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Porque  a  Mona  Lisa  é  a  pintura  mais  famosa  do  mundo?  Por  que  o  Facebook  faz   tanto  sucesso  e  outros  sites  de  redes  sociais  não?  Quanto  um  CEO  pode  realmente  afetar  o  desempenho  de  uma  empresa?  E  salários  mais  altos  fazem  as   pessoas   trabalharem  mais   e   com  maior   dedicação?   Se   você   acha   que   as  respostas   a   essas   perguntas   são   óbvias,   pense   novamente.   Duncan   Watts  mostra  neste  livro  que  as  explicações  que  damos  para  o  que  observamos  na  vida  são  menos  úteis  do  que  parecem  e  conspiram  para  nos   fazer  acreditar  que   entendemos   mais   sobre   o   comportamento   humano   do   que   de   fato  entendemos.   Compreender   como   e   quando   falham   essas   explicações,   pode  melhorar  a  forma  como  vivemos  o  presente  e  planejamos  para  o  futuro,  algo  essencial  para  a  política,  os  negócios,  a  ciência  e  a  vida  cotidiana.

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PrefácioOPEDIDODEDESCULPASDEUMSOCIÓLOGO

Emjaneirode1998,maisoumenosnametadedoanoseguinteàqueleemque concluí a pós-graduação, o colega com quem eu dividia uma casaentregou-me uma cópia da revistaNew Scientist contendo uma resenhaescrita pelo físico e escritor John Gribbin. O livro resenhado se chamavaTricks of the Trade, do sociólogo Howard Becker, de Chicago, e tratavaessencialmente de uma coleção das reflexões de Becker sobre comorealizarpesquisasprodutivasnoâmbitodasciênciassociais.EstavaclaroqueGribbintinhaodiadoolivro,julgandoasideiasdoautorcomootipoderevelaçãoevidenteque“cientistasdeverdadeaprendemnoberço”.Enãoparavaporaí.Maisadiante,elenotavaqueolivromeramentereforçarasuaideia de que todas as ciências sociais são “mais ou menos como umoximoro” e que “qualquer físico ameaçado pelo corte de verbas deveconsiderar uma carreira nas ciências sociais, nas quais é possívelsolucionar,num instante,osproblemasquetantopreocupamoscientistassociais”.1Havia uma razão para meu colega ter me trazido justamente essa

resenhaparalereparaessafraseemparticularterficadonaminhacabeça.Souformadoemfísicaequando liaresenhadeGribbintinhaacabadodeconcluir meu doutorado em engenharia. Minha tese foi sobre a lógicadaquiloquehojeéchamadodeteoriadomundopequeno.2Masapesardeminhaformaçãotersidoemfísicaematemática,meusinteressesvoltavam-semaisemaisnadireçãodasciênciassociais,eeuestavadandoinícioaoque acabou por se tornar uma carreira na sociologia. Senti que, de certa

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forma, estava embarcando emumaversão emminiaturado experimentopropostoporGribbin.E,paraserhonesto,eutalveztenhasuspeitadoqueeleestavacerto.Entretanto,depoisdedozeanos,achoquepossodizerqueosproblemas

que “tanto preocupam” os sociólogos, economistas e outros cientistassociaisnãoserãosolucionadosemuminstante,nempormimnemporumalegiãodefísicos.Digoissoporquedesdeofimdosanos1990centenas—senãomilhares—defísicos,cientistasdacomputação,matemáticoseoutrospesquisadoresdonúcleodurodaciênciainteressaram-seporquestõesquetradicionalmente eram pertinentes às ciências sociais— questões acercada estrutura de redes sociais, da dinâmica de formações de grupo, dapropagação de informação e influência ou da evolução de cidades emercados. Surgiram na década passada áreas de pesquisa com nomesambiciosos, como “ciência de redes” e “econofísica”. Bancos de dados deproporções imensas foram analisados, inúmeros novos modelos teóricosforampropostosemilharesdeartigosforampublicados,muitosdosquaisnas principais revistas científicas do mundo, como Science, Nature ePhysical Review Letters. Programas de financiamento inéditos foramcriados para apoiar essas novas linhas de pesquisa. Conferências sobretópicos como “ciência computacional social” cada vez mais oferecem aoportunidade de cientistas interagirem para além dos velhos limites desuasdisciplinas. E, sim, diversosnovos empregos surgiram, oferecendo ajovens cientistas a chance de explorar problemas que antigamente eramconsideradosinferioresàsuaformaçãoacadêmica.A soma total dessas atividades excede em muito a quantidade de

esforços que o comentário descabido de Gribbin indicava ser necessária.Então o que aprendemos sobre esses problemas que mantiveram oscientistassociaistãoocupadosem1998?Oquerealmentesabemoshojearespeitodanaturezadocomportamentodesviante,dasorigensdepráticassociaisoudasforçasquemodelamnormasculturais—otipodeproblemassobre os quais fala Becker em seu livro — que não sabíamos naquelaépoca?Quenovassoluçõesessaciêncianascentetrouxeaosproblemasdomundoreal, comoajudarorganizaçõesdeassistênciaaatendercommais

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eficiência desastres humanitários em lugares como o Haiti ou NovaOrleans,ouajudaragênciasdesegurançapúblicaadeteroterrorismo,ouauxiliar agências de regulamentação financeira a policiar Wall Street ereduzir os riscos sistêmicos? E quanto a todos os milhares de artigospublicados por cientistas na década passada, quão próximo estão deresponder às grandes questões das ciências sociais, como odesenvolvimentoeconômicodasnações, aglobalizaçãodaeconomiaouarelaçãoentreimigração,desigualdadee intolerância?Peguemumjornalejulguemvocêsmesmos,maseudiriaquenãomuito.3Se há alguma lição aqui, talvez seja, poderíamos pensar, a de que os

problemas da ciência social são difíceis não apenas para os cientistassociais,comotambémparaosfísicos.Masessaliçãomepareceaindanãotersidoaprendida.Muitopelocontrário,naverdade:em2006,asenadoranorte-americanaKayBaileyHutchison,umarepublicanadoTexas,propôsque o Congresso cortasse todo o orçamento do departamento de ciênciasocial e comportamental da National Science Foundation. Hutchison, éimportantedizer,nãoécontraapesquisacientífica—em2005,elapropôsdobrar as verbas para as ciências médicas. É exclusivamente a pesquisacientífica social que ela pensa não ser “o destino que devemos dar aosrecursos [daNSF] nestemomento”. A proposta acabou sendoderrubada,mas poderíamos nos perguntar o que a boa senadora estava pensando.Imagina-se que ela não acredita que os problemas sociais não sãoimportantes—certamenteninguémdiriaqueimigração,desenvolvimentoeconômico e desigualdade não são problemas que não merecem nossaatenção. O que parece é que, assim como Gribbin, ela não consideraproblemas sociais como problemas científicos, dignos da atençãoprolongada de cientistas sérios. Ou como um colega de Hutchison doOklahoma, o senador Tom Coburn, definiu três anos depois em umapropostasemelhante:“TeoriassobrecomportamentopolíticodevemficaracargodaCNN,depesquisasdeopinião,historiadores,candidatos,partidospolíticoseeleitores.”4OssenadoresHutchisoneCoburnnãosãoosúnicoscéticosemrelação

àquiloqueaciênciasocialtemaoferecer.Desdequemetorneisociólogo,já

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muitasvezesouviperguntasdeleigoscuriosossobreoqueasociologiatema dizer sobre o mundo que uma pessoa inteligente não poderia terconcluído sozinha. É uma pergunta coerente,mas como o sociólogo PaulLazarsfeld notou há quase sessenta anos, também revela uma concepçãoequivocada da natureza da ciência social. Lazarsfeld estava escrevendosobre The American Soldier, um estudo com mais de 600 mil soldadosrealizadopela divisão de pesquisa do departamento de guerra durante eimediatamente após a Segunda Guerra Mundial publicado pouco antes.Para defender seu ponto de vista, Lazarsfeld listou seis descobertas doestudo que elegeu como representativas do relatório. Por exemplo, onúmerodoisdiziaque“homensdeorigemruralgeralmentesemantinhamemummelhor estado de espírito durante a vidamilitar em comparaçãocom os soldados de origem urbana”. “Ahhh”, diz o leitor imaginário deLazarsfeld, “isso faz todo sentido. Os homens de origem rural nos anos1940 estavam acostumados a condições de vida mais pesadas e a maistrabalhofísicoqueoshomensdacidade,entãonaturalmenteseadaptaramdemaneiramaisfácil.Porqueprecisávamosdeumestudotãovastoetãocaroparadizeroquepoderíamosterconcluídosozinhos?”Realmente, por quê? Lazarsfeld, revela, então, que todas as seis

“descobertas” eram na verdade o exato oposto daquilo que a pesquisarevelava. Eram os homens de origemurbana, não os de origem rural, osmaisbem-adaptadosduranteoperíodonoExército.Éclaroqueseoleitorsoubesseasrespostasverdadeiras logodepartida,elepoderia facilmentetê-las associado com outras informações que acreditava já conhecer. “Oshomens da cidade estão mais acostumados a trabalhar em meio amultidõeseemcorporações,comhierarquiadecomando,padrõesrígidosdevestimentaeetiquetasocialetc.Issoéóbvio!”Maséexatamenteissooque Lazarsfeld queria demonstrar. Quando toda resposta e seu opostoparecem igualmente óbvios, então, nas palavras de Lazarsfeld, “algo estáerradocomtodooargumentoda‘obviedade’”.5Lazarsfeldestavafalandodaciênciasocial,masoqueeudefendoneste

livroéquesuaideiaéigualmenterelevanteparaqualqueratividade—sejana política, nos negócios, no marketing, na filantropia — que envolva

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entendimento, previsões, mudanças ou reação ao comportamento daspessoas. Políticos tentando decidir como lidar com a pobreza urbanasentemquejátêmumaboaideiadarazãopelaqualaspessoassãopobres.Marqueteirosplanejandoumacampanhadepublicidadesentemquejátêmuma boa noção daquilo que os consumidores querem e como fazê-losquerermaisdaquilo.Elegisladoresplanejandonovasformasdereduziroscustos da saúde, aumentar a qualidade do ensino público, diminuir onúmerodefumantesoumelhoraraconservaçãodaenergiasentemquejápodemfazerumbomtrabalhoatraindoosincentivoscorretos.Aspessoasnessasposiçõesnãoesperamfazertudocertootempotodo.Mastambémsentemqueosproblemasquevisualizamestãodentrodesuacapacidadederesolvê-los—quenãosetratadeumproblemadaastronáutica,comosepoderia acreditar.6 Bem, eu não me dedico à astronáutica e tenho umrespeito imenso pelas pessoas que conseguem pousar uma máquina dotamanho de um carro pequeno em outro planeta.Mas a triste verdade équesomosmuitomelhoresnoplanejamentodarotadevoodeumfogueteinterplanetário do que no gerenciamento da economia, na fusão de duasempresasoumesmonaprevisãodonúmerodeexemplaresqueum livrovai vender. Então por que é que a astronáutica parece difícil, enquantoproblemasqueenvolvempessoas—que,discutivelmente,sãomuitomaiscomplicados—parecemserapenasumaquestãodesensocomum?Nestelivro,argumentoqueachaveparaesseparadoxoéoprópriosensocomum.Éprecisodizerquecriticarosensocomuméalgoarriscado,nomínimo

porseralgouniversalmenteconsideradobom—quando foiaúltimavezque alguém lhe disse para não recorrer a ele? Bem, vou lhes dizer issomuitas vezes. Como veremos, sem dúvida o senso comum se adapta demaneira extraordináriapara lidar como tipode complexidadeque surgenassituaçõesdodiaadia.Nessescasos,eleédefatobom,comosealega.Mas“situações”envolvendoempresas,culturas,mercados,Estado-naçõeseinstituiçõesglobaisapresentamumtipomuitodiferentedecomplexidadeem relação às situações do dia a dia. E sob essas circunstâncias, o sensocomum acaba sofrendo uma variedade de desvios que sistematicamentenos enganam. Ainda assim, devido à maneira que aprendemos com a

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experiência — mesmo experiências que nunca se repetem ou queacontecememoutrotempoelugar—,sãorarososfracassosdesualógicaque nos são aparentes. Em vez disso, ele se manifestam simplesmentecomo “coisas que até então não sabíamos”,mas que parecem óbvias emretrospectiva.Dessaforma,oparadoxodosensocomuméquemesmoquenos ajude a dar sentido aomundo, ele podeminar nossa habilidade emcompreendê-lo. Sevocênãoentendeumuitobemoqueessaúltima frasesignifica,tudobem,porqueexplicá-la,assimcomosuasimplicaçõesparaapolítica, o planejamento, as previsões, as estratégias de negócio, omarketingeaciênciasocial,éaqueorestantedestelivrosepropõe.Antesdecomeçar,porém,gostariaderessaltaralgorelacionadoaoque

vinhadizendo: conversando comamigose colegasde trabalhoa respeitodeste livro, percebi um padrão interessante. Quando eu descrevia oargumentoabstratamente—dizendoque amaneira comopercebemosomundo pode, ao contrário, nos impedir de compreendê-lo —, elesbalançavam a cabeça, concordando de maneira enfática. “Sim”, diziam,“sempre achei que as pessoas acreditam nas ideias mais idiotas parasentiremqueentendemcoisassobreasquaisnaverdadenãosabemnada”.Entretanto, quando o mesmo argumento direcionava-se a uma crençaparticulardessasmesmaspessoas,elas invariavelmentemudavamo tom:“Tudooquevocêestádizendosobreasarmadilhasdosensocomumedaintuiçãopodeestarcerto”,diziam,“masissonãoameaçaminhascrenças”.Écomoseo fracassoda lógicadosensocomumfosseo fracassoapenasdalógicadasoutraspessoas,nuncadesimesmos.Éclaroqueaspessoascometemessetipodeenganootempotodo.Cerca

de90%dosamericanosacreditamque sãomotoristas acimadamédia, eum número de pessoas tão impossível quanto esse diz que é mais feliz,maispopularemaispropensaasedarbemdoqueamaioriadaspessoas.Em um estudo, inacreditáveis 25% dos entrevistados se consideraramparte do 1% que tem capacidade de liderança.7 Esse efeito de“superioridadeilusória”étãocomumetãoconhecidoquetematémesmoumbordão—oefeitoLakeWobegone, emreferênciaà cidade fictíciadoprograma de rádio apresentado por Garrison Keillor no filme A última

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noite, onde “todas as crianças são acima da média”. Portanto, não é desurpreender que as pessoas tendammais a acreditar que os outros têmcrençasenganosasa respeitodomundodoqueaaceitarqueasprópriascrençasestejamerradas.Contudo,atristeverdadeéqueoqueseaplicaa“todomundo”necessariamenteseaplicaanóstambém.Ouseja,asfaláciasincorporadas em nosso pensamento e explicações cotidianas, as quaisdiscutirei commaioresdetalhesadiante,devem ser aplicadas amuitasdenossaspróprias—talvezprofundamentearraigadas—crenças.Nada disso é para dizer que devemos abandonar tudo e começar do

zero.Trata-sedecolocá-lassobumholofoteesuspeitardelas.Porexemplo,euacho que sou ummotorista acima da média—mesmo sabendo que,estatisticamente,cercademetadedaspessoasquepensamomesmoestãoerradas. Apenas não posso evitar ter essa opinião. Sabendo disso,entretanto,possopelomenosconsiderarapossibilidadedeestarenganadoeentão tentarprestaratençãoaosmomentosemquecometoerroseaosmomentos em que os outros cometem erros. Assim poderei começar aaceitarquenemtodoacidenteéculpadooutromotorista,mesmoqueeuainda esteja inclinado a acreditar que seja. E talvez possa aprender comessas experiências a determinar o que eu deveria fazer diferente, bemcomooqueosoutrosdeveriamfazerdiferente.Mesmodepoisdetudoisso,nãopossogarantirqueeu sejaummotorista acimadamédia.Maspossopelomenosdirigirmelhor.Da mesma maneira, quando desafiamos nossos pressupostos sobre o

mundo — ou, ainda mais importante, quando percebemos que estamosfazendo uma afirmação que nem sabíamos que estávamos fazendo —,podemosounãomudarnossascrenças.Masmesmoquenãomudemos,oexercício de desafiá-las deve pelo menos nos forçar a perceber nossateimosia, o que, por sua vez, deve nos fazer hesitar. Questionar nossascrençasdessamaneiranãoéfácil,maséoprimeiropassonaformaçãodecrenças novas e, espero, mais acertadas. Isso porque as chances de jáestarmos certos sobre tudo o que acreditamos são nulas. Na verdade, oargumentodeHowardBeckernaquelelivrosobreoquallihátantosanos— um argumento que, obviamente, passou despercebido por seu

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resenhistaenaquelaépocapormimtambém—eraqueaprenderapensarcomo um sociólogo significa aprender a questionar justamente seusinstintos sobre como as coisas funcionam, e se possível desaprendê-los.Então, se a leituradeste livro confirmaroque vocêpensavaque já sabiasobre o mundo, peço desculpas. Como sociólogo, não terei feito meutrabalho.

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PARTEIOSENSOCOMUM

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1OMITODOSENSOCOMUM

Todos os dias, 5 milhões de pessoas utilizam o metrô de Nova York.PartindodesuascasasepassandopelosdistritosdeManhattan,Brooklyn,QueeneBronx,elassederramamporcentenasdeestações,espremem-senos milhares de trens que abarrotam o labirinto escuro do sistema detúneis do transportemetropolitano, voltando a inundar as plataformas eescadarias — um rio subterrâneo de gente procurando urgentemente asaídamaispróximaeocéudoladodefora.Comoqualquerumquejátenhaparticipado desse ritual diário pode comprovar, o sistema de metrô deNova York está entre o milagre e o pesadelo, uma engenhoca de RubeGoldbergfeitademáquinas,concretoepessoasque,mesmocominúmerosproblemastécnicos,atrasosinexplicáveiseanúnciospúblicosindecifráveis,fazmaisoumenostodoschegaremaseusdestinos,nãosemantesexaurirapsiquedosusuários.Ahoradorushemcertaspartesdeumburacourbanoinfernal é uma mistura de trabalhadores cansados, mães exaustas eadolescentes rudes e barulhentos, todos disputando espaços, tempo eoxigênio limitados.Nãoéo tipode lugaraquealguémvaiparabeberdafonte da generosidade humana. Não é o lugar onde se espera que umhomemjovem,perfeitamentesaudávelefisicamenteaptodirija-seavocêepeçaparasesentaremseulugar.Noentanto,foiexatamenteissoqueaconteceuumdianoiníciodosanos

1970, quando um grupo de estudantes de psicologia entrou no metrôseguindoasugestãodeseuprofessor,opsicólogosocialStanleyMilgram.Milgramjáerafamosoporseusestudoscontroversossobrea“obediência”,

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realizados alguns anos antes na Universidade de Yale, nos quais eledemonstrou que pessoas comuns levadas para um laboratóriodescarregavamoqueacreditavamserchoqueselétricosmortaisemumserhumano(naverdade,eraumatorfingindosereletrocutado)simplesmenteporque um pesquisador de jaleco branco que dizia realizar umexperimentosobreaprendizado lhesmandava fazer isso.Adescobertadequecidadãosaprincípio respeitáveispoderiam, sobcircunstânciaspoucoextraordinárias, realizar o que se considerariam atos moralmenteincompreensíveis foi perturbadora paramuitas pessoas—e a expressão“obedeceràautoridade”passouacarregarumaconotaçãonegativadesdeentão.1Porém,oqueaspessoasnãoressaltaraméqueseguiras instruçõesde

figuras de autoridade é, como regra geral, indispensável para ofuncionamento adequado da sociedade. Imaginem se alunos discutissemcomseusprofessores,trabalhadoresdesafiassemseuschefesemotoristasignorassemosguardasdetrânsitotodavezquelhesfosseditoparafazeralgoquenão lhesagradasse.Omundose tornariaumcaosemmenosdecincominutos.Éevidentequehámomentosemqueéapropriadoresistiràautoridade, e muitas pessoas concordariam que a situação que Milgramcriou no laboratório é um desses momentos. Mas o que o experimentomostroutambémfoiqueaorganizaçãosocialqueignoramosnodiaadiaémantida, em parte, por regras ocultas que nem ao menos percebemosexistiratéquetentemosquebrá-las.BaseadonessaexperiênciaetendosemudadoparaNovaYork,Milgram

começou a perguntar-se se havia uma “regra” similar para se pedir oassentodaspessoasnometrô.Assimcomoaregradeobedecerafigurasdeautoridade, essa regra nunca foi realmente enunciada, nem um usuáriotípicodometrôamencionariaselhepedissemparadescreverasregrasdeutilizaçãodotransportepúblico.Eaindaassimessaregraexiste,comoosalunos de Milgram logo descobriram quando iniciaram o experimento.Apesar de mais da metade dos usuários acabar levantando de seusassentos, muitos deles mostraram-se irritados ou pediram algumaexplicação. Todos reagiram com surpresa, até mesmo espanto, e os

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observadores por vezes fizeram comentários disparatados. Porém, aindamais interessante que a reação dos usuários do metrô foi a reação dospróprios pesquisadores, que, para começar, consideraram extremamentedifícilrealizaroexperimento.Arelutânciafoitãogrande,naverdade,queelesprecisaramagiremduplas,umpesquisadorgarantindooapoiomoralpara o outro. Quando os estudantes relataram seu desconforto paraMilgram, ele zombou deles. Mas quando ele mesmo tentou realizar oexperimento, o simples ato de se dirigir a umdesconhecido e pedir parasentaremseulugarfezMilgramsesentirliteralmenteenojado.Emoutraspalavras: por mais trivial que possa parecer, essa regra não é maisfacilmentevioladaquea “regra”daobediênciaàautoridadequeMilgramtinhaexpostoanosantes.2Comosevê,umacidadegrandecomoNovaYorkécheiadesse tipode

regras.Numtremlotado,porexemplo,nãoéumproblemaestarespremidoentreoutraspessoas.Massealguémficagrudadoemvocêquandootremestá vazio, é algo um tanto desagradável. Reconhecida ou não, háclaramente alguma regra que nos encoraja a nos afastarmos o máximopossível no espaço disponível, e violações dessa regra podem causardesconforto extremo. Do mesmo modo, imagine como você se sentiriadesconfortável se alguém entrasse no elevador e se posicionasse à suafrente,olhandoparaoseurosto,emvezdesevirareencararaporta.Aspessoasencaram-seotempotodoemespaçospequenos,incluindovagõesde metrô, e ninguém pensa muito sobre isso. Mas num elevador essaatitude seria muito esquisita, como se a outra pessoa tivesse violadoalguma regra—mesmoquenunca tenhaocorridoa vocêqueessa regraexistia até aquele momento. E o que dizer das regras que seguimos aoultrapassaralguémnacalçada,seguraraportaparaooutropassar,formarfilanapadaria,reconhecerodireitodeoutrapessoaaoprimeirotáxiquechega, fazer apenas o contato visual estritamente necessário commotoristas ao passar por um cruzamento movimentado, e, em geral,respeitarosdemaissereshumanosaomesmotempoquegarantimosnossodireitodeusufruirnossostempoeespaço?

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Nãoimportaondevivemos,nossavidaéguiadaemodeladaporregrasquenãoestãoescritasemnenhum lugar—tantasdelas,naverdade,quenãopoderíamos registrar todas se tentássemos. Contudo, esperamosquepessoas razoáveis conheçam todas. Para complicar ainda mais, tambémesperamos que pessoas razoáveis saibam quais das diversas regras queforam registradas podem ser ignoradas. Quando terminei a escola, porexemplo, ingressei na Marinha e passei os quatro anos seguintescompletando meu treinamento na Academia de Defesa Australiana.Naquela época, a academia era um lugar intenso, repleto de instrutoresgritando ordens, sessões de abdominais antes do nascer do sol, corridascarregando rifles sob a chuva forte e, é claro, muitas e muitas regras. Aprincípio essa nova vida parecia bizarramente complicada e confusa.Entretanto, logo aprendemos que mesmo que algumas dessas regrasfossem importantes, passíveis de serem ignoradas por sua conta e risco,muitas eram reforçadas com algo como uma piscadela e um aceno decabeça. Não que as punições não fossem severas. Poderíamos facilmentesercondenadosamarcharsetediasporcausadealgumainfraçãopequenacomo chegar atrasado a uma reunião ou ter algumadobrana coberta dacama.Mas o que devemos compreender (apesar de nunca poder admitirquecompreendemos,éclaro)équeavidanaacademiaeramaisumjogoquevidareal.Àsvezesvencíamos,àsvezesperdíamos,enestecaso,íamosparar na quadra de exercícios; mas independentemente do queacontecesse,nãodeveríamoslevarparaoladopessoal.Esemdúvida,apóscercadeseismesesdeadaptação,situaçõesqueteriamnosapavoradonachegada pareciam completamente naturais — e então era o resto domundoquepareciaestranho.Todos já tivemos experiências como essa. Talvez não tão extremas

quanto a academiamilitar—uma experiência que, vinte anos depois, àsvezes me parece ter acontecido em outra vida. Mas seja aprender a seencaixaremumanovaescola,ouaprenderarotinaemumnovoemprego,ouaviveremoutropaís,todostivemosdeaprenderanegociarcomnovosambientesqueaprincípiopareceramestranhos,intimidadoresecheiosderegras que não entendíamos, mas que após certo tempo tornaram-se

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familiares.Muitasvezesasregrasformais—aquelasqueforamregistradas— sãomenos importantes que as informais, as quais, como a regra dosassentosdometrô,podemnemserarticuladasatéqueasquebremos.Domesmomodo,regrasquedefatoconhecemospodemnãosercumpridas,oupodemsercumpridasàsvezes,dependendodeoutraquenãoconhecemos.Quando pensamos em como esses jogos da vida podem ser complexos,parece incrível que sejamos capazes de jogar todos eles. No entanto, domesmomodoquecriançasaprendemumnovoidiomaaparentementeporosmose, aprendemos a navegar entre os mais complicados ambientessociaismeioquesemsaberqueestamosfazendoisso.

SENSOCOMUM

A peça miraculosa da inteligência humana que nos habilita a solucionaressesproblemaséoquechamamosdesensocomum.Éumconceitomuitobanalquandonosfalta,maséabsolutamenteessencialparafuncionarmosem nosso dia a dia. É por ele que sabemos o que vestir quando vamostrabalhar de manhã, como nos comportar na rua ou no metrô e comomanterrelaçõesharmoniosascomamigosecolegasdetrabalho.Elenosdizquando obedecer às regras, quando sutilmente as ignorar e quando noslevantar e desafiá-las. É a essência da inteligência social, e também estáprofundamenteenraizadoemnossosistemalegal,nafilosofiapolíticaenotreinamentoprofissional.Para algo a que nos referimos tantas vezes, porém, o senso comum é

extremamentedifícildedescrever.3Falandogrosseiramente,éoconjuntopoucoorganizadodefatos,observações,experiências,revelaçõesegotasdesabedoria adquirida que cada um de nós acumula ao longo da vida, natrajetória de encontros, enfrentamentos e aprendizados das situaçõesrotineiras. No entanto, o termo tende a resistir a uma classificação fácil.Alguns dos conhecimentos do senso comum são bastante generalizantespornatureza—oqueoantropólogoamericanoCliffordGeertzchamoude

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“emaranhadodepráticasrecebidas,crençasaceitas,julgamentoshabituaiseemoçõesquenãoforamensinadas”.4Masosensocomumpodetambémse referir a um conhecimento mais especializado, como o da rotina detrabalhodeumprofissional—ummédico,umadvogadoouumengenheiro—,quesedesenvolveao longodeanosdetreinamentoeexperiência.EmseudiscursonoencontroanualdaSociedadeAmericanadeSociologiaemChicago, em 1946, Carl Taylor, o então presidente da associação, definiucomoninguém:

Porsensocomumeumerefiroaoconhecimentoquedetêmaquelesquevivememmeioaesãoparte de situações e processos sociais que sociólogos tentam compreender. O termo assimutilizado pode ser sinônimo de conhecimento popular, ou pode ser o conhecimento deengenheiros,políticos,daquelesquebuscamepublicamnotícias,oudequalquerumcujotrabalhoexijaainterpretaçãoeaprevisãodocomportamentodepessoasegrupos.5

A definição de Taylor chama atenção para duas características queparecem diferenciar esse conceito de outros tipos de conhecimentohumano,comoaciênciaeamatemática.Aprimeiradessascaracterísticaséque, ao contrário dos sistemas formais de conhecimento, que sãofundamentalmente teóricos, ele é predominantemente prático, o quesignificaqueseconcentramaisemencontrarrespostasparaperguntasdoque em investigar como se chegou a essas respostas. Na perspectiva dosensocomum,ésuficientesaberquealgoéverdadeiroouqueéassimqueas coisas acontecem. Ninguém precisa saber o porquê para desfrutar doconhecimento, e talvez até sejamelhor que não nos preocupemosmuitocomisso.Emcontrastecomoconhecimentoteórico,emoutraspalavras,osensocomumnãorefletesobreomundo;emvezdisso, tenta lidarcomomundosimplesmente“comoeleé”.6Asegundacaracterísticaqueodiferenciadoconhecimentoformaléque

enquanto o poder dos sistemas formais reside em sua habilidade deorganizarsuasdescobertasespecíficasemcategoriaslógicasdescritasporprincípiosgerais,opoderdosensocomumestáemsuahabilidadedelidarcomcadasituaçãoconcretaemparticular.Porexemplo,éumaquestãodesenso comum saber que o que vestimos ou dizemos na frente de nosso

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chefeserádiferentedamaneiracomonoscomportamosdiantedeamigos,denossospais,dosamigosdenossospaisoudospaisdenossosamigos.Mas enquanto um sistema formal de conhecimento tentaria descrever ocomportamentoapropriadoemtodasessassituaçõesapartirdeumaúnicaleigeneralizante,o sensocomumapenas “sabe”oqueéapropriado fazeremcadasituaçãoemparticular,semsabercomosabedisso.7Éemgrandeparteporessarazãoqueoconhecimentodosensocomumsemostroutãodifícil de ser replicado em computadores—porque, em contraste comoconhecimento teórico, ele requer um número relativamente grande deregrasparalidaratémesmocomumnúmeropequenodecasosespeciais.Digamos,porexemplo,quevocêqueiraprogramarumrobôparacircularnometrô. Parece uma tarefa relativamente simples.Mas como você logodescobrirá,atémesmoumúnicocomponentedessatarefa,comoa“regra”quenosimpededepediroassentodeoutrapessoa,acabadependendodeuma variedade complexa de outras regras— relativas à organização dosassentosnometrôemparticular, ao comportamentoeducadoempúblicode formageral, àvidaemcidadesgrandeseanormasgeraisde cortesia,generosidade, justiçaepropriedade—que, àprimeiravista,parecem terpoucoavercomaregraemquestão.Tentativas de formalizar esse conhecimento encontraram versões

diferentes do problema: para ensinar a um robô imitar mesmo umavariedade pequena de comportamentos humanos, seria preciso, de certaforma, ensinar a ele tudo sobre omundo. Sem isso, as distinções sutis eintermináveis entre as coisas que importam, as coisas que deveriamimportarmasnãoimportameascoisasqueimportamounãodependendode outros fatores acabariam sempre confundindo até mesmo o maissofisticado dos robôs. Assim que ele se encontrasse em uma situaçãominimamentediferentedaquelacomque foiensinadoa lidar,o robônãoteria ideia de como agir. Ele seria como um disco arranhado. Estariasemprefazendobesteira.8Aspessoasquenãopartilhamdo senso comumsãoumpouco comoo

robô infeliz, pois nunca parecem compreender ao que deveriam estarprestando atenção, e nunca parecem compreender o que é que não

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entendem. E exatamente pela mesma razão que torna difícil programarrobôs, é incrivelmente trabalhoso explicar a alguém que não partilha dosensocomumoqueeleestáfazendodeerrado.Podemosrecapitulartodasasvezesemqueapessoa falouou fezacoisaerrada,e talvezelaconsigaevitarcometerexatamenteomesmoerrodenovo.Masassimquealgosemostrediferente,elaestarádevoltaàestacazero.Tivemosalgunscadetesassim na academia: mesmo sendo perfeitamente inteligentes ecompetentes,nãoconseguiamdescobrircomo jogaro jogo.Todossabiamquemeleseram,etodospodiamverqueelessimplesmentenãoentendiam.Mascomonãoeraexatamenteclarooqueéqueelesnãotinhamentendido,não podíamos ajudá-los. Desorientados e oprimidos, a maioria delesabandonouaacademia.

COMUMCOISANENHUMA

Por mais extraordinário que seja, o senso comum exibe algumaspeculiaridadesmisteriosas,sendoumadasmaiscuriosassuamudançaaolongodotempoedeumaculturaparaoutra.Hámuitosanos,porexemplo,um empreendedor grupo de economistas e antropólogos decidiu testarcomoculturasdiferentesjogamumtipoespecíficodejogochamadojogodoultimato. Funciona mais ou menos assim: primeiro, duas pessoas sãoescolhidasecadaumadelasrecebecemdólares.Essapessoadeve,então,propor uma divisão do dinheiro com o outro jogador escolhido, divisãoessaquepode irdesdedar aooutro todoodinheiro aténãodarnada.Ooutrojogador,porsuavez,podeaceitarapropostaourejeitá-la.Seaceitaaproposta,osdoisrecebemoquefoioferecidoaoprimeiroeambosseguemtranquilamente seu caminho.Mas se o segundo rejeita a oferta, nenhumdelesficacomodinheiro;eiso“ultimato”.Em centenas de experimentos como esse realizados em sociedades

industrializadas,pesquisadoresjáhaviamdemonstradoqueamaioriadosjogadorespropõeumadivisãomeioameioequeofertasmenoresdetrinta

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dólares costumam ser rejeitadas. Os economistas acham essecomportamentosurpreendente,poisentraemconflitocomanoçãotípicade racionalidadeeconômica.Atémesmoumdólar, segundoessa lógica, émelhorquenada,então,segundoumaperspectivaestritamenteracional,osegundojogadordeveriaaceitarqualquerofertaacimadezero.E,sabendodisso, o primeiro jogador, sendo racional, deveria oferecer o mínimopossível — ou seja, um dólar. É claro que se refletirmos um momentoveremosporqueaspessoas jogamdamaneiraque jogam—porquenãoparece justo explorar uma situação apenas porque você pode. Diante daproposta demenosde um terçododinheiro, portanto, as pessoas optamporrejeitarumasomasubstancialdedinheiroparaensinarumaliçãoaosmesquinhos. E, prevendo essa reação, a tendência é propor o que seacreditaqueseráconsideradoumadivisãojusta.Se sua reação a essa descoberta revolucionária é dizer que os

economistasprecisamsairumpoucodoseumundo,vocênãoestásozinho.Se algo aqui parece senso comum, é que as pessoas se preocupam comjustiçae tambémcomdinheiro—àsvezesatémaiscoma justiçadoquecomdinheiro.Masquandoospesquisadoresaplicaramojogoempequenasquinze sociedadespré-industriais em cinco continentes, descobriramquepessoas em diferentes sociedades têm ideias muito diferentes do que éjusto.Emumextremo,natriboMachiguenga,doPeru,tendeu-seaoferecerapenasumquartodovalortotal,equasenenhumaofertaerarejeitada.Nooutro extremo, nas tribos Au e Gnau, da Papua Nova Guiné, geralmentepropunham dar ao outro mais que a metade, entretanto,surpreendentemente,essasofertas“hiperjustas”emgeraleramrejeitadastantoquantoasinjustas.9O que explica essas diferenças? Na verdade, as tribos Au e Gnau têm

costumesmuito antigos de troca de presentes, demodo que receber umpresente obriga a pessoa a dar algo em troca no futuro. Por não havernenhumequivalentedo jogodoultimatonassociedadesAuouGnau,elassimplesmente enxergaramanova interaçãode acordo coma troca socialmais similar que conhecia — nesse caso, a troca de presentes — eresponderamdeacordo.Assim,oquepoderiaparecerdinheirosemesforço

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paraumocidentaleraumaobrigação indesejadaparaosmembrosdaAuoudaGnau. Jáosmachiguengavivememumasociedadenaqualoúnicotipode relacionamentoquepressupõe lealdadeé aqueleque se temcomparentes. Dessa forma, ao jogarem o jogo do ultimato com umdesconhecido, os machiguenga— novamente encarando o desconhecidopelalógicadoconhecido—nãoseviramobrigadosafazerofertasjustas,eexperimentaram muito pouco do ressentimento que um ocidentalexperimentariaaoreceberaofertadeumadivisãoevidentementedesigual.Paraeles,mesmoasofertasbaixaseramvistascomobomnegócio.Umavezquecompreendemosessascaracterísticasdasculturasau,gnau

e machiguenga, seu comportamento intrigante começa a parecerinteiramente lógico — até mesmo senso comum. E é exatamente isso.Assim como entendemos a justiça e a reciprocidade como princípios dosenso comum em nosso mundo que, de maneira geral, devem serrespeitadosedefendidosquandovioladossemumaboarazão,tambémosmembrosdessasquinzesociedadespré-industriaistêmopróprioconjuntoimplícitodeentendimentossobreamaneiracomoomundodevefuncionar.Esses entendimentos podem ser diferentes dos nossos. Mas uma vezaceitos, sua lógica do senso comum funciona da mesma maneira que anossa. É simplesmente o que qualquer pessoa racional faria se tivessecrescidonaquelacultura.Oqueessesresultadosrevelaméqueosensocomumé“comum”apenas

enquanto duas pessoas dividem experiências sociais e culturaissuficientemente similares. O senso comum, em outras palavras, dependedaquilo que o sociólogo Harry Collins chama de conhecimento coletivotácito, o que significa que ele está codificado nas normas sociais, noscostumes e nas práticas domundo.10 De acordo comCollins, a aquisiçãodessetipodeconhecimentosedáapenasquandoparticipamosdaprópriasociedade—eéporessarazãoqueé tãodifícilensiná-loparamáquinas.Masissotambémsignificaque,mesmoentrehumanos,oqueparecelógicopara um soa curioso, bizarro ou atémesmo repugnante, para outro. Porexemplo, como o antropólogo Clifford Geertz descreve, o tratamentodestinado a crianças hermafroditas variou drasticamente em diferentes

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épocas e culturas. Os romanos abominavam e matavam-nas; os gregostoleravam-nas; os navajos reverenciavam-nas; e a tribo Pokot do oesteafricano entendia-as simplesmente como “enganos”, que deveriam sermantidos por perto ou descartados da mesma maneira que poderiamguardar ou jogar fora uma vasilha lascada.11 Da mesma forma, práticascomo a escravidão humana, sacrifícios, canibalismo, amarração de pés emutilação da genitália feminina, que são rejeitadas na maior parte dasculturas contemporâneas, foram todas (e, em alguns casos, ainda são)consideradasinteiramentelegítimasemdiferentesépocaselugares.Outraimportanteconsequênciadanaturezasocialmenteincorporadaao

senso comum é que discordâncias acerca desse tema podem sersurpreendentemente difíceis de resolver. Por exemplo, pode parecerextraordinárioparapessoasquecresceramcomaimpressãodequeNovaYorkéumafossadealtosíndicesdecriminalidade,ouumacidadefria,durae cheia de pessoas em quem você não pode confiar, que, de acordo comuma matéria recentemente publicada, haja uma pequena região emManhattannaqualosmoradoresnãotrancamsuasportas.Comooartigodeixaclaro,amaioriadaspessoasdacidadepensaque“essagentequenãotrancaaporta”émaluca.Comodisseumadasentrevistadas:“Eumoroemum arranha-céu com porteiro, estou aqui há quinze anos e nunca fiqueisabendo de roubo nenhum no prédio. Mas uma coisa não temabsolutamentenadaavercomaoutra—ésensocomum[trancaraportade casa].”Noentanto, aúnica coisaqueparece chocantepara aspessoasquenãotrancamsuasportaséalguémficarchocadocomisso.12Omaiscuriosodessahistóriaéquealinguagemdaspessoasenvolvidas

replicaquaseperfeitamenteas experiênciasdeGeertz, quenotouemseuestudosobrefeitiçariaemJavaque“quandoafamíliainteiradeumgarotojavanêscontouquearazãoparaeletercaídodeumaárvoreequebradoapernaeraporqueoespíritodeseu finadoavôohaviaempurrado, jáqueumritualemhomenagemaoparentemortotinhasidoesquecido;isso,atéondeelessabem,éocomeço,omeioeofimdoproblema:éprecisamenteoque eles pensam que aconteceu, e eles ficaram perplexos apenas comminhaperplexidadedianteda faltadeperplexidadedeles”.Discordâncias

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acerca de questões do senso comum, em outras palavras, são difíceis deresolverporquenãoestá claroparanenhumdos lados sobrequaisbasesalguém pode minimamente conduzir uma discussão racional. Seja umantropólogo ocidental discutindo feitiçaria com tribos pré-industriais naIndonésia, sejam habitantes de Nova York discordando acerca defechaduras de portas, ou seja o NRA discordando da Brady Campaignacercadostiposdearmasqueosamericanosdeveriamestarautorizadosacomprar,quandoseacreditaserumaquestãodesensocomum,aspessoasacreditamcomcertezaabsoluta.Elasficamperplexasapenascomofatodeoutraspessoasdiscordarem.13

ALGUMASRESERVAS

O fatodeoqueéevidentepor si sóparaumapessoapoderparecer toloparaoutrapodenosdaraoportunidadederefletirsobreaconfiabilidadedosensocomumcomobaseparacompreenderomundo.Comopodemosestarconfiantesdequeaquiloemqueacreditamoséocertoquandooutrapessoa está tão convencida quanto nós de que aquilo está errado —especialmentequandonãoconseguimosarticularasrazõesparaestarmoscertos? É claro, podemos sempre tachá-las de loucas ou ignorantes, oucoisadotipo,eassimdizerqueelasnãosãodignasdenossaatenção.Masquando entramos nesse caminho, fica cada vez mais difícil justificar asrazões de nós mesmos acreditarmos no que fazemos. Considere, porexemplo,quedesde1996oapoiodopúblicoemgeralparaapermissãodocasamentoentrepessoasdomesmosexoquaseduplicou,passandode25%para45%.14Presumivelmente,aquelesquemudaramdeopiniãodeláparacánãopensamqueosfavoráveisàideiaháquatorzeanoseramloucos,mascertamente pensam que estavam errados. Então, se algo que parecia tãoóbvioacabouserevelandoerrado,oquemaisqueacreditamosserevidenteagoravainosparecererradonofuturo?

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Quandocomeçamosaanalisarnossascrenças,defatotorna-secadavezmais obscuro como as várias crenças que defendemos em um dadomomentoseencaixam.Amaioriadaspessoas,porexemplo,considerasuavisão sobre política derivada de uma única e coerente visão do mundo:“Souumliberalmoderado”ou“Souumconservadorteimoso”,eporaívai.Se isso fosse verdade, entretanto, era de esperar que as pessoas que seidentificassemcomoliberais tendessemadefenderaperspectiva“liberal”namaioriadasquestões,equeosconservadoresdefendessemumavisãodefatodistinta.Aindaassim,pesquisasrevelaramqueemboraaspessoasse identificassem como liberais ou conservadoras, o que elas pensamacercadeumaquestão—digamos,oaborto— temrelativamentepoucarelaçãocomaquiloemqueelasacreditamsobreoutrasquestões, comoapena de morte ou a imigração ilegal. Em outras palavras, temos aimpressão de que nossas crenças particulares são todas derivadas dealgumafilosofiaabrangente,masarealidadeéquechegamosaelasmaisoumenosdeformaindependentee,porvezes,desorganizada.15Amesmadificuldadedereconciliaroqueindividualmenteparecemser

crenças autoevidentes aparece com mais clareza nos provérbios queinvocamos para entender omundo. Comoos sociólogos adoram apontar,muitos desses provérbios parecem contraditórios entre si. Todos somosfarinhadomesmosaco,masosopostosseatraem.Écertoqueoqueestálonge dos olhos está perto do coração, mas o que os olhos não veem ocoraçãonãosente.Penseduasvezesantesdeagir,masquempensademaisvive de menos. Mas isso não é necessariamente uma contradição, poisinvocamosdiferentes provérbios emdiferentes circunstâncias.Mas comonunca especificamos as condições sob as quais um provérbio se aplica eoutronão, não temos comodescrever o que realmente pensamos ouporquepensamos.Emoutraspalavras,osensocomumnãoétantoumavisãodomundo quanto é um saco de crenças logicamente inconsistentes, porvezes contraditórias, cada qual parecendo apropriada em um momento,massemgarantiasdequeestarácertaemqualqueroutroinstante.

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OMAUUSODOSENSOCOMUM

Anatureza fragmentária, inconsistente e atémesmo contraditória, por sisó,dosensocomumnãocostumaserumproblemaemnossodiaadia.Issoporque o dia a dia é dividido em pequenos problemas, fundados sobrecontextos muito específicos que podemos resolver mais ou menosindependentemente uns dos outros. Sob tais circunstâncias, conseguirconectarnossosprocessosdepensamentodemaneiralógicanãoédefatooobjetivo. Não importa realmente que aquilo que está longe dos olhospermanece perto do coração emuma situação, e que o que os olhos nãoveemocoraçãonãosenteemoutra.Emqualquersituaçãosabemosoquequeremosressaltar,ouadecisãoquequeremosdefender,eescolhemosasabedoria do senso comum que seja apropriada para se aplicar a cadamomento. Se tivéssemos que explicar como todas as nossas explicações,nossas atitudes e nossas crenças do senso comum se encaixam,acabaríamos nos deparando com todo tipo de inconsistência econtradições.Mascomonossaexperiênciadevidararamentenosobrigaaisso,nãoimportarealmentecomotaltarefapoderiaserdifícil.Isso começa a importar, porém, quando usamos o senso comum para

resolver problemas que não estão fundamentadas no aqui e agoraimediatosdavidacotidiana,problemasqueenvolvemaantecipaçãoouogerenciamentodo comportamentodeumgrandenúmerodepessoas, emsituaçõesqueestãodistantesdenósnotempoounoespaço.Podepareceralgo incomuma se fazer,masnaverdadeéoque fazemoso tempo todo.Todavezque lemosum jornale tentamosentenderoseventosqueestãoacontecendo em outros países — o conflito entre Israel e Palestina, ainsurgênciano Iraqueouoconflito,aoqueparece,eternonoAfeganistão—, implicitamente estamos usando nossa lógica do senso comum parainferir sobre as causas e explicações dos eventos sobre os quais lemos.Todavezqueformamosumaopiniãosobreareformadosistemafinanceiroouapolíticadesaúdepública,estamosimplicitamenteusandonossalógicadosensocomumparaespecularsobrecomodiferentesregraseincentivosvão afetar o comportamento dos envolvidos. E toda vez que discutimos

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sobrepolítica,economiaoudireito,estamosimplicitamenteusandonossalógicadosensocomumparachegaraconclusõessobrecomoasociedadeseráafetadaporalgumapolíticaoupropostaqueestejasendodebatida.Emnenhumdessescasosestamosusandoosensocomumpararefletir

sobre comodevemosnos comportaraqui eagora.Emvezdisso, estamosusando-o para refletir sobre comooutras pessoas comportaram-se—ouvãosecomportar—emcircunstânciassobreasquaistemos,namelhordashipóteses,umentendimentoincompleto.Emalgumnível,entendemosqueo mundo é complicado e que tudo está, de alguma forma, ligado. Masquando lemos alguma matéria sobre a reforma do sistema de saúdepública,sobreoslucrosdosbanqueirosousobreosconflitosentreIsraelePalestina, não tentamos entender como esses diferentes problemas seencaixam. Apenas nos focamos em um pequenino pedaço da enormetapeçariasubjacenteaomundoqueestásendoapresentadoanósnaquelemomento, e formamos nossa opinião em conformidade. Dessa maneira,podemos virar as páginas do jornal enquanto tomamos nosso café pelamanhã e desenvolver vinte diferentes opiniões sobre vinte diferentestópicossemesforço.Éapenassensocomum.Podemnãoimportarmuito,éclaro,asconclusõesàsquaisoscidadãos

comuns chegam sobre o estado domundo na privacidade de suas casas,baseadasnoqueelesleemnojornaloudiscutemcomosamigos.Portanto,nãoimportamuitoqueamaneiracomoraciocinamossobreosproblemasdomundo seja pouco adequada à natureza dos próprios problemas.Mascidadãos comuns não são os únicos a aplicar a lógica do senso comumaproblemas sociais. Quando políticos se sentam com o propósito de,digamos, elaborar algum projeto para diminuir a pobreza, elesinvariavelmenteconfiamemsuasprópriasideiasdosensocomumsobreasrazõesparapessoaspobresserempobrese,assim,comomelhorajudá-las.Assim como todas as explicações do senso comum, é provável que todostenham as próprias opiniões, e que essas opiniões sejam logicamenteinconsistentes ou mesmo contraditórias. Alguns podem acreditar que aspessoas são pobres porque lhes faltam certos valores necessários detrabalho e planejamento financeiro, enquanto outros podem pensar que

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elassãogeneticamenteinferiores,eoutrasaindapoderãoatribuirsuafaltade riquezaà faltadeoportunidades, a sistemasdeficientesde assistênciasocialouaoutrosfatoresdoambientedessaspessoas.Todasessascrençasvão levar a diferentes soluções propostas, algumas das quais podemnãoestar certas. No entanto, políticos com poderes para aprovar planosabrangentesqueafetarãomilharesoumilhõesdepessoasnãosãomenostentados a confiar em sua intuição sobre as causas da pobreza do que ocidadãocomumquelêojornal.Umbreveolhar sobreahistória sugereque,quandoo sensocomumé

usadoforadocotidiano,elepodefalharespetacularmente.ComoocientistapolíticoJamesScottescreveuemSeeingLikeaState,ofimdoséculoXIXeoinício do século XX foram caracterizados pela crença otimista egeneralizada,porpartedeengenheiros,arquitetos,cientistasetecnocratasdogoverno,dequeosproblemasdasociedadepoderiamserresolvidosdamesma forma que os problemas da ciência e da engenharia foramresolvidosduranteo IluminismoeaRevoluçãoIndustrial.Deacordocomesses “altos modernistas”, o desenho das cidades, a administração derecursos naturais, até mesmo o gerenciamento de toda uma economiaestavam todos sob o escopo do planejamento “científico”. Como um dosindiscutíveispapasdomodernismo,oarquitetoLeCorbusier,escreveuem1923, “o plano é gerador; sem ele, a pobreza, a desordem e a rebeldiareinarãosupremas”.16Naturalmente, os altos modernistas não descreveram o que estavam

fazendo como um exercício de uso do senso comum, preferindo, em vezdisso,disfarçarsuasambiçõescomalinguagemdaciência.Mas,comoScottaponta,essaauracientíficaeraumailusão.Naverdade,nãohavianenhumaciênciadoplanejamento—apenasasopiniõesdeplanejadoresindividuaisque confiaram em sua intuição para especular sobre como seus planosfuncionariam no mundo real. Ninguém duvida de que homens como LeCorbusier eram pensadores brilhantes e originais. No entanto, osresultados de seus planos, como a coletivização soviética ou oplanejamento de Brasília, foram por vezes desastrosos; e alguns deles,comoaengenhariasocialdonazismoouoapartheidnaÁfricadoSul,são

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agora considerados grandes males do século XX. Além disso, mesmoquando esses planos tiveram de fato sucesso, por vezes isso aconteceuapesar dos próprios planos, pois indivíduos em sua base descobrirammaneiras de criar um resultado razoável ignorando, contornando oumesmominandoasorientações.17Emretrospectiva,podeparecerqueosfracassosdoaltomodernismo—

sejam economias ou cidades centralmente planejadas — são coisa dopassado,produtodeumacrençainocenteesimplistanaciênciaque já foisuperada.Contudo,políticos,burocratasearquitetoscontinuamacometeressencialmenteomesmoerroo tempo todo.ComooeconomistaWilliamEasterlyargumentou,acomunidadedeajudaestrangeirafoidominadanosúltimoscinquentaanos,pelomenos,pororganizaçõesburocráticas,geridasporpessoaspoderosascujasideiassobreoquedeveenãodevefuncionarinevitavelmentedesempenhamumgrandepapelnadeterminaçãodecomoos recursos serão usados. Assim como os altos modernistas que oprecederam, esses “empreendedores”, como o Ocidente os chama, sãopessoas bem-intencionadas, inteligentes e muitas vezes devotasapaixonadasdatarefadeajudaraspessoasdomundoemdesenvolvimento.No entanto, apesar dos trilhões de dólares que os empreendedoresdedicaram ao desenvolvimento econômico, há, surpreendentemente,poucasevidênciasdequeosbeneficiáriosestãoemmelhorsituação.18Numa realidade mais próxima e mais ou menos do mesmo período,

urbanistas nos Estados Unidos repetidamente tentaram “solucionar” oproblema da pobreza urbana e repetidamente fracassaram. Como ajornalistaeativistaurbanaJaneJacobsapontouhácinquentaanos,“háummitomelancólicoquedizqueseaomenos tivéssemosdinheirosuficiente—omitogiraemtornodecentenasdebilhõesdedólares—,poderíamosnoslivrardetodososnossosbairrosmiseráveisemdezanos...Masvejaoque construímos com nossos primeiros bilhões: projetos de baixo custoquesetornaramcentrosdedelinquência,vandalismoedesesperançasocialainda piores que os bairros miseráveis que deveriam substituir”.19 Éirônico que ao mesmo tempo que Jacobs chegou a essa conclusão,começaramasobrasdaRobertTaylorHomesemChicago,omaiorprojeto

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dehabitaçãopúblicajáconstruído.Ecertamente,comoosociólogoSudhirVenkateshdescreveemAmericanProject,oquecomeçoucomoumnobreecuidadosamente pensado plano para ajudar famílias — em sua maioriaafro-americanas — moradoras dos centros urbanos a ascender à classemédia tornou-se uma derrocada de edifícios em ruínas, apartamentos eparquinhossuperlotados,concentraçãodepobrezae,porfim,violênciadegangues.20Anaturezafragmentáriadosplanosemlargaescaladedesenvolvimento

econômico e urbano torna-os especialmente propensos ao fracasso, masmuitas das mesmas críticas foram feitas aos planos do governo paramelhoraraeducaçãopública, reformarosserviçosdesaúde,gerenciarosrecursos públicos, planejar a regulamentação local ou decidir sobre apolíticaexterna.21Tampoucosãoosgovernantesosúnicosasofrercomoextremo fracasso dos planos. Corporações raramente são tão grandesquantogovernos,porissoseusfracassostendemanãoatrairomesmotipode escrutínio — apesar de o quase colapso do sistema financeiro entre2008e2009terchegadopertodisso.Alémdisso,hábemmaiscorporaçõesque governos, logo, é sempre possível encontrar histórias de sucesso,perpetuando assim a ideia de que o setor privado é melhor emplanejamentodoqueoEstado.Masconformeumgrupodepesquisadoresdegerenciamentodemonstrourecentemente,planoscorporativos—sejamapostas estratégicas, fusões e aquisições ou campanhas demarketing—tambémfalham,ecomfrequência,muitasvezespelasmesmasrazõesqueos planos governamentais.22 Ou seja, em todos esses casos, um númeropequeno de pessoas sentadas em salas de conferência está usando suaintuição do senso comum para prever, gerenciar ou manipular ocomportamento de milhares ou milhões de pessoas distantes e diversascujasmotivaçõesecircunstânciassãomuitodiferentesdassuas.23A ironia disso tudo é que mesmo quando observamos os erros de

políticos,planejadoreseoutros,nossareaçãonãoécriticarosensocomum,e sim exigir mais dele. Por exemplo, no Fórum Mundial Econômico emDavos, no início de 2009, durante o período mais sombrio da crisefinanceira global, um homem indignado, na plateia, anunciou: “O que

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precisamosagoraérecuperarosensocomum!”Éumaideiaatraente,queprovocoumuitosaplausosnaquelemomento,masnãopudedeixardemeperguntaroquefoiqueelequisdizercomisso.Afinal,doisanosantes,nareuniãodeDavosde2007,umgrupomaisoumenosigualdeempresários,políticos e economistas estava parabenizando uns aos outros por tergeradoníveissurpreendentesesemprecedentesderiquezaeestabilidadeno setor financeiro. Será que ninguém suspeitou que eles houvessem dealgumaformaesquecidoosensocomum?Senão,comoexatamentepoderiaserde algumaajuda recuperá-lo?Na verdade, o que ahistóriadas crisesfinanceiras, seja antes ou depois do advento das transações altamenteinformatizadas,deverianosensinaréque—comoaverdadenaguerra—éosensocomum,enãomodelosdecomputador,aprimeiravítimadeumafobamentofinanceiro.24Omesmoacontececomasfalhasnapolítica,nosnegócios e no marketing. As coisas ruins não acontecem porqueesquecemos de recorrer ao senso comum, mas porque a sua incríveleficácia na resolução dos problemas da vida cotidiana nos leva a colocarmaisféneledoqueelepodesuportar.

INTUIÇÃODEMAIS

Mas se o senso comum é tão ruim para se lidar com fenômenos sociaiscomplexoscomoconflitospolíticos,planoseconômicosdasaúdepúblicaoucampanhasdemarketing,porqueseusdefeitosnãosãoóbviosparanós?Afinal, no que diz respeito ao mundo científico, também usamos muitonossaintuiçãoparasolucionarproblemasdodiaadia—pensememtodaaciênciaintuitivanecessáriaparaperseguireagarrarumaboladebeisebol.Mas,diferentementedomundosocial,aprendemosaolongodotempoquenossa“ciênciadosensocomum”podefacilmenteseenganar.Porexemplo,o senso comumdiz que objetos pesados caem com a força da gravidade.Masconsidereoseguinte:umhomemestáparadonumterrenoplano;eleseguraumabalanamãoesquerdaeumapistolacarregadacomumabala

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idênticanamãodireita.Segurandotantoapistolaquantoabalanamesmaaltura,elesimultaneamentedisparaaarmaesoltaabala.Qualdasbalasvaichegaraochãoprimeiro?Asnoçõesbásicasdeciênciaqueaprendemosnoensinomédiodirãoque,naverdade,asduaschegarãoaochãoexatamentenomesmomomento.Masmesmosabendodisso,édifícilnãopensarqueabala da arma não é de alguma maneira mantida no ar por mais tempodevidoasuavelocidade.Omundodafísicaestárepletodeexemploscomoesse,quedesafiama

lógica do senso comum. Por que quando desce pelo ralo a água do vasosanitárioformaespiraisquegiramparaumladonohemisférionorteeparaooutronohemisfériosul?Porquevemosmaisestrelascadentesdepoisdameia-noite?Quandocubosdegelosqueflutuamnaáguaderretemnocopo,oníveldaáguasobeoudesce?Mesmoquevocêentendaafísicaportrásdealgumas dessas questões, ainda assim é fácil errar, e elas não são nadacomparadas aos fênomenos realmente estranhos damecânica quântica edarelatividade.Porém,pormaisfrustrantequeissosejaparaosestudantesdefísica,aquantidadedevezesqueosensocomumnessaáreanosenganatraz uma grande vantagem para a civilização humana: o impulso a fazerciência.Naciência,aceitamosquesequisermosdescobrircomoomundofunciona,precisamos testarnossas teorias comobservaçõescuidadosaseexperimentos, e sóentãoconfiarnosdados,não importandooquenossaintuiçãonosdiz.Epormaistrabalhosoquepossaser,ométodocientíficoéresponsável por essencialmente todos os avanços que a humanidade feznosúltimosséculosnacompreensãodomundonatural.Masnoquedizrespeitoaomundohumano,ondenossa intuiçãonuae

cruafuncionatãomelhordoquenafísica,raramentetemosnecessidadedeusar o método científico. Por exemplo: por que a maioria dos gruposhumanos é tão homogênea em termos de raça, nível de educação e atémesmogênero?Porquealgumascoisassetornampopulareseoutrasnão?Quantoamídiainfluenciaasociedade?Termaisopçõesémelhoroupior?Os impostos realmente estimulam a economia? Cientistas sociais não secansam de ficar perplexos com essas questões, e ainda assim muitaspessoas acham que são capazes de elaborar explicações perfeitamente

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satisfatórias. Todos temos amigos, amaioria de nós trabalha, e de formageral todos compramos coisas, votamos e assistimos à TV. Estamosconstantemente imersos na economia, na política e na cultura, e assimestamosfamiliarizadoscomseufuncionamento—oupelomenoséoquepensamos.Diferentementedosproblemasnafísica,nabiologiaetc.,quandoo tópico é o comportamento humano ou social, portanto, a ideia deconduzirestudos“científicos”carosedemoradosparadescobriraquiloquemaisoumenosjásabemosparecetotalmentedesnecessária.

COMOOSENSOCOMUMNOSENGANA

Sem dúvida, a experiência de participar do mundo social facilita muitonossahabilidadedeentendê-lo.Senãofossepeloconhecimentoíntimodenosso processo de pensamento, somado às inúmeras observações depalavras,açõeseexplicaçõesdosoutros—tantovivenciadaspessoalmentequanto aprendidas por via de terceiros—, os vastos intrincamentos docomportamento humano poderiam muito bem ser impenetráveis. Noentanto, a combinação de intuição, experiência e sabedoria recebida, nasquais nos baseamos para gerar explicações de senso comum sobre omundo social, também disfarçam alguns erros de raciocínio que são tãosistemáticosegeneralizadosquantooserrosdafísicadosensocomum.Aprimeirapartedestelivrodedica-seaexploraresseserros,quesedividememtrêsgrandescategorias.Oprimeirotipodeerroéquequandopensamossobreasrazõesparaas

pessoas fazerem o que fazem, invariavelmente nos focamos em fatorescomo incentivos, motivações e crenças, sobre as quais estamosconscientementealertas.Pormaissensívelquepossaparecer,décadasdepesquisaempsicologiaeciênciacognitivatêmdemonstradoqueessavisãodocomportamentohumanoabrangeapenasapontadoicebergproverbial.Não nos ocorre, por exemplo, que a música tocando ao fundo podeinfluenciarnossaescolhadequalvinhocomprarnalojadebebidas,ouque

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a origemde certa enunciação pode torná-lamais oumenos crível; entãonão levamos esses fatores em consideração na antecipação da maneiracomoaspessoasvãoreagir.Maselestêm,sim,bastanteimportância,assimcomo outros fatores aparentemente triviais ou irrelevantes. Na verdade,comoveremos,éprovávelquesejaimpossívelprevertudooquepodeserrelevanteemumasituaçãoespecífica.Oresultadoéquepormaiscuidadoquetenhamosaonoscolocarnolugardeoutrapessoa,tendemosacometererros graves ao prever como ela vai se comportar em circunstânciasdiferentesdoaquieagora.Seoprimeirotipodeerrodosensocomumsãoasfalhassistemáticasde

nossomodelomental de comportamento individual, o segundo tipo é terum modelo mental de comportamento coletivo ainda pior. O problemabásico,nessecaso,équesemprequeaspessoassereúnememgrupos—seja em eventos sociais, locais de trabalho, organizações voluntárias,mercados, partidos políticos oumesmo enquanto sociedades inteiras—,elas interagem umas com as outras, dividindo informações, espalhandorumores, fazendo recomendações, comparando-se com os amigos,parabenizandoecriticandoocomportamentounsdosoutros,aprendendocoma experiência alheia e, de formageral, influenciandomutuamenteasperspectivas sobre o que é bom e ruim, barato e caro, certo e errado.Conforme os sociólogos têm discutido hámuito tempo, essas influênciasacumulam-sedeformasinesperadas,gerandoumcomportamentocoletivoqueé“emergente”nosentidodequeelenãopodeserentendidosomenteem termosde seus componentes.Diantede tal complexidade, entretanto,as explicações do senso comum instintivamente retornam à lógica dasações individuais. Por vezes invocamos “indivíduos representativos”fictícios,como“opovo”,“omercado”,“ostrabalhadores”ou“oeleitorado”,cujas ações representam as ações e interações de todo um grupo. E porvezes destacamos “pessoas especiais”, como líderes e visionários, ou“influências”, a quem atribuímos toda a ação. Seja qual for o truque queusamos, porém, o resultado é que nossas explicações sobre ocomportamento coletivo se sobrepõem àquilo que está realmenteacontecendo.

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O terceiroeúltimo tipodeproblemada lógicado sensocomuméqueaprendemos menos com a história do que imaginamos, e que essa falsailusão, por sua vez, afeta nossa percepção do futuro. Sempre que algointeressante, dramático ou terrível acontece — mocassins tornam-sepopulares novamente, um livro de um autor desconhecido é sucesso devendas internacional, a bolha do mercado imobiliário estoura outerroristas jogamaviõescontraoWorldTradeCenter—, instintivamenteprocuramos explicações. Mas como procuramos explicar esses eventosapenasdepoisdosacontecimentos,nossasexplicaçõesenfatizamdemaisoqueefetivamenteaconteceu,emdetrimentodoquepoderiateracontecido.Alémdisso, como só tentamos explicar acontecimentos que nos pareceminteressantes o suficiente, nossas explicações dão conta de apenas umafraçãominúsculadascoisasquedefatoacontecem.Comoresultado,oqueparecem ser explicações causais são, na verdade, apenas histórias —descriçõesdoqueaconteceuquenosdizemmuitopouco, seéquedizemalguma coisa, sobre os mecanismos em funcionamento. Contudo, comoessashistóriastêmaformadeexplicaçõescausais,nósastratamoscomosetivessem poder de previsão, e assim nos convencemos de que podemosfazerprevisõesimpossíveis,mesmoemprincípio.Portanto, a lógica do senso comum não sofre de uma única limitação

primordial,masdeváriaslimitações,quereforçameatémesmodisfarçamumas às outras. O resultado é que ele émaravilhoso paradar sentido aomundo, mas não necessariamente para compreendê-lo. Por analogia, emtempos antigos, quando nossos antepassados eram surpreendidos porraios caindo dos céus, acompanhados de trovões, eles aplacavam seustemorescomhistóriaselaboradassobredeusescujaslutas,muitohumanas,eramresponsabilizadasporaquiloqueagoraentendemosseremprocessosinteiramentenaturais.Aoexplicarfenômenosestranhoseassustadorespormeiodehistóriasquepodiamcompreender, eles conseguiamdar sentidoao mundo, criando com eficiência uma ilusão de compreensão que erasuficienteparafazê-lossairdacamapelamanhã.Atéaítudobem.Maseunãodiriaquenossosantepassados“entendiam”oqueestavaacontecendo,

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nosentidodeterumateoriacientíficaembasada.Naverdade,tendemosaconsiderarasmitologiasantigas,nomáximo,divertidas.Entretanto,oquenãocompreendemoséqueosensocomumporvezes

funciona exatamente como a mitologia. Ao oferecer explicações prontassobre quaisquer circunstâncias que o mundo nos apresente, ele nos dáconfiança para viver dia após dia e nos livra da obrigação de nospreocuparmos se algo que pensamos saber é realmente verdadeiro ouapenas algo em que, por acaso, acreditamos. O custo, entretanto, é quepensamostercompreendidocoisasquenaverdadesótemosocultadocomumahistóriaaparentementeplausível.Ecomoessailusãodecompreensão,porsuavez,enfraquecenossamotivaçãoparatratardeproblemassociaisdamesmamaneiraquetratamososproblemasnamedicina,naengenhariaena ciência, o lamentável resultado é que o senso comumchega a inibirnossacompreensãodomundo.Abordaresseproblemanãoéfácil,masnasegunda parte do livro darei algumas sugestões, junto com exemplos deabordagensquejáestãosendotestadasnomundodosnegócios,dapolíticaedasciências.Opontoprincipal,entretanto,équeassimcomoumacrençainquestionadanacorrespondênciaentreeventosnaturaise feitosdivinosdevemabrirespaçoparaexplicações“reais”sedesenvolverem,tambémasexplicaçõesreaisdomundosocialvãonosobrigarainvestigaroquehánosenso comum que nos faz pensar que sabemos mais do que realmentesabemos.25

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2PENSANDOSOBREOPENSAR

Emmuitospaíses,écomumqueoEstadopergunteaseuscidadãosseelesdesejamserdoadoresdeórgãos.Adoaçãodeórgãoséumdessestópicosque despertam fortes reações. Por um lado, é uma oportunidade detransformaraperdadeumapessoanasalvaçãodeoutra.Poroutro,émaisdo que um tanto perturbador fazer planos para seus órgãos que nãoenvolvam você. Dessa forma, não é surpresa que as pessoas tomemdecisões diferentes, nem que o número de doadores de órgãos varieconsideravelmentedepaísparapaís.Entretanto,podesersurpreendenteagrandevariaçãoentrepaíses.Emumestudorealizadoháalgunsanos,doispsicólogos, Eric Johnson e Dan Goldstein, descobriram que o número depessoas que consentiram em doar seus órgãos variava nos diferentespaíseseuropeus,indodesde4,25%até99,98%.Oqueéaindamaisnotávelé que essas diferenças não estavamespalhadas por todo o espectro, elasforam agrupadas em dois grupos distintos— um grupo com índices dedoação de órgãos em apenas um dígito e outro com índices na casa dosnoventa—,comquasenenhummeio-termo.1Oquepoderia explicar umadiferença tão grande?Essa foi a pergunta

quefizaumaturmadeexcelentesestudantesdaUniversidadedaColumbianãomuito tempoapósapublicaçãodesseestudo.Naverdade,oquepedifoiqueelesconsiderassemdoispaísesanônimos,AeB.NopaísA,cercade12%doscidadãosconcordavamemdoarseusórgãos,enquantonopaísBopercentual foi99,9%.Então,oqueelesachavamqueeradiferentenessesdois países que poderia influenciar a escolha de seus cidadãos? Como

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estudantes espertos e criativos, eles elaboraram muitas possibilidades.Talvezumdospaísesfosselaicoeooutro,extremamentereligioso.Talvezum tivesse medicina mais avançada e, portanto, melhores índices detransplantesdeórgãosbem-sucedidosdoqueooutro.Talvezo índicedemortesacidentaisemumdosdoispaísesfossemaior,resultandoemmaisórgãos disponíveis. Ou talvez um dos países tivesse uma cultura maissocialista, enfatizando a importância da comunidade, enquanto o outroprivilegiasseosdireitosindividuais.Eramtodasboasexplicações.Masentãoveioasurpresa.OpaísAeraa

Alemanha, e o país B era... a Áustria. Meus pobres estudantes ficaramboquiabertos—OquediabosaAlemanhapoderia terde tãodiferente emrelação à Áustria? Mas eles não desistiram. Talvez houvesse algumadiferençanos sistemaseducacionaisou legaisqueelesdesconheciam.Outalvez algum evento ou campanha importante na Áustria tivesseestimuladoadoaçãodeórgãos. Seráque tinhaalgoa ver comaSegundaGuerraMundial?Outalvezaustríacosealemãessejammaisdiferentesdoque aparentam ser.Meus alunos não sabiama razãopara umadiferençatão grande, mas tinham certeza de que era alguma coisa grande —diferençasgrandescomoessanãoexistemporacaso.Bem,não,maspodemexistirdiferençascomoessaporrazõesquejamaisesperaríamos.E,detãocriativos, meus alunos nunca chegaram à razão real, que na verdade éabsurdamentesimples:naÁustria,amenosquesedecidapelocontrário,jáse é um doador, enquanto na Alemanha é o contrário. A diferença parecetrivial—éapenas terqueenviarumsimples formuláriodealteração—,masésuficienteparaqueonúmerodedoadorespulede12%para99,9%.E o que era verdadeiro para a Áustria e a Alemanha era verdadeiro emtodasaspartesdaEuropa—todosospaísescomaltosíndicesdedoaçãodeórgãosexigiamadeliberaçãonegativadodoador,enquantoospaísesdebaixosíndicesexigiamadecisãoafirmativa.

DECISÕES,DECISÕES

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Entender a influência de padrões estabelecidos sobre as escolhas quefazemoséimportante,poisnossascrençassobreoqueeporqueaspessoasescolhemafetampraticamentetodasasnossasexplicaçõessobrequestõessociais,econômicasepolíticas.Leiaoeditorialdequalquerjornal,assistaaqualquercomentaristanaTVouescutequalquerprogramadeentrevistasno rádio e você será bombardeado por teorias sobre as razões deescolhermos isso e não aquilo. E apesar de por vezes não acreditarmosnessesespecialistas,averdadeéquetodosnós—depolíticoseburocratasa colunistas de jornal, executivos e cidadãos comuns — estamosigualmentedispostosaabraçarnossaprópriateoriadaescolhahumana.Naverdade,praticamentetodososargumentosdeconsequênciasocial—sejasobre política, economia, taxação, educação, saúde, mercados livres,aquecimento global, políticas de energia, política externa, políticas deimigração, comportamento sexual, pena de morte, direito ao aborto oudemandadoconsumidor—sãoexplícitaouimplicitamenteumadiscussãosobreporqueaspessoasfazemasescolhasquefazem.E,claro,sobrecomoelas podem ser encorajadas, educadas, legisladas ou coagidas a fazerdiferentesescolhas.Dada aubiquidadede escolhasnomundoe sua relevânciaparaquase

todos os aspectos da vida — de decisões cotidianas a grandes eventoshistóricos—, não surpreende que teorias sobre como as pessoas fazemescolhas sejam centrais para a maior parte das ciências sociais.ComentandoumartigodoganhadordoNobelGaryBecker,oeconomistaJamesDuesenberryfezafamosapiadaquedizque“aeconomiadizrespeitoàescolha,enquantoasociologiadizrespeitoaporqueaspessoasnãotêmescolhas”.2 Mas a verdade é que os sociólogos estão tão interessados namaneira como as pessoas fazem escolhas quanto os economistas— issosem mencionar os cientistas políticos, antropólogos, psicólogos epesquisadoresemdireito,administraçãoegestão.Noentanto,Duesenberrytinha certa razão em quase todo o século passado: cientistas sociais ecomportamentais de diferentes linhas de pesquisa tenderam a ver aquestãodaescolhademaneirastotalmentediferentes.Acimadetudo,eles

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divergiam, às vezes amargamente, acerca da natureza e importância daracionalidadehumana.

SENSOCOMUMERACIONALIDADE

Paramuitossociólogos,aexpressão“escolharacional”evocaaimagemdeumindivíduofrioecalculistaqueseimportaapenasconsigomesmoequeprocuramaximizarseubem-estareconômicodemaneiraimplacável.Essareação não é de todo injustificada. Por muitos anos, economistas, natentativa de entender o comportamento do mercado, invocaram algosemelhanteaessanoçãoderacionalidade—porvezeschamadade“Homoœconomicus” —, principalmente porque se presta de modo natural aosmodelos matemáticos que são simples o bastante para serem escritos eresolvidos. E ainda assim, conforme inúmeros exemplos, como o jogo doultimatodocapítuloanterior,demonstraram,aspessoasnãoseimportamapenascomoprópriobem-estar,sejaeconômicoounão,mastambémcomo bem-estar dos outros, por quem fazem sacrifícios consideráveis. Nóstambémnospreocupamoscomadefesadasnormaseconvençõessociaisemuitasvezespunimosaquelesqueasviolam—mesmoquandoas fazemmediantemuitocusto.3E,finalmente,muitasvezesnospreocupamoscombenefíciosintangíveis,comonossareputação,opertencimentoaumgrupoe o “fazer a coisa certa”, às vezes tanto ou ainda mais do que nospreocupamoscomriqueza,confortoeposses.Os críticos do Homo œconomicus levantaram todas essas objeções, e

muitas outras, ao longodos anos. Em resposta, defensores daquilo que échamadodeteoriadaescolharacionalexpandiramenormementeoescopodaquilo que é considerado comportamento racional para incluir nãoapenas o comportamento econômico autocentrado, mas tambémcomportamentossociaisepolíticosmaisrealistas.4Naverdade,hojeemdiaa teoriadaescolha racionalnãoéapenasuma teoria singular, e simumafamília de teorias com pressupostos bastante diversos, dependendo da

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aplicação em questão. Ainda assim, todas tendem a incluir variações dedoisinsights—primeiro, queaspessoas têmpreferênciasporumacoisaemvezdeoutras;esegundo,que,dadasessaspreferências,elasselecionamdamelhormaneira possível osmeios disponíveis para atingir aquilo quepreferem.Umexemplosimples:seminhapreferênciaporsorveteémaiorqueminhapreferênciapelodinheironacarteira,eseháumroteirodeaçãodisponívelquepermitequeeutroquemeudinheiroporsorvete,éissoquevoufazer.Masse,porexemplo,estáfazendofrioouosorveteécaro,meuroteirodeaçãopreferidodessavezpode reservarmeudinheiroparaumdiade sol.Damesma forma, separa compraro sorvetepreciso fazerumcaminhomuitodiferente,minhapreferênciaporchegaraolocalparaoqualestou me dirigindo também pode me fazer esperar por outro momento.Seja lá qual forminhadecisão—odinheiro, o sorvete, a trajetória até osorvete—, nem sempre estou fazendo aquilo que é “melhor” paramim,dadasasminhaspreferênciasnomomentodaescolha.Oqueétãoatraentenessemododepensaréa implicaçãodequetodo

comportamento humano pode ser entendido em termos de tentativasindividuais de satisfazer as próprias preferências. Assisto a séries de TVporquemeugostopelaexperiênciaésuficienteparaeudevotarmeutempoa elas, em vez de fazer outra coisa. Eu voto porque me preocupo emparticipar da política, e quando voto, escolho o candidato que acho quepoderá servirmelhor ameus interesses. Eume inscrevo no processo deseleçãoparauniversidadesnasquais achoque tenho chancede entrar, eentre aquelas queme aprovaram,matriculo-me na que oferece amelhorcombinaçãodestatus,retornofinanceiroeexperiênciaacadêmica.Umavezlá, estudo aquilo que mais me interessa e, quando me formo, aceito omelhor trabalho que conseguir. Faço amizade com pessoas de quem eugostoemantenhoaamizadedaspessoascujacompanhiameagrada.Casoquando as vantagens da estabilidade e da segurança são maiores que aempolgaçãodenamorar.Temosfilhosquandoosbenefíciosdeumafamília(aalegriadeter filhosquepodemosamarincondicionalmente,bemcomodeteralguémparacuidardenósquandoenvelhecermos)sãomaioresque

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os custosdoaumentode responsabilidade,da reduçãoda liberdadeedomaiornúmerodebocasparaalimentar.5Em Freakonomics, Steven Levitt e Stephen Dubner ilustram o poder

explanatóriodateoriadaescolharacionalemumasériedehistóriassobrecomportamentosaprincípiointrigantes,masquedepoisdeumexamemaiscuidadoso revelam-se perfeitamente racionais. Pode-se pensar, porexemplo, que como o corretor imobiliário trabalha por comissão, ele vaitentarconseguiromaiorvalorpossívelparaacasadeumcliente.Porém,na verdade os corretores mantêm as próprias casas por mais tempo nomercado e as vendem por preços mais altos do que as casas de seusclientes. Por quê? Porque quando é a casa dos clientes que eles estãovendendo, ficam com apenas uma pequena porcentagemda diferença dopreçomaisalto,masquandoéaprópriacasa,ficamcomtodaadiferença.Esteúltimoédinheirosuficienteparafazerocorretorseesforçarmaisporuma venda e negociar valoresmaiores; aquele, não. Em outras palavras,umavezquevocêentendeos incentivosqueoscorretoresrecebem,suaspreferênciasreais,suasaçõestornam-seclarasdeimediato.Da mesma forma, a princípio pode ser surpreendente descobrir que

quando pais em uma escola israelita começaram a receber multas poratraso aopegar seus filhos, elespassarama chegar atrasados aindamaisvezes do que quando não havia multa alguma. Mas quandocompreendemosqueamultadiminuíaaculpaquesentiamporincomodaros funcionários da escola— eles sentiram, essencialmente, que estavampagandopelodireitodechegartarde—,faztodoosentido.Assimcomoaobservação,aprincípiosurpreendente,dequeamaioriadosmembrosdeganguesmora com amãe. Colocando na ponta do lápis, descobre-se queelesconseguembemmenosdinheirodoqueachávamos;assim,pelopontode vista econômico, faz sentido eles morarem com a família. Da mesmaforma,pode-seexplicaroproblemáticocomportamentodeumaparceladeprofessores de ensino médio que, em resposta às novas normas deprestação de contas do governo Bush — a legislação do No Child LeftBehind,estabelecidaem2002—,alterouasrespostasdasprovasdeseusalunos.Mesmosabendoqueissopoderiacustar-lhesoemprego,oriscode

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serem pegos parecia pequeno em comparação com as consequências deficarem presos a uma turma com baixos índices de rendimento, o quecompensavaahipótesedeserempunidosporfraude.6Ou seja, independentementedapessoa edo contexto—sexo, política,

religião,família,crime,traição,negócioseatémesmoaediçãodeartigosdaWikipedia —, o ponto a que sempre Levitt e Dubner retornam é que,mesmo que queiramos entender por que as pessoas fazem o que fazem,devemos entender os incentivos que elas recebem e, dessa forma, suapreferênciaporumaopçãoenãooutra.Quandoalguém faz algoquenospareceestranhoou intrigante,devemos,emvezdetachá-lademalucaouirracional, buscar analisar sua situação, na esperança de encontrar umincentivo lógico. É precisamente esse tipo de exercício, na verdade, queanalisamosnocapítuloanterior,comosexperimentosdojogodoultimato.Quando descobrimos que as tradições au e gnau de troca de presentesefetivamente transformam aquilo que para nós parece ser dinheiro degraçaemalgoque,paraeles,éumaobrigaçãofuturaindesejada,oqueeraanteriormente um comportamento intrigante de uma hora para outraparece tão racional quanto o nosso. Só que o é a partir de um conjuntodiferente de premissas, com o qual ainda não nos familiarizamos. OargumentocentraldoFreaknomics équequase semprepodemos realizaresse exercício, por mais estranho ou maravilhoso que seja ocomportamentoemquestão.Embora intrigantes e ocasionalmente controversas, as explicações de

Levitt e Dubner em princípio não são diferentes da grande maioria dasexplicações das ciências sociais. Não importa quanto sociólogos eeconomistas discutam sobre os detalhes, isto é, até que consigamcontabilizar um determinado comportamento em termos de algumascombinaçõesdemotivações,incentivos,percepçõeseoportunidades—atéque tenham, em resumo, racionalizado o comportamento —, eles nãosentemquerealmenteocompreenderam.7 E issonãoocorre apenas comcientistas sociais. Quando tentamos entender por que um cidadãoiraquianocomumiriaacordarumamanhãedecidirsetransformaremumabomba viva, estamos implicitamente racionalizando seu comportamento.

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Quando tentamosexplicarasorigensdarecentecrise financeira,estamosde fato procurando os incentivos racionais que levaram os banqueiros acriare comercializarativosdealto risco.Equandoculpamosa legislaçãoporerromédicoouopagamentoporprocedimentoclínicopeloscrescentescustoscomsaúde,instintivamenteinvocamosummodelodeaçãoracionalpara entender por que os médicos fazem o que fazem. Isto é, quandopensamos sobre como pensamos, adotamos de maneira reflexiva umaestruturadecomportamentoracional.8

PENSARNÃOSERESUMEAPENSAMENTOS

A crença implícita de que as pessoas são racionais até que se prove ocontrárioéumacrençaotimista,atémesmosensata,queemgeraldeveserencorajada.Contudo, o exercíciode racionalizaro comportamentoofuscauma importante diferença entre aquilo que queremos dizer quandofalamossobre “compreender”ocomportamentohumano,emoposiçãoaocomportamentodeelétrons,proteínasouplanetas.Quandotentaentendero comportamento de elétrons, por exemplo, o cientista não começa suapesquisa imaginando-se no lugar do elétron em questão. Ele pode terintuições relativasa teoriassobreelétronsque,porsuavez,ajudam-noacompreender seu comportamento.Mas em nenhummomento ele esperacompreendercomoéserumelétron—semdúvida,atémesmoanoçãodetal expectativa é risível. Racionalizar o comportamento humano,entretanto,éprecisamenteumexercíciodesimulação,emnossamente,decomoseriaserapessoacujocomportamentoestamostentandoentender.Apenas quando conseguimos imaginar essa versão de nós mesmosreagindodamesmamaneiraqueo indivíduo emquestão é que sentimosqueentendemosocomportamentoemanálise.Podemos realizar esse exercício de “compreensão por meio de

simulação” tão facilmente que é raro nos lembrarmos de questionar suaconfiabilidade.Alémdisso,assimcomooexemploanteriordosdoadoresde

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órgãos ilustra, nossas simulaçõesmentais costumam ignorar certos tiposde fatoresqueacabamserevelando importantes.Arazãopara issoéquequandopensamossobrecomopensamos,porinstintoenfatizamoscustosebenefícios conscientemente acessíveis, como os que são associados amotivações,preferênciasecrenças—ostiposdefatoresquepredominamnosmodelosderacionalidadedoscientistassociais.Respostasautomáticas,ao contrário, são uma parte do ambiente em que quem decide afeta ocomportamentode uma formaque é quase invisível para o consciente e,portanto, em geral inexistente em nossas explicações para ocomportamentobaseadasnosensocomum.9 E respostas automáticas sãoapenasapontadoicebergproverbial.Háváriasdécadas,psicólogose,maisrecentemente, economistas comportamentais têm analisado a tomada dedecisões do homem, por vezes em ambientes controlados de laboratório.Suas descobertas não apenas enfraquecem até mesmo os mais básicospressupostos de racionalidade, como impelem ummodo completamentenovodepensarsobreocomportamentohumano.10Em incontáveis experiências, por exemplo, psicólogos demonstraram

que as escolhas e o comportamento de um indivíduo podem serinfluenciadas pelo “condicionamento” a certas palavras, sons ou outrosestímulos.Participantesdoexperimentoquelerampalavrascomo“velho”e“fracasso”andarammaislentamentepelocorredoraodeixarolaboratório.Consumidores em lojas de vinhos tendem a comprar vinhos alemãesquando amúsica ambiente é alemã, e vinho francês quando tocamúsicafrancesa.Quandoperguntadossobrebebidasenergéticas,osentrevistadostendem a responder Gatorade quando recebem uma caneta verde parapreenchero formulário.E consumidoresdispostosa comprarumsofánainternet tendem a escolher um sofá caro e aparentemente confortávelquandooplanodefundodositesãoimagensdenuvensbrancasefofas,etendemacompraraopçãomenosmaciaemaisbarataquandooplanodefundosãoimagensdemoedas.11Nossas respostas podem também ser distorcidas por informações

numéricasirrelevantes.Emumexperimento,porexemplo,participantesdeumleilãodevinhosforamconvidadosaescreverosdoisúltimosdígitosde

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seunúmerodesegurançasocialantesdadisputa.Apesardeessesnúmerosserempraticamentealeatóriosecertamentenadateremavercomolanceque um comprador deveria colocar em disputa, os pesquisadoresdescobriram que quanto maior o número de seu documento, mais aspessoas estavam dispostas a oferecer. Esse efeito, que os psicólogoschamamde ancoragem, afeta todos os tipos de estimativas que fazemos,sejachutaronúmerodepaísesdaÁfricaouestipularumvalorjustoparagorjeta ou doação. Sempre que uma casa de caridade nos pede umacolaboraçãocomumvalor“sugerido”dedoação,ouquandoacontatrazopercentualdagorjetajácomputado,suspeitamosquenossospressupostosde ancoragem estão sendo explorados— porque ao ouvir a sugestão devaloresaltos,nossaestimativainicialdoqueéjustoestásendoorientada.Mesmoqueemseguidaajustemosnossaestimativaparabaixo—porque,digamos,umagorjetade25%parecealtademais—,provavelmentevamosacabardandomaisdoquedaríamossemasugestãoinicial.12Preferênciasindividuaispodemtambémsermuitoinfluenciadasapenas

pelamudança namaneira como uma situação é apresentada. Enfatizar opotencial de alguém para perder dinheiro em uma aposta, por exemplo,aumentaaaversãodaspessoasaosriscos,enquantoenfatizaropotencialdealguémparaganhartemoefeitooposto,mesmoqueoriscoemsisejaomesmo em ambas as circunstâncias. Ainda mais intrigante é que aspreferênciasdeumindivíduoentredoisitenspodeserdefatorevertidaaointroduzir-se uma terceira opção. Digamos, por exemplo, que A é umacâmerafotográficacaramasdeótimaqualidade,enquantoBtemqualidademuitoinferiormascustabemmenos.Colocadadetalforma,essapodeserumacomparaçãodifícildefazer.Masse,comomostradonafiguraabaixo,introduz-seumaterceiraopção,C1,queémaiscaraqueAe temmaisoumenosamesmaqualidade,aescolhaentreAeC1éóbvia.Nessassituações,aspessoastendemaescolherA,oquepareceperfeitamentelógico,atéqueconsideremosoqueacontecequandoemvezdeC1introduz-seaterceiraopção,C2,queétãocaraquantoB,porémtemqualidadesignificativamenteinferior.AgoraaescolhaentreBeC2éclara,easpessoastendemaoptarpor B. Ou seja: dependendo de qual terceira opção é introduzida, a

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preferênciadequemdecidepodeserinvertidadeformaeficazentreAeB,mesmoque nada emnenhumadas opções tenhamudado.O que é aindamais estranho é que a terceira opção—aquela que causa amudançadepreferências—nuncaéescolhida.13

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Dando continuidade a essa ladainha sobre irracionalidade, psicólogosdescobriram que as análises humanas costumam ser afetadas pelafacilidadecomquediferentestiposdeinformaçãopodemseracessadosourecolhidos.Aspessoas emgeral exageramaprobabilidadedemorrer emumataqueterroristadentrodeumaviãoemrelaçãoamorreremumaviãoporqualquer outro motivo—mesmo sabendo que aquele é muito maisdifícil de acontecer do que este —, simplesmente porque ataquesterroristassãoacontecimentosmuitomaisvívidos.Demaneiraparadoxal,as pessoas se declaram menos assertivas quando são convidadas arelembrar casos em que agiram assertivamente — não porque ainformaçãocontradizsuascrenças,esimporcausadoesforçonecessáriopara recuperá-lo. Elas também se lembram sistematicamente de seuscomportamentos e crenças passadas de forma semelhante à de seuscomportamentosecrençasatuais,maisdoquerealmenteeram.Esãomaispropensasaacreditarnumaafirmaçãoescritaseafonteéidentificadacomfacilidadeousejáaleramantes—mesmoquenaúltimavezquealeramatenhamexplicitamenteconsideradofalsa.14Finalmente, as pessoas digerem novas informações de maneira que

aquiloquejápensamsejareforçado.Fazemosisso,emparte,aoreparareminformaçõesqueconfirmamnossascrençasdemodomaisimediatodoqueemoutrasinformações.E,emparte,fazemosissosubmetendoinformaçõesque desconfirmam a um escrutínio e ceticismomaior do que no caso deinformações que confirmam. Juntas, essas duas tendências intimamenterelacionadas — conhecidas como viés cognitivo e raciocínio motivado,respectivamente — dificultam em muito nossa capacidade de resolverproblemas, desde discordâncias sobre tarefas domésticas até velhosconflitos políticos, como aqueles na Irlanda do Norte ou entre Israel e aPalestina, nos quais as diferentes partes envolvidas observam o mesmoconjunto de “fatos” e saem com impressões da realidade completamentediferentes. Mesmo na ciência, o viés cognitivo e raciocínio motivadodesempenham papéis perigosos. Espera-se que os cientistas sigamevidências, mesmo que elas contradigam suas crenças preexistentes; eainda assim, com mais frequência do que deveriam, eles questionam as

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evidências, não suas crenças. O resultado, como o físico Max Planckreconheceu,équeporvezes“umanovaverdadecientíficatriunfanãoporconvencer seus oponentes e fazê-los enxergar a luz, mas principalmenteporqueseusoponenteseventualmentemorrem”.15

OQUEÉRELEVANTE?

Avaliadasemconjunto,asevidênciasdeexperimentospsicológicosdeixamclaro que hámuitos fatores potencialmente relevantes que afetam nossocomportamento de maneiras muito reais e tangíveis, mas que operamsobretudo fora do alcance de nossa consciência. Infelizmente, psicólogosidentificaram tantos desses efeitos — o condicionamento, oenquadramento, a ancoragem, a disponibilidade, o raciocíniomotivado, aaversão à perda, e assim por diante — que é difícil ver como todos seagrupam. Por definição, os experimentos enfatizam um fatorpotencialmente relevante por vez, para isolar seus efeitos. Na vida real,entretanto,muitos fatores podem estar presentes em graus variados, emqualquer situação; assim, é essencial compreender como eles interagemunscomosoutros.Podeserverdadeiro,emoutraspalavras,quesegurarumacanetaverdefazvocêpensaremGatorade,queouvirmúsicasalemãsnospredispõeaoptarporvinhosalemãesouquepensarnoseunúmerodesegurançasocialafetaovalorquevocêvaiofereceremumleilão.Masoquevocêvaicomprarequantovaipagarporissoquandoestáexpostoamuitasinfluênciasinconscientes,talvezconflituosas,deumavezsó?Simplesmente não é claro; além disso, a profusão de pressupostos

psicológicosinconscientesnãoéoúnicoproblema.Voltandoaoexemplodosorvete citado há pouco, apesar de ser verdade que eu gosto de sorvetecomoregrageral,possogostarmenosoumaisemdeterminadopontodavida; issopodevariarconsideravelmente,dependendodahoradodia,doclima, da fome que estou sentindo e da minha expectativa quanto àqualidade do sorvete que vou tomar. Ainda por cima,minha decisão não

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dependeunicamentedequantoeugostodesorvete,oumesmodarelaçãoentrequantogostodissoequantoissocusta.Dependetambémdeeusaberounãoa localizaçãodasorveteriamaispróxima,se jácompreisorvete láantes,seestoucompressa,quemestácomigoeoqueessapessoaquer,seprecisoounãoiraobancosacardinheiro,ondeéobancomaispróximo,seacabeiounãodevermaisalguémtomandosorvete,ouseapenasouviumamúsicaquemelembroudeummomentoagradávelemqueeutomavaumsorvete,eassimpordiante.Mesmonassituaçõesmais simples, a listadefatores que podem semostrar relevantes pode sermuito,muito longa. Ecomtantos fatoresquenospreocupam,mesmosituaçõesmuitosimilarespodemdiferir demaneiras sutis que acabam sendo importantes. Quandotentamos entender — ou, ainda melhor, prever — decisões individuais,como podemos saber quais desses muitos fatores são aqueles a quedevemosprestaratençãoequaispodemtranquilamenteserignorados?Ahabilidadeparasaberoqueérelevanteemumasituaçãoespecíficaé,

semdúvida,umaprovadoconhecimentodosensocomumquediscutinocapítuloanterior.Naprática, raramentepercebemosquea facilidadecomque tomamos decisões disfarça qualquer tipo de complexidade. Como ofilósofoDanielDennett aponta, quando ele acordanomeiodanoiteparaprepararum lanche, sóprecisa saberque tempão, presunto,maionese ecervejanageladeira,eorestomeioqueacabafuncionandosozinho.Éclaroqueelesabe tambémque “amaionesenãodissolvea facacomocontato,queumpedaçodepãoémenorqueomonteEverest,queabriraportadageladeiranãocausaráumholocaustonuclearnacozinha”etalveztrilhõesde outros fatos irrelevantes e relações lógicas.Mas de alguma forma eleconsegue ignorar todas essas coisas, semnem aomenos se dar conta doqueestáignorando,econcentra-senoqueimporta.16Porém,comoargumentaDennett,háumagrandediferençaentresabero

queérelevantenapráticaeconseguirexplicarcomoéquesabemos.Paracomeçar,parececlaroqueoqueérelevanteemumasituaçãosãoapenasascaracterísticasqueeladividecomsituaçõescomparáveis—porexemplo,sabemosqueopreçodealgumprodutoé relevanteparaumadecisãonahoradecomprarporqueopreçoéalgoquegeralmenteimportaquandoas

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pessoas compram algo. Mas como sabemos quais situações sãocomparáveis àquelas que vivenciamos no momento? Bem, isso tambémparece claro: situações comparáveis são aquelas que compartilham asmesmascaracterísticas.Todasasdecisõesde“compra”sãocomparáveisnosentido de que elas envolvem uma pessoa contemplando um número deopções, como preço, qualidade, disponibilidade, entre outros. Mas aíencontramosoproblema.Determinarquais características são relevantesem uma situação requer que a associemos com algum conjunto desituações comparáveis. Porém, determinar quais situações sãocomparáveisdependedesabermosquaiscaracterísticassãorelevantes.Essa circularidade inerente demonstra aquilo que os filósofos e

cientistas cognitivos chamam de frame problem, problema deenquadramento, e eles estão batendo cabeça por causa desse assunto hádécadas. O problema de enquadramento foi notado pela primeira vez noâmbito da inteligência artificial, quando pesquisadores começaram aprogramarcomputadoreserobôsparadesempenhartarefasrelativamentesimplesdocotidiano,como,porexemplo,limparumasala.Aprincípioelesimaginaramquenãopodiasertãodifícillistartudooqueerarelevanteemuma situação como essa. Afinal, as pessoas conseguem limpar suas salastododia semnemaomenos pensarmuito sobre a tarefa. Será que é tãodifícil ensinar isso a um robô? Muito difícil, sem dúvida, como elesdescobriram. Conforme discuti no último capítulo, mesmo a atividaderelativamente objetiva de usar o metrô exige uma quantidadesurpreendente de conhecimento sobre o mundo — não apenas sobreportasdevagões eplataformas,mas tambémsobremanterdistânciadasoutraspessoas,evitarcontatovisualesairdocaminhodosapressadinhos.Pesquisadoresdeinteligênciaartificiallogodescobriramquepraticamentetoda tarefacotidianaédifícilessencialmentepelamesmarazão:a listadefatos e regras com potencial relevância é dolorosamente longa. Tambémnãoajudamuitosaberqueamaiorpartedessalistapodeserseguramenteignoradanamaiorpartedotempo—porqueemgeraléimpossívelsaberdeantemãoquaisitenspodemserignoradosequaisnãopodem.Então,na

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prática os pesquisadores descobriram que precisavam reprogramar suascriaçõesparaqueelaspudessemrealizarmesmoastarefasmaistriviais.17Aintratabilidadedoproblemadeenquadramentoefetivamenteafundou

oobjetivooriginalda inteligênciaartificial,queerareplicara inteligênciahumanamaisoumenoscomonósavivenciamos.Mashouveumladobomnessaderrota.Comoospesquisadoresdeinteligênciaartificialtiveramqueprogramar todos os fatos, regras e processos de aprendizagem em suascriações partindo do zero, e como suas criações não conseguiram secomportarcomooesperadodemaneirasóbviaseporvezescatastróficas—comodespencardeumpenhascoou tentaratravessarparedes—,eraimpossívelignoraroproblemadoenquadramento.Assim,emvezdetentarsolucionar o problema, os pesquisadores optaram por uma alternativainteiramentediferente—enfatizarmodelos estatísticosdedadosemvezdeprocessosdepensamento.Essaabordagem,quehojeemdiaéchamadademachine learning, aprendizagem demáquina, émuitomenos intuitivaqueaabordagemcognitivaoriginal,masprovousermuitomaisprodutiva,resultandoemtodotipodedescobertaimpressionante,desdeahabilidadequase mágica de mecanismos de busca que completam suas pesquisasenquantovocêasdigitaatéaconstruçãodecarros-robôsautônomos,eatémesmoumcomputadorquesabejogarJeopardy!.18

NÃOPENSAMOSCOMOPENSAMOSQUEPENSAMOS

O problema do enquadramento, entretanto, não é apenas um problemaparaainteligênciaartificial—étambémumproblemaparaainteligênciahumana.ComoopsicólogoDanielGilbertdescreveemOquenosfazfelizes,quando imaginamos a nós mesmos ou outra pessoa em determinadasituação,nossocérebronãogeraumalongalistadeperguntassobretodosospossíveisdetalhesquepodemserrelevantes.Emvezdisso,assimcomoumassistenteespertopodeusarfilmesparacompletarumaapresentaçãoentediante de PowerPoint, nossa “simulação mental” do evento ou do

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indivíduo em questão simplesmente solidifica nosso extenso banco dememórias, imagens, experiências, normas culturais e resultadosimaginados, e insere com perfeição quaisquer detalhes necessários paracompletar o quadro. Pessoas que respondem a questionários assim quesaem de restaurantes, por exemplo, prontamente descrevem o uniformedos garçons, mesmo se tiverem sido atendidas exclusivamente pormulheres.Quandoperguntamaestudantesqualéacordoquadro-negro,elesgeralmenterespondemqueéverde—acormaiscomum—,mesmoque no caso seja azul. De forma geral, as pessoas sistematicamenteexageram tanto a dor que vão vivenciar como consequência de perdasantecipadaseaalegriaprovenientedeganhosprevistos.Equandorecebemsugestões de pretendentes, em sites de namoro on-line, os entrevistadosdemonstram gostar mais do perfil daqueles de quem receberam menosinformações. Em todos esses casos, uma pessoa cuidadosa deveria dizerquenãopoderesponderàperguntacommaisprecisãosenãorecebermaisinformações. Mas como o processo de “preenchimento” aconteceinstantaneamente e sem esforço, em geral não notamos que ele estáacontecendo;assim,nãonosocorrequealgumacoisaestáfaltando.19O problema do enquadramento deveria nos alertar de que quando

fazemosisso,estamospropensosacometererros.Ecometemosmesmo,otempo todo. Mas diferentemente das criações dos pesquisadores deinteligênciaartificial,ossereshumanosnãonossurpreendemdeformaquenosobrigamareescrevertodoonossomodelomentaldecomopensamos.Em vez disso, assim como o leitor imaginário de Paul Lazarsfeld emAmerican Soldier julgou cada resultado e seu oposto igualmente óbvios,uma vez que sabemos o resultado podemos quase sempre identificaraspectos anteriormente ignorados da situação que agora parecemrelevantes. Talvez esperássemos ser felizes depois de ganhar na loteria,masacabamos ficandodeprimidos—obviamente,umamáprevisão.Masquando percebemos nosso erro, temos também novas informações,digamos,osparentesquederepenteaparecemquerendoajudafinanceira.Então, pensamos que se tivéssemos essa informação antes, teríamosprevisto nosso futuro estado de felicidade corretamente, e talvez nunca

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tivéssemos comprado o bilhete de loteria. Em vez de questionar nossahabilidadede fazerprevisões sobrenossa felicidade futura,portanto,nóssimplesmenteconcluímosquedeixamosalgumacoisa importanteescapar—umerroquecertamentenãocometeremosdenovo.Masmesmoassimcometemos,sim,omesmoerrodenovo.Naverdade,nãoimportaquantasvezes fracassamos ao prever o comportamento de alguém corretamente,sempre podemos justificar nossos erros a partir de coisas que nãosabíamos naquele momento. Dessa maneira, conseguimos varrer oproblema do enquadramento para debaixo do tapete — sempreconvencendo-nos de que dessa vez vamos acertar, sem nuncadescobrirmosoqueéqueestamosfazendodeerrado.Emnenhumaoutraáreaissoémaisevidenteemaisdifícildeexpurgar

doquenarelaçãoentreganhoseincentivosfinanceiros.Pareceóbvio,porexemplo, que o desempenho dos funcionários possa ser melhorado comincentivos financeiros, e há algumas décadas os esquemas de pagamentobaseados em desempenho proliferaram no mercado de trabalho, maisnotadamenteemtermosdecompensaçãoexecutivabaseadanopreçodasações.20 É óbvio também que os trabalhadores se importam com outrasquestões além do dinheiro — fatores como prazer intrínseco,reconhecimento e a sensaçãode crescimentona carreira tambémpodemafetarodesempenho.Mesmocom todosesses fatores, entretanto,pareceóbvioquealguémpodemelhorarsuaatuaçãonotrabalhocomaaplicaçãocorreta de recompensas financeiras. Ainda assim, a verdadeira relaçãoentre pagamento e desempenho revela-se surpreendentementecomplicada, como um grande número de estudos mostrou ao longo dosanos.Recentemente,porexemplo,meucolegadaYahoo!WinterMasoneeu

desenvolvemos um conjunto de experiências na internet em que osparticipantes recebiam quantias diferentes para desempenhar umavariedadedetarefassimpleserepetitivas,comoorganizarumconjuntodefotografias do trânsito na sequência correta ou solucionar problemas decaça-palavras.TodososnossosparticipantesforamrecrutadosemumsitechamadoAmazon’sMechanicalTurk, lançadopelaAmazonem2005para

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identificar produtos duplicados em seu inventário. Hoje em dia, oMechanical Turk é utilizado por centenas de empresas que buscam ummodelo de crowd-source para desempenhar uma ampla gama de tarefas,desde rotular objetos em uma imagem até caracterizar sentimentosevocados por uma reportagem no jornal ou decidir qual entre duasexplicações é a mais clara. Entretanto, essa é também uma maneiraextremamente eficiente de recrutar participantes para experimentospsicológicos—maisoumenoscomoospsicólogosvêmfazendoháanosaoespalharcartazespeloscampideuniversidades—,comadiferençadequeos trabalhadores (ou, no caso, turkers) geralmente recebem algunscentavos a cada tarefa, então a pesquisa pode ser feita custando umapequenafraçãodoqueantescustaria.21No total, nossos experimentos envolveram centenas de participantes,

que completaram dezenas de milhares de tarefas. Em alguns casos elesreceberamapenas1centavoportarefa—porexemplo,paraclassificarumúnico conjuntode imagensouencontrarumaúnicapalavra—, enquantoemoutroscasosrecebiam5ouatémesmo10centavosparafazeramesmacoisa. Um valor multiplicado por dez faz uma grande diferença nopagamento—paraefeitodecomparação,ahoradetrabalhopadrãodeumengenheirodecomputaçãonosEstadosUnidoséapenasseisvezesovalordo saláriomínimonacional—, então era de esperar que isso tivesse umefeitobastantegrandesobreocomportamentodaspessoas.Oque,defato,aconteceu. Quanto mais pagávamos às pessoas, mais tarefas elascompletavam antes de abandonar o experimento. Descobrimos tambémquequalquerquesejaa remuneração,quemrecebesse tarefas “fáceis”—como separar dois grupos de imagens — completava mais tarefas quequemrecebesse tarefasmaisdifíceis (trêsouquatro imagensporgrupo).Em outras palavras, tudo isso é consistente com o senso comum.Mas aívemasurpresa:apesardessasdiferenças,descobrimosqueaqualidadedotrabalho—ou seja, aprecisão comque separaramas imagens—não sealterara em nada com a diferença de remuneração, mesmo tendo sidopagosapenaspelastarefasquefizeramcorretamente.22

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Oquepoderiaexplicaresse resultado?Nãoé totalmente claro;porém,depoisqueosparticipantesterminaramseutrabalhonósfizemosalgumasperguntasaeles,incluindoquantoachavamquedeveriamterrecebidopeloque haviam acabado de fazer. Curiosamente, suas respostas dependerammenos da dificuldade da tarefa do que de quanto haviam recebido. Deforma geral, os participantes que receberam um centavo por tarefaachavam que deveriam ter recebido cinco centavos; participantes quereceberam cinco centavos achavam que deveriam ter recebido oitocentavos; e participantes que receberam dez centavos achavam quedeveriam ter recebido treze centavos.Emoutraspalavras, não importaovalor que eles efetivamente receberam — e é importante ressaltar quealguns deles recebiam valores dez vezes maiores que outros —, todospensavam que haviam recebido menos do que deveriam. O que essadescobertanossugereéquemesmoemtarefasmuitosimplesamotivaçãoextra para realizá-las, que intuitivamente esperávamos conseguirdespertarcomincentivos financeirosmaiores,éminadaporseusensodemerecimento.Édifíciltestaressesefeitosforadolaboratório,porqueostrabalhadores

na maioria dos ambientes reais têm expectativas a respeito do quedeveriam receber que são difíceis de manipular. Mas considerem, porexemplo,quenosEstadosUnidosasmulheresrecebem,emgeral,valoresque correspondem a apenas 90% daquilo que os homens ganhamdesempenhando exatamente as mesmas funções, ou que diretoresexecutivos de empresas europeias têm salários consideravelmentemenores que seus colegas americanos.23 Em qualquer um desses casos,será que poderíamos argumentar que trabalhadores que ganhammenostambém trabalham menos ou fazem um trabalho pior que o grupo queganha mais? Ou então imagine que no próximo ano seu chefeinesperadamentedobreseusalário—seráquevocêrealmentetrabalhariamais? Ou imagine um universo paralelo em que banqueiros recebessemmetadedovalorquerecebememnossomundo.Algunsdeles,semdúvida,poderiamescolheroutrasprofissões,maseessesquepermanecessemnosbancos, será que realmente trabalhariam menos ou fariam um trabalho

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pior? O resultado de nossa experiência sugere que não. Mas se issoacontecesse, teríamos que nos perguntar qual a influência osempregadores podem ter sobre o desempenho de seus funcionáriossimplesmentealterandoosincentivosfinanceiros.Na verdade, um grande número de estudos mostrou que incentivos

financeiros podem, sim, prejudicar o desempenho. Quando uma tarefa émultifacetadaoudifícildeavaliar,porexemplo,ostrabalhadorestendemaseconcentrarapenasnosaspectosdeseustrabalhosquesãoefetivamenteavaliados, ignorando outros aspectos importantes — como professoresenfatizando a matéria que será cobrada em provas padronizadas emdetrimento da aprendizagem global. Recompensas financeiras podemtambémgerarumefeitode“engasgamento”,quandoapressãopsicológicadarecompensaanulaodesejocrescentederealizarastarefas.Finalmente,emambientesemquecontribuiçõesindividuaissãodifíceisdeseparardasrealizações em equipe, incentivos financeiros podem encorajar ostrabalhadoresaandarnasombradosesforçosdoscolegas,ou impedi-losdeassumirriscos,impedindo,dessaforma,inovações.Aconclusãotiradaapartirde todosesses resultadosconfusosemuitasvezescontraditórioséque embora praticamente todos concordem que de alguma maneira aspessoasrespondemaincentivosfinanceiros,nãoestáclarocomousá-losnapráticaparaseobteroresultadodesejado.Algunsestudiososdegestãoatémesmochegaramàconclusão,apósdécadasdeestudos,dequeincentivosfinanceirossãototalmenteirrelevantesparaodesempenho.24No entanto, não importa quantas vezes essa lição seja apontada,

gestores, economistas e políticos continuam a agir como se pudessemdirigir o comportamento humano pormeio de incentivos. Como Levitt eDubnerescreveram,“otípicoeconomistaacreditaqueomundoaindanãoinventouumproblemaquenãopossa ser resolvido se lhedeixaremcomumadasmãoslivreparaprojetaroesquemadeincentivosapropriado...Umincentivoéumabala,umaalavanca,umachave:umobjetomuitopequenocom um poder impressionante de transformar uma situação”.25 Bem,talvez,mas issonãosignificaqueos incentivosquecriamosvãotrazerasmudançasquepretendemos.Aliás,umdosexemplosdeLevitteDubner—

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dosprofessoresdeensinomédioadulterandooresultadodasprovas—foiumatentativadelegisladoresdemelhoraroensinopormeiodeincentivosbaseadosemdesempenhosexplícitos.Aideiadeuerrado,produzindotodotipo de fraude, como “ensinar para a prova”, e concentrando-seexclusivamente em estudantes marginais para os quais uma pequenamelhorapoderiagerarumanotaadicional,suficienteparasuaaprovação,oque deveria nos fazer repensar a viabilidade de projetar sistemas deincentivosparaprovocarocomportamentodesejado.26Eaindaassimosensocomumnãoédeixadodelado.Emvezdisso,uma

vez que percebemos que um esquema de incentivos específico nãofuncionou,concluímosapenasqueeramos incentivoserrados.Emoutraspalavras: quando sabem a resposta, os legisladores podem sempre sepersuadirdequetudodequeprecisaméplanejaroesquemadeincentivoscorreto—ignorando,éclaro,quefoiprecisamenteissoqueelespensavamfazer anteriormente. E não apenas os legisladores são suscetíveis a esselapso—todosnóssomos.Porexemplo,umanotíciarecentesobreoeternoproblemadospolíticosquenãoassumemsuasresponsabilidadesfiscaisdelongoprazoeraconcluídaalegremente:“Assimcomobanqueiros,políticosrespondem a incentivos.” A solução do artigo? “Alinhar os interesses dopaís com os dos governantes.” Tudo parece muito simples. Mas como opróprio artigo admite, o histórico de tentativas anteriores de “consertar”políticosforamfrustrantes.27Ouseja,assimcomoateoriadaescolharacional,osensocomuminsiste

emqueaspessoastêmrazõesparafazeroquefazem—eissopodeatéserverdade,masnãonecessariamentenospermiteprevernemoqueelasvãofazernemasrazõespara fazeremoque fazem.28Depoisqueo fizerem,éclaro, as razões vão parecer óbvias, e vamos concluir que se ao menossoubéssemos de algum fator em particular que se revelou importante,poderíamosterprevistooresultado.Depoisdoacontecimento,semprevaiparecer que o sistema de incentivos corretos poderia ter produzido oresultado desejado. Mas essa aparência de previsibilidade após o fato émuito enganadora, por duas razões. Primeiro porque o problema doenquadramentodizquejamaispodemossabertudoquepodeserrelevante

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para uma situação. E, segundo, porque grande parte dos estudospsicológicos demonstram quemuito daquilo que pode ser relevante estáalém do alcance da nossa consciência. Isso não quer dizer que os sereshumanos são completamente imprevisíveis. Comodiscutireimais adiante(no capítulo 8), o comportamento humano demonstra todo tipo deregularidadesquepodemserprevistas,geralmenteparafinsúteis.Masissotambémnãoquerdizerquenãodevemostentaridentificarosincentivosaqueos indivíduosrespondemquando tomamdecisões.Nomínimo,nossainclinaçãoaracionalizarocomportamentodosoutrosnosajudaemnossaconvivência—umobjetivovalorosoporsisó—epodetambémnosajudaraaprendercomnossoserros.Oqueissoquerdizer,entretanto,équenossaimpressionantehabilidadedeencontrarosentidodocomportamentoqueobservamos não implica uma habilidade correspondente de prevê-lo, oumesmo que as previsões que podemos fazer com segurança são aquelasbaseadas apenas na intuição e na experiência. Essa diferença entre darsentido ao comportamento e prevê-lo é responsável por muitos dosfracassos da lógica do senso comum. E se essa diferença apresentadificuldadespara lidar com comportamentos individuais, o problema ficaaindamaispronunciadoquandoselidacomocomportamentodegrupos.

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3ASABEDORIA(EALOUCURA)DASMULTIDÕES

Em 1519, pouco antes de morrer, o artista, cientista e inventor italianoLeonardo da Vinci fez os retoques finais do retrato de uma jovemflorentina,LisaGherardinidelGiocondo,cujomarido,umricocomerciantede seda, havia encomendado a pintura dezesseis anos antes, emcomemoraçãoaonascimentodofilhodocasal.Naépocaemqueoquadrofoi finalizado, Leonardo tinha ido morar na França, a convite do reiFranciscoI,queacabariacomprandoapintura;assim,aparentementenemasra.DelGiocondonemseumaridotiveramachancedeveraobradeDaVinci. O que é realmente uma pena, pois, quinhentos anos depois, essapintura fez com que o rosto dela se tornasse um dos mais famosos dahistória.O quadro, é claro, é aMonaLisa, e para aqueles que passaram a vida

inteira dentro de uma caverna, hoje está exposto atrás de uma caixa devidro à prova de balas e com temperatura controlada em uma paredeexclusiva nomuseu do Louvre, em Paris. Os agentes do Louvre estimamque cerca de 80% de seus 6milhões de visitantes anuais vão aomuseuprincipalmenteparaveressequadro.Oseguroatualéestimadoemquase700milhõesdedólares—muitosuperioraqualquerpinturajávendida—,masnãosesabeseépossívelatribuiralgumvalor,enormequeseja,aessapintura.Parece-mejustodizerqueaMonaLisaémaisdoqueumapintura,éummarcodaculturaocidental.Elafoimaiscopiada,parodiada,elogiada,zombada,cooptada,analisadaeespeculadadoquequalqueroutraobrade

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arte.Suaorigem,porséculosenvoltaemmistério,intrigoupesquisadores,eseu nome foi tomado emprestado para óperas, filmes, músicas, pessoas,navios...atémesmoporumacrateraemVênus.1Sabendode tudo isso,podemosperdoarovisitante ingênuodoLouvre

por experimentar uma sensação de, bem, desapontamento ao olhar apintura mais famosa do mundo. Para início de conversa, ela ésurpreendentementepequena.E,estandonaquelacaixaàprovadebalasesempre circundada por multidões de turistas batendo fotos, éirritantemente difícil vê-la. Então quando você, enfim, consegue seaproximar, estámesmo esperando algo especial— algo que o crítico dearteKennethClarkchamoude“oexemplosupremodeperfeição”,quefazaqueles que apreciam a obra “esquecerem todas as suas dúvidas naadmiraçãododomíniodaperfeição”.2Bem,comodizem,eunãosoucríticodearte.MasnaminhaprimeiravisitaaoLouvre,hámuitosanos,quandofinalmente tive minha chance de mergulhar no brilho do domínio daperfeição,nãopudedeixardemeperguntarsobreasoutrastrêsobrasdeDa Vinci pelas quais eu acabara de passar na sala anterior, e às quaisninguémpareciadispensarnenhumaatenção.OquepercebiéqueaMonaLisapareciaumfeitoincríveldotalentoartístico,porém,nãomuitomaiorque aquelas outras trêspinturas.Na verdade, se eu jánão soubessequalpinturaeraafamosa,duvidoquetivesseescolhidoessa,estandotodasladoa lado. Do mesmo modo, se ela estivesse em exposição como qualqueroutra obra de arte famosa no Louvre, tenho quase certeza de que nãopensariaqueéaescolhaóbviaparaoprêmiodeAPinturaMaisFamosa.Bem,KennethClarkpoderiamuitobemdizerparamimqueépor isso

queeleéocríticodearteenãoeu—quehátraçosdodomíniodetécnicaque são visíveis apenas para olhos treinados, e que neófitos como eudeveriamsimplesmenteaceitaroquenosédito.Ok,éjusto.Masseissoéverdade, você poderia esperar que a mesma perfeição que é óbvia paraClarkteriasidoóbviaparatodososoutrosespecialistasemarteao longoda história. E ainda assim, como o historiadorDonald Sassoon relata emsua brilhante biografia daMona Lisa, nada poderia estar mais distantedisso.3Porséculos,aMonaLisafoiumapinturarelativamenteobscuraque

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repousavanasresidênciasdereis—umaobradearte,éclaro,masapenasmaisumaentretantasoutras.MesmoquandofoitransferidaparaoLouvre,depoisdaRevoluçãoFrancesa,nãoatraíatantaatençãoquantoasobrasdeoutros artistas, como Esteban Murillo, Antonio da Correggio, PaoloVeronese,Jean-BaptisteGreuzeePierre-PaulPrud’hon,nomesque,emsuamaioria,sãopraticamentedesconhecidoshojeemdia,excetoemaulasdehistória da arte. E, pormais admirado que fosse, até ametade do séculoXIX,DaVincinãoeraconsideradoumartistaàalturadosentãoverdadeirosmestres da pintura, como Ticiano e Rafael, cujos trabalhos valiam quasedezvezesmaisqueaMonaLisa.Naverdade,foisomentenoséculoXXqueaMonaLisacomeçousuameteóricaascensãoàmarcaglobal.Emesmoentãoissonãofoioresultadodecríticosdeartesubitamenteapreciandoogênioque viveu entre eles por tanto tempo, nem devido aos esforços decuradoresdemuseus,socialites,mecenasendinheirados,políticosoureis.Nadadisso:tudocomeçoucomumroubo.No dia 21 de agosto de 1911, um funcionário descontente do Louvre

chamado Vincenzo Peruggia se escondeu em um almoxarifado até ofechamentodomuseu,quandoentãosaiucomaMonaLisaescondidasobocasaco.Italianoorgulhoso,PeruggiaaparentementeacreditavaqueaMonaLisa deveria ser expostana Itália, nãonaFrança, e estavadeterminado arepatriar elemesmo o tesouro havia tanto tempo perdido. Porém, comomuitos ladrões, Peruggia descobriu que eramuitomais fácil roubar umaobra de arte do que se livrar dela. Depois de escondê-la em seuapartamentopordoisanos,elefoipresoenquantotentavavendê-laparaaGaleria Uffizi, em Florença. Mas, apesar de ter falhado em sua missão,Peruggia teve êxito em catapultar aMonaLisa a uma nova categoria defama.Opúblicofrancêsfoicativadopeloladrãoaudaciosoeeletrizadopelainesperadarecuperaçãodoquadro.Ositalianostambémficaramextasiadoscom o patriotismo do conterrâneo, e trataram Peruggia mais como umheróidoquecomoumcriminoso—antesdeaMonaLisa retornar a seudonofrancês,elafoiexpostaportodaaItália.Apartirdessemomento,aMonaLisajamaisretornariaaoanonimato.A

pintura foi objeto de atividade criminosa mais duas vezes — primeiro,

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quandoumvândalo jogou ácido sobre a tela, e depois quandoum jovemboliviano,UgoUngazaVillegas, atirou-lhe umapedra.Mas acimade tudoela se tornou referência para outros artistas — mais notadamente em1919,quandoodadaístaMarcelDuchampparodiouapinturae fezgraçacomseucriadoraoacrescentarumbigode,umcavanhaqueeumainscriçãoobscenaaumareproduçãocomercialdaobra.SalvadorDalíeAndyWarholtambémproduziramsuasinterpretações,assimcomomuitosoutros—emresumo, ela foi copiada centenas de vezes e usada em milhares depropagandas. Como observa Sassoon, todas essas diferentes pessoas —ladrões, vândalos, artistas e publicitários, sem contar os músicos, osdiretores de cinema e até mesmo a Nasa (lembram-se da cratera emVênus?)—estavamusandoaMonaLisaparaseusprópriosobjetivos:paradefender um ponto de vista, para aumentar a própria fama ousimplesmenteparausarumamarcaquesentiramquesignificariaalgumacoisa para outras pessoas. Mas todas as vezes que usaram aMona Lisa,houve um uso em retorno, insinuando-se mais profundamente para afábrica da cultura ocidental e a consciência de bilhões de pessoas. Éimpossível imaginar,hojeemdia,ahistóriadaarteocidentalsemaMonaLisa,e,nessesentido,elaérealmenteamaiorentretodasasobrasdearte.Mas também é impossível atribuir seu status incomparável a algo dapinturaemsi.Esse último ponto apresenta um problema, porque quando tentamos

explicar o sucesso daMonaLisa, é precisamente em suas característicasque focamos nossa atenção. Se você é Kenneth Clark, não precisa sabernadasobreascircunstânciasemqueMonaLisaascendeuàfamaparasaberporqueissoaconteceu—tudooqueprecisasaberestábemdiantedoseunariz.Parasimplificarumpouco,aMonaLisa éapinturamais famosadomundoporqueela éamelhor, e, apesarde terdemoradoumpoucoparapercebermos isso, inevitavelmente acabaríamospercebendo. E é por issoque tantaspessoas ficam intrigadasquandopõemosolhospelaprimeiravez sobre a Mona Lisa. Elas estão esperando que essas qualidadesintrínsecassejamaparentes,masnãosão.Éclaroquemuitosdenós,diantedesse momento de dissonância, simplesmente damos de ombros e

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imaginamosquealguémmaisinteligentequenósviucoisasquenãovimos.EcomoSassoon,hábil,poréminexoravelmente,afirma,quaisqueratributosque os críticos citem como evidência — a nova técnica de pintura queLeonardo empregou para uma finalização tão transparente, o sorrisoenigmático, atémesmo a fama do próprio Da Vinci—, sempre podemosencontrarváriasoutrasobrasdeartequepodemparecertãoboasouatémelhores.Éclaroquesempresepodesolucionaresseproblemaobservandoque

nãoénenhumdessesatributosquetornaaMonaLisa tãoespecial,masacombinaçãodetodosessesatributos—osorrisoeousodaluzeocenáriofantásticoetc.Naverdadenãoépossívelrebateresseargumento,porqueaMonaLisarealmenteéumobjetoinigualável.Nãoimportaquantosretratosoupinturassimilaresumcéticoimpertinentepossarecuperardoarmazémempoeirado da história, sempre podemos encontrar alguma diferençaentre essas obras e aquela que todos sabemos que é merecidamente acampeã. Entretanto, infelizmente esse argumento vence sob a pena dedestruir-se.Écomoseestivéssemosmedindoaqualidadedeumaobradearteemtermosdesuascaracterísticas,mas,naverdade,estamosfazendoooposto—decidindoprimeiroqualpinturaéamelhor,esóentãoinferindoa partir de suas características os pré-requisitos de qualidade. Comoconsequência, podemos invocar esses pré-requisitos para justificar oresultadoconhecidodeumamaneiraquepareçaracionaleobjetiva.Masoresultado é o raciocínio circular. Afirmamos que aMonaLisa é o quadromaisfamosonomundoporqueeletemascaracterísticasX,YeZ.Mas,naverdade,oqueestamosdizendoéqueaMonaLisaéfamosaporqueémaisparecidacomaMonaLisaquequalqueroutroquadro.

RACIOCÍNIOCIRCULAR

Nem todos apreciam essa conclusão. Quando certa vez apresentei oargumento para uma professora de literatura inglesa em uma festa, ela

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quasegritou: “Vocêestá sugerindoqueShakespearepode ser apenasumacasodahistória?”Bem,parafalaraverdade,eraexatamente issoqueeuestavasugerindo.Nãomelevemamal:gostodeShakespearetantoquantoqualquer pessoa normal gosta. Mas também sei que não adquiri minhaapreciação num vácuo. Como praticamente todos no mundo ocidental,passeimeusanosdeensinomédioestudandosuaspeçaseseussonetos.Etalvez comomuitos outros, paramimnão foi óbvio de imediato de ondevinhatodaaempolgação.TentelerSonhodeumanoitedeverãoeesquecerporummomentoquevocêsabequeéaobradeumgênio.NopontoemqueTitânia estábajulandoumhomemcoma cabeçadeumburro, vocêpodecomeçar a se perguntar que diabos Shakespeare estava pensando. Masestou divagando. A questão é que não importa o que meu cérebro deestudante pensou sobre o que estava lendo, eu estava determinado aapreciarogênioquemeusprofessoresgarantiamqueeleera.Eseeunãooapreciasse, seria por minha culpa, não por Shakespeare — porqueShakespeare,aexemplodeDaVinci,éaprópriadefiniçãodegênio.ComoaMonaLisa,esseresultadopodeserperfeitamentejustificado.Noentanto,aquestãocontinuasendoquea localizaçãoda fontedesuagenialidadenascaracterísticasdeseutrabalhoinvariavelmentenoscolocaemumcírculo:ShakespeareéumgênioporqueeleseparecemaiscomShakespearequequalqueroutroautor.Apesarde isso raramente serapresentadodessamaneira, esse tipode

raciocíniocircular—XtevesucessoporqueXtemascaracterísticasdeX—impregnaasexplicaçõesdosensocomumdeporquealgumascoisasfazemsucessoeoutrasnão.Porexemplo,umartigosobreosucessodoslivrosdasérie Harry Potter explicava-o da seguinte maneira: “Uma trama deCinderelapassadanumtiponovelescodeinternatocheiodealegresalunosjáéinteressanteporsisó.Acrescentealgunsestereótiposóbviosilustrandoa maldade, a gula, a inveja ou o mal absoluto para aumentar a tensão,completecomumaafirmaçãomoralsonoraeinquestionávelsobreovalorda coragem, da amizade e do poder do amor, e você já tem alguns doselementosnecessáriosparaumafórmulaàprovadefracassos.”Emoutras

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palavras,HarryPotter é um sucesso porque tem exatamente as mesmascaracterísticasdeHarryPotter,enãodequalqueroutracoisa.Da mesma maneira, quando o Facebook começou a virar febre, a

sabedoria popular afirmou que seu sucesso se devia unicamente aestudantes universitários. Ainda assim, em 2009, muito tempo após oFacebooktersidoabertoparatodos,aNielsen,umaempresadepesquisas,atribuiuseusucessoaoamploapelo,somadoaseu“designsimples”eseu“foco na conexão”. O Facebook, em outras palavras, teve sucesso porquetem exatamente os mesmos atributos do Facebook, embora os própriosatributos do Facebook tenham mudado completamente. Ou consideremuma reportagem de retrospectiva dos filmes lançados em 2009 queconcluía,apartirdosucessodeSebeber,nãocase,que“comédiasfáceisdenosidentificarmosequenãopropõemreflexãosãoobálsamoperfeitoparaarecessão”,oquecomefeitoquerdizerqueSebeber,nãocasetevesucessoporquepessoasquevãoaocinemaqueriamverfilmescomoSebeber,nãocase,enãoalgodiferentedisso.Emtodosessescasos,queremosacreditarque X teve sucesso porque tinha as características certas, mas as únicascaracterísticasqueconhecemossãoascaracterísticasqueXpossui;assim,concluímos que essas características devem ter sido responsáveis pelosucessodeX.4Mesmo quando não estamos explicando o sucesso de algo ainda

utilizamos o raciocínio circular para compreender por que certas coisasacontecem. Por exemplo, em outra notícia recente, sobre uma aparentemudança no comportamento dos consumidores após a recessão, umaespecialista explicava a transformação com a útil observação de que “ésimplesmentemenosdivertidoparardiantedeumsinal fechadoemumaHummer agora. É uma mudança nas normas”. As pessoas fazem X, emoutras palavras, porque X é a norma, e é normal seguir as normas. Ok,ótimo, mas como sabemos que alguma coisa é uma norma? Sabemosporqueaspessoasaestãoseguindo.E issonãoéumexemplo isolado.Sevocêcomeçaraprestaratenção,éimpressionantepercebercomoàsvezesexplicações contêm essa circularidade. Seja as mulheres podendo votar,gays ou lésbicas podendo se casar ou um negro sendo eleito presidente,

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rotineiramenteexplicamostendênciassociaisemtermosdaquiloparaquea sociedade “está preparada”. Mas a única maneira de sabermos que asociedade está pronta para alguma coisa é ver essa coisa acontecendo.Dessaforma,comefeito,todosestamosdizendoque“Xaconteceuporqueéoqueaspessoasquerem;esabemosqueXéoqueelasqueremporqueXéoqueaconteceu”.5

OPROBLEMAMICRO-MACRO

A evidente circularidade nas explicações do senso comum é importantepara nossa análise porque deriva do que é discutivelmente o problemaintelectual central da sociologia— aquilo que os sociólogos chamam deproblemamicro-macro. Em resumo, os fatos queos sociólogosprocuramexplicarsãointrinsecamentedenatureza“macro”,oquesignificaqueelesenvolvemumgrandenúmerodepessoas.Pinturas,livrosecelebridadessópodem ser populares ou impopulares desde que um grande número depessoas se importe com eles. Empresas, mercados, governos e outrasformasdeorganizaçãopolíticaeeconômicaexigemqueumgrandenúmerode pessoas sustente suas regras para que algo efetivamente aconteça. Einstituições culturais como casamentos, normas sociais, e até mesmoprincípios legais, só têm relevância se um grande número de pessoasacreditaquetenham.Entretanto,aomesmotempoénecessárioquetodosessesfatossejamdealgumaformadirigidospelasaçõesdecaráter“micro”de seres humanos, que estão fazendo os tipos de escolha que discuti nocapítuloanterior.Entãocomopartimosdasmicroescolhasdeindivíduosechegamos ao macrofenômeno do mundo social? Ou seja: de onde vêmfamílias, empresas,mercados, culturase sociedades, eporqueexibemascaracterísticas específicas que lhes são particulares? Esse é o problemamicro-macro.Na verdade, problemas semelhantes ao micro-macro surgem em

qualqueráreadaciência,porvezessoborótulode“emergência”.Comoé

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possível, por exemplo, que uma coleção de átomos se junte e de algummodo forme uma molécula? Como é possível que uma coleção deaminoácidoseoutroscompostosquímicossejunteedealgummodoformeumacélulaviva?Comoépossívelqueumacoleçãodecélulasvivassejuntee de algum modo forme órgãos complexos como o cérebro? E como épossívelqueumacoleçãodeórgãossejunteedealgummodoformeumsersensível que questiona seu eterno eu? Vista desse ângulo, a sociologia éapenaso topodapirâmidede complexidadesque começa compartículassubatômicaseterminacomasociedadeglobal.Eacadaníveldapirâmidetemosessencialmenteomesmoproblema—apartidadeuma“escala”darealidadeemdireçãoàseguinte.Historicamente, a ciência vem fazendo o que pode para evitar essa

questão, optandopor umadivisão de trabalho emescalas. A física, dessaforma, é seu próprio objeto com seu próprio conjunto de fatos, leis eregularidades, enquantoaquímica éumobjeto completamentediferente,comumconjuntodefatos,leiseregularidadescompletamentediferente,ea química é seu próprio objeto etc. Em alguma instância as leis que seaplicamadiferentesescalasdevemserconsistentes—nãosepodeterumalei química que viole as leis da física—,mas geralmente não é possívelderivar as leis que se aplicam em uma escala daquelas que governam aescala abaixo. Saber tudo sobre o comportamento dos neurôniosseparadamente,porexemplo,seriadepoucaajudaparaoentendimentodapsicologia humana, assim como o conhecimento completo da física departículasseriadepoucautilidadeparaexplicaraquímicadassinapses.6Cadavezmais,porém,asquestõesqueoscientistaspensamserasmais

interessantes — desde a revolução do genoma até a preservação deecossistemas ou as falhas em cascata em redes de energia — forçam aconsiderar mais de uma escala por vez, e assim fazem-nos confrontar oproblema da emergência. Cada gene interage com outro em uma cadeiacomplexa de ativação e supressão para expressar traços fenotípicos quenão são reduzíveis a propriedades de nenhum gene em particular. Cadaplantaecadaanimalinterageumcomooutrodeformascomplexas,porviaderelaçõesentrecaçaecaçador,simbiose,competiçãoecooperação,para

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produzir propriedades no nível de ecossistema que não podem serentendidas em termos de uma espécie em particular. E geradores deenergiaesubestaçõesinteragemunscomosoutrospormeiodecabosdetransmissão de alta voltagem para produzir uma dinâmica no nível desistema que não pode ser compreendida em termos de nenhumcomponenteemparticular.Os sistemas sociais também estão repletos de interações — entre

indivíduos, entre indivíduos e empresas, entre uma empresa e outraempresa, entre indivíduos, empresas e mercados, e entre todos e ogoverno. Indivíduos são influenciados pelo que outras pessoas estãofazendo, dizendo ou vestindo. Empresas são afetadas pelo que cadaconsumidorqueretambémpeloqueseusconcorrentesestãoproduzindo,ou o que seus credores exigem delas. Mercados são afetados porregulamentações do governo, bem como por ações de empresas emparticular, e às vezes até mesmo por indivíduos (lembre-se de WarrenBuffett ou de Ben Bernanke). E governos são afetados por todo tipo deinfluência,desde lobistasatépesquisasdeopiniãoou índicesdecotaçõesde ações. Nos tipos de sistema que os sociólogos estudam, as interaçõesvêmemtantasformasecarregamtantasconsequênciasquenossaversãode emergência— o problemamicro-macro— é talvez mais complexa eintratávelqueemqualqueroutraárea.O senso comum, entretanto, temum talentomemorávelparadisfarçar

essa complexidade. A emergência, tenha isso emmente, é um problemadifícil justamente porque o comportamento do todo não pode serrelacionado com facilidade ao comportamento de suas partes, e nasciências naturais nós implicitamente reconhecemos essa dificuldade. Porexemplo, não falamos do genoma como se ele se comportasse como umúnicogene,nemfalamosdecérebroscomoseelessecomportassemcomoneurônios isoladamente, ou mesmo de ecossistemas como criaturasespecíficas. Isso seria ridículo. Mas no que diz respeito aos fenômenossociais, nós falamos, sim, de “agentes sociais” como famílias, empresas,mercados, partidos políticos, segmentos demográficos e Estados-naçõescomoseelesagissemmaisoumenosdamesmamaneiraqueosindivíduos

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que os compõem. Isto é, famílias “decidem” para onde viajar nas férias,empresas “escolhem” uma estratégia de negócios e partidos políticos“seguem” agendas legislativas. Da mesma forma, publicitários tentamatingir seu “público-alvo”, agentes deWall Street analisam o sentimento“domercado”, políticos falam sobre “a vontade do povo” e historiadoresdescrevemumarevoluçãocomo“umasociedadefebril”.É claro que todos compreendem que corporações e partidos políticos,

atémesmofamílias,nãotêmliteralmentesentimentos,nãoformamcrençasnemimaginamofuturodamesmaformaqueindivíduosofazem.Tambémnão estão sujeitos às mesmas peculiaridades psicológicas e aospreconceitosdiscutidosnocapítuloanterior.Emalgumnível,sabemosqueo “comportamento” dos agentes sociais é realmente uma abreviaçãoconveniente para o comportamento agregado de um grande número deindivíduos. Contudo, é tão natural falar dessa maneira que a abreviaçãotornou-se indispensável para nossa habilidade de explicar as coisas.Imagine tentar recontar a história da Segunda GuerraMundial sem falarsobre a ação dos aliados ou dos nazistas. Imagine tentar compreender ainternet sem falar sobre o comportamento de grandes empresas como aMicrosoft ou o Yahoo! ou o Google. Ou imagine tentar analisar o debatesobrea reformada saúdepúblicanosEstadosUnidos sem falar sobreosinteressesdosdemocratasedosrepublicanos,oude“interessesespeciais”.Margaret Thatcher fez uma afirmação célebre: “Não existe isso desociedade. Existem homens e mulheres individuais, e existem famílias.”7MasserealmentetentássemosaplicaradoutrinadeThatcherparaexplicaromundo,nemsaberíamosporondecomeçar.Noâmbitodasciênciassociais,aposiçãofilosóficadeThatcherrecebeo

nomedeindividualismometodológico,segundoaqualsealguémconseguiuexplicar algum fenômeno social — a popularidade da Mona Lisa ou arelaçãoentretaxadejurosecrescimentoeconômico—exclusivamenteemtermosdepensamentos,açõeseintençõesdeindivíduos,essealguémnãoconseguiuexplicarnada.Explicaçõesqueatribuemmotivaçõespsicológicasindividuais para entidades agregadas, como empresas, mercados e

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governos, podem ser convenientes, mas não são, como o filósofo JohnWatkinsmostrou,explicações“dofundodopoço”.8Infelizmente, tentativas de fundamentar esse tipo de explicações do

fundodopoçoqueosindividualistasmetodológicosimaginaramchocaram-se com o problema micro-macro. Dessa forma, na prática os cientistassociais invocam o que chamam de agente representativo, um indivíduofictíciocujasdecisõesrepresentamocomportamentodocoletivo.Paradarapenas um exemplo, porém um exemplo importante, a economia écompostademuitascentenasdeempresasemilhõesdeindivíduos,todostomandodecisõessobreoquecomprar,oquevenderenoqueinvestir.Oresultado de todas essas atividades é o que os economistas chamam deciclo de negócios — com efeito, uma série temporal de atividadeseconômicas agregadas que parecem exibir altos e baixos periódicos.Compreenderadinâmicadociclodenegócioséumdosproblemascentraisda macroeconomia, principalmente porque afeta a maneira comolegisladoreslidamcomacontecimentoscomorecessões.Porém,osmodelosmatemáticosemqueoseconomistassebaseiamnãotentamemmomentoalgum representar a vasta complexidade da economia. Em vez disso,especificam uma única “empresa representativa” e perguntam-se como éque aquela empresa deveria alocar seus recursos racionalmente, dadasalgumas informações sobre o restante da economia. Grosso modo, aresposta daquela empresa é então interpretada como a resposta daeconomiadeformageral.9Ao ignorar as interações entre milhares ou milhões de agentes

individuais, o agente representativo simplifica enormemente a análise deciclos de negócios. Comefeito, ele toma comopremissa que enquanto oseconomistas tiverem um bom modelo de como os indivíduos secomportam, terão também um bom modelo sobre como a economiafunciona. Ao eliminar a complexidade, entretanto, o método do agenterepresentativo ignora o cerne do problema micro-macro — o próprionúcleo daquilo que faz do fenômeno da macroeconomia um fenômeno“macro”. Foi precisamente por essa razão, na verdade, que o economistaJoseph Schumpeter, por vezes lembrado como o pai do individualismo

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metodológico, criticou o método do agente representativo, julgando-oerrôneoeenganoso.10Na prática, entretanto, individualistas metodológicos têm perdido a

batalha,enãoapenasnaeconomia.Escolhaqualquertrabalhodehistória,sociologiaouciênciapolíticaquelidecomfenômenos“macro”,comoclasse,raça, negócios, guerra, riqueza, inovação, política, direito ou governo, evocêencontraráummundorepletodeagentesrepresentativos.Seuusonaciência social é, aliás, tão comum que o uso de um indivíduo fictício emsubstituiçãoaoqueénaverdadeumcoletivocostumaacontecersemquenem mesmo percebamos, como o mágico colocando o coelho na cartolaenquantoopúblicoolhaparaoutro lado.Entretanto,não importacomoéfeito,oagenterepresentativoéapenasuma ficçãoconveniente,eassimoserásempre.Enãoimportaquantotentemosvesti-loscommatemáticaououtrosadornos,asexplicaçõesqueinvocamagentesrepresentativoserramdamesmamaneira que as explicações do senso comumque falam sobreempresas, mercados e sociedades nos mesmos termos que usamos paradescreverindivíduos.11

RIOTMODEL,OMODELODEMOTIMDEGRANOVETTER

OsociólogoMarkGranovetterressaltouesseproblemausandoummodelomatemático muito simples de uma multidão pronta para um motim.Digamos que centenas de estudantes estejam reunidos em uma praça,protestandocontraadiminuiçãodaverbaparaaeducaçãopropostapelogoverno.Osestudantesestãoirritadoscomanovapolíticaefrustradoscomsuafaltadeinfluênciasobreoprocessodecisório.Háumapossibilidadedequeascoisasfujamaocontrole.Mas,sendopessoaseducadasecivilizadas,elesentendemtambémquearazãoeodiálogosãopreferíveisàviolência.Parasimplificarumpouco,cadaindivíduonamultidãoestádivididoentredois objetivos: destruir e quebrar coisas; permanecer calmo e protestarpacificamente. Todos, estejam conscientes ou não disso, devem escolher

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umadessasduasações.Maselesnãoestãoescolhendoentreaviolênciaeoprotestopacíficoespontaneamente—elesestãoescolhendo,aomenosemparte,emrespostaaoqueasoutraspessoasestãofazendo.Quantomaioronúmero de indivíduos que se envolvem em um motim, maiores são aschances de que seus esforços obriguem os políticos a prestar atenção, emenores as chancesdequealgumdeles sejapresoepunido.Alémdisso,motins têm uma energia primitiva que pode enfraquecer as convençõessociaisantesrígidas,mesmoqueissodesvienossaavaliaçãopsicológicaderisco. Em um motim, até mesmo as pessoas mais sensíveis podemenlouquecer.Portodasessasrazões,aescolhaentrepermanecercalmooupraticaratosviolentosestá sujeitaà regrageralquedizquequantomaispessoas estão num motim, maiores são as chances de um indivíduo sejuntaraele.Contudo, nessa multidão, como em todos os lugares, indivíduos têm

diferentespredisposições à violência. Talvez aqueles que estejammelhorsemanovapolítica ouque sejammenos afetados financeiramente sejammenos inclinados a arriscar um período de prisão para defender umposicionamento.Outros estãomais convencidosdequea violência, aindaque lamentável, é uma ferramenta política útil. Outros podem ter umareclamação independente contra a polícia, os políticos ou a sociedade, eesse evento está lhes dando uma oportunidade de extravasá-la. E talvezalgunssejamapenasmaisloucosqueosoutros.Qualquerquesejaarazão—epodemsertantasetãocomplicadasquenemseconsegueimaginar—,cadaindivíduonamultidãopodeserpensadocomotendoum“limiar”,umpontoemque,sehápessoasosuficienteparase juntaraomotim,elevaiparticipartambém,masabaixodoqualelevaiseabster.Algumaspessoas—os“encrenqueiros”—têmlimiaresmuitobaixos,enquantooutras,comoo presidente da união de estudantes, têm limiares muito elevados. Mastodos têm um limiar de influência social, acima do qual vão “passar” dacalmaàviolência.Issopodeparecerumaestranhaformadecaracterizarocomportamento individual. Mas o benefício de descrever as pessoas emmeio à multidão em termos de seus limites é que a distribuição doslimiaresentretodaamultidão,deloucos(“Euvoupartirparaaviolência,

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mesmoqueninguémmaisfaçaisso”)aGandhi(“Eunãovoupartirparaaviolência,mesmoquetodomundofaçaisso”),acabaapreendendoalgumaslições interessantes e surpreendentes sobre o comportamento demultidões.12Para ilustrar o que poderia acontecer, Granovetter elaborou uma

distribuiçãomuitosimplesnaqualcadacentenadepessoastemomesmolimite. Exatamente uma pessoa tem o limiar zero, enquanto outra tem olimiar de uma pessoa, outra tem o limiar de duas pessoas, e assim pordianteatéapessoamaisconservadora,quevairecorreràviolênciaapenasse as outras 99 pessoas o fizerem. O que vai acontecer? Bem,primeiramente o sr.Doido—aquele como limiar zero—vai começar aatirarcoisaspeloar,semqualquermotivo.Entãoseuparceirocomolimiardeuma (queprecisade apenasumapessoa se rebelandopara se rebelartambém) acompanha o outro. Juntos, esses dois encrenqueiros angariamumaterceirapessoa—ocaracomolimiardeduaspessoas—parajuntar-seaelestambém,eissoésuficienteparaqueapessoacomolimiardetrêsse envolva, que é suficiente para... Bem, vocês entenderam a ideia: dadaessa distribuição de limiares, toda a multidão acabará se juntando aomotim,umaapósaoutra.Ocaosreina.Agoraimaginequenacidadeaoladoumasegundamultidão,composta

também de estudantes e exatamente do mesmo tamanho, reuniu-seexatamentepelomesmomotivo. Pormais improvável quepareça, vamosimaginarqueessegrupotenhaquaseamesmadistribuiçãodelimitesqueoprimeiro. Esses dois grupos são tão parecidos, na verdade, que diferemapenasnoquedizrespeitoaumapessoa:enquantonaprimeiramultidãocadapessoatinhaumlimiardiferente,nessaninguémtemolimiardetrêseduaspessoastêmodequatro.Paraumobservadorexterno,essadiferençaétãopequenaquenãochegaaserdetectada.NóssabemosqueosgrupossãodiferentesporqueestamosbrincandodeDeusaqui,masnenhumtestepsicológicoconfiáveloumodeloestatísticopoderiadiferenciá-los.Entãooqueaconteceagoracomocomportamentodessegrupo?Começadomesmojeito:osr.Doidodáinício,comodaoutravez,eosujeitoaoladomaisocaracomo limiardeduasse juntamaele.Masaíeleschegamaumbecosem

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saída,porqueninguémtemo limiarde três.Ospróximos indivíduosmaissuscetíveis são aqueles dois que têm limiar de quatro; porém, temosapenas três pessoas se rebelando. Então o motim em potencial terminaantesmesmodecomeçar.Finalmente, agora imagineoqueosobservadoresnessasduas cidades

vizinhas iriam ver. Na cidade A, eles iriam testemunhar um motimdescontrolado, com requintes de vitrines quebradas e carros virados. Nacidade B, eles veriam alguns indivíduos grosseiros perturbando umamultidão controlada. Se esses observadores fossem comparar anotaçõesdepois, tentariamdescobrirquais foramasdiferençasentreaspessoasouas circunstâncias. Talvez os estudantes da cidade A estivessem maisirritados ou mais desesperados que os da cidade B. Talvez as vitrinesestivessemmenosprotegidas,ou talvezapolícia fossemaisagressiva,ouainda, talvez a multidão na cidade A tivesse um orador um tanto maisinflamado.Essas sãoas explicações típicasqueo senso comumsugeriria.Obviamentealgumacoisadevetersidodiferente,senãocomopoderíamosexplicar resultados tão divergentes? Mas na verdade nós sabemos que,exceto pelo limiar de um único indivíduo, absolutamente nada nessaspessoas ou em suas circunstâncias foi diferente. Esse último ponto éfundamental, porque a única maneira que um modelo de agenterepresentativopoderiadarcontadosresultadosdiferentesobservadosnacidadeAenacidadeBseriasehouvessealgumadiferençacríticaentreaspropriedadesgeraisdasduaspopulações, e igualmentegeraispara todososintentoseefeitos.Oproblemaparecesimilaràquelequemeusalunosencontraramquando

tentavam explicar a diferença entre o número de doadores de órgãos naÁustriaenaAlemanha,masnaverdadeébastantediferente.Nocasodosdoadoresdeórgãos, lembrem, oproblema foi quemeus alunos tentaramentender a diferença em termos de incentivos racionais, quando narealidadeodeterminanteeramcircunstânciasgerais.Emoutraspalavras,eles tinham omodelo errado de comportamento individual.Mas no casodos doadores de órgãos aomenos, quando você entende como a escolhaautomática é importante, fica claro por que o número de doadores de

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órgãosétãodiferente.JánomodelodemotimdeGranovetter,nãoimportaqual modelo de comportamento individual você tenha — porque emqualquer sentido razoável as duas populações são indistinguíveis. Paracompreendercomosederamosdiferentesresultados,vocêdevelevaremcontaasinteraçõesentreindivíduos,oqueporsuavezrequerquevocêsigatoda a sequência de decisões individuais, cada resultado em relação comtodososoutrosresultados.Esseéoproblemamicro-macronoseumaiorexemplo.Enomomentoemquevocêtentapassarporcimadele,digamos,substituindooagenterepresentativopelocomportamentocoletivo—teráperdidotodaaessênciadoqueestáacontecendo,nãoimportaoquevocêpensesobreoagente.

VANTAGEMCUMULATIVA

O“modelodemotim”deGranovetterapresentaumaobservaçãoprofundasobreoslimitesdoquepodeserentendidodocomportamentocoletivoaose debruçar somente sobre o comportamento individual. Isso posto, omodeloéextremamente—quasecomicamente—simples,eestásujeitoafalhas de todos os tipos. Na maioria das escolhas no mundo real, porexemplo,estamosescolhendoentremuitasopçõespotenciais,nãoapenasas duas — se rebelar ou não — previstas pelo modelo de Granovetter.Tambémnãopareceplausívelqueamaneiracomoinfluenciamosunsaosoutros nomundo real seja algo tão simples como a regra do limiar. Emmuitas situações rotineiras, quando escolhemos, digamos, uma novamúsicaparaescutar,umnovolivroparalerouumnovorestauranteparacomer, por vezes faz sentido pedir conselhos a outras pessoas, ousimplesmente prestar atenção às escolhas que elas fizeram, sob ajustificativa de que, se elas gostaram, você tem uma tendência maior agostartambém.Alémdisso,seusamigospodeminfluenciarasmúsicasouos livros que você escolhe não apenas porque você supõe que eles jáfizeramalgum trabalhode filtragementre as váriasopções,mas também

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porque você vai gostar de falar sobre e dividir as mesmas referênciasculturais.13Influências sociais desse tipo geral são provavelmente onipresentes.

Mas, ao contrário do limiar simples do experimento pensado porGranovetter, a regra de decisão resultante não é nem binária nemdeterminista.Emvezdisso,quandoaspessoastendemagostardealgoqueoutras pessoas gostam, diferenças na popularidade são sujeitas ao quechamamosdevantagemcumulativa:umavezqueumamúsicaouumlivro,por exemplo, torna-se mais popular que outro, a tendência é se tornarpopular ainda mais. Ao longo dos anos, pesquisadores estudaram umavariedade de diferentes tipos de modelos de vantagem cumulativa, mastodos tinham em comum a observação de que mesmo minúsculasflutuações randômicas tendem a ficar maiores com o tempo, gerandodiferenças potencialmente gigantescas a longo prazo — um fenômenoparecidocomofamoso“efeitoborboleta”dateoriadocaos,segundooqualuma borboleta batendo as asas na China pode desencadear um furacãomesesdepois,aoceanosdedistância.14ComonomodelodeGranovetter,estratégiasdevantagenscumulativas

têmimplicaçõesperturbadorasparaostiposdeexplicaçõesquepropomossobre sucesso e fracasso nos mercados culturais. Explicações do sensocomum, lembre-se, centram-se na coisa em si — a música, o livro ou aempresa— e explicam seu sucesso apenas em termos de seus atributosintrínsecos.Setivéssemosqueimaginarahistóriasendodealgumaforma“reprisada”muitasvezes,explicaçõesemqueatributos intrínsecossãoasúnicas coisas que importam iriam prever que o mesmo resultadoapareceria toda vez. Já a vantagem cumulativa iria prever que mesmouniversosidênticos,começandocomomesmoconjuntodepessoas,objetose gostos, sem dúvida produziria diferentes destaques nomercado ou nacultura.AMonaLisa seriapopularnessemundo,masemoutraversãodahistória seria apenas mais uma entre muitas obras-primas, sendosubstituída por uma outra pintura da qual amaioria de nós nunca teriaouvidofalar.Damesmaforma,osucessodeHarryPotter,doFacebookede

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Se beber, não case tornaria-se produto do acaso e de suas épocas tantoquantosãoprodutodesuasqualidadesintrínsecas.Entretanto,navida real temosapenasummundo—omundoemque

vivemos—, por isso é impossível fazer esse tipo de comparação “entremundos” que os modelos dizem que devemos fazer. Você pode não sesurpreender, portanto, ao saber que quando alguém usa a saída de ummodelodesimulaçãoparaargumentarqueHarryPotter podenão ser tãoespecialquantotodospensamqueé,osfãsdeHarryPottertendemanãoseconvencer.OsensocomumnosdizqueHarryPotter deve ser especial—mesmoquemeiadúziaoumaisdeeditoresde livros infantisque tinhamrejeitadoomanuscritooriginalnãootenhampercebidonaquelemomento— porque mais de 350 milhões de pessoas compraram o livro. E comoqualquer modelo necessariamente faz todo tipo de pressupostossimplificadores, sempre que temos de escolher entre questionar o sensocomum e questionar um modelo, nossa tendência é optar pela segundaopção.Exatamenteporessarazão,háanoseuemeuscolaboradoresMatthew

Salganik e Peter Dodds, decidimos fazer um experimento controlado, dotipoquesefazemlaboratórios,emquepessoasreaisfariammaisoumenosomesmotipodeescolhasque fariamnomundoreal—nessecaso,entreuma seleção de músicas. Ao randomicamente encaminhar pessoasdiferentes a diferentes condições experimentais, estaríamos, de fato,criando a situação de “vários mundos” imaginada nos modelos decomputador. Em algumas condições, as pessoas seriam expostas ainformações sobre o que outras pessoas estivessem fazendo, masdependeria delas decidir se seriam ou não influenciadas por essainformação,ecomo.Enquanto isso,emoutrascondições,osparticipantesestariam diante do mesmo conjunto de escolhas, mas sem nenhumainformaçãosobreasdecisõesdosdemaisparticipantes;dessa forma,elesseriam forçados a se comportar de forma independente. Ao comparar osresultadosdascondiçõesde“influênciasocial”comaquelesdascondições“independentes”,poderíamosobservardiretamenteosefeitosdainfluênciasocialsobreosresultadoscoletivos.Maisespecificamente,aoconduzirmos

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tantosmundosemparalelo,poderíamosmedirquantodosucessodeumamúsica depende de seus atributos intrínsecos e quanto depende de suavantagemcumulativa.Infelizmente,falarsobreumexperimentocomoesseémaisfácildoque

efetivamenterealizá-lo.Emexperimentospsicológicosdo tipoquediscutinocapítuloanterior,cadafaseenvolvepelomenosalgunsindivíduos;dessaforma, o experimento inteiro exige ao menos algumas centenas departicipantes, geralmente universitários que aceitam participar em trocade dinheiro ou créditos de curso. O tipo que tínhamos em mente,entretanto,necessitavaqueobservássemos como todas essas “cutucadas”nonívelpessoal se somavamparacriardiferençasnonível coletivo.Comefeito, queríamos estudar o problema micro-macro em laboratório. Maspara observar efeitos como esse, precisaríamos recrutar centenas depessoasparacadaetapa,eprecisaríamosconduziroexperimentoaolongode muitas etapas independentes. Assim, mesmo para um únicoexperimentoprecisaríamosdecentenasdeparticipantes,esequiséssemosconduzirmúltiplos experimentos sob condiçõesdiferentes, precisaríamosdedezenasdemilhares.Em1969,osociólogoMorrisZelditchdescreveuesseexatoproblemaem

umartigoprovocativamenteintitulado“CanYouReallyStudyanArmyinaLaboratory?”[emtraduçãolivre,“Podemosrealmenteestudarumexércitoem laboratório?”].Naquelemomento, sua conclusão foiquenão, issonãoerapossível—aomenosnão literalmente.Assim,eledefendiaa ideiadequeossociólogosdeveriamseconcentraremestudarofuncionamentodegrupos pequenos a fim de generalizar suas descobertas para gruposmaiores. Isto é, a macrossociologia, assim como a macroeconomia, nãopoderia jamais ser uma disciplina experimental, apenas porque seriaimpossível conduzir os experimentos necessários. Coincidentemente,entretanto, o anode1969marcou tambémagêneseda internet, edesdeentãoomundomudoudeformasqueseriamdifíceisdeimaginaratéparaZelditch. Coma atividade social e econômica de centenas demilhares depessoasmigrandoparaouniversoon-line,nósimaginamossenãoseriaomomento de revisitarmos a questão de Zelditch. Pensamos que talvez

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possamos, sim, estudar um exército num laboratório — só que esselaboratórioseriavirtual.15

SOCIOLOGIAEXPERIMENTAL

Foioquefizemos.Comaajudadenossoprogramador,umjovemhúngarochamadoPeterHausel, e algunsamigosdaBoltMedia, umdosprimeirossites de relacionamento para adolescentes, elaboramos um experimentoconduzidoviainternetplanejadoparaemularum“mercado”demúsica.ABoltconcordouemfazerpropagandadenossaexperiência,chamadaMusicLab, em seu site, e ao longo de várias semanas cerca de 14mil de seusmembrosclicaramnobannereconcordaramemparticipar.Emnossosite,osparticipantesdeveriamouvir,avaliare,sequisessem,fazerodownloaddemúsicasdebandasdesconhecidas.Algunsparticipantesviramapenasosnomes das músicas, enquanto outros viram também quantas vezes asmúsicasjáhaviamsidobaixadasanteriormente.Pessoasnessacategoriade“influênciasocial” foramentãodivididasemoito“universos”paralelos,deforma que pudessem ver apenas os downloads feitos por pessoas nomesmouniverso. Assim, se uma recém-chegada fosse colocada por acasonoUniverso1,elapoderiaveramúsica“SheSaid”,dabandaParkerTheory,em primeiro lugar. Mas se em vez disso ela tivesse sido colocada noUniverso4,ParkerTheoryestavaemdécimolugare“Lockdown”,dabanda52Metro,estariaemprimeiro.16Não manipulamos nenhum dos rankings — todos os universos

começaram de maneira idêntica, com zero download. Mas como osdiferentes universos foram cuidadosamente mantidos separados, elespoderiamsedesenvolver independentementeunsdosoutros.Assim,essaconfiguração nos permitiu testar os efeitos da influência social de formadireta.Seaspessoassoubessemdoquegostavamsemlevaremcontaoqueasoutraspessoaspensavam,poderianãohaverdiferençaentreinfluênciasociale condições independentes.Emtodososcasos,asmesmasmúsicas

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deveriamvencerpormaisoumenosomesmonúmero.Masseaspessoasnão tomam decisões independentemente, e se a vantagem cumulativa seaplica,osuniversosdiferentessobacondiçãodeinfluênciasocialdeveriamsermuito diferentes uns dos outros, e todos deveriam ser diferentes dacondiçãoindependente.Oquedescobrimosfoiquequandoaspessoastinhaminformaçõessobre

o que os outros haviambaixado, semdúvida eram influenciadas, como ateoria da vantagem cumulativa previa. Em todos os universos de“influência social”, asmúsicaspopulareserammaispopulares (emúsicasimpopulareseramaindamenospopulares)quenacondiçãoindependente.Aomesmotempo,porém,asmúsicasquesetornaramasmaispopulares—os “hits”— eram diferentes emmundos diferentes. Em outras palavras,aplicar a influência social sobre a tomada de decisões humanas aumentanãoapenasadesigualdade, comotambéma imprevisibilidade.Damesmaforma,essa imprevisibilidadenãopoderia sereliminadapeloacúmulodemaisinformaçõessobreasmúsicas,assimcomoestudarasuperfíciedeumpardedadosnãopoderiaajudarapreveroresultadodeuma jogada.Emvezdisso,aimprevisibilidadeerainerenteàprópriadinâmicadomercado.Deve-se ressaltar que a influência social não eliminou inteiramente a

qualidade: de forma geral, as músicas “boas” (como medidas por suapopularidadesobacondiçãoindependente)aindasesaíammelhorqueasmúsicas“ruins”.Tambéméverdadeiroqueasmelhoresmúsicasnuncasesaíammuitomal,enquantoaspioresmúsicasnuncaeramvencedoras.Issoposto, até mesmo as melhores músicas poderiam não vencer às vezes,enquantoaspiorespoderiamirmuitobem.Eparaasqueficavamnomeio-termo— amaioria dasmúsicas não estava nem entre asmelhores nementreaspiores—,praticamentetodoequalquerresultadoerapossível.Porexemplo,“Lockdown”,do52Metro,ficouem26ºlugardeumalistacom48músicas,masfoioprimeirolugaremumdosuniversosdeinfluênciasociale 40º em outro. Em outras palavras, a performance “mediana” de umamúsicaésignificativasomenteseavariabilidadequeelaapresentaemcadauniversoépequena.Masfoiprecisamenteessavariabilidadealeatóriaqueserevelougrande.Porexemplo,mudandooformatodositedeumagrade

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randomicamenteorganizadademúsicasparauma lista, descobrimosquepoderíamos aumentar a força do sinal social, dessa forma aumentandotambém tanto a desigualdade quanto a imprevisibilidade. Nesseexperimentode“influênciaforte”,asflutuaçõesaleatóriasdesempenharamumpapelmaiornadeterminaçãodaposiçãodeumamúsicanorankingdoque atémesmo asmaiores diferenças de qualidade.De forma geral, umamúsicanoTop5emtermosdequalidadetinhaapenas50%dechancedeseposicionarnoTop5desucesso.Muitos observadores interpretaram nossas descobertas como um

comentáriosobreaarbitrariedadenosgostosmusicaisdeadolescentesouo vazio da música pop contemporânea. Mas, a princípio, o experimentopoderia ter sido sobre qualquer escolha que as pessoas fazem numaconjunturasocial:emquemvotamos,oquepensamossobreocasamentogay,qual telefonevamoscomprarouemqual sitederelacionamentonoscadastramos, que roupas vestimos para ir trabalhar, ou comopagamos afaturadocartãodecrédito.Emmuitoscasos,planejaressesexperimentosémaisfácildoquerealizá-los,eéporissoquedecidimosutilizaramúsica.Aspessoas gostam de escutar música e estão acostumadas a baixá-las nainternet,então,aoelaboraroquepareciaumsiteparadownloaddemp3,poderíamos realizar uma experiência que não apenas era barata (nãoprecisávamospagaranossosparticipantes),comotambémeraalgomuitopróximo daquilo que poderíamos chamar de um ambiente “natural”. Nofim, o que realmente importava era que nossos participantes estavamfazendo escolhas emmeio a opções que competiam entre si, e que suasescolhaseraminfluenciadaspeloquepensaramqueoutraspessoashaviamescolhido. Os adolescentes também foram uma escolha proveitosa, poiseram amaioria dos usuários de redes sociais em2004.Mas, novamente,não havia nada demais na escolha desse grupo— comomostramos emuma versão subsequente do experimento, para o qual recrutamosmajoritariamente adultos. Como era de esperar, os adultos tinhampreferênciasdiferentesdasdosadolescentes,porissoodesempenhogeraldasmúsicassealterouumpouco.Contudo,eleseramtãoinfluenciadospelo

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comportamentodosoutrosquantoogrupodaoutrafaixaetária,egeraramomesmotipodedesigualdadeeimprevisibilidade.17O que a experiência do Music Lab realmente mostrou, portanto, foi

notavelmente similar à ideiabásicadomodelodemotimdeGranovetter:quando indivíduos sofrem a influência de outras pessoas, grupossemelhantespodemacabarsecomportandodeformasmuitodistintas.Issopodenãoparecergrandecoisa,masfundamentalmentequestionaotipodeexplicação baseado no senso comum que sugerimos sobre a razão dealgumascoisasteremsucessoeoutrasnão,porquenormassociaisditamquefaçamosalgumascoisasenãooutras,oumesmoporqueacreditamosno que acreditamos. Explicações baseadas no senso comum contornamtodo o problema de como escolhas individuais agregam-se aocomportamento coletivo simplesmente substituindo o coletivo por umindivíduo representativo. E como pensamos que sabemos por queindivíduos fazem o que fazem, assim que sabemos o que aconteceupodemos sempre dizer que era isso o que esse indivíduo fictício — “opovo”,“omercado”,tantofaz—queria.Indo alémdoproblemamicro-macro, experimentos comooMusic Lab

expõemafaláciaquesurgedessaformaderaciocíniocircular.Assimcomose pode saber tudo sobre o comportamento de neurônios e ainda ficarimpressionado com a emergência da consciência no cérebro humano,tambémsepodesabertudosobreindivíduosemumapopulaçãoespecífica— o que eles gostam ou não, suas experiências, atitudes, crenças,esperançaseseussonhos—eaindanãoconseguirprevermuitosobreseucomportamento coletivo. Assim, explicar o resultado de algum processosocialemtermosdepreferênciadealgumindivíduorepresentativofictícioexagerabastantenossahabilidadedeisolarcausaeefeito.Por exemplo, se você hoje perguntasse aos 500 milhões inscritos no

Facebook se em 2004 queriam ou não publicar perfis de si mesmos nainternetedividiratualizaçõessobreseudiaadiacomcentenasdeamigoseconhecidos,muitosteriamditonão,eprovavelmenteestariamtodossendohonestos.Emoutraspalavras,omundonãoestavaesperandosentadoquealguéminventasseoFacebookparaquetodospudéssemosnoscadastrar.

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Emvezdisso,poucaspessoassecadastraram,porsabe-seláquaismotivos,e começaram a experimentar o site. Foi só então, devido ao que essaspessoasexperimentaramaoutilizaroserviçoexistentenaquelaépoca—eainda mais por causa das experiências que elas criaram umas para asoutras ao utilizá-lo—, que outras pessoas começaram a se cadastrar. Eentão outras pessoas se cadastraram porque essas outras pessoas secadastraram, e assim por diante, até o ponto a que chegamos. Hoje oFacebooké tremendamentepopular, por issoparece óbvioquedevia serissooqueaspessoasqueriam—senão,porqueestariamutilizando?IssonãoquerdizerqueoFacebook,aempresa,nãotomouumasériede

atitudessagazesao longodosanosouquenãomereceessesucessotodo.Nada disso: a questão é apenas que as explicações que damos sobre seusucesso são menos relevantes do que parecem. O Facebook tem umconjuntoparticulardecaracterísticas,assimcomooHarryPottereaMonaLisatêmseuconjuntoparticulardecaracterísticas,etodoselestiveramosprópriosdesdobramentos.Masissonãosignificaqueessascaracterísticastenhamcausado os desdobramentos de algumamaneira significativa. Naverdade,emúltimainstânciapodesimplesmentenãoserpossíveldizerporqueaMonaLisaéoquadromaisfamosodomundoouporqueoslivrosdasérieHarryPotter venderammaisde350milhõesdeexemplares emdezanos, ouporque oFacebookatraiumaisde500milhõesdeusuários.Nofim, a única explicação honesta pode ser aquela dada pelo editor dosurpreendentebest-sellerdeLynneTruss,Eats,ShootsandLeaves,que,aolhepediremqueexplicasseosucessodolivro,respondeu:“Elevendeubemporquemuitagentecomprou.”Podenãosersurpreendentemuitaspessoasnãogostaremmuitodessa

conclusão. A maioria de nós está preparada para admitir que nossasdecisões são influenciadas por aquilo que outras pessoas pensam— àsvezes,aomenos.Masumacoisaéreconhecerquedevezemquandonossocomportamento é influenciado dessa ou daquelamaneira por aquilo queoutraspessoas estão fazendo, e outrabemdiferente é admitir que, comoconsequência,explicações reaisparaosucessodeumescritoroudeumaempresa,mudançasinesperadasemnormassociaisouosúbitocolapsode

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umregimepolíticoaparentemente inabalávelpossamsimplesmenteestarmuito longe do nosso alcance. Diante da perspectiva de que algumresultadodeinteressenãopodeserexplicadoemtermosdecaracterísticasoucondiçõesespeciais,umacontingênciacomumésuporque,aocontrário,isso foi determinado por um pequeno grupo de pessoas influentes ouimportantes.Eéessetópicoqueexploraremosnopróximocapítulo.

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4PESSOASESPECIAIS

Pode ser difícil acreditar, numa época em que as “redes sociais” setornaram tão comuns que aparecem em tudo, de filmes a comerciais decerveja,masnãofazmuitotempo—maisoumenosnametadedadécadade1990—oestudoderedessociaiserarelativamenteobscuro,ocupandoquase que exclusivamente um pequeno grupo de sociólogos cominclinações matemáticas interessados em mapear as interações entreindivíduos.1 A área explodiu há pouco tempo, em grande parte porquecomputadores rápidos e tecnologias de comunicação como e-mails,celulareseredessociaistaiscomooFacebooktornarampossívelregistrareanalisaressasinteraçõescomgrandeprecisão,mesmosendocentenasdemilhõesdepessoasematividadeaomesmotempo.Hojeemdia,milharesdecientistascomputacionais, físicos,matemáticoseatébiólogosdefinem-se como “cientistas de rede”, e novas descobertas sobre a estrutura e adinâmicadesistemasderedessurgemdiariamente.2

SEISGRAUSDESEPARAÇÃO

Porém, em 1995, quando eu estudava na Cornell e investigava osincronismo em comunidades de grilos, tudo isso era coisa do futuro.Naquelaépoca,naverdade,a ideiadequeomundoestavaconectadopor

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meio de uma rede social gigantesca, pela qual circulavam informações,ideiase influência,aindaerabastantenova—tantoque,quandomeupaimeperguntou,emumadenossasrotineirasconversasportelefone,seeujátinha ouvido falar da teoria de que “todas as pessoas domundo estão aapenasseisapertosdemãodedistânciadopresidentedosEstadosUnidos”,achei que fosse apenas lenda urbana. E, de certa forma, era mesmo. Aspessoas ficaram fascinadascomaquiloqueossociólogos,hácercadeumséculo, chamam de “problema do mundo pequeno”, desde que o poetahúngaro Frigyes Karinthy publicou um conto chamado “Correntes”, cujoprotagonistaafirmaqueestáconectadoaqualquerpessoadomundo,sejaumganhadordoprêmioNobelouumoperáriodaFord,pormeiodeumacorrentedenãomaisquecincoconhecidos.Quatrodécadasdepois,emseupolêmico livro sobre planejamento urbano, Morte e vida das grandescidades, a jornalista Jane Jacobs descreveu um jogo similar, chamado“mensagens”, que costumava jogar com a irmã quando elas semudaramparaNovaYork:

Aideiaeraescolherdoisindivíduoscompletamentediferentes—digamos,umcaça-talentosnasilhasSalomãoeumsapateiroemRock Island,no Illinois—e imaginarqueumdelesprecisavarepassaroralmenteumamensagemaooutro;entãonóstínhamosquepensaremumacorrentedepessoasplausível,ouaomenospossível,porondeamensagempoderiaser transmitida.Venciaquemconseguisseelaboraracorrentemaiscurtademensagens.

Mas qual a dimensão dessas correntes na vida real? Umamaneira deresponderaessaperguntaseriamapeartodososelosemredessociaisemtodoomundoeentão simplesmente contarquantaspessoas se consegueatingir emum“graude separação”,quantasem “doisgraus”, eporaí emdiante,atéquese tenhaatingido todasaspessoas.Naépocaemque Janebrincavade“mensagens”issoseriaimpossível,masem2008doiscientistascomputacionais da Microsoft Research chegaram próximo disso quandocomputaram a extensão da corrente que ligava pares de indivíduos nogigantescoserviçodemensagensinstantâneasdaMicrosoft,quetemmaisde240milhõesdeusuáriosenoqualser“amigo”significapertenceràlistade contatosdeumusuário e ter esseusuário tambémemsua lista.3 Eles

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descobriramque,emmédia,aspessoasestavamseparadasporsetepassos— um número bastante próximo aos seis apertos demãos quemeu paihaviamencionado.Aindaassim,essanãopodeserarespostaverdadeiraàquestão.OspersonagensnojogoficcionaldeJanenãotinhamacessoaessarede social, então eles não poderiam computar os passos da mesmamaneiraqueospesquisadoresdaMicrosoftfizeram,mesmoquetivessemopoder para fazê-lo em termos de tecnologia. Eles claramente devem terusadoalgumoutrométodopara transmitir suasmensagens.E,deacordocomJane,eraissomesmooqueelaeairmãfaziam:

Ocaça-talentos falariacomo líderdesuacomunidade,que falariacomocomerciantequeveiocomprar copra, que falaria com o patrulheiro australiano quando passasse pela fronteira, querepassariaorecadoaopatrulheiroseguintequefossepassarporMelbournedurantesuafolgaetc.Dooutrolado,osapateiroouviriaorecadodopadredesuacapela,queoouviudoprefeito,queoouviudovereador,queoouviudogovernadoretc.Nóslogotínhamosessesmensageiroscomunsparticipando de uma troca com praticamente todos de que conseguíamos nos lembrar, masacabávamosnosperdendoemlongascorrentesentreosparticipantes,atéquecomeçamosausara sra. Roosevelt. A sra. Roosevelt, subitamente, tornou possível pular correntes inteiras deconexões intermediárias.Ela conheciaasmaisdiferentespessoas.Omundoencolheude formaadmirável.4

A solução de Jane, em outras palavras, prevê que redes sociais sãoorganizadassegundoumahierarquia:mensagensascendemnahierarquiaapartirdaperiferiaevoltamadescer,comfigurasdedestaquecomoasra.Roosevelt ocupando o centro crítico. Estamos tão acostumados com ummundodehierarquias—sejadentrodeorganizaçõesformais,naeconomiaou na sociedade — que é natural prever que redes sociais devem serhierárquicas também. De fato, Karinthy usou uma linha de raciocíniosimilar à de Jane, e, no lugar da sra. Roosevelt, invocou o sr. Ford,escrevendoque“encontrarumacorrentedecontatosligandoeumesmoaum mecânico da Ford Motor Company (...) O mecânico conhece seusupervisor, que conhece o próprio sr. Ford, que, por sua vez, é amigododiretor-geraldoimpérioeditorialdaHearst.Bastariaumapalavradomeuamigo para telefonar para o diretor-geral da Hearst, pedindo a ele queentrasse em contato com Ford, que, por sua vez, poderia contatar o

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supervisor, que poderia então contatar o mecânico, que poderia entãomontarumnovoautomóvelparamim,casoeuprecisedeum”.Pormaisplausívelqueessemétodopareça,entretanto,nãoéassimque

as mensagens realmente se propagam por redes sociais, como sabemosagora pormeio de uma série de “experimentos demundo pequeno” quecomeçaramaserconduzidosnãomuitotempoapósJaneescreversobreaquestão.OprimeirodessesexperimentosfoirealizadoporninguémmenosqueStanleyMilgram,opsicólogosocial cujaexperiênciadometrôdiscutinocapítulo1.Milgramrecrutoutrezentaspessoas—duzentasdeOmaha,noNebraska,easoutrascemdaregiãodeBoston—parajogarumaversãodojogodasmensagenscomumcorretordeaçõesdeBostonqueeraamigodeMilgramequesevoluntariouparaservirde“alvo”doexercício.Assimcomo na versão imaginária de Jane, os participantes do experimento deMilgram sabiam quem eles estavam tentando alcançar, mas poderiammandaramensagemapenasparaalguémqueconhecessempeloprimeironome; assim, cada um dos trezentos “iniciadores” a mandaria para umamigo,queamandariaparaoutroamigo,eaípordiante,atéquealguémouserecusasseaparticiparouacorrentedemensageirosatingisseoalvo.Porsorte, 64 das correntes iniciais atingiram seu destino, e o comprimentomédiodessascorrenteseradeseiselos;daíafamosaexpressão“seisgrausdeseparação”.5Mas apesar de os voluntários deMilgram terem conseguido encontrar

caminhostãocurtosquantoashipótesesdeKarinthyeJane,nãofoiporqueelesusaramasra.Rooseveltouqualqueroutropersonagemsimilar.Emvezdisso, pessoas comuns passaram mensagens a outras pessoas comuns,interagindo no mesmo estrato social ao invés de subir e descer nahierarquia, como Karinthy e Jane imaginaram. As correntes também nãocresceramindistintamente,dandoumnónomeio,comoJanetemia.Emvezdisso, eles enfrentaram as maiores dificuldades depois que já estavampróximosdeseusalvos.Redessociais,pelovisto,sãomenosparecidascompirâmides do que com um jogo de golfe — no qual, já dizia o ditado,“participe pela fama, acerte pela grana”. Quando se está longe do alvo érelativamente fácil saltar longas distâncias apenas enviando amensagem

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paraalguémnopaíscerto,edaíparaalguémnacidadecerta,eentãoparaalguém na profissão certa. Mas uma vez que você se aproxima do alvo,grandessaltosnãovãomaisajudareasmensagenstêmatendênciadeficaremsuspensãoatéqueseencontrealguémqueconheçaoalvo.Ainda assim, Milgram descobriu que nem todos os mensageiros são

criadosdamesma forma.Naverdade,das64mensagensquechegaramaseusdestinos,maisoumenosmetadefoientregueaoalvoporumadetrêspessoas,eaoutrametade—dezesseiscorrentes—foientregueporumaúnica pessoa, o “sr. Jacobs”, comerciante de roupas vizinho do alvo.Impressionadocomessaconcentraçãodemensagensnasmãosdealgunspoucos indivíduos, Milgram especulou que aquilo que chamou desociometric stars, astros da sociometria, podia ser importante para secompreender como funciona o fenômenodomundopequeno.6OpróprioMilgramnãoconcluiumuitomaisqueisso,mastrêsdécadasdepois,emumartigochamado“TheSixDegreesofLoisWeisberg”[emtraduçãolivre,“OsseisgrausdeLoisWeisberg”],ojornalistadaNewYorkerMalcolmGladwellusou as descobertas deMilgram sobre o sr. Jacobs para argumentar que“umnúmeromuitopequenodepessoas[comoasra.Weisberg]estáligadoaqualqueroutrapessoaempoucosgraus,eorestantedenósestáligadoaomundopormeiodessaspoucaspessoas”.7Emoutraspalavras,apesardeosr. Jacobs e a sra.Weisbergnão serem “importantes” damesmamaneiraqueasra.Rooseveltouosr.Ford,apartirdeumaperspectivaderedeelesacabamcumprindoomesmotipodefunção—comoconexõesemumarotaaérea pelas quais necessariamente passamos para sair de uma parte domundoechegaraoutra.ComoahierarquiadeJane,ametáforadasconexõesdeumarotaaéreaé

bastanteatraente,masnosdizmaissobrecomoorganizaríamosomundose tivéssemos essa oportunidadedoque sobre comoomundo realmenteestá organizado. Se pensarmos sobre isso por umminuto, na verdade ametáfora é bastante implausível. Algumas pessoas, evidentemente, têmmais amigos que outras. Mas pessoas não são como aeroportos — nãopodemsimplesmenteacrescentarmaisumaviãoàfrotaquandoprecisamdarcontadeumtráfegomaisintenso.Comoresultado,onúmerodeamigos

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queaspessoastêmnãovariatantoquantootráfegonosaeroportos.Umapessoa tem, em média, algumas centenas de amigos, enquanto os maissociáveis chegam a alguns milhares — um número mais ou menos dezvezes maior. Essa é uma grande diferença, mas não é nem de longecomparável a um grande aeroporto, como o de O’Hare, em Chicago, quecomporta milhares de vezes o número de passageiros de um aeroportopequeno. Então como é que os conectores em redes sociais podem, àsvezes,agircomoconexõesdelinhasaéreas?8De fato, não podem, como eu emeus colaboradoresRobyMuhamad e

Peter Dodds descobrimos anos atrás, quando replicamos o experimentooriginaldeMilgram—sóqueusandoe-mailsemvezdeumacargafísica,oquenospermitiutrabalharemumaescalamuitomaior.EnquantoMilgramtinhatrezentosiniciadoresemduascidadestentandoatingirumúnicoalvoem Boston, nós tínhamos mais de 20 mil correntes buscando um dosdezoito alvos em treze países diferentes ao redor do mundo. Quando aexperiênciafoiencerrada,ascorrenteshaviampassadopormaisde60milpessoas em 166 países. Usando modelos de análises estatísticas maisavançadas que aquelas de que Milgram dispunha, também pudemosestimarnãoapenasaextensãodascorrentesnecessáriasparaseatingirumalvo,comotambémaextensãoimaginadadascorrentesquefalharamcasoelas tivessem sido levadas adiante. Nossa principal descoberta foinotavelmente próxima da efetuada por Milgram— cerca de metade detodasascorrentesatingiramseusalvosemsetepassosoumenos.Levando-se em conta as diferenças entre as duas experiências, conduzidas emescalasmuitodiferentes,usandotecnologiasdiferentesecomumintervalotemporaldecercadequarentaanos,édecertaformaimpressionantequeosresultados tenhamsido tãopróximos,eassimseconfirmaaafirmaçãodequemuitaspessoas—mascertamentenãotodas—podemseconectarumasàsoutraspormeiodecorrentescurtas.9Diferentemente das descobertas de Milgram, entretanto, não

descobrimos “conexões” no processo de entrega. Em vez disso, asmensagensalcançaramseusalvospormeiodeumnúmerodereceptoresquase igual ao de correntes. Nós tambémperguntamos aos participantes

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como escolheram a pessoa seguinte na corrente, e aqui, também,descobrimos poucas evidências de conexões ou astros. Vimos que osparticipantes de experiências de mundo pequeno não costumam passarmensagens para seus amigos mais populares ou mais sociáveis. Em vezdisso, passam para as pessoas que acreditam ter algo em comum com oalvo, como proximidade geográfica ou ocupação semelhante, ou entãopassamapenasparapessoasqueacreditamquevãocontinuarrepassandoa mensagem. Em outras palavras, pessoas comuns são tão capazes depropagar uma mensagem entre círculos sociais e profissionais, entrediferentes nações ou entre diferentes vizinhanças quanto pessoas dedestaque. Se quiser mandar uma mensagem para um universitário emNovosibirsk, na Rússia, por exemplo, você não pensa em quem vocêconhece que temmuitos amigos ou que vai amuitas festas, ou que temcontatos na Casa Branca. Você pensa se conhece algum russo. E se nãoconhece nenhum russo, então talvez você conheça alguém do LesteEuropeu, ou alguém que já viajou para o Leste Europeu, ou já estudourusso,ouqueviveemumapartedacidadeconhecidaporseusimigrantesdo Leste Europeu. A sra. Roosevelt, ou LoisWeisberg, pode, sem dúvida,conhecermuitaspessoas.Masessasmesmaspessoas tambémtêmoutrasmaneiras de estabelecer conexões. E são essas outras maneiras, menosóbvias,queelastendemarealmenteusar,sobretudoporque,nessesentido,sãováriasaspossibilidades.A mensagem principal, aqui, é que redes sociais estão conectadas de

formasmaiscomplexasemaisigualitáriasdoqueJaneoumesmoMilgramimaginaram — um resultado que hoje já foi confirmado por diversasexperiências,pesquisasempíricasemodelosteóricos.10 Porém, apesardetodas essas evidências, quando pensamos sobre como as redes sociaisfuncionam,continuamossendoatraídospelaideiadequealgumas“pessoasespeciais”, sejam esposas famosas de presidentes ou comerciantes locaisbem-sucedidos, são desproporcionalmente responsáveis por conectar orestantedenós.Asevidênciasparecem terpoucoaver comoporquêdepensarmos assim. Afinal, Jane estava escrevendo anos antes dasexperiênciasdeMilgramemuitoantesdealguémterotipodeinformação

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quepodetersustentadosuaafirmaçãosobreasra.Roosevelt.Então,sejaláde onde ela tirou essa ideia, obviamente não foi baseada em nenhumaevidênciareal.Emvezdisso,parecequeJanesedeixoulevarpelasuposiçãodequealgumaspessoasespeciaisconectamtodososdemaissimplesmenteporquesemevocaressaspessoasédifícilelaborarqualquerexplicação.Oresultado é que não importa quantas vezes as evidências descartem umtipodepessoaespecial,simplesmenteinserimosoutrapessoaespecialemseulugar.Senãoéasra.Roosevelt,entãodeveserLoisWeisberg,esenãoéLoisWeisberg,entãodeveserosr. Jacobs,ocomerciantederoupas.Esenãoéele,devesernossoamigoEd,queparececonhecertodasaspessoasdomundo.“Deveseralguémespecial”,sentimo-noscompelidosaconcluir.“Senão,comoépossívelquefuncione?”Oapelointuitivodasexplicaçõesenvolvendopessoasespeciaisnãoestá

restrito a problemas de redes de contato. A visão do “Grande Homem”sobre a história explica eventos históricos importantes em termos dasações de alguns poucos líderes de destaque. Teóricos da conspiraçãoatribuemaagentessecretosdogovernocapacidadesinfinitasdemodificarosrumosdasociedade.Analistasdemídiacreditamagrandescelebridadeso lançamento de uma tendência de moda ou a venda de produtos.Executivos pagam valores exorbitantes a um diretor cujas decisões vãoalteraro funcionamentodaempresa inteira.Epidemiologistas tememquealguns “supertransmissores” possam dar início a uma epidemia. Emarqueteirosaproveitamopoderde “influenciadores”parapromoveroudestruir uma marca, mudar normas sociais ou transformar a opiniãopública.11EmOpontodavirada,porexemplo,Gladwellexplicaasorigensdaquiloquechamadeepidemiassociais,queabrangetudo,desdemodasemodismosatémudançasnasnormasculturaisequedasbruscasemíndicesde crimes, em termos que denominou de “a lei daminoria”. Assim comosupertransmissores causamepidemias reais e grandeshomensdirigemahistória,assimtambéma leidaminoriaafirmaqueepidemiassociaissão“causadaspeloesforçodealgumaspessoasexcepcionais”.Porexemplo,aodiscutir omisterioso ressurgimento dos sapatos damarca Hush Puppiesemmeadosdosanos1990,Gladwellexplicaque

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o grande mistério é saber como esses calçados deixaram de ser usados apenas por algunsfashionistas deManhattan e passaram a ser vendidos em shoppings por todo o país. Qual é arelaçãoentreoEastVillageeaporçãocentraldosEstadosUnidos?Segundoa leidaminoria,arespostaparaessaperguntaéquealgumasdessaspessoasexcepcionaisdescobriramatendênciae,pormeiodecontatossociais,energia,entusiasmoepersonalidade,difundiramosHushPuppies,assimcomopessoascomoGaëtenDugaseNushawnWilliamsforamcapazesdepropagarovírusHIV.12

A lei da minoria de Gladwell é como uma droga para marqueteiros,empresários, lideranças comunitárias e praticamente qualquer pessoaenvolvidaematividadesqueformamoumanipulampessoas.Eéfácilveroporquê. Se você pode encontrar apenas essas pessoas especiais einfluenciá-las,oscontatos,aenergia,oentusiasmoeapersonalidadedelastrabalhamporvocê.Soabastanteplausível,mas,assimcomotantasideiasatraentes sobre o comportamento humano, a lei da minoria revela sermuitomaisumaquestãodepercepçãodoquederealidade.

OS“INFLUENCIADORES”

Oculpadoénovamenteosensocomum.ComoosconsultoresdemarketingEd Keller e Jon Berry afirmam: “Algumas pessoas têm mais contatos, jálerammais,sãomaisbem-informadas.Vocêprovavelmentesabedissoporexperiência própria. Você não pede ajuda a qualquer um quando estádecidindoemqualbairromorar, como fazerumplanodeprevidênciaouque tipo de computador ou carro comprar.”13 Enquanto descrição denossaspercepções,essaafirmaçãoprovavelmenteestácorreta—quandopensamos sobre o que estamos fazendo quando procuramos informação,acessoou conselhos, semdúvidadamospreferência a algumaspessoas enão a outras. Mas como já discuti, nossa percepção sobre como noscomportamos está longe de ser um reflexo perfeito da realidade. Umavariedade de pesquisas, por exemplo, sugere que a influência social émajoritariamente inconsciente, surgindo a partir de indicações sutis querecebemosdenossosamigosevizinhos,nãonecessariamente“comprando

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asopiniõesdeles”porcompleto.14Tambémnãoéclaroque,quandosomosinfluenciados dessas outras maneiras menos conscientes, reconheçamosque estamos sendo influenciados. Empregados, por exemplo, podeminfluenciar seus chefes tanto quanto os chefes podem influenciá-los,masnenhum dos dois lados costuma reconhecer o outro como fonte deinfluência—simplesmenteporquechefescostumammesmoserinfluentes,enquanto empregados não o são. Em outras palavras, nossas percepçõessobre quem nos influencia nos diz mais sobre relações sociais ehierárquicasdoqueainfluênciaemsi.Um dos aspectosmais confusos do debate sobre influenciadores é, de

fato, que ninguém pode realmente chegar a um acordo sobre quemrealmente são os influenciadores. Originalmente, o termo se referia apessoas “comuns” que acabaram por exercer um efeito extraordináriosobre seus amigos e vizinhos.Mas, na prática, todo tipo de gente é vistocomo influenciador: gigantes do entretenimento como Oprah Winfrey;fashionistas como Anna Wintour, editora da Vogue; atores e socialitesfamosos; blogueiros populares; entre vários outros. Todas essas pessoaspodem ou não ser influentes a sua própria maneira, mas o tipo deinfluênciaqueexercemvariatremendamente.OelogioqueOprahWinfreyfaz a um livro desconhecido, por exemplo, pode aumentar de formasignificativasuaschancesdeaparecernalistadosmaisvendidos,masissoporquesua influência individualéaumentadaenormementepelo impériomidiático que ela governa. Da mesma maneira, um estilista se sai bemquandoumaatrizfamosachegaàcerimôniadoOscarusandoseuvestido,mas isso também se deve ao fato de que sua chegada será filmada,divulgadaecomentadapelagrandemídia.Equandoumblogueiropopularexpressaseuentusiasmocomumdeterminadoproduto,hápotencialmentecentenas de pessoas lendo sua opinião. Mas será que sua influência éanálogaàdeumelogiodaOprah,àrecomendaçãopessoaldeumamigooualgoassim?Mesmo se limitarmos o problema à influência direta e interpessoal,

excluindoamídia,ascelebridadeseosblogueirosdomundo,aindaassim,medir a influência é muito mais difícil do que simplesmente medir o

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tamanho das correntes de mensagens. Por exemplo, para demonstrarapenasumincidentedainfluênciaentredoisamigos,AnnaeBill,éprecisodemonstrar que toda vez que Anna adota uma certa ideia ou usa certoproduto,Bill tendeaadotaramesmaideiaouausaromesmoproduto.15Acompanhar apenas uma dessas relações já não seria fácil; e como ospesquisadores logo descobriram, fazer isso com várias pessoassimultaneamenteéineficazporsermuitodifícil.Assim,emvezdeobservara influência diretamente, os pesquisadores propuseram numerosaspropostaspara a influência, como: quantos amigosum indivíduo tem, ouquantas opiniões eles manifestam, ou quanto são apaixonados ouespecializadosnumassuntoespecífico,ouquantospontoselesmarcamemalgumtestedepersonalidade—coisasquesãomaisfáceisdemedirdoquea própria influência. Infelizmente, enquanto todas essas medidas sãosubstitutas plausíveis da influência, todas partem de pressupostos sobrecomo as pessoas são influenciadas, e ninguém nunca realmente colocouesses pressupostos à prova. Na prática, portanto, não se sabe realmentequeméinfluenciadorequemnãoé.16Essaambiguidadeéconfusa,masaindanãoéafonterealdoproblema.

Se pudéssemos inventar um instrumento perfeito para medir influência,talvezdescobríssemosquealgumaspessoassãodefatomaisinfluentesqueoutras.Noentanto,algumaspessoassãomaisaltasqueoutras,eissonãoénecessariamente algo com que os marqueteiros se importem. Então porque eles estão tão interessados nos influenciadores? Considere, porexemplo,quemuitaspesquisas julgamalguém influenteseaomenos trêsconhecidos a mencionam como uma pessoa a quem pediriam conselhos.Em um mundo onde uma pessoa normal influencia apenas uma pessoa,influenciar três pessoas torna esse alguém 300% mais influente que amédia—umadiferençagrande.Masapenaselanãosolucionaostiposdeproblemasque interessamaosmarqueteiros,como lançarumprodutodesucesso,chamaratençãoparaasaúdepúblicaouaumentaraschancesdeeleiçãodeumcandidato.Todosessesproblemasrequeremquemilhõesdepessoas sejam influenciadas. Então, mesmo que cada um de seusinfluenciadores possa estimular três pessoas, você ainda vai precisar

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encontrar e estimular milhões delas, o que é bastante diferente daspremissas da lei da minoria. Na verdade, há uma solução para esseproblema também, mas ele exige que incorporemos outra ideiarelacionada,emboradistinta,sobreateoriadasredes:aideiadocontágiosocial.

INFLUENCIADORESACIDENTAIS

A ideia de contágio — segundo a qual a informação, e potencialmentetambémainfluência,podesepropagarpelasencruzilhadasdasredescomoumadoença infecciosa—éumadasmais intrigantesdaciênciaderedes.Comovimosnocapítuloanterior,quandotodosestãosendoinfluenciadosporaquiloqueoutraspessoasestãofazendo,coisassurpreendentespodemacontecer. Mas o contágio também traz implicações importantes para osinfluenciadores—porqueumavezqueosefeitosdocontágiosãolevadosem conta, a importância de um influenciador não se revela apenas pelosindivíduosqueeleinfluencioudiretamente,mastambémportodosaquelesindiretamente influenciados, por seus vizinhos, os vizinhos de seusvizinhos, e por aí em diante. É pormeio do contágio, aliás, que a lei daminoria encontra seu verdadeiro poder. Porque se apenas osinfluenciadores corretos podem iniciar uma epidemia social, então,influenciar 4 milhões de pessoas na verdade exige apenas algunsinfluenciadores.Essenãoéumbomnegócio—éumótimonegócio.Ecomoencontrar e influenciar apenas algumas pessoas é bastante diferente deencontrareinfluenciar1milhãodepessoas,issomodificaqualitativamenteanaturezadainfluência.17Entretanto, isso significa que a lei daminoria não é apenas uma,mas

duas hipóteses que foram agregadas: primeiro, que algumas pessoas sãomais influentes que outras; segundo, que a influência dessas pessoas éaumentadaporumprocessodecontágioquegeraepidemiassociais.18FoiessacombinaçãodeideiasquePeterDoddseeudecidimostestarháalguns

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anos em uma série de simulações no computador. Essas simulaçõesexigiam que escrevêssemos explicitamente os modelos matemáticos decomo a influência se propaga, então tivemos de especificar todos ospressupostosquecostumamserdeixadosdeladoemdescriçõesanedóticasdeinfluenciadores.Comodefiniruminfluenciador?Queminfluenciaquem?Quetiposdeescolhasosindivíduosestãofazendo?Ecomoessasescolhassão influenciadaspor outras?Como jádiscuti, ninguém sabe realmente arespostaparanenhumadessasperguntas;portantoénecessário,comoemtodo exercício baseado emmodelos, elencar uma série de pressupostos,que, é claro, podem estar errados. Todavia, para cobrir nossas bases omáximopossível,consideramosduasclassesmuitodiferentesdemodelos,cadaumaestudadahádécadasporcientistassociaisedemarketing.19O primeiro era uma versão do modelo de motim de Granovetter, do

capítuloanterior.Diferentementedessemodelo,entretanto—noqualcadaum dos presentes na multidão observava todos a seu redor —, asinteraçõesentreindivíduosforamespecificadasporumaredenaqualcadaindivíduo podia observar apenas um pequeno grupo de amigos ouconhecidos. O segundo modelo era uma versão do “modelo de Bass”,batizadoemhomenagemaFrankBass,oprimeirocientistademarketingquepropôsesse formatocomoummodelodeadoçãodeproduto,porémintimamente relacionado a um modelo ainda mais antigo utilizado pormatemáticos epidemiologistas para estudar a propagação de doençasbiológicas. Em outras palavras, enquanto o modelo de Granovetterpressupõe que indivíduos adotam algo quando uma certa fração de seuscompanheirosofazem,omodelodeBasspressupõequeaadoçãofuncionacomo um processo de contaminação, com indivíduos “suscetíveis” e“contagiados” interagindo em encruzilhadas da rede.20 Os dois modelosparecemsemelhantes,masnaverdadesãobastantediferentes—oqueeraimportante, pois não queríamos que nossas conclusões sobre o efeito deinfluenciadoresdependessemmuitodospressupostosdenenhumdosdois.O que descobrimos foi que, sob a maioria das condições, indivíduos

altamente influentes de fato foram mais bem-sucedidos do que outraspessoasnatentativadedesencadearepidemiassociais.Massuainfluência

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relativa foi muito menor do que a sugerida pela lei da minoria. Parailustrar,considereum“influenciador”queagediretamentetrêsvezesmaissobrecolegasdoqueumapessoanormal.Édeesperarque,sobasmesmascondições, ele influencie indiretamente também três vezesmais pessoas.Em outras palavras, o influenciador iria exibir um “efeito multiplicador”sobreostrês.Aleidaminoria,valelembrar,afirmaqueoefeitoseriaaindamaior—queadesproporcionalidadedeveriaser“extrema”—,masoquedescobrimos foi o oposto.21 Em geral, o efeito multiplicador de uminfluenciadorcomoessefoibemmenorquetrês,eemmuitoscasoselenãoera nem um pouco mais efetivo. Em outras palavras: os influenciadorespodemexistir,masnãosãootipoprevistopelaleidaminoria.Arazãoparaissoé,simplesmente,quequandoainfluênciaépropagada

porumprocessocontagioso,oresultadodependemuitomaisdaestruturageraldarededoquedaspropriedadesdosindivíduosqueadesencadeiam.Assim como um incêndio em uma floresta depende de uma conspiraçãoentre vento, temperatura, baixa umidade e combustível para dar início auma fogueira incontrolável que se espalhapor grandespedaçosde terra,epidemias sociais dependem apenas de condições específicas sendosatisfeitaspelaredede influências.Comoacabamospordescobrir,amaisimportante condição não tinha nada a ver com os poucos indivíduosaltamente influentes. Na verdade, ela dependia da existência de umagrande massa de pessoas facilmente influenciáveis que influenciavamoutras pessoas facilmente influenciáveis. Quando essa grande massaexistia, até um indivíduo normal conseguia desencadear uma grandecascata—assimcomoqualquer fagulhaserásuficienteparadesencadearumgrande incêndionuma floresta quando as condições estão adequadaspara isso. Da mesma forma, quando a grande massa não existia, nemmesmo o indivíduomais influente conseguia desencadearmuita coisa. Oresultadoéque,anãoserquepossamosverondeindivíduosemparticularse encaixam na rede inteira, não podemos fazer previsões sobre quãoinfluenteelesserão—nãoimportaoquepossamosavaliarnele.Quandoouvimos falaremumgrande incêndiona floresta, é claro,não

pensamos que deve ter havido nada especial na fagulha que o iniciou. A

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ideiachegaaserrisível.Porém,quandovemosalgoespecialacontecendono mundo social, instantaneamente somos atraídos pela ideia de que apessoaquecomeçoudeveserespecialtambém.E,éclaro,semprequeumagrande cascata acontecia em nossas simulações, era necessariamente ocaso de alguém ter começado. Por mais comum que essa pessoa tenhaparecido no início, em retrospecto ela se encaixava exatamente nadescriçãodaleidaminoria:a“pequenaporcentagemdepessoasquefazamaioriadotrabalho”.Oquedescobrimoscomnossassimulações,contudo,foiquenãohavianada de especialnesses indivíduos—porqueassimoscriamos. A maior parte do trabalho foi feita não por uma pequenaporcentagem de pessoas que agiram como desencadeadoras, mas pelamassamuitomaiordepessoasfacilmenteinfluenciáveis.Oqueconcluímos,portanto,foiqueotipodepessoainfluente,cujaenergiaecontatospodemtransformar seu livro emumcampeãode vendasou seuproduto emumsucesso, é provavelmente um acidente domomento e das circunstâncias.Um“influenciadoracidental”,nofimdascontas.22

“INFLUENCIADORESCOMUNS”NOTWITTER

Comomuitos logo notaram, essa conclusão foi inteiramente baseada emsimulações feitasnocomputador.E, como jámencionei, essas simulaçõeseram versões bastante simplificadas da realidade, tendo como ponto departida um grande número de pressupostos que podem estar errados.Simulações no computador são ferramentas úteis que podem levar agrandesconclusões.Mas,nofim,sãomaisexperiênciasdopensamentodoqueexperiênciasreaise,comotais,maisapropriadasparalevantarnovasquestões do que para respondê-las. Então se realmente quisermos sabercomoindivíduossãocapazesdeestimularadifusãodeideias,informaçõese influências — e se esses influenciadores existem, quais atributos osdiferenciamdaspessoascomuns—,precisaremosrealizarexperiênciasno

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mundoreal.Masestudararelaçãoentreinfluênciaindividualeseuimpactoemgrandeescalasobreomundorealémaisdifícildoqueparece.O principal problema é que seria preciso uma quantidade enorme de

informações, a maior parte delas muito difícil de ser coletada. Apenasdemonstrarqueumapessoainfluenciououtrajáédifícilosuficiente.Esequisermosestenderaconexãoatéamaneiracomose influenciamgruposmaiores,seráprecisocoletarinformaçõessimilaresparacadeiasinteirasdeinfluência, nas quais uma pessoa influencia outra, que por sua vezinfluenciaoutra,eassimpordiante.Logoestaremosfalandodemilharesouatémesmomilhões de interações, apenas para retraçar amaneira comoumaúnicainformaçãofoipropagada.E,idealmente,iríamosquererestudartodos esses casos. É uma quantidade assustadora de informações paratestaroquepareceserumaafirmaçãorelativamenteclara—quealgumaspessoassãomaissignificantesqueoutras—,masnãohácomofugirdisso.Tamanha dificuldade também ajuda a explicar por que pesquisas dedifusão,comosãoconhecidas,continuamsendohátantotempoumassuntotão cercado de mitos: quando é impossível provar alguma coisa, todosestãolivresparaproporqualquerhistóriaplausívelquequiserem.Nãohácomosaberquemestácerto.Comodemonstramexperiências taisquaisoMusicLab,a internetestá

começandoatransformaressecenáriodemaneiramuitoimportante.Umaboaparceladepesquisasrecentescomeçouaexploraradifusãoemredessociaisnumaescalaqueseria inimaginávelháumadécada.Postagensemblogsdifundem-se entre redesdeblogueiros. Páginasde fãs difundem-seentreredesdeamigosnoFacebook.Habilidadesespeciaisconhecidascomogestures difundem-se entre participantes do jogo on-line Second Life. Eserviçosdevozdifundiram-seemconversasentreamigosporprogramasde mensagens instantâneas.23 Inspirados por esses estudos, eu e meuscolegasdaYahoo! JakeHofmaneWinterMason, juntocomEytanBakshy,umtalentosoestudantedaUniversidadedeMichigan,decidimosinvestigaradifusãodeinformaçõesnamaiorrededecomunicaçõesaquepoderíamoster acesso: o Twitter. Ao longo do processo, procuraríamosinfluenciadores.23

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Emmuitosaspectos,oTwitteréidealparaesseobjetivo.DiferentementedoFacebook,digamos,emqueaspessoasconectam-seumasàsoutrasporuma multiplicidade de razões, o único objetivo do Twitter é repassarinformaçõesaoutraspessoas—seus“seguidores”—,queexplicitamenteindicaram que querem saber o que você tem a dizer. Fazer as pessoasprestarem atenção em você— em outras palavras, influenciá-las— é oobjetivodoTwitter.Emsegundolugar,oTwitterénotavelmentevariado.Muitos usuários são pessoas comuns cujos seguidores, em geral, sãoamigos interessados em manter contato. Mas muitos dos usuários maisseguidosnoTwittersãopessoaspúblicas,incluindoblogueiros,jornalistas,celebridades(AshtonKutcher,ShaquilleO’Neal,Oprah),gigantesdamídiacomo a CNN e atémesmo órgãos públicos e ONGs (o governo Obama, oprimeiro-ministro britânico, o Fórum Econômico Mundial). Essadiversidade foi de grande ajuda, pois nos permitiu comparar a força depossíveisinfluenciadores—desdepessoascomunsatéOpraheAshton—demaneiraconsistente.Finalmente, apesar demuitos tuítes serem apenas atualizações banais

(“Tomando café na Starbucks da Broadway! Que dia lindo!!”), muitosreferem-se a conteúdos on-line, comonotícias recém-divulgadas e vídeosengraçados,ouaoutrascoisasnomundo,comolivros,filmesetc.,sobreasquais os usuários do Twitter querem expressar sua opinião. E como oformatodoTwitterlimitaasmensagensa140caracteres,osusuáriosporvezesfazemusode“encurtadoresdeURL”,comoobit.ly,parasubstituiraURL longa e confusa do site original por algo como http://bit.ly/beRKJo.Uma coisa interessante desses encurtadores de URL é que elesefetivamente atribuem um código único para todo tipo de conteúdopropagado pelo Twitter. Assim, quando um usuário quiser “retuitar”alguma coisa, é possível ver de onde ela partiu originalmente, traçandoentãocorrentesdedifusãoaolongodosseguidores.Nototal,acompanhamosmaisde74milhõesdessascorrentesdedifusão

iniciadaspormaisde1,6milhãodeusuários,aolongodeumintervalodedoismeses,nofinalde2009.Paracadaum,contamosonúmerodevezesqueaURLemquestãofoiretuitada—primeiropelosseguidoresimediatos

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do usuário “semeador”, em seguida por seus seguidores, depois pelosseguidores dos seguidores, e assim por diante—, acompanhando, dessaforma, todaa “cascata”deretuítesdesencadeadosporcada tuíteoriginal.Como mostra a figura, algumas dessas cascatas eram estreitas e rasas,enquanto outras eram largas e profundas. Outras eram ainda bastantegrandes, com estrutura complexa, começando timidamente e escorrendoantesdeganhardestaqueemalgumoutrolugardarede.Entretanto,acimade tudo, descobrimosque a enormemaioria de tentativas de cascatas—cercade98%doscasos—nãosepropagou.

CascatasnoTwitter

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Esse resultado é importante, já que, como discutirei maisdetalhadamente no próximo capítulo, se quisermos entender por quealgumascoisassetornam“virais”—osocasionaisvídeosdoYouTubequeatraemmilhõesdevisualizações,outextosengraçadosquecirculampore-mailouviaFacebook—,éumerroconsiderarapenasaquelespoucosquedefatotiveramsucesso.Namaiorpartedoscasos,infelizmente,épossívelestudarapenasoscasosdesucessopelasimplesrazãodequeninguémsepreocupa em registrar todos os fracassos, que têm a tendência de seremvarridosparabaixodotapete.Contudo,noTwitterpodemosacompanhartodo e qualquer evento, por menor que ele seja, o que nos permitedescobrir quem é influente, quão mais influente em relação às pessoascomuns esse usuário realmente é, e se é possível ou não analisar asdiferençasentreindivíduosdeumamaneiraquepoderiaserexplorada.Nosso objetivo com esse exercício foi imitar o que um marqueteiro

hipotéticopoderiatentarfazer—istoé,usartudooquesesabesobreosatributos e o desempenho anterior de mais ou menos 1 milhão deindivíduosparapredizerainfluênciadecadaumdelesnofuturo.Baseadonessaspredições, omarqueteiropoderia então “patrocinar”umgrupodepessoas para tuitar qualquer informação que ele quisesse disseminar,dando início, dessa forma, a uma série de cascatas. Quanto melhor ummarqueteiropuderpreveraabrangênciadacascataquequalquerindivíduopoderá desencadear, mais eficientemente ele poderá investir em tuítespatrocinados. Na verdade, conduzir uma experiência como essa ainda éextremamentedifícilnaprática,então,emvezdisso,tentamosaomáximonos aproximar do real, usando as informações que já havíamos coletado.Especificamente, dividimos nossas informações em duas partes,determinando demaneira artificial o primeiromês de nosso período detempo como nosso “histórico” e a segundametade como “futuro”. Entãotransformamostodasasnossasinformaçõesde“histórico”emummodeloestatístico, incluindo quantos seguidores cada usuário tinha, quantosestavam seguindo, a frequência com que tuitavam, quando haviam secadastrado no Twitter e quão bem-sucedidos haviam sido em provocarcascatasduranteesseperíodo.Finalmente,usamosomodelopara“prever”

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oníveldeinfluênciaquecadausuárioteriaemnossosdadosdo“futuro”everificamos o desempenho do modelo em relação ao que realmenteaconteceu.Em poucas palavras, o que descobrimos foi que previsões em nível

individualsãorepletasderuídos.Apesardeatendênciaserqueindivíduospromotoresdecascatanopassadoecommuitosseguidorestivessemmaischances de promovê-los no futuro, casos individuais acontecerammuitoaleatoriamente. Assim como aconteceu com a Mona Lisa, para cadaindivíduoqueexibiuosatributosdeumbominfluenciador,houvemuitosoutrosusuárioscomatributosidênticosquenãosesaírambem.Damesmaforma, essa incerteza não surgiu simplesmente porque não conseguimosavaliaros atributos corretos—naverdade, tínhamosmaisdadosdoquequalquermarqueteirocostumater—ouanalisá-losdamaneiraadequada.Oproblemaeraque,assimcomoassimulaçõesdiscutidasanteriormente,muito daquilo que provoca difusões de sucesso depende de fatores queestão além do controle dos semeadores individuais. Ou seja: o que esseresultadosugere,équeestratégiasdemarketingfocadasematingiralgunspoucosindivíduos“especiais”nãosãoconfiáveis.Comoadministradoresdeverba responsáveis, portanto, os marqueteiros devem adotar umaabordagem de “portfólio”, procurando atingir um grande número deinfluenciadores em potencial e controlar o efeito geral, dessa formareduzindoefetivamenteaaleatoriedadequesedáemtermosdeindivíduosisolados.24Apesar de promissora em teoria, uma abordagem de portfólio levanta

uma nova questão: a relação custo-benefício. Para ilustrar esse ponto,considerem uma notícia recente no New York Times que dizia que KimKardashian,estreladeumrealityshow,estavaganhando10mildólaresportuíte de vários patrocinadores que lhe pediam que mencionasse seusprodutos. Na época, Kim já tinha bemmais que 1milhão de seguidores,entãopareciaplausívelquepagaralguémcomoelairiagerarmaisatençãodo que pagar alguma pessoa comum com apenas algumas centenas deseguidores.Mas como eles escolheramessa pessoa emparticular? Isto é,pessoas comuns podem estar dispostas a tuitar sobre determinados

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produtos por bemmenos que 10mil dólares. Portanto, se indivíduos demaior visibilidade “custam” mais que pessoas de menor visibilidade, osmarqueteiros deveriammirar em um número relativamente pequeno deindivíduos mais influentes e mais caros, ou em um grupo maior deindivíduosmenosinfluentesemenoscaros?Ouaindamelhor:comoatingirumpontodeequilíbrio?25Arigor, a respostapara essaperguntadependedas especificidadesdo

valor que diferentes usuários do Twitter cobrariam para marqueteiroshipotéticospatrocinaremsuasmensagens—esedefatoelesconcordariamcom um acordo desses. Todavia, como exercício especulativo, testamosuma variedade de pressupostos plausíveis, cada qual correspondendo auma campanha de marketing hipotética “baseada em influências”, emedimos o retorno do investimento usando omesmomodelo estatísticoaquiexplicado.Oquedescobrimosfoisurpreendenteatémesmoparanós:apesardeasKimKardashiansdomundoseremdefatomaisinfluentesqueamédia,elas foramtãomaiscarasquenão fizeramvalero investimento.Em vez disso, foram o que chamamos de influenciadores comuns, osindivíduos que exibem poder de influência padrão, ou ainda abaixo damédia,quesemostraramcomoomelhorcusto-benefícioparadisseminarinformações.

ORETORNODORACIOCÍNIOCIRCULAR

AntesquevocêcorraparacancelarseusinvestimentosemKimKardashian,devo enfatizar que não conduzimos realmente a experiência queimaginamos. Apesar de termos estudado dados domundo real, não umasimulaçãonocomputador,nossosmodelosestatísticosaindadependiamdemuitas pressuposições. Supondo, por exemplo, que nosso marqueteirohipotético pudesse persuadir algunsmilhares de influenciadores comunsparatuitaralgosobreseuproduto,nãoécertoqueseusseguidoresfossemresponder tão favoravelmente quanto com tuítes “normais”. Como

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qualquerpessoaquetenhaumamigoquejátentoulhevenderprodutosdaAvon ou daNatura sabe, há algo um tanto repulsivo em umamensagemcomercial embutida em uma comunicação pessoal. Pessoas que seguemKimKardashian, entretanto, podem não ter essa preocupação; assim, elapode ser mais eficiente na vida real do que nossa pesquisa poderiadeterminar.Outalveznossaavaliaçãodainfluência—onúmeroderetuítes—sejaaavaliaçãoerrada.Avaliamosporqueéoquepodíamosavaliar, eisso definitivamente era melhor que nada. Mas, presume-se, o querealmenteimportaavocêéquemuitaspessoascliquememumlink,doemdinheiro a uma organização de caridade ou comprem seu produto. ÉpossívelqueosseguidoresdeKimfaçamissoporinfluênciadostuítesdelamesmoquenãorepassemparaseusamigos—nessecaso,novamente,nósteremossubestimadoainfluênciadaspersonalidades.Porém, mais uma vez, talvez não. No fim, simplesmente não sabemos

quem é influente ou o que os influenciadores, seja lá como eles sejamdefinidos,podemrealizar.Atéquesejapossívelavaliarainfluênciaapartirde algum resultado que realmente importe para nós, e até que alguémrealizeexperimentoscomomundorealquepossammedirainfluênciadediferentesindivíduos,todoresultado—inclusiveonosso—deveservistocom certa desconfiança. Contudo, as descobertas que expus aqui — aexperiência do mundo pequeno, os estudos de influência simuladadisseminando-se pela rede e o estudo do Twitter — devem levantaralgumas dúvidas sérias sobre afirmações como a da lei da minoria, queexplicam epidemias sociais como o fruto da ação de uma minúsculaminoriadepessoasespeciais.Na verdade, não é claro nem mesmo que epidemias sociais sejam a

maneiracorretadepensarmossobremudançassociais.ApesardeonossoestudonoTwitterterdescobertoqueeventossemelhantesaepidemiasdefatoocorrem, tambémdescobrimosqueelessão incrivelmenteraros.Dos74milhõesdeeventosemnossosdados, apenasalgumasdúziasgerarampelomenosmilretuítes,eapenasumoudoischegarama10mil.Emumaredecomdezenasdemilhõesdeusuários,10milnãopareceumnúmerotãogrande,masoquenossosdadosmostraramfoiqueatémesmo issoé

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quase impossível de conseguir. Porquestõespráticas, portanto, émelhoresquecerumagrandeeúnica cascata e, emvezdisso, tentar gerarváriascascatinhas.Eparaesseobjetivo,influenciadorescomunspodemfuncionarmuito bem. Eles não atingem resultados fantásticos, então você podeprecisar de vários deles, mas ao elencar muitos desses indivíduos vocêpodetambémeliminarumaboapartedaaleatoriedade,gerandoumefeitopositivoconsistente.Finalmente, e afora quaisquerdescobertas específicas, essas pesquisas

nos ajudam a ver uma grande falha do pensamento do senso comum. Éirônicoquealeidaminoriasejaretratadacomoumaideiacontraintuitivaporque, na verdade, estamos tão acostumados a pensar em termos depessoas especiais que a afirmação de que algumas pessoas especiais sãoresponsáveispelamaiorpartedoresultadoé,sim,extremamentenatural.Pensamosqueaoreconheceraimportânciadainfluênciainterpessoaledasredessociaisdealgumaformativéssemosfugidodaafirmaçãodocapítuloanterior,deque “Xaconteceuporque foioqueaspessoasqueriam”.Masquando tentamos imaginar como uma complexa rede de milhões depessoasestáconectada—ou,aindamaiscomplicado,comoainfluênciasepropaga por ela —, nossa intuição é imediatamente derrotada. Aoefetivamente concentrar toda a ação nas mãos de alguns indivíduos,argumentos de “pessoas especiais” como a lei da minoria reduzem oproblema de compreender a maneira como a estrutura de redes afetaresultados, transformando-o no problema muito mais simples dacompreensãodaquiloquemotivaaspessoasespeciais.Assimcomo todasasexplicaçõesdosensocomum,parecerazoávelepodeatéestarcerto.Masao afirmar que “X aconteceu porque algumas pessoas especiais fizeramcomqueacontecesse”,substituímosumraciocíniocircularporoutro.

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5HISTÓRIA,ESSEPROFESSORINDECISO

Amensagemdos três capítulos anteriores é que as explicações do sensocomum são muitas vezes caracterizadas pelo raciocínio circular. Osprofessores trapacearamnasprovasdeseusalunosporque foi issooqueseusincentivososlevaramafazer.AMonaLisaéoquadromaisfamosodomundoporquetemtodososatributosdaMonaLisa.Aspessoaspararamdecomprar caminhonetes poluentes porque as normas sociais agora ditamque as pessoas não devem comprar caminhonetes poluentes. E algumaspessoas especiais fizeram renascer a moda de uma marca de calçadosporquealgumaspessoascomeçaramausaressescalçadosantesdeoutras.Todas essas afirmações podem ser verdadeiras, mas o que todas, naverdade, nos dizem é que tudo o que aconteceu aconteceu, e não outracoisa. E como tais constatações só podem se dar depois que sabemos doresultado, nunca podemos ter certeza de quanto essas explicaçõesrealmenteexplicam,alémdeapenasdescrever.Omais curioso em relação a esse problema, entretanto, é quemesmo

quesevejaacircularidadeinerenteàsexplicaçõesdosensocomum,aindanão fica óbvio o que está errado com elas. Afinal de contas, na ciênciatambémnãonecessariamentesabemosporqueascoisasacontecem,maspodemos descobrir fazendo experiências em laboratório ou observandoregularidadessistemáticasnomundo.Porquenãopodemosaprendercomahistóriadamesmamaneira?Istoé,pensenahistóriacomoumasériedeexperiênciasnasquaisalgumas“leis”geraisdecausaeefeitodeterminamos resultados que observamos. Ao juntarmos sistematicamente as peças

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dasregularidadesemnossasobservações,nãopodemosinferirtodasessasleisexatamentecomofazemosnoâmbitodaciência?Porexemplo,imagineque um concurso em que duas grandes obras de arte disputam atençãofosseumaexperiênciaprojetadapara identificarosatributosdasgrandesobras.AindaquesejaverdadequeantesdoséculoXXnãoeraóbvioqueaMonaLisa fossese tornarapinturamais famosadomundo,nós teríamosconduzidoaexperiênciaejáteríamosumaresposta.PoderíamosaindanãoestaraptosadizeroquehánaMonaLisaqueatornaúnica,masteríamosao menos algumas informações. Ainda que nossas explicações do sensocomumtenhamumatendênciaaconfundiroqueaconteceucomoporquêdeissoteracontecido,seráquesimplesmentenãoestamosdandoomelhordenósmesmosparaagirmoscomobonsexperimentalistas?1De certamaneira, a resposta é sim. Provavelmente estamos fazendo o

melhor que podemos, e, nas circunstâncias corretas, aprender com aobservação e a experiência pode funcionar muito bem. Mas aí está aarmadilha:parapodermosinferirque“AcausaB”,precisamossercapazesderealizaraexperiênciamuitasvezes.Digamos,porexemplo,queAéumnovomedicamento para reduzir o colesterol “ruim” e B é o risco de umpaciente desenvolver uma doença cardíaca nos próximos dez anos. Se ofabricantepudermostrarqueumpacientequetomaomedicamentoAficasignificativamentemenospropensoadesenvolverumadoençacardíacadoqueumapessoaquenãotomaomedicamento,entãoelepodeafirmarqueo medicamento pode ajudar a prevenir doenças cardíacas; do contrário,não.Mascomoumapessoapodeapenasreceberounãoomedicamento,aúnicamaneira de provar que ele está causando algum efeito é realizar a“experiência”diversasvezes,quandooexemplodeumapessoacontacomouma única rodada. Dessa forma, os testes de um medicamento exigemmuitos participantes randomicamente escolhidos para se submeter aotratamento ou não. O efeito do medicamento é então medido como adiferença de resultados entre os grupos de “tratamento” e “controle”, equanto menor o efeito, maior a quantidade de testes necessários paradescartaroacasocomoexplicação.

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Em algumas situações do dia a dia em que se exige a resolução deproblemas,nosquaisencontramoscircunstânciasmaisoumenossimilaresrepetidasvezes,podemosnosaproximarbastantedascondiçõesdostestesde medicamento. Ao dirigirmos do trabalho para casa diariamente, porexemplo,podemosexperimentardiferentesrotasoudiferenteshoráriosdepartida. Ao repetir essas variações diversas vezes, e presumindo que otráfego em um dia é mais ou menos igual ao do dia seguinte, podemosefetivamenteignorartodasascomplexasrelaçõesdecausaeefeitoapenasobservando qual rota resulta nomenor tempo de viagem, emmédia. Damesmaforma,otipodeconhecimentobaseadoemexperiênciaquederivado treinamento profissional, seja na medicina, na engenharia ou noExército,funcionadomesmojeito—expondorepetidamenteosestagiáriosa situações o mais semelhantes possível às situações com as quais elesdevemlidaremsuasfuturacarreiras.2

AHISTÓRIASÓACONTECEUMAVEZ

Sabendo como essa abordagem quase experimental de aprendizadofuncionaemsituaçõesdodiaadiaena formaçãoprofissional, talveznãoseja surpreendente que nossas explicações baseadas no senso comumimplicitamente apliquem o mesmo raciocínio para explicar tambémacontecimentos econômicos, políticos e culturais.Maspor enquanto vocêprovavelmente suspeita aonde isso vai nos levar. Para problemas deeconomia, política e cultura— problemas que envolvemmuitas pessoasinteragindo ao longo do tempo —, a combinação do problema doenquadramentoedoproblemamicro-macrosignificaque toda situaçãoédiferente das situações que vimos anteriormente em algum aspectoimportante. Assim, nós nunca podemos realmente conduzir a mesmaexperiênciamaisdeumavez.Emalgumnível,entendemosesseproblema.Ninguém pensa que a guerra no Iraque é diretamente comparável à noVietnãouatémesmoànoAfeganistão,portantoéprecisosercuidadosoao

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aplicar as lições aprendidas em um acontecimento. Da mesma forma,ninguémacreditaqueaoestudarmososucessodaMonaLisapodemosdemaneirarealistaesperarcompreendermuitosobreosucessoeofracassode artistas contemporâneos. Ainda assim, porém, esperamos aprenderalgumas lições com a história, e é muito fácil persuadirmo-nos de queaprendemosmaiscoisasdoquerealmenteaprendemos.Porexemplo,achamada invasãodoIraquenofinalde2007causoude

fato a subsequente queda dos índices de violência no início de 2008?Intuitivamente a resposta parece ser sim — não apenas os índices deviolência caíramdemaneira razoável logo após a invasão, como tambémela foi especificamente planejada para se obter esse resultado. Acombinação de intencionalidade e momento sugere fortemente acausalidade, assim como as repetidas afirmações de uma administraçãobuscando algo bom para levar o crédito. Mas muitas outras coisasaconteceram entre o final de 2007 e o início de 2008. A brigada daresistência sunita, vendo uma ameaça ainda maior nas organizaçõesterroristascomoaAl-Qaedadoquenossoldadosamericanos,passaramacooperar com os outrora ocupantes. As milícias xiitas — maisdestacadamenteoexércitomahdideMoktadaSadr—tambémcomeçarama vivenciar um abalo em suas estruturas, o que talvez os tenha levado amoderar seu comportamento. E o Exército e a polícia iraquianas,finalmente demonstrando competência suficiente para derrubar asmilícias, começaram a se afirmar, assim como o governo iraquiano.Qualquerumdessesfatorespodetersidotãoresponsávelpelaquedanosíndices de violência quanto a invasão. Ou talvez tenha sido umacombinaçãodefatores.Outalveztenhasidoalgocompletamentediferente.Comosaber?Uma maneira de se certificar seria “reprisando” a história diversas

vezes,maisoumenoscomonaexperiênciadoMusicLab,everificaroqueteria acontecido com e sem a invasão. Se em todas essas versõesalternativas da história os índices de violência caíssem sempre quehouvesse a invasão e não caísse quando não houvesse a invasão, entãopoderíamosdizercomcertaconvicçãoqueainvasãocausouaqueda.E,ao

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contrário, se descobríssemos que na maior parte das vezes em quehouvesse a invasão nada acontecia com os índices de violência, oudescobrirmos que os índices de violência caíssem com invasão ou não,entãooquequerquetenhacausadoaquedaclaramentenãofoiainvasão.Navidareal,éclaro,essaexperiênciapôdeserrealizadaapenasumavez,então nunca pudemos conferir se todas as outras versões desseacontecimentoteriamdesfechosdiferentes.Comoresultado,nãopodemosrealmentenoscertificardomotivoquecausouaquedadosíndices.Masemvezdeproduzirdúvidas,aausênciadeversões“contrafactuais”dahistóriatendeateroefeitooposto:perceberoqueaconteceucomoinevitável.Essa tendência, que os psicólogos chamam de creeping determinism,

determinismogradual,estárelacionadaaofenômenomaisconhecidocomohindsight bias, viés retrospectivo, a impressão que surge após oacontecimento que nos faz acreditar que “sabíamosdisso o tempo todo”.Em diversas experiências de laboratório, psicólogos pediram aosparticipantes que fizessem previsões sobre eventos futuros e depois osentrevistaramnovamenteapósoseventosemquestão.Aorelembrarsuasprevisões anteriores, osparticipantesdisseramestarmais certosde suasprevisões corretas e menos certos de suas previsões incorretas do queafirmaramna primeira entrevista. O determinismo gradual, entretanto, ésutilmente diferente do viés retrospectivo e ainda mais enganoso. Naverdade,oviésretrospectivopodeserneutralizadolembrandoaspessoasdaquilo que elas disseramantes de saberema resposta ou forçando-as aregistrar suas previsões.Mesmo que lembremos perfeita e corretamentecomo estávamos incertos sobre a maneira como os eventos iriam sedesenrolar—mesmoquandoadmitimosquefomospegosdesurpresa—,ainda temos a tendência de tratar o resultado real como inevitável.Anteriormente, por exemplo, pode ter parecido que a invasão não teriacomo efeito a quedanos índices de violência.Mas uma vez que sabemosqueaquedaéoquerealmenteaconteceu,nãoimportasesabíamosounãoo tempo todo que isso iria acontecer (viés retrospectivo). Aindaacreditamosqueiriamesmoacontecer,porqueaconteceu.3

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AMOSTRAPOLARIZADA

O determinismo gradual significa que prestamos menos atenção do quedeveríamosnascoisasquenãoacontecem.Mastambémprestamosmenosatenção do que deveríamos à maioria das coisas que acontecem.Percebemosquandoperdemosometrôporpouco,masnãotodasasvezesemqueelechegoupoucodepoisdenós.Percebemosquandoencontramosporacasoumconhecidonoaeroporto,masnãotodasasvezesemqueissonãoacontece.PercebemosquandoumgerentedefundosatingeoS&P500dez anos seguidos, ou quando um jogador de basquete está com a “mãosanta”,ouquandoumjogadordebeisebolestáemumamarédesorte,masnão todas as vezes em que gerentes e esportistas de todo tipo não sedestacam.Epercebemosquandoumanova tendênciaapareceouquandoumapequenaempresasetornaumfenômenodesucesso,masnãotodasasvezes em que tendências em potencial ou novas empresas desaparecemantesmesmodeficaremmarcadosnamemóriadopúblico.Assim comonossa tendênciade enfatizar as coisas que acontecerame

nãoascoisasquenãoaconteceram,nossainclinaçãoparanotarmoscoisas“interessantes” é completamente compreensível. Por que nosinteressaríamosporcoisasdesinteressantes?Contudo,issoexacerbanossatendência a construir explicações que dão conta de apenas parte dasinformações. Se quisermos saber por que algumas pessoas são ricas, porexemplo,ouporquealgumasempresassãobem-sucedidas,podeparecerrazoável procurar pessoas ricas ou empresas de sucesso e identificar osatributos que elas têm em comum. Mas o que esse exercício não poderevelaréquese,emvezdisso,procurarmospessoasquenãosãoricasouempresas não tão bem-sucedidas, podemos talvez descobrir que elastambém têm essesmesmos atributos. A únicamaneira de identificarmosatributosquediferenciamosucessodofracassoéconsiderarosdoistipos,e procurar diferenças sistemáticas. Mas como o que nos importa é osucesso, pode parecer inútil— ou simplesmente desinteressante— nospreocuparmos com a ausência de sucesso. Assim, inferimos que certos

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atributosestãorelacionadosaosucesso,quando,naverdade,podemestarigualmenterelacionadosaofracasso.Esseproblemade“amostraspolarizadas”éespecialmentegravequando

ascoisasàsquaisprestamosatenção—osacontecimentosinteressantes—acontecemapenasraramente.Porexemplo,quandoovoo2605daWesternAirlinescaiusobreumcaminhãoestacionadoemumapistadesativadanaCidade doMéxico no dia 31 de outubro de 1979, os investigadores logoidentificaram cinco fatores que contribuíram para o acidente. Primeiro,tanto o piloto quanto omotorista estavam cansados, tendo tido cada umapenas algumas horas de sono nas 24 horas anteriores. Segundo, houveuma confusão na comunicação entre a tripulação e os controladores detráfego aéreo, que instruíram o piloto a entrar numa área de alcance doradarqueabrangiaapistaabandonadaeentãovirarparaapistaativa,paraopouso.Terceiro,essafalhadecomunicaçãofoiagravadaporumrádioqueapresentavaproblemasde funcionamento, que falhouduranteumapartecrítica da comunicação, quando a confusão poderia ter sido resolvida.Quarto,oaeroportoestavaenvoltoporumaneblinaintensa,obscurecendotanto o avião quanto a pista ativa. E quinto, o controlador de solo seconfundiuduranteacomunicaçãofinal,provavelmentedevidoaoestresse,epensouqueapistadesativadaforaacesa.ComoopsicólogoRobynDawesexplicaemseurelatosobreoacidente,a

investigaçãoconcluiuqueapesardenenhumdessesfatores—ocansaço,afalha de comunicação, o funcionamento ruim do rádio, as condições devisibilidadeeestresse—tenhacausadooacidenteporsisó,acombinaçãodetodoscincosemostroufatal.Pareceumaconclusãobastanterazoável,eé consistente com as explicações que temos sobre quedas de aviões deformageral.MascomoDawestambémnota,essescincofatoresacontecemsimultaneamenteotempotodo, inclusiveemmuitas,muitassituaçõesemqueaviõesnãocaíram.Então,seemvezdecomeçarcomaquedaevoltarao início para identificar suas causas, trabalharmos do passado aopresente,contandotodasasvezesemqueobservamosalgumacombinaçãode cansaço, falhas de comunicação, mau funcionamento de rádios,

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condições de visibilidade e estresse, é possível que amaior parte desseseventosnãoresulteemquedas.4Adiferençaentreessasduasmaneirasdeobservaromundoéilustrada

nafiguraaseguir.Àesquerda,vemososcincofatoresderiscoidentificadospelainvestigaçãodaquedadovoo2605eseusresultadoscorrespondentes.Umdessesresultadossemdúvidaéaqueda,mashátambémoutros.Querdizer, esses fatores são “necessários mas não suficientes”: sem eles, éextremamente improvável que a queda não tivesse acontecido; mas sóporque eles estão presentes não significa que uma queda vai acontecer,nem ao menos indica essa probabilidade. Uma vez que a queda ocorre,entretanto,nossavisãodomundomudaparaadireita.Agoratodasas“nãoquedas”desapareceram,porquenãoestamosmaistentandoexplicá-las—estamosapenastentandoexplicaraqueda—,etodasassetasdosfatores,até as não quedas, desapareceram também. O resultado é que o mesmoconjuntodefatoresqueàesquerdafizeramumpéssimotrabalhoaopreveraquedaagoraparecemfazerumexcelentetrabalho.

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Aoidentificarascondiçõesnecessárias,asinvestigaçõesqueseseguema quedas de aviões ajudam a mantê-las como eventos raros — o que,obviamente, é uma coisa boa —, mas a tentação resultante de tratá-lascomo condições suficientes inevitavelmente causa confusão em nossaintuiçãoaopensarmosemporquequedasacontecemquandoacontecem.Eomesmoé válidoparaoutros eventos raros, comohomicídios emmassaemescolas,ataquesterroristasequedasbruscasdebolsas.Muitos jovensque entram atirando em escolas, por exemplo, são garotos que têmrelacionamentosdistantes ou complicados comospais, foramexpostos aprogramas de TV e jogos de videogame violentos, foram excluídos peloscolegase tinhamfantasiasdevingança.Masessasmesmascaracterísticasdescrevem literalmente milhares de garotos adolescentes, cuja maiorianunca vai machucar ninguém.5 Da mesma forma, o chamado erro desistemaquequasepermitiuqueUmarFaroukAbdulmutallab,umnigerianode23anos,derrubasseumvoodaNorthwestAirlinescomdestinoaDetroitno Natal de 2009 compreende o tipo de erro e omissão que tende aacontecernasagênciasdesegurançanacionaismilharesdevezesaoano—quasesempresemnenhumaconsequênciaadversa.Eparacadadiaqueomercadodeaçõesvivenciaumaquedabrusca,hámilharesdediasemquequase as mesmas circunstâncias não produzem absolutamente nada denotável.

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CAUSASIMAGINADAS

Somados, o determinismo gradual e a amostra polarizada levam asexplicaçõesbaseadasno sensocomuma sofreroquechamamosdepost-hoc fallacy, faláciapost-hoc, relacionada a um requerimento fundamentaldecausaeefeito—queparadizermosqueAcausaB,AdeveprecederBnotempo.Seumaboladebilharcomeçaasemoverantesdeseratingidaporoutraboladebilhar,nãofoiessaoutrabolaqueafezsemover.Damesmaforma, se sentimos o vento soprar e só então vemos os galhos de umaárvore próximabalançarem, sentimo-nos seguros para concluir que foi ovento que causou o movimento. Tudo certo até aí. Mas só porque B seseguiu a A isso não significa que A causou B. Se você ouvir um pássarocantando ou vir um gato andando por um muro e então vir os galhoscomeçaremasemexer,provavelmentenãoconcluiráqueopassarinhoouogatofezogalhobalançar.Issoéóbvio,enomundocientíficotemosteoriasboasosuficientesobrecomoascoisasfuncionam,permitindo-nossepararoplausíveldoimplausível.Masnoquedizrespeitoaosfenômenossociais,osensocomuméextremamenteeficienteparafazertodotipodecausasempotencialparecerplausível.Oresultadoéquesomostentadosainferirumarelação de causa e efeito quando tudo o que testemunhamos foi umasequênciadeeventos.Essaéafaláciapost-hoc.AleidaminoriadeMalcolmGladwell,discutidanocapítuloanterior,éo

exemplomáximodafaláciapost-hoc.Semprequealgumacoisainteressanteacontece, seja um best-seller imprevisto, um artista revelação ou umproduto de sucesso, invariavelmente alguém os terá comprado antes detodomundo,eessapessoavaiparecerinfluente.Opontodavirada,aliás,érepleto de histórias sobre pessoas interessantes que parecem terdesempenhadopapéisfundamentaisemeventosimportantes:PaulRevereesua famosacorridanoturnadeBostonaLexington,queestimularamasmilícias locais e desencadearamaRevoluçãoAmericana.GaëtanDugas, ocomissário de bordo canadense sexualmente voraz que ficou conhecidocomo o Paciente Zero da epidemia americana de HIV. Lois Weisberg, apersonagem-título do artigo de Gladwell para a New Yorker, que

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mencionamosanteriormente,queparececonheceratodosetemodomdeconectarpessoas.EogrupodehipstersdoEastVillagecujairônicaadoçãodos calçadosHushPuppiesprecedeuuma surpreendente ressurreiçãodomodelo.Todas essas são ótimas histórias, é difícil lê-las e não concordar com

Gladwell, equandoacontecealgo tão surpreendentequantoa inesperadadefesa de Lexington feita pelos Minutemen no dia 17 de abril de 1775,alguém especial — alguém como Paul Revere — deve ter ajudado. AexplicaçãoéespecialmenteconvincenteporqueGladwell tambémrelataahistória deWilliamDawes, outromensageiro que naquela noite tambémtentoualertaramilícialocal,masacabouescolhendoumarotadiferentedade Revere. Enquanto os habitantes dos locais por onde Revere passourebelaram-senodiaseguinte,osmoradoresdelugarescomoWaltham,emMassachusetts, por onde Dawes passou, parecem só ter ouvido falar damovimentação britânica tarde demais. Como usaram rotas diferentes,parececlaroqueadiferençanosresultadospodeseratribuídaadiferençasentreosdoishomens.Revereeraumconector,Dawesnão.6OqueGladwell não considera, entretanto, é quemuitos outros fatores

também eram diferentes nas duas corridas: rotas diferentes, cidadesdiferentesepessoasdiferentesquefizeramescolhasdiferentessobrequemalertar depois que ouviram as notícias. Paul Revere podemuito bem tersidotãonotávelecarismáticoquantoGladwelldescreve,enquantoWilliamDawespodenão tersido.Mas,naverdade,havia tantacoisaacontecendonaquelanoiteque jánãoépossívelatribuirosresultadosdodiaseguinteaos atributos intrínsecos dos dois homens, assim como não é possívelatribuir o sucesso daMona Lisa a suas características particulares, ou aquedadosíndicesdeviolêncianoIraqueem2008àinvasãoamericana.Emvezdisso,pessoascomoRevere,quedepoisdoacontecidoparecemtersidoinfluentes no desencadeamento de um resultado excepcional, podem sermais bem-identificadas como as “influenciadoras acidentais” que PeterDodds e eu descobrimos em nossas simulações— indivíduos cujo papelaparentenaverdadedependeudeumaconfluênciadeoutrosfatores.

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Para ilustrar como é fácil a falácia post-hoc gerar influenciadoresacidentais,considereoseguinteexemplodeumeventoreal:aepidemiadeSARSqueexplodiuemHongKongnoiníciode2003.Umadasdescobertasmais surpreendentes da investigação subsequente foi que um únicopaciente, um jovem que havia viajado de trem do interior da China atéHong Kong e que foi internado no hospital Príncipe de Gales, infectoudiretamente cinquentaoutrospacientes, levandoemseguidaa156 casosapenas naquele hospital. Posteriormente, a disseminação de SARS noPríncipe de Gales levou a um segundo grande foco da doença em HongKong, que por sua vez levou à propagação da epidemia pelo Canadá eoutros países. Baseado em exemplos como os da epidemia de SARS, umnúmerocrescentedeepidemiologistasseconvenceudequeaseriedadedaepidemiadependeenormementedasatividadesdossuperpropagadores—indivíduos como Gaëtan Dugas e o paciente do Príncipe de Gales, que,sozinhos,infectarammuitasoutraspessoas.7Masquãoespeciaisessaspessoasrealmentesão?Umainvestigaçãomais

detalhadadocasodoSARSrevelaqueaverdadeirafontedoproblemafoium diagnóstico errado de pneumonia quando o paciente chegou aohospital.Aoinvésdeisolá-lo—oprocedimentopadrãoparaumpacienteinfectado comum vírus pulmonar desconhecido—, a vítima de SARS foicolocadaemumambulatóriolotado,compéssimacirculaçãodear.Epior:como o diagnóstico era de pneumonia, um ventilador bronquial foicolocadoemseuspulmões,oqueacabouporespalharumnúmeroimensode partículas virais no ar ao redor. As condições no ambulatório lotadolevarama umgrandenúmerode funcionários do hospital e de pacientesinfectados. O acontecimento foi importante na propagação da doença—pelomenoslocalmente.Masoqueémaisimportantenessahistórianãofoitantooprópriopacientequantoosdetalhessobreamaneiracomoelefoitratado.Antesdisso,nadaquesepudessesabersobreopacientelevariaàsuspeita de que havia algo de especial nele, porque não havia nada deespecialnele.MesmoapósosurtodadoençanoPríncipedeGales,seriaumerronos

concentrarmos em indivíduos superpropagadores em vez de nas

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circunstânciasquelevaramàpropagaçãodovírus.AsegundagrandeondadeSARS,porexemplo,aconteceupoucodepoisemumprédioresidencialdeHongKong,oAmoyGardens.Dessavez,oresponsável,quefoiinfectadonohospitalaosertratadodefalênciarenal,tambémteveumcasoseverodediarreia.Infelizmente,osistemadeesgotodoprédionãoeradosmelhores,e por isso a infecção espalhou-se para trezentos outros indivíduos noprédiopormeiodeumvazamento,sendoquenenhumadessasvítimasnemaomenosestavanomesmoambiente.Quaisquerque sejamas liçõesquealguém poderia inferir sobre os superpropagadores ao estudar ascaracterísticas particulares do paciente no Príncipe de Gales, portanto,seriam inúteis no Amoy Gardens. Em ambos os casos, os chamadossuperpropagadores foram simplesmente produtos acidentais decircunstânciasmaiscomplicadas.Nunca vamos saberoque teria acontecido emLexingtonnodia17de

julho de 1775 se Paul Revere tivesse feito o trajeto deWilliamDawes eDawes,odeRevere.Maséperfeitamentepossívelqueoresultadofosseomesmo, com a exceção de que seria o nome deWilliamDawes que teriaentrado para a história, não o de Paul Revere. Assim como os surtos deSARSnohospitalPríncipedeGalesenoprédioAmoyGardensaconteceramdevido a uma combinação complexa de razões, também a vitória emLexingtondependeudasdecisõeseinteraçõesdemilharesdepessoas,semmencionar outros acasos do destino. Em outras palavras, apesar de sertentadoratribuiroresultadoaumapessoaespecial,devemoslembrarqueatentaçãosurgeporqueéassimquegostaríamosqueomundofuncionasse,não porque é assim que ele funciona de verdade. Nesse exemplo, assimcomoemváriosoutros,osensocomumeahistóriaconspiramparagerarailusãodecausaeefeito.Porumlado,osensocomumsedestacanageraçãode causas plausíveis, sejam pessoas especiais, atributos especiais oucircunstâncias especiais. E, por outro lado, a história obsequiosamentedescarta a maior parte das evidências, deixando apenas uma trilha deeventos a serem explicados. Dessa forma, explicações baseadas no sensocomum parecem nos dizer por que algo aconteceu, quando, na verdade,tudooqueelasfazemédescreveroqueaconteceu.

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AHISTÓRIANÃOPODESERCONTADAENQUANTOESTÁACONTECENDO

Aincapacidadedediferenciar“porque”de“oque”doseventoshistóricosrepresentaumproblemasérioparaqualquerumquedesejaaprendercomo passado. Mas certamente podemos ao menos nos certificar de quesabemosoqueaconteceu,mesmoquenãosaibamosmuitobemporquê.Sealgumacoisaparecerumaquestãodesensocomum,éporqueahistóriaéuma descrição literal de eventos passados. Ainda assim, como afirmou ofilósofo russo-britânico Isaiah Berlin, os tipos de descrições feitas porhistoriadores para eventos históricos não fariam muito sentido para aspessoas que efetivamente participaram deles. Berlin ilustrou esseproblema com uma cena de Guerra e paz, de Tolstói, na qual “PierreBezukhovvaga ‘perdido’pelocampodebatalhadeBorodino,procurandoalgoqueeleimaginaserumcenárioideal;umabatalhatalqualdescritaporhistoriadores ou pintores. Mas encontra apenas a confusão ordinária deindivíduos, mal dando conta daquele ou deste desejo humano... Umasucessão de ‘acidentes’ cujas origens e consequências são, de longe,impossíveisdesetraçaredeseprever;sãoapenasumgrupofrouxamenteunido de eventos formando um padrão sempre variante, seguindonenhumaordemdiscernível”.8Diante de tal objeção, um historiador razoavelmente responderia que

Bezukhovsimplesmentenãotinhaahabilidadedeobservartodasasváriaspeçasdoquebra-cabeçadocampodebatalha,ouaomenosnãoconseguiucolocartodasaspeçasjuntasemsuamente.Talvez,emoutraspalavras,aúnicadiferençaentreopontodevistadeumhistoriadoreodeBezukhovéque o historiador teve tempo e distanciamento para reunir e sintetizarinformaçõesdeváriosparticipantes,nenhumdosquaisemumaposiçãodetestemunharocenáriointeiro.Vistoporessaperspectiva,semdúvidapodeserdifícil oumesmo impossível compreenderoque está acontecendonomomento em que acontece. Mas a dificuldade deriva somente de umproblemapráticoquantoàvelocidadecomaqualalguémpodedemaneirarealista reunir os fatos relevantes. Se verdadeira, essa resposta implica apossibilidade para alguém como Bezukhov de saber o que estava

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acontecendo na batalha de Borodino em princípio, mesmo que não naprática.9Mas vamos imaginar por ummomento o que poderia solucionar esse

problema prático. Imagine que possamos reunir um ser realmentepanóptico, capaz de observar em tempo real cada pessoa, objeto, ação,pensamentoeintençãonabatalhadeTolstóiouemqualqueroutroevento.De fato, o filósofoArthurDantopropôsprecisamenteesse serhipotético,que chamou de Cronista Ideal, ou CI. Substituindo Pierre Bezukhov peloCronistaIdealdeDanto,poderíamosperguntar:“OqueoCIobserva?”Paracomeçar, ele teria diversas vantagens sobre o pobre Bezukhov. Ele nãoapenaspoderiaobservartodaaçãodequalquercombatenteemBorodino,comotambémtudooqueestivesseacontecendonorestodomundo.Alémdisso,tendoexistidodesdesempre,oCronistaIdealtambémsaberiatudooque aconteceu até aquele instante preciso e teria o poder de sintetizartodasessasinformações,atémesmodeinferirsuasconsequências.OCI,emoutras palavras, teriamais informações e infinitamentemaior habilidadedeprocessá-lasdoquequalquerhistoriadormortal.Incrivelmente, apesar de tudo isso o Cronista Ideal ainda teria, em

essência, o mesmo problema de Bezukhov: ele não poderia produzirdescrições sobre o que estava acontecendo como os historiadoresproduzem.A razãopara isso équequandooshistoriadoresdescrevemopassado, invariavelmente se baseiam naquilo que Danto chama desentenças narrativas, ou seja, sentenças que têm o objetivo de descreveralgoqueaconteceuemumpontoespecíficonotempo,masqueofazemdeumamaneira que evoca o conhecimento de um pontomais adiante. Porexemplo,considereaseguintefrase:“Umatarde,hácercadeumano,Bobestavaemseujardimplantandorosas.”IssoéoqueDantochamadeumafrasenormal,quenãofaznadaalémdedescreveroqueestavaacontecendonaquele momento. Mas considerem agora a mesma frase, ligeiramentemodificada: “Uma tarde, há cerca de um ano, Bob estava em seu jardimplantando suas rosas premiadas.” Essa é uma frase narrativa, porqueimplicitamenteserefereaumfato—asrosasdeBobganhandoprêmios—queaindanãohaviaacontecidonomomentodoplantio.

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Adiferençaentreasduasfrasespareceinsignificante.MasoqueDantoindicaéqueapenasoprimeiro tipode frase—anormal—fariasentidoparaosparticipantesdofatonaquelemomento.Istoé,Bobpodeterditonomomento“Estouplantandorosas”,oumesmo“Estouplantandorosaseelasserão premiadas”. Mas seria muito estranho ele dizer “Estou plantandominhasrosaspremiadas”antesqueelasrealmenteganhassemprêmios.Arazãoéqueenquantoasduasprimeirasafirmaçõesfazemprevisõessobreo futuro — que as raízes que Bob está colocando na terra vão um diaflorescer,ouqueelepretendeinscrevê-lasemumconcursoeachaquevaivencer—,aterceiraédiferente:elapresumeoconhecimentopréviodeumacontecimento muito específico que vai apenas esclarecer os fatos dopresentedepoisdeterefetivamenteacontecido.ÉotipodecoisaqueBobpoderiadizerapenasseelefosseumprofeta—umpersonagemquevêofuturo com clareza suficiente para falar sobre o presente como se oestivesserevisitando.O ponto principal no raciocínio de Danto é que o Cronista Ideal

hipotético, que sabe tudo, também não pode usar frases narrativas. Elesabetudooqueestáacontecendoagora,assimcomotudoquelevouàquelemomento.Podeatémesmofazerinferênciassobrecomotodososeventosdosquais ele temconhecimentopodemse encaixar.Masoquenãopodefazer é prever o futuro; ele não pode se referir ao que está acontecendoagoraà luzdeeventos futuros.Então,quandonavios inglesese francesescomeçaram a navegar pelo canal da Mancha, em 1337, o Cronista Idealpoderia ternotadoqueumaguerradeumalgum tipopoderia acontecer,nas não poderia registrar a informação “AGuerra dos CemAnos começahoje”. Não apenas a extensão do conflito entre os dois países eradesconhecida naquelemomento, mas também o termo “Guerra dos CemAnos”foicriadoapenasapósumlongotempodepoisdeseufim,comoumasíntese para uma série de conflitos intermitentes entre 1337 e 1453. Damesmaforma,quandoIsaacNewtonpublicousuaobra-prima,Principia,oCronista Ideal poderia ter a oportunidade de dizer que aquela era umagrande contribuição à mecânica celeste, e mesmo prever que elarevolucionariaaciência.MasafirmarqueNewtonestavafundamentandoo

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queseriaaciênciamoderna,ouqueeleestavadesempenhandoumpapelfundamental no Iluminismo, seria algo além do alcance do CI. Essas sãofrases narrativas que só podem ser ditas depois que os eventos jáaconteceram.10Isso pode parecer uma discussão trivial sobre semântica. Certamente,

mesmo que o Cronista Ideal não possa usar as palavras exatas que oshistoriadores usam, ele ainda pode perceber a essência do que estáacontecendo enquanto o fato acontece.Mas, na verdade, o argumento deDanto é precisamente que descrições históricas sobre “o que estáacontecendo”sãoimpossíveissemfrasesnarrativas—quefrasesnarrativassão a própria essência de explanações históricas. Esta é uma distinçãocrítica, porque relatos históricos por vezes afirmam estar descrevendo“apenas”oqueaconteceudemaneiraneutra,desapaixonada.Porém,comoBerlin e Danto argumentam, descrições literais do que aconteceu sãoimpossíveis.Talvezaindamaisimportante,elasnãovãoserviraopropósitodaexplanaçãohistórica,queénãotantoreproduziroseventosdopassadoquantoexplicarporqueelessãoimportantes.Eaúnicamaneiradesaberoqueimportou,eporquê,époderveroqueaconteceucomoumresultado— informações que, por definição, nem mesmo o impossivelmentetalentosoCronistaIdealpossui.Ahistórianãopodesercontadaenquantoestáacontecendo,portanto,nãoapenasporqueaspessoasenvolvidasestãoocupadas ou confusas demais para desvendá-la, mas porque o que estáacontecendonãopodesercompreendidoatéquesuasimplicaçõestenhamsido identificadas. E quando isso vai acontecer? Na verdade, até mesmoessa inocente pergunta pode trazer problemas para as explicaçõesbaseadasnosensocomum.

NÃOACABAATÉQUETENHAACABADO

Noclássico filmeButchCassidy, Butch, Sundance e Etta decidem fugir deseus problemas nos EstadosUnidos indo para a Bolívia, onde, de acordo

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com o protagonista, o ouro praticamente está jorrando das minas. Masquando eles finalmente chegam lá, depois de uma longa e glamorosaviagemabordodeumnavioquepartiudeNovaYork,sãorecepcionadospor um quintal empoeirado cheio de porcos e galinhas e algunsmineradores embriagados. Sundance Kid fica furioso, e até mesmo Ettaparecedeprimida. “Faz-semuitomaiscomodinheironaBolívia!”, afirmaButch com otimismo. “O que eles poderiam ter que você iria querercomprar?”,respondeKidtristemente.Éclaro,sabemosque logoascoisasvão melhorar para a charmosa dupla de ladrões de banco. E, comoimaginamos,depoisdealgumasdeliciosasconfusõescomoidioma,éoquede fatoacontece.Mastambémsabemosquetudovaiacabaremlágrimas,comButcheSundanceeternamentecongeladosnaquelaimagememsépia,fugindodoesconderijo,pistolasempunho,sobumasaraivadadetiros.EntãoadecisãodeirparaaBolíviafoiboaoumá?Porintuição,parece

que a última opção é a correta, pois levou inexoravelmente aodesaparecimentodeButcheKid.Masagorasabemosqueamaneiracomopensamossofredodeterminismogradual—apressuposiçãodeque,comosabemosquealgo terminoumal, teriaque terminarmal. Para evitar esseerro, então, precisamos imaginar a “reprise” da história diversas vezes,comparando os diferentes resultados em potencial que Butch e Kidpoderiamtervivenciadose tivessemtomadodecisõesdiferentes.Masatéquepontodessasváriashistóriasdeveríamosfazernossascomparações?Aprincípio, deixar os Estados Unidos pareceu-lhes uma boa ideia — elesestavamfugindodoquepareciaseramortecertanasmãosdeJoeLeforsesuaequipe,eaviagemfoidivertida.Maisadiante,adecisãopareceuumaideia terrível — de todos os lugares para os quais eles poderiam terescapado, por que diabos eles escolheram aquele fim de mundo? Entãopareceu-lhesumaboaideiamaisumavez—elesestavamganhandomuitodinheiro roubando os bancos das cidades pequenas. E então, finalmente,pareceu-lhes umamá ideia quando seus planos se voltaram contra eles.Mesmo que eles tivessem o dom da previsão — algo que sabemos serimpossível—,aindapoderiam ter chegadoa conclusõesmuitodiferentes

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acerca de suas escolhas, dependendo de em qual ponto no futuro elesdecidiramavaliaressaquestão.Qualdelasestácerta?Dentro da estrutura estreita de umanarrativa cinematográfica, parece

óbvioqueomomentocertoparaavaliarqualquercoisasejaofimdofilme.Mas na vida real a situação é muito mais ambígua. Assim como ospersonagens em uma história não sabem quando é o fim, não podemossaberquandoofilmedenossavidavaichegaràsuacenafinal.Emesmosesoubéssemos, dificilmente teríamos a oportunidade de avaliar todas asopções, ainda que triviais, à luz de nosso estado final em nosso leito demorte.Aliás,aindaassimnãopoderíamostercertezadosignificadodaquiloque conquistamos. Aomenos quandoAquiles decidiu lutar emTroia, elesabiaqual eraabarganha: suavidaem trocada famaeterna.Masparaoresto de nós, as escolhas que fazemos são muito menos claras. Ahumilhação de hoje pode ser a lição valiosa de amanhã. Ou a “missãocumprida”deontempodeseraironiadolorosadehoje.Talvezcheguemosadescobrirqueaquelapinturaquecompramosnumalojaeraumaantigaobra de arte. Talvez nossos patrões em uma empresa familiar sejamderrubados diante de um escândalo ético, sobre o qual não sabíamos.Talvez nossos filhos atinjam grandes feitos e atribuam seu sucesso àspequenas lições que lhes ensinamos. Ou talvez nós os tenhamosmesquinhamente empurrado para a carreira errada e acabado com suaschancesdefelicidadeverdadeira.Escolhasquepareceminsignificantesnomomento em que as fazemos podem algum dia se revelar imensamenteimportantes. E outras que parecem incrivelmente importantes para nósagorapodemmais tardeparecer ter tidopoucoefeito. Simplesmentenãosabemosatéquesaibamos.Eaindaassimpodemosnãosaber,porquepodenãodependerapenasdenósdecidir.Em outras palavras: em boa parte da vida, a própria noção de um

“resultado”bemdefinidocujas consequênciaspodemosavaliaremalgummomentodemaneiradefinitivaéumaconvenienteinvenção.Navidareal,oseventosquerotulamoscomoresultadosnuncasãomesmopontosfinais.São,naverdade,marcosartificialmenteimpostos,assimcomoofimdeumfilme é, na verdade, artificial em uma história que, no mundo real,

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continuaria se desenrolando. E dependendo do ponto em que decidimosimporum“fim”aumprocesso,podemos inferir liçõesmuitodiferentesapartirdoquetemosemmãos.Digamos,porexemplo,queobservamosqueuma empresa está tendo muito sucesso e que queremos emular essesucesso em nossa empresa. Como podemos fazer isso? O senso comum(reforçado por uma centena de livros de negócios campeões de vendas)sugere que devemos estudar a empresa, identificar os principais fatoresresponsáveis por seu sucesso e então replicar essas práticas ecaracterísticasemnossaorganização.Mase seeudissesseavocêquenoanoseguinteessamesmaempresaperdeu80%deseuvalordemercadoeque a mesma mídia corporativista que antes a elogiou agora quer seusangue? O senso comum sugeriria que talvez você devesse procurar ummodelodesucessoemoutrolugar.Mascomosaberdisso?Ecomovocêvaisaberoquevaiaconteceranoquevem,oudaquiadoisanos?Problemascomoessesurgemnomundodosnegóciosotempotodo.No

fim dos anos 1990, por exemplo, a Cisco Systems — um fabricante deroteadoreseaparelhosdetelecomunicação—eraagrandeestreladoValedo Silício e a queridinha de Wall Street. Com um início humilde nosprimórdios da era da internet, emmarçode2000 já era a empresamaisvaliosa do mundo, com um valor de mercado que ultrapassava os 500bilhões de dólares. Como era de esperar, as revistas especializadas emnegócios ficaram enlouquecidas. A Fortune chamou a Cisco de “a novasuperpotência da computação” e nomeou JohnChambers, o CEO, comoomelhor da era da informação. Entretanto, em 2001 as ações da Ciscodespencaram e em abril do mesmo ano chegaram a apenas quatorzedólares,muitoabaixodeseupicodeoitentadólaresapenasumanoantes.AmesmaimprensaquesedesvelaraemelogiosapaixonadosàCiscoagorarechaçavasuaestratégia,suaexecuçãoesualiderança.Teriasidotudoumafraude? Era o que parecia naquele momento, e muitos artigos foramescritosparaexplicarcomoumacompanhiaquepareciatãobem-sucedidapodia ter tantas falhas.Masespere:no fimde2007,ovalordasaçõesdaCisco duplicou e passou dos 33 dólares, e a empresa, ainda guiada pelomesmoCEO,voltouaserbastantelucrativa.11

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EntãoaCiscofoimesmoagrandeempresacomoseesperavanofimdosanos1990?Ouseriaaindaocastelodeareiacomopareciaserem2001?Ouseriaosdois,ounenhumdosdois?Acompanhandoaflutuaçãodosvaloresde suas ações desde 2007, não se poderia dizer. A Cisco caiu novamenteparaquatorzedólaresno iníciode2009, emmeioà crise financeira,masem2010serecuperouechegoua24dólares.NinguémsabecomovãoestarasaçõesdaCiscodaquiaumouadezanos.Masépossívelqueaimprensaespecializadaváternaépocaumahistóriaque“explique”todososaltosebaixos da Cisco até aquele ponto de uma maneira que nos conduziráclaramente a qualquer que seja a avaliação no momento. Infelizmente,essas explicações sofrerão domesmo problema que todas as explicaçõesquesurgiramantesdelas—queemnenhummomentoahistóriarealmente“acabou”.Sempreacontecealgumacoisadepois,eissoqueacontecedepoistende a transformar nossa percepção do resultado corrente, assim comonossa percepção dos resultados que já explicamos. Na verdade, de certaforma é bastante impressionante como conseguimos reescrevercompletamente nossas explicações anteriores sem nenhum desconfortosobreaquelaqueestamosarticulandonomomento, sempreagindocomoseagora fosseomomento certodeavaliação.Porém, comopodemosvercom o exemplo da Cisco, sem mencionar inúmeros outros exemplos domundo dos negócios, da política e do planejamento, não há razão parapensarmosqueagoraéummomentomelhorparaparareavaliardoqueemqualqueroutro.

QUEMCONTAAMELHORHISTÓRIAGANHA

Explicações históricas não são nem explicações causais nem realmentedescrições—aomenosnãonosentidoemqueimaginamosquesejam.Elassãohistórias. Comoafirmaohistoriador JohnLewisGaddis, sãohistóriaslimitadas por certos fatores históricos e outras evidências observáveis.12Contudo, como uma boa história, explicações históricas concentram-se

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naquiloqueé interessante,evitandoasmúltiplascausaseomitindotodasas coisas que poderiam ter acontecido mas não aconteceram. Como emuma boa história, elas destacam o drama focando a ação em torno dealguns acontecimentos e agentes, dando-lhes, dessa forma, significadoousentido especial. E assim como em boas histórias, boas explicaçõeshistóricassãotambémcoerentes,oquesignificaquetendemaenfatizarodeterminismo simples e linear em detrimento da complexidade, daaleatoriedadeedaambiguidade.E,acimadetudo,elastêmcomeço,meioefim,detalmodoquetudo—incluindoospersonagensidentificados,aaçãoem que os eventos são apresentados e a maneira como tanto ospersonagensquantooseventossãodescritos—temquefazersentido.Oapelodeumaboahistóriaétãofortequeatémesmoquandoestamos

tentandoavaliarumaexplicaçãocientificamente—tendocomocritérioamaneira comoeladá contadosdados—nãopodemosevitar julgá-laemtermos de seus atributos narrativos. Em diversas experiências, porexemplo, psicólogos descobriram que explicações mais simples sãojulgadas como provavelmente mais verdadeiras do que explicaçõescomplexas, não porque explicações simples na verdade expliquem mais,massóporquesãomaissimples.Emumapesquisa,porexemplo,aoterqueescolherentreexplicaçõesparaumquadro fictíciodesintomasclínicos,amaioria dos participantes optou pela explicação que envolvia apenas umproblemadesaúdeemvezdeumaqueenvolvessedoisproblemas,mesmoquando a combinação de duas doenças era duas vezesmais comum queapenasumadoença.13Umpoucoparadoxalmente,asexplicações tambémsão vistas comomais prováveis de serem verdadeiras quando têmmaisdetalhes, mesmo se os detalhes extras são irrelevantes ou tornam aexplicação menos coerente. Em uma experiência famosa, por exemplo,estudantes receberam descrições de dois indivíduos fictícios, “Bill” e“Linda”,egeralmentepreferiamdescriçõesmaisdetalhadas—queBilleratantocontadorquantomúsicodejazzemvezdesimplesmentemúsicodejazz, ou que Linda era uma gerente de banco feminista em vez desimplesmenteumagerentedebanco—,mesmosabendoqueasdescriçõesmenos detalhadas eram logicamente mais prováveis.14 Além disso, em

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conjunto com seu conteúdo, as explicações que são habilmente expostassãovistascomomaisplausíveisdoqueaquelasmenoselaboradas,mesmoquando as explicações em si são idênticas. E explicações que sãointuitivamente plausíveis são julgadas mais verdadeiras do que aquelasqueseopõemàintuição—mesmoque,comosabemosdepoisdelertodosos livros de Agatha Christie, a explicação mais plausível possa estartotalmenteerrada.Enfim,aspessoasmostram-semaisconfiantesdeseusjulgamentos quando têmuma explicação àmão,mesmoquandonão têmideiadaveracidadedaquelaexplicação.15É verdade, claro, que explicações científicas muitas vezes começam

tambémcomohistóriase,portanto,têmalgunsdessesmesmosatributos.16A principal diferença entre fazer ciência e contar histórias, entretanto, équenaciênciaconduzimosexperiênciasqueexplicitamentetestamnossas“histórias”. E quando elas não funcionam, nós as modificamos até quefuncionem. Mesmo em ramos da ciência como a astronomia, em queverdadeiras experiências são impossíveis, fazemos algo análogo —construímosteoriasbaseadasemobservaçõespassadaseastestamosemobservações futuras. Mas como a história acontece apenas uma vez, aimpossibilidade de realizar experiências efetivas exclui o exato tipo deevidêncianecessáriaparaseinferirumarelaçãodecausaeefeitogenuína.Na falta de experiências, portanto, nossa habilidade de contar histórias élivreparacircularsemverificação,enterrando,nesseprocesso,muitasdasevidênciasqueexistem,sejapornãosereminteressantes,sejapornãoseencaixaremnahistóriaquequeremoscontar.Logo,esperarqueahistóriaobedeçaaospadrõesdaexplicaçãocientíficaénãoapenasirrealista,comofundamentalmenteconfuso—ouseja,comoBerlinconclui,é“pedirqueelacontradigasuaessência”.17Basicamente pelas mesmas razões, historiadores muitas vezes têm

necessidade de enfatizar a dificuldade de se generalizar a partir de umcontextoqualquerparaumoutrocontextoqualquer.Nãoobstante, sendorelatosdopassado,umavezconstruídos,guardammuitasemelhançacomostiposdeteoriaqueconstruímosnaciência,eétentadortratá-loscomose eles tivessem o mesmo poder de generalização — mesmo para os

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historiadores mais cuidadosos.18 Quando tentamos entender por quedeterminado livro tornou-se best-seller, estamos implicitamente fazendoumaperguntasobrecomolivrosemgeraltornam-sebest-sellerse,assim,como esse sucesso pode ser repetido por outros escritores ou outraseditoras.Quando investigamosascausas da bolha imobiliária recente, oudos ataques terroristas do 11 de Setembro, estamos inevitavelmenteprocurando também respostas que esperamos aplicar no futuro— paramelhorarasegurançanacionalouaestabilizarosmercadosfinanceiros.Equandoconcluímosquea invasãodo Iraquecausou a subsequentequedanos índices de violência, somos invariavelmente tentados a aplicar amesmaestratégiamaisumavez,assimcomoogovernofeznoAfeganistão.Em outras palavras: não importa o que dizemos que estamos fazendo,sempre que tentamos aprender algo sobre o passado, invariavelmentetentamosaprendercomele também—umaassociaçãoqueestá implícitanas palavras do filósofo George Santayana: “Aqueles que não conseguemlembraropassadoestãocondenadosarepeti-lo.”19Essaconfusãoentrehistóriaseteoriasatingeonúcleodoproblemaao

seusarosensocomumcomomaneiradecompreenderomundo.Deumatacada, falamos como se tudo que estivéssemos tentando fazer écompreenderalgoque jáaconteceu.Masnaseguinteestamosaplicandoa“lição”queachamosqueaprendemosemqualquerprojetooupolíticaqueplanejamos implementar no futuro. Fazemos essa troca entre contarhistóriaseconstruirteoriastãofácileinstintivamentequenamaiorpartedotemponemtemosconsciênciadequefazemosisso.Masatrocaignoraque se trata de dois exercícios fundamentais com diferentes objetivos epadrõesde evidências.Não éde surpreender, então, que explicaçõesqueforam escolhidas com base em suas qualidades como histórias sãopéssimasempreverpadrõesetendênciasfuturas.Contudo,éassimqueasutilizamos. Compreender os limites do que podemos explicar sobre opassadopode,portanto,lançarluzsobreoquepodemosprevernofuturo.Ecomoprevisõessãotãocentraisparaplanejamento,políticas,estratégias,marketingetodososoutrosproblemasquediscutiremosaseguir,éparaaprevisãoqueagoravoltaremosnossaatenção.

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6OSONHODAPREVISÃO

Seres humanos adoram fazer previsões, seja sobre os movimentos dasestrelas,asoscilaçõesdomercadodeaçõesouacordamodadapróximaestação.Pegueojornaldequalquerdiaevocêencontraráumaquantidadegigantescadeprevisões;tantasquevocêprovavelmentenemasnotamais.Para ilustrar isso, considere uma única notícia escolhidamais oumenosaleatoriamentenaprimeirapáginadoNewYorkTimes.Ahistória, que foipublicadaemmeadosde2009,erasobretendênciasnasvendasdovarejoecontinhanadamenosquedezprevisõessobreatemporadaderetornoàsaulas,queestavaporvir.Porexemplo,deacordocomumafontecitadanoartigo — um grupo chamado National Retail Foundation —, uma típicafamíliacomfilhosemidadeescolaririagastar“quase8%menosnesteanoem relação ao ano anterior”, enquanto de acordo com a empresa depesquisasShopperTrak,acirculaçãodeconsumidoresnaslojasseria10%menor. Finalmente, citava-se um especialista identificado como opresidente da Customer Growth Partners, uma empresa de consultoriacomercial,afirmandoqueaquelaseria“apiortemporadadevoltaàsaulasemmuitosemuitosanos”.1Todas as três previsões foram feitas por fontes aparentemente

confiáveis e eram explícitas o suficiente para serem levadas a sério.Masquãocorretasestavam?Paraserhonesto,nãofaçoamínimaideia.ONewYorkTimes não publica estatísticas sobre a acuidade das previsões feitasemsuaspáginas,assimcomoamaiorpartedasempresasconsultadas.Uma

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das coisas mais estranhas em relação às previsões, aliás, é que nossaansiedadedefazerpronunciamentossobreofuturoécomparávelapenasànossa relutância a sermos responsabilizados por isso. Em meados dadécadade1980,opsicólogoPhilipTetlocknotouexatamenteestepadrãonosespecialistasempolíticadaépoca.Determinadoafazê-losinvestirseudinheiro no mesmo lugar que indicavam, Tetlock projetou um testememorável que deveria revelar seus resultados em vinte anos. Paracomeçar, ele convenceu 284 especialistas em política a fazer, cada um,cercadecemprevisõessobreumavariedadedepossíveiseventosfuturos,indo desde os resultados das eleições seguintes à probabilidade de duasnações entrarem em conflito armado. Para cada uma dessas previsões,Tetlock insistiu em que os especialistas especificassem qual dos doisresultados eles esperavam que se confirmasse e também quedeterminassemaprobabilidadedesuasprevisõesrealmenteserealizarem.Ele fez issodemaneiraqueprevisões confiantes ganhassemmaispontosquando se revelassem corretas, mas também perdessem mais pontosquando estivessem erradas. Com essas previsões emmãos, ele então sesentou e esperou que os acontecimentos se desenrolassem. Vinte anosdepois ele publicou os resultados, e o que descobriu foi impressionante:apesardeosespecialistas teremobtidoresultados ligeiramentemelhoresqueprevisõesaesmo,elesnãochegaramnempertodosresultadosdeummodeloestatísticominimamentesofisticado.Eaindamaissurpreendente:osespecialistastiveramresultadosmelhoresaoopinarsobrealgo foradesuaáreadeatuaçãodoquesobrealgodentrodela.2Os resultados de Tetlock são por vezes interpretados como

demonstrativosdapresunçãodoschamadosespecialistas,esemdúvidaháalguma verdade nisso. Mas apesar de eles não serem melhores que orestantedenósemsuasprevisões,tambémnãosãopiores.Quandoeuerajovem,porexemplo,muitaspessoasacreditavamqueofuturoseriarepletodecarrosvoadores,cidadesespaciaisorbitantesetempolivreinfinito.Emvez disso, nós dirigimos carro de combustão interna em avenidascongestionadas, suportamos inúmeras falhas nos serviços de transporteaéreoetrabalhamosmaisdoquenunca.Enquantoisso,buscasnainternet,

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celularesecomprason-line—astecnologiasquedefatoafetaramnossasvidas—surgirammeioquedonada.MaisoumenosaomesmotempoqueTetlockestavadandoinícioasuaexperiência,naverdade,umpesquisadorde gerenciamento chamado Steven Schnaars tentoumedir a acuidade deprevisões sobre tendências em tecnologia investigando um númerogigantesco de livros, revistas e reportagens e registrando centenas deprevisõesque foram feitasao longodadécadade1970.Ele concluiuquecercade80%detodasasprevisõesestavamerradas, tivessemsidofeitasporespecialistasounão.3Enão são somente asprevisõesde tendências sociais e tecnológicas a

longo prazo que são descabidas. Editores, produtores emarqueteiros—profissionais experientes e motivados na área de negócios, com muitoconhecimentodojogo—têmtantadificuldadeemdizerquaislivros,filmeseprodutosvãoserospróximosgrandessucessosquantoespecialistasempolítica têm em apontar qual será a próxima revolução. Na verdade, ahistória domercado cultural é repleta de exemplos de sucessos—Elvis,Star Wars, “Seinfeld”, Harry Potter, “American Idol” — que editores eestúdiosdecinemadeixaramdeladoenquantoapostavamaltoemgrandesfracassos.4 E se considerarmos as mais impressionantes falências dosúltimos tempos— Long-Term Capital Management em 1998, Enron em2001,WorldComem2002,oquasecolapsodetodoosistemafinanceiroem2008—ouhistóriasdesucessoespetaculares,comoaascensãodoGooglee do Facebook, o que mais impressiona é que praticamente ninguémpareciaterideiaalgumadoqueestavaprestesaacontecer.Emsetembrode2008,porexemplo,mesmosabendoqueocolapsodoLehmanBrotherseraiminente,autoridadesdoTesouroedoBancoCentralamericanos—que,acreditamos,tinhamasmelhoresinformaçõespossíveisemtodoomundo— não conseguiram identificar o congelamento global de crédito que seseguiu.Damesmaforma,no fimdosanos1990os fundadoresdoGoogle,Sergey Brin e Larry Page, tentaram vender a empresa por 1,6milhão dedólares.Felizmenteparaeles,ninguémseinteressou,poisoGoogleatingiuumvalordemercadoacimados160bilhões,cercade100milvezesoque

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elese,aparentemente,todoorestodomundoachavamqueaempresavaliaapenasalgunsanosantes.5Resultados como esse parecem demonstrar que nós, seres humanos,

somossimplesmenteruinsemprevisões,masnaverdadenãoébemessa.Navidarealhádiversos tiposdeprevisõesquepoderíamos fazerbemsequiséssemos. Por exemplo, eu aposto que faria uma ótima previsão dotempoemSantaFé,noNovoMéxico—apostoatéqueiriaacertarem80%dasvezes.Pormaisimpressionantequeissopareçadiantedosresultadospífios dos especialistas na experiência de Tetlock, entretanto, minhahabilidadedepreverotempoemSantaFénãovaimerenderumempregonaestaçãometeorológica.Oproblemaéquenessacidadefazsolcercadetrezentos dias por ano, então podemos acertar trezentos em 365 diassimplesmentefazendoaprevisãoimpensadadeque“amanhãvaifazersol”.Damesmamaneira,previsõesdequeosEstadosUnidosnãovãoentraremguerracontraoCanadánospróximosdezanosouqueosolvaicontinuaranascernolestetendemaestarcorretas,masnãoimpressionamninguém.Oproblema real da previsão, em outras palavras, não é que sejamos todosbons ou ruins nesse quesito, mas, sim, que somos ruins em distinguirprevisõesquepodemosfazercomsegurançadaquelasquenãopodemos.

ODEMÔNIODELAPLACE

Decertaforma,esseproblemacomeçaláemNewton.Partindodesuastrêsleisdemovimento,juntocomsualeidegravitaçãouniversal,eleconseguiucomprovarnãoapenasasleisdemovimentosplanetáriosdeKepler,comotambém a frequência das marés, as trajetórias de projéteis e umaquantidade realmente impressionante de outros fenômenos naturais. Foium feito científico admirável, mas que também criou uma expectativadifícildeserrealizadaemrelaçãoaoquepoderiaserconquistadocomleismatemáticas.Omovimentodosplanetas,a frequênciadasmarés—essassão coisasmaravilhosas que somos capazes de prever. Mas deixando de

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ladoasvibraçõesdoselétronsouo tempoqueéprecisoparaa luzviajaruma certa distância, são também os fenômenos mais previsíveis danatureza. E ainda assim, como prever essesmovimentos estava entre osprimeirosproblemasqueoscientistase,matemáticosconcentraram-seemresolver,e,comoelestiveramumsucessotãoimpressionante,foitentadorconcluirquetudofuncionavadamesmamaneira.ComoopróprioNewtonescreveu:

Sepudéssemos aomenos aferir outros fenômenosdanaturezadeprincípiosmecânicos comomesmotipoderaciocínio!Poismuitascoisasme levamasuspeitardeque todosos fenômenosdependemdecertasforçaspelasquaispartículasdematéria,porcausasaindadesconhecidas,ousãoimpelidasumasemdireçãoaoutraseagregam-seemfigurasregularesousãorepelidasumasdasoutraserecuam.6

Um século depois, o astrônomo e matemático francês Pierre-SimonLaplace levou a visão de Newton a seu extremo lógico, afirmando que amecânicanewtonianareduziraaprevisãodofuturo—atémesmoofuturodoUniverso—aumaquestãodemeracomputação.Laplaceidealizouum“intelecto” conhecedor de todas as forças que “colocavam a natureza emmovimento, e todas as posições de todos os itens dos quais a natureza écomposta”.Econtinuou:“Paraumintelectocomoesse,nadaseriaincertoeofuturo,assimcomoopassado,estariapresentediantedeseusolhos.”7O “intelecto” da imaginação de Laplace logo receberia umnome— “o

demônio de Laplace” —, e desde então esteve espreitando a visão dahumanidadeacercadofuturo.Paraosfilósofos,odemônioeracontroverso,pois, ao reduzir a previsão do futuro a um exercício mecânico, pareciaroubardahumanidadeseulivre-arbítrio.Mas,nofimdascontas,elesnãoprecisavam ter se preocupado tanto. Começando com a segunda lei datermodinâmica, continuando com a mecânica quântica e finalmentechegandoàteoriadocaos,aideiadeLaplacedeumUniversoquefuncionacomoumrelógio—ecomissoaspreocupaçõesacercadolivre-arbítrio—vemrecuandohámaisdeumséculo.Masissonãosignificaqueodemôniofoi embora. Apesar da controvérsia sobre o livre-arbítrio, havia algoincrivelmente sedutornanoçãodeque as leis danatureza, aplicadas aos

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dadosapropriados,poderiamserusadasparapreverofuturo.Aspessoas,sem dúvida, vêm fazendo previsões sobre o futuro desde o início dascivilizações,mas a diferença no alarde feito por Laplace era que ele nãoapelava a poderesmágicos oumesmo a epifanias que ele próprio tivera.Nadadisso:elesebaseavaexclusivamentenaexistênciadeleiscientíficasque a princípio todos poderiam dominar. Assim, a previsão, outrora oterritóriodeoráculosemísticos,foitrazidaparadentrodaesferaobjetivaeracionaldaciênciamoderna.Entretanto,aofazê-lo,odemônioobscureceuumadiferençacríticaentre

doistiposdiferentesdeprocessos,que,visandoaumaargumentaçãomaisclara,chamareidesimplesecomplexo.8Sistemassimplessãoaquelesqueum modelo pode capturar a maioria ou mesmo todas as variações queobservamos. As oscilações de pêndulos e as órbitas de satélites são,portanto,“simples”nessesentido,apesardenãosernecessariamenteumaquestãodemodeloeprevisão.Umtantoparadoxalmente,osmodelosmaiscomplicadosnoâmbitodaciência—modelosquepreveemas trajetóriasdesondasespaciaisinterplanetáriasouqueacusamalocalizaçãopormeiode aparelhos GPS — muitas vezes descrevem processos relativamentesimples.Asequaçõesbásicasdemovimentoquegovernamaórbitadeumsatélite de comunicações ou a elevação da asa de um avião podem serensinadasaumestudantedeensinomédio.Mascomoadiferençaentreumbommodelo e ummodelo ligeiramentemelhor pode ser significativa, osmodelosreaisusadosporengenheirosparaconstruirsistemasdesatéliteseaviõesprecisamdar contade todo tipodepequenas correções, e assimacabamsendomuitomaiscomplicados.QuandooMarsClimateOrbiterdaNasa se incendioue sedesintegrounaatmosferamarcianaem1999,porexemplo, a falha encontrada foi em um simples erro de programação(foramusadasunidadesimperiaisemvezdosistemamétrico)quecolocoua sonda emuma órbita a cerca de sessenta quilômetros da superfície deMarte em vez de a 140. Quando se considera que para chegar aMarte anave primeiro teve que atravessarmais de 50milhões de quilômetros, amagnitudedoerroparecetrivial.Aindaassim,foiessaadiferençaentreo

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que seria um sucesso retumbante para aNasa e o que acabou sendo umfracassohumilhante.Jásistemascomplexossãocoisascompletamentediferentes.Ninguémde

fatoconcordaquantoaoquetornaumsistema“complexo”,maséaceitodeforma geral que a complexidade surge de muitos componentesinterdependentes interagindo demaneiras não lineares. A economia dosEstadosUnidos,porexemplo,éprodutodasações individuaisdemilhõesdepessoas,bemcomodecentenasdemilharesdeempresas,milharesdeórgãosgovernamentaiseinúmerosoutrosfatoresinternoseexternos,quevãodoclimanoTexasatéastaxasdejurosnaChina.Traçaratrajetóriadaeconomia, portanto, não é como traçar a trajetória de um foguete. Emsistemas complexos, pequenas perturbações em uma parte podem seramplificadas e produzir grandes efeitos em outra parte — o “efeitoborboleta” da teoria do caos que apareceu anteriormente na discussãosobrevantagemacumuladaeimprevisibilidade.Quandotodomínimofatoremumsistemacomplexopodepotencialmenteseramplificadodeformasimprevisíveis, muito pouco pode ser previsto por um modelo. Comoresultado,modelosdesistemascomplexos tendemaserbastantesimples— não porque modelos simples funcionam bem, mas porque melhoriasfazem pouca diferença diante dos inúmeros erros que persistem. Oseconomistas, por exemplo,podemapenas sonhar comoplanejamentodaeconomiacomomesmo tipodeprecisãoque levouàdestruiçãodoMarsClimateOrbiter. O problema, entretanto, não é tanto amá qualidade dosmodelos, mas a invariável má qualidade dos modelos de sistemascomplexos.9Oerro fatalnavisãodeLaplace,portanto,équeseudemônio funciona

apenaspara sistemassimples.Aindaassim,praticamente tudonomundosocial — desde o efeito de uma campanha de marketing até asconsequências de uma política econômica ou o resultado de um planocorporativo — entra na categoria de sistemas complexos. Sempre quepessoas se juntam — em encontros sociais, torcidas, empresas,organizações voluntárias, mercados, partidos políticos ou até mesmosociedadesinteiras—,elasafetamopensamentoeocomportamentoumas

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das outras. Como discuti no capítulo 3, são essas interações que tornam“sociais”ossistemassociais:porquefazemumagrupamentodepessoassermaisqueapenasumagrupamentodepessoas.Masnoprocesso, tambémgeramcomplexidadesgigantescas.

OFUTURONÃOÉCOMOOPASSADO

A onipresença de sistemas complexos no mundo social é importanteporque restringe severamente os tipos de previsões que podemos fazer.Istoé,emsistemassimplesépossívelprevercomaltograudeprecisãooquevairealmente acontecer—porexemplo,quandoo cometaHalleyvairetornar ou em qual órbita um determinado satélite vai entrar. Já parasistemascomplexos,omelhorquepodemosesperaréprevercorretamentea probabilidade de que algo aconteça.10 À primeira vista, esses doisexercícios parecem similares,mas eles são fundamentalmente diferentes.Paraentenderporque,imaginequevocêestáatirandoumamoedaparaoalto.Porserumeventoaleatório,omáximoquevocêpodefazerépreverque,emmédia,50%dasvezesvaidarcara.Umaleiquediz“alongoprazo,50%dos lancesdeumamoeda serão carae50%serãocoroa”é,de fato,perfeitamente precisa no sentido de que cara e coroa, de forma geral,aparecemnessa proporção exata.Masmesmo conhecendo a regra, aindanãopodemosprever corretamenteo resultado deum lancemaisde50%das vezes, não importa qual estratégia adotemos.11 Sistemas complexosnão são realmente aleatórios da mesma maneira que o lançamento demoeda é aleatório, mas na prática é extremamente difícil apontar asdiferenças. Conforme a experiência do Music Lab demonstrouanteriormente, você pode saber tudo sobre uma pessoa no mercado —pode lhe fazer uma centena de perguntas em um questionário, segui-laspara ver o que vai fazer emonitorar suas ondas cerebrais—,mas aindaassimomelhorquevocêpodefazerépreveraprobabilidadedequeumadeterminadamúsicaseráavencedoraemumdeterminadomundovirtual.

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Algumas músicas têm mais tendência a vencer do que outras, mas emqualquer mundo as interações entre indivíduos aumentam flutuaçõesaleatóriasdeformaaproduzirresultadosimprevisíveis.Para entender por que esse tipo de imprevisibilidade é problemático,

considere outro tipo de sistema complexo sobre o qual podemos fazerprevisões: o clima. Ao menos no futuro próximo — o que geralmentesignifica as próximas 48 horas —, as previsões do tempo são bastanteprecisas,ou,comometeorologistaspreferemusar,“confiáveis”. Istoé,nosdiasemqueoserviçometeorológicodizquehá60%dechancedechuva,defatochoveem60%doscasos.12Entãoporqueaspessoasreclamamdasprevisõesdotempo?Porumarazão:nãoéqueelasnãosejamconfiáveis—apesardequepodiamsermaisconfiáveis—;aconfiabilidadeéquenãoéotipodeprecisãoquequeremos.Nãoqueremos saberoquevai acontecerem 60% dos casos em dias como amanhã. Não: queremos saber o queefetivamente vai acontecer amanhã—vai chover ounão?Então, quandoouvimos “60% de chance de chuva amanhã” é natural interpretarmos ainformaçãocomooserviçometeorológicoinformandoqueprovavelmentevaichoveramanhã.Equandonãochovemetadedasvezesemqueouvimosissoelevamosumguarda-chuvaparaotrabalho,concluímosqueelesnãosabemdoqueestãofalando.Pensar em acontecimentos futuros em termos de probabilidades é

suficientemente difícil atémesmopara o cara ou coroa ou a previsão dotempo, em quemais oumenos omesmo tipo de coisa está acontecendorepetidasvezes.Masparaeventosqueacontecemapenasumaveznavida,comoa eclosãodeuma guerra, a eleiçãodeumpresidente oumesmoasfaculdadesparaasquaisvocêpassou,adistinçãotorna-sequaseimpossívelde ser apontada. O que significa, por exemplo, dizer no dia anterior àvitória de Barack Obama, nas eleições de 2008, que ele tinha 90% dechance de ser eleito?Que ele iria vencer emnove das dez vezes emquedisputasse a eleição? É claro que não, pois há apenas uma eleição, equalquertentativaderepeti-la—digamos,naeleiçãoseguinte—nãoserácomparáveldamesmamaneiraquesãolançamentosconsecutivosdeumamoeda.Então issosetraduznospalpitesquefazemosemapostas? Istoé,

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paraganhardezdólaresseeleforeleito,tenhoqueapostarnove,enquantoseeleforderrotado,possoganhardezdólaresapostandoapenasum?Mascomo vamos determinar quais são as chances “corretas”, sabendo que,enquantoaposta,elasópodeserresolvidaumavez?Seachaquearespostanão está clara, você não está sozinho — mesmo matemáticos discutemsobre o que significa determinar uma probabilidade para um eventoúnico.13Entãoseatéeles têmproblemasparacompreenderosignificadodaafirmação“aprobabilidadedechuvaamanhãéde60%”,nãoésurpresaquenóstenhamosamesmadificuldade.Adificuldadecomquenosdeparamosao tentarpensar sobreo futuro

emtermosdeprobabilidadeséa imagemespelhadadenossapreferênciapor explicações que dão conta de resultados conhecidos à custa depossibilidadesalternativas.Comodiscutimosnocapítuloanterior,quandoolhamosparaopassado,tudooquevemoséumasequênciadeeventosquejá aconteceram. Ontem choveu, há dois anos Barack Obama foi eleitopresidente dos Estados Unidos etc. De alguma forma sabemos que esseseventos poderiam ter se desenrolado de maneiras diferentes. Mas nãoimportaquantonos lembremosdeque as coisaspodemserdiferentes, oquerealmenteaconteceucontinuasendooqueaconteceu.Nem40%nem60%dasvezes,mas,sim,100%.Énatural,portanto,quandopensamosnofuturo, nos preocuparmos sobretudo com o que vai realmente acontecer.Para chegar a uma previsão, devemos contemplar uma variedade defuturospossíveisalternativos,etalveznosarrisquemosadizerqueumtemmais tendência a se realizar do que os outros. Mas, no fim das contas,sabemosqueapenasumdessesfuturospossíveisvairealmenteserealizar,equeremossaberqualserá.A relação entre nossa visão do passado e nossa visão do futuro é

ilustradapela imagemdapágina140,quemostraosvaloresdasaçõesdeuma empresa fictícia ao longo do tempo. Olhando em retrospectiva, épossível ver o histórico das ações (a linha contínua), que naturalmentetraça um trajeto único. Entretanto, olhando para o futuro, tudo o quepodemosdizersobreovalordasaçõeséaprobabilidadedeelascaírememumdadomomento.MeuscolegasdaYahoo!DavidPennockeDanReeves

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programaramumaplicativoquegerafigurascomoessaaoalimentarmosoprograma com os preços das diferentes ações na bolsa. Como o valor deumaopçãodependedopreçodaaçãoaqueserefere,ospreçosaqueváriasopções estão sendo vendidas agora podem ser interpretados comoprevisões sobre o preço das ações na data em que as opções estãoagendadasparaamadurecer.Maisprecisamente,podemosusarospreçosdasopçõesparainferirvários“envelopesdeprobabilidades”,comoaquelesmostradosnafigura.Porexemplo,oenvelopeinternomostraoalcancedepreçosqueaaçãopodeatingiremumaquedacom20%deprobabilidade,enquantooenvelopeexternomostraoalcancedaprobabilidadede60%.Entretanto,nóstambémsabemosqueemalgumpontonofuturoopreço

das ações será revelado — como indicado pela trajetória “futura”pontilhada. Nesse momento, sabemos que a nuvem confusa deprobabilidadesdefinidaspeloenvelopeterásidosubstituídaporumúnicopreço a cada vez, assim como os preços que vimos no passado. Sabendodisso,étentadordaropróximopassoesuporqueessatrajetóriafuturajáfoi determinada por alguma influência cósmica, mesmo que ainda nãotenhasidoreveladaparanós.Masesseúltimopassoseriaumerro.Atéqueseja efetivamente realizado, tudo o que podemos dizer sobre os futurospreços das ações é que eles têm uma certa probabilidade de estarlocalizadosdentrodeumacertamargem—nãoporqueelerealmenteestáemalgumpontodessamargemeapenasnãosabemosaindaqualé,masnosentidodequeelaexisteapenascomoumamargemdeprobabilidades.Ditodeoutramaneira:háumadiferençaentreaincertezasobreofuturoeofatodeoprópriofuturoserincerto.Esteúltimoéapenasumaquestãodefaltadeinformação—algoquenãosabemos—,enquantooprimeiroimplicaainformação ser, a princípio, desconhecível. O primeiro é o universoordenado do demônio de Laplace, no qual, se simplesmente nosesforçarmos, poderemos prever o futuro. O último é essencialmente ummundo aleatório, no qual o melhor que podemos esperar é expressarnossasprevisõessobreváriosresultadoscomoprobabilidades.

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Preçosdeaçõesdopassadoedofuturo

PREVENDOOQUEPREVER

Adistinçãoentrepreverresultadosepreverprobabilidadesderesultadoéfundamental para mudar nossa visão sobre os tipos de previsões quepodemosfazer.Masháoutroproblemaquetambémsurgecomamaneirade comoaprendemos comopassado, equeé aindamais contraintuitivo:nãopodemossaberquaisresultadosnóspodemosfazerprevisões.Verdadeseja dita, há uma infinidade de previsões que podemos fazer a qualquer

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momento,assimcomoháuma infinidadede“coisasqueaconteceram”nopassado. E assim como não nos importamos nem um pouco com quasenenhumdoseventosdopassado,nãonospreocupamoscompraticamentenenhuma das previsões em potencial. Em vez disso, nos preocupamos écom o ínfimo número de previsões que, se pudéssemos ter feitocorretamente,poderiamtermudadoascoisasdeumamaneiraquedefatofariadiferença.SeosoficiaisdaAeronáuticadosEstadosUnidospudessemter previsto que terroristas armados iriam sequestrar aviões com aintençãodejogá-loscontraoWorldTradeCentereoPentágono,poderiamter tomado medidas preventivas, como reforçar as portas das cabines eobservarcomatençãoastriagensemaeroportos,eissoteriaevitadoumatragédia. Da mesma forma, se um investidor soubesse, no fim dos anos1990,queumapequenaempresainiciantechamadaGooglesetornariaumgigantedainternet,poderiaterfeitofortunainvestindonessaempresa.Olhando para trás, parece que deveríamos ter sido capazes de prever

eventoscomoesses.Masoquenãopercebemoséquearetrospectivanosdiz mais do que possíveis previsões; além de nos revelar que previsõesdeveríamosestarfazendo.Emnovembrode1963,comoalguémimaginariaque era importante se preocupar com atiradores e não com comidaenvenenadaduranteavisitadeJFKaDallas?Comoalguémpoderiasaberantesdo11deSetembroquearesistênciadasportasdecabinesdeaviões,nãoaausênciadecães farejadores,eraachaveparaevitarsequestrosdeaviões?OuquesequestrosdeaviõesenãobombasnometrôeramamaiorameaçaaosEstadosUnidos?Comopoderíamossaberquemecanismosdebusca iriamfazerdinheirocomanúnciosenãooutro tipodenegócio?Ouquealguémdeveriaestarinteressadonamonetarizaçãodemecanismosdebusca em vez de sites de conteúdo, de venda on-line ou algocompletamentediferente?Comefeito,esseproblemaéooutroladodaafirmaçãodeDantosobrea

história, que vimos no capítulo anterior: só sabemos depois o que érelevante.Istoé,ostiposdeprevisõesquemaisqueremosfazerexigemqueprimeiro determinemos quais das coisas que podem acontecer no futurovãosemostrarrelevantes,paraquepossamoscomeçaraprestaratenção

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nelas agora. Parece que devemos ser capazes de fazer isso, assim comoparecequeoCronistaIdealdeDantodeveriasercapazdedizeroqueestáacontecendo.Masse tentássemosregistrarnossasprevisõessobre tudooque pode acontecer, imediatamente nos afogaríamos nas possibilidades.Seráquedeveríamosnospreocuparcomohorárioemqueocaminhãodolixovaipassarhojeànoite?Provavelmentenão.Poroutro lado, senossocachorro se desprende da coleira e corre para o meio da rua nessemomento, vamos desejar ter sabido disso antes de sairmos para umpasseio.Deveríamostentarpreversenossosvoosserãocancelados?Maisumavez,provavelmentenão.Massesomostransferidosparaumvooqueenfrentaráproblemasmecânicos e cairá, ou senos sentarmos ao ladodapessoa com quem vamos acabar nos casando, esse evento vai parecertremendamentesignificativo.Esse problema da relevância é fundamental e não pode ser eliminado

simplesmente commais informações ou um algoritmomais preciso. Porexemplo,emseulivrosobreprevisãoocientistapolíticoe“previsor”BruceBueno deMesquita enaltece o poder da teoria dos jogos para prever osresultadosdecomplexasnegociaçõespolíticas.14Dadaaimprevisibilidadeintrínseca de sistemas complexos, parece improvável que seus modeloscomputacionaispossamdefatoprever,comoelediz.Masdeixandoissodeladoporenquanto,devemosnosconcentrarnaquestãomaiorsobreoqueelespoderiampreversefuncionassemperfeitamente.VejaporexemplosuaafirmaçãodesabercomantecedênciaoresultadodosAcordosdeOslo,de1993,entreIsraeleaOrganizaçãoparaaLibertaçãodaPalestina.Naquelemomento,issopoderiaterparecidoumfeitoimpressionante.MasoqueoalgoritmonãomostroufoiqueosAcordosdeOsloforam,naverdade,umailusão,uma fagulha temporáriade esperançaque rapidamente se apagoudevido a eventos subsequentes. Ou seja: diante do que sabemos agorasobre o que aconteceu em seguida, fica claro que o resultado dasnegociaçõesemOslonãoeraacoisamaisimportanteaseprever.É claro, Bueno de Mesquita pode muito bem argumentar que seus

modelos não foram projetados para fazer esse tipo de previsão. Mas éprecisamente esta a questão: fazer a previsão correta é tão importante

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quantoacertaraprevisão.Quandoolhamosparaopassado,nãodesejamosterprevistoqualseriaopoderdemercadodoGoogleem1999ouquantosdiaslevariamparaqueossoldadosamericanoschegassemaBagdádurantea segundaGuerra doGolfo. Essas, semdúvida, são previsões válidas quepodemos terpensadoem fazer.Masemalgumponto teríamospercebidoque não importa se elas estavam certas ou erradas — porque elassimplesmente não eram tão importantes. Em vez disso, acabaríamosdesejandoterconseguidoprevernodiaemqueoGoogleabriuseucapitalparaomercadoacionárioquedentrodealgunsanosovalordesuasaçõesultrapassaria os quinhentos dólares, porque assim poderíamos terinvestido e ficado ricos. Gostaríamos de ter sido capazes de prever acarnificina que se seguiria à derrubada de Saddam Hussein e aodesmantelamentode suas forçasde segurança,porqueassimpoderíamosteradotadoumaestratégiadiferenteoumesmoevitadotodooproblema.Mesmoquandoestamoslidandocomostiposmaisbanaisdeprevisões

—amaneiracomoconsumidoresvãoreagiraessaouaquelacoroudesign,ousemédicosvãopassarmaistemposededicandoàmedicinapreventivase forem recompensados conforme a saúde de seus pacientes em vez daquantidade e do valor dos procedimentos por eles recomendados —enfrentamos o mesmo problema. Ainda que pareçam tipos menosproblemáticosquesaberqualseráapróximagrandeempresaouapróximaguerra,assimquecomeçamosapensarsobreporquenosimportamoscomessasprevisões,somosforçadosaimediatamentefazeroutras—sobreosefeitos das previsões que estamos fazendo agora. Por exemplo, estamospreocupados com a maneira como os consumidores vão reagir adeterminadacornãoporquenospreocupamoscoma reaçãodelesemsi,masporquequeremosqueoprodutosejaumsucessoeacreditamosqueacor é importante. Da mesma forma, nos importamos com a reação demédicos aos incentivos porque queremos controlar os custos da saúde eposteriormente projetar um sistema que ofereça cuidados pelos quaistodos possam pagar sem levar o país à falência. Se nossa previsão dealgumaformanãoajudaarevelarresultadosmaisabrangentes,entãoédepouco interesse ou valor. O que reforça que nos importamos com coisas

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queimportam,porémsãoprecisamenteessasprevisõesmaisabrangentese mais significativas sobre o futuro que nos impõem as maioresdificuldades.

CISNESNEGROSEOUTROS“EVENTOS”

Em nenhuma outra circunstância esse problema de prever aquilo queimportaémaisagudodoquenoscasosdoqueoex-agentedederivativosecrítico da indústria financeira Nassim Taleb chama de cisnes negros, ouseja, eventos que acontecem raramente— como a invenção do prelo, aqueda da Bastilha e os ataques aoWorld Trade Center—, mas que sãoimbuídosdegrande importância.15Masoque fazdeumeventoumcisnenegro?Éaíqueaquestãosecomplica.Nóstendemosafalarsobreeventoscomoseelesfossemisoladosedistintosepudessemserrotuladoscomumnível de importância da mesma maneira como descrevemos eventosnaturais, como terremotos, avalanches e tempestades, a partir de suamagnitudeouproporção.Naverdade,muitosdesseseventosnaturaissãocaracterizados não por distribuições “normais”, mas por distribuiçõesintensamente enviesadas que abrangem muitas ordens de magnitude. Aaltura das pessoas, por exemplo, é distribuída mais ou menos de formaequilibrada:ohomemtípicoamericanotem1m75,enuncavemosadultoscom sessenta centímetros ou três metros de altura. Já terremotos,avalanches, tempestades e incêndios florestais apresentam distribuiçõesheavy-tail, de “cauda pesada”, o que significa que a maior parte dessesfenômenos é relativamente pequena e chama pouca atenção, enquanto amenorpartepodeserextremamenteintensa.É tentador pensar que eventos históricos também seguem uma

distribuiçãodecaudapesada,naqualoscisnesnegrosdeTalebficambemlonge, na cauda da distribuição. Mas como o sociólogo William Sewellexplica, eventos históricos não são meramente “maiores” que outros nomesmo sentido de que alguns furacões são mais fortes que outros.

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“Eventos”, no sentido histórico, adquirem seu significado por meio dastransformações quedesencadeiamemarranjos sociaismais abrangentes.Para ilustrar, Sewell revisita a tomadadaBastilha, nodia 14de julhode1789,umeventoquecertamenteparececorresponderàdefiniçãodeTalebde um cisne negro. Porém, como aponta Sewell, o evento não foi apenasuma série de ações que aconteceram em Paris num mesmo dia, masenglobava todooperíodoentre14de julhoe23de julho,duranteoqualLuísXVIlutouparacontrolararebeliãoemPariseaAssembleiaNacionalemVersalhes debatia se era necessário condenar a violência ou aceitá-lacomoumaexpressãodavontadepopular.FoisódepoisqueoreirecolheusuastropasdaperiferiadacidadeeretornouaParisqueaAssembleiapôdesedecidir,eaBastilhatornou-seum“evento”nosentidohistórico.Édifícilpararatémesmoaí,naverdade,porqueéclaroqueaúnicarazãoparanosimportarmos com a Bastilha é o que aconteceu depois — a RevoluçãoFrancesa,eatransformaçãodasoberaniapordireitodivinodeumrei,quelheeraasseguradaaonascer,emumpoderinerenteaoprópriopovo.Eesseevento incluiu não apenas os dias até 23 de julho, mas também asrepercussõessubsequentes, comoopânicoemmassaporvezeschamadodeGrandeMedo,queinvadiuasprovínciasnasemanaseguinte,eafamosasessãolegislativaqueduroutodaanoitede4deagosto,quandoaordempolíticaesocialdoAntigoRegimefoiderrubada.16Quantomaisquisermosexplicarumeventocisnenegrocomoatomada

daBastilha,maisabrangentesdevemseros limitesdentrodosquaisvocêconsidera o evento. Isso é verdadeiro não apenas para eventos políticos,mas tambémpara “cisnesnegros tecnológicos”, comooscomputadores,ainterneteoraiolaser.Porexemplo,podeserverdadequeainternetfoiumcisnenegro,masoqueissosignifica?Querdizerqueainvençãoderedesdecomutação de pacotes foi um cisne negro? Ou foi um cisne negro ocrescimento dessa rede original, que se tornou algo muito maior, queacabouporformaroqueserianoiníciochamadodearpanetedepoisessacoisa chamada internet? Teria sido isso apenas o desenvolvimento dainfraestruturafísicaemqueoutrasinovaçõestecnológicas,comoawebeavozsobreIP,foramconstruídas?Ouseráqueforamessastecnologiasque,

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porsuavez, levaramanovosmodelosdenegóciose formasde interaçãosocial? Ou esses desenvolvimentos que finalmente mudaram a maneiracomo descobrimos informações, compartilhamos opiniões e expressamosnossas identidades?Presume-sequesejam todosessesdesenvolvimentosjuntos que dão à internet seu status de cisne negro. Mas se bem que ainternetnãoéumacoisa.Elaéumatalhoparatodoumperíododahistóriae todas asmudanças tecnológicas, econômicas e sociaisqueaconteceramnesseperíodo.Isso é verdadeiro até mesmo para eventos naturais que adquirem o

status de cisne negro. O furacão Katrina, por exemplo, foi uma grandetempestade,masnãofoiamaiorquejápresenciamos,nemmesmoamaiordaqueleverão.Oqueatornouumcisnenegro,portanto,tinhamenosavercom a tempestade em si e mais com o que aconteceu em seguida: aimpotênciadasbarragens,ainundaçãodamaiorpartedacidade,asaçõesde emergência lentas e ineficientes, osmilhares de residentes que foramsubmetidos a sofrimento desnecessário e humilhações, asmais de 1.800pessoasmortas,ascentenasdemilharesquedeixaramoestado,adecisãodemuitasdessaspessoasdenãoretornarnuncamais,oefeitoeconômicosobre a cidade de Nova Orleans depois de perder grande parte de suapopulação e a impressão deixada no povo de um desastre monstruoso,intensificadopeladiscriminaçãoracialesociallatente,pelaincompetênciaadministrativaepelaindiferençadosricosepoderososparacomosfracose vulneráveis. Quando falamos do furacão Katrina como um cisne negro,portanto,nãoestamosfalandodeumatempestadeemessência,massimdetodooconjuntodeeventosquesedesenrolaramapartirdela,associadoauma série igualmente complicada de consequências sociais, culturais epolíticas—consequênciasqueaindaserevelam.Assim, prever cisnes negros é fundamentalmente diferente de prever

eventoscomoaquedadeaviõesoumudançasnosíndicesdedesemprego.Esseúltimotipodeeventopodeserimpossíveldeseprevercomprecisão— e, portanto, teremos que nos contentar com probabilidades deresultados em vez dos próprios resultados—, mas é ao menos possíveldizer com antecedência o que estamos tentando prever. Já cisnes negros

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podemapenas ser identificadosaposteriori,porqueé sónessemomentoque podemos sintetizar todos os vários elementos da história sob umrótulo organizado. Prever cisnes negros, em outras palavras, exige nãoapenas que visualizemos os resultados futuros sobre os quais estamosfazendo previsões, como também que visualizemos o futuro além doresultado, pois só então sua importância será reconhecida. Como noexemplodeDantocitadonocapítuloanterior,sobreBobdescrevendosuasrosas premiadas antes de elas realmente receberem algum prêmio, essetipo de previsão não é realmente uma previsão, mas uma profecia— ahabilidade de prever não apenas o que vai acontecer, mas também qualseráseusignificado.17Contudo, uma vez que sabemos sobre os cisnes negros, não podemos

lamentar não ter conseguido prevê-los. E assim como as explicaçõesbaseadas no senso comum confundem histórias e teorias— o tópico docapítuloanterior—,tambémaintuiçãobaseadanosensocomumsobreofuturo tende a misturar previsões e profecias. Quando olhamos para opassado,vemosapenasascoisasqueaconteceram—não todasascoisasquepoderiamteracontecidomasnãoaconteceram—,e,comoresultado,nossasexplicaçõesbaseadasnosensocomumporvezeschamamdecausaeefeitooquenaverdadeéumasequênciadeeventos.Damesmamaneira,quando pensamos sobre o futuro, imaginamos que seja uma sucessão deeventos que simplesmente ainda não nos foram revelados. Na verdade,essasucessãonãoexiste—o futuroémaiscomoumpacotedepossíveissucessões,cadaqualcomumapossibilidadedeserealizar,eomelhorquepodemosfazeréestimarasprobabilidadesdecadaumadassequênciasdeeventos. Mas como sabemos que em algum ponto no futuro todas essasprobabilidades terão se tornado uma única sucessão, naturalmentequeremosnosconcentrarnaúnicasucessãoquevaidefatoimportar.Da mesma forma, quando olhamos para o passado, não há nenhuma

confusão com o que entendemos por “eventos”, nem parece difícil dizerquaisdesseseventosforamimportantes.Eassimcomoasingularidadedopassadonos faz considerar o futuro singular também, omesmoacontececomaaparenteobviedadedeeventosanteriores,quenoslevaapensarque

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deveríamos ser capazes de prever quais eventos serão importantes nofuturo.Porém,oqueessasnoçõesdosensocomumignoraméquetalvisãodopassadoéumprodutodeumesforçocoletivoderelatosdehistórias—por parte não apenas de historiadores, mas também de jornalistas,especialistas, líderes políticos e outros formadores de opinião — cujoobjetivoécompreender“oqueaconteceu”.Sóquandoessahistóriaestivercompleta, e todos concordaremcomela,poderemosdizerquais foramoseventos importantes, ou osmais relevantes. Assim, prever a importânciadoseventosexigeprevernãoapenasospróprioseventos,mas tambémoresultadodoprocessosocialquelhesconferesentido.

DOSENSOCOMUMAOSENSOINCOMUM

Para continuarmos levando adiante nossa rotina, nada dessa confusãopoderá nos causar problemas sérios. Como já discuti anteriormente, osenso comum é extraordinariamente bom na tarefa de navegar porcircunstânciasparticulares.Ecomoasdecisõesdodiaadiaestãodivididasem várias partes, cada uma devendo ser encarada individualmente, nãoimportamuitoqueaconfusãodeleis,fatos,percepções,crençaseinstintossobre os quais se constrói o senso comum formeum todo coerente. Pelamesmarazão,podenãoimportarmuitoquealógicadosensocomumnosleve a pensar que compreendemos a causa de alguma coisa quando, naverdade, nós apenas a descrevemos, ou a acreditar que podemos fazerprevisõesquando,naverdade,nãopodemos.Quandoofuturochegarnósjáteremosesquecidoamaiorpartedasprevisõesquetivermosfeito,eentãonãonospreocuparemoscomapossibilidadedeamaiorpartedelasterserevelado errada ou simplesmente irrelevante. E quando decidirmoscompreenderoquedefatoaconteceu,ahistóriajáteráenterradoamaiorpartedos fatos inconvenientes,dando-nosa liberdadedecontarhistóriassobreoqueficou.Dessaforma,podemospulardeumdiaparaoutroedeuma observação para outra, substituindo perpetuamente o caos da

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realidade com a ficção reconfortante de nossas explicações. E paraobjetivos cotidianos, isso é suficiente, pois os erros que inevitavelmentecometemosnãocostumamterconsequênciasimportantes.Esses enganos começam a ter consequências importantes quando

confiamos no senso comumpara fazer os tipos de planos que sustentampolíticas governamentais, estratégias empresariais ou campanhaspublicitárias.Devidoasuanatureza,oplanejamentodepolíticasexternasou de desenvolvimento econômico afeta um grande número de pessoasdurante um longo período de tempo, por isso precisa funcionar comconsistência em vários contextos específicos. Devido a sua natureza,planejamentoseficientesdepublicidadeoudasaúdepúblicadependemdenossa capacidade de associar com eficiência causa e consequência, etambémexigemquesaibamosdiferenciarexplicaçãocientíficadesimplesrelatos de histórias. Devido a sua natureza, planejamentos estratégicos,seja de empresas ou de partidos políticos, necessariamente fazemprevisões sobre o futuro, e por isso precisam diferenciar as previsõesconfiáveisdasduvidosas.E,finalmente,todosessestiposdeplanejamentoporvezestêmconsequênciasdemagnitudeconsiderável—sejafinanceira,políticaousocial—quefazemvalerapenanosperguntarmosseháumamaneiramelhor,baseadanosensoincomum,defazê-los.Portanto,éparaasvirtudes do senso incomum e suas implicações para previsões,planejamentos, justiça e até mesmo ciências sociais que agora nosvoltamos.

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PARTEIIOSENSOINCOMUM

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7OSMELHORESPLANOS

Amensagemcentraldocapítuloanterioréqueostiposdeprevisõesqueosensocomumnosfazsãodefatoimpossíveisporduasrazões.Primeiro,osensocomumdizqueapenasumfuturovaisedesenrolareque,portanto,énaturalquererfazerprevisõesespecíficassobreessefuturo.Entretanto,emsistemas complexos — que compreendem a maior parte de nossa vidaeconômicaesocial—,omelhorquepodemosesperaréestimarcomcertaprecisãoasprobabilidadesdecertostiposdeeventosocorrerem.Segundo,o senso comum também exige que ignoremos as muitas previsõesdesinteressantesedesimportantesquepoderíamosestarfazendootempotodo e que foquemos nos resultados que de fato importam. Na verdade,porém, não há maneira de anteciparmos, mesmo em princípio, quaiseventos serão importantes no futuro. E ainda pior: os eventos cisnesnegros,quesãoaquelesquemaisdesejamos terprevisto,nãosãode fatoeventos,masdescriçõesresumidas—“ARevoluçãoFrancesa”,“ainternet”,“o furacão Katrina”, “a crise financeira global”— de grandes “faixas” dahistória.Prevercisnesnegrosé,portanto,duplamenteinviável,poisatéqueahistóriatenhasedesenroladoéimpossívelatémesmosaberquaissãoostermosrelevantes.Éumamensagemséria.Mas sóporquenãopodemos fazeros tiposde

previsões que gostaríamos não significa que não podemos preverabsolutamente nada. Como qualquer bom jogador de pôquer podeconfirmar, contar cartas não nos informa exatamente qual carta vai servirada em seguida, mas conhecer as probabilidades antes de seus

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oponentes ainda pode lhe rendermuito dinheiro ao longo do tempo, aofazer apostasbaseadas emmais informação, alémde fazê-lo ganharmaisdoqueperder.1Emesmoparaosresultadosquenãopodemserprevistoscomnenhumaconfiabilidade,apenassaberos limitesdoqueépossível jápodeserproveitoso—porqueissonosobrigaamudaramaneiracomonosplanejamos.Entãoquetiposdeprevisõespodemosfazer,ecomopodemostorná-las o mais precisas possível? E como devemos mudar a maneiracomo pensamos sobre o planejamento — na política, nos negócios, nasrelações internacionais, na publicidade e no gerenciamento — paraacomodar a compreensão de que algumas previsões jamais poderão serfeitas?Essasquestõespodemparecerdistantesdos tiposdeproblemaseencruzilhadascomquenosdeparamosdiariamente,masdeumjeitooudeoutro— por sua influência sobre as empresas em que trabalhamos, ousobre a economia de forma geral, ou sobre os problemas sobre os quaislemosdiariamentenosjornais—elasafetamatodosnós.

OQUEPODEMOSPREVER?

Simplificando muito, há dois tipos de eventos que surgem nos sistemassociais complexos — eventos em conformidade com algum padrãohistórico estável, e eventos emnão conformidade—, e é apenas sobre oprimeiro tipo que podemos fazer previsões confiáveis. Como disse nocapítuloanterior,atémesmoparaesseseventosnãopodemosprevermaisresultados específicos do que para qualquer outro evento. Mas sepudermosreunirinformaçõessuficientessobreohistóricodetaiseventos,podemos razoavelmente prever possibilidades, o que é suficiente paradiversosobjetivos.Todoano,porexemplo,cadaumdenóspodeterounãooazardepegar

uma gripe. Omelhor que podemos antecipar é que em qualquer estaçãotemosumacertaprobabilidadede ficarmosdoentes.Porém, comosomosmuitos,ecomoofluxodegripessazonaisérelativamenteconsistenteano

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após ano, a indústria farmacêutica pode fazer um trabalho básico paraestimarquantasvacinascontraagripevaiprecisarenviarparaumapartedomundoespecíficaemdeterminadomês.Damesmaforma,consumidorescomamesma situação financeirapodemvariarmuitoquanto apagar ounãoa faturadocartãodecrédito,dependendodoqueestejaacontecendonavidadecadaum.Masasempresasdecartãodecréditopodemfazerumtrabalhosurpreendenteempreveronúmerode inadimplentesprestandoatenção à variação de índices socioeconômicos, demográficos ecomportamentais. E empresas virtuais estão cada dia tirando maisvantagem das montanhas de informações sobre a navegação de seususuários para saber a probabilidade de um certo usuário clicar em umresultadodebuscaespecífico,responderfavoravelmenteaumanotíciaouser convencido por uma determinada recomendação. Como o cientistapolítico IanAyres escreveuemseuSuperCrunchers, previsõesdesse tipoestãosendofeitascadavezmaisemindústriasaltamentedependentesdedados,comoafinanceira,adesaúdeeadecomércioeletrônico,nasquaisos ganhos geralmente modestos associados com previsões baseadas emdados podem se utilizar de milhões, ou até mesmo bilhões, de decisõesminúsculas—emalgunscasosdiariamente—paraproduzirganhosmuitosubstanciaisnofimdascontas.2Até aí, tudo bem.Mas hámuitas áreas de negócios— assim como no

governoenapolítica—dependentesdeprevisõesquenãoseencaixamtãobemnessemoldede superanálise.Por exemplo, semprequeumaeditoradecideovalordeadiantamentoquevaiofereceraumautorempotencial,ela está efetivamente fazendo uma previsão sobre as vendas futuras dolivro proposto. Quantomais exemplares o livro vender, mais royalties oautorvaireceberemaisdinheiroaeditoradeveoferecerparaimpedirqueoautorvendaseulivroparaumaeditoraconcorrente.Masseaofazeressecálculo a editora superestima as vendasdo livro, vai acabarpagandoumvalor excessivo ao autor— bom para ele,mas ruim para as finanças daeditora. Da mesma forma, quando um estúdio de cinema decidedesenvolver um projeto, está efetivamente fazendo uma previsão sobrequantoaquelefilmevailherender,e,assim,decidindoquantopodegastar

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em sua produção e em sua campanha publicitária. Ou quando umlaboratório farmacêutico decide ir adiante com os testes de um novomedicamento, deve justificar os custos altíssimos a partir de algumaprevisãosobreoprovávelsucessodostesteseaparcelademercadoqueomedicamentoterá.Todasessas frentesdenegócio,portanto,dependemdeprevisões,mas

são previsões consideravelmente mais complicadas do que aquelas queenvolvemonúmerodecasosdegripeesperadosnaAméricadoNortenopróximoinverno,ouaprobabilidadedealguémclicaremumapropagandaon-lineespecífica.Quandoumaeditoraofereceumvaloradiantadoporumlivro,oprópriolivrocostumaestarpelomenosumanooudoisdistantedesuapublicação;entãoaeditoradevefazerumaprevisãonãoapenassobrecomoo livro vai vender,mas também sobre comoomercado o receberáquandoforpublicado,comoserãoascríticaseumsem-númerodeoutrosfatores relacionados. Os mesmos tipos de previsões sobre filmes,medicamentos e outros tipos de negócio ou de projeto são, com efeito,previsõessobreprocessoscomplexosemultifacetadosquesedesenrolamao longo de meses ou anos. E pior: como os encarregados de tomar adecisãoestãolimitadosafazerapenasalgumasacadaano,elesnãosedãoaoluxodetiraramédiadesuasincertezasemmeioaumnúmeroimensodeprevisões.Contudo,mesmonessescasos,osresponsáveispelatomadadedecisões

por vezes têm pelo menos algum histórico no qual se basear. Editoraspodem ter registros do número de vendas de livros semelhantes jálançados, enquanto estúdios de cinema podem fazer o mesmo combilheteria, vendas de DVD e lucros com publicidade. Já laboratóriosfarmacêuticos podem consultar os índices demedicamentos semelhantesno mercado, publicitários podem investigar o desempenho de produtoscomparáveis e editores de revistas podem analisar a venda de ediçõesanteriores que tiveram uma matéria de capa equivalente. Responsáveispela tomadadedecisõesporvezes têmtambémmuitosoutrosdadosnosquais se basear, incluindo pesquisas de mercado, avaliações internas doprodutoemquestãoeseuconhecimentodaindústriadeformageral.Então,

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desdequenadaexcepcionalaconteçanomundoentreomomentoemqueeles se comprometeram com um projeto e o momento em que ele élançado,asprevisõesfeitascontinuamafazerpartedogrupodeprevisõesquesãoaomenosminimamenteconfiáveis.Mascomofazê-las?

MERCADOS,MULTIDÕESEMODELOS

Ummedoqueestásetornandomaispopularacadadiaéusaroquevemsendo chamado de mercado preditivo — ou seja, um mercado no qualcompradores e vendedores podem negociar valores mobiliários cujospreços correspondem à probabilidade de que um resultado específicoocorra.Porexemplo,umdiaantesdaeleiçãopresidencialnorte-americanade2008, um investidorpoderia terpagado92 centavosdedólarporumcontrato na Iowa Electronic Markets — um dos mais antigos e maisconhecidos mercados preditivos —, que lhe teria rendido um dólar seBarack Obama tivesse vencido. Participantes do mercado preditivo,portanto, comportam-se muito como participantes de mercadosfinanceiros, comprando e vendendo contratos por preços variáveis. Masnessecaso,ospreçossãoexplicitamenteinterpretadoscomoumaprevisãosobre o resultado em questão — por exemplo, a probabilidade de umavitória deObamana véspera da eleição foi prevista pelo IowaElectronicMarketscomosendode92%.Ao gerar previsões como essa, mercados preditivos exploram um

fenômeno que o colunista da New Yorker James Surowiecki chamou de“sabedoria das multidões” — a noção de que, apesar de indivíduos,separadamente, terem uma tendência maior a fazer previsões errôneas,quando muitas dessas estimativas são vistas em conjunto, os erroscostumam se anular; assim, o mercado é, em certo sentido, “maisinteligente” que as pessoas que o constituem. Muitos desses mercadostambémexigemqueosparticipantesapostemdinheirodeverdade;assim,é mais provável que os participantes sejam pessoas que conheçam um

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tópicoespecíficomaisafundo.Omaisimportantedessacaracterísticadosmercadospreditivoséquenãoimportaquem tema informaçãorelevante— um único especialista ou um grande número de leigos, ou qualquercombinação entre os dois extremos. Em teoria, o mercado deveriaincorporartodasassuasopiniõesproporcionalmenteaovalorquecadaumestádispostoaapostar.Aliás,emteseninguémdeveriasercapazdesesairmelhorqueummercadopreditivobem-planejado.Arazãoparaissoéquese alguémpudesse se sair melhor que o mercado, esse alguém teria umincentivo para ganhar dinheiro com isso. Mas o próprio ato de ganhardinheiro no mercado imediatamente transformaria os preços paraincorporaranovainformação.3Opotencialdosmercadospreditivosde circundar a sabedoria coletiva

gerouumagrandeondadeanimaçãotantoentreeconomistasprofissionaisquantoentrepolíticos.Imagine,porexemplo,queummercadotivessesidoplanejado para prever a possibilidade de um fracasso catastrófico naexploração do petróleo no Golfo antes do desastre ocorrido em abril de2010. Possivelmente pessoas ligadas à empresa British Petroleum, comoengenheiros, poderiam ter participado do mercado, tornando público oconhecimento dos riscos que a empresa estava assumindo. Então,possivelmente os supervisores teriam tido um relatório mais precisodessesriscosetenderiamacontrolaraindústriapetrolíficamaisdeperto,antes que umproblema sério acontecesse. Talvez o desastre tivesse sidoevitado. Esses são os tipos de afirmações dos defensores de mercadospreditivos; e é fácil ver por que eles despertaram tanto interesse. Nosúltimos anos, aliás, mercados preditivos foram planejados para fazerprevisões que variam desde o provável sucesso de novos produtos e asrendas de bilheteria de novos filmes até os resultados de eventosesportivos.Na prática, entretanto, mercados preditivos são mais complicados do

quesugereateoria.Naeleiçãopresidencialde2008,porexemplo,umdosmais populares mercados preditivos, o Intrade, sofreu uma série deestranhasflutuaçõesquandoumnegociantedesconhecidocomeçouafazergrandesapostasemJohnMcCain,gerandograndesvantagensnaprevisão

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da vitória de McCain. Ninguém descobriu quem estava por trás dessasapostas,massuspeitou-sedeumpartidáriodocandidatoouatémesmodeumauxiliardecampanha.Aomanipularospreçosdomercado,essapessoaestava tentando criar a impressão de que uma respeitada fonte deinformaçõessobreaeleiçãoindicavaavitóriaaMcCain,presumivelmentenaesperançadecriarumaprofeciaquesecumpririapeloprópriomérito.Não funcionou. As apostas foram rapidamente revertidas por outrosnegociantes,eoapostadormisteriosoacabouperdendodinheiro;assim,omercado funcionou exatamente como deveria. Contudo, isso expôs umavulnerabilidade em potencial da teoria, segundo a qual negociantesracionaisnãovãodeliberadamenteperderdinheiro.Oproblemaéqueseoobjetivodeumparticipanteémanipularaspercepçõesdepessoasforadomercado (comoamídia), e se os valores envolvidos forem relativamentepequenos (dezenas de milhares de dólares, digamos, comparados àsdezenas demilhões de dólares gastos empropaganda na TV), então elespodemnãoseimportaremperderdinheiro;nessecaso,deixadeserclaroqualsinalomercadoestáenviando.4Problemascomoesselevaramalgunscéticosaafirmarqueosmercados

preditivos não são necessariamente superiores a métodos menossofisticados, como as enquetes, que na prática são mais difíceis demanipular. Entretanto, pouca atenção foi dispensada à avaliação dodesempenhorelativodemétodosdiferentes,entãoninguémpodesaberaocerto.5Paratentarresolveraquestão,realizeicommeuscolegasdaYahoo!Research uma comparação sistemática entre diferentes métodos deprevisão,noqualasprevisõesemquestãoeramosresultadosdosjogosdefutebol americano do campeonato nacional. Para começar, para cada umdoscercadequatorzejogosqueaconteciamtodofimdesemanaaolongodatemporadade2008,nósmontamosumaenqueteemquepedimosaosparticipantes que declarassem a probabilidade de que o time da casaganhasse o jogo, assim como sua confiança nessa previsão. Tambémcoletamos informações similares no site Probability Sports, um concursoon-line no qual participantes podem ganhar prêmios em dinheiro seadivinharem os resultados dos jogos. Em seguida, comparamos os

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resultadosdessasduasenquetescomomercadodeapostasdeLasVegas—umdosmaisantigosemaispopularesdetodoomundo—efizemosomesmo com outro mercado preditivo, o TradeSports. Finalmente,comparamosaprevisãodeambososmercadosedasenquetescontradoismodelos estatísticos simples. O primeiro modelo se baseava apenas naprobabilidadehistóricadeostimesdacasavencerem—coisaqueaconteceem 58% dos jogos —, enquanto o segundo modelo também levava emconta os índices de vitória e derrota dos dois times em questão. Dessamaneira, montamos uma comparação em seis mãos entre diferentesmétodos preditivos — dois modelos estatísticos, dois mercados e duasenquetes.6Considerandoasdiferençasentreessesmétodos,oquedescobrimosfoi

surpreendente:todoselestiverammaisoumenosomesmoresultado.Paraser justo,osdoismercadospreditivossaíram-seumpoucomelhorqueosoutrosmétodos,oqueéconsistentecomoargumentoteóricoanterior.Maso método com melhor desempenho — o mercado de Las Vegas — foiapenas 3%mais preciso que ométodo com pior desempenho, que foi omodelo que sempre previa que o time da casa ganharia com 58% deprobabilidade. Todos os demais métodos ficaram entre esses doisresultados.Naverdade,omodeloque tambémincluíaos índicesrecentesdevitóriasederrotas ficou tãopróximodomercadodeLasVegasquesevocêusasseambosparapreveradiferençarealdepontosentreasequipes,a margem de erro em suas previsões teria uma diferença de menos de0,1%. Porém, se você estiver apostando nos resultados de centenas oumilharesde jogos,essaspequenasvariaçõesaindapodemseradiferençaentre ganhar e perder dinheiro. Entretanto, é surpreendente que asabedoria agregada de milhares de participantes dos mercados, quecoletivamente devotam inúmeras horas à análise de jogos futuros paralevantar informações úteis, seja apenas um poucomelhor que o simplesmodeloestatísticobaseadoapenasemmédiashistóricas.Na primeira vez que contamos a alguns pesquisadores do mercado

preditivo sobreesse resultado, eles argumentaramque issodevia refletiralgumacaracterísticaespecialdofutebolamericano.Ocampeonatonorte-

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americano, afirmaram, temmuitas regras, como tetos salariais e acordos,queajudamamanterasequipesempédeigualdade.Eofutebolamericano,é claro, é um jogo em que o resultado pode ser decidido por pequenasatitudesaleatórias,comoowidereceiveragarrandoopassedesesperadodoquarterback comapontadosdedosenquantocorreparaa linhadogolevence a partida nos segundos finais. Ou seja: jogos de futebol têmmuitaaleatoriedade intrínseca — e talvez seja isso o que os torna tãoempolgantes. Talvez, portanto, não seja tão surpreendente que todas asinformações e análises geradasporumpequenoexércitode especialistasem futebol americano,quebombardeiam fãs comprevisões semanaapóssemana,nãosejammuitoúteis(apesardeissopodersermarcanteparaosespecialistas). Para serem convencidos, nossos colegas do mercadopreditivoinsistiram,nósdeveríamosterencontradoosmesmosresultadosem outros domínios nos quais a relação sinal-ruído pudesse serconsideravelmente maior do que foi no caso específico do futebolamericano.Ok,quetalobeisebol?Osfãsdobeisebolseorgulhamdeprestaratenção

quasefanáticaatodoequalquerdetalhemensuráveldojogo,desdeíndicesderebatimentoatérotaçõesparaarremesso.Todaumaáreadepesquisa,chamada sabermetrics [“sabremétrica”, em tradução livre], foi criadaespecialmenteparaanalisarestatísticasdebeisebol, contandoatémesmocomjornalpróprio,oBaseballResearchJournal.Pode-sepensar,portanto,queosmercadospreditivos,comsuacapacidademuitosuperiordeavaliardiferentestiposdeinformação,sesairiammelhorquemodelosestatísticossimplistas, e com uma vantagemmuitomaior do que no caso do futebolamericano.Masissonãoaconteceu.Comparamosasprevisõesdomercadode apostas de Las Vegas com cerca de 20mil jogos de beisebol da LigaProfissional disputados entre 1999 e 2006 com um modelo estatísticosimples, novamente baseado na vantagem do time da casa e nos índicesrecentesdederrotaevitóriadosdoistimes.Dessavez,adiferençaentreosdois foi ainda menor — na verdade, a diferença no desempenho domercado e domodelo foi ínfima. Em outras palavras, apesar de todas asestatísticas e análises, e também da ausência de tetos salariais

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significativosnobeiseboledaresultanteconcentraçãodesuperjogadoresemtimescomooNewYorkYankeeseoBostonRedSox,osresultadosdosjogosestãoaindamaispróximosdeeventosaleatóriosdoquenocasodofutebolamericano.Apartirdisso,encontramosoudescobrimosomesmotipoderesultado

em outros tipos de eventos em que mercados preditivos costumavamtrabalhar, desde a bilheteria no fim de semana de estreia de filmes aoresultado da eleição presidencial. Diferentemente dos esportes, esseseventos ocorrem sem nenhuma das regras ou condições projetadas paratornar os esportes competitivos. Há também muitas informaçõesrelevantesquemercadospreditivospoderiamexplorarparamelhorarsuaperformanceparamuitoalémdeummodelo simplesouumaenquetedeindivíduos relativamente desinformados. Porém, quando comparamos oHollywood Stock Exchange (HSX) — um dos mais populares mercadospreditivos,que temareputaçãodeconcentrarasprevisõesmaisprecisas— com um modelo estatístico simples, o HSX se saiu apenas um poucomelhor.7Eemumestudosecundáriosobreosresultadosdecincoeleiçõespresidenciais americanas realizadas entre 1988 e 2004, os cientistaspolíticos Robert Erikson e Christopher Wlezien descobriram que umasimples correção estatística de enquetes de opinião comuns tevedesempenho melhor até mesmo do que o elogiado Iowa ElectronicMarkets.8

NÃOCONFIEEMNINGUÉM,ESPECIALMENTEEMVOCÊMESMO

Entãooqueestamosquerendodizeraqui?Não temoscerteza,masnossasuspeita édequea impressionante similaridadedemétodosdiferentes éumefeitocolateralinesperadodojogodaprevisãodocapítuloanterior.Porumlado,noquedizrespeitoasistemascomplexos—seenvolvempartidasesportivas, eleições ou audiência de filmes — há limites rígidos para aprecisãodenossacapacidadedepreveroquevaiacontecer.Masporoutro

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parece que podemosnos aproximar bastante do limite do que é possívelcommétodos relativamente simples.Poranalogia, sevocê tiveremmãosumdadoadulterado, conseguirádescobrirquais ladosvãoaparecermaisemalgumaspoucasjogadas,epoderáapostarnessesresultados.Masparaalém disso, métodos mais elaborados, como estudar o dado em ummicroscópioparaencontrartodasasfissurasminúsculaseirregularidadesemsuasuperfície,ouprogramarumasimulaçãocomplexanocomputador,nãoajudarãovocênassuasapostas.Da mesma maneira, descobrimos que em jogos de futebol americano

umaúnicainformação—queotimedacasaganhapoucomaisdametadedasvezesqueotimevisitante—ésuficienteparamelhorarodesempenhode alguém na previsão do resultado, ficando acima de adivinhaçõesaleatórias. Além disso, um segundo insight simples— que o time com omaiornúmerodevitóriastemumapequenavantagem—éoutrofatordemelhoranasprevisões.Masforaisso,todasasinformaçõesadicionaisquevocê possa considerar — o desempenho recente do quarterback, osjogadores lesionados,osproblemasqueoastrodotimeestátendocomanamorada — vão auxiliar muito pouco em suas previsões. Ou seja:previsões sobre sistemas complexos são sujeitas à lei dos rendimentosdecrescentes:oprimeirodadoajudabastante,masrapidamenteéesgotadoqualquerpotencialdemelhora.Claro,hácircunstânciasnasquaispodemosnosimportarcommelhorias

minúsculas ao prever com precisão. Na publicidade de um grupo deinvestimentosveiculadana internet,porexemplo,podemos fazermilhõesou mesmo bilhões de previsões diariamente, e grandes quantias dedinheiro podem estar em questão. Sob essas circunstâncias, talvez sejaválido o esforço e o custo de se investir em métodos sofisticados quepodemtirarpartidodesutilezas.Masemqualqueroutronegócio,desdeaprodução de filmes ou a publicação de livros até o desenvolvimento denovastecnologias,áreasemqueéprecisofazerapenasalgumasprevisõespor ano e em que as previsões que se fazem geralmente são apenas umaspecto do processo de tomada de decisões, você pode provavelmente

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prever com a melhor precisão possível utilizando um métodorelativamentesimples.Ométodoquevocênãovaiquererusaraotomardecisõeséconfiarna

opiniãodeumaúnicapessoa—muitomenosseessapessoaforvocê.Issoporque, apesar de seres humanos serem geralmente bons em perceberquais fatores são potencialmente relevantes para um determinadoproblema,geralmentesãoruinsemestimaraimportânciadeumfatoremrelaçãoaoutro.Aopreverabilheteriadasemanadeestreiadeumfilme,porexemplo,vocêpoderiapensarquevariáveiscomoaprodutoraeovalorgasto,assimcomoonúmerodesalasdecinemaemqueelevaiestreareascríticasantecipadasdamídiaespecializada,sãoaltamenterelevantes—evocêestariacorreto.Masqualéoequilíbriodesejávelentreumacríticaumpouco mais favorável que a média e 10 milhões de dólares a mais nacampanhapublicitária?Nãoestáclaro.Nemestáclaro,aosedecidircomoutilizarasverbasdepublicidade,comoaspessoasserãoinfluenciadaspelaspropagandasqueveememsitesouemumarevistaversusoqueelasouvemdeseusamigosarespeitodosprodutos—mesmosabendoquetodosessesfatoresprovavelmentesãorelevantes.Você pode pensar que os especialistas são bons em fazer justamente

essestiposdejulgamentocomprecisão,mascomoTetlockmostrouemsuaexperiência, especialistas são tão ruins em fazer previsões quantitativasquantoleigos,talvezaindapiores.9Overdadeiroproblemaemconfiaremespecialistas,entretanto,nãoéqueelessejampioresque leigos,masque,por serem especialistas, tendemos a consultar apenas um deles. Em vezdisso,oquedeveríamosfazeréconcatenaraopiniãodemuitos indivíduos—sejamespecialistasounão—e tiraramédia.Amaneiraprecisacomoissoé feitopodenão importarmuito.Comtodososseusalarmeseapitoschiques, mercados preditivos podem produzir previsões ligeiramentemelhoresdoqueummétodosimplescomoumaenquete,masadiferençaentre os dois é muito menos importante do que as vantagens emavaliarmos muitas opiniões de alguma maneira. Alternativamente,podemos estimar a importância relativa de várias previsões a partirdiretamente de dados históricos, o que émesmo tudo o que ummodelo

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estatístico consegue fazer. E, mais uma vez, apesar de um modelorebuscadopoderfuncionarumpoucomelhordoqueummodelosimples,adiferença é pequena em relação ao resultado obtido quando não usamosnenhumdeles.10Nofimdascontas,tantoosmodelosquantoasmultidõescumprem o mesmo objetivo. Primeiro, ambos se baseiam em algumaversãodojulgamentohumanoparaidentificarquaisfatoressãorelevantespara a previsão. E, segundo, ambos estimam e avaliam a importânciarelativadecadaumdesses fatores.ComoopsicólogoRobynDawescertaveznotou,“otruqueésaberparaquaisvariáveisolhar,eentãosabercomoapreender”.11Aoaplicaressetruquediversasvezes,podemosaprendercomotempo

quais previsões podem ser feitas com uma margem pequena de erro equaisnãopodem.Todoorestopermanecendoconstante—porexemplo,quantomaisparao futuroprevemoso resultadodeumevento—,maiorseráoerro.Ésimplesmentemaisdifícilpreverabilheteriaempotencialdeumfilmequandoeleestáapenassendoprojetadodoqueumasemanaouduasantesdesuaestreia,nãoimportaquaismétodossejamutilizados.Damesmamaneira,previsõessobreasvendasdeumnovoprodutotendemaser menos precisas do que previsões sobre a venda de produtos que jáexistem,nãoimportaquandoessasanálisessejamfeitas.Quantoaissonãohá nada que possamos fazer, mas podemos começar a usar quaisqueroutros dos diversos métodos — ou mesmo utilizá-los simultaneamente,como fizemos emnosso estudo sobremercados preditivos— e registrarseudesempenhoaolongodotempo.Comomencioneinoiníciodocapítuloanterior, registrar nossas previsões não é algo que aconteça demaneiranatural: nós fazemosmuitas,mas raramente olhamos para trás a fim deconferir comque frequênciaacertamos.Mas registrar seudesempenhoé,talvez,aatividademaisimportantedetodas—porquesóassimvocêpodeaprenderaprecisãodoqueépossívelprevere,então,quantoconfiarnasprevisõesquefaz.12

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CHOQUEFUTURO

Pormaisquevocêsigaesseconselhocomomaiorcuidado,umalimitaçãoséria em todos osmétodos de previsão é que eles são confiáveis apenasenquantoomesmotipodeeventoaconteceno futurodamesmamaneiracomo aconteceu no passado e com amesma frequência.13 Em intervalosregulares,porexemplo,empresasdecartãodecréditofazemumtrabalhomuito bom em prever índices de inadimplência. Indivíduos podem sercomplicadoseimprevisíveis,mastendemasercomplicadoseimprevisíveisdamesmamaneiraessasemanacomonasemanapassada;assim,deformageral os modelos funcionam razoavelmente bem. Mas como diversoscríticosdosmodelospreditivosapontaram,muitosdosresultadosquemaisnosinteressam—comoagênesedeumacrisefinanceira,aemergênciadeumanovatecnologiarevolucionária,aderrubadadeumregimeopressivoou uma queda precipitada dos índices de violência— são interessantesparanósprecisamenteporquenãoacontecemcomregularidade.Enessassituações surgem problemas muito sérios ao confiarmos em dadoshistóricosparapreverresultados futuros—comodescobriuumaparceladas empresas de cartões de crédito quando os índices de inadimplênciaaumentaramlogoapósarecentecrisefinanceira.Aindamaisimportante,osmodelosquemuitosbancosestavamusando

para cobrar por derivativos de hipoteca anteriores a 2008 — como osinfamesCDOs—agoraparecemterconfiadodemaisemdadosdopassadorecente, durante o qual os preços de imóveis apenas subiram. Comoresultado, analistas de desempenho e negociantes coletivamenteapostaram muito pouco na probabilidade de uma queda nacional nospreços de imóveis, e então subestimaram o risco de inadimplência emhipotecas e em taxas de execução hipotecárias.14 A princípio, podemospensarqueissoteriasidoumaaplicaçãoperfeitadosmercadospreditivos,quepoderiamtersesaídomelhorempreveracrise,emrelaçãoatodosos“especialistas” dos bancos. Mas, na verdade, seriam precisamente essaspessoas—juntocompolíticos,assessoresgovernamentaiseespecialistasdo mercado financeiro, que também falharam em prever a crise— que

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teriam participado do mercado preditivo, então é improvável que asabedoriadasmultidõesteriasidodeajuda.Pode-sediscutir,aliás,quefoijustamentea“sabedoria”damultidãoquenosmeteunessaconfusão.Entãose modelos, mercados e multidões não podem ajudar a prever cisnesnegroscomoacrisefinanceira,entãooquedevemosfazercomeles?Um segundo problema relacionado aos métodos que se baseiam em

dadoshistóricoséquenãosetomamdecisõesgrandeseestratégicascomfrequência suficiente para que seja útil uma abordagem estatística. Podeser o caso, historicamente falando, de que a maior parte das guerrasterminouemfalência,ouqueamaiorpartedafusãodeempresasnãovaleua pena. Mas pode ser verdadeiro também que algumas intervençõesmilitarestêmjustificativaequealgumasfusõestiveramsucesso,talvezsejaimpossívelapontaressadiferençacomantecedência.Sevocêpudessefazermilhões,oumesmocentenas,deapostascomoessas, fariasentidoconfiarnas probabilidades históricas. Mas diante de decisões sobre conduzir ounãoopaísaumaguerra,oufazerumaaquisiçãoestratégicaounão,nãosepodecontarcommaisdeumachance.Mesmoquevocêpudessemedirasprobabilidades,adiferençaentreumaprobabilidadedesucessode60%ede40%poderianãosermuitosignificativa.Portanto, assim como prever cisnes negros, a tomada de decisões

estratégicas é pouco apropriada para modelos estatísticos ou para asabedoriadasmultidões.Contudo,essetipodedecisãotemqueserfeitootempo todo, e são potencialmente as decisões que trazem maisconsequências. Há alguma maneira de aumentar nosso sucesso aquitambém? Infelizmente, não há uma resposta clara para essa pergunta.Tentaram-sediversasabordagensao longodosanos,masnenhumadelasfoidefatobem-sucedida.Emparteporqueastécnicaspodemserdifíceisdeser implementadas corretamente, mas principalmente devido aosproblemasapontadosnocapítuloanterior—queapenasjáháumníveldeincerteza acerca do futuro no qual estamos travados, incerteza essa quegeraerrosmesmonosmelhoresplanos.

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OPARADOXODAESTRATÉGIA

Ironicamente,asorganizaçõesqueincorporamoquepoderiamparecerasmelhorespráticasemplanejamentoestratégico—asque,porexemplo,têmgrandeclarezadevisãoeagemdemaneiradecisiva—podemtambémserasmais vulneráveis a erros de planejamento.O problema é aquilo que oconsultordeestratégiaseescritorMichaelRaynorchamadeparadoxodaestratégia. Em seu livro homônimo, Raynor ilustra esse paradoxorevisitando o caso dos videocassetes Betamax da Sony, que ficaramfamososaoseremderrotadospelatecnologiaVHS,muitomaisbarataedequalidademuito inferior, desenvolvidapelaMatsushita.De acordo comasabedoriapopular,aderrotadaSonyfoidupla:primeiro,elaseconcentrounaqualidadedaimagemenãonotempodegravação,oquedeuaoVHSavantagemdesercapazderegistrarfilmesinteiros.Segundo,oBetamaxfoiprojetado como um formato único, enquanto o VHS era “aberto”,permitindoquediversosfabricantescompetissemparafabricaraparelhosde reprodução das imagens, e em consequência abaixando os preços.Quandoomercadode locaçãodevídeosexplodiu,oVHS inevitavelmentesaiu na frente, embora por uma diferença pequena em relação ao seuconcorrente, mas essa diferença logo cresceu, graças a um processo devantagem cumulativa. Quanto mais pessoas compravam aparelhos VHS,mais lojas compravam fitas VHS, e vice-versa. Depois de certo tempo, oresultado foi uma saturação quase total domercado pelo formato VHS eumaderrotahumilhantedaSony.15Oqueasabedoriaconvencionalignora,entretanto,équeaSonynãovia

oVCRcomoumaparelhoaserusadoparaassistirafilmes.ASonyesperavaqueaspessoasusassemVCRsparagravarprogramasdeTV,permitindo-lhesassistiraseusprogramasfavoritosquandoquisessem.Considerandoapopularidade crescente de VCRs digitais servindo exatamente a essepropósito,avisãoqueaSony tinhado futuronãoera tãodescabida.Esetivessedadocerto,aqualidadesuperiordeimagemdaBetamaxpoderiatercompensadoopreçomaiselevadodosaparelhos,enquantoomenortempodegravaçãopareceria irrelevante.16TampoucoaMatsushitaseantecipou

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maisdoqueaSonysobrearapidezdomercadodealugueldevídeos—naverdade, um experimento anterior com o aluguel de fitas, realizado pelaCTI,empresadePaloAlto,fracassaracompletamente.Aindaassim,quandoficouclaroqueassistirafilmesemcasa,nãogravarprogramasdeTV,seriaousomaiscomumdoVCR,jáeratardedemais.ASonyfezoquepôdeparacorrigir a estratégia, e de fato produziumuito rapidamente um aparelhocom maior tempo de gravação, eliminando a vantagem inicial daMatsushita.Masfoiemvão.UmavezoVHStendoalcançadolargaliderançade mercado, o efeito em rede resultante foi impossível de ser detido. OfracassodaSony,emoutraspalavras,nãofoirealmenteoerrodeestratégiaque dizem ter sido, mas foi, na verdade, resultado de uma mudança nademanda de consumo que aconteceu com muito mais rapidez do quequalquerumnaindústriahaviaprevisto.PoucodepoisdeaBetamaxserderrotada,aSonyfezmaisumagrande

aposta estratégica em tecnologias de gravação — dessa vez, com seustocadores deMiniDiscs. Determinada a não cometer omesmo erro duasvezes, a empresa tomou cuidado especial em observar onde a Betamaxtinhadadofracassadoefezoquepôdeparacolocarasliçõesemprática.Aocontrário do que fizeram com a Betamax, a Sony certificou-se de que osMiniDiscs tinham capacidade de gravar álbuns inteiros. E, consciente daimportânciadadistribuiçãodeconteúdoapósaguerradosVCRs,adquiriuseu próprio repositório de conteúdo, a SonyMusic. Quando lançados, noiníciodosanos1990,osMiniDiscscontavamcomvantagenstécnicasclarassobreoentãodominanteformatodoCD.Emespecial,osMiniDiscspodiam,alémdereproduzir,tambémgravar,esendomenoresemaisresistentesaimpactos,erammaisadaptadosaaparelhosportáteis. JáosCDsgraváveisexigiammáquinascompletamentenovas,oquenaépocaerabastantecaro.Com todas essasmedidas preventivas, osMiniDiscs deveriam ter sido

um sucesso estrondoso. E, ainda assim, não foi esse o caso. O queaconteceu? Em resumo, aconteceu a internet. O custo da memória caiudrasticamente, permitindo que fossem estocadas bibliotecas inteiras demúsicas em seus computadores pessoais. Conexões de banda largapermitiramqueaspessoas compartilhassemsuasmúsicasemprogramas

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P2P. Pen drives permitiram o download fácil de mídia e seuarmazenamentoemaparelhosportáteis.Enovossitesdebuscaedownloaddemúsicas semultiplicaram.Ocrescimentoexplosivoda internetnão foiestimuladopelaindústriafonográfica,nemaSonyfoiaúnicaempresaquefracassou em prever as consequências que a internet teria sobre aprodução, a distribuição e o consumo de música. Ninguém poderiaimaginar.ASony,emoutraspalavras,realmenteestava fazendoomelhorpara aprender com o passado e prever o futuro—mas foi, ainda assim,derrotadaporforçasqueiamalémdahabilidadedequalquerumdepreveroucontrolar.Surpreendentemente, a empresa que “acertou” na indústria damúsica

foi a Apple, com sua combinação do aparelho iPod e da loja iTunes. Emretrospecto,aestratégiadaAppleparecevisionária,etantoanalistascomoconsumidoressedesdobramemelogiosàdedicaçãodaAppleaodesigneàqualidade.Porém,oiPodfoiexatamenteotipodejogadaestratégicaqueaslições da Betamax, sem mencionar a experiência da própria Apple nomercadodosPCs,deveriaensinarquenãodariacerto.OiPoderagrandeecaro.ErabaseadonaarquiteturafechadaqueaAppleserecusaalicenciar,funcionacomumsoftwareespecífico,eencontrouresistênciaporpartedamaioria dos provedores de conteúdo. Ainda assim foi um sucessogigantesco.EntãoemquesentidoaestratégiadaApplefoimelhorqueadaSony?Sim,aApplecriouumexcelenteproduto,masaSonytambém.Sim,aApple pensou no futuro e deu o melhor de si para descobrir para qualdireçãoosventosdatecnologiaestavamsoprando,masaSonytambém.E,sim,umavezquefezsuasescolhas,aAppleseagarrouaelaseasexecutoucom brilhantismo, mas é exatamente o mesmo que a Sony fez. A únicadiferença importante, na visão de Raynor, é que as escolhas da Sonyacabaramsemostrandoaserradas,enquantoasdaAppleacabaramsendoascertas.17Esse é o paradoxo da estratégia. A principal causa do fracasso

estratégico, Raynor argumenta, não é a estratégia ruim, mas uma ótimaestratégia que simplesmente se revela errada. A estratégia ruim secaracteriza pela falta de visão, liderança confusa e execução inepta —

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certamentenãoéocaminhoparaosucesso,mastendealevarmaisparaamediocridade persistente do que para o fracasso colossal. Já a ótimaestratégiaémarcadapelaclarezadevisão,aliderançaousadaeaexecuçãoprecisa.Quandoaplicadaaoconjuntocertodecomprometimentos,aótimaestratégia pode levar ao sucesso estrondoso — como aconteceu com aApple e seu iPod —, mas também ao fracasso retumbante. Se a ótimaestratégiavai serumsucessoouum fracasso,depende inteiramentedeavisãoinicialestarcertaouerrada.Eissonãoéapenasdifícildeantever,éimpossível.

FLEXIBILIDADEESTRATÉGICA

A solução para o paradoxo da estratégia, afirma Raynor, é reconhecerabertamente que há limites para o que pode ser previsto, e desenvolvermétodosdeplanejamentoque respeitemesses limites. Emparticular, elerecomenda que planejadores busquem maneiras de integrar o que elechamadeincertezaestratégica—aincertezasobreofuturodonegócioemquevocêestáenvolvido—aopróprioprocessodeplanejamento.Asoluçãode Raynor, na verdade, é uma variante de uma técnica de planejamentomuito mais antiga chamada scenario planning, planejamento de cenário,desenvolvida por Herman Kahn, da RAND Corporation, nos anos 1950,comoumaajudaparaestrategistasmilitaresduranteaGuerraFria.AideiabásicadoplanejamentodecenárioécriaroqueoconsultordeestratégiaCharles Perrottet chama de “narrativas da ‘história futura’ detalhadas,especulativas e bem-pensadas”. Entretanto, planejadores de cenáriostentam mapear uma vasta variedade desses futuros hipotéticos com oobjetivoprincipalnãotantodedecidirquaisdoscenáriosémaisprovável,masdedesafiarpressupostospossivelmentenãodeclaradosquesustentamestratégiasexistentes.18Noiníciodosanos1970,porexemplo,oeconomistaeestrategistaPierre

Wack lideravaumaequipenaRoyalDutch/Shellqueusavaplanejamento

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decenárioparatestarospressupostosdosdiretoressobreosucessofuturodosesforçosparaexploraçãodopetróleo,aestabilidadepolíticadoOrienteMédioeaemergênciadetecnologiasenergéticasalternativas.Apesardeamaior parte dos cenários ter sido construída nos relativamente plácidosanosdaproduçãodeenergiaanterioràcrisedopetróleonosanos1970eàsubsequente ascensão da Opep — eventos que definitivamente seencaixamnacategoriadecisnesnegros—,Wackmaistardeafirmouqueasprincipaistendênciasforam,defato,capturadasemumdeseuscenários,eque a empresa, como resultado, estava mais bem-preparada tanto paraexploraroportunidadesemergentesquantopara seprevenirde fracassosempotencial.19Uma vez que esses cenários foram desenhados, Raynor afirma que os

planejadores deveriam formular não uma estratégia, mas um portfóliointeiro de estratégias, cada uma das quais otimizada para um cenárioespecífico. Além disso, todas deveriam diferenciar elementos centrais —comuns—deelementoscontingentes—específicos.Gerenciar incertezastorna-se, então, uma questão de criação de “flexibilidade estratégica” aoconstruírem-se planos ao redor dos elementos centrais e restringirem-seoselementoscontingentespormeiodeinvestimentosemdiversasopções.NocasodaBetamax,porexemplo, aSonyesperavaqueousodominantedos VCRs fosse para gravar programas de TV a fim de assisti-los emdiferentes ocasiões, mas isso de fato teve algumas evidências daexperiênciadaCTI,quemostravaqueousodominanteacabariasendoparaassistirafilmesalugados.Diantedessaspossibilidades,aSonyadotouumplanejamento tradicional, decidindo, em primeiro lugar, quais dessesresultados seriam mais prováveis e então otimizando sua estratégia emtornodesseresultado.Aotimizaçãosegundoaflexibilidadeestratégica,noentanto, teria levado a Sony a identificar elementos que poderiam terfuncionadoindependentementedoquesetivesseconfirmadonarealidade,e emseguida limaria a incerteza residual, talvez encarregandodiferentesdivisões de operações para desenvolver modelos de mais e menosqualidadeparaseremvendidoscompreçosdiferentes.

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AabordagemdeRaynorparaogerenciamentodaincertezapormeiodaflexibilidadeestratégicacertamenteéintrigante.Entretanto,étambémumprocessoqueconsomebastantetempo—construircenários,decidiroqueécentraleoqueécontingente,identificarbarreirasestratégicas,edaíemdiante—enecessariamentedesviaaatençãodaquestãodamesmaformaimportantedegerenciarumaempresa.DeacordocomRaynor,oproblemacom amaioria das empresas é que seus dirigentes, ou seja, o quadro dediretoreseexecutivos,passamtempodemaisgerenciandoeotimizandoasestratégias que já existem — o que ele chama de gerenciamentooperacional—etempodemenospensandosobreincertezasestratégicas.Em vez disso, ele afirma que seria preciso dedicar todo o seu tempo aogerenciamento da incerteza estratégica, deixando o planejamentooperacional para os chefes de cada departamento. Em suas palavras, “ocorpo de diretores e executivos de uma organização não deveria sepreocupar primeiramente com a performance a curto prazo daorganização,masocupar-se coma criaçãodeopçõesestratégicasparaosdepartamentosoperacionais”.20A justificativa de Raynor para essa proposta radical é que a única

maneiradelidardeformaadequadacomaincertezaestratégicaégerenciá-lacontinuamente—“Umavezqueumaorganizaçãopassoupeloprocessode construção de cenários, desenvolvendo estratégias otimizadoras eidentificando e adquirindo o portfólio desejado de opções estratégicas, éhoradefazertudodenovo”.Esedefatooplanejamentoestratégicorequeresseloopcontínuo,atéfazsentidoqueaspessoasmaisindicadasparafazerissosejamosdiretores.Contudo,édifícil imaginarcomodiretorespodemde uma hora para outra parar de fazer o tipo de coisa que os alçou adiretoresecomeçaraagircomouniversitáriosempolgados.Tambémnãopareceprovávelqueosinvestidores,oumesmoosfuncionários,tolerariamumexecutivoquenãoachaqueéseu trabalhopôrestratégiasempráticaoupreocupar-se comodesempenho a curtoprazo.21 IssonãoquerdizerqueRaynornãoestácerto—elepodeestar—,apenasquesuaspropostasnãoforamexatamentebem-recebidaspelopensamentocorporativonorte-americano.

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DAPREVISÃOÀREAÇÃO

UmapreocupaçãomaisfundamentaléquemesmoqueosdiretoresdefatoabraçassemogerenciamentoestratégicodeRaynorcomotarefaprincipalainda assim isso poderia não funcionar. Considerem o exemplo de umaempresadeexploraçãodepetróleoemHouston,quecomeçouasededicarao exercício de planejamento de cenários por volta de 1980. Comomostrado na figura da página 171, os planejadores identificaram trêsdiferentescenáriosqueconsideravamrepresentativosdetodaavariedadedefuturospossíveis,eplanejaramosfuturosprevistoscorrespondentes—exatamenteoqueelesdeveriamfazer.Infelizmente,nenhumdoscenáriosconsideravaapossibilidadedequeosúbitocrescimentodaexploraçãodepetróleo que começou nos anos 1980 fosse uma aberração histórica. Defato,foiexatamenteissoqueaconteceu,ecomoresultadooquedefatosedesenrolou não tinha sido previsto por nenhuma das possibilidadesimaginadas. O planejamento de cenário, portanto, deixou a empresa tãodespreparada para o futuro quanto estaria se eles não tivessem sepreocupado em utilizar ométodo. Na verdade, pode-se atémesmo dizerque o exercício os deixou em uma posição ainda pior. Apesar de teralcançadooobjetivodedesafiarseuspressupostosiniciais,elesacabaramtornando-semaissegurosdoquetodosospossíveiscenáriosconsiderados,o que, é claro, não era verdade, deixando-os, portanto, ainda maisvulneráveisasurpresasdoqueantes.22

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Planejamentodecenárioquedeuerrado(reproduçãodeSchoemaker,1991)

É possível que esse péssimo resultado tenha sido meramente umaconsequência da má execução do planejamento de cenário, não umalimitação fundamental do método.23 Mas como uma empresa seaventurandonaanálisedecenáriospodesaberquenãoestácometendoomesmo erro dessa refinadora de petróleo? Talvez a Sony pudesse terlevadoomercadodelocaçãodevídeosmaisasério,masoqueaderruboufoirealmenteavelocidadecomque issoexplodiu.Édifícil imaginarcomo

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sepoderiaterprevistoisso.Aindapior:aodesenvolveroMiniDisc,édifícilimaginar como a Sony poderia ter previsto a complicada combinação demudanças tecnológicas, econômicas e culturais que apareceramrapidamente com o crescimento explosivo da internet. Como Raynorexplica:“NãoapenastudooquepoderiadarerradoparaaSonydefatodeu,como também tudo que deu errado tinha de dar errado para conseguirafundaroqueeranaverdadeumaestratégiabrilhantementeplanejadaeexecutada.”24 Então, apesar de uma maior flexibilidade na estratégia daSony pudesse ter ajudado, é pouco claro quanta flexibilidade era precisopara adaptar-se a ummercado que mudou tão rapidamente, ou como aSony poderia ter construído a barragem necessária sem destruir suahabilidadedeexecutaralgumaestratégia.Para terminar, o problema principal da flexibilidade estratégica como

uma abordagem de planejamento é precisamente o problema que ela sepropõe a resolver — a saber, que, em retrospectiva, as tendências queacabarampormodelarumaindústriaespecíficasempreparecemóbvias.Ecomo resultado, quando revisitamos a história parece fácil demais nosconvencermos de que se tivéssemos ficado diante de uma decisãoestratégica “naquela época”, poderíamos ter afunilado a lista de futurospossíveisparaumapequenalistadecompetidores—incluindo,éclaro,ofuturo que se tornou realidade. Mas quando imaginamos nosso futuro,vemosumamiríadedetendênciaspossíveis,qualquerumadelaspodendofazerumagrandediferença,eamaioriadasquaisseprovarápassageiraouirrelevante. Como podemos saber qual é qual? E sem saber o que érelevante,quaispossibilidadesdevemser consideradas?Técnicas comooplanejamento de cenário podem ajudar administradores a pensar nessasquestões de maneira sistemática. Da mesma forma, uma ênfase naflexibilidade estratégica pode ajudá-los a gerenciar a incerteza que oscenários expõem. Porém, por mais que você os analise, o planejamentoestratégico envolve previsões, que por sua vez envolvem o problemafundamentalda “profecia”quediscutinocapítuloanterior: simplesmentenãopodemos saber comoquedevemosnospreocupar atéque se revelesua importância. Uma abordagem alternativa, portanto — o assunto do

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próximocapítulo—,érepensartodaafilosofiadoplanejamentodeformageral, concentrando-se menos em prever o futuro, ou mesmo múltiplosfuturos,emaisnareaçãoaopresente.

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8AMEDIDADETODASASCOISAS

De todos os prognósticos, previsões e adivinhações, poucos são maisconfiantesnoprópriosucessoeaomesmo tempomais irresponsáveisdoque aqueles que determinam futuras tendências de moda. Todo ano, asvárias indústrias no mercado de design, produção, vendas e críticasespecializadas sobre sapatos, roupas e acessórios são tomadas porprevisões sobre o que poderia ser, o que deveria ser, o que talvez seja ecertamente será a próxima tendência. A precisão dessas previsões quasenuncaéverificada,muitastendênciaschegamsemtersidoprevistas,easexplicaçõessósãopossíveisemretrospectiva—masissotudopareceterpouco efeito sobreo ar frescode autoconfiançaqueos árbitrosdamodarespiram. Por isso é encorajador quepelomenos uma empresa demodabem-sucedidanãodêatençãoanadadisso.Essa empresa é a Zara, a loja de roupas espanhola que está ganhando

mancheteshámaisdeumadécadacomsuaabordageminovadoraquevisaàsatisfaçãodademandadosconsumidores.Emvezde tentaranteciparoqueos consumidores vão comprarnapróximaestação, a Zara reconheceque,efetivamente,nãofaz ideia.Emvezdisso,elaadotaoquechamamosdeestratégiademeasure-and-react strategy, avaliaçãoe reação.Primeiro,ela manda agentes para fazer um levantamento em shopping centers,centroscomerciaiseoutroslocaisbadaladosparasaberoqueaspessoasjáestãovestindo,oqueentãogeramuitasideiassobreoquepodefuncionar.Emseguida,bebendodestaoudaquelafontedeinspiração,aZaraproduzumportfólioextraordinariamentevariadodeestilos,tecidosecores—em

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que cada combinaçãoé feita, no início, empequenasquantidades—e asenviaparasuaslojas,ondesepoderámedirdiretamenteoqueestáounãovendendo.E,enfim,aZaracontacomumaoperaçãoflexíveldefabricaçãoedistribuiçãoquepodereagircomrapidezàsinformaçõesvindasdaslojas,abandonando a fabricação das peças que não estão vendendo (comrelativamentepoucodesperdíciodeinventário)eaumentandoaproduçãodas que vendem bem. Tudo isso depende da habilidade da Zara dedesenhar, produzir, distribuir e vender uma nova peça de roupa emqualquerlugardomundonumprazodeapenasduassemanas—umfeitoimpressionanteparaqualquerumque tenhaesperadono limboporumapeçadeumestilistafamosonaativa.1DezanosantesdeaZarasetornarumestudodecasoemfaculdadesde

administração, o teórico de gerenciamento Henry Mintzberg antecipavaessa estratégia de avaliação e reação em um conceito que chamou deemergent strategy, “estratégia emergente”. Refletindo sobre o problemalevantado no capítulo anterior — que o planejamento estratégicotradicional exige previsões sobre o futuro, tornando-o vulnerável a errosinevitáveis —, Mintzberg recomendava que os planejadores confiassemmenosemprevisõessobretendênciasestratégicasalongoprazoemaisnareaçãorápidaàsmudançasnaárea. Istoé,emvezdetentarpreveroquevai acontecer no futuro, eles deveriam melhorar sua habilidade emdescobrir o que está funcionando no momento presente. Em seguida,deveriam, como faz a Zara, reagir a essa descoberta omais rapidamentepossível,abandonandoalternativasquenãoestivessemfuncionando—pormaispromissorasquetenhamparecido—edirigindoosrecursosparaasalternativasqueestivessemfuncionando,oumesmodesenvolvendonovasalternativasaolongodocaminho.2

ENSAIOS,MULLETSEMULTIDÕES

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Emnenhumoutrolugarasvirtudesdaestratégiadeavaliaçãoereaçãosãomais aparentes do que no mundo virtual, onde a combinação dedesenvolvimento de baixo custo, grande número de usuários e ciclosrápidosdefeedbackpermitemquemuitasvariantesdepraticamentetudopossamsertestadaseselecionadasbaseadasemseudesempenho.AntesdeaYahoo!inaugurarsuanovahomepageem2009,porexemplo,aempresapassoumeses “ensaiando” (bucket testing) todosos elementosdodesign.Cercade100milhõesdepessoastêmositedaYahoo!comopáginainicial,oque leva a um número gigantesco de acessos a outras propriedades daempresa;assim,qualquermudançadeveserfeitacomcautela.Aolongodoprocessoderedesign,portanto,todavezqueaequipedahomepagetinhaumaideiaparaumnovoelemento,umapequenaporcentagemdeusuários— o grupo de controle — era escolhida aleatoriamente para ver umaversão da página com o novo elemento. Então, por meio de umacombinação de feedback dos usuários e observações métricas, como otempoqueosusuáriosdogrupodecontrolepermaneceramnapágina,ouno que clicaram, os resultados podiam ser comparados aos de usuárioscomuns e a equipe dahomepage podia avaliar se o elemento criava umefeitopositivoounegativo.Dessa formaaempresapôdedescobriroquefuncionariaeoquenãofuncionariaemtemporealecomaudiênciareal.3Ensaioscomoessesãoagorarotineiros.Grandesempresasda internet,

comoGoogle,Yahoo! eMicrosoft, osutilizamparaotimizar a inserçãodepublicidade, a seleção de conteúdo, os resultados de buscas, asrecomendações,osvalorescobradoseatémesmoolayoutdapágina.4Umnúmerocrescentedeempresasiniciantescomeçoutambémaofereceraosanunciantesserviçosautomáticosquedescartamumaporçãosignificativade anúncios em potencial para dar preferência àqueles que têm melhordesempenho,segundoamédiadecliquesquetiveram.5Masa filosofiadaavaliaçãoereaçãodoplanejamentonãoestárestritaadescobrircomoosconsumidoresvãoreagiraopçõesapresentadas—podeincluirtambémoconsumidor como produtor de conteúdo. No mundo da imprensa, essavisão é exemplificada por aquilo que o cofundador do Huffington Post,JonahPeretti,chamadeEstratégiadoMullet,batizadoemhomenagemao

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penteado definido como “homemde negócios na frente, espírito de festaatrás”.A Estratégia do Mullet parte da visão tradicional de que o conteúdo

geradoporusuárioséumaminadeouroempotencialparaaimprensa,emparte porque o número de usuários pode se ampliar enormemente eaumentar o conteúdo de, digamos, uma reportagem. Mas não só isso:tambémpermitequeosusuáriosparticipemdediscussõessobreanotícia,mudandoanaturezadaexperiência—domeroconsumoàparticipação—edessaformaaumentandoseuengajamentoesualealdade.Porém,assimcomo emminas de ouro de verdade, boa parte do conteúdo gerado porusuáriosestámaispróximodepedrasdoquedeouro.Comoqualquerumque acompanha blogs populares ou sites de notícias pode confirmar,muitoscomentáriosdosusuáriosnãoprocedemousãoapenasestúpidos,ealguns deles são pura e simplesmentemaldosos. Seja como for, eles nãoconstituemotipodeconteúdoquepublicitáriosquerempromoverouaqueanunciantesquerem ligarsuasmarcas.Amoderaçãodoscomentárioséasoluçãoóbviaparaesseproblema,masissotendeaalienarusuários,queseressentem por serem supervisionados e querem ver seus comentáriossendo publicados sem filtros. Edições supervisionadas também nãofuncionambem,comooHuffingtonPostlogodescobriu:comapenasalgunseditores, é simplesmente impossível ter todas as talvez centenas depostagensdiáriasdeblogs.AsoluçãoéaEstratégiadoMullet:naspáginasfinais dos cadernos, nas quais poucas pessoas vão se interessar pelashistórias,deixeespaçoparamuitasideiasdemuitaspessoas;eentão,apósuma seleção, promova parte do material do fim à primeira página, comtodo o seu valioso espaço para publicidade, emantenha essa página sobrígidocontroleeditorial.6AEstratégiadoMulletéumexemplodecrowdsourcing,termocunhado

em2006 emum artigo daWired escrito por Jeff Howe para descrever aterceirização de trabalhos pequenos para um número potencialmentegigantescode indivíduos.De fato,o jornalismoon-lineestácadavezmaisinclinadoparaummodelodecrowdsourcing—nãoapenasparagerarumaatividade comunitária em torno de uma notícia, mas também para os

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próprios leitores criarem histórias, ou atémesmo decidirem que tópicosserão cobertos. OHuffingtonPost, por exemplo, depende de centenas deblogueiros não remunerados que contribuem com conteúdo, seja porpaixão pelo assunto sobre o qual escrevem, seja para se beneficiar davisibilidadedeserempublicadosemumsitedenotíciasbastantepopular.Enquanto isso, outros sites, como o Examiner.com, contam com umexército de colaboradores que escrevem sobre temas específicos de seuinteresse e os pagam proporcionalmente ao número de visualizações. E,finalmente, sites como o blog de notícias da Yahoo!, “The Upshot”, e oAssociated Content não apenas se utilizam dos textos de colaboradores,como também mantêm registros de resultados de buscas e outrosindicadoresderelevânciaparadecidirsobrequaisassuntosescrever.7Aideiademedirointeressedaaudiênciaereagiraissoquaseemtempo

real também começou a ganhar destaque para além domundo sujeito arestriçõesdeorçamento,queéodasnotícias.Porexemplo,ocanaldeTVporassinaturaBravoregularmenteproduzrealityshows que são spin-offsdeseusprogramasjáexistentes,seguindooburburinhogeradonainternetem torno de diferentes personagens. Os programas podem ser lançadossem demora e têm custo relativamente baixo; e se não alcançam bonsíndicesdeaudiência,aemissorapoderapidamentetirá-losdoar.Seguindoumprincípiosimilar,aCheezburgerNetwork—umconjuntodecercadecinquentasitesquecontamcomcontribuiçõesdefotosevídeosengraçadosenviados por usuários, geralmente acompanhados de legendas divertidas— é capaz de lançar um novo site uma semana após notar uma novatendência,edescartasitesmenorespraticamentenamesmavelocidade.EoBuzzFeed— uma plataforma para lançamento de “mídia contagiosa”—registra centenas de hits potenciais, promovendo apenas aqueles que jáestãorecebendorespostasentusiasmadasdosusuários.8Embora muito criativos, esses exemplos de crowdsourcing funcionam

melhorpara sitesdenotícias e entretenimentoque já atraemmilhõesdevisitantes,poisautomaticamentegeraminformaçõesemtemporealsobreapreferênciadaspessoas.EntãosevocênãoéaBravo,oCheezburgerouoBuzzFeed — se você é apenas uma empresa sem graça de cartões de

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aniversário ou qualquer coisa assim —, como pode tirar vantagens dopoder das multidões? Felizmente, serviços de crowdsourcing como oMechanicalTurkdaAmazon(queWinterMasoneeuusamosparaconduzirnossas experiências sobre pagamento e desempenho que apresentei nocapítulo2)podemserusadostambémpararealizarpesquisasdemercadorápidasebaratas.Nãosabequetítulodaraseupróximolivro?Emvezdetrocar exaustivas ideias com seu editor, você pode criar uma enqueterápidanoMechanicalTurkeobtermilharesdeopiniõesdentrodealgumashorasporcercadedezdólares—ou,aindamelhor,pediraosturkers quecriem sugestões de títulos além de apenas votar. Procurando feedbackquanto ao design de um novo produto ou uma campanha publicitária?Jogue as imagens no Mechanical Turk e os usuários votarão. Quer umaavaliaçãoindividualdosseumecanismodebusca?RetireosnomesejogueseusresultadosedeseusconcorrentesnoMechanicalTurkedeixequeosusuários reais da internet decidam. Em dúvida se a imprensa estásabotandoseucandidato?Separealgumascentenasdenotíciasnainternetecoloqueosturkersparalê-laseavaliá-lascomopositivasounegativas—tudoemapenasumfimdesemana.9ÉclaroqueoMechanicalTurk,juntocomoutraspotenciaissoluçõesde

crowdsourcing, tem suas limitações — mais obviamente arepresentatividade e confiabilidade dos turkers. Muitas pessoas podemacharestranhoquealguémdesempenhetarefasbanaisemtrocadealgunscentavos, portanto podem suspeitar que os turkers não representam apopulaçãoemgeralouqueelesnãolevamotrabalhoasério.Semdúvidaessas são preocupações válidas,mas àmedida que a comunidadedo siteamadurece e pesquisadores descobrem mais sobre ela, os problemasparecem cada vezmais contornáveis. Por exemplo, os turkers são muitomaisdiversos e representativosdoqueospesquisadores acreditavamdeinício, e diversos estudos recentes mostraram que eles demonstramconfiabilidade comparável à de profissionais “especialistas”. Finalmente,mesmo quando a confiabilidade do site é pequena — o que às vezesacontece—, ela pode sermelhoradapormeio de técnicas simples, como

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solicitaravaliaçõesindependentesdediferentesturkersparacadaumdosconteúdoseconfiarnamaioriaounamédiaderesultados.10

PREVENDOOPRESENTE

Em um nível superior, a internet como um todo pode também ser vistacomoumaformadecrowdsourcing.Centenasdemilhõesdepessoasestãocada vez mais se voltando para mecanismos de busca a fim de obterinformações e fazer pesquisas, gastando mais tempo do que nunca comnotícias, entretenimento, compras on-line e sites de viagens, e cada vezmaisdividindoconteúdoeinformaçõescomamigosemredessociaiscomooFacebookeoTwitter.Assim,emprincípiopodemosagregartodasessasatividadesparaformarumaimagememtemporealdomundopelofiltrodeinteresses, preocupações e intenções da população global de usuários dainternet.Contandoonúmerodebuscasfeitassobretermosrelacionadosàgripe, como “resfriado” e “vacinas contra a gripe”, por exemplo,pesquisadoresdoGoogleedaYahoo!conseguiramestimarumnúmerodecasosimpressionantementepróximoaoregistradopeloCentrodeControleePrevençãodeDoenças.11OFacebook,enquantoisso,publicaoíndicede“felicidade bruta nacional” baseado nas atualizações dos status dosusuários,12 enquanto a Yahoo! compila uma lista anual de itens maisbuscados,queservecomoumaespéciedeguiaparaozeitgeist cultural.13Semdúvida,nofuturopróximoserápossívelcombinarbuscaeatualizaçãodedados, junto com tuítes noTwitter, check-ins no Foursquare emuitasoutras fontesparadesenvolver índicesmaisespecíficosassociadoscomomercado imobiliário, a vendade automóveis ou taxasdedesocupaçãodehotéis—nãoapenasnacionalmente,masemnívellocal.14Tendosidopropriamentedesenvolvidosecalibrados, índicesbaseados

naweb,comoesses,podemcapacitarempresáriosegovernantesamedirereagiràspreferênciaseaoshumoresdasrespectivasaudiências—oqueoprincipaleconomistadoGoogle,HalVarian,chamade“preveropresente”.

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Emalgunscasos,naverdade,podeatéserpossívelusarasmultidõesparafazer previsões sobre o futuro próximo. Consumidores pensando emcomprarumanovamáquinafotográfica,porexemplo,podemusarabuscapara fazer comparações entremodelos.Cinéfilospodempesquisar adatade estreia de um filme ou localizar salas de cinemas. E quem estiverplanejandofériaspodepesquisarlugaresdeseuinteresseebuscarpreçosde passagens aéreas ou de diárias em hotéis. Assim, segue-se que aoagregarmosdadosdebuscasrelacionadosaocomércio,aoentretenimentoou ao turismo, podemos fazer previsões a médio prazo sobre ocomportamentodosinteresseseconômicos,culturaisoupolíticos.Determinar que tipo de comportamento pode ser previsto usando

buscas,assimcomoaprecisãodessasprevisõeseaescaladetempoemquepodem ser feitas mantendo-se úteis são questões que os pesquisadoresestãocomeçandoa investigar.Porexemplo, euemeuscolegasnaYahoo!recentementepesquisamosautilidadedovolumedebuscasparapreverarendadabilheteriadeumfilmenofimdesemanadesuaestreia,asvendasdoprimeiromêsapósolançamentodeumnovovideogameeorankingdaBillboard das cemmúsicasmais populares. Todas essas previsões foramfeitasnomáximocompoucassemanasdeantecedênciaaopróprioevento,entãonãoestamosfalandoaquideprevisõesalongoprazo—comofoiditonocapítuloanterior,essassãomuitomaisdifíceisdeserfeitas.Contudo,teruma ideia, mesmo que apenas ligeiramentemelhor, e ainda que só umasemanaantes,dointeressedaaudiênciapodeajudarumestúdiodecinemaouumdistribuidordefilmesadecidirquantassalasdeexibiçãodevemserdedicadasaquaisfilmesemdiferentesregiões.15O que descobrimos foi que a melhora que podemos obter com

mecanismosdebuscasemrelaçãoaoutrostiposde informaçõespúblicas—comoorçamentosdeproduçãoouplanosdedistribuição—épequena,porém significativa. Como discuti no capítulo anterior, modelos simplesbaseados emdados históricos são surpreendentemente difíceis de seremsuperados,eamesmaregraseaplicaadadosreferentesabuscas.Masháaindadiversasmaneirasdebuscaseoutrosdadosdainternetquepodemnosajudarnessesentido.Algumasvezes,porexemplo,vocênãoteráacesso

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a fontes confiáveis de informações históricas—digamos que você estejalançandoumjogoquenãoécomoosoutrosjogosquelançounopassado,ou que você não tem acesso ao número de vendas da concorrência. E àsvezes, como também já disse, o futuro não é como o passado — comoquando indicadores econômicos geralmente regulares subitamentetornam-se voláteis ou o preço de imóveis, que só fazia aumentar, derepente sofre uma queda brusca —, e nessas circunstâncias podemosesperar que os métodos de previsão baseados em dados históricos nãoserãotãoeficazes.Todavezquedadoshistóricosnãoestãodisponíveis,ousimplesmente não são informativos, ter acesso à consciência coletiva emtemporeal—comoreveladopormeiodaquiloqueaspessoasdigitamemmecanismosdebuscas—podecriarumavantagemvaliosa.Em geral, o poder da internet de facilitar estratégias de avaliação e

reaçãodeveserumanovidadeanimadoraparaosnegócios,aciênciaeosgovernos. Porém, é importante lembrar que o princípio da avaliação ereaçãonãoestárestritoa tecnologiasda internet—comoocasodaZaraexemplifica.Aquestãoéquenossahabilidadecadavezmelhordeavaliaroestado do mundo deve mudar o pensamento convencional acerca doplanejamento. Em vez de imaginar como as pessoas vão se comportar etentarelaborarmaneirasdefazerosconsumidoresresponderemdeformaespecífica — seja a um anúncio, um produto ou uma medidagovernamental—, podemos avaliar diretamente como elas respondem aumavariedadedepossibilidades, e reagirde acordo com isso.Emoutraspalavras,amudançado “prevere controlar”para “avaliare reagir”nãoéapenas tecnológica — apesar de a tecnologia ser necessária —, maspsicológica. Apenas quando aceitarmos que não podemos depender denossahabilidadedeprevero futuroestaremosabertosaoprocessoqueodescobre.16

NÃOAPENASAVALIE:EXPERIMENTE

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Sob muitas circunstâncias, entretanto, meramente melhorar nossahabilidadedeavaliaçãonãovaiporsisónosdizeroqueprecisamossaber.Por exemplo, um colega meu recentemente relatou sua conversa com odiretordeumapoderosacompanhiaamericanaqueconfessouquenoanoanterior sua empresa havia gastado cerca de 400milhões de dólares em“publicidade de marca”, o que significa que não se estava promovendonenhum produto ou serviço em particular — apenas a marca. Em quemedida foiefetivoessevalorgasto?Deacordocommeucolega,odiretorlamentounãosaberseovalorcorretodeveriatersidozeroou400milhões.Agora, vamos pensar sobre isso por um segundo. O diretor não estavadizendo que os 400 milhões não haviam sido eficientes — ele estavadizendoquenãotinhaideiadequãoeficienteessevalorfora.Sósabiaqueera inteiramente possível terem tido o mesmo desempenho se nãotivessemgastadodinheiroalgumnapromoçãodamarca.Aomesmotempo,nãogastarodinheiropoderiatersidoumdesastre.Elesimplesmentenãosabia.Quatrocentosmilhõesdedólarespodeparecermuitodinheiroparanão

seter ideia de suaeficácia,masnaverdadeé apenasumagotad’águanooceano. A cada ano, empresas americanas gastam, juntas, cerca de 500bilhões de dólares commarketing, e não há razão para pensar que essediretorédiferentedequalqueroutrodiretor—talvezmaishonesto,masnãomaisoumenosconfiantenapublicidadedemarca.Então,naverdade,deveríamosnosperguntaramesmacoisaemrelaçãoaos500bilhões.Qualé seu impacto real sobre o comportamento do consumidor? Alguém temalgumaideia?Quandotocamosnesseponto,ospublicitáriosemgeralcitamomagnatadaslojasdedepartamentosJohnWanamaker,quelevaafamadeser o autor da frase: “Metade do dinheiro que gasto compublicidade vaipelo ralo, só não sei qual metade.” É extremamente coerente e semprearranca algumas risadas.Mas o quemuitas pessoas não percebem é queWanamaker disse isso há cerca de um século,mais oumenos namesmaépoca em que Einstein publicava sua teoria da relatividade. Como épossívelquemesmocomtodaa incrívelexpansãocientíficae tecnológicadesde a época deWanamaker—penicilina, bomba atômica,DNA, lasers,

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voosespaciais,supercomputadores, internet—essaquestãocontinuetãorelevantehojecomoeranaépoca?Certamentenão é porquepublicitários ficarammelhores emavaliar as

coisas. Com seus próprios bancos de dados eletrônicos para controlar asvendas,suasagênciasdemonitoramentodeaudiênciacomoaNielseneacomScore,eaondarecentedosdadoscoletadoson-lineviaclickstream,ospublicitários podem avaliar muito mais variáveis, e com muito maisprecisão, do que Wanamaker. Aliás, pode-se dizer que o mundo dapublicidade temmais informaçõesdoqueusospara tantosdados.Não,oproblema real é que os publicitários querem saber se suas propagandasestão causando o aumento das vendas; mas quase sempre o que elesavaliaméacorrelaçãoentreosdois.Emteoria,éclaro,todos“sabem”quecorrelaçãoerelaçãocausa/efeito

sãodiferentes,masé tão fácil confundirosdoisnapráticaqueacabamosfazendo isso o tempo todo. Se começamos uma dieta e em seguidaperdemospeso, é tentador concluirqueadieta foi a responsável. Porém,emmuitasdasvezesqueaspessoascomeçamdietas,elastambémmudamoutros aspectos de suas vidas — exercitam-se mais, dormem mais ousimplesmenteprestammaisatençãoaoqueestãocomendo.Qualquerumadessasoutrasmudanças,ou,maisprovavelmente,umacombinaçãodelas,podesertãoresponsávelpelaperdadepesoquantoadecisãodecomeçarumadieta.Mascomoénadietaqueaspessoasseconcentram,nãonessasoutrasmudanças,éaelaqueatribuemoresultado.Damesmaforma,todacampanhapublicitária se realizanummundoondemuitos outros fatoresestão mudando também. Publicitários, por exemplo, muitas vezesdeterminam o orçamento para o próximo ano em função do volume devendas previsto ou aumentam os gastos durante períodos de picos emcompras, como feriados. Ambas as estratégias terão como efeito atendência de correlacionar vendas e publicidade, esteja a publicidadecausandoqualqueralteraçãoounão.Masassimcomonadieta,énoesforçodapublicidadequeasempresasfocamsuaatenção;assim,seasvendasououtras medidas de interesse subsequentemente aumentam, é tentadorconcluirqueacausafoiapublicidade,enãooutracoisa.17

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Diferenciar correlaçãoe relação causa/efeitopode ser, de formageral,extremamente complicado. Mas uma solução simples, ao menos emprincípio,érealizarumaexperiênciaemqueo“tratamento”—sejaadietaouacampanhapublicitária—seapliqueemalgunscasosenãoemoutros.Seo resultadovisado (perdadepeso, aumentonasvendasetc.) acontececom mais significância na presença do tratamento do que no grupo de“controle”,podemosconcluirqueédefatoissoqueestácausandooefeito.Docontrário,nãopodemos.Lembrem-sedequenasciênciasmédicasummedicamento só pode ser aprovado pelo FDA, órgão de controle norte-americano,depoisde terpassadoporestudosdecampoemquealgumaspessoassãoaleatoriamenteescolhidasparatomaradrogaenquantooutrassãoescolhidasparanãotomarnadaouentãotomarumplacebo.Apenasseaspessoasqueestãomedicando-semelhorammaisqueaspessoasquenãoestãoéqueofabricantepodeafirmarqueelefunciona.Éprecisamenteomesmoraciocínioquedeveseraplicadoàpublicidade.

Semexperiência,équaseimpossíveldiferenciarcausaeefeitoe,portanto,avaliar o retorno real do investimento de uma campanha publicitária.Digamos,porexemplo,queo lançamentodeumprodutoéacompanhadodeumacampanhapublicitáriaeoprodutovendecomopãoquente.Éclaroquepoderíamoscomputaro retornodo investimentobaseadoemquantofoigastonacampanhaequantasvendasforamgeradas,eégeralmenteissoque publicitários fazem. Mas e se o item fosse simplesmente um ótimoprodutoqueteriasidovendidodequalquermaneira,mesmosemnenhumacampanhapublicitária?Entãoéclaroqueaqueledinheirofoidesperdiçado.Por outro lado, e se uma campanha diferente tivesse gerado o dobro devendaspelomesmovalor?Maisumavez,decertaformaacampanhagerouumretornopequeno,mesmoquetenha“funcionado”.18Sem experiências, vale repetir, é muito difícil medir quanto do efeito

aparente de uma campanha se deveu simplesmente à predisposição dapessoa que o viu. É comum, por exemplo, que os searchads — os linkspatrocinadosqueencontramosdoladodireitodeumapáginaderesultadosemmecanismos de busca— tenham desempenhomuito melhor do quepropagandasveiculadasemoutraspáginas.Masporquê?Emgrandeparte

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porqueoslinkspatrocinados,noprimeirocaso,dependembastantedoquevocêacaboudeprocurar.Pessoasquedigitem“cartãoVisa”provavelmenteverão propagandas de cartões de crédito, enquanto pessoas que digitem“tratamentos com Botox” provavelmente verão propagandas dedermatologistas.Alémdisso,taispessoastendemaestarmaisinteressadasprecisamentenaquiloqueessesanunciantesemparticulartêmaoferecer.Comoresultado,ofatodealguémclicaremumapropagandadocartãoVisaedepoissolicitarumpodeseratribuídoapenasemparteaoanúncio,pelasimplesrazãodequeesseconsumidorpoderiatersolicitadoseucartãodequalquermaneira.Isso parece óbvio, mas é uma questão muito malcompreendida.19

Publicitários,naverdade, àsvezespagamumvaloraltíssimoparaatingirconsumidoresqueacreditamseinteressarporseusprodutos—sóporqueum dia já os compraram (por exemplo, fraldas Pampers); ou porquecompraramprodutos damesma categoria (por exemplo, um concorrentedireto das fraldas Pampers); ou porque seus atributos e circunstânciasindicam que eles o farão em breve (por exemplo, um jovem casalesperandooprimeirofilho).Publicidadedirecionadadessetipogeralmenteévistacomoaquintessênciadeumaabordagemcientífica.Mas,novamente,ao menos alguns desses consumidores, e talvez muitos deles, teriamcomprado aqueles produtos de qualquer maneira. Como resultado, osanúncios que os visaram foram tão desperdiçados quanto aqueles vistospor consumidores que não se interessaram. Dessa maneira, os únicosanúnciosqueimportamsãoaquelesqueatraemoconsumidormarginal—aquelequeacabacomprandooproduto,masquenãooteriacompradosenão tivessevistoapropaganda.Eaúnicamaneiradedeterminaroefeitosobreconsumidoresmarginaisérealizarumaexperiêncianaqualadecisãosobrequemvêapropagandaequemnãoavêéfeitaaleatoriamente.

EXPERIÊNCIASDECAMPO

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Uma objeção comum à realização desse tipo de experiência com uso darandomizaçãoéquepodeserdifícilconduzi-lonaprática.Sevocêcolocarum outdoor em uma rodovia ou inserir um anúncio em uma revista, égeralmente impossível saber quem vai vê-lo — até mesmo osconsumidoresporvezesnãosabemdizerquaisanúnciosviram.Alémdisso,os efeitos podem ser difíceis de semedir. Os consumidores podem fazerumacompradiasouatémesmosemanasdepois,estágioemquearelaçãoentre ter visto o anúncio e agir motivado por ele se perdeu. Essas sãoobjeçõesrazoáveis,mascadavezmaispodemsercontornáveis,comotrêsde meus colegas na Yahoo! — David Reiley, Taylor Schreiner e RandallLewis — demonstraram recentemente em uma “experiência de campo”envolvendo1,6milhãodeconsumidoresdeumagrande lojaque tambémeramusuáriosativosdossitesdaYahoo!.Pararealizaraexperiência,Reileyeseuscompanheirosaleatoriamente

escolheram 1,3milhão de usuários para o grupo de “tratamento”, o quesignifica que quando eles chegaram aos sites operados pela Yahoo!,visualizaramanúnciosdaloja.Osoutros300mil,poroutrolado,ficaramnogrupo de “controle”, o que significa que eles não viram esses anúncios,mesmo que tenham visitado exatamente as mesmas páginas que osmembros do outro grupo. Como a escolha dos indivíduos do grupo detratamentoedodecontroleeraaleatória,asdiferençasdecomportamentoentre os dois grupos só podia ter sido causada pelo próprio anúncio. Ecomo todos os participantes da experiência estavam tambémna base dedadosda loja,oefeitodoanúnciopoderiaseravaliadoemtermosdeseucomportamento real de consumo — por várias semanas após o fim dacampanha.20Usandoessemétodo,ospesquisadoresestimaramquearendaadicional

gerada pela campanha foi cerca de quatro vezes maior que o custo dacampanha a curto prazo, e provavelmente muito maior a longo prazo.Portanto,acimadetudo,elesconcluíramqueacampanhadefatohaviasidoeficaz— um resultado que foi claramente uma boa notícia tanto para aYahoo! quanto para o lojista. Mas eles também descobriram quepraticamente todo o efeito recaiu sobre consumidoresmais velhos— os

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anúncios forambastante ineficazes compessoas commenosdequarentaanos. A princípio, esse resultado pode parecer uma má notícia. Mas amaneira correta de pensarmos sobre isso é que descobrir que algo nãofunciona é também o primeiro passo para descobrir o que funciona. Porexemplo,oanunciantepoderiaexperimentarumavariedadedediferentesformas de atingir as pessoas mais jovens, incluindo formatos diferentes,estilos diferentes ou mesmo diferentes tipos de incentivos e ofertas. Éinteiramentepossívelquealgováfuncionar,eseriavaliosodescobriroqueédemaneirasistemática.Masdigamosquenenhumadessastentativassejaeficaz.Talvezamarca

em questão simplesmente não esteja atraindo uma parcela específica dopúblico,outalvezessaspessoasnãoseinfluenciemporpublicidadeon-line.Mesmo nessa situação, contudo, o anunciante pode ao menos parar degastar dinheiro com anúncios voltados para essas pessoas, liberando,assim,mais recursospara se concentrarnogrupoquepoderia realmenteserinfluenciado.Sejacomofor,aúnicamaneirademelhoraraeficiênciademercado de alguém ao longo do tempo é saber antes o que estáfuncionandoeoquenãoestá.Experiênciasdepublicidade,portanto,nãodevemservistascomoexercíciosaseremfeitosapenasporquerevelamarespostacorretaounão;devemserpartedeumprocessoininterruptodeaprendizadoqueéaplicadoemtodaapublicidade.21Uma pequena, porém crescente, comunidade de pesquisadores agora

afirma que o mesmo posicionamento deve ser adotado não apenas napublicidade, como também em todos os assuntos de planejamento denegóciosoudepolíticaspúblicas,sejanomundovirtualounoreal.Emumartigo recente da MIT Sloan Management Review, por exemplo, osprofessores do MIT Erik Brynjolfsson e Michael Schrage ponderam quenovastecnologiasdecontroledeinventário,vendaseoutrosparâmetros—sejaolayoutdoslinksempáginasdebuscas,adistribuiçãodeprodutosnavitrinedeumalojaouosdetalhessobreumaofertaespecialeexclusivapore-mail — estão gerando uma nova era de experiências controladas nomundo dos negócios. Brynjolfsson e Schrage citam até mesmo GaryLoveman, o chefe executivo do cassino Harrah’s, dizendo: “Há duas

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maneiras de ser demitido do Harrah’s: roubando da empresa ou nãoconseguindoincluirumgrupodecontroleadequadoemsuaexperiênciadenegócios.” Você pode achar perturbador que cassinos estejam um passoadianteemtermosdepráticasdenegócioscomfundamentaçõescientíficas,masamentalidadedesempreincluircontrolesexperimentaiséalgodequeoutrostiposdenegóciospodemcertamenteseaproveitar.22Experiênciasdecampoestãoatémesmocomeçandoaganharcorpono

mundomais tradicionalda economiaedapolítica.Pesquisadores ligadosao MIT Poverty Action Lab, por exemplo, já conduziram mais de cemexperiências de campo para testar a eficácia de diferentes políticas deauxílio, sobretudo nas áreas de saúde pública, educação, poupança ecrédito.Cientistaspolíticos testaramoefeitodapublicidadeedepedidosde votos via telefonemas sobre reviravoltas nas decisões de voto, assimcomooefeitodejornaissobreopiniõespolíticas.Eeconomistasrealizaramdezenas de experiências de campo para testar a eficiência de diferentesesquemas de compensação, ou como o feedback afeta o desempenho. Asquestões que esses pesquisadores levantam costumam ser bastanteespecíficas. As agências de apoio devem doar redes de proteção contramosquitos ou vendê-las? Como os funcionários reagem a remuneraçõesfixasversuspagamentosproporcionaisaodesempenho?Seráqueoferecerum plano de poupança às pessoas as ajuda a economizar mais? Aindaassim, as respostas até mesmo para essas questões simples podem serúteisparaadministradoreseplanejadores.Eexperiênciasdecampopodemser conduzidas também em escalas maiores. Por exemplo, o analista depolíticaspúblicasRandalO’Tooledefendea realizaçãodeexperiênciasdecampo para o National Park Service que poderiam testar diferentesmaneiras de gerenciar e administrar os parques nacionais, aplicando-asaleatoriamenteadiferentesparques(Yellowstone,Yosemite,Glacieretc.)eavaliandoquaisfuncionarammelhor.23

AIMPORTÂNCIADOCONHECIMENTOLOCAL

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Opotencialdasexperiênciasdecampoéanimador,enãohádúvidadequeelas são feitas com muito menos frequência do que deveriam. Contudo,nem sempre é possível realizar experimentos. Os Estados Unidos nãopodeminiciarumaguerracommetadedoIraqueecontinuarempazcomaoutrametadeapenasparadescobrirqualdasduasestratégias funcionarámelhor a longo prazo, assim como uma empresa não pode facilmentereinventarapenasumapartedesi,oumesmoaempresainteira,tendoemvista apenas alguns consumidores e não outros.24 Para decisões comoessas, é improvável que experimentos sejam de grande ajuda; porém, asdecisões ainda precisam ser tomadas. É ótimo que acadêmicos epesquisadores debatam até os pontosmais específicos de causa e efeito,masnossospolíticose líderesempresariaismuitasvezes sãoobrigadosaagirsemnenhumacerteza.Nummundocomoesse,aprimeiraregraénãodeixar o perfeito ser o inimigo do bom, ou, como meus superiores naMarinhaconstantementelembravam,àsvezesatémesmoumplanoruimémelhorqueplanonenhum.Muito bem. Sob diversas circunstâncias, pode ser verdadeiro que, de

maneirarealista,sósejapossívelescolherfazeraquiloqueparecetermaischances de sucesso. Mas a combinação de poder e necessidade podetambémlevarplanejadoresadepositarmaisconfiançaemseusinstintosdoquedeveriam,porvezescomconsequênciasdesastrosas.Comomencioneinocapítulo1,ofimdoséculoXIXeoiníciodoXXforamcaracterizadosporumotimismogeneralizadoentreengenheiros,arquitetosetecnocratasdogoverno, ao acreditarem que os problemas da sociedade poderiam serresolvidos damesmamaneira que os da ciência e da engenharia. Porém,comoescreveuo cientistapolítico James Scott, esse otimismo sebaseavanumacrençaerrôneadequeaintuiçãodosplanejadoreseratãoprecisaetão confiável quanto o conhecimento científico acumulado por toda ahumanidade.DeacordocomScott,afalhacentraldessafilosofiado“altomodernismo”

era a atenção insuficiente ao conhecimento local, aquele dependente docontexto, em favordemodelosdepensamentosde causaeefeito rígidos.NaspalavrasdeScott,aplicarregrasgenéricasaummundocomplexoera

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“um convite ao fracasso, à desilusão social ou, ainda mais provável, aambos”. A solução, ele argumentava, era pensar os planos de forma aexplorar “uma vasta variedade de habilidades práticas e inteligênciaadquiridanarespostaaosambientesnaturalehumano,queestãosempreemtransformação”.Essetipodeconhecimento,alémdomais,dificilmentesereduzaprincípiosaplicáveisemâmbitouniversalprecisamenteporque“os ambientes em que é exercitado são tão complexos e únicos queprocedimentos formaisde tomadasdedecisões racionais são impossíveisde se aplicar”. Em outras palavras, o conhecimento em que os planosdeveriamsebasearsãonecessariamentelocaisàsituaçãoconcretaemqueserãoaplicados.25OargumentodeScott em favordoconhecimento local foi,naverdade,

previsto muitos anos antes em um famoso artigo intitulado “The Use ofKnowledge in Society” [em tradução livre, “O uso do conhecimento nasociedade”], escrito pelo economista Friedrich Hayek, que argumentavaque o planejamento era fundamentalmente uma questão de agregarconhecimento. Saber quais recursos alocar, e onde, exigia saber quemprecisa de quanto do que em relação a todos os demais. Hayek tambémargumentou, entretanto, que agregar todo esse conhecimento numaeconomia aberta, constituída por centenas de milhões de pessoas, éimpossívelparaqualquerplanejadorcentral,pormaisinteligenteoubem-intencionado que ele seja. Ainda assim, é precisamente a agregação detodasessasinformaçõesoqueosmercadosobtêmacadadia,semqualquersupervisão ou direcionamento. Se, por exemplo, alguém em algum lugarinventaumnovousoparaoferroquelhepermiteusá-lodemaneiramuitomaislucrativadoquejamaisvimos,essapessoatambémestarádispostaapagarmais pelo ferro do que qualquer outra pessoa. E como a demandaagregada agora cresceu, e todo o resto se manteve estático, o preçotambém aumentará. As pessoas que utilizam o ferro de maneira menoslucrativavãocomprarmenosferro,enquantoaspessoasqueoutilizamdemaneiramaisprodutivavãocomprarmais.Ninguémprecisasaberporqueopreçosubiu,ouquemsubitamenteprecisademais ferro—naverdade,ninguém precisa saber nada sobre o processo. É a “mão invisível” do

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mercado que automaticamente distribuiu uma quantidade limitada deferronomundoparasejaláquemforquefizermelhorproveitodele.OartigodeHayeké,porvezes,vistopelosapoiadoresdolivremercado

como defensor da ideia de que soluções propostas pelo governo sãosempre piores que aquelas criadas pelo mercado, e sem dúvida hásituaçõesemqueessaconclusãoestácorreta.Porexemplo,políticasdecapandtrade,“limiteenegociação”,parareduziremissõesdecarbonoinvocamexplicitamente o raciocínio de Hayek. Em vez de o governo instruirempresas sobre como reduzir suas emissõesde carbono—como seria ocasocomaregulamentaçãogovernamentaltípica—,deveriasimplesmentefixarumpreçonocarbono“limitando”aquantidadequepodeseremitidapelaeconomiacomoumtodo,eentãodeixarquecadaempresadescubracomo reagir a isso.Algumasempresas encontrariammaneirasde reduzirseuconsumodeenergia,enquantooutrasrecorreriamafontesdeenergiaalternativas, e outras, ainda, procurariam maneiras de compensar suasemissões. Finalmente, algumas empresas optariam por pagar peloprivilégiodecontinuaraemitircarbonocomprandocréditosdaquelasqueprefeririamdiminuirsuasemissões,eocustodoscréditosdependeriadaofertaedademanda—exatamentecomoaconteceemoutrosmercados.26Mecanismosbaseadosnomercado,comoalimitaçãoeanegociação,de

fatoparecemtermaischancedefuncionardoquesoluçõescentralizadaseburocráticas.Masessesmecanismosnãosãoaúnicamaneiradeexploraroconhecimento local, nem sãonecessariamente amelhormaneira. Críticosdaspolíticasdolimitarenegociar,porexemplo,destacamquemercadosdecréditodecarbonocostumamdarorigema todo tipodedesdobramentoscomplexos— como os que deixaram o sistema financeiro de joelhos em2008—, com consequências que podem inutilizar o intento da política.Umaabordagemcommenormargemdediscussão,elesargumentam,seriaaumentar o custo do carbono simplesmente por meio de impostos,oferecendo ainda incentivos para empresas reduzirem suas emissões edando a elas a flexibilidade de decidir comomelhor fazê-lo, porém semtodaadisputaeacomplexidadedomercado.

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Outraestratégianãomercadológicadereuniroconhecimentolocalquese torna cada vez mais popular entre governos e organizações sãocompetições valendo prêmios. Em vez de distribuir recursosantecipadamente para pré-selecionados, competições com prêmiosrevertemomecanismodefundos,permitindoquequalquerumtrabalhenoproblema,maspremiandoapenasassoluçõesquesatisfazemaosobjetivosespecificados. Competições atraíram muita atenção nos anos recentesdevido à imensa criatividade que conseguiram alavancar com prêmiosrelativamentepequenos.Aagênciade financiamentoDarpa,porexemplo,conseguiu reunir a criatividade coletiva de dezenas de laboratórios depesquisasdeuniversidadesparaconstruirveículoscompilotoautomáticooferecendoapenasalgunspoucosmilhõesdedólaresemdinheiro—bemmenosdoqueteriacustadofinanciaromesmotrabalhocomempréstimosconvencionais. Da mesma forma, o prêmio de 10 milhões de dólares daAnsariXPrizedesencadeoupesquisasedesenvolvimentosquevaliammaisde 100 milhões de dólares para a construção de um veículo espacialreutilizável.EarededelocadorasdevídeosNetflixreuniualgunsdosmaistalentosos cientistas computacionais de todo o mundo para ajudá-la amelhorarseusalgoritmosdesugestãodefilmesporumprêmiodeapenas1milhãodedólares.Inspirados por esses exemplos — assim como os de empresas de

“inovaçõesabertas”comoaInnocentive,querealizacentenasdeconcursosno âmbito da engenharia, da ciência da computação, da matemática, daquímica,das ciênciasbiológicas,das ciências físicasedosnegócios—,osgovernos começaram a perguntar-se se a mesma estratégia poderia serusada para solucionar problemas de administração até então intratáveis.Em 2010, por exemplo, o governo Obama gerou ondas de choque emestabelecimentosdeensinoaoanunciarsua“CorridaaoTopo”:naverdade,umacompetiçãoentreos estadosamericanos cujosprêmios eramverbasparaaeducaçãopública,queseriamdistribuídasdeacordocomosplanosaseremapresentadospelosestados.Osplanosrecebiamnotasemdiversosquesitos, incluindo a avaliação de desempenho dos estudantes, aquantidadedeprofessoresereformasnoscontratosdetrabalho.Muitoda

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controvérsia em torno da Corrida ao Topo se deveu à sua ênfase naqualidade dos professores como principal determinante do desempenhodosalunosenousode testespadronizadoscomomaneirademediressedesempenho. Apesar dessas legítimas críticas, porém, a Corrida ao Topocontinua sendo uma experiência interessante pela simples razão de queespecifica, assim como a limitação e a negociação, a “solução” apenas deformageral,deixandoasespecificidadesparaosprópriosestados.27

NÃO“SOLUCIONE”:DISTRIBUAOPROBLEMA

Soluçõesmercadológicas e competições valendoprêmios sãoboas ideias,mas burocracias centralizadas podem tirar vantagem do conhecimentolocal tambémde outras formas. Uma estratégia completamente diferentepartedaobservaçãodequeemqualquersistemaproblemáticoporvezesháinstânciasdeindivíduosougrupos—chamadosdebrightspots,pontosdeluz,peloscientistasdemarketingChipeDanHeathnolivroAguinada— que descobriram soluções funcionais para problemas específicos. Aestratégia dos pontos de luz foi desenvolvida originalmente por MarianZeitlin, professora de nutrição da Tufts University, que notou que umavariedade de pesquisas sobre nutrição infantil em comunidades pobresrevelou que em qualquer comunidade algumas crianças pareciam maisbem-nutridasqueoutras.Depoisdeentenderessasespontâneashistóriasde sucesso—comoasmãesdessas crianças agiamde formadiferente, oqueelas lhesdavamdecomerequando—,Zeitlinpercebeuquepoderiaajudar outras mães a cuidar melhor de seus filhos simplesmenteensinando-lhes soluções caseiras que já existiam em suas comunidades.Subsequentemente,aestratégiadospontosdeluzfoiaplicadacomsucessoempaísesemdesenvolvimentoemesmonosEstadosUnidos,ondecertaspráticasdehigienizaçãodasmãosemumpequenogrupodehospitaisestãosendoreplicadasparaajudarareduziroscasosdeinfeccçãohospitalar—a

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principal causademortesemhospitaisquepodemserprevenidas—emtodoosistemadesaúdedopaís.28A estratégia dos pontos de luz é similar também ao que o cientista

político Charles Sabel chamadebootstrapping, distribuição, uma filosofiaque começou a ganhar popularidade no mundo do desenvolvimentoeconômico. A bootstrapping nasceu do famoso sistema de produção daToyota,quefoiadotadonãoapenasnaindústriaautomotivajaponesa,mastambém em indústrias e culturas estrangeiras. A ideia básica é de quesistemasdeproduçãodevemserplanejadossegundoprincípiosdo just intime,oquegarantequeseumapartedosistemafalha,todoosistemadeveparar até que o problema seja solucionado. A princípio parece uma máideia(e issoquase levouaToyotaaodesastremaisdeumavez),massuavantagem é que força organizações a reparar problemas com rapidez eagressividade. Isso também as força a perseguir problemas até suas“raízes”,umprocessoquefrequentementeexigequeolhemosparaalémdacausa imediata do fracasso para descobrir como falhas emumaparte dosistemapodemresultaremproblemasemoutroponto.E,finalmente,esseprincípioobrigacorporaçõesaprocurar tanto soluçõesexistentesquantoadaptar soluções encontradas em atividades relacionadas: um processoconhecido como benchmarking. Juntas, essas três práticas — identificarpontosdefalha,encontrarasraízesdosproblemasebuscarsoluçõesalémdos limites de práticas existentes — podem transformar a própriaorganização, fazendo com que ela deixe de oferecer soluções paraproblemascomplexosdemaneiragerencial centralizadaepasseabuscarsoluçõesemumagranderededecolaboradores.29Assimcomoospontosdeluz,abootstrappingconcentra-seemsoluções

concretas para problemas locais, e busca extrair soluções que estãofuncionandoapartirdoquejáestáacontecendo.Entretanto,dáaindaumpassoalém, farejandonãoapenasoqueestá funcionando,mastambémoque poderia funcionar se certos impedimentos fossem removidos,restrições dissolvidas ou problemas resolvidos em outros pontos dosistema. Um possível ponto negativo é que ela requer uma força detrabalho motivada, com fortes incentivos para solucionar problemas à

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medidaqueseapresentam.Entãoalguémpoderiaperguntarseomodelopode ser traduzido do âmbito altamente competitivo da indústria para omundo do desenvolvimento econômico ou das políticas públicas. Porém,comoapontaSabel,hátantosexemplosdesucessoslocais—produtoresdecalçados da região do vale do Sinos, noBrasil, vinícolas emMendoza, naArgentina,ou fabricantesdebolasde futebolemSialkot,noPaquistão—quefloresceramcomaforçadaestratégiadistributivaqueédifícilpensarnessescasoscomosimplesaberrações.30

PLANEJAMENTOESENSOCOMUM

Aindamaisimportanteéquetantoospontosdeluzquantoadistribuiçãotêm em comum o fato de ambos exigirem uma mudança na forma depensardosplanejadores.Primeiro,elesdevemreconhecerquesejaqualforo problema — elaborar uma dieta mais nutritiva para vilarejos pobres,reduzirosíndicesdeinfecçãohospitalaroumelhoraracompetitividadedeindústrias locais—,muitoprovavelmente alguém lá fora já tempartedasoluçãoeestádispostoacompartilhá-lacomoutros.Eemsegundo lugar,tendopercebidoquenãoéprecisodescobrirsozinhosasoluçãoparacadaumdosproblemas, osplanejadorespodemdirecionar os recursospara abusca de soluções já existentes, onde quer que elas estejam, e para adivulgaçãodetaispráticas.31Essa tambéméa liçãodepensadorescomoScotteHayek.As soluções

por eles propostas defendem também que legisladores devem traçarplanos que girem em torno do conhecimento e damotivação de agenteslocais em vez de confiar em si mesmos. Ou seja: planejadores precisamaprenderasecomportarmaiscomooqueoeconomistaWilliamEasterlychamade“agentesdebusca”.NaspalavrasdeEasterly,

o Planejador acha que já sabe a resposta; pensa que a pobreza é umproblema de engenhariatécnica que ele pode solucionar. O Agente de Busca admite que não sabe a resposta com

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antecedência; ele acredita que a pobreza é um complicado emaranhado de fatores políticos,sociais, históricos, institucionais e tecnológicos... e espera encontrar respostas para problemasindividuaispormeiodetentativaeerro...OPlanejadoracreditaquepessoasnãoenvolvidascomoproblemasabemosuficienteparapoder imporsoluções.Oagenteacreditaqueapenaspessoasque fazempartedoproblema têmoconhecimentonecessárioparaencontrarsoluções,equeamaioriadasrespostasdevenascerdentrodocontexto.32

Pormais diferentes que possam parecer à primeira vista, na verdadetodas essas abordagens de planejamento — junto com a estratégiaemergentedeMintzberg,aestratégiadomulletdePeretti,ocrowdsourcingeasexperiênciasdecampo—sãoapenasvariaçõessobreotemageralde“avaliaçãoereação”.Àsvezesoqueestásendoavaliadoéoconhecimentodetalhadodeatores locais,eàsvezessãocliquesdemouseou termosdebusca. Às vezes é o suficiente apenas coletar dados, e às vezes é precisoconduzir uma experiência aleatória. Às vezes a reação apropriada édeslocarrecursosdeumprogramaoudeumacampanhapublicitáriaparaoutro,enquantooutrasvezesé investirnasoluçãoqueumaoutrapessoa,envolvidanoproblema,jáelaborou.Defato,hátantasmaneirasdeavaliarereagir a diferentes problemas quanto há problemas a se resolver, e nãoexiste nenhuma abordagem “tamanhoúnico” para todos os problemas.Oque todas têm em comum, entretanto, é o fato de exigirem queplanejadores—sejamestrategistasdogovernotentandoreduzirapobrezanomundooupublicitários tentando lançarumanovacampanhaparaumcliente—abandonemapresunçãodequepodemdesenvolverplanoscombase apenas na intuição e na experiência. Planos não dão errado porqueplanejadores ignoramosensocomum,masporqueconfiamemseusensocomumparapensarsobreocomportamentodepessoasquesãodiferentesdeles.Essapareceumaarmadilhafácildeserevitada,masnãoé.Sempreque

contemplamosaquestãodeporqueascoisasocorreramdedeterminadamaneira,ouporqueaspessoasfazemoquefazem,somossemprecapazesdeelaborarrespostasplausíveis.Podemosatémesmonosconvencertantodenossasrespostasquequalquerprevisãoouexplicaçãoaquecheguemospodepareceróbvia.Sempreseremostentadosapensarquesabemoscomooutraspessoasvãoreagiraumnovoproduto,aodiscursodeumcandidato

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ou a um novo imposto. “Isso nunca vai funcionar”, tendemos a dizer,“porque as pessoas simplesmente não fazem esse tipo de coisa”, ou“Ninguém vai se deixar enganar por essa mentira evidente”, ou “Umimposto como esse vai reduzir os estímulos para se trabalhar duro einvestir na economia”. Nada disso pode ser remediado— não podemossuprimirnossa intuiçãodosensocomum,assimcomonãopodemosfazernosso coraçãoparardebater.Oquepodemos, entretanto, é lembrarquesempre que falamos em questões de estratégias de negócios ou políticasgovernamentais, ou atémesmo de campanhas demarketing e design dewebsites, devemos confiar menos no senso comum e mais naquilo quepodemosavaliar.Mas a avaliação por si só não é suficiente para nos impedir de nos

enganarmos.Oraciocíniodosensocomumpode tambémnosenganarnoque diz respeito a questões mais filosóficas sobre a sociedade — porexemplo, como atribuímos culpa ou como atribuímos sucesso — emsituações em que avaliações são impossíveis. Nessas circunstâncias,tambémnãoconseguiremosimpedirquenossaintuiçãoderivadadosensocomum desperte respostas aparentemente autoevidentes. Mas, valerepetir, podemos suspeitar delas, e entãoprocurarmaneirasdepensar omundoquesebeneficiamdacompreensãodoslimitesdosensocomum.

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9EQUIDADEEJUSTIÇA

Quatrodeagostode2001foiumsábado,eJosephGrayestavatendoumdiadivertido.VeteranodoDepartamentodePolíciadeNovaYorkhaviaquinzeanos, Gray tinha terminado seu expediente noturno logo cedo, na 72ªregião, no Brooklyn, e vários colegas haviam decidido ficar por perto dadelegacia para tomar umas cervejas. Pouco antes do meio-dia, quando“algumascervejas”jáhaviamsetransformadoem“váriascervejas”,muitosdeles decidiram almoçar num restaurante próximo, o Wild, Wild West,ondeasgarçonetestrabalhavamdetopless.OpolicialGray,aparentemente,ficou bem satisfeito com a decisão, pois passou a tarde toda lá, até oanoitecer—depoisdetodososseusamigos játeremidoembora.Foiumcomportamentointrigante,considerandoqueeledeveriaseapresentarnadelegacia novamente naquela mesma noite, mas talvez ele estivessepensando em chegar ao trabalho algumas horas antes do início de seuexpediente e dormir por lá mesmo. Seja como for, nomomento em queentrou em seu FordWindstar bordô, ele havia bebido algo entre doze edezoitocervejas—osuficienteparaelevaroníveldeálcoolemseusangueabemmaisqueolimitelegal.Oqueaconteceuemseguidanãofoicompletamenteesclarecido,masos

registros indicam que o policial Gray dirigiu sentido norte pela ThirdAvenuee,nocruzamentocomaGowanusExpressway,ultrapassouosinalvermelho.Comcerteza, fezmal,mastambémnãotãograve.Emqualqueroutra noite de sábado ele poderia ter ignorado aquele sinal e chegado

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tranquilamenteàStatenIsland,ondeiriabuscarumdeseuscompanheirosdebebedeiradaquelemesmodiaeentãoretornaràdelegacia.Masnaquelanoiteelenãotevesorte.AssimcomoMariaHerrera,de24anos;suairmãdedezesseisanos,DilciaPeña;eofilhodequatroanosdeHerrera,Andy.Ostrêsestavamcruzandoaavenidanaalturada46thStreetnaquelemomento.OpolicialGrayatropelouostrêsaumavelocidadealtíssima,matandotodosecarregandoocorpodopobremeninoporquaseumquarteirão,presoemseu para-choque frontal, até finalmente parar. Quando saiu do veículo,testemunhasalegaram, seusolhosestavamvidrados, suavozarrastada, eeleperguntavarepetidasvezes:“Porqueelesatravessaramarua?”Masopesadelonão terminou ali.MariaHerrera estava grávidadeoitomeses emeio. Seu filho, Ricardo, nasceu graças a uma cesariana realizada noLutheranMedicalCenter,eosmédicoslutaramparasalvarsuavida.Porém,não conseguiram. Doze horas após amorte de suamãe, também o bebêRicardomorreu,deixandoopai,VictorHerrera,sozinhonomundo.Cerca de dois anos depois, Joseph Gray foi condenado pelo Supremo

Tribunal à penamáxima de cinco a quinze anos de prisão pelo crime dehomicídiodoloso.Graypediuclemênciaaojúri,alegandoquenuncahaviafeito“nadaintencionalemtodaaminhavidaparaferiroutroserhumano”,emaisdecempessoasescreveramcartasparaos juradosemapoioaele,atestando sua decência. Mas a juíza Anne Feldman não se comoveu,apontandoquedirigirembriagadoumcarrodemeiatoneladapelasruasdacidadeé“equivalenteabrandirumaarmacarregadaemumasalacheia”.Os4milmoradoresdacomunidadeemqueosHerrerasviviam,que fizeramum abaixo-assinado exigindo a pena máxima para Gray, claramenteconcordaram coma juíza.Muitos pensavamqueGray havia se safadodopior.CertamenteVictorHerrerapensavaassim.“JosephGray,quinzeanosnãoéosuficienteparavocê”,disseeleduranteojulgamento.“Vocêvaisairdaprisãoalgumdia.Equandoissoacontecer,aindapoderáversuafamília.Eunãotereinada.Vocêmatoutudooqueeutinha.”1Lendosobreesseseventosmesmoanosdepois,éimpossívelnãosentira

dor e a raiva da família das vítimas. ComoVictorHerrera declarou a umrepórter, Deus o havia abençoado com a família com que ele sempre

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sonhara;masentãoumhomembêbadoeirresponsávellhetiraratudoemumsóinstante.Éumpensamentohorrível,eHerreratemtodoodireitodeodiarohomemquedestruiu suavida.Contudo, enquantoeu lia sobreasrepercussões—osprotestosdiantedadelegacia,acondenaçãoporpartedevizinhosepolíticos,o choquenacomunidadee, claro,a sentença final—,nãopudedeixardemeperguntaroqueteriaacontecidoseJosephGraytivessechegadoaocruzamentoalgunssegundosdepois.Naturalmente,nãoteria havido um acidente, e Maria Herrera, sua irmã e seu filho teriamcontinuado o caminho. Ela teria dado à luz Ricardo algumas semanasdepois,provavelmentevividoumavidalongaefeliz,ejamaisteriapensadoduasvezessobreocarroquepassaracorrendotortuosamentepelaThirdAvenue naquela noite de verão. JosephGray teria buscado seu colega naStaten Island,que,presume-se, teria insistidoemassumirovolanteatéoBrooklyn. Gray poderia ter levado uma bronca de seu supervisor, oupoderia não sofrer reprimenda alguma. Seja como for, ele teria voltadoparacasaeencontradoaesposaeostrêsfilhosnodiaseguinteeseguidoadiantecomsuaexistênciapacíficaecomum.

NEMTUDOESTÁBEMQUANDOACABABEM

Ok,seioquevocêestápensando.MesmoaembriaguezdeGraynãosendogarantia de acidente, ao menos os riscos de que algo ruim acontecesseerammaiores, e sua punição é justificada diante de seu comportamento.Masseissoéverdade,entãodiferentesversõesdeseucrimeacontecemotempo inteiro.Todososdiaspoliciais— issosemmencionarautoridadespúblicas, pais etc.— ficam bêbados e dirigem seus carros. Alguns delesficamtãobêbadosquantoJosephestavanaquelanoite,ealgunsdirigemtãoirresponsavelmente quanto ele. Com a maior parte deles nada de ruimacontece,emesmoaquelesquesãopegosraramentesãomandadosparaacadeia. Poucos sofrem a punição e o vilipêndio que acometeram JosephGray,tachadodemonstroeassassino.EntãooquehánasaçõesdeJoseph

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Grayqueo tornamtãopiorque todososoutros?Pormais repreensíveis,atémesmocriminosas,quevocêpenseque foramsuasações, teriamsidoexatamentetãoruinsquantoseeletivessesaídodobarumminutodepois,ou se o sinal estivesse verde, ou se os Herrera tivessem demorado umpouco mais para atravessar a rua, ou se eles tivessem visto o carro seaproximandoeapressadooudiminuídoopasso.Sejacomofor,mesmosevocê concordar com a lógica da juíza Feldmande que todos que dirigembêbadospelasruasdacidadesãopotenciaisassassinosdemãesefilhos,édifícil imaginar a punição de todos os motoristas que beberam além daconta — ou, atualmente, qualquer um que digite mensagens ou fale aocelular enquantodirige—sendodequinzeanosdeprisão simplesmenteporqueelespoderiamtermatadoalguém.Que a natureza do resultado das nossas ações deve importar é uma

observação extremamente comum. Se um grandemal é causado, há umagrandeculpa—e,damesmaforma,senenhummalécausado,estamosdamesma forma inclinados a deixar passar o erro. Tudo está bem quandoacababem,nãoé?Ora,talvezsim,talveznão.Quefiquebastanteclaroquenãoestouquestionandose JosephGray teveum julgamento justoounão,ou seelemereciapassarosquinzeanos seguintesde suavidanaprisão;nem estou insistindo em que todos os motoristas bêbados devam sertratados como assassinos. O que estou dizendo, na verdade, é que, porsermostãoinfluenciadospeloresultado,nossanoçãodosensocomumdejustiçainevitavelmentenoslevaráaumenigmalógico.Porumlado,pareceum escândalo não punir com toda a força da lei um homem quematouquatro pessoas inocentes. Mas, por outro lado, parece inteiramentedesproporcional tratar como criminosos e assassinos todas as outraspessoashonestasedecentesquealgumdiajábeberamdemaisedirigiramatésuascasas.Porém,deixandodeladoatrêmulamãododestino,nãohádiferençaentreessasduasinstâncias.É bem provável que essa seja uma inconsistência com a qual

simplesmente tenhamos que conviver. Como os sociólogos que estudaminstituições há muito argumentam, as regras formais que oficialmentegovernamocomportamentoemorganizações,eatémesmoemsociedades,

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sãopoucas vezes colocadas emprática e até, provavelmente, impossíveisdeseremaplicadasdemaneiraconsistenteecompreensível.Omundorealde interações humanas é apenas um lugar bagunçado demais para sergovernado por qualquer conjunto predefinido de regras e regulamentos;assim,otrabalhodeseguiradiantecomnossavidaéalgoquedeveriaserdeixadoacargodeindivíduosexercendoseusensocomumacercadaquiloqueérazoáveleaceitávelemumasituaçãoespecífica.Namaiorpartedotempoissofuncionamuitobem.Problemassãosolucionadoseaspessoasaprendem com seus erros, sem que legisladores e a Justiça se envolvam.Porém, há ocasiões em que uma infração é tão chocante ou séria queprecisamos invocar as regras, e o ofensor deve ser tratado pela lógicaoficial. Pensando no caso a caso, a invocação das regras pode parecerarbitrária e até mesmo injusta, exatamente pelas razões que acabo demencionar, e a pessoa que sofre as consequências pode, com razão, seperguntar:“Porqueeu?”Porém,asregrasservemaopropósitomaisamploe social de oferecer uma restrição mais ou menos global aoscomportamentos aceitáveis. Para que a sociedade funcione não énecessárioquecadacasosejatrabalhadocomconsistência,pormaisjustoque isso seja. É suficiente apenas desencorajar certos tipos decomportamentosantissociaiscomaameaçadapunição.2Pensando por essa perspectiva sociológica, faz todo o sentido que,

mesmo que algumas pessoas irresponsáveis tenham a sorte de que suasaçõespassemembranco,asociedadeaindaprecisacriarexemplosdevezemquando—mesmoquesejaapenasparamanterorestodenósalerta—,eolimiarparaaaçãoescolhidaéqueoestragojáestáfeito.Massóporqueo senso sociológico e o senso comum convergem para amesma soluçãonesse caso em particular não significa que eles estão dizendo a mesmacoisa, nemque vão sempre concordar. O argumento sociológico não estáafirmandoqueaênfasedadapelosensocomumnosresultados,enãonosprocessos, está correta — apenas que é um erro tolerável diante doobjetivodeatingircertosfinssociais.ÉomesmotipoderaciocínioqueodeOliverWendellHolmesaodefenderaliberdadedeexpressão:nãoporqueeleestavalutandopelosdireitosindividuaisperse,masporqueacreditava

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queapossibilidadedetodosexpressaremsuasopiniõesserviaaointeressemaisamplodecriarumasociedadevibrante,inovadoraeautorreguladora.3Então mesmo que acabemos descartando o enigma lógico suscitado porcasoscomoodeJosephGraycomoumpreçoaceitávelasepagarporumasociedadegovernável,nãosignificaquedevemosignoraropapeldoacasona determinação de resultados.Mas ainda assim tendemos a deixá-lo delado.Sejajulgandoumcrime,ponderandosobreacarreiradeumapessoa,observando uma obra de arte, analisando uma estratégia de negócios ouavaliandoumapolíticapública,nossaavaliaçãodoprocessoésempre—epor vezes excessivamente — dependente de saber qual foi o resultado,mesmoquandooresultadodeveu-seemgrandeparteaoacaso.

OEFEITOHALO

Esse problema está relacionado àquilo que o professor de estratégia egestão Phil Rosenzweig chama de Efeito Halo. No âmbito da psicologiasocial, o Efeito Halo refere-se à tendência que temos de expandir nossaavaliaçãodeumacaracterísticaparticulardeumapessoa—digamosqueelaéaltaouatraente—paraoutrascaracterísticas,comosuainteligênciaoupersonalidade,quenãoestãonecessariamenterelacionadasàprimeiracaracterística.Sóporquealguéméatraentenãosignifica,porexemplo,queseja inteligente; porém, voluntários em experiências em laboratóriocostumam avaliar pessoas bonitas como sendo mais inteligentes quepessoas feias,mesmoquandonão têmnenhumarazãoparapensardessamaneira sobre o intelecto de ambas. Não me parece despropositada,portanto, a afirmação de John Adams de que George Washington eraconsiderado um líder natural devido à virtude de ser sempre o homemmaisaltoemqualquerambiente.4Rosenzweigargumentaqueamesmatendênciaaparecenasavaliações

supostamente neutras e racionais de estratégias, liderança e execuçãocorporativas. Empresas bem-sucedidas geralmente são apontadas como

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possuidoras de estratégias visionárias, liderança firme e execuçõesimpecáveis, enquanto empresas que não estão se saindomuito bem sãodescritas como sofrendo de alguma combinação de estratégia ruim,liderança fraca e execuções imperfeitas. Mas, segundo Rosenzweig,empresas que exibem inconstâncias em seu desempenho ao longo dotempo recebem avaliações igualmente divergentes, mesmo que tenhamseguido o tempo todo a mesma estratégia, que a tenham executado damesma maneira e estado sob a mesma liderança. Lembrem-se de que aCiscoSystemspassoudecriançaprodígiodaeradainternetaexemplodefracasso em poucos anos. E a Enron foi, durante seis anos antes de suaespetacular implosão em 2001, descrita pela revista Fortune como “AempresamaisinovadoradaAmérica”,enquantoaSteve&Barry’s—agoraumafinada lojaderoupasapreçosbaixos—era laureadapeloNewYorkTimes como transformadora apenas alguns meses antes de declararfalência. A conclusão de Rosenzweig é que, em todos esses casos, asmaneiras como as empresas foram avaliadas têm mais a ver com apercepção que se tem delas como bem-sucedidas do que com seudesempenhoreal.5Para ser justo, a aparência de sucesso da Enron se deveu, emparte, a

verdadeiros logros. Se soubéssemos mais sobre o que realmente estavaacontecendo, é possível que tivéssemos sido mais cautelosos. MaisinformaçõespoderiamtambémteralertadoaspessoassobreosproblemasdaSteve&Barry’s,etalvezatédaCisco.MascomoRosenzweigdemonstra,maisinformaçõesporsisónãoimpedemquesecrieoEfeitoHalo.Emumexperimento realizado há algum tempo, por exemplo, grupos departicipantes foram instruídos a realizar uma análise financeira de umaempresafictícia,depoisforamranqueadossegundoodesempenhoeentãoconvidados a avaliar como sua equipe funcionara em uma variedade dequesitos como coesão, comunicação emotivação. É claro que grupos quehaviamrecebidoumaavaliaçãomais favorável julgaram-semaisunidosemaismotivados,eoinversoaconteceucomosgruposquereceberamnotasbaixas.Oúnicoproblemaéqueasnotasforamdistribuídasaleatoriamentepelo condutor do experimento — não havia nenhuma diferença de

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desempenho entre os grupos. Em outras palavras: em vez de equipesaltamente funcionais atingirem resultados melhores, a aparência deresultados melhores criou a ilusão de serem altamente funcionais. Elembrem-se: essas avaliaçõesnãoeram feitasporobservadores externos,quepoderiamdesconhecerinformaçõesinternas—eleseramosmembrosdas próprias equipes. Ou seja: o Efeito Halo vira do avesso a sabedoriaconvencional acercadedesempenho.Emvezde a avaliaçãodo resultadoserdeterminadapelaqualidadedoprocessoquelevouatélá,éanaturezaobserváveldoresultadoquedeterminacomoavaliamosoprocesso.6NegaroEfeitoHaloédifícil,porquesenãopodemosconfiarnoresultado

para avaliar um processo, então o que podemos usar? O problema, naverdade,nãoéqueháalgoerradoemavaliarosprocessosemtermosdeseus resultados; mas não é garantido avaliá-los em termos de um únicoresultado. Se tivéssemos a sorte de experimentar diferentes planosdiversasvezes,porexemplo,entãoaomanteroregistrodoquedeucertoedo que deu errado poderíamos, sem dúvida, esperar determinardiretamentesuaqualidade.Masemcasosemquepodemostestarumplanoapenas uma vez, a melhor maneira de evitar o Efeito Halo é concentrarnossasenergiasemavaliaremelhoraroqueestamosfazendoenquantoofazemos. Técnicas de planejamento como a análise de cenário e aflexibilidade estratégica, discutidas anteriormente, podem ajudarorganizaçõesaexporpressupostosquestionáveiseevitarenganosóbvios,enquantomercados preditivos e enquetes podem explorar a inteligênciacoletivadosfuncionáriosparaavaliaraqualidadedosplanosantesqueseuresultado seja conhecido. Outras alternativas são o crowdsourcing,experimentos de campo e a bootstrapping — discutidas no capítuloanterior —, que podem ajudar organizações a aprender o que estáfuncionando e então fazer ajustes no meio do caminho. Ao melhorar amaneira como fazemos e implementamos planos, todos esses métodospodem aumentar nossas chances de sucesso.Mas eles não podem, e nãodevem,garantirosucesso.Emqualquerinstância,portanto,precisamosteremmente que um bomplano pode fracassar e que um plano ruim pode

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funcionar—porobrado acaso—, e, dessa forma, tentar avaliar oplanotantoporseusprópriosméritosquantopeloresultadoconhecido.7

TALENTOVERSUSSORTE

Mesmonoquediz respeito à avaliaçãododesempenho individual, é fácilcair no erro do Efeito Halo — como pode atestar o escândalo atual decompensaçãonaindústriafinanceira.Omotivoparaoescândalo,lembrem-se, não é que os banqueiros ganham muito dinheiro — pois sempresoubemosdisso—,masqueeles recebemmuitodinheiropeloqueagoraparece um trabalho desastroso. Sem dúvida, há algo particularmenteirritanteemsepagarpelofracasso.Mas,naverdade,issoéapenassintomade umproblemamaior na noção de pagamento pelo desempenho—umproblemaquegiraemtornodoEfeitoHalo.Considere,porexemplo,todosos trabalhadores do setor financeiro que se qualificaram para receberbônus generosos em 2009 — o ano pós-explosão da crise — porquegeraram dinheiro para seus empregadores. Eles mereciam ganhar essesbônus? Afinal, se não foram eles que fizeram besteira, então por quedeveriam ser penalizados pelas ações levianas de outras pessoas? Comodeclarou um funcionário da AIG que recebeu o bônus: “Eu mereci essedinheiro, enão tenhonadaa ver comoqueaconteceude ruimnaAIG.”8Além disso, por uma perspectiva pragmática, é inteiramente possívelpensar que se funcionários que geram lucro não forem compensados deacordo, eles vão trocar de empresa, assim como seus chefes vivem lhesdizendo.Comoomesmo funcionáriodaAIGapontou: “Elesprecisamquecontinuemos na empresa porque ainda estamos lhes trazendo muitodinheiro, e nós fazemos o tipo de serviço que poderíamos prestar aoconcorrente, ou, se eles quisessem, poderíamos começar a perderdinheiro.” Tudo isso parece razoável,mas pode ser apenas o Efeito Halonovamente. Mesmo que a mídia e o público transformem um grupo debanqueirosemvilões—aquelesquefizeramascoisasdarem“errado”no

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passado —, ainda parece razoável que banqueiros que geram bonsnegóciosmereçamserrecompensadoscombônus.Maspeloquesabemos,é possível que esses dois grupos de banqueiros estejam jogandoexatamenteomesmojogo.Imagineporumsegundooseguinteexperimento.Todoanovocê lança

umamoeda:sedácara,vocêtemumano“bom”;sedácoroa,vocêtemumano “ruim”. Vamos imaginar que seus anos ruins são realmente ruins,significandoque você perdeumuito dinheiro para sua empresa,mas queemanosbonsvocêconseguiuganharoequivalentedoqueperdeunosanosruins. Vamos adotar também um modelo estrito de pagamentoproporcionalaodesempenho:vocênãoganhanadanosanosruins—nãovale roubar com a ideia do bônusmínimo garantido ou novas opções deações permitidas—, mas nos anos bons recebe um bônus generoso de,digamos,10milhõesdedólares.Àprimeiravista,esseacordoparecejusto,porque você só será pago quando se sair bem.Mas, com um olharmaisatento, vemos que a longo prazo os lucros que você gerou a seuempregador são anulados pelo que você o fez perder; porém, suacompensaçãochegaacercadebons5milhõesdedólaresporano.Peloqueimagino, nosso amigo na AIG não acha que está lançando moedas econsidera minha analogia fundamentalmente despropositada. Ele senteque seu sucesso está baseado em sua habilidade, sua experiência e seuesforço,nãona sorte, eque seus colegas cometeramerrosde julgamentoque ele conseguiu evitar. Mas, é claro, foi precisamente isso que seuscolegasdisseramumoudois anos atrás, quando estavam somando esseslucros altíssimos que se revelaram ilusórios. Então por que deveríamosacreditarneleagoramaisdoqueacreditamosnosseuscolegasnopassado?Indo diretamente ao ponto: existe alguma maneira de esquemas depagamento proporcional ao desempenho recompensarem apenasdesempenhosreais?Umaestratégiacadavezmaispopularéreterosbônusdurantealguns

anosesóentãorepassá-losao funcionário.A ideiaéqueseosresultadossãorealmentetãoaleatóriosquantoosimpleslançamentodeumamoeda,entãobasearacompensaçãonoqueseobteveaolongodealgunsanosdeve

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equilibrarumpoucoessaaleatoriedade.Porexemplo,seeuassumoriscosaoentrarnumnegóciocujovalorcrescemuitonomesmoanomasnaufragano ano seguinte, comomeu bônus é baseado emmeu desempenho numperíododetrêsanosnãovoureceberbônusalgum.Éumaideiacoerente,mas como a recente bolha do mercado imobiliário demonstrou,pressupostos errôneos podem parecer válidos por certo período. Então,apesardeoperíododeobservaçãomaiordiminuirainfluênciadasortenosresultados, certamente não a elimina. Portanto, além do período maisextenso para a avaliação do desempenho, outra maneira de tentardiferenciaroquefoifrutodotalentoindividualeoquefoifrutodasorteéindexarodesempenhorelativoaumgrupodetrabalho,oquesignificaqueum funcionário trabalhando em um tipo específico de investimento —digamos, taxas de juros—deveria receber um bônus apenas por sair-seacima da média em comparação com todos os negociantes daquelacategoria.Ditodeoutraforma:setodososparticipantesdeummercadooudeumaindústriaespecíficafizerdinheiroaomesmotempo—assimcomoaconteceucomosmaioresbancosdeinvestimentosnoprimeirotrimestrede2010—,devemossuspeitarqueodesempenhoestásendodirigidoporumatendênciasecular,nãopelotalentoindividual.Retenção de bônus e performances indexadas aos outros funcionários

sãoideiasvaliosas,maspodemaindanãosolucionaroproblemamaiorqueédiferenciarsortedetalento.Considere,porexemplo,ocasodeBillMiller,o lendáriogerentedefundomútuocujoValueTrustbateuoS&P500porquinze anos consecutivos — algo que nenhum outro gerente de fundomútuo jamais fez.Ao longodesseperíodo,osucessodeMillerpareceumexemplo perfeito de talento se sobrepondo à sorte. Ele realmentedesbancou os outros gerentes, ano após ano— um sucesso que, como oestrategista de investimentos Michael Mauboussin demonstrou, seriaextremamentedifícildeaconteceremmeioatantosgerentesdefundossetodosestivessem lançandoasmoedasproverbiais.9 Ao fimdesses quinzeanos, teria sidodifícil negar queMiller estava fazendo algo especial.Masentão,noperíododetrêsanos,de2006a2008,logoapósbaterorecorde,odesempenho deMiller foi tão ruim que anulou uma boa parcela de seus

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lucros anteriores, arrastando suamédia de dez anos para baixo daquelabatidapelaS&P.Entãoseriaeleuminvestidorbrilhantequesimplesmenteteveazar, ou seria ele exatamenteooposto:um investidor relativamentecomum cuja estratégia até então fracassada acabou funcionando por umlongo tempo?Oproblemaéque julgando apartir de seu registro apenascomoinvestidor,provavelmentenãoépossíveldizer.AssimcomoMichaelRaynorexplicouao tratardeestratégiasdenegócios, comoaSonyversusMatsushita na guerra dos vídeos descrita no capítulo 7, estratégias deinvestimentospodemserbem-sucedidasoumalsucedidasporváriosanosseguidosporrazõesquenada têmavercomhabilidadee têmtudoavercom sorte. Naturalmente não parecerá sorte, mas não há como saber sequalquer história criada para explicar aquele sucesso não é apenasmaisumamanifestaçãodoEfeitoHalo.Para ter certeza de quenão estamos apenas caindonoEfeitoHalo, de

fatoprecisamosdeumaavaliaçãodedesempenhototalmentediferente—que avalie habilidades individuais demodo direto, em vez de inferi-la apartir dos resultados que podem ser determinados por forças que estãoalém do controle do indivíduo. No fim do período de sucesso, Miller foimuito comparado a Joe DiMaggio, que leva consigo o recorde de 56rebatimentos impecáveis durante a temporada de beisebol de 1941.Superficialmente, as conquistas são análogas, mas no caso de DiMaggiotambémsabemosqueseuíndicederebatimentoerade0,3246,o44ºmaisaltodahistóriadobeisebol,equeduranteaqueleperíodoesseíndicesubiupara impressionantes 0,409.10 Então, apesar de ainda haver o elementosorte no recorde de DiMaggio, sua habilidade garantiu que ele tivessemaiorinclinaçãoà“sorte”emcomparaçãocomoutrosjogadores.11Então,oidealseriateroequivalenteaumíndicederebatimentospara

avaliar o desempenho em diferentes profissões. Mas fora do âmbito dosesportes, infelizmente, taisestatísticasnãosãotãofáceisdeconcatenar.12Issoporqueresultadosemesportessãogeralmenterepetidosmuitasvezesemsituaçõespraticamenteidênticas.Umjogadordebeisebolpoderebaterseiscentas vezes em uma única temporada, e muitas outras centenas aolongode sua carreira, cadaqual sendo, falando grosseiramente, um teste

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independentedehabilidade individual.Atémesmoparahabilidadesmaisefêmeras, como uma jogada fenomenal em uma posição específica nobasqueteprofissional,queédifícildeavaliardiretamente,masqueaindaajudaa levaro timeàvitória, temosquasecempartidaspelaNBAacadatemporada a que podemos assistir para observar o efeito de um jogadorsobreseutimeeoresultadodisso.13Aprincípio,parecequeumfeitocomobateroS&P500naqueleanoéquaseequivalenteaoíndicederebatimentopara gerentes de fundos— e de fato gerentes de fundo com experiênciatendemabateroS&P500maisvezesqueamédia,assimcomojogadoresdebeisebolcomaltosíndicesderebatimento.Comessamedida,entretanto,em uma carreira de quarenta anos um gerente de fundos terá apenasquarenta“rebatimentos”nototal—umnúmerosimplesmenteinsuficienteparaestimarovalorverdadeirocomalgumaprecisão.14

OEFEITOMATEUS

As finanças são, em muitos aspectos, um caso fácil, pois a existência deíndicescomooS&P500aomenosgarantenúmerosoficiaiscontraosquaiso desempenho de um investidor individual pode ser comparado. Nosnegócios, na política ou no entretenimento, entretanto, há bem menosconcordânciaacercadecomomedirhabilidadesindividuais,eaindamenostestes individuais para se avaliar tais habilidades. Acima de tudo,conquistas gerais costumam não ser demonstrações independentes dehabilidades da mesma maneira que, digamos, cada uma das vitórias deRogerFederernotênissãoindependentes.Seriapossívelargumentarqueareputação de Federer pode intimidar os oponentes, dando a ele umavantagempsicológica,ouqueostorneiossãoorganizadosdemaneiraqueosmaiores jogadoresnãoseenfrentematéasetapasfinais—etudoissopoderia ser visto como uma vantagem derivada de seus sucessosanteriores.Contudo,todavezqueFedererentranaquadra,eledevevencermaisoumenosnasmesmascircunstânciasquedaprimeiravezquejogou

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têniscomoprofissional.Ninguémpensariaemdaraele,digamos,umsaquea mais, ou uma autoridade maior que a do árbitro, ou qualquer outravantagem sobre seu oponente só porque ele ganhou muitas vezes nopassado. Da mesma forma, seria um escândalo permitir que o time quevenceu o primeiro dos sete jogos da temporada da NBA começasse osegundojogojácomdezpontosextras.Istoé,nosesportestomamosmuitocuidadopara tornaradisputaomaisequilibradapossívele todotestedehabilidadeindependenteumdooutro.A vida, entretanto, é caracterizada por aquilo que o sociólogo Robert

MertonchamoudeEfeitoMateus,batizadosegundoumafrasedoLivrodeMateus, daBíblia, que lamenta: “A todos aqueles que têmmais lhes serádado, e eles terão em abundância; mas para aqueles que nada têm, atémesmo isso lhes será tomado.” Mateus, nessa passagem, referia-seespecificamenteàriqueza(daíafrase“oricoficamaisrico,eopobreficamais pobre”), mas Merton argumenta que a mesma regra se aplica aosucesso de forma geral. Isto é, o sucesso logo no início da carreira dealguém lhe confere certas vantagensestruturaisque tornamospróximossucessosmaispossíveis, independentementedesuasaptidõesintrínsecas.Na ciência, por exemplo, jovens cientistas que conseguem empregos emuniversidades de ponta na área da pesquisa tendem a carregar menosresponsabilidades como professores, atraem alunos de graduaçãomelhores e conseguem com mais facilidade bolsas de pesquisa epublicaçõesdeartigosqueseuscolegasqueestudaramemuniversidadesinferiores.Comoresultado,doisprofessoresnamesmaárea,quepodemtertidoiníciosdecarreiracomparáveis,podemvivenciarníveisextremamentediferentesdesucessonoscincooudezanosseguintesapenasporqueforamcontratados por universidades diferentes. E a partir disso, fica cada vezmaisdesigual.Cientistasdesucessotendemtambémareceberumaparceladesproporcionaldecréditoportudoaquiloaqueestãoassociados,como,porexemplo,artigosescritoscomestudantesdegraduaçãodesconhecidos,osquaispodemterfeitoamaiorpartedotrabalhooutidoasideias-chave.Uma vez que alguém é visto como um astro, ele pode não apenas atrairmais recursos e melhores colaboradores — produzindo, dessa forma,

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muito mais do que teria se as condições fossem diferentes —, comotambémtendearecebermuitomaisquesuaparceladevidadecréditopelotrabalhofeito.15Mertonescreviasobrecarreirascientíficas,mascomoosociólogoDaniel

Rigney argumenta em seu recente livro The Matthew Effect, as mesmasforçasseaplicamtambémàmaioriadasoutrascarreiras.Osucessolevaàproeminência e ao reconhecimento, que por sua vez levam a maisoportunidades de ser bem-sucedido, mais recursos para se atingir osucessoemaiortendênciaaterseussucessossubsequentesreconhecidoseatribuídosavocê.Diferenciarasinfluênciasdessavantagemacumuladadasdiferençasdetalentoinatooudadedicaçãoaotrabalhoédifícil,masumavariedade de estudos demonstrou que, pormais cuidadosamente que setenteselecionarumgrupodepessoascompotencialsimilar,seusdestinosvãodivergirmuitoaolongodotempo,ratificandoateoriadeMerton.Porexemplo, é sabido que universitários que se formam numa época deeconomia fraca vão ganhar menos, em média, do que aqueles que seformaram numa época de economia forte. Isoladamente, isso não parecetão surpreendente, mas a surpresa é que essa diferença se aplica nãoapenasaosprópriosanosderecessão,mascontinuaaseacumularaolongodasdécadas.Comoomomentoemquealguémseformou,obviamente,nãotemnadaavercomseutalento inato,apersistênciadessesefeitoséumaevidênciafortedequeoEfeitoMateusestápresenteemtodososcampos.16Nãogostamosdepensarqueomundofuncionadessamaneira.Emuma

sociedademeritocrática, queremos acreditar que pessoas bem-sucedidasdevemsermaistalentosasoudevemtertrabalhadomaisqueoutrasmenosbem-sucedidas — no mínimo dos mínimos, devem ter conseguidoaproveitar melhor as oportunidades que tiveram. Quando tentamosentender por que algum livro se tornou best-seller, e quando tentamosexplicar por que um indivíduo é rico ou bem-sucedido, o senso comuminsisteemqueambossedevemaumaqualidadeintrínsecadoobjetooudapessoaemquestão.Umbest-sellerdeve teralgo debom,do contrário aspessoas não o teriam comprado. Umhomem rico deve ser inteligentedealgumamaneira,ouentãonãoseriarico.MasoqueoEfeitoHaloeoEfeito

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Mateus nos ensinam é que essas explicações do senso comum sãoextremamente enganadoras. Pode ser verdade que pessoas totalmenteincompetentespouquíssimasvezes sãobem-sucedidas,ouque indivíduosde raro talento quase nunca são fracassos totais, mas poucos de nós seencaixamemumdessesextremos.Paraamaioriadenós,acombinaçãodealeatoriedade e vantagem acumulada significa que indivíduosrelativamenteordináriospodemsesairmuitobemoumuitomal,oualgumpontointermediárioentreessesextremos.Massendoahistóriaindividualde cada um de nós única, podemos sempre nos convencer de que o quetestemunhamos foi de alguma forma o produto dos atributosincomparáveisdosindivíduos.Nadadisso significa, é claro, que pessoas, produtos, ideias e empresas

nãotenhamqualidadesehabilidadesdiferentes.Nemtaisteoriassugeremquedevemosparardeacreditarqueaqualidadedeve levaraosucesso.Oqueissosugere,porém,équeotalentodeveseravaliadoemseusprópriostermos.Não sedeveriaprecisar conhecer aposiçãodeRogerFederernorankingdostenistasparaadmitirqueeleéexcelente—podemosperceberissosimplesmentevendo-ojogar.Damesmaforma,setodosqueconhecemBillMillerconcordamqueeleéuminvestidorexcepcionalmenteinteligentee perspicaz, então ele provavelmente é mesmo. Como o próprio Millerenfatizou, estatísticas como aquela dos quinze anos de lucros são muitomaisartifíciosdocalendáriodoqueindicadoresdeseutalento.17Tambémnão é que seu talento deva ser julgado pelo sucesso cumulativo de suacarreira — porque suas supostas qualidades também poderiam serencobertas por um único golpe do acaso. Por mais insatisfatório quepareça,portanto,nossamelhorchancena tentativadeavaliar seu talentopode ser apenas observar o próprio processo de investimento.18 O queconcluirmospodeounãocondizercomseurecorde,eéquasecomcertezauma avaliação mais difícil de ser feita. Mas sempre que nos vemosdescrevendo a habilidade de alguém em termos de medidas sociais desucesso—prêmios,dinheiro, títuloshonoráveis—emvezde fazê-lo emtermos do que esse alguém é capaz de fazer, devemos atentar para apossibilidade de estarmos nos enganando. Dito de outra maneira: a

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perguntadocínico—“Sevocêétãointeligente,porquenãoérico?”—éindevidanãoapenaspelomotivoóbviodequeaomenosalgumaspessoasinteligentes preocupam-se mais com recompensas não financeiras, mastambém porque talento é talento, sucesso é sucesso, e este nem semprerefleteaquele.19

OMITODOSALVADORCORPORATIVO

Sediferenciarsucessoe talentoparecedifícil,adificuldadeéaindamaiorquando o desempenho das pessoas é medido não em termos de açõesindividuais, como o portfólio de um investidor, mas pelas ações de todaumaorganização.Parailustraresseproblema,vamosdeixarosbanqueirosdeladoporalgunsinstantesefazerumaperguntamenoselegante:atéquepontoSteveJobs,o fundadorepresidentedaAppleInc.,mereceocréditopelo recente sucesso da Apple? Pela sabedoria convencional, ele foi emgrande parte responsável por esse sucesso; e isso não é despropositado.Desde que Jobs retornou, no fim dos anos 1990, para a liderança daempresa que fundou em 1976 com SteveWozniak em uma garagem doVale do Silício, a Apple passou por transformações dramáticas, lançandoumasériedeprodutosfamososcomooiMac,oiPodeoiPhone.Nofimde2009, o lucro da Apple foi 150%maior que nos últimos seis anos, e emmaiode2010desbancouaMicrosoftdopostodemaisvaliosaempresadetecnologiadomundo.Durante todoesse tempo,peloque Jobsalegou,elenãorecebeunemsalárionembônusemdinheiro—todooseupagamentofoiemprodutosdaempresa.20Éumahistóriainteressante,ealistadossucessosdaAppleétãolonga

queédifícilacreditarquetudosedeveuàsorte.Contudo,comoéotipodehistóriaqueaconteceapenasumavez,nãopodemostercertezadequenãoestamos simplesmente sucumbindo ao Efeito Halo. Por exemplo, comodiscutino capítulo7,naestratégiado iPodhaviadiversoselementosquepoderiam tranquilamente levá-lo ao fracasso, e o mesmo se dava com o

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iPhone. O CEO da Microsoft, Steve Ballmer, parece bobo agora por terzombadoda ideiadequeconsumidorespagariamquinhentosdólaresporumcelularqueosprendiaaumcontratodedoisanoscomaAT&Tequenão tinha um teclado, mas essa era, na verdade, uma objeção bastanterazoável.Ambososprodutosparecem,hoje,obrasdeverdadeirosgênios,mas sóporqueelesvingaram.Se tivessemencalhadonasprateleiras,nãoestaríamos falando sobreabrilhante estratégia e a liderançade Jobsqueapenasderamerrado.Nadadisso:estaríamosfalandodesuaarrogânciaede sua incapacidade de perceber o que o mercado quer. Como acontececom todas as explicações que dependem do resultado conhecido paradesvendar a razão de uma determinada estratégia ser boa ou ruim, asabedoria popular acerca do sucesso recente da Apple é vulnerável aoEfeitoHalo.DeixandoumpoucodeladooEfeitoHalo,porém,háoutroproblemaem

potencial coma visãoda sabedoria convencional acercadaApple. E esseproblemaénossa tendênciaaatribuiraumúnico indivíduoosucessodetoda uma empresa que emprega dezenas de centenas de engenheiros,designers e marqueteiros talentosos. Como em todas as explicaçõesbaseadasnosensocomum,oargumentodequeSteveJobseraoarquitetoinsubstituíveldosucessodaAppleé inteiramenteplausível.NãoapenasareviravoltadaApplecomeçoucomoretornodeJobsapósumadécadadeexílio, entre 1986 e 1996, como também sua reputação comoadministrador exigente e rígido com foco inabalável em excelência deinovação, design e engenharia parecia estabelecer uma relaçãoirremediável entre sua liderança e o sucesso da Apple. Finalmente,empresasgrandesprecisamdeumamaneiradecoordenarasatividadesdemuitos indivíduos buscando o mesmo objetivo, e uma liderança forteparece ser pré-requisito para se conseguir essa coordenação. Como essepapel de liderança épordefiniçãoúnico, o líderpareceúnico também, e,portanto, justifica-seofatodeelereceberamaiorparceladocréditopelosucessodaempresa.SteveJobspodetersidodefatoumindivíduobrilhante—osinequanon

daApple.Massefoi,eleéaexceçãoenãoaregranavidacorporativa.Como

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o professor da Harvard Business School e sociólogo Rakjesh KhuranaargumentaemSearchingforaCorporateSavior,odesempenhocorporativoé geralmente determinado menos por ações do CEO do que por fatoresexternos, como o desempenho da indústria de forma geral ou o daeconomia como um todo, sobre os quais os líderes não têm controle.21Assim como acontece com os influenciadores que discuti no capítulo 4,Khurana conclui que explicações convencionais de sucesso invocam opoder de líderes inspiradores não porque as evidências sustentam essaconclusão, mas porque sem uma figura como essa não temos nenhumacompreensão intuitiva sobre como uma organização grande e complexapodefuncionar.Nossanecessidadedeverosucessodeumaempresapelaslentesdeumúnico indivíduopoderoso,explicaKhurana,éoresultadodeuma combinação de pressupostos psicológicos e crenças culturais —particularmenteemculturascomoadosEstadosUnidos,ondeconquistasindividuais são muito celebradas. A mídia também prefere históriassimples e centradas em seres humanos a explicações abstratas baseadasemforçassociais,econômicasepolíticas.Assim, tantogravitamosquantosomosexpostosdemaneiradesproporcionalaexplicaçõesqueenfatizamainfluência de indivíduos especiais no direcionamento da trajetória deorganizaçõeseeventosincrivelmentecomplexos.22Reforçar essa mentalidade é a maneira peculiar como líderes

corporativossãoselecionados.Diferentementedemercadosregulares,quesão caracterizados por altos números de compradores e vendedores,preçosvisíveisaopúblicoeumgrandeíndicedeelementossubstituíveis,omercadode trabalhoparaCEOsécaracterizadoporumpequenonúmerode participantes, muitos dos quais estão social ou profissionalmenteconectados,eoperaquasequeinteiramentelongedoescrutíniopúblico.Oresultadoéalgo comoumaprofeciaque se cumprede formaautomática.Grupos de empresários, analistas e amídia, todos acreditam que apenascertas pessoas-chave podem tomar as decisões “certas”; assim, apenasalgumas poucas pessoas são consideradas para o cargo. Essa escassezartificialdecandidatos,porsuavez,dáaosvencedoresopoderdeextraircompensações tremendamente generosas, que são então apresentadas

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comoprovasdeque“omercado” legitimouocandidato,nãoumpequenogrupo de indivíduos que pensam da mesma maneira. Finalmente, aempresa então tem sucesso, o que, no caso, significa, é claro, que o líder“certo” foiescolhido,ouentãonão temsucesso,enessecasoosdiretorescometeramumerroeumnovolíderpassaaserprocurado.Àsvezes,CEOs“fracassados” vão embora com grandes indenizações, e esse tipo deacontecimento tende a atrair toda a atenção. Na visão de Khurana,entretanto, a indignação que é por vezes expressa diante dessascircunstâncias perpetua a crença errônea de que o desempenho de umaempresapode ser atribuído aum indivíduo—atémesmoaoCEO—emprimeiro lugar. Se os diretores estivessemmais dispostos a questionar aprópria noção de um CEO insubstituível, e se as buscas por CEOsestivessem abertas a uma quantidade maior de candidatos, seria maisdifícil para os candidatos conseguir indenizações tão extravagantes aodeixaraempresa.23

OINDIVÍDUOEASOCIEDADE

Independentemente de podermos respondê-las ou não, questões sobrecomo diferenciar sorte de talento e contribuições individuais dedesempenho coletivo podem também nos dizer muito sobre a maneiracomo a sociedade como um todo pensa a respeito de equidade e justiça.Essa questão foi levantada em uma língua um tanto diferente em umafamosadiscussão entre os filósofos políticosRobertNozick e JohnRawlsacercadaquiloqueconstituiumasociedadejusta.Nozickeraumlibertárioque acreditava que as pessoas, em essência, recebiam por aquilo quetrabalhavam, e que portanto ninguémpoderia tirar isso delas,mesmo seisso significasse sustentar grandes desigualdades na sociedade. Já Rawlsperguntou emque tipo de sociedade cada umde nós escolheria viver senão soubéssemos com antecedência em que ponto da hierarquiasocioeconômica seríamos inseridos. Rawls argumentava que qualquer

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pessoaracionalprefeririaumasociedadeigualitária—umaemquetodosestivessemnomesmo patamar— a uma em que poucas pessoas fossemmuitoricasemuitaspessoas fossemmuitopobres,porqueaschancesdeserumdosmuitosricossãopequenas.24Nozick achou o argumento de Rawls profundamente perturbador,

porqueeleconsiderava,aomenosemparte,oqueumindivíduoconquistaparaasociedadeemvezdeparaseusprópriosesforços.Seumindivíduonão aproveitar os frutos de seu talento e seu esforço, continuava oargumento de Nozick, ele efetivamente está trabalhando para alguémcontrasuavontadee,portanto,nãoé“dono”desi.Impostos,elecontinua,junto com todas as outras tentativas de redistribuir a renda, são oequivalentemoraldaescravidãoe,portanto,sãoinaceitáveis,nãoimportaquebenefíciospossamtrazeraoutrosindivíduos.OargumentodeNozicktocou muitas pessoas, e não só porque ele apresentava uma defesafilosóficaafavordeimpostosmenores.Aoraciocinarsobreoquepoderiaser considerado justo em um “estado natural” hipotético, tambémcombinava bem com as noções comuns de sucesso e fracasso individual.Emumestadonatural, istoé,seumhomeminvestetempoeesforçoparaconstruir, digamos, uma canoa para pescar, ninguém pode tirá-la dele,mesmo que isso signifique que alguém que precisava daquela canoa vaisofrer emorrer.Ou seja: realizações individuais são unicamente produtodeesforçosehabilidadesindividuais.EemumestadonaturalNozickpoderiamesmoestarcerto.Masoponto

central do argumento de Rawls é que não vivemos num mundo assim.Vivemos em uma sociedade altamente evoluída, em que recompensasdesproporcionalmente grandes podem ser dadas aos que contam comcertosatributoseque tiveramasoportunidadescertas.Porexemplo,nosEstados Unidos dois atletas igualmente talentosos e disciplinados— umdelessendoumginastadenívelolímpicoeooutro,umjogadordebasquetetambémdenívelolímpico—vãoprovavelmenteatingirníveisdefamaederiqueza radicalmente diferentes, não devido amérito ou imperfeições dequalquerumdeles.Damesma forma,duas crianças com traçosgenéticosindistinguíveis — uma delas nascida em uma família rica, educada e

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socialmente prestigiada, e a outra nascida em uma família pobre esocialmente isolada,semnenhumhistóricodeconquistaseducacionais—terão prospectos totalmente diferentes de sucesso.25 Finalmente, atémesmo diferenças aleatórias em oportunidades que aparecem cedo nacarreira de alguém podem ser acumuladas, pelo EfeitoMateus, e podemgerargrandesdiferençasemtodaumavida.OargumentodeRawlséquecomoosmecanismosdedesigualdadesãoessencialmenteacasos—sejadenascimento, de talento ou de oportunidade —, uma sociedade justa éaquelaemqueosefeitosadversosdessesacasossãominimizados.OargumentodeRawlséporvezeserroneamenteentendidocomouma

sugestãodequedesigualdadedequalquertipoéindesejável,porémnãoénada disso. Permitir que por meio de muito trabalho e de aplicação detalentosindividuaisalguémpossasesairmelhorqueseuscompanheirosé,semdúvida,benéficoparaasociedadecomoumtodo—exatamentecomoos libertários acreditam.Nomundo deRawls, portanto, as pessoas estãolivresparafazeroquequiser,eestãoperfeitamentedentrodeseusdireitosquandoconquistamtudooquepodemsegundoasregrasdojogo.Eseumadasregrasdo jogoditaque jogadoresdebasqueteganhammaisdinheiroqueginastas,ouqueinvestidoresganhammaisqueprofessores,entãoqueassimseja.OargumentodeRawlséjustamentequeasprópriasregrasdojogo devem ser escolhidas para satisfazer fins sociais, não individuais.Banqueiros,emoutraspalavras,têmdireitoaoquequerqueelesconsigamnegociarcomquemlhesgaranteoemprego,porémnãoécertoquehajaumsistemaeconômiconoqualaindústriafinanceirasejatãomaisrentáveldoquequalqueroutra.Aconsequênciainesperadadesseargumentoéquediscussõesacercade

compensaçõesindividuaisnãodevemserconduzidasemníveisindividuais.Seéverdadequebanqueirosganhamdemais,asoluçãonãoéseenvolverno confuso negócio da regulamentação dos salários de cada um, como aindústria financeira defende, mas fazer com que as atividades bancáriassejammenosrentáveisde formageral—digamos, limitandoovalorcomque bancos e fundos podem alavancar seus portfólios financeiros comdinheiro emprestado, ou forçando os chamados derivativos de balcão a

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serem trocados em negociações públicas. A indústria financeira podeargumentar, é claro, que customizações e incrementações oferecembenefíciosaseusclienteseparaaeconomia,assimcomoparasimesmos.Eesses argumentos, apesar de serem sustentados em benefício próprio,podem ter seu mérito. Mas se as vantagens são anuladas pelos custoseconômicosdeumriscomaiorparao sistemaeconômico comoum todo,entãonãohánadainerentementeinjustocomasociedademudarasregras.Podemos discutir se tornar os bancos uma indústria menos rentávelpoderia,nogeral,serumacoisaboaouruimparaasociedade,maséissoque devemos discutir — não se indivíduos merecem seus bônus de 10milhõesdedólares.Argumentos libertáriossobreoqueserianumestadonatural são simplesmente irrelevantes, porque em um estado naturalninguémreceberiaumbônusde10milhõesdedólares.Basicamente pelas mesmas razões, discussões sobre a chamada

redistribuiçãoderiquezaerramaosuporqueadistribuiçãoexistenteédealgumaformaoestadonaturaldascoisas,apartirdoqualqualquerdesviofogeaonatural,eportantoémoralmenteindesejável.Naverdade,qualquerdistribuiçãoderiquezarefleteumdeterminadoconjuntodeescolhasqueasociedadefez:valorizaralgumashabilidadesenãooutras;taxarouproibiralgumas atividades enquanto subsidia ou encoraja outras; e reforçaralgumasregrasenquantopermitequeoutrassejamignoradasouvioladasem essência. Todas essas escolhas podem ter ramificações consideráveispara quem fica rico e quem não fica — como exemplificam recentesrevelações sobre subsídios do governo norte-americano implícitos eexplícitos para financiadores de empréstimos para estudantes ecompanhiasmultinacionaisdeexploraçãodepetróleo.26Masnãohánada“natural” em nenhuma dessas escolhas, que são tanto um produto deacidentes históricos, conveniência política e lobby corporativo quanto deracionalidade econômica ou desejos sociais. Se algum agente político—digamos, o presidente ou o Congresso — tentar alterar algumas dessasescolhas, transferindo, por exemplo, as cargas de impostos da classetrabalhadora para os multimilionários, taxando o consumo em vez dosrendimentos ou eliminando os subsídios de várias indústrias, então

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certamente é válido discutir se as mudanças propostas fazem sentido apartirdosprópriosméritos.Masnãoéválidoopor-seaelasapenasporquealteraradistribuiçãoderiquezaemsiéerrado.

PRIVATIZEOSLUCROS,SOCIALIZEASPERDAS

Discussõessobreoqueasociedadepodecobrardecadaumsãotambémrelevantes para questões de contabilidade. Por exemplo, recentementemuito se escreveu sobre se os bancos e outras empresas financeiras querepresentam um grande risco sistêmico deveriam existir.27 Grande partedessa discussão girou em torno de se tentar saber se é o tamanho, ainterconectividadeoualgumoutroatributodeumainstituiçãofinanceiraoque determina os riscos que sua falência pode criar para o restante daeconomia. Tratar dessas questões é importante, ao menos paracompreendermelhorcomomediroriscosistêmicoe,espera-se,delineá-lopormeiodelimitaçõesbem-pensadas.Mastambémépossívelquenãohajamaneira de eliminar o risco contínuo em sistemas financeiros, ou degarantir a robustez e a estabilidade de qualquer sistema complexointerconectado.Redesdetransmissãosãogeralmentecapazesdesuportaras falhas de linhas de transmissão e geradores, mas às vezes uma falhaaparentemente inócuapodecriarumefeitocascatasobre todoosistema,derrubando centenas de estações de energia e afetando milhões deconsumidores — como aconteceu diversas vezes em anos recentes nosEstadosUnidos,noBrasilenaEuropa.28Damesmaforma,nossascriaçõesmaiselaboradasdeengenharia,comoreatoresnucleares,aviõescomerciaise satélites, projetados paramaximizar a segurança, vez ou outra sofremfalhascatastróficas.Atémesmoainternet,queéextremamenteresistenteafalhasdetodosostipos,acabasendobastantevulnerávelaumavariedadeenormedeameaçasimpalpáveis,comospamcrônico,vírus,ataquesasitesetc. Na verdade, é possível que quando um sistema atinge certo nível decomplexidadenãosejamaispossívelevitarapossibilidadedequealgodê

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errado.29 Nesse caso, precisamos não apenas de melhores ferramentaspara pensarmos sobre riscos sistêmicos, como também de umamaneiramelhor de pensarmos sobre como responderemos às falhas sistêmicasquandoelasinevitavelmenteacontecerem.Para ilustrar, considere a reação dos banqueiros à proposta da

administraçãoObama de cobrar impostos sobre certos lucros comerciaiscomoumamaneiraderecuperarodinheiroinvestidodocontribuinte.Paraos banqueiros, eles já haviam devolvido esse dinheiro— corrigido—, edessa forma nada mais poderia ser legitimamente cobrado deles. Masimagineporumsegundoquais teriam sido os lucrosdo sistemabancárioem2009semascentenasdebilhõesdedólaresdosfundosdogoverno,dasquaiseles sebeneficiaramdiretae indiretamente. Jamais saberemoscomcerteza, é claro, porque não realizamos nenhuma experiência, maspodemos fazer alguns palpites embasados. A AIG, por exemplo,provavelmente não existiria, e seus vários ramos, incluindo a GoldmanSachs,ficariamsemalgumasdezenasdebilhõesdedólaresvindosdaAIG.OCitigrouppoderiateratémesmoentradoemcolapso,eaMerrillLynch,aBearStearnseoLehmanBrotherspoderiamtersedissolvido,aoinvésdefundirem-secomoutrosbancos.Considerandoissotudo,osistemabancáriopoderiaterperdidodezenas

debilhõesdedólaresem2009—oexatoopostodasdezenasdebilhõesdedólares que lucrou — e milhares de banqueiros que receberam bônusestariamforadojogo.Agora,imaginequenosegundosemestrede2008oslíderes da Goldman Sachs, da J.P. Morgan, do Citigroup e todo o restotivessemtidoqueescolherentreomundodo“suportesistêmico”,noqualoapoio dos governos é garantido, e o mundo “libertário”, em que elesdeveriam se virar sozinhos. Esqueça por ummomento a devastação queteria sidopropagadaparao restoda economiaepergunte-sequantodosseuslucrosfuturososbancosestariamdispostosaabrirmãoparaimpedirabancarrota.Maisumavez,éumaperguntahipotética,mas,comaprópriasobrevivência correndo risco, parece seguro presumir que eles teriamconcordado em comprometermais do que o valor de seus empréstimosdiretos.

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Queosbancoseseusparceirosconseguiramsecolocarcomovítimasdaintervenção do governo e do populismo político é desnecessário dizer, enão apenas pela razão óbvia de que os bancos se beneficiaram daconsiderávelliberalidadegovernamentalenãodeempréstimosdiretos.30Averdadeira razão é a consistência filosófica. Em épocas de bonança, osbancos querem ser vistos como entidades independentes que assumemriscossozinhas,merecedorasdetodososfrutosdeseuexaustivotrabalho.Masduranteumacriseelesqueremsertratadoscomoelementoscruciaisem um sistema amplo para o qual sua queda representaria uma ameaçaexistencial.Seessaúltimaafirmaçãoéverdadeiraporqueelessãograndesdemais ou interconectados demais, ou por qualquer outra razão, naverdade não é muito importante. A questão é: ou eles são libertários,devendo,portanto,sustentartodoopesodeseusfracassos,assimcomoode seus sucessos, ou são rawlsianianos, devendopagar suasdívidasparacomosistemaquetomacontadeles.Nãodeveriampodertrocardefilosofiasegundosuaconveniência.

SUSTENTANDOOPESOUNSDOSOUTROS

Em seu livromais recente, Justiça, o filósofoMichael Sandel levanta umaquestão semelhante, argumentandoque todas as questões de equidade ejustiça devem ser adjudicadas à luz da dependência que temos uns dosoutros—mais claramente, de nossas redes de amigos, família e colegas,mas também de nossas comunidades, de nossas identidades nacionais eétnicas, e atémesmodenossosancestraismaisdistantes.Temosorgulhodo que “nosso” povo conquistou, protegemos contra forasteiros eestendemosamãoparaajudarquandonecessário.Sentimosquedevemosa ele nossa lealdade por nenhuma outra razão além de estarmosconectados, e esperamos que eles retribuam. Não deve surpreender,portanto,queredessociaisdesempenhemumpapelcríticoemnossavida,conectando-nos com recursos, fornecendo informações e suporte e

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facilitandotransaçõesbaseadasemconfiançamútuaerespeitopresumido.Estamos tão incorporadosemredesde relacionamentos sociaisqueseriadifícilimaginarmo-nosforadelas.31Até aqui, essa visão não parece controversa. Até mesmo Margaret

Thatcher,queafirmouque“nãohánadacomoasociedade”,admitiaqueasfamíliassãotãoimportantesquantoosindivíduos.Porém,Sandeldefendeque a importância das redes sociais tem uma consequência inesperadapara a noção de liberdade individual. Seja lá o que preferimos pensar,nuncasomosinteiramentelivres,nemgostaríamosdeser.Osmesmoslaçosquedãosentidoànossavidatambémnoscerceiam,eéprecisamentenoscerceando que nos dão sentido. A partir da perspectiva de Sandel,raciocinarsobreequidadeoujustiçaexclusivamenteapartirdaperspectivadaliberdadeindividualnãofazmaissentidodoqueraciocinarsobreoqueé justoexclusivamentepormeiodeumaanalogiacomumestadonaturalimaginado, nem com uma representação precisa do mundo em quevivemos.Gostemosounão,nossasconcepçõesdejustiçadevemdarcontadessatensãoentreindivíduoesociedadecomoumtodo.Porém,émaisfácilfalar do que fazer. Por exemplo, Sandel defende que não devemos terorgulhodenossaascendênciaamericanasemtermostambémvergonhadahistóriadeescravidãonopaís.Oslibertáriospodemargumentarqueforamseus ancestrais, não eles próprios, que cometeram esses atos tãorepreensíveis,portantonãohádoquesedesculpar.Mascertamenteessasmesmaspessoastambémsentemorgulhodesuaancestralidadeepreferemviver neste país a viver em qualquer outro. Na visão de Sandel, nãopodemos simplesmentedecidir conformenos convémquandovamosnosidentificar com nossos ancestrais e quando vamos nos colocar comodistantes deles. Ou você é parte daquela comunidade, e nesse caso devedividirtantoosônusquantoosbenefícios,ouvocênãoé,enessecasoficasemnada.O argumento de Sandel de que nossas ações individuais estão

inextricavelmente incorporadas a redes de relações sociais temconsequências não apenas para discussões sobre equidade e justiça,mastambémsobremoralidadee justiça.De fato,Sandeldizquenãopodemos

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determinaroqueéjustosemtambémavaliarostatusmoraldealegaçõesopostas. E isso requer que resolvamos o propósitomoral de instituiçõessociais. Não podemos decidir se o casamento gay é certo ou justo, porexemplo,semdecidirmos,primeiramente,qualéopropósitodocasamento.Não podemos determinar se o processo seletivo de uma universidade éjusto até que decidamos qual é o objetivo de uma universidade. E nãopodemos decidir se a maneira como banqueiros são recompensados éapropriadasemprimeiramenteestabeleceroqueumbanqueirodevefazerpela sociedade. Nesse sentido, a visão de Sandel remonta à filosofia deAristóteles, que também acreditava que questões de justiça exigemreflexões sobre o propósito das coisas. Diferentemente de Aristóteles,porém, Sandel não defende uma visão de propósito determinada fora dopróprio sistema social — digamos, por decreto divino. Em vez disso, opropósito é algo que os membros de uma sociedade devem decidir nocoletivo.Assim,Sandelconcluiqueumasociedade justanãoéaquelaqueprocura adjudicar disputas entre indivíduos de uma perspectivamoralmenteneutra,masaquelaquefacilitaodebatesobreoquedeveseraperspectiva moral apropriada. Como reconhece Sandel, isso é algoprovavelmente complicado de se fazer e um trabalho sempre emandamento, mas ele não vê nenhuma maneira de nos abstermos de taltarefa.Omais interessante nos argumentos de Sandel— aomenos para um

sociólogo — é que eles são altamente sociológicos. Sociólogos, porexemplo,hámuitoacreditamqueosignificadodaaçãoindividualsópodeser devidamente compreendido no contexto de redes de relacionamentointerligadas, conceito que vem sendo chamado de embeddedness,enraizamentosocial.32Alémdisso,aafirmaçãodeSandeldequeosvaloresa partir dos quais julgamos equidade são necessariamente o produto dasociedaderefleteaideia,originalmenteexploradaporsociólogosnosanos1960,dequearealidadesocialéumaconstruçãodaprópriasociedade,nãoalgoquenosédadoporummundoexterior.33Umaimportanteimplicaçãodo argumento de Sandel, portanto, é que as questões fundamentais dafilosofiapolíticasãotambémquestõessociológicas.

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Então, como poderíamos responder a elas? Certamente, pensar arespeito da maneira como Sandel o faz é uma possibilidade, e essageralmentetemsidoarespostadadatambémpelossociólogos.Masconfiarsomente na intuição para refletir acerca desse tipo de questão podetambémserlimitador.Nãoháproblemasemafirmar,comomuitaspessoasafirmaram recentemente, que bancos cujas ações resultaram em riscossistêmicosdevemserresponsabilizados,providenciando,porexemplo,umseguro contra “riscos sistêmicos” ou obrigando-os a aumentar suasreservasdecapital.Massemumacompreensãoclaradoriscosistêmicoéimpossível avaliar quanto dele é gerado por uma determinada ação e,portanto,quantaspenalidadesdevemserimpostasaquemosassumir.Damesmaforma,umacoisaéapontarquedamosmuitaênfaseaosresultadosquandoavaliamosprocessosoumuitaimportânciaa“pessoasespeciais”aodeterminar esses resultados.Mas outra coisa completamente diferente éelaborarmelhoresavaliaçõesdedesempenhoseummelhorsensodecomosistemas sociais complexos como empresas, mercados e sociedadesrealmente funcionam. Em suma: por mais importante que seja pensarsobre essas questões, também é importante fazer mais do que apenasdiscutirarespeitodelas.Enessepontoéválidoperguntaroqueaciênciasocialpodeoferecer,seéqueelapodeofereceralgo.

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10OVERDADEIROESTUDODAHUMANIDADE

“Conhece-te, pois; não pretendas esquadrinhar Deus. O verdadeiro estudo da humanidade é ohomem.”

AlexanderPope,“Ensaiosobreohomem”

QuandoAlexanderPopepublicouseu“Ensaiosobreohomem”,em1732,acompreensão que se tinha do mundo era muito diferente da que temoshoje. Escrito apenas algumas décadas depois que a obra-prima de IsaacNewton, Principia, explorou os princípios matemáticos de cinéticaplanetária, o ensaio de Pope surgiu quando intelectuais ainda estavambatendocabeçadiantedeumconceitoquedevetersidochocantenaquelaépoca:asleisquegovernamamovimentaçãodosobjetosdodiaadiaaquinaTerrasãoexatamenteasmesmasquegovernamasesferascelestiais.Naverdade,elesaindaestavamlutandoparaaceitaraideiadeque“leis”físicasdequalquertipopodiamserdescritasemtermosdeequaçõesmatemáticasequeessasequaçõespoderiamentãoserusadasparaprevercomprecisãoimpressionanteocomportamentofuturodetudoqueexiste,desdeamaréaltadeamanhãaoretornodecometasdistantes.Devetersidoumaépocamágicaparaseviver,poisoUniverso,hátantotempoumenigma,pareciasubitamentetersidoconquistadopelamentedeumúnicohomem.ComoopróprioPopedisse:

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Anaturezaeasleisdanaturezajaziamocultasnanoite;Deusdisse,“Faça-seNewton”,ealuzsefez.1

Pelos trezentos anos seguintes, o conhecimento da humanidade iriacrescer inexoravelmente, desvendando os mistérios do mundo. Osresultados foram impressionantes. Temos teorias sobre o Universo queremontam ao Big Bang e telescópios que observam através de galáxias.EnviamosnavesespaciaisparaforadoSistemaSolaremandamoshomensà Lua. Construímos bombas que podem destruir uma cidade inteira emísseis que podem atravessar uma janela.Medimos a Terra com grandeprecisão e compreendemos suas engrenagens internas. Construímosedifícios e pontes imensas, e mudamos o caminho de rios, o formato demontanhas,atéocontornodolitoral.Temosrelógiosquemedemotempoem bilionésimos de segundo e computadores que procuram todas aspalavrasjáescritasdesdeoiníciodaserasemmenostempodoquelevariapara escrever amesma palavra. Na ciência, parece, podemosmuito bemfazerosanjosdançaremnacabeçadeumalfinete.Ébastanteóbvioqueaciênciasocialnãoseguiuomesmoritmo,masé

fácil inferir a lição errada a partir dessa observação. Fui lembrado desseproblemarecentementeporumcolegacientistaquereclamoucomigoqueestavalendomuitosobresociologiaeque,emsuaopinião,oproblemadadisciplina era que não se descobrira nenhuma lei de comportamentohumanoque estivesseminimamentepróxima, em termosde ser geral ouprecisa,daquelascomqueeleestavaacostumadonomundodafísica.Emvezdisso,pareceu-lhe,asociologiaeraapenasumaconglomeraçãosemfimde casos especiais, quando alguém fez algo por uma razão num dadomomento, e outra pessoa fez outra coisa por outra razão em outromomento. Como físico, ele achava essa falta de uniformidadeparticularmente frustrante. Afinal, é difícil imaginar como qualquerprogressomemorávelna físicapoderia teracontecidonaausênciade leiscomo as de Newton, que se aplicam a tudo em qualquer espaço e aqualquer momento. Essas leis foram tão essenciais para o sucesso daciência que, de fato, acabaram sendo associadas com a própria ideia de

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ciência em si. Ele certamente sentiu que a inabilidade de sociólogos deelaborar algo nomínimo comparável significava que a ciência social nãomereciarealmenteservistacomociência.

AINVEJADAFÍSICA

Naverdade,essatendênciade julgarasociologiaapartirdoscritériosdafísicaéantigo,remontandoaAugusteComte,ofilósofodoséculoXIXqueépor vezes creditado como o pai da disciplina. Comte imaginou que asociologia,queelechegouachamardefísicasocial,teriaseulugaraoladodamatemática,daastronomia,dafísica,daquímicaedabiologiacomoumadas seis ciências fundamentais que descrevem toda a realidade. Asociologia,navisãodeComte,seriauma“teoriatotal”detodaaexperiênciahumana, englobando todas as outras ciências e expandindo-as paraabranger também culturas, instituições, economias, políticas, tudo —exatamente o tipo de teoria geral que meu amigo cientista estavaprocurando. Comte nunca articulou essa teoria em detalhe, mas suafilosofiapositivista—aideiadequeentidadeseforçassociaispodemserdescritaseanalisadasdamesmamaneiraqueentidadeseforçasfísicas—montouocenárioparaasgrandesteoriasqueseseguiram.Uma das primeiras teorias desse tipo foi proposta pouco depois de

Comte pelo filósofo Herbert Spencer, um contemporâneo de Darwin.Spencer desenvolveu a tese de que sociedades poderiam ser entendidascomo organismos, no qual seres humanos poderiam ser vistos comocélulas, instituições desempenhavam o papel de órgãos e odesenvolvimento era conduzido por um processo análogo ao da seleçãonatural. De fato, foi Spencer, não Darwin, que cunhou a expressão“sobrevivência do mais apto”. As ideias específicas de Spencer foramrapidamentetachadasdeingênuas,masseuprincipalargumentofilosófico,de que as sociedades são organizadas damaneira que são para cumpriralgumafunçãoholística,persistiuladoaladocomopositivismodeComtee

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fundamentou o pensamento de sociólogos como Émile Durkheim, queaindahojeéconsideradoumadasmaioresfigurasdadisciplina.A apoteose da grande teorização, entretanto, só chegou nametade do

século XX, com o trabalho do sociólogo de Harvard Talcott Parsons, quedesenvolveu um eixo da teoria que se tornou conhecido comofuncionalismo estrutural.De acordo comParsons, instituições sociais sãofeitas de redes de papéis interpenetrantes, que por sua vez sãodesempenhados por indivíduos motivados por fins racionais. Ao mesmotempo,entretanto,aaçãoindividualérestringidapornormassociais,leiseoutrosmecanismosdecontrolequeforamincorporadosàsinstituiçõesdasquaisosindivíduossãoumaparte.2Aoexaustivamenteclassificartodasasváriasfunçõesquediferentestiposdecomportamentopoderiamsatisfazer,junto com as diferentes estruturas sociais e culturais em que tiveramespaço, Parsons tentou nadamenos que descrever toda a sociedade. Foiumagrandeconstrução,semdúvida,eonomedeParsonsgeralmenteestáentreosdosgrandesteóricosdetodosostempos.MasassimcomoSpencereComteantesdele, a tintamalhavia secadona “teoriageral”deParsonsquandoseuscríticosadestruíram:eladizia,segundoeles,poucomaisque“as pessoas fazem as coisas porque querem”, não sendo, portanto,realmenteumateoria,mas“umconjuntodeconceitosedefinições”,eeratãocomplicadaqueninguémconseguiacompreendê-la.3RevisitandoascríticasferrenhasàteoriadeParsonsalgunsanosdepois,

RobertMerton—osociólogodecujotrabalhosobreoEfeitoMateustrateinocapítuloanterior—concluiuque teóricos sociaishaviamsido rápidosdemais em tentar emular o sucesso teórico de seus colegas das ciênciasnaturais. Não que Merton não compreendesse a inveja que os cientistastradicionais poderiam inspirar nos demais. Em suas palavras, “muitossociólogos assumem as conquistas das ciências naturais como o padrãopara autoavaliação. Querem fazer uma queda de braço com seus irmãosmaisvelhos.Elestambémqueremcontar.Equandosetornaevidentequeelesnãotêmofísicorobustonemosocoviolentodeseusirmãosmaiores,algunssociólogossedesesperam.Elescomeçamaperguntar:seráqueumaciênciadasociedadesóérealmentepossívelseestabelecermosumsistema

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total da sociologia?” Apesar de complacente,Merton, porém, alertou que“essa perspectiva ignora o fato de que entre a física do século XX e asociologia do século XX há bilhões de horas de pesquisa consistente,disciplinada e acumulada”. Nas ciências naturais, foi apenas depois queCopérnicoeBrahe,eumamultidãodeoutrosteóricos,passaramcentenasde anos fazendo observações trabalhosas que astrônomos como Keplerdesvendaram as regularidades matemáticas que poderiam explicar osdadosacumulados.FoisóentãoqueumgêniosingularcomoNewtonesteveemposição de reduzir essas regularidades a leis genuínas. Já os teóricossociais a que Merton se referia fizeram o caminho contrário, propondosistemasinteirosdepensamentologodesaída,esóentãopreocupando-secomoqueelesdeveriamavaliar.4“Talvez”,lamentouMerton,“asociologiaaindanãoestejaprontaparaseuEinsteinporqueaindanãoencontrouseuKepler — isso sem mencionar seu Newton, seu Laplace, seu Gibbs, seuMaxwellouseuPlanck”.5Emvezdebuscargrandesteoriasouleisuniversaisdecomportamento

humano, portanto, Merton defendia que os sociólogos deveriam seconcentrar no desenvolvimento de “teorias de médio alcance”, ou seja,teorias de abrangência suficiente para dar conta demais do que apenasfenômenos isolados, porém com especificidade que permita dizer algoconcreto e útil. Por exemplo, a “teoria de privação relativa” alega que aspessoas se sentem angustiadas com circunstâncias apenas àmedida quesuasdificuldadesultrapassamasdepessoasàsuavolta.Assim,sesuacasapegafogoemumincêndioincontrolável,vocêficaarrasado,porémsetodaa cidade é devastada por um terremoto e centenas de seus vizinhosmorrem,vocêsentequetemsorteporestarvivo.Nãoéumateoriageraldetodo, propondo-se apenas a prever como as pessoas reagem aadversidades, mas também objetiva aplicar-se a percepções deadversidadesdeformabastanteabrangente.Damesmaforma,a“teoriadoconjuntodepapéis”dizquecada indivíduodesempenhanãoapenasumamultiplicidade de papéis—umprofessor na escola, umpai em casa, umgoleironotimedefuteboldofimdesemana—,mastambémquecadaumdessespapéiséemsiumacoleçãoderelacionamentos:entreprofessore

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alunos, entre ele e seus colegas de trabalho, e entre ele e seu diretor.Novamente,ateoriaéumtantoespecífica—nãodiznadasobremercados,governosououtrascaracterísticasimportantesdomundosocial—,masétambémalgogeral,aplicando-seapessoasdetodosostipos.6OapelodeMertonporteoriasdemédioalcanceégeralmentevistocomo

sensato,mas incapazdedarcontadoardorpor teoriasdenaturezamaisampla.PoucomenosdeumanoapósMertonpublicar sua crítica, aliás, oeconomista JohnHarsanyi,NobeldeEconomiaem1994porseu trabalhosobreteoriadosjogos,propôsqueateoriadaescolharacional—discutinocapítulo 2 sobre a tomada de decisões — estava pronta para oferecerprecisamenteotipodeteoriageralque,peloqueMertonhaviaacabadodeconcluir, era radicalmente prematura. E então outro ciclo começou, comteóricos da escolha racional traçando paralelos entre seus esforços e amecânica newtoniana, enquanto críticos levantavam cada vez maisquestõescontraisso,iguaisàsqueosprópriosteóricosdaescolharacionalhaviam feito à geração anterior de teóricos como Parsons.7 Nem apercepção crescente de que a teoria da escolha racional não poderiaoferecerumateoriauniversaldecomportamentohumanoque fossealémdadeseusantecessoressalvouaciênciasocialdomonstrodeolhosverdesdeinvejadaciêncianatural.8Muitopelocontrário:seareclamaçãodomeucolega físico é algum indicativo, mesmo que sociólogos finalmente secansemdegrandesteoriassobretudo,háumanovageraçãodecientistasnaturaisesperandopararecomeçarabusca.9Quando pensamos sobre a pura complexidade do comportamento

humano, essa formade fazer ciências sociais não parecemuito plausível.Comoexpusnocapítulo2,ocomportamento individualécomplicadopordezenasdepressupostospsicológicos,muitosdosquaisfuncionandoalémda nossa percepção consciente e interagindo de maneiras aindadesconhecidas. E como demonstrei no capítulo 3, quando indivíduosinteragem uns com os outros, seu comportamento coletivo podesimplesmentenãoderivar de características e incentivos individuais, nãoimportaquantosaibamossobreeles.Dadoqueaverdadeiracomplexidadedomundosocial—envolvendonãoapenaspessoasegrupos,mastambém

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um conjunto impressionante de mercados, governos, empresas e outrasinstituiçõesquecriamosparanósmesmos—étãomaiordoqueaquiloqueeumalcomeceiadescreveraqui,porquediabosalguémiriasequerpensarquepoderiadescreverumasériederegrascapazesdeexplicartudo?Minha resposta é que teóricos sociais são pessoas também, e por isso

cometem os mesmos erros de planejadores, políticos, marqueteiros eestrategistasdenegócios,oquesignificasubestimarmuitoadificuldadedoqueelesestãotentandofazer.Eassimcomoplanejadores,políticosetc.,nãoimporta quantas vezes essas teorias tão grandiosas fracassem, semprehaverá alguém novo que pensa que não pode ser tão difícil assim —porque,afinaldecontas,“nãoéastronáutica”.Emsuma:semuitodoqueasociologiatemaoferecerparecesensocomum,nãoésimplesmenteporquetudo a respeito do comportamento humano parece óbvio depois quesabemosaresposta.Outrapartedoproblemaéquecientistassociais,assimcomotodomundo,participamdavidasocial,eporissosentemquepodemcompreender a razão de as pessoas fazerem o que fazem simplesmentepensando a respeito disso. Assim, não é surpreendente que muitasexplicações sociais científicas soframdamesma fraqueza—asserçõesexpostfactodaracionalidade,indivíduosrepresentativos,pessoasespeciaisecorrelações substituindo causas — que nossas explicações baseadas nosensocomum.

MEDINDOOINCOMENSURÁVEL

Uma resposta a esse problema, como um colega de Lazarsfeld, SamuelStouffer, apontou há mais de sessenta anos, é que os sociólogos devemdependermenos, nãomais, de seu senso comume, ao invésdisso, tentarcultivar o senso incomum.10 Mas livrar-se da lógica do senso comum nasociologiaémaisdifícildoqueparece.Emgrandeparteadificuldadeéque,na história da ciência social, namaioria das vezes simplesmente não foipossível medir os elementos dos fenômenos sociais da maneira como

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medimosos elementosdos fenômenos físicos ebiológicos.Os fenômenossociais, como eu já havia notado, consistem de largas populações depessoas interagindoe influenciandoumasàsoutras,e interagindocomasorganizaçõeseosgovernoscriadosporelas—nenhumdosquaiséfácildeser observado diretamente, ainda menos de se colocar em umlaboratório.11Entretanto, recentemente omundo começou amudar demaneira que

podemserdissolvidasalgumasdessas limitaçõeshistóricasnoâmbitodaciência social. Tecnologias de comunicação como e-mail, celulares emensagens instantâneas vêm implicitamente registrando redes sociaisentrebilhõesdeindivíduos,juntamentecomofluxodeinformaçõesquesetransmite por elas. Comunidades on-line como o Facebook, o Twitter, aWikipediaeoWorldofWarcraftfacilitamasinteraçõesentreaspessoasdemaneiraquetantopromovemnovostiposdeatividadessociaisquantoasregistram.SitesdecrowdsourcingcomooMechanicalTurk,daAmazon,sãocadavezmaisusadoscomo“laboratóriosvirtuais”noqualpesquisadorespodemconduzirexperiênciaspsicológicasecomportamentais.12 Ebuscason-line,mídia on-line e comércio eletrônico estão gerando cada vezmaisconclusões sobre as intenções e ações de pessoas em todo o mundo. Acapacidade de observar ações e interações de potencialmente bilhões depessoas apresenta alguns problemas sérios sobre os direitos e aprivacidadedosindivíduos,porissodevemosagircomcautela.13Contudo,essastecnologiastambémexibemenormepotencialcientífico,permitindo-nos pela primeira vez na história observar, com grande fidelidade, ocomportamento em tempo real de grupos grandes e até mesmo desociedadescomoumtodo.Por exemplo, a experiênciadoMusicLabqueapresenteino capítulo3

mostroua importânciada influênciasocialnadeterminaçãodosucessoapartir de cerca de 30 mil participantes. Poderíamos apenas sonhar comessaexperiênciahácinquentaanos—quandopsicólogossociaisestavamapenas começando a desenvolver estudos experimentais de influência etomada de decisão em grupo—,mas teria sido impossível realizá-la atépoucotempoatrás,pelasimplesrazãodequenãopodemoscolocartantas

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pessoas dentro de um laboratório. Da mesma forma, o estudo sobre os“influenciadores”noTwitter,doqualtrateinocapítulo4,foipensadopararesponder a uma questão — se indivíduos especiais fazem ou não asinformações se propagarem — que é pertinente há décadas. Porém,respondê-la exigiu que seguíssemos a difusão demais de 70milhões deURLsem todaa rededoTwitteremumperíododedoismeses.Antesdeserviços de redes sociais on-line como o Twitter e o Facebook, os quais,lembrem-se, existem há apenas alguns anos, esse nível de escala eresoluçãoteriasidoimpossível.14Outras experiências que descrevi, como a do mundo pequeno, do

capítulo 4, eram certamente possíveis na era pré-internet, mas não naescala em que podem ser agora conduzidas. A experiência original deMilgram,porexemplo,utilizoucartasfísicaseconfiouemapenastrezentosindivíduostentandoencontrarumaúnicapessoaemBoston.Aexperiênciacom e-mails que eu e meus parceiros desenvolvemos em 2002 envolviamaisde60mil pessoasdirecionandomensagens aumdosdezoito alvos,que, por sua vez, estavam localizados em trezepaísesdiferentes. Em suarotaatéaentrega,ascorrentesdemensagenspassarampormaisde160países; portanto, com todas as suas limitações, a experiência foi, nomínimo,umtestebrutoparaahipótesedomundopequenoemumaescalarealmenteglobal.Damesmaforma,aexperiênciadecampoconduzidaporDavidReileyeRandallLewissobreaeficáciadepropagandas,descritanocapítulo8,teveumaarquiteturasimilaràdeexperiênciasquehaviamsidorealizadasnopassado,porém, contandocom1,6milhãodeparticipantes,foi muitas vezes maior. A própria proporção do exercício já éimpressionante só porque ele pôde ser realizado, mas também éimportante no âmbito científico — porque é possível que os efeitos,emborareais,sejampequenos,enessecasoprecisamosdenúmerosmuitograndesparachegaraconclusõesdefinitivas.15

FARINHADOMESMOSACO

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Outro tipodeestudoque teriasido impossívelatépouco tempoatrásdizrespeito a umdos padrõesmais observados da vida social, conhecidonasociologia como o princípio da homofilia — a ideia que vai contra oprincípiodeque“osopostosseatraem”.Porváriasdécadas,ondequerqueos sociólogos investigassem, sempre descobriam que amigos, casais,colegasdetrabalhoeconhecidossãomaissemelhantesdoquediferentesno que diz respeito a uma variedade de características — como etnia,idade, gênero, renda, educação— e também atitudes. Mas de onde vemtoda essa similaridade? A princípio, a resposta parece óbvia: as pessoastendem a formar laços com pessoas semelhantes a elasmesmas porque,sejabomouruim,écomelasquepreferempassarotempo.Masoqueessaexplicaçãodosensocomumignoraéqueaspessoaspodemescolherseusamigosapenasentreaspessoasquedefatoconhecem,oqueélargamentedeterminado pelas pessoas com quem trabalham, que pertencem àsmesmasorganizações ou a quem foramapresentadaspor conhecidos emcomum. E como os sociólogos demonstraram também, muitos dessesambientessociaistendemaserextremamentehomogêneosemtermosdeetnia,sexo,idadeeeducação.Comoresultado,éinteiramentepossívelquea semelhança que vemos a nosso redor tenha menos a ver com nossaspreferências psicológicas do que com as restritas oportunidades que omundonosapresenta.16Solucionar problemas como esse é importante, pois tem implicações

sobrecomovamoslidarcomquestõescontroversascomosegregaçãoraciale ações afirmativas. Resolver a questão com dados, entretanto, éextremamentedifícil,porquedesembaralharasváriasrelaçõesdecausaeefeitorequerquemantenhamosregistrosdeindivíduos,redesegruposaolongodegrandesperíodosdetempo.17Eessetipodedadosimplesmentenunca esteve disponível. Tecnologias de comunicação como e-mail,entretanto, têm o potencial para mudar isso. Como e-mails trocadosrepresentam, de forma geral, relacionamentos reais, é possível utilizá-loscomo uma maneira de observar redes sociais implícitas. E como osservidores de e-mails podem facilmente registrar as interações entremilhares,ouatémesmomilhões,deindivíduosdurantelongosperíodosde

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tempo, é possível reconstruir a evolução, mesmo de grandes redes, comdetalhesprecisos.Combinandoessetipodeinformaçãocomoutrosdadosque são rotineiramente coletados por empresas, universidades e outrasorganizações a respeito de seus membros, uma aproximação mais oumenosprecisadocenáriocompletocomeçaasurgir.Recentemente, eu e meu ex-aluno de graduação Gueorgi Kossinets

usamos exatamente esse tipo de abordagem para estudar as origens dahomofilia entre estudantes, professores e funcionários de umauniversidade. Assim como em estudos anteriores, descobrimos queconhecidos—ouseja,pessoascomquemtrocamose-mailscomfrequência—eram consideravelmentemais semelhantes do que diferentes emumavariedade de características como idade, sexo, carreira escolhida etc.Também descobrimos que pessoas semelhantes que não se conhecemtendemaseconectarmaisumasàsoutrasaolongodotempodoquecompessoas diferentes — exatamente como o senso comum nos diria.Finalmente, entretanto, descobrimos que indivíduos que já eram“próximos” uns dos outros, seja por terem amigos em comum oupertenceremaomesmogrupo,erammaissemelhantesdoquediferentes,emuitos dos pressupostos a respeito da conexão entre indivíduossemelhantes desaparecem uma vez que concluímos serem fruto daproximidade.Nossaconclusãofoideque,apesardeosindivíduosdenossacomunidadedefatoexibiremalgumapreferênciaporoutrossemelhantesasimesmos, eraumapreferência relativamente fracaque crescia ao longodo tempo,por sucessivas “rodadas”deescolhas, atégeraraaparênciadeumapreferênciamuitomaisfortenaredeobservada.18Outro problema relacionado à homofilia que a internet pode ajudar a

responder é uma questão com que cientistas políticos e sociólogos hámuitosepreocupam—asaber,queosamericanos,sejaporescolhaouporcircunstâncias,estãocadavezmaisseassociandoavizinhoseconhecidosque pensam como eles. Se isso for verdadeiro, a tendência pode serproblemática, pois círculos sociais homogêneos podem levar também auma sociedade mais balcanizada, em que diferenças de opinião levam aconflitospolíticos,enãoapenasatrocasdeideiasentresemelhantes.Mas

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será que essa tendência realmente existe? Cientistas políticos em geralconcordamqueoCongresso,de fato, estámaispolarizadohojedoque jáesteveemqualqueroutromomentodahistória,equeamídianãoémuitomelhor. Entretanto, estudos de polarização entre cidadãos comunscostumavam chegar a conclusões conflitantes: alguns acham que atendênciaaumentoudramaticamente,enquantooutrosapontamníveisdeconcordância que mudaram pouco ao longo de décadas.19 Uma possívelexplicaçãopara esses resultados contraditórios é que aspessoaspensamque concordam com seus amigosmuitomais do que de fato concordam;assim, muito da polarização pode ser apenas uma impressão, não arealidade.Mastestaressahipótese,emborapareçafácilemteoria,édifícilna prática. A razão é que paramedir se amigos concordam tanto quantopensam que concordam, seria preciso perguntar, para cada tópico deinteresseeparacadapardeamigosAeB,oqueApensasobreoassunto,oqueBpensasobreoassuntoeoqueApensaqueBpensasobreoassunto.Faça issoparadiversos tópicose commuitosparesde indivíduos,evocêterá um exercício de pesquisa tremendamente trabalhoso, aindamais sevocê precisa também que cada participante indique amigos para emseguidaprocurá-los.20No Facebook, entretanto, isso é relativamente mais direto. Todos já

declararam quem são seus amigos, e é até mesmo possível detectardiferentesgrausdeamizade,contandoquantosamigosemcomumcadaparde amigos compartilha.21 Tão importante quanto isso é que em 2007 oFacebook lançou uma “plataforma” de terceirização, que permite queprogramadoresdeforaescrevamseusprópriosaplicativospara“rodar”narededoFacebook.OresultadofoioFriendSense,umaplicativoquemeuscolegasdaYahoo!SharadGoeleWinterMasonprogramaramemalgumassemanasnoiníciode2008.Consistiaemperguntassobreoqueaspessoaspensavam sobre uma variedade de questões sociais e econômicas, etambém o que pensavam que seus amigos pensavam sobre as mesmasquestões. Dentro do padrão Facebook, o Friend Sense fez um sucessomodesto—cercade1.500pessoascomeçaramausá-lo,gerandocercade100 mil respostas. Porém, para os padrões de pesquisa da rede, foi um

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resultado grandioso. Utilizando métodos tradicionais de pesquisa, umestudo dessa grandeza teria levado alguns anos para ser planejado,financiado e realizado, e teria custado algumas centenas de milhares dedólares (a maior parte para pagar aos entrevistados). No Facebook,gastamos algunsmilhares de dólares compropagandas e tivemos nossosdadosemquestãodesemanas.O que descobrimos foi que amigos são de fatomais parecidos do que

diferentes, e que amigos próximos e amigos que dizem que conversamsobrepolíticassãomaissimilaresdoqueconhecidoscasuais—exatamentecomo o princípio da homofilia poderia prever.Mas amigos, próximos ounão, também acreditam que são mais semelhantes entre si do querealmentesão.Nossoscolaboradoresforampéssimosemtentaradivinharquando um de seus amigos — mesmo alguém próximo com quemdiscutiam política — discordaria deles. Aqui, os números foramconfirmadosporumasériederelatóriosfictíciosquerecebemosdepessoasqueparticiparamdoFriendSenseequediversasvezes ficaramperplexascomamaneira como seus amigos e entes queridos as percebiam: “Comoelespodempensarqueeupensariaisso?”,eraoquemaisseouvia.Muitosdosnossosparticipantestambémrelataramaexperiênciadeterrecebidoumaperguntasobrealguémquepensavamconhecerbem,masperceberamque não sabiam a resposta—mesmo parecendo um tópico que amigoscultosepoliticamenteengajadosdeveriamestardiscutindo.22Então,seconversarsobrepolíticaaumentatãopouconossahabilidade

dedetectarquandonossosamigosdiscordamdenós,exatamentesobreoqueestamosconversando?Ou,maisprecisamente,nafaltadeinformaçõesespecíficas sobre o que nossos amigos de fato pensam sobre essasquestões, que informações estamos usando para adivinhar o que elespensam?Após conduzirmosuma série de análises adicionais, concluímosque,nadúvida—oqueacontececommaisfrequênciadoquegostaríamosdeadmitir—,adivinhamosasopiniõesdenossosamigosemparteusandoestereótipossimples—porexemplo,“Amaioriadosmeusamigosédotipoesquerda liberal, então provavelmente concordam com as visões daesquerdaliberal”—eemparte“projetando”nossasopiniõessobreeles.23

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Essa última descoberta é potencialmente importante pois, voltando aLazarsfeld, cientistas sociais e de marketing há muito pensam quemudançasnasopiniõespolíticassãodeterminadasmaispor influênciadoboca a boca do que pelo que as pessoas escutam ou veem na mídiamassificada.Masesequandopensamsobreascrençasdeseusamigosaspessoasestão,naverdade,apenasvendosuasprópriascrençasrefletidas,épreciso se perguntar quanto elas podem ser realmente influenciadas. OFriendSense, infelizmente,não foiprojetadopara responder aperguntassobre influência social, mas outros pesquisadores já começaram adesenvolver estudos experimentais sobre influência no Facebook, entãoesperamostermelhoresrespostasembreve.24É claro, há todo tipo de problema associado ao uso de registros

eletrônicos, sejam eles derivados de trocas de e-mail ou amigos noFacebook, como substitutos de conexões sociais “reais”. Como podemossaber, por exemplo, que tipo de relacionamento está implícito em seadicionar alguém no Facebook, ou quanto da comunicação entre duaspessoasécapturadoporsuastrocasdee-mails?Possoenviarume-mailameuscolegasváriasvezesemumúnicodiaeumaminhamãeapenasumaouduasvezesnasemana,masessaobservação,porsisó,dizmuitopoucosobre a natureza e a importância relativa desses relacionamentos. Possousar meu e-mail para conduzir algumas interações, mesmo preferindomensagensdetexto,Facebookouencontrospessoaisparaoutrostiposdeinterações.Emesmoquandousoomesmomeioparamecomunicar compessoasdiferentes, alguns atosde comunicaçãopodem simplesmente sermais significativos que outros. A partir exclusivamente da frequência decomunicação,portanto,muitopoucopodeserinferidodeumadeterminadarelação. Também não é claro, exatamente, com que relacionamentosdevemos nos preocupar em primeiro lugar. Para alguns objetivos, comocompreenderaeficiênciadeequipesdetrabalho, laçosentrefuncionáriospodemserosúnicosqueinteressam,enquantoparaoutrosobjetivos,comocompreendercrençasreligiosasoupolíticas, relacionamentosno trabalhopodem ser bem menos relevantes. Para descobrir como se espalha umboato, pode importar apenas com quem você se comunicou nos últimos

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dias,enquanto,parainformaçõesquepodemsepropagarapenasemredesdeconfiança,oslaçosqueimportamsãoaquelesqueexistemháanos.25Há muitas questões por resolver como essas, que limitam nossa

habilidade de levantar importantes inferências sociológicas a partir dedados eletrônicos, por mais dados que possamos reunir. Grandesquantidadescertamentenãosãoumapanaceia.Contudo,adisponibilidadecadavezmaiordedadosobservacionais, juntamentecomahabilidadedese conduzir experiências em uma escala outrora inimaginável, vempermitindo que cientistas sociais imaginem ummundo onde pelomenosalgumasformasdecomportamentohumanocoletivopossamsermedidasecompreendidas, e talvez até mesmo previstas, da mesmamaneira a quecientistasdeoutrasáreasjáestãoacostumadoshámuitotempo.

QUESTÕESCOMPLICADAS

Não está claro para onde essas novas capacidades vão levar as ciênciassociais,masprovavelmentenãoseráotipodesimplesleisuniversaiscomqueteóricossociaiscomoComteeParsonssonhavam.Enemdeveriaser,pela simples razão de que é possível que o mundo social não sejagovernado por essas leis. Diferentemente da gravidade, que funciona damesmamaneiraemtodososlugareseemtodososmomentos,ahomofiliaorigina-seempartedaspreferênciaspsicológicaseempartederestriçõesestruturais. Diferentemente da massa e da aceleração, que são definidassem ambiguidade, a influência por vezes é concentrada e por vezesdistribuída, enquanto o sucesso deriva de um conjunto complicado deescolhas individuais, restrições sociais e acaso. Diferentemente de forçasfísicas,quepodemsersumarizadascomclarezaparadeterminarsuaaçãosobre determinada massa, o desempenho é influenciado por algumainteraçãocomplicadaentreincentivosextrínsecosemotivaçãointrínseca.Ediferentementedarealidadefísica,queoperacomousemnós,nãohácomodissociara“realidade”socialdenossapercepçãodela,poispercepçõessão

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dirigidas tanto por nossos pressupostos psicológicos quanto porcaracterísticasexternamenteobserváveis.O mundo social, em outras palavras, é muito mais complicado que o

mundofísico,equantomaisaprendemossobreele,maiscomplicadoelevaiparecer.Oresultadoéque,provavelmente,nuncateremosumaciênciadasociologiaquesepareçacomasciênciasnaturais.Mastudobem.Sóporqueasciênciasnaturaistiveramtantosucessodevidoaumgrupobemrestritoderegrasgeraisnãosignificaqueessaéaúnicamaneiradeumadisciplinaevoluir. A biologia também não tem leis universais, e ainda assim osbiólogos conseguem fazer progressos. Certamente a verdadeira naturezada ciência não é exibir qualquer forma em particular, mas seguirprocedimentoscientíficos—deteoria,observaçãoeexperimentos—que,demaneiraincrementaleinterativa,desvendamosmistériosdomundo.E,semdúvida,oobjetivoprincipaldessesprocedimentosnãoédescobrirleisde qualquer espécie em particular, mas descobrir coisas, solucionarproblemas.Então,quantomenosnospreocuparmoscomabuscapor leisgeraisnaciênciasocialequantomaisnospreocuparmoscomasoluçãodeproblemasreais,maisprogressospoderemosfazer.Mas que tipos de problemas podemos esperar solucionar? Indo

diretamenteaoponto—pararetornaràquestãoquelevanteinoPrefácio:o que os cientistas sociais podem esperar descobrir que uma pessoainteligente comum não pode descobrir por conta própria? Certamentequalquer pessoa perspicaz poderia, apenas pensando sobre o assunto,concluirquesomostodosinfluenciadospelasopiniõesdenossasfamíliasedeamigos,quecontextos importam,equetodasascoisassãorelativas.Éclaroqueessapessoapoderiasaber,semaajudadaciênciasocial,queaspercepções fazem diferença, ou que as pessoas se importam com outrascoisas além de dinheiro. Da mesma forma, um breve momento deintrospecção pode sugerir que o sucesso é, ao menos em parte, umaquestãodesorte,queprevisõespodemseautorrealizarequeatémesmoosplanos mais bem-traçados podem sofrer com a lei das consequênciasimprevistas. Qualquer pessoa pensante sabe, é claro, que o futuro éimprevisível,equeoqueaconteceunopassadonãoégarantiaderetorno

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nofuturo.Essapessoasaberiatambémquehumanostêmpressupostoseàsvezes são irracionais, que sistemaspolíticos são cheiosde contradições eineficiências, que às vezes falta consistência emmudanças radicais e quehistóriassimplespodemobscurecerverdadescomplicadas.Apessoapodeatémesmosaber—ouaomenosterescutadoissoosuficienteparapassara acreditar—que todosestamos conectadosaqualqueroutrapessoadomundo por apenas “seis graus de separação”. Quando o assunto écomportamento humano, em outras palavras, é difícil imaginar algumacoisa que os cientistas sociais possam descobrir que não soe óbvio paraumapessoaperspicaz,pormaisquetenhasidodifícildescobri-la.O que não é óbvio, porém, é como todas essas coisas “óbvias” se

combinam. Sabemos, por exemplo, que as pessoas se influenciammutuamente,esabemosquefilmes,livrosemúsicasdesucessosãomuitasvezesmaisbem-sucedidosqueamédia.Masoquenãosabemosécomo—oumesmose—asforçasdainfluênciasocialoperandononívelindividuallevamadesigualdadeea imprevisibilidadeaoníveldemercadosinteiros.Da mesma forma, sabemos que pessoas em redes sociais tendem a seconcentraremgruposrelativamentehomogêneos.Masoquenãopodemosinferirdenossasobservaçõesdomundoéseessespadrõessãomotivadospor preferências psicológicas ou restrições estruturais. Também não éóbvio que é devido a esse isolamento local, e não apesar dele, queindivíduos podem navegar por entre redes muito abrangentes paraalcançar pessoas muito distantes e desconhecidas por meio de apenasalgunspassos.Atécertonível,aceitamosqueo futuroé imprevisível,masnão sabemos quanto dessa imprevisibilidade pode ser eliminada apenasavaliando as possibilidades com mais cuidado, e quanto é tãoinerentemente aleatório quanto jogar dados. Ainda menos claro é comoesse equilíbrio entre previsibilidade e imprevisibilidade deve mudar ostipos de estratégia que empregamos para nos prepararmos paracontingências futuras,ouos tiposdeexplicaçõesqueelaboramosparaosresultadosqueobservamos.É na resolução desse tipo de quebra-cabeça que a ciência social pode

esperar avançar para bem além do ponto a que poderíamos chegar

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utilizandoapenasosensocomumeaintuição.Aindamelhor:quantomaisquebra-cabeças forem resolvidos, mais chances de tipos semelhantes demecanismosserevelarememmuitosdeles,levando-nos,talvez,aotipodeteorias de “médio alcance” que RobertMerton tinha emmente nos anos1960. O que aprendemos estudando a influência social em mercadosculturaispodenosdizertambémalgoútilsobrearelaçãoentreincentivosfinanceiros e desempenho individual? Como, por exemplo, podemosconectarnossasdescobertassobreadiferençaentreasimilaridaderealeapercebidaematitudespolíticascomasnossasdescobertassobreasorigensdasimilaridadeemredessociais?Oque,porsuavez,essasdescobertasnosdizem acerca da influência social e do comportamento coletivo? E comopodemosconectarbuscasnaredee influênciasocial, tomadadedecisões,incentivosedesempenho,percepçõesepolarizaçõesàs“grandes”questõesdaciênciasocial—comodesigualdade,justiçasocialepolíticaeconômica?Nãosabemossepodemos.Équasecertoquemuitosdosproblemasque

sociólogos e outros cientistas sociais acham interessantes vão continuarparasempre longedoalcancedeavaliaçõesprecisas.Não importa,assim,quanto a internet e outrasnovas tecnologias afetamo contexto social, asferramentas tradicionais de cientistas sociais — pesquisa em arquivos,trabalho de campo, modelos teóricos e introspecção profunda —continuarão a desempenhar papéis importantes. Também não énecessariamenteocasodequeosproblemasmaiscomplicadoseurgentesdomundoreal—porexemplo,oconsensosobrequestõesdejustiçasocialouoplanejamentode instituiçõesquesuperam incertezas—possamser“solucionados” de maneira matemática, por maior que seja o nossoconhecimentodeciênciabásica.Paraproblemascomoesse,podemosaindadescobrir que as mesmas soluções funcionam melhor do que outras —usando, por exemplo, a bootstrapping e abordagens experimentaisdescritas no capítulo 8, ou a abordagem deliberativa à democracia quefilósofos políticos como John Rawls e Michael Sandel há muito tempodefendem.Masomecanismoexatodecausaeefeitopodepermanecerparasempreindefinido.

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Por fim, provavelmente vamos precisar perseguir todas essasabordagens de maneira simultânea, tentando convergir para umacompreensão sobre como as pessoas se comportam e como o mundofunciona, tanto por cima quanto por baixo, experimentando todos osmétodoserecursosquetemosanossadisposição.Parecemuitotrabalhoso,eserá.MascomoMertonapontouháquatrodécadas, jáfizemosessetipode coisa antes, primeirona física e entãonabiologia, emais umaveznaciênciamédica.Mais recentemente, a revoluçãodo genomaque começouhá mais de cinquenta anos, com a descoberta do DNA, fez muito maispromessasnaáreadostratamentosmédicosdoquepôdecumprir;porém,issonãonosimpediudedestinarmuitosrecursosparaaciência.26Porquea ciência requerida para entender problemas sociais como a pobrezaurbana ou o desenvolvimento econômico ou a educação pública merecemenosatenção?Nãodeveriaserassim.Tambémnãopodemosmaisalegarqueosinstrumentosnecessáriosnãoexistem.Emvezdisso,assimcomoainvenção do telescópio revolucionou o estudo do céu, transformando oincomensurávelemalgopassíveldemedições,arevoluçãotecnológicanascomunicaçõesviacelulare internet temopotencialdetransformarnossacompreensão de nós mesmos e da maneira como interagimos. Mertonestava certo: a ciência social ainda não encontrou seu Kepler. Mas hátrezentos anos, depois deAlexander Pope ter afirmadoque o verdadeiroestudo da humanidade não dependia dos céus e sim de nós mesmos,finalmentedescobrimosnossotelescópio.27Quecomecearevolução...

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NOTAS

PREFÁCIO:OPEDIDODEDESCULPASDEUMSOCIÓLOGO

1. Para saber mais sobre a resenha escrita por John Gribbin sobreBecker(1998),verGribbin(1998).2.VerWatts(1999)paraumadescriçãodateoriadomundopequeno.3. Ver, por exemplo, umamatéria recente sobre a complexidade das

finanças,daguerraedapolíticamodernas(Segal,2010).4.ParaumamatériasobreapropostadeBailey-Hutchinson,verMervis

(2006). Para uma crítica às observações feitas pelo senador Coburn, verGlenn(2009).5.VerLazarsfeld(1949).6.Paraumexemplodamentalidade“istonãoéastronáutica”,verFrist

etal.(2010).7. VerSvenson(1981)paraoresultadosobremotoristas.VerHoorens

(1993), Klar e Giladi (1999), Dunning et al. (1989) e Zuckerman e Jost(2001)paraoutrosexemplosdedadossobreailusãodesuperioridade.VerAlickeeGovorun(2005)paraoresultadosobrepotencialdeliderança.

CAPÍTULO1:OMITODOSENSOCOMUM

1. VerObedience toAuthority (Milgram, 1969) paramaiores detalhes.UmrelatocativantedavidaedapesquisadeMilgrampodeserencontrado

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emBlass(2009).2. A reação deMilgram foi descrita em uma entrevista concedida em

1974àPsychologyTodayereproduzidaemBlass(2009).OrelatooriginaldaexperiênciadometrôédeMilgrameSabini(1983)efoireproduzidoemMilgram(1992).Trêsdécadasdepois,doisrepórteresdoNewYorkTimesdecidiramrepetiraexperiênciadeMilgram.Elesrelatarampraticamenteomesmo: perplexidade, atémesmo raiva, por parte dos passageiros, e umdesconforto extremo por parte dos repórteres (Luo, 2004; Ramirez eMedina,2004).3. Apesar de a natureza e as limitações do senso comum serem

discutidas em livrosde introduçãoà sociologia (deacordo comMathisen[1989],cercademetadedoslivrosdesociologiaqueeleconsultoucontinhareferênciasaosensocomum),o tópicoraramenteédiscutidoemrevistasacadêmicas da área. Entretanto, ver Taylor (1947), Stouffer (1947),Lazarsfeld (1949), Black (1979), Boudon (1988a), Mathisen (1989),Bengston e Hazzard (1990), Dobbin (1994) e Klein (2006) para umavariedadedeperspectivasdesociólogos.Oseconomistastêmsemostradoaindamenospreocupadoscomosensocomumqueossociológos,masvejaAndreozzi (2004)para algumasobservações interessantes sobre intuiçãosocialversusintuiçãofísica.4.VerGeertz(1975,p.6).5.Taylor(1947,p.1).6. Os filósofos, em particular, perguntaram-se sobre o lugar do senso

comum no entendimento que temos do mundo, com a opinião filosóficaavançandoeretrocedendonaquestãodequantorespeitoédevidoaosensocomum.Em resumo, a discussãoparece girar em tornoda confiabilidadefundamentaldaexperiênciaemsi;istoé,sobrequandoéaceitávelencararalgo—um objeto, uma experiência ou uma observação— como certo equando é preciso questionar a evidência dos nossos sentidos. Em umextremoestãooscéticosradicais,quepostularamessaideiaporquecomotoda experiência é, em efeito, filtrada pela mente, absolutamente nadapoderia ser dado como certo quando representando algum tipo derealidadeobjetiva.NooutroextremoestãofilósofoscomoThomasReid,da

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Escola Realista Escocesa, os quais sustentavam a opinião de que todafilosofia da natureza deve investigar o mundo “como ele é”. PosturasemelhantefoidelineadanosEstadosUnidosnoiníciodoséculoXIX,pelaEscolaPragmáticadeFilosofia,maisproeminentementeporWilliamJamese Charles Saunders Peirce, que enfatizaram a necessidade de conciliar oconhecimento abstrato do tipo científico com aquele da experiênciaordinária, mas também alegaram que muito do que se passa por sensocomumdeveseranalisadocomcuidado(James,1909,p.193).VerRescher(2005) e Mathisen (1989) para discussões sobre a história do sensocomumnafilosofia.7. Deve-se ressaltarquea lógicado senso comumparece ter também

sistemas de backup que atuam como princípios gerais. Assim, quandoalguma regra do senso comum para lidar com uma situação específicafalha, devido a alguma contingência imprevista, não estamoscompletamente perdidos, pois basta ativarmos essa regra geral maisabrangente como guia. Deve-se ressaltar, porém, que as tentativas deformalizaressesistemadebackup,maisnotadamentenaspesquisassobreinteligência artificial, até agora têm fracassado (Dennett, 1984). Dessaforma,sejalácomoelafuncione,nãolembraaestruturalógicadaciênciaedamatemática.8. Ver Minsky (2006) para uma discussão sobre o senso comum e a

inteligênciaartificial.9. Paraumadescriçãodoestudointerculturaldojogodoultimato,ver

Henrichetal. (2001).Paraumaanálisedos resultadosdo jogoempaísesindustrializados,verCamerer,LoewensteineRabin(2003).10. Ver Collins (2007). Outra consequência da natureza incorporada

culturalmente da sabedoria do senso comumé que o que ela trata como“fatos” — descrições autoevidentes e sem floreios de uma realidadeobjetiva—porvezesrevelam-sejulgamentosdevaloresquedependemdeoutras características aparentemente não relacionadas do cenáriosociocultural.Considere,porexemplo,oargumentodeque“apolíciatendea dar mais atenção a crimes sérios do que a crimes não sérios”. Umapesquisa empírica sobre isso mostrou que a afirmação procede —

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exatamente como o senso comum sugere —, porém, como o sociólogoDonald Black argumentou, também é verdade que as vítimas dos crimesgeralmente só classificam-nos como “sérios” quando apolícia se envolve.Poresseprisma,agravidadedeumcrimeédeterminadanãoapenasporsua natureza intrínseca — roubo, assalto, agressão física etc. —, mastambémpelascircunstânciasdaspessoasquesãomaispropensasaserematendidaspelapolícia.EcomoBlackressaltou,essaspessoastendemaserprofissionaiscomgrauelevadodeeducaçãoquemoramembairrosricos.Então, o que parece ser uma descrição simples da realidade — crimessérios atraem a atenção da polícia — é, na verdade, um julgamento devalores sobre o que conta como sério; e isso, por sua vez, depende deoutrascaracterísticasdomundo,comoadesigualdadesocialeeconômica,quepodeparecernão ternada a ver como “fato” emquestão.VerBlack(1979)paraumadiscussãosobreafusãodefatosevalores.Becker(1998,p.133-4)fazumaobservaçãosemelhante,emumalinguagemligeiramentediferente,notandoqueafirmações“factuais”sobreatributosindividuais—altura,inteligênciaetc.—sãoinvariavelmentejulgamentosrelacionaisque,por sua vez, dependem da estrutura social (por exemplo, alguém que é“alto”emumcontextopodeserbaixoemoutro;alguémquedesenhamalnãoéconsiderado“retardadomental”,enquantoalguémqueémuitoruimem matemática ou em leitura pode ser). Finalmente, Berger e Luckman(1966)levamadianteumateoriamaisgeralsobrecomohábitos,práticasecrençassubjetivas,possivelmentearbitrárias,são“reificadas”pormeiodeumprocessodeconstruçãosocial.11.VerGeertz(1975).12. Ver Wadler (2010) para a história sobre “as pessoas que não

trancamaporta”.13. Para a citação de Geertz, ver Geertz (1975, p. 22). Para uma

discussão sobre como as pessoas reagem a diferenças de opinião e umaintriganteexplicaçãoteóricasobreaincapacidadedesechegaraumavisãoconsensual,verSethieYildiz(2009).14. Vide Gelman, Lax e Phillips (2010) para resultados de pesquisas

documentando a evolução da opinião dos americanos em relação a

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casamentoentrepessoasdomesmosexo.15. Deve-se notar que profissionais da política, como políticos,

especialistas e membros de partidos, tendem a sustentar firmementeposições liberais ou conservadoras. Assim, o Congresso, por exemplo, émuitomaispolarizadodoqueapopulaçãoemgeral(Laymanetal.,2006).VerBaldassarieGelman(2008)paraumadiscussãodetalhadasobrecomoas crenças políticas de indivíduos relacionam-se ou não umas com asoutras. Ver tambémGelman et al. (2008) para uma discussãomais geralsobre a confusão comum entre crenças políticas e o comportamento nasurnas.16.LeCorbusier(1923,p.61).17.VerScott(1998).18. Paraumargumentodetalhadosobreas falhasdoplanejamentono

desenvolvimentoeconômico,emespecialnoquedizrespeitoàÁfrica,verEasterly (2006). Para um ponto de vista ainda mais negativo sobre osefeitosdaajudaestrangeiranaÁfrica,verMoyo(2009),queconcordaque,na verdade, isso prejudicou o continente ao invés de ajudá-lo. Para umpontodevistaalternativo,verSachs(2006).19.VerJacobs(1961,p.4).20.VerVenkatesh(2002).21. Ver Ravitch (2010) para uma discussão sobre como políticas

populares, baseadas no senso comum — como um número maior deavaliações e escolha de escolas—, na verdade prejudicaram a educaçãopública. Ver Cohn (2007) e Reid (2009) para análises do custo da saúdepública e modelos alternativos possíveis. Ver O’Toole (2007) para umadiscussãodetalhadasobregestãoambiental,planejamentourbanoeoutrasfalhasdoplanejamentoeda regulamentaçãogovernamental.VerHoward(1997) para uma discussão e inúmeras anedotas sobre as consequênciasinesperadas das regulamentações do governo. Ver Easterly (2006)novamenteparaalgumasobservaçõesinteressantessobreaconstruçãodenações e a interferência política, e Tuchman (1985) para uma descriçãodetalhadadoenvolvimentodosEstadosUnidosnoVietnã.VerGelb(2009)paraumavisãoalternativasobreapolíticaexternanorte-americana.

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22. VerBarbera (2009) eCassidy (2009)paraumadiscussão sobreocusto de crises financeiras. Ver Mintzberg (2000) e Raynor (2007) paravisõesgerais sobremétodose fracassosdoplanejamentoestratégico.VerKnee, Greenwald e Seave (2009) para umadiscussão sobre a falibilidadedosgurusdamídia;eMcDonaldeRobinson(2009)eSorkin (2009)pararelatos de líderes de bancos cujas ações precipitaram a recente crisefinanceira.VertambémnotíciasrecentesreavaliandoainfelizfusãoentreaAOLeaTimeWarner(Arango,2010)eocrescimentodesenfreadoefadadoaofracassodoCitigroup(Brooker,2010).23.Éclaroquenemtodasastentativasdeplanejamentodasempresas,

ou mesmo do governo, acabam mal. Olhando em retrospectiva para osúltimosséculos,ascondiçõesgeraisdevida,naverdade,melhorarammuitoparaumalargaporçãodapopulaçãomundial—evidênciadequemesmoasmaiores emais pesadas instituições políticas às vezes fazem algumascoisas funcionar. Comopodemos saber, então, queo senso comumnão étão bom para solucionar complexos problemas sociais, usando com amesma frequência qualquer outro método que utilizemos? Em últimainstância,nãopodemossaberarespostaaessaquestão,umavezquenuncafoi feita nenhuma tentativa sistemática de reunir informações sobre osucesso e o fracasso de planejamentos— aomenos não que eu saiba. Emesmoqueuma tentativadessas tenha, sim,ocorrido, aindanão se teriaresolvidoaquestão,porquesemoutrosmétodosde“sensoincomum”comquecompará-la,os índicesdesucessodoplanejamentobaseadonosensocomumnadasignificariam.Ummodomaisprecisodecolocarminhacríticaà lógica do senso comum, portanto, é que, embora não sendo algouniversalmente “bom” ou “ruim”, o número de casos em que tal lógicalevou a falhas de planejamento é insuficiente para que valha a penapensarmossobrecomosepodefazermelhor.24. Para detalhes sobre crises financeiras ao longo dos tempos, ver

Mackay(1932),Kindleberger(1978)eReinharteRogoff(2009).25. É claro que existem dezenas de tradições filosóficas, umas se

sobrepondo a outras, que já assumiram como ponto de partida umaposturadesconfiadaemrelaçãoàquiloquechamode sensocomum.Uma

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maneira de entender todo o projeto daquilo que Rawls chamou deliberalismo político (Rawls, 1993), junto com a ideia a ela intimamenterelacionada,adedemocraciadeliberativa(Bohman,1998;BohmaneRehg,1997),écomoumatentativadeprescreverumsistemapolíticoquepossaofereceruma justiçaprocessuala todosos indivíduosnele inseridos, sempressuporqueumtipodeposturaemparticular—sejaelapolítica,moraletc.—estejacorreto.Todooprincípiodadeliberação,emoutraspalavras,pressupõe que não se deve confiar no senso comum, dessa formatransferindooobjetivodedeterminaroqueé“certo”paraaelaboraçãodeinstituições políticas que não privilegiamumapostura emdetrimento deoutra.Apesardeessatradiçãoserinteiramenteconsistentecomascríticasao senso comum que levanto neste livro, minha ênfase é um tantodiferente. Enquanto a deliberação simplesmente assume aincompatibilidadeentreascrençasdosensocomumeprocuraestabelecerinstituições políticas que funcionem de qualquer maneira, estou maispreocupadocomostiposdeerrosquesurgemapartirdalógicadosensocomum.Contudo, toco emaspectosdesse trabalhono capítulo9, quandodiscutoquestõesdeequidadee justiça.Umasegundavertentedafilosofiaque começa com a desconfiança do senso comum é o pragmatismo deJameseDewey(ver,porexemplo,James,1909,p.193).Pragmatistasveemerros incorporados ao senso comum como uma importante obstrução àação efetiva no mundo, e dessa forma encaram a disposição paraquestionaremelhorarosensocomumcomocondiçãoparaaresoluçãorealde problemas. Esse tipo de pragmatismo, por sua vez, influenciou osesforços para estabelecer instituições— algumas das quais descrevo nocapítulo8—quequestionememelhoremdeformasistemáticaospróprioshábitos e, assim, possam se adaptar rapidamente a mudançasimprevisíveis.Portanto,essatradiçãoéconsistentetambémcomascríticasao senso comum aqui desenvolvidas, mas, assim como a tradição dadeliberação,podeserdesenvolvidasemqueeuarticuleexplicitamenteosvieses cognitivosque identifico.Noentanto, gostariade afirmarqueumadiscussãosobreospreconceitosinerentesàlógicadosensocomumsãoumcomplemento útil tanto para a agenda deliberativa quanto para a

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pragmática, oferecendo um verdadeiro argumento alternativo para anecessidadede instituiçõeseprocedimentosquenãodependemda lógicadosensocomumparafuncionar.

CAPÍTULO2:PENSANDOSOBREOPENSAR

1. Para o estudo original sobre os índices de doação de órgãos, verJohnson e Goldstein (2003). Deve-se ressaltar que os índices deconsentimentoindicadosnãosãoosmesmosíndicesdaeventualdoaçãodeórgãos, o que muitas vezes depende de fatores como a aprovação dosmembrosdafamília.Adiferençafinalnosíndicesdedoaçãoé,naverdade,muitomenor—cercade16%—,masaindaassimacentuada.2. VerDuesenberry(1960)paraacitaçãooriginal,queérepetida,com

aprovação,pelopróprioBecker(BeckereMurphy,2000,p.22).3.Paramaisdetalhessobreojogoentrecooperaçãoepunição,verFehr

eFischbacher(2003),FehreGachter(2000e2002),Bowlesetal.(2003)eGurerketal.(2006).4. Noâmbitodasociologia,odebatesobreateoriadaescolharacional

vem se desenrolando nos últimos vinte anos, começando com um textoinicial(ColemaneFararo,1992)emqueasperspectivasdeambososladosdodebatesãorepresentadasecontinuadasemperiódicoscomooAmericanJournalofSociology(KisereHechter,1998;Somers,1998;Boudon,1998)eoSociologicalMethodsandResearch (QuadagnoeKnapp,1992).Ao longodomesmoperíodo,umdebatesimilar tambémsedesenvolveunoâmbitoda ciência política, desencadeado pela publicação do polêmico texto deGreen e Shapiro (1994) “Pathologies of Rational Choice Theory”. VerFriedman(1996)paraasreaçõesdeumgrandenúmerodedefensoresdaescolharacionalàscríticasdeambos, juntocomasrespostasdeambosaessas reações. Outros comentários interessantes podem ser encontradosemElster(1993,2009),Goldthorpe(1998),McFadden(1999)eWhitford(2002).

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5. Para descrições sobre o poder da teoria da escolha racional paraexplicar comportamentos, verHarsanyi (1969),Becker (1976),Buchanan(1989), Farmer (1992), Coleman (1993), Kiser e Hechter (1998) e Cox(1999).6. Ver Freakonomics para detalhes (Levitt e Dubner, 2005). Para

exemplossimilaresverLandsburg(1993e2007),Harford(2006)eFrank(2007).7.MaxWeber,umdosfundadoresdasociologia,efetivamentedefiniuo

comportamento racional como o comportamento que é compreensível,enquanto James Coleman, um dos pais da teoria da escolha racional,escreveuque“opróprioconceitodeaçãoracionaléumaconcepçãodeaçãoque é ação ‘compreensível’, sobre a qual não precisamos fazer maisperguntas”(Coleman1986,p.1).Finalmente,Goldthorpe(1998,p.184-5)fez a interessante observação de que não está claro nem mesmo comodevemosfalarsobrecomportamento irracionalounãoracional,anãoserque, primeiramente, tenhamos um conceito sobre o que significacomportar-se racionalmente; assim,mesmoque issonão explique todoocomportamento, à ação racional deve ser concedido o que ele chama de“privilégio”sobreoutrasteoriasdeação.8. VerBerman(2009)paraumaanáliseeconômicadoterrorismo.Ver

Leonhardt (2009) para uma discussão sobre incentivos em carreirasmédicas.9. Ver Goldstein et al. (2008) e Thaler e Sunstein (2008) para mais

discussõeseexemplosderespostasautomáticas.10. Para detalhes sobre os principais resultados dos estudos de

psicologia, ver Gilovich, Griffin e Kahneman (2002) e Gigerenzer et al.(1999). Para informações sobre a área recentemente estabelecida daeconomia comportamental, ver Camerer, Loewenstein e Rabin (2003).Alémdessascontribuiçõesacadêmicas,umasériedelivrospopularesvemsendopublicadarecentemente,cobrindograndepartedomesmoterreno.Ver, por exemplo, Gilbert (2006), Ariely (2008), Marcus (2008) eGigerenzer(2007).

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11. Ver North et al. (1997) para detalhes sobre o estudo do vinho,Berger e Fitzsimons (2008) para o estudo sobre o Gatorade, eMandel eJohnson (2002) para o estudo sobre compras on-line. Ver Bargh et al.(1996)paraoutrosexemplosdecondicionamento.12. Para mais detalhes e exemplos sobre ancoragem e ajuste, ver

Chapman e Johnson (1994), Ariely et al. (2003) e Tversky e Kahneman(1974).13. VerGriffinetal.(2005)eBettmanetal.(1998)paraexemplosdos

efeitos do enquadramento sobre o comportamento do consumidor. VerPayne, Bettman e Johnson (1992) para uma discussão sobre o que eleschamamdepreferênciasconstrutivas,incluindoainversãodepreferência.14.VerTverskyeKahneman(1974)paraumadiscussãosobre“viésde

disponibilidade”. Ver Gilbert (2006) para uma discussão sobre o que elechamade“presentismo”.VerBargheChartrand(1999)eSchwarz(2004)paramaisdetalhessobreaimportânciada“fluência”.15.VerNickerson(1998)paraumarevisãodoviéscognitivo.VerBond

et al. (2007) para um exemplo de viés cognitivo ao avaliar produtos dosconsumidores. Ver Marcus (2008, p. 53-7) para uma discussão sobreraciocíniomotivadoversus viés cognitivo.Ambososvieses estão tambémintimamente relacionados ao fenômeno da dissonância cognitiva(Festinger, 1957; Harmon-Jones e Mills, 1999), segundo a qual osindivíduostentamreconciliarcrençasconflituosas(“Ocarroqueacabeidecomprarcustamaisdoqueeupossopagar”versus“Ocarroqueacabeidecomprar é ótimo”) expondo-se seletivamente a informações que apoiamumacrençaoudesacreditamoutra.16.VerDennett(1984).17. DeacordocomofilósofoJerryFodor(2006),ocernedoproblema

deenquadramentoderivadanatureza“local”dacomputação,aqual—aomenoscomoaentendemoshoje—assumeumconjuntodeparâmetrosecondiçõesestabelecidaseentãoaplicaalgumtipodeoperaçãosobreessasentradas, gerando uma saída. No caso da teoria da escolha racional, porexemplo, os “parâmetros e condições”podemser capturadospela funçãode utilidade, e a operação seria algum procedimento de otimização;mas

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pode-se também imaginar outras condições e operações, incluindoheurística,hábitoseoutrasabordagensnãoracionaisparaaresoluçãodeproblemas.Ofatoéquenãoimportaquetipodecomputaçãoalguémtentedescrever, é preciso partir de um conjunto de hipóteses sobre o que érelevante, e essa decisão não pode ser resolvida damesmamaneira (ouseja,localmente).Sealguémtentarresolvê-la,porexemplo,partindodeumconjuntoindependentedehipótesessobreoqueérelevanteparaaprópriacomputação, esse alguém teria no fim apenas uma versão diferente domesmo problema (o que é relevante para essa computação específica?),comapenasumpassoamenos.Éclaroqueessealguémpoderiacontinuara iteração desse processo e torcer para que ele chegasse a algum pontobem definido. Aliás, é possível fazer isso de forma trivial, incluindo demaneiraexaustivatodoitemeconceitoqueconhecemosnacestadefatorespotencialmenterelevantes,tornando,dessaforma,oqueaprincípiopareceumproblemaglobalumproblemalocalpordefinição.Infelizmente,issosófuncionariaàcustadetornaroprocedimentocomputacionalintratável.18. Parauma introduçãosobreaprendizagemdemáquina,verBishop

(2006).VerThompson(2010)paraumahistóriasobreocomputadorquejogaJeopardy!.19. Para uma envolvente discussão sobre as diversasmaneiras pelas

quais nosso corpo representa erroneamente tanto nossas lembranças deeventospassadosquantonossaexperiênciaantecipadadeeventosfuturos,verGilbert(2006).ComoBecker(1998,p.14)observou,mesmocientistassociaisestãosujeitosaesseerro,preenchendoasmotivações,perspectivase intenções de seus objetos de estudo sempre que não têm nenhumaevidênciadiretasobreeles.Paraumtrabalhosobrememóriarelacionado,verSchacter(2001)eMarcus(2008).VerBernardetal.(1984)paramuitosexemplosdeerroscometidosporpessoasrespondendoapesquisasnoquediz respeito às lembranças do próprio comportamento e da própriaexperiência. Ver Ariely (2008) para mais exemplos de indivíduossuperestimandopreviamentesuafelicidadeousubestimandopreviamentesuainfelicidadenotocanteaacontecimentosfuturos.Pararesultadossobreapaqueraon-line,verNorton,FrosteAriely(2007).

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20. Paradiscussões sobre remuneraçãoproporcional aodesempenho,verHalleLiebman(1997)eMurphy(1998).21.Onome“MechanicalTurk”éinspiradoemumautômatoquejogava

xadrez do século XIX, “O Turco”, que ficou famosa por ter derrotadoNapoleão.OTurcooriginalera,éclaro,umafarsa—naverdade,haviaumapessoa dentro da máquina fazendo todos os movimentos —, e éexatamente essa a questão.As tarefasque costumamser encontradasnoMechanicalTurksãorelativamentesimplesdeseremresolvidasporsereshumanos,masdifíceisparacomputadores—umfenômenoqueofundadordaAmazon,JeffBezos,chamade“inteligênciaartificialartificial”.VerHowe(2006)paraumaanálisedoMechanicalTurklogonoiníciodosite,ePontin(2007) para a definição de Bezo da “inteligência artificial artificial”. Verhttp://behind-the-enemy-lines.blogspot.comparamais informaçõessobreosite.22. VerMason eWatts (2009) para detalhes sobre o experimento de

estímulosfinanceiros.23. Em geral, as mulheres ganham, na verdade, apenas 75% do que

ganhamoshomens,masessadiferençapodeseresclarecidaemtermosdasdiferentes escolhas que as mulheres fazem — por exemplo, escolherprofissõescomsaláriosmenores,ouseafastardotrabalhoparacuidardafamília,entreoutros.Levandotodosessesfatoresemcontaecomparandoapenashomensemulheresquetêmempregossemelhantessobcondiçõescomparáveis,permaneceumadiferençadecercade9%entreossalários.Ver Bernard (2010) e http://www.iwpr.org/pdf/C350.pdf para maisdetalhes.24. Ver Prendergast (1999), Holmstrom e Milgrom (1991) e Baker

(1992)paraestudossobre“multitarefas”.VerGneezyetal.(2009)paraumestudosobreoefeito“engasgamento”.VerHerzberg(1987),Kohn(1993)ePink(2009)paracríticasgeraisarecompensasfinanceiras.25.LevitteDubner(2005,p.20).26. Paradetalhes sobre as consequências imprevistasdoNoChildren

Left Behind, ver Saldovnik et al. (2007). Para uma discussão específicasobre práticas de “triagem educacional” que aumentam os índices de

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aprovação sem causar impacto sobre a qualidade geral da educação, verBooher-Jennings(2005,2006).VerMeyer(2002)paraumadiscussãogeralsobreadificuldadedeseavaliareserecompensarodesempenho.27.VerRampell(2010)paraahistóriasobrepolíticos.28.EsseargumentofoidefendidocommaisênfaseporDonaldGreene

IanShapiro,osquaisalegamquequando“tudo,desdeocálculoconscienteatéa‘inérciacultural’,podeserenquadradoemalgumavariantedateoriadaescolharacional(...),nossadiscordânciatorna-semeramentesemântica,e a teoriada escolha racionalnãoénadaalémdeuma tenda sempreemexpansão que abriga todas as proposições plausíveis desenvolvidas pelaantropologia, pela sociologia ou pela psicologia social” (Green e Shapiro,2005,p.76).

CAPÍTULO3:ASABEDORIA(EALOUCURA)DASMULTIDÕES

1. Ver Riding (2005) para as estatísticas sobre visitantes. Verhttp://en.wikipedia.org/wiki/Mona_Lisa para outros detalhesinteressantessobreaMonaLisa.2.VerClark(1973,p.150).3.VerSassoon(2001).4. Ver Tucker (1999) para o artigo completo sobreHarryPotter. Ver

Nielsen (2009) para detalhes sobre a análise do Facebook. Ver Barnes(2009)paraahistóriasobrefilmes.5.Paraahistóriasobremudançasnocomportamentodosconsumidores

após a recessão, ver Goodman (2009). Bruce Mayhew (1980) e FrankDobbin(1994)fizeram,ambos,afirmaçõessemelhantessobreoraciocíniocircular.6. Esse argumento foi pensado há muito tempo pelo físico Philip

Anderson, emum famoso artigo chamado “More IsDifferent” (Anderson,1972).7.ParaacitaçãooriginaldeThatcher,verKeay(1987).

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8. A definição de “individualismo metodológico” data — comogeralmenteseaponta—doséculoXX,dosescritosdoeconomistaaustríacoJosephSchumpeter(1909,p.231);entretanto,aideiaremonta,naverdade,a tempos anteriores, pelo menos até Hobbes, e foi popular entre ospensadores do Iluminismo, para quem uma visão individualista da açãoencaixava-se perfeitamente na emergente teoria de ação racional. VerLukes (1968) e Hodgson (2007) para uma discussão sobre as origensintelectuais do individualismometodológico, bem como para uma críticamordazsobreseusfundamentoslógicos.9.Estoufazendoumasimplificaçãoaqui,masnãotãogrande.Apesarde

osmodelos originais dos ciclosdenegóciosutilizaremapenasumagenterepresentativo,modelosmais recentes permitem agentesmúltiplos, cadaqual representando setores diferentes da economia (Plosser, 1989).Contudo, omesmoproblemaessencial surge em todos essesmodelos: osagentes não são pessoas de verdade, ou mesmo empresas, que prestamatençãonoqueoutraspessoaseempresasestãofazendo,massãoagentesrepresentativosquetomamdecisõesemnomedetodaumapopulação.10.Foramescritasváriascríticasexcelentessobreaideiadoindivíduo

representativo,mais notavelmente pelo economista Alan Kirman (1992).Essacrítica,porém,émuitoconhecida,mastevetãopoucainfluênciasobreapráticarealdaciênciasocialquedevedemonstrarcomoédifícilexpurgarumproblema.11. Mesmo teóricos da escolha racional— que são tão herdeiros do

individualismometodológicoquantoqualquer outrapessoa— sentem-seconfortáveis aplicando o princípio da maximização da utilidade tanto aagentes sociais, como famílias, firmas, uniões, “elites” e departamentosgovernamentais,quantoaindivíduos.VerBecker(1976),ColemaneFararo(1992),KisereHechter(1998)eCox(1999)paradiversosexemplossobreagentesrepresentativosempregadosnosmodelosdeescolharacional.12.VerGranovetter(1978)paradetalhessobreo“modelodemotim”.13.Paramaisdetalhessobreasorigensdainfluênciasocial,verCialdini

(2001)eCialdinieGoldstein(2004).

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14. Para exemplos de modelos de vantagens cumulativas, ver Ijiri eSimon(1975),Adler(1985),Arthur(1989),DeVanyeWalls (1996)eDeVany(2004).15. Para a citação sobre “o exército num laboratório”, ver Zelditch

(1969). Experimentos, deve-se ressaltar, não são totalmente estranhos àsociologia. Por exemplo, a área de “trocas em rede” é uma área dasociologianaqualécomumarealizaçãodeexperimentosemlaboratórios,mas essas redes geralmente compreendem apenas quatro ou cincoindivíduos(Cooketal.,1983;Cooketal.,1993).Estudosdecooperaçãoemeconomiacomportamental,ciênciapolíticaesociologiatambémfazemusodeexperimentos,porém,maisumavez,osgruposenvolvidossãopequenos(FehreFischbacher,2003).16. VerSalganik,DoddseWatts(2006)paraumadescriçãodetalhada

doexperimentooriginaldoMusicLab.17.VerSalganikeWatts(2009b;2009a)paramaisinformaçõessobreo

MusicLabedetalhessobreosexperimentosposteriores.

CAPÍTULO4:PESSOASESPECIAIS

1. O filmeA rede social, sobre a criação do Facebook, foi lançado em2010. O comercial da cerveja Fosters pode ser visto emhttp://www.youtube.com/watch?v=nPgSa9djYU8.2. Paraumahistóriada análisede redes sociais, verFreeman (2004).

Pararesumossobreaspesquisasmaisrecentesnoâmbitodasciênciasderede, ver Newman (2003), Watts (2004), Jackson (2008) e Kleinberg eEasley(2010).Pararelatosmaisfamosos,verWatts(2003)eChristakiseFowler(2009).3. Ver Leskovec e Horvitz (2008) para detalhes do estudo sobre o

programademensagensinstantâneasdaMicrosoft.4.VerJacobs(1961,p.134-5).

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5. Milgram não inventou a expressão “seis graus de separação”referindo-seapenasao “problemadomundopequeno”.FoiodramaturgoJohn Guare quem escreveu uma peça com esse título, em 1990.Curiosamente, Guare atribuiu a origem da frase a Guglielmo Marconi, oitalianoqueinventouedesenvolveuaradiotelegrafia,que,dizem,afirmouqueemummundoconectadopelotelégrafo, todosestariamconectadosatodos por apenas seis graus de separação. De acordo com inúmerascitações na internet (ver, por exemplo,http://www.megastarmedia.us/mediawiki/index.php/Six_degrees_of_separationMarconi fez essa afirmação durante seu discurso ao receber o prêmioNobel, em 1909. Infelizmente, o texto do discurso(http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1909/marconi-lecture.html) não faz nenhuma menção a esse conceito; e não conseguilocalizara fontedacitaçãodeMarconiemnenhumoutro lugar.Sejaqualfor a origem da expressão, Milgram merece o crédito por ter sido oprimeiroasustentá-lacomevidências.6.Conformeressaltaramvárioscríticos,osresultadosdeMilgramforam

menos conclusivos do que por vezes fomos levados a pensar (Kleinfeld,2002).Dastrezentascorrentesquecomeçaramseucaminhoparaalcançaro alvo, um terço começou em Boston e outro terço começou cominvestidoresnomercadodeaçõesemOmaha—oquenaépocafaziacomquenaturalmentetivessemcontatocomuminvestidor.SendooúnicoalvodaexperiênciauminvestidordeBoston,nãoémaistãosurpreendentequeessascorrentes tenhamconseguidoalcançá-lo.Portanto,aevidênciamaiscontundenteparaahipótesedomundopequenoveiodas96correntesquecomeçaramcompessoasselecionadasaleatoriamenteemOmaha,dasquaisapenasdezessetecumpriramoobjetivo.Dadasessas incertezas,éprecisosercuidadosoaodependerdemaisdopapeldepessoascomoosr.Jacobs,quepoderiafacilmenteserumacasualidadeestatística.OpróprioMilgramnão deixou de perceber isso, afirmando apenas que “a convergência decorrentes de comunicação por meio de indivíduos comuns é umacaracterística importante das redes do mundo pequeno, e deve sercontabilizadateoricamente”.

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7.VerGladwell(1999).8. Naturalmente, o número de amigos que se atribui a uma pessoa

dependemuitodecomosedefine“amizade”,umconceitoquesempre foiambíguo e é aindamais agora, na era das redes sociais na internet, nasquaisvocêpodesetornar“amigo”dealguémquenemconhece.Oresultadoé que aquilo que chamamosde amizade “verdadeira” tornou-se difícil deser distinguido da relação entre “conhecidos”, o que, por sua vez, éconfundidocomanoçãoaindamaisefêmerade“conhecidosdemãoúnica”(por exemplo: “Já ouvi alguém falando em você, mas ainda não fomosapresentados”).ApesardealgumaspessoasnoMySpacecontaremcomummilhãode“amigos”,assimqueaplicamosatémesmoamaisvagadefiniçãode amizade, como uma pessoa que chama outra pelo primeiro nome, onúmeroimediatamentebaixaparacercadealgumascentenas.Ocuriosoéqueessesnúmerosmantiveram-sesurpreendentementeconstantesdesdeque os primeiros estudos foram realizados, no fim dos anos 1980(McCormicketal.,2008;Bernardetal.,1989,1991;Zhengetal.,2006).9.Háumavariedadedesutilezasnaquestãodaextensãodascorrentes

em experiências domundo pequeno que levaram a confusões acerca doquepodeenãopode ser concluídoapartirdasevidências.Paradetalhessobre a experiência, ver Dodds, Muhamad e Watts (2003), e para umadiscussão esclarecedora sobre as evidências, bem como uma análisedetalhadadaextensãodascorrentes,verGoel,MuhamadeWatts(2009).10. Ver Watts e Strogatz (1998); Kleinberg (2000a; 2000b); Watts,

Dodds e Newman (2002); Watts (2003, capítulo 5); Dodds, Muhamad eWatts(2003);eAdamiceAdar(2005)paradetalhessobreapossibilidadedebuscaemredessociais.11. Influenciadoressãochamadosporváriostermos;porvezeslíderes

de opinião, ou influentes, mas também de e-fluenciadores, gurus,centralizadores,conectores,alfasoumesmopassionistas.Nemtodosessesrótulos significam exatamente a mesma coisa, mas todos se referem àmesmaideiabásicadequeumpequenogrupodeindivíduosespeciaistemumefeito importantesobreasopiniões,crençasehábitosdeconsumodeumgrandenúmerode indivíduos “comuns” (verKatz eLazarsfeld, 1995;

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Merton,1968b;Weimann,1994;KellereBerry,2003;Rand,2004;Burson-Marsteller,2001;Rosen,2000;eGladwell,2000paravárias formasdesereferirainfluenciadores).EdKellereMichaelBerryafirmamque“Umemdezamericanosditaaosoutrosnoveemquemvotar,ondecomereoquecomprar”. Eles concluem dizendo que “Poucas tendências importantesatingem o grande público sem passar pelos influentes em seus estágiosiniciais,eosinfluentespodemfazerpararemseutrajetoalgoquepoderiaser uma tendência” (Keller e Berry, 2003, p. 21-2); e a empresa depesquisas de marketing Burson-Marsteller concorda, dizendo que “ainfluência de longo alcance desse grupo de homens e mulheres podepromover ou destruir uma marca, fortalecer ou dissolver o apoio a umnegócioeaosproblemasdosconsumidores,efornecerinsightsemeventosqueaindaestãosedesenrolando”.Parecequetudooqueéprecisofazeréencontrar esses indivíduos e influenciá-los. Como resultado, “influentestornaram-se o ‘Santo Graal’ dos marqueteiros contemporâneos” (Rand,2004).12.Paraacitaçãooriginal,verGladwell(2000,p.19-21).13.VerKellereBerry(2003,p.15).14Ver,porexemplo,ChristakiseFowler(2009),Salganiketal.(2006)e

Stephen(2009).15. Na verdade, ainda assim não se pode ter certeza. Se A e B são

amigos, eles provavelmente têm gostos parecidos, ou assistem a sériessemelhantesnaTV,eassimestãoexpostosainformaçõessimilares;então,o que parece ser influência pode ser, na verdade, apenas homofilia. Deforma que, se toda vez que um amigo de A adota algo que A adotouatribuímosissoàinfluênciadeA,provavelmenteestamossuperestimandoaverdadeirainfluênciadeA.VerAral(2009),Anagostopoulosetal.(2008),Bakshy et al. (2009), Cohen-Cole e Fletcher (2008b, 2008a), Shuliti eThomas (2010) e Lyons (2010) para mais detalhes sobre a questão dasimilaridadeversusinfluência.16.VerKatzeLazarsfeld(1955)paraumadiscussãosobreadificuldade

deseavaliarainfluência,bemcomoumaintroduçãomaisgeralainfluência

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pessoal e líderes de opinião. Ver Weimann (1994) para uma discussãosobremedidasdeprocuraçãodeinfluência.17. Ver Watts (2003) e Christakis e Fowler (2009) para discussões

sobreepidemiasemredessociais.18. A conexão entre influenciadores e epidemias é mais explícita na

analogiadeGladwelldas“epidemiassociais”,masháumaconexãosimilarque fica implícita em todas as pesquisas sobre influenciadores. EverettRogers(1995,p.281)afirmaque“ocomportamentodelíderesdeopiniãoéimportanteparasedeterminaroíndicedeadoçãodeumainovaçãoemumsistema.Tantoqueo formatoemSda curvadedifusãoaconteceporque,umavezqueoslíderesdeopiniãoadotamumainovaçãoeatransmitemaoutros, o número de pessoas que adotam essa mesma inovação porunidade de tempo decola”. Keller e Berry defendem um ponto de vistasimilar quando afirmam que influenciadores são “como centraisprocessando unidades da nação. Como eles conhecem muitas pessoas eestão em contato commuitas pessoas ao longo de uma semana, têm umpoderoso efeito multiplicador, disseminando a novidade rapidamente aolongodeumagranderedequandoencontramalgoquequeremdividircomosoutros”(KellereBerry,2003,p.29).19.Paradetalhessobreosmodelos,verWattseDodds(2007).20.OmodelooriginaldeBassédescritoporBass(1969).21.VerGladwell(2000,p.19).22. Um grande número de pessoas interpretou esse resultado como

uma prova de que “influenciadores não existem”,mas não foi isso o quedissemos. Para começar, como já discuti anteriormente, há tantos tiposdiferentesdeinfluenciadoresqueseriaimpossíveldescrevê-los,mesmosefosse essa nossa proposta. E não era. Na verdade, o objetivo central denossosmodelos era pressupor a existência de influenciadores e verificarsuaimportânciaemrelaçãoapessoascomuns.Outroenganorelacionadoanosso artigo é nossa suposta afirmação de que “influenciadores nãoimportam”,mastambémnãofoiissooquedissemos.Descobrimosapenasqueinfluenciadoresnãotendemadesempenharopapeldescritopelaleidaminoria. Se eles, definidos de alguma maneira, podem ou não ser

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identificados de maneira confiável e explorados de alguma forma, essacontinuasendoumaquestãoemaberto.23. Ver Adar e Adamic (2005); Sun, Rosenn,Marlow e Lento (2009);

Bakshy,KarrereAdamic(2009);eAraletal.(2009)paradetalhes.24.ParadetalhessobreoestudodoTwitter,verBakshyetal.(2010).25.Paraahistóriasobreos10mildólaresqueKimKardashianrecebe

paratuitar,verSorkin(2009b).

CAPÍTULO5:HISTÓRIA,ESSEPROFESSORINDECISO

1. Diversossociólogosvêmargumentandoqueahistóriadeveserumadisciplinacientífica,comsuasprópriasleisemétodosparaextraí-las(Kisere Hechter, 1998). Historiadores, por outro lado, têm sido maiscircunspectosnoquediz respeito ao estatuto científicode suadisciplina,mas veem-se tentados a traçar analogias entre suas práticas e as doscientistasnaturais(Gaddis,2002).2.VerScott(1998)paraumadiscussãosobreoqueelechamademetis

(a palavra grega para “habilidade”), que significa a coleção deprocedimentos de decisões formais, regras de ouro informais e instintostreinadosquecaracterizamaatuaçãodeprofissionaisexperientes.3. Para mais informações sobre determinismo gradual e viés

retrospectivo,veroclássicoartigodeBaruchFischhoff(1982).Filósofosepsicólogos discordam sobre o grau de intensidade de nossa tendênciapsicológica a pensar deterministicamente. Como Roese e Olson (1996)apontam,écomumaspessoasenvolverem-seemraciocínioscontrafactuais—imaginando,porexemplo,comoascoisasteriamsedesenroladose“aomenos” algum evento antecedente não tivesse acontecido —, sugerindoquevisõesdacausalidadebaseadasnosensocomumsãomaiscondicionaisdo que absolutas. Uma maneira mais correta de descrever o problema,portanto,équesistematicamenteenfatizamosmaisaprobabilidadedoque

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aconteceu do que os resultados contrafactuais. Para o objetivo do meuargumento,entretanto,ésuficienteestaúltimadefinição.4.VerDawes(2002,capítulo7)paratodaahistóriadovoo2605euma

análise.5. VerDawes(2002)eHardingetal. (2002)paramaisdetalhessobre

homicídiosemmassaemescolas.6.VerGladwell(2000,p.33).7.VerTomlinsoneCockram(2003)paradetalhessobreosurtodeSARS

no hospital Príncipe de Gales e no conjunto de apartamentos AmoyGardens.Váriosmodelosteóricos(Smalletal.,2004;Bassettietal.,2005;Masuda et al., 2004) subsequentemente se propuseram a explicar aepidemiadeSARSemtermosdesuperpropagadores.8.VerBerlin(1997,p.449).9.Naverdade,Gaddis(2002)fazmaisoumenosamesmaafirmação.10.Paraadiscussãocompleta,verDanto(1965).11.ParaahistóriacompletadaCisco,verRosenzweig(2007).12.VerGaddis(2002).13. VerLombrozo(2007)paradetalhessobreoestudo.Deve-senotar

que,quandorelatadasem termossimplesasprobabilidades relativasdasdiferentes explicações, os participantes na verdade escolheram aexplicação mais complexa em escala muito maior. Uma informação tãoexplícita,entretanto,raramenteestádisponívelemsituaçõesreais.14.VerTverskyeKahneman(1983)paradetalhes.15. Para evidências sobre a confiança assegurada pelas histórias, ver

Lombrozo(2006,2007)eDawes(2002,p.114).Dawes(1999),aliás,fazaforte afirmação de que “a capacidade cognitiva humana não funciona naausênciadeumahistória”.16. Por exemplo, uma preferência pela simplicidade nas explicações

estáprofundamenteincorporadaàfilosofiadaciência.AfamosanavalhadeOckham—batizadaemhomenagemaológicoinglêsdoséculoXIVWilliamde Ockham — diz que “a pluralidade nunca deve ser postulada semnecessidade”,oquesignifica,essencialmente,queumateoriacomplexanãodevenuncaseradotadaseumateoriamaissimplesforsuficiente.Amaior

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partedoscientistas tememrelaçãoànavalhadeOckhamalgopróximoàreverência—AlbertEinstein,porexemplo,certavezdissequeumateoria“deveseromaissimplespossível,enãoapenasmaissimples”—,aqualahistóriadaciênciaparecejustificar,detãorepletaqueestádeexemplosdeideiascomplexasepesadassendosuperadasporformulaçõesmaissimples,maiselegantes.Oquetalvezsejamenosapreciadonahistóriadaciênciaéque ela também está repleta de exemplos de formulações inicialmentesimples e elegantes tornando-se mais e mais complexas e deselegantesenquanto lutavam para suportar o peso das evidências empíricas. Naverdade, é discutivelmente na capacidade do método científico deperseguir o poder explanatório,mesmo à custa da elegância teórica e daparcimônia,queseencontrasuaforça.17.ParaaanálisecompletadeBerlinsobreasdiferençasentreciênciae

história e a impossibilidade de fazer a história à imagem da ciência, verBerlin(1960).18.VerGaddis(2002)paraumalertasobreosperigosdageneralização,

etambémalgunsexemplosdequemfezexatamenteisso.19.GeorgeSantayana(1905).

CAPÍTULO6:OSONHODAPREVISÃO

1.VerRosenbloom(2009).2.VerTetlock(2005)paradetalhes.3. Ver Schnaars (1989, p. 9-33) para sua análise e diversos exemplos

divertidos. Ver também Sherden (1998), para outras evidências dospéssimos índices de acerto das previsões de futurólogos. Ver tambémKuran (1991) e Lohmann (1994), para discussões sobre aimprevisibilidade de revoluções políticas, especificamente o colapso daAlemanha Oriental, em 1989. E veja Gabel (2009) para um olhar emretrospectiva sobre o custo das previsões do Medicare para oCongressionalBudgetOffice.

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4. VerParish (2006)parauma ladainha sobre filmesproduzidosparaserumsucessoquetiveramumdesempenhopífionoscinemasamericanos(apesar de alguns, como Waterworld, terem mais tarde se tornadorentáveisdevidoàsbilheteriasestrangeiraseàvendadeDVDefitas).VerSeabrook (2000) e Carter (2006) para histórias divertidas sobre algunsenganos desastrosos e quase catástrofes na indústria do entretenimento.Ver Lawless (2005) para a interessante história sobre a decisão daBloomsburydeadquirirHarryPotter(por2.500libras).InformaçõesgeraissobreproduçãoemindústriasculturaispodemserencontradasemCaves(2000)eBielbyeBielby(1994).5. No iníciode2010,a capitalizaçãodemercadodoGooglegiravaem

torno dos 160 bilhões de dólares,mas desde então chegou a atingir 220bilhões. Ver Makridakis, Hogarth e Gaba (2009a) e Taleb (2007) pararelatos mais detalhados dessas e de outras previsões erradas. VerLowenstein (2000) para a história completa da Long-Term CapitalManagement.6.AcitaçãodeNewtonfoitiradadeJaniak(2004,p.41).7. A citação de Laplace foi tirada de

http://en.wikipedia.org/wiki/Laplace’s-demon.8. Encaixar todos os processos em duas categorias gerais é uma

simplificaçãoextremadarealidade,poisa“complexidade”deumprocessonãoéumapropriedadebemcompreendidaosuficienteparaatribuirmos-lhe um número. É também algo um tanto arbitrário, já que não há umadefiniçãoclaradequandoumprocessomereceserchamadodecomplexo.Em um elegante artigo, Warren Weaver, então vice-presidente daRockefeller Foundation, diferenciou o que ele chamava de complexidadeorganizada e complexidade desorganizada (Weaver, 1958), em que aúltima correspondia a sistemas de númerosmuito grandes de entidadesindependentes,comomoléculasdeumgás.OargumentodeWeaveréquesepodelidarcomumacomplexidadedesorganizadacomosmesmostiposdeferramentasusadascomsistemassimples,porémdemaneiraestatísticaem vez de determinista. Já por complexidade organizada ele quer dizersistemas que não são nem simples nem sujeitos às úteis propriedades

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mediadoras de sistemas desorganizados. Em suma: emmeu esquema declassificaçãodicotômicojunteisistemassimplesesistemasdesorganizados.Entretanto, por mais diferentes que sejam, eles são similares segundo aperspectivadasprevisões;assim,reunirambosnãoafetameuargumento.9. Ver Orrell (2007) para uma abordagem levemente diferente de

previsãoemsistemassimplesversusprevisõesemsistemascomplexos.VerGleick(1987),Watts(2003)eMitchell(2009)paradiscussõesmaisgeraissobresistemascomplexos.10. Quandodigoquepodemosprever apenasaprobabilidadedealgo

acontecer, estou falandode formaum tanto aproximada.Amaneiramaiscorretadesereferiraprevisõesemsistemascomplexoséquedevemossercapazes de saber antecipadamente propriedades da distribuição dosresultados,sendoqueessadistribuiçãocaracterizaaprobabilidadedeumaclasseespecíficadeeventosocorrer.Então,porexemplo,podemospreveraprobabilidadedequevaichoveremumdeterminadodia,ouqueotimedacasavaiganhar,ouqueumfilmevaigerarmaisqueumacertamargemdelucro. Da mesma maneira, podemos fazer perguntas sobre o número depontosqueesperamosqueo timevencedor fará,oua rendaesperadadeumtipoespecíficodefilme,oumesmoavariedadequeesperamosobservaremmédia. Seja como for, todas essas previsões são sobre “propriedadesgerais”,nosentidodequeelaspodemserexpressascomoumaexpectativadealgumaestatísticasobremuitaspossíveisdistribuiçõesderesultados.11. Para o lançamento de dados, é ainda pior: o melhor resultado

possível é acertar uma vez em seis, ou menos de 17%. Na vida real,portanto,emqueavariedadedepossíveisresultadospodesermuitomaiordoqueaojogarmosdados—imagine,porexemplo,terquetentarpreverqual seráopróximobest-seller—,um índicedeacertosde20%émuitobom.Sóque“acertar”em20%dasvezessignifica “errar”em80%;e issonãoparecenadabom.12. Ver

http://www.cimms.ou.edu/~doswell/probability/Probability.html. Orrell(2007)tambémapresentaumadiscussãoinformativasobreaprevisãodo

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tempo; entretanto, ele está mais preocupado com previsões de longoalcance,quesãoconsideravelmentemenosprecisas.13. Especificamente, “frequentistas” insistem que afirmações sobre

probabilidades referem-se à fração relativa de resultados particulares serealizando,portantoaplicam-seapenasaeventos,comolançarumamoeda,que podem em princípio ser repetidos ad infinitum. Da mesma forma, avisão “evidencial” é de que uma probabilidade deve ser interpretadaapenascomoaschancesquealguémdeveaceitaremumaapostaespecífica,independentementedeelaserrepetidaounão.14.VerMesquita(2009)paradetalhes.15. Como Taleb explica, o termo “cisne negro” deriva da chegada

europeia à Austrália: até os colonizadores europeus avistarem cisnesnegrosnoquehojeéaAustrália,asabedoriaconvencionaldiziaquetodososcisneserambrancos.16. Paradetalhes sobrea sequência inteiradeeventos relacionadosà

Bastilha, ver Sewell (1996, p. 871-8). É importante notar que outroshistoriadores da Revolução Francesa determinam limites bastantediferentesdosdeSewell.17. Taleb faz uma afirmação semelhante— a saber, que para termos

previstoa invençãodoquehoje chamamosde internetprecisaríamos tersabido muito sobre as aplicações da internet depois de ela ter sidoinventada.NaspalavrasdeTaleb,“paracompreendero futuroapontodeconseguirmos prevê-lo, precisamos incorporar elementos do própriofuturo.Sevocêconheceadescobertaqueestáprestesafazer,entãoquasejáafez”(Taleb,2007,p.172).

CAPÍTULO7:OSMELHORESPLANOS

1. Curiosamente, uma reportagem recente da revista Time (Kadlec,2010) afirma que uma nova geração de jogadores de pôquer está se

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baseando na análise estatística demilhões de jogos jogados on-line paravenceremcampeonatosprofissionais.2. Ver Ayres (2008) para detalhes. Ver também Baker (2009) e

Mauboussin(2009)paramaisexemplosdesuperanálises.3. Para mais detalhes sobre mercados preditivos, ver Arrow et al.

(2008), Wolfers e Zitzewitz (2004), Tziralis e Tatsiopoulos (2006) eSunstein (2005). Ver também Surowiecki (2004) para uma análise maisgeraldasabedoriadasmultidões.4. Ver Rothschild eWolfers (2008) para detalhes sobre a história da

manipulaçãodaIntrade.5. Emuma postagem recente em seu blog, IanAyres (autor deSuper

Crunchers)chamaorelativodesempenhodemercadospreditivosde“umadas grandes questões não resolvidas da análise preditiva”(http://freakonomics.blogs.nytimes.com/2009/12/23/prediction-markets-vs-super-crunching-which-can-better-predict-how-justice-kennedy-will-vote/).6. Paraserexato, tivemosquantidadesdiferentesde informaçõespara

cada um dos métodos — por exemplo, nossas próprias enquetes foramfeitasapenasdurantea temporada2008-09, enquanto tínhamoscercadetrintaanosdedadosdeLasVegas,easprevisõesdaTradeSportsacabaramem novembro de 2008, quando o site saiu do ar, então não pudemoscomparartodososseismétodospornenhumintervalodetempo.Contudo,paraqualquerintervalo,semprepudemoscomparardiversosmétodos.VerGoel,Reevesetal.(2010)paramaisdetalhes.7. Nessecaso,omodelofoibaseadononúmerodesalasdecinemaem

que o filme deveria estrear e no número de pessoas buscando essainformação no site da Yahoo! na semana anterior à estreia. Ver Goel,Reeves et al. (2010) para mais detalhes. Ver Sunstein (2005) para maisdetalhessobreoHollywoodStockExchangeeoutrosmercadospreditivos.8. VerErikson eWlezien (2008)paradetalhes sobre sua comparação

entreenqueteseoIowaElectronicMarkets.9. Ironicamente, o problema com especialistas não é que eles sabem

muito pouco,mas que sabemdemais. Como resultado, eles sãomelhores

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queos leigosemapresentar seuspalpitesemracionalizaçõeselaboradas,fazendo-asparecermaisautoritárias,embora,naverdade,nãosejammaisprecisas. Ver Payne, Bettman e Johnson (1992) paramais detalhes sobrecomoosespecialistaspensam.Entretanto,nãosabernadatambéméruim,porquesemumpoucode conhecimento temosdificuldadeatémesmodesaber sobre o que devemos adivinhar. Por exemplo, enquanto a atençãodadaaoestudodeTetlocksobreprevisõesdeespecialistasconcentrou-semaisnodesempenhosurpreendentemente fracodosespecialistas—que,lembrem-se, eram mais precisos em suas previsões fora de sua área deespecialidade do que dentro dela —, Tetlock também descobriu queprevisões feitas por indivíduos fora do contexto analisado (nesse caso,universitários) foram significativamente piores que as previsões dosespecialistas.AmensagemcorretadapesquisadeTetlock,portanto,nãoéque os especialistas não sejam melhores que qualquer um ao fazerprevisões,masquealguémcomapenasumconhecimentogeraldoassunto,mas não nenhum conhecimento, pode se sair melhor que alguém comgrandeconhecimentonaárea.VerTetlock(2005)paradetalhes.10. Spyros Makridakis e parceiros mostraram, em uma série de

pesquisasaolongodosanos(MakridakiseHibon,2000;Makridakisetal.,1979; Makridakis et al., 2009b), que modelos simples são quase tãoprecisos quanto modelos complexos na previsão de ondas econômicas.Armstrong(1985)tambémdemonstraomesmoponto.11. VerDawes (1979) para uma discussão sobre osmodelos lineares

simplesesuautilidadenatomadadedecisão.12. Ver Mauboussin (2009, capítulos 1 e 3) para uma discussão

perspicaz sobre como melhorar previsões, assim como armadilhas quedevemserevitadas.13.Ocasomaissimplesocorrequandoadistribuiçãodeprobabilidades

é o que os estatísticos chamam de estacionária, o que significa que suaspropriedadessãoconstantesaolongodotempo.Umaversãomaisgeraldacondição permite que a distribuição mude, desde que as alterações nadistribuição sigam uma tendência previsível, como o preço médio de

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imóveis crescendo gradualmente com o tempo. Entretanto, em ambos oscasosconfia-senopassadoparapreverofuturo.14. Possivelmente, se os modelos incluíssem informações sobre um

períododetempomuitomaislongo—oséculoanterior,emvezdeapenasa década anterior —, poderiam ter capturado com mais precisão aprobabilidade de uma expansão larga, rápida, de alcance nacional. Mastantos outros aspectos da economia tambémmudaram ao longo daqueleperíodoquenãosesabea relevânciadamaiorpartedessas informações.Aliás,talvezsejaporissoqueosbancosdecidiramrestringirosperíodosdetempodesuasinformaçõeshistóricascomofizeram.15.VerRaynor(2007,capítulo2)paraahistóriacompleta.16. A Sony, de fato, buscou uma parceria com a Matsushita, mas

abandonouoplanoàluzdosproblemasdequalidadedaMatsushita.Assim,a Sony optou pela qualidade de seus produtos, enquanto a Matsushitaoptou pelos preços baixos — ambas estratégias coerentes que tinhamchancesdesucesso.17.ComoRaynorescreveu:“AsestratégiasdaSonyparaoBetamaxeo

MiniDisc tinham todos os elementos do sucesso, mas nenhuma foi bem-sucedida.Acausadessesfracassosfoi,ditosimplesmente,azar:asdecisõesestratégicas tomadas pela Sony eram perfeitamente razoáveis, apenasrevelaram-seasescolhaserradas”(p.44).18. Paraumavisãogeralsobreahistóriadoplanejamentodecenário,

verMillet (2003). Para discussões teóricas, ver Brauers eWeber (1988),Schoemaker (1991), Perrottet (1996) e Wright e Goodwin (2009). Oplanejamento de cenário também lembra bastante o que Makridakis,Hogarth e Gaba (2009a) chamam de “pensamento do futuro perfeito”(futureperfectthinking).19.ParadetalhessobreotrabalhodePierreWacknaRoyalDutch/Shell,

verWack(1985a;1985b).20. Na verdade, Raynor faz a distinção entre três tipos de

gerenciamento:ogerenciamentofuncional,queseconcentranaotimizaçãode tarefas diárias; o gerenciamento operacional, que se concentra naexecuçãodeestratégias existentes; eo gerenciamentoestratégico, que se

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concentra no gerenciamento da incerteza estratégica (Raynor, 2007, p.107-8).21.Porexemplo,háumahistóriade2010sobreoentãodiretordaFord

quecontavaque“oqueaFordnãovaifazerémudaradireçãonovamente,aomenosnãosobocontroledosr.Mulally.Eleprometeque—comos200milempregadosdaFord—nãovaivacilaremseu‘pontodevista’sobreofuturodaindústriaautomobilística.‘Estratégiaéisso’,diz.‘Éterumpontodevistasobreofuturoetomardecisõesapartirdisso.Apiorcoisaquesepodefazerénãoterumpontodevista,enãotomardecisões.’”NewYorkTimes,9dejaneirode2010.22. EsseexemplofoioriginalmentecitadoemBeck(1983),masminha

discussãosobreelesebaseianaanálisedeSchoemaker(1991).23.DeacordocomSchoemaker(1991,p.552),“umaanálisedecenário

maisprofundateriareconhecidoaconfluênciadecircunstânciasespeciais(porexemplo,aaltanopreçodopetróleo,incentivosparaexploração,taxasde juro favoráveis etc.) por baixo desse pico temporário. Um bomplanejamentodecenáriovaialémdassimplesprojeçõesdealtosebaixos”.24.VerRaynor(2007,p.37).

CAPÍTULO8:AMEDIDADETODASASCOISAS

1. Mais alguns detalhes sobre o gerenciamento da rede de lojas ZarapodemserencontradosemumestudodecasosobreaempresafeitopelaHarvardBusinessReview (2004,p. 69-70).Detalhes adicionaispodemserencontradosemKumareLinguri(2006).2. Mintzberg,deve-senotar, foicuidadosoaodiferenciarplanejamento

estratégico de planejamento “operacional”, que se ocupa da otimização acurto prazo de procedimentos já existentes. Os tipos de modelo deplanejamento que não funcionam para planos estratégicos funcionammuito bem para o planejamento operacional — de fato, foi para oplanejamento operacional que os modelos foram originalmente

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desenvolvidos, e Mintzberg deve a seu sucesso nesse contexto oencorajamento para que planejadores se reprogramassem para oplanejamento estratégico. Dessa forma, o problema não é que oplanejamento de qualquer espécie seja impossível, não mais do quequalquertipodeprevisão,masquecertostiposdeplanospodemserfeitoscom confiança e outros não, e os planejadores devem ser capazes deapontarasdiferenças.3. Ver Helft (2008) para uma história sobre a reforma da página da

Yahoo!.4.VerKohavietal.(2010)eTangetal.(2010).5. Ver Clifford (2009) para uma história sobre empresas inovadoras

usando avaliações de desempenho quantitativo para substituir o instintonodesign.6. Ver Alterman (2008) para a descrição original de Peretti sobre a

Estratégia doMullet. VerDholakia eVianello (2009) para umadiscussãosobre como a mesma abordagem pode funcionar para comunidadesconstituídas ao redor demarcas, e as trocas associadas entre controle einsight.7. Ver Howe (2008, p. 206) para uma discussão geral sobre

crowdsourcing.VerRice (2010)paraexemplosde tendências recentesnojornalismoon-line.8. Ver Clifford (2010) para mais detalhes sobre Bravo, e Wortman

(2010) para mais detalhes sobre a Cheezburger Network. Verhttp://bit.ly/9EAbjRpara uma entrevista com Jonah Peretti sobre mídiacontagiosaeoBuzzFeed,queelefundou.9. Ver http://blog.doloreslabs.com para diversos usos inovadores do

crowdsourcing.10. Ver Paolacci et al. (2010) para detalhes sobre as motivações e a

demografiadosturkers.VerKitturetal. (2008)eSnowetal. (2008)paraestudossobreaconfiabilidadedoMechanicalTurk.EverSheng,ProvosteIpeirotis (2008) para um método para aumentar a confiabilidade dosturkers.

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11. Ver Polgreen et al. (2008) e Ginsberg et al. (2008) para detalhessobre os estudos da gripe. Recentemente o CDC diminuiu o atraso dosrelatórios sobre as ondas de gripe (Mearian, 2009), de certa formaenfraquecendoavantagemtemporaldepesquisasbaseadasembuscas.12. O índice de felicidade do Facebook está disponível em

http://apps.facebook.com/usa-gnh.VertambémKramer(2010)paramaisdetalhes. Uma abordagem similar foi utilizada para extrair os índices defelicidadeem letrasdemúsicasepostagensemblogs (DoddseDanforth,2009),assimcomoematualizaçõesnoTwitter(Bollenetal.,2009).13.Verhttp://yearinreview.yahoo.com/2009paraumacompilaçãodas

buscas mais populares em 2009. O Facebook tem um serviço similarbaseadoematualizaçõesde status, assimcomooTwitter. Comodiversoscomentadores notaram(http://www.collisiondetection.net/mt/archives/2010/01/the_problem_wit.phpessaslistasporvezesproduzemresultadosumtantobanais,deformaquetalvezseriammais interessantesouúteisserestringidasasubpopulaçõesespecíficasde interesse a determinados indivíduos—como seus amigos,porexemplo.Felizmente,modificaçõescomoessasão,emparte,simplesdeseremimplementadas;assim,ofatodequetópicosdemaiorinteressenãosão surpreendentes ou banais não implica que a capacidade de refletirinteressescoletivossejatambémdesinteressante.14. Ver Choi e Varian (2008) para mais exemplos de “previsão do

presente”usandotendênciasemmecanismosdebuscas.15.VerGoeletal.(2010,Lahaie,Hofman)paradetalhessobreousode

mecanismosdebuscanainternetparafazerprevisões.16. Steve Hasker e eu escrevemos sobre essa abordagem do

planejamentonoâmbitodomarketingháalgunsanosnaHarvardBusinessReview(WattseHasker,2006).17. A relaçãoentrevendasepublicidadeéde fatoumexemplo típico

daquiloqueeconomistaschamamdeproblemadeendogeneidade(Berndt,1991).18. Na verdade, houve um tempo em que experiências controladas

como essa gozavam de uma breve explosão de entusiasmo entre

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publicitários; e alguns empresários, especialmente no mundo de vendasdiretas, ainda as realizam. Em particular, Leonard Lodish e parceirosconduziram uma série de experiências publicitárias, principalmente noiníciodosanos1990,usandoaTVporassinatura(AbrahameLodish,1990;Lodish et al., 1995a; Lodish et al., 1995b; eHuet al., 2007).Ver tambémBertrandetal.(2010)paraumexemplodeexperiênciadepublicidadecomvendas diretas. É curioso, entretanto, que a prática de rotineiramenteincluirgruposdecontroleemcampanhaspublicitárias,sejanaTV,bocaabocaoumesmonapromoçãodamarca,nunca tenha feitosucesso, sendoatualmenteignoradaemfavordemodelosestatísticos,porvezeschamadosde “modelos mistos de marketing”(http://en.wikipedia.org/wiki/Marketing_mix_modeling).19. Ver, por exemplo, um artigo recente da Harvard Business School

escrito pelo presidente e diretor da comScore (Abraham, 2008).Curiosamente,oautortrabalhoucomLodishnasexperiênciascomaTVacabo.20. O anonimato dos usuários foi mantido ao longo da experiência

utilizando-se um serviço terceirizado para combinar as identidades daYahoo! e da empresa sem revelar identidades individuais para ospesquisadores.VerLewiseReiley(2009)paradetalhes.21.Campanhaspublicitáriasmaiseficientespodemsermelhoresparao

restantedenós.Sevocêapenasvissepropagandasquandoháachancedeser persuadido por elas, provavelmente veria bemmenos propagandas etalveznãoasachasseirritantes.22. VerBrynjolfssoneSchrage (2009).Lojasdedepartamentos fazem

experiências com a disposição dos produtos há bastante tempo,experimentando diferentes vitrines ou diferentes preços para o mesmoprodutoemdiferenteslojasparadescobrirquaisdisposiçõesvendemmais.Masagoraquepraticamente todososprodutos físicos têmetiquetas comcódigos de barras únicos e muitos deles contêm chips de controle, há apossibilidadedesemantercontroledoinventárioeavaliaravariaçãoentrelojas,regiões,horáriosdodiaouépocasdoano—possivelmentelevandoàquiloqueMarshallFisher,daUniversityofPennsylvaniaWhartonSchool,

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chamoude “Aeradas ciências complicadas”nosnegócios (Fisher, 2009).Ariely(2008)tambémfezumaafirmaçãobastanteparecida.23.Verhttp://povertyactionlab.org/parainformaçõessobreoPoverty

ActionLabdoMit.VerArceneauxeNickerson(2009)eGerberetal.(2009)para exemplos sobre experiências de campo conduzidas por cientistaspolíticos. Ver Lazear (2000) e Bandiera, Barankay e Rasul (2009) paraexemplos de experiências de campo conduzidas por economistas. VerO’Toole (2007, p. 342) para o exemplo sobre os parques nacionais eOstrom(1999,p.497)paraumaatitudesimilaremrespeitoaodomíniodasenquetes comuns, na qual ela argumenta que “todas as propostas depolíticas devem ser consideradas experiências”. Finalmente, ver Ayers(2007,capítulo3)paraoutrosexemplosdeexperiênciasdecampo.24. Considerações éticas também limitam o escopo de métodos

experimentais.Porexemplo,apesardeoDepartamentodeEducaçãopoderdistribuiralunosaleatoriamenteentreasdiferentesescolas,emesmoqueesse seja provavelmente o melhor método para se descobrir quaisestratégias educacionais efetivamente funcionam, fazer isso imporiadificuldadesaestudantesqueforamdesignadosaescolasruins,entãoessemétodoseriaantiético.Seháumasuspeitarazoáveldequealgopodeserprejudicial,nãosepode,emtermosdeética,forçarpessoasaexperimentá-lomesmoquandonãosetemcerteza;enemsepode,emtermosdeética,recusar-lhesalgoquepodeserbomparaelas.Tudoécomodeveser,masénecessário limitaroalcancedas intervençõesaqueagênciasdesuporteedesenvolvimento podem designar pessoas ou regiões aleatoriamente,mesmoquandopodemfazerissonaprática.25. Para citações específicas, ver Scott (1998), p. 318, 313 e 316,

respectivamente.26. Ver Leonhardt (2010) para uma discussão sobre as virtudes do

limiteenegociação.VerHayek(1945)paraadiscussãooriginal.27.VerBrill(2010)parauminteressanterelatojornalísticodaCorrida

ao Topo. Ver Booher-Jennings (2005) e Ravitch (2010) para críticas aostestespadronizadoscomoaavaliaçãooficialdodesempenhodosalunosedaqualidadedosprofessores.

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28.VerHeatheHeath(2010)paraadefiniçãoqueelesdãodospontosde luz.VerMarshetal. (2004)paramaisdetalhessobreaabordagemdodesvio positivo. Exemplos podem ser encontrados emhttp://www.positivedeviance.org/.AhistóriasobrealavagemdasmãosfoitiradadeGawande(2008,p.13-28),quedescreveumexperimentoinicialemPittsburgh. Gawande alerta que ainda é incerto por quanto tempo osresultados iniciais serão válidos, ou se serão iguais em outros hospitais;entretanto,umrecenteexperimentocontrolado(Marraetal.,2010)sugerequedefatoserãoiguais.29. Ver Sabel (2007)paraumadescriçãodabootstrapping. VerWatts

(2003, capítulo 9) para um relato da quase catástrofe da Toyota com afabricação “imediatista”, e também sua memorável recuperação. VerNishiguchieBeaudet(2000)paraorelatooriginal.VerHelper,MacDuffieeSabel (2000) para uma discussão sobre como os princípios do estilo deproduçãodaToyotaforamadotadosporempresasamericanas.30.VerSabel(2007)paramaisdetalhessobreoquegaranteosucesso

degruposindustriais,eGiuliani,RabellottieVanDijk(2005)paradiversosestudosdecaso.VerLerner(2009)paraliçõesdecauteladirecionadasàstentativasdogovernodeestimularinovações.31.Éclaroqueaotentargeneralizarsoluçõeslocaisdevemoscontinuar

sensíveis ao contexto em que são usadas. Só porque uma prática dehigienização das mãos funciona em um hospital isso não significanecessariamentequevai funcionaremoutro,pois lápodehaverconjuntodiferentederecursos,restrições,problemas,pacienteseatitudesculturais.Nem sempre sabemos quando uma solução pode ser aplicada de formamais abrangente— na verdade, é precisamente essa imprevisibilidade amaior responsável por tornar os burocratas centralizados e osadministradores incapazesde solucionar o problema. Contudo, essedeveserofocodoplano.32.Easterly(2006,p.6).

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CAPÍTULO9:EQUIDADEEJUSTIÇA

1.Herreradepoisprocessouacidade,eem2006fezumacordode1,5milhãodedólares.Trêsoutrosoficiaisdepolíciaqueestavamenvolvidosno acidente foram demitidos, e um total de dezessete membros da 72ªdelegacia, incluindoocomandante,receberamadvertências.OcorregedorKerikabriuumainvestigaçãosobreaoperaçãodoturnodameia-noite,queaparentemente era conhecido por ter pouca supervisão e rotinasdisplicentes. Tanto o prefeito Giuliani quanto seu sucessor, MichaelBloomberg,foramenvolvidosnocaso,assimcomoogovernadorPataki.Oestadolegaldobebênãonascido,Ricardo,resultouemumadisputaentreolegista—que afirmava que o bebê não vivia independentemente de suamãe e portanto não deveria ser considerado uma quarta morte — e oprocurador do distrito, que afirmava o oposto. Desde as primeirasreportagensa respeitodoacidenteatéoacordodoprocesso,oNewYorkTimespublicoucercadequarentamatériassobreatragédia.2. Para uma discussão sobre a relação entre princípios racionais de

organização e o funcionamento real de organizações sociais, verMeyer eRowan (1977), DiMaggio e Powell (1983) e Dobbin (1994). Para umaabordagem abrangente da visão “institucionalista nova” da sociologiaorganizacional,videPowelleDiMaggio(1991).3.VerMenand(2001,p.429-33)paraumadiscussãosobreoraciocínio

deWendellHolmes.4.OpsicólogoEdThorndikefoioprimeiroadocumentaroEfeitoHalo

em avaliações psicológicas (ver Thorndike, 1920). Para uma revisão daliteratura sobre o EfeitoHalo, ver Cooper (1981). Para a citação de JohnAdams,verHigginbotham(2001,p.216).5. Para mais exemplos do Efeito Halo no mundo dos negócios, ver

Rosenzweig (2007). Para uma interessante história sobre o sucesso daSteve&Barry’s, verWilson (2008). Para umahistória sobre sua falênciasubsequente,verSorkin(2008).6. Ver Rosenzweig (2007, p. 54-6) para mais exemplos de erros de

atribuição, e Staw (1975) para detalhes do experimento discutido por

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Rosenzweig.7. Para ilustrar, considere uma experiência de pensamento em que

comparamosumprocesso“bom”,B,comumprocesso“ruim”,R,enoqual,apenasnesteexemplo,Btem60%dechancedesucesso,enquantoRtem40%dechance.Sevocêachaqueessanãoéumagrandediferença,imagineduasroletasquederamvermelhocomoresultadoem60%e40%dasvezes—aoapostar,respectivamente,novermelhoenopreto,poderíamosrápidae facilmente fazer fortuna. Da mesma forma, uma estratégia para fazerdinheiro em mercados financeiros que apostasse diversas pequenasquantiasseriamuitoboaserendesseamesmaquantidadededinheiroem60%dasapostas,eperdesseem40%.Masimagine,agora,queemvezdegirarmosumaroleta—coisaquepodemosrepetirmuitasvezes—nossosprocessos correspondem a estratégias empresariais alternativas oupolíticaseducacionais.Sendoissoumexperimentoquepodeserconduzidoapenasumavez,nósobservamosasseguintesprobabilidades:

Prob[BdácertoenquantoRdáerrado]=0,6*(1—0,4)=0,36Prob[RdácertoenquantoBdáerrado]=0,4*(1—0,6)=0,16Prob[BeRdãocerto]=0,6*0,4=0,24Prob[BeRdãoerrado]=(1—0,6)*(1—0,4)=0,24

Emoutraspalavras,atendênciaéBsesairaomenostãobemquandoR—exatamentecomopoderíamosesperar.Masapenasumavezemtrês,Bvai dar certo enquantoR vai dar errado.Emquasemetadedo tempo, naverdade, ambas as estratégias vão se sair mais ou menos da mesmamaneiraeumavezemseisRvaivencereBvaifracassar.Comquasedoisterços de probabilidade, segue-se que quando os processos bons e ruinssãocolocadosladoalado,osresultadosnãovãorefletircomprecisãosuasdiferenças.8.VerBrill(2009)paraacitaçãooriginal.9. A distinção é importante porque por vezes alega-se que para

qualquerpopulaçãosuficientementegrandedegestoresdefundos,alguém

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sedarábemporváriosanossucessivos,mesmoqueosucessoemqualquerum desses anos seja determinado pelo lançar de umamoeda.Mas comoMauboussin (2006, 2010) demonstra, o lançar de uma moeda é, naverdade,umametáforaerrônea.Comoodesempenhodefundosémedidoportaxas,ecomooportfóliogeraldosfundosnãorefletenecessariamenteo S&P500, nãohá razãoparapensarmosque50%dos fundosdeveriam“bater o mercado” em qualquer ano. Na verdade, a porcentagem atualvariou entre 7,9% (em1997) a 67,1% (em2005)durante o intervalo dequinze anos de Miller. Quando esses índices empíricos de sucesso sãolevados em consideração, a probabilidade de observamos uma sequênciacomoadeMillerédeumem2,3milhões(Mauboussin,2006,p.50).10. Para as estatísticas de DiMaggio, ver http://www.baseball-

almanac.com/fur:DiMaggio’sStatistics.11.ArbesmaneStrogatz(2008),usandosimulações,descobriramquea

probabilidade de 56 rebatimentos seguidos é algo entre 20% e 50%.Interessantemente, eles também descobriram que DiMaggio não era ojogadorcommaischancesdeatingiressadistinção;assim,seufeitofoiumamistura de habilidade e sorte. Ver tambémMcCotter (2008), quemostraque longos períodos de sucesso acontecemmais frequentemente do quedeveriam se a média de rebatimentos for de fato constante, comoArbesman e Strogatz pressupõem, sugerindo que rebatedores emmeio aumamarédesortetêmmaischancedecontinuartendosucessodoquesuamédia na temporada sugeriria. Apesar de discordarem a respeito daschances de tais “marés” acontecerem, porém, ambos os modelos sãoconsistentesnaideiadequeaavaliaçãocorretadedesempenhoéamédiaderebatimentos,nãoumrecordeespecífico.12. É claro, também não é fácil concordar sobre o que constitui uma

avaliaçãoconfiáveldetalentonosesportes:enquantoparaumcorredorde100mémuito claro, no beisebol émuitomenos evidente, e fãs discutemexaustivamentesobrequaisestatísticas—médiaderebatimentos,númerode bolas apanhadas, número de corridas — devem contar mais.Mauboussin (2010), por exemplo, afirma que a média de strikes é umamedida de desempenhomais confiável do que amédia de rebatimentos.

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Entretanto,qualquerquesejaamedidacorreta,aquestãoprincipaléqueos esportes contam com números relativamente grandes de “tentativas”quesãoconcluídassobcondiçõesrelativamentecomparáveis.13. VerLewis(2009)paraumexemplodemedidadedesempenhoem

termosdecomoumjogadorinfluenciaonúmerodevitóriasederrotasdotime.14. É claro, poderíamos aumentar artificialmente o número de dados

observando seudesempenhodiário ou semanal emvezdo anual; porém,essas medidas são correspondentemente mais contundentes do que asanuais,entãoéprovávelquenãoajudasse.15.VerMertonparaoartigooriginal.VertambémDenrell(2004)para

um argumento relacionado sobre como processos aleatórios podem serresponsáveispordiferençaspersistentesdelucrosentreempresas.16. VerRigney(2010).Ver tambémDiPreteeEirich (2006)parauma

visãomaistécnicaacercadaliteraturaquetratadavantagemacumuladaeda desigualdade. Ver Kahn (2010) para detalhes sobre os ganhos depessoascomdiplomadoensinosuperor.17.VerMcDonald(2005)paraacitaçãodeMiller.18.Mauboussin(2010)levantaessepontocommuitomaisdetalhes.19. Ironicamente, quanto mais distante de uma avaliação direta de

talentoumaavaliaçãodesucessoé,maispoderososetornaoEfeitoHalo.Enquantoadefiniçãodetalentosebaseiaemquãobemvocêfazumacoisaespecífica,sempresepodequestionarquãobemelarealmentefoifeita,ouquãovaliosaeraacoisaasefazer.Masassimqueasconquistasdealguémse abstraem de sua substância — como acontece, por exemplo, quandoalguém ganha prêmios importantes, atinge grande reconhecimento ouganhaquantidadesfabulosasdedinheiro—,medidasconcretasindividuaisparaavaliarodesempenhosãopoucoapoucodeixadasdeladopeloHalo.Uma pessoa bem-sucedida, damesma forma que um livro best-seller ouuma ideia que se propaga, é simplesmente vista como alguém quedemonstrouomérito apropriado, apontodequeo sucessoefetivamentetornou-seum substitutodoprópriomérito. Porém,maisdoque isso, é oméritoquenãopodeserfacilmentequestionado.Sealguémacreditaquea

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MonaLisaéumagrandeobradearteporcausadeX,YeZ,opositoresbem-informados podem imediatamente levantar seus próprios critérios, ouapontaroutrosexemplosquepodemserconsideradossuperiores.Masse,aocontrário,alguémacreditaqueaMonaLisaéumagrandeobradeartesimplesmente porque é famosa, nosso opositor pode levantar todas asobjeções que quiser, e podemos insistir, com razão, que essa pessoa nãoentendeuaquestão.Pormaisbem-informadosquesejamseusargumentospara defender que as características daMona Lisa não são unicamenteespeciais, não podemos não suspeitar de que algo foi ignorado, porquecertamenteseaobradeartenãoérealmenteespecial,entãoelanãodeveser,bem...especial.20.Verhttp://www.forbes.com/lists/2009/12/best-boss-09_Steven-P-

Jobs_HEDB.html21.Àsvezesatéospróprioslíderesadmitemisso—mas,curiosamente,

costumamfazê-loapenasquandoascoisasvãomal.Porexemplo,quandoosdiretoresdosquatromaioresbancosde investimentostestemunharamdiantedoCongressoamericano,no iníciode2010, elesnãoassumiramaresponsabilidadepelodesempenhode suas empresas, afirmando, emvezdisso,quehaviamsidovítimasdeum“tsunamifinanceiro”,quecausaraocaosnaeconomia.Porém,nosanosqueantecederamacrise,quandosuasempresas estavam ganhandomais dinheiro do que nunca, essesmesmosdiretoresnãorecusaramseusbônus,nãoalegaramquetodosnaqueleramoestavam ganhando dinheiro e que, portanto, eles não deveriam levar ocrédito de estar fazendo algo especial. Ver Khurana (2002) para maisdetalhes e Wasserman, Anand e Nohira (2010) para os resultadosempíricosdequandoaliderançaéconvenienteounão.22.ParacitarKhuranadiretamente:“intensasforçassociais,culturaise

psicológicas levam as pessoas a acreditar em relações de causa e efeitocomoasdeliderançacorporativaedesempenhocorporativo.NosEstadosUnidos, os pressupostos teóricos a respeito do individualismo ignoram ainfluênciade forçassociais,econômicasepolíticasemassuntoshumanos,de forma que os relatos sobre eventos complexos como guerras e cicloseconômicos reduzem as forças por trás deles a personificações... Esse

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processodeexagerarashabilidadesqueos indivíduos têmde influenciarimensamenteeventoscomplexoséreforçadapelamídia,quelevaaatençãodopúblicoasefixarnascaracterísticaspessoaisdelíderesemdetrimentodeanálisessériasdoseventos”(Khurana,2002,p.23).23.ComoKhuranaeoutroscríticosfacilmentereconhecem,apesquisa

delesnãosignificaquequalquerumpodeserumCEOeficiente,ouqueaatuaçãodosCEOséirrelevante.Éinteiramentepossível,porexemplo,queum CEO arruíne um valor gigante tomando decisões ruins ouirresponsáveis.Ecomoevitardecisõesruinspodeserdifícil,atémesmoumdesempenho satisfatório exige certo acúmulo de experiência, intelecto ehabilidades de liderança. Certamente nem todos têm as qualidades paraessetrabalho,ouadisciplinaeaenergiaparalevá-loadiante.MuitosCEOssão pessoas impressionantes que trabalham por longas horas sobcondições estressantes e carregam uma carga muito pesada deresponsabilidades. Portanto, é perfeitamente compreensível que osdiretores escolham CEOs criteriosamente e recompensem-nos de formaapropriadaporseutalentoetempo.Oargumento,aqui,éapenasqueelesnão devem ser selecionados ou recompensados se sua influência serápoucomaisquefracasobreofuturodaempresa.24. Paraumresumodas ideiasdeRawlseNozick, verSandel (2009).

Paraosargumentosoriginais,verRawls(1971)eNozick(1974).25. Ver DiPrete (2002) para evidências empíricas sobre mobilidade

socialintergeracional.26.Ver,porexemplo,Herszenhorn(2009)eKocieniewski(2010).27.Ver,porexemplo,Watts(2009).28. VerWatts (2003, capítulo1)paraumadiscussãodetalhada sobre

umfracassoemcascata:afalênciadooestedosEstadosUnidosem1996.29. VerPerrow (1984)para exemplosdoqueele chamadeacidentes

normaisemorganizaçõescomplexas.VertambémCarlsoneDoyle(2002)para uma análise mais técnica da natureza “robusta porém frágil” dossistemascomplexos.30. VerTabibi (2009)paraumexemplosobrecomoaGoldmanSachs

lucroucomdiversasformasdeassistênciadogoverno.

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31.VerSandel(2009).32.VerGranovetter(1985).33. Ver Berger e Luckman (1966). A literatura sobre a democracia

deliberativamencionadanocapítulo1,nota25,tambémérelevanteparaoargumentodeSandel.

CAPÍTULO10:OVERDADEIROESTUDODAHUMANIDADE

1. O texto completo do “Ensaio sobre o homem”, de Pope, estádisponível on-line, em inglês, no Project Gutenberg,http://gutenberg.org/etext/2428.2. AnoçãodeParsonsde racionalidade foi inspiradaporMaxWeber,

que, curiosamente, não era um funcionalista nem mesmo positivista,aproximando-se, ao contrário, do que ficou conhecido como uma escolainterpretativa de sociologia, manifesta em seu argumento de que a açãoracional é aquela que é compreensível (verstehen) para um analista.Contudo, o trabalho de Weber foi rapidamente secundado por teoriaspositivas fortes, das quais a teoria da escolha racional é a mais óbvia,ilustrando, assim, as profundidades das demandas positivistas ao semanifestarememtodasasformasdeciência, incluindoasocial.Parsonsétambémàsvezeselencadocomoumantipositivista,mas,novamente,suasideiasforamincorporadasàsteoriaspositivistasdeaçãosocial.3. Para críticas sobre Parsons, ver Mayhew (1980, p. 353), Harsanyi

(1969,p.514)eColemaneFararo(1992,p.xvii).4. Muitos sociólogos — tanto antes quanto depois de Merton —

criticaramoquechamaramde tentativas fáceisdereplicarosucessodasciências naturais imitando a forma em vez dosmétodos. Nos anos 1940,porexemplo,umcontemporâneodeParsons,HuntingtonCairns,escreveuque“nãocontamoscomnenhumavisãosinópticadasciênciassociaisquenosencorajeaacreditarqueestamosagoranumestágiodeanáliseemquepodemos, comqualquerprecisão, selecionaros conceitosbásicosapartir

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dos quais uma estrutura integrada de conhecimento possa ser erigida”(Cairns,1945,p.13).Maisrecentemente,umaforteondadecríticassevirouparaateoriadaescolharacional,emboapartedevidoaosmesmosmotivos(QuadagnoeKnapp,1992;Somers,1998).5.AscitaçõesforamextraídasdeMerton(1968a).6.VerMerton(1968a)parasuadescriçãodeteoriasdemédioalcance,

incluindoateoriadaprivaçãorelativaeateoriadoconjuntodepapéis.7.TantoHarsanyi(1969,p.514)quantoDiermeier(1996)referenciam

Newton, enquanto os cientistas políticos Donald Green e Ian Shapirochamaram a teoria da escolha racional de “uma tenda que se expandecontinuamenteparaabrigartodasasproposiçõesplausíveisdesenvolvidaspela antropologia, a sociologia ou a psicologia social” (Green e Shapiro,2005).8. Deve-se notar que o “sucesso” ou “fracasso” da teoria da escolha

racional é altamente controverso, com os defensores da escolha racionalafirmando que é injusto avaliar a teoria da escolha racional como uma“teoria”,quandonaverdadeeladeveservistacomoumafamíliadeteoriasunificadas apenas por sua ênfase em ações propositais como a causa deresultadossociais,aoinvésdeacidentes,conformidadeouhábito(Farmer,1992; Kiser eHechter, 1998; Cox, 1999). Talvez essa seja uma descriçãoprecisa daquilo que a teoria da escolha racional se tornou (apesar de,curiosamente, alguns teóricosdaescolha racional incluírematémesmoohábitoentreolequedeincentivosracionais[BeckereMurphy,2000]),mascertamente não é o que os proponentes iniciais como Harsanyipropuseram. Harsanyi, na verdade, criticou explicitamente a teoria deParsons por não ser uma “teoria” de fato, faltando com a habilidade dederivarconclusõeslogicamentedeumconjuntodeaxiomas—ou,emsuaspalavras, “o próprio conceito de função social em um senso coletivo dávazãoaproblemasinsolúveisdedefiniçãoeidentificaçãoempírica”(1969,p.533).Seissosubsequentementesemetamorfoseouounãoemalgomaisrealista não deve, portanto, distrair-nos da questão de que sua missãooriginalera,sim,serumateoria,equenessesentidoelanãofoimaisbem-sucedidaquenenhumadesuasantecessoras.

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9. Sem dúvida, como Becker (1945, p. 84) notou há muito tempo,cientistas naturais são tão propensos quanto cientistas sociais asuperestimar sua capacidade de construir modelos de previsão docomportamentohumano.10.Stouffer(1947).11. Deve-se notar que nem todos os sociólogos concordam que a

avaliação é realmente o problema que indico ser. De acordo com pelomenos uma escola de pensamento, teorias sociológicas deveriam nosajudaracompreenderomundoenosdarumalinguagematravésdaqualpudéssemosdiscutiressetópico;maselasnãodeveriamteroobjetivodefazer previsões ou solucionar problemas, portanto não deveriam serjulgadasapartirdequestõespragmáticas.Seessavisão“interpretativa”dasociologiaestivercorreta,todaaempreitadapositivistaqueseinicioucomComte sebaseia emumengano fundamental sobre anaturezada ciênciasocial,começandocomapressuposiçãodequeeladeveserconsideradaumramodaciência(Boudon,1988b).Portanto,ossociólogosdeveriameraseconcentrar no desenvolvimento de “abordagens” e “enquadramentos”—maneiras de pensar sobre o mundo que nos permitem ver o que elespoderiamperder,equestionaroqueoutraspessoasignoram—eesquecerastentativasdeconstruirteoriasdotipoquesãofamiliaresanósnoâmbitodas ciências naturais. Foi essencialmente esse tipo de abordagem àsociologia,naverdade,queHowardBeckerdefendiaemseulivroTricksofthe Trade, cuja resenha encontrei em 1998 e que John Gribbin — oresenhista,que,lembrem-se,éumfísico—evidentementejulgouabsurda.12.Ver,porexemplo,Paolaccietal.(2010).13.Odebatesobreaprivacidadeéimportanteelevantaumavariedade

de questões não resolvidas. Primeiramente, quando perguntadas, aspessoasdizemqueseimportammuitocomsuaprivacidade(Turowetal.,2009); entretanto, suas ações frequentemente vão na contramão de suasrespostas às perguntas de pesquisas.Não apenasmuitas pessoas postampublicamente diversas informações pessoais sobre si mesmas, comotambém recusam-se a pagar por serviços que lhes garantiriam um nívelmaior de privacidade. Talvez essa desconexão entre as preferências

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adotadas na prática e as reveladas oralmente implique apenas que aspessoas não compreendem as consequências de suas ações; mas podetambém indicar que questões abstratas sobre “privacidade” são menossignificativas do que trocas concretas em situações específicas. Umsegundo problema, ainda mais complicado, é que não importa como aspessoas se “sentem” quanto a revelar informações específicas sobre simesmas,elascertamentenãoconseguemapreciarahabilidadedeterceirosem construir perfis sobre elas e, portanto, inferem outras informaçõessobreasquaisnãosesentiriamconfortáveisemrevelar.14. Ver Sherif (1937) e Asch (1953) para detalhes sobre suas

experiências pioneiras. Ver Zelditch (1969) para sua discussão sobreestudos de grupos pequenos versus grupos grandes. Ver Adar e Adamic(2005),Sunetal.(2009)eBakshyeAdamic(2009)paraoutrosexemplosderegistrosdadifusãodeinformaçõesemredeson-line.15. Agora que comprovaram o conceito, Reiley e Lewis estão

embarcandoemumanovaondadeexperimentossemelhantes—emlojasdedepartamentos,serviçosdetelefonia,empresasdeserviçosfinanceirosetc.—, como objetivo de avaliar as diferenças entre domínios (será quepropagandas funcionam para celulares de maneira diferente de comofuncionam para cartões de crédito?), índices demográficos (será que aspessoasmaisvelhassãomaissuscetíveisqueasjovens?)eatémesmoentrelayoutsedesignsespecíficos(fundoazulversusfundobranco?).16. Ver Lazarsfeld e Merton (1954) para a definição original de

“homofilia”, e McPherson et al. (2001) para uma recente visão geral daliteratura. Ver Feld (1981) eMcPherson e Smith-Lovin (1987) para umadiscussãosobreaimportânciadeoportunidadesestruturais.17.Arazãoéqueaestruturasocialnãoapenasmoldanossasescolhas,

comotambémémoldadaporelas.Éverdade,porexemplo,queaspessoasquetendemosaconhecernofuturopróximosãodeterminadasemalgumainstânciapornossoscírculossociaisexistentesenossasatividades.Masemumaescalatemporalumpoucomaiortambéméverdadeiroquepodemosescolher alguma coisa e não outra precisamente devido às pessoas queesperamosconhecerenquanto fazemosessascoisas.Opontoprincipalde

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todososeventosde“redessociais”nomundodosnegócios,porexemplo,écolocar-se em uma situação em que você pode conhecer pessoasinteressantes.Damesmaforma,adeterminaçãodealgunspaisdecolocarseus filhos nas escolas “certas” tem menos a ver com a qualidade daeducaçãoqueascriançasreceberãoemaiscomoscolegasqueelesterão.Isso posto, é claro que não é igualmente fácil para todos entrar paraHarvard, ou ser convidado para os melhores eventos sociais. Em umperíodomaior de tempo, portanto, sua posição na estrutura social limitanão apenas as pessoas que você pode vir a conhecer, como também asescolhas que vão determinar sua posição futura na estrutura social.Discussões sobre a importância relativa de preferências individuais eestruturasocialinvariavelmenteficampresasnessateia,eentãotendemaser solucionadas mais por ideologia do que por dados. Aqueles queacreditam no poder da escolha individual podem sempre alegar queestruturas são simplesmente consequências das escolhas feitas porindivíduos,enquantoaquelesqueacreditamnopoderdaestruturapodemsemprealegarqueasescolhassãoilusórias.18. Uma descoberta semelhante foi subsequentemente registrada em

outroestudodehomofiliausandodadoscoletadosnoFacebook(WimmereLewis,2010).19. Algunsestudosdemonstraramqueapolarizaçãoestáaumentando

(Abramowitz e Saunders, 2008; Bishop, 2008), enquanto outrosdemonstraram que os americanos concordammais do que discordam, eque as opiniões sobre uma determinada questão— digamos, aborto—acabam se revelando, surpreendentemente, não relacionadas a opiniõessobre outros tópicos, como posse de armas ou imigração (Baldassari eGelman, 2008; Gelman et al., 2008; DiMaggio et al., 1996; Fiorina et al.,2005).20. Ver Baldassari e Bearman (2007) para uma discussão sobre

argumentos reais versus argumentos percebidos. Apesar das dificuldadespráticas, alguns estudos pioneiros precisamente desse tipo foramconduzidos,inicialmenteporLaumann(1969)e,maistarde,porHuckfeldteparceiros(Huckfeldtetal.,2004;HuckfeldteSprague,1987).

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21.ÉclaroqueoFacebookéumarepresentaçãoimperfeitadasredesdeamizadedaspessoas.NemtodosestãonoFacebook,entãoalgunsamigospróximos podem estar faltando, enquanto vários “amigos” são apenasconhecidos no mundo real. Contar amigos mútuos pode ajudar adiferenciar amizades genuínas e ilusórias, mas esse método também éimperfeito, pois mesmos conhecidos mútuos no Facebook podem ter osmesmos amigos. Uma abordagem mais precisa pode ser observar quãofrequentementeosamigossecomunicamoudesempenhamoutrasatitudesrelacionais (por exemplo, clicando em uma atualização de status,comentando, curtindo etc.); entretanto, esses dados ainda não sãoanalisáveisparadesenvolvedoresterceirizados.22. Para detalhes sobre o estudo do Friend Sense, ver Goel,Mason e

Watts(2010).23. Aprojeçãoéumfenômenobastanteestudadonapsicologia,masé

difícildeseravaliadoemredessociais,emgrandepartedevidoàsmesmasrazões que bloquearam pesquisas de rede em geral. Para uma crítica daliteraturasobreprojeção,verKruegereClement(1994),Krueger(2007)eRobbinseKrueger(2005).24. VerAral,Muchnike Sundararajan (2009)paraumestudo recente

sobreinfluêncianomarketingviral.25.Paraoutrostrabalhosrecentesusandodadosdee-mails,verTyleret

al. (2005),Cortesetal. (2003),KossinetseWatts(2006),Malmgrenetal.(2009),DeChoudhuryetal.(2010)eClauseteEagle(2007).Paraestudosrelacionadosutilizandodadosdecelulares,verEagleetal.(2007)eOnnelaet al. (2007); e para trabalhosusandodadosdemensagens instantâneas,verLeskoveceHorvitz(2008).26. Parainformaçõessobreoprogressoemestudossobrecâncer,veja

umaexcelentesériedeartigos, “TheFortyYearsWar”,publicadanoNewYorkTimes.Busque“fortyyearswarcancer”ouacessehttp://bit.ly/c4bsc9.Para um relato similar da revolução do genoma, veja artigos recentes deWade(2010)ePollack(2010).27. Fizumaafirmaçãosemelhanteanteriormente(Watts,2007),assim

comooutrosautores(Schneiderman,2008;Lazeretal.,2009).