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Relação entre Especialização Agrícola e Desenvolvimento Humano nos Municípios da Amazônia Brasileira Relationship between Agricultural Specialization and Human Development in the Municipalities of the Brazilian Amazon Resumo O objetivo deste artigo foi verificar a especialização agropecuária dos municípios da Amazônia e comparar com o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Para cumprir esse objetivo foi feita a análise fatorial para extração dos escores fatoriais de todos os municípios nas principais atividades agropecuárias da Amazônia e em seguida a classificação dos municípios conforme seu nível e grau de especialização nestas atividades. A partir da análise dos resultados, foi possível verificar que há relação, principalmente nas áreas onde o agronegócio é mais avançado, entre especialização municipal na produção agrícola com desenvolvimento humano, porém, outras atividades como gado e mandioca não possuem correlação com o desenvolvimento. A análise ainda inferiu que as atividades agropecuárias se concentram na área de expansão agropecuária da Amazônia. Palavras-chave: desenvolvimento, agronegócios, Amazônia, análise fatorial; Abstract This article aimed to identify the agricultural specialization of the Amazon’s municipalities and compare with the Municipal Human Development Index (IDHM). To accomplish this goal, a factorial analysis was calculated to extract the factor scores for main agricultural

  · Web viewApós a rotação . ... Através da matriz de componentes rotacionada foi possível identificar a presença de doze fatores, ... World Development, v. 13, n. 6,

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Relação entre Especialização Agrícola e Desenvolvimento Humano nos Municípios da Amazônia Brasileira

Relationship between Agricultural Specialization and Human Development in the

Municipalities of the Brazilian Amazon

Resumo

O objetivo deste artigo foi verificar a especialização agropecuária dos municípios da

Amazônia e comparar com o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Para

cumprir esse objetivo foi feita a análise fatorial para extração dos escores fatoriais de todos

os municípios nas principais atividades agropecuárias da Amazônia e em seguida a

classificação dos municípios conforme seu nível e grau de especialização nestas

atividades. A partir da análise dos resultados, foi possível verificar que há relação,

principalmente nas áreas onde o agronegócio é mais avançado, entre especialização

municipal na produção agrícola com desenvolvimento humano, porém, outras atividades

como gado e mandioca não possuem correlação com o desenvolvimento. A análise ainda

inferiu que as atividades agropecuárias se concentram na área de expansão agropecuária

da Amazônia.

Palavras-chave: desenvolvimento, agronegócios, Amazônia, análise fatorial;

Abstract

This article aimed to identify the agricultural specialization of the Amazon’s municipalities

and compare with the Municipal Human Development Index (IDHM). To accomplish this

goal, a factorial analysis was calculated to extract the factor scores for main agricultural

activities in the Amazon from all municipalities, then was possible to classify the

municipalities according to their level and degree of specialization in these activities. From

the analysis of the results, was possible to identify that there is a relationship – especially in

areas where agribusiness is more advanced – among municipal specialization in

agricultural production with human development, however, other activities such as livestock

and cassava have no correlation with development. The analysis also inferred that

agricultural activities are concentrated in the agricultural expansion area of the Amazon.

Keywords: development, agribusiness, Amazon, factorial analysis.

JEL: C38, Q10, O13

I. INTRODUÇÃO

A importância do setor agrícola é notória tanto no fornecimento de alimentos quanto

como insumos industriais. A definição das produções tem a ver com as capacidades de

cada território, fatores como o clima, o solo e a área para expansão, bem como a

existência de infraestrutura logística, influenciam na trajetória produtiva de uma região.

Somado a isso, fatores como as vantagens comparativas e os ganhos de eficiência tendem

a induzir uma região a se especializar numa atividade. Historicamente, o Brasil tem grande

peso nas atividades agrícolas, e desde os 1970, a Amazônia brasileira tem tido fortes

incentivos para participar do comercio de commodities, e algumas áreas amazônicas tem

se especializado em atividades rurais (CLEARY, 1993; JEPSON, 2006).

A Amazônia Legal brasileira é uma extensa área que cobre mais de 5 milhões de

hectares ao longo de nove estados (Acre, Amazonas, Amapá, Roraima, Pará, Rondônia,

Mato Grosso e parte do Maranhão). A importância desta região se reflete tanto na

diversidade da fauna e flora nas áreas preservadas (SOARES-FILHO et al., 2010), como

também na sua importância econômica, onde se destaca a atividade agropecuária, a

mineração e as grandes obras de infraestrutura para geração de energia (FEARNSIDE,

2006).

Tomando a produção agropecuária, destaca-se alguns estados em posição

estratégica em nível nacional devido a elevada produção existente. Mato Grosso é o maior

produtor nacional de soja, principal produto agropecuário nas exportações brasileiras, com

cerca de 28 milhões de toneladas na safra 2014/2015 (29,1% da produção total nacional)

(CONAB, 2016). Mato Grosso e Pará ainda detém juntos um grande rebanho bovino

(IBGE, 2016).

Tais commodities, aliadas a outras atividades desempenhadas na Amazônia (como

a produção de dendê e a extração vegetal, madeireira e não madeireira) refletem a

capacidade de exploração econômica da região, mas ao mesmo tempo em que elas se

expandem, levanta-se outras questões além da viabilidade econômica, como a questão

ambiental (FEARNSIDE, 2001; MARGULIS, 2003). A capacidade limitada de resiliência da

floresta Amazônica (HIROTA et al., 2011) traz à tona a responsabilidade do Brasil em

relação ao manejo adequado das áreas preservadas, criando uma contradição entre o

desenvolvimento impulsionado pelo agronegócio e a necessidade de preservação para o

desenvolvimento sustentável.

Este conflito entre desenvolvimento econômico, humano e ambiental na Amazônia

leva a diversas possibilidades de ocupação do território. Com a expansão das atividades

espera-se também o progresso social e econômico, mas questiona-se como está

atualmente distribuída a produção agrícola na Amazônia? Esta produção está relacionada

com o grau de desenvolvimento dos municípios?

O objetivo deste artigo foi identificar a especialização produtiva dos municípios da

Amazônia Brasileira no século XXI, analisando padrões de crescimento e mudança de

trajetórias produtivas e o desenvolvimento municipal, descrito pelo Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). A hipótese levantada é de que as atividades

agropecuárias das principais commodities apresentem uma especialização espacial no

território amazônico, favorecendo o desenvolvimento dos municípios.

2. ESPECIALIZAÇÃO E TRAJETÓRIA AGRÍCOLA DA AMAZÔNIA

A especialização produtiva remete a dedicação de uma região a uma atividade

econômica. Uma localidade tende a ser especializada em função de diversos fatores como

disponibilidade de recursos produtivos, tais como recursos naturais (terra e madeira),

trabalhadores bem formados e com experiência, ou disponibilidade logística como a

existência de portos e estradas. Os estudos sobre especialização econômica é um assunto

presente na origem dos estudos econômicos, exemplo disso é que Smith e Ricardo já

abordavam a temática junto às vantagens comparativas e divisão do trabalho.

Naturalmente há resultados contraditórios na especialização de uma região. Entre

as vantagens é que a unidade econômica pode dedicar-se a uma única atividade e elevar o

nível de atividade produtiva, tanto em quantidade quanto em qualidade, o que permite

produção em escala e redução de custos, isto é, obter ganhos de eficiência (CHAVAS,

2008; DIMITRI; EFFLAND; CONKLIN, 2005; KAULICH, 2012) Por outro lado, existem

desvantagens como ficar preso numa única atividade, pois, o território especializado

exposto às intempéries dos ciclos econômicos que afetem a atividade (CHAVAS, 2008;

KAULICH, 2012; LAGAKOS; WAUGH, 2013).

No início do século XXI a Amazônia Legal está estabelecida como uma grande

produtora de commodities agrícolas. Esta posição foi construída com a política de

integração da região ao território nacional que foi organizada pelo governo federal na

segunda metade do século passado que visava expandir o potencial produtivo, aumentar a

presença do Estado e reduzir alguns dos problemas socioeconômicos vivenciados em

outras regiões do país.

A trajetória socioeconômica existente na região amazônica foi organizada por volta

dos anos 1960, o contexto político e econômico que vivenciado no país era de uma

crescente sociedade urbana e industrial, naturalmente esse contingente de pessoas

haveria de ser alimentado e com áreas existentes ao norte dos centros mais dinâmicos o

movimento de expansão agrícola para essa região foi uma questão de estabelecimento de

estratégia.

Antes desse processo, a economia amazônica esteve bastante ligada ao

extrativismo e a propriedade comum, na primeira metade do século passado menos de 2%

das terras estava ocupada com lavouras e só metade delas possuía título de propriedade

(LOUREIRO E PINTO, 2005). Para mudar a trajetória da Amazônia o governo central teria

de implantar uma série de ações com o objetivo de interferir na estrutura econômica frugal

resistente por mais de quatro séculos.

A estratégia de desenvolvimento colocada em prática decorreria de três

justificativas principais: política, social e econômica. O âmbito político se fundamentou na

segurança nacional, cujas ações foram pensadas para fortalecer a presença de um

contingente brasileiro numa área com pouca densidade demográfica (MELLO, 2006).

Interligada às questões da proteção das fronteiras nacionais, está à tentativa de solucionar

os conflitos fundiários em outras regiões do país com a transferência de excedentes

populacionais para a Amazônia (MELLO, 2006). A questão econômica motiva as decisões

anteriores, uma vez que justifica a entrada de capital e a migração de pessoas para o norte

do Brasil.

Naturalmente, a quantidade de riquezas naturais como madeira e terras em

abundância seriam fundamentais no processo de integração da Amazônia à economia

nacional e mundial. Na perspectiva de incorporar esses potenciais elementos produtivos da

região ao sistema econômico brasileiro e internacional, o governo nacional criou condições

para que uma onda migratória de pessoas e capital se instalasse na região, sendo erigidos

condicionantes como o acesso à terra e a disponibilidade de recursos financeiros

consorciados a uma logística de escoamento produtivo, além da mão de obra que seria

deslocada para a nova fronteira econômica.

Projetos madeireiros, agropecuários, agroindustriais e energético-minerais seriam

aliados à criação de redes físicas viárias, energéticas e de comunicação num esforço para

integrar o território amazônico à economia nacional (FEARNSIDE, 2005; MELLO, 2006;

NEPSTAD et al., 2002). Entre os anos de 1960 e 1970, conglomerados econômicos

nacionais e estrangeiros adentraram na região em razão do oferecimento de inúmeras

vantagens fiscais e creditícias e do baixo preço da terra. Foram estabelecidos mecanismos

financeiros de desenvolvimento atuariam na Amazônia por meio de facilidades de obtenção

de crédito e incentivos fiscais.

As políticas de desenvolvimento atraíram especialmente atividades que requerem

grandes quantidades de terra, destinam-se à exploração de produtos primários ou

semielaborados, como a extração madeireira e as atividades agropecuárias. Esse

movimento teve em conta as pressões demográficas provenientes de outras regiões do

país somadas aos incentivos agropecuários fundamentados em baixos preços das terras,

suaves taxas de juros, investimentos e subsídios governamentais para a agricultura

(FEARNSIDE, 2005; KIRBY et al., 2006).

Este intenso processo de ocupação econômica promovida na Amazônia permitiu o

desenvolvimento das principais cadeias produtivas do agronegócio brasileiro na região. Em

2010 a Amazônia detinha 36,95% do rebanho bovino nacional, e 31,0% da área plantada

de soja no Brasil, sendo o Mato Grosso o estado líder (tanto na Amazônia como no Brasil)

em ambas as atividades. Os dados destas duas principais cadeias produtivas estão na

Tabela 1.

Tabela 1: Evolução da produção de soja e criação de gado no Brasil, Amazônia Legal,

Mato Grosso, Pará e Rondônia – 2000 e 2010.

Região

Soja (ha plantados)

Gado (cabeças)

2000 2010 2000 2010

Brasil 13.693.6

77

23.339.0

94

169.875.5

24

209.541.1

09

Amazônia Legal

3.157.95

7

7.235.94

6

47.224.17

0

77.434.35

2

Mato Grosso

2.906.64

8

6.227.04

4

18.924.53

2

28.757.43

8

Pará2.225 85.450

10.271.40

9

17.633.33

9

Rondônia

11.800 122.743 5.664.32011.842.07

3

Fonte: IBGE (2016).

O desafio desse trabalho é verificar se há municípios amazônicos especialistas em

atividades agropecuárias e relacionar tal resultado com a melhoria da qualidade de vida,

aqui explicitada pelo IDHM, a seção seguir demonstra o delineamento para testar a

hipótese de que há relação entre especialização e desenvolvimento.

3. METODOLOGIA

Para este trabalho, foram considerados todos os 771 municípios pertencentes a

Amazônia Legal brasileira, dos sete estados da região Norte, do Mato Grosso e parte do

Maranhão. Os dados utilizados para a determinação da especialização agropecuária e

extrativistas foram obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,

2015). Foi selecionado um total de 13 variáveis, sendo elas: área total de soja (Sj¿); área

total de arroz (Ar¿); área total cana (Ca¿); área total milho (Mi¿); área total de abacaxi (Ab¿);

área total de café (Cf ¿); área total de dendê (Dd¿); área total de cacau (Cc¿); área total das

culturas permanentes – (excluindo café, dendê e cacau) – (Cp¿); área total de mandioca (

Md¿); extração de madeireira – soma de produção de lenha e de madeira em tora – (Em¿);

extração não madeireira – soma da produção de açaí e de castanha-do-pará – (Enm¿) e;

total de cabeças de bovinos (Bov¿). Foi selecionado os valores para as variáveis no ano de

2010. Em seguida os dados foram transformados em participação do município no total da

Amazônia. Os dados do índice de desenvolvimento humano dos municípios (IDHM) foram

obtidos pelo levantamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD, 2016).

Em seguida, foi realizada análise fatorial para todos os municípios e variáveis para

cada ano. A análise foi confirmatória, selecionando que o número de fatores fosse igual ao

número de variáveis selecionadas. Após a rotação varimax, foi considerado as cargas

fatoriais para classificar cada variável em cada fator extraído, podendo neste momento

haver fatores que contenha mais de uma variável.

Os escores fatoriais para cada variável foram selecionados para determinar a

especialização de cada município. Para escores com relação negativa com o fator, foi

determinado que o município não possui nenhum grau de especialização. Para os demais,

foi obtido o percentual de especialização do município para o cada fator, sendo este uma

relação entre o escore do município a o valor do maio escore (Equação 1).

ESPif=Escore fatorial itf

Maior Escore fatorial tf(1)

ESPif = Especialização do município i no fator f.

Em seguida, foi realizado três classificações técnicas da especialização produtiva. A

especialização total do município (ESPT i) é a soma da especialização do município para

todos os fatores obtidos (Tabela 2). Como segunda classificação, se buscou verificar em

quantas atividades cada município é especialista – nível de especialização – (NESPi), com

a condição do ESPT i ser classificado como especializado ou muito especializado (Tabela

3).

Tabela 2: Classificação da Especialização Total (ESPT i ¿dos municípios da Amazônia.

Especialização total do município

ESPT i Classificação

0,0 ─┤0,3 Pouco especializado

0,3 ─┤1,0 Especializado

> 1,0 Muito especializado

Fonte: Elaborado pelos autores.

Tabela 3: Classificação do Nível de Especialização (NESPi ¿ dos municípios da Amazônia.

NESPi Condição

Simples

1 atividade contribui com mais de 70%

para a classificação da ESPT i,do

município e nenhuma das demais chegue

a 20%.

Duplo

2 atividades contribuem com mais de 70%

para a classificação da ESPT i,do

município – sendo que nenhuma destas

contribua com menos que 20%.

Múltiplo

3 ou mais atividades contribuem com mais

de 70% para a classificação da ESPT i,do

município – sendo que nenhuma destas

contribua com menos que 20%.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Por fim, a terceira especialização se refere aqueles municípios com maior

participação das principais cadeias produtivas do agronegócio na Amazônia (soja e milho,

gado, café, cana e dendê), o milho ficou agregado ao fator da soja. Este último grupo não

apresenta todos os municípios produtores das commodities mencionadas, apenas aqueles

que, quando comparados aos demais municípios da Amazônia, apresentam grande

especialização na produção destes produtos agrícolas.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Através da matriz de componentes rotacionada foi possível identificar a presença de

doze fatores, apenas as variáveis que representaram a produção soja e milho

permaneceram em um único fator. Todas as demais variáveis mantiveram-se separadas

em um fator próprio.

Como abordado, a intenção do estudo foi analisar qual a especialização produtiva

agropecuária dos municípios na Amazônia brasileira. Assim, a comunalidade, que seria

ponto essencial para seleção das variáveis, foi desconsiderada neste estudo pois o objetivo

não é preservar as variáveis para classificar os municípios através dos escores fatoriais

para cada produto agropecuário.

Com um total de 12 fatores, sendo apenas um composto por duas variáveis (soja e

milho), procedeu-se a verificação do grau de especialização dos municípios da Amazônia

na produção agropecuária (ESPif ). A especialização total (ESPT i) do município é a soma

de todos os escores fatoriais obtidos. Os resultados desta primeira classificação

encontram-se na Tabela 4.

Tabela 4: Grau de especialização dos municípios da Amazônia, 2010 – (ESPT i).

EstadoPouco

especializado

Especializado

Muito especializa

do

Acre 19 3 0

Amazon

as56 6 0

Amapá 16 0 0

Maranhã

o169 12 0

Mato

Grosso102 36 3

Pará 91 42 10

Rondôni

a34 17 1

Roraima 15 0 0

Tocantin

s137 1 1

TOTAL 639 117 15

Fonte: Resultados da pesquisa.

Os resultados obtidos com a especialização total demonstraram que a maior parte

dos municípios da Amazônia Legal brasileira, quando comparados entre si, possuem pouca

especialização na produção agropecuária em geral. Cerca de 82,87% (639 municípios)

obtiveram uma baixa especialização produtiva.

Esta realidade tende a ocorrer por diversos fatores. Grande parte dos municípios da

Amazônia detém uma produção rural menos desenvolvida quando comparados aos

principais produtores, especialmente àqueles produtores de commodities para exportação.

Ainda se soma o fato que a medida em que se adentra na Amazônia, reduz-se também a

área total explorada economicamente e a produtividade dos fatores. Tais razões

combinadas evidenciam que a grande parcela do agronegócio altamente desenvolvido na

Amazônia se concentra em um grupo reduzido de município.

Os municípios classificados como especializados ou muito especializados

representam os 17,13% restante (132 municípios). A Amazônia detém um expressivo

número de cabeças de gado e produção da principal commodity agrícola de exportação

nacional, a soja, concentrada principalmente na região do Cerrado mato-grossense,

Tocantins e Rondônia. Ainda se destaca por outras culturas locais, como o açaí e a

castanha-do-pará ou de grande consumo regional como a mandioca.

A concentração das principais atividades ligadas ao agronegócio brasileiro está

também nos estados que tiveram maior número de municípios especializados ou muito

especializados na atividade agrícola, como foi o caso de Mato Grosso (39 municípios),

Pará (52 municípios) e Rondônia (18 municípios). Tal situação demonstra que a maior

parte da produção agropecuária na Amazônia ainda se concentra nestes estados, embora

esteja se desenvolvendo em larga escala nos estados de Tocantins e Maranhão,

principalmente com a expansão da sojicultora em áreas de cerrados.

O próximo passo de análise consiste em verificar o nível de especialização dos

municípios da Amazônia classificados como especializados ou muito especializado. Foram

estabelecidas três condições: municípios simples são especializados em uma única

atividade agropecuária quando comparados aos demais. O município duplo apresenta duas

especializações agropecuárias. Por fim, municípios com múltiplas especializações

apresentam alta produção em três atividades ou mais. Os resultados obtidos estão

presentes na Tabela 5.

Tabela 5: Nível de especialização dos municípios da Amazônia que apresentaram maior

grau de especialização, 2010.

Estado Simples Duplo Múltiplo

Acre 0 2 1

Amazonas 1 4 1

Amapá 0 0 0

Maranhão 5 7 0

Mato

Grosso17 18 3

Pará 19 26 5

Rondônia 11 4 2

Roraima 0 0 0

Tocantins 2 0 0

TOTAL 55 61 12

Fonte: Resultados da pesquisa.

O total de municípios considerados para o nível de especialização foram os 132

selecionados a partir dos resultados da Tabela 4. Inicialmente cabe observar que 128

municípios apresentaram os requisitos descritos na Tabela 3, a fim de evitar que

municípios com pequenas atividades agropecuárias contribuíssem para classifica-lo com

um nível de especialização acima do que ele realmente apresenta.

Os resultados indicam que 55 municípios são especializados na produção de uma

única atividade agrícola (com exceção da soja o qual contém no mesmo fator a variável

milho). Com dupla especialização ficou a maior concentração de municípios (61). Estas

duas situações demonstram que o desempenho das atividades agropecuárias na

Amazônia leva a especialização por parte dos municípios em poucas atividades. Embora a

maior parte dos municípios ainda possuem uma atividade agropecuária em menor nível

produtivo quando comparados com os maiores produtores (como observado anteriormente

pela baixa especialização).

Os resultados demonstraram que é altamente complexo para um município ser

especialista em múltiplas atividades simultaneamente. Apenas 12 deles foram

apresentaram grande volume de produção em três ou mais atividades. Destaca-se que

apenas um destes obteve como uma das atividades o cultivo de soja e milho.

Em complexos agroindustriais muito desenvolvidos como o da soja, os municípios

apresentam uma grande especialidade nesta produção. As cadeias produtivas localmente

instaladas favorecem o fortalecimento destes setores, tornando uma vantagem competitiva

aos produtores rurais se integrarem nestes mercados altamente desenvolvidos.

O desenvolvimento do agronegócio leva ao alto desempenho e produtividade de

algumas atividades na Amazônia, mas ainda de forma concentrada em um grupo de

municípios. A Tabela 6 demonstra quantos municípios são especializados em cada

atividade analisada neste trabalho.

Tabela 6: Municípios especializados por atividade agropecuária.

Atividade Total de MunicípiosEspecialistas

Mandioca 28

Gado 26

Arroz 24

Atividade Madeireira 20

Café 16

Milho e Soja 15

Demais culturas permanentes 13

Açaí e Castanha-do-Pará 9

Cana-de-açúcar 9

Cacau 7

Dendê 4

Abacaxi 3

A pecuária é uma das principais atividades na Amazônia brasileira. O Mato Grosso

se consolida com o maior rebanho bovino do Brasil, enquanto que o Pará tem o quinto

maior rebanho e também o município com maior número de cabeças de gado (São Félix do

Xingu). Esta situação demonstra a predominância de municípios especialistas na criação

de bovinos.

Para a mandioca a situação é a predominância desta atividade nos estados região

Norte brasileira. Esta possui diversas utilizações na culinária, portanto é muito cultivada na

região e em diversos municípios para o abastecimento da demanda. As commodities

agrícolas, como o café, cana-de-açúcar, milho e a soja detém um menor número de

municípios altamente especializados. Tal situação está relacionada ao fato que nas

principais áreas produtoras na Amazônia alguns poucos municípios detém a maior parcela

da produção. No caso da soja em Mato Grosso, os 10 municípios com maior área plantada

em 2010 detinham mais de 35% da área total.

A predominância de algumas atividades em determinados municípios revela o fato

da divisão produtiva agrícola na Amazônia. Considerando apenas as principais atividades

ligadas ao agronegócio, foi possível identificar a quantidade de municípios especializados

em cada uma destas (Tabela 7).

Tabela 7: Especialização dos municípios* nos principais commodities agrícolas produzidas

na Amazônia, 2010.

EstadoSoja e Milho

Gado Café Cana DendêTotal

Estado

Maranhão 0 0 0 1 0 1

Mato Grosso 12 8 1 8 0 29

Pará 0 9 0 1 5 15

Rondônia 0 1 18 0 0 19

Total 12 18 19 10 5 64

Fonte: Resultados da pesquisa.

* Os estados do Acre, Amazonas, Amapá, Roraima e Tocantins não obtiveram municípios

especializados nas commodities selecionadas.

Mato Grosso é o estado que mais detém municípios especializados nas principais

cadeias produtivas do agronegócio na Amazônia. Destaca-se ainda que, apesar da

produção de soja e milho estar presente em maior número de municípios, possui

especialização em todas as demais ligadas ao agronegócio (com exceção do dendê).

Importante destacar que a soja somente se mostra altamente especializada em municípios

da região de cerrado, reforçando que esta cultura encontra barreiras de dificultam sua

expansão na Amazônia (CAMPOS, 2012). A criação de gado também é elevada, embora

alguns municípios se destacam nesta atividade – como Juara, Cáceres, e Alta Floresta –.

O cultivo de cana-de-açúcar também é destaque, reforçada pela cadeia produtiva de etanol

e açúcar no estado em Barra do Bugres, Campo Novo do Parecis e Nova Olímpia.

Rondônia é um estado no qual a fronteira agrícola vem se expandindo no século

XXI. A soja começa a se desenvolver no estado, enquanto que a produção de café ainda

permanece no estado. Por esta razão houve destaque para os municípios da região,

embora alguns destes detenham uma produção mais elevada (Cacoal e São Miguel do

Guaporé).

O Pará, como já salientado anteriormente, possui um expressivo destaque para a

criação de gado, contemplando alguns dos municípios com maior rebanho no país. Mas

cabe destacar ainda a produção do dendê, principalmente utilizado na indústria de

biodiesel. Esta atividade vem se expandindo no estado, presente principalmente na

mesorregião Nordeste Paraense – municípios de Tailândia, Acará, Moju, entre outros –.

Os demais estados não apresentaram municípios altamente especializados na

produção destas commodities agrícolas. Importante destacar que, embora Tocantins venha

elevando anualmente sua produção de soja, a produção municipal ainda é bem inferior aos

estados do Mato Grosso para serem considerados especialistas no mesmo nível.

Nos estados da Amazônia, como Amazonas, Acre, Roraima e Amapá, as atividades

agropecuárias são mais limitadas, predominando outras que não ligadas ao agronegócio

que se desenvolve nos principais estados produtores (Mato Grosso e Pará). Outros fatores

contribuem para a reduzida exploração agrícola, como a pressão ambiental para a

conservação da Amazônia, que ainda se mantém preservada em larga escala territorial. As

dificuldades logísticas e integração com o mercado nacional e internacional também são

barreiras para a expansão de certas atividades agrícolas, predominando outras como a

extração vegetal, a mandioca e a produção de outros frutos, inclusive a atividade

madeireira.

O questionamento que se levanta é se a produção agrícola pode favorecer o

desenvolvimento humano na região Amazônica. Com esta finalidade foi realizado uma

correlação entre os municípios de Mato Grosso e do Pará. No estado de Mato Grosso foi

obtido uma correlação positiva e (0,265; p < 0,01) entre a especialização produtiva

(municípios especializados e muito especializados, Tabela 4). Já no estado do Pará o

coeficiente obtido não foi significante.

Observa-se que dentre os 20 municípios com maior IDHM em 2010 no estado de

Mato Grosso, 12 deles são especializados na produção de soja e apenas 4 possuem

destaque na criação de gado. A dinâmica econômica da soja é fator que contribui para o

desenvolvimento pois a cadeia produtiva que acompanha esta commoditie favorece a

circulação e fluxo da renda. Os municípios que produzem grandes áreas de soja acabam

também por concentrar as indústrias e outros setores de apoio a esta atividade – antes e

depois da porteira (logística, crédito, beneficiamento, insumos) –, situação que contribui

ainda mais para o desenvolvimento além apenas da produção agrícola. Outros municípios

do estado de Mato Grosso que não possuem alta especialização agropecuária mas

possuem IDHM elevado estão relacionados a uma economia diferente da produção

agropecuária, como o caso de Cuiabá (capital do estado) e Várzea Grande, na região

metropolitana de Cuiabá.

A atividade pecuária por sua vez é uma atividade com menor dinâmica econômica

quando comparada com a agricultura, seja pelo investimento ou pela forma de exploração

da atividade, muitas vezes realizadas sem grandes investimentos (HECHT, 1985), uma das

razões pela qual o Pará não apresentou um coeficiente de correlação significativo entre

desenvolvimento e produção agropecuária. O impacto da atividade pecuária sobre o

desmatamento ainda é objeto de pesquisas no meio acadêmico, não estando claro ainda

seu impacto e sua relação com outras atividades (MENDONÇA; LOUREIRO; SACHSIDA,

2012).

Outras razões são as outras atividades que podem contribuir para o

desenvolvimento regional e não estão ligadas com a agropecuária, como a atividade

mineral e grandes projetos de infraestrutura (principalmente no campo energético).

5. CONCLUSÃO

O objetivo deste artigo foi identificar a especialização produtiva dos municípios da

Amazônia Brasileira. Foi estabelecida a hipótese de que os municípios que mais se

desenvolvem são aqueles que estão ligados as principais cadeias produtivas do

agronegócio. Os resultados obtidos permitiram confirmar que os municípios com maior

especialização produtiva estão localizados na fronteira de expansão agropecuária na

Amazônia, nos municípios do Mato Grosso, Pará, Rondônia e Maranhão, enquanto que

nos demais estados a produção ainda é pouco desenvolvida quando comparadas com o

desempenho das regiões especializadas. Tal situação evidencia que, embora a Amazônia

tenha um grande potencial produtivo, a produção do agronegócio concentra-se em alguns

poucos municípios.

Também foi possível verificar que o desenvolvimento das cadeias produtivas do

agronegócio atua favorecendo ainda mais a especialização produtiva. A maior parte dos

municípios possuem entre uma e duas atividades predominantes em seu território. Em

Rondônia se destaca a produção de café, o rebanho bovino no Pará e em Mato Grosso, e

ainda a soja e o milho como principal commoditie agrícola neste último. Esta situação leva

a uma segunda conclusão, na qual os municípios que concentram as atividades agrícolas

na Amazônia se especialização em apenas algumas poucas atividades agrícolas, e cada

qual possui uma tendência a não desenvolver em grande escala mais que duas destas

atividades.

O desenvolvimento medido pelo IDHM dos municípios demonstrou uma correlação

positiva (0,265), embora não muito elevada entre especialização produtiva agropecuária e

desenvolvimento no estado de Mato Grosso. Tal informação foi relevante com maior

intensidade na mesorregião Norte do estado, onde predomina o agronegócio mais

desenvolvido no complexo soja, que é o principal locomotor do desenvolvimento a partir da

produção agrícola.

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