizações sociais já existentes de forma a fomentar a sua
liderança. Segundo a fundadora e coordenadora do Instituto, as organizações sociais acolhidas
têm características distintas e precisam de recursos para sobreviver que, por vezes, são
oferecidos por grandes empresas construtoras e extrativistas cujo débito social as induz
investir nas comunidades na qual estão inseridas. Nesse processo, o Instituto Hartmann
Regueira é contratado por empresas corporativas, como o Grupo Camargo Corrêa a fim de
fortalecer a gestão e as ações sociais dessas organizações.
Além das parcerias firmadas, as ações do Instituto primam pela interação entre os
setores privados e sociais a fim de alcançar sustentabilidade que, de acordo com a fundadora e
coordenadora “esse é um processo que no Brasil está começando a se desenvolver” (PRAT 2).
Conforme o relato nota-se a compreensão sobre o papel da sociedade civil organizada
na esfera social como parte relevante no processo de integração entre diversos atores para o
desenvolvimento social. Todavia, vale ressaltar que o programa do instituto que visa
fortalecer as lideranças locais favorece relações que, mesmo demonstrando convergência,
apontam um aspecto nefasto, a hegemonia de processos que se dizem parceiros, mas que se
configuram em aspectos de domínio de um setor sobre outro.
De natureza similar, o Instituto Camargo Corrêa também exprimiu perspectivas de
atuação uni direcionada ao exercer o papel de investidor social alinhado aos negócios do
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grupo empresarial. Esse propósito partiu do pressuposto de se potencializar todo o
conhecimento existente dentro da empresa para atender as demandas das comunidades
envolvidas (PRAT 2), elevando assim, a supremacia do seu conhecimento sobre os demais em
prol dos interesses dos negócios do grupo e não das comunidades na qual se inserem.
A compreensão sobre responsabilidade social anunciada pelo diretor do Instituto
corrobora com esta perspectiva ao evidenciar a sua importância para os negócios da empresa,
denotando a centralidade da mesma em relação ao outro.
Considerações
Este trabalho, ao indagar as possibilidades e os desafios de colaboração entre
academia e praticantes do campo da Gestão Social a partir da noção formada sobre a Gestão
Social, buscou identificar e discutir o contexto sociopolítico no qual se constituíram, bem
como a compreensão que os atores pertencentes a este campo têm sobre os elementos
subjetivos e objetivos da Gestão Social.
Nessa vertente, observou-se que os movimentos sociais e políticos das décadas de
1980 e 1990 no Brasil influenciaram de forma significativa a constituição e o
desenvolvimento das dinâmicas e articulações dos Centros e Programas de Estudos e ONGs
investigadas. As reivindicações cidadãs apoiadas pela necessidade de transformação política e
social deflagraram um senso de coletividade o qual implicou na busca do compartilhamento
dos dilemas sociais.
Essa tendência, ancorada nos pressupostos que fundamentam a Gestão Social
respaldou as dinâmicas e articulações dos Centros e Programas de Estudos do campo da
Gestão Social ao se consolidarem por meio de parcerias intersetoriais e processos integrativos
com outros atores, dentre eles os praticantes de ONGs.
A perspectiva intersetorial, apontada pelos atores investigados como um meio para se
exprimir as dinâmicas da Gestão Social, embute em seus preceitos noções de
interdisciplinaridade por supor a interação entre campos de conhecimento distintos e
constituídos por saberes múltiplos. Tal aspecto amplia o espaço para processos colaborativos
entre acadêmicos e praticantes por nele conter traços de ética e de bem comum.
Todavia, destaca-se que essa aproximação mediada pela cooperação entre atores de
campos diferentes demonstra ser peculiar entre as instituições acadêmicas e praticantes
pesquisadas, visto que a perspectiva de interação dialógica e de interesse mútuo não se
confirma nas relações instituídas por esses campos.
Percebeu-se nessa interação, processo de dominação sustentado pela supremacia do
conhecimento científico sobre o popular, criando uma cultura daquele que ensina e daquele
17
que aprende. Esse aspecto pôde ser notado nas relações precedidas não só entre acadêmicos e
praticantes, mas também entre os atores praticantes ao assumirem práticas direcionadas e de
interesse centralizado aos seus propósitos.
Essa perspectiva demonstra que, mesmo inseridos em um ambiente de relações
intersetoriais e de cunho cooperativo, a noção abrangente sobre Gestão Social parece ser
desafiada pela hierarquia de poder e pelo não reconhecimento daqueles que se encontram a
margem da sociedade.
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