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UNIDADE VI - ATOS ADMINISTATIVOS. Fatos da Administração: Classicamente, o direito civil diferencia ato (imputável ao homem) de fato (acontecimento natural, independente do homem ou dependente indiretamente). Fato jurídico é aquele que, por corresponder à discrição legal, gera efeitos no mundo do direito. Ao gerar efeitos no âmbito do Direito Administrativo será considerado fato administrativo (ex: morte de funcionário causa a vacância do cargo). Para Celso A B de Mello (2010:372), fato jurídico é “qualquer acontecimento a que o Direito imputa e enquanto imputa efeitos jurídicos”. Sendo assim, o fato jurídico tanto pode ser uma conduta (que visa ou não à produção de efeitos no mundo jurídico) quanto um evento material. Desde que produza efeitos jurídicos atribuídos pelo ordenamento, será qualificado como fato jurídico. Desta forma, a distinção entre fato jurídico e ato jurídico fica um pouco nebulosa. O autor afirma que ato jurídico consiste em “um comportamento humano voluntário e preordenado a desencadear efeitos jurídicos”. Argumenta que há fatos jurídicos que não são eventos da natureza, como a prescrição e a decadência, assim como a relação da passagem do tempo e a inércia do sujeito, o tempo em si não é evento natural, nem basta para produzir efeitos jurídicos, e ainda assim é reconhecido mundialmente como fato jurídico. Por outro lado, há atos jurídicos que dispensam a conduta voluntária, e cita o exemplo de um funcionário que esbarra num botão que comanda os semáforos de determinada região, alterando os ciclos de abertura e fechamento, gerando, portanto, ordens de “siga” e “pare”, que são atos jurídicos administrativos. Em razão desta argumentação, Celso A B de Mello (2010:374) questiona-se qual a real distinção entre ato jurídico e fato jurídico e conclui que os atos jurídicos são declarações, falas prescritivas sobre alguma coisa, que afirma como ela deverá ser; enquanto o fato jurídico não é declaração, não é prescrição, o fato simplesmente ocorre e a lei é que fala sobre ele. Para Carvalho Filho (2009:91), não há relação entre o fato administrativo e o fato jurídico de direito privado. Explica que o fato jurídico é assim qualificado por ser capaz de produzir efeitos na ordem jurídica, originando ou extinguindo direitos. Enquanto o fato administrativo “tem o sentido de atividade material no exercício

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UNIDADE VI - ATOS ADMINISTATIVOS.

Fatos da Administração:

Classicamente, o direito civil diferencia ato (imputável ao homem) de fato (acontecimento natural, independente do homem ou dependente indiretamente). Fato jurídico é aquele que, por corresponder à discrição legal, gera efeitos no mundo do direito. Ao gerar efeitos no âmbito do Direito Administrativo será considerado fato administrativo (ex: morte de funcionário causa a vacância do cargo).

Para Celso A B de Mello (2010:372), fato jurídico é “qualquer acontecimento a que o Direito imputa e enquanto imputa efeitos jurídicos”. Sendo assim, o fato jurídico tanto pode ser uma conduta (que visa ou não à produção de efeitos no mundo jurídico) quanto um evento material. Desde que produza efeitos jurídicos atribuídos pelo ordenamento, será qualificado como fato jurídico. Desta forma, a distinção entre fato jurídico e ato jurídico fica um pouco nebulosa. O autor afirma que ato jurídico consiste em “um comportamento humano voluntário e preordenado a desencadear efeitos jurídicos”. Argumenta que há fatos jurídicos que não são eventos da natureza, como a prescrição e a decadência, assim como a relação da passagem do tempo e a inércia do sujeito, o tempo em si não é evento natural, nem basta para produzir efeitos jurídicos, e ainda assim é reconhecido mundialmente como fato jurídico. Por outro lado, há atos jurídicos que dispensam a conduta voluntária, e cita o exemplo de um funcionário que esbarra num botão que comanda os semáforos de determinada região, alterando os ciclos de abertura e fechamento, gerando, portanto, ordens de “siga” e “pare”, que são atos jurídicos administrativos.

Em razão desta argumentação, Celso A B de Mello (2010:374) questiona-se qual a real distinção entre ato jurídico e fato jurídico e conclui que os atos jurídicos são declarações, falas prescritivas sobre alguma coisa, que afirma como ela deverá ser; enquanto o fato jurídico não é declaração, não é prescrição, o fato simplesmente ocorre e a lei é que fala sobre ele.

Para Carvalho Filho (2009:91), não há relação entre o fato administrativo e o fato jurídico de direito privado. Explica que o fato jurídico é assim qualificado por ser capaz de produzir efeitos na ordem jurídica, originando ou extinguindo direitos. Enquanto o fato administrativo “tem o sentido de atividade material no exercício da função administrativa, que visa a efeitos de ordem prática para a Administração”. Desapropriação, apreensão de mercadorias, dispersão de manifestantes, seriam exemplos de fatos administrativos. Por importar “alteração dinâmica na Administração” implica ter um sentido mais amplo do que o de fato jurídico, já que engloba também aqueles fatos que não repercutem na esfera jurídica de ninguém. Diferencia os fatos administrativos em voluntários e naturais que podem ser materializados ou por meio de atos administrativos ou por condutas administrativos. Estes porque “os fatos administrativos naturais são aqueles que se originam de fenômenos da natureza, cujos efeitos se refletem na órbita administrativa”; aqueles por que os atos administrativos “formalizam a providência desejada pelo administrador através da manifestação da vontade” (2009:92).

A distinção entre ato e fato administrativo se faz necessária, posto que os atos podem ser anulados ou revogados, mas os fatos não; os atos gozam de presunção de legitimidade, os fatos não; os atos podem ser discricionários, os fatos não.

Atos da administração:

“Todo ato praticado no exercício da função administrativa é ato da administração” (Di Pietro, 2008:179). Ato da administração tem sentido mais amplo do que ato administrativo, “que abrange apenas determinada categoria de atos praticados no exercício da função administrativa” (idem).

Neste sentido, Carvalho Filho (2009:92) observa que não há identidade entre os atos da administração e os atos administrativos, já que entre aqueles estão também atos privados e atos materiais, além dos atos administrativos. Por outro lado, indica haver atos administrativos que não emanam da administração.

Di Pietro identifica as espécies de atos da administração: atos de direito privado (doação, locação, compra e venda...); atos materiais da administração (sem manifestação de vontade, exclusivamente execução, como demolição de imóvel, apreensão de mercadoria); atos de conhecimento, opinião, juízo ou valor (igualmente desprovidos de manifestação de vontade e não podem produzir efeitos jurídicos, como atestados, pareceres, votos); atos políticos (obrigados ao regime jurídico-constitucional); contratos; atos normativos da Administração (decretos, portarias, instruções, regimentos de efeitos gerais e abstratos); atos administrativos propriamente ditos.

Carvalho Filho (2009:93) observa que também não existe identidade, como já explicitado acima, entre o ato administrativo e o ato jurídico. Este é caracterizado por ser essencialmente um ato de vontade que traz uma das seguintes consequências jurídicas: “adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, eis, em poucas palavras, em toda a sua extensão e profundidade, o vasto alcance dos atos jurídicos”. Observa que os elementos estruturais do ato jurídico são o sujeito, o objeto, a forma e a própria vontade, que também estão presentes no ato administrativo, com o diferencial de que o sujeito e o objeto do ato administrativo têm qualidades especiais. Isto porque o sujeito é sempre um agente devidamente investido de prerrogativas públicas, e o objeto está sempre preordenado à tutela ou concretização de dado interesse público.

Daí dizer Celso A B de Mello (2010:371) que o ato administrativo é uma espécie ato jurídico, sendo individualizado por características próprias concernentes “às condições de sua válida produção” e “à eficácia que lhe é própria”.

Conceito:

Celso A B de Mello (2010:375) observa que a conceituação de ato administrativo é um tanto problemática. Adverte que a própria origem1 da expressão dificulta a tarefa. Observa que no Brasil, assim como em vários outros Estados, não há definição legal de ato administrativo, mas apenas uma noção teórica. E afirma que “como as palavras são meros rótulos que sobrepomos às coisas, nenhum jurista pode reivindicar para si o direito de formular uma noção que seja ‘a verdadeira’, excludente de quaisquer outras, pois isto equivaleria a irrogar-se de qualidade de legislador”. Por fim, depois de longa verificação da história dos conceitos jurídicos, ressalta que antes de ingressar no conteúdo do conceito de ato administrativo, é preciso notar que ato administrativo não é sinônimo de ato da administração. A administração pratica, para além dos atos administrativos, os atos regidos pelo direito privado (como a locação de um prédio para lá instalar uma repartição pública); os atos materiais (como a pavimentação de uma rua); e os atos políticos ou de governo (como o indulto, iniciativa de lei, sanção). Lembra, também, que há atos administrativos que não são praticados pela Administração Pública. Assim, chega à sua conclusão (2010:385) de que ato administrativo é “declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”.

1 Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (apud, Bandeira de Mello, 2010:375), a expressão nasceu no direito francês após a revolução Francesa. “Antigamente conheciam-se, sem gênero, os atos do Rei, os atos do Fisco etc. O primeiro texto legal que falava em atos da Administração Pública, em geral, foi a Lei de 16.8.1790, a qual vedava aos Tribunais Judiciários conhecer de ‘operações dos corpos administrativos’”.

Depois trata de explicar as características do conceito (2010:386): “a) trata-se de declaração jurídica, ou seja, de manifestação que produz efeitos de direito, como sejam: certificar, criar, extinguir, transferir, declarar ou de qualquer modo modificar direitos ou obrigações; b) provém do Estado, ou de quem esteja investido em prerrogativas estatais; c) é exercida no uso de prerrogativas públicas, portanto, de autoridade, sob regência do Direito Público; d) consiste em providências jurídicas complementares da lei ou excepcionalmente da própria Constituição, sendo aí, estritamente vinculadas, a título de lhes dar cumprimento. Com isto diferencia-se o ato administrativo da lei. É que os atos administrativos são infralegais e excepcionalíssimas hipóteses em que possa acudir algum caso atípico de ato administriativo imediatamente infraconstitucional (por já estar inteiramente descrito na Constituição um comportamento que a administração deva obrigatoriamente tomar mesmo à falta de lei sucessiva) a providência jurídica da Administração será, em tal caso, ao contrário da lei, plenamente vinculada; e) sujeita-se a exame de legitimidade por órgão jurisdicional. Vale dizer, não possui difinitividade perante o Direito, uma vez que pode ser infirmada por força de decisão emitida pelo Poder estatal que disponha de competência jurisdicional: entre nós, o Poder Judiciário. Com isto diferencia-se o ato administrativo da sentença”.

É preciso observar que Celso A B de Mello (2010:386) afirma que este é um conceito em sentido amplo, que abrange também os atos normativos expedidos pela Adm e os atos convencionais (os contratos). Ele admite haver um conceito em sentido estrito de ato administrativo, que se restringiria à noção de “uma categoria menor de atos, associados por uma quantidade maior de traços de afinidade, excluindo-se dela tanto os atos abstratos (como regulamentos, instruções etc.) quanto os atos convencionais (como os contratos administrativos)”. Para tanto bastaria incluir os vocábulos “unilateral” e “concreto”.

Carvalho Filho (2009:94) admite que realmente não há uniformidade na conceituação de ato administrativo, e que isso se dá porque o conceito deve supostamente refletir o perfil exato do instituto. Assim, 3 pontos são fundamentais à caracterização do ato administrativo: a emanação de vontade por agente da Adm (ou dotado desta prerrogativa); o conteúdo deve visar ao bem público; e deve ser regido pelo direito público. Desta feita, conclui o autor (2009:95) que ato administrativo é “a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”. Em razão de seu conceito de ato administrativo, Carvalho Filho (2009:95) assevera que estão excluídos desta categoria os atos privados da Administração e os fatos administrativos que não produzem eficácia jurídica, meros atos materiais. Indica, também, que se analisado sob os critérios objetivo e subjetivo, sua conceituação seria referente ao critério objetivo.

Pelo critério subjetivo, ato administrativo é todo aquele que emana dos órgãos administrativos. Então, assim, excluídos os atos de idêntica natureza, porém, praticados pelo Judiciário e/ou Legislativo, como as licenças, as férias, etc. Já pelo critério objetivo, o ato administrativo “é somente aquele praticado no exercício concreto da função administrativa, seja ele editado pelos órgãos administrativos ou pelos órgãos judiciais e legislativos” (182).

Tendo em conta que o Poder se divide em 3 funções típicas, o que caracteriza a função administrativa é prover as exigências individuais ou coletivos de maneira concreta e imediata na busca da satisfação dos interesses públicos previstos em lei. A doutrina indica 3 características essenciais da função administrativa: parcial (o órgão decisor é parte nas relações jurídicas, ou seja, não é imparcial); concreta (por aplicar a lei ao caso concreto); e subordinada (sujeita a controle jurisdicional). Destas características percebe-se que o ato administrativo produz efeitos concretos afastando os atos normativos (que são gerais e abstratos).

A doutrina, apesar de adotar majoritariamente o critério objetivo, considera-o insuficiente, introduzindo outros elementos ao conceito. Alguns indicam a potestade pública (só aqueles com prerrogativas de Poder Público); outros destacam o regime jurídico administrativo; e outros ressaltam a declaração de vontade, que produz efeitos jurídicos. Para Celso A B de Mello (OLHAR), ato administrativo é “a declaração do Estado ou de quem lhe faça as vezes, expedida em nível inferior à lei – a título de cumpri-la – sob regime de direito público e sujeita a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”. Di Pietro (2010:VER) critica tal conceito por sua amplitude, incluindo todos os atos da Administração no conceito de ato administrativo. Para a autora, ato administrativo é “a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário” (185). Declaração por que deve ser exteriorizada; Estado por englobar os 3 Poderes. O regime de direito público afasta os atos de direito privado eventualmente praticados pela Administração; efeitos jurídicos imediatos diferencia-o de lei e regulamento (que por ser ato normativo, também é genérico e abstrato); sujeito à lei e a controle judicial distingue-o de ato legislativo e ato judicial.

Atributos:

Presunção de legitimidade e veracidade: diz-se presunção de legitimidade por presumir-se estar em conformidade com a lei, até que se prove o contrário. Já a presunção de veracidade faz referência a fatos, ou seja, os fatos alegados pela Administração são presumidamente verdadeiros, como acontece com as certidões, atestados, declarações, todos os documentos por ela expedidos têm fé pública. O fundamento deste atributo, conforme verifica Carvalho Filho (2009:116) é o de que se baseia na circunstância de se cuidar de atos “emanados de agentes detentores de parcela do Poder Público, imbuídos, como é natural, do objetivo de alcançar o interesse público que lhes compete proteger”. Logo, torna-se irracional a possibilidade de não serem legítimos.Celso A B de Mello (2010:419) lembra que é uma presunção júris tantum de legitimidade. Carvalho Filho (2009:116) observa que este atributo não depende de lei, mas “deflui da própria natureza do ato administrativo, como ato emanado de agente integrante da Estrutura do Estado”. Di Pietro informa que, segundo Cassagne, “se não existisse esse princípio, toda atividade administrativa seria diretamente questionável, obstaculizando o cumprimento dos fins públicos, ao antepor um interesse individual de natureza privada ao interesse coletivo ou social, em definitivo, o interesse público” (187). Na verdade, esta presunção decorre da ideia de poder do Estado ao qual todos os administrados se submetem, Da presunção de veracidade surgem alguns efeitos: o ato produz efeitos, como se válido fosse, até decretada a invalidade pela Adm ou pelo Judiciário; este não pode se pronunciar quanto à validade ex officio, ao contrário do previsto para os atos privados, conforme art. 168, CC; dá-se a inversão do ônus da prova (o juiz só verifica a validade se arguida pela parte, decretando ou não a nulidade do ato). Adaptar o último § da página 188.

Imperatividade: é atributo por meio do qual o ato administrativo, independente da concordância, se impõe a terceiros. Celso A B de Mello (2010:419), ao comentar Renato Alessi, afirma que este atributo permite ao Poder Público a edição de provimentos que extrapolam a esfera jurídica do emitente e interferem na esfera jurídica de outras pessoas, constituindo-as unilateralmente em obrigações. Só nos atos que impõe obrigações nas esferas jurídicas de terceiros é que se verifica a ocorrência da imperatividade. Desta feita, quando o ato é a pedido do interessado (licença) ou é apenas enunciativo (certidão) não existe o atributo sob comento. Carvalho Filho (2009:116) assevera que estes seriam atos de consentimento, em que juntamente com o interesse público há o interesse privado, mas que não há total ausência de imperatividade nestes atos, já que o beneficiado é obrigado a “se conduzir exatamente dentro dos limites que lhe foram traçados”.

Auto-executoriedade: significa que a própria administração, sem intervenção do Poder Judiciário, pode pôr em execução o ato administrativo. Di Pietro indica os casos em que a auto-executoriedade é possível: “1) quando expressamente prevista em lei. Em matéria de contrato, por exemplo, a Administração Pública dispõe de várias medidas auto-executórias, como a retenção da caução, a utilização dos equipamentos e instalações do contratado para dar continuidade à execução do contrato, (...); 2) quando se trata de medida urgente que, caso não adotada de imediato, possa ocasionar prejuízo maior para o interesse público; isso acontece também no âmbito da polícia administrativa, podendo-se citar, como exemplo, a demolição de prédio que ameaça ruir, (...)” (189). A autora ressalta que, embora a adm não tenha de pedir preliminarmente autorização ao Judiciário, não está afastada a possibilidade de controle judicial posterior ao ato, podendo resultar na responsabilidade objetiva do estado (art. 37, §6º, CF) ou na suspensão do ato inda não executado (hipótese possível também pela via administrativa). Carvalho Filho (2009:117) ensina que o fundamento da auto-executoriedade está na necessidade de salvaguardar com agilidade e eficiência o interesse público, o que não ocorreria se a Admi tivesse de submeter cada uma de suas decisões ao crivo do Judiciário. Até mesmo porque, diante da tripartição adotada pela Constituição, tal subordinação seria absurda, significando verdadeira intromissão de um poder nas competências típicas de outro. Observa, também, que há casos em que o ato não goza de auto-executoriedade, como na cobrança de multa ou na desapropriação, situações em que a Adm precisa recorrer ao Judiciário.

Celso A B de Mello (2010:419) afirma a importância de não se confundir a autoexecutoriedade com a exigibilidade, já que esta, de per si, não assegura a possibilidade de coação material, de execução do ato. A exigibilidade consiste na possibilidade que tem o Poder Público de exigir de terceiros o cumprimento das obrigações por ele impostas. É ainda diferente da imperatividade, que é a mera imposição de obrigação, enquanto a exigibilidade é a obediência no atendimento da obrigação. Cita como exemplo uma intimação para o administrado construa uma calçada em frente à sua casa, este seria o reflexo da imperatividade; a exigibilidade está no fato de que se o administrado não cumprir a obrigação poderá ser multado (sem a necessidade de o Judiciário autorizar a adm).

Tipicidade: significa que o ato deve corresponder às figuras previamente determinadas em lei para, só assim, produzir certos resultados. “Para cada finalidade que a Administração pretende alcançar existe um ato definido em lei” (190). Decorre do princípio da legalidade, impedindo os chamados atos inominados, típicos da autonomia da vontade. É, na verdade, uma garantia ao administrado, que só estará unilateralmente vinculado em virtude de lei, ficando, também, afastada a possibilidade da prática de ato integralmente discricionário. Como alerta a autora, a tipicidade só ocorre nos atos unilaterais, em que há imposição de vontade da Administração, nos contratos, por exemplo, não há tal imposição, não havendo a tipicidade.

Requisitos (elementos):

Di Pietro (2010:VER), Celso A B de Mello (2010:390) e Carvalho Filho (2009:99) indicam que este é um assunto polêmico tanto quanto ao conteúdo quanto à própria terminologia adotada (muitos consideram “requisitos” mais adequado). Cretella Júnior adota a terminologia “anatomia do ato administrativo” que entende como “o conjunto dos 5 elementos básicos constitutivos da manifestação da vontade da Administração, ou seja, o agente, o objetivo, a forma, o motivo e o fim” (apud, 191). Cretella ainda distingue elementos de requisitos: o 1º se refere à existência do ato, sendo indispensáveis à própria validade, que são o agente, a forma e o objeto; já o 2º seriam as características que confeririam a estes elementos condições de produzir efeitos, quais sejam, agente capaz, objeto lícito, e forma prescrita ou não defesa em lei. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, adotando o sentido aristotélico-tomista de “causas do ser”, prefere utilizar-se da terminologia “causas do ato administrativo”. Di Pietro (2010:VER) segue o disposto na lei de ação popular (4.717/65),

cujo art. 2º enumera os 5 elementos do ato administrativo: competência, forma, objeto, motivo e finalidade. Faz uma ressalva, prefere tratar o elemento “competência” como “sujeito”, considerando que é a este que cabe a competência. Ademais, este atributo (competência) deve estar aliado à capacidade (civil) para que o ato seja válido. Neste quesito, impende destacar a diferença entre ato administrativo e negócio jurídico, haja vista que são elementos deste somente o sujeito, o objeto e a forma. Há de se mencionar, ainda, à semelhança do D. Civil, a ocorrência dos elementos acidentais ou acessórios, que são o termo, a condição, o encargo ou modo, referem-se ao objeto do ato e só se dão em atos discricionários (por decorrerem da vontade das partes). Para Celso A B de Mello (2010:392-393) prefere diferenciar entre os elementos (conteúdo e forma) e os pressupostos do ato, sendo que estes se dividem em pressupostos de existência (objeto e pertinência do ato) e pressupostos de validade (sujeito, motivo e requisitos procedimentais, finalidade, causa e formalização). Afirma, em seguida, que sem os elementos não há ato, seja ele administrativo ou não; sem os pressupostos de existência não existe ato administrativo; e sem os pressupostos de validade o ato será inválido.

Sujeito (competência):

Ensina Carvalho Filho (2009:100) que competência significa “o círculo definido por lei dentro do qual podem os agentes exercer legitimamente sua atividade”. Argumenta que, para diferenciar das competências legislativa e jurisdicional esta deveria ser denominada competência administrativa. A atribuição de competências tem por fundamento a necessidade de divisão do trabalho, das diversas tarefas que decorrem da função típica. A competência administrativa corresponde, e anda ao lado, da capacidade do direito privado.

O sujeito que a desempenha deve ser, além de capaz (conforme o CC), competente para a prática do ato. A competência, segundo Di Pietro (2010:VER), é definida de acordo com 2 aspectos: em relação às pessoas jurídicas políticas (União, Estados, DF e Municípios), a distribuição de competências está na CF; em relação aos órgãos (Ministérios, Secretarias) e servidores, encontra-se nas leis. A autora define competência como “o conjunto de atribuições das pessoas jurídicas, órgãos e agentes, fixadas pelo direito positivo” (192). Lembra que quem organiza é quem define as competências, ou seja, no âmbito federal pode se dar por decreto (art. 84, IV, CF). Daí o comentário de Carvalho Filho (2009:101), que afirma que a lei não é fonte exclusiva da competência administrativa, havendo casos em que a própria CF é fonte da competência de órgãos agentes de elevada hierarquia.

Renato Alessi distingue 2 tipos de órgãos: “a) os que tem individualidade jurídica, pelo fato de que o círculo das atribuições e competências que os integram é marcado por normas jurídicas propriamente ditas (leis); b) os que não têm essa individualidade jurídica, uma vez que o círculo de suas atribuições não está assinalado por normas jurídicas propriamente ditas, mas por normas administrativas de caráter interno, de tal modo que, sob o ponto de vista jurídico, tais órgãos são apenas elementos de um conjunto maior” (apud, Di Pietro, 2010:193). Via de consequência os órgãos do segundo tipo podem ser livremente criados e extintos pela Adm, enquanto o primeiro tipo depende de lei. Desta forma somente a estes se aplicam normas sobre competência (obs: conselhos, comissões, grupos de trabalho = segundo tipo).

Ainda decorre daí que incompetência (vício do ato administrativo) só ocorre com infração à lei que a definiu. A autora destaca 3 regras que se aplicam à competência: 1) decorre de lei, ou seja, o próprio órgão não pode estabelecê-la; 2) é inderrogável, por ser conferida em benefício do interesse público; 3) pode ser delegada ou avocada, desde que não seja atribuída exclusivamente a nenhum órgão ou agente. Carvalho Filho (2009:102), nesta seara, comenta que a inderrogabilidade importa a impossibilidade de a competência ser transferida por acordo entre partes, já que expressamente

fixada em norma; e que a improrrogabilidade significa que se um órgão não possui determinada competência, ele só poderá vir a tê-la se a norma que a fixa for alterada.

Ressalta, Di Pietro, que, se a lei for omissa, entende-se como competente para a prática do ato o chefe do Executivo, por ser a autoridade máxima da organização administrativa. Todavia, encontra-se exceção a esta regra geral no art. 17 da lei 9.784/99 (processo adm na esfera federal), que determinou, no caso de ausência de previsão, que o processo administrativo é iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico. O art. 11 da mesma lei positivou a inderrogabilidade e a delegação e avocação de competência (também previstas – as 2 últimas – nos arts. 12, 13 e 15).

Carvalho Filho (2009:103) indica que o Decreto-lei 200/67 já previa a delegação no art. 12, mas determinando que “o ato de delegação indicará com precisão a autoridade delegante, a autoridade delegada e as atribuições objeto de delegação”. A delegação deve ser autorizada, normalmente por lei, que a pode, igualmente proibir, implicando a invalidade não só da transferência quando dos atos praticados em virtude dela. Marcelo Caetano bem observa que a delegação não retira a competência do delegante, esta passa a ser exercida cumulativamente com a autoridade delegada. Neste caso, quando a autoridade delegante chama a si a prática do ato dá-se a avocação, para evitar a expedição de atos contraditórios ou concorrentes. A delegação se dá por conveniência e em circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial, enquanto a avocação é temporária e por motivos relevantes devidamente justificados. Pode a competência ser distribuída em razão da matéria, do território, do grau hierárquico, do tempo (ex: não se pode exonerar ou nomear servidores em período eleitoral), ou em razão do fracionamento (vários órgãos – procedimentos e atos complexos).

Objeto:

“É o efeito imediato que o ato produz” (Di Pietro, 2010:195), que pode ser o nascimento, a transformação ou a extinção de um determinado direito (é também o conteúdo do ato). Identifica-se o objeto do ato por meio da verificação do enunciado; disposto ou prescrito. Há quem diferencie o conteúdo do objeto. Celso A B de Mello (2010:393-396) leciona que conteúdo “é aquilo que o ato dispõe, isto é, o que o ato decide, enuncia, certifica, opina ou modifica na ordem jurídica. É, em suma, a própria medida que produz a alteração na ordem jurídica. Em última instância, é o próprio ato, em sua essência”. Por seu turno, objeto seria “aquilo sobre o que o ato dispõe”. Daí explica que, na verdade, o objeto está subsumido no conteúdo, com ele não se confundindo, uma vez que o conteúdo fala sobre algo, “é porque este algo constitui-se em realidade que com ele não se confunde”. Cita, para elucidar seu ponto de vista, alguns exemplos, como a intimação, por edital, de funcionário falecido, isso porque o objeto deve ser material e juridicamente possível, para que o ato exista, ou seja, é pressuposto de existência do ato. Regis Fernandes de Oliveira afirma ser o objeto a coisa, a atividade, a relação a que o ato se refere e sobre a qual recai o conteúdo (ex: desapropriação = conteúdo, imóvel desapropriado = objeto).

Discordando, Di Pietro (2010:VER) assevera que o relevante é a produção de efeitos. Carvalho Filho (2009:104), seguindo o mesmo caminho, afirma que o objeto é “a alteração no mundo jurídico que o ato administrativo se propõe a processar”, ou seja, é a produção de efeitos. Por isso, pode importar a aquisição, o resguardo, a transferência, a modificação a declaração ou extinção de direitos. Destaca (Di Pietro) que, como no direito privado, o objeto deve ser lícito, possível, certo (efeitos, destinatário, tempo e lugar) e moral (justo e ético). Carvalho Filho, (2009:104), discordando de Celso A B de Mello, afirma que esses critérios são pressupostos de validade, já que o objeto pode existir e não ser válido. O objeto pode ser natural (decorre da própria natureza do ato, como definido em lei, o seu efeito sem a necessidade de explicitá-lo) ou acidental (efeito jurídico resultante de cláusulas acessórias – termo, modo ou encargo e condição). O termo tanto pode ser o dia de início

quanto do fim da eficácia do ato; modo é ônus imposto ao destinatário; condição, que pode ser resolutiva (cessa eficácia) ou suspensiva (suspende o início da eficácia), subordina o efeito do ato a evento futuro e incerto.

Forma:

Segundo Carvalho Filho (2009:105), forma é a maneira pela qual se exterioriza a vontade. Há duas concepções sobre a forma. A primeira é restrita e a entende como exteriorização do ato, como a declaração é exteriorizada, podendo ser forma escrita ou forma verbal. A 2ª é ampla e inclui todas as formalidades observadas no processo de existência e validade do ato, não se pode negar que a inobservância da forma em sua concepção ampla invalida o ato. Destaca-se que, na concepção restrita, cada ato é avaliado individualmente, enquanto que na concepção ampla considera-o dentro de um procedimento. Além disto, Carvalho Filho (2009:105) distingue entre a forma material e a forma jurídica, esta sendo requisito de validade.

Celso A B de Mello (2010:404-413) separa este elemento (ou requisito) em um elemento e dois pressupostos, os requisitos procedimentais (pressuposto de validade) e a formalização (igualmente pressuposto de validade). Para o autor, a forma “é o revestimento exterior do ato”, a maneira como ele se revela no mundo, que não deve ser confundido com formalização. Esta “é a específica maneira pela qual o ato deve ser externado. Com efeito: ademais de exteriorizado, cumpre que o seja de um dado modo, isto é, segundo uma certa aparência externa. Enquanto a forma significa exteriorização, formalização significa o modo específico, o modo próprio, desta exteriorização”. Por fim, os requisitos procedimentais são “os atos que devem, por imposição normativa, preceder a um determinado ato. Consistem em outros atos jurídicos, produzidos pela própria Administração ou por um particular, sem os quais um certo ato não pode ser praticado”. Dá, como exemplo, a nomeação de determinado indivíduo para cargo efetivo, que só se procederá após uma série de atos: publicação de edital convocatório de concurso público, o concurso em si, a classificação do indivíduo para a sua posterior nomeação. Di Pietro (2010:VER) conclui que, para o Direito Administrativo, o procedimento integra a forma (como elemento do ato), já que o vício em qualquer etapa do ato acarreta sua invalidade e ilicitude, até por que o procedimento administrativo é verdadeira garantia jurídica para o administrado e para a própria administração, é aí que reside a possibilidade do controle do ato administrativo. De modo assemelhado, Carvalho Filho (2009:106) também entende que o procedimento integra a forma, já que “o ato administrativo é o ponto em que culmina a sequência de atos prévios”, estes constantemente determinados em lei (como no caso da licitação).

A regra é a forma escrita, para facilitar a verificação do ato, ou seja, para fins de segurança e certeza do ato. A administração pode escolher a forma mais adequada, salvo previsão expressa em lei (decreto, resolução, portaria). Segundo a autora, o art. 22 da lei 9.784/99 praticamente consagrou o informalismo do ato administrativo ao dispor que “os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir”. De forma excepcional, admitem-se ordens verbais, gestos, apitos, sinais luminosos e até mesmo o silêncio pode significar manifestação de vontade. Para Di Pietro, a motivação faz parte do conceito de forma do ato administrativo, significando a exposição do direito e dos fatos que fundamentam a prática do ato, serve para verificação da legitimidade do ato. A forma pode ser essencial ou não essencial. Será essencial quando estabelecida como garantia de respeito a direitos individuais e sua inobservância invalida o ato que não poderá ser convalidado.

Finalidade:

“É o resultado que a Administração quer alcançar com a prática do ato” (Di Pietro, 2010:198). Para Carvalho Filho, (2009:114) é o elemento que preordena o ato a atingir o interesse

público. Já para Celso A B de Mello (2010:405) é o “bem jurídico objetivado pelo ato”. Será o efeito mediato do ato administrativo, que vai suceder a sua prática. Difere-se do motivo, pois este é anterior, corresponde às circunstâncias que ensejam o ato. A finalidade pode ter dois sentidos: 1º) amplo – “consecução de um resultado de interesse público” – finalidade pública; 2º) restrito – “resultado específico que cada ato deve produzir, conforme definido em lei” – decorre da lei, seja expressa ou implicitamente. Não é a autoridade administrativa que define a finalidade a ser alcançada, mas o legislador (ex: se demissão é ato punitivo, não pode ser utilizada para outro fim que não seja uma punição). Não observada a finalidade (em sentido amplo ou restrito) o ato é considerado ilegal por desvio de poder (desvio de finalidade), ex: remoção do cargo como punição (sentido estrito) ou desapropriação por perseguição política (sentido amplo). Carvalho Filho (2009:115) diferencia a finalidade do objeto. Este é fim imediato, enquanto a finalidade é mediata, ou seja é um reflexo daquele fim imediato. Desta feita, tem-se que o objeto é variável conforme o resultado que se procura alcançar, enquanto a finalidade é invariável, sempre o interesse público.

Motivo:

“É o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo” (Di Pietro, 2010:199). Ex: motivo da punição é a infração, da exoneração é o pedido formulado por servidor estável. Ausência ou indicação de falso motivo invalidam o ato. Para Celso A B de Mello (2010:397), motivo é pressuposto de fato autorizador da prática do ato, sendo-lhe externo. Destaca que, quando previsto em lei, o agente apenas poderá praticar o ato se a situação ali prevista tiver ocorrido; e que, quando não há previsão legal, há discricionariedade do agente ao escolher a situação que ensejará a prática do ato. Neste caso, é preciso recordar que a discricionariedade não consiste em liberdade absoluta, mas relativa, e, por isso, não pode ser um motivo qualquer: “prestantes serão os motivos que revelem pertinência lógica, adequação racional ao conteúdo do ato, ao lume do interesse prestigiado na lei aplicada”. É de se salientar que, independentemente do caso, os motivos em que se baseia o agente para a prática do ato determinam a sua validade (teoria dos motivos determinantes que se verá em momento oportuno). Motivação difere-se de motivo, aquela, referindo-se às formalidades do ato, integra o próprio ato, enquanto exposição, demonstração escrita de real existência dos pressupostos de fato. Pode tomar a forma de parecer, lauto, relatório, etc. Para Carvalho Filho (2009:107-108) é preciso diferenciar as situações em razão das quais são praticados os atos, para, assim, classificar o motivo em motivo de direito e motivo de fato. O primeiro é a “situação de fato eleita pela norma legal como ensejadora da vontade administrativa”; e o segundo é “a própria situação de fato ocorrida no mundo empírico, sem descrição na norma legal”. Desta feita, é possível identificar os atos vinculados (motivo de direito) e os atos discricionários (motivo de fato).

Motivação:

Como dito acima, para Di Pietro, a motivação faz parte do conceito de forma do ato administrativo, significando a exposição do direito e dos fatos que fundamentam a prática do ato, serve para verificação da legitimidade do ato. Celso A B de Mello (2010:400) ensina que a motivação integra a formalização do ato (e não a forma, já que diferencia os dois). Coincide com a exposição de motivos, a fundamentação na qual se baseiam “a regra de Direito habilitante”; “os fatos em que o agente se estribou para decidir”; “a relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado”. É na motivação em que se encontra a causa do ato administrativo. Boa parte da doutrina entende ser a motivação obrigatória quando o ato for vinculado, para comprovar a conformidade com a lei (motivos por ela indicados). Por outro lado, há corrente que afirma a obrigatoriedade somente quanto aos atos discricionários, posto que, nesses casos sem a motivação, não há meios de comprovar e controlar e legitimidade dos motivos da prática do ato. Por ser garantia de legalidade, Di Pietro (2010:VER) considera a motivação sempre necessária. Celso A B de Mello (2010:400-402) igualmente entende que se deve acolher a tese de que a motivação é sempre

necessária, uma vez que “os agentes administrativos não são ‘donos’ da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade, esta, sim, senhora de tais interesses”. Entretanto, entende o autor, que quando o ato é vinculado, e em não havendo a motivação contemporânea ou prévia à prática do ato, sendo comprovado que era a única providência hábil e necessária para o atendimento do interesse público. Nas palavras do autor (2010:403): “se o ato não houver sido motivado, mas for possível demonstrar ulteriormente, de maneira indisputavelmente objetiva e para além de qualquer dúvida ou entre dúvida, que o motivo exigente do ato preexistia, dever-se-á considerar sanado o vício do ato”. Finalmente, para Carvalho Filho (2009:109-110), “só se poderá considerar a motivação obrigatória se houver norma legal expressa nesse sentido”, apesar de entender que, sempre que possível, o agente deve sim expressar as situações de fato que impeliram a emissão da vontade, afim de que possa se proceder ao controle pelos administrados. Assevera que sua fundamentação decorre das previsões constitucionais, e da ausência de norma que venha tornar obrigatória a motivação, ao passo que, ao mesmo tempo, não há comando constitucional que impeça o legislador de expressar a obrigatoriedade da motivação.

Teoria dos motivos determinantes:

Não se pode deixar de tratar das teorias dos motivos determinantes, para a qual “a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade” (200). Isso significa que, se a Administração motivou o ato, mesmo que não seja exigida por lei a motivação, a validade do ato está vinculada aos motivos. Ex: exoneração ad nutum por falta de verba seguida de nomeação de outro funcionário para o mesmo cargo = vício quanto ao motivo anula o ato.

Celso A B de Mello (2010:404) leciona que os motivos que determinam a vontade do agente, “isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato”. Desta forma, se os motivos são falsos, inexistentes ou qualificados incorretamente o ato estará viciado, ainda que a lei não tenha preestabelecido os motivos ensejadores da prática do ato e mesmo quando a lei não exige a sua enunciação.

Classificação do ato administrativo:

Di Pietro (2010:VER) traz 6 critérios de classificação do ato administrativo.

1º) quanto às prerrogativas na atuação da Administração: atos de império, que são praticados com todas as prerrogativas e privilégios e são unilateral e coercitivamente impostos aos particulares sem necessidade de autorização judicial, são regidos por direito especial, diverso do comum; atos de gestão, praticados à semelhança aos dos particulares, no intuito de preservar e desenvolver o patrimônio público e de gerir seus serviços, sendo-lhes aplicados o direito comum. Hoje, em razão da dificuldade em enquadrar os atos numa ou noutra categoria, essa distinção foi abandonada em favor dos atos administrativos regidos pelo direito público e os atos de direito privado, sendo que somente os primeiros são realmente atos administrativos.

2º) quanto à função da vontade: atos administrativos propriamente ditos e puros, em que ocorre uma declaração de vontade da administração direcionada à obtenção de certos efeitos jurídicos (definidos em lei), exemplo: demissão, tombamento, etc; mero ato administrativo, em que se dá a manifestação de uma opinião (parecer), conhecimento (certidão) ou desejo (voto em colegiado). Há autores que não consideram estes últimos como atos administrativos, uma vez que não produzem efeitos jurídicos imediatos, incluindo-se Di Pietro, com base na sua definição de ato administrativo. Os primeiros se dividem em atos dotados de imperatividade, que independem do consentimento do particular, e os atos negociais, que dependem de consentimento do particular e se fundam no princípio da autonomia da vontade no estabelecimento dos efeitos do ato. Vicente Rao

leciona que há atos volitivos que não configuram ato negocial, e dele se diferem por poderem deles resultar consequências não intentadas pelas partes (pagamento indevido). Di Pietro (2010:VER) lembra que os atos unilaterais não podem ser entendidos como atos negociais em razão da ausência de liberdade da Administração em estabelecer os efeitos jurídicos, já que estes estão dispostos em lei. Destaca, ainda, que há contratos, como o de concessão, que também não são atos negociais, posto que as cláusulas contratuais são predefinidas em ato normativo. Adverte que por implicar consentimento, acordo de vontades, os atos negociais não possuem o atributo da imperatividade, que significa imposição de efeitos jurídicos. A administração pode praticar atos negociais, que são atos administrativos sem imperatividade, como nos casos de licença, autorização, admissão, permissão, nomeação, exoneração a pedido. Entretanto, em que pese ambas as partes pretenderem determinado efeito jurídico, não são negócios jurídicos uma vez que decorrem de lei e não podem ser livremente estipulados. A adm celebra negócios jurídicos nos casos de determinados contratos cujas condições de celebração não se encontram pré-definidas em atos normativos.

3º) Quanto à formação da vontade, podem ser: simples (os que “decorrem da declaração da vontade de um único órgão, seja singular ou colegiado”. Ex: a nomeação de Ministro de Estado pelo Presidente0; complexos (os que “resultam da manifestação de 2 ou mais órgãos, sejam eles singulares ou colegiados, cuja vontade se funda para formar um único ato”. Ex: referendo de Ministro a decreto do Presidente, 2 vontades num só ato); e compostos (que resultam “da manifestação de 2 ou mais órgãos, em que a vontade de um é instrumental à de outro, que edita o ato principal” (211,212). São 2 atos, 1 principal e 1 acessório, ex: nomeação de Ministro do STF depende de aprovação prévia pelo Senado, em que esta é acessória à nomeação, que é o ato principal, porém, o acessório é pressuposto do principal. Regra geral, os atos que dependem de autorização, aprovação, proposta, parecer, laudo técnico, etc., são atos compostos). Celso A B de Mello nega a existência dos atos compostos em razão da impraticável diferenciação quanto ao procedimento – 1 ato principal e vários acessórios.

4º) Quanto aos destinatários, os atos podem ser: gerais (atingem a todos que se encontrem na mesma situação. São atos normativos como decretos, regulamentos, portarias, resoluções, etc.); ou individuais (que produzem efeitos jurídicos no caso concreto, como a demissão, por ex.) Di Pietro (2010:VER) indica que esta é uma classificação feita por diversos autores que, porém, é incompatível com o conceito de ato administrativo adotado. Desta feita, os atos gerais seriam atos da administração por não produzirem efeitos concretos, mas gerais. Traz diversas justificativas pelas quais não cabem num mesmo critério de classificação, entre eles: os atos gerais são hierarquicamente superiores aos individuais; os gerais não podem ser impugnados na justiça (só controle de constitucionalidade) nem por processo administrativo.

5º) Quanto à exequibilidade, podem ser: perfeitos (já se encontram em condições de produzir efeitos jurídicos, por estarem com o ciclo de formação completo. Ser perfeito não significa ser válido, mas tão somente que passou por todas as etapas de formação exigidas por lei. Ser válido, por seu turno, refere à conformidade do ato com a lei, motivos reais, autoridade competente, etc.); imperfeitos (não estão aptos à produção de efeitos jurídicos, em razão de o ciclo de formação encontrar-se incompleto, falta a homologação, ou publicação, etc., por ex, para se tornar exequível. Enquanto for imperfeito o ato, não ocorre a prescrição); pendentes (sujeitos a condição ou termo para iniciar a produção de efeitos, apesar de ter concluído sua formação, ficando suspensos até que ocorra a condição ou o termo); consumados (já exauriram seus efeitos, tendo-se tornado definitivo, já não pode ser impugnado administrativa ou judicialmente. Se ilícito pode empenhar a responsabilidade adm ou penal, ou, se causar danos a terceiros, gera a resp civil do Estado).

6º) Quanto aos efeitos, o ato pode ser: constitutivo (cria, modifica ou extingue um direito ou situação do administrado, como nas permissões, autorizações, aplicações de penalidade, revogações);

declaratório (em que se reconhece direito preexistente ao ato, como homologação, licença, isenção, anulação); ou enunciativo (atesta ou reconhece determinada situação de fato ou de direito, como certidões, atestados, pareceres, vistos. Por serem atos de juízo, conhecimento ou opinião não geram efeitos jurídicos por não serem manifestação de vontade. Logo, não são atos administrativos propriamente ditos, mas meros atos administrativos.

Carvalho Filho (2009:124-128) aponta 7 critérios de classificação dos atos administrativos:

1º) Critério dos Destinatários: os atos podem ser gerais ou individuais. Os atos gerais são os atos normativos, que trazem regras atinentes a uma quantidade indeterminável (e indeterminada) de pessoas, todas sob as mesmas circunstâncias jurídicas. Ex: regulamentos e instruções normativas; os atos individuais são os atos concretos, aqueles que “se preordenam a regular situações jurídicas concretas, vale dizer, têm destinatários individualizados, definidos, mesmo coletivamente”. Ex: licença para construção. Observa o autor que os atos individuais, ao contrário dos gerais, podem ser impugnados quanto à legalidade pelos interessados (via Judiciário, via administrativa).

2º) Critério das Prerrogativas: os atos podem ser de império ou de gestão. Estes são os praticados em busca da gestão da coisa pública, atuando no mesmo plano jurídico que os particulares (ex: aquisição ou alienação de bens); aqueles são os “que se caracterizam pelo poder de coerção decorrente do poder de império, não intervindo a vontade dos administrados para sua prática” (ex: apreensão de bens). Destaca que, por motivos óbvios, os atos de gestão não gozam da imperatividade dos atos de império, logo, sua solução é essencialmente negociada; por seu turno, os atos de império dispõem de unilateralidade, que lhe é característica.

3º) Critério da Liberdade de Ação: atos podem ser vinculados ou discricionários. Os atos vinculados, como já se teve oportunidade de dizer, são aqueles em que o agente deve reproduzir os elementos pré-avaliados e estabelecidos pela lei. Desta feita, na prática do ato, não resta nenhuma liberdade ao agente ao analisar a conformação entre ato e lei. Aos atos discricionários a lei autoriza o procedimento de avaliação, por parte do agente, ao intentar alcançar o interesse público. Tal avaliação recais sobre o motivo e o objeto do ato, porém, esta é uma liberdade relativa, já que há necessidade de conformação com o fim legal.

4º) Critério da Intervenção da Vontade Administrativa: os atos podem ser simples, compostos ou complexos. Faz referência ao processo de formação do ato administrativo, conforme haja intervenção de uma ou mais manifestações administrativas (de vontade do Estado). Emanando o ato de um só órgão ou agente administrativo, o ato será simples. Observa o autor que, neste ponto, não há divergência entre os autores. O problema surge quanto aos atos compostos e complexos. Segundo Carvalho Filho, os atos complexos são “aqueles cuja vontade final da Administração exige a intervenção de agentes ou órgãos diversos, havendo certa autonomia, ou conteúdo próprio, em cada uma das manifestações”. Seria o caso da investidura de um Ministro do STF, em que há necessidade de manifestação da vontade do Presidente da República e do Senado Federal. Os atos compostos, por sua vez, “não se compõem de vontades autônomas, embora múltiplas. Há, na verdade, uma só vontade autônoma, ou seja, de conteúdo e próprio. As demais são meramente instrumentais, porque se limitam à verificação de legitimidade do ato de conteúdo próprio”. Seria, portanto, o caso de uma autorização sujeita a ato confirmatório, um visto. Destaca a necessidade de se diferenciar a vontade final das vontades-meio, aquela seria o resultado de todas as manifestações que se deram no curso da

formação do ato, enquanto a vontade-meio é uma das etapas da formação do ato. Conclui, desta forma, que não é o ato em si que será composto ou complexo, mas a vontade fim da Administração, que demanda uma variedade de atos no processo de formação desta mesma vontade fim. Ressalta, por fim, que a decisão de órgãos colegiados se reveste de ato simples coletivo, já que apenas uma vontade é projetada para o mundo jurídico.

5º) Critério dos Efeitos: os atos podem ser constitutivos, declaratórios e enunciativos e leva em consideração o tipo de efeito que podem produzir. Os atos constitutivos são aqueles que “alteram uma relação jurídica, criando, modificando ou extinguindo direitos” (ex: autorização, sanção disciplinar, revogação). Os atos declaratórios são aqueles que “apenas declaram situação preexistente” (ex: ato que constata a irregularidade administrativa em órgão da adm). Os atos enunciativos indicam juízo de valor, e dependem de outros atos de caráter decisório, como os pareceres.

6º) Critério da Retratabilidade: diz respeito à cessação ou não dos efeitos quanto a esfera jurídica de terceiros, podendo ser revogáveis ou irrevogáveis. Estes são aqueles que a administração não pode retirar do mundo jurídico, por motivos de conveniência e oportunidade, como a licença para exercício da profissão. Por seu turno, os atos revogáveis são os que podem ser retirados do mundo jurídico pela administração, cessando sua produção de efeitos, já que estes não se integraram ao patrimônio jurídico subjetivo dos destinatários, se dá (a revogação) por critérios administrativos.

7º) Critério da Executoriedade: podem ser auto-executórios ou não. A regra geral é a auto-executoriedade dos atos administrativos, em razão da idoneidade jurídica de que gozam, não dependendo, portanto, de autorização prévia do Judiciário, como instruções. Já aqueles atos que não são auto-executórios só podem ser executados via indireta, por meio de autorização do Poder Judiciário, como a multa e a desapropriação.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2010:422-430) indica 12 critérios de classificação:

1º) Quanto à natureza da atividade: podem ser atos de administração ativa (visam a criação ou produção de uma utilidade pública, o que vai constituir situações jurídicas, como as licenças, autorizações, nomeações, concessões, etc.); atos de administração consultiva (visam à elucidação, informação, sugestão de providências administrativas, como os pareceres e os informes); atos de controle (visam a impedir ou permitir a produção de atos de administração ativa, por meio de exame prévio ou posterior da sua conveniência ou legalidade, como homologações e aprovações prévias); os atos de administração verificadora (visam à apuração ou documentação de situação de fato ou de direito preexistente, como a perícia médica, verificar se o candidato a vaga de concurso possui ou não diploma de curso superior, verificar se árvore está doente antes de ser derrubada...); e atos de administração contenciosa (são os julgamentos de “processos administrativos”, todos os procedimentos que prevejam o contraditório).

2º) Quanto à estrutura do ato: podem ser atos concretos (dispõe para um único e específico caso e se esgota nesta única aplicação, como a exoneração de funcionário); e atos abstratos (que por definirem situações genéricas, podem ser aplicados reiteradas vezes, desde que a hipótese neles prevista volte a se reproduzir, alcançando número indeterminado de destinatários, como o

regulamento. É de se salientar que, de acordo com o conceito apresentado pelo autor, estes últimos só se enquadram na noção ampla de ato administrativo.

3º) Quanto aos destinatários do ato: podem ser atos individuais (que tem destinatário um ou mais sujeitos especificados, determinados. O ato individual pode ser singular – atingindo um só sujeito, como a nomeação de um funcionário – ou plúrimo – atingindo várias pessoas determinadas, como a nomeação de vários funcionários num mesmo ato); e gerais (atingem pessoas inespecificadas que se agrupam em razão de se incluírem em situação determinada pela lei, ou por fazerem parte de uma classe). O autor indica que o ato individual é sempre concreto, mas que o ato geral pode ser concreto ou abstrato, por exemplo: quando há dissolução de uma passeata ou concessão de férias coletivas o ato seria geral e concreto, enquanto num regulamento de promoção de funcionários o ato é geral e abstrato. A diferença seria a possibilidade infinita de repetição do ato abstrato, enquanto o ato concreto, mesmo que geral, se esgota numa única aplicação.

4º) Quanto ao grau de liberdade da Administração em sua prática: podem ser discricionários – ou atos praticados no exercício de competência discricionária (em que se observa certa margem de liberdade na decisão, quanto aos critérios especificados em lei, sendo a apreciação subjetiva, como no caso da autorização de porte de arma); e vinculados (não há liberdade na prática do ato, já que a lei prevê o único comportamento possível diante das hipóteses nela descritas, como a aposentadoria, licença para edificar).

5º) Quanto à função da vontade administrativa: pode ser atos negociais – ou negócios jurídicos (aqueles em que a vontade administrativa “é, de direito, preordenada à obtenção de um resultado jurídico, sendo ela que cria imediatamente os efeitos jurídicos, embora dentro dos quadros legais”, como se dá no caso da admissão de alguém ao gozo de um serviço público); e atos puros ou meros atos administrativos (são simples manifestações de conhecimento – certidão – ou de desejo – voto em órgão colegiado – nos quais os efeitos jurídicos decorrem diretamente da lei, consistindo em mera condição legal para a deflagração de tais efeitos).

6º) Quanto aos efeitos: podem ser atos constitutivos (dão surgimento a situação jurídica, sendo a produção, modificação ou extinção de direito, como autorização para exploração de jazida, ou demissão de funcionário); e atos declaratórios (que afirmam preexistência de situação de fato ou de direito, como certidão de que determinada pessoa é matriculada em escola pública).

7º) Quanto aos resultados sobre a esfera jurídica dos administrados: podem ser atos ampliativos (aumentam a esfera de ação jurídica do destinatário, como concessões, permissões, autorizações...); ou restritivos (os que diminuem a esfera jurídica do destinatário ou lhe impõem obrigações novas, ônus, deveres, como as sanções, as proibições, as extinções de atos ampliativos...).

8º) Quanto a situação de terceiros: podem ser atos internos (produzem efeitos apenas no interior da administração, como propostas e pareceres); ou atos externos (produzem efeitos sobre terceiros, como a admissão).

9º) Quanto à composição da vontade produtora do ato: podem ser atos simples (declaração de um único órgão, como a licença de habilitação para dirigir. Estes atos simples podem ser singulares – uma só pessoa – ou colegiais – um concurso de várias vontades, de um colegiado, unificadas pelo

órgão ao exprimi-la); ou atos complexos (oriundos da vontade de órgãos diferentes, como nomeação de pessoa indicada em lista tríplice elaborada por outro órgão).

10º) Quanto à formação do ato: podem ser unilaterais (formados pela declaração jurídica de uma só parte, como as multas, demissões); ou bilaterais (formados por acordo de vontades entre as partes, são, portanto, os atos convencionais, como os contratos de locação, contratos de concessão de serviço público). O autor esclarece que o fato de o particular solicitar uma providência à administração não retira do ato o seu caráter de unilateralidade, como no caso da autorização para porte de arma ou da licença para edificar.

11º) Quanto à natureza das situações jurídicas que criam: o autor alerta que esta é uma classificação de atos jurídicos em geral, que foi proposta por Duguit, e no Brasil foi tratada por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Segundo esta classificação os atos podem ser atos-regra (que criam situações gerais, abstratas, impessoais e podem ser modificados a qualquer tempo pela vontade de quem os produziu, sem nunca gerar direito adquirido à perpetuação destas regras, como o regulamento), atos subjetivos (“criam situações particulares, concretas e pessoais, produzidas quanto à formação e efeitos pela vontade das partes, sendo imodificáveis pela vontade de uma só delas e gerando, então, direitos assegurados à persistência do que dispuseram”, o que ocorre nos contratos); ou atos-condição (são os praticados sob as situações criadas pelos atos-regras, onde há possível sujeição à alteração unilateral das ditas situações, como a ato de aceitar a nomeação para cargo público).

12º) Quanto à posição jurídica da administração: o autor alerta para o fato de esta ser uma classificação ultrapassada, e que, neste sentido, haviam os atos de império (praticados pela Adm com prerrogativas de autoridade, como a ordem de interdição de estabelecimento) e os atos de gestão (praticados pela Adm sem as prerrogativas de autoridade, como a venda de um bem). Indica que o seu desuso, desde o fim do séc. passado, se deu em razão da sua imprecisão e de ter perdido a sua função primordial (que era excluir a responsabilidade do Estado pela prática dos atos de império, admitindo-a somente nos atos de gestão). Por esta velha classificação, apenas os atos de império poderiam ser considerados atos administrativos. Atualmente, dividem-se os atos administrativos em atos de direito privado praticados pela Adm e atos regidos pelo direito público.

Mérito administrativo:

Os atos vinculados são analisados quanto à legalidade, já o ato discricionário é analisado não só sob o aspecto da legalidade (já que não há ato absolutamente discricionário), mas, também, quanto ao mérito. Legalidade relaciona-se à conformidade do ato com a lei, e o mérito quanto “à oportunidade e conveniência diante do interesse público a agir” (Di Pietro, 2010:205). Seabra Fagundes afirma, sob influência da doutrina italiana, que o “mérito se relaciona com a intimidade do ato administrativo, concerne ao seu valor intrínseco, à sua valorização sob critérios comparativos”. Ou seja, é o aspecto relativo à conveniência e oportunidade, razão pela qual só se verifica em atos discricionários.

Celso A B de Mello (2010:965), de forma muito sucinta, indica que o mérito do ato administrativo “é o campo de liberdade suposto na lei e que efetivamente venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decida-se

entre duas ou mais soluções admissíveis perante a situação vertente, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade de ser objetivamente identificada qual delas seria a única adequada”.

Formação e efeitos:

Diz respeito à perfeição, eficácia, exequibilidade e validade.

Como explica Carvalho Filho (2010:122), a formação do ato representa um processo que pode ser mais ou menos longo podendo ou não haver intervenção da vontade do administrado. Perfeito é o ato que já passou por todo o seu procedimento de criação, encerrando seu ciclo de formação, logo, perfeito importa a consumação, e não a inexistência de vícios. O autor observa que os atos administrativos podem ser perfeitos ou imperfeitos, sendo estes ainda no curso da formação e aqueles já com o ciclo encerrado.

A eficácia e a sua [do ato] capacidade, da aptidão de produzir efeitos, o que ocorre quando seu ciclo de formação encontra-se completo, independente de termo ou condição. A eficácia leva em consideração 3 aspectos: temporal, que diz respeito ao período de tempo em que vai produzir efeitos (atos de eficácia instantânea ou atos de eficácia duradoura); espacial, que é relativo ao território em que vai incidir o ato (ato municipal só vale no município, por ex); e subjetivo, referindo-se aos indivíduos que se sujeitam ao ato. Desta feita os atos podem ser eficazes, quando aptos a produzir efeitos; ou ineficazes, quando não dispõem dessa possibilidade, ainda...

A exequibilidade importa a operatividade do ato, a sua própria execução. Isto significa que o ato pode ser eficaz, sem contudo ter adquirido a exequibilidade. Só podem ser executados os atos exequíveis, ou seja, os que podem ser postos em prática. Por exemplo, uma autorização dada em setembro para ser gozada em janeiro, durante todo o período a autorização foi eficaz, porém inexequível, tornando-se exequível somente com a implementação do termo inicial em janeiro.

A validade significa que o ato está em conformidade com a lei ou o ato normativo que lhe seja superior. Em não havendo a conformidade com o ato normativo superior dá-se a invalidade. Assim, os atos podem ser válidos ou inválidos, em razão da conformidade com a lei.

Há parte da doutrina, ainda, que admite a possibilidade dos atos inexistentes, o que ocorreria no caso de ausência de um dos elementos do ato. De toda forma, como os efeitos do ato inexistente são os mesmos do ato inválido não há grande importância em fazer tal distinção.

Oportuna se faz a visão do Prof.º Celso Antônio Bandeira de Mello, acerca das relações entre perfeição, validade e eficácia:

a) Perfeito, válido e eficaz – quando, concluído o seu ciclo de formação, encontra-se plenamente ajustado às exigências legais e está disponível para deflagração dos efeitos que lhe são típicos;

b) Perfeito, inválido e eficaz – quando, concluído o seu ciclo de formação e apesar de não se achar conformado às exigências normativas, encontra-se produzindo os efeitos que lhe seriam inerentes.

c) Perfeito, válido e ineficaz - quando, concluído o seu ciclo de formação e estando adequado aos requisitos de legitimidade, ainda não se encontra disponível para a eclosão de seus efeitos típicos,

por depender de um termo inicial ou de uma condição suspensiva, ou autorização, aprovação ou homologação, serem manifestados por uma autoridade controladora;

d) Perfeito, inválido e ineficaz - quando, esgotado seu ciclo de formação, sobre encontrar-se em desconformidade com a ordem jurídica, seus efeitos ainda não podem fluir, por se encontrar na dependência de algum acontecimento previsto como necessário para a produção dos efeitos (condição suspensiva ou termo inicial, ou aprovação ou homologação dependentes de outro órgão).

Extinção dos atos administrativos:

Modalidades:

Segundo Bandeira de Mello (2010:446-447), há 3 foras de se extinguir o ato administrativo eficaz: pelo cumprimento dos seus efeitos, desaparecimento do sujeito ou objeto, e pela retirada. Esta abrange 5 hipóteses: a) revogação, que é a retirada por razões de conveniência e oportunidade; b) invalidação, por motivos atinentes à ilegalidade; c) cassação, em razão de descumprimento de condições, pelo destinatário do ato, que deveriam permanecer em atendimento para que pudesse continuar a desfrutar da situação jurídica (licença para hotel cassada por se transformar em “prostíbulo”); d) caducidade, em razão de norma jurídica superveniente ter tornado situação anteriormente permitira em inadmissível (licença para explorar parque de diversão em zona que, por lei posterior, foi destinada a área residencial ou de proteção ambiental, etc.); e) contraposição, por emissão de “ato com fundamento em competência diversa que gerou o ato anterior, mas cujos efeitos são contrapostos aos daquele” (exoneração tem efeitos contrapostos aos da nomeação). Há, ainda, a possibilidade da renúncia, em que o beneficiário abre mão de vantagem de que desfruta, ocasionando a extinção dos efeitos do ato. O autor (2010:447-448) ainda traz a possibilidade de extinção dos atos ainda sem eficácia que se dá pela mera retirada ou pela recusa.

Para Carvalho Filho (2010: 146-147) a extinção pode ser dar de 5 formas diferentes. A primeira dela é a extinção natural, que se dá com a consumação do ato, considerando, em especial, que não há mais efeitos a serem produzidos por ele, como no caso da destruição de mercadoria nociva ao consumo público (uma vez destruída, o ato se extingue naturalmente). O segundo tipo é a extinção subjetiva, que é quando o indivíduo que se beneficia (ou se beneficiou) do ato desaparece, como no caso de morte de permissionário, tendo em conta que a permissão é intransferível, com a morte do sujeito ela será extinta por perda do elemento subjetivo. O terceiro é a extinção objetiva, que ocorre quando o objeto do ato desaparece, como no caso de interdição de estabelecimento, se este for definitivamente desativado o ato perde o objeto, logo será extinto. Destaca-se que estas duas últimas modalidades coincidem com a segunda forma de extinção de Celso A B de Mello, e a primeira coincide com a por ele denominada “cumprimento de seus efeitos”. Por fim, Carvalho Filho anota a caducidade (retirada com base no advento de legislação superveniente, incompatível com a pretérita, impedindo a permanência da situação anterior) e o desfazimento volitivo, em que há manifestação da vontade, e pode ocorrer por três vias: invalidação, revogação e cassação.

Serão estudadas a invalidação e a revogação por serem as mais relevantes e pertinentes.

- invalidação: é o desfazimento do ato administrativo em razão da ilegalidade (Di Pietro – 2010:VER e Carvalho Filho – 2009:150). Para Celso A B de Mello (2010:462), invalidação pode ser assim conceituada: “supressão de um ato administrativo ou da relação jurídica dele nascida, por haverem sido produzidos em desconformidade com a ordem jurídica”. A invalidação tem efeitos retroativos à data da emissão, portanto, ex tunc.

Há controvérsias na doutrina sobre ser a anulação ato discricionário (a administração PODE anular) ou vinculado (a administração DEVE anular). Os defensores da faculdade apegam-se ao princípio da predominância do interesse público sobre o privado, enquanto os defensores do dever invocam o princípio da legalidade. Di Pietro (2010:VER) entende que deve haver um “temperamento” na aplicação dessas correntes.

Teoria das nulidades:

Segundo Carvalho Filho (2009:148-149), é de se considerar que a teoria das nulidades surgiu no direito privado, e obedecem a um sistema dicotômico, ou seja, são possíveis a nulidade (art. 166, CC) e a anulabilidade (art. 171, CC). Como bem observa Bandeira de Mello (2010: 461), “a ordem normativa pode repelir com intensidade variável atos praticados em desobediência às disposições jurídicas, estabelecendo, destarte, uma gradação no repúdio a eles”. Mais adiante continua: “é precisamente esta diferença quanto à intensidade da repulsa que o Direito estabeleça perante atos inválidos o que determina um discrímen entre atos nulos e atos anuláveis e outras distinções que mencionam atos simplesmente irregulares ou que referem os chamados atos inexistentes”.

Carvalho Filho destaca que há duas diferenças básicas entre a nulidade e a anulabilidade: a primeira é que os atos nulos não podem ser convalidados; a segunda é que o juiz pode decretar a nulidade de ofício. No caso da anulabilidade os atos podem sim ser convalidados e a apreciação do juiz só se dá mediante provocação das partes interessadas (art. 168 e art. 177, CC). Celso A B de Mello (2010:467) acrescenta, entre as diferenças, que os atos nulos “só prescrevem longi temporis, enquanto os atos anuláveis prescrevem brevi temporis”.

É de se observar que a aplicação da teoria das nulidades no direito administrativo é assunto polêmico na doutrina. Celso A B de Mello (2010:461), por exemplo, se filia ao posicionamento de que deve haver tratamento diverso, de acordo com o tipo de ilegalidade, admitindo, portanto, a possibilidade de atos nulos e anuláveis. Carvalho Filho (2009:149) segue o mesmo pensamento, afirmando que o que determinará no caso concreto a nulidade ou a anulabilidade é a gravidade do vício. Di Pietro (2010:VER), antes de esclarecer que também adere a esta corrente, explica que, a rigor, a Administração tem o dever de anular atos ilegais, em razão do princípio da legalidade. Entretanto, quando configuradas determinadas circunstâncias, poderá deixar de anular, sempre que o prejuízo resultante da anulação puder ser maior do que o que resultar da manutenção do ato ilegal, caso em que, na ponderação dos princípios, sobressai-se o do interesse público. Assim, surge a possibilidade de a Administração convalidar o ato ilegal, para tanto, deve-se observar as condições mencionadas por Miguel Reale: “que o ato não se origine de dolo, não afete direito ou interesses privados legítimos, não cause dano ao erário” (224).

Por outro lado, Hely Lopes Meirelles, Diógenes Gasparini, Regis Fernandes de Oliveira e Sérgio Ferraz entendem que todo ato ilegítimo será nulo, em razão do princípio da legalidade. Desta feita, ou há atos válidos ou atos nulos.

Vícios (peculiaridades do direito administrativo) – por serem modalidade de ato jurídico, muitos princípios do CC podem ser aplicados aos atos administrativos, sem, contudo, olvidar de suas diferenças! A) Nos atos privados os vícios só atingem interesses dos particulares, individuais, nos atos administrativos podem afetar interesses de terceiros ou o interesse público, ocasionando, no direito administrativo, conceito diverso de ato anulável. B) Há situações em que o ato viciado pode ser convalidado, em razão do interesse público (ato praticado por funcionário “de fato”). C) Há modalidades de vício do ato administrativo (abuso de poder, usurpação de função) que não existem no direito privado. Os vícios em ato administrativo atingem seus 5 elementos e se encontram definidos do art. 2º da lei 4.717/65 (ação popular).

Competência:

Di Pietro (2010:224) Tanto pode ser realizada pela Administração, com base no seu poder de autotutela (STF, súmulas 346 e 473), ou pelo Poder Judiciário, por provocação dos interessados na apreciação de lide (por ações ordinárias, especiais previstas na legislação processual ou pelos remédios constitucionais de controle da Adm Pública – MS, ação popular, ação civil pública, e reclamação ao STF por incumprimento de súmula vinculante). Por estar vinculada ao princípio da legalidade, a Adm não precisa ser provocada para anular ato administrativo, em verdade, tem o poder-dever (ou dever-poder) de zelar pela legalidade de seus atos. Todavia, há entendimento no sentido de que quando a anulação prejudicar ou afetar interesses de terceiros, a mesma deverá ser precedida de contraditório, em razão do art. 5º, LV, CF. Celso A B de Mello (2010:462) observa que a provocação feita à administração pode ser por pessoa interessada ou por denúncia de terceiro.

Efeitos:

Segundo Celso A B de Mello (2010:466) os efeitos da invalidação são geralmente a anulação, de forma ex tunc, ou seja, desde o início da produção de efeitos. “Isso significa recusar a validade ao que já se passou. Mas é claro que nem por isso se está invadindo o passado (tarefa impossível até para o Direito), pois é no presente que se recusa validade aos efeitos pretéritos”. Faz a ressalva de que há casos em que não ocorrerá a anulação, e casos em que os efeitos serão ex nunc. Para tanto, é preciso, em primeiro lugar, saber se o ato é ampliativo ou restritivo. Sendo o ato restritivo, a sua anulação terá efeitos ex tunc, uma vez que a oneração do administrado era ilegal, não podendo gerar efeitos que beneficiem a Administração em detrimento dos direitos do administrado, devendo, logicamente, ser “exonerado por inteiro quem fora indevidamente agravado pelo Poder Público das consequências onerosas”. Por outro lado, quando forem os atos ampliativos, não tendo o administrado concorrendo para o vício do ato administrativo unilateral, ou seja, estando ele de boa-fé, os efeitos da invalidação devem ser ex nunc, operando apenas do momento de seu pronunciamento em diante. Ora, considerando que os atos gozam da presunção de legitimidade e de veracidade, obviamente que o administrado haverá de obedecer aos atos mesmo que viciados, até mesmo porque ele por si próprio não tem competência para declarar sua ilegalidade e, assim, justificar o não cumprimento do ato administrativo. Logo, agindo em conformidade com o ato (viciado), estará desfrutando de seus benefícios de boa-fé. Assim, ao invalidar o ato, a Administração deve apenas impedir que ele continue produzindo efeitos, mas “não há razão prestante para desconstituir o que se produziu sob o beneplácito do próprio Poder Público e que o administrado tinha o direito de supor que o habilitava regularmente” (2010:480). Cita, para elucidar a questão, exemplo de indivíduo que fora nomeado para cargo público mediante concurso posteriormente considerado inválido. Por questões óbvias, o indivíduo deverá deixar o cargo em razão da anulação de todas as nomeações decorrentes de concurso igualmente nulo. Entretanto, não há que se cogitar que deva ele restituir o que recebeu em razão do tempo trabalhado. Diga-se que se tal fosse exigido dar-se-ia, no mínimo, a absurda situação de enriquecimento ilícito do Poder Público que desfrutou por determinado tempo de trabalho gratuito! É de se mencionar que o fato de algumas situações ensejarem o efeito ex nunc da invalidação, não se afasta a responsabilidade do agente que praticou o ato invalidado.

Carvalho Filho (2009:156-157), por seu turno, ao tratar do tema, observa que da invalidação não podem surgir direitos para terceiros. Para tanto, cita decisão de Resp (367-0/RJ, 2ª Turma, Relator Min José de Jesus Filho, DJ 08/03/1993), que esclarece que “o ato nulo nunca será sanado, nem terceiros podem reclamar direitos que o ato ilegítimo não poderia gerar”. Afinal, conforme a súmula 473 do STF, a adm pode anular seus próprios atos já que deles não se originam direitos. Conclui que “a ilegalidade não pode ser suporte de extensão para outras ilegalidades, nem encontra eco em qualquer aspecto da equidade. O que é preciso, isto sim, é sanar a ilegalidade, corrigindo-a

através da anulação do ato e restabelecendo a necessária situação de legalidade”. Cumpre destacar a prescrição de ações pessoais contra atos inválidos é de 5 anos, isto em razão do primado do interesse público na estabilidade das relações jurídicas, e de previsão em lei especial (9.784/99 – processo administrativo), o que não ocorre no direito privado.

Revogação:

Para Di Pietro (2010:249) revogação “é o ato administrativo discricionário pelo qual a Adm extingue um ato válido, por razões de oportunidade e conveniência”. Segundo Celso A B de Mello (2010:449), revogação “é a extinção de um ato administrativo ou de seus efeitos por outro ato administrativo, efetuada por razões de conveniência e oportunidade, respeitando-se os efeitos precedentes”. Já para Carvalho Filho (2009:160) “é o instrumento jurídico por meio do qual a Administração Pública promove a retirada de um ato administrativo por razões de conveniência e oportunidade”. Percebe-se uma unanimidade a este respeito.

É uma prerrogativa da Administração pública que se utiliza da liberdade relativa prevista em lei tanto para a prática de atos como para a sua retirada do mundo jurídico, sopesando, sempre, os critérios de oportunidade e conveniência. Observa Carvalho Filho (2009:160) que tal prerrogativa é inerente à necessidade de a administração adaptar os atos administrativos às realidades que vão surgindo em razão das alterações nas relações sociais. Para tanto, indica Bandeira de Mello (2010:449) que o atendimento ao interesse público se dá justamente com a eliminação dos atos que se tornaram inconvenientes ou inoportunos, provendo “de maneira mais satisfatória às conveniências administrativas”.

O sujeito ativo da revogação, ou seja, o competente para procedê-la é, conforme leciona Bandeira de Mello (2010:449), uma autoridade no exercício de função administrativa. Entretanto, não é qualquer autoridade, mas aquela competente para a expedição do ato que se pretende revogar. Conforme cita Di Pietro (2010:250) de acordo com as lições de Miguel Reale, só quem praticou o ato ou quem tenha poderes (implícitos ou explícitos) para dele conhecer tem competência para revogar o ato por razões de conveniência e oportunidade, competência só transferível por força de lei. Quem tem a competência para conhecer do ato é, geralmente, o superior hierárquico.

Seus efeitos são ex nunc, respeitando os efeitos anteriormente produzidos, já que o ato é legal e válido. Apenas a Adm pode revogar um ato administrativo, uma vez que o Judiciário não pode averiguar os critérios de oportunidade e conveniência, todavia, deve respeitar os limites impostos por lei. Assim sendo, há limitações ao poder de revogar, que são: a) atos vinculados não podem ser revogados (nos casos de errônea previsão legal de revogação, ocorre, em verdade, desapropriação de direito, indenizada na forma da lei. Ex: licença para construir); b) os atos que já exauriram seus efeitos também não podem ser revogados (a revogação supõe que o ato ainda esteja produzindo efeitos, ex: autorização para porte de armas); c) não pode ser feita quando a competência relativamente ao objeto do ato já se exauriu; d) não pode atingir os meros atos administrativos (certidões, atestados, votos...); e) atos que integram procedimentos também não podem ser revogados, em razão da preclusão operada referente ao ato anterior; f) segundo a súmula 473 do STF, não é permitida revogação de atos que geram direitos adquiridos (Di Pietro, 2010:249-250). Bandeira de Mello (2010:456-457) inclui na lista os atos que consistirem em decisão final de processo administrativo; os atos complexos (uma só vontade não pode modificar a junção de duas ou mais vontades); e os atos de controle (atos liberadores, como as autorizações prévias, e atos confirmadores, como as aprovações de contas).

Bandeira de Mello (2010:450) lembra que a revogação pode ter por objeto ato ainda ineficaz, impedindo o surgimento de efeitos, apesar de o mais comum ser a revogação de atos eficazes, implicando a eliminação de efeitos ainda não consumados. Informa, ainda, (2010:451) que se a

revogação tiver por objeto os atos abstratos (normativos) o que se objetiva é a supressão do próprio ato, neste caso, eliminando a fonte de futuras relações jurídicas, direitos e obrigações. Já quando a revogação atinge ato concreto o que se pretende é encerrar a relação jurídica dele nascida, afetando os efeitos do ato que ainda seriam produzidos, caso a relação fosse mantida.

Atos Inexistentes:

Segundo Bandeira de Mello (2010:468-469), os atos inexistentes são a categoria de atos viciados de maior gravidade, de tal monta que são imprescritíveis e não poderão nunca ser convertidos. “Consistem em comportamentos que correspondem a condutas criminosas ofensivas a direitos fundamentais da pessoa humana, ligados à sua personalidade ou dignidade intrínseca e, como tais, resguardados por princípios gerais de Direito que informa o ordenamento jurídico dos povos civilizados” (2010:469).

Por outro lado, reconhece o autor, que a expressão atos inexistentes comporta diversas interpretações, entre elas: “a) atos inconclusos, como ocorreria com um ato complexo não integrado pelas declarações de mais de um órgão (por exemplo, decreto presidencial publicado sem a assinatura de um Ministro de Estado, requisito constitucional indispensável para a integração de tal ato); b) atos cujo objeto seja materialmente impossível, como, por exemplo, a nomeação de alguém já falecido”. Destaca que em ambas as hipóteses os atos tidos como inexistentes estão fora do possível jurídico e radicalmente vedado pelo Direito. Seria o caso de autorização para explorar trabalho escravo, licença para estabelecimento explorar o lenocínio, etc.

Desta feita, queda claro que, para Celso Antônio Bandeira de Mello (2010:450) os atos podem ser categorizados em nulos, anuláveis e inexistentes.

Convalidação:

Segundo Celso A B de Mello (2010:473), a convalidação “é o suprimento da invalidade de um ato com efeitos retroativos. Este suprimento pode derivar de um ato da Administração ou de um ato do particular afetado pelo provimento viciado”. Destaca que o objetivo da convalidação é validar os efeitos pretéritos, por meio de edição de ato posterior, este sim em conformidade com o Direito, a fim de corrigir o primeiro que era dissonante. Assevera que a convalidação só pode existir quando o ato “possa ser produzido validamente no presente”, ou seja, “só são convalidáveis atos que podem ser legitimamente produzidos” (2010:474). Destaca que a Adm não pode convalidar ato que já foi objeto de impugnação (seja na via adm ou judicial), posto que se assim fosse não haveria utilidade a impuganção, já que a extinção dos efeitos ilegítimos dependeria da vontade da adm, e não do dever de obediência à ordem jurídica. Indica também uma possibilidade de convalidar vício de motivo, quando este é apresentado tardiamente, demonstrando serem preexistentes e representarem a única escolha possível legalmente, podendo ser convalidado o ato após sua impugnação. Ressalta que a convalidação também pode vir de ato de particular afetado pelo ato viciado, como no caso de o funcionário formalizar o pedido de exoneração depois de a exoneração a pedido já ter sido praticada, legitimando o ato. Explica que quando a ratificação vem da mesma autoridade que proferiu o ato, chama-se ratificação, e quando vem de outra, chama-se confirmação. Sendo originária de ato de particular afetado denomina-se saneamento. Por fim, esclarece que convalidação e conversão são institutos distintos, sendo a conversão a transformação de um ato de uma categoria para outra a fim de legitimar seus efeitos, também, portanto, com efeitos retroativos, porém de outro ato, e não dos próprios efeitos.

Para Di Pietro (2010:232), “é o ato administrativo pelo qual é suprido o vício existente em um ato ilegal, com efeitos retroativos à data em que este foi praticado”. Regra geral, a convalidação é feita pela própria Administração Pública, entretanto, caso para a prática do ato seja necessária

manifestação do administrado e este não foi instado a fazê-lo, a sua manifestação de vontade pode dar-se posteriormente, convalidando o ato. Há hipóteses em que a convalidação é ato vinculado, em outras, será discricionário. Weida Zancaner assevera que “só existe uma hipótese em que a Administração Pública pode optar entre o dever de convalidar e o dever de invalidar segundo critérios discricionários. É o caso de ato discricionário praticado por autoridade incompetente. Destarte, nestes casos, pode a Administração Pública, segundo um juízo substitutivo, optar se quer convalidar ou invalidar o ato viciado” (apud, 232) Conclui ao afirmar que a autoridade competente não é obrigada a concordar ou discordar da providência adotada pela autoridade incompetente, razão pela qual pode considerar ou não a adequação do ato expedido ao interesse público, sendo este o único caso em que a convalidação é ato discricionário. A convalidação se torna obrigatória para os atos vinculados. Se presentes os requisitos para a respectiva prática, a fim de validar seus efeitos. Caso não estejam presentes os requisitos legais, a autoridade deverá anular o ato. O art. 55 da Lei 9.784/99 estabelece que “em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração”. Surge, então, a faculdade de convalidação nos casos mencionados, em havendo prejuízo a terceiros ou lesão ao interesse público o ato deve ser anulado. Ademais, nem sempre o vício pode ser convalidado, e esta é uma apreciação que deve ser feita em cada elemento do ato administrativo. Quanto ao sujeito, se o vício for a incompetência a convalidação é admitida e recebe o nome de ratificação, exceto quando a competência for exclusiva, não admitindo delegação ou avocação, e nos casos de incompetência em razão da matéria (Min. Da Educação editando ato referente à saúde). Se a forma não for essencial à validade do ato o vício é igualmente sanável. No que toca ao motivo e à finalidade os vícios nunca serão sanáveis, já que o motivo são os acontecimentos fáticos que ocorreram ou não, e a finalidade deve sempre respeitar o interesse público e as disposições legais. Com relação ao objeto ou conteúdo ilegal não se admite convalidação. Di Pietro indica que, nesta hipótese, é possível a conversão, que “implica a substituição de um ato por outro. Pode ser definida como ato administrativo pelo qual a Adm converte um ato inválido em ato de outra categoria, com efeitos retroativos à data do ato original” (234). Parte da doutrina considera a conversão espécie de convalidação. Traz o exemplo de concessão de uso que dependia de licitação não realizada, para aproveitar os efeitos, imprimindo validade ao uso do bem público (já concedido) converte-se o dito ato em permissão precária de uso.

Carvalho Filho (2009:158-159), por seu turno, conceitua convalidação como sendo “o processo de que se vale a Administração para aproveitar atos administrativos com vícios superáveis, de forma a confirmá-los no todo ou em parte”. Indica, também, haver três formas de convalidação: ratificação (a mesma autoridade que proferiu o ato o ratifica, ou o seu superior hierárquico); a reforma (novo ato suprime a parte inválida de anterior, ex: um ato concedia licença e férias a servidor, posteriormente percebe-se que não tinha direito a licença, edita-se novo ato para retirar a concessão de licença e manter as férias); e conversão (segundo o autor, significa o processo pelo qual a adm, “depois de retirar a parte inválida do ato anterior, processa a sua substituição por uma nova parte, de modo que o novo ato passa a conter a parte válida anterior e uma nova parte, nascida esta com o ato de aproveitamento”). Em seguida, assevera que apenas os vícios de forma e competência podem ser convalidados; e que somente quando o conteúdo do ato for plúrimo (várias providências num ato só) pode o vício quanto ao objeto ser sanado. Por fim, trata dos limites ao poder re convalidar: não ter havido impugnação do ato; prescrição (que também inviabiliza a invalidação).