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UM PANORAMA DOS ÚLTIMOS 30 ANOS CONSTITUIÇÃO, DEMOCRACIA E JURISDIÇÃO RODOLFO VIANA PEREIRA BERNARDO GONÇALVES FERNANDES COORDENADORES LUCAS AZEVEDO PAULINO ORGANIZADOR

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CONSTITUIÇÃO, DEMOCRACIA E JURISDIÇÃO
COORDENADORES
CONSTITUIÇÃO, DEMOCRACIA E JURISDIÇÃO
COORDENADORES
CONSTITUIÇÃO, DEMOCRACIA E JURISDIÇÃO
Rua Espírito Santo, 1204, Loja Térrea Centro - Belo Horizonte - MG
CEP 30.160.031
Capa e Diagramação: Toque Digital Impressão: Toque Digital
Constituição, democracia e jurisdição um panorama dos últimos 30 anos / organização de Lucas Azevedo Paulino - Belo Horizonte: IDDE, 2018. 144p.; 15,5cm x 22,5cm.
ISBN: 978-85-67134-08-6
1. Direito Constitucional. 2. Constituição. I. Paulino, Lucas Azevedo (org.). II. Título.
C758
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................... 7
O LEVIATÃ TOGADO: OS 30 ANOS DE PROTAGONISMO JUDICIAL E O DEVIR CONSTITUCIONAL Alexandre Melo Franco de Moraes Bahia Diogo Bacha e Silva .......................................................................................... 11
DIREITOS SOCIAIS: CONSOLIDAÇÃO OU RISCO DE EXTINÇÃO? Álvaro Ricardo de Souza Cruz Nicole Barbieri Marques .................................................................................... 33
A PARTICIPAÇÃO DAS IGREJAS NO PROCESSO ELEITORAL BRASILEIRO: A LIBERDADE RELIGIOSA EM CONTRAPOSIÇÃO À MAXIMA IGUALDADE ENTRE OS CANDIDATOS. Ana Claudia Santano Geovane Couto da Silveira................................................................................. 51
REFLEXÕES SOBRE A TESE DO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO DE SERGIO ABRANCHES NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Bernardo Gonçalves Fernandes ......................................................................... 75
AVANÇOS E LIMITES DA TRANSIÇÃO BRASILEIRA ANTE O PROJETO CONSTITUINTE DE 1988: 30 ANOS EM PERSPECTIVA Emilio Peluso Neder Meyer Raquel Cristina Possolo Gonçalves ................................................................... 87
ENTRE O PROJETO CONSTITUINTE E A INTERVENÇÃO FEDERAL NO RIO DE JANEIRO: O QUE ELA TEM REVELADO SOBRE NÓS? Ernane Salles da Costa Junior ........................................................................... 117
A CONSTITUIÇÃO SOB A CORTE MENDES (2003-2013): A INSTITUCIONALI- ZAÇÃO DO ABUSO JURISDICIONAL NA BUSCA POR PROPORCIONALIDADE? João Andrade Neto ........................................................................................... 137
REFLEXÕES SOBRE ESTADO CONSTITUCIONAL, MODERNIDADE E PROCESSO: POR UMA COMPREENSÃO DO MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO E DA DEMOCRACIA A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 José Luiz Quadros de Magalhães Maria Luisa Costa Magalhães ........................................................................... 169
OS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO: O PAPEL DO DIREITO E DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL Lenio Luiz Streck .............................................................................................. 207
30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO DO TRABALHO: AVANÇOS E RETROCESSOS NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS TRABALHISTAS Miriam Olivia Knopik Ferraz Marco Antônio César Villatore Martinho Martins Botelho ................................................................................. 231
TRINTA ANOS, UMA CONSTITUIÇÃO, TRÊS SUPREMOS: AUTORRESTRIÇÃO, EXPANSÃO E AMBIVALÊNCIA NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO Patrícia Perrone Campos Mello ......................................................................... 259
A CONSTITUIÇÃO ENTRE RECONHECIMENTO E ATORDOAMENTO Rodolfo Viana Pereira ....................................................................................... 297
JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO E 1988 OU SOBRE PORQUE PRECISAMOS DE UM CONSTITUCIONALISMO TRANSICIONAL E POLÍTICAS DE JUSTA MEMÓRIA PERMANENTES Tayara Talita Lemos .......................................................................................... 317
APRESENTAÇÃO
“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.
Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.
Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promul- gamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra.
Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.”
Ulysses Guimarães
Há 30 anos, em 05 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães realizava discurso memorável, do qual o trecho acima foi retirado, para anunciar a promulgação da nossa nova Constituição Democrática, que representou o marco histórico da transição de uma ordem jurídica autoritária, implementada no decorrer do regime militar, para uma nova ordem jurídica democrática.
A Assembleia Constituinte que trabalhou no decorrer de 1987 e 1988, além de contar com a participação de representantes eleitos de uma pluralidade de partidos e correntes políticas, recebeu mais de uma centena de emendas populares. Esse caldeirão de engajamento cívico e democrático resultou em um documento consti- tucional extenso, analítico, abrangente e compromissório, que estabelece os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros e organiza nosso Estado Democrático de Direito.
A Constituição de 1988 inaugurou um sistema jurídico em que os cidadãos brasi- leiros são titulares de uma miríade de direitos individuais, políticos, coletivos e difusos. Na organização do Estado, mantivemos o federalismo, com a novidade de elevar os municípios à categoria de ente político, junto com a União, os Estados e o Distrito Federal. Na organização dos poderes, um sistema presidencialista multipartidário, com um Poder Legislativo bicameral e um Poder Judiciário com competência para, além de dirimir conflitos em casos concretos, controlar a constitucionalidade dos atos normativos nas modalidades difusa e concentrada.
Como o próprio Ulysses Guimarães reconheceu no seu discurso de promulgação, a Constituição não é perfeita e admite reformas. Apenas os pilares centrais do cons- titucionalismo liberal e democrático não podem ser modificados: democracia (voto direto, universal, individual e secreto); estado de direito (separação de poderes), direitos fundamentais, além da forma federativa de estado, que se justifica pela extensão territorial e diversidade existente no país. Apesar de existir formalmente um procedi- mento mais rígido para alteração, nesses 30 anos de vigência já foram promulgadas 99 emendas para modificar seu texto, aperfeiçoar nossas instituições, sendo que os governos eleitos conseguiram, geralmente, adotar sua agenda política.
No decorrer dessas três décadas, o Supremo Tribunal Federal alcançou um maior protagonismo no cenário institucional brasileiro, passando a atuar de forma mais ativa na aplicação das normas constitucionais, com vistas a dar efetividade à Constituição, sobretudo quanto à garantia e expansão de direitos. Esse fenômeno de fortalecimento da autoridade do STF, deslocando-se para o centro do arranjo político, muitas vezes em detrimento dos demais poderes, é perceptível, sobretudo na decisão de temas contro- vertidos de forte apelo político e moral–como nos casos sobre os reconhecimentos de direitos LGBTs, da interrupção da gestação de fetos anencéfalos, na demarcação de terras indígenas, nepotismo e financiamento empresarial de campanhas eleitorais–e também nos casos de alta voltagem política, como na antecipação do cumprimento da sanção penal após esgotadas as instâncias ordinárias e no julgamento criminal de autoridades políticas por crimes de corrupção, especialmente associadas à operação Lava Jato. A judicialização da política e o ativismo judicial não ocorreram sem críticas e sem controvérsias. Questionamentos sobre ausência de legitimidade democrática do Tribunal para decidir certos temas, o extrapolamento hermenêutico em algumas decisões, decisões judiciais pouco ortodoxas e até sobre a politização da justiça são alguns dos desafios presentes no momento.
A difícil combinação do sistema presidencialista no Poder Executivo com um sistema político multipartidário fragmentado no Poder Legislativo representa outro desafio para o Brasil. De um lado, parte da literatura considera que essa fórmula institucional engendra conflitos entre poderes e agrava cenário de instabilidade e de possível imobilismo político. De outro, há os que veem possibilidade de coordenação na relação entre esses poderes, uma vez que existem mecanismos que possibilitariam presidentes e parlamentos cooperarem e tornarem o sistema estável, mesmo em cenários adversos, por meios da construção de coalizões de governo. Os últimos anos de crise e instabilidade política no Brasil, com o segundo impeachment presidencial realizado nos 30 anos de vigência da atual Constituição, merecem a devida reflexão.
A presente obra pretende ajudar nesse debate. Com artigos escritos por profes- sores doutores de diversas origens acadêmicas, pretende contribuir com visões distintas sobre temas fulcrais para o constitucionalismo brasileiro.
Rodolfo Viana Pereira Bernardo Gonçalves Fernandes coordenadores
Lucas Azevedo Paulino organizador
BAHIA, Alexandre Melo Franco de Moraes; SILVA, Diogo Bacha. O Leviatã togado: os 30 anos de protagonismo judicial e o devir constitucional. In: PEREIRA, Rodolfo Viana; FERNANDES, Bernardo Gonçalves (coord.). PAULINO, Lucas Azevedo (org.). Constituição, democracia e jurisdição: um panorama dos últimos 30 anos. Belo Horizonte: IDDE, 2018. p. 11-32. Disponível em: https://doi. org/10.32445/97885671340861
O Leviatã togado: os 30 anos de protagonismo judicial e o devir
constitucional Alexandre Melo Franco de Moraes Bahia1
Diogo Bacha e Silva2
Resumo O artigo explora tema ainda pouco debatido sobre a centralidade do
Poder Judiciário no processo de redemocratização. Enquanto a maioria dos estudos têm como objeto de análise das decisões jurisdicionais e seus impactos sociais, procuramos analisar e refletir como o mecanismo insti- tucional do Poder Judiciário e, sobretudo, do Supremo Tribunal Federal se mantém aferrado às práticas autoritárias e a uma composição patrimonial que dificulta o processo de democratização e as promessas de inclusão social. Deve-se assumir a perspectiva de que a democracia é sempre um processo devir e necessita do antagonismo social, inclusive das instituições.
Introdução A história nos mostra que, assim como na França no ancien régime, o Poder
Judiciário brasileiro, desde os tempos coloniais, mantinha estreitos laços com a elite política e econômica. Na verdade, a estrutura institucional do Poder Judiciário representava o verdadeiro estamento burocrático e estava voltado para a resolução
1 Doutor pela UFMG, Professor Adjunto na UFOP e IBMEC-BH, Coordenador do Programa de Pós-Graduação Novos Direitos, Novos Sujeitos – UFOP, Bolsista de Produtividade do CNPq, e-mail: [email protected].
2 Doutorando em Direito pela UFRJ, Mestre em Direito pela FDSM, Professor, Membro do OJB-FND-UFRJ, e-mail: [email protected].
12 Alexandre Melo Franco de Moraes Bahia Diogo Bacha e Silva
dos conflitos entre as elites dominantes. Por isso, o perfil de seus membros era de um velho bacharelismo liberal em que a maioria de seus membros eram pertencentes à classe social da elite política e econômica e seu ideário forjado na tradição europeia. Não há como desvincular o Poder Judiciário brasileiro e o poder político nacional3.
A carreira no Poder Judiciário, ocupada pelos bacharéis, destinava-se a possibilitar uma ocupação profissional para a elite política brasileira e um emprego com relativa segurança, além de um crescimento no status social. Há um casamento, portanto, entre o dinheiro e o poder que encontra seu ápice na figura do Poder Judiciário no Brasil e na sua formação intelectual4.
O advento da República também pouco mudou o quadro de estreita ligação do Poder Judiciário com as elites e o poder político. Embora tenhamos vivido mais sob períodos de regimes políticos autoritários do que democrático, os 30 (trinta) anos da Constituição de 1988 seriam (deveriam ser) tempo suficiente para que o Poder Judiciário abandonasse seu viés elitista e corporativista e realizasse um papel institucional de inclusão política e garantia da ordem constitucional. É importante o resgate histórico sobre a subserviência – quando não, legitimação – do Judiciário face a atos autoritários perpetrados no Brasil. Apenas para citar alguns, vale lembrar da decisão do STF sobre o Caso Olga Benário (contrariando normas internacionais de que o País era signatário), a legitimação da tortura e condenação sem provas no Caso dos Irmãos Naves, ou a atitude na maior parte das vezes passiva e, no geral, legitimadora, do STF face ao Golpe Militar de 1964 e as torturas, desaparecimentos e mortes que se seguiram.5
3 WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 117 e ss.
4 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: O Tribunal Superior da Bahia e seus desembargadores, 1609-1751. São Paulo: Companhia das letras, 2011.
5 “[O] STF legitimou explicitamente o golpe de estado através da presença de seu Presidente na sessão do Congresso que determinou a vacância do cargo de Presidente da República, atitude que possui um fundo eminentemente político. A justiça, com sua estrutura compartimentalizada em Tribunais e Juízes, legitimaria um novo governo, mesmo que ilegal, desde que esse mantivesse intacta a estrutura dos Tribunais e sua autonomia. Tanto é que foram mantidos no cargo, em um primeiro momento, os Ministros do Supremo que haviam sido nomeados por João Goulart. Os Ministros consideraram a tomada de poder pelos militares como sendo legítima, sendo que em nenhum momento o golpe teve sua legalidade ou legitimidade questionada. Após a posse de Castelo Branco, os Ministros reuniram-se com o recém- eleito militar-Presidente, sem questionamentos ao golpe, aceitando a quebra da Constituição. O medo dos Ministros era de uma cassação e qualquer movimento contrário ao golpe poderia acarretá-la. O primeiro ato institucional, elaborado por dois juristas de renome – Carlos Medeiros e Francisco Campos -, ingressou na ordem jurídica nacional como poder constituinte originário, mudando a Constituição no que interessava ao militares, com investigações e suspensões de direitos fundamentais. A legalidade do ato estaria também na sua aceitação por parte do STF que, com seu discurso de imparcialidade e autonomia, colocou-se como um intérprete para a aplicação dos futuros atos institucionais” (TORRES,
13O LEVIATÃ TOGADO
Portanto, sob o pano de fundo da feição institucional de um Poder Judiciário eminentemente patrimonialista e elitista, bem como assim de uma composição social típica da Casa-grande, cabe refletir sobre se a promessa de democratização da Constituição de 1988 atingiu efetivamente a atuação do Poder Judiciário.
O núcleo central da Constituição de 1988 e o grande valor normativo para a construção de um projeto político democrático reside principalmente na capacidade transformadora/emancipadora de suas instituições. Essa transformação/emancipação não se dá apenas na dimensão social, mas sobretudo também na dimensão institu- cional. Partindo de um método jurídico-descritivo de análise da atuação do Poder Judiciário nesses 30 (trinta), em uma exploração de algumas das principais decisões do Supremo Tribunal Federal, passamos a realizar algumas projeções sobre o que se espera do Poder Judiciário para o devir constitucional.
Em primeiro lugar, a escolha do Supremo Tribunal Federal como objeto de análise deve-se ao papel de cúpula do Poder Judiciário, guardião (último) da Constituição e, por conseguinte, a instituição que tem como função principal a proteção da ordem democrático-constitucional. Além do mais, o arranjo institucional da Constituição de 1988, mediante o fortalecimento de ações de controle concentrado, o papel político assumido pelo Supremo Tribunal Federal ao longo desses anos, bem como a dotação de eficácia vinculante de suas decisões, o colocam como objeto principal de análise da atuação do Poder Judiciário, eis que suas decisões servem de padrão de conduta, senão muitas vezes obrigatórias, para os demais órgãos jurisdicionais, além do que demarcam a história institucional do Poder Judiciário e também a reputação internacional do próprio Poder Judiciário, bem assim explicita, ao menos para um observador externo, como a Constituição é aplicada/vivida em nosso projeto político.
Nunca é demais salientar que não podemos enxergar a atuação jurisdicional sob o pálio da Constituição de 1988 afastada das condições históricas, sociais e políticas de formação e constituição de nossa nação. A própria Constituição deve ser vista como lócus de disputa de narrativas e projetos políticos díspares e que, deste modo, reflete a própria ambiguidade da atuação do Poder Judiciário. A Constituição não é obra acabada, mas projeto que se coloca como à venir (no sentido dado por MOUFFE),
Mateus Gamba. O Supremo Tribunal Federal e a ditadura militar: discursos, processos e parcialidade. XXVIII Simpósio Nacional de História, 27 a 28 de outubro de 2015, Florianópolis. Disponível em: <https:// tinyurl.com/y7gjndw5). Vale a pena ver também: RECONDO, Felipe. Tanques e togas: o STF e a ditadura militar. São Paulo: Companhia das letras, 2018. Sempre é importante lembrar – porque parece que não aprendemos a lição – que pura legalidade não gera legitimidade.
14 Alexandre Melo Franco de Moraes Bahia Diogo Bacha e Silva
que se reconstrói a todo tempo, como possibilidade de inclusão de novos direitos e de novos sujeitos de direito, projeto este não imune a quedas/retrocessos e que coloca a questão de sua legitimidade, então, para o futuro6.
Como marco teórico, e em especial por considerar que a democracia não se realiza apenas normativamente como algo dado e acabado por alguns que detêm a “vanguarda iluminista”, a concepção de democracia agonística de Chantal Mouffe em que a construção de uma democracia é sempre algo conflituoso e em permanente disputa por agentes sociais e narrativas distintas. O espaço jurisdicional não deve ser visto como um local em que alguns possam conduzir nossa democracia e ditar quais os aspectos que farão de nossa comunidade política uma união de membros livres e iguais.
No trintenário da Constituição cidadã de 1988 cabe-nos, então, levantar o seguinte questionamento: qual o papel do Poder Judiciário no processo de redemocratização iniciado pela Constituição de 1988? Ademais, o que resta de democrático no Poder Judiciário e qual o futuro para a consolidação do Estado democrático de direito?
A transição da justiça e a justiça de transição: a contradição institucional do Poder Judiciário brasileiro.
Ao longo das décadas de 1960 a 1980, grande parte da América Latina, sob fortes influências norte-americanas, estava mergulhada em regimes políticos ditatoriais. Sob a influência ideológica e econômica do capitalismo, os regimes políticos ditatoriais alçaram o poder ao argumento de combate ao “comunismo” que ameaçaria a existência de toda a região a partir da experiência cubana – a “luta contra o comunismo” foi a expressão-chave para justificar a queda de regimes democráticos, cassação de partidos e de políticos, desaparecimentos, torturas e mortes de dissidentes.
A participação e um canal aberto entre os militares e o setor empresarial no regime político autoritário que se instalou no Brasil a partir de 1964 até 1985 deu contornos específicos ao golpe de estado7. Os contornos específicos da ditadura civil-militar no
6 HABERMAS, Jürgen. Remarks on Erhard Denninger’s Triad of Diversity, Security, and Solidarity. Constellations. Oxford: Oxford University Press, v. 7, n. 4, p. 522-528, 2000, p. 524.
7 De forma pioneira, Heloisa Starling estabelece os meandros dessa relação: STARLING, Heloisa Maria Murgel. Os senhores das gerais: os novos inconfidentes e o golpe de 1964. 4ª ed. Petropólis: Ed. Vozes,
15O LEVIATÃ TOGADO
Brasil trarão também, por óbvio, consequências não só no campo social e político8 como no campo institucional. Assim como o regime escravocrata dos séculos XVII, XVIII e XIX no Brasil mantém severas raízes em nossa realidade social, os regimes ditatoriais (os Marechais da República Velha, o Estado Novo de Getúlio e a ditadura militar de 1964-1984) continuam tendo enormes influências em nossas práticas institucionais. Nunca se passa impune a um golpe, civil ou militar. Estes são eventos que criam narrativas e se entremeiam nas instituições de forma a se perpetuar, mesmo após seu fim9, principalmente em países como o Brasil, que não fizeram o devido expurgo jurídico (e histórico, simbólico) via justiça de transição – e também aí o STF tem papel fundamental, ao julgar a ADPF. 15310.
Há três importantes aspectos que, inter-relacionados, influenciarão sobremaneira o modo como o Poder Judiciário exercerá suas atribuições após a redemocratização. Na verdade, se bem vislumbrarmos a história institucional do Poder Judiciário, poderemos perceber uma certa docilidade do mesmo com regimes autoritários e até mesmo complacência com a violação de direitos individuais.
Basta lembrarmos, pois, que mesmo após a proclamação da República e com um tecido institucional próprio da Suprema Corte norte-americana, o STF, instalado em 1891, logo de início decidiu questões importantes para o futuro e a construção não só de sua reputação, mas também da nossa própria história constitucional. É notório, portanto, no julgado do histórico HC 300 impetrado por Rui Barbosa que ali já se apresentava um importante aspecto do Poder Judiciário na nossa estrutura de
1986. Cf. SCHWARCZ, Lilian, STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
8 Na ditadura civil-militar, o desenvolvimento econômico deveria ser estimulado a partir de pressupostos claros: 1) a redução do papel ativo do Estado; 2) o efetivo controle dos direitos sociais; 3) a facilitação do investimento estrangeiro. Para tanto, crucial foi o papel exercido Ipes (instituto de Pesquisa e Estudos Sociais) que organizava os interesses do capital multinacional e controlava a nomeação do Ministro da Fazenda e do Planejamento (DREIFUS, René Armand. 1964 – a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981). O Ministro da Fazenda sob o regime da ditadura civil-militar tinha poderes imperiais. Dispunha do controle total do orçamento e a possibilidade de autorização de qualquer despesa e, pois, não haviam forças políticas capazes, nem no Legislativo, nem no Judiciário, capazes de se contrapor ao modelo econômico (SCHWARCZ, Lilian, STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 451).
9 MEYER, Emílio Peluso Neder. Judges and Courts Destabilizing Constitutionalism: The Brazilian Judiciary Branch’s Political and Authoritarian Character. German Law Journal, vol. 19, n. 4, 2018, p. 727- 768.
10 Sobre isso, por todos, ver: MEYER, Emilio P. N. Ditadura e responsabilização: elementos para uma justiça de transição no Brasil. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.
16 Alexandre Melo Franco de Moraes Bahia Diogo Bacha e Silva
poder. O Supremo Tribunal Federal, na ocasião, denegou o pleito sob a alegação de que o Tribunal era incompetente para lidar com questões políticas, mesmo que envolvidos direitos individuais: “Esta circunstância não habilita o Poder Judicial a intervir para nulificar as medidas de segurança decretadas pelo Presidente da República, visto ser impossível isolar esses direitos da questão política que os envolve e compreende”11.
Extrai-se, portanto, que são raros os momentos que o Supremo Tribunal Federal e o Poder Judiciário enfrentaram e resistiram às arbitrariedades das elites econômicas e políticas. Muitas vezes adotaram um papel de condescendência com o poder e com o governo12.
Essa primeira característica histórica do Supremo Tribunal Federal e do Poder Judiciário como um todo influenciará a forma de atuação durante o regime civil-militar de 64. No Brasil, ao contrário de outros países que conviveram com a ditadura, o Poder Judiciário teve papel de buscar conferir um verniz de legitimidade aos atos de supressão dos direitos individuais do regime político. A isso, portanto, Anthony Pereira chamou de uma legalidade autoritária em que a participação do Poder Judiciário na supressão dos direitos individuais dar-se-ia aplicando um pseudo processo com a outorga de garantias apenas formais13.
Outro aspecto está intimamente relacionado ao esvaziamento da ideia de conflito como inerente à democratização. O processo de abertura democrática realizada no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 foi um processo gradual e lento, não se realizando um verdadeiro golpe de força do poder constituinte. Na verdade, houve controle do
11 Nesse HC. n. 300, Rui Barbosa defendeu ser competente o Supremo Tribunal Federal para apreciar os atos cometidos em razão do estado de sítio em virtude de que, se os atos que geraram a prisão eram políticos, ao mesmo tempo envolviam direitos individuais, logo, passíveis de serem apreciados judicialmente (cf. RODRIGUES, Lêda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. p. 20-21). O Supremo Tribunal Federal, ao longo de sua existência, se valeu da doutrina das political questions para deixar de apreciar certas questões politicamente polêmicas. De fato, essa doutrina americana, a despeito de nunca haver sido bem definida no Brasil, esteve presente ao longo da história do STF. Cf. KIMMINICH, Otto. Jurisdição constitucional e o princípio da divisão de poderes. Revista de Direito Público, n. 92, p. 17-33, out./dez. 1989. p. 26; SOUZA JR., Antônio Umberto. O Supremo Tribunal Federal e as questões políticas. Porto Alegre: Síntese, 2004. p. 68 et seq.; BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Recursos Extraordinários no STF e no STJ–Conflito entre Interesses Público e Privado. 2a ed. Curitiba: Juruá, 2016.
12 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência Política. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 116-117.
13 PEREIRA, Anthony. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o Estado de Direito no Brasil, no Chile e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
17O LEVIATÃ TOGADO
regime civil-militar sobre a abertura política, inclusive com a edição da Lei 6.683/79, que instituiu a anistia até mesmo para os crimes contra humanidade praticados durante e em nome do regime político vigente, através de cláusulas ambíguas (ou assim o foram interpretadas, inclusive pelo STF na citada ADPF. 153) presentes no texto legislativo.
De outro lado, há que se considerar também a necessidade da instituição de uma justiça de transição – ou quais as consequências institucionais pela ausência de uma efetiva justiça de transição. A transição entre regimes políticos consiste no processo de tempo e de resolução de questões políticas e sociais importantes entre a aurora de um regime autoritário e a emergência de um regime democrático14. É bem verdade, no entanto, que tais medidas não ocorrem todas de uma só vez; é um processo contínuo de enfrentamento de problemas advindos das práticas autoritárias de um regime15.
Um dos problemas a serem enfrentados é exatamente o que um regime democrá- tico deve fazer com os funcionários públicos que, de um modo ou outro, participaram diretamente ou indiretamente do regime autoritário. Uma das possíveis medidas polí- ticas a serem tomadas pela justiça de transição consiste na análise da necessidade de reformas institucionais e os expurgos na Administração Pública, o que inclui o Poder Judiciário16.
A ausência de uma reforma institucional no Poder Judiciário dificulta sobrema- neira a modificação nas práticas jurisdicionais estritamente ligadas e complacentes com regimes autoritários. Ademais, a ausência de expurgos dos membros do Poder Judiciário que colocaram o poder jurisdicional a serviço do regime autoritário impossibi- lita uma transição na própria forma e na concepção acerca do papel do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito. Dizendo claramente, a simples incorporação dos antigos Ministros do STF à nova ordem constitucional – e é de incorporação que se
14 O`DONNEL, Guillermo, SCHMITTER, Philippe. Transições de regime autoritário: primeiras conclusões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 22.
15 Assim, por exemplo, são as conclusões da pesquisa de Renan Quinalha sobre a justiça de transição e os enfrentamentos de novos problemas surgidos após a consolidação democrática: “[...] ao contrário do que comumente se supõe, as transições não são momentos pontuais, mas processos que se arrastam no tempo e encadeiam diversos acontecimentos diferentes e, muitas vezes, até contraditórios entre si. São fenômenos complexos, que conjugam questões de diversas ordens postas pela mudança política quando desencadeadas” (QUINALHA, Renan. Justiça de Transição: contornos do conceito. São Paulo: Outras expressões, 2013. p. 122).
16 Há, ademais, outras medidas a serem consideradas: a) os critérios para a acusação dos perpetradores; b) a forma de punição dos violadores; c) a possibilidade de sanções políticas; d) formas de reparações às vítimas. Cf. MEYER, Emílio Peluso Neder Ditadura e responsabilização. cit., p. 250.
18 Alexandre Melo Franco de Moraes Bahia Diogo Bacha e Silva
trata, uma vez que a nova Constituição faz tábula rasa da ordem “constitucional” anterior – desafia aquela ordem, que coloca, como já dito, aquele Tribunal como guardião da Constituição17.
Estes aspectos independentes, mas interligados, dão a tônica de uma contradição entre o projeto democrático da Constituição e a própria prática jurisdicional estabele- cida pelo Poder Judiciário. Vale dizer, há uma contradição entre a pretensão normativa e a facticidade do exercício de poder pelo Judiciário. Enquanto a Constituição tem como premissa o exercício republicano do poder estabelecido em bases democráticas, tendo como um dos fundamentos a dignidade humana e, também, um extenso rol de direitos e garantias fundamentais (arts. 1º a 5º da CF/88), a práxis jurisdicional se mostra um tanto contrária a tais pretensões, até mesmo deixando de estabelecer uma efetiva proteção às garantias constitucionais.
O exemplo paradigmático que se pode citar é a promulgação da Lei Complementar 35/79 no auge do regime civil-militar: Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN). No texto, por exemplo, encontram-se vantagens e procedimentos que não encontram guarida no texto constitucional de 1988, como a penalidade de aposentadoria compul- sória (art. 42), que não encontra similar em nenhum outro regramento constitucional; cite-se também as inúmeras vantagens financeiras estabelecidas no art. 65 quando o texto constitucional consagra o sistema remuneratório por meio de subsídio fixado em parcela única; as férias anuais de 60 dias do art. 66, quando todo o funcionalismo e mesmo os empregados têm apenas 30 dias anuais; a convocação de juízes de primeira instância para atuar temporariamente nos órgãos colegiados nos termos do art. 118, etc.
Não obstante tais disposições normativas claramente contrárias não só ao texto constitucional mas também aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, o Supremo Tribunal Federal vem chancelando as práticas jurisdicionais corporativistas que são resquícios de um regime autoritário.
Assim, pois, ainda que em obter dicta, no julgamento da ADI. 2580, o STF afirmou a recepção da LOMAN pela atual Constituição18. Em um país não acostumado a trabalhar
17 Questão similar ocorreu na Alemanha pós-2a Guerra, com a incorporação dos antigos membros do Judiciário ao novo. Sobre isso: MAUS, Ingeborg. O Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade órfã”. Revista Novos Estudos CEBRAP, n. 58, novembro 2000, p. 183-202.
18 STF, ADI 2580, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 26/09/2002.
19O LEVIATÃ TOGADO
com precedentes, tal decisão aparece ao Poder Judiciário como uma chancela para toda a legislação antirrepublicana que apareça como vantagem destinada aos seus próprios membros, contrariando um regime republicano e democrático.
Na mesma medida, o Supremo Tribunal Federal abranda a extensão das garantias constitucionais com base nas medidas de exceção previstas na legislação infraconsti- tucional destinada a regulamentar a magistratura, acabando por interpretar as garantias constitucionais à luz da legislação complementar, mormente o estipulado na LOMAN, e não o contrário de que as disposições legislativas da judicatura devem estar em consonância com as garantias constitucionais. Por exemplo, o STF acaba por fenecer a garantia do juiz natural quando considera que “não viola o postulado constitucional do juiz natural o julgamento de apelação por órgão composto majoritariamente por juízes convocados na forma de edital publicado na imprensa oficial” (STF, Pleno, HC. 96.821 Rel. Min. Ricardo Lewandoski, j. 08/04/2010).
Em decisão monocrática liminar, de cognição limitada, e contrariando mesmo as vedações legais de extensão de aumento salarial e de vantagens remuneratórias de servidor público (art. 7º, §2º da Lei 12.016/09; art. 1º da Lei 8.437/92; art. 1º da Lei 9.494/97), o Min. Luiz Fux concedeu vantagem denominada de auxílio-moradia para todos os juízes (STF, AO. 1773, Rel. Min. Luiz Fux), inclusive retirando de pauta de julgamento19. Vale frisar que tal vantagem não estava prevista nem mesmo na LOMAN – as normativas do CNJ sobre “auxílio-moradia” e outras verbas colocadas como “indenizatórias” (sem o serem) escapam ao teto constitucional do subsídio dos Ministros do STF.
Estas características que demonstram uma contraposição à uma consolidação democrática que somente poderia ter como consequência a rejeição absoluta de uma justiça de transição que efetivamente pudesse trazer à luz do dia os atos cometidos pelo regime ditatorial. O julgamento da citada ADPF. 153 coloca por terra a tentativa de trazer à luz a memória e a verdade e realizar uma justiça de transição efetiva. Além de impossibilitar a punição dos responsáveis pelos crimes de Estado cometidos durante
19 A liminar monocrática foi concedida em 2014; em seguida o processo foi retirado de pauta com pedido de “vista” do Relator e assim ficou até 2018, quando, ao invés de colocar o caso em julgamento pelos pares, o Ministro inovou e, aceitando pedido das partes, deferiu que aquela Ação e outras similares sobre o mesmo tema fossem enviadas à “Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, a fim de que as partes processuais respectivas alcancem solução consensual para a lide nelas versada. Em consequência, retirem-se temporariamente as referidas ações da pauta de julgamentos do Plenário deste Supremo Tribunal Federal, até ulterior deliberação nestes autos” (STF, AO. 1773, Rel. Min. Luiz Fux, DJE. 03/04/2018).
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o regime ditatorial como um dos aspectos da justiça de transição, o julgamento da ADPF. 153 também contrariou importante conquista da Constituição de 1988 que é o respeito e à incorporação de direitos humanos (art. 5º, §2º da CF/88) como norma de caráter fundamental para a consolidação democrática. Nos termos do voto do Relator Eros Grau que prevaleceu por maioria, a Lei de Anistia foi recepcionada pela nova ordem constitucional e teria estendido “a conexão aos crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de exceção; daí o caráter bilateral da anistia, ampla e geral, que somente não foi irrestrita porque não abrangia os já condenados – e com sentença transitada em julgado, qual o Supremo assentou – pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal” (STF, ADPF. 153, Rel. Min. Eros Grau, j. 29.04.2010).
Com efeito, através de um esforço argumentativo, a decisão do STF teria mencio- nado que a Emenda Constitucional 26/85 que seria a norma-origem de convocação da Assembleia Constituinte20 também integraria a Constituição e, logo, teria consagrado a anistia da mencionada lei, além do que se aduz que as leis de efeitos concretos que já exauriram eficácia tornariam despicienda a discussão acerca da recepção ou não21. A decisão do STF contrariou normativas internacionais de proteção dos Direitos Humanos sobre o tema e também, especificamente, a decisão da Corte Interamericana dos Direitos Humanos no caso Gomes Lund (e outros) vs. Brasil22. A manutenção
20 Vale mesmo mencionar que a convocação de uma Constituinte por meio do Poder Legislativo acaba colocando em suspeita a democratização do processo Constituinte. Por isso que autores dizem que o caráter constituinte da Assembleia de 1986-1987 adveio da intensa participação popular quando já instalada (SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria e prática do Poder Constituinte. Como legitimar ou desconstruir 1998 15 anos depois. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (org.) Quinze anos de Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.p. 34).
21 Como ressalta Paulo Abrão e Marcelo D. Torelly, o processo de Anistia no Brasil foi um movimento de luta da sociedade contra o regime. Dois aspectos merecem ser mencionados que cuidará de interpretar adequadamente a análise da Lei de Anistia. O primeiro aspecto centra-se no fato de que a anistia devia se referir, originalmente, aos presos políticos. A abrangência da lei da Anistia para os crimes de tortura cometidos pelos Agentes de Estado jamais foi objeto de consideração de possibilidade da sociedade civil, já que os crimes de Tortura não eram objeto de conhecimento da sociedade. O segundo aspecto está em que a classe trabalhadora foi a principal oposicionista do regime militar, intensificando-se as greves a partir do momento da “negociação” da Lei da Anistia (ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Ministério da Justiça, n. 3, 2010. p. 113).
22 MEYER, Emílio P. N. Ditadura e responsabilização. cit.
21O LEVIATÃ TOGADO
dessa decisão agosta também desafia a decisão mais recentemente, também da Corte Interamericana, do caso Vladimir Herzog vs. Brasil23.
Além da contradição externa entre a práxis e o texto constitucional e entre a práxis jurisdicional do STF e de Cortes de Direitos Humanos, enxerga-se também uma contradição interna no seio da própria concepção que o STF tem da transição da justiça. A liberdade de manifestação de pensamento foi alçada a princípio conformador de toda a ordem constitucional de 1988 (art. 220, §1º), dadas as práticas de censura cometidas durante o regime ditatorial de 64. A garantia de liberdade plena de manifestação jornalística é uma garantia constitucional contra qualquer controle de conteúdo por parte do Estado, já que a democracia deve conviver com a livre circulação de ideias e pensamentos de diversas matizes. Deste modo, o Supremo Tribunal Federal considerou, por meio da ADPF. 130, Rel. Min. Ayres Britto, integralmente não recepcionada a Lei de Imprensa (lei 5.250/67), editada durante o regime de exceção, com o fundamento de incompatibilidade material de todo o arcabouço legislativo da mencionada lei e a disciplina constitucional da liberdade de imprensa.
Em verdade, a ausência de uma transição da justiça do regime autoritário para o regime democrático de 1988 e a ideia de uma abertura lenta, gradual e sem conflito, dificultou não só a consolidação democrática, mas também deu margem à contradição decisória no Supremo Tribunal Federal e uma disciplina de não respeito aos Direitos Humanos: ora se mostra afinado com os princípios constitucionais, como na última decisão citada, ora os viola frontalmente, como no caso da ADPF. 153.
O protagonismo judicial, as promessas não cumpridas e a inclusão social
A Constituição de 1988 adveio em um cenário econômico e social de absoluta crença nas políticas neoliberais como meios aptos a solucionarem o grande déficit de dívida pública e desigualdade legados pelos regimes militares na América do Sul24.
23 Contra a decisão, dada em, 2010, foram opostos Embargos de Declaração em 2011, que até 2018 ainda não foram julgados. Em 2014 foram juntados à ADPF. 320 e ambos estão pendentes de julgamento desde então. Essa nova Ação pretende desconstituir a decisão dada na anterior (ADPF. 153) em razão da decisão dada pela Corte Interamericana no citado caso Gomes Lund.
24 Mencionando o lado obscuro dos anos 80 para a América Latina, BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. As políticas neoliberais e a crise na América do Sul. Revista Brasileira Políticas Internacionais, 45 (2): 135- 146, 2002. p. 136.
22 Alexandre Melo Franco de Moraes Bahia Diogo Bacha e Silva
Na verdade, o receituário para os problemas econômicos e sociais da América Latina era determinado pelo chamado de Consenso de Washington25. Incorporado de forma acrítica e com o intuito de obter a dominação do mercado dos países latino-americanos, o Consenso de Washington intencionalmente não abordou o grave problema histórico da desigualdade social na América Latina.
Há uma contradição no próprio texto constitucional de 1988. Ao lado, portanto, de um campo repleto de promessas de redução das desigualdades sociais, prevendo um corpo extenso de direitos sociais aptos à satisfação de uma vida digna, um campo propício para o desenvolvimento de uma política infensa a qualquer redistribuição de riquezas e proteção da riqueza interna com uma Constituição econômica absolutamente voltada para a política econômica daquele “Consenso”.
Logo no início da vigência do texto constitucional, portanto, o Supremo Tribunal Federal teve um papel importante na implementação das políticas econômicas neoli- berais. Nos anos 90, o Supremo Tribunal Federal exerceu papel político-ideológico de afirmação da política liberal do Estado. Por esta visão, ao Estado cumpriria apenas estabelecer as regras do jogo do livre-mercado, exercendo a interpretação das regras de forma a permitir a livre competição entre os agentes econômicos. Ao Estado cabia apenas exercer a política monetária. Eventualmente, no entanto, cumpre-lhe assumir as funções nas quais o mercado e os agentes privados não pudessem ou conseguissem, nos casos em que envolvessem monopólio ou imperfeições do mercado, assimetria de informações e externalidades e nos casos de falhas do mercado26 – como no PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), no qual o Governo Federal injetou bilhões de reais nos sete maiores bancos
25 O consenso de Washington estabelecia algumas regras de políticas econômicas a serem seguidas pelos países em desenvolvimento como forma de oportunizar uma integração ao mercado mundial e possibilitar o desenvolvimento. As medidas que estavam de pleno acordo Washington (no caso, o termo se refere ao FMI – Fundo Monetário Internacional, BM – Banco Mundial, o Congresso Nacional Norte-americano, o Banco Central Norte-americano e também especialistas dentro os quais se destacam Friedrich Hayek e John Williamson) seriam as conhecidas dez medidas: 1) ajuste fiscal; 2) redução do papel do Estado; 3) privatização; 4) abertura dos comércios aos investimentos estrangeiros; 5) fim das restrições ao capital internacional; 6) abertura do sistema financeiro; 7) desregulamentação da economia; 8) reforma do sistema previdenciário; 9) investimento em infraestrutura básica; 10) fiscalização e redução dos gastos públicos (BATISTA, P. N. O consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latinoamericanos. In: BATISTA, P. N. et al. Em defesa do interesse nacional: desinformação e alienação do patrimônio público. 3ª ed. São Paulo, Paz e Terra, 1995).
26 FRIEDMAN, Milton. Capitalism and Freedom. Chicago: Chicago University Press, 2002.
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privados do país, depois dividiu cada instituição em duas: os ativos foram colocados à venda, a parte ruim, os passivos, foram “absorvidos” pelo Estado27.
O Supremo Tribunal Federal teve papel determinante para que o investimento estrangeiro, tão pregado pelo Consenso de Washington, pudesse ter um campo de quase completa anomia, buscando altíssimos lucros em decorrência de uma política de estabilização da economia baseada em juros altos.
Tão logo promulgada a Constituição de 1988, o Poder Executivo seguido pelo Banco Central buscou esvaziar a garantia de limitação dos juros exposta na Constituição Federal. A Consultoria Geral da República através da SR. nº 70, de 06.10.1988 utili- zando-se da clássica distinção de José Afonso da Silva da eficácia das normas constitucionais28 estabeleceu que o §3º do art. 192 não teria eficácia até a edição da Lei Complementar a que se refere o dispositivo, permitindo a adoção de juros reais acima dos limites impostos pela Constituição. Aprovado pelo Presidente da República e, por consequência, dotado de efeito vinculante perante os órgãos públicos, tal ato teve sua constitucionalidade discutida perante o Supremo Tribunal Federal. Este, por sua vez, ao julgar a ADI. n. 4 entendeu que a regra era coerente com a Constituição, possibilitando se aplicasse a legislação anterior a 1988 que permitia juros reais acima de 12% (doze por cento) anuais29.
27 Estes valores deveriam ser devolvidos ao Estado pelos bancos (ou seus sucessores/controladores). No entanto, pesquisa feita em 2017 mostra que, três dos sete bancos ainda devem R$21 bilhões ao Banco Central. Cf. VILLAVERDE, João. A batalha do Proer não acabou, 20 anos depois. Estadão, 29 Abril 2015. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/blogs/joao-villaverde/a-batalha-do-proer-nao-acabou- 20-anos-depois>.
28 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
29 O acórdão ficou assim ementado: “[...] 5. Como o parecer da Consultoria Geral da República (SR. nº 70, de 06.10.1988, D.O. de 07.10.1988), aprovado pelo Presidente da República, assumiu caráter normativo, por força dos artigos 22, parágrafo 2º, e 23 do Decreto nº 92.889, de 07.07.1986, e, ademais, foi seguido de circular do Banco Central, para o cumprimento da legislação anterior à Constituição de 1988 (e não do parágrafo 3º do art. 192 desta última), pode ele,(o parecer normativo) sofrer impugnação, mediante ação direta de inconstitucionalidade, por se tratar de ato normativo federal (art. 102, I, “a”, da C.F.). 6. Tendo a Constituição Federal, no único artigo em que trata do Sistema Financeiro Nacional (art. 192), estabelecido que este será regulado por lei complementar, com observância do que determinou no “caput”, nos seus incisos e parágrafos, não é de se admitir a eficácia imediata e isolada do disposto em seu parágrafo 3º, sobre taxa de juros reais (12% ao ano), até porque estes não foram conceituados. Só o tratamento global do Sistema Financeiro Nacional, na futura lei complementar, com a observância de todas as normas do “caput”, dos incisos e parágrafos do art. 192, é que permitirá a incidência da referida norma sobre juros reais e desde que estes também sejam conceituados em tal diploma. 7. Em consequência, não são inconstitucionais os atos normativos em questão (parecer da Consultoria Geral da República, aprovado pela Presidência da República e circular do Banco Central), o primeiro considerando não auto-aplicável a norma do parágrafo 3º sobre juros reais de 12% ao ano, e a segunda determinando a observância da
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Um outro exemplo: de forma um tanto quanto contraditória entre a exploração econômica e os próprios princípios constitucionais limitadores, o STF entendeu que a concessão de lavra de minério dá direito ao proprietário de explorar até o final a jazida e a prerrogativa jurídica de indenização quanto a atos de interesse público30. A questão nuclear, pois, que envolvia diretamente as políticas neoliberais implementadas no governo Fernando Henrique, seria julgada de acordo com as pretensões do governo de então e dos investidores estrangeiros. No julgamento da ADI. 3273, o STF chancelou a política enérgica que possibilitava a outorga da propriedade da exploração de gás, petróleo e outros hidrocarbonetos31
Nos anos 2000, o Tribunal modificou sua visão acerca da ordem econômica. Por exemplo, n julgamento da ADI. 1950 que julgou constitucional a meia entrada para estudantes com a ideia de que é possível ao Estado intervir na ordem econômica de forma a garantir os fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 4º da CF/88)32 e, por último, a manutenção do monopólio postal da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos33.
As análises da atuação do STF sobre as disposições constitucionais da ordem econômica levam à seguinte conclusão: regra geral, o Tribunal tende a seguir e linha ideológica-política do governo vigente. Se, de um lado, nos anos 90, o modelo seria de uma política econômica liberal sem qualquer preocupação com a ordem social, nos anos 2000, sob o governo Lula, ele adota uma linha de intervenção no domínio econômico buscando proteger áreas sensíveis de nossa economia.
Ainda que sob as vestes de uma autocontenção, o STF acabou por escrever altas linhas de políticas econômicas e permitir até mesmo o agravamento na desigualdade
legislação anterior à Constituição de 1988, até o advento da lei complementar reguladora do Sistema Financeiro Nacional” (STF, ADI 4/DF, rel. Min. Sydney Sanches, j. 07.03.91, DJ 25.06.93).
(STF, ADI 4/DF, rel. Min. Sydney Sanches, j. 07.03.91, DJ 25.06.93). Ora, não bastasse tal julgamento, o Supremo Tribunal Federal ainda editou enunciado de sua súmula vinculante buscando garantir que os juros anuais não ficassem limitados a tal percentual: “Súmula vinculante 7. A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar”.
30 Eis a decisão proferida no Agravo Reg. no RE 140.254, rel. Min. Celso de Melo, j. 05/12/1995.
31 STF, ADI 3273/DF, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, j. 16/03/2005.
32 STF, ADI 1950/SP, rel. Min. Eros Grau, j. 03/11/2005.
33 STF, ADPF 46/DF, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, j. 05/08/2009.
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social. Enquanto na ordem econômica ele tem se valido dos interesses governamen- tais, na ordem social a atuação do Poder Judiciário tem sido ao mesmo, ainda que paradoxalmente, tímida e ativista.
Em primeiro lugar, a discussão acerca de alguns direitos sociais está inserta no debate da politização do Poder Judiciário. A expansão dos direitos catalogados na Constituição e, com isso, das próprias instituições do Judiciário, somada a um judiciário que busca o protagonismo, leva a uma ideia de judicialização do Poder Judiciário34, que tanto pode ser um fenômeno político positivo ou negativo, a depender da efetiva atuação do Poder Judiciário35.
Assim, pois, no campo do direito à saúde, o Supremo Tribunal Federal vem assumindo protagonismo, inclusive ele próprio afirmando sua competência para a implementação das políticas públicas36. Sem considerar a forma com que as políticas públicas devam ser implementadas e os custos financeiros de tal atuação37, o Tribunal afirma constantemente que é responsabilidade solidária dos entes federados propiciar o tratamento médico adequado38. Mesmo medicamentos não fornecidos pela rede pública de saúde devem ser fornecidos ao paciente, desde que, conforme determinou o STF, não se tenha logrado eficácia no tratamento fornecido39.
Ainda no que toca aos direitos sociais, o STF julgou que o critério objetivo da Lei 8.742/93 estabelecida para efeitos de miserabilidade de renda mensal per capita de
34 HIRSCHL, Ran. Towards juristocracy: the origins and consequences of the new constitutionalism. Cambridge: Harvard University Press, 2007.p. 170.
35 TATE, C. Neal e VALLINDER, Torbjon. The global expansion of Judicial Power. New York: New York University Press, 1995. p. 5. Como fenômeno positivo, basta lembrar da atuação da Corte Warren na proteção e extensão dos civil rights. O fenômeno negativo, entretanto, pode ser exemplificado como a atuação da mesma Corte no New Deal.
36 Basta ver, pois, a ementa do seguinte julgado: “1. É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde.[...]” (STF, 2ª T., ARE 1049831 AgR / PE, rel. Min. Edson Fachin, j. 27/10/2017).
37 HOLMES, Stephen, SUNSTEIN, Cass. The cost of righst: why liberty depends on taxes. London: W. M. Norton, 1999.
38 Tal julgamento foi realizado sob a sistemática da repercussão geral: STF, RE 855178 RG / SE, rel. Min. Luiz Fux, j. 05.03.2015.
39 STF, STA 175 AgR / CE, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17/03/2010.
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¼ do salário mínimo não deve ser o único a ser levado em consideração, já que houve um processo de inconstitucionalização progressiva40.
Em importante questão social que tangencia temas relativos à minorias estrutural- mente discriminadas, o STF considerou constitucional a política de cotas étnico-raciais para o ingresso no ensino superior, as chamadas discriminações reversas através de ações afirmativas, conforme o julgado na ADPF. 186 (Rel. Min. Ricardo Lewandoski, j. 26.04.2012). No mesmo sentido, também o julgamento da ADC. 41(Rel. Min. Roberto Barroso, j. 08/06/2017) em que o Tribunal reconheceu a constitucionalidade das cotas raciais para negros em concurso públicos.
De certa maneira, o Supremo Tribunal Federal sinaliza nessas últimas decisões que a igualdade a ser promovida depende de uma visão substantiva, na qual se reconhece as injustiças do passado e se projeta um futuro plural de concepções de vida, todas elas marcadas pelo signo da desigualdade arraigada na sociedade brasileira.
Portanto, se pode observar que, nos 30 anos de vigência do texto constitucional, o STF tem, de um lado, atuado passivamente com claros objetivos de permitir a conso- lidação de uma política econômica neoliberal e, de outro lado, atuado ativamente para permitir a redução da desigualdade social. Embora possa soar como um paradoxo, as decisões do STF têm demonstrado uma atuação mesmo contraditória de forma a não concretizar os fundamentos da Constituição de 1988, mas ao mesmo tempo um sinal de que a mudança depende tão só de uma hermenêutica plural para uma sociedade desigual e heterogênea em sua composição41.
As questões fraturantes, a democracia e o STF: a construção de uma democracia à venir
O desacordo moral razoável é parte constitutiva da ideia de conflito na democracia. Não se pode, como ensina Chantal Mouffe, evitarmos o político e adotarmos uma ideia universalista de fugir do antagonismo como forma de salvarmos as instituições democráticas. Pelo contrário, “sólo si se reconoce la inevitabilidad intrínseca del antagonismo se puede captar la amplitud de la tarea a la cual debe consagrarse toda
40 STF, RE 567985 RG, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 18/04/2013.
41 As contradições são muitas, como se pode lembrar que o mesmo Tribunal que reconheceu a união estável homoafetiva também relativizou a presunção de inocência.
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política democrática”42. Deve-se transformar o inimigo em adversário. Deste modo, o Supremo Tribunal Federal deve ser o guardião da democracia encarando como o exercício de uma política democrática plural em que há diversos projetos de vida boa em disputa – e que tais projetos podem ser diferentes ou diametralmente opostos e que é seu papel dar conta dessa complexidade respeitando a Constituição.
A democracia exige um intenso e contínuo esforço de aprendizado, de erros e acertos, de um espaço social permanente de inclusão de sujeitos, de inclusão de minorias, em que se conciliam os espaços públicos e privados e se garantem aos sujeitos a garantia da autonomia privada e pública43. A democracia é um espaço aberto sempre a ser construído, uma fábula a ser descoberta, um conceito a ser construído, um projeto sempre à venir, nunca um produto acabado e fechado44.
Duas questões são centrais para a consolidação do Estado Democrático de Direito, aquilo que Habermas chama de soberania popular e direitos humanos45, e que, volta e meia, o Supremo Tribunal Federal deve decidir, não como conceitos estanques mas inter- -relacionados e interdependentes, ou seja, só há garantia de um Estado Democrático de Direito se houver o respeito às autonomias públicas e privadas de maneira co-originária.
Nos 30 (trinta) anos da Constituição, vários foram os julgamentos importantes que se, de um lado, chegavam à Corte questões que demonstram uma sociedade de moral dividida, de outro, essas questões dizem respeito às condições de possibilidade da construção do Estado Democrático de Direito. Por exemplo, na ADPF. 187 (Rel. Min. Celso de Mello, j. 15/06/2011) se considerou fato atípico a chamada “Marcha da Maconha” por ser a concretização de duas importantes liberdades fundamentais de uma democracia, a liberdade de reunião e de manifestação do pensamento. O livre mercado de ideias é uma condição para a consolidação democrática. Deste modo, deve o STF considerar com muito cuidado os discursos divergentes de interesses antagônicos de uma maioria ocasional.
42 MOUFFE, Chantal. El retorno del político: comunidad, ciudadanía, pluralismo, democracia radical. Barcelona: Paidós, 1999. p. 13. Cf. também MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralismo, Política & Sociedade, n. 03, Outubro de 2003, p. 11-26.
43 HABERMAS. Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002.
44 DERRIDA, Jacques. Canallas. Madri: Trotta, 2005.
45 HABERMAS, Jürgen. Soberania popular como procedimento: um conceito normativo de espaço público. Novos Estudos Cebrap, n. 26, março de 1990, p. 100-113.
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A Lei Complementar 135/10, denominada de “Lei da Ficha Limpa”, que estabeleceu hipóteses de inelegibilidade como concretização da moralidade administrativa, teve sua constitucionalidade contestada perante o STF. No julgamento da ADI. 4578 (Rel. Min. Luiz Fux, j. 16.02.2012) o STF considerou constitucionais as inelegibilidades previstas naquele ato normativo em obediência ao preceito democrático. Considerou, pois, que o estabelecimento de restrição da capacidade eleitoral passiva antes do trânsito em julgado não ofenderia a presunção de inocência e daria concreção à moralidade administrativa.
A respeito da disciplina do sistema eleitoral da Constituição de 1988, o STF também decidiu que, em se tratando de eleições proporcionais, o mandato legislativo pertence ao partido e não ao candidato, estabelecendo hipóteses de perda do mandado parlamentar em caso de infidelidade partidária (STF, MS. 26.604/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 04/10/2007).
Além do mais, as decisões acerca do reconhecimento da união estável das uniões homoafetivas, ADI 4277. e ADPF. 132, estabeleceram premissas para uma interpretação constitucional que leva em consideração a inclusão de minorias. Na ausência e inércia do Poder Legislativo, o STF fez considerar o Estado Democrático de Direito como um processo aberto à pluralidade e à igualdade substantiva. Neste ponto, a decisão tocou não só no chamado direitos humanos, mas também na soberania popular, ou seja, permitiu a inclusão no projeto político-democráticos das uniões homoafetivas à margem do direito e da justiça. Devemos lembrar que a Constituição e seu texto têm um sentido performativo de inclusão de novos sujeitos46.
46 BACHA E SILVA, Diogo, BAHIA, Alexandre. Reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar: o horizonte de sentido e o sentido do horizonte do Direito Constitucional pós- ADPF 132/ADI 4277. In: OMNATI, José Emílio Medauar (et. al.) (orgs.) Diferentes, mas iguais: estudos sobre a decisão do STF sobre a União Homoafetiva (ADPF 132 e ADI 4277). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017; BAHIA, Alexandre; BACHA E SILVA, Diogo. Necessidade de Criminalizar a Homofobia no Brasil: porvir democrático e inclusão das minorias. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v. 60, p. 177-207, 2015; BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; VECCHIATTI, Paulo R. Iotti. ADI N. 4.277–Constitucionalidade e relevância da decisão sobre união homoafetiva: o STF como instituição contramajoritária no reconhecimento de uma concepção plural de família. Revista Direito GV, v. 9, p. 65-92, 2013.
29O LEVIATÃ TOGADO
Considerações Finais Certamente um dos atores mais ativos na aplicação da Constituição e na defi-
nição, pois, de seu alcance nesses 30 anos tem sido o Judiciário em geral e o STF em particular. O pequeno recorte histórico de algumas de suas decisões mostra isso.
Ao mesmo tempo em que o Judiciário tem sido capaz de levar à frente o projeto constitucional, com a inclusão de novos direitos e/ou de novos sujeitos de direito, tem também protagonizado episódios de retrocesso. A continuidade entre seus membros pré e pós-Constituição, sua tradição elitista, a não renovação da LOMAN aos parâmetros da nova ordem, a constituição/manutenção de novos privilégios de classe, o abandono da Constituição para dar lugar a ideais iluministas de vanguarda, tudo isso compromete o vigor da Constituição.
Uma cultura oscilante de proteção das minorias é preocupante. Quais serão, pois, os novos sujeitos esquecidos pela Constituição de 1988? As pessoas em situação de rua? Os povos originários? Os quilombolas? Os negros? Os praticantes das religiões afro? Qual a discriminação que precisaremos enfrentar? Eis a pergunta essencial que devemos fazer para que tenhamos uma cultura verdadeiramente democrática e um Poder Judiciário comprometido com a efetivação dos direitos fundamentais.
O certo é ou os direitos fundamentais são trunfos contra o que a maioria considera bom/justo ou não há Estado (Democrático) de Direito – a tensão entre democracia e constitucionalismo sempre estará presente em um Estado de Direito. Não há meio-termo: é chegada a hora de termos de decidir se queremos uma Ordem Jurídico-constitucional de Direito ou a barbárie. Políticas populistas, messiânicas ou iluministas que afloram em todos os poderes, inclusive o Judiciário, não podem minar os fundamentos de uma Constituição construída sob o signo da proteção dos cidadãos.
Referências ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. Justiça de Transição no Brasil: a dimensão da reparação. Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Ministério da Justiça, n. 3, 2010.
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Direitos Sociais: consolidação ou risco de
extinção? Álvaro Ricardo de Souza Cruz1
Nicole Barbieri Marques2
.
Resumo O presente artigo visa analisar a história dos direitos sociais no Brasil,
sob uma perspectiva de como sua evolução se deu em um cenário de instabi- lidades e de reivindicações populares, marcado por progressos e retrocessos. Apesar das conquistas, mesmo que precárias, o Brasil ainda passa por uma situação de tensão dos direitos já alcançados, além de que a efetividade e aplicabilidade dessas garantias está comprometida.
Introdução Historicamente, os direitos sociais representam um papel relevante no desenvolvi-
mento da identidade do sujeito constitucional3 de qualquer sociedade moderna. Logo,
1 Procurador de República em Minas Gerais. Mestre em Direito Econômico e Doutor em Direito Constitucional. Professor da Graduação e da Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Vice-Presidente do Instituto Mineiro de Direito Constitucional. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica (IHJ). Pós-Doutor em História. E-mail: [email protected]
2 Estudante de Direito do 10º período na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bolsista do programa de iniciação científica FAPEMIG. Coordenadora do Grupo de Estudos em Mediação Empresarial. Estagiária na Procuradoria da República em Minas Gerais. E-mail: [email protected]
3 Como pontua Michel Rosenfeld, é difícil definir o sujeito constitucional, na medida em que este está sempre em uma reconstrução não definitiva ou completa, ou seja, é permeado por um processo dinâmico
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dispensável a importância de discorrer sobre o assunto, com ênfase na sua inserção no período histórico em que se desenvolveram, bem como a influência que exerceram na vida dos brasileiros.
Insta pontuar que será exposto como esses direitos foram construídos – e ainda estão em construção–a partir de reivindicações populares e de pressão sobre os detentores de poder. Ademais, será tratada a evolução das garantias sociais em um cenário de retrocessos e progressos ao longo da história do Brasil, em que não houve uma linha contínua de desenvolvimento, mas sim uma descontinuidade no processo de constitucionalização e positivação do social4 
Prolegômenos Antes de discorrer sobre a evolução histórica dos direitos sociais, é necessário
pontuar brevemente quais são esses direitos e quais as suas características.
Normativamente, os direitos sociais encontram-se discriminados expressamente no ordenamento jurídico brasileiro pela atual Carta Constitucional. Nesse sentido, essas garantias são aquelas relativas à educação, saúde5, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados, como elencado no artigo 6º da Constituição Federal de 1988. Existem ainda outros direitos sociais inseridos na Magna Carta, como o direito ao transporte, à habitação, ao saneamento básico, à cultura6, ao meio ambiente
sempre aberto a maiores elaborações. Contudo, explica que a identidade do sujeito constitucional deve ser construída em oposição a outras identidades – como a identidade religiosa – para que se distancie destas. Todavia, é inevitavelmente forçada a incorporá-las parcialmente, para que possa adquirir um sentido suficientemente determinável e para que possa se tornar viável no interior de seu próprio ambiente sociopolítico. O autor também relata que o sujeito constitucional não deve ser personificado, sendo que nem os constituintes, nem os intérpretes da Constituição e nem os indivíduos que estão sujeito às prescrições constitucionais são propriamente o sujeito constitucional.
4 BERCOVICI, Gilberto. Tentativa de Instituição da Democracia de Massas no Brasil: Instabilidade Constitucional e Direitos Sociais na Era Vargas (1930-1946).  In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.).  Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.7
5 Sobre direito à saúde, Cf. DUARTE, Bernardo Augusto Ferreira. Direito à Saúde e Teoria da Argumentação: Em burca da legitimidade dos discursos jurisdicionais. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.
6 MAGALHAES, Jose Luiz Quadros. Direito Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 222
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ecologicamente equilibrado, à liberdade de associação profissional e sindical, à greve7, ao desenvolvimento intelectual e ao desenvolvimento da família8.
Se historicamente sua juridicidade foi