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TON GAR Da mesma orma Que o mll1Jster o proporoona m tas a egnas, porvezes lança o pas or ao redemOInho dos con h os. t Impera IVO que os ,deres estejam preparados para que esse prob ema ão co um não hes roube O 'gor e en raq eça se mlOlS éno (O venCido e que hções na VIda Que podem ser aprendidas em eo aos prob emas, Ga Pres on au Ilta companheiros de mlOlSteno a resga ar a em seus cha ados, ainda qe murtos sonhos e IdeaIS estejam adormeCIdos em das lu as co dianas o carater aperfeiçoado pelos confllros aJudara pastores Que se encontram em erra seca e é1 da a deseobor agua resca na fenda de uma rocha Sob a mlse cordlosa mão d na, estarão ap os a preservar tem oa luz de De s quanto o chamado de e em suas das GARY PRf I é pastor da Igreja Batista Be ãOla em Boulder, Colorado, onde ve com a mulher, 5uzanne, e os dOIS filhos, Nate e TIm. Ele escreve para a revista Leadershíp [Liderança] e para o Disopleship JoumaJ. DAV ID ETZ. orgamzador da coleção A Alma do Pastor. é editor da revista Leadership. a mais respeitada publicação americana direcionada a pastores e lideres

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TONGAR

Da mesma orma Que o mll1Jster o proporoona m tas a egnas, porvezes lançao pas or ao redemOInho dos con h os. t Impera IVO que os ,deres estejampreparados para que esse prob ema ão co um não hes roube O 'gor een raq eça se mlOlS éno

(O venCido e que há hções na VIda Que só podem ser aprendidas em eoaos prob emas, Ga Pres on au Ilta companheiros de mlOlSteno a resga ar apaIX~O em seus cha ados, ainda q e murtos sonhos e IdeaIS estejamadormeCIdos em d~orrenCla das lu as co dianas

o carater aperfeiçoado pelos confllros aJudara pastores Que se encontram emerra seca e é1 da a deseobor agua resca na fenda de uma rocha Sob a

mlse cordlosa mão d na, estarão ap os a preservar tem o a luz de De squanto o chamado de e em suas das

GARY PRf I é pastor da Igreja Batista Be ãOla em Boulder, Colorado,onde v e com a mulher, 5uzanne, e os dOIS filhos, Nate e TIm. Ele escreve paraa revista Leadershíp [Liderança] e para o Disopleship JoumaJ.

DAV ID ETZ. orgamzador da coleção A Alma do Pastor. é editor darevista Leadership. a mais respeitada publicação americana direcionada apastores e lideres

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Vida

Editora do grupo

Zl)t"lILR\'·\:\

I LIRPERC()] I li"S

•Editor,l filiada a

C-\\l.~k" RHAS11,rTRA [)() Ll\k()

A,SOClAÇAO BRASIIYIIU

llE EUITORES CR1ST",US

ASSUCIA(An NAClCI".'\[

111 LI\'RARI.-V;

.!\\\()( :I..v,~,\() N ..\CIUr-:Al 1Ir

LIVRA.R1AS FVA'-;(;II IC\,

Dirqão executiva

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Obras para igreja c úmília AlJlo \11'1\1';1.';

Obra.'. leológicas c de referênód AIII() \1l-"I-I.LS

Obras em língua portUgU<::S:l SilVEI JUSII~()Ohras infantis e juvenis R.n"""A BR-\:"nAu

Bíblias ROSA FrRRul\}\

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o IZ (; A .'\J [ 7 /\ D O R

DAVID c.;OfTZ

TKADUÇÀUMARCELLO TOLENTINO

GARY PRESTON

'=IVida

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C:01ec,J.oA Alma do f':lstor

•() poder de mnl1l .fila igrcjtl

PI1:i!oreando comJt'rmezfI e

tlctcrminil(tlO

Aptlixonado Pc/li pregll(iio

Ouvindo fi IJOZ de /JellJ'

Lidaando com inltxrir/(uie

~:;1()()9, de C,ny D, PrmOll

l'ítulo do origin:J.1 C(,I/rtl,-ur fhrger//nilf! um/lid,d,1 ~éric The Pastor's Sou!,

publicada pelaf)FI 11.·\'<Y I'f( H,',I, PUH.ISlllR'

(IvliIlneapoli~, Minnesot:l, l:u)

•7(Jdo.' 0'< dirá/os cm /íngllil/,lIr/lIgllc-'iI I'nl'lT"dos pOI

EDITORA VIDA

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",\1\\) I:,\t 81\1'\'[', u[.\(.:m,s, CU~t [:<111( :,'\(,,\1) 11\ H 1:<11 .

rodas as citaçfJes bíblicas foram extraídas d,1

"VOl-'rI t'ásâo Illtem,lcioua! (1"\'1),

i:,2001, pllblic~d;l por Editora \'ida,

salvo indicação em col1ldrio.

Dados lnlnnacionais de Catalogação na Publi~açã{) ((:11'1(Câmara Br'l.\ilcira do Livro, \1', Brasil)

Pro,,,,n. ( \C\' I)I l, ]'r,',,,nn

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Índice para ~atálogo sistem,itiw

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AGRADECIMENTOS

Minha. mulher come.lltüu certa vez que embora tivesse me es­

colhIdo como mando, certamente não escolhera nossa voca­ção corno pastor e mulher de pastor. Ela disse: "A vocação veiocomo brinde no pacore do casamemo".

Com o passar dos anos aprendemos que, muitas vezes, há umpreço alto a ser pago no nlinisrério pastoral. A rnaior parte deste

livro narra a nossa história. Sem dúvida, há recompensas significa­tivas c grandes alegrias no ministério. No entanto, se o crescente

número de pastores que deixam o 111inistério eclesiâstico pode ser

tomado como referência, parece que o preço a ser pago é mais altoque a intensidade da alegria.

Escrever este livro tCIn sido a minha tentativa de ajudar os C0111­

panhciros pastores a resgatar a paixão por seu chamado, que podeter esfriado por causa das batalhas e feridas do ministério pastoral.As palavras destas páginas foram moldadas na fundição da minhavida. Assim como a maioria dos meus colegas, algumas vezes quis

trocar o pastorado por algo difereme.No entanto, Deus não rne permitiu fazer isso. Em tl10111cntos

cruciais USOll all1igos maravilhosos c companheiros pastores para

renovar meu chamado e restaurar nlinha visão do ministério. Mi­

nha mulher e cu somos profundamente agradecidos a Bob e SandySeweH por seu amor e compreensão ao nos mostrar como é a vida do

outro lado do púlpito. A família Sewell é co-fundadora do SonscapeMinistries, ministério de renovação, no sudoeste do Colorado, para

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B o CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLlTOS

ministros. Se não fosse pela família Sewell, ao menos do ponto de

vista humanO l provaveltnenre eu estaria exercendo outra proflssão

em vez de ser pastor.

Também quero agradecer a Dave Goetz da revista Leadership[Liderança] e da corporação ChristianityToday [Cristianismo Hoje],

por sua amizade e sábios conselhos ao longo dos anos. Dave me

convenceu sobre a possibilidade do surgimento de um livro com

algumas de nossas experiências com partilhadas no trabalho da

igreja. Seu encorajamento, além da orientação técnica, ajudou a

escrevê-Ias.

Acima de tudo, agradeço a Deus pela companheira certa que

nle deu há vinte anos. Dedico este livro a rninha amorosa esposaSuzanne. Ela escolheu viver o resto de sua vida comigo e recebeu

junto com isso o papel de mulher de pastor! Sem seu amor, conse­

lhos e amizade nunca teria chegado rão longe.

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SUMÁRIO

lntroduçao 11

I. Expulso 15

2. Jogar machucado 27

3. Manter perfo os inimigos 37

4. Resistir ao impulso de revidar 45

5. Pregar durante controvérsias 53

6. Necessidades bmiliares 65

7. MalHcr o equilíbrio 73

8. Anjos na turbulência 81

9. O momento de retfoceder 91

1(). Livre da dor 101

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INTRODUÇÃO

A lguns podem alegar que escrever um livro sobre o conAiro

no 111inistério é COl110 uma rllulher divorciada convidar seuex-marido para o jantar. Provavehncnte não haveria muita paz, nem

uma atmosfera saudável, durante a noite. Haveria um grande po­

tencial para que antigas hrigas fossem rctOlnadas, rnemórias dolo­

rosas descobertas c uma penosa dor na altna se intensificaria.

Ctlráter ilpelft'içotldo pelos cor~flíto5 não diz respeito a vencer bata­

lhas ou reiterar erros que sofri nas rnãos de membros de igrejas. Se

assim 6)sse, não seria um exercício útil. De fato, se esse fosse meu

propósito, seria evidência muito boa de que o conflito na igreja

havia ganhado vantagem enl minha alma.

'Iodo pastor cxperinlenta conHitos no ministério, e alguns 111Uito

severos. Creio que precisamos lidar com o conflito de maneira que

Deus possa trazer à nossa vida algo bom tirado de algo mau. Tiago,

innão de Jesus, estendeu-nos esta esperança quando escreveu:

Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de

passarem por diversas provaçocs, pois vocês sabem que a prova

da sua fé produz perseverança. E a perseverança deve ter ar.;ão

completa, a fIm de que vocês sejam maduros e íntegros, sem

lhes bltar coisa alguma (Tg 1.2-4).

Muitos anos atrás, ouvi LIma afirmação de um pastor experiente:

"Na igreja de Jesus Cristo hoje, freqüentemente o conflito é a nor­

ma, enquanto a paz entre os irmãos é exceção".

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12 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

A princípio entendi a frase COlllO um exagero ministerial. Po­

rém, mais tarde, reconsiderei minha conclusão. O conflito na igre­

ja não é onipresente ou a única condição das congregações em queservimos, mas é inevitável e provavelmente mais conlUlll do que

gosraríamos de admirir.

Isso me confunde, especialmente quando abro os evangelhos.

No discurso do cenáculo, Jesus disse a seus discípulos: "A minhapaz lhes deixou". Disse que a arena de conflito deles seria o mundo.

O apóstolo Paulo escreveu que a paz é a marca distintiva do Reinode Deus (Rm 14.17). De acordo com Gálatas 5.22, a paz tambémresulra da ação do Espírito Santo em nossa vida. A grande herançados que possuem a jusriça de Cristo é a paz (Rm 5.1).

Por que, então, há tanto conflito na igreja?Quando nossos dois filhos eram mais novos, passaram por um

período de brigas. Eles têm dois anos de diferença. Pareciam pensar

que Deus havia lhes dado um sparring para toda a vida. Um dia osseparei e perguntei:

- Por que vocês estão brigando tanto hoje?O mais velho respondeu:

- Brigar significa que amamos um ao outro.- Como assinl? - perguntei.

- Porque brigar é divertido! - disse sorrindo.

Às vezes penso que as pessoas eln nossas igrejas acreditam nissotalnbénl. Não que call1inhern nessa direção intencional ou consci­

entemente. Há irmãos virtuosos que regularmente fazem nlais nlaI

do que bem, e ainda estão convencidos de sua defesa da verdade ouda realização do que Deus pede. Dificilmente afastam-se de umbom conflito. Em vez de se tornarem o sal que tempera o ministé­

rio da igreja, esses pilares de piedade podem ser lágrimas amargasque secam nossa alma e nos deixam a ponto de abandonar nossochamado.

Por isso estou escrevendo este livro. Creio que nós pastores pre­

cisamos ser melhores ao lidar com o conflito na igreja, de maneiraa preservar a luz de Deus em nossa alma e o chamado de Deus em

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INTRODUÇAO 13

nossa vida. Minha oração em defesa deste livro é que, de algumalnancira, quando o n1inisrro estiver na terra seca e árida do conflito,

possa encontrar uma fenda na rocha onde Deus nos auxilie por

lneio de seu profundo amor e nos proteja com sua lnáo. Son1ente

quando isto acontecer podercn10s continuar a experimentar sua graça

em nossa alma e ministrá-la em meio aos conflitos na igreja.

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EXPULSO oQ uando bati à porta sólida de carvalho do casal, uma mulher

respondeu. Seu marido estava ao telefone.

Seus olhos avermelhados indicavam imediatamente que aquela

poderia não ser UnlJ visita pastoral rotineira de un13 hora como

planejara. Rick c Becky eram novos na igreja, e queria conhecê-los

melhor. "Quase cancdalnos sua vinda aqui esta noite", ela disse

sem pensar. Rick e eu perdemos nossos empregos nesta Inanhã.

Nosso chefe nos procurou às nove horas e informou que, devido à

reorganização da companhia "para o benl de todos os interessados",

nós estávamos dispensados a partir de hoje.

O choque, disse ela, só foi ultrapassado pela falta de compaixão

da companhia - investiram quinze anos de sua vida nela. E sem

pensar ctn ninguém em particular, Becky perguntou com desespe­

ro: "Como podem crer que esta reorganização fosse o melhor para

rodos os envolvidos' Quem eles pensam que são?".

"Muito rultn que as corporações não lidem con1 demissões de

ulTla Inaneira I1lais cristã" - pensei.

Fiquei ali várias horas, IDas antes de sair sugeri não tomarem

qualquer decisão radical c, então, ajoelhei-me ao lado deles, termi­

nando com urna oração que iria me incomodar algunlas sclnanas

mais tarde.

Orei assim: "Senhor, ajude Rick e Becky a permanecerem abertos

a ti durante este momento difícil. Dê-lhes paciência para esperarem

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16 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

em ti. Talvez esta seja a época quando tu os conduzirás a uma nova

e radical direção".Após a oração, senti que nosso momento juntos lhes dera espe­

rança. Quando ia saindo nos abraçamos, e eles disseram: "Deus

sabia que não poderíamos ter cancelado este encontro com vocêesta noite. Obrigado por seu encorajamento".

Era quase meia-noite. Ao dirigir para casa pela rodovia sinuosa e

iluminada pela lua, em silêncio agradeci ao Senhor pela visita pro­videncial. Deus seria fiel durante aquela hora de agitação, acredirava

nisso firmemente, e poderia ser um momento de significante cres­cimento para eles.

Tenho de admitir, entretanto, que minha mente também cogi­tou outro pensalnento enquanto dirigia.

"Que bom que as chances disso acontecer comigo sejam remo­tas", pensei. "É claro que muitos riscos acolllpanham o chamadodo pastor, mas ser mandado embora de surpresa não é um deles."

Senti-me confortado - ao menos estava livre dessa preocupação.Seis semanas mais tarde, às 22h 15, nosso telefone tocou. Aten­

di, reconhecendo a voz do presidente do conselho.

Esrava esperando a ligação. O conselho estava reunido naquela

noite e haviam me prOlnetido informações após a reunião. Fiz UIllaproposta aos líderes sobre como responder a alguns dos assuntostransitórios enfrentados pela igreja. Informei-lhes achar melhor

renunciar à congregação dentro de seis meses, de maneira que outropastor pudesse trazer um novo começo para a igreja. Confirmandominha decisão a um ministério debilitado por brigas, esperava usar

a transição para levar a cura tão necessária àcongregação.- O conselho pediu que ligasse para você esta noite - o presi­

dente começou - porque sou um grande amigo seu e minha es­

posa é sua assistente na igreja.

Quase sem respirar, continuou - o conselho pediu para in­formar-lhe sobre a votação do término do seu período como

nosso pastor. Decidimos efetivar sua demissão planejada imedia­

tamente.

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EXPULSO 17

- Quer dizer que o conselho está me mandando embota? ­

fàlei hesitante.- É claro que não - corrigiu. Estamos somente efetuando sua

demissão esta noite em vez de após seis meses.- E como fica o voto dos dois membros ausentes) - repliquei.

Ele não foi dissuadido; minha demissão eta definitiva e imediata.

Na verdade, ele talllbém não queria prolongar essa dolorosa con­versa. Concluiu da seguinte forma:

- O conselho acredita que esta é a decisão cerra e será a melhor

coisa para todos os envolvidos.Ocorreu a lllim ter ouvido palavras semelhantes algu111as sema­

nas atrás.Quando desliguei o telefone, t11inha esposa sentoU-se ao nlCU

lado na cama. MeSIllO tendo ouvido somente parte da conversa

não lhe custou imaginar o acontecido. Com nossos braços entrela­

çados, ficamos em proflJndo silêncio.-Acho que nosso trabalho acahou por aqui - finalmente falei.

Com desespero na voz e lágrimas nos olhos, ela replicou:

- Como podem fàzer isso? O que vamos fazer'

DEPRESSÃO, DO TIPO "MO-L-IA")"

Descobrira em primeira mão que desemprego também atinge pas­cores. No entanto, não se tratava de uma reestruturação corporativa.

Fui sumariamente despedido.

Na primeira senlarn senti-me vencido por uma depressão de

baixa intensidade, um sentimento de inlpotência. Por uma peque­na provocação, ou por ncnhullla, gritava com rneus filhos ou ex­

plodia com minha esposa. Alguns dias sentava-me paralisado napoltrona da sala, quase incapaz de responder ao telefone. O apoio

dos anligos parecia vazio."É fácil para você Etlar sobre a fidelidade de Deus, quando tem

seu emprego" - pensava.Vários dias se passaram antes de fazer algo além de ficar olhando

para a floresta de pinheiros, da janela de nossa sala. Minha esposa

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18 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLiTOS

finalmente persuadiu-me a sair da "poltrona da MO-I.-ZA"''', com o

seguinte convite: "Você iria comigo a urna caminhada no par­que?" - então, comecei a recon1por-me. Não queria deixar a

segurança de minha poltrona, mas sua paciência com a minha

irrirabilidade fez-me sentir em débito com ela. Com relutância

cedi. Andando por trilhas naquela tarde, comecei a sentir-me

com esperanças pela primeira vez desde o recebimento do telefo­

nema.Olhando para trás, tenho certeza de que navegar nas :íguas tur­

bulentas do desemprego seria mais fácil se eu conhecesse alguma

experiência anterior de desemprego como pastor. Mas nunca lera

qualquer coisa sobre o assunto. Precisava de ajuda para minhas in­finitas perguntas diárias: "Como explicar para família, amigos e

colegas o acontecido? Como sobreviveríamos financeiramente até

achar outro emprego'''.E, é claro, a pergunta fundamental: "O que Deus estaria tentan­

do me ensinar com essa terrível experiência?".

Quanto à primeira questão, sobre o que dizer à família e aosamigos, decidimos ser abertos, dizer às pessoas que não estávamosmais naquela igreja, ern vez de deixar as notícias correrern. Então

telefonamos para nossos familiares e amigos íntimos repetindo osfatos sobre a quebra dos laços pastorais com a igreja. Não toi fácil.

O maior desafio foi ficar preso somente aos fatos. Rapidamente

descobrimos a ajuda provida por conversas breves. Quanro maisfalávarnos, lnais propensão tínhamos para criticar os rnernbros doconselho ou extravasar sentimentos contraditórios.

Quando os vizinhos perceberam minha presença em casa todos

dias, informei-os com uma resposta adequada: "A igreja e eu deciodimos juntos que seria melhor se eu me aposentasse rnais cedo".

Acei taram e raramente perguntaram detalhes.

A igteja prometeu um pacote de desligamento que nos ajuda.

ria financeiramente nas primeiras semanas. Infelizlnentc, por cau­

sa da queda na arrecadação e no declínio da freqüência, ela não

pôde cumprir sua promessa. Descobri isso quando nosso últi-

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EXPULSO 19

mo cheque-desemprego veio somenre com merade da quanria

costun1eira. Não havia nenhu111a nota de observação acompa­

nhando o cheque ou uma ligação relefônica de aviso, somenre a

merade do valor do cheque. Mais uma vez senri-me irado e de­

sapontado.

Para suprir o que faltava financeitamente, tessuscitei minhas ha­

bilidades de carpinreiro e tornei-me um reparador. Suzanne tam­

bém pôde acumular um dia a mais por sen1ana no escritório onde

trabalhava meio período. O restanre foi providenciado por Deus

por meio de doaçôes especiais de amigos da igreja e da comunida­

de. 1ambém tivemos ajuda de um ministério do sudoeste do

Colorado, chamado Somcape, devotado a auxiliar ministros desilu­

didos com o ministério e suas esposas. Uma semana naquele lugar

nos fez começar a restaurar nossa caminhada com Deus, renovando

nosso desejo de servir.

Ao andar pelo vale do desemprego, comecei a aprender várias

lições importanres.

SR. MAMÃE

Quando perdi o trabalho no ministério não tive de lidar somenrecom a perda da autoconfiança e estabilidade financeira, mas tam­bém com as perdas experimenradas pelos meus filbos, que estavam

na escola primária na época. Não conseguiam entender por quenão podiam ir mais àquela igreja e por que o papai não pregavaIl1ais aos domingos.

Durante as priIneiras seis semanas após a nlinha demissão,

Suzanne e eu fomos incapazes de ir a outra igreja. Primeiramente,

nossos dois garotos fIcaram entusiasmados corn o pensamento defaltar à igreja.

"Vamos faltar à igreja amanhã de novo, papai'" tornou-se umarotinei ra pergunta de s<lbado;l noite. De algwua forma, sentiam-se

f~lzendo uma travessura, C01110 se estivessem escapando impunes de

algo.

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20 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONflITOS

Tentamos explicar. "Para nós, ir a igreja é um pouco diferente

do conceito das pessoas freqüentadoras de nossa igreja" - disse­

lhes. "Não somente ffeqüentávamos a igreja, mas lá também era

onde eu trabalbava. E como não estou mais trabalhando lá, não é

bom freqüentarmos aquela igreja."Não entenderam totalmente a relação entre as coisas. Mais tarde

perguntaram: "Por que não podemos cantar no coral das crianças,

que dará um concerto na pritnavera?", e "Por que não vanl0S ao

acampamento das famílias neste verão?".

Ainda que nossos garotos não pudessem compreender comple­tamente o significado de rninha demissão, acreditávamos ser itn­portante mantê-los informados. Nossa comunicação aberta parecia

acalmar a agitação causada pela perda de meu emprego.

Também descobrimos um livro que apresenta perguntas básicasque pais desempregados podem não imaginar que seus filhos pos­

sam fazer. When a parem loses a job [Quando um dos pais perde o

emprego], publicado pelo National Childhood GriefInstitute [Ins­tituto Nacional da Infância em Sofrimento], na cidadc de Edina,

no Estado de Minnesota, ajudou nossos filhos a enfrentar a gama

de emoções associadas a minha perda de emprego. F. comum aperda de emprego desencadear problemas familiares e até levar ao

divórcio. Mas não precisa ser assiln. Pode ser o momento para a

família ficar junta e para as crianças ajudarem os pais a aceitar um

pouco do sofrimento ao compartilh,\-lo. A imaginação das crianças

vai longe. As crianças podem acreditar que coisas piores vão aconte­

cer e imaginar-se culpadas pelos problemas.Ao observar seus pais, as crianças podem aprender liçôes impor­

tantes sobre conlO Inanter a esperança e a fé. Antes de ir para a

cama, por exemplo, nossos garotos regularmente oravam pedindo

pela ajuda divina nesta situação diHcil. Certa noite, nosso filho maisnovo pediu o seguinte: "Deus, ajude o papai a encontrar outra igre­

ja onde possa ser pastor e ajude-o a não atropelar (com o carro) os

membros do conselho". Os garotos tinham noção das minhas ne­

cessidades, e senso de humor.

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ExPULSO 21

Adolescentes, particularmente, podem fazer parte de muitasdiscussões de família sobre a perda de um emprego. É claro, a dis­crição deve ser usada, sem detalhamento l quando as crianças estão

presentes. Com oossos filhos pré-adolescentes, por exemplo, mi­nha Inulher e eu nunca usamos nomes de mernbros do conselho.Embora os garotos flcassem curiosos, achávamos desnecessário o

conhecimento de quais pais de seus amigos decidiram demitir-me.

Os garotos sofreram durante o tempo de adaptação à nova situ­ação financeira. "Papai l agora valnos ser pobres?" tornou-se uma

pergunta freqüente. Assegurei-lhes que Deus proveria nossas neces­

sidades. Decidimos compartilhar com eles as várias maneiras provi­denciadas por Deus para suprir os recursos financeiros. Quando

recebíamos um bom cheque de um vizinho cristão pelo correio,

imediatamente mostdvamos aos garotos a carta e o cheque.

O fato de estarmos com o orçamento apertado também ajuda­va nossa família a discernir rl1ais cuidadosanlente entre necessidades

e vontades. Todos reconhecemos a urgência do replanejamento dasférias de verão. Perguntamos aos garotos:

- Embora não tenhatnos grandes férias neste verão l vocês ain­

da imaginam ter o que precisam'- Bem, sim. - responderam - Mas não vemos a hora de

você conseguir um enlprego para poder comprar um brinquedonovo.

Em vez de deixá-los fora do acampamento da igreja, de que tantogostavam, engolimos nosso orgulho e pedimos ajuda financeira.

Meu desemprego foi uma ótima oportunidade para eu passar

muito tempo com meus filhos. Aprendi a arte de dar e pegar carona.Levar meus filhos até o ônibus escolar tornou-se o ritual nlatinal.Uni-me a várias mães da escola de nosso filho mais novo para levar

os garotos em uma excursão chamada "um dia em Denver". Nosso

filho era o mais orgulhoso da classe naquele dia, o único que teve o

pai junto.Minha mulher também me via mais. Coisas sobre as quais haví­

amos somente conversado antes l agora fazíaInos: andar de bicicle-

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22 O CARATER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

ta, jogar tênis, carninhar, aln10çar juntos. Essas atividades nos apro­

ximaram muito naquele momento difícil. Sem o apoio de Suzanne,

meu desemprego teria sido negativo em vez de positivo para os

relacionamentos de nossa família. Embora nosso dinheiro estivesse

curto, tínhamos tempo de sobra, e decidimos gastá-lo livremente

um com o OUtro. felizmente tínhamos casa própria e não sentimos

pressão imediata para mudarmos. Pastores que vivem na casa pas­

toral devem lidar com situações muito mais complexas, tais con10

encontrar um local para mudar de imediato e deslocar a família

para outro lugar. Não precisamos privar nossos filhos da escola e

dos amigos.

NÃo TÃO PESSOAL

o fato de ter sido despedido fez-me sentir um fi'acasso total. Mi­

nha tendência era aceitar toda a culpa ou jogá-la sobre o conselho.

Nenhuma das posturas ajudava. Tive de reconhecer a necessidadedos dois para que haja uma briga c para que cada um tome o seucaminho.

Comecei a enumerar mentalmente algumas das lições dessa pro­vação, tentando analisar o que poderia ter feito de forma diferenteou melhor. Este processo ajudou. Reconheci minha culpa parcial

em relação ao fracasso, e isto era tudo o que Deus estava pedindopara eu aceitar.

Reconheci que outros também tioham parte da culpa. Registrei

acusações iracundas em meu diário naqueles primeiros dias após a

demissão: "Como aquele conselho pôde ser tão cego e dono daverdade?". Mas ao passo que a tinta fluía da caneta para o papel, umpouco da ira da minha alma saía também. Reconheci a necessidade

de ter me comunicado mais ahertamente com o conselho sohre os

problemas profundos da igreja. Também deveria ter visto o conse­lho, os assistentes e a mim mesmo como companheiros de equipe,

em vez de oponentes.Ninguém jamais leu as palavras escritas por mitn, mas ao revê­

las agora, reconheço corno o rneu diário tornou-se meu terapeuta.

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EXPULSO 23

Escrever no diário pernlitiu-nlC expressar pensanlentos e sentinlen­

tos injustos. Ao fazê-lo, questões como responsabilidade pessoal,

perdão, aceitação e confiança vieram à tona.A perda de meu emprego demonstrou de maneira dura a inca­

pacidade de controlar a minha vida - mas precisava administrar o

que podia. Por causa das exigências do ministério, tinha negligenci­ado atividades apreciadas.

O tempo de desemprego pode ser uma oportunidade para a

alimentação e o exercício adequados. Aperfeiçoar habilidades ador­mecidas, cultivar um hobby e divertir-se não são coisas pecamino­sas. Antes de nosso cheque-desemprego acabar, dei andamento avários projetos encostados de marcenaria. Construí um novo ba­lanço para a varanda e uma mesa de piqueniques. Nossa garagemnunca ficou tão organizada e a lista da lllinha mulher de coisaspara consertar finalmente foi concluída.

Investi mais tempo com minha família e com Deus. Após aque­la terrível ligação telefônica, um dos primeiros amigos com quemainlocei desafiou-me a me aproximar do Senhor mais do que nun­

ca. "Só porque você se sente excluído da igreja neste momento, nãosignifica que o Senhor não queira a sua amizade" - disse.

foi um bom conselho. Usava a primeira hora do dia, após osgarotos saírem para a escola, com o Senhor, e de fato isso mos­trou-se uma bênção. Em vez dos dez ou quinze minutos rápidosde devoção selnpre feitos enllneu escritório, podia agora pergun­tar coisas ao Senhor e ouvir respostas; lia capítulos em vez deversículos e descobri a alegria de usar um hinário para ter comu­nhão com Deus.

Foco NA FAMíLIA

Minha esposa observou que quando cu, como pastor, perdi meuemprego, perdemos mais do que um salário. Perdemos também

nossa família da igreja, a mesma comunidade de outras pessoas de­sempregadas que ainda podem se aproxilnar dda para encontrar

conforto, cOlnpreensao e encorajamento.

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24 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

freqüentar uma igreja era algo que precisávamos resolver. Du­

rante as seis primeiras semanas após a minha demissão, não tive­

rnos o desejo de colocar os pés en1 uma igreja. Aceitamos nossos

sentimentos c nos permitimos aproveitar o domingo assim COll10

nossos vizinhos não-freqüentadores da igreja. A única diferença era

o 1l1on1ento de culto crn família, nos sábados à noite ou nos do­

mingos pela manhã, após o cafe. Então, usávamos o domingo como

dia de descanso familiar.

Quando finalrnente nos sentitnos confortáveis para ir a un1 cul­

to público, procuramos uma das maiores igrejas da região, onde

pudessemos ficar no anonimato. Foi uma boa ideia. Tanto Suzanne

quanto eu sofremos nos primeiros cultos. Tenho certeza de que aspessoas sentadas ao nosso redor perguntavam-se qual seria nosso

problema, mas ao menos pernlitiam nossa reserva.

J-<inaln1ente estávamos prontos para estabelecer alguns relacio­

namentos pessoais nas nossas experiências de culto público. Foi

quando começamos a freqüentar uma grande igreja onde conhe­

cíamos algumas pessoas. Ficamos ali agradecidos por encontrar

liberdade e recobrar nossas forças sem qualquer pressão de envol­

vifnento.

Para completar nossa freqüência esporádica à igreja precisamos

do apoio de an1igos cristãos. Eu e Suzanne f011105 convidados a

participar de dois grupos pequenos. Embora tivéssemos recusado a

participação selnanal nos encontros, ocasionallnente nos reunÍan10s

com eles e era algo encorajador. Sabíamos de suas orações por nós

e, quando Ían10S às reuniües, nos sentíalnos aceitos e incondicio­

nalmente amados.

Embora a última coisa que tivesse vontade de fazer fosse falar

sobre como fui despedido, esta não era hora de ficar isolado. Des­

cobrimos haver pessoas em nossa antiga igreja que nos amavam e

estavall1 chateadas com a tninha demissão. Queriam nos dar apoio,mas precisavam de nossa permissão para fazê-lo. Iniciamos contato

com eles e aceitamos a aproximação.

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ExPULSO 25

Na igreja que servi, outros dois homens haviam perdido seus

empregos recenremente. Encontrava-me com eles regularmente para

apoio n1útuo e encorajamento. Quando un1 deles conseguiu Uln

emprego, seu sucesso aumentou nossa confiança de tambéln ver­

mos Deus agir.

Dutante as semanas finais de batalha em nossa igteja, decidi dei­xar o lninistério pastoral após lninha demissão. Concluí: "Nenhum

emprego vale isto".

Minha mulher descreveu melhor o meu sentin1ento: "É colnose nossa vida tivesse sido arruinada". Era con10 se alguém tivesse

invadido nossa vida, roubado nossos bens mais preciosos e avaria­

do o que nos era mais caro. Nossa confiança nos cristãos evaporo ll­

se, assim como nosso a1l10r para dar e servir. A idéia de considerar

ourra igreja era impossível; simplesmente não tínhamos mais nada

para oferecer.Semanas após 1l1inha delnissáo, no entanto, o Senhor me fez

repensar sobre aquela conclusão. A primeira pessoa usada para isso

foi un1 professor do senlinário que encontrei. Mencionou ter ouvi­do a notícia de minha demissáo. Após me consolar por alguns Ini­nutos. disse:

- Espero que não deixe o pastorado; a igreja precisa de pastorescomo você.

- Talvez você não entenda o que passan10S; todas as pressões e

exigências do ministério da igreja - repliquei. É bem diferente de

ensinar em um seminário, onde todos manifestam uma significante

maturidade espiritual.

- Nenhum serviço ou ministério vale a perturbação e a dor de

caheça que experin1entei no ano passado - continuei. Deve haver

outro modo aceitável para servir ao Senhor sem ser pastor eIl1 mnaigreja local.

Repetidas vezes, no entanto, a mensagem do professor era reite­

rada com palavras diferentes de conhecidos meus que observarammeu lninistério durante anos. Conversar COIl1 quen1 tinha fàmilia­

ridade com meu ministério fez-me reconsiderar o meu chamado.

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26 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Tinha de vencer o meu medo de pedir avaliações transparentes de

meus dons, habilidades, da minha efIcácia e do meu chamado.

Personalidade, temperamento e teste vocacional também eram

de muita ajuda. Eu e minha mulhet tecebemos essa ajuda no retirono sudoeste do Colorado.

Uma pergunta inquiridora de um amigo também ajudou a mi­

nha reavaliação: "Se Deus lhe desse qualquer habilidade desejada e

o abençoasse com sucesso, o que você faria para ganhar a vida?".

Cada vez que tespondia aquela questão, set pastor estava em

primeiro lugar na minha lista. Quanto mais o tempo passava, mais

acreditava na vocação divina para servir C0l110 pastor. Seis mesesapós minha demissão, tornei-me pastor-auxiliar da igreja que fre­

qüentával110S.

Quando saí da residência daquele casal que perdera seu empre­go, o conselho oferecido naquela noite era acadêtnico c não experi­

mentado. Mas isso não acontecia mais. Minha vida mudou para

sempre. O desemprego, descobri, pode ser redimido por Deus, aofazer alguém concentrar-se no clel11cnto mais precioso de nossorelacionamento: a fidelidade divina.

O conflito na igreja, conclUÍ, pode ser a ferramenta mais eficaz

para Deus moldar nosso caeiter. Essa é a tese deste livro. Tanto noexell1plo específico de minha dcnússão quanto no conflito diário

do ministério pastoral, descobri a operação de mudanças em mim.

Não teria escolhido este caminho, mas a frustração, a dor e a soli­dão do conflito foram usadas por Deus para desenvolver a minha

alma.

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JOGAR MACHUCADO

Recentcrnente li sobre um jogador profissional de hóquei. Ele éuma das estrelas do time da Liga Nacional de Hóquei, na re­

gião onde moro. A medida do valor daquele homem como joga­

dor de hóquei não se devia ao seu salário, ao núrnero de pontos

marcados, ou ao tempo CIn campo. Antes, o jornalista desportivo

local destacou-o por sua capacidade de "jogar mesmo machucado".

Analise os sintomas deste atleta depois de receber uma pancada

no primeiro tempo de jogo, em uma recente partida de hóquei:

não podia respirar profundamente, teve machucados sérios no tronco

e seu ombro e costelas doÍaln C01110 se tivessem passado por um

rnoedor de carne. A descrição dos seus ferimentos me assustou:

"Não podia respirar. Tive a sorte de minha cabeça não parar no

chão. Poderia esrar quase mono".

Não poderia mais jogar aquela partida.

Agora, considere o prognóstico para esse atleta: esperava-se seu

retorno àquela posição após a ausência em um OlI dois jogos, no

máximo. Para os atletas, jogar machucado é questão de honta, re­flexo da medida de suas intenções. O time precisa deles. Eles de­

vern competir no evento. A rnissão deve ser cumprida.

Isso tanlbém é verdadeiro no ministério. Às vezes, precisan10s

jogar mesmo machucados. Aliás, freqüentemente jogamos machu­

cados. É como considero, em alguns dias, o trabalho pastoral. Osconflitos na igreja deixam cicatrizes; algumas delas nunca saram

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28 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

plenamente. Urna alma ferida não sara rapidamente, n1as a D1aioria

de nós precisa pôr comida na mesa - vamos todos os dias ao tra­

balho que nos causa dor. Permanecer no rrabalho pastoral significajogar machucado.

freqüentemente sornas chamados a pregar, orar, ensinar, visi­

tar, aconselhar, casar e realizar funcrais, estando com o coraçãoferido.

Tenho um all1igo com quase oitenta anos, pastor aposentado,

ainda forte apesar da idade. Muitas vezes conversamos sobre os la­do., bom e mau do ministério. Uma de suas afirmações permane­ceu comigo: ele me disse após avaliar quantitativan1ente seus anos

de lninistério, a parte boa excede a má. E, então, continua: quando

faz a mesma avaliação da perspectiva qualitativa, o bom não est:'assim tão longe do 111JU. E 111ais: diz ter perseverado porque se

apoiava na esperança expressa pelo apóstolo Paulo, de que à luz da

eternidade, "... nossos sofrimentos leves e momentâneos estão pro­duzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todoseles" (lCo 4.17).

Em minhas leituras bíblicas, comuna ficar impressionado com aminha vantagem aparentell1ente injusta sobre os santos da Escritura.

Quando leio relatos sobre Noé, Abraão, José, Davi, Jó, e muitosoutros, sei o final da história. (~ueln vive as histórias, naturalmente,

não teve essa perspectiva. Tinham dúvidas sobre o destino durante ajornada. Não sabiam os desígnios de Deus.

Assim vivemos a vida. Também não sabemos os detalhes do fim

de nossa história. Somos chamados para viver fielmente sem saherC0l110 nossa história terminará. Aplicado ao ministério, somos cha­

mados para jogar machucados, sem saber quando, ou se nos senti­

remos melhor.

POR QUE É TÃO DURO?

Com o passar dos anos orientei vários jovens desejosos de ser pas­tores ou ter outra vocação ministerial. Não é incornum para 111im

ouvir deles após algum tempo no trabalho ministerial: "Não agüemo

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JOGAR MACHUCADO 29

mais isto. Por que você não Ine contou que a vida no ministério

poderia ser tão brutal?".

Ao ouvir seus questionamentos e incertezas sobre seu chamado,geralmente lhes faço uma pergunta, a qual já me fiz inúmeras vezes:

- Você i,i se questionou o porquê de Deus não cuidar melhor

de nós no ministério~

Surpresos de lhes fazer tal pergunta, normalmente respondem:- Siln, já fiz tal pergunta, C01110 você sabe? Pensei que nin­

guém mais levantasse tal questão!

Se estivesse no lugar de Deus, fazendo seu trabalho por algum

tempo, iria 111e assegurar de proporcionar um cuidado especial para

os que estão na linha de frente do ministério. Mas Deus parece não

Etzer isso. Achamos não existir muito favorecirnento para ministros

vocacionados. Às vezes, parece que não va1110S .'lupanar a dor.

Nem todo pastor que está lendo minhas palavras será capaz de

dizer: "Passei pelo conflito e emergi melhorado, e não amargurado,

curado por meio da dor". Há vezes em que a palavra curar, desafian­

do a definição, parece longe de nós. Algumas vezes petguntei se

algum dia me sentiria completo novamente. Não renho chavões

piedosos.

Tenho unl drnigo que orientei durante seus anos de seminário.

Permanecemos em contato hei quinze anos, desde sua graduação e

seu primeiro pastorado. Muitas vezes, ele comenta sobre sua atual

igreja: "Sinto-me travado aqui. Essas pessoas não querem progre­

dir; querem só suprir suas necessidades c, depois, exigir mais ainda.

Querem tanto, pagam tão pouco e, então, chutam-me quando es­tOU desanimado. Sinto-me usado e abusado por elas, mas Deus

não parece fãzer qualquer coisa sobre isto".

Se meu amigo lesse esre livro poderia perguntar: "Mas o que

você faz com as feridas não curadas? Quando estão cicatrizando,

alguém venl e arranca a casquinha".

Ouvi meu amigo parafrasear tanto as palavras de Já, que as me­

morizei: "Como dois e dois são quatro, assim o pastot tambémestá destinado a ser usado e abusado".

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30 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Pela graça de Deus achei a cura para o conflito na igreja e a espe­

rança que o excede. Mas isso aconteceu ao desenvolver uma teolo­

gia do conflito na igreja. Não eliminou a dor, mas ajudou-me a

seguir adiante quando estava no meio da luta.

GRAÇA PLENA

o apóstolo Paulo aprendeu que na sua fraqueza a força de Deus era

evidente. Deus não removeu a dificuldade. Ao contrário, Deus ofe­

receu a Paulo a garantia de que" Minha graça é suficiente para você,

pois o meu poder se aperfeiçoa na traqueza" (2Co 12.9). Nossa

esperança não é tanto a remoção da dificuldade, mas a força divinano momento exato de Slla necessidade. Isso não é muito confortopor um lado - quero alívio das críticas constantes - mas, por

outro, a promessa da força de Deus significa tudo.Outro aluno que orientei há alguns anos confidenciou-me te­

l11er levantar-se para pregar ern sua igreja por causa da ira e rnágoa

sentidas. Preocupava-se em dizer algo de que se arrependeria. Paraseu assombro, descobriu que enquanto lutava contra a ira e o res­sentimento, Deus continuava a falar uma mensagem poderosa e

clara à congregação a cada domingo. Meu amigo se perguntava como

aquilo acontecia, quando acreditava proferir muitas daquelas men­

sagens na fraqueza de sua carne.Descobriu a permanência do poder de Cristo nele, mesmo em

sua fraqueza. Não acho que Deus estivesse desculpando o ressenti­rnento do rneu amigo, nem sua incapacidade para perdoar seus ini­migos, ou seja qual fosse sua parte no conflito. Mas a graça de Deus

ainda operava em sua vida. Assim como meu amigo era fiel à tarefa

da pregação, Deus era fiel à sua Palavra.Acho mais estimulante ler sobre os infortúnios do apóstolo

Paulo do que, talvez, sobre qualquer outra personagem bíblica. Suas

palavras e seu exemplo ajudam-me a seguir em frente. Paulo reco­

nheceu o valor da mensagem do Evangelho que lhe fora confiadacomo servo de Jesus Cristo. Reconheceu sua fraqueza c ti'agilidade

para a tarefa. Com base neste entendimento, escreveu:

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JOGAR MACHUCADO 31

Mas temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que

este poder que a tudo excede provém de Deus, e não de nós.

De todos os lados somos pressionados, mas náo desanima­

dos; ficamos perplexos, mas náo desesperados; somos perse­

guidos, mas não abandonados; abatidos, mas rúo destruídos.

Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que

a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo (2Co

4.7-10).

Embora os conflitos rasguem o coração, Deus nos dá seu podet

para fazermos sua obra. Isso nos desnuda do orgulho e da auto­suficiência ~ algul11as vezes sigo adiante em meu serviço C0l110

pastor enl fraqueza total, rnovendo-111c unicamente no poder de

Deus. Paulo parece indicar que esta é a norrna, e não a exceção:

Traí'..cmos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que

a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo. Pois nós,

que estamos vivos, somos sempre emregues à morte por amor

a Jesus, para que a sua vida também se manifeste em nosso

corpo monal (2Co 4.10-11).

Com Cristo nunca estamos desprovidos de esperança, abando­

nados à própria força. Deus nunca nos desampata. Nossa fraqueza,nossas feridas e fragilidade são oportunidades de experimentar o

poder e a presença de Cristo em nós.

ErTI meus primeiros anos de ministério pastoral experimentei

tudo isto de uma nlaneira que nunca mais me esqueci. Servia enl

uma igreja fora do país c fui fustigado por lutas constantes com um

jovem casal que me criticava e era contra nossa igreja. Temia até o

fàto de vê-los aos domingos pela manhã. Aquilo não parecia nada

etn relação às suas expectativas.

Por sugestão de um amigo da igreja, um líder leigo, programei

uma visita a esse casal para Ul11a terça-feira de 111anha. Ao atravessar

a cidade de bonde até o apartamento deles, a ansiedade me impor­

tunava e comecei a me arrepender de ter 111arcado o encontro. Es-

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32 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONfliTOS

perando que Deus conflrnlasse meu vacilo e lne perlllitisse voltar,

abri minha Bíblia enquanto o bonde ruidosamente se arrastava por

ruas estreitas em direção a meu temido destino.

Duas paradas antes da minha, li o seguinte:

Mas agora assim diz o Sr:-:1l0R, aquele que o criou, ó Jacó, aquele

que o formou, ó Israel: "Não tema, pois eu o resgatei; eu o

chamei pelo nome; você é meu. Quando você atravessar as

águas, eu estarei com você; quando você atravessar os rios, eles

não o encobrirão. Quando você andar através do fogo, não se

queimará; as chamas não o deixarão em brasas. Pois eu sou o

SENHOR, o seu Deus, o Santo de Israel, o seu Salvador; dou o

Egito como resgate para livrá-lo, a Etiópia e Seb,i em troca de

você" (Is 43.1-3).

Naquele momento senti a presença de Deus, corno se seu poder

não estivesse só dentro de mim, mas ao meu redor.

Naquele dia meu relacionamento com aquele casal começou anludar. Durante os quatro meses seguintes experinlentalnos uma

renovada aInizade e parceria no ministério.

IDENTIDADE SOFREDORA

Lembro-me como se fosse esta manhã a primeira vez que li as pala­

vras de Paulo em filipenses 3.10-11: "Quero conhecer Cristo, opoder da sua ressurreição e a participação em seus sofrimentos, tor­

nando-me como ele em sua morte para, de alguma forma, alcançar

a ressurreição dentre os lnortos".Como pôde Paulo honestanlente escrever isso?Estava na f:lCuldade quando senti a alegria de servir a Cristo:

certamente não estava interessado em saber muito sobre o sofri­

Inento. Duas décadas lllJis tarde eu e minha nlulher participáva­mos de um culto de Sexta-Feira Santa. Eu havia renunciado

recentemente ao pastorado na igreja onde ministrava. Estava fora

do pastorado. Suzanne e eu ainda estávamos chocados pela dor edesilusão dos últimos dois anos.

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JOGAR MACHUCADO 33

Participar do culto naquela Sexta-Feira Santa, me fez começar a

entender as palavras, até então, confusas do "PÓS tolo Paulo. Demeu sofrirnento por Cristo veio un1 entendimento mais profundo

do sofrimento que cle suportou para obter minha salvação. Nãopude escapar ao pensamenro de que se Jesus havia sofrido tanto

assim por mim, não tinha cle o direito de me pedir para participardaquele sofrimento?

Cheguei ao entendimento mais profundo do amor de Deus pormim - Onls realizou tudo para trazer-nlc para sua fanlí1ia. Assim,

pude suportar momentos de sofrimento, sabendo que isso faz par­te do senhorio de Cristo em minha vida.

APRENDENDO A CONFIAR E OBEDECER

Uma verdade final da Palavra de Deus que me sustcnta em meio ao

conflito, em momentos de "jogar machucado" é; até Jesus, o Filho

de Deus, "embora sendo Filho, ele aprendeu a obedecer por meio

daquilo que sofreu" (Hb 5.8). Jesus não estava seguindo um rotei­

ro. Ele viveu plenamente sua vida, escolhendo a obediência em cadasituação. Os evangelhos registram como algumas dc suas cscolhas

resultaram em sofrimento, mesmo para o Filho de Deus. Mas foi

daquele sofrimento - aruar machucado - que Jesus aprendeurnais sobre a obediência contínua à vontade de seu Pai.

fiquei impressionado com essa verdade na vida de Gladys

Aylward, missionária na China durante e depois da Segunda Guer­

ra Mundial. O ministério de Gladys na China foi descrito no filme

The irm o[the Jixth happiness [A pOUJrlda drl sextrl ftlicidade]. Ela

sofreu terrivelmente durante sua viagem por entre as montanhas da

China par" levar cem órfãos em segurança até Sian, em Shensi. As

crianças, entre quatro e quinze anos de idade, foran1 salvas por cau­

sa da obediência fiel de Gladys a Deus.

Mas não foi sem custo.Quando Gladys chegou em Sian com as crianças, estava grave­

mente doente e quase delirante. Sofrera ferimentos internos de uma

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34 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

surra dada por invasores japoneses na propriedade da missao emTsechow. Além do mais, teve febre reincidente, tifo, pneumonia,

desnutriçao, choque e fadiga.Apesar de sua provaçao, Gladys aprendeu a escolher Cristo sobre

qualquer outra coisa oferecida pela vida - tanto que quando o ho­

mem que a amava, coronel Linnan, veio visitá-la em Sian enquanto

ela se recuperava, e a pediu em casamento, Gladys nao aceitou. Em

seu coraçao sabia que nao poderia se casar com ele e continuar a obraque Deus tinha para ela entre as crianças da China. Pela obediência a

Deus despediu-se de Linnan na estaçao de trem de Sian e nunca maiseles se viram de novo. Gladys continuou servindo a Deus fielmentena China e na Inglaterra até sua morte em 1970.

Por meio de nossos sofrimentos no ministério, Deus quer au­

mentar nossa maturidade em Cristo. Hoje sou mais capaz de con­fiar em Deus e obedecer por causa de minhas experiências dolorosas.Críticas duras recebidas no passado ensinaram-me a escutar mais e aresponder de maneira mais suave a meus críticos de hoje. Do sofri­

mento aprendi mais sobre obediência.Recentemente um homem de nossa igreja disse em uma reunião

que eu havia mentido à congregaçao durante um sermao. Houveum tempo em minha vida em que não o deixaria terminar sua fraseantes de questioná-lo e colocá-lo em seu devido lugar. Mas, às ve­

zes, há sabedoria em permanecer silencioso diante de nossos acusa­dores. Nunca tive chance de responder às suas acusações. Uma pessoaapós outra levantou-se, confrontou suas declarações errôneas e de­

safiou suas acusações ásperas. Sua resposta depois das repreensões,foi: "Acho que fui precipitado em minhas conclusões e áspero emmeus julgamentos". Entao, virando-se para mim, falou: "Sintomuito pelo que disse".

Estou aprendendo mais sobre o significado de permitir que Deusseja meu defensor, em vez de saltar em defesa própria. É difícilconfiar em Deus com relaçao a esse assunto, mas faz parte da obe­diência, permite o cumprimento de seu plano em minha vida e pormeio dela.

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JOGAR MACHUCADO 35

Atuar machucado no trabalho pastoral não é o ideal de diverti­

mento de ninguém. De alguma maneira, por meio da dor e daperseverança podemos descobrir a verdade que Paulo expressou tão

eloqüentemente:

Não só isso, mas tamhém nos gloriamos nas trihulações, por­

que sabemos que a trihulação produz perseverança; a perseve­

rança, um caráter aprovado; c o caráter aprovado, esperança. E

a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu

amor em nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele

nos concedeu (Rm 5.3-5).

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MANTER PERTO OS INIMIGOS

Estava em meu novo pastorado há mais ou 111cnos três meses

quando um dos memhros-fundadores da igreja, um leigo, con­vidou-me para almoçar. "Parece-me", começou ele, "e já conlIrmei

isto com outras pessoas importantes da igreja, que você provavel­

mente não é a pessoa certa para este trabalho".

Destacou algumas mudanças feitas por mim nos cultos, insigni­

fiGll1tes, e corno isso havia ofendido algumas pessoas envolvidas

C0111 111ÚSICa na igreja.

"Na verdade", disse, "há muitas pessoas na igreja que não gos­

tam de você ou do rumo dado à igreja. E não tenho certeza se

essas pessoas permanecerão nela se você ficar".

Este é um outro exemplo do que contei no capítulo 1. Talvez

losse o prenúncio do futuro. Isto nem passava pela minha cabeça

na época. Após minha saída forçada, percebi ter ignorado, evitado,

ou ainda, não reconhecido um papel chave da liderança: como pas­

tor, devo manter bons relacionamentos com todas as pessoas da

igreja, mesmo quando 101' muito difícil. Posto de modo claro, devo

orientar pessoas que não gostam de mim - c aqueles de quenl eu

tanlbérn não gosto.

Isso é llIn grande desafio, especialmente quando você está exaus­

to, inseguro e a ponto de desistir de tudo. Outro desafio pode ser

adlnitir honest31TICI1te não gostar de certas pessoas na igreja. Tenta­

mos acreditar que amamos todos os filhos de Deus.

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38 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Parece ser normal em rodas as igrejas a exisrência de algumas

pessoas difíceis de gostar, e em conseqüência difíceis de guiar. Po­

rém, nao cuidar de quem nos persegue somente tornará as coisas

piores no futuro. Nossos instintos nos levam a evitar o desconfor­ro, mas isso pode ferir nossa eficácia como líderes.

Em nenhum lugar nas Escrituras sou instruído a pasrorear so­

mente a ovelha agradável.

RESISTA AO QUE É NATURAL

No ministério, Elzer o que ven1 naturahncnte é muitas vezes a lnc­lhor opção. Ao lado da cama de um doente em um hospital, junto a

famílias em um funeral ou compartilhando o Evangelho com umdescrente, meus instintos pastorais geralnlcnte me guiam na direçaocerta. No entanto, isto não é verdade quando orientamos pessoasdifíceis. Uma de minhas reações naturais é distanciar-me delas.

Portanto, tive de aprender a procurar pessoas difíceis e gastaralguns lnomentos em conversa COIn elas.

Recentemente, urna mulher em nossa igreja tornou pública sua

opinião ao dizer que eu havia tomado uma atitude com hase naraiva e no rigor. Ela pronunciou suas críticas após nlC mandar umacarta desculpando-se por seu papel na questão e elogiando-me pela

maneira corno havia lidado com o assunto!

Quando a encontrei em um evento da igreja dias depois, passoupor mim sem dizer nada além de "oi". Poderia ter deixado aquilopassar e racionalizado que a frieza era seu prohlema. Em tais situa­

ções geralmente penso: "Ela vai superar o caso". Queria ignod-Ia,deixá-la de molho e esperar que viesse até mim.

Em vez disto, decidi não ti,zer o que para mim seria o mais

natural. Tive praticamente de persegui-la pelo corredor. Quandoa alcancei não a confrontei con1 suas ações ou COIn a raiva contramitn; conversei an1igavelmente, deixando claro meu desejo de

aproximar-me dela.

Foi maravilhoso o que aqueles dois minutos produziram. Aca­bamos rindo sohre um comentário de um de seus tIlhos naquela

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MANTER PERTO OS INIMIGOS 39

semana. Ela se despediu de mim com um abraço e dirigiu-me umolhar que transmitiu um "obrigado por convetsar comigo; eu esta­

va precisando disto".Mesmo que o nosso contato com a pessoa não resolva o proble­

rna, construirá uma ponte, en1 vez de unla parede entre nós. Há

alguma coisa positiva e tetapêutica no contato face a face com pes­

soas em desarmonia conosco.

CONVITE PARA UMA CONVERSA SÉRIA

Quando enconttei aquela mulher outra vez estávamos dispostos aconversar com nlaÍs tranqüilidade. Então, levantei o assunto de nosso

conflito. Meu propósito não era defender um ponto de vista ou

acrescentar algo ao assunto. Simplesmente disse: "Estive pensandoem como você tem lidado com a sua frustração. Saiba que me

importo con1 isso".

O segundo contato foi mais fácil para nós dois e transmiti-lhe o

desejo de conversar sobre a questão. O assunto não precisaria ser

ignorado. É importante as pessoas saberem que mesmo assuntos

referentes a conflitos podem ser discutidos; não precisam pôr fim aum relacionarnento.

Tive muitas diferenças de opinião com um casal sobre o esti­

lo de nosso culto. Encontrei-me com eles algumas vezes para tà­lar especificamente sobre a questão. Continuamos discordando.

Encontramo-nos regularrnente e, às vezes, quando conversamos

sobre algo não relacionado ao culto, intencionalmente puxo o

assunto. Às vezes, pergunto assim: "Gostaria de saber se vocês

têm notado alguma diferença positiva nos cultos ultimamen­

te?", ou: "Vocês gostaram do fato de termos cantado mais hinos

hoje?" .

Não estou tentando causar controvérsia; simplesmente quero

informar que não h:í problemas em conversar sobre algo acerca do

qual discordamos. Podemos discordar e ainda assim trabalhar­

mos Juntos.

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40 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONfLITOS

MANTENHA AS BRIGAS PARTICULARES, PARTICULARES

Um de meus grandes erros na ,irea de relacionamentos surgiu

cln unla reunião da igreja. Ulna pessoa havia refutado várias ve­

zes minha ênfase no evangelismo. Em uma reunião administra­

tiva o assunto "evangelismo" surgiu e muitas pessoas expressaranl

seu cntusiaS1110 sobre C01110 a igreja estava finalmente se expan­

dindo.

Aproveitei a oportunidade e disse: "Há algumas pessoas na igre­

ja julgando esrarmos perdendo mais pessoas que ganhando, pelogrande foco no evangelismo".

Quase todos reconheceram a referência aos "anti-evangelismo".A maioria das pessoas apoiava nossa filosofia de evangclismo. Fi­

cou claro a referência em minha crítica a Ulna pequena minoria.

Havia alcançado importante vitória naquela questão, e publicamente

- ao menos foi o que pensei.Mais tarde aquela declaração virou-se contra n1im. Da rncslna

forma que uma propaganda negativa de uma campanha política

pode gerar simpatia pelo oponente, o mesmo pode acontecer com

um ataque público a um membro da igreja. Nas semanas seguin­

tes ouvi comentários assim: "Achei justo o que disse sobre o Ed.

Ele não deve ser tão contrário ao evangelismo quanto você colo­cou".

Outra pessoa disse: "Não foi uma atitude correta falar sobre a

posição de Ed sem ele estar presente para responder".

Poderia sustentar todas as afirmações feitas snbre a oposição de

Ed ao evangelismo. Aquilo não parecia importante. Mesmo que as

pessoas não concordassenl COln sua posição, discordavarn lnuito

mais do meu ataque público contra ele.

Moral da história: é melhor não dizer algumas coisas - um

princípio óbvio ignorado quando o assunto começa a esquentar.

Não leve brigas parriculares para o ambiente público. Isso se aplica

a reuniões do conselho da igreja, ao púlpito ou a urna conversa

com quem não precisa saber daquilo.

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MANTER I'ERTO OS INIMIGOS 41

PRATIQUE A BONDADE

Um adesivo enfeita o pára-choque dc muitos catros em meu bair­

ro. Diz o seguinte: "Pratique boas ações para quem quer que seja e

belas atitudes desptendidas". É uma boa lembrança de uma das li­

ções mais úteis que já aptendi sobte como otientar pessoas que

acho diflceis de amar.

Procuro oportunidades para sct gentil com elas. É impressio­

nante como atos bondosos constroem pontes de relacionamento.

U1TI h0l11elTI de Ulna antiga igreja deixava claro todas as vezes que

falhava em atingir suas expectativas. Quer retornando uma liga­

ção telefônica dentro do prazo estipulado por ele, tetribuindo

um convite para aln10çar ou saudando-o na I11esma proporção,

parecia sempre marcar os pontos que fariam de mim um eterno

perdedor.

Achava muito diflcil ficat próximo dele. Depois de Deus con­

denar Il1inha atitude, comecei a procurar Il1anciras de mostrar bon­

dade para com esse homem.

Fui até ele em um domingo, após o culto, e disse: "Estava pen­

sando se você teria um teI11pO na próxin1a semana para me ensinar

a pescar". Ele era um ávido pescador e eu não conseguia pescar nada.

Nas semanas após nossa saída, sempre se referia à lição sobre pesca

ao conversar comigo e C01n os outros.

Pescando sozinho mais tarde, finalmente consegui pegar um peixe

gtande o suficiente. No caminho de volta, parei na casa do meu

"instrutor" e dei-lhe de presente meu ptimeiro peixão por ter me

ajudado a aprender a pescar.

()utra vez, cOl1videi-o para esquiar, c ele pediu-Ine para Inostrar­

lhe colno remar. Em alguns encontros conversalnos sobre sua ne­

cessidade de manter um registro do comportamento das pessoas

para poder ser melhor que elas, vencê-las. Finalmente admitiu corno

isso aferava negativamente sua esposa e seu filho mais velho. Ofere­

ci-lhe ajuda para lidar com aquilo.

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42 O CARÁTER APERFEiÇOADO PElOS CONFLITOS

QUANDO OS MELHORES ESFORÇOS NÃO FUNCIONAM

É claro que nenhuma técnica de como lidar com pessoas difíceis

será um sucesso com todos o tempo todo. Em Romanos 12.18 o

apóstolo Paulo diz: "Façam todo o possível para viver em paz com

todos". Paulo reconhece que nem todo mundo vai querer viver em

paz conosco.

O que fazer quando nossos melhores esforços não são suficientes'

Em uma igreja em que fÍJi pastor havia uma senhora sempre insa­

tisfeita com o que eu fazia. Era raro falar-me diretamente sobre seu

desapontamento; geralmente sabia de sua crítica por outras pessoas.

Enconrrei-a e disse: "Não consigo adequar-me a seus padrões de

desempenho e suas expectativas em relação ao meu rninistério. Sin­

to-me como se não pudesse lhe agradar". Então, eu iria parar de

tentar.

Ela afirmou que não precisava agradá-Ia.

Respondi: "Então não vai se importar se não me preocupar mais

em agradá-la em todas as ações e decisões'''.

Disse que não. Aquilo aliviou a tensão e afastou algumas recla­

mações constantes. Compartilhei com os presbíteros sobre mi­

nha conversa com aquela mulher, de maneira que, se suas

reclamações continuasscrn, poderianl tratar da questão conl ela

direta e decisivamente.

É claro que, às vezes, as pessoas decidem não mais fazer parte de

nlinha vida ou ministério e saenl da igreja. Aprendi nlesmo ncssa

situaçao a abrir a porta da conlunicação o máxirno possível.

Um casal disse não agüentar mais nleu ministério ou minhaspregações. Minha reação natural seria deixá-los ir embora e nunca

mais contatá-los. Em vez disso, telefonei e perguntei se poderia

fazer-lhes uma breve visita. Com dificuldade concordaram.

Quando nos encontramos, falei que não estava ali para convencê­

los a mudar sua decisão. Perguntei se em algum momento havia

errado ou ofendido os dois. Queria pedir desculpas se fosse o caso.

Disseram tratar-se mais de uma diferença de filosofia e direção,

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MANTER PERTO OS INIMIGOS 43

assim decidiram ser melhor procurar outra igreja. Agradeci pelos

anos de estada conosco e convidei-os para voltatem quando quises­sem. Antes de sair perguntei se poderia orar C0111 eles.

Ao caminhar em direção à porta, a mulher pegou em minha

lnão e disse: "Fiquei surpresa por querer vir nos visitar, n1as estou

feliz com isso. Agora, quando o vit no supermetcado não ptecisateievitar falar COln você".

A porta da comunicação ainda estava aberta. Podem até nãovoltar mais para a igreja, nus ao n1enos não Saíralll com o espíritoamargurado.

Essa forma de abordagem não só é útil para cOllStruir bonsrelacionamentos, nlas pron1ove o crescinlcnto pessoal na minha

rclacão com Cristo. Quanto lnais procuro alnar pessoas difíceis,

mais DellS as usa para moldar-me segundo a imagem de Cristo.Afinal de contas, aprender a amar as pessoas é um dos modos denos tornar como Cristo. Talvez seja o instrumento principal dos

pastores nesse processo.O fato de ficarmos perto de nossos inimigos geralmente abrid

as portas do sacerdócio alénl do que itnaginamos. Isso deve nos

Illotivar a dar importância até aos santos mais difíceis.

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RESISTiR AO IMPULSO DE REVIDAR

A cabara de receber a carta tTIordaz de um casal descontente so­

bre uma questão da mocidade. A reação deles não foi espiri­tual; certamente não entendianl toda a situação. Ainda não conse­

guira encontrar-me C0l11 eles.

Quando subi para pregar naquele domingo pela manhã, sentia­111C 1113\ e carregava um rcssentinlentO. Enl 111inha introdução fiz

algumas observações extclnporáneas que IIIcxeram cotn todo mun­

do - todos, menos o casal autor daquela carta. Enquanto a con­

gregação explodia em risadas, o casal estava estoicamente sentado,lá no segundo banco da fileira do meio, com os braços cruzados, osolhos fixos a me atravessar.

Quando tcrl11inei o sermão (senl outras brincadeiras), senti-me

fisicamente mal e espiritualmente desgastado. Minha inflexibilidadeestava se transfornlando rapidanlCl1te em anlargura e ressentinlcnto

- as duas tentações do conflito na igreja. Muitos pastores já prega­

ranl que a tentação não é pecado, IDas que cair em tentação é. Paramim, aquela tentação era difícil de resistir. Perdão é uma questão decaráter, e minha tendência a não perdoar quando sou ofendido força­

me a pensar claramente sobre os passos necessários para restaurar llleu

relacionanlento COIn Deus e com o ofensor.

RECONHEÇA SUAS FRAQUEZAS

A nlaioria das pessoas são suscetíveis onde foram machucadas várias

vezes. A crítica lançada sobre mim pela raiva da família com o evento

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46 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

do ministério de jovens era só um de uma série de conflitos com

eles. Sua atitude, destituída de boa vontade, foi a gota d'água paramim. Senti que não tinham interesse em dar a ninguém o benefí­cio da dúvida.

Talvez porque alguns de meus piores conflitos no ministérioenvolveram pessoas sem boa vontade e entendimento, acabo rea­

gindo com ira em tais situações. Sou facilmente provocado por

quem se excede em achar erros nos outros.

Ao aprender a reconhecer minhas fraquezas, descobri poder con­trolar melhor minhas reações. Meu desafio é receber graça e perdãodo Espírito Santo para esses irmãos, em vez de revidar com ira,

falta de perdão e amargura.

RESISTA AOS PRIMEIROS IMPULSOS

Quando leio sobre alguém ter escondido uma arma no bolso deseu casaco para acertar as contas com o chefe que o havia tratado

injustamente, ou sobre alguém ter bombardeado um prédio cheiode cidadãos inocentes, geralmente penso assim: "Como alguém podefazer tal coisa? Pessoas nornlais não reagenl assim".

Mas já tive todos os tipos de maus pensamentos sobre acertar ascontas com qnem me ofendeu. Talvez esta seja a próxima atitudee1l1 direção ao perdão - reconhecer que as circunstâncias poderi­am gerar uma vingança cruel. Na verdade, se não perdôo uma pes­soa, posso começar a fantasiar meios de ficar qnite com ela.

Após uma devastadora discórdia com uma família da igreja quehavia se levantado contra Jnim em praticamente todos os aspectos

e temas, pensei: "Se Deus não trouxer um julgamento rápido, po­derei dar uma mãozinha".

Pensei em alertar a Receita Federal sobre suas irregularidades fis­cais, por acaso, de meu conhecinlento. Ou poderia irrid-Ios à noite

ao passar de carro pela casa deles buzinando, com o rádio alto cdando farol alto em direção às suas janelas.

Quando compartilhei esses covardes pensalnentos secretos com

um amigo, ele olhou-me com espanto.

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RESISTIR AO IMPULSO DE REVIDAR 47

- Você faria mesmo essas coisas com eles?

- É claro, assim como qualquer um que cai em tentaçáo poderia

fazer para se vingar, em vez de cuidar do desafio do perdão - respondi.Lembro-me da observação que James Broderick fez sobre o papa

Paulo IV: "Nunca se esqueceu de tais ofensas, uma de suas fraquezas

fundamentais. Podia fàzer as pazes por um tempo, mas dava a im­

pressão de estar sempre vigilante".

Evitei isso ao cortar quaisquer fantasias de vingança.

ADMITA SUA CULPA

Em Deuteronômio 32.35, Deus instruiu o povo por meio de

Moisés: "A mim pertence a vingança c a retribuição. No devido

tempo os pés deles escorregarão: o dia da sua desgraça está chegan­

do e o seu próprio destino se apressa sobre eles".

Minha obsessão a respeito da vingança é uma tentativa de parti­

cipar do julgamento de Deus. Isto somente agrava o conflito, exa­

cerba a lembrança e causa mais dor. É como se uma das partes

culpadas em uma disputa contratual participasse do julgamento e

sentença da outra parte.

O fato de ser também, muitas vezes, culpado, de não ser perfei­

tamente justo nas suas ações, pode ser difícil de aceitar. Em muitas

situações há duas partes culpadas em conflito. Portanto, não possoretribuir o mal. fico me perguntando quantas oportunidades de

reconciliação não aconteceram porque os dois lados se reuniram a

fim de perdoar, mas esravam despreparados para serem perdoados.John Oglethorpe, amigo de John Weslcy, supostamente lhe disse:

- Eu nunca perdôo.

O senhor Weslcy replicou sabiamente:

- Então, senhor, espero que nunca peque.

EVITE O REVIDE DO PÚLPITO

Descobri que demorar em perdoar pode levar a abusos no ministé­

rio público de pregação. Uma vez usei uma carta recebida para ilus-

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48 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

traI' como é errado criticar alguém quando não se conhece todos os

fatos. Durante o sermão li urna parte da carta contendo acusaçües e

conclusües baseadas em desinf()fmação. Então, esclareci tudo à con­

gregação ao descrever os fatos. É claro que os fatos demonstravam

como nleus críticos tiraram a conclusão errada e estavanl equivoca­

dos. A congregação pareceu concordar comigo e viu meu acusador

corno um antagonista negligente e nocivo. Havia ilustrado um as­

pecto bíblico e silenciado meu oponente ao mesmo tempo.

Na senlana seguinte recebi outra carta desse homern, dizendo

estar se desligando da igreja com sua família e pedindo-me que nãoligasse para eles, nem tentasse fazer qualquer contato. Ainda que

tenha cuidadosamente protegido a identidade deles naquela ilustra­

ção do sermão, todos sabiam a quem estava me referindo. Não lhes

dei outra opção senão deixarem a igreja.Não iInporta o quão ofendido possa ter me sentido; não inl­

porta o quão forte era a tentação; o foro público não é o lugar para

confrontar urna crítica. Isso me dá urna vantagem desigual que fre­qüentemente resulta eIll urna apresentação tendenciosa de nleu lado

da história, sem dar oportunidade para uma réplica justa.

Descobri que o melhor caminho para evitar essa tentação é ofe­

recer perdão em particular.

PERDOE UM DE CADA VEZ

Gostaria de dizer que descobri a fórmula para o perdão, que fiJl1ci­

ona todas as vezes. Mas não descobri. Perdão não é algo que posso

fazer uma vez e, então, esd acabado. O alcance do perdão é geral­

mente proporcional à severidade da dor. O perdão se assemelha mais

a escrever UIn livro do que unla carta. Quando escrevo uma carta,

ponho meus pensamentos no papel, assino, selo o envelope e a

envio. Escrever um livro envolve aparentemente Uln ciclo infinitode escrever e reescrever.

Geralmente consigo lidar com pequenos conflitos rapidamente,

no espírito de [Pedro 4.8: "Sobretudo, amem-se sinceramente uns

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RESISTIR AO IMPULSO DE REVIDAR 49

aos outros, porque o amor perdoa muitíssimos pecados". Mas quan­

do a ofensa é severa, o processo de perdão pode ser igualmente

duro. Após a experiência mais diHcil no ministério - minha de­

missão - aptendi mais sobre o processo de perdão do que gostariade saber. 'Iodo o processo levou uns dois anos. Parecia que meu

perdão estava completo depois de alguns meses após a saída daque­

la igreja. Levei o assunto ao Senhor em oração e disse-lhe querer

perdoar a quem para mim eram os responsáveis. Até Inencionei

seus nOlnes. O perdão pareceu libertar-me.

Algumas semanas mais tarde deparei-me com um dos líderes da

oposição em um restalltante da região. Depois que cu e meu amigorerminanl0S nosso café da rnanhã, paran10s à mesa daquela pessoa

para uma breve e cordial conversa. Ao sairmos do restalltame, meu

amigo fez a seguinte observação:

- Puxa, você realInente parecia tranqüilo ao conversar C0111

Steve. Acho que conseguiu deixat todas aquelas coisas sobre a igreja

no passado.Murmurei:

- É, agora é tudo passado; é hora de prosseguir.

Mas, pelo resto do dia, toda vez que tinha um minuto ocioso, o

nome de Steve, seu rosto e suas atitudes surgiam em minha mente.

Não conscguia livrar-me de meus pensamentos. Aquele velho res­

sentimemo parecia tão real e poderoso como nunca - um cboque

para meu equilíbrio espiritual.

Pensei ter petdoado os participames daquele mau momento.

Por que estava reagindo daquela maneira?

- Senhor, já não foi o suficieme colocar toda aquela confusãoCn111Ill pacote, amarr<l-lo beIn apertado e, então, escrever nele "per­

doado'"

Evidentemente não. Ainda tinha que perdoar cada um dos oito

indivíduos do conflito. Ao pensar que poderia pcrdoar a todos de

uma só vez, descobri tcr de perdoá-los um a um.

O processo durou muitos meses. Cada vez que imaginava uma

pessoa, identificava claramente o sentimento a respeito dela c por-

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50 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

que Deus a trouxera a minha menre. À, vezes, aquilo levava alguns

dias para ser digerido completamente. Mas finalmente conseguia

tegistrar meus sentimentos, assim como identificar as razões portrás deles. Descobri que o simples ato de orar por alguém, mesmo

quando parecia vazio e ensaiado, de alguma forma abria meu cora­

ção para aquela pessoa.Deus foi muito criativo ao mostrar a próxima pessoa que preci­

sava perdoar. Eu estava no supermercado procurando pasta de den­

te e creme de barbear, quando vi de relance outro casal que havia

contribuído para a minha saída da igreja. Minha reação foi escon­der-me entre as prateleiras de verduras. Mas era tarde demais. Ouvi

aquela familiar fala lenta: "Oi, Gary". Depois de trocarmos algu­

mas palavras, cada um foi para seu lado.

Soube imediatamente qual seria a próxima pessoa a perdoar.

FALAR DA PESSOA PARA OS OUTROS

Uma técnica que me ajudou a perdoar foi falar sobre o ofensor ao

conversar com alguém.

Lembro-me de falar sobre um de meus opositores a um amigo

que o conhecia; assim, coloquei-Ine eIn uma posição que Ine força­

va a falar gentilmente a seu respeito. Mas descobri ser irrelevante o

meu interlocutor conhecer ou não quem eu precisava perdoar. Ao

falar de maneira positiva sobre alguém, sentia-me inclinado à re­

conciliação; as palavras positivas provenientes de meus lábios co­

meçaram a operar nos sentimen tos de meu coração. A tranqüilidade

daquelas palavras também se tornou um medidor de meu perdão

- quanto mais fácil fluíam, mais próximo estava do perdão.

LEVE-OS AO SENHOR EM ORAÇÃO

O passo final que me ajudou a perdoar foi reunir meus pensamen­

tos e sentimentos e levá-los ao Senhor. Às vezes, escrevia-os no pa­

pel e lia para Deus em oração. Outras vezes, recitava-os para Deusdiretamente de meu pensamento. Recitar pensamentos e sentitnentos

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RESISTIR AO IMPULSO DE REVIDAR 51

negativos ao Senhor permitiu-me pedir a Deus que me perdoasse

por meu pecado. Podia, então, seguir em frente e oferecer perdão

aos outros.

Essa longa experiência ensinou-nle o quanto o perdão divino

me capacita a perdoar os outros.

Há a história de um viajante atravessando a floresta de Burma com

um guia. Chegaranl a um rio largo e raso c o atravessaram. Quando o

viajante saiu do rio, várias sanguessugas estavanl grudado em seu torso

e pernas. Seu primeiro insrinto foi agarrá-las e arranGÍ-las.

O guia impediu-o, avisando que ao puxar as sanguessugas pe­

quenos pedaços delas ficariam sob a pele. E, conseqüentemente, a

infecção apareceria.

A melhor maneira de se livrar das sanguessugas, segundo o guia,era um banho de banheira morno e aliviador por alguns minutos.

O banho incharia as sanguessugas e elas logo se soltariam do corpo.

Quando sou muito mach ucado por outra pessoa, não posso

simplesmente arrancar o machucado de minha alma e esperar que

toda amargura, malignidade e emoção vão embora. O ressentimento

ainda se esconde sob a superfície. O único modo de livramento

total da ofensa e perdoar os ourros é mergulhar no banho suave do

perdão de Deus. Quando finalmente sentimos a extensão do amor

de Deus em Jesus Cristo, perdoar os outros acontece naturalmente.

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PREGAR DURANTE CONTROVÉRSIAS

N este último verão, minha família participou de uma confe­rência sobre a família cristã conduzida pelo serviço 111inistc­

rial radiofônico de um pastor norre-americano ben1 conhecido.

Acompanho suas pregações por anos, j<l ouvi inúmeros de seus ser­

mões, tanto pessoalmente quanto gravados. Suas exposições dasEscrituras fazem ben1 ao mell espírito.

Durante uma mensagem na conferência, ele usou um exemplo

extraído de sua vida. Aquilo não foi surptesa. Era muito comuminserir experiências pessoais e111 seus sermões. FreqüentC111cntc, as

histórias contadas eram do tipo "acontecimentos na viagcIll de féri­

as da família". Aquela, no entanto, era diferente. Um silêncio pai­rou sobre a audiência quando contou sua história.

Discorria a respeito de um conflito íntimo e doloroso que afe­tou toda a sua fàmília. Mas não foram os detalhes da hisrória queme prenderam a atenção - os detalhes eram até vagos por causa danatureza pessoal e intensa da dor. O impacto não proveio de suaspalavras, mas de seu silêncio.

A hisrória não tinha uma conclusão; ele e a família ainda esta­vam no meio da luta. Assim que finalizou a ilustração, disse: "Que­ria poder concluir essa hisrória contando-lhes a resolução de tudoc o toque fiel da cura divina, mas não posso, porque isso nãoaconteceu. Ainda estamos feridos e esperando para ver C01110 Deus

resolverá. E assim eSpera1110S ... esperamos ... e continuamos espe­

rando".

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54 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

Foi um lembrete poderoso do desafio peculiar enfrentado pelos

pastores ao pregar sobre as grandes promessas de Deus durante mo­

mentos em que nós mesmos ainda esperamos o seu cUlnprimento.

Às vezes, suportamos a dor e o sofrimento do conflito enquanto

pregamos extensamente sobre a esperança em Deus. Talvez esse de­

safio não seja tão grande como quando pregamos para quem per­

petra a dor em nossa vida. Falar as verdades de Deus para quem

sabemos conspirar contra nós não é nada encorajador. Entro em

conflito ao pregar quando sei que uma pessoa na congregação não

gosta de mim.

Como pregar, em meio à dor, para pessoas de quem não gosta­

mos e nos desconsideram? C0l110 levar a 1l1Cnsagern de Deus en­

quanto lutamos contra a ira c todas as feridas não saradas' Embora

tenha pregado por mais de vinte anos, ainda tento responder a to­

das essas questões. As conclusões esboçadas neste capítulo são certa­

mente provisórias, visto que em cada novo conflito aprendo lllais

sobre o significado da proclamação das verdades de Deus em meio

à fragilidade da vida.

PROMESSA NÃO CUMPRIDA

Um dos desafios dos santos do Antigo Testamento era proclamar

as promessas de Deus e demonstrar fé inabalável, quando eles mes­

mos ainda não tinham recebido a promessa.

Na conclusão do grande capítulo da fé, Hebreus 11, o autor

surpreende seus leitores ao anunciar que os heróis da fé morreram

sem receber o cumprimento total das promessas de Deus:

Que mais direi? Não tenho tempo para falar de Cidcão, Baraquc,

Sansão, Jefré, Davi, Samuel e os profetas, os quais pela te con­

quistaram reinos, praticaram a justiça, alcançaram o cumpri­

mento de promessas, fecharam a boca de leões, apagaram o

poder do fogo e escaparam do fio da espada; da fraqueza tira­

ram força, tornaram-se poderosos na batalha e puseram em

fuga exércitos estrangeiros. I louve mulheres que, pela rcssur-

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PREGAR DURANTE CONTROVÉRSIAS S5

reição, tiveram de volta os seus mortos. Uns foram torturados e

recusaram ser libertados, para poderem alcançar uma ressur­

reição superior; outros enfrentaram zombaria e açoites; outros

ainda foram acorrentados e colocados na prisão, apedrejados,

serrados ao meio, postoS à prova, mortos ao fio da espada. An­

daram errantes, vestidos de pele de ovelhas e de cabras, neces­sitados, afligidos e maltratados. O mundo não era digno deles.

Vagaram pelos desenos e montes, pelas cavernas e grutas. To­

dos estes receberam bom testemunho por meio da fé; no en­

tanto, nenhum deles recebeu o que havia sido prometido. Deus

havia planejado algo melhor para nós, para que conosco fos­

sem eles aperfeiçoados (Hb 11.32-40).

Mesmo assim, esses líderes ainda proclamaram as promessas de

Deus para a nação necessitada. Suspeito que Deus chama os pasto­res para fazer isso. No meio do conflito a ser resolvido devemosproclan1ar as prOlnessas de Deus. Pois são as promessas, e não so­

mente o cumprimento delas, que requerem fé.

Quando prego durante um período de conflito, pergunto-mequais promessas específicas de Deus podem ser relevantes naquelasituação. Uma vez, um homem na igreja acusou-me de ser ganancio­

so porque pedi que a comissão de finanças desse um metecido au­mento (que nunca vinha) a todos os empregados da igreja. Ele nãoparecia entender que um princípio espiritual de semear e colher

estava em jogo na maneira como a igreja tratava seus colaborado­res. Em sua mente, quando pedi tal aumento de salário para todo opessoal, estava demonstrando usura, e não generosidade. Depois de

un1a crítica particularmente dura feita em un1a reunião da comis­

são de finanças, fui para casa nervoso e machucado. Relutei o restoda semana com o fato de precisar ficar à frente da igreja no domin­go e pregar a graça de Deus, quando a minha vontade era aplicar a

ira de Deus.Então, sábado de manhã, sentei-me e comecei a listar as pro­

messas de Deus aplicáveis àquela situação. Em um pedaço de papel

escrcvt:

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56 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

o meu Deus suprirá todas as necessidades de vocês, de acordo

com as suas gloriosas riquezas em Cristo Jesus. (Fp 4.19).

Não estou dizendo isso porque esteja necessitado, pois

aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância (Fp

4.11) .

O Deus de toda a graça, que os chamou para a sua glória

eterna em Cristo Jesus, depois de terem sofrido durante um

pouco de tempo, os restaurarcÍ, os confirmará, lhes dará forças

e os porá sobre firmes alicerces (1 Pe 5.10).

Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a

sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas (Mt

6.33) .

Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã

trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu pró­

prio mal (Mr 6.34).

Memorizara a maioria daqueles versículos na escola dominical

quando criança. Durante a minha vida, Deus os cumprira várias

vezes. Mas não nesse momento~ ao lncnos ainda não. Contudo,

o processo de escrever no papel essas promessas, embora ainda não

cumpridas, ajudou a livrar-me do meu desapontamento e hostili­

dade. Entendi que a questão estava nas mãos de Deus; reler as pro­

messas ajudaram-me a entregar de volta a responsabilidade daquilo.

CORAÇÕES TERNOS

Quando o apóstolo Paulo confí-ontou seus acusadores em Atos 24,

usou o método da pregação. Diante do governador romano l'élix,

a resposta de Paulo ao advogado de acusação, Térrulo, foi em for­

ma de sermão. A defesa de Paulo foi tão eficaz que T érrulo se calou

e o governador Félix foi movido a dar a Paulo maior liberdade,

mesmo sob custódia.

Novamente, em Atos 26, Paulo respondeu aos acusadores com

um sermão perante o rei Agripa. Paulo falou no poder do Espírito

Santo querendo convencer Agripa a tornar-se cristão. E1l1bora isso

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PREGAR DURANTE CONTROVERS1AS 57

não tenha acontecido, Deus usou a proclamação de Paulo para con­

vencer Agripa da inocência do apóstolo.

Pregar durante o conflito pode ser um meio de permitir que o

Espírito Santo enterneça o coração dos adversários. Certamente isso

é perigoso, pois conftontar adversários com a pregação requer habi­

lidade e integridade. Há uma linha muito tênue entre pregar alllen­

ticamente a verdade bíblica aos acusadores e usar o sermão e a Bíblia

para ameaçá-los.Surgiu um dehate em nossa igreja sobre o aumento do número

de jovens presentes nos cultos. Muitos jovens haviam descobertorecenten1ente um relacionan1ento pessoal com Deus por n1eio da

fé em Jesus Cristo. Para enlàtizar a ação divina entre os adolescen­

tes, pedimos ao pastor dos jovens que guiasse a igreja no culto em

um domingo.A mocidade atirou-se à proposta, com energia, criatividade e

entusiasmo. O resultado foi uma instigadora experiência de culto

para toda a comunidade. Deus nos pennitiu envolver corações e

mentes de três gerações simultanean1ente, aproxirnando-as no cul­

tO eil1 uma só direção.

Face a esse encontro forte com Deus, fiquei surpreso ao ouvir

críticas sobre o modo C01no alguns jovens cstavarn vestidos no cul­

to. Disseram estar vesridos de modo casual, inadequado para o tra­

balho em nome do Espírito Santo, e também falta de respeito para

com alguns adultos na igreja. Nas duas semanas seguintes discllli ofato COln as pessoas descontentes. As conversas pareciarn inúteis,

somente a virulência aumentava e começava a ser dirigida contra

mim. Igualtnente, a mocidade e seus partidários davam n1ais voz

aos seus argumentos. Un1a nlldher lne disse de maneira precisa: "Se

tivennos de escolher entre a reverência a Deus no culto e ter nossos

jovens participando daquela maneira, então, tanto os jovens quan­

to o senhor perderão!".

A disputa esrava maior do que pensei. Em vez de continuar

no eaminho do diálogo particular, decidi tratar do problemapublicamente. Cuidadosamente, focalizei a mensagem no proble-

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58 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

IDa e não nas pessoas discordantes com o que acontecia. Para isso,

usei a mensagem de Atos 15 e intitulei o sermão "Liberdade pelaqual vale a pena lutar". O ponto era que nossa liberdade espiritual eautononlia são valores cristãos centrais. Tentei mostrar COlno desde o

livro de Atos houve constantes araques à liberdade conquistada porJesus Cristo para nós na cruz. Atos 15 diz que nosso relacionamentoCOIll Deus COIlleça solllente pela graça, por lneio da fe; a vida resul­tante é uma vida de liberdade e autonomia em Jesus Cristo.

Em minha exposição tratei de ambos os grupos que entreolha­vam-se separados pelo corredor. Mostrei como a decisão do concí­lio de Jerusalém, em Atos 15, dificulta determinar a intenção docoração de uma pessoa para com Deus apenas julgando-a pelo esti­lo de sua roupa ou a ausência de sapatos ou meias. Entretanto, aliberdade de não calçar sapatos não deve menosprezar as convicçõesdos outros. Antes, devemos exercitar nossa liberdade em Cristo

com um espírito de sensibilidade e interesse pelos outros membrosda família de Deus.

A resposta ao sermão foi maior do que havia pedido a Deus.A primeira pessoa a conversar comigo após o culto foi uma se­

nhora idosa que havia chorado duas semanas antes, após o culto dejovens, tanto pelo desgaste quanto pelo desrespeito dos jovens pelacasa de Deus. Segurou na minha mão e disse: "Não sei se posso meacostumar com as pessoas não usaretn sapatos na igreja, mas agoravejo que isto não diz nada sobre o quanto amam o Senhor". Senti­

mentos similares foram externados repetidamente naquela manhã

por pessoas de ambos os lados do problema. Fiquei maravilhadocom a força da palavra de Deus para trazer reconciliação.

VENDA NOS OLHOS

No conflito posso ficar muito centralizado em cruzar a nlensagem

das Escrituras com a vida de quem discordo. Isso inibe o impacto

das Escrituras em minha vida.Uma vez preguei uma série de sermões baseados na epístola de

Tiago quando havia uma guerrinha de palavras acontecendo na igre-

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PREGAR DURANTE CONTROVERSIAS 59

ja. A maior parte da conversa à toa centralizava-se nas diferenças de

opinião sobre nosso projeto de construção.Ao planejar a série de sermões, quase não podia esperar até che­

gar ao capítulo 3. O que Tiago tinha a dizer sobre "dominar a lín­

gua" era justamente o que tnuitos precisavam ouvir! Finalmente

chegou o domingo de pregar aquela passagem. Orei a semana todapara que o Senhor usasse a mensagelu para abrandar os corações

endurecidos. Fiz o mel bar que pude para relacionar a mensagem

de Tiago às palavras ditas por membros de nossa congregação.Senti Deus responder minhas orações. Depois do sermão pessoasadmitiram para mim que o Senhor lhes falara naquela manhã e

intencionavam consertar alguns erros naquela semana.

N a terça-feira à tarde, no grupo de estudos dos homens, trans­miti n1eu entusiasrno sobre con10 Deus tinha usado o sermão de

domingo para contestar as pessoas. Alguns dos homens admitiram

estar também graros pelo jeito como Deus usara a minha mensa­gem. Então, um deles limpou a garganta, olhou-me direto no ros­to, e disse:

- Isso significa que você quer esclarecer conosco algllIuas das

coisas que tem dito nas últimas sen1anas?

Eu não tinba idéia do que ele queria dizer. A princípio pensei

que estava tentando pegar-me com seu hurnor seco, assill1, reagi

C0l11 uma IronIa.

- Não, nós estamos falando sério - disse. Enquanto ouvia a

mensagem no domingo me perguntei se vocês oLIviam o que falavam.

Eles me pegaram. Falaram direro comigo, lembrando-me das afir­mações que lhes havia feito durante o conflito sobre a construção.

Alguns dos meus comentários tinham sido fofoqueiros e até malicio­sos. En1 meio à preparação e pregação do sermão sobre "dorninar a

língua", ficara surdo à voz do Espírito sobre minhas transgressões. Eutambém precisava prestar atenção à mensagem de Tiago.

Aquele incidente lembrou-me da importância de dirigir meuestudo e minha pregação primeiramente a mim. É facil para os

pregadores estudar, preparar e pregar as verdades santas de Deus

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60 O CARATE.R APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

para uma congregação sem antes aplicá-las a si mesmos. Phillip

Brooks, o grande reitor da Trinity Church [Igreja de Trindade] de

Boston no século XIX, ilusuava este perigo com a analogia de um

condutor de trem que passa a acreditar já ter estado em todos os

lugares anunciados aos passageiros por ter falado alto e por muito

tempo os nomes daqueles lugares.

Permitir que minha pregação seja endereçada a mim primeiro

evita o uso do sern1ão con10 anna. Assiln, deixo Ul11 caderno de

anotações sobre minha escrivaninha durante o estudo do sermão.

Durante a Sen1al1a peço ao Espírito Santo trazer a minha Inente

problemas particulares ou situações da minha vida em que a men­

sagem em preparação possa aplicar-se. Quando tais questões vêm

ao meu pensamento, escrevo-as para poder orar sobre elas antes da

conclusão de meu estudo naqnela manhã. Sempre fico impressio­

nado colno Deus aplica minuciosalncnte en1 minha vida as verda­

des estudadas para o domingo. Isto me ajuda a identificar a venda

sobre meus olhos, antes de ficar obcecado com a dos olhos dos

outros.

A IMPRESCINDíVEL ALMOFADA

Unl anúgo estava envolvido em um conflito en1 sua igreja nos úl­

timos seis meses. A situação era tão complicada que ele estava pla­

nejando desligar-se dentro de duas semanas. Quando falei com ele

naquela selnana, perguntei-lhe como conseguia pregar todo dOInin­

go enquanto seus adversários f'llavam mal dele e ganhavam terreno

na btiga ao dividir a igreja.

Sua resposta foi: "Coloquei uma almofada entre mim e a con­

gregação".

Explicou que um senhor da igreja, amigo e ctistão maduro, colo­

cara-se na lacuna aberta entre pastor e congregação. Aquele senhor

pern1itiu a meu amigo externar seus pensamentos e en10ções em Ulll

ambiente seguro. Meu amigo pastor diz que aquilo evitava que ele

lançasse um ressentin1cnto envenenador na congregação durante sua

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PREGAR DURANTE CONTROVERSIAS 61

pregação. Contou: "Quando descarrego minha frustração durante

a semana na minha 'almofada', não sinto a necessidade ardente def:tzê-Io no sermão de domingo".

Durante meus dias sombrios no ministério, descobri o valor de

tais amigos. Um homern de negócios, um oftalrnologista, urTI en­

genheiro e um cientista foram os amigos procurados para desabafar

minhas frustrações, fázer algumas perguntas e oferecer minhas so­

luções. Na nlaioria das vezes ouviam, ocasionalmente ofereciam

conselhos, mas sempre me deram suporte e torça.

Em um momento bem ruim liguei para um desses amigos,

como últirna esperança:

- Posso dar unla passadinha por aí e tOnIar um pouco de seu

tempo esta noite' - perguntei.

- Venha sim - respondeu - o café estará prontO quando

você chegar.

Dez minutos depois, sentava conl ele e sua rnulher à mesa da

sala de jantar e dizia-lhes não sentir mais vontade de continuar.

Falei: "Ser pastor requer doação constante, tcnIO não ter nada

nIais a oferccer para ninguélTI. Preciso sair antes que isso me l1late".

Nunca pensei dizer tais palavras. Queria me livrar daquilo, um sen­timento estranho para mim.

Bebemos duas garrafas de café durante nossa conversa naquela

noite. Finalmente meus amigos me convenceram de não ser o nlO­

menta de pendurar as chuteiras. Disseram: "Cobriremos seu lugar.

Tire duas selnanas de folga e irenI0s até o conselho e a igreja e expli­

caremos que você precisava de algum tempo longe daquela pressão".

Como meu amigo rambém era presbítero, sabia que sua decisãoseria aceitável ao conselho. Também entendi ter o apoio da congre­

gação. Minha preocupação era com as três famílias líderes da opo­

sição e derentoras do poder na igreja. O que poderiam fazer dianteda notícia de minha vulnerabilidade? Dariam o golpe final?

Meus al1Iigos me disserarn que aquilo não deveria ser mais mi­

nha preocupação. Estava de folga por duas semanas. Queriam que

fosse esquiar e deixasse a igreja um pouco de lado.

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62 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

A ousadia deles foi convincente. Nada de demissão: parei de me

preocupar (ao menos pelos próximos meses) e fui esquiar com minha

mulher no dia seguinte.

Aquele ripa de proteção por parte dos meus amigos poupou­me de mais conflitos - daqueles que vêm quando se diz coisas

inapropriadas pelo desgaste e cansaço. Permitiram-me canalizar mi­

nhas frustrações, questões, e aré mesmo hostilidades, na direção

deles, e não dos instigadores do conflito.

Tive de aprender a confiar naquelas pessoas e valeu a pena fazê­

lo. Quando me apoio neles sinto-me espiritualmente melhor pre­parado para lidar com a palavra de Deus de maneira objetiva. Procuro

não deixar que minhas feridas distorçam minha pregação c, assim,

não LISO erroneamente o ministério da Palavra.

A PREGAÇÃO QUE ME CONFORTA

Durante conflitos na igreja, minha pregação me conforta. Sei que

isso soa um pouco estranho, mas se permito que Deus faça seu

trabalho em mim antes de realizar sua obra por meio de mim,

posso encontrar restabelecimento em minha pregação. Uma vez

preguei a partir do salmo 139, em meio a um intenso conflito. Ao

me preparar para o domingo, os versos líricos tocantes do salmo

trouxeram-me conforto. Deus f.1lara diretamente a mim. Nunca

antes havia experimentado tanta intimidade com Deus, suas inten­

çôcs se tornaran1 mais e mais preciosas para milHo Senti a certeza de

que Deus estava no controle, tudo sairia como ele planejara.

(J ensinamento especial de Deus para mim naquela semana

encorajou-me a proclamar a mesma esperança no domingo. De­

pois do culto, em vez do costumeiro corre-corre para a mesa de

refrescos, muitas pessoas permaneceram em seus lugares para con­

tinuar ouvindo c falando com o Senhor. Um pequeno grupo apro­

ximou-se e pediu-me para orar com eles nos degraus do púlpito.

Ajoelhamo-nos e oramos, cxpcrimcl1tan10S Uln profundo senso

da presença de Deus. Em uma época em que as ondas do conflito

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PREGAR DURANTE CONTROVÉRSIAS 63

agitavam a igreja, o salIno 139 dominou-nos completamente conl

a presença de Deus:

Como são preciosos para num

os teus pensamentos, ó Deus!

Como é grande a soma deles!

Se eu os contasse, seriam mais

do que os grãos de areia.

Se terminasse de contá-los,

eu ainda estaria contigo.

Quem dera matasses os ímpios, ó Deus!

Afas(em-se de mim os assassinos!

Porque falam de ti com maldade;

em vão rebelam-se contra ti.

Acaso não odeio os que te odeiam, SL\JIJOR?

E não detesto os que se revoltam contra ti?

Tenho pOt eles ódio implacável!

Considero-os inimigos meus!

Sonda-me, ó Deus,

e conhece o meu coração;

prova-me, e conhece as minhas inquietações.

Vê se em minha conduta algo te ofende,

e dirige-me pclo caminho eterno (SI 139.17-24).

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NECESSIDADES FAMILIARES

Estava em meu segundo ano da f"culdade quando o pastor de

minha igreja fez um anúncio chocame. Ainda lembro a dor emmeu cstônugo ao participar daquela reunião da igreja em um J0111in­

go à tarde, quando ouvi o pastor, a quem admirava c amava, explicar

que sua esposa mantinha um caso C0111 um membro da igreja.

Aquilo ocorreu Cl11 uma época em que tais revelações ainda eram

raras c escandalosas.

A congregação ficou pasma. Ninguém sabia o que dizer. Nin­guénl sabia como responder às necessidades de sua família e ao seu

coração partido. Mais tarde soube que ele saiu da igreja depois da­

quele encontro e só retornou para limpar e pegar as coisas de seu

escritório e encaixotar seus livros. Saíram da igreja, 111udaram para

outra cidade e nunca mais ouvimos falar deles nOVJrnente.

O pastor não era o único tnachucado cm sua família, é claro.

Naquela reunião da congregação, falou da mágoa sentida por suaesposa há lnais de um ano. Muitas de suas dores eram o resultado

do conflito que acontecia na igreja há meses. Ela ia para casa depois

do ensaio do coral chorando, jurando nunca mais volrar Lí. Acho

que o conflito chegara ao limite.

Seu papel no conflito era principalmente como espectadora, embo­

ra seu marido estivesse no centro da controvérsia. Poucas pessoas ofere­ceraJn-lhe conforto ou f()fam compreensivas, entendendo que ela e a

fàmília de algurna forma vencerianl aquilo sozinhas. Não venceram, e

suponho ter ela achado consolo nos braços de outro homem.

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66 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Ainda que não justifique seu comportamento, posso compre­

ender sua solidão. Quando deixamos uma igreja em meio a umconflito, minha mulher me disse o seguinte: "Serei eternamente

grata a Deus se ele permitir que você saia do pastorado".Durante outro período de tumulto, confidenciou: "Se você dei­

xasse o pastorado eu não me arrependeria. Esta vida de íàmília de

pastor é muito dolorosa e solitária".

Em um dos momentos mais críticos, ela me disse: "Odeioa igreja e não me arrependeria por Uln minuto se não voltassemais lá".

O conflito na igreja pode ferir profundamente a mulher dopastor, às vezes, irrevogavelmente (porque a maioria dos cônjugesde pastores continuam a ser mulheres, usarei neste capítulo o ter­

mo mulher em vez de cônjuge). Ela está machucada, seu maridoestá machucado e Ulll não pode ajudar o outro. Há muitos anos,

depois que o pior conflito na igreja em meu ministério levou-mea minha demissão e expulsão imediata da igreja, tive a sorte deum colega de ministério oferecer-me sua amizade. Em um denossos encontros, perguntou-me: "COlllO Suzanne está lidando

com tudo isto?".

Lágrimas encheram meus olhos porque sabia que estava tãomachucada quanto eu, lllas não sabia como suprir suas necessida­

des. Quando o ministério é tomado pelo conflito, o casamento

do pastor pode - e deveria - ser uma proteção, tanto para opasror quanto para sua mulher. Mesmo havendo desunião no cor­po de Cristo, o casal pode, com a ajuda de Deus, estar unido emseu cOlllpromisso com Cristo e um com o outro.

Mas não é fácil para o pastor envolvido em um conflito ir paracasa e pensar sobre as necessidades de sua mulher. O fato de Deustomar os conflitos e moldar por meio deles o nosso caráter é umdos temas principais deste livro, mas não podenlos esquecer docuidado para com a família. No capítulo inicial do livro, falei bre­

vemente como Suzanne e eu resguardamos nossa família duranteminha saída forçada do ministério. Nesre capítulo, contudo, quero

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NECESSIDADES FAMILIARES 67

enfocar a importância do empenho para entender, reconhecer e res­

peitar os sentimentos de sua mulher.

o TORMENTO DA TRAiÇÃO

Mulheres de pastores formam suas relações dentro da igreja. Quan­

do o conflito atravessa o ministério, elas podem sentir-se profun­

damente traídas por pessoas em quem confiavam. Durame um dos

conflitos na igreja, Suzanne encontrava-se regulannente com várias

mulheres na igreja. Era um grupo que a alegrava e em quem confi­

ava. Com freqüência, tratavam de assuntos 1l1lÚtO pessoais. Suzannc

imaginou poder confidenciar a essas amigas sobre nossa situação.

Falou honestalllenre sobre seus sentimentos para com dois mem­

bros do conselho da igreja que se opunham a minha liderança.

Embora nâo tivesse citado o nome dos indivíduos, expressou seus

semimemos de raiva, desconfiança e desgosto.

Quando o conflito tomou maiores proporções, algumas de suas

amigas do grupo tomaram o partido de quem estavam contra mim.

Não demorou muito para ser relatado em uma reunião da congre­

gação: "Não era surpresa o fato de o pastor estar em desacordo COIn

o conselho; pois até sua mulher guardava amarguras no coração

comra dois de seus membros". O moderador continuou a falar,

dizendo citar o que ela dissera.

Quando sentimentos honestos são usados contra nós, não há

juízo maior de traição.

Ao chegarmos em nossa arual igreja, Suzanne admitiu para mim

a dificuldade de confiar nas pessoas ali por causa do passado. De­

pois de ouvir sua honesta posição, comecei a notar que também

me sentia precavido contra novas amizades. Havíamos nos dado

anteriormente às pessoas com grande liherdade; agora esdvamos

mais cuidadosos, desconfiados. Admitirmos aquilo um para o ou-. .

tro aproximou-nos mais.

Suzanne fazia parte de um "clube de aniversário" com um grupo

de mulheres da antiga igreja. Achava que era uma maravilhosa fonte

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68 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

de amizade e apoio - até algumas de suas companheiras do clube

viraren1-se contra nós. H~í. pouco tempo perguntei-lhe se estaria

interessada em corlleçar um grupo de aniversário na nossa atual

igreja. Ela não respondeu. Nem precisava responder. Seu olhar dis­

se tudo o que eu precisava saher.

Confiança traída não é de Eícil reconsrrução, e aprendi nova­

mente como preciso oferecer apoio e espaço para permitir a minha

mulher seu restabelecimento - do jeito dela e no seu ritmo. Não

há um grande segredo sobre como realizar isto. Simplesmente pre­

ciso ouvir, e não ficar chocado com o que diz ou preocupado com

a velocidade de seu processo de cura. Sentimentos de traição e des­conflança não reconhecidos podem nos levar à amargura e ao res­sentitllento. É muito Hci! nos tornarmos cínicos.

ficava incomodado com a mulher de um amigo que fina pas­

tor. Toda vez que Suzanne e eu os encontrávaIllos, ouvíamos

uma longa sessão sobre as fraquezas dos irmãos da igreja local. A

nlltlher mencionava pessoas da congregação. [)escrevia muitos

deles con10 hostis, materialistas, retrógrados e pecaminosamentecríticos.

Em vez de confrontar sua atitude, Suzanne e eu rendvamos

auxiliá-la como podíamos. O Elto de a escutarmos aos poucos pa­recia ser recompensado. O casal percebeu que os entendíamos e

realmente nos importâvamos com eles. Finalmente, depois de uma

enxurrada de observações sarcásticas, a mulher falou sem pensar:"Acho que agora vocês sabem o quanto odeio esta igreja!".

Sabíamos. Não condenavatllos sua amargura, entendíanl0s e

estavamos dispostos a agüentar até que Deus mostrasse aqLlilo

para ela. Lembro de ter-lhe dito gentilmente: "Agora que você

reconheceu seu ódio, penso que está pronta para começar a

d . I "per oa- os .

Assisti a Suzanne sofrer pelo desapontamento e pelas desilusões

com a igreja, e descobri que a melhor coisa a ser feita para ajudá-Ia

era não julgar sua atitude, confiar na atuação de Deus e estar emo­

cionalmente presente quando estivesse pronta para falar.

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NECESSIDADES FAMILIARES 69

OÁSIS FAMILIAR

Recentemente, Suzanne e eu participamos de urn retiro de nossa

denominação para pastores e suas mulheres, ern nossa região. To­

dos os anos aguardamos por esta conferência. Nesse evento anual

fiz amizade com um casal que chamou minha arenção quando os

ouvi conversando sobre pastorear uma igreja localizada eil1 un1a

região et11 transição. A congregação COll1posta quase toda por pes­

soas de orlgern inglesa estava envelhecendo e era resistente à mu­

dança. Resisriam à assimilação de pessoas da sua comunidade em

transição, assim C0l110 questionavam a perrnanência do pastor

naquela igreja. Muitos queriam os velhos e bons tempos de volta.

A igreja que um dia fora próspera estava agora dividida por um

conflito profundo, e o pastor estava hem no meio daquela situa­

ção, sem o conf1ito ser culpa sua.

Enquanto o casal contava sua história, pude sentir sua fragilida­

de. A mulher do pastor disse que se não tivesse a família ao seu lado

durantc aquele último ano, não teria superado a situação. Então,

descreveu como o amor e o apoio de seus três filhos tinham sido

urn oásis para eles. Contou C0l110 os rapazes, em torno dos vinte

anos e ainda viviall1 por perto, chegavam inespcradall1ente na casa

deles no domingo após o culto para o jantar. Além do rosbife,

batatas, molho e torta de maçã, riram juntos, contarall1 piadas,

brincaram e se divertiram. Foi como se esquecesserl1 por algumas

horas todos os conflitos da igreja ao esrar com as pessoas que os

conheciam e os amavall1. COlno a mulher disse: "Nunca itnaginei

o quanto viria a anur, estimar e precisar de minha família". L acres­

centou: "sabia que il1eus filhos poderiam estar fazendo uma série de

outras coisas COll1 o telnro deles nos domingos, mas escolheran1

gastar aquele tempo conosco - jogando, conversando e Elzendo

qucstão que soubésselnos que éramos amados".

A parte mais difícil era no final dos domingos, quando o casal

se despedia dos filhos. A despedida era amenizada pelo costume dedarem as mãos na sala de estar e orarem uns pelos outros. (J casal

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70 O CARATER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

disse que a princípio era diflcil contar aos filhos sobre os problemas

da igreja. Mas contaram-lhes, tentando não maldizer os membros

da igreja, e os rapazes os apoiaram, algo inesperado pelos pais.

Não há nada semelhante ao apoio da família durante momen­

tos de crises no ministério. É claro que nossos filhos não podem

ser nossos terapeutas c precisamos pesar bem as informações pas­sadas para eles. Mas nossos familiares significam muito para nós e

é encorajador quando se reúnem para nosso apoio e aceitação dos

fatos.

Na época que fui forçado a sair do pastorado (a história contadano capítulo 1), nossa família nos apoiou tremendamente. Ainda

que nossos filhos fossem novos na época, Suzanne e eu tentalnoscOlllpartilhar com eles nossas lutas de uma forrna apropriada aoentendimento deles. Não eram maduros o suficiente para entender

os detalhes do conflito, mas sabiam ser hora de nossa família se. .

unrr e apOIar um ao outro.Permitir que os filhos cuidem de nós em momentos de crise

emocional é uma experiência de humildade. Ainda lembramos

com gratidão as noites jogando dama e dominó ou montandoum quebra-cabeça. Caminhadas juntos, em lugares montanho­

sos, longas trilhas pedalando e passeios de canoa forneceram re­

novação e descanso.

A PROTEÇÃO DOS AMIGOS

Tenho uma teoria de que quanto mais tempo um casal esd no

pastorado, menor seu círculo de amigos Íntinlos. Na verdade, se o

casal não tomar cuidado, o círculo poderá fIcar tão pequeno que,

depois de um tempo, eles serão os únicos membros.Parte disso provém da falta de confi...mça mencionada antcriornlcn­

te. Mesmo assinl) ainda precisanlos de pessoas que nos apóienl e

compreendam. Amigos íntimos cuidam de nossa alma quando ela

está mach ucada.Lembro-me de lima amizade que minha mulher desenvolveu

logo depois de uma de nossas crises ministeriais. Em nossas convcr-

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NECESSIDADES FAMILIARES 71

sas, Suzanne geralmente citava alguma palavra confortante desta anliga.

Ainda hoje, elas permanecem em contato; Deus as aproximou para

encorajar a fé e confiança de Suzanne no cuidado divino.

Uma maneira de ajudarmos nossas mulheres a passar pelo con­

flito na igreja é encorajando-as a abrir-se com amigos de confiança

- pessoas não ligadas ao conflito da igreja ou até de fora dela.

Quando perguntei para a mulher de um pastor como enfrentara

conflitos em sua antiga igreja, ela me disse: "Não enfrentei. Só

sobrevivi com o auxílio de duas amáveis amigas cristãs do meubairro!".

Achar tais amigos nem sempre é fácil. Requer paciência e cora­

gem. Um jeito de resolver isso é orar a Deus para mostrar a sua

mulher uma amizade segura. A pessoa mencionada acima disse que

uma delas, sua amiga especial, era alguém que conhecia só de vista.

Ela disse: "Uma noite estava orando e chorando, perguntando a

Deus como proceder. Sem querer, o nome de Shannon passou por

minha mente, então, soube naquela hora que precisava ligar para

ela e combinar um café juntas". Elas se encontraram e ali começouUllla anlizade que forneceu o apoio tão necessário.

Até hoje minha mulher fala sobre sua amiga Marcia como uma

das pessoas especiais enviadas por Deus para socorrê-la durante umaexperiência difícil na igreja. O comentário f.worito dc Marcia cra:

"Não há problema em ser quem você é, pois Deus fez você ser

única" .

Além de amigos e fàmília, as mulheres precisam de seus maridos

durante um conflito. Isto parece óbvio, mas estou envergonhado

de não tcr percebido quão sozinha Suzanne sc sentia. Quando me

disse que se sentia sozinha, perguntei:- Você quer dizer sozinha em relação aos outros, não e- Não - disse Suzanne - sinto-me longe até mesmo de você.

E continou:

- Você não percebe que cu rne sinto corno se ninguém se inl­

portasse cornigo) nern n1esn10 você?

Ela se sentia abandonada. Eu, reprovado.

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72 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Desde então tenro aptendet ouvi-la, estar perto dela e incentivá­

la a abrir-se para revelar seus pensamentos Íntimos. Embora um

conl1ito não seja algo venerável, posso dizer que os momentos em

que eu e Suzanne nos sentinlos mais próximos um do outro foramas grandes dificuldades passadas. Estamos aprendendo a orientar

um ao outro.

Quando em luta contra o sofrimento durante esse conflito naigreja, nossos sentinlentos são refletidos e geralnlente intensifica­

dos em nossas mulheres. Um pastor pode em geral engajar-se dire­

tamente na batalha - tem que it trabalhar e enfrentar o problematodo dia - desse modo eliminando alguns de seus sentimentos

negativos, nlas a esposa não teru essa escapatória. É rnuito irnpor­

tante, portanto, que ela ache lugares seguros para libertar-se de seussentimentos, para sentir-se incentivada e encontrar a cura divina. (j

lugar rnais óbvio onde isto precisa acontecer é em casa com seu

marido.

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MANTER O EQUILíBRIO

Fazia alguns meses que nao me sentia tao renovado. O tempo

passado com minha mulher e meus dois filhos adolescentesdurante o verão foi o ll1e1hor de todos que l1le recordo: ulna Se111a­

na eIn utn sítio nas 1110ntal1ha5, U111a reunião de família no Clubedas Rochas, acampando, passeando de canoa e fazendo refeições ao

ar livre - tudo isso compôs um verão cheio de ll1ernórias e a tão

necessána renovação.

Quando nossas férias acabaram, preparei-me para a próxirna reu­

nião do conselho da igreja, quando nossos líderes renovariam nossa

cornunhâo e planejaríamos as atividades para o outono. A reunião

começou suave como inlaginara. No entanto, percebi um item es­

tranho na agenda: preocupações dos membros. Depois de momen­

tos de comunhão, oração, revisão das minutas e inforrnação sobre a

posição financeira da igreja, o presidente do conselho apresentou

um membro que tinha algumas preocupações.

Nos tninutos seguintes, aquela pessoa reclamou do período de

férias aprovado pelo conselho para mim. Disse assim: "Precisamos

do pastor aqui durante os fInais de semana no verão porque pessoas

estão visitando a igreja e queren1 ouvi-lo, e não algun1 substituto

que nunca mais verão".

Depois de sua partida, o conselho discutiu suas considerações.Aquilo !cvou à discussao do significado de uma vida equilibrada. A

maioria dos membros do conselho admitiu que dificilmente se sen-

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74 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFliTOS

ti riam culpados com aquilo. Quando falei sobre meu compromis­

so de uma vida bem equilibrada, o conselho pareceu ver a reclama­ção de um ângulo diferente. Alguém fez a seguinte observação: ''Acho

que não é surpresa o fato de termos algumas reclamações sobre os

horários de trabalho do pastor. Quando se tenta levar urna vida

equilibrada, provavelmente haverá quem pense que o pastor não

está trabalhando o bastante".

A maioria dos membros das igrejas não compartilham da mes­

ma visão de urna vida equilibrada. Descobri que pensar especifica­

mente sobre minha visão de um estilo de vida saudável é importante

se vou orientar a esse respeito. Mas é assunto conflituoso. Nin­

guém discordará que um pastor deve ter uma vida equilibrada; mas

quando vive assim, pode ouvir rumores. A verdade é que se um

pastor desenvolve outras áreas de sua vida fora do ministério, quan­

do conflitos ampliados da igreja absorvem a alegria do ministério,ele não deve se sentir diminuído ou completamente desolado.

FILOSOFIA DE VIDA

Em termos gerais, defino uma vida equilibrada corno aquela vivida

de acordo com as prioridades bíblicas. Isto parece simples. A maio­

ria do que já ouvi sobre prioridades ensina a organizá-las da maispara a menos importante. No entanto, acho a analogia da "torta"

melhor, o que implica completar a primeira prioridade antes de irpara a segunda. Vejo minhas prioridades como fatias de uma torta.Cada fatia é importante (ou não seriam prioridades!): o desafio nãoé mantê-las em ordem, mas em equilíbrio.

Por exemplo, em vez de lutar por cumprir a prioridade de Deusem minha vida para que só então possa considerar a prioridade deminha mulher, família, n1inistério e finalmente da cOD1unidade,

dedico-me a todos esses aspectos ao lnesmo tcmpo. Tentar rnantero equilíbrio entre todos ajusta o foco necessário às minhas priori­dades em vários rn0111entOS.

Quando tratei do assunto com os líderes, usei meu programa de

verão para ilustrar. Tinha certeza de que nenhum dos membros do

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MANTER O EQUILlBRIO 75

conselho duvidava da prioridade do ministério pastoral para mim.

Disse: "Tenho o mesnlo conlprOlnisso com minha esposa, meus

filhos e nleu bem-estar pessoal, bem como com 111eu relaciona­

mento com Deus e con1 o próximo. O verão foi o momento de

priorizar esposa e filhos em vez de o ministério da igreja".

Um membro do conselho brincou: "Acho que o melhor meio

de discernir se a vida esd equilihrada é pelo número de pessoas

rcclan1ando por você não estar na igreja o suficiente!".

Deve haver mais verdade nesta aflrnlação do que a maioria das

pessoas quer admitir. Os pastores geralmente apoiam-se em uma

lei não escrita sobre a obrigação de nos dedicarmos por um número

de horas suficiente para que ningué,n nunca duvide de nosso com­

promisso com um ministério de sacrifício. A última coisa que que­

remos ouvir é: "Não acho que você esteja trabalhando duro ohastan te, pastor" .

Recentemente li uma entrevista que Jcrry falwell concedeu para

a revista Clmstianity Today [Cristitmismo Hoje], onde afirmava nãoachar que a 111aioria dos pastores trabalhavanl o bastante. Poi 1lI11a

crítica dura. Nos orgulhamos de ser trabalhadores e dedicados.

Quando alguém questiona minha ética de trabalho, minha reação

instintiva é: "Acho que vou mostrar a você o contrário trabalhando

mais horas" .

Agora sugiro outra resposta para aquela colocação, "Nosso pas­

tor não está trahalhando o suficiente". Pergunte para essa pessoa sepoderia definir o que é "suficiente". Raramente obtive uma defini­

ção aceitável. As definiçães são geralmente inexatas, do tipo: "Sufi­

ciente seria a mesma quantidade de horas que eu gasto trabalhando".

Mas contesto que muitos proflssionais hoje trabalheI11 tantas

horas assiIn.

QUANTO É O "SUFICIENTE"?

Ao formular aspectos espedfIcos de uma vida equilibrada desen­

volvi dois critérios para as horas que dedico à igreja:

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76 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

1. Será que minhas horas de trabalho siio compatíveis com minha

atualsituaçiiojámiliar? Há dezoito anos, no meu primeiro pastorado,

perguntci para minha mulher se ela poderia ajudar-me a cuidar de

minha vida, tornando-a mais equilibrada. Ela o fez muitas vezes.

Geralmente, começava dizendo assim: "Os garotos sentem sauda­

de quando você fica muito tcmpo fora". Ou: "Sinto saudade de

nO.ssas caminhadas juntos pela manhã". Essa é a dica que preciso

perceber ao priorizar o trahalho de maneira que outras prioridades

entrcm em equilíbrio.

Quando nossos dois meninos estavam na pré-escola, eu dedica­

va menos horas à igreja do que dedico hoje que são rapazes. Chega­

va 111ais cedo no escritório para con1pensar a saída antecipada.

Chegava em casa quase scmpre às 16h30. Por volta daquela hora

Ininha 111ulher precisava de U111 descanso das crianças, então, me

organizava de tal maneira a brincar coln os garotos enquanto ela

dedicava algum tempo para si. Ela não somente apreciava o inter­

valo, lnas expressou I11uitas vezes o quanto adlnirava o fato de eu

ser sensível eil1 relação a suas necessidades e de colocar a fanlÍlia etn

pé de igualdade com o ministério.

2. Será que minha agenda de tmbalho é um exemplo positivo?

Ou será que reforça o desequilíhrio da prioridade dada ao trahalho

por homens e mulheres da igreja'

Se trahalho rcgularmente setc dias na semana, acumulando 60.

70 ou 80 horas, C01110 posso contestar alguém que esd. Elzendo o

111esrno e prejudicando sua fa111ília? J,:í tive várias conversas com

um homem de minha congregação sohre seus háhitos de trahalho.

Ele trabalha ao lnenos 70 horas por selnana. Sua esposa conversou

C0111 a rninha sobre C01110 lidar com seus hodrios de trabalho, LUna

pressão sobre o casamento e a família deles.

A sernana passada ele I11e disse: "Se você pode encontrar algun1

equilíbrio em sua vida com todas as delnandas C01110 pastor desta

igreja, então, com a ajuda de Deus rambém posso. Estou bzendo

planos de reduzir o trahalho no Ano-Novo". Contratou um novo

assistente para cobrir algumas de suas responsabilidades e está

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MANTER O EQUILillRIO 77

treinando mais duas pessoas para ajudá-lo CIn outras etapas de scu

trabalho. Até mesmo me perguntou se podia cobrá-lo quanto às

suas decisões.

Posso ouvir a objeção de alguns: "Mas como fica a execução do

trabalho' Como você pode conseguir realizar algo em apenas 50 ou

55 horas por semana no ministério?".

Minha reposra é simples: "Você poderia, por favor, definir 'su­

ficiente' para mim?".

Descobri que meu trabalho nunca termina e preciso de discipli­

na para dizer "terminei". Sabet quando parar a cada dia de trabalho,

é crucial para a vida equilibrada.

ENSINANDO A IGREJA

Como pastor, trabalho mais coIno vendedor anlbulante ou con­

sultor do que como engenheiro em um escritário. Trabalho quan­

do estou ~l minha escrivaninha, é claro, mas tanlbém quando visito

uma criança no hospital, almoço C0111 um casal novo da igreja,gasto o dia e111 oração eln uma 1110ntanha retirada ou convido ami­

gos para saborear uma sobremesa em minha casa no domingo ànoite. Estou trabalhando mesmo quando 111CU carro não está esta­

cionado na igreja. Isso é o que tenho para comunicar à igreja.

Um amigo pastor surgiu com um jeito criativo para relembrar

as pessoas sobre o quanto o pastor trabalha, ao pendurar um cartazcom o hodrio de trabalho em sua porta. Dizia assim:

Horário de trabalho:

Estou aqui na maioria dos dias a panir de 8 ou 9 horas. Ocasio­

nalmentc chego às 7 horas, mas em alguns dias chego às 10 ou

11 horas. Geralmcnte saio às 16 ou 17 horas, mas ocasional­

mente saio às 18 ou 19 horas. Algumas vezes saio às 23 horas.

Outros dias, ou manhãs ou tardes não venho e, ultimamentc,

estou aqui praticamente o tcmpo todo, cxceto quando me en­

contro em algum outro lugar, mas deveria estar aqui ao mesmo

tempo também.

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78 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONfliTOS

Quero ajudar nossa igreja a reconhecer trabalho de modo dife­

rente do de muitos profissionais. Que é um desafio constante e que

o modo como os pastores trabalham nunca será totalmente enten­

dido por ninguén1. Já tive inluncras discussões com comissões, COill

auxiliares e com membros da igreja sobre ter uma vida equilibrada.

Somente uma vez fui punido por tentar manter o trabalho em

equilíbrio com o resto das prioridades da vida. Todas as outras ve­

zes as pessoas apreciaram minha honestidade e franqueza.

O proveito dessas discussões sobre minha ética de trabalho temsido enotme. Regularmente escrevo um sumário da minha agenda

de trabalho en1 nosso boletim informativo para que as pessoas sai­

bam quando estarei disponível para encontros a fim de tratar de

questões rotineiras. (É claro que en1ergências não prccisan1 se ade­

quar à agenda.)

Minha secretária apresenta um simples anúncio para o boletimque é distribuído uma vez por mê.s. Ele diz assim:

Para a sua conveniência em marcar um encontro com o pastor,

seus horários são os seguintes (por favor, ligue para o escritório

da igreja e marque uma entrevista, jeÍ que suas horas não são

sempre "gastas" no escritório):

Segunda-feira: atendimento pela manhã; reunião com a

J(:it:ninistração das 11h 30 até 14h; atendimento à tarde.

Terça-feira: Atendimento o dia rodo.

Quarta-feira: Estudos/dia de oração.

Quinta-feira: Trabalho sobre o sermão pela manhã; atendi­

mento à tarde.

Sexta-feira: Descanso do Pastor (por favor, ligue para o es­

critório da igreja em caso de emergência).

Sábado e Domingo: Disponíveis com marcação prévia; Sá­

bado à noite reservado para as preparações do domingo.

Noites durante a semana: Disponíveis com marcação pré­

via, contudo limitado a 3 noites para encontros ou compro­

illlSSOS.

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MANTER O EQUiLíBRIO 79

Queria que as pessoas soubessem que a minha agenda é do inte­

resse deles rambém, e com alegria comparrilho-a com eles. Dou­

lhes o direiro de comentar minhas prioridades, mas rambém lhes

digo rer o direiro de fazer o mesmo com eles.

Discuro minha agenda com o conselho ao menos duas vezes ao

ano. Faço isso no começo do outono e novamente próxinlo do

verão. Quero que o conselho saiba que minha agenda muda muironestes dois mOlnentos do ano. Peço opiniões e quesrionanlcnros

sobre minha agenda. Isso também dá ao conselho uma oporruni­

dade para discutir suas prioridades e estilo de vida.

EXCEÇÃO À REGRA

Alguns pastores podem ser tentados a trabalhar muito pouco, mas

em minha experiência e conversas com outros pastores isso é Ullla

exceção.

Uma vez, no entanto, algumas pessoas em nossa igreja começa­

ram a questionar a ética do trabalho de um de nossos pastores.

Levei a sério aquelas reclamações, da mesma forma que o faria se

uma pessoa estivesse gastando muito tempo na igreja. Em vez de

esconder o problema, falei-lhe honestamente que algumas pessoas

achavam que ele não estava trahalhando tempo suficiente. Isso per­

mitiu que lidássemos com o assunto de frente.

Perguntei-lhe sobre suas horas de trabalho usuais. Depois de

calculá-las, disse-lhe que, para mim, seus horários eram um pouco

folgados. Geralmente requeria que a equipe trabalhasse entre 42 e

45 horas por semana. Explicou sua preocupação em estar em casa

com a mulher e três filhos pequenos. O que era legítimo. Conver­

sei com ele sobre horários alternativos de trabalho que não seriam

um peso sohre sua família. Finalmente chegamos a um plano equi­

librado de mais cinco horas de trabalho a cada semana.

O próximo passo era comunicar o plano aos envolvidos com a

questão, assim como às pessoas para as quais lninistrava direta­

mente. Dirigi-me àqueles que levantaram a questão escrevendo-

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80 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

lhes uma carta, dizendo que o momento da vida familiar daquele

pastor requeria sua permanência rnais ternpo em casa. El entáo l

deralhei como ele compensaria isso, trabalhando em hodrios alrer­

narivos. Agradeci a preocupação deles, assegurando-lhes o

n10nitoramento de seus horários.

Aquele pastor imprimiu seus horários no informativo da igreja

e afixou-o na porta de seu escritório. No mês scguinte l deu-me um

relatório semanal de colno adn1inistrava seus horários.

FORTE EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS

Esta comunicação aberta afetou a atitude da igreja para com meu

trabalho e minha necessidade dc equilíbrio. Em um evento social

para receber novos n1embros ouvi alguém do conselho dizer: "Ten­ta1110S proteger o teInpo e os horários do pastor para que possacumprir seu dever na igreja e rambém tenha tempo para as outras

prioridades de sua vida".Eu não poderia ter dito aquilo de forma melhor.

Sempre haverá quem questione minha definição de equilíbrio

ou o jeito que adn1inistro cada semana. ];i houve selnanas em quetrabalhei 40 horas e parei por causa de ourras prioridades.

Se eu já n1e arrependi? Algumas vezes. Mas então vi corno mi­

nha tentativa de ser equilibrado afeta meu relacionamento com

Deus, com minha nlulherl igreja e an1igos. Concluindo, quero seruma pessoa e um pastor que pode dizer: "Cumpri meu papel em

todos os eventos onde Deus me colocou".

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ANJOS NA TURBULÊNCIA mLembro-me do primeiro anjo que encontrei. Foi no início de

nossa lua-de-mel, minha mulher e eu viajávamos pelo litoralde AnulE, no sul da Itália. De repente a van que dirigíamos parou.

Não havia oração que a fizesse funcionar de novo.

Sabíamos estar parados em um trecho perigoso da estrada, em

uma curva fechada ao longo daquela bela costa ao sul de Nápoles.

Ü trecho da estrada de AmalE era famoso por ataques de bandidose ladrões. Se houvesse urna estrada no sul da Itália comparável àquela

entre Jerusalétn e Jericó, seria esta. Suzannc e eu esdvamos atentos

ao que Jesus disse ter acontecido com o homelll naquela estrada.

Depois que a VIUl deu seu último suspiro) G11l1inhamos em dire­

ção à cidade mais próxima, muitos quilômetros adiante. Urna áreamuito perigosa para um de nós permanecer no carro, então, reuni­

mos o m~iximo de pertences que podíamos carregar e pedinl0s ca­

rona. Esdvamos certos de que seria a última vez que veríamos nosso

carro e os pertences deixados lá. Só queríamos chegar a salvo até apróxima cidade.

Enquanto esdvamos espremidos perto do muro de pedras sepa­

rando a estreita estrada do penhasco que se precipitava para o mar,

orávanlos para [)cus colocar anjos ao redor do carro para protegê­

lo enquanto íamos até a cidade, e enviasse um anjo para nos levar

en1 segurança até a cidade mais próxima. Então, apareceu um carro

cantando pneus ao fazer a curva antes do lugar onde estava nosso

veículo quebrado. () motorista viu-nos e imediatamente pisou no

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82 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

breque e encostou seu Alfa Romeo perto do muro. Não sabíamos

se devíamos correr ou arriscar conversar com aquele homem. Antes

de decidirmos, o motorista italiano estava fota de seu carro e nos

perguntou com um sorriso descontraído: "Vocês precisam de uma

carona para Ravello, não é?".Balançamos as cabeças afirmativamente e em um piscar de olhos

estávamos a caminho de Ravcllo.

Nosso companheiro era muitíssimo agradável e gentil. Deixou­

nos em nosso hotel e foi embora con1 un1 caloroso Ciao, arrivederci.'As primeiras palavras que saíram da boca de minha mulher foram:

"Acho que acabamos de pegar carona com um anjo".

Estava certo daquilo.

Na manhã seguinte, corremos apressadamente até onde havía­

mos deixado o carro na noire anterior. Imaginando que o carro

estivesse danificado ou roubado, avisanl0s a polícia antes de utn

amigo missionário nos pegar no hotel para irmos até o local e veri­

ficar o prejuízo. Quando viramos na curva, vimos nossa van estaci­

onada próximo ao muro de pedra. Ao examiná-la rapidamente,

descobrimos ter deixado a porta traseira destrancada. Assim que

olhamos dentro para ver se faltava alguma coisa, ficamos surpresos

ao ver que nada fora mexido. Nem mesmo a porta traseira fora

aberta. Tudo estava exatamente como deixan10s!

Será mesmo que Deus dera ordens a seus anjos para proteger

aquela van dos ladrões? Certamente que sim.Etn momentos de turbulência no ministério lenlbro-me dos

"anjos de Amalfi". Quando sinto os ventos do infortúnio, peço

novamente que Deus envie seus anjos de proteção e conforto.

Será que ele responde? Sim, sempre. Talvez não do jeito imagi­

nado ou pedido, mas Deus cuida e de fato age. Temos sua palavra

sobre o assunto (1 Pe 5.7). Deus não escolhe umas poucas circuns­

tâncias para executar sua vontade em nossa vida. "Sabemos que

Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos

que foram chamados de acordo com o seu propósito" (Rm 8.28).

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ANJOS NA TURBUL~NCIA 83

o desafio é aprender a reconhecer Deus em ação e ouvir sua voz

quando estivermos distraídos pelo sofrimento do ministério.

Voltando à época quando o telégrafo era o meio mais rápido

de comunicação a longa distância, havia uma história, talvez du­vidosa, sobre U111 jovem que se inscreveu para um trabalho como

operador de código Morse. Respondendo a um anúncio no jor­

nal foi ao endereço impresso. Quando chegou lá, entrou no gran­

de e barulhento escritório. Ao fundo, um telégrafo funcionava.

Uma placa no balcão da recepcionista indicava que os interessa­

dos no emprego deveriam preencher uma ficha e esperar até que

fossem chamados.

O jovem completou o formulário e sentou-se ao lado de outros

sete interessados na vaga. Depois de alguns minutos, o rapaz se pôs

eln pé, atravessou a sala em direção a outra porta do escritório e foi

entrando. Naturaltnente os outros interessados na vaga pergunta­

vam-se o que estava acontecendo. Por que aquele moço tinha sido

tão ousado? Murmuraram entre si por não ouvirem nenhunla cha­

lnada. No entanto, acharam que ele seria advertido por seu atrevi­mento e desqualificado para o trabalho.

Depois de alguns minutos, o jovem saiu da sala acompanhado

pelo entrevistador, anunciando para os denlais interessados na vaga:"Senhores, muito obrigado por comparecerem, mas a vaga já foi

preenchida por este rapaz".

()s outros interessados demonstraranl descontentanlento. En­

rão, um deles disse:

- Espere um minuto, não entendi uma coisa. Ele foi o último

a chegar aqui, e nós não tivemos sequer a chance de sermos entre­

vistados. Mas, mesmo assim, ele conseguiu a vaga. Isto não é justo.

O entrevistador respondeu:

- Desculpe-me, mas durante todo o tempo que vocês perma­

neceraln sentados aqui, o telégrafo enviou a seguinte mensagemenl código Morse: "Se você entende esta mensagem, então venha e

entre aqui. O emprego é seu". Nenhum de vocês ouviu ou enten­

deu isso. Este Inoço entendeu, então o emprego é dele.

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84 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Deus usa rTIuitas maneiras para demonstrar seu cuidado - não

somente por meio de suas palavras, seu Espírito e o n1inistério de

anúgos cristãos, mas também por meio de muitos rnétodos lláo­

convencionais - como sarças ardentes, jun1entos falantes, criatu­

ras farTIintas do n1ar, anjos visitantes ou U111a estrela brilhante no

céu escuro. Nós precisamos somente estar atentos a esses sinais.

Pois é certo que Deus cuida de nós durante o conflito.

PALAVRA E EspíRITO

Sempre fico maravilhado com a sensibilidade do apósrolo Paulo àamação de Deus em sua vida. Ele pôde ver os sinais da ação de Deus

nas circunstâncias mais difíceis. Quando a vida de Paulo estava che­

gando ao fim na prisão em Roma. falou a Timóteo que em um

determinado momento, somente Deus ficou ao seu lado e lhe deu

força (2Tm 4.17). Os crentes o abandonaram, Paulo foi deixado

sozinho para defender-se de seus acusadores - mas sabia que Deus

o fortaleceria.

Certa vez almocei com um homem aliado a um grupo da igreja

contra mim e os outros da equipe. Esse homem não tinha escutado

toda a história, mas estava certo sobre quem precisava de advertên­

cia. Ao ouvi-lo pude sentir minha raiva crescer e queria falar. Mas

antes que pudesse iniciar minha defesa, senti a voz do Espírito den­

tro de rnim: "Deixe isto para lá. Lidarei con1 essas acusações". Relu­

tantemente guardei o que tinha na mente para outro dia e saí de

nosso almoço dizendo somente "Orarei pelo que você disse".

Antes do meio-dia do dia seguinte, aquele homem deu urna

rápida parada em meu escritório. Estava indo para uma reunião ali

por perto, e me disse sussurrando: "Peço desculpas pelo que lhe

disse ontem. Descobri a noite passada que só tinha ouvido um lado

da história e tirado falsas conclusões".

Se não tivesse sentido a amação de Deus por meio do Espírito

Samo no dia anterior, provavelmente teria respondido com aspere­

za às acusações, alimentando o fogo.

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ANJOS NA TURBULÊNCIA as

Não só tive a sensação de que o Espírito Santo me cutucava

durante o conflito da igreja, como tamhém experimentei o cui­

dado de Deus por meio de sua Palavra. Passagens da Escritura que

havia lido e estudado uma dúzia de vezes falaram à minha alma

em certas ocasiões inesperadas com poder, intimidade e relevân­

cia. Além disso, o Espírito Santo usara também trechos da Escri­

tura com os quais não estava familiarizado, para estender seu

cuidado sobre mim.

Depois de ser despedido da igreja, minha mulher e eu participa­

mos de uma conferência para pastores realizada pela Sonscape

Ministries no Estado do Colorado. C01110 escrevi anteriormente,

aquela semana que passamos ali foi maravilhosamente renovadora

e restabelecedora. Um destaque f,Ji a noite de culto e comunhão.

Por todo aquele dia, até à noite, o Senhor aproximou-se tanto de

mim quanto de Suzanne pela Palavra. Naquela noite, ao nos ajoe­

lharmos juntos diante da mesa da comunhão, compartilhamos um

com o outro as prolncssas que Deus havia nos dado por sua Pala­

vra. Foi a primeira oportunidade que tivemos naquele dia para fa­zer ISSO.

No começo da tarde marquei eln Ininha Bíblia U111a palavra

poderosa que Deus me mostrara em Isaías 43. Esrava ansioso para

compartilhar aquilo com Suzanne. Mas primeiro perguntei o que

Deus lhe havia mostrado naquele dia. Ela abriu sua Bíblia e leu:

Mas agora assim diz o SE:-.JHUR,/ aquele que o criou, Ó Jacó,!

aquele que o formou, Ó Israel:/ "Não tema, pois eu o resgatei;/

eu o chamei pelo nome; você é meu.! Quando você atravessar

as águas'! cu estarei com você;/ quando você atravessar os rios,!

eles não o encobrirão.! Quando você andar através do fogo'!

não se queimará;/ as chamas não o deixarão em brasas.! Pois eu

sou o SL:-.JHOR, o seu Deus,! o Santo de Israel, o seu Salvador;!

dou o Egito como resgate para livrá-lo,! a Etiópia e Sebá em

troca de você.! Visto que você é precioso! c honrado à minha

vista,! e porque cu o amo,/ darei homens em seu lugar,! c na-

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86 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

ções em troca de sua vida.! Não tenha medo,! pois eu estou

com você,! do oriente trarei seus filhos/ e do ocidente ajunta­

rei você.

Nem pude responder-lhe depois que terminou a leitura. Fiquei

extremamente emocionado. Aquelas etam as mesmas palavras deIsaías 43.1-5 que Deus tinha me dado à tarde para me confortar e

encorajar a seguir em frente apesar de minhas dúvidas sobre perma­necer no ministério.

Descobri que nlesrno não reconhecendo de inlediato seu cui­

dado, ele estava lá, como urna rede protetora para acrobatas. Du­

rante sua demonstração, o acrobata está distraído quanto à redeabaixo. Enquanto a demonstração prossegue c as acrobacias cora­

josas são realizadas com perfeição, o acrobata não precisa reco­

nhecer a presença da tede. Mas quando o artista cai, deve sua vidaà rede. Aprendi a estar mais consciente da rede de Deus em minhavida, e perceber corno ele está cuidando de mim durante os mo­

mentos difíceis. Em episódios de conflito freqüentemente come­ço o dia orando assim: "Deus, ajude-nle a vê-lo eln ação em mim

e ao meu redor hoje".

O que Deus geralmente me mostra é como está operando peloministério de outros fiéis no corpo de Crisro.

AMIGOS COMO TIMÓTEO

O apóstolo Paulo certamente era consciente do cuidado de outrosfiéis. Suas cartas registram sua gratidão aos outros: Epafrodito (FI2.25), Timóteo (FI 2.19s.), Tíquico (CI 4.7), Aristarco, Marcos,

Justo (CI4.10s.) e Lucas (2Tm 4.11), entre outros.Algumas vezes quelTI se inlportou cornigo foi quern eu espera­

va. Em outros momentos Deus surpreendeu-me conl alguénl ines­

perado, e me perguntei: "De onde veio essa pessoa'''. Os diasdepois da chamada telefônica informando a minha demissão da­quele ministério, foram tão longos que quase não agüentei. Lem­

bro-me vagamente de alguns eventos daquela primeira semana.

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ANJOS NA TURBULfNCIA 87

Foi muito grande o choque de ser cortado de meu trabalho, domeu chalnado.

Posso lembrar-me, todavia, de um dia naquela semana, quarta­

feira à noite. Minha mulher e eu esrávamos sentados na sala e o

telefone fInalmente tocou. Um amigo ligara, um conselheiro cris­

tão. Nossas famílias eram bem próximas quando eles moravam em

nossa cidade, mas desde que se mudaram para o leste do país dois

anos antes, só mantínhamos contato por cartões de Natal. Por cau­

sa de nosso pouco contaro, sabia que não estava ligando pela crise

que passávamos; não tinha como saber sobre aquilo. Estava ligan­

do para cumprimentar-nos e pedir o número de telefone de umalnlgo enl conllUll.

Perguntei a minha mulher se poderia procurar o número do

telefone que ele queria. Continuamos o bate-papo mas, de repente,ele parou na metade da sentença e perguntou cuidadosamente:

- A propósito, vocês estão bem? Talvez haja uma razão a mais

para meu telefonema do quc pegar este número de telefone.- Engraçado você estar perguntando - eu disse - e muito

mais estranho você ter ligado esta noite...".

Nos trinta minutos seguintes ouviu, orou e pronunciou pala­

vras bem escolhidas de amor e encorajamento. Quando finalmente

nos despedimos, parecia que eu havia caído diretamente naquela

rede de acrobata debaixo de mim. O telefonema foi como estar

recebendo uma mensagem direta de Deus.

Por alguns minutos depois da ligação, Suzanne e eu refletimos

sobre o cuidado de Deus por meio daquele amigo. O telefone to­

cou novamente. Era ele, o mesmo amigo. Disse: "Realmente liguei

antes só para pegar aquele número de telefone, qual é o núnlero?".

Além do cuidado, aparente intervenção direta de Deus, também

fui fortalecido por um pequeno grupo de amigos de alguns anos.Quanto mais velho fico, mais grato sou por esses amigos. O após­

tolo Paulo também tinha amigos a seu redor durante os momentos

difkeis. Quando Paulo era um prisioneiro solitário enfrentandoseus dias finais na prisão Malnertine, em ROlna, mandou chamar

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88 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONfLITOS

Timóteo. Aquele fiel amigo havia unido seu coração ao do após­

tolo. Estiveram juntos desde o início da pregação missionária de

Paulo. Como companheiros navegaram pelo mar Egeu e atraves­saram o interior da Macedônia. Foi a Timóteo que Paulo confiou

seu querido tebanho em Éfeso. Timóteo foi quem esteve com ele

c o apoiaria até o fIm. Conhecia até mesmo a capa da qual Paulo

sentia falta e queria de volta - ele a deixata na casa de Carpa em

Trôade.

Mais importante, Paulo precisou dos códices e dos rolos de per­

ganlinho. Os documentos estavam entre seus nlaiorcs valores. Acapa era algo prático, nlaS os perganlinhos eranl essenciais. Aquelestrechos da Escritura trariam o conforto final a ele, enquanto lia os

salmos de Davi, a sabedoria de Salomão e as exortações dos profe­

tas. Tinlóteo era de confiança para carregar os tesouros.Finalmente, Paulo confessou precisar de Timóteo - não pelo

que o jovem poderia trazer-lhe ou f"zer por ele. Ele precisava de seuallligo ·1·ünóteo.

"Timóteo, preciso que você venha e esteja comigo. E faça o

máxinl0 para chegar aqui antes do inverno".Até onde sabemos, aquelas foram as últimas palavras escritas

por Paulo, palavras direcionadas a um amigo sem igual.

Deus tenl me enviado alnigos como Titllóteo, cujo cuidadotem vindo de diversas formas - um bilhete, uma ligação telefôni­

ca, urna oferta em dinheiro ou simplesmente a oportunidade de

me retirar c ficar sozinho eln suas casas de praia. Senti o carinhodeles até quando me olharam nos olhos e disseram onde bavia erra­

do em palavra ou em atitude.

Suzanne e eu tínhamos E,lado sobre corno são raros esses rela­

cionamentos no nlinistério pastoral. Muitas vezes, somos vistoscomo separados dos fiéis CQlllunS na igreja - não SOlllOS "co­llluns" o suficiente para anlizades. Tenho tentado acabar com esse

mito, mas cultivar amizades no trabalho pastoral requer um com­

pronlisso especial. Venho f:lzendo um esforço consciente paraempregar mais tempo com cristãos de dentro e de fora da igreja

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ANJOS NA TURBULENCIA 89

com quem sentia alguma afinidade. Quando encontro alguém

para poder revelar o que há en1 meu coração, sinto como se tives­

se encontrado ouro.

No ano passado, nossa igreja experimentou um pouco da poda

de Deus. Desde o zelador até meu pastor associado mais chegado,

todo o pessoal adn1inistrativo mudou. As razões são legítimas:

casamentos, transferência de trabalho do cônjuge, graduação na

escola, dificuldades físicas ou o chamado para um ministério di­ferente. Mas o efeito na igreja foi enorme. As pessoas têm se sen­

tido inseguras, sem rumo, vazias e U111 pouco temerosas sobre o

futuro. Compartilho com a maioria de seus desconfortos espiri-. "

tualS e emOCIOnaIS.

Logo depois que fui despedido, um amigo da igreja perguntou­

rne após um culto de domingo: "Posso lne encontrar corn você

esta semana para orar?". Veio na terça de l11anhã e nosso tempo

juntos estendeu-se até a tarde; conversamos e oralnos muito duran­

te várias horas. Ao sair, disse: "Gostaria de repetir isso com você na

próxima semana, se tiver tempo". Na terça seguinte oran10S juntos

pela segunda vez.

Com o passar das semanas, aquela pessoa tornou-se meu confi­

dente. Foi inexorável em sua atenção e em reunir outros homens ao

lneu redor para orar por 111irn e para me dar apoio e encorajarnen­

to. Não passa un1a semana sern que ele envie ao menos um recado

ou me ligue, além de nossos momentos regulares de oração. Sua

farnília aproxin10u-se muito da minha; tornamo-nos parte do cír­

culo de oração matinal deles, quando pedem para Deus proreger­

nos e abençoar-nos.

São a rede de Deus esticada embaixo de nós durante este tempo

de teste e tribulação. Se não tivesse aprendido a reconhecer como

Deus cuidou de nós nos momentos difíceis do passado, os enxergaria

somente como amigos preocupados. Ou poderia ser um pouquinholnais cínico e os veria de maneira suspeita, perguntando-n1c se aca­

so não teriam algwn interesse escondido. Mas agora os vejo corno

agentes do próprio Deus.

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90 O CARÁTE.R APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Ao arriscar deixar os outros se inlportarem conosco, podemos

colher recompensas duradouras. Além do benefício óbvio da ami­

zade verdadeira, esrá a alegria de experimentar no cuidado deles aação de Deus. Anjos vêm sob muiras formas.

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o MOMENTO DE RETROCEDER

N ,:ssa família está aprendendo muito sobre lacrosse] nesses dias.

E um esporte relatIvamente novo em nossa regIão, 111as nos­so filho mais novo joga. Há várias técnicas de lidar com a bola,

aracar o oponente, fazer gols e defender.

Em um jogo recente, ao ver nosso filho em sua posição, fiquei

confuso com os movimentos feitos no campo. Após o jogo, per­

guntei:

- () que eralll aqueles 1110vimentos que você fez no campo

quando era marcado pelo oponente?

Respondeu timidamente:

- Estava tentando evitar que aquele cara grandão me amassasse!

Ri junto com c1e:

- É sempre uma boa idéia saher con10 evitar ser 111JSSacrado!

Tive de aprender uma estratégia senlelhante no 111inistério: há

momentos em que a melhor maneira de lidar com o conflito é

evitá-lo.

Quando era garoto, tentando fazer amizade com os outros no

pátio da escola, meu pai costumava dizer: ''As brigas mais fáceis de

vencer são aquela..'1 em que você não entra". Estava certíssiJno. No

entanto, é mais fácil dizer do que fazer. Tenho uma caricatura gruda­

da no lado de meu arquivo de aço que mostra um pastor atrás do

IJogo de origem cwadcnse, semelhante dO hóquei. (N. da E.)

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92 O CARÁTE.R APERFEiÇOADO PELOS CONfliTOS

púlpito no domingo pela manhã dizendo: "Interrompo este sctmão

pata infotmá-los que os garotos da quarta sétie tomatam o conttole

da classe da escola dominical. E estão mantendo a senhorita Mosby

C01110 refenl neste n10mento". É a maneira suave de hlar sobre un1a

dura verdade: conflitos na igreja podem ser desagracHveis e danosos,

perigosos para a saúde tanto do pastor como da igreja.

Como evitar ser refém de alguém? Não é algo discutido no

seminário, ou se foi, faltei naquele dia. Aprendi da forma mais

difícil, pot meio de anos de erros causados por um esrilo insoleme

de liderança que afastava quem não compartilhava da minha posi­ção. Pensei realizar a obra de Deus com paixão e zelo. Não aceitava

nada menos que meu compromisso total- o problema foi tcr as

meSInas expectativas rígidas dos outros. Para miln o conflito era a

companhia natural de alguém devotado ao serviço de Cristo.

COln o teInpo e a dor aprendi outras coisas. Deus mostrou-me

que evitar um conflito não equivalia a ser indiferente ou Inaterialis­

ta; ao contr:oirio, a Escritura pronuncia UIna bênção específica sobre

quem se destaca na arte da pacifIcação. Disse Jesus: "Bem-avemura­

dos os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus" (Mt 5.9).

Tenho aprendido a estender rnais benefícios aos outros e a cons­

truir relacionamentos mais duradouros mediante o ministério

participativo. Sei agota que embora nenhum pastorado seja livre de

conflitos, taInbém não deve ser Ininitnizado con10 um obstâculo

de trabalho com o qual o pastor é obrigado a conviver.

Um ministério eficaz não tem que acontecer eln um an1biente

hostil.

ESCOLHENDO AS DISCUSSÕES

Foi uma grande revelação descobrir que não vale a pena engajar-se

em toda batalha e nem todo conflito vale meu envolvimento. Al­

guns assuntos incencli<lrios simplcsn1ente precisanl ser evitados.

Quando Neemias liderava a reconstrução do muro de Jerusalém,

teve muitas oportunidades para conflitos. Sempre me impressiono

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o MOMENTO DE RETROCEDER 93

com sua habilidade em decidir quais conflitos mereciam resposra c

quais deviam ser ignorados para que a obra pudesse conrinuar.

Após reperidas renrarivas de Sambalate, 1übias e Gesém para frus­trar os esforços de Neemias, eles tramaran1 um esquema para se livra­

rem dele de uma vez por todas (Ne 6). O truque o atrairia para um

banquete de paz para pegá-lo em uma armadilha. Em vez de confrontá­los, N eemias evitou a armadilha. Simplesmenre enviou-lhes suas

desculpas: "Estou executando um grande projeto e não posso descer.Por que parar a obra para ir enconrrar-me com vocês)" (Ne 6.3bl.

Enquanto escrevia este capítulo tive uma oportunidade de prati­

car algumas coisas aprendidas com Neemias. Normalmente recebode nossa equipe de culto um plano com duas semanas de antece­dência. No entanto, devido ao recesso escolar da prinlavera, rllui­

tos mernbros da equipe estavam fora da cidade, enrao não recebi o

plano até a segunda-feira anterior ao culto. Havia alguns problemassignificativos com a liturgia afetando negativamente o fluir do cul­to. Liguei para nosso líder leigo de culto e falei sobre as mudançasnecessárias para o andamento do culto e uma rnais forte experiência

de adoração naquele domingo. Um pouco relutante, ele concor­dou ern fazer as mudanças.

Então, no s;íbado à noire, recebi um e-mrú! dele informando­

me rer reconsiderado e desejava manter a liturgia original. Disse tercerteza de que eu entenderia.

Houve unla época em meu nlinistério que, se algo assim tivesse

ocorrido, eu faria uma ligação telefônica dois minutos depois, exi­gindo uma explicação. De maneira diplom~ítica, mas direta, eu o

lembraria da maneira apropriada de lidar com algo assim uma con­versa pessoal, não por e-mai!, e já que cu era o responsável pelo culto,faríamos da manei ra como eu havia proposto.

Desta vez respirei fundo, orei para que Deus abençoasse o cedto,e pedi ajuda para ser compreensivo c positivo com nosso líder deculto e com os assistentes no domingo pela manhã. Então, deixei oassunto de lado. No domingo disse ao líder de culto que havia

recebido seu e-mai!, agradeci por ter analisado a situação, e confir-

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94 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

mei sua decisão de prosseguir com o culto como planejado origina­

riamente. Nada mais foi dito sobre isso.

Aquela resposta encerrou o assunto.

O culto seguiu como planejado. Ainda que, em minha humilde

opinião, seu andamento estivesse um pouco desarticulado no iní­

cio, ninguém pareceu notar. Depois agradeci a Deus por sua sabe­

doria em me ensinar a escolher minhas discussões cuidadosamente.

QUANDO IR À LUTA

Ao decidir quais questões são significantes o suficiente para um

confronto e correr o risco de um conflito, geralmente faço três

perguntas a mim mesmo:

1. A situação envolve a{"uma coisa contrária a nossa missão comoigreja? Se a questão diante de mim não conflita com a missão de

nossa igreja, de ajudar as pessoas a ter um relacionamento com Deus

e seguirem com dedicação a Jesus Cristo, então, é algo a ser deixado

para lá, ou resolvido de maneira não conflituosa.

O líder do grupo de culto faz um bom trabalho liderando o

culto, mas telll dificuldades para se comunicar com o grupo e COlll

a equipe da igreja. Um membro do grupo recentemente me disse:

"Trabalharíamos beIll juntos se não precisássenlos nos comunicar".

Não que o líder não se comunique; o problema é o modo como

o faz. Ele prefere não fálar fáce a láce com as pessoas. Usa làxes,

deixa mensagens nas secretárias eletrônicas, Illanda e-mf1i!:J ou me­

morandos. Dificilmente fála com alguém por muito tempo.

Em vez de fazer de seu estilo de comunicação uma grande polê­

mica, disse às pessoas para se adaptarem a sellS métodos. E mais,

sugeri ao grupo tomar a iniciativa de organizar reuniões com ele,

com a presença de todos os membros. O líder tem ouvido do gru­

po o quanto apreciam unla interação pessoal COll1 ele e está se tor­

Iundo Inais receptivo para readaptar seu estilo de comunicação.

2. A questão pôe em rúco nosso compromisso de ser e formar fiéis

seguidores de Cristo' Surgiu um problema com os líderes das classes

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o MOMENTO DE RETROCEDER 95

de adultos que não estavam se pteparando adequadamente pata as

aulas de domingo de manhã. Aquilo atrapalhava nossos esfotços

para modelar e ensinar o princípio de que oferecemos nosso me­

lhor para Deus ao servi-lo, então, decidi que precisávamos tratar do

assunto direramente com os líderes das classes. fui à reunião men­

sal dos professores da escola dominical e pedi para falar com eles

sobre o assunto. Expliquei: "Esta não é somente uma questão sobre

o dia da semana em que você prepara a lição ou a quantidade de

tempo dedicada para isso. Diz respeito a nossa liderança, a dar um

modelo para toda a igreja sobre o preço de servir a Cristo.

"Se estamos dispostos a pagar esse preço nas coisas pequenas,

então, Deus nos confiará responsabilidades maiores e nos dará bên­

çãos maiores para nosso serviço".

A reação foi benevolente por parte daqueles líderes. Comprome­

teram-se a melhorar naquela área. Um líder disse descontraidamente:

"Se você me ligar sábado pela manbã e minha lição não estiver 80%

pronta, então, prometo penitenciar-me em frente da classe no do­

mingo pela manhã!".

3. Dentro de um ano fàrá diftrença para a nossa igreja termos

lidado com o assunto? Se percebo que aquela situação não fará dife­

rença na igreja, de maneira que ninguém mais se lembrará daquilo

ou reconhecerá aquilo em um ano, então, esqueço o assunto ou o

trato de lnaneira não conflituosa.

É inlpressionante C01no alguns assuntos ainda são significantes

ou relembrados após um ano. O que faz muitos deles significantes

ou relembrados não é o assunto ern si, mas o grau de conflito des­

necessário que causaram. Tento avaliar o "significado dentro de um

ano" de assuntos potenciailnente passageiros e uso isso como UIll

indicador para evitar ou tratar da situação.

Um desafio em nossa congregação é conseguir que os partici­pantes do ministério de educação cristã cheguem cedo o bastantepara que as aulas comecen1 no horário. Muitas vezes ouço: "Nossa

igreja tem sido 'flexível' aos domingos com o horário de início da

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96 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CON~LITOS

Bible discovery Hour [Hora de descoberta da Bíblia]". Essencial­

mente quer dizer que algumas aulas começam às 9h 15 da manhã,

no horário certo, mas outras começam às 9h3ü ou até 9h45.

Ninguém se desgastava com aquilo, exceto cu'

Fui tentado a participar da reunião dos organizadores da educa­

ção cristã C anunciar que não dcvcrían10s nlais ter atrasos nos do­

mingos pela manhã. Mas perguntei a mim mesmo: "Será que se as

aulas começarem no hodrio certo f3xá diferença para a igreja nopróxinlo ano?".

Já que o ministério educacional estava crescendo c nunca corne­

çara no horário antes de minha ida para a igreja, tive que respondernão. Deixei o assunto de lado e denominei-o "peculiaridade de nos­

sa igreja". Não houve confronto e, portanto, evitou-se o conflito.

Se respondo negativamente a todas as três questões, isto me dizque o assunto não vale o risco de um conflito.

DESLIZE NA INTEGRIDADE

Uma farnília em nossa igreja recentemente contratou U111 emprei­

teiro para [lzer o acabamento no porão de sua casa. O processo

acabou virando um daqueles pesadelos de reforma de casas. Co­

nhecia ambas as partes e não sei Colno fui parar no 111eio da briga.

Quando o conflito piorou, recebi telefonemas de ambos; cada

um tentava me usar para ddender seu lado. Tais conversas toma­

ram um rurno negativo. () dono da casa I11e disse: "O empreiteiro

não somente tlZ um trabalho ruirn, lnas já ouvi dizer quão antiético

foi ao pagar antigos empregados".

Ele rambém foi culpado de ser desleal com o dono da casa en­

quanto o conflito aun1entava.

ConseqüCntC111ente vi-nle tentado a deixar que soubessem o que

falavam um do outro. Demorou um pouco até controlar-Ine e

tornar uma posição neutra. Mas quando isto aconteceu já havia

dito muira coisa. Um dos lados acusou-me de fofoca. Tive de ad­

I11itir meu erro e, então, procurei o Olltro e fiz o rneSI110. No final,

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o MOMENTO DE RETROCEDER 97

meu erro acabou se tornando UIna lição para nós três; o empreitei­

ro e o dono da casa adnlitiram ter cOI11etido o meSI110 erro.

O conflito tem um jeito especial de crescer de um pequeno

deslizamento de terra para um desmoronamento completo, e a ter­

ra faz vítimas enquanto desce morro abaixo. Um conflito tem o

potencial de arruinar a integridade de ambos os contendores de

uma questão. Isso acontece quando cada lado procura juntar apoio

a seu favor - fazendo afirmações exagcradas, escondendo a verda­

de, contestando os Inativos do outro.

Como podemos nos guardar disto? Um passo importante é re­

cusar discutir questões relevantes com os não envolvidos direta­

Inente no caso. Precisamos ser fiéis ao citar fatos de uma situação e

não exagerar os detalhes. Quando mantemos nossa integridade, não

somente exibimos um comportamento cristão, mas também não

arriscamos perder nossa credibilidade com outros - incluindo as

pessoas do outro lado da discussão.

Um grande amigo recentemente pediu para sair de sua igreja,

após mais de um ano de incansáveis conflitos. A grande maioria das

pessoas da igreja ficou chocada ao ouvir sobre sua demissão. Elas

não tinham idéia de que ocorriam problemas na igreja.

Perguntei-lhe como as pessoas não sabiam de nada sendo o con­

flito tão severo. Sua resposta revelou muito de sua integridade du­

rante aquele sofrimento. Ele disse: "Nunca falei sobre os problemas

con1 ninguém na igreja indiretan1cnte envolvido. E os que estavam

do outro lado da quesrao só se comunicaram com quem pensava

da mesma maneira que eles".

Não devemos usar a Inesma arn1a do adversário, pois isso C0111­

promete nossa integridade. Como Oswald Chambers uma vez es­

creveu: "Buscar que meu adversário reconheça meus direitos é algo

natural: mas do ponto de vista do Senhor não importa se fui enga­

nado ou não; o que importa é que eu não engane pessoa alguma".

A reação de meu anligo ao conflito em sua igreja foi um exem­

plo poderoso do que chamo de "liderança por eocarnação". É o

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98 O (ARÁ TER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

tipo de liderança que Jesus exibiria na igreja - uma liderança que

recusa vencer a batalha a qualquer custo. A vitória conseguida às

custas de nossa integridade não é vitória.

MEDIDA DE PREVENÇÃO

A escassa instrução recebida no seminário para lidar com pessoas e

questões na igreja poderia ser colocada em uma única folha de pa­

pel. No emanto, houve alguns conselhos dados entre aquelas limi­

tadas lições que poderiam ter evitado tantas anotações angustiantes

em meu diário pessoal. Um pastor, professor-adjunto, disse: "Tra­

balhe mais para manter bons relacionamentos na igreja do que para

resolver problemas nela".

Ele queria dizer que se procurássenlos construir e manter relacio­

nalnentos saudáveis e redentores C01n as pessoas, teríalnos n1uito

menos problemas para resolver - e menos problemas significa

menos conflito.

Foi uma afirmação sábia, à qual deveria ter prestado mais aten­

ção nos anos do início de meu n1inistério. Deveria ter feito a n1im

mesmo duas perguntas: 1) Esra luta vale o rompimento de um

relacionamento?: 2) Há outro modo de lidar com o conflito que

não danifique os relacionamentos?

Um líder em uma igreja que trabalhei criticava-me constantemente

por não atingir suas expectativas. Parecia que n1inhas sugestões seri­

am dificilmente aceitas e meus melhores esforços geralmente não

eram bons o bastante. A tensão em nosso relacionamento era tão

grande que dificilmente falávamos um com o outro. Não rivemos

uma discussão acirrada; sil11plesmente nos ignorávalnos.

Depois de meses de guerra fi-ia, em um domingo, ele discutiu

comigo sobre uma questão do culto. Eu estava convencido que

nosso relacionan1ento não era o que deveria ser e oraVa a Deus que

desse un1 jeito para nos reconciliarmos.

Minutos após o confronto fui em sua direção e perguntei-lhe se

podíamos conversar. Disse-lhe que não queria que o conflito entre

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o MOMENTO DE RETROCEDER 99

nós continuasse. Sinceramente me desculpei por minha atitude e

ações erradas e pedi seu perdão. Ele perdoou imediatamente e abra­çou-nle. EIll nlCU ouvido sussurrou: "Precisava ouvir isto de você,

mais do que pode imaginar. Só espero poder bzer o mesmo um

dia desses".

Sabia o que queria dizer. As pessoas que o conheciam sabiamque dificilmente admitia estar errado sobre algo. Não esperava ou­

vir um pedido de desculpas dele, mas ao menos dei conta de mi­

nhas mazelas.Para que soubesse conl certeza que eu queria um novo começo

convidei-o para ser meu companheiro de oração por duas semanas.

Oro com alguém da igreja toda terça-feira e, na primeira terça deoração, cle chegou um pouco mais cedo. Conversamos e fOIllOS ao

meu escritório para orar. Um pouco antes de ternlinarmos, parou e

disse: "Preciso que você saiba que estou arrependido do tratamentoque lhe dei no ano passado. Estava errado e preciso do seu perdão,

assim conlO você precisou do meu".

Aquela confissão eliminou a última ferida do prolongado con­

flito com ele. Novamcnte nos abraçanl0s e reconhecelnos que nos­

sa nova amizade era mais importante do que qualquer problema aenfrentar. Desde então nos baseamos naquele compromisso e nos

tornanl0S bons amigos.

Em minha leitura de lazer, gosto de livros sobre a história das

várias guerras em que os Estados Unidos se envolveram. Aprendi

muito estudando a liderança de Abraham I.incoln durante a guerracivil. Próximo do fim da guerra, quando os Jcalawag,~ estavam

ocupados em dominar seus conterrâneos do sul, Ulll exaltado con­

tingente de rebeldes reaciOldrios confederados conseguiu Ulna au­

diência com o presidente para tratar do assunto. A gentileza de

Lincoln, sua forma amig:ível com o grupo, logo quebrou o gelo e

2Panid<irios de ScaLl'wag, sulista branco do [J"rrido Rcpubliclno, depois da euerra de

Secessão. (N. da E.)

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100 O CARA TER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

os sulistas saíram com um novo respeito por seu adversário. Um

congressista do norte aproximou-se do presidente e o criticou por

ser amigável com um inimigo. Em vez disso, disse que Lincolndeveria ter atirado neles por serem traidores. Lincoln sorriu e repli­cou, "Não destruo lllCUS inimigos ao fazer deles Il1CUS allligos?".

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LIVRE DA DOR

A cabara de conversar ao telefone com um homem do conse­lho da igreja. Ligou-me para avisar que meu maior oponen­

te, tambérn rnenlbro do conselho, iria me confrontar naquela noi­

tc na reunião. Iria recornendar que o conselho voltasse atrás emSllas decisões prévias de acordo com a 111issao e direção da igreja.

De repente, minha pressão sangüínea subiu e gritei: "Não acre­diro que isro esd acontecendo. Isto significa guerra!". Minha secre­«Iria veio correndo ao meu escritório e perguntou o que estavaocorrendo. Disse: "ESGUllOS prestes a ter a maior batalha da vida

desta igreja na reunião do conselho desta noite".

Nos minutos seguintes, tornei-me UHl cOlnandantc de infàntaria

ao agitar-me pelo escritório gritando ordens aos suhordinados. Que­ria reunir informações negativas sohre aquele membro do conselho,e sabia exatalnente onde era mais vulnerável- em sua contribuição.

Pedi que a secretária imprimisse o regisrro das contribuições daquelehomem nos últimos dois anos. () relatório reforçava minhas suspei­

tas: aquele rico indivíduo havia dado somente 300 dólares para a igrejadurante esse período. Planejei levar o relatório à reunião, jo[;á-lo nalnesa na hora certa, e dizer: "Senhores, querclllos ouvir nlais críticas

mordazes de alguém que tem investido tão pouco em nossa igreja'''.Se aquilo não o colocasse etn seu lugar) nada l1lais o faria.

Felizmente não levei o plano avante) ainda que parecesse a tática

certa para silenciar nlinha oposição para sempre. Agora nle sinto

um pouco envergonhado daquilo.

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102 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONfliTOS

Uma das coisas que mais gosto nas revistas e jornais é a seção

"Onde eles andam agora''', sobre a vida de personalidades em uma

perspectiva comparativa entre passado e presente. É interessante des­

cobrir a direção que a vida de alguém tomou desde a fama. Acho

valiosa tal reflexão em minha própria vida, especialmente ao relacio­

nar a eventos que de alguma forma eram significantes. Escrever este

livro deu-me uma visão do passado e do presente em minha vida

desde a saída da igreja descrita no prin1eiro capítulo. Posso agora ver,

a partir desta perspectiva do conflito, Deus usando minha experiên­

cia para amadurecer-me - COIllO pessoa e como pastor.

A maioria das lições que aprendi esrão entrelaçadas nas páginas

anteriores desre livro, mas ao reflerir nos escritos de v;írios anos de

meu diário pessoal, percebo que pelo conflito no minisrério, Deus

ajudou-me a descobrir o tipo de bem ele revela por meio da dor.

A DOR PURIFICADORA

Quando estava no selllin<lrio, ouvi un1 palestrante afirmar algo que

dificilmente acreditaria na época. C:irando A. W Tozer, disse: "Deus

não pode fazer de U111 horne111 seu instflullento até que machucá-lo

profundamente". Na mesma época li uma observação semelhante

de Alan Redpath: "Quando Deus quer realizar algo muito difícil,

pega uma pessoa difícil e esmaga".

"Será que aquilo poderia ser verdade?" - perguntava a mim

mesn10. "Deus nos fere, até C0111 o propósito de nos purificar ou

tornar-nos mais úteis?"

Depois de muitos anos e dores compreendi haver lições na vida

que só podem ser aprendidas pelo conjunto de dores permitidas

por Deus. Isto é parte do ponto que Jesus queria chegar em João

15.2 quando disse a seus discípulos: "Todo ramo que, estando em

mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá truta ele poda, para que

dê mais fruto ainda".

Por exemplo, a dor ensinou-me a ter mais compreensão com

pessoas necessitadas disso. Em 1I1ll retiro para pastores e suas espo-

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LIVRE DA DOR 103

sas, lembro ter ouvido um amigo relarar as dificuldades experi­

mentadas em sua igreja no ano anterior. Falou sobre mal-entendi­

dos, rnágoas e duras acusações que havianl surgido na igreja. V;írias

famílias da liderança haviam saído e cle e a mulher sentiam-se der­

rotados.

Eu não estava preparado para a emoção que se abareu sobre mim.De repente pude sentir a sua dor como se fosse minha. Só sentiratal dor um ano c meio atrás. Quando terminou, abracei a ele e asua mulher. Vários outros aproximaram-se do círculo c nossas

orações por eles partiranl de coraçôes unidos pelas experiênciascomuns de dor.

Outra maneira de Deus agir em minha vida, é por meio da dorpara rue fazer mais tranqüilo e paciente COlll as pessoas. Minhasidéias e desejos pela igreja não são mais tão importantes para seremaceitos imediatamente, ou sequer aceitos. Reconheço agora que

Deus pode usar a idéia de outra pessoa para realizar sua obra emnossa igreja. Também aprendi a aceitar o fato de os outros nemsempre corresponderem às minhas expectativas. Entendo que rela­cionanlentos saudáveis sao mais irnporrantes do que meramenteter cunlprido urna tarefa. Mesmo ao escrever isto, estas lições pare­cem tão óbvias e tão básicas para a obra pastoral. Mas foram terrí­

veis para aprender.Não mui[() tempo atrás, trabalhava com nosso conselho para

contratar mais uma pessoa para a administração da igreja. Senti queo processo não era tão dpido como deveria. Alguns presbíteros nãohaviam terminado suas tarefas como planejado e por isso não pu­demos tornar umadccisao final. Alguns anos atrás, teria ficado ira­

do ou impaciente. Agora digo: "Mais importante que resolver acontratação de alguém é o que acontece em nossa vida. Obviamen­te há algUInas coisas acontecendo que Deus está usando para revisarnossa decisão. Vamos tlcar tranqüilos e seguir a liderança de Deus

nesta quesrao".

Eu não estava desculpando a falta de atenção ou irresponsabilidadede alguém. Havia, no entanto, aprendido a ser mais sensível à vida de

outras pessoas - às lutas que provavelmente afetaram seu trabalho.

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104 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

TODOS À ESPERA

Lembro-me de minha primeira volta na montanha russa quando

garoto. Eu era mais velho que meus amigos quando foram pela

priIncira vez. Até meu irmão lnais novo havia se divertido lá antesde mim. Mas eu era cuidadoso, um pouco medroso. Finalmente,

com O incentivo de meu irmão mais velho e de meu pai - e por

sentir-lHe envergonhado por meu irmão lnais novo ter ido antesde mim - ton1ei coragem e deixei meu pai levar-me à n10ntanha

russa.Meu pai falava o tempo todo que tudo sairia bem. Suas últimas

palavras foram: "Se ficar com muito medo é só enfiar a cabeça

debaixo de mcu braço e eu segurarei você". Desde o momento que

o carrinho despencou na primeira descida até parar minha cabeçaficou enterrada sob o braço de meu pai. Sabia que meu pai nuncame machucaria intencionalmente ou me colocaria em risco. Se dis­se que estaria a salvo, estaria a salvo. Aquilo não eliminou o medo

do passeio, mas me fez enfrentá-lo. Do mesmo modo, a dor de ser

expulso de uma igreja levou-me a confIar em Deus de urna maneiranunca feita antes. Embora não entcndesse o que Deus estava fazen­do ou porquê, descobri que podia confiar nele completamente parame conduzir pelo sofrimento. Acreditava e descobria novamente

que Deus não é pego de surpresa. Ele não esfregava as mãos e seperguntava: "O que vou fazer com Preston agora?". A dor cra parte

dos planos de Deus para minha vida e precisava aprender a confiarnele durante o processo.

Não sei o que me estimulou a confiar em Deus. A confiança

simplesmente estava lá. Talvez fosse o acúmulo de anos de estudos

bíblicos, pregação e ensino. () que tinha em minha mente era agora

posto em ação. Durante os primeiros dias após minha demissãorelembrei os planos divinos para a vida de Moisés. De acordo com

Êxodo 2, Moisés chegou ao poço em Midiã, onde se sentou, pro­vavelmente com sua face enterrada entre as mãos, sentindo-se umfracasso. Ficaria no deserto de Midiã pelos próximos 40 anos, cui­

dando do rebanho de ovelhas de seu sogro Jetro. Moisés estava ali

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LIVRE DA DOR 105

porque havia matado o egípcio. Mas em vez de Clllpar Deus ou

reclamar por não ter prevenido tal situação, Moisés aguardou, es­

perou e confiou. Moisés confIava que de alguma maneira Deusainda estava no controle e esperou que algum dia o chamasse nova­mente para servi-lo.

Aquela confiança f'li hem colocada, pois Deus se lemhrou do

pacto com seu povo e foi procurar Moisés no longínquo desertoperto de Horebe. A comovente história de como Deus apareceu aMoisés nas chalnas de lllna sarça ardente e o chan10u lnais un1a vez

para liderar o povo de Israel na fuga do Egito é bem conhecida.Mas oculta na grande verdade da fidelidade de Deus está a lição da

fé de Moisés, capacitando-o a manter seu caminho durante 40 anos

no deserto, enquanto esperava por Dcus.

O fàto de confiar em Deus me permitiu ficar tranqüilo sobre oque teria de fàzer em seguida no ministério. Senti certa compulsão

para seguir Ineu instinto natural de fazer contatos para encontrarum novo ministério e uma nova fonte de renda. No entanto, Deusdeu-Ine a certeza de que nos supriria de outra forma. Nas semanas

seguintes após a minha demissão, fiquei in1pressionado con1 os tc­

lefonemas e cartas recebidas de amigos e colegas. Todos ofereceramorações e muitos deram sugestões ou ajuda para eu encontrar outro

lninistério como pastor. Deus nos reassegurara que, como Moisés,

não fomos esquecidos.Aprendi de outro modo que a responsabilidade de Deus é suprir

todas as nossas necessidades, enquanto que a nossa é confiar nele.Isso não significa que o modo de Deus nos suprir será o mesmo em

todas as situações. Confiar em Deus pode reI' levado outros a fazer

ligações telefônicas e escrever cartas. Em nosso caso, foi exatamente

o oposto. Preferiria ter tomado algumas atitudes, mas Deus disse:"E f' b c ."spere, con le e o serve o que farei.

NINGUÉM É INOCENTE

No aconselhamento de casais quase SClnpre acho necessário fazer o

papel de juiz ou mediador em desacordos. Destaco aos casais que

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[06 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELüS CONFLITOS

ambos têm responsabilidades por seus problemas, mas até reco­

nhecer isso não h,í muita esperança do casamento voltar ao normal.

O mesmo aconteceu comigo. Nos meses após minha demissãocomecei a reconhecer o papel desempenhado no desastre. Era Hcil

jogar toda a culpa em meus opositores - culpar as falhas do con­

selho ou o silêncio dos administradores ou a falta de suporte daigreja. Mas reviver aquela dor não me ajudou. Só comecei a olhar

para dentro de mim quando um amigo fez um comentário casual:"Acho que agora você também já descobriu sua parte de erro em

tudo isto".Pensei sobre sua observação durante o resto de nosso altnoço.

Sabia a necessidade de pensar sobre meu papel naquela bagunça.O Espírito Santo trouxe a minha mente vários pontos onde

havia falhado. As poucas famílias que haviam arquitetado minha

saída não estavam sozinhas em suas falhas. Eu tivera as minhastambén1.

Por exemplo, Deus me mostrou que não havia feito tudo o que

podia para dar atenção a uma das famílias opositoras, quando ofilho deles sofreu um acidente sério. Não havia lidado com umacrise financeira muito beIn. Não deveria ter sido tão Gípido ao ex­pressar minhas opiniões sobre questões irrelevantes. Minha lista de

erros continuava a crescer enquanto o Espírito Santo operava eIn

meu coração. Nenhun1 dos erros da lista eram graves enl si llles­mos, mas tOInados juntos contavanl un1a história inegável - eu

contribuíra para aquela situação. Tinha que confrontar e resolveraquelas falhas. O reconhecimento e a confissão permitiram-me ex­

perimentar o perdão de Deus, que em retribuição liberraram-me

para começar o processo de perdoar os outros.

COMPAIXÃO MAIS PROFUNDA

() nosso sofrimento ajuda a aprofimdar a compaixão pelos outros.

Jesus é a única pessoa que não precisou crescer em sua habilidade de

ter compaixão por quem passa por necessidades. Para ele veio

naturalrnente e de forn13 plena. O rnesmo não aconteceu cornigo.

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LIVRE DA DOR 107

Tornei-me mais sensível com quem sofre. Quando alguém me

conta sobre dor e aflição em sua vida, geralmente meus olhos se

enchem de lágrimas. Narrar uma história de alguém arruinado du­

rante um sermão pode também me levar às lágrimas.

Ao pregar uma série de sermôes sobre a vida de Davi, descobri

que esre mesmo processo aconteceu na vida dele como resultado

do relacionamento rompido com seu filho Absalão. No livro Leapover a Wáll rSalto sobre o muro], Eugene Peterson escreve: "A pior

rejeiçao de sua vida precipitou o mais n1aravilhoso alnor - amor

por Absalão". Pela dor da desavença com Absalão, Davi "resgatou

sua extraordinária capacidade para amar".'

A recém-descoberta compaixão de Davi deve ter impressio­

nado a todos. Quem esperava que reagisse ao golpe de Absalão,

ao passar em revista as tropas e enviá-Ias para batalha, com o

aviso aos comandantes para não matar Absalão? Davi os adver­

tiu: "O rei ordenou a Joabe, a Abisai e a Irai: 'Por amor a mim,

tratem bem o jovem Absalão" E rodo o exéreiro ouviu quando

o rei deu essa ordem sobre Absalão a cada um dos comandantes"

(25m 18.5).

Seria aquilo un1a ordem sentimental e irracional? Ou era o re­

sultado da extraordinária obra de Deus no coração daquele homem,

dando-lhe capacidade maior para a compaixão? A Escritura deixa

poucas dúvidas sobre o lamento do rei por seu filho decaído Absalão.

Era urna expressão autêntica de cornpaixão, aprendida por meio da

dor da rebelião de seu filho. Ouça o lamento de Davi:

Então o rei, abalado, subiu ao quarto que ficava por cima da

porta e chorou. Foi subindo e clamando: "Ah, meu filho

Absalão! Meu filho, meu filho Absalão! Quem me dera (er

morrido em seu lugar! Ah, Absalão, meu filho, meu filho!"

(25m 18.33).

It\'nv \'ork: IlarperCollins, 1998.

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108 O CARÁTER APERFEiÇOADO PELOS CONFLITOS

Richard DeHaan conta a história de um homem que ouvia os

ourros compartilharem suas passagens hlvoritas da Escritura com a

congregação. A maioria dos versículos falava de salvação, seguran­

ça, ou da provisão de Deus. E, então, um idoso levantou-se para

tomar sua vez. Disse que sua palavra favorita na Bíblia era: "pas­

sou". Explicou: "Quando a doença atinge, saber que passar,í me

anima. Quando me deparo com problemas, sei que não durarão

para sempre. Logo, logo, poderei dizer: 'passou"'.

Embora esse homem houvesse inferido um significado diferen­

te do que os autores bíblicos pretendiam, achou nelas urna impor­

tante verdade encontrada na Bíblia: não in1porta quão interminável

possa parecer um sofrimento ou quão intensa a dor experimentada,

chegará o dia quando não mais será um peso ou uma fonte de

preocupação. Na verdade, se parecerá como nada à luz da eternida­

de. Em 2Coríntios 4.17 est,í escrito: "Pois os nossos sofi-imemos

leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna

que pesa mais do que todos eles".

Anos depois dos 1l10mentos mais intensos de dor ctn Illeu mi­

nistério posso olhar para trás e dizer corno o apóstolo Paulo: "So­

mos perseguidos, mas não abandonados: abatidos, mas não

destruídos. lí-azemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus,

para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo"

(2eo 4.9-10).

Alguns anos amís uma família começou a frcqüemar nossa igre­

ja. A mulher me disse: "Estamos aqui para nos recuperar das lutas

que meu marido teve COll1 companheiros missionários", Ouvi as

histórias de conflito com os companheiros de trabalho que eles

pensavall1 ser seus a1l1igos. O casal sentiu-se mal-interpretado e

machucado. Precisavam de um lugar para curar suas feridas.

Admiro que a presença deles na igreja pegou-me desprevenido.

Logo depois daquela conversa, um execurivo da sede da igreja deles

ligou perguntando: "Sua igreja trabalharia conosco para desenvol­

ver um plano para ajudar essa hmília a se recuperar'''.

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LIVRE DA DOR 109

A memória de como uma congregação havia cuidado de mim e

de minha família após ter sido mandado embora da igreja anosatrás voltou rapidamente à minha mente. Ainda estou no pastorado

por causa da compaixão daquela igreja. Seu pastor, embora soubes­

se de nossa situação, não nos deu as boas-vindas publicamente ou

apressou-se para que nos envolvêssemos. Deu-nos a possibilidade

do anonimato. Eu precisava daquilo. Precisava de um espaço emo­

cionai para o golpe sofrido por nossa família. Nem mesmo me

pediu para lhe dizer o que acontecera.

Pouco tempo depois de nossa làmília começar a freqüentar a

igreja, vários grupos pequenos nos convidaram para nos juntarmos

a eles. Era lllna nlaneira suave e graciosa das pessoas da igreja nos

dizerem que se importavam conosco. Expliquei aos líderes dos pe­

quenos grupos que Suzanne e eu não estávamos prontos para aque­

le nível de intimidade. Dois líderes disseram que manteriam contato

comigo periodicanlente. ()fereceram-se para tomar a iniciativa. Gos­

tei daquilo, pois não havia mais muita iniciativa em mim.

Após vários meses tive o desejo de servir novamente. Enl unl

dOlningo, mencionei aquilo coln o pastor e, na quarta-feira seguin­te, o pastor auxiliar me ligou e perguntou se gostaria de substiruir

um professor da escola dominical de adultos no domingo de ma­

nhã. Aceitei.

Então, não muito depois daquilo, um presbítero da igreja, a

quem já conhecia, convidou-me para almoçar. Surpreendeu-me ao

perguntar se consideraria se unir à equipe da igreja como pastorauxiliar. Exatamente 30 dias após o almoço, participei de uma reu­

nião administrativa como pastor do ministério de adultos. Fui fran­

co com o pastor titular, dizendo:

- Estou interessado na oportunidade, mas não me vejo como

pastor-auxiliar por muito tempo.- Quer seja por seis Ineses ou seis anos - disse o pastor ­

meu objetivo é ver Deus trazê-lo de volta ao ministério.

fiquei dois anos com eles e quando saí, orei para Deus dar-me a

chance de fazer por alguém o que aquela igreja fizera por mim.

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110 O CARÁTER APERFEIÇOADO PELOS CONFLITOS

Quando uma família missionária ferida chegou em nossa igreja,tive minha chance. Aquela tlmília uniu-se à nossa igreja e o matido

acabou trabalhando conosco. Quando saiu, disse: "Obrigado pordeixar-me experinlentar relacionamentos saudáveis".

A igreja, que tem tanto potencial para infligir dor a um pastor e

sua família, tem também grande potencial para ser um instrumen­

to de cura, para restaurar a visão positiva para o nlinistério. Aomenos, o sofrimento experimentado nas mãos de algumas igrejas

forçaram-me a pensar nos outros. O caráter moldado pelo confli­to, no fim, não diz respeito a como lidar melhor com minha dor,nlas conlO lidar com o sofriInento dos outros.

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Sobre o livro

,\1iniSlério paswral

Fi'tll r!rl excClI{áo :lgOSto de 2004

f. " ({lIç,-jo ourubro de 2001

Tiragcm Ano

I 2 J 4 ') (, 8 9 10 09 OH 07 ()(j 05 04

FOrllltlto $ 14 x 21 em,l11/1/(/;(1 1(),5 x 1B,) (/I]

Iipo I' (()fpo//'Iitrc!in/;II ~ AGaramond 12/14,7(texto): Alhcnlls 17/20,4 (tilulos e ,'llbtitlJlos)

J'tlpe/ on~Stt 7') g/m l (miolo); Cartjo Supremo

25() g/m 2 (capa)

J/mgemhl'lpffS,rlio

4 mil exemplares

Imprema &1 Fé

Equipe de rtali/ac;ao

Produção gráfica

Supcrl'isiioS,.>,."-llR ..\ Lu 11

Foto/itohfJ'Fl'J";S\ [l,'>' FI

•Produção editorial

Coordolil('áo

AlIJO MI:~ljFS

A."úténtlt/rVI-'lI'R(i ;-"l( l(;I,IUR_I

/I/orma!izaçâo de texto

!\-íA{:RO N()(:u'jj{.\

Frlição de to:/o

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1.1''':\ AR'INl IA

Reui,âo de jlrolltH

Roc;tR[O 1'(lRTIIIA

Projeto c'(ftÍfiC(I

S(lNIA PEI[( :()\

CompoJiriio5F[-I'I' TI.\Jl AlUIS CRAilU\

ClipaA[ 1)(AI'\l1RE (;l,\[AV'()

jmpresso no Brasil I Prinfl'd in Bm",i/