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14 UMA ANÁLISE DE ANÚNCIOS DE AUTOMÓVEIS: LIÇÕES PARA A ABORDAGEM DO TEXTO MULTIMODAL Valdirécia de Rezende Taveira Clebson Luiz de Brito RESUMO: Pretendemos, por meio de uma análise de alguns anúncios publicitários de veículos, extrair algumas reflexões que indiquem, para o ensino, possíveis caminhos quanto ao trato da multimodalidade. Nosso corpus é composto de 3 anúncios de automóveis veiculados na revista americana US Weekely e na Internet, anúncios estes que se caracterizam pela multimodalidade. Em suma, pretendemos demonstrar que elementos da Gramática Sistêmico-funcional (HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004) e da Gramática do Design Visual (KRESS e VAN LEEUWEN, 2001 e 2006), quando apreendidos pelo(a) professor(a), podem ajudar a sistematizar a abordagem do texto multimodal e a sensibilizar os alunos para a percepção do texto multimodal como um objeto complexo. ABSTRACT: We intend, through an analysis of some car advertisements, portray some reflections that indicate, for teaching, possible ways on multimodality treatment. Our corpus is composed of 3 car advertisements published in the American magazine U.S. Weekely and on the Internet, which are characterized by multimodality. In summary, we intend to demonstrate that elements of Systemic Functional Grammar (Halliday & Mathiessen, 2004) and the Grammar of Visual Design (Kress and van Leeuwen, 2001 and 2006), when apprehended by the teacher, can help to systematize the approach of the multimodal text and to make students sensible to the perception of multimodal text as a complex object. PALAVRAS-CHAVE: Multimodalidade; Publicidade; Ensino. KEYWORDS: Multimodality; Advertisements; Teaching. INTRODUÇÃO Kress e van Leeuwen (2001), em Multimodal Discourse, observam com acuidade uma mudança significativa na cultura ocidental no que diz respeito à constituição dos textos. Segundo os Interletras, volume 3, Edição número 16,outub.2012/març.2013 - p

  · Web viewPor essa razão propomos neste trabalho discutir as contribuições da Gramática Sistêmico-Funcional e a Gramática do Design Visual no âmbito da abordagem dos

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uma anlise de anncios de automveis: lies para a abordagem dO texto multimodal

Valdircia de Rezende Taveira[endnoteRef:1] [1: Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Estudos Lingusticos da Faculdade de Letras da UFMG/Capes.]

Clebson Luiz de Brito[endnoteRef:2] [2: Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Estudos Lingusticos da Faculdade de Letras da UFMG/Fapemig.]

Resumo: Pretendemos, por meio de uma anlise de alguns anncios publicitrios de veculos, extrair algumas reflexes que indiquem, para o ensino, possveis caminhos quanto ao trato da multimodalidade. Nosso corpus composto de 3 anncios de automveis veiculados na revista americana US Weekely e na Internet, anncios estes que se caracterizam pela multimodalidade. Em suma, pretendemos demonstrar que elementos da Gramtica Sistmico-funcional (HALLIDAY & MATHIESSEN, 2004) e da Gramtica do Design Visual (KRESS e VAN LEEUWEN, 2001 e 2006), quando apreendidos pelo(a) professor(a), podem ajudar a sistematizar a abordagem do texto multimodal e a sensibilizar os alunos para a percepo do texto multimodal como um objeto complexo.

Abstract: We intend, through an analysis of some car advertisements, portray some reflections that indicate, for teaching, possible ways on multimodality treatment. Our corpus is composed of 3 car advertisements published in the American magazine U.S. Weekely and on the Internet, which are characterized by multimodality. In summary, we intend to demonstrate that elements of Systemic Functional Grammar (Halliday & Mathiessen, 2004) and the Grammar of Visual Design (Kress and van Leeuwen, 2001 and 2006), when apprehended by the teacher, can help to systematize the approach of the multimodal text and to make students sensible to the perception of multimodal text as a complex object.

Palavras-chave: Multimodalidade; Publicidade; Ensino.

keywords: Multimodality; Advertisements; Teaching.

Introduo

Kress e van Leeuwen (2001), em Multimodal Discourse, observam com acuidade uma mudana significativa na cultura ocidental no que diz respeito constituio dos textos. Segundo os autores, a monomodalidade, caracterstica de textos constitudos apenas pela linguagem verbal, como romances e documentos oficiais, foi modernamente cedendo lugar multimodalidade, trao dos textos constitudos por diferentes linguagens.

Hoje, no raro, os textos que circulam em nossa sociedade e com os quais nos confrontamos cotidianamente so marcados por se constiturem, predominantemente, a partir de diferentes meios semiticos. Esse predomnio do texto multimodal pode ser confirmado no somente pelos textos que circulam na mdia, mas tambm pelos documentos empresariais e governamentais, os quais apresentam ilustraes e layout mais sofisticado, alm de tipografia diferente.

Isso mostra que a habilidade de leitura/abordagem de textos multimodais, mais do que nunca, uma necessidade da vida moderna. Os professores que lidam com texto e leitura, quer sejam eles de lngua materna, quer sejam de lngua estrangeira, esto, portanto, diante de uma sria demanda no que diz respeito a instrumentalizar os alunos para a abordagem do texto multimodal.

Essa instrumentalizao em relao aos meios de se abordar a multimodalidade e mesmo a prpria sensibilizao para a percepo do texto multimodal como um objeto complexo, marcado por diferentes recursos semiticos portadores de sentido, parecem ainda mais necessrias quando notamos no senso comum a ideia de texto como produo unicamente verbal. Nessa concepo, o texto monomodal verbal seria o texto em sua essncia, ao passo que o texto multimodal seria, quando muito, uma produo verbal ilustrada, adornada ou coisa que o valha, em vez de uma unidade complexa como dissemos.

Por essa razo propomos neste trabalho discutir as contribuies da Gramtica Sistmico-Funcional e a Gramtica do Design Visual no mbito da abordagem dos textos multimodais. Pretendemos, por meio de uma anlise de alguns anncios publicitrios de veculos, extrair algumas reflexes que indiquem, para o ensino, possveis caminhos quanto ao trato da multimodalidade a partir da proposta dessas teorias. Os textos que analisaremos aqui so publicidades em lngua inglesa, num total de trs, sendo dois coletados na internet atravs da busca no site Google Imagens (Toyota Corolla e VW Passat CC) e um publicado na revista US Weekly (Honda Crave).

Antes, porm, de irmos s anlises dos textos, cumpre apresentar as elementos tericos que subsidiaro nossa reflexo, o que fazemos na seo a seguir.

1 Gramtica Sistmico-funcional e Gramtica do Design Visual: proposta e categorias de anlise

Gostaramos, antes de apresentar os elementos tericos que mobilizaremos em nossa anlise, de fazer uma breve contextualizao em relao ao projeto das teorias de que nos valemos aqui, a Gramtica Sistmico-funcional (GSF) e a Gramtica do Design Visual (GDV), o que pode fazer com que a descrio de suas categorias de anlise sejam mais bem entendidas.

A GSF busca investigar, a partir de anlises de textos autnticos e situados do ponto de vista sociocultural, como a lngua enquanto processo social se organiza para produzir sentido. Trata-se de uma teoria, portanto, que prope uma gramtica tomada como um sistema de redes e no como um inventrio de estruturas prontas. Nela importam as escolhas no nvel do significado, em que um conjunto de significados inter-relacionados serve de base para outros sistemas e subsistemas. Assim, cada sistema da rede representa as escolhas feitas pelo locutor em diferentes nveis em sua comunicao.

Logo, para a teoria sistmica, o sistema lingustico modelado a partir do uso que o falante faz da lngua, isto , das escolhas feitas pelo locutor, dependendo do contexto de comunicao. Diante disso, cada escolha revela toda uma rede de opes disponveis no sistema.

J a GDV, de Kress e van Leeuwen (2006), foi desenvolvida com o objetivo de formular uma metodologia voltada para a anlise de textos multimodais, para o estudo da comunicao multimodal das culturas ocidentais com base na Lingustica Sistmico-Funcional. Longe de um conjunto de regras, ela nos fornece instrumentos necessrios para a anlise da semntica e da sintaxe visuais, na medida em que procura descrever a maneira como os elementos presentes no texto visual, como indivduos, objetos e lugares, se combinam criando sentenas visuais e seus significados.

Assim, a GDV, levando em conta os diferentes meios semiticos usados na construo do sentido, permite-nos analisar o texto multimodal em sua totalidade, entre outros, pela identificao do tipo de relao estabelecida com o leitor, pela observao dos recursos utilizados pelo produtor do texto e pelas intenes ali materializadas.

1.1 Elementos da Gramtica Sistmico-Funcional

Halliday e Mathiessen (2004) mostram, em sua gramtica, como as estruturas das sentenas expressam simultaneamente diferentes significados: textual, interpessoal e ideacional. Esses significados so chamados pelos autores de metafunes. importante mencionar que esses trs significados no ocorrem isoladamente, mas so associados uns aos outros em uma mesma orao, formando um sistema de redes, como mencionado anteriormente.

A metafuno textual considera a sentena como uma mensagem e nos permite verificar qual informao nela colocada em evidncia. Segundo Ravelli (2000), o significado textual da sentena muito importante na linguagem, pois um sentido ligado ao contexto de produo do texto. Alm disso, a organizao do texto varia de acordo com a funo que a linguagem exerce naquele contexto, seja na linguagem oral ou escrita.

A metafuno interpessoal, por seu turno, nos permite examinar as relaes sociais representadas na sentena; analisamos, assim, os interlocutores do texto, os quais criam e mantm relaes sociais, uma vez que o falante pode expressar suas opinies, julgamentos e atitudes atravs da linguagem. Segundo Halliday e Mathiessen (2004, p.106), o significado interpessoal organiza a sentena como um evento interativo que envolve o falante/produtor e o ouvinte/leitor. Assim, a sentena tomada como um lugar de interaes sociais.

J a metafuno ideacional evidencia o significado representacional dos processos que ocorrem na experincia humana, seja no mundo interior ou exterior dos participantes. Essa metafuno analisada a partir do sistema de transitividade composto pelo processo ou evento, pelos participantes que so aqueles envolvidos no processo e as circunstncias. Neste trabalho privilegiamos os estudos da metafuno ideacional, sobretudo no que diz respeito aos processos relacionais.

Os processos ou eventos, expressos pelos verbos ou grupos verbais, so as experincias relativas aos participantes. J estes so os que fazem parte dos eventos, seja vivenciando tais processos ou apresentando neles uma identidade ou atributo, seja participando de alguma forma da ao (diretamente ou no). Taveira (2009, p. 74-75) compara o sistema de transitividade ao sistema solar: os processos seriam o sol, pois se encontram no centro do sistema; ao redor dele estariam os participantes e as circunstncias, que seriam os planetas. Os participantes so normalmente expressos pelos grupos nominais. J as circunstncias abrangem finalidade (para qu), local (onde), modo (como), companhia (com quem), entre outros, sendo elas prototipicamente expressas por grupos adverbiais ou preposicionais.

Os processos materiais so caracterizados por verbos que expressam ao (acontecimentos concretos), isto , que denotam significados de fazer e acontecer. Alm disso, constroem a mudana no desenvolvimento de eventos. Os participantes geralmente envolvidos no processo material so o ator (actor), aquele que causa a mudana, isto , o participante que efetivamente realiza o evento; a meta (goal), que um participante diretamente afetado pela mudana, aquele que sofre seus efeitos; o recipiente (recipient) ou cliente (client), que tambm um participante afetado pela mudana, mas que recebe dela algum benefcio; e o escopo (Scope), que o participante que no afetado pela mudana, mas que constri um domnio onde o processo ocorre (Halliday & MATHIESSEN, 2004).

Quanto aos processos mentais, estes esto ligados ao mundo interno do indivduo: cognio, percepo, inclinao ou desejos (afetos). O principal participante o experienciador (Senser), prototipicamente um participante humano, consciente. O que pensado, desejado, percebido chamado de fenmeno (phenomenon), geralmente expresso por grupos nominais ou oraes encaixadas.

Os processos comportamentais, por seu turno, descrevem comportamentos fisiolgicos ou psicolgicos. Trata-se de um tipo de processo intermedirio entre os processos materiais e os mentais, pois os processos comportamentais no representam uma ao propriamente dita, mas seu significado pode levar a uma ou mais aes. Os processos comportamentais so, normalmente, experienciados por um participante consciente. Dizemos, assim, que o participante que experiencia o processo o comportante (behaver). Temos tambm os processos relacionais, que identificam ou caracterizam os participantes e podem ser subdivididos em atributivos e identificativos.

Os processos relacionais atributivos ocorrem, como o nome indica, quando um dos participantes, o portador (Carrier), caracterizado por um atributo (attribute), o outro participante do processo. Em outras palavras, esse tipo de processo normalmente apresenta caractersticas do participante portador, evidenciando ou enumerando suas qualidades, ou mesmo descrevendo este participante.

Os processos relacionais identificativos, por outro lado, tm como participantes o valor (value) e a caracterstica (token). Os processos desse tipo, em vez de mostrar qualidades de um participante, buscam identific-lo dentro de um grupo ou atribuir-lhe um pertencimento a uma classe. Em resumo, no h, nesse caso, a inteno de mostrar qualidades de um participante, mas identific-lo de alguma maneira.

Cabe destacar ainda os processos existenciais e os processos verbais. Os primeiros exprimem a existncia de algo no mundo, tendo como participante apenas o existente (existent). J os ltimos exprimem aes verbais denotadas pelo verbo dizer e seus sinnimos. Nos processos verbais, os principais participantes so o dizente (Sayer), que guarda semelhana com o ator do processo material, j que se trata do emitente da mensagem; o receptor (receiver), aquele participante a quem endereada a ao verbal; o alvo (target), que o objeto da ao verbal; e a verbiagem (verbiage), que corresponde ao fenmeno no processo mental e que resume o que foi dito em um grupo nominal ou orao encaixada.

Como se pode ver, por meio de seus diferentes processos, a metafuno ideacional nos permite analisar os participantes, bem como o que ocorre no mundo interior e exterior dos mesmos. Por meio da metafuno textual podemos perceber a informao que colocada em destaque na mensagem. E, por fim, graas metafuno interpessoal, podemos perceber as interaes que ocorrem no discurso, analisando os interlocutores discursivos, bem como o tipo de informao veiculada.

1.2 Elementos de anlise da Gramtica do Design Visual

Como dissemos acima, a GDV tem uma relao direta com a GSF, na medida em que foi baseada nas metafunes propostas por Halliday e Mathiessen (2004) apresentadas na seo anterior. Desse modo, nos elementos visuais, a GDV analisa igualmente perspectivas interpessoais, ideacionais e textuais.

Na perspectiva interpessoal a anlise pode ser feita a partir de vrias dimenses: observa-se o contato (olhar), a distncia social (proximidade da imagem), a perspectiva (objetividade da imagem), a saturao, a diferenciao e a modulao (esses trs ltimos expressos pelas cores da imagem). J na perspectiva ideacional as estruturas de representao so divididas em dois processos: a estrutura narrativa, que apresenta aes e eventos; e a estrutura conceitual, que representa participantes em termos de sua essncia, que pode ser de sua classe, estrutura ou significado. Na perspectiva textual, por sua vez, observa-se a composio da imagem, como os lados esquerdo (dado) e direito (novo) e as posies superior (ideal) e inferior (real).

No que diz respeito distncia social, Kress e van Leeuwen (2001) apontam que quanto menor o distanciamento entre o participante representado (PR) e o participante interactante (PI), maior ser a proximidade com o leitor. Quando aparecem a uma distncia maior, por outro lado, os PRs so considerados objetos de contemplao. A perspectiva da imagem, por sua vez, pode defini-la como objetiva ou subjetiva se, respectivamente, ela permite uma viso geral do objeto ou se o PR visto por apenas um ngulo especfico. Segundo os autores, nessa dimenso que se colocam as relaes de poder.

Sob a perspectiva textual, a imagem analisada de acordo com a colocao de seus elementos. O lado esquerdo considerado como o lugar da informao j conhecida pelo leitor ou observador, ao passo que o lado direito o espao da informao nova, ou seja, da informao que desenvolvida. O espao superior, por sua vez, destinado a mostrar uma idealizao do que se fala, enquanto o plano inferior traz a realidade daquilo sobre o que se fala. O centro, por fim, o ncleo, e o que est sua margem lhe d suporte.

Na perspectiva ideacional, as imagens so analisadas em termos de ao. As imagens que trazem algum tipo de ao representada so chamadas narrativas. Dessa forma, o que na linguagem verbal realizado por palavras que exprimem ao, como os verbos, na comunicao visual, realizado por vetores; o que na lngua pode ser realizado por preposies locativas, nas imagens, representado por caractersticas que criam um contraste entre a frente e o fundo da imagem. Cabe lembrar, porm, que nem tudo aquilo que pode ser representado linguisticamente pode ser representado visualmente e vice-versa, razo pela qual diferentes escolhas so feitas.

Kress e van Leeuwen (2001) propem, para a anlise de figuras narrativas, os termos ator, meta e transao (transaction), os mesmos termos usados na GSF. Isso possvel porque se trata de termos semntico-funcionais e no termos formais. Isso no significa que as imagens funcionam da mesma maneira que a lngua, mas que estas podem, assim como ela, dizer coisas. Assim temos na imagem a estrutura de algo feito por um ator a uma meta. nesse sentido, portanto, que entendemos que as narrativas representacionais contam algo dos participantes que realizam algum tipo de processo.

As imagens que no apresentam algum tipo de evento so, por sua vez, denominadas representaes conceituais, que apresentam uma relao de taxonomia entre os participantes. As estruturas conceituais podem ser classificacionais ou analticas. As classificacionais apresentam o participante (ou grupo de participantes) em termos de seu tipo ou classificao, subordinados uns aos outros por um tema ou uma categoria comum. J as estruturas analticas apresentam um participante em relao a outro(s) participante(s): o portador (o completo) relacionado aos seus atributos possudos (as partes).

Nesta perspectiva, so os significados representacionais, os interacionais e os composicionais que operam simultaneamente em todo o texto, construindo padres de experincia, interao social e posies ideolgicas a partir das escolhas de uma realidade que est sendo representada.

Na seo a seguir exploraremos tanto os elementos da GSF quanto da GDV na anlise de textos multimodais, o que nos permitir observar as contribuies dessa teoria para o ensino, sobretudo de leitura.

2 Anlises das publicidades

Vamos comear as anlises pelo anncio abaixo, do novo Corola, tomando-o como uma unidade, um texto multimodal, em que tanto elementos verbais quanto visuais concorrem para a sua significao.

Figura 1 New Corolla 2008

Fonte: http://www.nassco-barbados.com

No anncio do veculo Toyota Corola, observamos recursos visuais que se relacionam tanto a um processo material quanto a um processo relacional. Veja-se que os elementos visuais configuram uma narrativa (processo material), na medida em que se representam aes por parte de dois vetores: um constitudo pelas linhas acima do carro que convergem em direo a este e o outro formado pelo prprio veculo que aponta para os enunciados sua direita. Esses enunciados, por sua vez, enumeram as caractersticas do produto, situando-se, assim, como suporte para recursos visuais em uma estrutura conceitual analtica. Veja-se que o produto, o portador (Carrier), relacionado s suas caractersticas (attribute), que so aquelas enumeradas nos enunciados sua direita. Lembramos que a estrutura conceitual analtica, da GDV, corresponde, grosso modo, ao processo relacional da GSF, j que h, por meio de recursos visuais, o estabelecimento de relao entre um portador e suas caractersticas.

Os elementos verbais tambm nos apresentam processos relacionais, tanto explcitos quanto elpticos. Os elpticos esto diretamente relacionados aos elementos visuais, sobretudo pelo direcionamento do carro para as caractersticas listadas nos enunciados sua direita, que indica uma relao de posse daquele em relao a estas. Esses processos, cuja importncia neste anncio capital, podem ser vistos tal como apontamos a seguir:

1) (It has) [processo relacional elptico] 1,5-liter DOHC 16 valve VVT-i 4 cylinder engine.

2) Beauty and quality [valor] both come [processo relacional] standard [caracterstica] in the worlds #1 vehicle from the worlds #1 car manufacturer [circunstncia]

Assim, embora haja qualidades atribudas ao veculo, o processo no relacional atributivo na medida em que no se enumeram qualidades para Beauty and quality. Entretanto esse participante remete ao produto anunciado includo na circunstncia de localidade: in the worlds #1 vehicle from the worlds #1 car manufacturer. Trata-se, portanto, de um processo relacional identificativo envolvendo as qualidades do veculo.

Percebemos no anncio examinado, portanto, um considervel uso de adjetivos e uma nfase na descrio do carro, vale frisar, tanto por meio de elementos verbais como de recursos visuais. Com efeito, no texto examinado deseja-se convencer o interlocutor/receptor a adquirir o veculo atravs das inmeras descries desse produto.

Passemos agora ao segundo texto, o anncio do veculo Passat, que pode ser visto a seguir.

Figura 2 VW Passat CC

Fonte:http://media.bzresults.net

Neste anncio, percebemos, do ponto de vista da utilizao dos recursos visuais, uma estrutura complexa, pois esses recursos apresentam, alm de estrutura analtica, estruturas narrativas. Essas narrativas so perceptveis por vetores como o homem (PR) que segura o celular (meta) e o carro, que aponta para um lugar contrrio ao leitor. Esse carro est em posio indicada para contemplao, ao mesmo tempo que se apresenta em uma estrutura conceitual analtica, j que aparece relacionado com suas caractersticas (ou atributos).

Mais uma vez, temos a relao entre elementos verbais, os enunciados que apresentam caractersticas do produto, e elementos visuais atravs de processos relacionais (verbal e visual). Logo acima do veculo, h uma sequncia verbal em que se veem adjetivos e locues adjetivas seguidas de um grupo nominal que apresentam seus atributos, configurando processos relacionais, como se pode ver em 3:

3) (it is) [processo relacional elptico] Smart. Stylish, luxurious sophistication.

Continuando com os elementos verbais, observamos, neles, outros processos relacionais, elpticos em 4 e 5 e explcito em 6, como se pode ver abaixo:

4) The 2009 CC, (is) [processo relacional elptico] VWs first ever 4-door comfort coupe.

5) (It has) [processo relacional elptico]The perfect amalgam of All-Wheel Drive performance and European styling.

6) Its [processo relacional] everything youve come to expect from VW and everything youve come to expect from VW gallery.

Vale dizer que, se em 4 e 5 o processo est elptico, na relao entre verbal e visual, a imagem do veculo que ocupa o lugar dos processes It is e It has. J em 7, podemos observar ainda que here, a circunstncia de lugar, refere-se ao carro em questo, mostrando mais uma relao estreita entre o verbal e o visual.

7) Here, there is a difference, and it makes a difference.

O anncio analisado, como se pode ver, predominantemente descritivo, uma vez que o veculo apresentado por meio de processos relacionais e pelo uso significativo de adjetivos. Percebemos, ainda, pela recorrncia de processos relacionais identificativos, que o texto analisado no necessariamente descreve o produto enumerando suas caractersticas e seus atributos, mas identifica esse produto, o veculo, no mundo. O carro o primeiro VW de 4 portas confortvel; o perfeito em estilo europeu e motor drive; e, por fim, tudo (everything) o que se poderia esperar da VW.

Alm disso, cumpre ressaltar o uso da elipse, a omisso de um termo passvel de ser depreendido no contexto. No texto analisado, a possibilidade de apreenso do termo faltante liga-se interao entre os meios semiticos verbais e visuais, conforme explicitado anteriormente. Isso nos mostra, mais uma vez, que o texto multimodal deve ser abordado/lido com uma unidade em que os elementos verbais e no verbais se organizam de forma complexa para produzir sentido e que as imagens, quando presentes, no tm uma mera funo ilustrativa ou icnica.

Passemos agora ao terceiro e ltimo anncio, o do veculo Honda Crave, anncio que se v a seguir.

Figura 3 Honda crave

Fonte: Revista Us Weekly 22/06/2009 p.35

No texto acima, do ponto de vista dos elementos visuais, temos uma estrutura complexa. Observe-se que h uma narrativa, uma vez que, assim como no primeiro texto analisado, o carro, como vetor, aponta para um lugar indeterminado. A linguagem verbal e a visual esto diretamente relacionadas, na medida em que o principal participante na linguagem verbal o it que na linguagem visual , sem dvida, o produto em questo. Alm disso, cabe observar que o carro aparece no centro da imagem, numa posio que lhe confere destaque e, portanto, importncia.

Os elementos verbais, por sua vez, so compostos por quatro sentenas que envolvem o carro como participante. A metafuno ideacional nos mostra trs processos relacionais, nos quais percebemos no apenas a qualificao e descrio do produto, mas tambm a identificao deste em meio a outros, devido presena de processos relacionais tanto atributivos quanto identificativos, como se pode ver a seguir:

8) It [portador] s got [processo relacional atributivo] spacious seating [atributo] for five [circunstncia].

Percebemos ainda, com relao metafuno ideacional, um processo material, pelo fato de haver uma veiculao de informaes sobre a eficcia do produto; esse processo, no texto em anlise, d uma ideia de que o carro pode agir no mundo, efetivar uma ao, graas sua eficincia em relao ao consumo de combustvel, como se pode ver a seguir:

9) It [ator] gets [processo material] 20/27 mpg city/highway [meta].

Na anlise dos anncios contemplados aqui, percebemos ao final que predominam, nos elementos verbais, processos relacionais que evidenciam uma nfase na descrio do veculo. As peas publicitrias analisadas buscam enumerar e ressaltar as qualidades do produto, valoriz-lo e consequentemente persuadir o leitor a compr-lo. Ao mesmo tempo, a reduzida presena de processos materiais revela que no h, por parte dessas peas publicitrias, uma preocupao quanto a mostrar os veculos como eficazes, como um participante que age no mundo promovendo alguma ao ou mudana, o que , no mnimo estranho, tendo em vista que, em tese, o veculo deveria atender a uma funo: permitir o deslocamento, servir de meio de transporte.

Consideraes finais

No decorrer do nosso trabalho, analisamos 3 (trs) anncios publicitrios de carros publicados em lngua inglesa e circulantes na sociedade americana. Analisamos os textos sob a perspectiva da GSF e da GDV, tornando possvel perceber o uso tanto de recursos verbais quanto recursos visuais na construo do sentido. Mais do que isso percebemos que h uma clara interao entre os elementos verbais e os no verbais, o que permite inclusive o uso reiterado da elipse.

Segundo Cunha e Cintra (2001, p.622), a elipse usada preferencialmente naqueles tipos de enunciado que se devem caracterizar pela conciso ou pela rapidez. Na publicidade, tendo em vista as anlises que fizemos, esse recurso to til parece ser possvel devido interao entre elementos verbais e visuais. A imagem do veculo direcionado a enunciados descritivos o que, em alguns casos, permite a inferncia dos elementos implcitos, como vimos.

De todo modo, fica claro que o texto multimodal no pode ser tomado apenas como uma produo verbal em que os elementos visuais so apenas decorativos ou, no caso de imagens, ilustrativos, icnicos ou coisa que o valha. O texto multimodal, pelo contrrio, um objeto complexo, marcado por diferentes recursos semiticos portadores de sentido.

Os professores que lidam com textos, portanto, tm de instrumentalizar os alunos em relao aos meios de se abordar a multimodalidade, o que se pode conseguir inicialmente com a prpria sensibilizao para a percepo do texto multimodal como um objeto complexo, como dissemos e buscamos demonstrar. Essa sensibilizao para aquilo que dizem os diferentes meios semiticos empregados no texto, e no apenas os elementos verbais, essencial.

Alm disso, como nossas anlises foram feitas com os recursos tericos da GSF e da GDV, podemos refletir sobre algumas contribuies dessas teorias, como propusemos inicialmente. As anlises mostram que a abordagem do texto multimodal pode partir de elementos mais objetivos, por meio das categorias propostas pelas teorias empregadas. Essas categorias podem ser teis tanto na sensibilizao quanto na instrumentalizao dos alunos para o trato da multimodalidade.

O objetivo no , porm, ensin-los a utilizar a linguagem conceitual, a metalinguagem das gramticas aqui empregadas. Cremos que o importante que o(a) professor(a) se aproprie do contedo dessas gramticas e que utilize esse conhecimento para ir educando os alunos para a abordagem da multimodalidade. Com esse conhecimento, ele pode chamar a ateno dos alunos, nas leituras de textos multimodais, para o fato de que os elementos visuais podem, tal como a linguagem verbal, narrar, descrever ou apresentar sentidos relativos organizao espacial dos elementos no texto, dentre outras possibilidades. Essa prtica continuada que pode fazer com que a abordagem/leitura dos textos multimodais se torne mais sistemtica e produtiva.

Referncias BIBLIOGRFICAS

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HALLIDAY, M.; Matthiessen, C. An Introduction to Functional Grammar. 3ed. London, Melbourne: Edward Arnold, 2004.

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Interletras, volume 3, Edio nmero 16,outub.2012/mar.2013 - p

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