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IN MONTIB US SANCTI S F. Maucourant R MSAIO re a À STIDADE EDIÇÕES PAULISTAS P. F. MAUCOURÂNT ENSAIO SOBRE A CASTIDADE

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INMONTIBUS SANCTIS

F. Maucourant

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ÀSTIDADE

E D I Ç Õ E S P A U L I S T A SP. F. MAUCOURÂNT

ENSAIO SOBRE A CASTIDADE

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EDIÇÕES PAULISTAS

Nihil obslal

Olisipone. die 25 Me|i 1959P. Antonius Pelrus

da Anunciação, O. F. M.

Censor depulalus

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PREFACIOda sexta edição francesa

Oferecemos às almas r

eligiosas a sexta edição do Ensaio sobre a Castidade, com o qual completámos a série dos nossos opúsculos sobre os votos de religião.

O nosso método é suficientemente conhecido e, graças a Deus, bastante apreciado para que nos demoremos mais a apresentar este novo

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tra-balho.Torna-se, no entanto, necessário fazer algu

mas observações:

1.° Empenhámo-nos, com um cuidado escru-puloso, em banir toda a ideia, toda a imagem, toda a expressão que fosse, em semelhante as-sunto, de natureza a perturbar, mesmo super-ficialmente, as almas mais facilmente impressio-náveis; julgamos ter escrito

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castamente sobre a castidade.2.° Este livro foi compos

to, muito especial-mente, para as almas religiosas. Parece-nos to

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davia que ele pode ser lido e meditado, com proveito, por toda a alma desejosa de viver em toda a delicadeza, seja qual for a vocação que a Providência lhe tenha feito sentir.

3.° Será particularmente útil para esclarecer e confirmar as vocações nascentes.

Recomendamos novamente a nossa pessoa e os nossos trabalhos às piedosas orações das almas eleitas, que Nosso Senhor nos permite evangelizar.

Varzi, 15 de Agosto de 1921 F. M.

CONSELHOS PRELIMINARES

1.° No dia em que se tiver de começar este ensaio, recite-se o Veni, Creator Spiritus e confie-se o seu resultado ao Sagrado Coração. Colocai-vos sob a protecção de Maria Imaculada, de S. José, dos Santos Anjos e implorai o socorro das Virgens, de todos os santos e santas que têm amado Jesus com mais pureza e se desprenderam o mais generosamente possível das criaturas.

2 ° Pedir todos os dias, nas orações, na sagrada comunhão, na acção de graças, na visita ao Santíssimo Sacramento, no terço, a inteligência, o amor e a prática da perfeita castidade.

3.° Vigiar, com uma atenção calma, sobre o espírito, o coração e todo o próprio exterior, para ver se realmente não há pensamentos e afeição senão a Deus e aos seus interesses.

4.° Vigiar mais especialmente a imaginação, os olhares, a atitude, as palavras.

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5.° Fazer o exame particular sobre a perfeita castidade, segundo a indicação das meditações.

6.° Repetir frequentemente, sob a forma de orações jaculatórias: «Bem-aventurados os corações puros, porque eles verão a Deus». «Tudo por Jesus, Jesus por ele só».

7." Fazer, se possível, a leitura espiritual segundo as indicações seguintes:

Novo Testamento. — S. Mateus, cap. XXV. —• S. Paulo, l.a Epístola aos Coríntios, cap.VII,vers. 25 a 40. — Apocalipse, cap. XIV.

Imitação de Cristo. — Livro I, cap. VI,VIII, X, XI, XIII, XX, XXIV, XXV; liv. II,cap. IV, VII, VIII; liv. III, cap. V, VI,XII, XVI, XX, XXI, XXVI, XXXI, VLII,LIII, LV.

S. Francisco de Sales. — Introdução à vida devota, III.1 parte, cap. XII, XIII, XVII, XIX, XXIV; IV parte, cap. III a X, XII. — Passatempos Espirituais, entr. IV da Cordia-lidade, da Modéstia.

Santo Afonso de Ligório. — A verdadeira Esposa de Jesus Cristo, cap. VIII, X, XVI, XXIV, art. 6 e 8.

Rodriguez. — Prática da perfeição cristã, II parte, 1.° tratado, da Mortificação; II tratado, da Modéstia; III tratado, das Tentações;VI tratado, da Tristeza e da Alegria; III parte, IV tratado, da Castidade.

Saint Jure. — O homem religioso, liv. I, cap. VI, do Voto de castidade.

Mons. Gay. — Vida e virtudes cristãs. — Tratados VII, da Mortificação; VIII, da Ten-tação; X, da Castidade.

R. P. Bouchage. — Prática das virtudes, liv. VI, a Casndade.

Autor das Palhetas de ouro. — O Livro das professas, III vol., cap. II; cap. III, art. I, 4; art. 4.

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L — NATUREZA DA CASTIDADE

INATUREZA DA CASTIDADE

Jesus, mestre e doutor das almas, disse um dia: «Bem-aventurados os corações puros (1)». Toda a palavra de Deus é eficaz: ela cria o que diz (2); nós mesmos somos uma palavra de Deus» (3). No dia em que o mundo ouviu esta celestial palavra, pareceu despertar para ideias novas, adquirir gostos superiores; compreendeu a castidade, a virgindade, as delicadezas do chamamento divino. Nós desejaríamos aprofundar e saborear este particular desabafo do Salvador, para o deixarmos realizar plenamente o seu pensamento e para lhe darmos a alegria de cumprir em nós a sua promessa. Comecemos: 1.° Natureza da castidade; 2.° Graus da castidade.

(1) S. Mateus, V, 8.(2) Salmo XXXII, 9.(3) Santo António.

Um célebre místico dá da castidade esta bela definição : «O movimento pelo qual a criatura escapa à criatura, para se fixar em Deus. As coisas criadas existem só para nosso serviço. Só Deus é o lugar do nosso repouso, o centro das nossas alegrias. A castidade mantém o corpo e a alma na sobriedade ; de um pulo, ela ultrapassa tudo o que pode impressionar a inteligência, a vontade ou a experiência; ela paira acima dos dons divinos e vem repousar somente em Deus (4)».

«Deus é espírito» (5), e criou o homem à sua imagem e semelhança» (6). Banhada na luz do Verbo, rica dos dons do Espírito Santo, a alma de Adão estava amorosamente entregue a Deus. Tudo nela era recto, ordenado, pacífico. Livre e senhora de si própria, ela punha a sua glória e encontrava a sua felicidade em permanecer dependente da divindade. Quanto ao seu corpo, dócil instrumento de uma vontade sempre razoável, estava submetido à alma, como a alma a Deus. Por isso o homem todo inteiro era um hino vivo ao Criador.

(4) Ruysbroeck. (5) S. João, IV, 24.(6) Gen., I, 27.

Aqui se dá, na terra, a primeira tentação : uma luta, uma fraqueza, uma falta. Seduzido e vencido por Satã, o homem violou ciente-mente a sua lei, abandonou Deus, traiu o seu ministério. É ferido, cai. Os seus olhos são obscurecidos, a sua vontade enervada, o seu

amor perdido, a sua liberdade comprometida. Escorrega pelos pendores obscuros da sua própria razão e, de servo que era, o corpo torna-se seu tirano; o concidadão dos anjos é relegado para o estado dos irracionais (7). De modo que este filho do Espírito que «devia ser espiritual mesmo na sua carne, tornou-se carnal até no seu espírito» (8).

Pela nossa regeneração em Cristo, o espí-rito retoma o seu lugar em nós: mas ele não recupera a rectidão e a paz originais. De fu-turo é a guerra no estado permanente : a carne revolta-se contra o espírito, e o espírito contra a carne» (9). Este ser que nós chamamos «o homem velho» (10) é instintivamente orientado do lado da terra, faminto dos seus bens, ávido dos seus prazeres; ele encontra no mundo um foco de lisonjas e de sedução; finalmente, mes-

(7) Salmo XLVIII, 13. (8) S.to Agostinho.(9) Gálat., V, 17. (10) Efés., IV, 22.

mo expulso, Satã deixa ainda nele os seus vestígios e mantém com ele secretas afinidades.

O papel da castidade é restabelecer a or-dem primeira, «amar suficientemente Deus para triunfar do mundo, da carne e de Satã (11)»; levantar o corpo da sua queda, curar-lhe as feridas, restituí-lo aos seus primitivos destinos. Ela tem um lugar aparte nessa grande virtude cardeal que se chama a temperança. Virtude moral, ela submete o corpo à alma, redu-lo a esperar as suas ordens ou pelo menos a subme-ter-se-lhe, quando ele as previu. Virtude cristã, ela pede reservas mais delicadas, faz obras não apenas sábias mas santas; torna-se «como a mão de Deus que governa o homem e que leva a pureza aos membros do corpo e até aos pensamentos do espírito e aos desejos do coração (12)».

II. —GRAUS DA CASTIDADE

A castidade, como tudo o que está confiado à actividade humana, tem, na prática, diferentes graus. O primeiro é objecto de dois man-

(11) S. Boaventura.(12) Mons. Gay.

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damentos do Decálogo, e é o grau necessário. Todo o ser racional deve submeter à razão os apetites inferiores, e o Apóstolo adverte cada um dos cristãos de que ele é «o templo de Deus; que os nossos corpos são os membros de Cristo; que não ser casto é pecar contra o seu corpo; que Deus perderá aquele que profana esse templo» (13). Essas profanações, diz S. João, são banidas do céu, pela mesma razão que os cães e os homicidas» (14). No inferno, quantas vítimas há, dessa humilhante chaga produzida pelo pecado original! quantos feridos na luta; como são verdadeiramente «felizes aqueles cujo caminho permanece imaculado!» (15).

A castidade, no grau necessário, exige que se ame bastante a Deus e que se respeite suficientemente o seu domínio para se renunciar a todo o pensamento, desejo ou acção gravemente proibida pelos dois preceitos que protegem os direitos da alma contra os assaltos da carne. Antes a morte do que esse crime e essa desonra! Além disso, como o foco do mal se ateia mais facilmente

com os contactos estranhos, tem de se estar resolvido a sacrificar todo o prazer honesto, toda a afeição natural, toda a relação que possa tornar-se ocasião de pecado mortal. «Quando a consciência está interessada, não há amizade que deva subsistir; devo mais a Deus do que a ninguém (16). Por isso os mártires preferiam «uma morte gloriosa a uma existência miserável, (17) principal-mente na época das perseguições, em que «se procurava arrebatar aos cristãos mais a inocência do que a vida» (18).

Quando se está estritamente estabelecido «naquela sobriedade da alma e do corpo que produz a castidade» (19), passa-se aos graus da perfeição. Na castidade, como em toda a virtude, cumprida rigorosamente a obrigação, fica o campo aberto a todas as ambições, a todos os heroísmos, a todas as delicadezas. A fonte das virtudes é a divina bondade que semeia nas almas um reflexo das suas perfeições, propondo--lhes imitarem «o ideal mostrado no cume» (20) da santidade. Como o humilde e o manso, como o obediente e o pobre voluntário, o casto «se-

(13) S. Paulo, I, II, ad Cor. passim.(14) Apoc, XXII, 15.(15) Salmo CXVIII, 11.

(16) Santa Teresa.(18) Tertuliano.(20) Êxodo, XXV, 40.

(17) II, Mac, VÍ, 19. (19) Ruysbroeck.

2. — Castidade.

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gue Jesus Cristo», até onde a graça o impele e a sua coragem o arrasta.

São primeiro aquelas almas piedosas que, «começando a tornar-se felizmente escravas do amor de Deus» (21), põem reservas no dom de si às criaturas, e usam de moderação na sua reciprocidade : castas, seja qual for a vocação que a Providência lhes tenha marcado. Depois as que, possuídas de admiração pela angélica virtude, renunciam às alianças humanas para que «os seus sentidos e o seu coração permaneçam puros e para que nelas nada sofra um contacto estranho» (22). De facto, as virgens que Deus chama e que a Igreja consagra, procuram to-das, mesmo sem o saberem, no santuário, um abrigo contra os perigos e um asilo mais seguro para a sua castidade; mais felizes por passarem a sua vida à sombra dos tabernáculos divinos do que um só dia sob a tenda dos pecadores (23).

Afectos — «Recebei, Senhor, a oferta de todo o meu ser. Aceitai a minha memória, o meu entendimento, a minha vontade. Tudo o que

(21) Santa Teresa.(22) Santa Cecília.(23) Salmo LXXXIII, 11.

tenho, tudo o que sou, fostes vós que mo destes; está à vossa disposição, ao vosso arbítrio o abandoná-lo para sempre. Dai-me a vossa graça e o vosso amor, isso só me basta» (Santo Inácio).

Exame. — Começo eu porventura estes exercícios com o sincero desejo de me aperfeiçoar no conhecimento e na prática da castidade ? — no cumprimento do meu voto?— Estou resolvida a todos os sacrifícios que a Deus aprouver pedir-me ? — Implorei as luzes do Espírito Santo?— Coloquei-me particularmente sob a protecção de Maria rainha das Virgens? — Diviso já defeitos a corrigir, lacunas a preencher?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Amemos a

castidade mais do que a todas as outras virtudes; é ela que torna o coração puro». (Bossuet).

IIO CONSELHO EVANGÉLICO DA PERFEITA

CASTIDADE

Há uma castidade peculiar a cada uma das vocações, e a santidade pode adquirir-se em todos os estados. Mas em face de vários cami-nhos que conduzem ao mesmo fim, é sobremaneira interessante para nós, conhecerem-se as preferências d'Aquele que veio ensinar-nos em toda a verdade, os caminhos divinos» (1). Jesus, no Evangelho, e

S. Paulo seguindo-lhe o exemplo, aconselham a perfeição da castidade que é a virgindade. Sem diminuir a vocação comum que Deus abençoa e à qual tantos santos têm honrado, meditemos: 1.° o estado de perfeita castidade; 2.° as obrigações deste estado.

1.—O ESTADO DE PERFEITA CASTIDADE

«O reino de Deus não receberá nada man-chado» (2); porque está escrito que «no seu povo todos são santos» (3). «Seja qual for portanto o estado em que a nossa vocação nos colocar, devemos guardar escrupulosamente a castidade que lhe corresponde» (4).

Mas o Apóstolo quer que estejamos anima-(1) S. Lucas, XX, 27.(2) Apoc, XXI, 27.(3) Isaías, LX, 21.(4) Santo Agostinho.

dos «de uma santa emulação pelos melhores dons» (5), uma vez que somos chamados, uns a admirar, outros a receber as riquezas ce-lestes, todos a beneficiar das divinas genero-sidades. Há, por conseguinte, uma castidade mais excelente! Assim como Jesus dá, no seu evangelho, o conselho de renunciar, por Ele, a todos os bens que se chamam riquezas, Ele aconselha igualmente (6) a repudiar, por Seu amor «o próprio uso daqueles prazeres sensuais, de que basta, nos estados menos santos, usar com sobriedade» (7). Ê precisamente o que se chama a castidade perfeita, e quando se guardou sempre, ela constitui aquela santa virgindade que é como que a pérola preciosa da nova aliança. «Do Senhor, diz S. Paulo, não recebi preceito concernente à virgindade, mas é um conselho que dou» (8); transmito-o da parte do Amigo celeste àqueles que Ele quer reservar para o Seu serviço e aproximar mais de perto da Sua pessoa.

Quando uma alma ao percorrer, com o fa-cho da fé na mão, o campo do Pai de família,

(5) I, Cor., XII, 31.(6) S. Mateus, XIX, 12.(7) Mons. Gay. (8) I, Cor., VII, 25.

descobriu esse tesouro, nada admira que ela venda tudo o que tem e se venda a si mesma para o comprar (9). A partir desse momento, se ela for bem avisada, sente a necessidade de o colocar em boa guarda; e que melhor guarda do que um voto, «essas cadeias voluntárias que nos retêm longe do mal e nos conservam no bem» (10). Ali se detêm aquelas almas que têm o gosto da virgindade, sem terem a vocação religiosa, ou aquelas a quem certos deveres e obstáculos obrigam a ficar no século: Deus guardais ali muitas vezes pela edificação que elas dão e pela dedicação que exercem.

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Para alguém se encontrar no estado de perfeita castidade, é preciso que o voto seja recebido pela Igreja: as religiosas dão-se e são oficialmente aceites no dia da sua profissão. Como colocaram, entre si mesmas e os bens exteriores; a parede indestrutível do voto de pobreza, defendem-se contra as solicitações da carne com o voto de castidade. Dão-se para sempre Àquele que é para sempre; subtraem-se à sua própria enfermidade e colocam-se sob a doce influência «daquele Deus da paz incum-

(9) S. Mar., XIII, 46.(10) S. Beda.

bido de nos santificar em tudo, para que o nosso espírito, a nossa alma e o nosso corpo se conservem sem mancha para a vinda de Jesus Cristo Nosso Senhor» (11). E que alegria para as consagradas, no presente, que solidez de esperança o poderem repetir consigo sinceramente a palavra que um santo doutor gostava de dizer frequentemente: «Tal como me fez o meu baptismo, assim estou e estarei para sempre» (12).

II. —OBRIGAÇÕES DO ESTADO DE PERFEITA CASTIDADE

«Deus quer que um religioso seja de tal modo d'Ele, que tenha dito adeus a todas as coisas e que todas as coisas Lhe tenham dito adeus» (13). Por isso os religiosos que se li-bertaram, pelos votos, da soberba da vida e da concupiscência dos olhos, completam a sua libertação com o voto de castidade, cujo objectivo é preservá-los da concupiscência da carne. Não são religiosos senão com a condição de fazerem esse voto, e é a sua segurança, a sua

(11) I, Tess, V, 23. (12) Santo Hilário.(13) S. João da Cruz.

felicidade: «possui-se tanto mais Deus quanto se possui somente a Ele» (14).

Este voto tem como primeiro objectivo a própria matéria da virtude da castidade. «A castidade religiosa é uma virtude pela qual se renuncia voluntariamente e por voto a todos os prazeres carnais, mesmo permitidos» (15). A religiosa que faz este voto, obriga-se primeiramente a viver na continência. Desposa Jesus Cristo e renuncia a toda a outra união. Se faltar à sua palavra, depois do seu voto simples, ela não transgride, ao menos por esse facto, a virtude da castidade; mas peca contra a castidade religiosa, o que é sempre uma grande desgraça. Em que razões pode ela apoiar o seu regresso à criatura livre, e que dirá ela, um dia, a esse esposo livremente escolhido, depois deixado, quando Ele vier a ser o seu juiz? O voto de castidade obriga, em segundo lugar, a evitar todo o acto exterior e interior proibido pelos sexto e nono

mandamentos. Aqui, o objecto da virtude e do voto é o mesmo; o voto não faz mais do que acrescentar uma mais rigorosa obrigação: violando-se a virtude, viola--se igualmente o voto.

(14) Bossuet.(15) R. P. Meynard.Quanto uma noviça precisa de reflectir e

quanto se torna necessário a uma professa exercer sobre si mesma uma perpétua vigilância! Porque o voto de castidade, ao mesmo tempo que dá um mérito superior às acções daquele que fez o voto, assim também faz incorrer em terríveis responsabilidades: «Aquela que desposou Cristo, torna-se escrava da morte, se porventura desfizer o voto» (16). «Uma religiosa que não guarda a castidade que prometeu a Deus, comete dois pecados, por vezes três e até mesmo quatro: 1.° um pecado contra a virtude da castidade; 2.° um pecado contra a virtude de religião, isto é, um sacrilégio; 3.° por vezes também um pecado contra a virtude da caridade ou contra a virtude da justiça» (17).

É muito desejável que aquelas que solicitam a honra de serem esposas de Cristo, tratem de conhecer bem a extensão das suas obrigações, que são muito rigorosas e muito delicadas: não há matéria leve nos pecados que lesam directamente a castidade; pensamentos e desejos, assim como as acções, são graves, quando há plena deliberação e completo consenti-

(16) Santo Ambrósio.(17) R. P. Meynard.

mento. As faltas que ofendem indirectamente a castidade, olhares demasiado livres, leituras perigosas, familiaridades, outros actos semelhantes, interiores ou exteriores, são mais ou menos graves, conforme expõem ao perigo mais ou menos próximo de consentir nos prazeres carnais. Concluamos por este pensamento do Espírito Santo : «Não façais votos que ultrapassem as vossas forças; se os tiverdes feito, pensai em cumpri-los bem» (18). Seguidamente, encontramos a nossa consolação nestas palavras de Santo Agostinho : «Aquele que vos convidou a fazer votos, há-de ajudar-vos a bem os observar».

Afectos. — Quando será, meu Deus, que, ajudada pela vossa graça, eu seguirei no meu caminho, segundo toda a extensão das minhas obrigações; que as palavras dos meus votos estarão sempre diante dos meus olhos, a fim de que, evitando a divagação, a imortificação dos sentidos, as inúteis ocupações de espírito, eu não aspire senão a vós e não respire senão em vós; que as coisas deste mundo se me convertam em amargura e que só Vós sejais doce para a minha alma?» (Santa Joana de Chantal).

(¡18) Ed., VIII, 16.

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Exame. — Estou eu bem intruída sobre as minhas obrigações? — Conheço exactamente a extensão do meu voto? — Estou bem resolvida a praticá-lo nas suas últimas delicadezas? — São o meu espírito de fé e o meu amor de Deus suficientemente fortes para me levarem a uma verdadeira perfeição, relativamente à castidade? — Está tudo desligado, mortificado, purificado, consagrado no meu espírito e no meu coração?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Ofereço a Jesus

Cristo o meu corpo e a minha alma; quero ser toda d'Ele, para o tempo e para a eternidade» (S.ta Fare de Champigny).

IIIDA VOCAÇÃO

«É preciso, diz S. Francisco de Sales, que uma rapariga seja bem chamada por Deus, para ser recebida em religião». Nosso Senhor, efectivamente, falando dos dois estados em que se guarda a castidade, proclama a necessidade da vocação. Dizia ele aos seus padres: «Não fostes vós que me escolhestes; fui eu vos escolhi» (1). De resto, Ele declarou que «nem todos compreendem a palavra», que cria as virgens, «mas aqueles a quem o dom foi concedido» (2). Peçamos a graça de meditar: 1." A necessidade da vocação; 2.° A correspondência à vocação.

I.—NECESSIDADE DA VOCAÇÃO

«A Providência divina tem os seus desígnios eternos sobre todas as criaturas. É a ela que compete chamá-las e dar a vocação a que ela as destinou desde toda a eternidade» (3). A palavra vocação significa chamamento, convite, destino. A vocação para tal ou tal estado de vida consiste pois em ser chamado e destinado para esse estado pelo soberano Mestre. Ele modela a cada um o seu corpo, adorna a alma, dota o coração, abre o espírito segundo o fim que lhe deve marcar. Os caminhos estão preparados, os socorros assegurados, os aconteci-

(1) S. João, XV, 16.(2) S. Mateus, XIX, 11.(3) Santa Joana de Chantal.

mentos ordenados na medida útil ao êxito das suas intenções. Ele tem o direito de dispor de nós como senhor, «como o artista faz com a sua obra» (4); e segue o pendor do seu cora-ção em assistir-nos do alto, como o melhor dos pais. Por seu lado «a vocação que nos previne e a perseverança que nos coroa é um efeito da Sua bondade gratuita e toda pura» (5). «Sois vós, o meu verdadeiro amante,

exclama Santa Teresa, que começais esta guerra toda de amor».

Há em primeiro lugar uma vocação comum a todos os homens: «Deus quer a salvação de todos» (6). Todos nós temos a «vocação de sermos santos» (7), ao menos daquela santidade sem a qual «ninguém pode ver Deus» (8). Depois deste primeiro acto que planta os cristãos em Jesus Cristo, há um segundo que os faz florir e frutificar, cada um na sua medida (9) : toda a alma tem o seu grau particular de santidade a atingir. Finalmente resta a vocação para um estado especial, no posto que cada um deve ocupar na Igreja militante, em vista do

(4) Jerem., XVIII, 6. (5) Bossuet.(6) I, Tim., II, IV. (7) Rom., VIII, 28.(8) Hebr., XII, 14. (9) Efés., IV, 7.

lugar que lhe está reservado na Igreja triun-fante; porque Deus tem sempre em vista, no governo do mundo e das almas, «a perfeição dos santos e a edificação do corpo de Cristo» (10).

Para os religiosos e para as virgens, é bem de Deus que vem «esse sentimento de amor que os solicita a viver em pobreza perfeita, em humilde obediência e em puríssima pureza» (11); Ele «foi o primeiro a amar, e o seu amor é a fonte daquele que nós lhe tributamos» (12). Umas vezes arrebata almas que ainda mal entreviram as coisas do mundo e que as ultrapassam pelas intuições da fé e do amor, como a meiga Inês «que Cristo escolheu para esposa, antes que a idade lhe permitisse, a ela mesma, escolher um noivo» (13). Outras vezes torna--se vencedor depois das desilusões e das feridas, vibrando «golpes de surpresa nos corações encantados do amor do mundo» (14). Faz passar sempre a sua ternura num dos seus olhares (15) e «arranca-nos a nós mesmos para nos

(10) Efés., IV, 12.(11) Santa Joana de Chantal.(12) Bossuet. (13) Santo Ambrósio.(14) Bossuet. (15) S. Marcos, X, 21.

consumir no amor» (16). Uma alma religiosa não pode profundar estes graves pensamentos sem gostar de recordar a hora em que o celeste Esposo lhe apareceu e lhe falou; como ela o reconheceu e se deixou encantar pelos seus «divinos encantamentos» (17); finalmente por esses caminhos misericordiosos, quebrou os laços do caçador e preparou a sua libertação (18).

II. — CORRESPONDÊNCIA Ã VOCAÇÃO

Grande questão é a da vocação! É tudo para uma criatura o estar no seu lugar na criação e manter-se nele. «A vocação é uma questão capital; é o princípio de um caminho

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feliz ou infeliz» (19). No caminho, encontramos obrigações, perigos e dificuldades: em cada volta do caminho, a Providência prepara-nos a luz, a força e a consolação; mas se passarmos por atalhos em que ela não nos espera, ficamos entregues à nossa fraqueza, às nossas obscuridades, à solidão. Que coisa há mais triste e

(16) Ruysbroeck. (17) S. Justino.(18) Salmo CXXIII, 6.(19) S. Greg. de Naz.

mais debilitante do que duvidar se se está na situação e nas obras em que a Providência o queria? «Antes portanto de correr, diz Santo Ambrósio, escolhe bem o teu caminho»; e o profeta declara que «é uma desgraça urdir al-guém a sua tela sem ser pelo movimento do Espírito Santo» (20).

«Uma vez que a estrela veio mostrar-vos o caminho, apressai-vos; é para temer que a luz se extinga» (21). «Onde fostes chamado, lançai a âncora e fixai os calabres; o alto mar ameaça arrebatar-vos» (22). Tais são os con-selhos que os santos dão aos chamados, advertindo-os de que se corre um verdadeiro perigo, se se desprezarem «estes conselhos que no entanto não obrigam como os preceitos» (23).

Não se deve exagerar. Pode-se evitar o mal e alcançar a salvação em qualquer altura, circunstância e profissão que não é por si mesma criminosa, mesmo quando se seguiu contra a vontade de Deus claramente conhecida. Contudo quem não corresponde à

sua vocação, encontra-se numa posição falsa perante Deus e o próximo.

(20) Isaías, XXX, 1. (21) S. João Clímaco.(22) S. Efrém.(23) S. Greg. de Naz.Há talentos não aplicados, obrigações para

as quais se não está divinamente preparado, tentações contra as quais se não está especialmente armado; sofre e faz sofrer. O olhar de Jesus deve ser para ele uma recordação inexorável que não lhe permite ser feliz. Para a aquisição das virtudes, ele lembra aquelas plantas dos climas quentes cujas folhas parecem tiritar, mesmo nas nossas estufas; não atingem nunca o seu tamanho natural ; dão apenas flores diminuídas e raramente conduzem à maturidade o seu fruto. Compreende-se que muitas vezes «a graça da salvação está ligada à vocação» (24). Assim o entendia a nossa santa Joana d'Arc, e, em face das suas vozes, exclamava : «Era Deus que o ordenava ! Ainda que eu tivesse tido cem pais e cem mães e tivesse sido filha de rei, eu teria partido».

Todas nós «temos defendido os nossos di-reitos ao amor» (25) e «sem nos deixarmos entorpecer pelos prazeres terrenos, deixámos a nossa terra e os nossos parentes» (26). Mas pode acontecer, acontece seguramente a algumas, terem dúvidas sobre a sua vocação ou

(24) Bourdaloue.(25) Ruysbroeck.(26) S. Francisco de Sales.

3. — Castidade.sobre os motivos que a determinaram. A res-posta é tão simples! Fornecem-no-la dois san-tos. «A Providência íaz belas obras-primas com essas intenções torcidas; há-as que não eram bem-chamadas e cuja vocação foi ratificada e valorizada por Deus; tornam-se bons servos da divina Majestade» (27). De resto, se vós não vos julgais «chamada, vivei de maneira que façais dar a vós mesma a vocação» (28).

Afectos.—«Ó Jesus, meu Redentor e meu Deus, como mereci eu ser chamada, eu pobre pecadora, para viver neste mundo na vossa morada, enquanto vós deixáveis expostas às tempestades do mundo tantas outras jovens mais inocentes do que eu? Senhor, fazei que eu conheça todo o preço deste alto favor, que eu vos seja reconhecida e que eu responda com o meu amor ao que Vós me mostrastes. Sim, Jesus, eu amo-Vos acima de tudo e não quero amar senão a Vós só» (S. Afonso de Ligório).

Exame. — Sou eu reconhecida a Deus pela minha vocação? — Penso eu por vezes no que ela custou a Jesus? — Fiquei eu na humildade,

(27) S. Francisco de Sales.(28) S. João Crisóstomo.

no temor, no sentimento das minhas responsa-bilidades? — É a minha vida a de uma eleita,

esposa de Jesus? — Se tenho dúvidas e tenta-ções, combato-as eu, esforçando-me por viver mais santamente ? — Tenho eu o hábito de orar para que Deus multiplique as vocações?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Feliz da alma que

ouve a voz de Deus e a segue; ela fará uma fe-liz viagem ao porto da salvação» (Santa Joana de Chantal).

IVDAS VANTAGENS DA PERFEITA CASTIDADE

Santo Hilário, exilado pela fé, preocupa-se com a vocação de sua filha Abra. Ao contrário dos mundanos, ele ambiciona acima de tudo dá-la só a Cristo. Então escreve-lhe uma admirável carta na qual lhe propõe adquirir «o mais belo manto que há, a pérola incom-parável»; morria de boamente, diz ele, para lhe proporcionar esse tesouro. Cioso «da sua

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salvação e da sua perfeição», ele convida-a à castidade perfeita, instiga-a a consagrar-se sem reserva a Deus. A virgindade, efectivamente, como vamos ver: 1.° facilita a salvação; 2.° favorece a perfeição.

I. — A PERFEITA CASTIDADE FACILITA A SALVAÇÃO

Só Deus é o nosso fim e nosso soberano bem: luz infinita, beleza soberana, adorável bondade. Ele atrai o nosso espírito, solicita o nosso coração, reclama todos os entusiasmos da nossa vontade. Mas Deus é espírito puro, infinita santidade, perfeita pureza. É portanto pelo espírito, pela pureza que se tende para Ele nesta vida, que se goza dele nos céus. E quanto a nós, em quem a carne está junta ao espírito, a lei divina é que o corpo seja para a alma um respeitoso e dócil servo: sem isso, nem santidade nem salvação possível (1). S. Tomás afirma que «o que mais afasta de Deus é o pecado pelo qual a alma se faz escrava do corpo», e suporta o seu domínio: o espírito de

(1) I, Cor., XV, 50.

Deus retira-se e já não resta senão um ser carnal (2).

Pelo contrário, a castidade mantém o corpo na obediência, e o estado de perfeita castidade livra de numerosas ocasiões de pecado, afastando aquelas «tribulações» especiais que o apóstolo prediz aos que ficam no caminho ordinário (3). É um acto de prudência colocar cada um uma barreira entre si e a ocasião, porque, obrigado como está a «combater incessantemente consigo mesmo para se subtrair a objectos aos quais arrasta todo o peso do coração, quanto mais inclinados nos sentimos para eles, quando tudo o que nos rodeia nos convida e nos incita a satisfazer os nossos desejos» (4). É mais seguro, para não ser roubado, não descobrir a ninguém as próprias riquezas, e corre-se maior risco, se se confiar a alguém a chave do tesouro. Por isso Santo Afonso de Ligório afirma que as pessoas presas pelas laços de família «estão continuamente em perigo de perderem a graça de Deus e a sua alma. Estão numa tempestade contínua, e queira Deus que esta tempes-

(2) Gen., VI, 3.(3) Bossuet.(4) I Cor., VII, 28.

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tade lhes não arrebate a alma». Para ser com-pleto, o santo doutor acrescenta: «Algumas san-tificam-se; são raras como os corvos brancos, e essas mesmo arrependem-se de ter ficado no mundo, quando podiam consagrar a Deus a sua virgindade».

As virgens seguem, efectivamente, o cami-nho mais seguro. Aquele que contorna os abis-mos ou que se inclina sobre o lado do barco, basta-lhe um movimento menos feliz, um pas-so em falso, e escorrega imediatamente, fica submerso : não se corre o mesmo perigo, se a pessoa se conservar distanciada das costas, ou se se sentar ao centro da embarcação. Precisamente, a alma que segue o conselho evangélico, fazendo mais do que exige o dever, dá a si mesma uma segurança maior de não transgredir o estreito preceito e de ficar «santamente severo sobre o seu corpo» (5). Religiosas «despojadas por uma generosa renúncia dos objectos capazes de vos enfastiar, no receio de ceder à natureza, vós preferistes recusar-lhe sem perigo o que poderia ser-lhe permitido em vez de vos expordes a deixar-vos arrastar para além dos limites, dando-lhe tudo o que podíeis absoluta-

(5) Bossuot.mente conceder-lhe» (6). Que Deus vos faça corajosamente perseverantes!

II. —A PERFEITA CASTIDADE FAVORECE A PERFEIÇÃO

A perfeita castidade livra as almas de três obstáculos que impedem subir aos caminhos perfeitos : a servidão, a instabilidade, a divisão Ela opera libertações, prepara a sua perseve-rança, permite que não haja reservas na sua doação.

Na vida de família, não se tem a livre posse de si e das suas acções; está-se na dependên-cia de todos os deveres que se aceitaram livremente (7), de suportar o jugo a que se está sujeito, suportar muitas outras cadeias que se não tinham previsto. Os cuidados terrestres, os encargos desta vida, as relações sociais contrariam o trabalho da perfeição. O céu continua acessível a todos; mas a generalidade só lá chega a passos lentos, «como aquele animal rastejante que arrasta penosamente o seu pobre corpo todo húmido na embaraçosa concha que

(6) Bossuet.(7) Cor., VII, 4.

lhe serve de casa» (8). A virgindade libertou-se; está livre: o seu corpo e a sua alma são de Jesus Cristo; a sua vida é consagrada aos exer-cícios que purificam, santificam e fortificam. Dedicou-se «ao amor de Deus, essa sagrada di-lecção que torna todas as coisas tão fáceis e tão suaves» (9); o amor que a liga cria-lhe

«uma dependência doce, pois é depender do bem e unir-se a ele (10).

O segundo entrave das almas agarradas à terra é a instabilidade. «As várias necessidades a que têm de fazer face são como cães que ladram em volta delas : as suas energias são umas vezes reclamadas pela preparação da vida futura, outras vezes absorvidas pelos cuidados deste mundo» (11). Há-as que alimentam aspirações elevadas, que se agitam a certos sopros de graça, que ensaiam ascensões. Quão poucas são as que perseveram! Retidas pelo «seu vestido de carne» (12), solicitadas pelas alegrias sensíveis, chamadas pelas vozes deste mundo, elas estão bem expostas a escutar, parar, recair, finalmente entregar-se à vida me-

(8) S. Gregório de Naz.(9) S. Francisco de Sales.(10) Bossuet. (11) São Gregório Magno.(12) S.to Agostinho.

díocre: a erva secou, a flor caiu» (13); «as folhas ligeiras são levadas ao sabor do vento» (14). A virgem guarda bem as fraquezas do seu coração e a leviandade inata do seu espírito; mas, pelos seus votos, ela lançou «as suas raízes no amor» (15); pelo estado, ela fixou-se «como em morada na herança do Senhor» (16). Tomou a precaução, ao «pôr a mão na charrua», de se separar das causas que teriam tido o maior poder para a fazerem «voltar para trás» (17). Em volta dela, tudo a ajuda contra as suas próprias fraquezas e a encoraja a ficar nas alturas.

Finalmente o Apóstolo diz daquele que está preso pelos laços do século, que é um reparti-do, «um dividido» (18); «tem dois senhores a contentar, dois olhares aos quais agradar» (19). Ainda por esta razão, as virtudes nele são frágeis, incompletas, efémeras. Ali, segundo a linguagem bíblica, «a espiga é infeliz» (20), «a oliveira definha» (21), «a vinha chora» (22).

(13) Job, XIV, 12. (14) Job, XIII, 15.(15) Efés., III, 17. (16) Ed., XXIV, 1.(17) I, Cor., VII, 33. (18) I, Cor., VII, 34.(19) Joel, I, 17. (20) Joel, I, 10.(21) Joel, I, 10.(22) Isaías, XXIV, 17.

Os castos, pelo contrário, têm a sua alma «como um jardim regado» (23); são como «um campo de Deus», (24) em que nada falta, «nem o puro trigo nem as plantas ornamentais» (25). Além de Deus, ninguém tem direitos sobre eles, e parecem-se com aquelas florestas do Líbano que nenhuma mão tocou e que conservam o seu bálsamo puro de toda a mistura» (26). Estão muito à vontade, assim entregues a Deus, para «se purificarem incessantemente, não admitirem termo nos seus progressos e pretenderem ser deificados sem medida» (27).

Afectos. — «Õ Deus da minha alma, vós quereis a minha salvação a todo o custo, e es-

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tendestes-me uma mão paternal para me livrardes dos perigos do mundo. Vós colocastes-me entre as Vossas esposas. Espero, ó meu Esposo, ir cantar no céu as misericórdias que vós me fizestes. Ajudai-me, Senhor, porque eu quero amar-Vos e fazer todo o possível por Vos agradar- Vós destes-vos a mim sem reserva; sou

(23) Isaías, LVIII, 11.(24) Orígenes.(25) Ed., XXIV, 42.(26) Ed., XXIV, 21.(27) S. Greg., de Nazianzo.

religiosa, fazei agora que eu me torne santa» (S.to Af. de Ligório).

Exame. — Cristã, eu devo salvar a minha alma, tenho eu o temor do pecado? — Virgem, eu devo viver com toda a delicadeza, receio eu a sombra do mal? — Religiosa, eu devo ser perfeita, tenho o cuidado de avançar nos ca-minhos espirituais? — Não há nenhuma im-prudência, nenhuma prisão que me possa ex-por ao pecado?; nenhuma negligência, nenhu-ma excepção que faça parar ou atrasar a mar-cha da minha alma para a santidade ? — Agra-deço muitas vezes a Nosso Senhor o ter-me ti-rado do mundo e guardado para Ele?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «A alma não chega

à união divina, se não se despojar do amor das criaturas». (S. João da Cruz).

\ VVANTAGENS DA PERFEITA CASTIDADE PARA O

APOSTOLADO

«Os apóstolos não se contentaram com irem ter com Jesus na montanha em que Ele lhestinha prometido aparecer; mas com as suas palavras e com os seus exemplos, eles levaram--lhe grande multidão: o que eu devo imitar, tanto quanto puder, procurando a salvação do meu próximo para glória de Deus» (1). Toda a alma que «segue Jesus Cristo» sente-se imediatamente invadida pela chama apostólica, de tal forma que S. Bernardo ensina que «a pureza consiste em procurar a glória de Deus e o bem do próximo». Ora, a castidade torna maravilhosamente apta a exercer: 1.° o apostolado de mediação; 2.° o apostolado de acção.

I. —A CASTIDADE E O APOSTOLADO DE MEDIAÇÃO

«Entre Deus e os homens não há senão um mediador, Cristo Jesus» (2); «ele tem todo o poder sobre os corações; maneja-os e movimenta-os como lhe apraz» (3). Mas «cada um de nós recebeu, dado por Deus, o encargo do seu próximo» (4), e um santo doutor

adverte-nos de que «temos primeiro de nos ocupar da nossa salvação, e depois de dar conta do mundo

(1) B. L. Marillac. (2) I, Tim., II, 5.(3) Santa Teresa. (4) Ed., XVII, 12.

inteiro» (5). Escutemos este queixume do Se-nhor : «Procurei quem me barrasse a passagem como uma sebe, que se conservasse na brecha para me deter, quem tomasse a defesa deste povo; não o encontrei, e lancei sobre eles a minha indignação» (6). As virgens conhecem esta missão, e «como não se trata de deixar arrancar uma erva sem preço ou perecer uma flor caduca, mas da salvação de uma alma, imagem de Deus» (7), elas «procuram tornar--se, tanto quanto podem, um bem comum a todos» (8), para os ganhar e os conservar em Jesus Cristo.Elas começam pela oração. O Salvador disse um dia a Santa Catarina de Sena: «Eu quero estabelecer misericórdia no mundo, une-te às santas almas para orar». Do alto de uma vida liberta dos cuidados e tribulações do século, distingue-se melhor o que falta ao culto de Deus, compreende-se a indigência das almas menos privilegiadas, sente-se a necessidade de dar, com a própria vida, compensação à divina Majestade, uma esmola à humana miséria. As viris) S. João Crisóst.

(6) Ezequiel, XXII, 30, 31.(7) S. Greg., de Nazianzo.(8) Bossuet.

gens a quem «o amor levou para além das coi-sas» (9) lembram aquelas crateras extintas que, tendo primeiro expelido as suas impurezas de lava e de escória, se encheram das águas do céu, e formaram assim aqueles belos lagos das montanhas que se espalham pelo vale para lhe levarem a fertilidade e a vida» (10). Estão incessantemente ocupadas em encher-se de Deus para o darem ao mundo e «as suas súplicas transportam o universo» (11).

A expiação continua esta grande obra. Porque cultiva a Igreja as virgens com tanto amor? Ah! é a dízima sagrada do mais puro dos seus bens que ela oferece a Cristo, seu esposo; é o supremo recurso do seu coração desolado com as prevaricações dos maus. Ela ergueu no estado de virgindade «aquela montanha santa, em que se amontoam as graças, em que Deus se compraz em residir» (12), e de onde parte o perpétuo sacrifício que se une ao dos nossos altares para deter no caminho a cólera divina. As virginais intervenções conjuram «aquelas tempestades com que o céu precisa por vezes de descarregar. Ele não poupa a terra senão

(9) Ruysbroeck. (10) Mons. Baunard.(11) S. Jerónimo.(12) Salmo LXVII, 16-17.

por consideração para com elas. Deus aplaca-se, ao vê-las, como um pai que vê os seus filhos entre os seus inimigos e suspende a sua

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mão» (13). O véu de Santa Águeda possuía o dom de extinguir os incêndios; «quando as có-leras de Deus se amontoam em nuvens de fo-go sobre as nossas cabeças, as virgens estendem também os seus véus sagrados, e as cóleras divinas aplacam-se» (14). Somos nós suficientemente puras para esta missão redentora?

II.— A CASTIDADE E O APOSTOLADO DE ACÇÃO

«O amor não pode estar inactivo; ele está ansioso por agir; é uma actividade divina e eterna» (15). Muitas consagradas não têm à sua disposição, para alimentar este fogo do zelo, senão a prece e a imolação. Quantas vezes elas ouviram dizer a bocas autorizadas, para sua consolação, que Santa Teresa nos seus claustros e com as suas orações converteu tantas almas como S. Francisco Xavier com as suas pre-

(13) Bossuet.(14) Mons. Berteaud.(15) Ruysbroeck.

gações. As religiosas a quem os seus ministérios retêm no mundo têm ainda o recurso do exemplo e da dedicação.

«A melhor maneira de pregar é pregar com o exemplo» (16). Uma palavra pode ser pro-ferida fora de propósito, mal julgada ou depressa esquecida. Que poder tem o exemplo perseverante ! Dizia S. Matias: «Quando alguém faz mal perto de um cristão, é preciso tomar conta desse vizinho que não dá muito bom exemplo» (17). Aos olhos do mundo, uma vida santa representa «a carta de Cristo escrita não com tinta, mas com o espírito do Deus vivo» (18). Acantonado no egoísmo, devorado pela cobiça, embotado pelo

sensualismo, o mundo não lê o Evangelho ou declara-o impraticável. O triunfo da vida virginal, é justamente estar diante dos olhos desses cegos «um evangelho em acção, um evangelho eterno» (19), «uma luz que se não segue talvez, mas a cujos raios se não pode escapar» (20). A todos os que se lamentam dos ardentes conflitos que o Apóstolo de-plorava, ela ensina que há na alma cristã su-

(16) Bossuet. (17) Clemente de Alex.(18) II Cor., m, 3.(19) Orígenes.(20) S. Greg., de Naz.

ficiente força e graça para disciplinar e reduzir a vida dos sentidos. Fazendo mais do que Deus pede, ela ensina a respeitar pelo menos o que Ele manda; é uma censura viva para os indolentes, e para os fracos uma sedução.

Quando um apóstolo viu fracassar todas as tentativas do seu zelo, resta-lhe uma última in-dústria à qual raramente resistem os mais en-durecidos : é a dedicação. Todo o homem, todo o cristão é capaz de se dedicar. Todavia, na maior parte, os primeiros entusiasmos são retidos pelos deveres, agrilhoados por afeições. Cada um dedica-se pelos seus; só por excepção os troca por estranhos. Só a virgindade dá o estranho poder de fazer da dedicação um hábito, uma profissão: todas as necessidades do corpo e da alma têm a sua irmã de caridade pronta a socorrê-las. As virgens «essas dedicadas celestes» (21) libertas das escravidões da carne e do sangue, não têm nada que as retenha no caminho do sacrifício, nem mesmo o cuidado da sua vida, pois dizem consigo : «Neste momento, presto serviço a Jesus Cristo» (22). Purifiquemos bem o nosso coração e façamos

(21) P.e Gratry. j(22) Ruysbroeck.4. — Castidade

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a nossa alma «vasta como as praias de areia, na margem dos oceanos» (23), a fim de que ela seja «hospitaleira para todas as almas» (24).

Afectos.—«Ó Jesus, fazei de mim a vossa virgem e a vossa hóstia: quem diz hóstia, diz pureza e amor. Meu Jesus, é ao sacerdote que incumbe fazer a sua hóstia e, na qualidade de pão que pede a sua transformação, entrego-me toda a vós. Vendo tão claramente que vós o quereis assim, dou-me a vós nesta qualidade de hóstia, dou-me para ser dada. A hóstia é de todos e a todas as horas; que eu me tenha dado e imolado em toda a parte onde isso for necessário à vossa glória e à salvação das almas». (Xavierina de Maistre, carmelita).

Exame. — Sou apostólica? — Rezo e sofro pela conversão dos pecadores, perseverança dos justos, multiplicação das vocações? — E a minha, vida suficientemente pura, para que a minha prece e as minhas imolações sejam bem aceites? — Sou, ao mesmo tempo, boa e delicada nos meus ministérios ? — Tenho realmente em vista dar Jesus às almas, as almas a Jesus? — Tornam-me estes pensamentos o sacrifício mais leve?

(23) III, Reis, IV, 29. (24) S.to Ambrósio.Resolução.Ramalhete espiritual. — «A obra das

virgens consagradas a Jesus, é ajudar a salvar as almas». (Xavierina de Maistre, carmelita).

VIDA EXCELÊNCIA DA PERFEITA CASTIDADE

I. — A SUA SEMELHANÇA COM DEUS E COM OS ANJOS

Deus fez-nos à «Sua imagem e semelhan-ça» (1). Todos nós reproduzimos, duma maneira geral, a Sua santa fisionomia. Mas há traces particulares que se encontram marcados, nalguns, de uma maneira mais nítida e mais expressiva. Existe, por exemplo, entre Deus ou o que mais aproxima de Deus e as castas, as virgens, ares de família, uma semelhança de gostos, uma conformidade de vida mais notáveis; de onde se conclui a excelência da castidade, «a perfeição da criatura, que consiste em se parecer com o Criador» (2). 1.° A virgindade

(1) Gen., I, 27. (2) S.to Agostinho.

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faz imitar Deus; 2.° a virgindade faz imitar os anjos.

I. — A VIRGINDADE IMITA DEUS

A vida de Deus é infinitamente fecunda. D'Ele procedem todos os seres, e no mistério da Sua essência comunica a inefável alegria da família, sem multiplicar a Sua natureza. São três: o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e estes três não são senão um. Mas esta fecundidade de Deus é tão pura, que nada no mundo a pode representar. A vida imaculada de Deus toma em si mesma o poder de se fecundar; nada vem em seu auxílio, nada a desfeia: tudo ali é paz e beatitude, tudo ali é luz e amor, e «a mais bela, como a primeira das virgens, é a augusta Trindade» (3).

«A virgindade tirou pois do céu o que imita na terra; por cima das nuvens, do firmamento e dos anjos, ela atinge o Verbo até ao seio do Pai» (4). Ela torna-nos semelhantes a Deus; é como uma incorruptibilidade celeste e divina» (5). A virgem copia a perfeição de Deus, no

(3) S. Greg., de Naz. (4) S.to Ambrósio.(5) S. Basílio.

seu espírito, no seu coração e nas suas acções.

Deus vive da sua própria contemplação. Do mesmo modo, o objecto dos pensamentos de uma virgem é Deus, e o primeiro fruto deste comércio íntimo com Ele é conservar «santos o seu espírito e o seu corpo» (6). O que a arranca ao criado, o que a arrebata, o que a mantém suspensa entre o céu e a terra, é a vista incessante de Deus: ela fixa obstinada-mente «os seus olhos iluminados» (7) na sua imaterial beleza. Nada a atrai, nada a ocupa fora desse rosto «glorioso cuja visão face a fa-ce a saciará» (8), durante os séculos eternos. Por vezes há aparições que ferem o seu olhar, encontros, todas aquelas imagens que passam por diante dos seus olhos de carne ou os seus sentidos interiores. Que importa? «A castidade vela e conduz tudo à unidade: ela já não vê senão diversos aspectos da universal beleza de Jesus Cristo» (9).

Como, desde então, não amar a Deus «de todo o seu coração?» (10). A virgem sabe que «só Deus é bom» (11). Se se encontrarem, em face dela, forças, atractivos, apelos capazes de

(6) I, Cor., VII, 34. (7) Efés., I, 18.(8) Salmo XVI, 15. (9) S.to Agostinho.(10) S. Lucas, X, 27. (11) S. Marcos, X, 18.

solicitar e impressionar a vontade, os seus olhos simples e purificados habituam-se a olhar tudo «como pertença de Deus» (12), um regato alimentado por aquele rio inesgotável. A sua vida passa-se a purificar as suas jóias, levando-as a não serem, como as de Deus, senão «jóias em Cristo, de Cristo, para Cristo» (13). A regra que governa o seu coração é esta: «Tudo por Jesus, Jesus para Ele só» (14).

Finalmente, fazendo profissão de «morrer para tudo o que não é Deus, as virgens não encontram vida e acção senão pelo Esposo ce-leste (15). Elas deram-lhe a liberdade de poder, sem cessar, com Ele, «ocupar-se nas coisas de seu Pai» (16) e aplicar-se em tudo «o que satisfaz o seu bom prazer» (17). Tal é a força da virgindade, para transfigurar as almas que querem- tirar do tesouro evangélico tudo o que ele contém: pela rectidão e pureza das suas intenções, esforçam-se por fazer acções divinas, obras eternas. Se quisermos, o nosso estado «aproxima-nos do esplendor da imortal Trindade» (18).

(12) S.to Agostinho. (13) S.to Agostinho.(14) Imit., liv. II, cap., VIII, 4.(15) S. Bernardo. (16) S. Lucas, II, 49.(17) S. João, VIII, 29.(18) S. Greg., de Nazianzo.

II. —A VIRGINDADE IMITA OS ANJOS

Os espíritos que rodeiam o trono de Deus são também virgens. As suas puras essências não se aliam entre si para multiplicar a sua vida, mas todas juntas saciam-se na contem-plação do Verbo, fruto virginal da vida de Deus; recebem da Trindade santa, cuja pureza imitam, uma imensa luz. Ora, Nosso Senhor, consultado sobre as relações que os eleitos teriam entre si no céu, respondeu: «Serão como os anjos de Deus» (19).

O Mestre queria dizer que seriam livres de todos os laços de que se libertam as virgens. Desde que o cristianismo estabeleceu na terra o reino da castidade, todos os povos submeti-dos ao evangelho não têm cessado de dar a esta virtude o nome significativo de virtude angélica; de um casto, como S. Luís Gonzaga, diz-se: é um anjo. Os povos do Oriente cha-mam ao hábito religioso, índice e guardião da castidade, «a forma angélica». Os Padres da Igreja ensinam que «a castidade faz dos que a guardam, anjos» (20). Os que vivem na cas-tidade são anjos, e não julgueis que eles se-

(19) S. Mateus, XXII, 30.(20) S.to Ambrósio.

jarri anjos de uma categoria inferior, eles são da ordem mais elevada e mais nobre» (21). Numa das suas visões, S. João quis prostrar-se diante de um anjo; este não lho permitiu «por causa da virgindade do apóstolo» (22) e res-pondeu-lhe : «Eu sou da tua categoria no ser-viço de Deus (23).

O anjo abrange a verdade de uma maneira imutável (24) e não pode conceber senão pen-samentos santos e puros, reflexos da eterna luz. Assim a virgem «luz iluminada», reserva os seus pensamentos para as coisas de Deus» (25), «luz iluminante» (26). O anjo não produz senão desejos puros e inocentes: a virgem inclina a sua alma a levar «todas as suas aspirações para o Deus forte» (27). O anjo vê Deus, bendi-lo, adora-o, consome-se no seu serviço; a virgem já «saboreia a felicidade de ser pura e de ver Deus» (28) à sua maneira;

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deixou tudo para ser consagrada, «sem obstáculo, ao seu louvor» (29).

A castidade faz ainda mais, ela parece ele-(21) S. Basílio.(23) Apoc., XIX, 10.(25) I, Cor., VII, 34.(27) Salmo LI, 2.(29) I, Cor., VII, 35.

var o homem acima do próprio anjo. «O anjo não está revestido de carne e de sangue nem permanece na terra; não tem de recear os es-tímulos da carne e das paixões; não é impelido para baixo pelas necessidades do corpo e não tem necessidade alguma de um alimento grosseiro; os cânticos melodiosos não poderiam amolecê-lo, nem a vista das humanas belezas seduzi-lo: nada pode surpreender a sua pureza bem-aventurada» (30). Pelo contrário, a virgem «traz o seu tesouro num vaso frágil» (31); «tem sentidos que se revoltam contra o espírito» (32) e milhares de vozes gritam-lhe : «Vem, gozemos» (33). «Ê portanto algo maior con-quistar a glória dos anjos do que gozá-la; ser anjo, é o cúmulo da felicidade; ser virgem, é o cúmulo da virtude» (34); a pureza do anjo é mais feliz, a castidade da virgem é mais va-lorosa» (35).

Afectos. — «Dai-me, ó meu Deus, para me guardar, a piedosa milícia dos vossos anjos. E

(30) S. João Crisóstomo.(31) Gálat., V, 17.(32) Gálat., V, 17.(33) Sabedoria, II, 6.(34) S. Pedro Crisol.(35) S. Bernardo.

Vós, a quem a divina misericórdia me confiou, ó meu anjo da guarda, assisti-me dia e noite; afastai de mim todo o perigo, tudo o que for mal e tudo o que não for a verdadeira pureza. Se eu me desviar, chamai-me; se os meus inimigos se aproximarem, repeli-os. Conduzi--me até ao trono de Deus, onde poderei

compartilhar das vossas alegrias» (S. João Gualberto).

Exame. — Que impressão produzem em mim as excelências da castidade? — Vou passar a apreciá-la tanto como Deus a aprecia? — Os meus sacrifícios de um dia não me pesarão, em face das grandezas que eles valem? — A minha vida é realmente à imagem da vida divina? — É tudo puro no meu espírito, no meu coração, e em todo o meu ser? — Sou angélica, elevando-me acima do meu corpo, para viver de maneira celeste?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Como é bela a fa-

mília dos castos, e como ela é gloriosa! A sua nobreza é eterna» (Sabedoria, IV, 1).

DA EXCELÊNCIA DA PERFEITA CASTIDADE

II. — O SEU PARENTESCO COM AS VIRTUDES TEOLOGAIS E CARDEAIS

Quando se descobriu o corpo de Santa Filo-mena, quiseram pôr numa urna de cristal o que restava do seu sangue seco. Então, cada uma das ténues poeiras se transformou em pérolas, em diamantes, em pedras preciosas, em pó de ouro. Deus, «que se glorifica nos seus santos» (1), não quereria simbolizar nesta maravilha a excelência da virgindade, campo bendito em que todas as virtudes estão mais à vontade para crescerem e expandir-se na sua admirável variedade. Aceitemos esta piedosa interpretação e meditemos o parentesco da virgindade: 1.° com as virtudes teologais; 2.° com as virtudes cardeais.

I. — O PENSAMENTO DA VIRGINDADE COM AS VIRTUDES TEOLOGAIS

A fé principia as relações sagradas que Nosso Senhor vem estabelecer entre seu Pai e nós.

(Salmo LXXXIII, 8).

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(22) S. Pedro Damião.(24) S. Tomás. (26) S.to Agostinho. (28) S. Mat, V, 8.

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«A luz do homem» não pode levar-nos até Ele; precisamos «da claridade de Deus», isto é, «a fé, começo da vida eterna» (2); é nela que Cristo nos desposa para a união que não mais acabará (3). — Que é a vida religiosa, senão um olhar simples, puro, penetrante, lançado sobre a infinita beleza, que ultrapassa toda a hesitação e que pára nesta palavra luminosa: «Eu sei a quem dou a minha fé»? (4). O que é que dá a um espírito, ordinariamente tão jovem, a um coração tão terno, a força invencível em face das seduções, prisões, dilacerações, senão «a fé, que nos torna vitoriosos sobre o mundo inteiro ?» (5). Que são os dias de uma consagrada, senão um acto de fé, a fé que vive, que age, que se perpetua? A fé do mundo é uma lâmpada que se acende e que se extingue, segundo a ocasião; a prudência da virgem consiste em derramar sem cessar azeite na sua lâmpada para ir à frente do Esposo (6).

Desembaraçada do que põe sombras entre os olhos e Deus, a virgem vai direito à esperança. O objectivo da esperança cristã é a participação plena e definitiva da vida essencial

(2) S. Tomás. (3) Oséias, II, 20.(4) II, Tim., I, 12. (5) S. João, V, 4.(6) S. Mat, XXV, 4.

de Deus, nosso fim, nossa beatitude, o céu; é, em seguida todo o meio necessário ou útil à aquisição dessa eterna felicidade. Deus é bom e pródigo de si, fez promessas, deu garantias; nada está mais bem apoiado do que a nossa esperança. — Contudo o Salvador comprome-teu-se mais especialmente em dar a vida eterna àqueles que deixam tudo para O seguirem (7). O que enfraquece e mata a esperança, é o atractivo dos prazeres terrenos: assim, o mundano faz de si e da criatura o paraíso. Pelo contrário, assim como o aeronauta alivia o seu aparelho, assim a virgem alijou toda a carga que lhe dificultava o voo. «Considerando que tudo é desprezível, comparado com Jesus Cristo, ela tudo perdeu para o ganhar» (8); e, no seu percurso em direcção à «terra dos vivos», ela não receia mal algum, porque Deus está com ela (9).

A caridade, o amor vem «aperfeiçoar o la-ço com Deus» (10). Ele amou-nos com um amor activo, todo empregado na nossa salva-ção; com um amor eterno que nos viu e nos quis desde sempre; com um amor generoso, de-

(7) S. Mat., XIX, 29.(8) Filip., III, 8.(9) Salmo LXXVI, 6.(10) Coloss., III, 14.

sinteressado ao qual nada jamais perturbou. Na medida do possível, a virgem restitui a Deus tudo o que Deus lhe dá; oferecendo tudo o que tem, e «imolando-se com os seus sacrifícios» (11), ela dá o seu tudo: se Deus recebe menos, é unicamente porque ela nasceu menos rica. De resto, nada pôde detê-la, nem as dificuldades, nem as tentações, nem o longo martírio que ela impunha a si própria. Depois que ela renunciou, por Jesus, a todo o amor que repartisse o seu coração, ela vai-se embora alegre e forte, e repete a

todo o que quer receber dela um queixume ou um olhar: «Não, nada poderá jamais separar-me do amor do meu Cristo» (12).

II. — PARENTESCO DA CASTIDADE COM AS VIRTUDES CARDEAIS

As virtudes teologais têm por objecto di-recto o próprio Deus, a quem elas devem unir--nos. As virtudes cardeais põem a ordem e a santidade naquela série de acções e de circunstâncias que compõem a nossa vida.

(11) Filip, II, 17.(12) Rom., VIII, 39.A prudência é a virtude conselheira e di-

rectriz; «ela regula, como convém, a nossa vi-da prática» (13). «Sede prudentes» (14), diz oSalvador; «o coração prudente possui a ciên-cia» (15), e «uma sabedoria que brilha até no seu rosto» (16). Precisamente, no filho do sé-culo, «a fascinação da bagatela perverte a ra-zão e obscurece a vista do bem» (17); «a es-tupidez é filha do pecado» (18); «a prudência da carne é a morte» (19); e as virgens impru-dentes são chamadas loucas» (20). Pelo con-trário, a alma que procura, antes de tudo, a santidade e o olhar de Deus, prevê o perigo, penetra os desejos do céu e os do inimigo, ca-minha com circunspecção, segue docilmente o Espírito Santo, ao qual ela chama «o guia da sua virgindade» (21); a castidade torna-a pru-dente.

A justiça faz amar e eumprir o que a pru-dência propõe: ela inspira uma firme e cons-tante vontade de dar a cada um o que lhe é devido. O amor próprio e o gozo torna natural-

(13) S. Tomás. (15) Prov., XVIII, 15. (17) Sabedoria, IV, 12. (19) S. Tomás. (21) Jerem., III, 4.

21

(14) S. Mateus, X, 6.(16) Prov., XVII, 24.(18) Sabedoria, IV, 12.(20) S. Mat., XXV, 2.

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mente egoísta e injusto, dá «uma cabeça dura e um coração feroz» (22). A alma pura, casta, virgem, é naturalmente boa; a religião e a piedade são o seu mais querido alimento. Ela é dedicada, reconhecida, afectuosa, afável, generosa, simples e cândida. A menor indelicadeza fá-la-ia sofrer; faz consistir a sua paz e a sua felicidade em contentar Deus e o próximo, para saciar «a fome que ela tem de justiça» (23).

O papel da força é conquistar, em seguida defender o bem que a prudência nos propõe e para o qual a justiça nos encaminha. Ela arma-nos contra os receios, os medos, as sur-presas; faz-nos pacientes e firmes, constantes e perseverantes; as almas a que ela se comu-nica são magnânimas e desinteressadas. Que a castidade robustece, é um facto histórico : quem é que nós encontramos ao pé da cruz? Maria e João, os virgens; Madalena, a quem o arrependimento e o amor purificaram. Que espectáculo mais belo do que os combates de Cecília, de Inês, de Blandina, de Solange, de Colomba, de todas essas valentes que venceram o mundo, o inferno e até a morte, para guar-

(22) Ezequiel, II, 4.(23) S. Mateus, V, 6.

darem a sua virgindade? «Porque amastes a castidade, o vosso coração tornou-se intrépi-do» (24).

Finalmente, a temperança é-nos dada especialmente para reprimir os prazeres dos sentidos, principalmente os do tacto e do gosto, pela abstinência, a sobriedade, a castidade e a modéstia : com ela se relacionam a humildade, a pobreza, a mortificação, virtudes opostas às três formas do amor desregrado de nós mesmos. A castidade é pois uma parte da temperança, e encontra justamente a sua segurança na renúncia, na austeridade, na modéstia. Um Padre diz que a castidade dá à alma um temperamento especial, pacífico e meigo, equilibrado e harmonioso.

O pródigo perdeu-se no pecado e dissipou todos os seus bens (25); pelo contrário, aquele que permanece casto, para ser mais livre no trabalho da santidade, entra «naquela sabedoria à qual segue o cortejo de todos os bens» (26).

Afectos. — «Senhor, governai, durante este dia, todos os meus pensamentos, palavras e ac-

(24) Judite, XV, 11.(25) S. Lucas, XV, 13.(26) Sabedoria, VII, 11.5, — Castidade.

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ções. Dai-me humildade de espírito e pureza de consciência. Plantai em mim a castidade do corpo e da alma, a humildade, a austeridade, a paciência. Guardai os meus pés, as minhas mãos, o meu coração. Dirigi-me, hoje e sem-pre, nos caminhos da verdade, da paz e da justiça, pela graça do Redentor» (Atribuído a S. Jerónimo).

Exame. — Está a minha fé em relação com a minha vocação ? — Tenho eu em Deus a mesma confiança que tinha nos dias em que Ele me chamava? — Onde está a minha caridade, manifestada principalmente em actos? — Sou prudente, reservada, delicada, modesta? — Sou boa, afável, dedicada? — Sou austera, penitente, mortificada? — Desconfio de mim e refugio-me em Deus? — Dá-me a castidade tudo o que eu acabo de meditar?

Resolução.Ramalhete espiritual. — ó castidade, tu flo-

resces como uma bela rosa, e espalhas por toda a parte, no corpo e na alma, suaves perfumes». (Santo Efrém).

AS PREDILECÇÕES DE JESUS PELA VIRGINDADE

I. —OS SEUS EXEMPLOS

«O nosso Salvador e Mestre instrui-nos ora com as suas palavras ora com as Suas acções. Aponta os Seus actos como regra dos nossos; mesmo sem falar, dá a entender o que devemos fazer» (1) quer se trate de uma obrigação a cumprir, quer simplesmente de continuar um programa de perfeição. Assim, a respeito do assunto que estamos meditando, Jesus formulou poucas palavras e deu grandes lições. Quereríamos recolhê-las meditando: 1.° a virgindade em Jesus; 2.° a virgindade em volta de Jesus.

I. — A VIRGINDADE EM JESUS

O Messias, aquele que vem reparar o pecado e salvar o pecador, é anunciado sob viril) S. Gregório Magno.

ginais imagens: «uma flor dos campos, um lí-rio dos vales, um lírio entre os espinhos; to-mará as suas alegrias no meio dos lírios» (2). O Deus de toda a luz e de toda a pureza, para se tornar Emmanuel, Deus connosco, faz sair da raiz de Jessé (3) a Virgem Maria, pura ver-gôntea, donde brotará uma flor, Cristo (4). As-sim se prepara a vinda do Rei das virgens. «Na plenitude dos tempos» (5) o divino mediador aparece na terra, como «o pontífice santo, imaculado, separado dos pecadores» (6). No meio de um mundo cheio de pecados Ele ostentou sempre a auréola de uma santidade perfeita e de uma perfeição imaculada, «santo de Deus, terrível para os demónios, sem pe-cado algum» (7). Obriga Satanás a declarar

que Ele é o santo de Deus» (8); grita ao mun-do : «Quem de entre vós me arguira de pecado ?» Desprezado ou perseguido, ele traz uma consciência virgem, Ele caminha incessantemente na serenidade e na paz; a sua virtude interior não sabe conter-se e irradia à sua volta (9).

(2) Cant., II, 1, 2, 16.(3) Isaías, XI, 1.—VII, 14.(4) S.to Ambrósio. (5) Gálat, IV, 4.(6) Hebr., VII, 26. (7) Pascal.(8) S. Lucas, IV, 34. (9) S. Lucas, IV, 19.O Salvador tinha em tão grande conta esta

eminente pureza, que não permitiu sequer que alimentassem a esse respeito a menor suspeita. Sofreu todos os opróbrios, «até ao ponto de ser acusado de gostar do vinho e da boa mesa; não quis que a sua reputação fosse jamais atingida. Admiravam-se de o verem a falar com uma mulher que Ele convertia, mas procedia em tudo de uma maneira tão perfeita e tão séria, que a sua integridade, sob esse aspecto, permaneceu sem suspeita. O simples nome de Jesus não é já de molde a inspirar pureza»? (10). Os seus próprios inimigos sentiam por Ele essa impressão de respeito. Como o viandante atrasado que numa noite de inverno é seguido por uma alcateia de lobos, e, se dá um passo em falso, está perdido; assim Jesus atravessou a vida, rodeado dos Fariseus que procuram arrancar-lhe uma palavra, um acto imperfeito ou culpável. Ele, sempre puro e doce, sempre calmo, responde a todas as ciladas com esta palavra de uma real santidade: «Qual de vós me arguira de pecado?» Depois resume numa palavra os seus ensinamentos morais: «Bem-aventurados os corações puros» (11).

(10) Bossuet. (11) S. Mateus, V, 8.Então Jesus funda o estado de virgindade.

Encoraja a abraçá-lo «em vista do reino dos céus» (12); sugere que se reflicta para se compreenderem as suas preferências. Finalmente «inspira ao seu apóstolo que a santa virgindade é a única que pode consagrar perfeitamente a Deus um coração incapaz de se reparar» (13). Logo acorre a falange dos castos «que querem honrar, na integridade do seu corpo, a carne puríssima de Cristo» (14). Enquanto que, antes dele, os juízes choravam a sua virgindade forçada (15), agora alistam-se legiões nas castas milícias; elas são tão numerosas que, nas fes-tas celestes, o cordeiro «está rodeado de coros de virgens» (16).

. II. — A VIRGINDADE À VOLTA DE JESUS

Uma noite, quando o universo inteiro repousava na paz, apareceu «a estrela prometida a Jacob» (17), «a verdadeira estrela da ma-

(12 S. Mateus, XIX, 12. (13) Bossuet.(14) Santo Inácio, mártir. (15) Juízes, X, 38.(16) Hino das virgens.(17) Números, XXIV, 17.

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nhã» (18), «puro e imaculado raio da eterna luz» (19). O Verbo fez-se carne, e tem o seu berço rodeado das virgens da terra, Maria e José; o seu nascimento é celebrado pelos anjos, as virgens do Céu. Desde esse momento, em volta d'Ele tudo é branco, santo, virgem.

É primeiro Maria. O filho mais amante e mais extremoso pode sonhar, não realizar a perfeição da sua mãe. Sozinho, Jesus prepara a sua para os seus desejos. Prevendo a parte que ela deve ter na Encarnação, preserva-a da mancha original e reveste-a de uma pureza imaculada. «Convinha que a virgem que devia ser Mãe de Deus fosse ornada da maior pureza que se pôde conceber, depois da pureza do próprio Deus» (20). S. Jerónimo, com a tradição, afirma que ela fez voto de perpétua virgindade, porque era «conveniente também que esse voto, que pertence ao estado de perfeição, tivesse origem, sob a lei da graça, em Jesus e em Maria que são o modelo e a origem de toda a perfeição» (21). Nesta «Virgem singular», «a virgindade não é diminuída, mas sagrada pe-

(18) Apoc., XXII, 16.(19) Sabedoria, VII, 26.(20) S.to Anselmo. (21) S. Tomás.

la maternidade» (22), e Maria é verdadeira-mente «a Princesa das Virgens» (23). Como está escrito que o Esposo caminha no meio dos lírios» (24), Deus confia Maria a José, o justo. «Ambos, lírios castíssimos na sua união e nas suas núpcias virginais (25) esperam «o Santo» e velam «pelo Filho da Virgindade» (26).

Jesus deixa o santuário de Nazaré, e o Pre-cursor mostra ao povo «o Cordeiro de Deus». Ali, dizem santos personagens (27), encontra-va-se um Galileu cujas núpcias estavam próxi-mas e o olhar de Jesus roubou imediatamente aos seus projectos e «às ondas agitadas da vi da de família» (28). Era S. João. Haja o que houver de verdade nesta piedosa lenda, o Apóstolo virgem perde dentro em pouco «o seu nome de um dia»; recebe «um nome de eternidade» (29); chama-se «o discípulo que Jesus amava» (30). Amou-o até o querer sempre a seu lado, até lhe dar o que tinha de mais caro «na sua vida, a sua cruz; na sua morte, sua

(22) Missa da Pureza de Maria.(23) Santo Ildefonso.(24) Cant, II, 16. (25) Rupert.(26) S. Bernardo. (27) S. Jerónimo, S. Tomás. (28) S.to Agostinho. (29) I, Macab., VI 44 (30) S. João, XXI, 7.

Mãe; na Ceia, o seu coração. Aprendamos qual é a força da pureza» (31). Porque «o segredo da preferência do Salvador é verdadeiramente a virgindade do Apóstolo» (32).

Assim, Cristo nasce de uma mãe virgem, faz do discípulo virgem o seu preferido. De-pois, todas as suas relações confirmam as suas predilecções: Marta fica virgem para O servir; Madalena reconquista a pureza para ser sua hospedeira e sua privilegiada; institui no

sacerdócio o meio de conservar ou de refazer a pureza; toda a sua missão a nosso respeito consiste em fazer santos e perfeitos. Nota-se, em todo o Evangelho, o perfume daquela pureza especial que é o objecto da castidade e, no coração do Mestre, uma inclinação pronunciada para tudo o que é virgem.

Afectos. — «Senhor Jesus, que nos instigais a subir ao céu pelos caminhos mais belos, fos-tes Vós que nos ensinastes a excelência da pureza : nós estamos muito abaixo da Vossa santidade, incapazes, sem Vós, de compreender e de receber os Vossos dons. Vós sois o inspirador e o guardião da castidade; conservai-nos

(31) Bossuet.(32) S. Jerónimo.

santas, puras e virgens para o dia da Vossa glorificação» (Liturgia moçárabe).

Exame. — Medito eu por vezes a santidade de Jesus? Felicito-me por ela e regozijo-me? ■— Fixam-se muitas vezes os olhos da minha alma nesse belo modelo? — Tenho a ambição de me parecer, o mais possível, com esse Santo dos Santos? Não há em mim nada que possa privar-me das suas predilecções? — É também Maria um modelo que eu imito, um socorro que eu invoco? — Tenho recorrido por vezes a S.José, a S. João, a todos os amigos de Jesus e da Sua virgindade ?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Jesus, pureza d?s

virgens, sede misericordioso para connosco» (Ladainhas do santo Nome de Jesus).

IXPREDILECÇÕES DE JESUS PELA

VIRGINDADE

II. — O LUGAR QUE ELE DÂ ÀS VIRGENS A perseguição recrudescia; levaram à presença do juiz uma virgem, tão jovem que «os seus membros delicados deixavam deslizar as cadeias» (1). Acusada, responde vitoriosamente; ameaçada na virtude que lhe é a mais cara, ela permanece intrépida: «Tenho o mais poderoso dos esposos; ele jamais consentirá que tu profanes a minha virginal coroa» (2). É a virgem Inês que fala tão destemidamente; é Cristo que «lhe faz com a sua cabeleira uma veste de misericórdia» (3), e fere de morte o seu in-sultador. 1.° Cristo é o esposo das virgens; 2.° Ele é o protector da virgindade.

I.—JESUS ESPOSO DAS VIRGENS

O Evangelho, que é a nossa regra de fé e de vida, fala muitas vezes das núpcias de Cristo com as almas, e dá ao Salvador o nome de Esposo (4). Cristo desposa o cristão no baptismo. Aquela virgem casta, que S. Paulo deseju apresentar a Cristo, como «sua verdadeira e legítima esposa», são os fiéis

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baptizados que formavam a Igreja de Corinto. Deus tinha dito:

(1) S.to Ambrósio. (2) Prudência.(3) S.to Ambrósio. (4) S. Mateus, IX, 15.

«Desposar-te-ei na fé» (5). Crente e baptizada, a alma torna-se parente e esposa de Cristo (6). «Minha irmã e minha esposa», diz o Esposo dos Cânticos. Então Cristo e a alma já não têm senão uma alma; são dois num, até serem um só corpo, pois o fiel é um membro do corpo místico de Cristo. Tudo o que é de Cristo é dele, e a morada de Cristo é a morada do baptizado. Tal é o crepúsculo do dia cristão; aquela aurora é já um pleno meio-dia, tão radiosa ela é. De Cristo se disse «que é fiel» (7); não faltará à sua palavra; ele ama a esposa constante, espera-a perdida, recebe-a arrependida e enquanto a desposada vive neste mundo, não cessa um instante de trabalhar por apertar mais os laços da sua mútua união.

Todavia, há, entre Cristo e a alma, outras uniões possíveis, mais elevadas, mais santas, mais divinas do que a união do baptismo; aci-ma dos baptizados, há os consagrados. Todos aqueles que, consagrando a Deus a virgindade ou a castidade perpétua, entram naquele esta-do eminente que se chama estado religioso, merecem eminentemente também o título de espo-

(5) Oséias, II, 20. (6) Cant., IV, 9.(7) Apoc, I, 5.

sas de Cristo: naquele ponto em que, na lin-guagem usual dos cristãos, esse nome lhes es-tá como reservado. Há tanta predilecção da parte de Jesus que chama, como amor e dedi-cação da parte da eleita que responde. Ela deixa tudo, morre para tudo, para seguir Jesus Cristo. «Uma de um», dizia S. Francisco: eles são um do outro o objecto de um amor mútuo. O comércio dessas almas com o Esposo é mais habitual, por vezes mais terno, sempre mais santo; elas são verdadeiramente «as esposas do coração» (8). Elas vivem do Esposo e para Ele; tudo lhes é comum e indiviso. Jesus é bem o amigo, o confidente das virgens, a sua paz, a sua felicidade. Nunca as deixa: no silêncio, no trabalho, fala-lhes ainda, e se por vezes parece dormir, «o seu coração está vigilante» (9).

«Jesus Cristo desposa verdadeiramente a religiosa na sua profissão» (10). «Ó virgens bem-aventuradas, que vos consagrastes a Je-sus, lembrai-vos de que tendes um esposo co-mo nem o céu nem a terra vo-lo podem ofere-cer!» (11). «Vós ofereceis-me um esposo, dizia Santa Inês, eu encontrei um melhor». «Di-

(8) S. Bernardo. (9) Cant., V, 2.(10) S.to Af. de Ligório. (11) S.to Eucher.

zei-me, ó santa Esposa dos Cânticos, as qua-lidades desse bem-amado que vos toma feliz e afortunada. Ele é branco como o inocente, ver-melho como o amor; tão bom, tão perfeito, que é de todos o mais amável e o mais belo» (12). Que glória para nós nestas predilecções de Jesus; mas que responsabilidade!» (13).

II.— JESUS PROTECTOR DAS VIRGENS

Um esposo é um protector, um defensor: é a lei da natureza. Quando Jesus Cristo quis que as virgens se tornassem suas esposas, tomou e aceitou para si mesmo a dupla obrigação de as defender e de as proteger. Não foi tanto a todos os seus fiéis amigos, foi principalmente às suas esposas que Jesus disse doces palavras: «As minhas ovelhas ouvem a minha voz, elas seguem-me, eu dou a minha vida por elas; elas jamais perecerão, e ninguém as arrancará das minhas mãos» (14).

O Esposo divino começa cedo a exercer a sua protecção sobre as virgens. «Protege-as com as bênçãos da sua doutrina e coloca-lhes sobre

(12) S.to Af. de Ligório. (13) S. Cipriano. (14) S. João, X, 28.

a cabeça uma coroa de pedras preciosas» (15). Que ternura e que vigilância lhe foram necessárias para afastar das nossas almas, desde o berço, toda a poeira e toda a sombra que nos fariam inclinar para a terra e nos encobririam os celestes horizontes. Que misericórdias para inspirar às suas eleitas o «gosto das alturas» (16); que «amor na maravilhosa atracção com que Ele lhes arrasta os corações!» (17). Que poder Ele emprega em seguida para lhes dar passagem para a terra das promessas; assim como fez para fazer sair Israel do Egipto, «Ele estende o seu braço» (18) ao qual nada pode resistir. Uma vocação é para o Salvador a ocasião de sustentar verdadeiros cercos: cerco contra a carne, contra o sangue, contra o espírito do mundo; cerco contra os que rodeiam a eleita; cerco por vezes contra a própria eleita, «pon-do toda a sua força em estabelecer o seu rei-no» (19) nas suas privilegiadas.

Chegada «àqueles tabernáculos amados do Deus das virtudes» (20), em que ela tem de preparar as suas núpcias com o Cordeiro, a no-

(15) Salmo, XX, 4. (16) Coloss., III, 2. (17) Jeremias, XXI, 3. (18) Deut, V, 15. (19) Apoc., XI, 17. (20) Salmo LXXXIII, 2.

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viça encontra ainda Jesus protector; Ele tinha-lhe tomado a dianteira, preparando-lhe «aquele suave ninho de pomba em que ela repousaria, produzindo seus frutos» (21), que ela começa a amontoar para os dias eternos» (22). Era Ele que lhe proporcionava aqueles corações de mães e de irmãs, aquelas instruções, aquelas orações, aqueles bons exemplos, aqueles mil recursos que convergem, todos, para este fim único «adornar de jóias preciosas a noiva» (23) de Deus. Esta terna solicitude segui--la-á durante toda a sua vida; ela «habitará sob a protecção do Altíssimo e receberá o seu socorro do Deus do Céu» (24). Na assembleia dos santos militantes «ela ocupa o primeiro lugar» (25); a Igreja considera a virgindade como a sua flor mais suave, como a parte mais bela e mais escolhida de todo o rebanho de Jesus Cristo» (26).

No cortejo dos séculos, bastou às virgens esperar no seu Esposo, e «mil caíam à sua direita, mil à sua esquerda; nenhum inimigo se aproximava» (27). A história das virgens e dos már-

(21) Salmo LXXXIII, 4. (22) S. João, IV, 36.(23) Apoc, XXI, 2. (24) Salmo XC, 1.

(25) S.to Ambrósio. (26) S. Cipriano.(27) Salmo XC, 7.

tires dá testemunho do seu poder e da sua delicadeza. Houve horas em que se teria dito que, verdadeiramente, o abutre ia devorar a inocente pomba. Mas era a hora do amor, Jesus velava. Ele delegava um anjo, enviava a morte, irradiava chamas, tomava raios de estrelas e cobria as suas virgens com uma veste de luz, abria as águas ou tornava sólida a superfície dos rios: nunca deixou de levar socorro à virgindade.

Afectos. — «Ó Jesus, coroa das virgens, es-cutai com bondade as nossas preces. Vós que caminhais entre os lírios, rodeado dos coros das virgens, esposo brilhante de glória, e que recompensais as vossas esposas. Nós vos suplicamos humildemente que deis aos nossos sentidos a virtude de ignorar sempre o que pode manchar a santa pureza. Glória a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo» (Hino das Virgens).

Exame. —■ Tenho eu compreendido a minha eminente dignidade como esposa de Cristo? — Corresponde a minha vida à dele ou está mal harmonizada com a dele? — Sou obrigada a ser pura e a purificar-me incessantemente: en-contrar-me-á cada dia mais santa? — O que

6. — Castidade.

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é que Nosso Senhor pode censurar em mim, como ideia, como sentimento, como prática? — Estou eu decidida a ocupar o meu lugar?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Estou noiva do

Esposo mais nobre; amá-lo é ficar pura» (San-ta Inês).

XDAS TENTAÇÕES

I. —SUA NECESSIDADE, SEU PAPEL

Nós conhecemos os nossos deveres e os nossos privilégios; eis o inimigo contra o qual temos de defendê-los. «Satã, o mundo e a carne, quando vêem uma alma desposada com o Filho de Deus, enviam-lhe tentações e sugestões; mas o trabalho e o sofrimento que nós sentimos com elas vêem de Deus que tira da malícia desse inimigo a santa tribulação, pela qual Ele afina o ouro que quer pôr nos seus tesouros» (1).

(1) S. Francisco de Sales.É utilíssimo à paz das almas ligadas pelo voto de castidade, conhecer a história e o fim das tentações: 1.° Necessidade da tentação; 2." papel da tentação.

I.—NECESSIDADE DA TENTAÇÃO

Não há ilusão admissível, a tentação é uma lei geral desde as feridas causadas no nosso ser pela culpa original. Nenhuma condição se lhe subtrai, nenhum grau de virtude dispensa dela; nenhuma vitória assegura radicalmente a paz. Nada nos defende dela, nem os actos heróicos, nem as abnegações absolutas, nem os estados superiores. Nem mesmo o véu e o claustro põem ao abrigo das miragens odiosas, das fascinações detestáveis, das trevas, das questões, das hesitações mais terríveis do que todo o resto. «Meu filho, diz o Espírito Santo, desde que entres para o serviço de Deus, prepara a tua alma para a tentação» (2). Depois, quando, à força de renúncias e de generosidade, se entrar resolutamente no caminho dos perfeitos, a mesma voz previdente e protectora repete-vos: «Co-

(2) Ecles., II, 1.mo de ora avante me és mais agradável, é necessário que a tentação continue a experimentar-te» (3). Aqueles que têm por missão guiar e guardar os outros, não estão isentos destas humilhações; muitas vezes, estão até mais expostos a elas. «Os corsários não param para apresar um barquito de

pescadores, no qual apenas há redes e alguns peixes; os barcos grandes é que eles perseguem, aqueles que regressam das Índias, carregados de ricas mercadorias. As-sim o demónio ataca os que estão enriquecidos de graça e de merecimentos e que arrastam os outros para o caminho do bem» (4).

«Poucas almas estão ao abrigo da tentação, nem mesmo as virgens mais castas» (5). Ela sai das nossas adversidades, sobe de debaixo da terra e germina sob os nossos passos; está no ar que respiramos, no raio de sol que nos ilumina o caminho, na flor desabrochada sobre a sebe que o ladeia; ela está na cama em que dormimos, no livro por onde estudamos, no oratório em que rezamos; está nos nossos parentes, nos nos-sos amigos, nos nossos companheiros de viagem; está no que há de mais sagrado, como no que há

(3) Tob., XII, 13. (4) P.e Godinez.(5) S. João Crisóstomo.

de mais profano; finalmente e acima de tudo, ela é em nós inesgotável, e sê-lo-á até ao nosso derradeiro suspiro» (6).

Em vez de nos perturbarmos e desanimar-mos quando chega a hora do combate, ou de adormecermos à sombra de uma falsa segurança, lembremo-nos da história dos santos. Na sua solidão austera, S. Jerónimo era atormentado pelas recordações da Roma pagã; Santo Antão, no deserto, era supliciado por visões horríveis; após oitenta anos de penitência, Santo Hilarião era visitado e importunado por Satanás; S. Martinho, suficientemente forte para ressuscitar mortos, nem por isso suportava menos o ataque dos demónios; finalmente Paulo, iluminado por Cristo, o vencedor da idolatria, o doutor do mundo, estava reduzido a pedir graça e perdão a Deus, tão violentas e tenazes eram as suas angústias íntimas: para nossa instrução, para santidade do apóstolo e para glória do seu nome, Deus prometia-lhe o seu auxílio, mas negava-se formalmente a subtraí-lo a essa vergonha (7).

(6) Mons. Gay. (7) II, Cor., XII, 8.

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II. — PAPEL DAS TENTAÇÕES

Deus recusou destruir os Cananeus para impedir Israel de se enervar na paz, e obrigá-lo a conservar-se sempre pronto para a guerra (8). Do mesmo modo, Ele encontra a sua glória e o nosso proveito nos rudes combates que a tentação nos proporciona diariamente.

«O Senhor tenta-vos, está escrito, para sa-ber se vós o amais de todo o coração» (9).

De onde quer que nos venha o assalto, ou do demónio que faz guerra ao seu Senhor, ou do mundo que contradiz Jesus Cristo ou das profundezas do nosso ser chamando-nos ao egoísmo e à sensualidade, as nossas vitórias são uma resposta de adoração e de submissão. A resistência é um acto de fé na soberana autoridade de Deus, um acto de esperança na sua bondade que nos mantém e nos recompensa, um acto de amor efectivo e laborioso por aquele que recebe os nossos sacrifícios.

Pessoalmente, nós encontramos as nossas vantagens neste estado de provação. A tenta-ção revela-nos a nossa miséria e leva-nos à hu-

(8) Juízes, II, 3; III, 1-3.(9) Deut, XIII, 3.

mildade (10). Daí nasce em nós o sentimento da necessidade que temos de Deus, para afastarmos «o anjo de Satã» (11)- «Como uma mãe avisada, Deus põe à volta de nós, seus filhos, espantalhos que nos obrigam a chamá--lo, a recolhermo-nos junto dele» (12); quando a noite vem e as sombras caem, exclama-se instintivamente: «Ficai connosco, Senhor» (15). Às vezes, a tentação é «um raio que faz sair da tibieza» (14). Outras vezes ajuda a achar «dura aquela estadia no hotel em que passámos um dia, e aumenta o desejo da paz eterna na pátria» (15). Para todos ela pode ser uma ocasião de progresso: «na enfermidade, diz o apóstolo, se aperfeiçoa a virtude» (16). Com efeito, os actos enérgicos com que se repele a sugestão, desenvolvem o hábito contrário e merecem do céu graças especiais. S. Bento obteve a castidade ao sair de uma luta san-grenta, e S. Tomás de Aquino o dom dela após uma vitória insigne. A calma insulsa deixa brotar «as virtudes franzinas» (17); os grandes

(10) Imit, liv. I, cap., XIII.(11) II Cor., XII, 7. (12) Gerson.(13) S. Luc, XXIV, 22. (14) Alvarez de Paz.

(15) S.to Agostinho. (16) II, Cor., XII, 9-(17) S. Fr. de Sales.

choques e as grandes lutas formam para o heroísmo. As árvores violentamente abaladas

mergulham profundamente as suas raízes. Quanto mais o calor do forno activa a fusão, tanto mais o metal sai purificado dele; o ouro recebe ali o seu esplendor, só a palha se consome ali. O santo bispo de Genebra dizia que «os lírios vêm mais brancos entre os espinhos».

Finalmente, as tentações dão experiência para o apostolado. É preciso coragem para conhecer as astúcias, as perfídias, as forças do inimigo; antes de se ter combatido, não se é mais do que «aprendiz»; depois de um sério combate, fica-se «capitão» (18). «Daquele que tiver vencido, diz o Rei dos fortes, farei uma coluna no meu templo» (19). Depois das suas próprias angústias, Santo Inácio recebeu o poder de curar as almas tentadas; ao sair das suas terríveis lutas, S. Francisco de Sales reconhece-se um hábil director. «Assim se cumpre o desejo da divina bondade que transforma em rios de vida e de fecundidade as fontes em que o inimigo lançava veneno» (20).

Afectos. — «Bendito seja para todo o sem-(18) S. Francisco de Sales.(19) Apoc., III, 12. (20) S. Gregòno.

pre o vosso nome, Senhor, que quereis experi-mentar-me com esta dificuldade e esta tenta-ção. Uma vez que eu não poderia evitá-la, nada tenho a fazer senão refugiar-me junto de vós, para que me socorrais e ela se me torne útil. A vossa mão omnipotente pode afastar de mim esta tentação e moderar a sua violência, para que eu não sucumba inteiramente, ó meu Deus, minha misericórdia». (Imitação, liv. III, cap. XXIX).

Exame. — Não sou eu porventura nem te-merária nem presunçosa, sob o pretexto de que não tenho grandes tentações? — Preparo-me eu para recebê-las, fortificando a minha vontade pela fidelidade e pelo sacrifício? — Nas horas más, não deixo perturbar a minha alma, sabendo que é a hora do mérito ? — Sou boa e compassiva para com as almas mais provadas do que a minha?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Feliz daquele que

sofre a tentação, porque quando ele tiver sido assediado, receberá a coroa de vida». (S. Tia-go, I, 2).

XIDAS TENTAÇÕES

II. — MEIOS DE TRIUNFAR«Aquele que entra na arena não é coroado,

se não tiver observado as leis do combate» (1). Há regras a seguir, «uma armadura divina a revestir» (2), se se quiser sair vitorioso da tentação. Não tomando estas precauções,

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expõe-se à derrota, ou pelo menos a receber contusões cujas consequências podem ser graves. «Ora é preciso adaptar as flechas a cada espécie de inimigo, e variá-las segundo a espécie de combate» (3). Estudaremos dentro em pouco o grande meio da oração. Aprendamos primeiramente como: 1.° resistir às tentações; 2.° evitar as tentações;

I. — RESISTIR ÀS TENTAÇÕES«O demónio ronda em torno de vós, como

um leão rugidor que procura uma presa para devorar; resisti-lhe corajosamente» (4). A re-sistência é o primeiro dever do soldado cris-

(1) II, Tim., II, 5. (2) Efés., VI. (3) S. Greg. Magno. (4) I, S. Pedro, V, 8.

tão, seja qual for o inimigo cujo ataque ele tenha de suportar, para onde quer que os dar-dos sejam dirigidos : de outro modo, é cúmplice, atraiçoa e sucumbe. Ora nada espanta, nem detém, nem enfraquece tanto um adversário como um propósito decidido, uma vontade resoluta, uma atitude inquebrantável por parte do seu antagonista. Há na Sagrada Escritura um passo que dá a entender acontecer isto com o demónio; dá-se ares de leão poderoso, quando afinal é fraco como uma formiga (5); «se lhe resistirdes, vê-lo-eis fugir» (6). «É um cão que tem o poder de ladrar; mas só são mordidos por ele os que lhe querem bem» (7).

A boa regra exige que Satanás ou os seus sequazes sintam essa resistência logo no início do assalto. «O triunfo é fácil, se lhe resistirmos, apenas ele se apresente; enfraquecer-nos--íamos, se usássemos de delongas ou de lentidão em repeli-lo» (8). «É uma serpente; se lhe deixarmos passar a cabeça, seguir-se-á o resto» (9). Talvez que ele vos não peça senão um instante de atenção, talvez tenha apenas uma

(5) Job,, IV, 11, 70. (6) S. Tiago, V, 7. (7) S.to Agostinho. (8) Imit., liv. I, cap., XIII, 5 (9) S.to Isidoro.

palavra para vos dizer, um simples olhar a fi-xar em vós; ai! é a faísca que há-de incendiar a pólvora. Dizei portanto imediatamente: «Pa-ra trás, Satanás»; não ouçais nada, não pres-teis atenção a nada, não vejais nada, não admitais qualquer discussão.

Uma vez por outra, será suficiente um sim-ples acto de desprezo. Outras vezes bastará passar adiante, distrair, procurar uma ocupação, continuar sobrenaturalmente a obrigação actual. Quantas tentações não têm adquirido importância, por se lhes ter prestado demasiada atenção : há almas que, ao menor pensamento, se agitam, fecham os olhos, abanam a cabeça, julgam-se obrigadas a dizer: Não, não quero. Caem na rede do demónio, que apenas queria provocar-lhes no

coração a perturbação e o caos. Deixai ladrar esses cãezinhos, limitai-vos a soprar sobre esse grão de poeira, enxotai pacificamente essa mosca, e pronto: mil pensamentos, mil imagens, mil sentimentos irreflectidos que nos perturbam os corações e os sentidos, não mais merecem a nossa atenção. As almas simples simplificam tudo; pelo contrário, as que mais dolorosa e mais perigosamente são tentadas, sentem-se enleadas, perplexas, escrupulosas, pouco bem consigo mesmas e com Deus.

Vêm todavia horas mais críticas; sente-se a alma invadida, entenebrecida, obsediada, como que «atolada num abismo de lama» (10); de tal modo o espírito se agitou, o coração se perturbou e os sentidos se revoltaram. É o tempo de nos lembrarmos de que há «diferença entre sentir e consentir; podem sentir-se as tentações, embora elas aborreçam; mas não se podem consentir que agradem» (11). Por mais enlaçada, enleada, acariciada que seja uma alma, quando ela reza na tentação, quando ela se esforça generosamente por escapar ao encanto, quando ela protesta a sua fidelidade a Deus e a sua vontade de permanecer pura, há lugar para crer que ela está vitoriosa. Como Santa Catarina de Sena, ela guarda «Jesus no seu coração»; ela permanece casta como Santa Ângela, Santo António, São Francisco e tantos outros que, em semelhantes angústias «não perderam nada da graça de Deus, mas aumentaram-na em muito» (12).

(10) Salmo LXVIII, 3.(11) S. Fr. de Sales.(12) S. Fr. de Sales.

II. — FUGIR DAS TENTAÇÕES

«Nesta guerra, dizia S. Filipe de Neri, são vencedores os que parecem poltrões e tomam a fuga». Há circunstâncias em que é permitido esperar, mesmo afrontar a agressão; outras em que basta estar pronto a suportar o choque. Mas quando se trata da castidade, os autores espirituais são unânimes em declarar que a prudência ordena a fuga. «Embora tenhamos alguma esperança de triunfar, nunca devemos provocar o combate. O demónio vem escoltado de prazeres e de gozos; a carne e os seus apetites não pedem senão para lhe dar lugar. Parar em face do perigo, é expormo-nos à sedução: o meio de triunfar é fugir sem demora» (13). De resto, «aqui, a própria fuga é uma vitória» (14); porque é já um protesto contra o pecado e a prova de que se lhe quer escapar.

Antes da tentação, deve evitar-se tudo o que pode inclinar ao mal, seja por cegueira do espírito, seja por engano do coração, seja por

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apetite sensual. A desconfiança é mãe da segurança; e está escrito que «quem ama o perigo, nele perecerá» (15). Nós sabemos quanto eram

(13) Rodriguez. (14) Bossuet.(15) Ecles., III, 27.

sinceros os protestos de São Pedro, e por outro lado, quão completa foi a sua negação. Na castidade, mais ainda do que em qualquer outra matéria, a presunção levaria a lamentáveis quedas: a vida dos santos e a história das ordens religiosas dão-nos disso tristíssimos exemplos. Quantos desfalecimentos são preparados por leves imprudências, por pensamentos que se julgou não serem perigosos, por sentimentos demasiado naturais que se deixaram crescer a brincar, por uma linha lida às escondidas, uma palavra que se deixou dizer, um olhar a princípio discreto, depois demasiado fixo, uma dúvida, uma hesitação mal combatidas. A pouco e pouco vai-se escorregando no declive, e chega-se aos abismos, por não se ter evitado «toda a aparência de mal» (16). A fuga, pelo contrário, foi a salvação do casto José; Santa Eusébia e as suas companheiras evitaram heroicamente a ocasião, fazendo desaparecer a sua beleza; no fim de contas, que é o nosso voto de castidade, senão uma perpétua fuga da ocasião?

Existem duas espécies de tentações: umas involuntárias, outras voluntárias; umas em que

(16) I, Tessa., V, 22.

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nos comprometemos a nós mesmos contra a ordem de Deus, outras em que nos encontramos comprometidos por uma espécie de necessidade ligada ao nosso temperamento, à nossa saúde, à nossa condição, à nossa vocação, ao nosso ministério. Nas primeiras, não devemos es-perar ser socorridos por Deus, se não evitar-mos a ocasião; e por isso não devemos contar com uma graça de combate, mas uma graça de fuga (17). Expormo-nos, é tentar a Deus e tornarmo-nos indignos do seu socorro: «a gra-ça é concedida, não para proteger os temerá-rios, mas para nos tornar circunspectos» (18). Uma religiosa está em segurança, quando a obediência lhe confia um lugar perigoso e quando ela cumpre a sua missão humilde, simples e fielmente, dando «a sua castidade como guarda ,à sua caridade». Fora disso, deve temer-se tudo, tudo afastar, tudo quebrar; a ordem, o dever é dar «a caridade em guarda à castidade» (19).

Afectos. — «Ó Jesus, nosso Salvador, secai em nós a fonte do pecado e abri no campo da

(17) Bourdalone. (18) S. Cipriano.

(19) S. Fr. de Sales.nossa alma a fonte de água viva que leva a fecundidade a toda a parte. Concedei-nos que descubramos as astúcias do nosso adversário, que resistamos às suas carícias, que fujamos das suas armadilhas. Assim, ó Senhor, vós que começastes a nossa conversão, acabareis por nos arrancar ao inimigo, e completareis a obra da nossa redenção». (Alvarez de Paz).

Exame. — Qual é a minha atitude perante as tentações? — Resisto-lhes desde o princípio? — Não sou, por vezes, aérea, curiosa, imprudente? — Não tenho eu uma conduta temerária, presunçosa, em face das ocasiões? — Há alguma coisa no meu espírito, no meu coração, nas minhas relações, que seja capaz de me levar a uma indelicadeza, talvez a um perigo? — Permaneço eu calma e simples depois das mi-nhas tentações?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Foge da

tentação; e, se ela vier, mostra que és o mais forte (São Nilo).

7. — Castidade

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XIIA MORTIFICAÇÃO EM GERAL

«Tenho estado preso à cruz com Jesus Cristo» (1), diz o apóstolo São Paulo; e «o nosso homem velho foi crucificado com ele, para que o corpo do pecado seja destruído» (2). Os santos, os castos são «crucificados que prendem a sua carne à cruz de Cristo, com os pregos da continência e com a mortificação do espírito e do coração» (3)- Toda a sua vida é uma eloquente lição sobre a energia e o rigor com que devemos defender a nossa virtude. Somos nós mais fortes do que eles ou estaremos menos expostos? Aprendamos portanto na sua escola estas duas verdades: 1.° O inimigo é o homem velho; 2.° É preciso mortificar o homem velho.

I. — O NOSSO INIMIGO É O HOMEM VELHO

A primeira habilidade do comandante de um exército é reconhecer o inimigo (4), saber por

(1) Gálat, II, 19. (2) Rom., VI, 6.(3) São Leão. (4) Alvarez de Paz.

que caminho ele chega, em que ponto ele vai principiar o ataque, que forças tem à sua dis-posição. Adquiridos estes conhecimentos, mo-vimenta as suas tropas, distribui as funções, prepara o assalto ou reserva-se para a defensiva, esperando reforços. Na guerra sem tréguas da vida espiritual e em tomo da castidade, é utilíssimo informarmo-nos sobre a existência, os costumes, as astúcias, o poder, as cumplicidades do inimigo: as virgens são para ele aquelas presas tanto mais apreciadas quanto mais ricas em méritos, mais elevadas em honra (5).

O adversário de Deus, o semeador da cizâ-nia nos campos de puro trigo, é o demónio. Mas o seu cúmplice está sentado no nosso lar; encontra em nós o instrumento com que nos atinge. A Sagrada Escritura diz que há em cada um de nós «o homem velho e o homem novo» (6) «O homem velho é aquela parte de nós mesmos que, viciada pela culpa original, corrompida pelas influências do demónio, se revolta contra Jesus Cristo, é levada ao pecado, às alegrias terrenas, à vida animal» (7); «é a obra do demónio oposta à obra de Deus» (8). «O ho-

(5) S. Pedro Crisólogo. (6) Efés., VI, 22, 24. (7) Mons. Ségur. (8) Bossuet.

mem novo é o cristão, o homem renovado pe-la graça de Jesus Cristo, que adere às luzes da fé, que sacrifica e imola corajosamente tudo o que julga contrário à vontade de Deus. O ho-mem velho é o homem todo inteiro, enquanto foi viciado por Adão; o homem novo, é ainda o homem todo inteiro, enquanto foi regenerado, reparado em Cristo» (9).

O homem velho é chamado também «a carne» (10) «o homem carnal», «o homem animal» : tudo expressões que nos fazem

suspeitar que a castidade encontra nele um inimigo perigoso e o demónio um aliado natural. É o foco das concupiscências, das quais a mais grosseira e a mais humilhante é a concupiscência da carne oposta à castidade. «O homem velho é a árvore; a concupiscência é a seiva; a carne é a substância do tronco, dos ramos, da árvore inteira; o pecado é o fruto; Satanás é o jardineiro de tudo isto» (11).

O apóstolo S. Paulo assinala muitas vezes a presença destes dois elementos que nos arrastam em sentidos diversos, e a existência daquela lei de pecado nos membros, como uma cons-

(9) Mons. Ségur.(10) Gen., VI, 42. (11) Mons. Ségur.

piração contra a justiça e a pureza. São os «dois nós-mesmos» de que fala S. Francisco de Sales. «Há dois gritos no homem: o grito do anjo e o grito da besta» (12). Cada um sente em si esta discordância, estas oposições, estas revoltas. Qual é a alma casta que não sentiu um dia a necessidade de gritar a Deus: «Senhor, acudi-me; de contrário, sinto que vou atrai-çoar-vos».

II. —É PRECISO MORTIFICAR O HOMEM VELHO

Um santo bispo emprega uma bela compa-ração para nos fazer compreender o que é o homem velho e a necessidade de o mortificarmos: «O homem, diz ele, santuário de Cristo, é semelhante a um templo magnífico em cujas paredes lançou raízes uma figueira selvagem. O arquitecto levanta as pedras e torna a colocá-las no seu lugar; a figueira destruidora seca e morre. Assim é o pecado: introduz-se, ramifica-se na nossa carne degradada; a morte chega, a parede desmorona-se, a figueira se-

(12) S. J. B. Vianney.ca, e Cristo divino arquitecto do seu templo, é que o há-de restaurar pela ressurreição num estado de imutável solidez. Neste mundo, acrescenta o santo doutor, nós não podemos desenraizar a figueira maldita, mas o que pudermos fazer devemos fazê-lo, isto é, mutilar, cortar o mais possível os ramos da árvore e, pela mortificação cristã, impedi-la de dar os seus frutos envenenados» (13).

A castidade é uma virtude necessariamente austera e mortificada: efectivamente, restabelecer e manter a ordem naquele ser dividido a que o pecado nos reduziu, é positivamente subjugá-lo. Ela não poderia viver nem poderia desenvolver-se sem o socorro da mortificação cristã, que reprime e disciplina os nossos sentidos corporais e as nossas potências interiores, imaginações e afectos, a fim de deixar livre expansão à nossa alma. «A mortificação, cortando-nos os dois pés, obriga-nos a não mais nos servirmos senão das asas» (14). O

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demónio vê os castos e os consagrados elevarem-se directamente para Deus, pela simplicidade e pela pureza. O seu trabalho maldito consiste em impedir essa rectidão de coração, em aviltar as almas até

(13) S. Metódio. (14) Mons. Gay.à terra, em imprimir-lhes uma tendência para as afectações, a sensualidade, as comodidades. Ele sabe bem que o lírio amolecido curva-se, inclina a haste, toca na terra e, em vez de dar a sua corola branca e suave, morre e apodrece. A alma casta eleva-se e mantém-se irmã dos anjos, com a condição de deixar a terra «dos que vivem molemente» (15), e de fazer à natureza má uma guerra sem quartel, de viver numa contínua austeridade.

«Sejamos nós o que quer que seja: dotados das mais felizes disposições ou possuídos de más tendências; iniciados ou veteranos na piedade; na posse intacta da nossa veste de inocência ou não tendo mais do que farrapos maculados, todos nós temos uma indiscutível necessidade de mortificação; é um meio necessário .i todos para se adquirir ou conservar a virtude. Ao cavalo mais educado é sempre bom manter a rédea um bocadinho curta e fazer sentir a espora» (16). «É a cruz que se tem de levar em cada dia, diz S. Bernardo; mas a unção da divina graça torna-a tão leve !».

Afectos. — «Ó Deus omnipotente, nós vos entregamos os nosso sentidos para a mortifica-

(15) Job, XXVIII, 12. (16) Rodriguez.ção; concedei-nos que sintamos uma santa alegria; e que sendo mitigado o ardor dos nossos apetites terrenos, nós possamos saborear mais comodamente as coisas do céu. Por Jesus Cristo, Senhor nosso. Assim seja» (Missal Romano).

Exame. — Estou eu convencida da necessi-dade de me mortificar para me conservar cas-ta? — Não me tranquilizo imprudentemente, sob o pretexto de que não tenho, actualmente, grandes tentações? — Procuro tornar-me hábil para tudo aproveitar no sentido de contristar, contrariar, incomodar, arruinar a má natureza? — O que faço eu, exactamente, com este fim? — Se eu não for corajosa e constante na mortificação, o que é que me poderá dar segurança ?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Se vós viverdes

segundo a carne, morrereis; se mortificardes pelo espírito as obras da carne, vivereis». (Rom., VIII, 13).

XIIIMORTIFICAÇÃO DO CORPO

«A carne, diz S. Francisco de Sales, é minha cara metade, é minha irmã. E contudo ela faz--me uma guerra cruel. Como minha irmã, eu devia segui-la; como adversária, devo fugir dela. Ai, se a acaricio, ela mata-

me; se a atormento, sinto logo a aflição». Estes lamentos lembram os de S. Paulo, e são também os nossos. Eles indicam as verdadeiras relações que é preciso manter com o corpo, «sustentáculo necessário, inimigo lisonjeador, amigo perigoso» (1). «1.° O corpo é um inimigo a vencer; 2.° o corpo é um servo a conservar» (2).

I. — O CORPO É UM INIMIGO A VENCER

«O mundo e o demónio são os grandes ini-migos da nossa salvação eterna; mas o mais temível é o nosso corpo, porque é um inimigo instalado nos nossos lares» (3). Em tempo de

(1) Bossuet. (2) S. João Clímaco.(3) Santo Af. de Ligório.

guerra, é mais fácil defendermo-nos do estrangeiro do que do espião e do traidor. Depois do pecado original, a carne luta contra o espírito» (4), e é «o inimigo doméstico mais perigoso» (5). Quantos condenados têm sido precipitados nos fogos eternos, por não terem castigado o seu corpo e não o terem reduzido à escravidão (6). É o lamento de todos os militantes que nós ouvimos no grito angustiado do apóstolo «Quem me livrará deste corpo de morte?» (7).

A vida dos castos e a história dos Santos ensinam-nos como se prevêem os assaltos do inimigo, como se enfraquecem as suas forças. Primeiro, eles lembram-se da advertência do Mestre : «Este género de demónios», que pratica os seus vexames por meio da carne, «só se expulsa pelo jejum e pela oração» (8). Armados com a oração, os valentes não esperam que o inimigo se tenha saciado e que desperte ardente e forte, «tornado invencível pelas nossas complacências» (9). PÕem-no a ferros, como a um escravo, e vigiam todos os seus movimentos. Tiram-lhe as suas comodidades, recusam as suas exigências, racionam-lhe o repouso e o pasto,

(4) Galar., V, 17. (5) S. Bernardo.(6) I, Cor., IX, 27. (7) Rom., VII, 24.(8) S. Marcos, IX, 28. (9) Bossuet.

enviam-no, sem quererem saber das suas in-justas reclamações, para o castigo e para o trabalho. Numa palavra, jejuam. É primeiro o jejum propriamente dito, segundo as leis da Igreja e do Instituto. Depois, as mil privações que um zelo piedoso e discreto sabe encontrar, mesmo na vida habitual, sem provocar a atenção, nem cair na singularidade. Sempre, sob várias formas, «aquele jejum que seca a carne e dá a sede de Deus» (10); «que torna a alma luminosa, o coração puro e o coração santo» (11).

Completando o pensamento do Salvador, S. Paulo, tornado sábio por uma dura experiência, acrescenta: «Os que são de Cristo, crucificam o seu corpo». Não se trata somente de pôr um freio a esse indócil; é preciso tomar a ofensiva, provocar-lhe lágrimas, soluços, sangue, tudo o que o enfraquece, o torna tímido, o põe fora do estado de prejudicar. Tal é o objectivo das

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macerações, das disciplinas, dos cilícios, das penitências corporais em uso entre os castos que o Espírito Santo torna vigilantes, ou entre os penitentes a quem o naufrágio fez pru-dentes. Seguindo este método, chega-se a «submeter o elemento terrestre à parte espiritual, ao

(10) S. Bernardo. (11) Santo Atanásio.

império da alma e da razão» (12). Restabelece--se a ordem divina: «O vosso apetite ser-vos-á submisso, e vós dominá-lo-eis» (13); «onde se acendia o foco do mal, elevar-se-á o palácio da castidade» (14).

II. — O CORPO É UM SERVO A RESPEITAR E A CONSERVAR

O Salvador adverte-nos de que «a carne é fraca» (15), e exorta-nos à vigilância e à aus-teridade. Mas «não se vê em parte alguma que o Evangelho avilte o corpo; pelo contrário, cura-o, eleva-o, sagra-o. Para um grande número de almas, é o meio mais eficaz de lhes inspirar, com o respeito que se deve à natureza humana, o sentimento e a virtude dos seus deveres para com o corpo e, por exemplo, da reserva, da modéstia e da castidade» (16).

O exemplo vem do alto. Deus trata o nosso corpo com honra. «Criou-o e formou-o com as suas mãos» (17); e já pensava no corpo que

(12) Gálat, V, 24. (13) Gen., IV, 7.(14) Santo Ambrósio.

(15) S. Mateus, XXVI, 41. (16) Mons. Gay. (17) Salmo CXVIII, 72.

daria ao seu Cristo, o homem que devia vir». Ê o corpo humano que Jesus tomou no seio da Virgem, sua mãe; Maria e os Santos levaram num corpo a sua vida terrestre. A graça dos sacramentos vai purificar, vivificar, fortificar a alma; mas é pelo corpo que o baptismo nos lava, que o Santo Crisma nos unge, que a Eu-caristia chega até nós. Deus ressuscitá-lo-á um dia, e ele terá a sua parte na glória ou no castigo. Daí a expressão do Apóstolo: «O corpo do cristão é um templo, a residência do Espírito Santo; os seus membros são os membros de Cristo; tem de levar e glorificar Deus no seu corpo». Nos consagrados, o corpo é, a um título especial, a morada de Deus : o voto de castidade separou-o dos usos profanos e dedicou--o ao seu culto; ele é bem, com todo o direito, a sua «hóstia viva, hóstia santa» (18).

Portanto, reduzindo e afligindo o corpo de modo que «a carne fique serva e a alma senhora» (19), deve-se ter um grande respeito por ele e conservar «essa montada que Deus nos deu para nos conduzir à celeste Jerusalém». (20). É com espírito de temor, de reverência, de re-

(18) Rom., XII, 1.(19) Santo Ambrósio. (20) Santo Agostinho.

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serva, que se deve tratar «esse templo de Deus». Depois, cortando nessa carne «o que favorece os seus ímpetos, é necessário fornecer-lhe com que cumprir a sua missão» (21). Os fundadores de ordens, iluminados do alto e apoiados no comando da Igreja, regulam, com sabedoria e experiência, a forma e a duração das mortificações gerais. Em cada assunto, em particular, é bom repetir aquela palavra de uma alta expe-riência : «Tende cuidado com as ilusões da mortificação : sede mais obedientes neste ponto do que em todos os outros» (22). «Deus não tem por agradável a austeridade, se ela não for praticada com discrição» (23). Exagerado, o jejum enfraquece o corpo; a privação de sono «enfraquece a cabeça» (24); ultrapassando o termo, rompe-se o equilíbrio, e a carne extenuada torna-se mais acessível às tentações. Outrossim, muitas almas têm, numa má saúde, num ministério laborioso, matéria para penitências providencialmente preparadas, «como outras tantas moitas de espinhos, para as proteger e defender» (25).

(21) Hugo de S. Victor.(22) Bx de la Golombière.(23) S. Tomás. (24) Santa Teresa.(25) Santo Af. de Ligório.Afectos. — «Nós vo-lo pedimos, Senhor

Omnipotente, olhai favoravelmente para a vossa família, a fim de que, com a vossa graça, ela seja regida no seu corpo e defendida na sua alma. Nós vo-lo pedimos por Jesus Cristo, Nosso Senhor» (Missal romano).

Exame. — Estou eu bem persuadida de que o meu corpo não será dócil ao meu espírito enquanto eu o não mortificar? — Que faço eu para o manter na obediência? — Não sou eu demasiado atenciosa, demasiado meiga para ele? — Sei, ao menos, aproveitar penitências providenciais : o frio, o calor, a alimentação, o repouso, o desconforto, as doenças? — Continuo muito delicada nas minhas relações com o meu corpo? — Estão todas as minhas austeridades submetidas à obediência?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Conservai-me

pura, ó meu Deus, no meu coração e no meu corpo, e que eu jamais seja confundida!» (Santa Cecília).

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XIVx MORTIFICAÇÃO DO ESPÍRITO

«É o espírito que governa o corpo; quando ele se deixa dirigir pela mão de Deus, a graça presta-lhe socorro e ele tem domínio suficiente para reprimir as suas revoltas» (1). Importa pois sobremaneira que o espírito se não perca nos seus caminhos; ele formaria com o corpo aquele par de cegos que vai cair no barranco (2). Para que o espírito seja na castidade um fiel guardião, deve — também ele — suportar as suas mortificações, que consistem : 1.° em extinguir o orgulho; 2.° reprimir a curiosidade.

I. — EXTINGUIR O ORGULHO

Os Santos Padres fazem observar que os animais mantiveram-se submissos ao homem e os seus sentidos dóceis ao espírito, durante todo o tempo em que ele próprio foi humilde e obediente servo de Deus. Não tendo «no corpo nenhuma fraqueza, nenhuma espécie de con-

(1) Santo Agostinho. (2) S. Lucas, VI, 30.

cupiscência no espírito, o homem não era acessível ao mal senão pela complacência consigo mesmo, pelo orgulho» (3). Foi por aí que o demónio tentou os nossos primeiros pais. Eles prestaram-lhe atenção e «ele fez nascer no seu coração um secreto prazer de se deleitarem em si mesmos, de se comprazerem na sua própria perfeição» (4). Logo «o homem se precipitou do alto, e, extraviado de Deus, cai primeiramente sobre si mesmo» (5). Então, perdendo a sua força, ele cai, de necessidade, ainda mais baixo : os seus desejos dispersam-se por entre os objectos sensíveis e inferiores» (6). Tais como aquelas belas toalhas de água que, tendo partido tão puras do céu, se quebram primeiro sobre os cimos dos montes, depois pulvarizam-se ali e deslizam até aos vales e às profundezas da terra. 0 que chegou para o género humano; infectado em Adão, como um rio na sua nascente, reproduz-se em cada um dos seus infelizes descendentes. «Os que conhecem Deus e não o glorificam e se perdem — pelo orgulho— nos seus próprios pensamentos, entrega-os Deus aos desejos do seu coração e as más paixões» (7).

(3) Bossuet. (4) Bossuet.(5) Santo Agostinho. (6) Bossuet.(7) Rom., I, 21, 24, 26.8. — Castidade.

«Para muitos, o orgulho é uma raiz venenosa que tem como fruto o pecado dos sentidos» (8). «O orgulho é incompatível cem a,

castidade» (9).A medicina das almas, diz um grande

papa, segue as mesmas leis que as dos corpos: assim como se reaquece um sangue arrefecido para curar certas doenças, assim se substituirá aqui ao orgulho cuja punição é o pecado humilhante, a humildade de que a castidade é a gloriosa recompensa. Diz-se que ela é «a virgindade do espírito» (10). Se portanto queres ser casto, sê humilde; se queres ser muito casto, sê muito humilde» (11); não se pode conquistar a graça da castidade, sem se terem lançado no coração os fundamentos da humildade» (12).

O castigo do orgulhoso consiste em «Deus subtrair-lhe os seus dons e em só lhe deixar o fundo do ser; nele nada ficou senão o que ele pode ter sem Deus, isto é, o pecado e a desordem» (13). O humilde, pelo contrário, desconfiando de si próprio, procura em Deus o seu apoio e a sua luz: quanto mais foge de si mes-

(8) S. Gregório(9) S. "Vicente de Paulo.(11) P.e Saint Jure.(13) Bossuet.

mo, mais encontra Deus; mais também se purifica nele. Assim, os lírios deixam o solo, lançam-se por sobre a sua folhagem e tomam, mais perto do céu, a sua deslumbrante brancura. Nessa humildade, reconhece se que se ivcebe de Deus a graça

da castidade; desconfia-se de si próprio, seja qual for o grau de virtude que se tenha atingido; finalmente, permanece-se in-dulgente e bom para todos os pobres pecadores. Uma religiosa lembra-se com fruto «de que uma mulher humilde vale mais do que uma virgem orgulhosa» (14).

II.—COMBATER A CURIOSIDADE

São João previne-nos, no mesmo versículo, contra «a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e o orgulho da vida» (15). Aqui temos reunidas as três raízes do mal. «Que tem pretendido o demónio senão tornar-me soberbo como ele, esperto e curioso como ele, e por último sensual?»; o homem seduzido «tornou-se soberbo, tornou-se curioso, tornou-se sensual» (16). O orgulho é uma estrada larga

(14) Santo Agostinho.(15) I, S. João, II, 16. (16) Bossuet.

que conduz aos pecados dos sentidos; a curiosidade leva ao mesmo fim por diversos atalhos. A tentação começa pelo orgulho, continua pela curiosidade e «termina como que no lugar mais baixo, pela corrupção da carne» (17).

Primeiramente é o desejo de saber. «Vós sereis como deuses, disse Satanás, conhecendo o bem e o mal». Excessivamente escutadas, «estas palavras levaram uma curiosidade infinita ao fundo dos nossos corações» (18). Este vasto

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(10) Lacordaire. (12) Cassiano.

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apetite de saber é um sinal da excelência do nosso espírito; oculta porém escolhos perigosos. O que se passa em volta de nós e em nós mesmos faz-nos sonhar, procurar, interrogar. Em matéria de castidade, há tantos mistérios a rodear--nos, tantos fenómenos a excitar as nossas investigações; se alguém se não precaver contra eles> perde, dentro em pouco, aquela feliz igno-rância que é a melhor guardiã da inocência. Certas religiosas são excessivamente ávidas de novidades mundanas, interrogam, para além dos limites, as visitas, as externas dos pensionatos, vão longe demais nas perguntas que fazem às suas antigas almas ou no que lhes permitem dizer, inquirem sobre certas minudências dema-

(17) Bossuet. (18) Bossuet.siado profanas, interessam-se demasiado livremente por uma multidão de coisas que dissipam o espírito e povoam a imaginação de quimeras malsãs.

Depois vem o desejo de ver. Ainda aqui «em que se abrem os olhos para os saciar com a vista das belezas mortais, ou mesmo deleitar--se em vê-las, ou em ser visto, é-se dominado pela concupiscência da carne» (19). A alma que está toda ocupada na contemplação de Deus e das coisas eternas, não tem dificuldade em fechar os olhos sobre a criatura» (20); pelo contrário, «toda a alma curiosa é vã e superficial» (21) e como sente a sua indigência interior, mendiga aos objectos exteriores algo para preencher o vazio do seu espírito. A religiosa prudente «mergulha tão intimamente no seio de Deus, que os olhos mortais não a podem seguir até ali; por sua vez, ela não pode desviar--se de um tão digno, de um tão doce objecto» (22).

Por último, a curiosidade leva a um decli-ve mais perigoso pelo desejo de experimentar, de sentir. Eva olhou para o fruto, achou-o be-

(19) Bossuet. (20) Santo Hilário.(21) Bossuet. (22) Bossuet.

lo, apetecível: foi então que o comeu (23). Seria também muito difícil, a uma imprudente, discernir se não experimentou já uma deleitação culpável nesse último género de curiosidade. A privação, a austeridade combatem «essa mo-ieza e essa delicadeza espalhada por todo o corpo» (24); e, para se conservarem castas, as consagradas renunciam corajosamente a todo o pensamento, a todo o desejo que as reconduz à terra; elas renegam de tudo o que lhes lison-geia o corpo e o espírito, procuram tudo o que é princípio de morte para a vida carnal» (25).

Afectos. — «Colocai a minha vida, ó Jesus, sob a guarda do vosso Santo Espírito. Absor-vei o meu espírito no vosso, tão

profundamente que eu esteja submersa em vós. Que nesta união convosco eu escape a mim mesma e que saia de mim para viver em vós e que eu permaneça assim sob a vossa guarda durante a eternidade» (Santa Gertrudes).

Exame. — Ponho eu a minha castidade sob a guarda de uma humildade profunda, constan-

(23) Gen., III, 6. (24) Bossuet.(25) S. Gregório Magno.

te, prática? Não sou levada a elevar-me acima das minhas irmãs de inferior condição, de ocupação inferior, de virtude pouco aparente, acima das pessoas piedosas que vivem no mundo? — Fecho cuidadosamente os meus olhos à vaidade, os meus ouvidos às novidades, o meu coração aos desejos vãos e perturbadores? — Não sou questionadora? indiscreta?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Ó Senhor,

ponde os meus olhares em vós; que eu não veja as vaidades» (Bossuet).

XVMORTIFICAÇÃO DO CORAÇÃO

Disse o Divino Mestre: «Bem-aventurados os limpos de coração». É do coração, efectivamente, que parte a pureza, para irradiar em todo o ser; o coração seria também o lugar de partida de tudo o que mancha a alma (1). «Aquele que quer resistir às seduções da car-

il) S. Mateus, XV, 18.ne deve pois exercer em redor do seu coração uma constante vigilância» (2). De resto, que lugar pode sobrar nas nossas afeições, quando nós amamos a Deus de «todo» o nosso coração? Ponhamos a ordem nas nossas relações: 1.° com os seculares; 2.° com as nossas irmãs.

I.—PERIGOS DAS RELAÇÕES COM OS SECULARES

«Deixa-te estar à porta do teu coração, di-zia um antigo monge, como uma sentinela vi-gilante, e não permitas, àquele que passa, o entrar nele» (3). Quando Deus faz sair uma eleita «da sua terra, da sua parentela, da casa de seu pai (4), subtrai-a às perturbações do século, aos negócios mundanos, aos cuidados absorventes. Além disso, arranca-a ao contágio que corrói o mundo e faz dele um «universo de malícia» (5).

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Que seria pois, se o povo escolhido procu-rasse reatar relações com aqueles estrangeiros com quem está, de futuro, proibido de se mis-

(2) S. Gregório Magno.(3) Vida dos Padres. (4) Gen., XII, 11. (5) I, S. João, V, 19.

turar? (6)- «Todas as amizades fundadas na simpatia e num afecto sensível para com um objecto que agrada, se não fazem outro mal à alma, são pelo menos obstáculos à perfeição. A alma corre, além disso, grandes perigos nessas espécies de afeições fundadas sobre as qualidades exteriores. Elas parecem, a princípio, indiferentes; mas a pouco e pouco tornam-se culpáveis» (7). Se se trata de pessoas de sexo diferente, podemos compará-las ao fogo e à palha sobre os quais o demónio não cessa de so-prar para provocar o incêndio (8). Santa Teresa viu-se um dia no inferno, e Deus disse-lhe que aquele lugar estava-lhe destinado, se ela não acabasse com determinada amizade ou inclinação simplesmente natural que ela sentia por um dos seus parentes (9). Observemos muito sinceramente o nosso coração. «Se vós sentirdes alguma afeição deste género, o único remédio é cortá-la prontamente e de um só golpe. Não digais que nada de mau se passou entre vós; o demónio, a princípio, não impele aos excessos; ele conduz pouco a pouco os imprudentes à beira do abismo, depois um simples toque basta

(6) Números, XVIII, 4.(7) Santo Afonso de Ligório. (8) S. Jerónimo. (9) Santo Af. de Ligório.

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(14) Gálat, III, 3.(15) H. Perreyve.

para os fazer cair. Se estais livre de todo o apego, conservai-vos sempre de atalaia, por-que estais sujeita, também vós, a cair naquelas armadilhas em que tantas outras se têm deixado prender por negligência» (10).

«Não deixeis de usar a mesma reserva com os religiosos e os eclesiásticos. Seria bom que não tivésseis relações com o vosso confessor, a não ser no confessionário. Sede mais circunspecta ainda com o vosso director; a confiança que existe entre vós e ele poderia dar origem a uma simpatia que, não sendo moderada, se convertesse num fogo do inferno» (11). Não digais que não há perigo, pelo facto desse padre ser santo. Quanto mais santa é uma pessoa, tanto mais devemos receá-la, porque o sentimento da sua bondade no-la tornará ainda mais querida (12). «Quantas dessas ligações que se julgavam fundadas na piedade, no serviço de Deus, na salvação das almas, degeneraram pouco a pouco, passando de colóquios mís-ticos a culpáveis passatempos» (13). Há temeridade em esquecer praticamente este facto de frequente experiência: que «muitos, depois de te-

(10) Santo Af. de Ligório.(11) Santo Af. de Ligório. (12) S. Tomás (13) S. Boaventura.

rem começado pelo espírito, acabaram pela carne» (14).

II. — AS AMIZADES PARTICULARES

«É uma glória do cristianismo ter sido tão bem instruído, tão bem dirigido o coração do homem, que fez esse coração, ao mesmo tempo tão virginal e tão forte, capaz de amar, mais e melhor do que nunca, tudo o que se deve amar sobre a terra, e capaz de o amar sempre menos do que a Deus. A santidade e a perfeição não destroem nem prejudicam em nada as puras afeições da terra; os santos não vão amar só a Deus, à força de não amarem ninguém, mas sim amar toda a gente mais do que a si próprios, à força de amarem mais a Deus do que a tudo» (15). Não se trata pois de matar o coração nos castos, mas de regularizar os seus mo-vimentos, de o conduzir à rectidão que ele conservará no céu.

«Amemo-nos no coração de Jesus Cristo como se amam os bem-aventurados; em Deus, que é o centro da sua união; por Deus que é

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todo o seu bem. Tenhamos um coração de Je-sus Cristo, um coração amplo que não exclui ninguém» (16). «Sede a amiga de todas as vossas irmãs e íntima de nenhuma» (17).

Qualquer outro é o resultado das amizades particulares. Os autores espirituais assinalam os seus inconvenientes sob o aspecto da caridade fraterna e do bom espírito. Santa Teresa combate-as, porque elas formam «linhas e partidos»; Santa Joana de Chantal, porque «trazem a desunião»; S. Vicente de Paulo, porque são «uma injustiça pois dão a uma o que deve ser de todas». Mas «não é menos certo que há muito a recear, mesmo para a castidade» (18). Em primeiro lugar, elas são opostas à «castidade espiritual», que consiste em se deleitarem na união espiritual com outras coisas, contra-riamente à ordem divina (19). Não é todavia o único mal; há alguma coisa mais a recear. «Se as amizades do exterior causam mais es-cândalo, as do interior, entre religiosas, são mais perigosas. Deus não permita jamais que uma religiosa tenha a infelicidade de cometer

(16) Bossuet.(17) S.to Af. de Ligório.(18) R. P. Meynard.(19) S. Tomás.

alguma falta grave contra a castidade na casa do Senhor» (20). Não se insiste neste ponto; este facto é raro, basta assinalar esse perigo ao zelo das superioras e às salutares reflexões de todas as religiosas (21). Era a este propósito que dizia uma venerável superiora: «Em religião, devemos amar-nos como anjos e evitar--nos como demónios» (22).

Eis os sinais das amizades perigosas: «conversas demasiado extensas e inúteis, inúteis logo que são demasiado extensas; olhares e elogios recíprocos; indulgência excessiva para com os defeitos; certas invejazinhas; a inquietação do afastamento» (23); «o apego às graças exteriores; o desejo de uma afeição correspondida; o receio de que as outras vejam, oiçam, escutem o que se passa» (24). Examinemo-nos: são pendores para um pecado mais rigorosa-mente punido quando se comete «na terra dos santos» (25).

Afectos. — «Dulcíssimo Jesus, fostes Vós só que eu escolhi para companheiro preferido

(20) S.to Af. de Ligório.(21) R. P. Meynard.(22) Fundadora das dominicanas de Bordeaux.(23) S. Boaventura. (24) S.to Af. de Ligório. (25)

Isaías, XXVII, 40.

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XVI

da minha vida. Ofereço-vos o meu corpo e a minha alma para vos servir; porque sou pro-priedade vossa e vós sois meu. Imprimi o vos-so sinal tão profundamente na face da minha alma, que nenhuma criatura obtenha a minha escolha nem receba o meu amor que é todo vosso». (Santa Gertrudes).

Exame. — Sou eu escrupulosamente pru-dente nas minhas relações exteriores? Vigio eu o mínimo pulsar do meu coração e a aproximação mais afastada? — Não tenho apego nem ilusões? — Tenho rupturas que se impõem, pelo menos sacrifícios a fazer: porque esperar?— Não tenho nenhuma preferência natural, nenhuma afectação pueril, nenhuma amizade demasiado sensível, demasiado sensual com algumas das nossas irmãs ou das nossas alunas?— Nada que não seja verdadeira caridade?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Deus marcou a

minha face com um sinal para que eu não aceite outro amor além do seu» (Ofício de Santa Inês).

DA TRISTEZA

«Há um espírito que persegue a alma re-ligiosa e a inquieta de todas as maneiras para lhe fazer perder a castidade: é a tristeza» (1). É pois necessário pormo-nos de atalaia contra este novo género de tentação, que constitui de resto «uma das enfermidades espirituais mais perigosas e mais rebeldes para se tratarem» (2). Meditaremos: 1.° Diferentes espécies de tristeza; 2.° remédios da tristeza.

I.—DIFERENTES ESPÉCIES DE TRISTEZA

O Apóstolo menciona duas espécies de tristeza, «uma segundo Deus, a outra do século» (3). Os santos chamam à segunda «a tristeza da carne» (4), um nome característico que mostra suficientemente aos castos quanto devem temê-la. «Produto do amor de Deus, a primeira desabrocha na alma com todos os fru-

(1) S. João Clímaco.(2) Rodriguez. (3) II, Cor, VII, 10. (4) S.

Gregório.

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tos do Espírito enumerados por São Paulo (5) : a caridade, a alegria, a paz, a bondade, a fé, a modéstia e a castidade» (6).

«No coração do sábio reside uma tristeza» (7) excelente, aquelas «lágrimas beatificadas», de que fala o Salvador na montanha, «aquele lamento da pomba que diz adeus aos risos e diversões profanas, às alegrias carnais e que, indo para a eterna felicidade, faz seu caminho através do vale de lágrimas» (8). Esta boa e salutar tristeza «é exercida pelos bons na compaixão pelas misérias temporais do próximo, e pelos perfeitos no condoerem-se das calamidades espirituais das almas» (9). Jesus associa as suas lágrimas às das irmãs de Lázaro, sobre o túmulo; chora a teimosia dos Judeus; no Gethsémani, as suas lágrimas pelos pecados do mundo convertem-se em sangue. Esta compaixão passa pelo coração de todos os santos e, em todos os penitentes, surge «uma tristeza de arrependimento que opera a salvação» (10); «as lágrimas de amor a Deus e de ódio contra o pecado» (11). Há ainda suspiros daqueles

(5) Gálat, V, 22.(6) Rodriguez. (7) Ed., VII, 5.(8) Belarmino. (9) S. Francisco de Sales.(10) II, Cor., VII, 10. (11) Belarmino.

que acham «o exílio demasiado longo», a quem «a vida pesa», e que desejam «a sua dissolução para estarem com Cristo». Finalmente, segundo um escritor de autoridade incontestada, os consagrados encontram «uma fonte de lágrimas inconsoláveis ao verem que, no estado religioso, ao lado de santas almas, há relaxa-dos» (12).

Esta «tristeza segundo Deus não é aborrecida nem penosa; não atrofia o espírito nem abate o coração; dá força e coragem, aumenta a confiança em Deus e faz invocar a sua misericórdia. A má tristeza perturba o espírito, agita a alma, causa-lhe inquietação; aparece como o granizo, sem razão nem fundamento; perde o coração, endurece-o, enlanguesce-o, torna-o inútil; tira o gosto da oração e cria a falta de confiança na bondade de Deus. É como um inverno rigoroso que destrói o brilho da natureza e se faz sentir em todos os animais; porque tira toda a suavidade à alma e torna-a quase inutilizada e impotente em todas as suas faculdades» (13). Que admira que, nesse estado de fraqueza e de miséria, se desça a mendigar satisfações de ordem inferior? «Os castos delei-

(12) Belarmino. (13) S. Francisco de Sales.9. — Castidade.

tes das alegrias eternas tornam-se fastidiosos; a alma religiosa encontra-se fraca; o demónio apressa-se a apresentar-lhe as taças dos prazeres imundos e, seduzida pela esperança de encontrar neles um lenitivo para o seu mal, ingere o veneno e encontra a morte» (14). Tal é «a tristeza carnal», que se deve banir para sempre, porque tem matado muitos» (15).

II. —REMÉDIOS PARA A TRISTEZA

«A tristeza do século deve ser expulsa do nosso coração com tanto cuidado como o espírito impuro; porque ela chega a destronar a alma do estado de pureza e a dar-lhe a mor-te» (16). Para sabermos remediar o mal, ve-jamos as suas causas. «A tristeza provém às vezes do inimigo infernal que enlanguesce a vontade e perturba a alma, à semelhança de um nevoeiro espesso que constipa a cabeça e o peito, torna difícil a respiração e causa per-plexidade no viandante. Outras vezes, a tris-teza procede da condição natural; esta não é

(14) Rodriguez. (15) Ed., XXX, 24, 25.(16) Raban Maur.

viciosa em si mesma, mas o nosso inimigo serve-se dela para urdir mil tentações nas nossas almas, como as aranhas fazem as suas teias, quando o tempo está abafado e nebuloso. Há finalmente uma tristeza que nos é trazida pela variedade dos acidentes

humanos. Nos bons, é moderada pela aquiescência e pela resignação à vontade de Deus: Job bendiz o Senhor nas suas adversidades; David transforma as suas dores em cânticos. Quanto às pessoas do mundo, essa tristeza transforma-se em desgosto, de-sespero, confusão de espírito» (17).

Eis os remédios. Em primeiro lugar, «a ora-ção é soberana, conforme a advertência de S. Tiago: Se alguém está triste, esse que reze! Fazei frequentes e repetidas orações a Deus; não obstante a tristeza esforçai-vos em profe-rir palavras de confiança e amor» (S. Francis-co de Sales). «Uns momentos de conversa com um amigo bastam para restituir à nossa alma a serenidade e a paz; que doçura e consolação nós devemos esperar, se expandirmos o nosso coração no d'Aquele que a si mesmo se chama o Deus de toda a consolação e amparo! A pomba, símbolo da pureza, não encontra onde pousar os

(17) S. Francisco de Sales.pés, e volta para o pombal: assim o servo de Deus, paira acima das voluptuosidades terrenas e volta, ele também para o seu abrigo» (18), isto é «para o seu coração, para ali orar; Cristo habita ali e faz brotar a fonte de todas as alegrias» (19).

A meditação, as boas leituras continuam este delicado tratamento. Colocados em grandes tribulações, os melhores de Israel recusavam procurar compensações nas

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alianças estrangeiras. «Para nos consolarmos, diziam eles, temos os livros santos, e é por intermédio dessa leitura que nos vem o socorro do alto» (20). Ê bom, para a religiosa, ler os seus títulos à protecção de Deus, lembrar-se de que lhe é prometido o cêntuplo e a vida eterna» (21), que «a felicidade é para os corações puros; que ela procedeu sabiamente conservando-se virgem» (22); «que às suas tribulações de um momento sucederá uma eternidade de glória» (23).

Finalmente, «procurai divertir-vos, fazendo crer ao vosso espírito que ele não tem desgos-

(18) Rodriguez. (19) S.to Agostinho.(20) I, Macab, XII, 9-15.(21) S. Mateus, XIX, 29.(22) I, Cor., VII, 38. (23) II, Cor, 17.

tos» (24). Deveis defender-vos, ocupar-vos, trabalhar, sair de vós mesmos, libertar-vos dos vossos próprios pensamentos, «procurar a conversão de pessoas espirituais; quando puderdes, cantar alguns cânticos próprios para elevar o espírito» (25). Acima de tudo, amai a vontade de Deus, amai a função que vos é confiada pela obediência, «vivei santamente para estardes sempre na alegria» (26).

Afectos. — «Concedei-nos, Senhor nosso Deus, a nós, vossos servos, um corpo e uma alma sempre sãos e, pela intercessão da bem--aventurada Virgem Maria, livrai-nos das tristezas presentes e dignai-vos reservar-nos as alegrias eternas. Por Jesus Cristo Nosso Senhor. Assim seja» (Missal romano).

Exame. — Qual é a causa das minhas tris-tezas? temperamento, luto de família, prova-ções providenciais? — ou antes pretextos fúteis, orgulho ferido, obediência difícil? — Esforço--me por amar a vontade de Nosso Senhor, o meu cargo, as minhas provações? — Rezo eu

(24) S. Francisco de Sales.(25) S. Francisco de Sales.(26) S. Bernardo.

para ser mais forte ?; recorro ao pensamento do Céu, ao pensamento da penitência? — Sou taciturna ou procuro em companheiras carido-

sas, principalmente na minha superiora, algu-mas palavras e conselhos que elevem e consolem?— Está a minha consciência em paz? — Gosto dè alimentar uma tristeza vaporosa, em vez de santamente a dissipar?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Se vós não que-

reis, por coisa nenhuma deste mundo, ofender a Deus, isso basta para viverdes alegres». (S. Francisco de Sales).

XVIIDO ESPIRITO DO MUNDO

«Ê próprio do demónio tentar-nos» (1). «Estende armadilhas, estimula os corpos, arrasta as almas, sugere pensamentos, dissipa afeições, faz amar o vício e odiar a virtude» (2). Mas o demónio é um chefe que tem legiões de espíritos maus à sua disposição. Ele é «o príncipe do mundo» (3) e é por meio do mundo que ele seduz, na maior parte do tempo, os castos; de tal modo que «aquele que pisa aos pés o mundo, tem algo a recear do demónio» (4). Meditemos: 1.° Que é o mundo; 2.° Sinais do espírito do mundo nas consagradas.

I. — QUE É O MUNDO?

«O mundo, no sentido evangélico, é tudo aquilo que, por pensamentos, palavras e acções, protesta contra Deus, contra a sua lei, contra a sua graça, contra a vida superior que Ele nos comunica, contra as esperanças que nos dá, contra os destinos que nos marcou» (5). O mundo «é o inimigo de Jesus Cristo, o inimigo do evangelho. É aquele conjunto de pessoas que, presas às coisas sensíveis, e pondo nelas a sua felicidade, as têm por verdadeiros bens, e baseiam na aquisição e na fruição desses bens todos os seus princípios, toda a sua moral, todo o seu programa de conduta. Por conseguinte

(1) S. Tomás. (2) Conrenson.(3) S. João, XII, 31.(4) Cassiodore. (5) R. P.e Monsabré.

Jesus Cristo e o mundo condenam-se e repro-vam-se reciprocamente» (6).

«Jesus desonrou o mundo» (7); demonstrou e revelou as suas tendências, as suas máximas, os seus vícios. «Acusou-o de pecado»; declarou-o «inimigo da verdade»; «não orou por ele», «amaldiçoou-o por causa dos escândalos», separou os seus do mundo. Os discípulos partilharam a respeito do mundo as severidades do seu mestre. «Meus filhinhos, diz S. João, não ameis o mundo; tudo nele é concupiscência dos olhos, concupiscência da carne, orgulho da vida»

(8). Estas palavras revelam-nos um inimigo dos castos. Lembrais-vos de como o mundo acolhe a notícia de uma vocação para a virgindade? Quanto as mães são largas, precipitadas, até mesmo imprudentes em entregarem a uma criatura qualquer as suas filhas, quanto as vemos desconfiadas, tristes, por vezes injustas, quando se trata de as darem a Jesus Cristo. E no entanto elas sabem de que perigos a castidade as livra. S. Paulo explica a razão desta diferença; a sua linguagem é enérgica : Tornado «animal» pelos seus pensamentos e gostos, «o

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(6) P.e Grou. (7) Bossuet.(8) II, S. João, II, 16.

homem não tem o sentido das coisas divi-nas» (9). Ponde diante de um boi um feixe de erva e uma moeda de ouro ou um diamante; o instinto fá-lo precipitar-se sobre a erva.

Este mundo, que recusou reconhecer o Salvador (10) é, ao mesmo tempo, corrompido e corruptor. Obliteram-se nele as noções que elevam o espírito, que salvaguardam a dignidade humana, que criam o respeito à alma e ao corpo. A fé obscurece-se, a esperança limita-se a enganadoras felicidades, e fazem seu fim e seu Deus aquilo que têm de menos nobre em si (11); «o mundo torna-se um sarcófago cheio de cadáveres em putrefacção» (12); quando muito, conserva as aparências de um «sepulcro caiado»; «o próprio ar que se respira não é mais do que prazer e vaidade» (13).

Depois, o mundo tem o seu apostolado destruidor; vai à caça das almas, «como um cavalo montado pelo demónio» (14), «como uma torrente que arrasta águas impuras» (15). As suas máximas são o inverso das bem-aventuranças

(9) I, Cor, II, 14.(10) S. João, I, 10. (11) Filip., III, 19.(12) Hugues, card. (13) Bossuet.(14) Gerholus, primaz de Reich.(15) Hugues, card.

proclamadas pelo Salvador; resumem-se nestas três palavras: ter, poder, parecer. Tudo, nas suas ideias, costumes, modas, usos, festas, contradiz o Evangelho. O contágio é tão grande que «nem os corações religiosos escapam à poeira mundana» (16). Assim «as roseiras que crescem no meio das urtigas, têm a sua seiva como que seca» (17). Que recurso podem ter os castos, senão «fugir do meio de Babilónia», ou então, se a sua vocação os prender no século, «estarem no mundo, sem serem do mundo?».

II. — SINAIS DO ESPIRITO DO MUNDO NAS CONSAGRADAS

O livro da Sabedoria contém uma página pungente. Os infernos parecem abrir-se, e ouve--se exteriorizar o desespero dos condenados. Tinham troçado dos justos, enquanto eles viviam na loucura e morriam na desonra. Vêem os santos coroados e choram as suas alegrias tão falsas, tão passageiras, tão laboriosas, tão criminosas. Então exclamam, numa suprema angús-

(16) S. Gregório. (17) Alain de Lisie.tia: «Afinal enganámo-nos, o sol da inteligência não se ergueu sobre nós» (18).

Tal será a última palavra do mundo e das suas vítimas: «Enganámo-nos».

Assim «se afastaria do caminho da verda-de», e se «fatigaria na senda da perdição», e «cairia sem honra» a religiosa que, «separada do mundo pelo corpo e pelo hábito, tendesse ainda para ele pelo espírito, coração e actos» (19). «Ela morreu para o mundo, porque não é o mundo um morto para ela?» (20). Não, ela continua a ocupar-se do mundo. Ela quer saber o que se diz, o que se passa nele; procura estar ao corrente dos acontecimentos públicos, da história das famílias, dos factos e gestos de cada pessoa. Ao entrar em religião, «ela punha os pés sobre este mundo e fazia dele o primeiro degrau da escada que a elevava na região dos santos» (21); depois, olhou para baixo, desceu, e de boamente fala do que vê. As conversas piedosas não encontram eco nela; sobre os assuntos profanos, está informada; torna-se eloquente, sente-se que ela «fala da abundância

(18) Sabedoria, V, 1-14.(19) S. João Crisóstomo.(20) Santo Isidoro de Sevilha.(21) S. Jerónimo.

do coração» (22). Ai! S. João adverte que «os que falam do mundo são do mundo» (23). De resto, ela pensa e ama como os mundanos. A fortuna, a beleza, o espírito, as boas maneiras, as casas bem mobiladas, as pessoas ricas, são as suas preferencias. Ela tem uma dificuldade incrível em se humilhar, em obedecer, em sofrer, em perdoar, em se calar, em ser ignorada. De boamente procura o olhar, a estima, os louvores, a afeição; tem um fraco por tudo o que vem de fora e que dá alguma satisfação aos seus desejos de ver, de saber, de parecer. Talvez ela seja daquelas «que se renderam ao amor do mundo e a quem Jesus Cristo já não pode suportar no seu coração» (24).

Como quereis vós que, com uma cabeça, um coração, uma imaginação e hábitos semelhantes, a castidade esteja segura? Num dia ou noutro precipita-se um turbilhão que arrasta essa imprudente; de resto, «amar o mundo, é já sinal de que se descaiu da pureza» (25). «Não se pode amar a Deus e ao mundo. Deus quer tudo, e por pouco que vós lhe tireis, o que

(22) S. Lucas, VI, 45.(23) S. João, V, 5. (24) S. João Grisóstomo. (25) Santo Agostinho.

vós derdes ao mundo, por fim, arrastará o vosso coração e será o tudo para vós» (26). Possamos nós ver sempre «nas carícias do mundo o anzol que o demónio nos estende» (27), e ficar no caminho da humildade e da renúncia, lembrando-nos de que «se alguém agradar ao mundo, esse não é o servo de Cristo» (28).

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Afectos. — «Já basta de me terdes suportado, Senhor, eu não quero mais hesitar em me dar a vós. Vós convidastes-me muitas vezes para acabar com o mundo e para me dedicar toda inteira a vós. Que objecto posso eu encontrar no mundo que me tenha amado mais? Vós, meu Redentor, sois todo o meu tesouro. Só Deus, só Deus, não quero senão a Deus» (Santo Af. de Ligório).

Exame.—Tenho eu, a respeito do mundo, os sentimentos de Jesus e dos santos? — É tudo evangélico, religioso nos meus juízos e nas minhas afeições? — Qual é o pendor dos meus pensamentos, das minhas conversas, das minhas actividades? — A minha vida é interior, oculta,

(26) Bossuet.(27) S. Francisco de Assis. (28) Gál, I, 10.

cheia de renúncia? — Amo eu a pobreza, o sofrimento, as ocupações baixas, tudo o que favorece a humildade, o que me rouba ao mundo?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Para se ser todo

de Deus, não basta abandonar o mundo, é preciso desejar que o mundo nos abandone e nos esqueça» (Santo Af. de Ligório).

XVIIIDO AMOR DA SOLIDÃO

«A solidão é o sinal do desprezo do mun-do» (1); «a prisão das paixões más e o triunfo da castidade» (2). «A clausura e as grades, que são a sua expressão mais enérgica, inspiram tal horror aos filhos do século, que não era preciso mais para justificar aos nossos olhos medidas que o mundo condena, por encontrar nelas a sua própria condenação» (3). Temos portanto, como remédio, contra o espírito do mundo: 1.° o amor da solidão; 2.° a clausura-

(1) Hugo de S. Victor. (2) S. Cesário. (3) P.e Gautrelet.

I. — O AMOR DA SOLIDÃO

A solidão é útil a duas classes de religiosos. «É na solidão que aqueles que conservaram a inocência do baptismo recebem o prémio da sua fidelidade. Como o mundo nunca teve lugar no seu coração, eles não conservam memória daquilo que não amaram. Purificam-se continuamente e trabalham para se tornarem dignos de jamais perderem o que amam» (4); «a solidão é a sua defesa mais segura» (5). Para os que chegam feridos ou convalescentes, «a divina misericórdia condu-los à solidão, a fim de

que, pelo afastamento dos lugares e das pessoas que foram a causa das suas quedas, eles recuperem mais facilmente a justiça que tinham perdido, ou readquiram um vigor que os torne, de algum modo, iguais àquelas cuja santidade jamais recebeu danos (6); de nenhum modo os penitentes realizam melhor a sua purificação» (7).

De resto, todas as almas que amam a Deus procuram a solidão; ela é branca de inocência como os lírios» (8); «ela favorece o desa-

(4) De Rance. (5) S. Boaventura.(6) De Rance. (7) S. Pedro Damião.(8) S. Af., de Ligório.

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brochar das virtudes» (9); ela é o instrumento da perfeição» (10). Toda a religiosa foi condu-zida por Nosso Senhor para uma solidão mais ou menos completa. As almas sobrenaturais, recolhidas, interiores, amam tudo o que as mantém ocultas e solitárias; «reservam-se para o Único que escolheram» (11); «e nunca estão menos sós do que quando estão sós com Deus» (12). As que não compreendem a seriedade e a austeridade da vida religiosa, procuram o que as põe em contacto com o exterior, isto é, a dissipação, o ruído, o mundo, esquecendo-se de que «se está tanto mais afastado de Deus, quanto mais aproximado dos mundanos» (13).

Estas amam imoderadamente as saídas ou o palratório. É nisso que reside o espírito da sua vocação? «A verdadeira esposa de Jesus Cristo não aprecia nem procura a conversa dos que poderiam prejudicar o seu voto de castidade; evita-os como a serpentes venenosas. Quantas colunas derrubadas, por terem querido sair das suas celas, sem a isso serem obrigadas,

(9) S. João Crisóstomo. (10) S. Tomás.(11) S. Bernardo. (12) Santo Ambrósio.(13) S. Maurício, abade.

por ligeireza de coração ou mesmo por carida-de mal entendida» (14).

«As visitas, diz S. Vicente de Paulo, devem, muitas vezes, ser suprimidas ou moderadas, mesmo tratando-se de pessoas sensatas que vivem no mundo».

Pelo menos deve-se estar acompanhada de uma outra irmã e rodeada de modéstia, de prudência e de um santo temor.

Não se deve usar de menos vigilância nas visitas a receber. «Ninguém é mais digno de compaixão do que uma religiosa que ama o mundo e que, não podendo ir para ele, o man-da vir para ela, e passa um tempo considerável no locutório, em conversas vãs, em distracções, em críticas, em passatempos, a informar-se do que se passa no exterior. Ó minha irmã, Deus, na sua bondade, livrou-vos dos perigos do mundo e deu-vos força para os deixardes; porque vos expondes a esses perigos de que fugistes?» (15). Talvez haja matéria para um sério exame nas religiosas que estão ocupadas em funções exteriores, principalmente na educação das crianças: é fácil a ilusão, e ao fim de pouco

(14) Santa Catarina de Sena.(15) S.to Af. de Ligório.10. — Castidade.

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tempo «a esposa de Jesus Cristo já não será o jardim fechado que se não deve abrir a nin-guém senão a Ele» (16).

II. — A CLAUSURA

«Foi principalmente para favorecer a casti-dade, de que as pessoas religiosas fazem pro-fissão, que se introduziu a lei da clausura; ela deve ser «considerada como uma dependência do voto de castidade» (17). A clausura é a salvaguarda dos votos. É indubitável que a facilidade de sair, de ver a família, de conservar relações lá fora, cria certos perigos para a prática da pobreza, maiores ainda para o voto de castidade. Bem defendida, a clausura protege esses votos, e torna mais imediata, mais constante a dependência e a obediência. Além disso, ela é a consagração do sacrifício religioso: colocar os selos numa casa, é atestar a posse daquele que os manda colocar; assim, a clau-sura consagra a propriedade exclusiva de Deus. A clausura é ainda uma barreira entre a alma religiosa e o mundo; preserva-a do seu espírito,

(16) S.ro Af. de Ligório.(17) P.e Gautrelet.

das suas máximas, da sua frivolidade, do seu brilho sedutor, das suas promessas falazes, da sua crónica escandalosa. Ela restringe a vida dos sentidos, a evaporação dos sentimentos, os voos da imaginação e, do mesmo modo, desenvolve e aperfeiçoa a vida da graça, a vida divina, a vida interior, a doçura e a intimidade das relações com Deus. Por estas razões, Santa Teresa, antes da sua reforma, exclamava: «Foi para mim uma desgraça não ter entrado num mosteiro em que se observasse, com exactidão, a clausura» (18).

Contudo, as religiosas que desempenham as funções de Marta, ou alternam com as de Maria, nada têm a lamentar. Fazendo a vontade de Deus, elas fazem o que há para elas de melhor e de mais perfeito. Imitam propriamente a vida d'Ele; porque «Ele está infinitamente separado de tudo pela pureza do seu ser, e é infinitamente comunicativo por um efeito da sua bondade» (19). Resta-lhes fazerem «no próprio seio do seu coração um claustro misterioso e profundo, ou então uma montanha alta e deserta em que a sua alma se retire, se recolha, no meio das mais agitadas ocupações, e se en-

(18) Santa Teresa. (19) Bossuet.tretenham secretamente com Deus, dedicando--se com ardor às funções que a obediência lhes confiou» (20). Quantas tempestades e abalos se podem experimentar numa caverna muda, e que turbilhões nós podemos enfrentar no mundo, sem deixarmos contaminar a nossa alma?!

É portanto «a solidão de espírito que é ne-cessária; sem ela, a solidão do corpo não pro-duz efeito algum» (21). As boas religiosas

cumprem redondamente, energicamente os seus deveres de estado; fazem para si um claustro interior de modéstia, de prudência, de recolhimento» (22); «não procuram, nas suas funções exteriores, ocasiões de distracção, mas unicamente o serviço das almas e a glória de Deus, e, logo que podem, saem do mundo e voltam para Jesus Cristo» (23). Nestas condições, elas parecem-se com a abelha que sai para libar no campo, mas volta imediatamente para o cortiço, fabricar o seu mel. Fora disso, não se tem direito à protecção divina; «a mistura com o mundo é prejudicial à pureza; o espírito esvazia-se do santo pensamento de Deus e enche-se do amor das criaturas» (24).

(20) Möns. Plantier. (21) S. Gregório. (22) Möns. Plantier. (23) S.to Af. de Ligório. (24) S. Vicente de Paulo.

Afectos. — «Morre, ó minha alma, morre incessantemente para todas as criaturas que te desviam do Criador; sê solitária, foge deste mundo; se o procurares, ele seduzir-te-á. On-de podes tu estar melhor do que com Jesus Cristo, onde podes tu estar bem sem Ele? Sê portanto, ó minha alma, um jardim fechado, que seja somente Jesus a ter a chave dele» (P.e Avrillon).

Exame. — Amo eu a solidão, a vida oculta, o espírito interior? — São, porventura, a necessidade, a obediência e a caridade as únicas razões que me põem em contacto com o mundo? — Não me iludo sobre a utilidade que há em ver, receber seculares, em conviver com eles ? — Mostro-me verdadeira religiosa pela reserva, modéstia, prudência, austeridade? — Termino as visitas e conversas logo que posso?

Resolução.Ramalhete espiritual. «Fujamos, fujamos,

escondamo-nos; evitemos os próprios santos que nós não encontramos no refúgio sagrado do Esposo» (Bossuet).

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XIX

DA VIGILÂNCIA

«Vigiai e orai, para não cairdes em tenta-ção» (1). Tal é a recomendação que Nosso Senhor faz aos seus discípulos, Ele que conhece tão bem a argila de que somos feitos (2). Ela é dirigida igualmente a nós que temos, como eles, «um espírito pronto, mas um corpo frágil» (3). A vigilância é bem necessária, porque, uma vez perdida «a bem-aventurada integridade, só à custa de duros trabalhos pode voltar a ser casta» (4). Meditemos: 1.° o dever da vigilância; 2.° as regras da vigilânca.

I. — O DEVER DA VIGILÂNCIA

«Tomai a peito conservar a virgindade da vossa alma, estai de olhar sempre atento às astúcias e às carícias do dragão; desde o mo-mento em que deixardes de vigiar, os vossos cinco sentidos, que são como outras tantas virgens, serão corrompidos pela serpente». (5) Di-

(1) S. Mateus, XXVI, 41. (2) Job, X, 9.(3) S. Marcos, XIV, 38. (4) S. Cipriano.(5) Santo Agostinho.

zia o Salvador: «Vigiai, porque não sabeis nem o dia nem a hora» (6). Falava da sua vinda; esta advertência pode entender-se também do assalto do demónio que vem muitas vezes de improviso e sem que nada faça suspeitar da sua aproximação. O grande talento numa guerra, é saber surpreender o inimigo; o erro e a desgraça é deixar-se o exército surpreender: depois de um dia de batalha, os soldados fatigados que repousam no campo estão sempre sob a vigilância das sentinelas. Nos combates incessantes, no meio dos quais decorre laboriosamente a nossa vida espiritual, a vigilância é também a nossa primeira segurança e o nosso primeiro dever.

«A vigilância é uma atenção perseverante da alma sobre si mesma e sobre tudo aquilo que a rodeia. Toda a virtude que teme uma derrota, deve considerar-se como uma praça sitiada. Que faz aquele que tomou uma cidade cercada, agora confiada à sua guarda, e que jurou morrer, de preferência a render-se? De dia e de noite, ele olha e escuta. Observa os movimentos e escuta os ruídos de dentro e de fora. Ao primeiro grito de alarme, ao menor ruído suspeito, lá está ele de pé, a multiplicar

(6) S. Mateus, XXV, 13.as suas ordens, e a mandar marchar as suas forças para onde se pressente o perigo» (7). Eis «o forte armado, a guardar a sua própria

casa; aquilo que ele possui, está em seguran-ça» (8).

Os apóstolos tinham adormecido, quando o Salvador lhes deu de conselho que vigiassem. Há o sono «daqueles que estão sentados à sombra da morte» (9), os pobres pecadores. O pecado e uma rede de malhas apertadas, em que o demónio os tem cativos. «A primeira vigilância é a vigilância do estado de graça, ou então o regresso da alma ao dia cristão, mantido o olhar interior, capaz de ver a verdadeira luz» (10). «Marchai como convém a pessoas a quem o sol ilumina» (11).

Mas não basta poder abrir os olhos, é pre-ciso conservá-los abertos, defendermo-nos mesmo da sonolência, e não nos parecermos com aquelas sentinelas de que fala o profeta, «semelhantes a gafanhotos engordados nas sarças». Que resistência pode opor ao inimigo «a alma preguiçosa, mole, covarde, pusilânime, à qual todo o sacrifício espanta, que se poupa em tu-

(7) R. P.e Monsabré. (8) S. Lucas, XI, 21.(9) Salmo CVI. 10. 10) Mons. Gay.

(11) Rom., XIII, 13. JP5P^^m«v!do, que se deixa ir ao sabor da corrente?» (12). Acontece o mesmo com a alma tíbia, à qual não podem impressionar nem a recordação das graças de Deus, nem o pensamento das próprias faltas, nem o exemplo dos santos, nem a esperança das alegrias eternas, nem o sentimento das suas responsabilidades: que força terá ela, quando tiver de ser, para «escapar aos dedos do captor, vivo como a gazela, alado como a ave?». Finalmente, a alma sonhadora perde-se numa atmosfera demasiado pesada, que, a pouco e pouco, lhe vai fechando os olhos; desgostosa da vida real e das suas austeras obrigações, distrai-^ com vãs miragens e deixa-se invadir pelo encanto das fantasmagorias: uma impressão, uma palavra, um apelo arrastá-la-á para fora «daquele templo de Deus, de quem a castidade é a sacristã e a guardiã» (13).

II. — AS REGRAS DA VIGILÂNCIA

O exercício da vigilância consiste em nos vigiarmos a nós mesmos e à volta de nós, em prevenirmos os ataques de fora e em desmasca-

(12) Mons. Gay. (13) Tertuliano.

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rarmos as cumplicidades de dentro. Se quisermos escapar ao «espírito de vertigem» (14), temos de olhar para nós, de escutarmos a nossa alma; elucidarmo-nos sobre as suas tendências e sobre os seus pendores mais ocultos; tomarmos, a pouco e pouco, consciência do que ela pode tanto para o bem como para o mal; e chegarmos assim àquela incomparável ciência que se chama o conhecimento de nós próprios. Prestemos contas, a nós mesmos, não só das nossas íaltas, mas também das suas causas e das ocasiões que as provocam : não basta cortar essa árvore má, é preciso aniquilar-lhe os re-bentos» (15) e destruir até às suas raízes amargas que rebentariam com uma nova força» (16).

Para alguém estar tranquilo a respeito de si mesmo ou para assegurar a sua própria vitória, torna-se indispensável conhecer o estado geral do seu coração, os lados fracos e defeituosos, as avenidas abertas ao inimigo, a porta à qual ele se apresenta habitualmente. É o espírito que importa recolher, é a imaginação que se deve refrear, é o coração que precisa de ser reprimido: precisa de saber muitas coisas

(14) Isaías, XIX, 14.(15) Dan. IV, 11. (16) Hebr, XII, 45.

aquele que quer colocar-se, principalmente em matéria de castidade, ao abrigo das surpresas. Em cada um de nós, o mal envolve um cúmplice mais hábil e mais dissimulado: vaidade, amor dos prazeres, aspirações de um coração mais impressionável, talvez até «qualquer espião de aspecto inocente (17); estejamos de olho atento para o castigar, manietar, tornar impotente ao menor dos seus movimentos, ao primeiro ruído; nada de perdão nem de amnistia, aliás abusaria logo da nossa clemência.

O inimigo interior poderia ser mais facil-mente reduzido, se não fosse impelido à trai-ção pelos de fora: daí a necessidade, como segunda regra de vigilância, «de ter cuidado com quem entra na praça» (18). Virtudes e faltas dependem muitas vezes do meio em que a vida decorre, das relações, dos hábitos, das dificuldades ocorrentes. Para onde a Providência nos leva, aí nos protege a graça; para nós, a sabedoria consiste em não nos expormos, sem razão suficiente, ao perigo, não só de pecar, mas de ser tentado. Sejamos sinceros connosco mesmos. Há, em qualquer parte, uma ideia, uma palavra, um projecto, uma pessoa, um objecto

(17) Bossuet. (18) Bossuet.ameaçador, terrível, ou acariciador e cortês, funesto à nossa virtude e à paz da nossa consciência? O que é que nos seduz, nos impressiona, nos alegra o espírito, nos dilata o coração, nos transporta os sentidos? O ladrão está ali: se ele estiver à direita, ide vós para a esquerda; se ele estiver na praça, procurai a solidão; se ele falar, fechai os

ouvidos; se ele avançar, fugi. Nunca vos aventureis a uma região pantanosa, e principalmente nunca vos fixeis nela. «Bem--aventurado, diz o Espírito Santo, o que vigia e toma conta do seu vestuário, para não chegar despojado e humilhado» (19). «Vigiai e orai, para não cairdes em tentação» (20).

Afectos. — Salvai-nos, Senhor, enquanto nós vigiamos; guardai-nos, enquanto permitis que durmamos; para que possamos vigiar com Jesus Cristo e repousemos na paz». (Breviário romano ) .

despojado e humilhado» (19). «Vigiai e orai, com o respeito e o cuidado que são devidos a um conselho de Nosso Senhor? — Ao concluir esta meditação, visitei eu o meu espírito, o meu

(19) Apoc, XVI, 15. (20) S. Marcos, XIV, 38.coração, todo o meu ser, para saber se real-mente não há em mim inimigo que ameace a minha castidade ? — Olhemos para o exterior: pessoas, objectos, circunstâncias que me ro-deiam' não haverá nada que seja para mim ocasião de pecado?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Não tendes

medo de dormir, enquanto o vosso inimigo está tão vigilante?» (Santo Agostinho).

XX A MODÉSTIA

I.—NO PORTE E NOS OLHARES

« A modéstia, como a castidade, está ligada à virtude cardeal da temperança» (1). «Ela aplica o compasso e a régua a todos os membros, a todos os sentidos, a todos os movimentos corporais» (2). Vê-se facilmente o que a modéstia é para a virgindade, se repararmos

(1) Santo Tomás. (2) P. Saint-Jure.naquelas palavras de um grande santo: «Que tudo seja virgem na virgem, a vista, o ouvido, o gosto, o tacto, o olfato e cada um dos seus movimentos» (3). Para continuarmos o exer-cício da vigilância, estudemos : 1.° a modéstia no porte; 2.° a modéstia nos olhares.

I. — A MODÉSTIA NO PORTE

«A modéstia é uma virtude que, pelo res-peito devido à presença de Deus, para edifica-ção do próximo e por um sentimento de digni-dade pessoal, regula com decoro todo o exterior do homem: a sua conduta, o olhar, o gesto, as palavras, as diligências; ela ordena e compõe tudo conformemente à idade, à condição, sem afectação nem singularidade; é

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o reflexo, senão da santidade, pelo menos da probidade e da decência que devem existir interiormente» (4). «A modéstia serve de égide à castidade, afastando as ocasiões e os perigos. Sem a modéstia, uma religiosa expõe-se a comprometer a sua vocação e a escandalizar o próximo. Pelo contrário, uma religiosa modesta afasta os ini-

(3) Santo Antonino. (4) P.e Valuy.migos da sua salvação, mantém em respeito todas as pessoas que a rodeiam, e inspira, sem as procurar, grande estima por si e uma grande concepção sobre o estado religioso» (5). A modéstia faz do nosso corpo «a guarda e como que a custódia de um Deus; guarda e mostra Deus no nosso corpo» (6).

A fisionomia desta virtude reflecte-se pri-meiro no conjunto das atitudes. Os santos ad-vertem-nos de que nunca devemos familiarizar--nos e que nos portemos com temor e dignidade, quando estamos sob o único olhar de Deus; «a virgem não receia senão a si própria» (7). Enquanto que a austeridade é a guardiã da castidade, uma conduta mole provoca naturalmente as revoltas sensuais; «há atitudes de corpo que enervam e fazem perder a razão mais de-pressa do que o vinho» (8). Como nos por-tamos? Escutai: «Só, ao levantar, ao deitar, no estudo, na maneira de caminhar e de nos sentarmos, nas mínimas atitudes em que se emancipa muitas vezes aquele que está ao abrigo de todo o olhar», S. Francisco de Sales nunca se dispensa «das mínimas regras do decoro;

(5) R. P. Meynard. (6) P. de Pontevoy.(7) Tertuliano. (8) Santo Ambrósio.

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sozinha como se estivesse acompanhada; em companhia como se estivesse sozinha» (9). É que os santos começam por regular o seu in-terior. Se as lembranças perigosas, os desvios da imaginação, os desejos sensuais, os afectos demasiado sensíveis não forem mantidos em respeito, os sentidos, um momento contidos, recuperam imediatamente a sua liberdade.

Os que estabeleceram «a sua morada na paz» (10), governam tanto mais facilmente o seu exterior. O santo bispo de Genebra «conservava sempre a cabeça erguida, evitando igualmente a ligeireza que a faz voltar-se para todos os lados, a negligência altiva e empertigada que a inclina para trás; todo o seu porte era nobre e santo, majestoso sem pretensão, natural sem moleza nem desleixo; nunca tinha uma maneira de estar ou de proceder que não estivesse em ordem; ou que se pudesse dizer inspirado pelo amor das suas comodidades» (11). Eis um modelo; comparemo-lo com o nosso porte. Como pormenores, pode acrescentar-se que «a mo-déstia ordena um caminhar grave, nem dema-siado lento nem demasiado precipitado» (12);

(9) Mons. Carnus.(10) Salmo LXXV, 3. (11) M. Hamon.(12) S. Basílio.

ela proíbe que nos sentemos de maneira des-cuidada ou que cruzemos os pés» (13); final-mente proíbe toda a negligência ou liberdade desordenada. Em toda a parte e sempre «devemos ser decorosos e reservados: em casa, pelo respeito devido aos nossos irmãos; na rua, pelo respeito aos transeuntes; na solidão, pelo respeito a nós mesmos; em toda a parte, por causa do Verbo que está em toda a parte» (14).

II. — DA MODÉSTIA DOS OLHARES

«Quase todas as paixões que fazem guerra ao nosso espírito têm origem nos olhos mal guardados, porque é a vista dos objectos exteriores que excita, a maior parte das vezes, os afectos desordenados» (15). «O pensamento nasce do olhar, o desejo, do pensamento; depois, ao desejo sucede o consentimento» (16). Eva só cai, depois de ter olhado, com demasiada atenção, para o fruto proibido; parece-lhe bonito e bom; pega nele e perde-se. «O demónio precisa apenas dos nossos primeiros avanços» (17); «basta

(13) S.:to Af. de Ligório.(14) Clemente de Alexandria.(15) Santo Af. de Ligório.(16) Santo Agostinho. (17) S. Jerónimo.11. — Castidade.

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começarmos por lhe entreabrir a porta, ele saberá por si abri-la completamente. Um olhar bem consentido transformar-se-á numa faúlha do inferno que fará perecer a alma» (18). Por esse motivo, o Ven. César de Bus, depois de ter cegado, exclamava: «Perdi os meus dois maiores inimigos».

«Nosso Senhor foi o primeiro a ensinar-nos esta modéstia dos olhos: se o Evangelho observa por vezes que Ele ergueu os olhos para olhar os seus discípulos (19), é para dar a entender que Ele os conservava ordinariamente baixos» (20). Por issso o Apóstolo chama a atenção dos seus cristãos «para a doçura e modéstia de Jesus Cristo» (21). A exemplo d'Ele, os santos são tão reservados que, para se livrarem de olhar para qualquer objecto perigoso, conservam os olhos postos no chão e privam-se até, muitas vezes, de ver os objectos mais inocentes. S. Bernardo não conhecia as janelas da sua igreja; S. Pedro de Alcântara nunca via os seus irmãos; S. Luís Gonzaga nunca fitava o rosto da mãe. Santa Clara censurou-se asperamente a si própria, porque um dia, ao erguer os

(18) S. Af. de Ligório.(19) S. Lucas, VI, 20.(20) S.to Af. de Ligório. (21) Cor., II, 1.

olhos para ver a hóstia consagrada, olhara in-voluntariamente para o sacerdote.

«Por aqui se vê quão temerárias e loucas são aquelas religiosas que, sem serem Santas Claras, querem todavia olhar para os pátios, para o locutório, para a igreja, para tudo enfim que se oferece à sua curiosidade, até mesmo para as pessoas de um outro sexo, e querem ser isentas de tentações e do perigo de pecar» (22). S. Bento, S. Jerónimo e muitos outros deviam as suas terríveis lutas à recordação de pessoas que tinham visto demasiadamente.

Todavia «o que mais prejudica não é tanto a vista como o olhar reflectido, com os olhos fixos e a discernir em demasia» (23); «se, por acaso, os nossos olhos deslizarem para qualquer pessoa, não os detenhamos em nenhuma» (24). Esses olhares de pormenor e de análise sobre «a enganadora e frágil beleza dos corpos» (25), são sempre prejudiciais; «quando mesmo se repelissem os maus pensamentos que o olhar faz nascer e que lançam ordinariamente a perturbação no espírito, ficaria sempre alguma sombra na alma» (26). Ou ela olhe ou se olhe ou se

(22) S.to Af. de Ligório.(23) S. Fr. de Sales. (24) S.to Agostinho. (25) Bossuet. (26) S. Gregório.

exponha a ser olhada, a virgem deve lembrar--se de que «os olhos são os primeiros ladrões da castidade e os primeiros solicitadores da impureza» (27). «Felizes pois as virgens sagradas que não querem ser o espectáculo do mundo e que desejariam ocultar-se a si próprias sob o véu sagrado que

as envolve» (28). O B. Ange d'Acri cegou; Deus abria-lhe misericordiosamente os olhos para ele poder celebrar a Santa Missa e recitar o Ofício; depois fechava-lhos. Assim, abramos os nossos olhos para vermos a hóstia santa e cumprirmos os nossos deveres de estado; depois fechemo-los, guardemos este «selo sagrado que o Esposo colocou na nossa face, para que não aceitemos outro amor» (29).

Afectos. — «Meu Deus, eu tenho às vezes terrores, quando examino o conjunto da minha vida e me detenho nos pormenores. Tudo me espanta na minha alma, tudo me espanta no uso que fiz do meu corpo. Os meus pés não me levaram para o bem, os meus braços não trabalharam nas boas obras. A vista, o ouvido, o olfacto, a língua, tudo vos ofendeu. Meu Deus,

(27) P.e Saint Jure. (28) Bossuet.(29) Ofício de Santa Inês.

tirai-me da vaidade e reconduzi-me a uma vida angélica». (Atribuído a S. Bernardo).

Exame. — Tenho eu grande cuidado com a modéstia exterior, imagem da ordem interior?— O meu porte é digno, austero, religioso ? — Sou, só com Deus, tão respeitosa como na presença das minhas superioras? — Não há nada de relaxado ou de afectado na minha pessoa?— Como guardo os meus olhos naquilo que me diz respeito? relativamente às pessoas que vejo habitualmente? — nas igrejas, nas ruas, nas viagens?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «A virgem do Se-

nhor deve ser irrepreensível no seu porte, na maneira de andar, no olhar e nas palavras» (Santo Agostinho).

XXI DA MODÉSTIA

II.—NAS CONVERSAS E RECREIOS«A modéstia põe, em toda a pessoa das

virgens, uma graça moderada, e, na sua vida, hábitos pacíficos; ela regula as suas palavras e até o tom da sua voz» (1). Restam-nos, oara consolidar em nós e aperfeiçoar a modéstia, para disciplinar o nosso corpo, nas horas em que ele mais levado é a emancipar-se, os recreios; e para conter o nosso espírito numa ocasião em que ele suporta mais dificilmente o constrangimento, as conversas. De resto, é fácil compreender que, nestas duas circunstâncias, a modéstia vela pela defesa da castidade. 1.° Da modéstia nas conversas; 2.° da modéstia nos recreios.

I. —A MODÉSTIA NAS CONVERSAS

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«A modéstia é uma virtude que dá as leis de uma boa conversação» (2). Encontramo-nos ainda perante um perigo da castidade: quantas almas perturbadas por uma palavra, agitadas por uma frase, até pervertidas por um passatempo com uma pessoa leviana, imprudente, corrompida! Para fugir a esta desgraça, a conversação das consagradas deve ser séria, piedosa e religiosa.

A conversação séria não exclui uma alegria discreta, uma viveza moderada, uma alegria

(1) Santo Ambrósio. (2) Hugues card.calma que seja o reflexo de uma alma em que reine a ordem e a paz. «Uma religiosa deve ser modesta e devota, mas não triste e carrancuda, porque isso desonra a devoção» (3). Mas antes de mais nada, é necessário lembrarmo-nos de que há coisas que o Apóstolo proíbe mesmo «nomear na assembleia dos santos» (4). Em seguida é preciso repelir toda a palavra que rebaixa o espírito, que faz trabalhar a imaginação, que aproxima da terra. Finalmente, a religiosa é elevada, pela graça e pela sua vocação, a uma esfera superior. Por esta razão, tratai de banir todas as expressões que revelam sem--cerimónia e má educação. As religiosas, pro-fessoras principalmente, devem exercer uma especial vigilância sobre a sua linguagem; es-pantam e escandalizam, quando dizem ou re-petem, diante dos seus educandos, palavras ou expressões menos dignas ou respeitosas. Prestai atenção! Conhece-se pelo som se uma sineta está intacta ou rachada; conhece-se pelas palavras se uma cabeça está vazia ou cheia, se um espírito é ou não reflectido. Falai com tanta justiça e tão a propósito que «as vossas palavras

(3) Santo Af. de Ligório.(4) Efés., V, 3.

sejam como maçãs de ouro em vasos de pra-ta» (5).

A segunda qualidade das conversações das virgens é a piedade. Santo Inácio, mártir, no meio dos seus suplícios, repetia sem cessar o nome de Jesus, e, quando morreu, encontraram este nome bendito gravado no seu coração. Assim, cada um fala voluntariamente daquilo que mais ama: «tal é o coração, tais são as palavras» (6). Um modelo acabado de verdadeiro religioso, «Santo Inácio de Loiola, parecia só saber falar de Deus, de tal modo que o tinham cognominado de «o Padre que não tem na bo-ca senão a Deus» (7). É sempre fácil a uma religiosa, «sem se armar em presumida nem em mentora, mas com espírito de doçura, de caridade, de humildade» (8), conduzir a conversa para assuntos pios: entre irmãs, entreter com o que interessa à família; com estranhos, responder e corresponder, senão aos seus desejos, pelo menos à sua

expectativa, e é um dos principais meios de os edificar (9).

Finalmente, as nossas conversas devem ser(5) Prov, XXV, ll.(6) S. João Crisóstomo.(7) S. Af. de Ligório.(8) S. Fr. de Sales. (9) S.to Inácio.

religiosas. Devemos abster-nos «de dizer palavras que seriam pouco decentes para o estado religioso. As palavras que sabem ao mundo são inconvenientes na boca de uma religiosa». Por exemplo, não convém que ela «fale das coisas do mundo, tais como casamentos, banquetes, espectáculos, vestidos aparatosos»; em geral de tudo o que lembra a matéria das suas renúncias (10). Há religiosas que são verdadeiramente largas em demasia nesta matéria; escandalizam, sem mesmo darem por isso, cristãs mais delicadas do que elas mesmas: ou então falam muito livremente, ou escutam com demasiada avidez. Que o Senhor se digne «pôr nos seus lábios uma porta de circunspecção» (11).

II. — A MODÉSTIA NOS RECREIOS

«Deus quer que as pessoas que O amam tenham de tempos a tempos algum descanso, para se não estar de espírito sempre tenso. Se vos quiserdes recrear, fazei-o, mas como religiosas» (12). O recreio é necessário ao repouso

-a(10) S.to Af. de Ligório.(11) Salmo, CXI, 3.(12) S.to Af. de Ligório.

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do corpo e do espírito. Ele não interrompe a vida interior, quando é utilizado para mais vi-vamente se cumprir o serviço de Deus» (13).

Para se não transgredirem as regras da modéstia, o recreio deve ser santamente alegre. Ê alegre, quando «as irmãs se conduzem nele, não em atitudes tristes e acabrunhadas, mas de rosto gracioso e afável» (14). Só «temperamentos doentios podem achar estranho que se fale em voz alta no recreio ou que se ria de bom grado, sem no entanto se rir a bandeiras despregadas nem falar com uma voz ruidosa, contrária à modéstia» (15). Quando o recreio é bem passado, quando a diversão se faz com a reserva e a decência que convêm a religiosas, mas com despretensionismo, simplicidade e contentamento, tudo corre bem na casa. Considerai o recreio como o pulso da comunidade; se nele há alegria, podeis crer que tudo decorre bem; se ali há sombras, é sinal de que o corpo sofre de qualquer lado» (16).

Os recreios são santos, se, observados com espírito de fé e de obediência, se evita toda a

(13) S. Fr. de Sales.(14) S. Francisco de Sales.(15) S.ta Joana de Chantal.(16) Mons. de Chaffoy.

familiaridade, principalmente a que compromete a castidade; porque as religiosas devem ser ali abertas e cordiais, sem deixarem de se mostrar graves e modestas. «Um dos defeitos da cordialidade, é parecerem rudes e macambúzias, mostrarem um semblante triste e abatido. O outro defeito é o excesso de cordialidade ; por exemplo, quando se vê uma rapariga a testemunhar à sua irmã, com excesso, o amor que lhe dedica, depois tomá-la pela mão ou pelo corpo e beijá-la. Deve-se misturar a cordialidade com o respeito: se não testemunhais a alguém senão cordialidade, denotais falta de respeito; se apenas testemunhais respeito, dais prova de falta de cordialidade. É bom que se recreiem modestamente, evitando risos exagerados e gestos piegas, evitando tocarem umas nas outras. Tende cuidado, minhas filhas, o demónio estendeu por baixo uma armadilha que vós não vedes» (17). «As familiaridades e as brincadeiras com as mãos são indícios de uma virgindade que agoniza e de uma virtude que está também agonizante» (18). As religiosas que passam modestamente os seus recreios, edifi-cam-se umas às outras e praticam o bem pelo

(17) S. Vicente de Paulo. (18) S. Jerónimo.

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seu contacto mútuo, como «as vinhas plantadas por entre oliveiras: dão cachos que têm o sabor das azeitonas» (19).

Para serem santos, os recreios devem ser também moderados. A obediência marca a hora e a duração deles. Mas importa que eles terminem logo ao primeiro toque da sineta, que não os prolonguem por moleza ou negligência, com prejuízo de outros exercícios ou ocupações. Aliás cair-se-ia na ociosidade, e uma religiosa não pode esquecer que «a ociosidade é a mãe de todos os vícios» (20); que «o preguiçoso é o ponto de mira de todo o inferno e como que a cama de repouso de Satanás» (21); que «quem está ocupado, tem apenas um demónio a tentá-lo, enquanto que quem está ocioso, encontra-se rodeado por toda uma legião» (22).

Afectos. — «Dignai-vos, Senhor, dirigir, santificar, conduzir e governar, neste dia, os nossos corações e os nossos corpos, os nossos sentimentos, as nossas palavras e os nossos actos, segundo a vossa lei e as obras dos vossos pre-

(19) S. Francisco de Sales.(20) Ecles., XXXIII, 29. (21) S. Boaventura. (22) Vida dos Papas.

ceitos, a fim de que, neste mundo e na eterni-dade, mereçamos, com o vosso auxílio, ó Sal-vador do mundo, ser salvos e resgatados» (Breviário romano).

Exame. ■— São as minhas conversas ao mesmo tempo sérias, caridosas, discretas, dignas? — São piedosas, impregnadas de simplicidade e sinceridade ? — São religiosas, evitando tudo o que não convém a uma consagrada? e isto tanto com estranhos como com as minhas irmãs ? — Qual é a minha atitude nos recreios ? digna e afável ? cordial e respeitosa ? — Não sou desleixada, sonhadora, ociosa?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Mostrai que sois

um modelo em todas as coisas; na pureza dos costumes e na gravidade do porte; que a vossa palavra seja sã e irrepreensível». (Tito, II, 7, 8).

XXIIDA ORAÇÃO

«Logo que sentirdes em vós alguma tenta-ção, fazei como as criancinhas quando vêem um animal perigoso; correm logo para os bra

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ços do pai ou da mãe, ou pelo menos chamam--nos em seu auxílio. Recorrei de igual modo a Deus, suplicando a sua misericórdia e socorro; é o remédio ensinado por Nosso Senhor» (1). Foi o «Mestre principal» (2) que o disse : «Orai, para não cairdes em tentação» (3). A alma que quer conservar a castidade deve conhecer: 1.° a necessidade da oração; 2." o poder da oração.

I.—NECESSIDADE DA ORAÇÃO PARA DEFESA DA CASTIDADE

A vigilância previne as surpresas do inimi-go e prepara a vitória; mas não poderia evitar os seus assaltos. Nas naturezas vivas e inexperientes, o ataque é brusco como o de um animal selvagem que de longe salta sobre a sua presa. Ãs vezes a ocasião surpreende-nos : é um fantasma que invade a imaginação, uma impressão que nos agita, um olhar perdido, uma recordação que assomou de novo. Que fazer? o inimigo está à porta; tem cúmplices na praça.

(1) S. Francisco de Sales. (2) P.e Grarry.(3) S. Lucas, XXII, 46.

Felizmente a previdente sabedoria do Salvador nada esqueceu. Depois de ter dito: «Vigiai», acrescenta: «Orai»; depois especifica as suas intenções: «Rezareis assim... Não nos deixeis cair em tentação» (4).

No livro da Sabedoria, o Espírito Santo adverte-nos de que «ninguém pode ser casto senão por um dom de Deus» (5). «Eu cuidava, diz Santo Agostinho, que se pode ser casto pelas suas próprias energias; vós ter-me-íeis concedido este favor, ó meu Deus, se eu o tivesse implorado sinceramente da vossa bondade, e se eu me tivesse lançado com confiança no seio da vossa misericórdia» (6). Efectivamente, a castidade dá à alma um tal domínio sobre o corpo, que parece retomar sobre si os direitos da justiça original. É portanto a «Deus que é a fonte de tudo o que há de bom nos homens», que ela deve ser pedida. Em particular «a alma religiosa deve saber que as ondas do mar a submergiriam sem dó nem piedade, se ela não tivesse o cuidado de pedir, com incessantes súplicas, a conservação da sua virtude» (7); «a oração coloca-nos e guarda-nos

(4) S. Lucas, XI, 6.(5) Sabedoria.(6) Conf., L, VI, C, 11. (7) Cassiano.

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na sociedade de Deus e ela é o selo da virgin-dade» (8).

Os apóstolos seguiram um dia Jesus, que subia para uma barca, e o Senhor adormeceu. De repente surge uma tempestade; a barca vai ser tragada pelas ondas. «Senhor, exclamam os discípulos, salvai-nos, que perecemos». Jesus Cristo diz-lhes: «Que temeis, homens de pouca fé?». E, levantando-se, ordena ao mar que serene, e restabelece-se a tranquilidade (9). A barca, é a nossa alma; o mar é a vida, exposta às mais variadas e às mais imprevistas tormentas; o naufrágio parece talvez iminente. Não receeis nada; «o bom Jesus terá o cuidado de vos despertar. Ele parece dormir no auge da tempestade; mas virá o momento em que Ele mandará às ondas que se detenham. Quer que recorramos a Ele, e ama-nos tanto!» (10).

É principalmente das tentações tão delica-das que atingem o que há em nós de mais ín-timo, que provém «a divisão da alma e do es-pírito, a medula do ser» (11), como diz S. Pau-lo. «Quando a alma está em perplexidade, o seu grande refúgio deve ser ainda a oração»;

(8) S. João Crisóstomo.(9) S. Mateus, VIII, 23, 26.(10) S.ta Teresa. (11) Hebr, IV, 12.

ela escapa a todos os perigos, ao subir até Deus. Assim faz a ave sobre as margens do Oceano : quando vê a maré a subir, levanta voo e ri-se do perigo; «é em vão que se lançam redes diante dos que têm asas» (12).

II. — PODER DA ORAÇÃO

«Quando pedimos algum bem temporal, e mesmo certas graças espirituais, tendentes ao aperfeiçoamente da nossa alma e à plenitude da nossa vida sobrenatural, pode ser que a nossa prece contrarie os desígnios da Providência ou previna a sua hora. Nesse caso, Deus faz--nos sofrer, sem injustiça, a recusa da sua bondade ou as dilações da sua misericórdia. Mas, nas surpresas da tentação, é a nossa salvação que está em jogo: sem recusas, sem delongas, toda a oração bem feita deve ser necessária e imediatamente eficaz» (13). Ao lado das promessas feitas na oração, em geral, «tudo o que vós pedirdes a meu Pai em meu nome, obtê--lo-eis» (14), há promessas especiais para a

(12) Prov, I, 17. (13) R. P.e Monsabré.(14) S. João, XV, 16.12. — Castidade.

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conservação da pureza, pois o Salvador ordenados que peçamos o seu auxílio contra a tentação e contra a invasão do mal. De resto, nós chamamo-lo contra o seu mortal inimigo, e a sua glória está empenhada na luta, não menos do que a nossa honra. E se o tentador se esforçar por nos levar ao desânimo, nós sabemos que «se obtém de Deus na medida em que se espera» (15).

Os santos conhecem bem esta força e são hábeis no manejo desta arma. «Senhor, dizia Santa Cecília, guardai o meu coração imaculado, e que eu não seja confundida». A resposta do Céu não tarda: aparece-lhe um anjo que desempenha o papel de seu guardião. Que prodígios obtiveram as virgens na época das perseguições e no decurso dos séculos para a conservação da castidade! Para elas, se realizavam verdadeiramente as palavras do Apóstolo : «Quando sou fraco, sou forte (16). Eu sofro, mas conheço a bondade e o poder daquele em quem pus toda a minha confiança» (17). «Acontece muitas vezes, diz S. Gregório, que as tentações vêm assediar-nos, e o número de-

(15) S. João da Cruz.(16) II, Cor, XII, 10. (17) II, Tim, I, 12.

las é tão grande que a nossa alma corre o risco de cair no abismo do desespero; ela lança os olhos para todos os lados, e não descobre senão as trevas mais densas; mas tenha essa alma confiança em Deus: de repente o Senhor com-praz-se em dissipar as nuvens e em restituir a luz da sua graça. Então a alma, que tinha sido humilhada e mergulhada nas trevas, encontra-se transformada em celestes claridades e inundada de alegria».

Nestes estados, «Deus concede-nos primeiramente a perseverança no pedir, pela qual obtemos a perseverança em bem fazer» (18). Para isso, não se deve esperar que o perigo esteja iminente, mas «mantermo-nos sempre aos pés de Nosso Senhor, como nosso único refúgio» (19). O viandante, que é surpreendido pela chuva, procura uma árvore ou um pórtico em que se abrigue; instintivamente, a criança que brinca na rua, corre, ao primeiro ruído, à menor ameaça, para a casa paterna. Habituemo--nos a implorar primeiro o socorro de Deus; façamos da confiança uma prática tão familiar que nos faça recorrer logo a Ele; onde quer que as tartarugas se encontrem, estão sempre

(18) Bossuet (19) S. Francisco de Sales.em casa: assim, façamos o que fizermos, te-nhamos a nossa morada em Deus, na sua protecção (20). Depois da sua queda, o demónio tem vergonha de Deus; a sua vizinhança queima--o; por isso não ataca a alma que se mantém constantemente, pela oração, sob os olhares divinos.

Afectos. — «Õ meu Deus, escondei-nos de-baixo das vossas asas; protegei-nos com o es-cudo do vosso amor; preservai-nos das

flechas que circulam no ar e que atingem inesperadamente. Ordenai aos vossos anjos que nos guardem nos atalhos da vida; que eles nos levem nos seus braços, para que nos não magoemos nas pedras do caminho, e que nos livrem da perfídia e da violência dos nossos inimigos» (Salmo CXV).

Exame. — Faço eu humildemente, fielmen-te, com toda a confiança, os meus exercícios de piedade? — Peço eu habitualmente a Nos-so Senhor que afaste de mim a tentação? Se ela se apresenta, é o meu primeiro acto um grito para Deus, um apelo à sua misericórdia?

(20) Belarmino.— Iguala a minha confiança em Jesus Cristo a minha falta de confiança em mim mesma? — Se sou fraca nas mínimas tentações, não provém isso do facto de eu não rezar suficientemente?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Jesus, meu amor,

vós ordenais-me que seja casta; concedei-me que seja o que vós quereis» (Santo Agostinho).

XXIIIDO SACRAMENTO DA PENITENCIA

«Bem-aventurados, diz S. João, os que la-vam as suas vestes no sangue do Cordeiro» (1). Aplicam-se estas palavras ao mártir que restitui à alma, em todo o seu brilho, «a sua primeira veste» (2) de honra. Elas entendem-se igualmente do sacramento da penitência: «Toda a alma lavada desta maneira é esposa, e o Filho do Rei une-se a ela» (3); é portanto uma fonte, divinamente preparada, onde as castas se purificam das fraquezas quotidianas e refa-

(1) Apoc, XXII, 14.(2) S. Lucas, XV, 5. (3) Bossuet.

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zem o vigor da sua juventude. O sacramento da penitência é: 1." uma força; 2.° uma luz.

I. — O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA É UMA FORÇA

«A confissão frequente purifica cada vez mais a nossa alma das suas sujidades, e por ela conseguem-se não só a remissão dos pecados, mas também auxílios mais poderosos para resistir às tentações» (4). Como as palavras dos nossos santos doutores são belas e precisas! Em duas palavras, aqui temos os frutos directos do sacramento da penitência, relativamente à castidade : purifica, fortifica.

Um grande papa escreveu que o pecado que não é destruído imediatamente pela penitência, é, por si mesmo, um peso bastante pesado para arrastar a outro pecado (5). Consultamos a experiência: no mal, só o primeiro passo é que custa; uma segunda falta comete-se mais facilmente, traz menos remorsos; pequenas negligências não tardam em lançar uma alma no

(4) S.to Af, de Ligório.(5) S. Gregório Magno.

carril da mediocridade; as faltas veniais colo-cam-na no pendor que conduz aos abismos, e o Espírito Santo adverte que as grandes quedas são preparadas pelas minúsculas infidelidades (6); como o barco que vai ao fundo, se não lhe repararem as primeiras avarias.

Pelo contrário, se ao leãozinho cortarem, quando pequeno, os dentes ou as unhas, tiram--lhe a possibilidade de fazer mal. Assim acontece com a alma que, à primeira beliscadura do pecado, à primeira ameaça do inimigo, recorre ao sacramento que o Salvador instituiu para nossa purificação. «Neste grande hospital de Deus em que tudo está doente» (7), os corações religiosos têm dificuldade em subtrair-se ao contágio e são o alvo preferido pelos ataques do inimigo. Mas as asas da pomba não são captadas pelo simples contacto com o mal; ela lava-as imediatamente no sangue do Cordeiro, retoma o seu voo para as alturas e, apesar de ter o corpo envolto em lodo, ela continua a sua angélica vida.

O celeste médico não se contenta com res-tituir a saúde ou com eliminar as causas que a comprometem; ela precavê contra as recaídas

(6) Ecles., XIX, 1. (7) Bossuet.e confere a força que conjura o regresso do mal. Por um efeito que lhe é próprio, o sacramento da penitência dá direito a receber, em tempo oportuno, as graças especiais que são necessárias para não tornar a cair nas faltas cometidas, para conservar e aumentar as graças recebidas. É pois bem

«do sangue do Cordeiro que vem a vitória» (8). A experiência ensina que se está mais alegre, mais resoluto, mais forte depois de uma boa confissão. Os actos que a pre-pararam na prece e na reflexão; os que a acompanharam na humildade e na caridade; os que a seguem no bom propósito e santos desejos, inclinam para nós a divina misericórdia e erguem-nos para as regiões da santidade. Por isso não é para admirar que S. Francisco de Sales tenha dito aos tentados: «Confessai-vos mais frequentemente»; e que Santo Afonso de Ligó-rio tenha assegurado a essas almas que «elas se tornariam invencíveis com a confissão frequente; com a condição de se ser, não escrupuloso, mas perfeitamente delicado» (9).

(8) Apoc, I, 5. (9) Rodriguez.II. — O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA É UMA

LUZ

O sacramento da penitência oferece um outro aspecto igualmente favorável à castidade: é uma luz.

Por uma infinidade de pormenores e para ordenar a sua vida conformemente à santa re-gra que ela abraçou, a religiosa recorreu natu-ralmente à sua mestra de noviças, à sua supe-riora; ela ensina «a beber a água do seu poço» (10), «a alimentar-se do pão que Deus deu ao Instituto» (11). Mas quando se trata de virtude que nos ocupa, «as superioras não devem examinar tão de perto as suas filhas no tocan-te à castidade» (12). «O nosso bem-aventura-do Padre, escreve Santa Joana de Chantal, diz firmemente que, para os escrúpulos e tenta-ções contra a pureza, devem enviar-se sempre as filhas para o seu confessor, e que, nem a superiora, nem a directora as interroguem jamais sobre isso, nem consintam a si mesmas falar--lhes nessa matéria, a não ser em sentido geral». Os motivos que ditam esta reserva e esta pru-

(10) Prov., V, 15.(11) S.ta Joana de Chantal.(12) S.ta Joana de Chantal.

dência não podem escapar nem aos inferiores nem aos superiores.

O confessor possui, ele e só ele, pelo seu sacerdócio e em vista da sua missão, as gra-ças úteis para tratar salutarmente as questões mais delicadas. «Quando pois o demónio vos provocar, ide procurar o vosso confessor; abri de par em par o vosso coração e pedi ao sa-cerdote conselhos e encorajamentos. O demónio, como todos os malfeitores, detesta a luz. Quando um rato anda a forragear num armário, o melhor meio de o desalojar é abrir o mesmo armário» (13). «A primeira condição que o maldito põe à alma que quer seduzir, é a condição do silêncio, como fazem os

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sediciosos nas conspirações. Referi humilde e singelamente ao vosso director as sugestões e as tentações que chegam até vós, e não duvideis de que Deus vos libertará» (14). «Uma tentação confessada é meio-vencida» (15). Rogai ao vosso confessor que vos ensine, se vós não souberdes exprimir--vos, a linguagem 'discreta, casta, santa da Igreja a respeito das vossas faltas e das vossas per-turbações, e não lhe oculteis nada do que pos-

(13) Mons. Ségur.(14) S. Francisco de Sales.(15) S. Filipe de Néri.

sa inquietar-vos. Haveria no entanto perigo em exagerar, em cair no escrúpulo, em «se parecer com as criancinhas que, sendo picadas por uma vespa ou por uma abelha, vão, muito à pressa, mostrar o dedo à mãe, para ela lho soprar» (16).

Ao sacerdote, a graça de Deus fará «conhecer, mesmo sob as flores, a marcha tortuosa da serpente» (17). Na maior parte do tempo, o seu papel limitar-se-á a esclarecer-vos, a tranquilizar-vos; em pôr-vos de prevenção contra aquela astúcia do inimigo, que consiste em perturbar a vossa paz, em vos meter medo. Por vezes, mostrar-vos-á um perigo que vos escapava, porque «vós medíeis tudo pela candura e pela nobreza da vossa alma» (18); chamar--vos-á à prudência, defender-vos-á contra as próprias aparências do bem. Por estado, é o bom e caritativo pastor da ovelha perdida. Será sempre para vós «aquele archote que Deus vos preparou para a hora em que tiverdes necessidade dele» (19).

Afectos. — «Escutai uma pobre pecadora, Senhor, escutai a sua confissão. Depois, vós o

(16) S. Francisco de Sales. (17) Bossuet.(18) Aristóteles. (19) Job, XII, 5.

ordenastes, chamarei um dos vossos amigos, dir--lhe-ei as minhas misérias; eu quero, com o seu auxílio e com os seus conselhos, robustecer-me no vosso serviço, consolidar-me na paz, armar--me contra os meus inimigos. Eu não posso confessar todos os dias as minhas pobres fraquezas; mas eu encontro-vos, ó meu Deus, na solidão do meu coração : ensinai-me a nunca vos deixar, ou antes a reencontrar-vos sem demora» (Atribuído a S. Bernardo).

Exame. — Como é que eu me preparo para receber o sacramento da penitência? — Que meios costumo eu utilizar para assegurar os seus frutos? — Sou sobrenatural, sincera, con-fiante na confissão? — Não deixo a menor sombra que possa obscurecer a minha alma? — Tenho a coragem de dominar a minha repugnância, a timidez, para bem me purificar, esclarecer, tranquilizar?

Resolução.

Ramalhete espiritual. — «Ó poder divino de Jesus, meu sacerdote, aplicai-vos a purificar--me para que o vosso amor me consuma» (Xav. de Maistre, carmelita).

XXIVDA SANTA COMUNHÃO

S. Francisco de Sales, na sua tão graciosa como simples linguagem, ensina-nos o sobera-no meio de conservarmos e robustecermos a castidade. «As lebres, diz ele, tornam-se brancas entre as nossas montanhas, no inverno, porque não vêem nem comem senão neve; assim, à força de adorardes e comerdes a beleza, a bondade, a própria pureza no divino sacramento, tornar-vos-eis toda bela, toda boa e toda pura». A santa comunhão, «força da alma e do corpo» (1), é uma fonte de castidade: 1." para a alma; 2.° para o corpo.

I. — A SANTA COMUNHÃO PRINCIPIO DE CASTIDADE PARA A ALMA

Quando um médico é chamado para junto de um doente, de um ferido, ou de uma pessoa de saúde delicada, não se contenta com cauterizar uma ferida, tratar um membro fracturado,

(1) Cânon da Missa.receitar um medicamento cujo efeito será sim-plesmente parcial ou local. Ele sabe que uma alimentação escolhida, um regime fortificante, exerce primeiramente, sobre a saúde geral, uma acção reparadora cuja salutar influência se faz seguidamente nos órgãos enfraquecidos, em toda a parte afectada ou ameaçada.

Assim os santos, ao mesmo tempo que in-dicam os meios especiais destinados a preservar ou a recuperar a castidade, dão às almas a santa comunhão como um alimento fortificante, um manjar reparador, por vezes como o último recurso dos desesperados. Há memoráveis exemplos na vida de Santo Afonso de Ligório, de S. Bernardo e de S. Filipe de Néri.

A santa comunhão é, efectivamente, para a alma «o pão de vida» (2), «de uma vida mais abundante» (3); ela é «o antídoto do pecado». Ela produz entre Deus e a alma «uma mais ín-tima união, um aumento de graça, um acrés-cimo de vida espiritual» (4); ela repara a perda causada pelas fraquezas quotidianas; ela inebria suavemente as divinas bondades» (5). Durante este trabalho de transformação em Deus,

(2) S. João, VI, 35. (3) S. João, X, 10.(4) S. Tomás. (5) S. Tomás.

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é impossível que a castidade não seja mais estimada, mais saboreada e mais fortemente apoiada.

A Eucaristia é anunciada como um «vinho destinado a suscitar uma germinação de vir-gens» (6); um vinho «que inspira e dá a vir-gindade» (7); «um vinho que torna as almas angélicas» (8). «As nossas virgens que são santas de corpo e de espírito, vão beber este vinho para encontrarem nele o inebriamento e a alegria que lhes faz seguir a Igreja, e para que um dia lhes apliquem estas palavras: no seu séquito, as virgens serão conduzidas ao Rei. Inebriam-se com esse vinho aqueles que seguem o Cordeiro para toda a parte para onde ele vai; são as virgens a quem nenhuma aliança humana maculou». «A Eucaristia é uma semente de castidade, melhor ainda, de virgindade. Por meio dela, Santa Catarina de Sena tornou-se uma virgem angélica; Cristo desposou-a e ela viveu só da santa comunhão. Foi ainda da hóstia dos altares que veio a S. Casimiro o amor da virgindade, da qual foi como que o mártir: Cristo parecia ter irradiado sobre ele os esplendores da sua própria castidade» (9).

(6) Zac, IX, 7. (7) Cornélio a Lápide.(8) S.Bernardo. (9) Cornélio a Lápide.

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No santuário e no tabernáculo «tudo respira inocência; tudo toma uma voz para recomendar a pureza. É o pão sem fermento, o vinho sem mistura, a cera tal como a dá a abelha, os vasos sagrados de um metal incorruptível. Para se abeirar muitas vezes da sagrada mesa, a alma deve estar radiosa de pureza. Respira-se nestes lugares não sei que perfume de castidade que impede a alma de se corromper. As doçuras que se saboreiam na sagrada mesa desprendem do amor das alegrias sensuais e fazem-nas esquecer» (10). Que é que as virgens desejam afinal mais ardentemente do que a conservação da virgindade? E Nosso Senhor parece dizer-lhes : «Quando vós sois puras, tendes ainda necessidade de mim para permanecerdes na vossa pureza» (11).

II.—A SANTA COMUNHÃO PRINCIPIO DE CASTIDADE PARA O CORPO

«O trigo dos eleitos» e «o sangue da taça divina vivifica as regiões da nossa alma que

(10) Mons. Pichenot. (11) Bossuet.estão privadas de sabedoria, e torna-as razoá-veis» (12). Então, «tornada, em certo modo celeste, a alma já não tem as mesmas relações com a terra», e o nosso corpo recebe a sua parte «do remédio instituído contra as doenças causadas pelo fruto mortal» (13). A Eucaristia, diz S. Tomás, é um alimento medicinal, cuja virtude cura, no corpo e na alma, o veneno das más concupiscências.

Graves teólogos (14) sustentam primeira-mente que a Eucaristia produz efeitos imedia-tos no corpo; diminui o foco do pecado, tem-pera-lhe os ardores, acalma a impetuosidade do temperamento. «O corpo do Senhor produz nos nossos membros aquele suave refrigério que nos Hebreus produzia o pão que lhes caía do Céu sob a forma de neve e de orvalho» (15). Nos calores do estio, as plantas secam, e as mais belas flores empalidecem; o céu envia o orvalho das noites, e num dia a flor e a planta recuperam a sua mocidade e beleza. Assim, quando Jesus-Hóstia nos visita durante o estio dessecante das paixões, o seu contacto virginal faz reflorir a nossa carne (16), a sua presença pro-

(12) Santo Ambrósio.(13) S. Tomás. (14) De Lugo Suarez. (15) S. Tomás. (16) Salmo XXVII, 7.13. — Castidade.

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duz na nossa alma o aumento da caridade, e no nosso corpo a diminuição da cobiça (17).

Pelo menos, é certo que, de uma maneira indirecta, a sagrada comunhão «diminui a fonte do pecado, dando novas forças ao amor de Deus e uma intensidade nova à vida interior». Quando se rega uma árvore na raiz, a frescura e a renovação da vida comunicam-se ao tronco, aos ramos e até às folhas mais afastadas. «Saturada de Deus» (18), inundada de graça, a alma reencontra «o pleno vigor da piedade; as sacudidelas interiores acalmam-se, a triste lei dos membros abranda» (19), e os comungan-tes tornam-se «terríveis como leões que respiram a chama» (20). Ê impossível, efectivamente, que a Eucaristia dê à alma bem preparada, tantas luzes, força, amor, tudo o que é santo, sem produzir no corpo uma reacção salutar. Cristo une-se misticamente à alma que ele desposou na fé, no baptismo, e na virgindade, na profissão; ama o corpo dele como o seu, e protege-o mais especialmente, quando está nele pela sua presença sacramental ou pelos efeitos prolongados do sacramento (21). Podemos nós ser

(17) Alex. de Ales. (18) Tertuliano.(19) S. Cirilo de Alexandria.(20) S. João Crisóstomo. (21) Franzelin.

«transformados em Cristo, pela virtude da Eu-caristia» (22), sem que o corpo e a alma par-ticipem de algum modo, nessa transformação? E quando se vai ao- altar, à sagrada mesa, precisamente para se obter a força de vencer uma tentação, a graça de perseverar na virgindade, cada um encontra na sua hóstia «aquilo de que necessita» (23).

Afectos. — «Dignastes-vos, ó meu Deus, Pai omnipotente, alimentar-me, a mim pecadora, vossa indigna serva, do corpo e do sangue precioso do vosso amado filho, Jesus Cristo, Nosso Senhor. Fazei, eu vos peço, que esta comunhão seja a armadura da minha fé e o escudo da minha boa vontade, a eliminação dos meus vícios, a extinção da cobiça e da concupiscência, o aumento da caridade e de todas as virtudes, finalmente a pacificação de todos os movimentos desordenados, tanto da carne como do espírito» (S. Tomás de Aquino).

Exame. — Proponho eu por vezes a mim mesmo como exemplo a pureza, o desinteresse de Jesus-Hóstia? — Esforço-me por ser mais justa e mais santa, por ser menos indigna da

(22) S. Tomás. (23) S. Tomás.sagrada comunhão? — A minha comunhão de ontem, a de amanhã, são a recordação e a esperança que alegram a minha alma e a pre-servam das seduções terrestres? — Na dificul-dade, o meu primeiro olhar, o meu primeiro grito, vão para o tabernáculo?

Resolução.

Ramalhete espiritual. — «Ó fonte de toda a pureza, Senhor Jesus, purificai-me pelo vosso sangue, de que uma simples gota basta para apagar todos os pecados do mundo» (S. Tomás).

\ XXV

DEVOÇÃO À PAIXÃO . E AO SAGRADO CORAÇÃO

«A pomba, diz Santo António de Lisboa, retira-se para as profundezas da rocha. Ali põe--se a coberto das perseguições da ave de rapina. Ao mesmo tempo, aproveita uma morada tranquila em que repousa suavemente e arrulha em paz. Assim, no coração de Jesus, aberto na sua paixão, a alma religiosa encontra um asilo seguro contra as maquinações de Satanás, e um delicioso retiro». Dois outros meios de guardar a perfeita castidade: a devoção 1.' a Jesus Crucificado; 2.° ao Sagrado Coração.

I.—A DEVOÇÃO A JESUS CRUCIFICADO

Os santos, nossas vanguardas na vida mili-tante e nossos guias nos caminhos da vitória, são unânimes em aconselhar, como meio de conservar a castidade, a lembrança da paixão do Salvador e a devoção à sua cruz. «A pomba, diz S. Bernardo, não deixa a cruz; esvoaça em torno dos seus braços, e ali, intrépida, desafia as garras do abutre». Quando as almas consagradas estão expostas às perseguições exteriores e aos tormentos interiores, «é o maligno que joga esses jogos; não conseguirá nada sobre elas, desde que elas se unam ao pé da cruz, como os pintainhos sob as asas da mãe, quando o gato os persegue» (1). Ali, «não só as nossas almas mas também os sentidos se apazi-guam, e experimentamos um suave repouso» (2).

(1) B. L. de Marillac. (2) S. Boaventura.Que coisa existe mais capaz,

efectivamente, de inspirar o horror do pecado? Aquele crucificado é o Filho de Deus; era cheio de graça e de verdade e tinha direito a todas as alegrias e a todas as felicidades. Todavia a dor acompanha-o desde o seu berço e segue-o por toda a parte, ávida das suas lágrimas e dos seus gemidos; depois, após uma agonia sangrenta, após a via dolorosa, expira como um escravo, na ignomínia e nas torturas da crucifixão. Então que tinha ele feito? Nada; mas, por uma livre e generosa aceitação, tinha-se «oferecido pela expiação dos nossos pecados» (3). «Quando Deus descobre, na carne adorável de Jesus Cristo, a iniquidade do género humano de que se revestiu, fere sem

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intermitências, fere sem piedade, fere até à morte» (4).

Jesus «para combater a concupiscência da carne, opõe ao prazer dos sentidos um corpo todo mergulhado na dor, ombros rasgados por vergastadas, uma cabeça coroada de espinhos e espancada por mãos impiedosas, um rosto coberto de escarros, olhos pisados, faces desbotadas e lívidas, uma língua dessedentada com fel e vinagre, e, por cima de tudo isto, uma

(3) Hebr., IX, 28. (4) R. P.e Monsabré.alma triste até à morte: temores, desolações e uma tristeza inaudita. Mergulhai-vos nos prazeres, ó mortais; vede o vosso Senhor abismado, corpo e alma, na dor» (5). Que cristão, que consagrada poderia pecar, de olhos postos no quadro da coroação de espinhos, da flagelação e da morte na cruz?

O Salvador dava-nos ali «a maior prova de amor». De olhos postos no crucifixo, Santo Agostinho exclamava: «Não me devia nada e contudo resgatou-me; os meus crimes merecem a morte, ele dá-me amor. Quando os meus pensamentos se perturbam e o meu corpo me deixa angustiado, olho para o corpo ferido de Cristo; a lembrança das suas feridas de amor salva-me de toda a cilada». Os castos fazem do sinal da cruz a sua arma de predilecção. S.ta Teresa gostava de acrescentar-lhe o emprego da água benta. O venerável cura d'Ars defendia-se contra «as garras do inimigo» com o sinal da cruz. A cruz possui «um grande vigor contra o inimigo, porque ela recorda-lhe a morte do Salvador que o subjugou, e porque o sinal da cruz é uma curta invocação do Redentor» (6).

(5) Bossuet.(6) S. Francisco de Sales.

II.—A DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO

«Quereis vós, diz um piedoso autor da or-dem franciscana, resistir às paixões e ao espí-rito maligno ? Retirai-vos para o interior da pedra rústica, o lado aberto de Jesus-Cristo» (7). «Não te admires, se tiveres tentações; mas, no meio do perigo, refugia-te em Deus; apressa-te a encerrar-te no coração de Jesus Cristo» (8). Quando o Salvador morreu, estava imóvel, tinha os braços atados, não podia mexer a mão para nos mostrar o coração; nesse momento inclina a cabeça, baixa os olhos, detém ali o seu último olhar para nos indicar «aquela devota morada, como o nosso mais seguro asilo» (9). Também a virgem de Paray foi advertida de que as almas, e especialmente as consagradas, encontrariam «no coração adorável um lugar de refúgio durante a sua vida e principalmente à hora da morte».

De resto, o Sagrado Coração dá-nos as mesmas lições que o crucifixo. A cruz é principalmente o memorial dos sofrimentos físicos e exte-

(7) P.e Bernardo de Osimo, 1581.(8) S. Boaventura.(9) P.e Vincent Marie, récollet.

riores de Jesus Cristo; o Sagrado Coração revela-nos mais os seus sofrimentos íntimos, uma paixão mil vezes mais dolorosa do que dores corporais. Que sofrimentos! A traição dos seus amigos, o seu sangue derramado por homens que o haviam de vilipendiar, o martírio da sua mão, as perseguições da Igreja e dos seus santos através dos séculos. Por último, o bom Salvador diz à sua confidente: «Compareci diante da santidade de Deus que me fez beber o cálix que continha todo o fel e amargura da sua justa indignação, como se ele tivesse esquecido o nome de Pai para me sacrificar à sua justa cólera». Mostrando o seu coração, acrescenta: «É aqui que eu tenho sofrido mais do que em todo o resto da minha paixão». Depois fala dos consagrados que têm precisamente a mão mais cruel: «Os outros, diz ele, contentam-se com bater no meu corpo; estes atacam o meu coração». Õ Mestre, poderia eu «por um punhado de cevada» (10), uma vil satisfação, chegar a tal ponto de crueldade ?

Esse coração, que tanto tem sofrido, é o coração que mais me tem amado. «Vós ten-des-me perdoado os meus pecados, vós tendes-

(10) Ezequiel, XIII, 19--me confiado as vossas riquezas espirituais. Entreabrindo diante de mim as águas do mar tempestuoso deste século, vós introduzistes-me no deserto sagrado da religião; vós refrescas-tes-me com ondas da vossa graça; vós cha-mastes-me para a santidade. Tudo isto está escrito no vosso coração» (11). O pensamento deste amor de Jesus bastará para nos impelir às maiores delicadezas, se nós lhe juntarmos um recurso fiel e confiante à protecção do seu divino coração. Não dizia ele: «Não te faltará força, senão quando te faltar poder»? (12). Por sua vez, quando o demónio vê que as suas tentações nos levam a implorar este divino amor, deixa de nos assediar» (13).

Afectos. — «Ó Jesus cheio de amor, ponde o sinal da vossa santa cruz na minha mão di-reita, para que, sempre rodeada da vossa protecção, eu avance contra todas as emboscadas do inimigo. Conservai no santuário do vosso coração, tão cheio de bondade, a pureza da minha inocência; colocai os meus compromissos sob a vossa guarda fiel, a fim de que eu vo-los

(11) Bem-aventurada B. Varani.(12) N. S. a S.ta Marg. Maria.(13) S. Francisco de Sales.

possa apresentar na sua integridade à hora da minha morte». (Santa Gertrudes).

Exame. — Tenho eu a devoção a Jesus crucificado? — Sirvo-me da sua lembrança para me defender contra as tentações,

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representando a mim mesma tal ou tal cena da paixão, esta ou aquela estação da via-sacra? — Faço muitas vezes, dignamente, piedosamente, o sinal da cruz? — Estou habituada a recorrer ao Sagrado Coração desde que a minha alma se encontre perturbada, e preveja ou pressinta a aproximação do inimigo?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Õ paz do coração

humano, só te encontram no amor e na cruz de Jesus Cristo» (S. Francisco de Sales).

XXVIDA DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM E AOS

ANJOS

«Todas vós que estais da posse da virgin-dade, refugiai-vos junto da Mãe do Senhor. Ela tomar-vos-á debaixo da sua protecção e conservar-vos-á na incorruptibilidade esse magnífico e precioso tesouro» (1). Sabe-se, por experiência, que as almas mais puras são particularmente devotas à «Rainha das Virgens», e que Maria, «virgem prudentíssima», vela atentamente pela sua virgindade. Com ela, os anjos que são como as virgens do Céu, exercem uma especial protecção sobre as virgens da terra. Procuremos um apoio para a castidade: 1.° na devoção à Santíssima Virgem: 2.° na devoção aos Santos Anjos.

I. —DEVOÇÃO À SANTÍSSIMA VIRGEM PENHOR DE CASTIDADE

«Todas as vezes que vós aspirais a um dia mais puro, a quem se dirigem os vossos votos? A Maria, porque foi ela a primeira que compreendeu a grande palavra da virgindade, antes que Jesus a tivesse pronunciado; foi Maria a primeira que se lhe consagrou, antes que o mundo tivesse conhecido o seu valor e a sua sublimidade; foi Maria que procurou ter o seu mérito, antes que o seu divino Filho tivesse prometido a recompensa dela» (2). Por todos es-

(1) S. João Crisóstomo. (2) Card. Pie.tes títulos, Maria é invocada como «a gloriosa guardiã das virgens» (3).

Maria é a «estrela da manhã», para as al-mas preservadas. Elas encontram no seu exemplo a estima e o amor da virgindade; no seu patrocínio a força para a abraçarem. No tempo da sua vida terrestre, «a graça da virgindade era tão abundante nela que, não só ela a enchia de pureza e de santidade, mas a sua simples vista tornava castos os que a visitavam». «A beleza, que lança ordinariamente faúlhas devastadoras, era maravilhosa em Maria, e só inspirava castos pensamentos» (4). No decurso dos séculos ela permanece «a mestra da inocência» (5);

«a instrutora da castidade» (6); a grande abadessa que recruta as virgens» (7).

Maria é «a sombra do meio-dia» (8) para os tentados. A virgindade dela foi pura, pacífica e segura; nas outras, quando ela se conserva sempre pura, nem sempre se pode conservar pacífica : tem os seus combates inevitáveis e o triunfo incerto. Sentada no seio da paz, «Maria vê as nossas lutas íntimas e, na sua virginal

(3) Ofício da Imaculada Conceição.(4) S. Tomás. (5) Ruperto. (6) B. Algrin.

(7) S. Fulberto. (8) Ricardo de S. Lourenço.bondade testemunha-nos uma piedade tanto mais segura quanto se encontra ao abrigo do perigo. Ela defende em nós o seu Filho, o pre-ço do seu sangue, o seu amor» (9). Portanto, «se o vento das tentações se eleva em vós, se a tempestade ameaça submergir-vos, se as seduções dos sentidos vos prenderem, olhai para a estrela, chamai Maria» (10). Ela tem a «missão de combater por nós» (11); «o seu braço está sempre armado para nossa defesa» (12); «forma uma muralha suficientemente resistente para proteger o mundo inteiro» (13); «ela é o terror dos demónios» (14); «quando é invocada, eles caem, ao seu nome, como sob os raios da tro-voada» (15).

Maria é também o «repouso da tarde para os pobres pecadores» (16); ela reconduz à castidade os que prevaricaram. Ao contemplá-la, o pecador pode dizer: «Se é triste estar coberto de manchas, se é horrível ser leproso por ter cometido muitas faltas, há pelo menos na minha família uma bela criatura que não é apenas

(9) Bourdaloue.(10) S. Bernardo. (11) Ritual dos Gregos.(12) Santo Anselmo. (13) Honorato d'Autun.(14) Alcuíno. (15) A. Kempis.(16) Adam de Perseigne.

a Pureza, mas que é também a Caridade; uma dobra do seu manto será a minha tapa-misé-rias» (17). Como o pródigo vai ter com o seu Pai, ele vai ter com a sua Mãe. Maria é «o porto do naufragado» (18), «o hospício em que ela o cobre de ternura, como a galinha aos seus filhinhos» (19), «abre-lhe de novo o tesouro das divinas esmolas» (20), e ajuda-o a reentrar na posse das riquezas perdidas» (21).

S. José participa desta solicitude de Maria pelas virgens. Honram-nos como a «duas vir-gindades que se unem para se conservarem uma à outra» (22); é justo que as invoquemos simultaneamente para a conservação da castidade. S. José obtém para aqueles que lhe rezam uma parte no privilégio que ele recebeu de levar uma vida angélica no convívio de Maria (23).

\ II.—A DEVOÇÃO AOS ANJOS E ÃS VIRGENS

Para a conservação da castidade, «a devo-ção aos santos anjos, os amigos dos castos, é

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(17) Möns, abade de J. Lémann.(18) Pierre de Celles. (19) Adam de Perseigne. (20) Rupert. (21) Santo Anselmo.(22) Bossuet. (23) S.to Af. de Ligório.

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também grandemente eficaz» (24). Os anjos exercem uma acção contínua sobre nós. São Tomás sustenta que nenhum bem se faz em nós sem eles. Uma alma vale mais do que um mundo aos olhos de Deus, e é por isso que a Providência designa para junto de cada alma um espírito vigilante e protector (25). Ninguém está privado deste amigo invisível «que jamais adormece no seu posto» (26); «que nos protege em todos os nossos caminhos, nos leva nas suas mãos, para os nossos pés não toparem com a pedra do caminho, desvia a flecha perdida no dia e a malícia que vagueia no meio das trevas» (27).

«Os anjos amam a castidade e são os seus protectores» (28). Habituados a conservarem-se diante de Deus e a sentirem-se penetrados do seu olhar, eles conhecem melhor as suas infinitas delicadezas; inquietam-se com todos os perigos que a nossa alma pode correr, e ajudam-na a purificar-se das suas menores manchas. No perigo, o anjo da guarda adverte-nos; na luta, protege; na dúvida, aconselha; depois da falta, repreende: «Se os maus anjos são os

(24) Boudon.(25) S. Tomás. (26) Salmo CXX, 3. (27) Salmo XC, 6. (28) Cornélio a Lápide.

tentadores e os cúmplices do pecador, os nossos bons anjos receberam de Deus a ordem de nos guardar, e são mais poderosos do que os demónios» (29). Nós somos «prisioneiros, ila-queados pelos laços deste corpo mortal: espíritos puros, espíritos libertos, ajudai-nos a levar este pesado fardo e amparai a alma que deve tentar para o Céu contra o peso da carne que a arrasta na terra» (30).

A história dos castos refere exemplos me-moráveis da protecção dos anjos. Judite afirma que é assistida, na sua viagem e na sua estadia no campo de Holofernes, bem como no seu regresso, por um anjo cuja incumbência é precisamente guardar-lhe a castidade (31). Santa Inês, numa hora em que o inferno parecia ir apoderar-se dela, encontra um anjo, pronto para defender a sua virgindade (32). Santa Cecília adverte Valeriano de que ela está sob a guarda de um anjo que vela ciosamente pelo seu corpo (33). Dois anjos pegam em Santa Aldegun-des e fazem-na passar o rio Sambre a pé enxuto, para poder escapar a perseguições de alguns

(29) Santo Agostinho. (30) Bossuet.(31) Judite, XIII, 20.(32) Ofício de Santa Inês.(33) Ofício de Santa Cecília.

208 14. — Castidade.mal-intencionados. As lutas da castidade são uma ocasião de merecimento que os anjos não podem ter, eles «tomam parte na hora do combate cantando a valentia do vitorioso» (34).

As virgens coroadas são também as protectoras das virgens militantes. É «uma doutrina afirmada pelos teólogos e demonstrada pela experiência, que o poder distribuido pelos santos se refere particularmente às graças e às virtudes em que cada um deles se distinguiu» (35). Na terra, as virgens deram o exemplo; no céu oferecem a sua assistência. «Seguras da sua salvação, elas interessam-se pela nossa santificação : deixando o seu corpo, não deixaram todavia a caridade. Almas gloriosas, que escapastes aos laços deste mundo, tende piedade das que estão expostas às suas seduções e dai-lhes auxílio» (36).

Afectos. — «Ó Senhora minha, ó minha Mãe, eu me ofereço todo a vós, e, em troca da minha devoção para convosco, vos consagro neste dia os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração e inteiramente todo o meu ser. E porque assim sou vosso, ó boa Mãe,

(34) Bossuet.(35) Card. Pie. (36) S. Bernardo.

guardai-me e defendei-me como coisa própria vossa» (Oração indulgenciada).

Exame. — Tenho eu uma devoção sólida e prática à Santíssima Virgem? — Rezo-lhe pela minha perseverança na religião e na castidade?— Tenho recorrido a ela nas minhas tentações ?— Sou, como ela, reservada, modesta, prudente? — Não há nada na minha alma e no meu coração que possa ofender o seu olhar? — Honro a S. José e rezo-lhe ? — Imploro o socorro das virgens? — Trato o meu anjo da guarda com respeito, não fazendo nada que o possa contristar? — Tenho por hábito orar-lhe, principalmente à hora do perigo, para que me guarde?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Rainha das vir-

gens. Rainha dos anjos, rogai por nós» (Ladai-nha Lauretana).

XXVII DO TEMOR DE DEUS

«O princípio da sabedoria é o temor do Se-nhor» (1). S. Francisco de Sales repete fre-

(1) Salmo CX, 10.quentemente às religiosas que elas não são «forçados», mas «esposas» do Salvador, e convida--as a fazerem do amor a raiz de todas as suas acções. Nada mais justo. Mas há

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alguma vez em que se possam ter, num terreno escorregadio, como é a castidade, «meios de defesa suficientes, quando se está rodeado de tantos perigos?» (2). O temor é um suplemento ao amor, e «o ofício é recrutar-lhe auxiliares» (3). O temor guarda a castidade: 1." pela lembrança da presença de Deus; 2.° pelo pensamento dos seus terríveis juízos.

I.—A LEMBRANÇA DA PRESENÇA DE DEUS

A. lembrança da «presença de Deus produz estes três efeitos: liberta a alma do pecado, leva-a à prática da virtude, e une-a a Deus pelo laço do santo amor. Não há meio mais eficaz para dominar as paixões, para resistir às tentações, e evitar assim todas as espécies de pecados» (4). «Se nós pensássemos sempre que

(2) S. João Crisóstomo. (3) S. Gregório. (4) S.to Afonso M. de Ligório.

Deus nos vê, não faríamos nunca, ou quase nunca, coisa alguma que desagradasse aos seus olhos» (5); ficaríamos sob o império «daquele temor cujo fruto é a obediência, e que acaba por se fundir no amor» (6).

«Neste pensamento de que Deus tem os olhos postos em nós, durante o assalto das tentações, podemos encontrar um poderoso motivo de encorajamento. O soldado que combate na presença do seu general faz prodígios de valor; de que ardor devemos inflamar-nos, nós que sabemos que Deus, do alto do céu, assiste a todas as nossas lutas e nos tece coroas!» (7). Ao findar uma noite de lutas com os demónios, de assaltos contra a castidade, Santo Antão, esgotado de fadiga e vergastado de golpes, vê subitamente um raio de luz que dissipa as trevas, expulsa os demónios e o cura instantaneamente. «Onde estáveis vós, Senhor, exclama o santo eremita, e porque não viestes em meu auxílio? Respondeu-lhe uma voz : Eu estava ao teu lado desde o princípio, para te encorajar; aí estarei sempre». Os castos que lutam têm por testemunhas a corte celeste e o seu rei. Ora, do lado de

(5) S. Tomás. (6) S.to Hilário.(7) Rodriguez.

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Deus, olhar é socorrer; «os seus olhos olham o universo e dão a força» (8). «Ele está comigo como um guerreiro formidável» (9), e reduz o demónio ao estado de um pardal que as crianças insultam impunemente (10).

Depois, a coragem parece abondonar-nos, serve-nos de recurso a convicção de que ne-nhum dos nossos pensamentos, sentimentos e acções podem escapar ao olhar d'Aquele que vê, ainda mesmo quando todos os outros olhos estão fechados. Um valente a quem solicitavam para pecar, (e tratava-se de castidade) respondeu simplesmente: «Procurai um sítio em que Deus nos não veja» (11). A casta Susana encontrou força no mesmo pensamento: «Vale mais morrer inocente do que pecar na presença do meu Deus» (12). Deus está tão perto de nós! «Nós vivemos nele, permanecemos nele, todos os nossos movimentos se realizam nele (13). Uma das palavras mais espantosas que até hoje devem ter sido ditas, é a de Santa Teresa : Não é apenas diante de Deus, é em Deus que o pecador pratica o seu mal.

(8) II, Par, XVI, 9.(9) Jerem, XX, 11. (11) Vida dos Padres (13) Act, XVII, 28.Estas considerações

agravam-se ainda, quando se trata de um pecado «que mata a castidade» (14); «que não é talvez o mais grave, mas que é, seguramente, o mais vergonhoso» (15), «que provoca particularmente a ira de Deus» (16); com o qual se experimenta a maior ne-cessidade de se esconder (17); que mais degrada a alma humana (18); e que faz de uma consagrada um templo profano (19), uma sacrílega (20), uma pérfida, uma perjura que traiu o Esposo celeste (21). Não, nunca semelhante desgraça lhe teria acontecido, se ela «tivesse pensado que Deus está presente e tão perto de nós! » (22).

II.— O PENSAMENTO DOS JUÍZOS DE DEUS

Uma outra espécie de temor, «infecundo em si mesmo, mas rico de frutos pela fé que ins-

(14) S. Pedro Crisólogo.(15) Goffridus de Vendóme.(16) S. Gregório. (17) Alain de Lisie.(18) Pedro le Chantre.(19) Hildeberto du Mans.(20) Santo Ambrósio. (21) Santo Anselmo. (22) Santa Teresa.

pira» (23), vem ainda em nosso auxílio. É bom meditar-lhe os motivos, «a fim de que, se as nossas faltas nos fizerem esquecer o amor do Senhor eterno, que ao menos o temor das penas nos ajude a não sucumbir ao pecado» (24). «Aqueles que fizeram ao Senhor o dom absoluto da sua vontade devem, para escapar

ao perigo de ofender a Deus, fazer como que uma muralha com as grandes verdades da fé, considerando atentamente que tudo acaba, que há um céu e um inferno» (25). É por terem esquecido este temor e estas verdades que certas almas, cuja pureza «ultrapassava a brancura do marfim, se transformaram de repente em brasas fumegantes» (26).

Este temor alimenta-se primeiramente do pensamento da morte, «que conserva a inocência das almas», e as torna «no forte das tentações, como um rochedo no meio da tempestade» (27). Fiel ou regenerada pela penitência, a religiosa pode passar, na sua morte, por angústias purificadoras; mas ela é geralmente consolada e «impaciente por se unir para sempre a Jesus Cristo e por entrar no coro das

(23) Santo Hilário.(24) Santo Inácio. (25) Santa Teresa. (26) Rodriguez. (27) De Rance.

virgens que viveram de renúncia e de castida-de» (28). As religiosas gravemente infiéis ao seu voto estão muito expostas a acabar na im-penitência (29). E então morrem de «duas maneiras: ou convulsiva e desesperadamente ou calmamente e sem remorsos; ambas horríveis, porque são a morte dos pecadores» (30). Partem, depois de terem abusado de todas as graças, nas circunstâncias mais solenes e nas condições que tornam o pecado mais odioso, e continuam esposas de Jesus Cristo, «título augusto que devia ser o sinal da sua salvação e que vai converter-se no maior dos seus crimes» (31).

Ei-las no tribunal de Deus, diante desta palavra do Evangelho: «Pedir-se-á muito àquele que recebeu muito» (32). Eis-vos, virgem prevaricadora, aos pés do divino Esposo, tornado vosso juiz. Vós recebestes neste mundo os seus favores mais assinalados, a superabundância das suas graças, um excesso de benevolência e de amor; agora, as coisas inverteram--se: quanto Ele foi misericordioso, quanto se vai

(28) S. Cipriano.(29) Santo Eusébio de Cesareia.(30) Mons. Planrier. (31) Massiilon.(32) S. Luc, XII, 48.

mostrar severo; o carácter santo de que vos revestistes não fará senão redobrar os seus rigores; é aqui que vai começar para vós aquela espantosa cólera do Cordeiro, aquele desolador furor da pomba, de que fala a Sagrada Escritura» (33).

A sentença já está pronunciada, está escrita. O Senhor do Céu disse: «Para fora daqui os que não são castos !» (34). O inferno da religiosa será particularmente rude e humilhante. Os que a viram nos seus santos trajes, reconhecê--la-ão; os mundanos e o demónio servir-se-ão do seu carácter augusto para a escarnecerem e torturarem. O próprio

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(10) Job, XL, 70. (12) Dan, XIII, 23.

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fogo a reconhecerá; ele passará e tornará a passar lentamente em volta do seu corpo que fora consagrado pela virgindade, a duplicar a reduplicar o suplício (35) : por onde se pecou, por aí se deve ser castigado» (36). Ela será eternamente devorada pela lembrança das suas predilecções, dos seus títulos, dos seus deveres, das suas esperanças, dos seus pecados, das suas vergonhas, da sua impe-nitência. «As religiosas condenadas dariam o mundo inteiro para se resgatarem; e há na terra

(33) Mons. Plantier. (34) Apoc, XXII, 15.(35) P.e Valuy. (36) Sabedoria, XI, 17.

religiosas que cometem o pecado e, depois de o terem cometido, dormem tranquilamente à beira do inferno» (37).

Afectos.—«Lembrai-vos, ó Jesus cheio de misericórdia, que por mim descestes à terra, não me percais neste dia. Vós cansastes-vos a procurar-me, resgatastes-me com a vossa cruz; que um tão grande trabalho não seja inútil. Eu sou culpada, a minha falta faz-me corar; suplico-vos, ó meu Deus, a vós que sois bom, que me perdoeis» (Dies irae).

Exame. — Sou eu suficientemente calma, recolhida e interior para viver habitualmente na presença de Deus ? — Mantenho-me diante d'Ele num grande respeito e com espírito de religiosa? — Ajudo-me eu, nas tentações interiores e exteriores, com a lembrança desta divina presença ? — O pensamento dos novíssimos apoia a minha fidelidade? — Que é que eu quereria ocultar a Deus ou temeria no seu tribunal ?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Fazei, Senhor,

que tenhamos sempre o temor e o amor do vosso santo nome» (Missal romano).

(37) P.e Valuy.XXVIII

AMEAÇAS E CONSOLAÇÕES

«Nem todas as castas são virgens e nem todas as virgens são castas. Ora, pode-se ir para o Céu sem se ser virgem, contanto que se seja casto, e não se pode entrar no paraíso, embora se seja virgem, se não se for casto» (1). Este aviso é dado primeiramente às religiosas que, contentes com o seu hábito e com a sua profissão, cuidam pouoo das suas obrigações e responsabilidades : é uma ameaça; em segundo lugar, como uma consolação às que conheceram horas de transviamento e que regressaram sin-ceramente ao dever. O Evangelho não fala de outro modo; vamos meditar: 1.° a parábola das dez virgens; 2.° a história de Maria Ma-dalena.

I.—A PARÁBOLA DAS DEZ VIRGENS

Conhece-se a narrativa evangélica. Dez virgens vão à presença do Esposo: cinco têm as suas lâmpadas bem fornecidas e entram no fes-

(1) S. Bruno d'Asti.tim; cinco não têm azeite; enquanto vão bus-cá-lo, a sala do festim fecha-se; o Esposo recusa abrir, não as conhece. As primeiras são chamadas prudentes, as outras, virgens loucas (2).

«Todas as dez são virgens; todas levaram lâmpadas; todas foram ao encontro do Esposo. Nenhuma é acusada de ter faltado à pureza virginal. A loucura de umas era não terem levado azeite, e a prudência das outras estava em se terem provido dele. Que é este azeite, senão a doutrina, a ciência sagrada?» (3).

As comunidades religiosas estão representadas por aquele colégio de dez virgens. As almas chegam ali, porque ouviram o apelo: «Saí, ide à frente do Esposo» (4). O Espírito Santo tinha feito da sua alma, ao infundir-lhes no coração o amor mais santo, «uma lâmpada a que as torrentes não extinguiriam nem o fogo nem a chama» (5). Os bons conselhos, os exemplos edificantes, os piedosos exercícios do noviciado tinham «adornado» aquela lâmpada. A sua formação tinha sido tão cuidada que elas pareciam, ao partir, levar na mão «um feixe de archotes» (6); ao vê-las, dir-se-iam «fachos doura-

(2) S. Mateus, XXV, 1-13. (3) Cardeal Pie. (4) S. Mateus, XXV, 6. (5) Cant, VIII, 6. (6) Baruch., VI, 18.

dos elevando-se de um campo de lírios emur-checidos» (7). Mas é preciso um trabalho incessante, uma atenção perfeita, um zelo infatigável para alimentar essa celeste luz, e compete a cada um dar «do seu próprio fogo para iluminar o seu caminho» (8).

As situações mudam, as dificuldades multi-plicam-se, as ocasiões fazem nascer os perigos. Em vez de prestarem atenção, de caminharem prudentemente, de estudarem na leitura e na oração, de consultarem os seus superiores e directores, algumas há que caminham impensadamente, habituam-se à rotina, perdem a noção das responsabilidades. Talvez já não saibam que continuam obrigadas à exacta observância dos seus votos, em particular da castidade. Deixaram «extinguir-se o Espírito» (9), e dentro em pouco «a luz da lâmpada terá acabado, para sempre, de brilhar aos seus olhos» (10). A sua marcha realiza-se nas trevas; quando elas chegarem, o Esposo não as conhecerá: virgens loucas !

«As lâmpadas acesas são ainda as boas obras, sem as quais a castidade é

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insuficiente. A castidade encontra-se comprometida, se não

(7) III, Reis, VII, 49. (8) Isaías, L, 11.(9) Tess., V, 19. (10) Apoc, XVIII, 33.

houver o cuidado de lhe fazer uma muralha com todas as outras virtudes. Quando se é negligente, a carne fortifica-se, o espírito enfraquece. A virgindade do corpo não se mantém senão em quem trabalha com todas as suas forças na perfeição da própria alma» (11). As religiosas não podem esquecer que se encontram num estado de tendência para a perfeição; parando no caminho, elas expõem a castidade como todas as outras virtudes, e é um género de loucura. Nas ordens contemplativas, o recolhimento é mais profundo, a vida interior está mais ao abrigo da distracção e da dissipação; mas nem por isso se deve deixar de estar vigilante ! Nos institutos dedicados à acção, principalmente à instrução, corre-se deveras o risco de se descurar a si próprio. As relações com o mundo, a necessidade de estudar, de exercer vigilância, de manter bom nome, levam a cui-dados absorventes, a preocupações inferiores; e, por nelas se deixarem absorver, muitas religiosas não ultrapassam o nível das vidas das pessoas piedosas que vivem no mundo. Será isto suficiente para consagradas? Estarão as lâmpadas providas? Acolhê-las-á o Esposo? ou serão elas tratadas como virgens loucas? (11) S. Gregório.

II. — A HISTÓRIA DE MARIA MADALENA

O Evangelho atesta, sóbria mas fielmente, a ignomínia que se ligava ao nome de Maria Madalena: «uma mulher pecadora que se en-contrava na cidade» (12). Há quem veja nela uma criatura frívola e mundana; outros, com mais justiça, ao que parece, acusam-na de ter «abusado de todos os dons de Deus, para perder nela e nos outros a santa castidade» (13). «Ela tinha profanado tudo, e não podia apresentar a Deus senão ruínas» (14). E é

precisamente «em favor dela que Jesus faz o maior dos seus milagres», quando, «sem lhe restituir a flor da inocência que não murcha senão uma vez, Ele a coroa com uma glória mais austera: a do arrependimento e do amor perdoado» (15).

Que misericórdia, da parte do Salvador, nesta conversão, nesta reabilitação e nos privilégios conferidos à pecadora de ontem! Jesus conhece-a. São como outros tantos apelos que Ele lhe dirige, quando se declara «enviado para

(12) S. Lucas, VII, 37. (13) Raban Maur.(14) Lacordaire. (15) M. Abade Fonard.

as ovelhas que pereceram em Israel» (16); quando se mostra tão bom para com a Sama-ritana; quando exclama : «Bem-aventurados os corações puros». Depois, aquele amigo dos pecadores» (17) vai, por amor dela, a casa de Simão, para ali realizar uma obra-prima de graça e de amor (18). Acolhe aquela transviada com a indulgência do bom Pastor pela ovelha que volta ao redil. Aceita os testemunhos da sua fé, do seu arrependimento, do seu amor. Defende-a contra o austero fariseu. Perdoa-lhe, restitui-a a Deus e à sua livre e generosa natureza na qual os dons do Espírito Santo vão encontrar um terreno maravilhosamente apropriado. Louva-a como ainda se não louvou ninguém. Associa o nome dela ao seu para a eternidade (19). Aceita dela a hospitalidade e a esmola e faz-se o Mestre da sua vida espiritual. Vêem-na aos pés da Cruz; a primeira aparição de Cristo é para ela. Depois da Ascensão, ela sobe, pela penitência e pelo amor, de degrau em degrau, na virtude, desenvolvendo sem cessar, no corpo e na alma, a pureza que ela re-

(16) S. Mateus, XV, 24.(17) S. Mateus, XI, 19.(18) De Bérulle.(19) S. Marcos, XIV, 9.

15. — Castidade.

cebera, como uma participação santa da pureza de Jesus (20).

Que tinha ela feito para cooperar na graça do regresso? Os obstáculos eram numerosos; as suas faltas eram daquelas que enchem de vergonha (21); os fariseus zombariam dela; permitiria a santidade de Jesus que ela se aproximasse ? Teria ela coragem para fazer penitência? Tudo parecia, interior e exteriormente, afastada. Mas tudo se confunde naquele sentimento de confiança que ela experimenta pelo «Salvador dos que se perderam» (22), o caridoso «médico dos que estão doentes» (23). Ela acorre, humilha-se, ama tanto quanto pecou, «muito» (24). Depois, a partir

da hora do perdão, ela renasce serva de Jesus Cristo, «amante do Senhor» (25). De um salto, vai tão depressa e tão longe, que «começa onde as outras acabam» (26), e a sua vida passa-se toda inteira, de futuro, a revestir-se da pureza de Jesus Cristo (27).

As aplicações são fáceis para aquelas que

(20) DeBérulle. (21) Godefr. Admont.(22) S. Mateus, XVIII, 11.(23) S. Lucas, V, 31. (24) S. Lucas, VII, 47.(25) Raban Maur.(26) De Bérulle. (27) S. João Crisóst.

precisam ou julgam precisar deste consolador exemplo. Só mais uma palavra para as almas que invejassem as penitentes.

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«Considerai como perdoado o mal que não cometeis, graças à divina protecção: assim vós não amareis menos o Cordeiro salvador, supondo que Ele vos remiu menos; e ficareis humildes e indulgentes a respeito do publicano que bate no peito» (28).

Afectos. — «Deixai-vos enternecer, Senhor, pelas nossas preces, e concedei-nos o perdão das nossas ofensas e a verdadeira paz, a fim de que, sendo purificados de todos os nosso pecados, vos possamos servir na tranquilidade de uma santa confiança» (Missal romano).

Exame. —Tenho eu consciência da obrigação que pesa sobre mim de tender à perfeição?— Corresponde a minha vida a esse dever?— Porventura não me iludo' eu, imputando aos meus cargos, distracções, negligências a meu respeito, o pouco cuidado que tenho com a minha alma? Que reformas se me impõem? — Que fruto devo tirar da história de Maria Madalena?— Pratico seriamente a penitência para me preservar ou restaurar?

(28) Santo Agostinho.

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Resolução.

Ramalhete espiritual. — «Há duas espécies de doentes desesperados: o que não sente o seu mal e não chama o médico; o que sente demasiado o seu mal e não suporta os cuidados do médico» (Hugo, cardeal).

XXIXDAS ALEGRIAS TERRESTRES DA

PERFEITA CASTIDADE

«Bem-aventurados os corações puros, por-que eles verão a Deus» (1). Todas as vezes que nos encontramos em presença de uma palavra do salvador, devemos repetir que é «uma palavra operosa» (2). O que ela diz, fá-lo em nós, se a nossa vontade lhe não pusesse obstáculos e se cooperar nas divinas intenções. É portanto desde esta vida que as virgens têm de recolher o fruto das promessas feitas aos corações puros (3), elas que se separaram de tudo para chegarem a uma mais eminente pureza.

(1) S. Mateus, V, 8.(2) Santo Ambrósio. (3) S.to Agostinho.

— 1.° A virgindade dá a felicidade desde este mundo; 2.° Qual é a felicidade das virgens?

I. — A VIRGINDADE DÁ A FELICIDADE

O Apóstolo São Paulo, respondendo a uma consulta dos fiéis de Corinto, estabelece a verdadeira doutrina relativamente à virgindade. Não há precito que a ordene (4); há circunstâncias em que não é oportuno entrar neste estado (5); mas o que ficar virgem «será mais feliz» (6). Em vão tentaríamos explicar ao mundo a felicidade da perfeita castidade : falta--lhe, para a apreciar, o sentido das coisas divinas (7). Cristo é, para ele, «um sinal de contradição» (8), «o Evangelho um livro fechado» (9), «o mistério da cruz, uma loucura» (10). Faz consistir as suas felicidades fictícias nos nadas que divertem e atordoam, ou nas coisas que «matam a alma, afagando o corpo» (11). Depois, semelhante ao desgraçado que, morrendo de fome na rua, lamentasse aque-

(4) I Cor., VII, 25. (5) I Cor., VII, 9. (6) I Cor., VII, 40. (7) I Cor., II, 14.(8) S. Lucas, II, 34. (9) II, Cor, IV, 3.(10) Cor., I, 18. (11) V. Beda.

le que se senta a uma mesa lauta, põe-se a gritar que a virgem, no seu claustro, não pode encontrar a felicidade.

Insensato! Estão precisamente ali «as ale-grias plenas» (12) que se «tomam no Senhor» (13). Interrogai os consagrados !

«No próprio seio desta vida que eles des-prezam e de que fizeram o sacrifício a Deus, Deus, por um milagre permanente da sua mi-sericórdia, tem-lhes feito encontrar sempre a alegria e a felicidade num grau desconhecido do resto dos homens» (14). Quando os nossos pais na vida religiosa iam procurar, «na soli-dão, um abrigo para a castidade, uma muralha contra o mundo e contra si próprios»

(15), pintavam as suas alegrias até nos nomes encantadores que davam aos lugares do seu retiro. Que coisa mais expressiva do que estas denominações : «Bom-Lugar, Alegre-Lugar, O Doce Vale, as Delícias, Valbom, o Reconforto, a Alegria, o Pré-Feliz» (16).

A felicidade não pode ser senão o soberano bem, «Deus, cuja presença contentará todas as aspirações da alma e do corpo» (17). Mas, an-

(12) S. João, I, 4. (13) S. João, XV, 11. (14) Montalembert. (15) S. Pedro Damião. (16) Nomes de mosteiros. (17) S. Cipriano.

tes da aquisição desse «bem perfeito que sa-ciará todo o apetite» (18), nada há tão paci-ficado, ninguém há tão feliz como uma alma cuja vida toda inteira forma como que uma série de degraus que conduzem a Deus, nosso fim (19). Tal é o caso das virgens que procu-ram no seu estado «um caminho mais seguro, um meio de santidade, um foco de amor, um asilo na vizinhança de Deus» (20). Elas não estão no Céu, mas caminham na senda do Céu: «não quereriam, por coisa nenhuma, ofender a Deus, isso lhes basta para viverem alegres» (21). O facto de se chamarem «Lugar de descanso, Ninho de Ave, Vale da Paz» (22) não quer dizer que as mansões da virgindade na terra não conheçam tempestades e lutas. Mas em volta desse «jardim fechado, a castidade forma uma muralha que nada ainda quebrou» (23), e Deus vela com especial cuidado sobre «esta gloriosa parte do rebanho» (24). Além disso, que fontes de profundas alegrias na caridade fraterna, na fecundidade do apostolado, na paz que as

(18) S. Tomás.(19) Suarez. (20) Vida dos Padres.(21) S. Francisco de Sales.(22) Nomes de mosteiros.(23) Santo Ambrósio. (24) S. Cipriano.

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virgens gozam na terra e nas recompensas que esperam no Céu (25).

II. — QUAL É A FELECIDADE DAS VIRGENS

A felicidade da terra não pode ser senão a imagem da do Céu, «sendo a graça o prelúdio da glória» (26). Ora «a vida beatífica consistirá em ver Deus, não já através das sombras e como num espelho, mas face a face, tal qual Ele é» (27). Os nossos olhos abrir-se-ão para essa «luz eterna, que é o próprio Senhor» (28). Será a felicidade plena e definitiva, «uma luz cheia de amor, um amor cheio de alegria, uma alegria que ultrapassará toda a doçura» (29). O Evangelho coloca também a felicidade dos puros no privilégio de ver Deus desde este mundo, de uma maneira sempre velada, mas mais clara (30). E por esta pureza, deve entender-se «a isenção de todo o pecado, uma justiça que abrange toda a virtude, principalmente a cas-

(25) S. Bernardo. (26) S. Tomás.(27) I, Cor., XIII, 12. (28) Isaías, LX, 19.(29) Dante. (30) Santo Agostinho.

tidade» (31). A parte mais abundante cabe às virgens, contanto que elas explorem os tesou-ros ligados ao seu estado. Sai-se das trevas e entra-se na luz, quando se segue Jesus Cristo (32). Ora quem segue o Mestre mais longe e mais alto do que as virgens? Sobre a montanha da perfeição, elas têm o ar mais puro, o horizonte mais vasto, e os seus olhares esten-dem-se por sobre a planície, por cima dos obstáculos.

A experiência demonstra que «o olho do coração» (33) nos castos, é «simples e torna tudo luminoso» (34). Como os anjos «as virgens, suas irmãs» (35) vêem Deus em toda a parte; como eles, quando se ausentam do Céu para transmitir uma mensagem, elas sabem pôr o seu paraíso em todo o lugar aonde Deus as envia ou as mantém.

A luz celeste transfigura, primeiro que tudo, aos seus olhos, esta estalagem em que passamos algumas horas antes da manhã eterna. Neste universo, cada uma das criaturas aparece às virgens «como uma das letras de que se com-

(31) S. João Crisóstomo.(32) S. João VIII, 12. (34) S. Lucas, XI, 34.

232 16. — Castidade.

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(33) Santo Agostinho. (35) Gloss. Dear.

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põe o nome de Deus» (36). Tudo o que se agita e move torna-se como «um sinal maternal da Providência» (37) a chamar ao amor. Não há nada que não tome uma voz, «a voz do Verbo» (38), tecendo a Deus um hino de louvores» (39). Como poderia ser de outro modo, se «a virgem refere todos os seus pensamentos aos interesses do Senhor?» (40).

As criaturas humanas passam por diante da virgindade sem a distraírem. Elas não são, aos seus olhos, mais do que «o rebanho que pasce nas pastagens do Senhor» (41). Presa ao «espectáculo da beleza eterna» (42), a virgem não concede um olhar às criaturas e não recebe delas «por nenhum outro motivo senão o de lhes ser útil» (43). A sua consolação está em saber que «nunca fez mal a uma alma, nunca escandalizou uma só daquelas crianças, nunca se aproveitou de uma enfermidade, nem enganou um ignorante, nem concorreu para a dilatação do império do mal, mas sim dos limites sagrados do império do bem (44).

(36) S. Francisco de Assis. (37) S. Gregório.(38) S. Tomás. (39) Santo Atanásio.(40) I, Cor, VII, 34.(41) Ezequiel, XXXIV, 31. (42) Platão. (43) Bossuet. (44) H. Perreyve.Quanto aos acontecimentos, as virgens

deixam-nos passar; basta-lhes saber que «Deus dispõe deles e que giram segundo as suas ordens» (45). Numa esfera mais elevada, «Deus descobre-se-lhes na proporção da pureza delas» (46). Aquelas «filhas bem-amadas do Altíssimo recebem por vezes vistas surpreendentes sobre os mistérios da fé; elas ouvem vozes interiores cujo acento tem qualquer coisa de ine-fàvelmente divino; são cumuladas de consolações inebriantes, ou visitadas por tormentos de coração que desolam, mas que se preferem a todas as alegrias, porque vêm de Deus e são como que um mimo da sua misericórdia» (47). «Tu és pois feliz, ó santa virgindade, e fazes as pessoas felizes» (48).

Afectos. — «Estou aos vossos pés, ó meu Deus, ó minha doce luz. Fazei brotar sobre mim os raios do vosso rosto; e as minhas trevas serão diante de vós brilhantes como o meio-dia mais radioso. Õ beatitude, fazei de mim uma coisa só convosco, pelo amor tão ardente que vos atrai para as vossas criaturas, para vos unir a elas». (Santa Gertrudes).

(45) Bossuet. (46) Bourdaloue.(47) Mons. Plantier. (48) Santo Efrém.

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Exame. — Eu sei que bens estão ligados à virgindade: sou eu suficientemente pura para participar deles ? — Há em mim qualquer coisa que se opõe aos dons divinos? — Quando sou menos feliz, tenho medo de ter deixado passar uma sombra, uma prisão, uma indelicadeza? — Amo suficientemente a Nosso Senhor para o reconhecer, o ouvir em toda a parte? — São os meus juízos inspirados sempre pelo Evangelho? — Não há nenhuma criatura entre Deus e eu ?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «É bem feliz

aquele cuja alma é simples e pura: ele vê a Deus» (S. Justino, mártir).

XXXDAS ALEGRIAS CELESTES DA PERFEITA CASTIDADE

O Apóstolo foi arrebatado até ao terceiro céu e, das alegrias que ali se experimentam não ousa dizer uma palavra, ensinando a discrição àqueles «que não foram elevados nem ao primeiro nem ao segundo (1). Um ramo verde-

(1) S. Francisco de Sales.

jante e um coto de vela não dão a um recém--nascido, dado à luz numa prisão e crescido numa masmorra, a verdadeira noção do sol e de um campo florido na primavera: do mesmo modo, nada forma em nós, enquanto en-cerrados «na prisão deste mundo» (2), uma ideia do céu. «No entanto deve dizer-se alguma coisa sobre ele». Assim raciocina S. Francisco de Sales. Seguindo o seu exemplo digamos: 1." O céu é prometido principalmente à virgindade; 2.° a virgindade terá no céu privilégios reservados.

I. —O CÉU ESPECIALMENTE PROMETIDO ÀS VIRGENS

«Deus deu-nos a vocação na sociedade do Seu Filho, e ele é fiel» (3). Existe dele uma palavra que é «a verdade» (4); uma promessa consignada no livro cujas «palavras não pas-sam» (5). O Mestre disse: «O que abandona a sua casa, os seus parentes e tudo mais por amor do meu nome, esse possuirá a vida eter-

(2) Tertuliano.(3) I, Cor., I, 9. (4) S. João, XIV, 6. (5) S. Mateus, XXVI, 35

na» (6). Por isso os nomes das virgens «estão escritos no livro da vida do Cordeiro» (7); cu-jas páginas visíveis são o Evangelho e de que existe um exemplar misteriosamente traçado (8) no coração de Cristo.

Os santos acrescentam o seu testemunho à declaração do Salvador: «Deus não pode mentir; prometeu a vida eterna a quem abandona o mundo por Ele; vós abandonaste-lo, como poderíeis duvidar de uma tal promessa ?» (9). «É fácil passar de uma cela ao céu; quando se morre no claustro, tem-se uma doce segurança de ser salvo, porque é muito difícil perseverar até à morte, se não se for predestinado para o céu» (10). «A religião é a porta do paraíso; ser consagrado a Deus neste mundo, é já sinal de que se está marcado para ser companheiro dos bem-aventurados» (11).

Além disso, o cêntuplo, que começa nesta vida, segue as virgens no outro. Um frade leigo, morto no mesmo dia que um rei, revelou que o lugar deste rei estava, no Céu, tanto abaixo do seu quanto tinha estado acima, quando vivia (12). «Tenho por certo, diz um grande doutor, que os lugares dos serafins, deixados vazios pela defecção dos companheiros de Lúcifer, só serão ocupados por pessoas religiosas. O estado monástico perdeu parte do seu antigo esplendor; no entanto, ainda há santos entre os religiosos; o que uma alma piedosa faz no mundo não se pode comparar com o que faz uma religiosa. Os tesouros do mundo em face dos tesouros que Deus vos prepara são menos do que um grão de areia. Quando o demónio vos tentar apresentando-vos as durezas e as renúncias da vossa vida, levantai os olhos ao Céu e tende coragem, à vista das beatitudes eternas, para suportardes os trabalhos do tempo» (13).

Tais são as nossas esperanças, e tal é o segredo que torna tão doce a morte das con-sagradas : elas dão a Deus a sua morte como deram a sua vida, alegremente. Umas chegam ao termo, depois de «terem trilhado um longo caminho em poucos dias» (14); as outras viram «o seu exílio prolongar-se» (15); «elas trazem, num corpo quebrado pela idade, uma al-

(6) S. Mateus, XIX, 29. (7) Apoc, XXI, 27.(8) Apoc., V, 1. (9) S. João Crisóstomo.(10) S. Bernardo. (11) S. Lour. Justiniano.(12) S.to Af. deLigório.(13) S.to Af. de Ligório.(14) Sabedoria, IV, 13. (15) Salmo CXIX, 5.ma toda jovem e como que perfumada» (16), Todas descem pacificamente no Oceano divino, como a barca, quando,

chegada à foz, deixa o rio, saúda a margem e, por um insensível movimento, encontra-se num grande mar. «A morte é, para elas, um belo anjo que veio para coroá-las de flores» (17); «o desprendimento dos prazeres desabitua-as do corpo e elas já não sentem dificuldade em se separar dele; já desataram, ou quebraram, desde há

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muito, os laços mais delicados» (18); aprenderam que «a única precaução contra os ataques da morte é a inocência de vida» (19). Virgem por estado, sou eu suficientemente «santa de alma e de cor-po», para fazer minhas estas esperanças da virgindade ?

II.—O CEU DAS VIRGENS TEM PRIVILÉGIOS RESERVADOS

«Eu vi, diz o discípulo virgem: o Cordeiro estava de pé sobre a montanha de Sião; com ele vi cento e quarenta e quatro mil. Eles cantavam

(16) S. Gregório de Nazianzo.(17) H. Perreyve. (18)

Bossuet.(19) Bossuet.

o cântico novo, e ninguém podia dizer aquele cântico; aqueles são os resgatados da terra, são os virgens» (20). Cada ser forma uma nota no concerto universal pelo qual a criação louva o Criador. Mas, da simples ervinha ao cedro, do colibri à águia, da última das estrelas ao sol, do homem ao anjo, os acentos aumentam em expressão, em doçura, em verdade. O primeiro de todos «o Mestre de coro, é o Verbo» (21), é Jesus. Depois d'Ele vêm os que melhor compreenderam as ideias de Deus e realizaram o seu plano. Três classes de santos sustentaram combates mais temíveis; três coros de eleitos trazem auréolas distintivas : os mártires, os doutores, as virgens.

Durante a sua vida, as virgens foram mais dóceis à palavra de Cristo; estiveram de acordo com Ele até nos seus menores desejos. No Céu são admitidas a uma intimidade maior; aproximadas de Jesus, participam das alegrias mais suaves e as suas almas glorificadas manifestam-se «num cântico reservado que as outras podem ouvir e com que lhes é dado regozijarem-se, mas que não têm o poder de repetir» (22).

(20) Apoc, XIV, 1-4.(21) Clem. de Alexandria. (22) Santo

Agostinho.«Estas primícias de Deus» (23) pagou-as o Cordeiro mais caro: foi para elas pródigo das suas lágrimas e do seu sangue; protegeu-as com os espinhos da sua coroa, abrigou-as à sombra da sua cruz com uma particular dilecção. É este amor cioso que elas cantam, e o privilégio de terem sido «a porta fechada pela qual só o príncipe podia ir para o seu trono» (24).

São João continua: «As virgens seguem o Cordeiro para toda a parte para onde Ele

vai» (25). O Salvador tinha dito : «Aquele que quiser ser meu discípulo, renuncie a si mesmo e siga-me» (26). As virgens deixaram tudo; elas seguiram Jesus nos seus trabalhos, humilhações, na sua cruz e morte. Passaram a vida em busca de Cristo. Agora «que as sombras se inclinaram e que o dia nasceu» (27), elas encontram-no, possuem-no «irmãs e esposas, no jardim fechado em que Ele colhe os lírios» (28). «Eu vos conjuro, minha querida irmã, diz S. Bernardo, não saboreeis nenhuma doçura, não procureis nenhum amor, não ameis nenhuma beleza fora de Cristo: se vós o amardes com

(23) Apoc, XIV, 4. (24) Ezech., XLIV, 1-3.(25) Apoc, XIV, 4. (26) S. Lucas, IX, 23.(27) Cânt, II, 17. (28) Cânt, IV, 12; VI, 1.

todo o vosso coração neste mundo, segui-lo-eis para toda a parte onde Ele for».

Santo Hilário ensinava estas verdades à sua filha, a virgem Abra. Extasiada, essa disse-lhe um dia: «Pai, os meus amores não estão na terra; quando portanto eu for ter com o Esposo eterno, a quem vós me consagrastes; pai, eu quereria morrer». Imediatamente Hilário pros-trou-se diante de Deus; viram as suas lágrimas e ninguém ouviu a sua prece. Mas dentro em pouco, sem sofrimento, sem estremeção, a im-paciente amante de Cristo partiu, como uma pomba que abre as suas asas e levanta voo para os Céus. As suas fiéis esposas sentem que Jesus assiste aos seus últimos instantes, colocando-lhes na cabeça a auréola que as deve distinguir dos outros eleitos, e convidando-as meigamente: «Vem, minha esposa, vem do Líbano, tu serás coroada» (29). E elas respondem: «Vinde, Senhor Jesus, vinde, não vos demoreis» (30).

Afectos. —«O meu coração e a minha alma aspiram a vós com ardor, ó Deus do meu coração e das minhas esperanças. Que a alegria e o júbilo estejam em vós, pelo branco e nume-

(29) Cânt, IV, 8. (30) Apoc, XXII, 20.roso enxame das virgens; alegria e júbilo no cântico novo que elas fazem ouvir, seguindo-vos para toda a parte, a vós seu Rei e seu esposo. Ó amor, eu vos dou a minha vida e a minha alma, adormecei-me convosco na paz». (Santa Gertrudes).

Exame. — É o pensamento do Céu habitual em mim, principalmente nas horas de dificuldade, de tentação ? — Estou reconhecida a Jesus, por me ter mais magnificamente resgatado e misericordiosamente escolhido ? — É a

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minha vida suficientemente santa, para ser já o começo do cântico virginal ? — Sou Jesus em todas as suas vontades, desejos, delicadezas ? — Que proveito tirei eu destas meditações ? —Quais são as minhas resoluções? Os meios de as conservar?

Resolução.Ramalhete espiritual. — «Vejo finalmente

o objecto dos meus desejos; possuo o objecto das minhas esperanças; estou unida, no Céu, àquele que amei com todas as faculdades sobre a terra» (Ofício de Santa Inês).

CONCLUSÃO

Terminado o ensaio, consagrar um dia a agradecer a Nosso Senhor as luzes recebidas e a tomar resoluções práticas e muito precisas. Escrevê-las, para melhor as fixar no espírito e no coração, a fim de as poder voltar a ler de tempos a tempos. Informar o seu director sobre o trabalho que se efectuou durante estes piedosos exercícios, e submeter à sua aprovação as resoluções que são o fruto deles.

Sub tuum praesidium, Virgo immaculata!

ÍNDICE

Conselhos preliminares ......................pág. 91.—Natureza da Castidade ............................... » 122. — O conselho evangélico da perfeita castidade » 193. — Da vocação ............................................., » 274.—Das vantagens da perfeita castidade............ » 355. — Vantagens da perfeita castidade para o

apostolado ............................................ » 436.— Da excelência da perfeita castidade ............ » 517. — Da excelência da perfeita castidade............ » 598. — As predilecções de Jesus pela virgindade » 679. —■ Predilecções de Jesus pela virgindade . . . » 7410.— Das tentações ........................................ » 8211.—Das tentações ......................................... » 9012: — A mortificação em geral ........................... » 9813.— Mortificação do corpo .............................. » 10514.— Mortificação do espírito ........................... » H215.— Mortificação do coração ............................ » 11916.—Da tristeza ................................................. » 127

17.— Do espírito do mundo ............................... » 13418.— Do amor da solidão ................................... » 14219.—Da vigilância ............................................... » 15020.— A modéstia ............................................... » 157

21.— Da modéstia .............................................. * 165

22.— Da oração ............................................... * 173

23.—Do Sacramento da Penitência ................... » 18124.—Da santa Comunhão ..................................» 18925. —Devoção à Paixão e ao Sagrado Coração ... » 19626. — Da devoção à Santíssima Virgem e aos

Anjos .................................................... » 20327. — Do temor de Deus ....................................» 21128. — Ameaças e consolações ........................... » 22029- — Das alegrias terrestres da perfeita castidade » 228 30. ■— Das alegrias celestes da perfeita castidade » 236

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