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ANO-3, N.º 4 – JANEIRO-JUNHO/2005 – ISSN: 1679-9321 04

00 hileia4 inicio - Universidade do Estado do Amazonas · GOVERNADOR DO AMAZONAS Eduardo Braga VICE-GOVERNADOR DO AMAZONAS Omar Aziz SECRETÁRIO DE ESTADO DA CULTURA Robério Braga

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AHiléia – Revista de Direito Ambiental da Amazônia, se constitui em espaço destinado à apresentação e divulgação

das reflexões produzidas no processo de construção do conhecimento humano, jurídico e humanístico-jurídico-

ambiental, desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do

Amazonas.

Os contextos diversos e complexos do mundo contemporâneo, em relação constante e paradoxal, com o acirrado

processo de globalização econômica e cultural, implicam em transformações sociais, jurídicas, econômicas e políticas,

gerando novos problemas e conflitos, especialmente no que concerne ao direito e ao seu estudo. A verticalidade do

discurso global que busca legitimar os processos de universalização da cultura do mercado quer seja na vertente única

da produção e do consumo capitalistas, transformando tudo em mercadoria, ou, na imposição de modelos de

normatividade supostamente eficazes para proporcionar o desenvolvimento, provocam uma certa idéia de que não existe

solução fora desses parâmetros, favorecendo um renovado processo econômico neocolonial.

Nesse sentido, refletir desde os contextos da existência, significa proporcionar e criar os espaços de lutas. Lutas pelo

conhecimento, pelo direito, pela vida e dignidade humana. Assim, este periódico científico que se consolida como

espaço para divulgação e reflexão do direito ambiental, tem no contexto amazônico e brasileiro e, em sentido mais

ampliado, em trocas geopolíticas e cognoscitivas mais iguais na correlação sul-norte/norte-sul, espiralando a seara da

complexidade do mundo sóciobiodiverso. Almeja-se, portanto, constituir-se, pelo diálogo, em âmbito plural e

heterogêneo para convergências de conhecimentos e alternativas, com perspectivas transdisciplinares nas abordagens

e conteúdos, assim como interinstitucional e translocal nos sujeitos.Revista de DireitoAm

biental da Amazônia

ANO-3, N.º 4 – JANEIRO-JUNHO/2005 – ISSN: 1679-9321

ANO-3JAN-JUN

2005

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GOVERNADOR DO AMAZONAS

Eduardo Braga

VICE-GOVERNADOR DO AMAZONAS

Omar Aziz

SECRETÁRIO DE ESTADO DA CULTURA

Robério Braga

SECRETÁRIA DE ESTADO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Marilene Corrêa

REITOR DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

Lourenço dos Santos Pereira Braga

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ANO-3, N.º 4

MANAUS, JANEIRO-JUNHO, 2005

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Copyright © 2006Governo do Estado do Amazonas

Secretaria de Estado da CulturaUniversidade do Estado do Amazonas – UEA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

Reitor Lourenço dos Santos Pereira BragaVice-Reitor Carlos Eduardo Gonçalves

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

Pró-Reitor Walmir de Albuquerque Barbosa

ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS

Diretor Randolpho de Souza Bittencourt

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL

Coordenador Fernando Antonio de Carvalho Dantas

Solicita-se permuta

Solicitase canje

Exchange desired

On demande l’échange

Vogliamo cambio

Wir bitten um Austausch

UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE DDOO EESSTTAADDOO DDOO AAMMAAZZOONNAASS –– UUEEAAPrograma de Pós-Graduação em Direito Ambiental

Rua Leonardo Malcher, n.º 1728, 5.º andar,Centro, CEP: 69010-170

Manaus – Amazonas – BrasilTel./Fax. 55 92 3627-2725

COORDENADORES(AS)Profa. Cristiane DeraniProf. Sérgio Rodrigo Martinez

COORDENAÇÃO EDITORIAL

Prof. Fernando Antonio de Carvalho Dantas

CONSELHO EDITORIAL

Prof. Fernando Antonio de Carvalho DantasProf. Luiz Edson FachinProf. David Sánchez RubioProf. Ozório José de Menezes FonsecaProfa. Cristiane DeraniProf. Sérgio Rodrigo MartinezProfa. Solange Teles da Silva

PROJETO GRÁFICO

Kintaw Design

REVISÃO

Edições Kintaw

FICHA CATALOGRÁFICA

Ycaro Verçosa dos Santos– CRB-11 287

Hiléia: Revista de Direito Ambiental daAmazônia. ano 3, n.º 4. Manaus: EdiçõesGoverno do Estado do Amazonas / Secretaria deEstado da Cultura / Universidade do Estado doAmazonas, 2006.

272 p. ISSN: 1679-9321 (Semestral)

1. Direito Ambiental – Amazônia I.Universidade do Estado do Amazonas

CDD: 344.046811CDU 344 (811)

E-mail: [email protected]: www.pos.uea.edu.br/direitoambiental/

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SUMÁRIO

AAPPRREESSEENNTTAAÇÇÃÃOO .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..00 99

PPAARRTTEE II

INICIATIVAS DE PROTECCIÓN PENAL DEL MEDIO AMBIENTEEN LA UNIÓN EUROPEAAAllvvaarroo AA.. SSáánncchheezz BBrraavvoo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..11 55

A COEXISTÊNCIA DOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLACONVENCIONAL, ORGÂNICO E TRANSGÊNICO UM ESTUDO ELABORADOPELA AGÊNCIA AMBIENTAL EUROPÉIA SOBRE FLUXO GÊNICOAAddrr iiaannaa PPoonnccee CCooeellhhoo CCeerrâânnttoollaaJJoosséé GGrreeggóórr iioo CCaabbrreerraa GGóómmeezz .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..33 55

PPAARRTTEE II II

ALIMENTO E BIODIVERSIDADE: FUNDAMENTOS DE UMA NORMATIZAÇÃOCCrr iisstt iiaannee DDeerraannii .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..55 33

AMAZÔNIA: OLHAR O PASSADO, ENTENDER O PRESENTE, PENSAR O FUTUROOOzzóórr iioo JJoosséé ddee MMeenneezzeess FFoonnsseeccaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..88 77

PROPRIEDADE INTELECTUAL E ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS:A APLICABILIDADE DA LEI E O PAPEL DA SECRETARIA DE ESTADO DECIÊNCIA E TECNOLOGIA DO AMAZONASSSeerrgguueeii AAii llyy FFrraannccoo ddee CCaammaarrggoo GGeenniissee ddee MMeelloo BBeenntteessFFaabbiiaannaa ddooss SSaannttooss ee SSoouuzzaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..114477

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PPAARRTTEE II II II

POR UMA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E EMANCIPATÓRIAEEddii ll ttoonn BBoorrggeess CCaarrnneeii rroo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..117711

A COMPENSAÇÃO COMO FORMA DE MITIGAR OS DANOS AMBIENTAISNA AMAZÔNIA LEGALTTaatt iiaannaa MMoonntteeii rroo CCoossttaa ee SSii llvvaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..119911

REFLEXÃO SOBRE A PROTEÇÃO DO CONHECIMENTO TRADICIONALNO ESTADO DO AMAZONASAAnnddrreeii SSiiccssúú ddee SSoouuzzaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..220077

RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL E LICITUDE DA ATIVIDADE OU EMPREENDIMENTO: ASPECTOS POLÊMICOSZZeeddeeqquuiiaass ddee OOll iivveeii rraa JJúúnniioorr .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..223311

MEIO AMBIENTE E O BEM JURÍDICO PROTEGIDOBBrruunnoo MMaannooeell VViiaannaa ddee AArraaúújjoo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..225599

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CONTENTS

PPRREESSEENNTTAATTIIOONN .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..00 99

PPAARRTT II

INITIATIVES OF CRIMINAL PROTECTION OF THE ENVIRONMENT INTHE ECONOMIC COMMUNITYAAllvvaarroo AA.. SSáánncchheezz BBrraavvoo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..11 55

THE COEXISTENCE OF THE CONVENTIONAL, ORGANIC AND TRANSGENICAGRICULTURAL SYSTEMS: A STUDY PERFORMED BY THE EUROPEANENVIRONMENTAL AGENCY ABOUT GENIC FLUXAAddrr iiaannaa PPoonnccee CCooeellhhoo CCeerrâânnttoollaaJJoosséé GGrreeggóórr iioo CCaabbrreerraa GGóómmeezz .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..33 55

PPAARRTT II II

FOOD AND BIODIVERSITY: RULING FUNDAMENTSCCrr iisstt iiaannee DDeerraannii .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..55 33

AMAZÔNIA: TO LOOK AT THE PAST, TO UNDERSTAND THE PRESENT ANDTO THINK THE FUTUREOOzzóórr iioo JJoosséé ddee MMeenneezzeess FFoonnsseeccaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..88 77

INTELLECTUAL PROPERTY AND LOCAL PRODUCTIVE ARRANGEMENTS: THE APPLICABILITY OF THE LAW AND THE RULE OF THE STATE BUREAUOF SCIENCE AND TECHNOLOGY OF AMAZONASSSeerrgguueeii AAii llyy FFrraannccoo ddee CCaammaarrggoo GGeenniissee ddee MMeelloo BBeenntteessFFaabbiiaannaa ddooss SSaannttooss ee SSoouuzzaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..114477

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PPAARRTT II II II

TOWARDS AN EMANCIPATORY CONSTITUTIONAL HERMENEUTICSEEddii ll ttoonn BBoorrggeess CCaarrnneeii rroo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..117711

THE ENVIRONMENTAL COMPENSATION AS AN ALTERNATIVE TOMITIGATE DAMAGES IN THE AMAZONIAN REGIONTTaatt iiaannaa MMoonntteeii rroo CCoossttaa ee SSii llvvaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..119911

CONSIDERATIONS ABOUT THE PROTECTION OVER TRADITIONALKNOWLEDGE IN THE STATE OF AMAZONASAAnnddrreeii SSiiccssúú ddee SSoouuzzaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..220077

ENVIRONMENTAL CIVIL RESPONSIBILITY AND LEGALITY OF ACTIVITYOR ENTERPRISE: POLEMIC ASPECTSZZeeddeeqquuiiaass ddee OOll iivveeii rraa JJúúnniioorr .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..223311

ENVIRONMENT AND THE PROTECTED JURIDICAL GOODBBrruunnoo MMaannooeell VViiaannaa ddee AArraaúújjoo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..225599

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APRESENTAÇÃO

AHiléia, Revista de Direito Ambiental da Amazônia, configura espaçopara publicação das reflexões construídas no âmbito do Programa de

Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonasao passo em que para si convergem as contribuições de pesquisadores externosem cujo pensar manifestam a imprescindível relação do conhecimento com arealidade.

O número quatro que ora encaminhamos a comunidade científicacongrega – como nas edições anteriores – o esforço compartilhado deprofessores e pesquisadores do direito, do direito ambiental e de áreas afins emconstruir um conhecimento jurídico permeado pelo diálogo inter etransdisciplinar, para a compreensão e explicação do complexo espaçoamazônico como o faz o professor Ozório José de Menezes Fonseca naspalavras a seguir:

Na Amazônia a natureza em cio permanente condicionou osurgimento e garante, hoje, a manutenção de uma incalculáveldiversidade de espécies biológicas, reproduzindo nessa Amazôniapanteísta o cenário bíblico da criação e o palco darwinista daevolução.

Como no paraíso, o homem aqui também chegou depois que apaisagem estava construída e em respeito à ordem de chegada foiobrigado a criar mecanismos de adaptação ao mesmo tempo emque ia moldando o entorno, formatando o ambiente favorável àsobrevivência.

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Se não havia uma árvore do saber, era preciso construí-lavagarosamente, adubando-a com a observação contínua quegerava um conhecimento que se acumulava na vivência no dia adia, ano após ano, século após século, esforço constante eincansável de aprimoramento da relação homem-natureza, chavemestra do expansionismo do domínio humano sobre o espaçoamazônico. Difícil imaginar algo tão difícil quanto a vida dos quechegaram primeiro e tiveram a experiência de ter uma vidainfernal em uma paisagem de Éden.

Ninguém nunca vai saber quando tudo começou, pois umatransgressão marinha que elevou o mar até cerca de 100 metrosacima do nível atual invadiu a planície, alagou ribanceiras, apagouprováveis vestígios humanos anteriores aos 11.000 anos queregistram a presença humana nessa porção equatorial do planeta.

Muito tempo depois, chegaram os primeiros viajantes cujasdescrições relataram a presença de milhões de nativos, contadosem um censo impossível ou pouco provável, embora seja evidenteque os habitantes originais formavam populações muito maisnumerosas do que as etnias atuais, muitas destruídas, outras emfase de destruição pelo processo avassalador da colonizaçãopassada e presente.

Cristobal de Acuña e Gaspar de Carvajal, entre outros,registraram densas populações indígenas umas bravias outrassuaves, todas vivendo ao longo do grande rio, curiosidadesexcêntricas para os visitantes, alvo preferencial dos missionáriosreligiosos que cristianizaram os índios e destruíram tribos,culturas, línguas, saberes.

O que se sabe desse tempo foi contado pelo colonizador brancoque, no dizer de Armando Mendes, forneceu visões e versõesemanadas de observatórios extra-regionais. Esse é o período defragmentos históricos que vão do exagero do El Dorado ou daTerra de Ofir, até a descrição de uma insuportável agressividadeda floresta, ou do paraíso verde ao inferno vermelho no dizer de

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Robert Goodland um visitante moderno que escreveu outrafantasia sobre a Amazônia.

Evidentemente era muito difícil, com base no conhecimento deentão, entender aquelas sociedades complexas organizadas sobreuma estrutura de uso adequado e sustentável dos recursosnaturais onde o binômio homem-natureza evoluiu para umaequilibrada relação sociedade-natureza.

A colonização européia destruiu essa notável estrutura social dosindígenas amazônicos e hoje a utopia possível do desenvol-vimento com sustentabilidade sente falta desses saberes paraconstruir uma sociedade moderna fundada no uso da biomassacomo proposto por Ignacy Sachs.

Talvez a mais importante tarefa daqueles que estão refletindosobre o desenvolvimento regional seja resgatar e catalogar ossaberes tradicionais para que lhes seja agregado conhecimentocientifico, permitindo assim que se construa um novo modelosocial, político e econômico que priorize a preservação dofenômeno da vida como direito fundamental do ser humano.

A Revista HIléia editada pelo Programa de Pós-graduação emDireito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas éparte fundamental desse esforço que ultrapassa os limites daciência do direito para inserir reflexões e fundamentos de outrasdisciplinas construindo um cenário de interdisciplinaridadeindispensável para entender a complexidade regional.

Das iniciativas de proteção penal do meio ambiente na UniãoEuropéia como abordado no artigo de Alvaro Sánches Bravo, atéo alimento produzido a partir da biodiversidade com uso detecnologias avançadas ou de agricultura tradicional que sãoobjetos de reflexão no texto de Cristiane Derani, tudo faz partedesse esforço em direção ao futuro.

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Agradecemos aos colaboradores, ao Magnífico Reitor da Universidadedo Estado do Amazonas, professor Lourenço dos Santos Pereira Braga, peloincansável apoio ao PPGDA, ao mestrando Alaim Giovani Fortes Stefanello,representante discente do mestrado e presidente do Centro de Estudos emDireito Ambiental da Amazônia, ao professor Sérgio Rodrigo Martinez eRafael Calixto pela elaboração e revisão dos resumos em língua estrangeira e,finalmente, ao patrocínio da Caixa Econômica Federal.

Fernando Antônio de Carvalho DantasPresidente do Conselho Editorial

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PARTE I

INICIATIVAS DE PROTECCIÓN PENAL DEL MEDIO AMBIENTE EN LA UNIÓN EUROPEAAAllvvaarroo AA.. SSáánncchheezz BBrraavvoo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..11 55

1. El diseño comunitario de la política medioambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .162. El marco normativo: el incumplimiento de los Estados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .173. La opción por la protección del medio ambiente mediante el Derecho Penal:

la iniciativa de la Comisión . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .204. La contraoferta de los Estados miembros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .255. A modo de conclusión: la necesaria concienciación y compromiso en la defensa de medio ambiente. .30

A COEXISTÊNCIA DOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA CONVENCIONAL, ORGÂNICO ETRANSGÊNICO UM ESTUDO ELABORADO PELA AGÊNCIA AMBIENTAL EUROPÉIA SOBRE FLUXO GÊNICOAAddrr iiaannaa PPoonnccee CCooeellhhoo CCeerrâânnttoollaa || JJoosséé GGrreeggóórr iioo CCaabbrreerraa GGóómmeezz .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..33 55

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .361. Fluxo gênico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47

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INICIATIVAS DE PROTECCIÓNPENAL DEL MEDIO AMBIENTE EN LA

UNIÓN EUROPEA

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Resumo: Este artigo trata das iniciativas deproteção ambiental na União Européia na áreapenal. Primeiramente procura destacar aevolução da sistemática da proteção ambientalna União Européia. Trata a seguir dosproblemas da regulação ambiental em âmbitocomunitário, em face da omissão da ComissãoEuropéia. Demonstra a participação dosEstados membros e as dificuldades naimplementação de políticas nacionais dedefesa do meio-ambiente. Conclui pelanecessidade da conscientização e docompromisso comunitário na defesa doambiente.

Palavras-chave: Proteção Ambiental; MeioAmbiente; União Européia.

Abstract: This article discusses theenvironmental protection initiatives in theEuropean Union in the penal field. It firstlyseeks to highlight the evolution ofenvironmental protection systematic in theEuropean Union. It then deals withenvironmental regulation problems in thecommunity relating to the omission of theEuropean Commission. It demonstrates Statemembers’participation and the difficulties facedin the implementation of national environmentaldefense policies. It concludes demonstrating thenecessity of awareness and communitycompromise in the defense of the environment.

Key-words: Environmental Protection;Environment; European Union.

* Doctor en Derecho. Profesor de Filosofía del Derecho. Profesor de Política Criminal del Instituto Andaluz Interuniversitariode Criminología Director del Seminario “Criminología y Medio Ambiente” de la Universidad de Sevilla. Presidente de laAsociación Andaluza de Derecho, Medio Ambiente y Desarrollo Sostenible.

Alvaro A. Sánchez Bravo*

Sumário: 1. El diseño comunitario de la política medioambiental; 2. El marco normativo: elincumplimiento de los Estados; 3. La opción por la protección del medio ambiente mediante elDerecho Penal: la iniciativa de la Comisión; 4. La contraoferta de los Estados miembros; 5. Amodo de conclusión: la necesaria concienciación y compromiso en la defensa de medioambiente.

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1. EL DISEÑO COMUNITARIO DE LA POLÍTICAMEDIOAMBIENTAL

Los Tratados fundacionales de la CEE de 1957 no previeron la políticaambiental como materia a desarrollar por las recién creadas institucionescomunitarias. No obstante, situaciones y circunstancias de diversa etiologíapropiciaron que se iniciara una reflexión acerca de la necesaria consideraciónde los problemas medioambientales para una correcta articulación de esaEuropa unida que se pretendía constituir.

Las reticencias iniciales se amparaban en que las medidas de protecciónambiental supondrían un serio obstáculo al desarrollo empresarial, contrarias alprincipio de libre circulación de bienes y mercancías, deviniendo una auténticatraba al comercio.

Pero, simultáneamente, el aumento de los niveles de contaminación, ysobre todo, la constatación de que los daños ambientales no quedabanreducidos a las fronteras de un Estado, evidenció que las legislacionesnacionales no bastaban para solucionar una problema de tal calado, siendonecesario instituir algunos mecanismos de cooperación intergubernamental.

Así en la década de los setenta se produjo un cambio sustancial con elreconocimiento de que una política comunitaria de medio ambiente era tantouna necesidad fundamental como legítima.1

La preocupación medioambiental dejó de ser un tema de interés para unaminoría de amantes de la naturaleza, para convertirse en un tema de interésgeneral.

La labor de la Unión Europea en los últimos treinta años ha sido capitalen este sentido. Ha propiciado el acuerdo para el desarrollo de nuevas políticasambientales, la aprobación de nuevos marcos legislativos y la adopción demedidas realistas para su aplicación. Ha colaborado igualmente en laelaboración de programas globales para luchar contra la contaminación,desarrollando un programa de sensibilización de los ciudadanos acerca de laimportancia de este tema.2

En 1992, con la adopción del Tratado de Maastricht, se consideró que elmedio ambiente no es un “departamento estanco” dentro de las políticas

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1 Comisión Europea, Institut für Europäische Politik, Europa de la A a la Z. Guia de la integración, europea, Oficina dePublicaciones Oficiales de la Unión Europea, Luxemburgo, 1997, p. 99.

2 Comisión Europea, Por un futuro más verde. La Unión Europea y el medio ambiente, Oficina de Publicaciones Oficiales de laUnión Europea, Luxemburgo, 2002, p. 3.

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comunitarias, sino que las decisiones adoptadas en otros ámbitos les afectanbien o mal. Es por ello que desde entonces las políticas medioambientalesdeberán ser consideradas para el desarrollo de cualquier iniciativa que puedanafectarles.

A nivel global, la Unión ha favorecido e impulsado acuerdos para lucharcontra el cambio climático, apostando por compromisos prácticos eimpulsando un progreso sólido.3 La labor desarrollada desde la Cumbre de laTierra (Rio de Janeiro, 1992) hasta la cumbre de Johannesburg, pasando porKioto (1997) son buena muestra de la apuesta decidida de la Unión por unalucha sin cuartel para la defensa y protección del medio ambiente desde unaperspectiva universal e integradora.

Desde el año 1973, la Unión ha adoptado una serie de planes de acciónen materia medioambiental muy completos. En el 2001 lanzó su Sexto Plan deAcción en Materia de Medio Ambiente. Con vigencia hasta el 2010 define sietegrandes ámbitos en los que es preciso seguir trabajando: contaminaciónatmosférica, reciclado de residuos, gestión de los recursos, protección delsuelo, medio ambiente urbano, uso sostenible de los pesticidas y medioambiente marítimo.

El Programa de Acción no pretende solo elaborar iniciativas legislativas,sino que asumiendo una nueva perspectiva, pretende potenciar la cooperación,la información4 y la actuación conjunta con todos los sectores interesados.

2. EL MARCO NORMATIVO: EL INCUMPLIMIENTO DE LOSESTADOS.

El art. 174 TUE establece que la política comunitaria medioambientalresponderá a cuatro grandes objetivos:

• conservación, protección y mejora de la calidad del medio ambiente;• protección de la salud de las personas;• utilización prudente y racional de los recursos naturales;

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3 WALLSTRÖM, M., “Obras son amores, que no buenas razones”, en Medio Ambiente para los Europeos, n.º 12, noviembre de2002, pp. 3-6.

4 Directiva 2003/4/CE del Parlamento Europeo y del Consejo de 28 de enero de 2003 relativa al acceso del público a lainformación medioambiental y por la que se deroga la Directiva 90/313/CEE del Consejo, DOCE L 41/26, 14.02.2003.

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• fomento de las medidas a escala internacional destinadas a hacerfrente a los problemas regionales o mundiales del medio ambiente.

Por otra parte, la política de la Unión en materia medioambiental debebasarse en el principio de cautela. Como ha señalado la propia Comisión, estosignifica que en los casos de riesgo en los que no se cuente con pruebascientíficas concluyentes, pero si con un estudio inicial que permita albergardudas razonables sobre los posibles efectos perversos sobre el medio ambientey la salud, se deberá considerar la adopción de medidas al respecto.5

Junto a él se formalizan, igualmente, los principios de prevención ypreservación, el de corrección de los atentados al medio ambiente en la fuente,6

y el ya clásico principio de “quien contamina paga”.Todo ello en el contexto del principio que rige todos los ámbitos de

actividad comunitaria, y que no es otro que el de desarrollo sostenible.7 Coneste se pretende conseguir un equilibrio entre el desarrollo económico y socialy la defensa del medio ambiente. Que la explotación de los recursos naturalesse haga de tal forma que, propiciando el progreso de los pueblos, se proteja lapropia naturaleza para que las próximas generaciones puedan seguirprosperando.

Junto a estas mención en los Tratados, la legislación ambiental cuentacon una trayectoria de más de 25 años.8 Desde entonces más de 200 directivasy reglamentos han intentado poner restricciones y limitaciones a lasactividades lesivas, centrándose fundamentalmente en la protección del medioacuático, el control de la contaminación atmosférica, las sustancias químicas,la protección de la fauna y la flora, la contaminación acústica, la eliminaciónde residuos, y últimamente, la biodiversidad y el desarrollo sostenible.

Pero, junto al principio de desarrollo sostenible, el principio desubsidiariedad9 juega un papel relevante que no debe obviarse. Como es

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5 Comisión Europea, Por un futuro más verde, cit., p. 7.

6 Se trata de desarrollar medidas tendentes a eliminar las fuentes de producción de daños ambientales; es decir, eliminaraquellas actividades que son el origen de los atentados. Lo que se pretende es prevenir, antes que reparar los daños.

7 Este principio se generalizó por primera vez a raíz de la Conferencia de Rio de 2002, en la que se fijó un doble objetivo:transformar los hábitos contaminantes del consumo en los países industrializados; y luchar contra la pobreza.

8 La Primera Directiva de medio ambiente fue la relativa a la clasificación, embalaje y etiquetado de sustancias peligrosas de1967 (Directiva 67/548).

9 El art. 5 TCE establece: “En los ámbitos que no sean de su competencia exclusiva, la Comunidad intervendrá, conforme alprincipio de subsidiariedad, sólo en la medida en que los objetivos de la acción pretendida no puedan ser alcanzados demanera suficiente por los Estados miembros, y, por consiguiente, puedan lograrse mejor, debido a la dimensión o a losefectos de la acción contemplada, a nivel comunitario”.

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conocido, este principio significa que el desarrollo de determinadas políticasno han de ser gestionadas y desarrolladas íntegramente por la Unión. Si losobjetivos pueden alcanzarse por los Estados, la Unión no actuará. A sensucontrario cuando quede patente la inoperancia o la insuficiencia de laactuación estatal, el desarrollo será a nivel comunitario.

Pero en el ámbito medioambiental, esta aparente claridad en el repartode competencias de actuación se ve seriamente condicionada, por cuanto,como señala Zilioli,10 en este sector del Derecho se palpa una evidente tensiónentre la necesidad de políticas y soluciones globales, homogéneas y unificadaspara responder suficientemente a problemas transnacionales, y la necesidad yreivindicación por los Estados de ámbitos de actuación para, a través denormas propias, satisfacer necesidades sentidas a nivel nacional.

A este respecto Chicharro Lázaro,11 ha señalado como la accióncomunitaria en este ámbito presenta, entre otras, una doble justificación:

• el problema presenta aspectos transnacionales: en el sectormedioambiental el carácter transnacional o transfronterizo de losproblemas es patente en numerosos casos;

• previene posibles distorsiones del mercado único: la ausencia depolítica comunitaria de medio ambiente podría desembocar en lafragmentación del mercado interior, gracias a la aparición omantenimiento de legislaciones nacionales que crean trabas a la librecirculación de bienes entre los Estados miembros.

Desgraciadamente, la realidad es que en numerosas ocasiones losproblemas medioambientales presentan una dimensión transnacional querequieren soluciones coordinadas. Pero frente a ello todavía se alzan las vocesde los Estados, celosos guardianes de una mal entendida autonomía, y queademás se amparan en cuestiones tales como la protección de sus intereseseconómicos o se determinados sectores empresariales para incumplir oabstenerse de aplicar la legislación ambiental.

Ello ha motivado que la acción individual de cada uno de los Estados seainsuficiente para preservar convenientemente el medio ambiente. Además la

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10 ZILIOLI, C., “L´applicazione del principio di sussidiarietà nel diritto comunitario dell´ambiente”, en Rivista Giuridicadell´Ambiente, n.º 10, 1995, pp. 533-534.

11 CHICHARRO LÁZARO A., “La aplicación del principio de subsidiariedad al área del medio ambiente”, en Unión EuropeaAranzadi, año XXIX, n.º 2, febrero 2002, p. 7.

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transición de las previsiones normativas comunitarias a la práctica es unproceso proceloso, cuya eficacia depende en buena medida los Estadoscumplan con su parte de responsabilidad incorporando las Directivas a suslegislaciones internas.

La situación actual es muy insatisfactoria en este campo, produciéndosenumerosos casos de incumplimiento grave de la legislación ambiental. Ello hallevado a la Comisión ha proponer una serie de medidas más drásticas, en cuyaconsideración nos detendremos seguidamente.

3. LA OPCIÓN POR LA PROTECCIÓN DEL MEDIO AMBIENTEMEDIANTE EL DERECHO PENAL: LA INICIATIVA DE LACOMISIÓN

La constatación de los múltiples y graves incumplimientos de lalegislación comunitaria ambiental, ha colmado la “paciencia” de la Comisiónen su objetivo de diseñar una política comunitaria medioambiental.

Una de las causas fundamentales ha sido la laxitud de las sancionesestablecidas por los Estados Miembros, que no se consideran suficientes,adecuadas y disuasorias para luchar contra los atentados al medio ambiente.

Además no todos los Estados miembros poseen en sus legislacionespenales, ni contemplan en sus políticas criminales sanciones claramenterepresivas cuando de delitos medioambientales se trata. Ello provoca un déficitde seguridad jurídica12 palpable.

De todos es conocido como en los estados democráticos el derecho penalse considera la última frontera, la ultima ratio, a cuyo auxilio se recurre antesucesos (acciones y/u omisiones) de especial gravedad que requieren elmáximo reproche por vulnerar los valores y derechos fundamentales,individuales y colectivos, que nos definen como personas y ciudadanos.

Resulta por ello muy relevante que la Comisión Europea en susiniciativas opte por la adopción de políticas protectoras tan contundentes. Larazón estriba, creemos que con acierto, en la constatación de que numerososatentados al medio ambiente, no son una cuestión menor, o una mera infracción

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12 Sobre la segurida jurídica vid. PEREZ LUÑO, A.E., La seguridad jurídica, 2.ª edic. revisada y puesta al día, Ariel, Barcelona,1994.

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administrativa sino verdaderos delitos medioambientales contra los que hayque luchar con la contundencia del derecho penal.

A ese objetivo se dirige la Propuesta de Directiva relativa a laprotección del medio ambiente por medio del derecho penal,13 y en cuyoscontenidos nos detendremos.

La iniciativa se inscribe en la preocupación por una política uniforme enal defensa del medio ambiente, y la opción por el derecho penal se contempla,pese a las reticencias de los Estados, como veremos posteriormente, enatención a dos variables.

1. Principio de la prevención general. Sólo las acciones penales, a juiciode la Comisión, tienen un efecto suficientemente disuasor. Por unlado, al representar el maximun de reproche social, se configurancomo un claro mensaje a los delincuentes. Por otro, evitan que lamera satisfacción económica, sirva para compensar casos de enormedaño medioambiental. El clásico principio de que “quien contaminapaga” se ha revelado como insuficiente, por cuanto que no ha servidopara disminuir los niveles de incumplimiento de la legislaciónambiental. Muchas empresas están dispuestas a satisfacer la multas ysanciones administrativas, pues los beneficios de su proceder lesivosiguen siendo cuantiosos.

2. Reforzamiento de las medidas de investigación y de procesamiento.Es indudable que las medidas de investigación penal, y su efectosobre los implicados, gozan de un naturaleza mucho más contundenteque permite asegurar la eficacia de las investigaciones. Además, laComisión pretende atajar con ello una cuestión flagrante, y que poneen entredicho la eficacia y contundencia de las sanciones. Este hechono es otro que las autoridades administrativas o civiles encargadas detramitar los expedientes sancionadores alas empresas contaminantesson, en numerosos Estados, las mismas que concedieron los permisoso licencias para desarrollar dichas actividades.

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13 Propuesta de Directiva del Parlamento Europeo y del Consejo relativa a la protección del medio ambiente por medio delderecho penal, COM (2001) 139 final. 2001/0076 (COD), Bruselas, 13.03.2001. Para seguir el iter legislativo de estapropuesta http://europa.eu.int/prelex/detail_dossier_real.cfm?CL=es&DosId=163001.

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En el fondo se pretende dar cumplimiento a una vieja aspiración de losdefensores del medio ambiente, y creo que de todos los ciudadanos, y es que lajusticia cabalgue por su senda, sin interferencias espurias.

Para la consecución de tal objetivo, pueden establecerse tres reglasbásicas que delimitan el ámbito, la extensión y la vinculación de la iniciativacomunitaria: a) serán los propios Estados miembros los que decidirán lassanciones penales conforme a su derecho interno; b) su ámbito de aplicación seconcreta en los daños intencionales al medio ambiente o al daño causado pornegligencia grave (por tanto, no se considerara delito cualquier tipo decontaminación); y c) la Directiva incorporará los actos que ya estánexpresamente prohibidos por el derecho ambiental vigente en la Unión.14

Conforme a su artículo 1 “el propósito de la Directiva es asegurar unaaplicación efectiva del Derecho comunitario relativo a la protección del medioambiente estableciendo en la Comunidad un conjunto mínimo de delitos”. Lacuestión por tanto no es establecer una nueva política, sino dentro de la mismalínea de actuación reforzar uno de sus elementos: la eficacia. Materialmente laactuación queda delimitada por el propio Derecho comunitario, pues lainiciativa sólo se extiende a las actividades que incumplen el Derechocomunitario, o las normas adoptadas por los Estados en desarrollo ycumplimiento de la legislación ambiental (como vemos, de nuevo el principiode subsidiariedad).

La definición de que sea delito y de los elementos que la integran secontempla en el art. 3. Se determina como principio general que serándelictivas las actividades (entendidas como comportamiento activo y laomisión, cuando haya un deber legal de actuar, como señala el artículo 2. b)que se cometan intencionadamente (dolo) o con negligencia grave y quepuedan ser atribuidas a personas físicas o jurídicas. Las actividadescontaminantes cubiertas son aquellas que generalmente causen o puedancausar deterioro significativo o daño sustancial del medio ambiente. Respectoa las actividades “de peligro”, la Comisión señala como “se han prohibido perse en virtud de las legislaciones comunitarias, independientemente de si haypruebas de un impacto dañino específico al medio ambiente en un casoconcreto e individual. El Derecho comunitario considera tales actividadesdañinas o particularmente peligrosas para el medio ambiente. Por esta razón,estas actividades deben también considerarse delitos, pues el riesgo para el

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14 IP/01/358. Bruselas, 13 de marzo de 2001.

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medio ambiente radica en la actividad como tal, independientemente del dañofinal que cause”.

La enumeración de las infracciones que merecen la calificación de delitose han seleccionado en atención a que su infracción provoca graves daños almedio ambiente, y su inclusión evidencia que “el hecho de que las estasactividades continúen existiendo en partes de la Comunidad es un importanteindicador de que las sanciones existentes no surten siempre el necesario efectode disuasión”.15

Serán delitos, de acuerdo a la propuesta, las siguientes actividades:

a. el vertido de hidrocarburos, aceites usados o lodos de aguasresiduales;

b. el vertido, emisión o introducción no autorizados de una cantidad demateriales en el aire, el suelo o el agua y el tratamiento, vertido,almacenamiento, transporte, exportación o importación no autori-zados de residuos peligrosos;

c. el vertido no autorizado de residuos en o dentro de la tierra o en elagua, incluida la explotación no autorizada de un vertedero;

d. la posesión, apropiación, daño, matanza no autorizados o el comerciode especies protegidas de fauna y flora silvestres o de partes de lasmismas;

e. el deterioro significativo de un hábitat protegido;f. el comercio no autorizado de sustancias que agotan la capa de ozono;g. la actividad no autorizada de una fábrica en la que se llevan a cabo

manipulaciones peligrosas o en la que se almacenan o se utilizansustancias o preparaciones peligrosas;

Esta enumeración debe completarse con el elenco de normasenumeradas en el Anexo de la propuesta, y que colman materialmente laprohibición de actividades descritas.

Como señala la propia Comisión, “a efectos de la presente Directiva,cualquier modificación futura de las directivas enumeradas en el anexo seaplicará automáticamente a esta directiva” El objetivo no es otro que asumiruna visión dinámica y de numerus apertus en la determinación de la legislaciónambiental cuyo incumplimiento generaría responsabilidades penales.

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15 Propuesta de Directiva..., cit., p. 4.

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Estableciendo esta cláusula se garantiza que no se verá menoscabada laseguridad jurídica, pero tampoco los niveles de protección ante los nuevosretos a que haya que hacer frente.

De otra parte, esta propuesta, considerando el principio desubsidiariedad, no prevé la regulación de las investigaciones, ni de los procesosy procedimientos penales y procesales. Corresponde a los Estados miembros,establecidas las conductas punibles, determinar las formas de imponer lassanciones, de acuerdo a sus especificidades normativas internas. Sólo seimpone un requisito insalvable: las sanciones serán efectivas, proporcionadasy disuasorias, como establece su artículo 4.

En lo tocante a su dimensión subjetiva, se establece que laresponsabilidad por los hechos tipificados en el art. 3 se exigirá no sólo a losautores sino también a los cómplices (participantes e instigadores).

La naturaleza de las sanciones a imponer se bifurca, conforme al artículo4, según los responsables sean personas físicas o personas jurídicas.

En cuanto a las personas físicas, deben ser castigadas con sancionespenales, que supondrán en los casos más graves la privación de libertad.Igualmente se establece la imposición de multas, exclusión del derecho a losbeneficios públicos o ayudas, descalificación temporal o permanente, de lapráctica de actividades comerciales, colocando la actividad bajo supervisiónjudicial o liquidando la empresa del infractor.

En lo tocante a las personas jurídicas, la propia Comisión determina que“es esencial para la aplicación efectiva del Derecho comunitario que protege elmedio ambiente, que pueden ser tenidas por responsables y que se tomen en laComunidad sanciones contra las mismas”.16 A tal efecto, debe considerarse laimposición de sanciones que no sean penales, siempre y cuando cumplan el“sacro principio” ya reiterado de que sean efectivas proporcionadas odisuasorias (se piensa en multas, supervisión judicial, decisiones de liquidacióno exclusión del derecho a beneficios o ayudas públicos).

El artículo 5 contempla la obligación de los Estados miembros deinformar a la Comisión de las medidas adoptadas para el cumplimiento de la

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16 Propuesta de Directiva..., cit., p. 5

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directiva.17 El artículo 6 determina los plazos de transposición al derechointerno de los Estados miembros.18

La propuesta se cierra con la determinación del plazo de entrada en vigor(artículo 7) y con la clásica mención comunitaria de que los destinatarios de ladirectiva serán los estados miembros (artículo 8).

Observará el lector como la propuesta de la Comisión es bastante exigua.Pero no puede ser de otra manera. Su objetivo es articular una norma mínimade protección del medio ambiente mediante el derecho penal. La labor seantoja titánica por las reticencias que ya se han constatado, y que incluso hanpropiciado la elaboración de otras alternativas legislativas que creo necesarioconsiderar.

4. LA CONTRAOFERTA DE LOS ESTADOS MIEMBROS

Los Estados miembros, agrupados en el Consejo, no han acogido conbuen agrado (por no decir con ninguno) la propuesta elaborada desde laComisión.

Ellos también manifiestan estar preocupados por el aumento de lasinfracciones al medio ambiente, su extensión transnacional, abogandoigualmente por la necesidad de actuar de modo concertado para proteger elmedio ambiente a través del derecho penal.

Ahora bien, lo que no están dispuestos a asumir es que por parte de laComisión se intente imponer una Directiva, que según manifiestan, tras serestudiada “se llegó a la conclusión de que no se puede alcanzar la mayoríanecesaria para su adopción debido a que la mayoría consideraba que estapropuesta superaba las competencias que el Tratado constitutivo de laComunidad Europea otorga a la Comunidad y que los objetivos pueden

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17 Cada tres años, los Estados miembros transmitirán a la Comisión un informe sobre la aplicación de esta Directiva. Basándoseen estos informes, la comisión presentará un informe comunitario al Parlamento Europeo y al Consejo.

18 (1) Los Estados miembros adoptarán las disposiciones legales, reglamentarias y administrativas necesarias para cumplir lapresente Directiva más tardar el [el 1 de septiembre de 2003]. Informarán inmediatamente de ello a la Comisión.

(2) Cuando los Estados miembros adopten esas disposiciones, incluirán una referencia a la presente Directiva o iránacompañadas por ella con motivo de su publicación oficial. Los Estados miembros establecerán las modalidades de lamencionada referencia.

(3) Los Estados miembros comunicarán a la Comisión el texto de las disposiciones de Derecho interno que adopten en elámbito regulado por la presente Directiva.

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alcanzarse mediante la adopción de una Decisión Marco basada en el Título VIdel Tratado de la Unión Europea”.

Las objeciones parecen ser al procedimiento y al instrumento jurídicoadoptado por la Comisión para acometer esta política, pero realmente tras ellose esconde una opción de los Estados miembros por mecanismos menosintrusivos en sus competencias, más propios de la cooperación política que dela obligatoriedad jurídica.

Para ello la Decisión Marco 2003/80/JAI19 se articula en un texto que fuela alternativa al presentado por la Comisión, matizando, ampliando oreduciendo, según el caso, las previsiones establecidas en la Propuesta deDirectiva.

Su artículo 2 determina el elenco de actividades que deben ser objeto deprosecución y castigo penal, pues deberán ser tipificadas como delito en cadauna de las legislaciones de los Estados miembros. Estas son:

• el vertido, la emisión o la introducción de una cantidad de sustanciaso de radiaciones ionizantes en la atmósfera, el suelo o las aguas, quecausen la muerte o lesiones graves a las personas;

• el vertido, la emisión o la introducción de sustancias o de radiacionesionizantes en la atmósfera, el suelo o las aguas, que causen o puedancausar su deterioro duradero o importante, la muerte o lesionesgraves a las personas, o daños sustanciales a monumentos u otrosobjetos protegidos, a bienes, a animales o a plantas;

• la eliminación, el tratamiento, el almacenamiento, el transporte, laexportación o la importación ilícitos de residuos, incluidos lospeligrosos, que causen o puedan causar la muerte o lesiones graves alas personas, o daños sustanciales a la calidad del aire, del suelo o delas aguas o a animales o plantas;

• la explotación ilícita de instalaciones en donde se realice unaactividad peligrosa y que, fuera de dichas instalaciones, cause opueda causar la muerte o lesiones graves a las personas, o dañossustanciales a la calidad del aire, del suelo o de las aguas o a animaleso plantas;

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19 Decisión Marco 2003/80/JAI del Consejo, de 27 de enero de 2003, relativa a la protección del medio ambiente a través delDerecho penal, DOCE L 29, 05.02.2003.

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• la fabricación, el tratamiento, el almacenamiento, la utilización, eltransporte, la exportación o la importación de materiales nucleares uotras sustancias radioactivas peligrosas que causen o puedan causarla muerte o lesiones graves a las personas, o daños sustanciales a lacalidad del aire, del suelo o de las aguas o a animales o plantas;

• la posesión, apropiación, daño o matanza ilícitos o el comercio deespecies protegidas de la fauna y flora silvestres o de partes de lasmismas, al menos cuando estén amenazadas de peligro de extincióncomo se define en la legislación nacional;

• el comercio ilícito de sustancias que agotan la capa de ozono.

La referencia al agua deben entenderse conforme a lo conceptuado en elartículo 1 de la Decisión: todas las clases de agua subterráneas y superficiales,incluida el agua de lagos, ríos, océanos y mares. Asimismo, en actividadesilícitas cabe subsumir toda infracción a una ley, un reglamento administrativoo una decisión adoptados por una autoridad competente, incluidas las quehagan efectivas disposiciones vinculantes de derecho comunitario, con objetode proteger el medio ambiente.

Como se observará las menciones son casi idénticas a las reseñadas enla Propuesta de Directiva, que han servido de base para la elaboración de esta“alternativa”.20

Las actividades referidas serán sancionadas cuando fueren cometidasdolosamente, si bien el artículo 3 establece que sean tipificadas comoinfracciones penales aquéllas cuando se cometan por imprudencia, o al menosque la imprudencia sea grave.

Al igual que la propuesta de Directiva se contempla el castigo no sólo delos autores, sino de los partícipes o instigadores.

En cuanto a la naturaleza de las sanciones, se establece un régimen dualdependiendo de si la responsabilidad es imputable a una persona física o a unapersona jurídica.

Conforme al artículo 5 las sanciones deben ser efectivas, proporcionadasy efectivas, incluyéndose en los casos más graves, penas de privación delibertad. Asimismo podrán imponerse otras sanciones como prohibición del

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20 Así lo manifiesta el Considerando (5) cuando expresa: El Consejo consideró oportuno incorporar a la presente Decisión marcoalgunas de las disposiciones de fondo incluidas en la propuesta de directiva, en particular las que definen lo que deben hacerlos Estados miembros para tipificar estas conductas como delito en su Derecho nacional.

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desempeño de actividades empresariales o la fundación, gestión o dirección deempresas o fundaciones cuando los hechos causa de la condena evidencian unalto riesgo de que el condenado pueda volver a repetir los mismos hechos.

Las personas jurídicas, presentan una regulación más detallada.Tampoco debe causar sorpresa este extremo, pues respecto a las personasfísicas es más fácil determinar la responsabilidad, y constituye una regulaciónnormal en las legislaciones nacionales. Donde si surgen discrepancias, yomisiones, es en la determinación de los mecanismos de atribución deresponsabilidad a las personas jurídicas. Si como señala la propia Decisiónmarco “estas infracciones pueden generar la responsabilidad no sólo de laspersonas físicas, sino también de las personas jurídicas” resulta evidente queuna normativa que desde los Estados miembros pretende unificar suslegislaciones no podía obviar una solución única y unificada, aunque sea demínimos, de la responsabilidad penal de las personas jurídicas cuando dedelitos ambientales se trate.

Siguiendo lo indicado en el art. 6.1 deberán adoptarse las medidasnecesarias para garantizar que las personas jurídicas puedan ser consideradasresponsables por hechos cometidos por cualquier persona, sea a títuloindividual, sea como representante de un consejo de administración, que tengaun cargo directivo basado: a) en un poder de representación; b) una autoridadpara adoptar decisiones en nombre de la empresa; o c) una autoridad paraejercer un control sobre la empresa.

La responsabilidad no sólo se determina cuando se actúe en provechopropio de la empresa, extendiéndose a quien actúa como cómplice o comoinstigador de los delitos.

Pero no sólo se castigan las conductas “activas”. Del mismo modo secontempla la responsabilidad por “omisión”. Es decir, cuando como señala elpunto 2, del precepto que nos ocupa se determina que “cada Estado miembroadoptará las medidas necesarias para garantizar que una persona jurídicapueda ser considerada responsable cuando la falta de vigilancia o control porparte de una de las personas jurídicas a que se refiere el apartado 1 hayahecho posible que una persona sometida a la autoridad de la persona jurídicade que se trate cometa las infracciones señaladas en los artículos 2 y 3 enprovecho de dicha persona jurídica”.

Todo ello, sin perjuicio de la responsabilidad en que pudieran incurrir laspersonas físicas que sean autoras, cómplices o encubridoras de las conductasanteriormente descritas. Se pretende con ello que la responsabilidad de la

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empresa u organización no excluya o camufle la responsabilidad de quienrealiza o colabora en el delito.

Las sanciones, al igual que para las personas físicas, deben ser efectivas,proporcionadas y efectivas, adoptando, conforme al artículo 7, la forma demultas penales o administrativas, que podrán ir acompañadas de otrassanciones, tales como exclusión del disfrute de beneficios y ayudas,prohibición del desempeño de actividades, vigilancia y/o disolución judicial, yde la obligación de adoptar determinadas medidas para evitar las conductaspunibles.

El aseguramiento de las medidas reseñadas supone que “los Estadosmiembros deberían establecer una jurisdicción amplia en materia de delitoscontra el medio ambiente de manera que se evite que las personas físicas ojurídicas puedan eludir el enjuiciamiento por el mero hecho de que el delito nose cometió en su territorio”.21

Con ese objetivo el artículo 8 establece que cada Estado será competentecuando la infracción se cometa:

• total o parcialmente dentro de su territorio, incluso cuando los efectosse produzcan totalmente fuera;

• a bordo a de un barco o avión que enarbole su pabellón;• por cuenta de personas jurídicas cuya sede central se encuentre en su

territorio;• por uno de sus nacionales, siempre que la legislación de ese Estado

miembro disponga que la conducta sea sancionable también en elpaís en que haya tenido lugar, o si el lugar donde se cometió norecayera bajo ninguna jurisdicción territorial.

No obstante, se contemplan excepciones a asumir la competencia, o arestringirla a casos concretos, cuando de los supuestos contemplados en losepígrafes c) y d) se trate. (¡sigue pesando mucho aún el principio deterritorialidad penal!).

Para evitar la impunidad de determinados nacionales de los Estadosmiembros cuando éstos no prevean conceder la extradición se determina en elartículo 9 la obligación por parte del Estado no extraditante de establecer su

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21 Decisión Marco, cit., p. 3.

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propia competencia para conocer de las infracciones cometidas por sus propiosnacionales fuera de su territorio.

Pero no basta con reconocer la competencia, sino que se obliga a losEstados a someter los hechos a sus autoridades judiciales, pudiendo solicitar elauxilio y la cooperación conforme a lo establecido en el Convenio Europeo deExtradición.

El 15 de abril de 2003 la Comisión europea presentó un recurso22 contrala Decisión Marco, basándose fundamentalmente en que las medidas quepretende imponer la Decisión se inscriben claramente en las competenciascomunitarias, por que las mismas deben determinarse por el legisladorcomunitario, y no por los Estados miembros reunidos en el seno del Consejo.

El 26 de mayo de 2005, el Abogado General del Tribunal de Justicia dela Unión Europea, Sr. Ruiz-Jarabo Colomer, ha emitido ya sus Conclusiones23

en las que propone la estimación del Recurso presentado por la Comisión.

5. A MODO DE CONCLUSIÓN: LA NECESARIA CONCIENCIACIÓNY COMPROMISO EN LA DEFENSA DE MEDIO AMBIENTE

Las iniciativas expuestas tienen el enorme valor de constituir la punta delanza de una nueva estrategia en la lucha por la defensa del medio ambiente.Muchas objeciones, comentarios, censuras y críticas podrán realizarse respectoa su contenido. Lo que sí parece claro es la diferencia, pese a la preocupacióncomún, en el diseño de las estrategias a desarrollar y en la importancia de unosu otros mecanismos para llevarlas a buen puerto.

Pero es también la historia de un gran fracaso. Décadas de luchas, denormativas, de esfuerzos parecen no haber servido para conseguir una eficaz,adecuada y unitaria defensa del medio ambiente en el ámbito comunitario. Larealidad nos golpea casi a diario con sanciones, procedimientos de infraccióny condenas a los Estados por incumplimiento, desidia, o simple abstención enla aplicación de la normativa medioambiental. Los conceptos de soberanía yterritorialidad estatales siguen siendo enarbolados como prerrogativas

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22 Recurso interpuesto el 15 de abril de 2003 contra el Consejo de la Unión Europea por la Comisión de las ComunidadesEuropeas (Asunto C-176/03) (2003/C 135/34), DOCE C 135/21, 07.06.2003.

23 ht tp: / /cur ia .eu. in t / jur isp/cgi-bin/get tex t .p l? lang=es&num=79949473C19030176&doc=T&ouver t=T&seance=CONCL&where=().

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intocables que impiden una auténtica política comunitaria de defensa delmedio ambiente.

Como hemos podido constatar las iniciativas consideradas no pretendenestablecer una regulación cerrada y pormenorizada de todas los problemas aconsiderar, se conforma con diseñar unos estándares mínimos, como un primerpaso hacia una regulación más pormenorizada.

Ahora bien, el salto cualitativo que supone recurrir al amparo delderecho penal merece algunas consideraciones que no deben obviarse.

El derecho penal como ultima ratio hunde sus raíces en la consideraciónde que sólo los atentados más graves a los bienes e intereses individuales ycolectivos son susceptibles de someterse al reproche más contundente, a larestricción de derechos más palpable en la libertad y el patrimonio de losciudadanos culpables de determinados actos lesivos.

La apelación al derecho penal para la protección del medio ambiente,supone considerarlo como uno de esos valores e intereses, como una realidad,sin la que no se entiende la sociedad, ni los Estados, ni el propio ser humano.Si el derecho penal debe acudir en defensa del medio ambiente es por que estan importante, tan imprescindible, que un ataque contra el mismo resquebrajalos cimientos de nuestra propia existencia. Como ha señalado Pérez Luño,“desde las etapas iniciales de la historia el hombre acude a la naturaleza parauna mejor comprensión de su propia dimensión social”.24

Así, pues el derecho a un medio ambiente digno, y saludable, pasa aconsiderarse en una nueva dimensión, digno del mayor quantum de protecciónpor parte del ordenamiento jurídico.

Llegado a este punto debemos seguir inquiriéndonos acerca de larelevancia de esta nueva percepción del medio ambiente. Al igual que con otrosámbitos de la política criminal cabe cuestionarse: ¿es, o sobre todo, serásuficiente con el Derecho penal?; ¿es la única vía que queda?

Sin recaer de nuevo en la constatación del fracaso de las formulasprotectoras ensayadas, si conviene señalar que la sola apelación al Derechopenal no bastará per se para erradicar los atentados al medio ambiente. Enprimer lugar, por que el derecho penal tenderá fundamentalmente a reprimir, acastigar una vez el daño se haya inferido. Al margen de los clásicos finesasignados al derecho penal (prevención general y especial), la función

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24 PEREZ LUÑO, A.E., Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución, 8.ª edic., Tecnos, Madrid, 2003, p. 471.

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preventiva requiere de otros mecanismos y de otras implicaciones.Respondemos así a la segunda cuestión planteada: no basta sólo con el derechopenal para proteger adecuadamente al medio ambiente.

Es evidente que el derecho penal puede jugar un papel muy importantepara articular un sistema sancionador frente a conductas que con anterioridadquedaban en la impunidad, o en una leve sanción (generalmente económica).Pero junto a él, para asegurar que se prevengan los atentados, deben aparecerotra variables a considerar: educación y compromiso.

Hay que informar a los ciudadanos de lo absolutamente imprescindibleque es la defensa del medio ambiente. No sólo por lo obvio que supone quenuestro planeta es el que nos acoge, y que si enferma, enfermamos todos. Hayque recalcar la responsabilidad solidaria hacia el futuro, hacia las generacionesvenideras, para que puedan disfrutar de las bondades naturales, intentadocorregir y prevenir ( si es posible ) los dislates por nosotros cometidos. Aunqueparezca sorprendente, todavía amplias capas de población consideran lanaturaleza y sus recursos como algo inacabable, eterno, que siempre estará ahí,sin saber que antes había mucho más que ver, y que, incluso lo que hoycontemplamos, no es más que la versión ajada de una naturaleza queolvidamos, pese a ser el soporte de todo. No quisiera caer en el pesimismo o enel drama, pero los datos son contundentes: desertización, agujero de la capa deozono, extinción de especies,...

La información y educación medioambiental se revela comoimprescindible, para concienciarnos todos de que no es un problema ajeno, quees un problema propio, sobre el que hay que ponerse a trabajar entre todos, paraevitar que se produzca el daño, y cuando esto no sea por desgracia posible, queno queden impunes los culpables.

Junto a la educación, la otra variable viene determinada por elcompromiso. Pero no sólo de los ciudadanos en los términos expresados, sinotambién de los Estados. También ellos deben sentir el problema como algoglobal, no circunscrito a los hechos acaecidos dentro de los límites de susfronteras territoriales.

Si no desarrollan políticos solidarias entre los Estados, sino no secomprende que el problema es global, sino se entiende de una vez que lacontaminación o el daño al medio ambiente no conoce de fronteras, noestaremos consiguiendo nada, salvo justificar lo injustificable o dando palos deciego. Los responsables políticos y económicos deben comprender que sin unpacto universal para salvar a la naturaleza no vamos a poder salvarla. Las

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iniciativas desplegadas hasta ahora evidencian las reticencias que siguehabiendo por parte de algunos países, lo influyente de la industria, y lo poco enserio que algunos se toman la defensa del medio ambiente.

Las iniciativas desplegadas en el ámbito comunitario, con las reservasexpresadas, tienen el valor de intentar aunar ambos elementos: elendurecimiento de las sanciones para los criminales contra el medio ambiente,junto a la potenciación de la educación y la formación de los ciudadanos.Como hemos observado en el propio seno de las instituciones surgendiscrepancias, formas diversas de atacar el problema, de plantear soluciones.Pero en lo que sí existe acuerdo es la necesidad de reforzar la protección delmedio ambiente.

Constatado y asumido claramente el fracaso de otras medidasprotectoras ha llegado el momento de intentar actuar con contundencia.Esperemos que las negociaciones sobre el texto de la Propuesta de Directiva yde Decisión marco no se desvirtúen en la negociación pendiente, y salgaadelante esta propuesta.

Ahora bien, no todo acaba aquí. Al contrario, desde ese momento hayque exigir que las medidas comunitarias adoptadas se cumplan diligente yeficazmente por los Estados miembros. La opinión pública, a buen seguro,jugará un papel determinante en la puesta en marcha de dichas políticas.Esperemos acontecimientos. Pero sobre todo ¡queramos a la madre tierra!

Universidad de Sevilla.Verano, 2005.

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A COEXISTÊNCIA DOS SISTEMAS DEPRODUÇÃO AGRÍCOLA CONVENCIONAL,

ORGÂNICO E TRANSGÊNICOUM ESTUDO ELABORADO PELA AGÊNCIA

AMBIENTAL EUROPÉIA SOBRE FLUXO GÊNICO1

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Resumo: Este artigo trata da análise sobre acoexistência da adoção agrícola de sistemas deprodução voltados à utilização de materiaistransgênicos, convencionais, com o uso depesticidas ou não. Destaca a questão do avançoda biotecnologia e sua relação com o princípioda precaução e segurança biológica. Demonstraa noção de Fluxo Gênico e transferência degenes entre espécies. Analisa o estudo daAgência Ambiental Européia sobre o assunto eobserva vários casos de transferências genéticasocorridas em produtos naturais de alto consumohumano. Verifica como a União Européiaregula a coexistência da produção agrícolaconvencional e transgênica.

Palavras-chave: Sistemas de ProduçãoAgrícola; Fluxo Gênico; Transgênicos.

Abstract: This article deals with the analysisof the coexistence of agricultural adoption ofproduction systems facing the use oftransgenic, conventional material, with orwithout the use of pesticides. It highlights thematter of biotechnology breakthroughs and itsrelation with precaution and biologic safetyprinciples. It analyzes the study of EuropeanEnvironment Agency on the issue andobserves several cases of genetic transferenceswhich took place in natural products of highhuman consumption. It verifies how theEuropean Union regulates the coexistence ofboth conventional and transgenic agriculturalproduction.

Key-words: Agricultural Production System;Gene Flow; Transgenic.

* Advogada, mestre em Tecnologia Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT eespecialista em biossegurança pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bacharel em Turismo e docente para cursos depós-graduação lato sensu em Meio Ambiente no IPT, e em Direito das Novas Tecnologias no Centro de Extensão Universitária-CEU.

** Biólogo, mestre em Biotecnologia e doutor em Microbiologia Aplicada pela Universidade de São Paulo. Pesquisador doInstituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Orientador no Programa de Pós-Graduação Interunidades emBiotecnologia USP-IPT-I.Butantan e no Mestrado Profissional em Tecnologia Ambiental do IPT.

1 O conteúdo deste paper foi extraído e adaptado da dissertação de mestrado “O Princípio da Precaução e sua aplicação naBiotecnologia Moderna: uma medida de biossegurança”, defendida pela autora sob orientação do Dr. José Gregório CabreraGomez e aprovada em maio de 2006 pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT.

Adriana Ponce Coelho Cerântola*José Gregório Cabrera Gómez**

Sumário: Introdução; 1. Fluxo gênico; 1.1 Transferência vertical de genes; 1.2 O estudo daAgência Ambiental Européia sobre coexistência e super-ervas daninhas; 1.3 Regulamentando acoexistência; Considerações finais; Referências.

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INTRODUÇÃO

A biotecnologia moderna tem sido vista por alguns como a mais novarevolução vivida pela humanidade. Cavalli (2001) a considera como uma dasmaiores conquistas científicas, e sua sobrevivência dependerá em muito daexploração sustentável do meio ambiente que é a fonte de matéria-prima parao uso dessa tecnologia, como assegura Borém (2004).

Segundo Celec et al. (2005), os organismos engenheirados ou genetica-mente modificados incluem microrganismos, plantas e animais e podem serencontrados em diferentes áreas, como medicina, agricultura e alimentos.

O desenvolvimento da biotecnologia trouxe consigo “preocupações, decaráter ambiental, social e ético, a respeito de seus impactos” (ALBAGLI,1998, p. 104). Logo após a descoberta da tecnologia do DNA recombinante, noinício da década de 70, segundo informações do relatório da Royal Society ofCanada (2001), a comunidade científica estava apreensiva quanto aos riscosque poderiam afetar a saúde humana e o meio ambiente.

Contra essa insegurança, segundo Berg et al. (1975 apud ROYALSOCIETY OF CANADA, 2001) a comunidade científica se auto-impôs umamoratória nas pesquisas com DNA recombinante até que fossem desenhadas asdiretrizes para se apurar seguramente os riscos dessa nova tecnologia.

Sistemas regulatórios foram então desenvolvidos para garantir asegurança tanto da população, como do meio ambiente natural. Porém, essessistemas foram desenvolvidos sobre conhecimento acumulado em trabalhoscom microrganismos, geralmente produzidos e mantidos em sistemas decontenção, em laboratórios e/ou biorreatores, e que, segundo a Royal Society ofCanada (2001) estariam longe de representar as situações reais experimentadasna produção e manejo em meios externos de plantas ou animas geneticamentemodificados, organismos muito mais complexos.

Segundo Albagli (1998), desde o final da década de 80, os organismosgeneticamente modificados – OGMs têm sido um dos maiores alvos das atuaisdiscussões sobre segurança. O fato de que estes organismos nunca existiram nanatureza e a preocupação com sua introdução intencional ou não intencional nomeio ambiente “vem sendo considerada um perigo potencialmente exacerbadoa mil, se comparado com os impactos já comprovados da introdução deespécies exóticas no ambiente” (ALBAGLI, 1998, p. 104-105).

Ainda segundo essa autora, muito embora a ciência esteja avançando nomapeamento genético das espécies, em termos de segurança ainda se sabe

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muito pouco. A quebra da barreira entre as espécies pela introdução artificialde genes e a troca de informação genética entre espécies não aparentadas,acabou “tornando imprevisíveis os impactos que esses experimentos podemcausar ao escaparem para o meio ambiente” (ALBAGLI, 1998, p. 105).

Para a Royal Society of Canada (2001), os “Governos têm sido forçadosa lidar com esses desafios, e temas como equivalência substancial e princípioda precaução têm dominado os debates” (IDEM, 2001, p. 34).

1. FLUXO GÊNICO

Segundo Torres et al., fluxo gênico é a “capacidade de troca natural degenes entre organismos relacionados” (TORRES et al., 2000, p. 53).

Nodari e Guerra (2001), consideram que o fluxo gênico pode ser umaforma de “poluição genética”, cujos efeitos da transferência vertical ouhorizontal de genes podem ser considerados uma grave ameaça ao meioambiente.

A transferência vertical “refere-se ao acasalamento sexual entreindivíduos sexualmente compatíveis, geralmente da mesma espécie e,raramente, de espécies afins” (NODARI; GUERRA, 2001, p. 93).

Celec et al. (2005) conceituaram transferência horizontal de genes comoo movimento da informação genética (DNA) entre células e organismos poroutros meios além da reprodução sexual. Este processo possibilitaria atransferência de DNA ou parte dele entre organismos incompatíveissexualmente e romperia a barreira das espécies e dos reinos.

1.1 Transferência vertical de genes

Este trabalho vai se limitar a uma breve apresentação do estudoconduzido pela Agência Ambiental Européia sobre o fluxo gênico entre plantase suas aparentadas portanto restrito ao âmbito da transferência vertical degenes. Essa questão se torna relevante à medida que o Brasil investe cada vezmais em uma vocação agrícola e se depara com a problemática da coexistênciaentre suas culturas.

A Agência Ambiental Européia – EEA (2002) se revela igualmenteapreensiva quanto aos impactos agronômicos negativos provenientes datransferência de características de uma cultivar GM para outra convencional,

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que podem “reduzir a qualidade da variedade convencional e orgânicaocasionando alterações de performance e de mercado” (EEA, 2002, p. 10-11).

Apesar dos poucos estudos sobre invasibilidade no meio ambiente deespécies domesticadas com características GM, a Royal Society of Canada(2001) afirma que é pouco provável que a cultivar GM se torne invasiva, “istoporque, a maioria das espécies cultiváveis de hoje (milho, arroz, trigo, grãos)foram submetidas a intensos processos de seleção artificial por longos períodospara características com baixa sobrevivência sobre a maioria das condiçõesnaturais” (ROYAL SOCIETY OF CANADA, 2001, p. 121). Porém, aindasegundo este relatório, a possibilidade aumenta para os casos em que a cultivartem um curto histórico de domesticação por processos de seleção artificial,como é o caso daquelas utilizadas em horticulturas, florestais e pastagem.Neste caso, a cultivar mantém vários traços comuns com suas parentassilvestres, aumentando as chances de transferência das características GM.

No Canadá, Derksen e Watson, 1999; Downey, 1999; Topinka et al.,1999 (apud ROYAL SOCIETY OF CANADA, 2001) relataram casos decanola, que é uma cultivar com histórico de domesticação relativamenterecente, que evidenciaram o cruzamento dessa cultivar resistente a diferentesclasses de herbicidas, resultando em plantas com múltiplas resistências, emalguns casos, resistência dupla e tripla, forçando ao manejo com antigosherbicidas, “alguns dos quais menos benignos ao meio ambiente do que osnovos”. (ROYAL SOCIETY OF CANADA, 2001, p. 122 -123).

O professor Ignácio Chapela (2001) da Universidade de Berkeley, nosEstados Unidos divulgou um estudo no qual detectou a presença de milho devariedades geneticamente modificadas em plantações convencionais noMéxico.

Segundo informações da GMO Compass (2005), a contaminação dasculturas convencionais pelas OGMs, pode ocorrer de várias maneiras: pelasemente, por polinização cruzada, no transporte, na estocagem ou noprocessamento.

Para a EEA (2002) outra preocupação está em descobrir se a cultivarGM possui parentes silvestres e a probabilidade de cruzamento entre eles.Segundo a EEA (2002), a possibilidade de hibridação2 da cultivar GM com

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2 Hibridação é “o cruzamento de indivíduos geneticamente não semelhantes” (EEA, 2002, p. 12). Segundo a EEA (2002) ahibridação é fator importante na evolução das espécies, e, muito embora, a espécie originada muito frequentemente serestéril, existe a possibilidade da população se desenvolver.

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parentes selvagens e a introgressão3 de características GM de resistência aherbicidas pode fazer com que a planta silvestre se torne uma ameaçaeconômica como erva daninha ou uma ameaça para o meio ambiente comgrande capacidade de competição nas comunidades naturais. Esta transferênciade pólen entre a cultivar GM e parentes silvestres “pode levar à criação desuper-ervas daninhas” (LUTMAN, 1999 apud ALTIERI; ROSSET, 1999).

Segundo a EEA (2002), a possibilidade de introgressão de genes deplantas GM em algumas espécies selvagens é real em razão da compatibilidadesexual com certas variedades comerciais.

O fluxo gênico entre mesmas cultivares de plantações próximas “é umfenômeno natural” (UNIAO EUROPEIA, 2005) e a maior implicação está emgarantir ao produtor rural o direito de escolha do sistema de produçãoconvencional, orgânico ou transgênico (coexistência).

1.2 O estudo da Agência Ambiental Européia sobre coexistência esuper-ervas daninhas

Em 2002, a EEA publicou relatório descrevendo o comportamento dofluxo gênico de algumas variedades geneticamente modificadas (canola,beterraba, batata, milho, trigo, cevada e algumas frutas) que poderá serutilizado pelos Estados na formulação de políticas públicas sobre coexistência.

Este estudo, segundo a EEA (2002), foi proposto como um projetoespecial para o Parlamento Europeu em 2000, sobre tecnologias queenvolvessem complexidade científica e incertezas, como é o caso dos OGMs edos produtos químicos. O propósito era fazer com que esses resultadoschegassem até a população e seus representantes para serem utilizados comoferramentas de decisão política e aplicação do princípio da precaução.

Segundo a EEA (2002), a fim de reduzir trabalho e evitar a duplicidadede resultados, sua equipe de pesquisadores se uniu à Fundação Européia deCiência (ESF, sigla em inglês), que já possuía um trabalho sobre OGMsdenominado “Avaliação do Impacto de Plantas GM”, de 1999, e teve aparticipação de cientistas de mais de 10 países, para revisar e atualizar os dadosjá obtidos até o momento por este estudo.

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3 Introgressão é a “incorporação gradual de genes de uma espécie para outra, mediante cruzamento entre dois progenitores,gerando um híbrido que é retro cruzado, diversas vezes, com uma das espécies parentais” (TORRES et al., 2000, p. 69).

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As variedades foram escolhidas em razão do grande volume de produçãoGM, bem como por “estarem prestes de serem liberadas comercialmente naUnião Européia” (EEA, 2002, p. 7).

Segundo este estudo (EEA, 2002), as variações nos níveis de fluxogênico das variedades analisadas dependem de diferentes características deprodução de pólen, dispersão e capacidade de autocruzamento, conformeTabela 1.

TTAABBEELLAA 11 –– VVAARRIIAAÇÇÕÕEESS NNOOSS NNÍÍVVEEIISS DDEE FFLLUUXXOO GGÊÊNNIICCOO PPOORR VVAARRIIEEDDAADDEESS DDEE PPLLAANNTTAASS GGMM

ESPÉCIES FREQÜÊNCIA DE FLUXO GÊNICO EM CRUZAMENTOS

PARA A MESMA ESPÉCIE PARA ESPÉCIES APARENTADAS

CANOLA Alto Alto

BETERRABA Médio para Alto Médio para Alto

MILHO Médio para Alto São desconhecidos

parentes silvestres na Europa

BATATA Baixo Baixo

TRIGO Baixo Baixo

CEVADA Baixo Baixo

MORANGO, MAÇÃ, UVA, P SSEGO Médio para Alto Médio para Alto

AMORA, FRAMBOESA, GROSELHA Médio para Alto Médio para Alto

Fonte: (EEA/SWEET apud EEA, 2002, p. 9)

O relatório apontou os seguintes fatores que podem afetar a dispersão dopólen e a polinização cruzada das espécies (EEA, 2002, p. 11-12):

• tamanho da fonte de emissão do pólen e dispersão;• vetores de polinização;• fatores ambientais (tempo, ambiente local e barreiras físicas);• viabilidade do pólen e habilidade competitiva;• níveis de cruzamento da espécie, e• grau de sincronismo na floração.

Segundo o estudo da EEA (2002), as principais alterações genéticas dacanola foram a introdução de genes que conferiram tolerância a herbicidas e amodificação da quantidade e o tipo de óleo produzido. Esta cultivar foiconsiderada “de alto risco para fluxo gênico, tanto para a mesma espécie como

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para aparentadas silvestres. Em escala de plantio, pequenos níveis de fluxogênico vão ocorrer em longas distâncias e por isso um completo isolamentogenético será difícil de manter” (EEA, 2002, p. 7). No pós-plantio, é previsívela ocorrência de “plantas que carreguem genes de múltipla resistência” sendonecessário o manejo “com diferentes herbicidas” (Ibidem, p. 7). O relatórioreconhece outros estudos que evidenciam que o pólen da canola pode serdisperso pelo vento ou por insetos e permanecer viável mesmo após “distânciasconsideráveis” (EEA, 2002, p. 16). Segundo Mesquida e Bernard (1982 apudEEA, 2002), o pólen da canola pode permanecer viável por um período de 24horas a até uma semana. Ramsay et al. (1999 apud EEA, 2002) realizaram umapesquisa na Escócia sobre colônias de abelhas e verificaram que esses insetospoderiam ser encontrados forrageando sobre plantações a 5 quilômetros dacolméia. Com esta constatação, foi possível prever que “teoricamente existeum potencial para que o pólen (da canola) seja transferido por distâncias de até10 quilômetros pela mistura de abelhas forrageando em diferentes direções apartir da colméia” (EEA, 2002, p. 16). Segundo modelos de sistemasprodutivos propostos por Colbach et al. (1999 apud EEA, 2002), o plantio decanola GM em uma área de fazenda, pode levar à formação de bancos desementes e ocorrência voluntária de população de canola em outra parte dessasterras. O relatório concluiu que a “criação de erva daninha tolerante a herbicidaé possível” (EEA, 2002, p. 56) em razão do alto risco de hibridação davariedade GM com suas aparentadas silvestres, bem como a possibilidade deintrogressão nestas espécies. Para produção agrícola, o isolamentorecomendado de 100 metros “manterá níveis de polinização cruzada abaixo de0,5% na maioria das culturas férteis” (EEA, 2002, p. 56).

Segundo a EEA (2002), a beterraba foi modificada geneticamente paradesenvolver resistência a herbicidas e a vírus. Uma nova variedade resistente ainsetos ainda “está em estágio muito preliminar de desenvolvimento” (Ibidem,p. 27). A beterraba é considerada “de médio a alto risco para fluxo gênico, tantopara a mesma espécie como para aparentadas silvestres. Foi registrado altonível de pólen de beterraba a distâncias de mais de 1 quilômetro com relativafreqüência” (EEA, 2002, p. 7). Também foi relatada a ocorrência de hibridaçãoe introgressão entre a beterraba cultivada e uma aparentada silvestre, quetornariam “mais difícil para controlar com tratamentos químicos” (EEA, 2002,p. 57). Apesar de a beterraba ser polinizada por insetos, Vigouroux et al. (1999apud EEA, 2002) concluíram que o vento é seu maior polinizador. Delanoy etal. (2000 apud EEA, 2002) estudaram a persistência da semente de beterraba

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no solo e constataram que com “um único cultivo de beterraba GM o banco desementes começa a reduzir somente após 15 a 20 anos” (Delanoy et al., 2000apud EEA, 2002, p. 32-33).

A batata recebeu genes para resistência a fungo, a bactéria, insetos,nematóides e herbicidas, teve o conteúdo de amido alterado e inseridos geneslonga-vida. Foi considerada uma cultivar com “baixo risco para fluxo gênico,tanto para a mesma espécie como para aparentadas silvestres” (EEA, 2002, p.7). A razão está, segundo este relatório, no fato de que a “muda” semeada nãosofre qualquer influência de novo pólen. Por outro lado, as áreas de produçãode sementes foram consideradas de alto risco em razão da “probabilidade depolinização cruzada” (Ibidem p. 7-8). Nos estudos sobre a dispersão do pólen,“a maioria dos estudos de campo detectou pólen a uma distância máxima de 20metros da fonte de origem” (Ibidem, p. 37). Quanto à hibridação e introgressãonatural, o relatório conclui que é improvável que ocorra na Europa.

Diferentemente das outras variedades transgênicas, o processo detransformação genética do milho, segundo a EEA (2002), utilizou a técnica debiobalística, porque não foi muito fácil conseguir a alteração utilizando osrecursos da Agrobacterium. “Muitas construções contêm marcadores seletivosresistentes a antibióticos, tolerância ao glufosinato, glifosato e bialafos” (EEA,2002, p. 38). E a introdução do gene do Bacillus thuringiensis que expressauma toxina “representa uma mudança significante nas práticas de manejo depragas” (Ibidem, p. 38). Segundo o relatório, esta variedade apresenta “demédio a alto risco para fluxo gênico para a mesma espécie” (Ibidem, p. 8).Estudos apontados pela EEA (2002) verificaram a possibilidade de cruzamentode milho GM com convencional a uma distância de até 800 metros da culturaGM, acima e muito além daquela distância de isolamento de 200 metrosrecomendada. Os estudos de Emberlin (1999 apud EEA, 2002) verificaramainda que o pólen do milho pode se conservar viável de 24 horas a alguns dias,dependendo das condições climáticas. O relatório indica que “os 200 metros dedistância recomendados para isolamento manterão a pureza de 99% na maioriados casos” (Ibidem, p. 57) e constatou que o milho tem poucas chances desobrevivência fora do cultivo e não foram identificadas espécies silvestres naEuropa que pudessem com ele hibridizar.

As características alteradas no trigo foram a introdução de genes deresistência a fungos e a insetos, bem como manipulação do ciclo de vida equalidade dos grãos, em especial “melhorando as características de cozedurada farinha” (EEA, 2002, p. 44). Segundo o relatório, o trigo “pode ser descrito

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como uma variedade de baixo risco para fluxo gênico, tanto para a mesmaespécie como para aparentadas silvestres” (Ibidem, p. 8), em razão dapolinização cruzada dessa espécie não ultrapassar os 2% da florada fazendocom que cruze, segundo o relatório, apenas com as plantas bem próximas.Contudo, a EEA (2002) registra que já foi verificada a ocorrência depolinização cruzada a 20 metros da origem.

A cevada, nos últimos anos foi cultivada em 91 milhões de hectares pelomundo, segundo Mathre (1997 apud EEA, 2002), sendo considerado o quartocereal mais cultivado pelo mundo, depois do trigo, milho e arroz. SegundoDoE (1994 apud EEA, 2002), as alterações genéticas têm envolvido melhoriade rendimento e resistência a doenças, bem como “modificação na composiçãodo amido” (Mannonen et al. apud EEA, 2002, p. 46). O relatório considerou acevada uma variedade com “baixo risco para fluxo gênico, tanto para a mesmaespécie como para aparentadas silvestres” (EEA, 2002, p. 8), em razão da suareprodução ser por autofertilização e da “baixa produção de pólen, fazendocom que a polinização cruzada ocorra entre plantas vizinhas” (Ibidem, p. 8).No entanto, alguns poucos eventos de polinização cruzada foram verificados auma distância de 60 metros da origem, mas mesmo assim a EEA (2002) sugereque uma barreira de isolamento de 1 metro seria suficiente para manter níveisaceitáveis de contaminação.

Com relação às frutas, a EEA (2002) entende que é possível que paramorango, maçã, uva e pêssego “ocorra fluxo gênico de espécies GM paramesmas espécies como para aparentadas silvestres” (EEA, 2002, p. 8) emrazão das tendências de polinização cruzada e hibridação dessas espécies.

E, finalmente, para amora, framboesa e groselha, o estudo concluiu queé “mais difícil de prever” (EEA, 2002, p. 8) a probabilidade de ocorrência defluxo gênico, em especial pela indisponibilidade de informações, mas em razãodas características reprodutivas dessas espécies é provável que ocorra.

Na intenção de minimizar o fluxo gênico entre mesmas culturas, a EEA(2002) recomenda algumas ações na agricultura:

• revisão das atuais distâncias de isolamento para algumas culturas;• ampliação da distância de isolamento das culturas GM em

comparação àquelas convencionadas para culturas não GM;• uso de barreiras vegetais, principalmente para culturas onde se deseja

preservar a pureza da espécie;

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• troca de informações sobre as práticas agrícolas de culturas utilizadasentre os agricultores para facilitar o manejo;

• utilização de sistemas de manejo para reduzir a dispersão desementes GM e formação de bancos de sementes e populaçãoespontânea;

• remoção de populações espontâneas GM antes do plantio de culturasnão GM, e

• estímulo ao desenvolvimento de métodos biológicos de restrição dedispersão de OGMs.

No controle de fluxo gênico para parentes silvestres, a EEA (2002)recomenda mais pesquisa nas seguintes questões:

• níveis de hibridação e introgressão entre espécies convencionais eparentes silvestres, bem como o comportamento do híbrido;

• identificação geográfica da distribuição das espécies GM e todas asespécies silvestres com as quais exista a possibilidade de hibridação;

• as circunstâncias e o comportamento da transferência de genes nasdiferentes espécies para possibilitar o entendimento dos princípiosecológicos envolvidos;

• estudo da estabilidade da expressão gênica em diversas gerações eem diferentes genótipos, e

• elaboração de protocolos para teste sobre os efeitos dos transgenessobre os híbridos para permitir o extermínio de parentes silvestres eavaliação de risco caso a caso.

O relatório sugere o desenvolvimento de sistemas de contenção físicase/ou biológicas como métodos de controle da dispersão de pólen.

Como barreira biológica, a EEA (2002) aponta para alguns estudos queestão em andamento e considera a possibilidade de inibição da floração até aadoção de tecnologia que torne a semente estéril (Terminator).4 Esta última

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4 A tecnologia Terminator, também conhecida por “GURTS”, sigla em inglês para Genetic Use Restriction Technologies, é umsistema de proteção de gene que consiste na esterilização das sementes transgênicas. A primeira patente desta tecnologiafoi obtida em 1998 pela Delta and Pine Land Company, uma sementeira de algodão norte-americana, que trabalhou emconjunto com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

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proposta é vedada no Brasil pela Lei 11.105/055 em consonância com a Lei10.711/05,6 por impedir que as sementes sejam reservadas pelo agricultor e porele plantadas na próxima safra.

Zonas de isolamento e barreiras vegetais são formas físicas para contero fluxo gênico. O isolamento consiste na criação de um cinturão ao redor dacultura GM sem cobertura vegetal ou o plantio de uma cultura qualquer quenão permita polinização por insetos, de modo a desencorajar a saída dessesinsetos polinizadores da área plantada com OGM. Enquanto que por barreiravegetal se entende a “margem de cultura não GM da mesma espécie plantadaao redor da variedade GM com o objetivo de ‘absorver’ o pólen GM” (EEA,2002, p. 61).

1.3 Regulamentando a coexistência

Na tentativa de solucionar o problema de coexistência de culturas, aUnião Européia acrescentou o artigo 26 “a” à diretiva 2001/18/CE, que prevê“medidas para evitar a presença não intencional de OGMs em lavouras devariedades de plantas convencionais” (UNIÃO EUROPÉIA, 2001).

Em julho de 2003, a Comissão Européia publicou diretriz, determinandoque cada país-membro adotasse regras de coexistência de cultivo orgânico,convencional e geneticamente modificado para “garantir que todas as práticasde produção estivessem disponíveis para os produtores rurais europeus” (U.S.MISSION TO THE EUROPEAN UNION, 2005).

Segundo informações da GMO Compass (2006), Portugal e Alemanha jápossuem regras para coexistência e Espanha, República Tcheca e França terãoimplementadas as suas em 2006.

Segundo a U.S. MISSION TO THE EUROPEAN UNION (2005), ospontos mais importantes dessas diretrizes são:

• as medidas de coexistência devem ser eficientes, economicamenteviáveis e proporcionais;

• a escolha dessas medidas deve considerar aspectos regionais e locaisbem como as características naturais da cultura;

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5 Denominada Lei de Biossegurança, que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades queenvolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados e dá outras providências.

6 Dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas e dá outras providências.

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• os Estados-membros devem verificar se seus sistemas legais atendemas questões sobre responsabilidades por contaminação de lavouras, e

• devem ser considerados os seguintes fatores no desenvolvimento deestratégias nacionais: nível pretendido de coexistência; tipos decontaminação (escape gênico, contaminação de culturas, plantasvoluntárias).

Em março de 2006, a Comissão das Comunidades Européias publicourelatório que encaminhou para o Conselho e para o Parlamento Europeu sobrea aplicação de medidas nacionais sobre a coexistência de culturasgeneticamente modificadas com culturas convencionais e orgânicas atualmenteadotadas pelos Estados-Membros. Segundo informação disponível na páginada web da União Européia (2006), este relatório teve por base a análise daslegislações nacionais em vigor e dos projetos de lei sobre coexistência, bemcomo informações obtidas junto a peritos pertencentes à Rede de Coordenaçãosobre Coexistência – COEX-NET, que conduziram para a conclusão de que háainda grande disparidade entre as medidas nacionais adotadas pelos Estados-Membros atribuída, segundo o relatório (União Européia, 2006), à limitadaexperiência com culturas GM confinada a certas regiões da Comunidade. Alémdas características regionais próprias dos Estados-Membros, a fragmentaçãodas investigações científicas sobre coexistência também contribui para amultiplicação de medidas nacionais.

Mais recentemente a Comissão Européia associada a outros Institutos dePesquisa publicou estudos sobre a presença não intencional de característicasGM em culturas não GM de milho, beterraba e algodão. Este estudo, segundoMessean et al (2006) foi baseado em modelos de simulação e pareceres deperitos e admitiu a possibilidade de coexistência entre culturas GM e não GMdentro dos parâmetros de 0,9% de presença não intencional, determinados pelalegislação da União Européia. Ficou como recomendação a adoção de certasmudanças nas práticas agrícolas para as culturas de milho, principalmente,como a ampliação da área de isolamento de 200 a 300 metros para 400 a 600metros.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema legal deve estar bem aparelhado para prever os casos decontaminações acidentais e evitar o risco de ações judiciais serem movidaspelas empresas de biotecnologia detentoras de patente sobre as sementes contraagricultores que tiverem suas lavouras contaminadas acidentalmente.7

Muito embora os esforços no sentido de criar mecanismos legais etécnicos para consolidação da coexistência dos diferentes sistemas de cultura(GM, convencional e orgânica), o relatório elaborado sob os auspícios daComissão Européia revelou que manter o limite de 0,1% (para orgânicos) depresença de OGM nas culturas convencionais ou orgânicas “será extremamentedifícil de ser alcançado para qualquer tipo de plantação nos cenáriosconsiderados (10% e 50% de OGMs na região), mesmo se adotadas mudançassignificativas nas práticas agrícolas” (Bock et al., 2002, p. VI), porém, se foremconsiderados os limites de 0,3% (produção de semente) e 1% (produção dealimento e ração) seria “possível tecnicamente mas economicamente inviávelem função dos custos e da complexidade das mudanças associadas” (Ibidem,p. VI).

Segundo matéria divulgada pelo Instituto de Defesa do Consumidor(2005), a Emília Romana, na Itália, maior região produtora de orgânicos daEuropa, sediou em setembro de 2005, uma conferência internacional paradiscutir as políticas de coexistência de culturas GM, convencionais e orgânicasem razão das novas diretrizes adotadas pela União Européia. Presentes juristas,cientistas, agricultores, ambientalistas de várias partes do mundo o objetivo eraa troca de informações na tentativa de encontrar uma fórmula benéfica paratodos. Segundo a representante do IDEC (2005) nos dois últimos painéis foramdiscutidas medidas para efetivar a coexistência e zonas livres de transgênicos.

O Brasil, igualmente, precisa enfrentar o desafio da coexistência não sópara garantir aos produtores rurais o direito de escolha, mas, principalmente,estabelecer níveis de segurança a fim de preservar as espécies endêmicas,como o algodão.

Estudos como estes desenvolvidos pela Agência Ambiental Européia eincentivados pela Comissão Européia devem inspirar o Brasil a fomentarpesquisas de instituições científicas para, pelo menos, estabelecer as distâncias

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7 Ver caso Monsanto x Percy Schmeiser, no Canadá. Disponível em: <http://www.percyschmeiser.com/>. Acesso em: 10 nov.2005.

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para as zonas de isolamento e as barreiras apropriadas para as realidadesambientais do país.

O zoneamento ambiental, um dos instrumentos criados no Brasil (1981)pela Política Nacional do Meio Ambiente, certamente seria um outro caminhopara enfrentar a coexistência entre os diferentes tipos de culturas peloterritório. A declaração de zona livre de GM igualmente seria uma alternativapara os produtores de cultivares convencionais e orgânicas, a exemplo do queo Governo do Paraná tentou recentemente em seu Estado.

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PARTE II

ALIMENTO E BIODIVERSIDADE: FUNDAMENTOS DE UMA NORMATIZAÇÃOCCrr iisstt iiaannee DDeerraannii .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..55 33

1. Alimento, uma questão de cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .542. Produção de alimentos: ciência e mercado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .623. Produção de alimentos: ciência e riscos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .664. Produção de alimentos: Direito, uniformidade e diversidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .705. Caminhos escolhidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .73

AMAZÔNIA: OLHAR O PASSADO, ENTENDER O PRESENTE, PENSAR O FUTUROOOzzóórr iioo JJoosséé ddee MMeenneezzeess FFoonnsseeccaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..88 77

1. História geológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .882. Amazônia continental atual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .963. Amazônia brasileira: Amazônia Legal e Região Norte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1064. As diversidades amazônicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1165. O Amazonas como exemplo de Estado amazônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .121

PROPRIEDADE INTELECTUAL E ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: A APLICABILIDADE DA LEI E O PAPEL DASECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO AMAZONAS.SSeerrgguueeii AAii llyy FFrraannccoo ddee CCaammaarrggoo || GGeenniissee ddee MMeelloo BBeenntteess || FFaabbiiaannaa ddooss SSaannttooss ee SSoouuzzaa .. ..114477

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1481. Contexto político e desafios para o Estado do Amazonas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1522. Rede Norte de Propriedade Intelectual, biodiversidade e conhecimento tradicional:

um breve histórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1533. Principais resultados obtidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1554. Discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1595. Constatações finais e recomendações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .162Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .164

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ALIMENTO E BIODIVERSIDADE:FUNDAMENTOS DE UMA

NORMATIZAÇÃO

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* Doutora em Direito Econômico Ambiental. Professora do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidadedo Estado do Amazonas e do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Católica de Santos.

Resumo: A produção de alimentos estádiretamente ligada à relação do homem comseu meio e a cultura na qual ele está imerso ea que ele reproduz por suas práticas. A ciênciaé um facilitador da produção. Técnicas sãodesenvolvidas atuando diretamente sobre omodo de produção de alimentos. O direito temum papel de estimular e limitar a introduçãode novas tecnologias, construindo uma basequase que invisível para a formação de hábitosalimentares. Documentos internacionais orien-tam a relação entre direito, ciência, produçãode alimnetos e mercado, seja estimulandonovas tecnologias como valorizando formastradicionais de produção. Eles apontam abusca do equilíbrio entre tradição e tecnologiapara a conservação da ócio-biodiversidade.

Palavras-chave: Alimento; biodiversidade;direito ambiental internacional.

Abstract: The production of food is directlylinked to man’s relationship with hisenvironment and culture in which he issubmerged and the one that he reproduces fortheir practices. The science is a facilitator ofthe production. Techniques are developedacting on the way of production of food. Thelaw acts in order to stimulate and to limit theintroduction of new technologies, building abase for the formation of alimentary habits.International documents guide the relationshipamong right, science, production of food andmarket, stimulating new technologies asvaluing traditional forms of production. Theypoint out the search of the balance betweentradition and technology for the conservationof the socio-biodiversity.

Key words: Food; biodiversity; internationalenvironmental law.

Cristiane Derani*

Sumário: 1. Alimento, uma questão de cultura; 2. Produção de alimentos: ciência e mercado; 3.Produção de alimentos: ciência e riscos; 4. Produção de alimentos: Direito, uniformidade ediversidade; 5. Caminhos escolhidos.

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... a passagem do cru ao cozido, tem a ver com o conhecimento.

... A santa Ceia não consagrou a uva nem o trigo. Ela dá atençãoàs coisas comidas, degustadas, feitas, compostas, que o calormodificou. [...]

A natureza, por uma única vez, não faz as coisas tão bem quantonós. O saber fazer magnifica o dado: este, cru, continua subordem.O aroma do café tostado faz os músculos e a pele, desde de manhãcedo, estremecerem de contentamento, os perfumes do assado queantecede um pouco o tostado, deslumbram os espíritos,...Nãocompreendo bem a cultura da fervura,... e vivi o bastante na ondade uma fast food para conhecer a ignomínia da cultura. [...]

O fogo funde mais coisas juntas. O cru dá simplicidades tenras,frescores elementares, o cozido inventa coalescências. A análise,ao contrário, fatia ou recorta cruamente, a síntese pede chamas.Esta, por conseguinte, inclina-se para o lado do saber e dacultura, a primeira permanece da natureza bruta. (Michel Serres.Os cinco sentidos, pp. 167/8)

1. ALIMENTO, UMA QUESTÃO DE CULTURA

O alimento nutre o corpo, a mente, o espírito e o modo de produção.“Toda existência humana decorre do binômio Estômago e Sexo. A Fome e oAmor governam o mundo, afirmava Schiller”.1

A produção de alimentos está diretamente ligada à relação primordial dohomem com seu meio e a cultura na qual ele está imerso e a que ele reproduzpor suas práticas.

O que é produzido, como, a que destino é definido pela cultura, a partirda capacidade desenvolvida de reconhecimento e controle do meio em que seestabelece uma sociedade.

Cada cultura em seu ambiente desenvolve práticas alimentares que seconstroem do cultivo ao consumo. As etapas do preparo do alimento sãopráticas coletivas de cultivo/ criação, transformação e preparo.

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1 Cascudo, L.da C. História da Alimentação no Brasil, 3.ª ed., São Paulo, Global editora, 2004, p. 17.

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Com exceção do preparo que ocorre (porém não exclusivamente) naesfera privada, as demais etapas são socializadas, i.e. envolvem a participaçãode pessoas integradas em relação de emprego, parceria etc. É ilusório pensarque o ato cotidiano de alimentar-se seja uma decisão pessoal. A cada opção porrefeição, é invocado um processo coletivo construído na esfera pública, pordecisões políticas, econômicas, administrativas. A refeição do dia sacia oapetite pessoal, remunera uma cadeia de produção, circulação e venda, e, naraiz de tudo, satisfaz a opção política, tecnológica e de investimento que vemorientando a oferta de determinados produtos para o consumo humano.

A relação do modo de produção de alimentos com a formaçãoeconômica e política de uma sociedade é inexorável, demonstrada pelashistórias das distintas civilizações. O alimento não apenas é responsável pelacompleição física do indivíduo, mas constrói o corpo coletivo de umasociedade. Jarred Diamond vincula a formação da política à disponibilidadealimentar. Para o autor, a condição de caçador-coletor tende a não permitir aespecialização da sociedade com chefes e outros especialistas. Ao contrário, aformação da agricultura, a estocagem e a sedentarização puderam criarcondições para a formação de um corpo político, sustentando chefes reis, sendode grande importância para alimentar soldados profissionais, decisivo nasguerras de conquista.2

Este autor esclarece a relação estabelecida entre produção de alimento epolítica atual:

O desenvolvimento da agricultura é hoje um esforço consciente ealtamente especializado, realizado por cientistas profissionais.Eles já conhecem centenas de culturas e continuam desen-volvendo outras. Para atingir esse objetivo, plantam sementes eraízes, de vários tipos, selecionam os melhores produtos eplantam suas sementes, aplicam o conhecimento de genética paradesenvolver boas variedades e talvez usem até as técnicas maisrecentes da engenharia genética para transferir alguns genesespecíficos.3

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2 Cf. Diamond, J. Armas, Germes e Aço. 6.ª Ed. Rio de Janeiro, editora Record, 2005, p. 88.

3 Diamond, J. Armas, Germes e Aço. 6.ª Ed. Rio de Janeiro, editora Record, 2005, p. 114.

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A questão da produção de alimentos, ontem como hoje, não é umasimples resposta à necessidade alimentar, que se responderia quase que porcaminhos aleatórios, segundo disposições ambientais. A produção de alimentos(o que, como, quanto, para quem é produzido) é uma decisão de ordem políticae econômica, determinante para os rumos políticos e econômicos de umasociedade. A complexidade da sociedade, estratificada em esferas distantes dedecisão política e econômica, permite muito pouco a influência de gostos epaladares individualizados. A ocupação da área cultivável de um país, opreenchimento de prateleiras de grandes mercados de alimentos, os aditivos(conservantes, corantes, estabilizantes, etc) que comporão a alimentação, nãosão respostas a demandas individuais, mas respondem à lógica complexa deprodução e circulação e remuneração da atividade econômica.

Parece, a princípio, estranha a afirmação de que a decisão pelo prato dodia esteja distante do sujeito faminto. Todavia, é importante lembrar que, talveza alimentação seja uma das ações mais sensíveis a construção da cultura. Nomomento que a orientação cultural é fortemente influenciada pela forma dereprodução monetária e pelas decisõe s de expansão de mercados, os gostos eas relações em micro esferas de terrenos (terroirs), e costumes, não resistem àpublicidade convincente dos produtores de gostos e necessidades ‘prêt-à-porter’.

La imposicion de una metodologia de la acción social como sifuese la única, la universal, la racional, lleva consigo eldesprecio, la humillación y el deseo de exterminio del otro, deldiferente, del rival. Éste no es más que un bárbaro, un tártaro, unlobo estepario que odia los valores humanos y sus productosexcelsos, es decir, nuestra literatura, nuestra ciencia, nuestrosvalores, en fin, nuestros sentimientos delicados y refinados; todoello, en nombre de lo irracional, de lo anti-humano, de labarbarie.

A afirmação de uma cultura como a cultura nos remete ao “cierrecolonialista e imperialista que no sólo impone una sola forma de actuar a unnivel nacional, sino que se lanza a una expansión global de sus presupuestosparticulares como si fueran lo universal, lo racional, lo cientifico, lo ‘delicado’,dejando de lado toda investigación y toda reflexión acerca de la necesidad paratodo sistema de dominacion de ocultar bajo el concepto de ‘conflito cultural’

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lo que no es más que una exigencia de controlar los recursos materiales einmateriales y de obtener ventajas geoestrategicas de dominación”4

Por serem decisões que independem de necessidades e demandasindividuais de satisfação da fome e do paladar, as preferências individuaispouco têm para influir no processo macro de escolha do produto. Estasdecisões voltadas a questões políticas e econômicas deixam um rastroindelével sobre a segurança da saúde humana e do meio ambiente.

Alimentos são construídos originalmente por e para seres humanos, apartir das condições ambientais que lhes são oferecidas. O afastamento destascondições originárias tem provocado efeitos sobre a saúde humana e sobre oequilíbrio do ambiente de forma constante e crescente, chamando atenção dasociedade e especialistas. A persistência de efeitos negativos à saúde humana eao meio ambiente, desde a denúncia de Rachel Carson, há quarenta anos, só temaumentado com a intensidade de culturas e aprimoramento da produção comnovos agrotóxicos e modificações genéticas. Se até recentemente estes efeitoseram ignorados ou tomados como ‘preço do progresso’, hoje sua consideraçãodeve ingressar no processo de decisão de produção, pelo potencialdesestruturante que trazem, seja pela exaustão dos recursos naturais, seja pelascomprovações científicas de danos à vida causados por alimentos. Alimentosque negam a sua essência, que de força vital se comportam como ingredienteletal, têm chamado atenção da mídia, do meio intelectual e da sociedade civil,quando se defrontam com descobertas de elementos carcinogênicos, malesoriundos de produção intensiva como o mal da vaca louca, e mesmo a gripeaviária, mais um vírus que surge e ameaça a vida humana pelo contato intensivocom animais domésticos que, por sua vez desenvolveram a doença graças a umaconcentração gigantesca de aves em confinamento.

A fábrica de alimentos distante das relações pessoais de convívio,paladar e demandas ambientais, tem retirado das relações humanas umimportante momento para seu desenvolvimento e, o que lhe é essencial, parasolidez das redes de solidariedade, e cumplicidade afetiva. A comidaindustrializada tem, também, graças a isso, implicações ambíguas para a saúde.

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4 Flores, J.H. ....., p. 73.

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De fato, estas inovações na culinária devem-se às mudanças do mundodo trabalho, que altera as relações familiares, seja pelas modificações noshorários das refeições, como no tempo a ela dedicado.5

“A comunhão de comer junto é facilmente rompida por um aparato quelivra os habitantes do domicílio de ter de esperar pela hora das refeições. Aliadoàs refeições prêt-à-porter, o microondas possibilita o fim do cozinhar e do comercomo atos sociais. Há um grande risco de que a primeira grande revolução nahistória da comida esteja sendo desfeita. O companheirismo ao lado da fogueira,do caldeirão e da mesa comunitária, que ajudou a unir os seres humanos em umavida cooperativa por pelo menos 150.000 anos, pode estar sendo estilhaçado”.6

Além da relação direta entre produção de alimentos, construção deextratos sociais e desenvolvimento de produção econômica, os alimentostambém sempre mantiveram com deuses, com forças físicas e metafísicas. Sãocaminhos para a beleza, saúde, inteligência e espiritulaidade. Os tabusalimentares são preceitos religiosos estreitamente ligados à saúde pública ou adiferenciação social, e a origem e modo de cultivo de muitos alimentos sãoatribuídos a vontades divinas.

“Dietas e hábitos alimentares são inseparáveis do resto da cultura: emparticular, eles interagem com a religião, com a moral e com a medicina. Elesse conectam também com as percepcões espirituais em programas de comerpara ‘alimentar a alma’ e com ideais seculares como saúde, beleza e preparaçãofísica”. Em uma espécie de provocação, reclamando os poderes metafísicosdos alimentos ainda presentes na sociedade tecnológica e materialista,prossegue Fernandez-Armesto: “Os obcecados por comida saudável – ououtros adeptos de novidades que comem para ter beleza, energia mental,impeto sexual, tranquilidade ou espiritualidade – estão na categoria dos

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5 “Nos EUA e na Grã-Bretanha, o dia de quatro refeições já acabou há muito tempo. O almoço quase desapareceu em benefíciode um lanche diurno e um ‘jantar noturno’. Aquela instituição britânica – le fifoclock – quando ‘tudo pára para o chá’,desapareceu. Até na Alemanha e na Itália – países que almoçam – a refeição principal tem de ser feita nas cantinas dotrabalho para economizar tempo. Na Espanha é praticamente impossível imaginar a cultura nacional sobrevivendo se ohorário das refeições for modificado. Na década de 1920, a ditadura do general Primo de Rivera foi condenada quando eledecidiu ‘modernizar’ o horário das refeições espanholas em linha com a jornada de trabalho industrial, instituindo ‘almoçocom garfo às 11 horas da manhã’. Hoje as necessidades da economia moderna são satisfeitas na Espanha por meio de doisrecursos: o dia intensivo, que permite que a pessoa trabalhe continuamente das 8 horas da manhã às 3 da tarde, antes de seretirar para a refeição familiar tradicional, e o telefone celular, que significa que os que tirarem a hora de almoço podem estarem contato com o resto do mundo durante o longo descanso para o almoço”. Fernandez-Armesto, F. Comida – uma história.Rio de Janeiro, ed. Record, 2004, p. 320.

6 Idem, p. 324.

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canibais”.7 A relação existencial com o alimento está muito além damanutenção das funções vitais. O alimento é revelação dos deuses (mandioca,guaraná em lendas indígenas), é fonte de poder (chocolate) e caminho deencontro com o divino (ayhuasca). É momento de convívio, e meio deliberação do ser, como poeticamente nos ensina Horkheimer:

Quando alguém se pergunta, o que seria enfim a Liberdade (e nãosimplesmente no seu sentido político), responderia que ela pode serencontrada, em grande parte, nos diversos verdadeiros prazeres, ese pode ser feliz de diversas maneiras. Um exemplo para precisareste campo de experência é o vinho e o ato de degustá-lo, da formacomo o degustador o executa, que por si expressa todo um contextocultural de paladar e, sobretudo, traz a alegria. A palavra culturaestá ligada sobremaneira ao cultivo, crescimento, e degustação dovinho. A alegria torna o homem um homem melhor, que por si éfeliz, e que pode se alegrar e que enxerga inúmeras possibilidadepara a alegria, e menos para o rancor. E não é coincidência que apalavra gosto, mesmo para as coisas mais elevadas, mesmo paraos objetos de arte se torna prazer. Dizem de Kant e Goethe queforam grandes conhecedores de vinho, o que significa no entantoque quando estavam sozinhos, eles não se consumiam na inveja,mas tinham a possiblidade do prazer como ampliação deexperiências.8

Decisões voltadas a construir ou modificar hábitos alimentares atuampor sobre toda a estrutura das relações sociais, como se tocasse a peça inferiorda pirâmide de relações de uma sociedade. Todas as relações são movidas coma alteração na forma de alimentar-se e devem se reacomodar, em função daconstrução de novos comportamentos de interrelacionamento entre as pessoasna sociedade.

Um exemplo contundente deste papel transformador das relações sociaispelo ingresso de novos hábitos alimentares está na abertura da rota dasespeciarias pelo ocidente no século XVI. Este fato foi uma das maiores

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7 Idem, p. 59.

8 Horkheimer, M. Gesellschaft im Übergang. Frankfurt a/M, Fischer Verlag, 1981, pp. 127-8.

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intervenções militares do ocidente, que revolucionou a Europa e transformou omundo, devido à rota comercial de especiarias para a conservação de alimentos.

Para o mercado que germinava na urbanização e no capitalismo, aconquista de novos territórios e de rotas exclusivas necessita a conquista desabores diferenciados e exclusivos, que a exemplo dos deuses devem serrevelados apenas aos detentores do poder político, econômico, quiça religioso.As especiarias não eram uma necessidade de saúde pública.

“A idéia de que a demanda por especiarias era resultado da necessidadede disfarçar a carne ou o peixe contaminados é um dos grandes mitos da históriade comida. É um ramo do mito do progresso – a premissa de que as pessoas emépocas anteriores eram menos competentes, ou menos inteligentes, ou menoscapazes de prover suas próprias necessidades do que somos hoje. Na verdade, émais provável que os alimentos frescos na Idade Média fossem mais frescos queos de hoje, pois eram produzidos localmente; além disso, embora fossempreservados de maneiras diferentes – pela salga, pela conserva em salmoura ouvinagre, por dessecamento – os alimentos em conserva daquela época eram tãobem preservados quanto os nossos na idade das latas, da refrigeração e docongelamento a seco (uma técnica que, a proposito, já era conhecida naAntiguidade e foi desenvolvida a um alto nível pelos plantadores de batataandinos naquilo que consideramos como Idade Média). O fato de não seremtratados com fertilizantes químicos também fazia com que tanto os alimentosfrescos como os conservados provavelmente fossem mais sudáveis naquelesdias. De qualquer forma, o papel das especiarias na culinária era determinadopelo gosto e pela cultura. Uma cozinha rica em especiarias era cara e, portantosocialmente diferenciadora. Para aqueles com dinheiro suficiente para obte-la,ela era um luxo irrefutável. E era apreciada por ser uma característica quedefinia o modelo da haute cuisine da época, copiada dos árabes”.9

O alimento individualiza uma cultura e integra as civilizações em umcaldo colorido e saboroso, onde não se distingue o iniciador, o conquistador, odominador, o submetido, o destemido, o conservador. Somos convivas de umúnico banquete que não termina jamais. Compartilhamos todos o mesmorepasto da busca humana pela satisfação dos sentidos, e dos apetites corporaise espirituais, desenhada pela a alegoria do trajeto da pimenta dióica:

Cristóvão Colombo, buscando nova rota comercial chamou os nativosda América de índios e ao encontrar “a pimenta-da-jamaica, que viu em

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9 Fernandez-Armesto, opus cit. , p. 234.

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abundância por toda a região, imaginou ter encontrado uma variedadeavantajada da pimenta-da-índia. Com sabores do cravo, da canela, da moscadae da pimenta, a frutinha redonda e marrom foi, de qualquer forma, umadeliciosa descoberta. Levada para a Espanha, seca e moída imprimiu seu buquêde perfumes a pratos doces e salgados. Os árabes a misturaram ao cominho(África), à canela (India), ao cravo (Molucas) e à pimenta-do-reino (Sudoesteda Índia) e criaram a pimenta síria ou tempero sírio”.10

Muito além de buscar a conservação de alimentos, satisfazer umrefinamento e reforçar um diferenciamento social, proporcionando à eliteproduções culinárias exóticas, que apartariam o nobre do camponês, a rota dasespeciarias modificou relações de comércio, produção e consumo, marcando oinício de uma nova forma de organização social que se espalharia econformaria o mundo contemporâneo.

Talvez seja difícil, imerso na cultura da utilidade, da abstração dossentidos pela maximização do proveito, a compreensão sobre a importância doprazer da degustação, e as guerras e os desafios que foram vencidos para asatisfação da aristocracia enriquecida e extasiada pelas vividas Cruzadas que,com o saque, trouxeram a experiência de outros modos de viver e ... comer.

Acredito que a mesma dificuldade assistiria à alta nobreza do séculoXVI e XVII quando ouvisse que, em outros tempos, a alta burguesia passahoras em esforço físico, fechada em salas cheias de peso e disciplina, e que,após isto, consome pílulas e alimentos ascéticos formados em laboratóriochamados funcionais, de maneira extremamente moderada, submetendo-se acirurgias para corrigir o que o esforço e a renúncia alimentar não foram capazesde obter.

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10 Um exemplo mais recente, porém não menos contundente sobre até que ponto a faina humana para prazeres do sabor eestratificação social correspondente, podem chegar está na saga do caviar trazida por Inga Saffron: “Para os europeus, muitoda sedução do caviar vinha de sua associação com a rica aristocracia russa.quando as estradas de ferro vulgarizaram asviagens de longa distância, os nobres russos começaram a aparecer cada vez mais em lugares como Paris e Berlin,arrastando zibelinas e criados. Os europeus ocidentais tinham um fascínio sem fim por seus excessos. (...)

“Na Rússia, comia-se caviar o ano todo apesar dos desafios de mante-lo fresco no calor. Cristãos ortodoxos devotos tinhamcaviar à mão para os quatro grandes períodos de jejum, que incluíam os 39 dias antes do natal e as quatro longas semanasda quaresma. (...) No reinado de Catariana, a grande, o caviar perdeu a associação com a autonegação e passou a serassociado definitivamente às fetividades da semana da Manteiga (Mardigras). O caviar passara do âmbito do sagrado aomundo material do profano”.

“Tendo transformado o caviar num luxo material, a classe alta russa inventou então os rituais para usufruir o privilégio”.,

Caviar pode não ser nada mais que ovos de peixe crus, porém, essa iguaria tem algo que faz as pessoas sonharem com outrosmundos e outras identidades”. Caviar a estranha história e o futuro incerto da iguaria mais cobiçada do mundo, Rio deJaneiro, Editora Intrínseca, 2004, p. 96 e 296.

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Disto se extrai, sem preconceito, que o tipo de alimento usufruído poruma sociedade revela uma discussão que está além de posições científicas ehigienistas sobre qualidade e propriedades alimentares. É uma discussãofilosófico-social-econômica sobre as relações de produção, distribuição,convívio e interação, desde o ponto de vista familiar até a estruturação dosmercados internacionais.

2 PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: CIÊNCIA E MERCADO

A ciência é um facilitador da produção. A partir do conhecimento dafísica, química, meteorologia, biologia, técnicas são desenvolvidas atuandodiretamento sobre o modo de produção de alimentos. Todavia, estas pesquisase conclusões não são aleatórias. O desenvolvimento da ciência tem os olhosnas demandas apresentadas por aqueles que a incentivam e a suportam. Aatividade científica, ao contrário da imagem do pesquisador encerrado em seulaboratório com as vistas presas ao microscópio, é uma prática social vinculadaàs políticas e aos interesses que a financiam e lhe emprestam credibilidade.

Na Idade Média, o plantio era definido pelas estações e sua prática eraintercalada com festas pagãs e religiosas que o celebrava, disciplinava e ointegrava na sociedade. A ciência moderna vai conquistando espaço eafastando as forças religiosas e os conhecimentos ‘não científicos’ da magia,astrologia, alquimia, tornando-se aliada do poder político e econômico, que areconhece como eficiente componente de sua conservação.

A Ciência como locus do desenvolvimento tecnológico, prontamente,dedicou-se a fornecer os aparatos para melhor desenvolver a dinâmica daprodução econômica. No campo da produção de alimentos, o empenho daciência se faz sentir com muita insistência já no período do iluminismo.

A natureza deve se ajustar ao artifício da produção na emergente escalaindustrial. Em função desta força, apresenta-se o engenho humano. Engenhotécnico e científico, assim como político e jurídico são os instrumentos dacriação dos novos alimentos.

São os pensadores do século XVIII, os sensualistas franceses, que nummisto de cientista, naturalista e filósofo servirão à organização da práticaagrícola e ao desenvolvimento da produção de alimentos na Europa emprocesso de industrialização.

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Lavoisier, considerado o pai da química, sintomaticamente, repousa seusistema sobre o princípio newtoniano de economia: “nada se cria, nem nasoperações de arte, nem naquelas da natureza, e pode-se afirmar em princípioem todas operações que há uma igual quantidade de matéria antes e depois daoperação, elas apenas se transformam”.

Lavoisier desenvolveu uma série de pesquisas sobre a fermentação dovinho e elogiou fortemente suas propriedades terapêuticas, fazendo-o umabebida saudável, e, claro, incentivando o seu consumo. Também a agriculturae suas relações com a química faziam parte dos seus estudos favoritos. Paraencorajar a cultura do solo, experimentou processos de cultivo e aumentou aprodução da área experimentada, com aplicação de novas técnicas.11

Era eminente a relação entre ciência e alimentação, na aurora da ciênciamoderna, e difícil saber onde termina o conhecimento técnico e se inicia ointeresse econômico.

Após a revolução industrial e, sobretudo, após a “revolução verde” nadécada de cinqüenta do século vinte, o Estado Moderno organiza a produçãode alimentos, do mesmo modo como ordena as práticas sociais em geral,subsumindo-a à lógica industrial, gerando as “moedas agrícolas” commoditiesque regularam a bolsa de futuros, onde o negociado são valores de bensescassos e não alimentos. Em uma inversão total de valores morais, a riquezaé gerada na medida da escassez de alimento produzida, pois a falta aumenta ovalor da commodity.

A modificação da estrutura fundiária, com o avanço da urbanização e odeslocamento do poder político, apoiado no mercantilismo e na circulaçãomonetária, contribuem para que o alimento assuma a forma de mercadoria, esua produção - do cultivo ao consumo - insere-se no mercado.

Até esse momento de aumento de urbanização e revolução industrial, ocomércio de alimentos era feito como troca de excedente. A expansãomercantil, sobretudo com as grandes viagens e colonizações, com o ganho deárea de cultivo e exploração, fizeram do mercado o destino almejado, overdadeiro objetivo da produção dos alimentos.

A produção destina-se à formação de capital e não à alimentação. Logo,o quê, como e para quem produzir, coloca-se na dependência das forças demercado. Ninguém se interessa por arroz, mas pelo seu preço (B.Brecht). Nestesentido, o tempo da produção deve ser o tempo do mercado. A forma de

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11 Nepomuceno, R. O Brasil na Rota das Especiarias. Rio de Janeiro, José Olympio, 2005. p. 60.

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produção deve ser aquela que permita melhor eficiência, o que em outraspalavras é maior produtividade e maior lucro.

O tempo da produção e o que produzir rompe com a lógica dasexigências ambientais e adere à lógica artificial do movimento de mercadorias.A agricultura encarna o paradoxo temporal-espacial da produção de e para omercado. Pois, ao mesmo tempo em que necessita romper com os temposnaturais e vencer os condicionamentos da história e geografia para imperar oseu próprio tempo de produção e troca, o qual deve ser mais ágil e rápido;necessita reconhecer e apreender o diferente, incorporando-o à massauniforme, monótona e estéril resultante da monocultura do capital, fecundandocom o adultério a relação que expulsa toda a diferença e que considera aspaixões “acsi questio de lineis, planis aut de corporibus esset”.

Para fazer valer esta máxima, a agricultura privilegia a monocultura,mais adequada à eficiência da produção, à formação de commodities, à suacirculação.

Numa relação de massificação, a monocultura é a estratégia maisadequada, muito embora mais danosa ao solo, à biodiversidade, ao sabor,nutrientes e, mesmo, à estética. A relação com a natureza mantém-se, porquedela não se pode privar a sobrevivência humana, porém se faz com o eloimediato de sujeito sobre objeto, abstraído de valoração que não à de proveitopara o sujeito explorador. A inversão dos valores e a mudança de pesrpectivatrazem as palavras de Michel Serres definidoras da forma de cultura que seimpõe neste tempo, a monocultura.

Monocultura. Nada de novo sob o sol, só as fileiras intermináveis,homogêneas, expulsam ou apagam o chamalote; o isótropo excluio inesperado; o agrônomo afasta o agrícola; umas poucas leistomam o lugar dessas permutas pontilhistas feitas de pequenostoques. Em vez da cultura, reinam a química e a administração, olucro e as escritas. Um panorama racional ou abstrato expulsamil paisagens, em espectros combinatórios. Diante de nossosolhos, exibidas, duas visões da razão ou da inteligênciaapresentam seu espetáculo.

As dificuldades não-lineares de mil exigências logo desmoronamante as longas séries de trigo, de milho, todas simples e fáceis. O

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único toma o lugar do múltiplo. E a desordem pura, ante a ordemhomogênea, expulsa as misturas refinadas12

Além da monocultura, a expansão do mercado trouxe a diversidade deoferta de alimentos e a constância da oferta, pela possilidade do trânsito dosalimentos pelos continentes, escapando da sazonalidade e das intempériesclimáticas.

Não é porque os homems se encontram em um país temperado que suaalimentação será privada das delicias dos trópicos e vice e versa. Esta riquezapara o consumidor é, no reverso, oportunidade de mercado para os produtorese fornecedores.

Para facilitar a circulação dos produtos agrícolas e garantir o aumento doretorno financeiro, é importante diminuir a diversidade e aumentar auniformidade do consumo, que se torna independente da diversidade bilógicade um país.

Apenas uma dúzia de espécies representa mais de 80% de todas asculturas no mundo moderno. Essa dúzia de exceções são os cereais trigo,milho, arroz, cevada e sorgo; o legume soja, as raízes e os tubérculos batata,mandioca e batata-doce; fontes de açúcar como a cana-de-açucar e a beterraba;e a fruta banana.13

Produção e consumo se ajustam na medida do poder do produtor deimpor sua produção e no poder aquisitivo do consumidor. Não há clima nemfronteiras para a moeda. O maná jorra para aqueles que têm a disposição apagar. Existe uma submissão da produção de alimentos aos interesses deinvestimento. Não se produz para alimentar-se, mas para gerar retornofinanceiro. Logo, quanto mais sólido for um país em capital, maior sua riquezaalimentar e maior o seu poder em determinar o alimento que consumirá.

A história das colônias inglesas na África mostra que, enquanto se plantasorgo para alimento dos animais, mingua-se em desnutrição e miséria. Oprocesso de colonização da África introduziu alimentos que eram estranhos àalimentação daqueles povos, trouxe exaustão da terra e dos recursos hídricos,e passaram a fazer parte de sua alimentação básica.

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12 Hoefer, F. Histoire de la Chimie, tome deuxiéme, Paris, 1869, p. 491.

13 Serres, M. Os cinco sentidos. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001, p. 260.

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O sorgo foi plantado no século XIX pelos ingleses em suas colônias ehoje, a população disputa sua alimentação com a exportação para alimentaçãode animais europeus.

Este comércio motivou a denúncia de Robert Kurz:

Os navios container que transportam cestas básicas comomodestas contribuições para as regiões de fome da África,retornam, levando das mesmas regiões, produtos de luxo e demonoculturas, sobre os quais a grande maioria da populaçãolocal não obtém qualquer vantagem, seja como produtores, ouconsumidores.

Na atual forma de desenvolvimento do comércio internacional,não se padece de fome por escassez de alimentos, mas por faltade meios financeiros.14

Países produtores e autosuficientes em alimentos, mas dependentesfinanceiramente, são submetidos à miséria.

Em conclusão, a produção de alimentos é construída pelas exigências domercado, isto é, pelo poder de decisão de investimento e de exploração dosrecursos naturais.

Como estas decisões são desenvolvidas depende, entretanto, do estadoda ciência e da técnica disponíveis. Por sua vez, o desenvolvimento destaciência e técnica é estimulado por aqueles que as desejam para majorar seurendimento.

3. PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: CIÊNCIA E RISCOS

A ciência é o locus da razão moderna, a redenção humana e suaescravização, base de sua conservação e ameaça a sua existência.

Segundo Adorno e Horkheimer: “com o desenvolvimento do sistemaeconômico, no qual o domínio do aparelho econômico por grupos privadosdivide os homens, a autoconservação confirmada pela razão, que é o instinto

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14 Diamond, J. Op. cit. , p. 132.

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objetualizado do indivíduo burguês, revelou-se como um poder destrutivo danatureza, inseparável da autodestruição”.15

Produção de riquezas, fundada no aumento da produtividade sempreignorou os riscos que são produzidos com ela.

O desenvolvimento da ciência avança freqüentemente antes doconhecimento sobre seus riscos, tornando difícil uma contraposição aodiscurso científico que se torna hegemônico e se impõe como política.

As ciências naturais e a técnica converteram-se num dogma, mas com adiferença fundamental que várias das insígnias do seu poder a definir são aindaválidas e ainda se confirmam em outros campos. A aspiração das ciências aomonopólio da racionalidade na percepção dos riscos é equivalente a um papaclamando infalibilidade convertida num dogma evangélico.

Assumindo o lugar da religião e mediando intensamente a relação dohomem com a natureza, a ciência direciona a forma da produção, apazíguaquanto aos riscos da produção, sendo um instrumento bastante poderoso naformação de hábitos alimentares.

Olhando-se as coisas mais de perto, percebe-se que as decisõestécnicas são ao mesmo tempo decisões políticas, nãonecessariamente condizentes com as aspirações de umasociedade democrática e livre. A evolução atual da biotecnologiareflete um processo de tomada de decisão onde interessescomerciais prevalecem sobre as preocupações sociais eecológicas. Esta contradição fundamental está no cerne dapolítica das novas biotecnologias agrícolas.16

Os riscos da civilização dão ensejo a uma espécie de novo reino dastrevas, comparável aos deuses e demônios dos tempos primordiais, os quaisdecidem entre si por traz do mundo visível e põe em perigo a vida humananesta nossa terra. Hoje em dia, as pessoas não se comunicam com os espíritosdas coisas, mas, por outro lado, elas se vêem como expostas a radiações,ingestão de ingredientes tóxicos.17

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15 Kurz R. Der Kolaps der Modernisierung.

16 Adorno/Horkheimer. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 1985, p.89.

17 Gerad Middendorf et al., 1998.

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Riesgos se interpretan aquí (en principio de forma similar a la ideapredominante) como inseguridades determinables y calculables que l mismamodernidad industrial produce como consecuencias secundarias, advertidas ono, subyacentes a determinadas ventajas y ante las que reacciona – oprecisamente no reacciona – con regulaciones sociales. Los riesgos son“determinables” mediante dispositivos técnicos, cálculos de probalidad, etc.,pero también – lo que muchas veces no se toma en consideración – medianteinstituciones sociales que fijan la imputación, la responsabilidad civil y laprevencion de los tratamientos pos-traumáticos. En este sentido se dibuja unconsenso a escala internacional en las publicaciones del ámbito de las cienciassoiales para distinguir entre: peligros preindustriales, que no proceden dedecisiones tecico-economicas y pueden, por lo tanto, atribuirse a factoresexternos (naturaleza, diose), y riesgos industriales, que son producto dedecisiones sociales, que deben ser ponderados desde las ventajas ofrecidas yanalizados, negociados o, también, cargados sobre los individuos en función delas reglas científicas, jurídicas, etc.18

Estes dizeres de Ulrich Beck são uma fiel descrição da sociedadeindustrial que avança, ciência a mão, rumo ao progresso, futuro incerto edesejado pelos sujeitos insatisfeitos do presente.

As carnes com hormônios, as inúmeras vacinas com inoculação de vírusvivo, os pesticidas, conservantes, corantes, emulsificantes, estabilizantes sãoexemplos de como não consumimos qualquer alimento que não tenha o seuquinhão de produtos químicos.

“From the nineteenth century, ceall, synthetic (or chemical) fertilizersbegan to be used in Europe. At the beginning of the twentieth century, their usegrew in the industrialized countries.”19

A produção de pesticidas sintéticos ganha seu verdadeiro impulso apósa segunda guerra mundial, dando destino aos resíduos químicos da guerra.Produtos elaborados para morte, passam a fazer parte da manutenção da vida.Seu uso indiscriminado atingiu todas as partes do planeta. While in 1900 theworld consumption of the three principal mineral fertilizers, nitrogen (N),phosphoric acid (P205), and potassium (K20) did not reach 4 million tons offertilizer units, in 1950 it was a little over 17 million tons, and, at the end of the

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18 Beck, U. ...., p.162.

19 Beck, U. ..,p. 131.

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1980s, it reached 130 million tons. O valor por atacado, de tais produtos situou-se bem acima de um quarto de bilhão de dólares.

No Brasil, o índice de aplicação destes produtos por hectare plantado éum dos maiores do mundo.

Rachel Carson, em sua obra revolucionária de 1962 determinava:“Se a Declaração de Direitos não contém garantia alguma, que afirme

que o cidadão deve ser protegido contra os venenos letais, distribuidos seja porindivíduos particulares, seja por funcionários públicos, isso se dá por certo,apenas porque os nossos antepassados, a despeito de sua considerávelsabedoria e do seu notável descortino, não poderiam conceber o aparecimentode semelhante problema”.20 A servidão da ciência ao poder econômico debilitaseu papel na previsão e avaliação de riscos da produção, pois não se pode servira dois senhores.

Valores-limite para traçar a quantidade permitida de poluentes e toxinasno ar, água e comida têm em relação à distribuição de riscos uma funçãocomparável àquela da realização do princípio em relação à desigualdistribuição de riquezas. Ambos permitem a produção de toxinas e legitima-anos limites restritos. Limitação da poluição é equivalente à aceitação dela.

Formalmente, valores, mesmo valores limites são assuntos da ética e nãoda química.

Esta ética hoje modificou-se do “Não se deve envenenar um ao outro”para “Não se deve envenenar totalmente um ao outro”.

O desconhecimento quanto à existência de riscos permitiu a escalada devenenos que foram tidos sem qualquer resalva como os promotores da grandeexpansão agrícola. Neste sentido, manifesta-se Ulrich Beck, “our productiveforces create a liberation which ends up enslaving us, that we are captives of arationality that has flipped over into irrationality”.21

Para minimizar este fenômeno deve-se evitar a colonização daspesquisas pelo mercado, a ciência deve guardar sua independencia para quepossa servir ao bem-estar da sociedade.

O movimento de construção de um espaço da ciência livre do mercadonão é ‘natural’, isto é, a ele são oferecidas resistêmcias de poderes econômicosa que a ciência deve seu apogeu e legitimidade. A imposição de diversidade demovimentos e a resistência a poderes sociais pré-estabelecidos dependem de

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20 Mazoyer, p. 385.

21 Carson, R. ...., p.

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contra-poderes engendrados no interior mesmo desta sociedade. O direito podeser construído como uma opção de contrapeso ao poder econômicohegemônico, organizando o campo de influência do poder econômico,impondo limites a sua expansão ou colonização dos domínios do conhecimentoe da cultura.

Por outro lado, é este mesmo direito que apresenta normas de introduçãode novas tecnologias, legitimando aditivos alimentares, permitindo aconstrução de novos alimentos para o consumo, liberando o mercado deprodução e circulação de sementes modificadas geneticamente, construindouma base quase que invisível para a formação de hábitos alimentares e de umconformismo cultural e social sobre a impossibilidade de comer diferente,enquanto que o grande mercado agradece a ordem estabelecida e os espaçosconquistados.

4 . PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: DIREITO, UNIFORMIDADE EDIVERSIDADE

O desenvolvimento do processo produtivo depende do direito paraamparar e regulamentar os meios empregados por ela, garantir as regras deintercâmbio, assentar e divulgar hábitos de consumo. O direito traduz asaspirações da produção e ampara-se no conhecimento tecnico-cientifico pararegular e estimular a produção de alimentos. Portanto, a introdução de novosingredientes químicos, como conservantes, corantes etc, que sãoindispensáveis à conservação e à atração do consumidor, é regulada a partir deavaliações técnicas de tolerância para saúde humana.

As normas sobre uniformização da viticultura na Europa, aregulamentação do teor alcoólico dos vinhos e dos aditivos químicos quepodem ser adicionados, desde o século XVIII, são responsáveis pelaconstrução de um mercado competitivo que opera, paradoxalmente, graças àdiminuição do espectro das diferenças e, de uma certa forma, pela imposiçãode gostos. Até hoje, este antigo mercado ampara-se em regras estritas, agoraimpostas pela União Européia, que impõe a apresentação de informações portodos os que pretendem plantar uvas para vinícolas.

A regulação dos alimentos é dependente da uniformização das regrassobre aditivos na produção. Estas regras devem ser aceitas amplamente pelas

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instituições dos diversos mercados consumidores, para permitir umahomogeneização dos produtos e sua aceitação generalizada.

Dentro da mesma dinâmica de regulação, é possível citar as normasrelativas à autorização do uso de pesticidas e medicamentos, assim como oestabelecimento de níveis de toxidade etc. Este desenvolvimento culmina coma controvertida regulamentação dos OGMs.

O mercado necessita de regras gerais e homogênas. Ao tratarmos domercado mundial de alimentos é importante que as preferências e as regrassejam também uniformizadas. Afinal, o alimento necessita circular por longasdistâncias e ser armazenado; os paladares necessitam estar aproximados para aprodução menos diversificada possível. Com isto alguns fenômenos emalimentação têm ocorrido por todos os cantos da terra, atingindo culturas dasmais diversas, alterando-as em direção a perda de suas especificidades. Oalimento transformado em mera mercadoria, não tem a personalidade daorigem e o consumidor reage com superficial racionalidade voltada à aparênciada embalagem, dados nutricionais ou calóricos, preço, praticidade, perdendo asobservações sensuais própria à escolha dos alimentos, como olfato, textura,paladar, visão do alimento propriamente e não do seu envólucro. Assim, nostraduz Horkheimer no verbete ‘ciência da mercadoria’.

Como se o genérico não residisse justamente dentro das maisfinas nuances do particular! Assim é a carne de boi assada que seoferece aos convidados por ocasião do banquete de casamento.Há ainda nela alguma coisa da refeição do inverno prolongado,em que se sabia apreciar o macio e o suculento, o sabor próprioàs diferentes partes do animal, a forma como ele foi alimentado.Ainda é possível perceber algum rastro desta percepção nafamília urbana do século XIX, quando a mãe se dirigia aoaçougueiro e os dois discutiam como ‘connaisseurs’ sobre a parteque ela adquiria para o preparo da refeição doméstica. Ascrianças também participavam desta percepcção, assim como dasformas mais apropriadas para o preparo da refeição. No consumode massa da atualidade, um tal conhecimento, inseparável dacultura, está perdido. Já é bastante quando se sabe distinguir umabisteca de um escalope de vitela, e para as dietas, as carnesmagras das gordas. Calorias e empresas de embalagem (packingfirms) ocupam o lugar das nuances aprendidas pela experiência.

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Mas dentro da ‘Heinz Beef-soup’ aparece a essência da carnebovina, o genérico, a idéia do banquete – na qual se apaga oparticular. Bem distinta é a idéia do belo.

A alimentação é uma realização da cultura. A culinária marca apassagem da natureza à cultura, ela se impõe redefinindo a condição humana,desde aquilo que parece o mais natural como a fome até o mais refinadocomplexo gastronômico.

O direito, ao normatizar os alimentos, está tocando em um momentofundamental de formação e reprodução da cultura, que é o da produção econsumo de alimentos. Alimentação mantém uma estreita relação com o modode vida. Uma cultura massificada, voltada aos impulsos provocados pelomercado, tem uma alimentação massificada dependente da oferta e dasatrações construídas em mercado. Opções geográficas, sazonais, tradicionaissão prejudicadas em nome da escolha definida pelo ofertado nas prateleiras domercado mais atraente.

A cultura é colonizada pelo mercado e a prática de produção dosalimentos que era vinculada a religião, costumes comunitários, disponibilidadeambiental passa a ter nos imperativos do mercado a sua conformação, onde auniformização de gostos, a durabilidade e a atratividade pela quantidade serãoos princípios condutores.

Este movimento massificado não é vivido sem uma crescenteresistência. A reação à cultura da uniformidade é sentida na filosofia, e mesmona ciência e direito – originais instrumentos da uniformização. Michel Serresproclama:

“A inteligência regozija-se ao discernir a veriedade, cultivemos ovariado para que viva, ativa, a inteligência”.22

O movimento pela diversidade é um interesse cultural e umanecessidade ciêntifica, ambiental e paradoxalmente, reclamada pelo própriomercado, responsável pela uniformização de gostos e preferências. Aambivalência se instala definitivamente. As instituições que viabilizam eimpõem mudanças culturais são aquelas que também passam a comunicar asalternativas para o regional, o ‘terroir’, o artesanal, o livre de aditivos, oresponsável ambiental e socialmente.

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22 Beck, U. ..., p. 77.

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O mercado, por um lado, necessita de uniformidade das regras elimitação das opções, por outro, requer constante inovação para expansão daprodução e renovação do movimento de acumulação. Deve haver bancos dediversidade material e intelectual a que ele deve recorrer. A diversidadebiológica, a diversidade cultural são dois destes depositários de diversidadeque são mantidas por estarem afastadas da relação de mercado, e, por estemesmo motivo, são tão atraentes ao mercado que homogeniza o diverso e pelodiverso se renova.

Identifica-se na relação diversidade e mercado uma relação tensionadacomo o amor do Minotauro por Ariadne, em que a aproximação pode gerar adestruição. A força reificadora e niveladora do mercado, capaz de transformaro diferente em equivalente deve ser controlada, para que a diversidade venha aser incorporada e lhe seja garantida a força de permanecer diverso no ambientede consumo de mercadorias.

Para gerar esta ‘artificialidade’ do mercado, vem sendo construídasnormas jurídicas no campo internacional, regional e nacional, criando espaços,refúgios, para a produção reacionária à uniformização e revolucionária perante orolo compressor do mercado. São normas de cumprimento voluntário,produzidas pelo direito estatal, ou criadas em esferas privadas de regulação,comprometidas com a responsabilidade ambiental e social, cuja averiguação sefaz por um complexo sistema de auditorias, ao qual, voluntariamente, submetem-se as empresas que queiram entrar neste novo nicho comercial. Produçãoorgânica, sustentável ambientalmente, sustentável socialmente, livre detransgênico, valorizadora de etnias indígenas e modos de vida tradicional etc.,são poderosos capitais diferenciadores da mercadoria apresentada, vinculado aorganizações administrativas, mistas ou privadas que possuem a expertise paracertificar e auditar o produto e o processo distinto do genérico, que reelabora aaproximação da cultura às raízes estéticas-sensitivas da relação com a natureza.

5. CAMINHOS ESCOLHIDOS

5.1 Diversidade biológica e produção de alimentos

A Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB – é um documentointernacional de 1992, em que participam 168 países, destinada à conservaçãoda diversidade biológica do planeta. Além da preocupação com a manutenção

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da variedade dos ecossistemas terrestre, a Convenção busca a valorização dasculturas locais, como meio para a conservação da diversidade biológicaselvagem e cultivada. No que tange à biodiversidade cultivada, as decisõessobre biodiversidade agrícola na CDB frequentemente fazem referência à FAO– Food and Agricultural Organization of the United Nations e ao InternationalTreaty on Plant Genetic Resources for Food and Agriculture, buscando comesta entidade uma sinergia para a valorização e proteção das culturas locais.

A importância da biodiversidade para a segurança alimentar foireconfirmada no compromisso número três da Declaração de Roma sobreSegurança Alimentar realizada no Encontro Mundial sobre Alimentos emRoma em 1996, o que faz da FAO um parceiro na implementação do Programade trabalho em Biodiversidade Agrícola da Convenção sobre DiversidadeBiológica. A Convenção Internacional sobre Proteção Vegetal, o Código deConduta para Pescaria Responsável e o Tratado Internacional sobre RecursosGenéticos Vegetais, adotado em 2001, são exemplo de ações internacionaispara promover uma política de proteção da biodiversidade.

Ecossistemas agrícolas são comunidades dinâmicas e organismos vivosmanejados por seres humanos para produção de comida, combustível, energiae outros bens. Eles estão constantemente em evolução para adaptar a variaçõesambientais, dinâmica populacional, conhecimento e avanço tecnológico,mercados e comércio, e a política de meio ambiente. Pessoas e sua diversidadecultural são um componente integral para os ecossistemas agrícolas, e aconstrução do seu sistema e da sua organização social é indispensável para odesenvolvimento sustentável da agricultura.

Referidas decisões começaram a ser adotadas a partir da COP 3 –Terceira Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica –a qual adotou a decisão III/11, sobre conservação e uso sustentável dadiversidade biológica agrícola, que estabeleceu um programa plurianual deatividades sobre diversidade biológica agrícola. Os objetivos desse programade trabalho são promover:

• Efeitos positivos e mitigar os impactos negativos das práticasagrícolas sobre diversidade biológica em agro-ecossistemas e suainterface com outros ecossitemas;

• Conservação e uso sustentável dos recursos genéticos de valor atualou potencial para a alimentação e agricultura;

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• Repartição justa e equitativa de benefícios oriundos da utilização dosrecursos genéticos (decisão III/1, § 1).

Além da cooperação com a FAO, a decisão III/11, § 24 recomendoucolaboração e consulta com a Orgtanização Mundial do Comércio (WTO) paradesenvolver uma apreciação melhor da relação entre comércio e diversidadebiológica agrícola. A COP em sua quinta reunião (decisão V/5, §5) reconheceua contribuição dos agricultores, povos indígenas e comunidades locais para aconservação e o uso sustentável da biodiversidade agrícola, e a importância dabiodiversidade agrícola para os seus modos de existência, enfatizando aimportância da sua participação na implementação do programa de trabalho.

A decisão da sexta reunião da partes (VI/5) definiu a implementação doprograma de trabalho voltado a uma mais ampla compreensão das funções dabiodiversidade nos agro-ecossistemas e a interação de seus elementos, apromoção de métodos de agricultura sustentável que empregam práticas demanejo, tecnologias e políticas que promovem os impactos positivos e mitigaos negativos sobre a biodiversidade, enfocando as necessidades dosagricultores, povos indígenas e comunidades locais para participareficientemente no processo alcançando estes objetivos específicos.

A sétima Conferência das Partes (COP 7) realizada em Kuala Lampur,Malásia, estabeleceu objetivos para 2010 e apresentou um quadro para dirigirsua implementação. No que tange à biodiversidade agrícola (decisão VII/3),destaca o necessário trabalho com a FAO, a importância do intercambio detecnologias, sublinha a necessidade de ratificação do Tratado Internacional deRecursos Genéticos Vegetais para alimentacão e agricultura, como umimportante instrumento para a conservação e uso sustentável dos recursosgenéticos voltado à redução da fome e pobreza.

Também é reafirmado que ações fundamentais para a conservação daagro-biodiversidade devem estar voltadas ao controle do plantio de sementesgeneticamente modificadas. O artigo 15 da CDB traz esta problemática,chamando o instrumento de avaliação de riscos para afastar estes impactosnegativos, o que foi posteriormente detalhado no Protocolo de Cartagena sobreBiosegurança, assinado durante a quinta reunião das partes da Convençãosobre Diversidade Biológica.

A manutenção da diversidade agrobiológica depende da valorização daconservação da diversidade de sementes, sobretudo, incentivando a formação

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de bancos genéticos de variedades locais, resultado de séculos de tradição decultivo, denominadas ‘variedades crioulas’.

O estudo e a conservação de variedades locais, formando-se um bancode sementes oferece uma fonte de material de qualidade com grandediversidade genética, suprindo as perdas de habitats por invasão de espéciesestrangeiras, destruição ou mudanças climáticas. São utilizadas para apesquisa, reabilitação de ecossistemas empobrecidos, restabelecimento dehábitos alimentares esquecidos pela fugaz facilidade apresentada pela oferta desementes beneficiadas, e produtos industrializados no mercado. Os bancos desementes produzem um conjunto de dados e de resultados de pesquisa úteis quesustentam os objetivos mais amplos da conservação das plantas.

O relatório da FAO publicado em 1996 sobre o estado dos recursosfitogenéticos do mundo que somente 15% das coleções ex situ no mundoguardam espécies selvagens ou invasoras ou seus parentes cultivados. A maiorparte das coleções de espécies selvagens são conservadas por jardins botâncios.A maior parte dos bancos genéticos encontram-se em climas temperados.Apenas trinta cultivos fornecem 95% da dieta vegetal humana. Trigo, arroz emilho suprem mais da metade desta energia (FAO, 1996).

A manutenção de variedades locais é vital para o ambiente e para odesenvolvimento das sociedades que ganham independência alimentária, namedida que deixam de recorrer necessariamente ao trânsito internacional dealimentos e ao cultivo de espécies exóticas pouco adaptadas ao clima e àgeografia, e que, por tal motivo, requerem maior quantidade de insumosquímicos. A manutenção da diversidade biológica é importante para a produçãode comida e para conservar as funções ecológicas necessárias para sustentar avida e o modo de existência das populações rurais.

A FAO nos ensina que, a nível genético, diversidade em plantas eanimais é particularmente importante para a adaptação à gama de condições decultivo e os estresses ambientais, como temperaturas extremas, seca, pestes edoenças, salinização do solo, qualidade da água. A disponibilidade de um vastoconjunto de recursos genéticos também contribui para Independênciaalimentar, é um elemento importantíssimo para força política e econômica deuma sociedade, sobretudo em países em desenvolvimento.

A nível das espécies, a diversidade de organismos em ecosistemascontribui para o desempenho de importantes funções dos ecossitemas, comociclo de nutientes, regulação de pestes e doenças e polinização. A produção deuma diversa gama de espéices contribui também para a conservação e

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atomização dos recursos existentes. A nível de ecossistema, a resiliência de umecosistema depende da diversidade biológica para reduzir a vulnerabilidade(ambiental, econômica e social) e aumentar a adaptabilidade dos ecossistemasàs mudanças e necessidades ambientais. A diversidade biológica em sistemasagrícolas também contribui para mais vastos serviços dos ecossistemas, comocontrole biológico, manutenção da qualidade da água, saúde do solo e controleda erosão, sequestro de carbono e controle das mudanças climáticas, além dasfunções recreativas, estéticas culturais e espirituais.

A valorização econômica do plantio de sementes locais, acompanhadade políticas de distribuição e consumo adequadas, gera riquezas, diminui oêxodo rural, forma cidadania pela identificação com a terra e suas raízesculturais tradicionais. É bom sublinhar que a diversidade biológica noambiente agrícola é importante tanto para países em desenvolvimento comopara os desenvolvidos, dada a necessidade para controle dos riscos inerentes àprática agrícola como um todo.

A manutenção desta variedade genética para a produção de alimentosdepende diretamente dos conhecimentos autoctones. São os modos de fazertradicionais que guardam a maior parte das informações sobre diferentesalimentos e sua forma de cultivo. O compartilhamento destes saberes com asnovas tecnologias permite às comunidades locais afirmarem seus valores, semse manterem encerradas em um museu vivo, tendo capacidade para gerar bem-estar e projetar-se em relações globais.

5.2 Organismos Geneticamente Modificados – GMO e alimentos

Uma ameaça a este esforço está na expansão da indústria de sementesgeneticamente modificadas.

Sementes são a essência do alimento, o início e a marca do que seconsome. Quais sementes são empregadas, como elas são conservadas, quemas detém, são questões determinantes na sociedade moderna para identificaçãode quem detém o poder sobre a vida. A manutenção da pluralidade de sujeitosque cultivam a terra, a diversidade de sementes, a distribuição do poder sobrea conservação e reprodução das sementes são fundamentais para a diluição dopoder sobre a manutenção da vida e a garantia de que alimentos sejamdestinados às mais distintas comunidades, até nos mais áridos ecossistemas.

É a semente “um símbolo fundamental nas lutas contemporâneas. Comomercadoria, ela simboliza a disposição e o poder do mercado, reforçados pelas

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inovações técnicas e mecanismos legais, de penetrar domínios que até agorahaviam resistido a tal invasão. Como recurso regenerativo, ela simboliza aspossibilidades do fortalecimento local, da autogestão, de toda a população serbem alimentada, da preservação da diversidade cultural e biológica, dasustentabilidade ecológica, de alternativas à uniformidade das instituiçõesneoliberais e da genuína democracia”.23

A discussão sobre a introdução de sementes geneticamente modificadasem culturas agrícolas e, por outro lado, a valorização de bancos genéticos devariedades cultivadas ancestralmente por povos indígenas e agricultorestradicionais, são questões políticas altamente sensíveis, em que a ciência,coadjuvante fornecendo uma visão parcial mas necessária, toma parte evitandotomar partido.

A modificação genética de sementes é um processo biotecnológico,como são os melhoramentos de espécies, a domesticação de plantas ouanimais, os biocombustíveis. Todavia, representam um risco inexistente nasdemais ações biotecnológicas, em função de quatro grandes tipos de riscospróprios a esta nova tecnologia:

1. Riscos sanitários (por exemplo, potencial alergênico dos novosalimentos recombinantes, ou difusão de novas infecções por meiode xenotransplantes).

2. Riscos ecológicos (por exemplo, redução da biodiversidadesilvestre, ou contaminação de solos ou lençois aquíferos porbactérias geneticamente manipuladas para expressaremsubstâncias químicas).

3. Riscos sociopolíticos (por exemplo, redução da biodiversidadede agropecuária, ou aumento das desigualdades Norte-Sul emdecorrência de uma “terceira revolução verde” com base naengenharia genética).

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23 Serres, 260.

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4. Riscos para a natureza humana por exemplo, difusão deideologias e práticas eugênicas, ou criação de novas “raças” deseres humanos para fins específicos).24

A relação agro-biodiversidade e organismo geneticamente modificado éuma relação de confronto e conquista de espaço. A ameaça às variedadesimpostas pelos OGM é descrita pela FAO:

OGMs podem competir ou cruzar com espécies selvagens. Plantaçõesgeneticamente modificadas podem ameaçar o cultivo de variedades existentes,especialmente se crescidas nas áreasque sejam os centro de origem daquelecultivo. Ademais, as plantações com OGMs podem competir com e substituirvariedades de agricultores tradicionais e seus parentes que tenham cruzado ouevoluído com as tensões locais. Por exemplo, variedades locais na AméricaLatina permitiram salvar da catástrofe a ferrugem da batata na Irlanda no anode 1840. Hoje estas plantas frequentemente ajudam a melhorar a tolerânciaclimática e a resistência a doenças. Se os cultivos com variedadesgeneticamente modificadas substituirem eles, estes podem ser perdidos, mas omesmo vale para melhorar variedades desenvolvidas a partir do cruzamentopor métodos convencionais.

Do ponto de vista socio-econômico, pode-se anotar efeitos sobre a perdado acesso dos agricultores ao material vegetal. A pesquisa em bioecnologia éconduzida predominantemente pelo setor privado e traz, portanto,considerações sobre dominação de mercado no setor agrícola por algumaspoderosas companhias. Isto pode trazer um impacto negativo para os pequenosagricultores por todo o mundo. Agricultores temem que eles terão até mesmoque pagar por variedades de cultivo cruzadas a partir de material genetico queoriginalmente veio de seus próprios campos, caso eles comprem sementes dascompanhias detentoras de patentes sobre “eventos” específicos de modificaçãogenética. Alguns argumentam que o acordo sobre comércio de direitos depropriedade intelectual (TRIPS) da Organização Mundial do Comércioencoraja tal atitude. Todavia, há algumas opções para proteger as práticastradicionais dos agricultores dentro deste acordo. Também o novo TratadoInternacional sobre recursos genéticos vegetais para alimentação e agriculturareconhece a contribuição dos agricultores para a conservação e uso dosrecursos genéticos vegetais pela história e para as futuras gerações. Ele oferece

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24 Lacey, H., Oliveira, M.B. Prefácio, in Shiva, V. Biopirataria, Petrópolis, editora vozes, 2001, p. 13.

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um quadro internacional para regular o aceso aos recursos genéticos vegetais eestabelece um mecanismo para dividir os benefícios oriundos de tal uso.

Também há o temor sobre o impacto das tecnologias “terminator”, quebasicamente impedem a cultura ser renovada no ano seguinte por suassementes serem impossibilitadas de germinar.

(http://www.fao.org/english/newsroom/focus/2003/gmo8.htm).

Companhias de biotecnologia desenvolveram uma tecnologia derestrição de uso (GURTs) genetic use restriction technologies, para controlar afertilidade das sementes. A tecnologia desenvolvida por companhias debiotecnologia multinacionais é controversa porque o codigo genético estáprogramado para produção de sementes estéreis impedindo o agricultor deplantar, por isto é também conhecida como tecnologia “terminator”, criadorade sementes suicidas. Nos Estados Unidos a patente foi conquistada nos anos90. Desde 5 de outubro de 2005 a ‘tecnologia terminator’ tem sua patentegarantida na Europa. A patente Terminator foi aprovada para todas as plantasque são geneticamente construidas para que suas sementes não germinem. Asplantas criadas com a tecnologia Terminator vão produzir sementes estéreis,criando um monopólio e um controle artificial sobre as sementes. Osagricultores não poderão usar as sementes de tais plantas para o cultivo dapróxima estação. As sementes vão apodrecer no solo sem germinar.

1. A patente Terminator, EP 775212B, foi concedida para US-based Delta & Pine e United States of America, representadopelo Secretário da Agricultura. De acordo com posteriorespesquisa em banco de dados, a patente já havia sido concedidaem versões similares nos EUA, demandas posteriores já foramfeitas na Austrália, Brasil, China, Hong Kong, Japão, Turquia eAfrica do Sul. http://www.banterminator.org.http://slogefree.org/news05/news_item.2005-10-28.6599411525

A CBD solicitou à UPOV25 que se manifestasse sobre sua decisão VI/5relativa à tecnologia Terminator ao que recebeu a seguinte resposta evasiva:

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25 Riechmann, J. Cultivos e Alimentos Transgênicos, Petrópolis, editora vozes, 2002, p. 58.

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UPOV has not to-date, in the context of its work or otherwise,examined substantively the intellectual property implications ofGURTs, as identified in the decision above. No entanto,UPOVgostaria de aproveitar a oportunidade deste convite paracomentar a necessidade dos produtores de ter um sistema deproteção de modo a reaver seus investimentos e receber incentivos,a fim de possibilitar as suas atividades de produção. A esterespeito, UPOV anota que a Convenção UPOV oferece um sistemaefetivo e equilibrado para a proteção de novas variedades vegetaisque assegura os interesses dos produtores. Onde existem sistemasefetivos de proteção, criadores não precisam confiar em outrossistemas de proteção. A respeito das varietades contendo CURTs,deve ser anotado que tais variedades podem estar asseguradapelos direitos dos produtores desde que satisfaçam as condições.

A rede Food Rights Network (FORINET), aliada a organizações deagricultores e de comunidades de base e sociedade civil, baseada no leste deUganda, escreveu ao corpo de pareceristas cientistas da CBD afirmando que hápouco conhecimento sobre o potencial risco à saúde e ao ambiente no uso datecnologia ‘terminator’.

Um temor bastante significativo é referente à polinização cruzada. Istoé, sementes contendo a tecnologia ‘terminator’ podem cruzar com as sementesda vizinhança e tornar estas sementes nativas estéreis também, o queprovocaria uma catástrofe ambiental pela destruição de espécies, além deeconômica e social, pela invialibização do cultivos pelos agricultores que nãosão consumidores das sementes produzidas pelas companhias debiotecnologia.

Povos africanos também estão preocupados com o fato de que novasliberalizações das regras do comércio internacional – que estão sendonegociadas na Organização Mundial de Comércio – podem facilitar o ingressodo Terminator e outros GMOs em países como Uganda, onde foram banidas assementes geneticamente modificadas.

Talvez seja difícil de compreender por aqueles oriundos de paísesdesenvolvidos o que a semente significa para nós. Mas nóspodemos assegurar que quando descrevemos essa tecnologia aos

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agricultores, a resposta deles é unânime em descrença, medo eultrage. http://biotech.indymedia.org/or/2006/03/4911.shtml.

A introdução de novas sementes oriundas de modificaçõesbiotecnológicas pelos produtores, onde se encontra a modificação genéticatambém, interfere no ecossistema e na economia de produtos agrícolas. Por taismotivos, a adoção de rotulagem e certificação tem sido uma prática adotadacompulsoriamente por alguns países e voluntariamente por outros. Japão,Inglaterra e Argentina sendiam no governo o controle de certificação desementes. A OECD (Organization for Economic Cooperation andDeveloppment) fornece uma gama de ‘Esquemas Voluntários para CertificaçãoVarietal de Trânsito de Sementes no Comércio Internacional” e a UniãoEuropéia prescreve uma ampla série de standards minimos de qualidade. NosEstados Unidos, a certificação de sementes é voluntária, e é administrada porautoridades independentes. Rotulagem pode ser requerida também para todasas sementes ou apenas para aquelas certificadas. Os testes realizados parahomologação da comercialização de sementes relatam sobretudo os critériosde distinção, uniformidade e estabilidade – dirtrizes estabelecidas pela UPOVe se a nova variedade tem valor para cultivo e uso (VCU).26

A rotulagem e a certificação têm sido práticas de comércio distintivasdas mercadorias oferecidas, permitindo ao mercado escolher e reconhecer oproduto adquirido que em sua aparência pode parecer uniforme. De fato, arotulage e certificação, são dois importantes instrumentos para ofortalecimento dos caminhos que são construídos no mercado de alimentos,alternativos à massificação e indiferenciação impostas pelo processo deformação da mercadoria. Isto ocorre tanto para as sementes, como tambémpara os produtos elaborados conforme se apontará a seguir.

5.3 Indicação Geográfica, Certificações de Origem

Uma das certificações que influenciam a manutenção da diversidadebiológica no campo é aquela referente à produção de alimentos sem aditivosquímicos como pesticidas e adubos. São os alimentos orgâncos que encontram

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26 A International Union for the Protection of New Varieties of Plants (UPOV) é uma organização intergovernamental com sedeem Genebra (Suiça). A UPOV foi criada pela Convenção Internacional para a proteção de novas variedades de plantas. AConvenção foi adotada em Paris em 1961. O objetivo da Convenção é a proteção das novas variedades de plantas por meiodos direitos de propriedade intelectual.

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o consumidor pela certificação adotada, eficiente meio de divulgação dodiferencial que possibilita o exercício da escolha pelo cidadão urbano. NoBrasil, existe hoje 1% da área cultivada com alimentos orgâncios, apresentandoum crescimento em 300% durante dois anos (2001-2004). A certificaçãoalimentar para produtos alimentícios diferenciados da massificação construídano mercado tem sido um instrumento fundamental para diversificar a oferta epossibilitar novas escolhas ao consumidor.

Este instrumento vai atuar exatamente nos dois eixos de uniformizaçãoadotados pelo mercado: 1. aditivos voltados à conservação; 2. standartizaçãodos produtos alimentícios pela eliminação das suas origens e singularidadesqualitativas.

No caso da reação à uniformização pela maior conservação, destacam-se ascertificações para produtos orgânicos, para a isenção de organismos geneticamentemodificados, para a valorização dos pequenos entrepostos (movimento maissensível em países da Europa, como a França). Pela atuação em vista do aumentode diferencial qualitativo dos produtos em função da sua origem e do seu modo deelaboração, cite-se basicamente as indicações geográficas e certificações deorigem. Estas são espécies de rotulagem previstas pelo tratado internacional sobrepropriedade intelectual – TRIPS. A certificação da origem não é mero indicativo delugar, ela traz uma noção de causalidade, conforme explica Berard: “além daindicação de local de produção, ela exprime o conjunto de fatores ligados a estelugar que conferem ao produto suas qualidades específicas”.27

Desde a antiguidade, o comércio mediterrâneo se organizouproclamando a origem dos produtos comercializados. Esta ‘traçabilidade’informa os compradores sobre as caracterísitcas dos produtos, segundo o meionatural e os saberes dos produtores ligados a sua região ou localidade.

A partir do século XVIII, e sobretudo no século XIX, as designações deorigem e de autenticidade dos produtos são sacrificadas em razão dasvantagens das marcas de fabricantes. Para os produtos agrícolas, a extenção dastrocas intercontinentais engendrou desordens ecológicas, econômicas e sociaispor causa da importação dos organismos destruidores dos sistemas biológicose agrícolas (crise do mildiou sobre as batatas, o phyloxéra sobre os vinhedos).28

Desde o começo do século XX, o legislador francês reconhece o uso deum nome geográfico para identificar e proteger de contrafações de um produto

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27 Kerry ten Kate e Arah A Laird. The Commercial use of biodiversity – Access to Genetic Resources and Benefit-Sharing.London, Earthscan Publications, 200, p. 130.

28 Bérard, L. e all. Biodiversité et savoir naturalists locaux en France. Paris, CIRAD-IDDRI, 2005, p. 180

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cujo caráter está ligado a uma área e a um saber-fazer. O conceito de apelaçãode origem controlada (AOC) – sobre a qual repousa esta regulamentação – éforjado pouco-a-pouco para dar o sistema original que se conhece hoje: umsistema que associa a qualidade de um produto a sua origem geográfica e seapóia sobre a iniciativa e organização dos produtores e sobre a coordenação deum organismo público, o INAO.29

Em 30 de julho de 1935, a França promulga um decreto lei instaurandoas apelações de origem controlada para os vinhos e destilados (eaux-de-vie) econfia sua regulamentação ao instituto nacional das apelações de origem (Inao),que foi depois estendido para produtos lácteos e agroalimentares em 1990.30

Em 1992 a União européia se inspira nas lições francesas e expande. Elaadota um regulamento relativo à proteção das indicações geográficas e àsapelações de origem.

Em 1994, a Organização Mundial do Comércio (OMC) reconhece asdisposições particulares para proteger, em escala internacional, os produtosbeneficiados pela indicação geográfica de um país. O artigo 22 do Acordo sobreos Direitos de Propriedade Intelectual que tocam o comercio aplica-se aosnomes geográficos ou assemelhados na medida onde há confusão ouconcorrência desleal com um produto similar, mas ele exclui toda a possiblidadede proteção por nome de raça de animais ou de variedades vegetais.31

Não se deve esquecer que o sucesso e a permanência das produçõesvinculadas à área geográfica (terroir) e aos saberes e saber-fazer que lhe sãoassociados depende em última análise de um grupo de atores essenciais, osconsumidores. O consumidor conhecedor ou curioso, vinculado a uma amplapaleta organoléptica, não se submete à oferta, mas aspira a ter um papel ativona manutenção da diversidade, envolvendo-se decididamente dentro dademanda. Ainda é necessário que ele possa se encontrar na selva dos sinais. Osavanços da qualidade, da proteção e valorização, tanto oficiais como privados,multiplicam-se, obscurecendo cada vez mais o panorama.

Face a esta situação, informações confiáveis sobre a dimensão culturaldas produções poderiam, ao mesmo tempo, interessar o consumidor exigente ecurisoso e asssegurar a valorização local do produto, na condição todavia deultrapassar as aproximações de abundantes lugares comuns.32

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29 Idem, p. 177.

30 Idem, p. 170.

31 Cf. Idem, p. 178.

32 Idem, p. 179.

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Assim que os produtores optam por engajar-se no processo de proteção,eles devem preparar juntos um programa de tarefas. Os atores locais que seignoram e têm por hábito agir de modo individualista são assim levados a seconhecerem e a trabalharem juntos em torno de um projeto comum. É, emprimeiro lugar, da qualidade deste processo coletivo que depende o sucessoeconômico do projeto, mesmo que seja sempre necessário fazê-lo seracompanhado por uma política governamental própria.

A apelação de origem é uma proteção jurídica que permite tornarcompetitivo produtos e modos de produção que não o seriam livremente: odireito cria micromercados a partir de sistemas de produção que seriamcondenados pelas regras clássicas da competitividade. Ao mesmo tempo, parajustificar e fazer valer sua especificidade, os produtos de apelação se inscrevemem um mercado global. As Apelações de Origem Controlada contribuem,assim, para manter aberto o debate sobre as alternativas técncias, sobre apluralidade dos modelos de produção e dos sistemas econômicos.33

A pertinência econômica e a legitimidade deste tipo de proteçãorespondem a objetivos de política pública, tais como a proteção do consumidore do meio ambiente, a manutenção da paisagem, a valorização dosconhecimentos tradicionais e dos recursos biológicos coletivos, odesenvolvimento rural, etc.34

Entre uniformizar e diferenciar, oscila o direito e a política nacional einternacional. Na verdade, este balanço retrata a ambigüidade da sociedade queseduz-se com as vantagens e facilidades da circulação, conservação eglobalização dos alimentos, mas, ao mesmo tempo, deseja melhor sabor, menorinterferência química, e manutenção de seus trabalhos, quando o assunto é otrabalho no campo. Um movimento internacional ganha força com base naoposição semântica e de conteúdo à vertente dominante do fast food. Omovimento slow food, sob o mote de proteger e promover o gosto, ganha força.“Mudar de vida para mudar a vida, comer menos e melhor para que osprodutores possam produzir melhor, educar seu paladar e das crianças, buscar,na convivialidade, o prazer do gosto, pagar o justo preço dos produtosalimentícios autenticos, tais são alguns dos objetivos da associação ‘SlowFood’, que conta com 80.000 membros em 80 países”.35

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33 Idem, p. 172/3.

34 Idem, p. 189.

35 Idem, p. 211.

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A experiência da ‘Slow Food’ alia à biodiversidade os aspectos culturaisdo gosto e do prazer pela boa comida, acentuando os saberes locais dosprodutores além de divulgar conhecimentos e apreciação dos consumidores.

Concluindo, paralelamente ao avanço desenfreado da técnica e daciência que colocam em risco a segurança alimentar e a diversidade cultural edas espécies vegetais, o mercado vem propiciando, talvez para um consumo deelite que esteja disposta a pagar pelo retorno ao belo e ao substancial do gostoe da consciência moral social e ambiental, opções que tragam comoconseqüência uma sociedade ambientalmente e socialmente mais sustentável.

Ao final das considerações feitas, é definida uma indagação sobre aeficiência deste mecanismo e a provocação para o aprofundamento de umadiscussão que se faz tarde, e que impõe o ingresso aberto e franco na políticado assunto alimentação, que é uma questão vital para a existência, saúde,cultura, economia e conservação dos recursos naturais. Seu debate político,considerando todas essas implicações, deve indicar medidas jurídicasindispensáveis aos princípios da CDB, e à decantada sócio-biodiversidade.

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AMAZÔNIA: OLHAR O PASSADO,ENTENDER O PRESENTE,

PENSAR O FUTURO

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* Doutor em Ecologia e Recursos Naturais. Professor do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade doEstado do Amazonas.

Resumo: A evolução geológica da Amazôniae alguns aspectos gerais de suas múltiplasdiversidades atuais são sumariamente apresen-tados com o objetivo de disponibilizar, atravésde uma leitura rápida, uma visão abrangentedo complexo cenário amazônico.

Abstract: This text shows a brief description ofAmazon basin including its geologicalevolution through the eras and some generalaspects of its multiple present diversities, todispose a resumed view of this complexregion.

Ozório José de Menezes Fonseca*

Sumário: 1. História geológica; 2. Amazônia continental atual; 3. Amazônia brasileira:Amazônia Legal e Região Norte; 4. As diversidades amazônicas; 5. O Amazonas como exemplode Estado amazônico; Referências.

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1. HISTÓRIA GEOLÓGICA

Durante bilhões de anos, ao longo das Eras, Períodos e Épocas, umaseqüência de eventos geológicos de grande magnitude foi moldando o planetae criando as condições para a configuração das características da Amazôniaatual. Alguns textos consideram que tudo começou com o surgimento das IlhasArqueana Norte (atual Sistema Guiano) e Arquena Sul, (atual Planalto Centraldo Brasil), ainda no território de Gondwana ,1 ou na Pangea, 2 muito antes daseparação dos continentes, conhecida como deriva 3 continental. (Figura 1)

Esses sistemas montanhosos, que fazem parte da crosta original da terra,eram duas ilhas separadas por uma enorme depressão que foi sendopreenchida, ao longo de milhões (bilhões) de anos, por sedimentos marinhos,fluviais e lacustres, formando a atual planície amazônica.

Os estudos geológicos revelam a existência de eventos tectônicos deenorme magnitude durante os primórdios da formação da Terra, sendoimportante, para a história da Amazônia, aqueles ocorridos durante o PeríodoCretáceo (Era Mezozóica), entre 220 e 70 milhões de anos atrás, que resultaramna separação das placas continentais do território de Gondwana. (Figura 1).Essa movimentação dos continentes associada às regressões e transgressõesmarinhas4 formou, na depressão entre as duas ilhas, um enorme golfo abertopara o Pacífico que foi se modificando, a medida que a separação se efetivava.

Rosseti e Toledo (1998) lembram que a deriva das placas continentaisprovocou a abertura de enormes fendas na superfície do planeta, uma das quaisfoi preenchida pelo atual Oceano Atlântico, transformando a América do Sulem uma enorme ilha-continente durante quase todo o Período Cretáceo.

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1 Gondwana foi um supercontinente que existiu até aproximadamente 200 milhões de anos atrás, formado a partir dadesintegração do megacontinente denominado Pangea. O supercontinente gonduânico era formado pelas frações queatualmente constituem a América do Sul, África, Antártica, Austrália e Índia. (www.cprm.gov.br/-Aparados/glossario_geologico.htm - consulta em 25 de fevereiro de 2006).

2 Pangea (em latim = toda a terra), designação empregada para identificar um megacontinente formado pela junção de todosos continentes hoje existentes. A mais de 200 milhões de anos atrás, na Era Mezozóica, esse megacontinente partiu-se,originando dois supercontinentes: a Laurásia formado pela Europa, América do Norte e Ásia, e o Gondwana formado pelaAmérica do Sul, África, Antártica, Austrália e Índia. (www.cprm.gov.br/Aparados/glossario_geologico.htm - consulta em 25de fevereiro de 2006).

3 Deriva – processo geotectônico de afastamento gradual de massas continentais.

4 Regressões (recuos) e Transgressões (avanços) são fenômenos marinhos associados ao clima, que provocam a descida esubida dos níveis dos oceanos, em função das alternâncias de períodos glaciais e interglaciais, respectivamente.

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FFIIGGUURRAA--11 PPAANNGGEEAA,, GGOONNDDWWAANNAA,, LLAAUURRÁÁSSIIAA EE DDEERRIIVVAA CCOONNTTIINNEENNTTAALL

No que diz respeito à formação da planície amazônica, existem muitosestudos mostrando que ela se formou sob a influência de importantes eventosgeológicos que aconteceram em escalas temporais duradouras e de episódiosseqüenciais grandiosos sumarizados por Sioli (1990), da seguinte forma:

A região é limitada, tanto ao norte como ao sul pelos antigosescudos arqueanos das Guianas e do Brasil Central,

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respectivamente. Esses escudos rochosos têm embasamentosgraníticos recobertos por arenito que datam dos Períodos Pré-Siluriano (+ de 430.000.000 de anos) ao norte e Cretáceo(136.000.000 de anos) ao sul. [...] Entre esses escudos, bastanteantigos, está localizada a depressão amazônica que, na EraPaleozóica (2.889 a 570 milhões de anos) estava coberta pelomar, formando um gigantesco golfo aberto para o Pacífico efechado ao leste pela ligação da América do Sul com a África.

Rosseti e Toledo (op. cit.), assim descreveram a história geológica daregião:

Ao longo dos períodos Pré-Siluriano (+ de 430 milhões de anos),Siluriano (430 milhões de anos), Devoniano (395 milhões deanos), e Carbonífero (645 milhões de anos), esse grande golfodepositou sedimentos marinhos que hoje tem até 3.000 metros depossança5 e que estão localizados por baixo da bacia sedimentaramazônica.

Um dos fenômenos de grande impacto na configuração da Amazônia, foia última glaciação do Período Carbonífero (360 – 286 milhões de anos atrás),responsável por enorme regressão marinha que reduziu a altura dos mares emmais de 100 metros abaixo do nível atual. (Sternberg, 1995). Esse evento fezcom que a baixada amazônica se transformasse, talvez pela primeira vez, emterras emersas e redirecionasse, para a direção da então pequena fenda que deuorigem ao Atlântico, parte do sistema fluvial de então, que drenava,inteiramente, em direção ao Pacífico. Esse abaixamento do nível dos oceanos(regressão) também provocou o aparecimento de lagos interiores, de tamanhosvariados, que constituíram elementos novos na paisagem e, portanto, de grandesignificado para a evolução biológica.

Bigarella e Ferreira (1985) indicam a Era Cenozóica (de 65 milhões deanos atrás até os tempos atuais), especialmente o Período Terciário (65 a 1,8milhões de anos) como a idade de excepcional instabilidade tectônica noplaneta, cuja principal marca, na América do Sul, foi o início do levantamento

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5 Possança – indicação de espessura real de corpos tabulares ou lenticulares (camadas, veios). Disponível emwww.unb.br/ig/glossario. Consulta em 15/12/06.

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dos Andes, no final do Mioceno (24 a 5 milhões de anos atrás). Essa novaCordilheira, durante o Plioceno (5 a 1,8 milhões de anos atrás), e Pleistoceno(1,8 milhões a 11 mil anos atrás) passou a impedir, definitivamente, que osistema fluvial da porção oeste da Amazônia, continuasse drenando para oPacífico.

Com isso, as massas líquidas interiores ficaram represadas,transformando a região em uma paisagem aquosa, formada por rios e lagos,que foram colmatando a baixada amazônica com sedimentos de água doce comaté 300 metros de espessura, que constituem as camadas geológicas conhecidascomo Formação Barreiras ou Alter do Chão.

Carvalho (2001), ao descrever a evolução geológica da Terra, registraessas inversões do sistema de drenagem do sistema fluvial amazônico, a partirde 100 milhões de anos atrás, colocando como um evento importante, aemersão das terras baixas entre Manaus e Nhamundá, atual fronteira entreAmazonas e Pará. Segundo ele, a elevação dessas terras obrigou o escoamentodo sistema hídrico da porção oeste em direção ao Oceano Pacíficopermanecendo essa divisão de correntes até muito mais tarde, entre 12 e 65milhões de anos atrás, no Período Terciário, quando surgiu a Cordilheira dosAndes. Esse autor também entende que o sistema montanhoso bloqueou,definitivamente, a vazão em direção ao Pacífico acabando por formar umimenso lago interior barrado, a leste, pelas terras altas de Nhamundá. A medidaque o volume do lago era incrementado pela alimentação hídrica e pluvial,aumentava a pressão sobre o lado mais frágil da barreira, que acabou porromper-se na altura de Breves (PA), formando um canal único de escoamentodo sistema hídrico em direção ao Atlântico e dando início à formação atual dahidrologia regional.

Com a nova drenagem estabelecida no sentido do Atlântico, houve umrebaixamento do nível das águas do lago interior e a paisagem foi passando daforma aquosa para a seca sendo, paulatinamente, coberta pelos organismosprecursores da atual floresta amazônica e sua biota associada.

Essa origem do bioma amazônico sempre despertou a curiosidade decientistas que formularam uma teoria que credita às mudanças climáticasocorridas durante o Pleistoceno e Holoceno, a grande e decisiva influênciasobre a biologia e a evolução das plantas e animais.

Os trabalhos pioneiros e mais relevantes sobre esse assunto forampublicados por Haffer (1969), Vanzolini e Williams (1970); Vanzolini (1973);Prance (1973) e Brown Jr (1976), autores que procuraram demonstrar uma

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relação direta entre glaciação, oscilação de temperatura e de pluviosidade, e oaparecimento de ilhas de vegetação, que sobreviveram isoladamente,constituindo-se em centros de biodiversidade elevada (Teoria dos Refúgios),rodeados por savanas originadas pelas glaciações Pleistocênicas e Holocênicas.As opiniões convergentes desses autores indicam que esses centros de altabiodiversidade se expandiram para toda a planície quando o clima regional seestabilizou, nos últimos 12 mil anos. Essa seqüência de eventos insereelementos importantes para reflexão, uma vez que coloca em evidência o fatoda configuração bio-geológica atual estar indissociavelmente ligada à históriageológica do planeta (Quadro-1).

Não há dúvidas de que, ao longo dos 4,6 bilhões de anos da idade da Terra,aconteceram notáveis episódios geológicos que geraram incontroláveis funçõesde força com enorme poder formador e transformador. Entre esses episódiospodem ser citados os abalos sísmicos extremamente fortes, as erupçõesvulcânicas de grande magnitude que alteraram a qualidade do ar, as significativasmudanças na temperatura média do planeta, o aumento e diminuição do nível domar, e os impactos produzidos pelo choque da Terra com cometas, asteróides efragmentos celestes,6 os denominados Near Earth Objects (Neos).

Além dessas transformações ligadas ao ambiente da própria Terra, épreciso registrar outros fatores de importância decisiva para a evolução doplaneta como: a distância Terra-Sol; os movimentos de rotação e translação; ograu de inclinação do eixo da Terra; a distribuição geográfica dos centros dealta pressão atmosférica; a elevação da Cordilheira dos Andes; e a altura dosEscudos Arqueanos norte e sul, todos eles fundamentais na configuração físicae biológica da atual planície amazônica.

Um outro fator relevante na moldagem do planeta foi o aparecimentodos processos biológicos iniciados com uma atividade microbiana ancestralincipiente, avolumada pelo surgimento da fotossíntese e, muito maisrecentemente, reforçada pela poderosa e destrutiva ajuda modificadora dasações antrópicas.

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6 São bem documentados os registros de 172 crateras, variando de centenas de metros até 200 km de diâmetro, resultantesde impactos sobre a Terra, de fragmentos, meteoros, asteróides e cometas, que produziram drásticas alterações e grandemetamorfismo de choque na superfície do planeta. A energia do impacto melhor documentada aconteceu a 65 milhões deanos, entre os períodos Cretáceo e Terciário, provocado por um corpo de 10 km de diâmetro que abriu uma cratera de 200km de diâmetro conhecida como Chicxulub, no México. A energia liberada por esse impacto foi equivalente a 100 milhõesde megatoneladas, sendo esse evento coincidente com o desaparecimento dos dinossauros. (Monteiro, 2005).

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Uma interessante descrição da nossa história geológica foi feita porSchäfer (1985), para quem a bacia amazônica originou-se de um Graben7 nobasamento dos antigos Escudos Brasileiro e Guiano, representando uma área defraqueza que foi sedimentada no decorrer das épocas geológicas por formaçõesposteriores. A presença deste Graben, que é mais antigo que o Oceano Atlântico,pode ser comprovada desde Guayaquil, no Pacífico, até a foz do Amazonas, noAtlântico, havendo uma evidente continuidade dele no Escudo Africano.

Schäfer (op.cit.), afirma ainda, que a evolução da bacia amazônica podeser caracterizada por dois eventos geológicos decisivos. O primeiro foi aformação de um canal com desembocadura para o Atlântico há cerca de 150milhões de anos (transição do Jurássico para o Cretáceo Inferior) quando ocorreua desintegração do bloco de Gondwana, e o segundo pela perda da ligação como Pacífico por volta de 20 milhões de anos atrás, devido a orogênese dos Andes.

Nesse intervalo de tempo, entre 150 e 20 milhões de anos, o escoamento daságuas dos blocos continentais (Escudo Pré-Cambriano das Guianas e do Escudobrasileiro) separou-se em duas direções, sendo uma para o Atlântico e outra para oPacífico. A divisão interna dessas duas bacias pré-andinas era constituída porrochas areníticas do Cretáceo Superior cujos testemunhos atuais são as Serras dosParecis, Pacaás Novas, do Divisor, Parima e Roraima, essas últimas se mantendocomo limites de bacias dentro do sistema fluvial Amazonas-Orenoco.

Também Grabet (1984), com base em critérios geológicos, geoquímicose biogeográficos, estabeleceu um provável processo da gênese do sistemafluvial Amazonas-Orenoco, que pode ser sumarizado da seguinte forma:

Terciário: >22 milhões de anos. A divisa pré-andina, entre a bacia doPacífico e do Atlântico era formada pelas rochas areníticas doCretáceo Superior;

Mioceno Médio. (em torno de 20 milhões de anos). Início da orogênesedos Andes. Formação de carvão de salinas em áreas isoladas dasbacias sedimentares de molasse8 líminica ou salobra no sistema dedrenagem do Pacífico. No delta do Amazonas, os sedimentosmostram indicações de turbulências e modificações granulométricas.

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7 Graben é um tipo de depressão em forma de vala, provocada pelo deslizamento do terreno entre duas falhas geológicasparalelas. Quando essas falhas se afastam repentina e abruptamente, podem produzir fortes terremotos. Disponível emwww.pr.gov.br/mineropar/htm/glossario/m.html – consulta em 28/11/04.

8 Molasse (molassa) – sedimentação grosseira sin-orgânica e terminal orgânica representativa da erosão inicial das montanhasrecém formadas, depositada nas calhas, sendo formada pelos sedimentos remanescentes do evento geológico.

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Plioceno (5 a 2 milhões de anos). Fase de dobramento intensivo naformação dos Andes. Gênese das bacias sedimentares de molassessubandinas, inicialmente ainda com ligação ao Pacífico (molassemarinha) e posteriormente com influência crescente da água doce(molasse líminica). Adaptação da fauna de água salgada e salobra àscondições de água doce. Desaparecimento da divisa pré-andina queseparava as antigas bacias do Pacífico e Atlântico.

Pleistoceno (2 milhões a 11 mil anos). Provável atividade tectônica noGraben do Amazonas devido a um forte dobramento nos Andes, comas paisagens de estepe provocando o surgimento de rios de águabranca. A fixação de grandes quantidades de águas nas calotas de gelonas regiões polares, durante as glaciações, baixou o nível do Atlânticoprovocando uma erosão mais intensiva nos rios Amazonas e Orenoco.

Holoceno (11 mil anos até os dias atuais). Elevação do mar em 100 metrosacima do nível atual, em decorrência do degelo, promovendo a formaçãode estuários nas desembocaduras do Amazonas e Orenoco Na AmazôniaCentral teve inicio a formação das várzeas, como resultado dorepresamento das águas pela elevação do nível do mar e pelo aumentoda pluviosidade. Nesse Período (Quaternário), ocorreu a gênese davegetação da floresta pluvial tropical e surgiram os rios de água preta,ricos em substâncias húmicas. O que restou do lago Beni ficou ligado aoAtlântico através do sistema Mamoré-Madeira, escoando sobre abarreira de rochas situada entre Porto Velho e Abunã. Uma informaçãode extrema importância é que a movimentação das placas tectônicas bemcomo a orogênese dos Andes continua ativa, nos dias atuais.9

As várias descrições sobre a evolução geológica da Amazônia diferempouco entre si, o que não significa uma finalização sobre o conhecimento doseventos cuja seqüência precisa ser mais esclarecida por pesquisas adicionais.Os saberes atuais, no entanto, revelam que aproximadamente 1,25 x 106 km2 daregião amazônica são ocupados por sedimentos, formando uma bacia alongadade mais ou menos 3.000 km desde os Andes peruanos e colombianos até a fozno Oceano Atlântico. A largura dessa planície varia de 300 km na porção leste,

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9 As placas tectônicas flutuam e se movimentam sobre uma camada mais densa de mais de cinco mil quilômetros deespessura (manto terrestre) que envolve o núcleo líquido interior. Essa movimentação provoca colisão entre as placas quese pressionam abrindo fendas que permitem a irrupção de magma (vulcanismo) e geram ondas de choque e forças de tensãoque liberam poderosas ondas de energia (terremotos, maremotos, tsunamis etc.).

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até 800 km no segmento oeste, antes de chegar aos contrafortes andinos.(Bigarella e Ferreira, 1985).

Atualmente, do ponto de vista ecológico-paisagístico, a Amazônia éconstituída por uma área de cerca de 7.500.000 km2 que se estende pelosterritórios da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Peru,República da Guiana, Suriname e Venezuela.

QQUUAADDRROO--11 EERRAASS,, PPEERRÍÍOODDOOSS EE ÉÉPPOOCCAASS GGEEOOLLÓÓGGIICCAASS..

EERRAA AARRQQUUEEAANNAA ((vvaaii ddee 44,,66 bbii llhhõõeess aa 22,,55 bbii llhhõõeess ddaa aannooss aatt rrááss))

Obs. Período de formação da TerraEERRAA PPRRÉÉ--CCAAMMBBRRIIAANNAA ((vvaaii ddee 22,,55 bbii llhhõõeess àà 999900 mmii llhhõõeess ddee aannooss aatt rrááss))

PERÍODO PROTEROZÓICO

Obs. Período de formação da Terra. Radiação de invertebrados marinhos com corpo moleEERRAA PPAALLEEOOZZÓÓIICCAA ((vvaaii ddee 999900 mmii llhhõõeess àà 224488 mmii llhhõõeess ddee aannooss aatt rrááss..

PERÍODO CAMBRIANO Vai de 990 milhões à 505 milhões de anos atrás.

PERÍODO ORDOVICIANO Vai de 505 milhões à 438 milhões de anos atrás.

PERÍODO SILURIANO Vai de 438 milhões à 408 milhões de anos atrás.

PERÍODO DEVONIANO Vai de 408 milhões à 360 milhões de anos atrás.

PERÍODO CARBONÍFERO SSuuppeerr iioorr – Vai de 360 milhões à 320 milhões de anos atrás.IInnffeerr iioorr: Vai de 320 à 286 milhões de anos atrás

PERÍODO PERMIANO Vai de 286 milhões à 248 milhões de anos atrás.Obs. Radiação adaptativa de invertebrados com exoesqueleto; primeiros peixes com mandíbulas,primeiros insetos; vertebrados marinhos invadem a terra; primeiros répteis; plantas de carbono;aparecimento dos primeiros dinossauros.

EERRAA MMEEZZOOZZÓÓIICCAA ((vvaaii ddee 224488 mmii llhhõõeess àà 6655 mmii llhhõõeess ddee aannooss aatt rrááss

PERÍODO TRIÁSSICO Vai de 248 milhões à 213 milhões de anos atrás.

PERÍODO JURÁSSICO Vai de 213 milhões à 144 milhões de anos atrás.

PERÍODO CRETÁCEO Vai de 144 milhões à 65 milhões de anos atrás.

Obs. Era dos dinossauros; répteis marinhos; mamíferos, tartarugas, pterossauros, primeiros pássaros,

plantas com sementes; radiação adaptativa de plantas com flores; Radiação adaptativa de mamíferos.EERRAA CCEENNOOZZÓÓIICCAA ((vvaaii ddee 6655 mmii llhhõõeess ddee aannooss aatt rrááss aattéé ooss ddiiaass ddee hhoojjee

PERÍODO TERCIÁRIO Vai de 65 milhões à 1,8 milhões de anos atrás

ÉPOCAS

PALEOCENO PALEOCENO. Vai de 65 milhões à 58 milhões de anos atrás.

EOCENO EOCENO. Vai de 58 milhões à 37 milhões de anos atrás.

OLIGOCENO OLIGOCENO. Vai de 37 milhões à 24 milhões de anos atrás.

MIOCENO MIOCENO. Vai de 24 milhões à 5 milhões de anos atrás.

PLIOCENO PLIOCENO. Vai de 5 milhões à 1,8 milhões de anos atrás.

Obs. Primeiras baleias; primeiros morcegos; primeiros macacos

PERÍODO QUATERNÁRIO. Vai de 1,8 milhões de anos aos dias atuais

ÉPOCAS

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PLEISTOCENO PLEISTOCENO. Vai de 1,8 milhões à 11 mil anos atrás.

HOLOCENO HOLOCENO. Vai de 11 mil anos atrás até os dias de hoje

Obs: Era dos mamíferos. Primeira família taxonômica do homemAdaptado de: www.avph.hpg.if.com.br/eras.htm – consulta em 21/09/2006.

www.libreria.com.br – consulta em 16/03/2006.www/guia.heu.nom.br.era_geologica.htm – consulta em 16/03/2006.

2. AMAZÔNIA CONTINENTAL ATUAL

Como conseqüência dos processos anteriormente descritos, a baciaamazônica apresenta uma enorme variedade de características que vêm sendoestudadas por especialistas de várias áreas do conhecimento, cada umformulando suas hipóteses e teorias na perspectiva de ajudar a entender acomplexidade da região e dos sistemas nela inseridos.

Irion (1976), p. ex., usou as características mineralógicas para subdividira Amazônia em:

1. Escudos Pré-Cambrianos;2. Formações Paleozóicas;3. Terciário Íntegro;4. Cretáceo;5. Sedimento Andinorogênico;6. Quaternário.

Fittkau (1976) considerou que as condições geológicas e pedológicasassociadas ao clima e a estrutura vegetal é que determinam as diferentesconformações da bacia amazônica e influenciam a distribuição das águasbrancas, claras e pretas, Com base nessa hipótese, ele delimitou as seguintesregiões geoquímicas:

1. Amazônia Central;2. Região Periférica do Norte;3. Região Periférica do Sul;4. Região Periférica do Oeste.

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O mesmo autor, posteriormente, fez um sumário das característicasgeoquímicas da Amazônia (Fittkau, 1981) que foram sumarizadas por Schäfer(1985). Quadro-2.

QQUUAADDRROO--22 RREEGGIIÕÕEESS GGEEOOQQUUÍÍMMIICCAASS DDAA AAMMAAZZÔÔNNIIAA..

Fonte: Fittkau, 1981 modificado por Schäfer (1981).

Geologia

Solos

Vegetação

Águas

Substâncias emsuspensão

pH

Condutividade elétrica(μ/cm)

Cálcio (mg/l)

P total (ug/l)

Moluscos de águadoce com conchacalcárea

Amazônia Central

Sedimentos terciáriose material dosescudos Pré-Cambrianos,altamente corroídos elixiviados.

Extremamentecauliníticos e oligotróficos,oxissolo e podsolo

Hiléia

5 mg/l. rica em ácidos

3,7 -5,5

5 – 10

< 0,02

2,5 – 13

(-)

Regiões Periféricas Norte e Sul.

Escudos Pré-Cambrianos comcobertura desedimentosMezozóicos, Terciáriose Pleistocênicos.

Cauliníticosmoderadamenteoligotróficos, emregiões diabásicas,argilas marrons,eutróficos.

Hiléia e Cerrado

5 mg/l

5,5 – 6,3

10 – 20

0,2 – 1,25

3,9 – 27,0

(+)

Região PeriféricaOeste

Sedimentos Terciáriose Pleistocênicoslevemente corroídos elixiviados, de origemheterogênea, partevulcânicos e partemarinhos.

Ilítico-cauliníticos, até montmorilonítico, relativamenteeutróficos.

Hiléia e vegetaçãoandina

20-300 mgl

6,8 – 7,2

30 – 200

7,0 – 18

30 – 100

(+)

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Essa divisão ecológica, constituída por uma região central pobre emnutrientes, cercada por áreas marginais mais ricas e mais produtivas, não éfacilmente visualizada na prática. Uma das dificuldades reside no fato de todosos grandes rios (caudais) que cortam a região terem suas nascentes nas regiõesperiféricas, de onde carregam sedimentos ricos em nutrientes que sãodepositados nos largos vales, formando prolongamentos das regiões dascabeceiras, em plena Amazônia Central. (Fonseca, 1984).

Uma evidência desse prolongamento da Amazônia Periférica pela AmazôniaCentral, é a presenca de Salix martiana,10 a única espécie de salgueiro na região,originária da faixa pré-andina e que se distribui ao longo da calha Solimões-Amazonas, até a foz do rio Xingu, em pleno espaço central amazônico, por causa dasimilaridade edáfica com os sítios de origem. (Oliveira e Piedade, 1998).

Essa multivariedade paisagística decorrente dos processos geológicos eclimáticos do passado é revelada por ecossistemas com características físicas,químicas e biológicas bastante diversas, levando muitos autores a proporemoutras divisões amazônicas baseados em algum fator diferencial queconsideraram relevantes.

Uma das contribuições mais exaustivas para o entendimento docomplexo amazônico foi dada por Benchimol (1996)11 que, a partir de umavisão geográfica, dividiu a Amazônia em:

a. Amazônia Atlântica. Representada por cerca de 1.500 km delitoral oceânico formado pela região costeira dos Estados doAmapá, Pará, Golfo Maranhense de São Luiz, e GolfoMarajoara;

b. Amazônia ribeirinha. Domínio da rede de drenagem da baciahidrográfica constituída por cerca de 25.000 km de rios

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10 Alguns autores, como Junk (1997), denominam essa espécie como Salix humboldtiana, outros como Fittkau (1969) achamam de Salix martiana, havendo ainda a citação de Salix humboldtiana var. martiana (Leyb) Anders, 1868, como indicadopor Revilla (2002).

11 Samuel Isaac Benchimol, amazonense de Manaus, nasceu em 13 de junho de 1923. Bacharel pela Faculdade de Direito doAmazonas, Mestre em Sociologia (major) e Economia (minor) pela Miami University, Oxford, Ohio, USA (1941/1945) eDoutor em Direito, aprovado por concurso público realizado pela Faculdade de Direito do Amazonas em 1954. Foi professorde ensino primário, médio e universitário, figura relevante no setor privado e um dos mais importantes amazonólogos, tendoescrito mais de 100 trabalhos sobre a problemática amazônica. Seu trabalho “Grupos culturais na formação da Amazôniabrasileira e tropical” apresentado no 2.º Encontro Regional de Tropicologia, realizado em Manaus, em 1985, mereceu aseguinte declaração de Gilberto Freire: “Trata-se, a meu ver, de estudo momumental da Amazônia, em que, ao saber, se juntaàquela camoniana experiência que dá, ao saber, a dimensão magnífica de sabedoria. É obra que se situa entre os clássicosno assunto [...] E ao seu caráter de obra clássica, acrescenta a modernidade do arrojo futurológico”.

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navegáveis, sendo que cerca de 3.400 de Belém a Tabatinga, nacalha principal do rio, que é subdivida em Baixo, Médio e AltoAmazonas.

c. Amazônia mediterrânea setentrional ou Amazônia Guiano-Orinocense. Limitada ao norte pelo escudo cristalino,representado pelo sistema orográfico das Guianas, constituídapelo:- Pediplano do Alto rio Negro;- Serras do Imeri-Tapirapecó (Pico da Neblina com 3.014 m);- Serras Parima, Paracaima;- Região montanhosa que vai da Serra da Lua à Tumucumaque;- Pediplano do Amapá.

d. Amazônia mediterrânea meridional. Área de transição da florestatropical chuvosa, marcada pela predominância de cerrados, ecujo limite sul são os escudos amazônicos e o Planalto Central doBrasil;

e. Amazônia cisandina. Iniciando nos Estado de Rondônia e Acre ena região do Alto Amazonas, incluindo as cabeceiras dos vales dosrios Madeira, Purus, Juruá, Javari, Içá e Japurá, e prosseguindopelos contrafortes dos Andes para terminar nas nascentes, do rioUcayale e no seu principal tributário, o rio Marañon.

Benchimol (op. cit.) também estabeleceu uma divisão ecológica,tipificando a Amazônia em três ecossistemas básicos que ele denominou de:

a. Planície de inundação: formada por várzeas e igapós queocupam cerca de 5% da área;

b. Terras Firmes: que incluem aproximadamente 95% da área daAmazônia Legal, dominada pela floresta equatorial densa degrande biomassa;

c. Terras não florestadas.

Lamentavelmente o acervo bibliográfico sobre a Amazônia recebe umaquantidade considerável de contribuições superficiais configuradas em textos

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imprecisos e conteúdos equivocados. Um exemplo desse tipo desuperficialidade com equívocos é a primeira edição da obra “O livro de ouroda Amazônia” (Meirelles Filho, 2004), onde são imperdoáveis alguns deslizesintroduzidos em uma subdivisão da Amazônia que é transcrita a seguir e cujasgraves distorções são evidenciadas nas Notas de Rodapé.

Amazônia biológica. – o Domínio Ecológico da Amazônia ou BiomaAmazônico, possui 3,68 milhões de km2. Se somado às zonas detransição (ecótono) com o bioma Cerrado (414 mil km2) e com o biomada Caatinga (144 mil km2) seu total será de 4,24 milhões de km2.

Região Norte. Segundo o conceito da divisão política do Brasil,esta abrange seis Estados Rondônia, Amazonas, Roraima, Pará,Amapá e Tocantins.12

Amazônia Legal – conceito criado em 1953 pela ConstituiçãoFederal,13 para incluir a faixa do Estado de Mato Grosso ao nortedo paralelo 16º S,14 o atual Estado de Tocantins15 (antigamente eraa faixa do Estado de Goiás ao norte do paralelo 13ºS) e a regiãosituada no Estado do Maranhão16, a oeste do meridiano 44º.

Outros autores, com mais cuidado e conhecimento, formularam divisõesmelhor estruturadas, entre eles Djalma da Cunha Batista17 que identificou aexistência de três Amazônias tipificadas sob o prisma da geografia humana,

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12 O livro de Meirelhes Filho (2004), na página 27, comete duas vezes o erro de afirmar que a Região Norte é formada por 6(seis) Estados, omitindo o Estado do Acre.

13 Novamente o autor comete um erro a respeito da Amazônia, pois o conceito de Amazônia Legal foi criado pela Lei 1.806 de06 de janeiro de 1953 e não pela Constituição Federal.

14 Aqui um outro erro, pois o Estado de Mato Grosso foi criado pela Lei Complementar n.º 31 de 11 de outubro de 1977.

15 O Estado do Tocantins, na realidade, só foi criado pelo Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988 enão serve como limite da Amazônia Legal já que a MP 2.166-67 (21/08/2001), ainda em tramitação, mantém o paralelo 13ºcomo limite dessa área, permanecendo o equívoco de incluir e excluir, através de uma linha reta, (paralelo), porções dosdois Estados que são separados por uma fronteira sinuosa.

16 A verdade é que a inclusão da parte do Estado do Maranhão a oeste do meridiano 44º WGr. foi feita pelo artigo 2.º da Lei1.806 de 06 de janeiro de 1953.

17 Djalma da Cunha Batista nasceu em Tarauacá, no Acre, em 20 de fevereiro de 1916, mudando-se para Manaus, onde estudouno Colégio Dom Bosco. Formou-se em Medicina, em 1939, na Universidade da Bahia, retornando para Manaus onde exerceusua profissão mantendo, paralelamente, uma vida dedicada à pesquisa científica e à cultura humanística. Foi eleito para aAcademia Amazonense de Letras sendo hoje Patrono de uma das Cadeiras, honraria que se repete na Academia Amazonensede Medicina. Ocupou vários cargos entre os quais o de Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa. Morreuem Manaus, no dia 23 de agosto de 1979.

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(Batista, 1975), cuja descrição é a seguir sumarizada em razão de suapersistente atualidade.

A Primeira Amazônia composta por Manaus e Belém, cidades queservem de modelo para as demais capitais, podendo ser incluída aí a cidade deSantarém que o autor preconiza como uma futura capital. Djalma Batista nãoaceitava a inclusão de São Luiz e Cuiabá como cidades amazônicas, chegandoa perguntar “Quem, nelas, porém, se sente amazônico?” e a afirmar: “São Luizé fundamentalmente nordestina e Cuiabá bem no limite da Amazônia, está todavoltada para o Brasil Meridional. Ambas, mantêm vínculos históricos, políticose, sobretudo, sociais com a Amazônia, porém econômica e culturalmente, estãodesligadas da planície.” Para ele, essa primeira Amazônia, com duas cidadesprincipais tinham características próprias, realçando-se o fato de serem sedesdos governos estaduais, manterem a representação de entidades federais, terema melhor assistência médica e as melhores escolas, sendo, por isso, pólos deatração da economia. É também para elas que convergiam navios, aviões,visitantes e imigrantes, indústrias de maior sofisticação tecnológica, empresasprestadoras de serviços modernos, a maior parte das rendas tributárias, ocomércio intenso e a produção e exportação de bens. Para concluir, DjalmaBatista caracterizou essas capitais da primeira Amazônia como estruturastrabalhadas pela civilização.

Na Segunda Amazônia são reunidas as cidades sedes dos municípios dointerior, tanto as que se encontravam em fase de desenvolvimento, comoaquelas que apenas tinham rótulo de cidade. Os governos se esforçavam paraimplantar alguma modernidade na infra-estrutura básica, construindo unidadesde saúde mal equipadas, escolas de nível muito ruim, aeroportos, poçosartesianos, estações de telefonia e reprodução de imagens de TV, mas apopulação, apesar da aparente figura de citadina, mantinha profunda relaçãocom a atividade extrativista. Nem mesmo a inserção de núcleos universitáriosmudava a feição da Segunda Amazônia.

A terceira Amazônia foi descrita como sendo composta por um númerodesconhecido de famílias, vivendo em estado de profunda desagregação social,sem perspectivas de futuro, em condições subumanas, embrutecidas eaviltadas, conformadas com o destino que é definido pelos donos da terra. Elasformavam vilas, povoados, sítios, se alojavam em fazendas, seringais,castanhais, pontos de comércio, se alimentando da caça, da pesca, de frutos dafloresta e de produtos de uma incipiente cultura de subsistência.

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Usando o critério da oferta de energia Fonseca (2000), tambémidentificou três Amazônias que são descritas como:

– Amazônia do Mercado das Capitais, que também pode serdenominada de Mercado do Capital, formada por Manaus eBelém onde a demanda, a oferta e o consumo de energia sãobastante elevados.

– Amazônia do Mercado Concentrado, que congrega as sedesmunicipais do interior, onde existe uma enorme demandareprimida e onde a oferta de energia, feita por empresa estatal,mantêm unidades geradoras movidas a óleo diesel, com preço deprodução muito superior ao preço de venda, com a diferençasendo coberta pela Conta Consumo de Combustível (CCC).18

– Amazônia do Mercado Disperso formada pelas comunidadesisoladas onde as transações comerciais, fundadas noextrativismo, são executadas sob o regime de troca de produtos dafloresta “in natura”, por produtos industriais de alto valoragregado. Essas localidades, muito identificadas com a terceiraAmazônia de Djalma Batista, por não terem economiamonetarizada, jamais vão ser contempladas pelas empresasconcessionárias de energia elétrica o que as transforma em locaisonde a energia deixa de ser um insumo econômico para serinsumo social, cujo provimento é dever do Estado.

Além dessas, a região ainda pode ser subdividas em outroscompartimentos que aglutinam elementos importantes de tipificaçãoespecifica, como: ecológico, (várzea, igapó, terra-firme); florístico (florestaprimária, de cipó, de altitude, capoeira, campina, manguezais, savanas,campos, etc.); de relevo (altas montanhas, serras, morrotes, baixios, platôs,

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18 A Conta Consumo de Combustível (CCC) foi criada em 1973 para subsidiar a geração térmica com diesel e óleo combustívelnos sistemas isolados do norte do país, com a expectativa de que o encargo, repassado através da tarifa, fosse extinto em2010, mas teve seu prazo prorrogado até 2020 pela Lei n.º 10.438 de 26/04/2004. Atualmente o sistema isolado de Manaus(AM) representa 44% da CCC, o de Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC) 23%, os da Companhia Energética do Amazonas(Ceam – que atua no interior do Estado) 10% e o de Macapá (AP) 6%. O restante da conta é distribuído nos sistemas isoladosde outros Estados (www.folha.uol.com.br – consulta em 20/05/2005 e www.cerpch.unifei.edu.br – consulta em03/02/2006).

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encostas); hídricos (água branca, preta, cristalina, igarapés de floresta, lagosde várzea), etc.

As divisões de escala macro, meso e micro só são possíveis de seremformuladas por causa do tamanho da Amazônia Continental que se insere emuma área de 7,5 milhões de km2 19 (MMA, 1997), equivalente a 42% da superfícieda América do Sul20 e 5% da área terrestre do globo.21

(www.amazonialegal.com.br). Esse enorme espaço territorial se expande pornove países da América do Sul, chegando a representar cerca de 60% dasuperfície conjunta da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana Francesa,Peru, República da Guiana, República do Suriname e Venezuela. (MMA, op. cit.)

Por esse vasto território espalha-se a maior floresta tropical úmida daTerra, denominada Hylea ou Hiléia,22 com cerca de 7,0 milhões de km2,cobrindo a maior parte da bacia hidrográfica do rio Amazonas. Ao norte, afloresta transcende os limites dessa bacia, e para o sul é substituída por outrasformações vegetais, especialmente campos, savanas e cerrados.

A Amazônia atual, também denominada Amazônia Continental, GrandeAmazônia ou Panamazônia contém algumas características importantes,referidas por vários autores, que são a seguir indicadas. 23

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19 A Amazônia Legal brasileira, segundo a Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA – tem uma área de 5.035.791 km2

e a diferença para os cerca de 7,5 milhões de km2 da Amazônia Continental fica por conta dos quase 2,5 mil km2 inseridosnos demais paises amazônicos (Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Peru, República da Guiana, República doSuriname e Venezuela).

20 A América do Sul é formada por 14 países a seguir nomeados por ordem decrescente de seus espaços territoriais: Brasil:8.514.200 km2; Argentina: 2.766.890 km2; Peru: 1.285.220 km2; Colômbia: 1.138.910 km2; Bolívia: 1.098.580 km2;Venezuela: 912.060 km2; Chile: 756.950 km2; Paraguai: 406.750 km2; Equador: 283.560 km2; Guiana: 214.970 km2; Uruguai:176.220 km2; Suriname: 163.270 km2; Guiana Francesa: 157.213 km2; Trinidad Tobaco: 5.128 km2.

21 A superfície da Terra é de 510.065.500 km2, dos quais ?30% (149,67 milhões de quilômetros quadrados) são de terrasemersas e mais ou menos 70% (360,63 milhões de quilômetros quadrados) são de superfície líquida.

22 A expressão hhii lléé iiaa, segundo Braga (2003), “apareceu na antiga Grécia e, pelo registro de Antonio Houaiss, sua etimologiavem de hulaia (= do bosque, selvagem), significando um inseto Hymenoptero, da palavra grega hydaros ou hileu, ou, comooutros assinalaram, o correspondente a hylaíe, de hylé (= madeira), na região da Sarmácia européia, até que Alexander vonHumboldt resolveu adotá-la na condição de termo reconhecidamente erudito para designar a região botânica existente nasselvas da Amazônia, especificamente a que se localiza ao derredor do rio das Amazonas que ele vinha penetrando emreconhecimento científico.”.

23 Dados retirados de www.ada.gov.br; www.mma.gov.br/sca; www.amazonialegal.com.br; www.ambientebrasil.com.br.Consulta em 26/12/2005.

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1. 1/5 da água doce do Planeta (sic);24

2. 1/3 das florestas latifoliadas;25

3. 1/3 das árvores do mundo;4. 80.000 espécies vegetais;5. Mais de 200 espécies de árvores por hectare;6. 30 milhões de espécies animais;7. Aproximadamente 1.500 espécies de peixes conhecidas;8. Cerca de 1.300 espécies de pássaros;9. Mais de 300 espécies de mamíferos;10. 10% da biota universal;11. 1/20 da superfície da Terra;12. 750 milhões de hectares (500 milhões no Brasil);13. 4/10 da América do Sul;14. Mais de 30% da biodiversidade do Planeta; 15. 350 milhões de hectares de florestas;16. 17 milhões de hectares de Reservas e Parques Nacionais17. O maior rio do mundo em extensão (Amazonas, com 6.577 km);18. Maior rio do mundo em volume de água

(vazão média de 200.000 m3/s);19. Aproximadamente 80.000 km de rios;20. Cerca de 25.000 km de vias navegáveis;.21. A maior província mineral do globo;22. Mais ou menos 30% do estoque genético da Terra.

Essa enorme e complexa região, cujos recursos naturais sãocompartilhados por nove Nações, constituídas por complexas sociedadespolíticas e enorme diversidade cultural, precisava de um mecanismo deentendimento mútuo para debater o patrimônio biológico comum.

Visando atingir esse objetivo, os países amazônicos assinaram umacordo internacional, denominado Tratado de Cooperação Amazônica (TCA)com o respaldo das Repúblicas da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana,

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24 Esse conceito precisa ser revisto, pois a quantidade estimada de água doce no Planeta inclui os glaciais, os gelos eternos,o gelo polar, a água subterrânea, a água do solo e dos rios. Na realidade, o rio Amazonas, como receptor dos rios da bacia,despeja no Oceano Atlântico, cerca de 20% da água de descarga de todos os rios do mundo, não sendo verdadeira ainformação de que o Amazonas detém cerca de 20% da água doce do Planeta.

25 Latifoliada significa uma floresta que apresenta folhas grandes, largas e achatadas.

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Peru, Suriname e Venezuela.26 Esse Tratado, em última instância, forma umcondomínio multinacional constituído e conduzido pelos paises membros daAmazônia, abrigando uma idéia diferente do condomínio internacional, com osentido de internacionalização, proposto por líderes mundiais que sinalizavamuma coordenação por países cujos territórios não estão incluídos nessa faixa defloresta tropical úmida.

As premissas do Tratado dizem que: “As Nações conscientes, animadas,convencidas, cônscias seguras e persuadidas, resolveram assinar o Tratado”,que, em seu artigo primeiro, estabelece:

Artigo I – As partes contratantes convêm realizar esforços e açõesconjuntas, a fim de promover o desenvolvimento harmônico deseus respectivos territórios amazônicos, de modo que essas açõesproduzam resultados eqüitativos e mutuamente proveitosos, assimcomo para a preservação do meio ambiente e a conservação eutilização racional dos recursos naturais desses territórios.

Parágrafo único – Para tal fim, trocarão informações econcertarão acordos e entendimentos operativos, assim comoinstrumentos jurídicos pertinentes que permitam o cumprimentodas finalidades do presente Tratado. (MRE, s.d.)

O Tratado, que contém 28 artigos, foi assinado em Brasília, em 03 dejulho de 1978, mas ficou nas gavetas ministeriais de vários governos até que,por iniciativa do Dr. José Seixas Lourenço, Secretário de Coordenação daAmazônia (MMA) do primeiro mandato do presidente Fernando HenriqueCardoso (1995-1998), o documento foi resgatado e colocado em discussãopelos países membros. Depois de vários encontros preliminares, em 14 dedezembro de 1998, foi realizada, em Caracas (Venezuela), uma reunião dasNações signatárias, ocasião em que foi assinado um Protocolo de Emendadestinado, segundo o texto original, “a aperfeiçoar e fortalecer institucional-mente, o processo de cooperação desenvolvido sob a égide do mencionadoinstrumento”.

A Emenda criou a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica(OTCA), dotada de personalidade jurídica, com competência para celebrar

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26 A Guiana Francesa, por ser colônia, não teve autonomia para assinar o Tratado.

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acordos com as Partes Contratantes, com Estados não membros e com outrasorganizações internacionais.

Para aumentar sua finalidade operacional, a Emenda modificou o ArtigoII criando uma Secretaria Permanente com sede em Brasília, visando aimplementação dos objetivos previstos no Tratado. Mesmo com o esforço paraa introdução da Emenda, a Secretaria Geral Permanente só foi instalada emBrasília, em maio de 2004, tendo assumido sua chefia, a equatoriana RosaliaArteaga.

O Decreto Legislativo n.º 44 do Senado Federal (1204/2006), aprovou otexto do acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e aOrganização do Tratado de Cooperação Amazônica.

3. AMAZÔNIA BRASILEIRA: AMAZÔNIA LEGAL E REGIÃO NORTE

A divisão do território do brasileiro, em vinte e seis Estados e umDistrito Federal tem natureza e função político-administrativa embora asUnidades Federadas possam ser agrupadas em blocos nitidamenteidentificados por aspectos de similaridade física, cultural, econômica, históricae social.

Essas características aglutinantes permitiram a configuração de divisõesde maior amplitude - Norte, Nordeste, Sudeste, Sul, e Centro-Oeste – que sãousadas pelo poder público para diversos tipos de registro e para comparaçõesinter-regionais.

A Primeira Divisão Oficial do Brasil foi feita pela Circular n.º 1 de31/01/1941, editada pela Secretaria da Presidência da República, com base nosprincípios estabelecidos por Guimarães (1941)27 para quem a geografia físicadeveria ser o argumento divisional mais robusto, já que os aspectos humanose econômicos, por serem muito instáveis, facilmente se tornariam obsoletoscom o passar do tempo.

Essas macro-regiões também apresentam subsistemas internos bastantecaracterísticos permitindo que sejam estabelecidos subconjuntos que podem seexpandir pelos territórios dos vários Estados, compondo um cenário de

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27 Fábio de Macedo Soares Guimarães, carioca nascido em 29/04/1906, foi geógrafo, engenheiro e professor e um dosfundadores do Conselho Nacional de Geografia. Suas idéias foram decisivas para a transformação do antigo Instituto Nacionalde Estatística (INE), em Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge). Morreu em 1979, deixando um importante legadopara o conhecimento da geografia brasileira.

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relevante importância do ponto de vista paisagístico, ambiental,administrativo, legal, etc..

A Região Nordeste se subdivide em Zona Litorânea, de Dunas, da Mata,Agreste, Sertão etc.; Na Região Sudeste são distinguíveis a Serra do Mar, Serra daMantiqueira, Mata Atlântica, Baixada Fluminense, Baixada Santista, regiãopraiana, etc.; no Sul pode-se mencionar Serra do Mar, Serra Geral, Aparados daSerra, Planície Costeira, Planalto, Pampa etc.; e no Centro-Oeste a divisãoidentifica Pantanal, Cerrado, Chapada, Planalto Central, Floresta Amazônica, etc.

A Região Norte apresenta alguns elementos de intensa similaridade entreos sete Estados, entre os quais se destacam a configuração do bioma, omacroclima, a origem dos solos, a interação das bacias hidrográficas, aformação histórica e a identidade cultural de suas populações Apesar dessasimilaridade geral é possível distinguir subdivisões ecossistêmicas que seespalham ou não por mais de um Estado, como várzea, terra-firme, igapó, águabranca, água preta, água cristalina, região pré-andina, região de montanhas etc.

Há, contudo, uma outra divisão denominada Amazônia Legal, queincorpora 59,1% do território brasileiro, formada por nove Estados, sendo queoito deles, segundo a Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA28 sãoincluídos integralmente (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará,Rondônia, Roraima e Tocantins), e um, o Maranhão, tem sua inclusão restritaàs terras situadas a oeste do meridiano 44º WGr.

A origem dessa unidade territorial é o artigo 199, e seu parágrafo único,inseridos no Título IX, Disposições Gerais, da Constituição Federal de 1946que diz:

Artigo 199. Na execução do plano de valorização econômica daAmazônia, a União aplicará, durante pelo menos vinte anosconsecutivos, quantia não inferior a três por cento de sua rendatributária.

§ Único. Os Estados e os Territórios daquela região, bem como osrespectivos municípios, reservarão, para o mesmo fim,anualmente, três por cento das suas rendas tributárias. Os

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28 www.ada.gov.br – consulta em 28/03/05. Vale aqui ressaltar que essa definição da ADA não é condizente com a MedidaProvisória 2.166-67 de 24 de agosto de 2001 (em tramitação no Congresso Nacional) onde é mantido o paralelo 13º S, naregião dos Estados de Goiás e Tocantins, um limite que subtrai e adiciona porções das duas Unidades Federadas na AmazôniaLegal, em razão da sinuosa fronteira geográfica que os separa.

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recursos de que trata este parágrafo serão aplicados porintermédio do governo federal.

A regulamentação deste dispositivo constitucional foi feita pela Lei n.º1.806 de 6 de janeiro de 1953 que dispôs sobre o Plano de ValorizaçãoEconômica da Amazônia e criou a Superintendência de sua execução(Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia –SPVEA) e que, em seu artigo 2º definiu a área a ser beneficiada pelosincentivos fiscais e financeiros, dizendo:

Artigo 2.º A Amazônia brasileira, para efeito de planejamentoeconômico e execução do Plano delimitado nesta lei, abrange aregião compreendida pelos Estados do Pará e Amazonas, pelosTerritórios Federais do Acre, Amapá, Guaporé e Rio Branco, eainda a parte do Estado de Mato Grosso a norte do paralelo 16º,a do Estado de Goiás a norte do paralelo 13º e a do Maranhão aoeste do meridiano de 44º.

Ao criarem uma Amazônia brasileira artificial, os legisladoresconsolidaram um absurdo geográfico surgido de uma aberração jurídica criada,exclusivamente, para estender para os Estados de Mato Grosso, Goiás eMaranhão, que não tinham e não tem identidade amazônica, os incentivosfiscais e os recursos destinados pela Constituição Brasileira de 1946.

Essa Lei criou alguns mecanismos de ordem operacional como o Fundode Valorização Econômica da Amazônia, constituído com 3% da renda tributáriada União (Artigo 8.º § 1.º, letra a); com 3% da renda tributária dos Estados,Territórios e Municípios, total ou parcialmente compreendidos na área daAmazônia Brasileira (letra b); com as rendas oriundas dos serviços do Plano deValorização Econômica da Amazônia, ou sua exploração dos atos ou contratosjurídicos dela decorrentes (letra c); e com o produto de operações de crédito e dedotações extraordinárias da União, dos Estados ou Municípios (letra d).

Essa enorme quantidade de dinheiro acendeu a cobiça dos estadosperiféricos que condicionaram sua adesão ao projeto, à inclusão de parte deseus territórios na área definida pela Lei. Com isso, a unidade territorialoriginada na negociação política para aprovação da Lei, é de tal formagigantesca que em seu interior caberiam todos os paises da Europa, antes dasrecentes adesões à Comunidade Européia. (Figura-2).

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FFIIGGUURRAA--22 AASS DDIIMMEENNSSÕÕEESS RREELLAATTIIVVAASS DDAA AAMMAAZZÔÔNNIIAA..

Essa insensatez política incluiu três estados (Maranhão, Mato Grosso eTocantins), cujos habitantes, evidentemente, não tinham e não têm história nemtradição amazônica. Ninguém duvida que os maranhenses têm uma identidadecultural nordestina; os matogrossenses apesar da divisão do Estado em duasUnidades Federadas, sempre foram muito mais pantaneiros do que nortistas; oshabitantes do atual Estado de Tocantins criado a partir de um pedaço de Goiás,nunca tiveram identidade amazônica e o próprio portal do governo estadual(www.to.gov.br – consulta em 13/02/2006) informa que o estado possui climatropical e a vegetação predominante é o cerrado que cobre 87,85% da área totalsendo o restante ocupado pela floresta amazônica.

Assim, a expressão Amazônia Legal foi cunhada em razão de ter sidodefinida por lei (Amazônia da lei) o que evidencia ser ela apenas um conceitosem estruturação física e funcional definida, a não ser a submissão dos

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interesses regionais às pressões políticas. Esse viés, no mínimo curioso, acaboupor descaracterizar o conceito de Região Amazônica que deveria ter suadefinição fundada, exclusivamente, em suas peculiaridades geográficas,biológicas e sócio-culturais, deixando de fora as imposições de caráter político,como lembrou Collyer (2002).

Durante o governo militar instalado em 1964, fortes denúncias deirregularidades levaram à extinção da SPVEA que foi substituída por uma novaAgência – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM)criada pela Lei 5.173 de 27 de outubro de 1966. Esse organismo deplanejamento e desenvolvimento também foi alvo de denúncias deirregularidades levando o Presidente Fernando Henrique Cardoso, 35 anosdepois, a extinguí-la através da Medida Provisória 2.157 de 24 de agosto de2001, que também criou um novo organismo denominado Agência deDesenvolvimento da Amazônia – ADA. Atualmente, para o governo central doBrasil, segundo o site da ADA29 a Amazônia Legal compreende a totalidade dosestados do Acre, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima,Tocantins e parte do Maranhão.

A questão é de tal forma complexa que nem mesmo uma série dedispositivos legais editados nos últimos sessenta anos, (Quadro-3), conseguiudar um fim às distorções derivadas do pecado original. Até a Medida Provisórian.º 2.166 que foi editada para ajustar questões referentes ao Código FlorestalBrasileiro (Lei 4.771 de 15 de setembro de 1965), foi incapaz de colocaralguma luz no problema já que em seu artigo 1.º §2.º item VI, recepciona aexpressão, mas peca na definição de sua configuração geográfica.

Artigo 1.º [...].§ 2.º Para efeito deste Código entende-se por[...]VI Amazônia Legal: os Estados do Acre, Pará, Amazonas,Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situadasao norte do paralelo 13.º S, dos Estados de Tocantins e Goiás eao oeste do meridiano de 44.º W do Estado do Maranhão,

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29 www.ada.gov.br - consulta em 21/12/2005.

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totalizando 5.217.423 km2 o que corresponde a cerca de 61% doterritório brasileiro.30

Como essa MP, reeditada até o número 2.166-67, continuava emtramitação no Congresso Nacional, em janeiro de 2007, (www.planalto.com.br– consulta em 20.02/2007), é possível esperar modificações no texto,especialmente no artigo 1.º § 2.º item VI que insere as “regiões ao norte doparalelo 13º S dos Estados de Tocantins e Goiás” na área da Amazônia Legal.Como esses dois Estados são separados por um limite geográfico bastantesinuoso a MP, repetindo o erro de legislações passadas, coloca e retira porçõesterritoriais das duas unidades federadas na área amazônica.

A esse respeito vale lembrar que, em 1997, um deputado goiano sugeriuque os limites da Amazônia Legal fossem estendidos até 13º 30’ S, umaproposta que objetivava retirar da Região Centro-Oeste os problemasambientais decorrentes da construção da UHE de Serra da Mesa, no extremonorte do estado goiano. Da forma como o governo negocia seus projetos noCongresso Nacional, é bem possível que esse absurdo tenha sido colocadopropositadamente, quem sabe com a expectativa de incluir aquela UsinaHidrelétrica e seus problemas ambientais, na Amazônia chamada Legal. Issolivraria a Região Centro-Oeste, onde se insere o Distrito Federal, de umdesconfortável problema ambiental e ainda permitiria o governo fazermarketing político alardeando mais um investimento do setor elétrico naporção setentrional do território brasileiro.

Vale ressaltar que a área da Amazônia Legal sempre foi algo apenasestimado por causa das dificuldades de calcular, com exatidão, a dimensão dasporções territoriais, de Mato Grosso, Goiás e Maranhão, que estavam nelainseridas. Como não havia a metodologia das imagens orbitais, nem a precisãodo GPS, (Global Positioning System), era quase impossível definir a áreadesses três estados subdivididos por meridiano (MA) e paralelos (GO e MT).

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30 Os dados sobre a área da Amazônia Legal diferem segundo a fonte. Para o site www.amazonialegal.com.br, por exemplo, aárea total é de 5.035.791 km2, que parece o tamanho mais acertado tendo em vista o exposto nas notas da tabela-2; o sitewww.sivam.gov.br indica 5,2 milhões de km2; a homepage www.basa.gov.br registra 5,1 milhões de km2, correspondendo a58,9% do território brasileiro. Consultas em 21/12/2005.

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QQUUAADDRROO--33 SSUUMMÁÁRRIIOO DDAA LLEEGGIISSLLAAÇÇÃÃOO SSOOBBRREE AA AAMMAAZZÔÔNNIIAA LLEEGGAALL

LLEEGGIISSLLAAÇÇÃÃOO DDAATTAA SSUUMMÁÁRRIIOO

Constituição brasileira de 19468/09/1946

Cria, em seu artigo 199, o Plano deValorização Econômica da Amazônia.

Lei n.º 1.806 06/01/1953 Dispõe sobre o Plano de ValorizaçãoEconômica da Amazônia e cria aSuperintendência de sua execução –SPVEA.

Lei n.º 3.173 06/06/1957 Cria uma Zona Franca na cidade deManaus, capital do Estado do Amazonase dá outras providências.

Lei n.º 4.070 15/06/1962 Eleva o Território do Acre à categoria deEstado.

Lei n.º 4.771 15/09/1965 Institui o novo Código Florestal.

Lei n.º 5.173 27/10/1966 Dispõe sobre o Plano de ValorizaçãoEconômica da Amazônia; extingue aSuperintendência de ValorizaçãoEconômica da Amazônia (SPVEA) e cria aSuperintendência do Desenvolvimento daAmazônia (SUDAM).

Decreto Lei n.º 288 28/02/1967 Altera as disposições da Lei número3.173 de 6 de junho de 1957 e regula aZona Franca de Manaus.

Decreto-Lei n.º 291 28/02/1967 Estabelece incentivos para odesenvolvimento da Amazônia Ocidental.

Decreto Lei n.º 356 15/08/1968 Estende benefícios do Decreto-lei n.º288, de 28 de fevereiro de 1967, a áreasda Amazônia Ocidental.

Lei Complementar n.º 31 11/10/1977 Cria o Estado de Mato Grosso do Sulincorporando-o à Região Centro-Oeste efixa o Estado de Mato Grosso na área daAmazônia Legal.

Lei Complementar n.º 41 22/12/1981 Cria o Estado de Rondônia.

Constituição Federal do Brasil 05/10/1988 No artigo 12 § 5.º, estabelece os limitesdos Estados do Acre, Amazonas eRondônia; no artigo 13 cria o Estado doTocantins; e no artigo 14 transforma osTerritórios Federais de Roraima e Amapáem Estados Federados.

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Hoje, apesar da inclusão total dos estados de Mato Grosso e Tocantinsrestou como porção mais ou menos indefinida, a região limítrofe entreTocantins e Goiás (paralelo 13º S), e a porção maranhense situada a oeste domeridiano 44º W cujo tamanho real não está disponível em nenhum localacessível. Para conhecer a participação territorial do Maranhão na área daAmazônia Legal é preciso realizar um artifício numérico que inclui a soma doterritório dos oito estados integralmente inseridos e diminuir da área daAmazônia Legal informada pela ADA (www.ada.gov.br – consulta em13/09/2005) que não tem a precisão decimal do Ibge. Só assim é possívelcalcular a parte dos 331.983,293 km2 do Maranhão que fazem parte daAmazônia criada por lei. (Tabela-2)

A artificialidade da Amazônia Legal é tão grande que o próprio Ibge, ainstituição de maior importância no registro de dados do Brasil, não a utilizacomo região geográfica, consolidando as informações comparativas noreconhecimento das Regiões Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

Está assim estabelecido e ajustado que os sete estados da Região Norte(Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins), totalizamuma área de 3.853.327,229 km2 equivalente a 45,2% do território do Brasil ecompõem uma das cinco unidades geográficas do Brasil. (Tabelas-1 e 2)

LLEEGGIISSLLAAÇÇÃÃOO DDAATTAA SSUUMMÁÁRRIIOO

Medida Provisória n.º 2.157-5 24/08/2001 Cria a Agência de Desenvolvimento daAmazônia – ADA, extingue aSuperintendência do Desenvolvimento daAmazônia – Sudam.

Medida Provisória n.º 2.166-67 24/08/2001 Altera os artigos 1.º 4.º 14. 16 e 44, eacresce dispositivos à Lei n.º 4.771, de15 de setembro de 1965 (CódigoFlorestal), bem como altera o artigo 10da Lei n.º 9.393, de 19 de dezembro de1996, que dispõe sobre o imposto sobrea Propriedade Territorial Rural – ITR.

Lei n.º 11.284 02/03/2006 Dispõe sobre a gestão de florestaspúblicas para produção sustentável,institui o Serviço Florestal Brasileiro ecria o Fundo Nacional deDesenvolvimento Florestal.

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TTAABBEELLAA--11 ÁÁRREEAASS EE DDAADDOOSS PPOOPPUULLAACCIIOONNAAIISS DDOO BBRRAASSIILL EE DDAASS CCIINNCCOO RREEGGIIÕÕEESS BBRRAASSIILLEEIIRRAASS

REGIÕES ÁREA (KM2) (1) % POPULAÇÃO (2) %Norte 3.853.327,229 45,2 12.900.704 7,6Nordeste 1.554.257,004 18,2 47.741.711 28,1Centro-Oeste 1.606.371,505 18,9 11.636.728 6,9Sudeste 924.511,292 10,9 72.412.411 42,6Sul 576.407,569 6,8 25.107.616 14,8Brasil 8.514.876,599 100 169.799.170 100

(1) Ibge, 2000 ; (2) www.ibge.gov.br, consulta em 03/01/05

TTAABBEELLAA--22 ÁÁRREEAA EE PPOOPPUULLAAÇÇÃÃOO DDOOSS SSEETTEE EESSTTAADDOOSS DDAA RREEGGIIÃÃOO NNOORRTTEE EE SSUUAASS PPAARRTTIICCIIPPAAÇÇÕÕEESSRREELLAATTIIVVAASS SSOOBBRREE AA ÁÁRREEAA EE AA PPOOPPUULLAAÇÇÃÃOO DDOO PPAAÍÍSS

Unidades Área (km2) (11 )) (%)/RN %/BR População ((11)) (%)/R.N %/BR.

Acre 152.581,388 4,0 1,8 557.526 4,3 0,3

Amapá 142.814,585 3,7 1,7 477.032 3,7 0,3

Amazonas 1.570.745,680 40,7 18,4 2.812.557 21,8 1,7

Pará 1.247.689,515 32,4 14,6 6.192.307 48,0 3,6

Rondônia 237.576,167 6,2 2,8 1.379.787 10,7 0,8

Roraima 224.298,980 5,8 2,6 324.397 2,5 0,2

Tocantins 277.620,914 7,2 3,3 1.157.098 9,0 0,7RReeggiiããoo NNoorr ttee 33..885533..332277,,222299 110000 4455,,22 1122..990000..770044 110000 77,,6600

Área (km2) (1) % AL % BR População (1) % AL % BR

Mato Grosso 903.357,908 17,9 10,6 2.504.353 (6) (6)

Maranhão (2) 279.105,863 (3) 5,5 3,3 (5) (5) (5)

Amazônia Legal 5.035.791 (4) 59,1 (6) (6) (6)

BRASIL 8.514.876,599 — 100 169.799.170 — —

Notas: RN = Região Norte; BR = Brasil; AL = Amazônia Legal. (1) www.ibge.gov.br – Censo 2000 – consulta em 21/12/2004;(2) A área total do estado do Maranhão é 331.983,293 km2 dos quais 279.105,863 km2 (84,1%) fazem parte da Amazônia Legal;(3) Essa área do Maranhão foi calculada subtraindo-se a área da Amazônia Legal, fornecida pela ADA, da soma dos outros oitoestados fornecida pelo Ibge. (4) www.ada.gov.br – consulta em 13/09/05; (5) Não há como saber o total da populaçãomaranhense que vive a oeste de 44º W; (6) Não há registros da população total da Amazônia Legal.

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Na Região Norte estão inseridos dois dos quatro pontos extremos doBrasil: Ao norte, a nascente do rio Ailã, em Roraima, na latitude 05º 16’ 20’’ Ne longitude 60º 12’ 43’’W, e a oeste, a nascente do rio Moa, no Acre, na latitude07º 33’12’’ S e longitude de 73º 59’ 32’’ W. Nela também estão situadas as duasmontanhas mais altas do Brasil, o Pico da Neblina (3.014,1 metros) e o Pico 31de Março (2.992,4 metros), ambos localizados na Serra do Imeri, no Estado doAmazonas.

Os limites internacionais da Região Norte estendem-se por 12.130 kmde fronteira seca mais 1.482 km de fronteira oceânica. (Tabela-3)

TTAABBEELLAA--33 EEXXTTEENNSSÃÃOO DDAA LLIINNHHAA DDIIVVIISSÓÓRRIIAA DDAA RREEGGIIÃÃOO NNOORRTTEE CCOOMM OOSS PPAAÍÍSSEESS LLIIMMÍÍTTRROOFFEESS EE OOOOCCEEAANNOO AATTLLÂÂNNTTIICCOO

PAÍSES LIMÍTROFES E EXTENSÃO

OCEANO ATLÂNTICO ABSOLUTA (KM) RELATIVA (%)

República da Guiana 1.298 (*) 9,5

Venezuela 1.819(*) 13,3

Suriname 593(*) 4,4

Guiana Francesa 655(*) 4,8

Bolívia 3.126(*) 23,0

Peru 2.995(*) 22,0

Colômbia 1.644(*) 12,1

Total de fronteira seca ((**)) 12.130 89,1

Fronteira oceânica 1.482 10,9

TOTAL 13.612 100,0

Fontes: www.ibge.gov.br; Benchimol, (1996) e Souza, 2001.

(*) São nove países, incluindo o Brasil e o Equador com o qual a Amazônia não faz fronteira.

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4. AS DIVERSIDADES AMAZÔNICAS

A geografia física da Amazônia revela uma imensa variedade deecossistemas cujas configurações estruturais e funcionais são fortementedependentes da complexa variabilidade biogeoquímica que, como vistoanteriormente, foi herdada do passado geológico e climático. A chegada dosHomo sapiens sapiens à região, entre 11.000 e 30.000 anos atrás (Furline,2000), deu inicio ao povoamento que só conseguiu se estabelecer, e se adensar,na medida em que foi se aprimorando a relação entre o homem e a naturezamultifacetada.

Para entender melhor esse complicado cenário marcado por um variadoacervo de características naturais e humanas (diversidades), e aprofundar oconhecimento sobre cada uma delas, é necessário dividi-las em subconjuntosque aglutinam os conhecimentos oriundos da abordagem interdisciplinarindispensável para o entendimento de cada uma delas. Como esses subconjuntoscontêm uma enorme quantidade de informações e conhecimentos, optou-seaqui, por uma descrição sumária elegendo algumas mais significativas.

A subdivisão das diversidades amazônicas, aqui adotada, é a mesmaindicada pela “Agenda Amazônia 21. Bases para discussão”. (MMA, 1997)cujas definições são transcritas e acrescidas de informações e comentáriosadicionais.

A diversidade físico/natural “expressa em paisagens e ecossistemas dedistintas características” (MMA, 1997) cuja tipificação depende de uma análisemais aprofundada dos parâmetros que as caracterizam. Entre as muitasdiversidades físicas, pode-se adotar o relevo como bom exemplo damultivariedade de cenas e cenários, pois a topografia da Amazônia é de talforma movimentada, que o termo planície amazônica acaba não sendo umexcelente descritor regional.

As altitudes vão, desde os profundos vales afogados, cavados durante asglaciações, cujas profundidades podem atingir dezenas de metros abaixo donível atual do mar, até os cumes mais elevados do Brasil, ambos situados noEstado do Amazonas: Pico da Neblina (3.014,1 m), e Pico 31 de Março(2.992,4 m).31

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31 As primeiras medidas dos dois picos, feitas com barômetros, indicavam 3.014 e 2.992 metros, mas uma nova medição feitacom equipamentos de tecnologia sofisticada, dentro do Projeto “Pontos Culminantes”, realizado pelo Ibge em convênio como Instituto Militar de Engenharia, em 2004, conferiu maior precisão às altitudes dessas duas montanhas.(www.ibge.gov.br/home/noticias – consulta em 06/12/2005).

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Evidentemente, as altas montanhas são marcas espacialmente restritasna topografia geral, mas há muitas outras elevações, de menor porte,espalhadas pelo território, como os platôs de terra firme, os planaltos residuaisnorte e sul-amazônicos, os contrafortes dos Andes, o sistema das Guianas e doPlanalto Central do Brasil, as Serras do Tumucumaque, do Navio, da BelaAdormecida, de Parintins, dos Pakáas Novas, dos Parecis, dos Carajás, doMoa, do Divisor, de Tapirapecó, Parima, Paracaima, Acarai, Apiacá,Cachimbo, Seringa, etc., todas associadas ao passado geológico e de presençarelevante na cultura e religiosidade das populações nativas e tradicionais.

Outros exemplos da diversidade física/natural são: a qualidadetipológica das águas, o mosaico textural e químico dos solos, as diferençasespaciais no regime pluviométrico etc.

A diversidade biológica “ou biodiversidade, e dentro dela a biomassa aser ainda crescentemente desvendada pela investigação científica” (MMA,1997), é constituída por grande quantidade de espécies conhecidas edesconhecidas, seus respectivos estoques genéticos e os ecossistemas ondevivem.

Segundo Schubart (1979), há duas vertentes conceituais básicas quepresidem o debate sobre as circunstâncias que originaram a biodiversidade daAmazônia e que estão sempre presentes no debate sobre preservação,dominialidade e soberania brasileira sobre essa diversidade. Uma das vertentesindica que a biodiversidade atual é resultante da interação dinâmica deelementos da paisagem (hidrografia, solo, flora, fauna e microorganismos) que,sob influência do clima, constroem processos funcionais importantes(sucessão, fluxo de energia, ciclo hidrológico e de nutrientes) e configuram osmecanismos que garantem a homeostase do sistema. A outra vertente associa,circunstancialmente, a biodiversidade à biogeografia histórica, segundo a quala distribuição atual dos organismos no planeta é decorrente dos eventosgeológicos e climáticos do passado que limitaram, impediram ou favoreceram,de forma diferenciada, a sobrevivência dos organismos, nesse ou naquele local.

Evidentemente, essas abordagens são intrinsecamente relacionadas,sendo muito difícil que se possa refletir sobre uma sem incorporar elementosda outra, embora do ponto de vista da preservação da biota, o aspecto dinâmicodos ecossistemas atuais tenha uma importância maior do que as circunstânciasligadas apenas à história geológica.

A diversidade de povoamento “imposta de fora para dentro pela via daexpulsão de populações de outras regiões, e no seu próprio interior, pela

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extrema mobilidade de grande parte de seus habitantes” (MMA, 1977). Omovimento migratório centrípeto, evidentemente, inclui a migração dosprimeiros habitantes que vieram de outras regiões, por caminhos ainda nãototalmente conhecidos, embora haja uma forte tendência a aceitar a hipótese dachegada a partir da América do Norte, via Istmo do Panamá.

Essas populações primordiais, para conseguirem se estabelecer em umambiente desconhecido e hostil, tiveram que construir e aprimorar,paulatinamente, uma relação homem-natureza, única forma de garantir asobrevivência e expandir seus domínios. Essa adaptação inicial à geografiafísica que recepcionou os primeiros habitantes deve ter sido extremamentepenosa e ceifado muitas vidas, porém ao longo do tempo foi se tornandoexitosa ao ponto em que cronistas dos primeiros anos de colonização chegarama contabilizar uma população contada em milhões de nativos.

Embora essa antiga estatística demográfica feita por navegadoresaventureiros seja altamente discutível, não se pode duvidar que a quantidade deíndios e de tribos era muito maior no passado. No entanto, o descontoquantitativo nos dados demográficos dos cronistas das primeiras expediçõesparece ser uma imposição lógica, pois todos eles precisavam criar notíciasfantásticas como meio de adquirir prestígio e assim garantir a continuidade dofinanciamento de suas viagens.

A diversidade cultural “produto da extensão, dispersão e variedade dospovos da floresta e populações históricas, postos frente a frente com grandescontingentes migratórios recentes” (MMA, 1997), é indicada, pela Agenda,como uma das mais importantes e significativas diversidades amazônicas.

O termo cultura, tem recebido várias definições através do tempo,sendo que uma das primeiras formuladas com fundamento científico foi feitapor Malinowski (1970), que a conceituou como “a vasta aparelhagem, em partehumana, em parte material, em parte espiritual, que o homem utiliza paranutrir-se e proteger-se”. Atualmente a definição de cultura se ampliou pararecepcionar as instituições criadas pelos homens que têm a mesma finalidadede garantir a nutrição e a proteção.

Para Bosi (1995) a cultura nativa

[...] implica modos de viver, o alimento, o vestuário, a relaçãohomem-mulher, a habitação, os hábitos de limpeza, as práticas decura, as relações de parentesco, a divisão de tarefas durante ajornada e, simultaneamente, as crenças, os cantos, as danças, os

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jogos, a caça, a pesca, o fumo, a bebida, os provérbios, os modosde cumprimentar, as palavras tabus, os eufemismos, o modo deolhar, o modo de sentar, o modo de visitar e ser visitado, asromarias, as promessas, as festas do padroeiro, o modo de criaros animais associados, os modos de plantar os alimentos, oconhecimento do tempo, o modo de rir e chorar, de pedir econsolar.

Nesse sentido, cultura é um fenômeno ecológico-social que configurauma etologia humana formatadora do perfil de um povo, cujas raízes têmorigem em uma base biológica (Blanco, 1989). Esse complexo que fundamentaa estrutura e funcionalidade comportamental tem seus primórdios fundados emum sistema de tentativa e erro, cujos resultados capazes de resolver problemasambientais vão sendo selecionados e armazenados no acervo de conhecimentostradicionais que são repassados para as gerações subseqüentes, como umaautêntica herança cultural. Fundamentado nessa concepção Gadgil e Guba(1995), citados por Sachs (2000), criaram a expressão pessoas dosecossistemas, que inclui os habitantes das florestas e as populações rurais,cuja sobrevivência depende da profundidade do conhecimento sobre osfenômenos da natureza.

Essa extrema complexidade que brota das abordagens conceituaisexpostas, conferem elevado grau de importância à diversidade cultural naAmazônia. Sobre o termo, vale a pena inserir aqui as reflexões de Nunes(1997) que admite haver três acepções da palavra cultura: a individual, a sociale a histórica, que não se contradizem entre si, mas compõem os três aspectosde uma só idéia segundo a qual a cultura do indivíduo está em relação com asociedade, em um processo de evolução histórica.

Como subconjunto dessa diversidade, pode-se citar a diversidadeétnica, cujo componente principal (mas não único) é formado pelas populaçõesindígenas que hoje são tema de profundos debates nas esferas nacional einternacional. Um dos pontos importantes que cercam o tema indígena é aproteção de sua cultura e a demarcação de suas terras, como forma de protegera população já que sem seu ambiente natural o índio fica fragilizado pela perdado seu acervo cultural.

A diversidade econômica “que se ampliou em razão de grandes epequenos projetos públicos e privados, obras de infra-estrutura e capital socialbásico, estimulados por incentivos fiscais e outros fatores” (MMA, 1997),

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sempre foi marcada pela disparidade histórica entre as classes dominantes e oenorme contingente de excluídos. Esta ingerência do Estado na construção e noacirramento das desigualdades é uma questão extremamente complexa sobre aqual existe uma bibliografia escassa que deveria servir de estímulo paratrabalhos adicionais. Um dos raros textos sobre o assunto foi publicado porHanan e Batalha (1995) que consideram os seguintes itens como importantespara avaliação das disparidades econômicas:

PNB per capita; taxa média de crescimento do PNB per capita; taxa deinflação; percentual da população vivendo abaixo do nível de pobreza absolutano ambiente rural e urbano; percentual dos gastos do governo com saúde eeducação; distribuição de renda; taxa de assistência oficial ao desenvol-vimento; saneamento básico; acesso aos serviços de saúde; oferta de águalimpa; níveis de escolaridade; taxas de natalidade, mortalidade e aumentopopulacional.

A diversidade social “que resulta dessas crescentes e multifacetadasinfluências” (MMA, 1997), é claramente decorrente da diversidade ambientalque impõe níveis diversos de adaptabilidade às condições mesológicas queconstroem e configuram, passo a passo, os padrões culturais e a forma como ascomunidades se organizam e aperfeiçoam seus modelos, através de ummecanismo de feedback, que reformula, valorizando, os processos vantajososde adaptação.

Assim definida, a diversidade social parece bem inserida na esfera daEcologia Humana definida pó Moran, (1990), como “um enfoquemultidisciplinar sobre as relações entre uma população humana e seu meiofísico, político e sócio-econômico, interessando-se pelos processosadaptativos, mal adaptativos e não adaptativos dessa relação”.

Colocada sob esse enfoque conceitual, a diversidade social tanto podeser uma resultante das “crescentes e multifacetadas influências das outrasdiversidades”, como indicado na Agenda Amazônia 21 (MMA, 1997), comopode ser apenas uma outra denominação da diversidade cultural, dentro dadefinição de Ecologia Humana formulada por Moran (op. cit).

Embora sob outro viés conceitual, Freitas Pinto (2005), afirma que adiversidade social só pode ser bem entendida se considerada como “expansãodas diferenças e desigualdades que são noções trabalhadas a partir de seussignificados históricos.”, estabelecendo que os elementos configuradores decada sociedade, como economia, tecnologia, religião, cultura, língua, etc., “sãodesenvolvidos e elaborados como processos históricos, formatando a base mais

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pertinente das diferenças reais e imaginárias.”. O autor chama a atenção para anecessidade de conceituar a sociodiversidade sob o prisma de uma “ampliaçãodo tema até os limites da sociedade regional atravessada, permanentemente,por enormes abismos de desigualdade que resultam dessas influências demúltiplas origens e que tiveram um desenvolvimento crescente na região.”.

Os conceitos sobre diversidade social incluídos aqui, (MMA; Moran;Freitas Pinto), permitem que se pense nessa diversidade como umacaracterística dos conjuntos humanos que detém formas peculiares deadaptação ao ambiente natural, incluindo um sistema de acesso e uso doterritório, seja para produção de alimentos, seja para atividades desobrevivência. Essa adaptação também envolve a existência de uma estruturade relações sociais fundada em modelos próprios de autoridade, de hierarquiae de valores pessoais e coletivos, formatados e fixados ao longo da história.Parece, portanto que, conceitualmente, diversidade cultural e diversidadesocial são muito similares embora possam receber tratamentos analíticosdiferenciados na óptica das várias ciências.

5. O AMAZONAS COMO EXEMPLO DE ESTADO AMAZÔNICO

A história da Amazônia é complexa sendo impossível transcreve-latotalmente em um texto reduzido. No entanto, sempre é possível oferecer umresumo geológico, geográfico, histórico e ambiental de caráter amplo,verticalizando a informação sobre um dos Estados da Região Norte, situando-o como exemplo dos modelos de ocupação e utilização do espaço regional.

Para evitar repetições descritivas do meio físico, este resumo começacom a consolidação do domínio português sobre a foz do Amazonas, entre1600 e 1630, sendo um dos marcos dessa posse, a construção do Forte doPresépio de Santa Maria de Belém, cuja localização violava os limitesimpostos pelo Tratado de Tordesilhas. (Monteiro, 2002).

Para expandir o domínio territorial para os confins da Amazônia eimpedir a penetração de navios holandeses que navegavam pelo Orenoco, oReino de Portugal, enviou uma missão, comandada pelo capitão FranciscoMota Falcão, com o objetivo de construir, na foz do rio Negro, um posto deguarda permanente. A expedição chegou à desembocadura do Negro em 1669,tendo escolhido um outeiro entre dois igarapés para construir uma fortificaçãoquadrangular, dotada de peças de artilharia, batizada com o nome pomposo de

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Fortaleza de São José do Rio Negro.Souza, (2001) entre outros, situa esse Forte como origem da cidade de

Manaus e Garcia (2005) mesmo aceitando a origem, diz que essa Fortaleza“não era mais que um tímido fortim, e que de seus canhões humildes saíram,provavelmente, apenas tiros de festim em datas cívicas.”.

O local onde o Forte foi construído está hoje marcado com uma placacolocada pelo Governador Arthur Cezar Ferreira Reis (1964-1966), no prédio ondefuncionou, durante muitos anos, a Secretaria de Fazenda do Estado, nas imediaçõesdo porto flutuante de Manaus. (Souza, 2001; Collyer, 2002; Garcia, 2005).

Segundo Collyer (op.cit.), famílias das tribos barés, banibas e passés seaglomeraram em torno do Forte o mesmo não acontecendo com oscaboriocenas, caraíbas e manaús que não aceitaram pacificamente a presençado homem branco. Essa animosidade só diminuiu com a chegada do sargentoGuilherme Valente, misto de homem e personagem que, além de harmonizar aconvivência com os silvícolas, ainda casou com a índia Marari, filha do tuxauada tribo manaús, iniciando o processo de miscigenação que deu origem à figurado caboclo, 32 tipo especial da etnia amazônica.

Essa pacificação permitiu que, pouco a pouco, fosse aumentando onúmero de famílias indígenas em torno do Forte, formando o primeiropovoado do novo Lugar da Barra do Rio Negro, denominado de Vila da Barra,primórdio da cidade de Manaus.

Entre 1700 e 1755 os portugueses trataram de enviar e estabelecermissões religiosas pelo território amazônico que, na época, estava ligado aoEstado do Maranhão e Grão Pará (Souza, 2001). Uma dessas missões decarmelitas criou, em 1728, a missão de Mariuá, na margem direita do médiorio Negro, com a finalidade de servir de base operacional para a demarcaçãodos limites definidos pelo Tratado de Madri. (Garcia, 2004).

Em 3 de março de 1751 (Monteiro, 2000), ou 3 de março de 1755(Eleutherio, 1932; Reis, 1955), ou ainda 3 de março de 1759 (Benchimol, 1998),através de Carta Régia, o rei de Portugal criou a Capitania de São José do RioNegro como parte do Estado do Grão Pará e Rio Negro que fora desmembrado doEstado do Grão Pará e Maranhão. Esse novo Estado integrava duas Capitanias:Grão Pará com sede em Belém, e São José do Rio Negro que é a raiz histórica do

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32 Segundo Migueis, (2001), o termo ccaabboocclloo tem origem na expressão caá – boc = tirado do mato, usada na língua tupiamazônica, e tem o significado pejorativo de matuto ou homem do interior definindo o elemento típico, que recebeu forteinfluência indígena.

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Estado do Amazonas (Reis, 1955; Garcia, 2005), cuja sede foi instalada, porFrancisco Xavier de Mendonça Furtado, na missão de Mariuá, local que eleelevou à categoria de vila, batizando-a com o nome lusitano de Barcelos.

Eleutherio (1932), afirma que foram as impressões de Mendonça Furtadosobre a porção ocidental da Amazônia, e sua enorme extensão, que derammotivo a duas Cartas Régias datadas de 3 de março de 1755, uma criando aCapitania de São José do Rio Negro e outra criando a Vila de Borba, no rioMadeira que foi a primeira célula do municipalismo na nova Unidade Colonial.

É importante ressaltar que as Capitanias no norte não eram hereditárias,mas regiões administrativas, com seus Capitães Maiores nomeados peloGovernador Geral, para defender a terra e garantir o estabelecimento decolonos, efetivando a ocupação definitiva. (Loureiro, 1978).

Benchimol (1998), usando as reproduções facsimiladas e respectivastranscrições das Cartas do Primeiro Governador da Capitania de São José doRio Negro, incluídas em Mello Povoas (1983), descreveu assim esse período:

O atual estado do Amazonas é o sucessor da antiga Capitania deSão José do Rio Negro, criada por D. José I, pela Carta-Régia de3 de março de 1759, com o intuito de estabelecer um terceirogoverno nos confins ocidentais do Estado do Grão Pará eMaranhão, com sede na aldeia de São José do Javari, no AltoSolimões. A capital, por decisão de Francisco Xavier deMendonça Furtado, foi instalada na antiga aldeia de Mariuá querecebeu o nome lusitano de Barcelos, para servir de sede àConferência dos Ministros Plenipotenciários de Portugal eEspanha para a demarcação da fronteira norte, conforme previao Tratado de Madrid de 1750.

A Capitania, entretanto, foi abandonada por muitos anos em virtude dainexistência de metais preciosos 33 que atenderiam os reclamos da Coroa queexigia um retorno dos investimentos nas longínquas terras, bem maior do queera proporcionado pelas especiarias e drogas do sertão. Essa exigência de

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33 A idéia da abundância de metais preciosos levou à crença de que o Amazonas era a Terra de Ofir (ophir = longe), nome dadopor hebreus e fenícios, no tempo do rei Salomão, ao local de onde os navios, depois de viajar por três anos, traziam ouropara a construção do Templo de Jerusalém. A fantasia chegou a estabelecer uma relação entre Ophir, Auphir, Apir e Aypira,vocábulos que se transformaram em Aupira, Iapira, Iapúra, Iapurá, e Japurá, o afluente da margem esquerda do Solimões queseria, quem sabe, a Terra de Ofir. (Mello, 1986).

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retorno era um traço característico da cultura luzitana, retratado de formabastante clara pelo mais importante ícone da literatura portuguesa, Luiz deCamões,34 em seu Canto Segundo de “Os Lusíadas”, escrito quase 200 anosantes da Carta Régia que criou a Capitania de São José do Rio Negro.

E se buscando vás mercadoriaQue produze o aurífero Levante, Canela, cravo, ardente especiariaOu droga salutífera e prestante;Ou se queres luzente pedraria,O rubi fino, o rígido diamante,Daqui levarás tudo tão sobejoCom que faças o fim o teu desejo.

Para tentar melhorar o nível de retribuição à Coroa Portuguesa,Francisco Xavier de Mendonça, meio irmão do Marques de Pombal eGovernador Geral do Grão Pará, em carta ao Ministro do Ultramar português,informou haver descoberto 39 gêneros que podiam ser explorados e cultivados,entre os quais o cravo (talvez Tynnanthus panurensis), a canela (talvezOreodaphne opifera que é a caneleira de cheiro), anil (Indigofera suffruticus),andiroba (Carapa guianensis), baunilha (Vanilla spp.), carajuru (Arrabidaeachica), castanha (Bertholetia excelsa), puxuri (Acrodiclidium puchury), pião(Jathropha spp.), urucum (Bixa orellana), cacau (Theobroma cacau), bacaba(Oenocarpus bacaba), copaíba (Copaifera multijuga), jalapa (Convolvulusofficinalis), gengibre (Zingiber officinale), ipecacuanha (Callicoccaipecacuanha), breu (Protium spp.), almacega (Tetragastris trifoliolata ou Icicaaltissima) e piaçaba (Leopoldinia piassaba), além de várias espécies demadeiras para navios e móveis.35

Segundo Benchimol (1998), foram essas drogas e especiarias queconfiguraram a pauta das primeiras exportações do Amazonas até o início do ciclo

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34 A data de nascimento de Luiz Vaz de Camões é incerta (1524 ou 1525) o mesmo acontecendo com o local que foi,provavelmente, Lisboa. Sua morte, motivada pela peste, aconteceu em Lisboa, em 1579 ou 1580, segundo relata a jornalistaMyrna Queiroz no site www.vidaslusofonas.pt/mirnaqueiroz.htm (consulta em 20/12/2005). Em 1570, ao retornar deMoçambique para Lisboa, Camões trouxe os 10 cantos de os Lusíadas que foram publicados, pela primeira vez, em 1572.Para Mendes (1996), a referência ao “Levante” com significado de nascente, embora se refira ao caminho das Índias “aplica-se, como uma luva, à Amazônia”.

35 Os nomes científicos, na nomenclatura binomial, são os existentes hoje em dia, pois na época as espécies amazônicas aindanão tinham sido descritas cientificamente. A denominação taxonômica foi retirada de Revilla, 2002.

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da borracha, no final do século 19, quando começou o período economicamentemais importante da Província que se tornou autônoma em 1850.

A importância do látex na economia regional foi tão significativa que noano ápice do ciclo – 1910 – o Estado do Amazonas arrecadou o equivalente a59.636.626 libras esterlinas (a preço de 1992), apenas com a exportação daborracha. Essa arrecadação histórica foi decorrência, principalmente, daexportação, naquele ano, de 38.547 toneladas, cujo valor (atualizado para 1992),gerou uma entrada de recursos da ordem de 1,2 bilhões de libras esterlinas, ou33,6 libras esterlinas por quilo de borracha FOB.36 Na Bolsa de Londres, no dia10 de abril de 1910, a borracha atingiu seu preço máximo, sendo negociada a120 libras esterlinas ou 180 dólares por quilo. (Benchimol, op. cit).37

Essa realidade histórica impõe uma reflexão sobre esse modeloextrativista que retirava recursos biológicos da Amazônia para enviá-los, semqualquer valor agregado, para outros centros onde geravam riqueza, longe doslocais de onde eram extraídos. Lamentavelmente, em essência, esse modelo érepetido, neste inicio do século 21, pela política brasileira para uso da biotaamazônica que continua muito similar àquela utilizada para o comércio dasespeciarias, das drogas do sertão e para exportação da borracha.

Hoje, como antigamente, os produtos florestais e não florestaiscontinuam sendo exportados quase in natura, porque o país não investesuficientemente em ciência e tecnologia, única forma de garantir oaproveitamento racional de seus recursos biológicos, colocando-os nocomércio mundial com uma substancial agregação de valor.

A riqueza do Amazonas com a exploração dos recursos naturaispromoveu um crescimento acentuado da Vila da Barra, que foi elevada àcategoria de Cidade, pela Lei n.º 145, de 24 de outubro de 1848, com o extensonome de Cidade de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro(Migueis, 2001). Dois anos depois, em 5 de setembro de 1850, como resultadode um grande movimento separatista da população amazonense, que totalizava6.000 habitantes, a Câmara Provincial elaborou um projeto de 18 artigos quefoi aprovado pelo Senado. O Imperador Dom Pedro II sancionou a criação da

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36 FOB é a abreviatura de Free on Board um tipo de contrato de compra e venda de mercadorias estipulando que o preço serefere à mercadoria posta a bordo do navio no porto de embarque, correndo por conta do comprador as despesas de frete eseguro, bem como os riscos da viagem até o porto de destino. Essa cláusula é o inverso de CIF (Cost, Insurance and Freight),indicando um tipo de contrato mercantil estabelecendo que o preço inclui o custo da mercadoria, as despesas com seguroe o frete até o local de destino.

37 Os preços foram atualizados para o ano de 1992 por Benchimol (1998).

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Província do Amazonas e nomeou, em 07 de julho de 1851, João Batista deFigueiredo Tenreiro Aranha, como seu primeiro governador.

Como tudo era muito longe e muito difícil, o governador nomeado sóchegou em 27 de dezembro de 1851, para governar uma população estimadaem 45.000 habitantes, (7,5 vezes maior do que em 1850), mas só conseguiuinstalar a Província em 01 de janeiro de 1852. Em 05 de setembro de 1856 acidade recebeu o nome definitivo de Manaus e, em 15 de novembro de 1889,com a proclamação da República, a Província do Amazonas passou a constituiro Estado do Amazonas, conservando Manaus como sua capital.

Quando se encerrou o ciclo da borracha, o Amazonas, como ademais todaa Amazônia, passou a viver um período de extremas dificuldades econômicas,sociais e políticas. Na realidade, uma parte considerável desse declínio deve serdebitada na conta dos dirigentes e das classes dominantes da época, que nuncase preocuparam em pensar no futuro do Estado, limitando-se a cooptar pelomodelo extrativista, com os objetivos voltados unicamente para os própriosinteresses. Como assinala Souza (2001), naquela época, as elites amazonensesafirmavam ter “seus interesses econômicos na Bolsa de Londres, seus interessesculturais na Franca e para o Brasil ficavam os respeitos de patriota”.

Evidentemente, esse infantilismo da pseudo-aristocracia amazonensenão ultrapassava muito os limites da arrogância vulgar e acabou levando os“ricos” e “cultos” membros do staff amazônico para a bancarrota, não sobrandosequer o patriotismo que, no final das contas, talvez nem existisse.

Os pesados investimentos em pesquisa científica, direcionados para ocultivo e uso da borracha feitos nas plantações do Oriente, não conseguiramfazer a “elite” local enxergar que o modelo primário e primitivo de exploraçãodos seringais nativos seria esmagado pela ciência e pela tecnologia.

As conseqüências não tardaram e a euforia do látex foi facilmentederrotada pelo sucesso dos plantios racionais, mostrando que o ufanismo incultodas classes dominantes, não era suficiente para garantir o fausto e o desperdício.

Uma das maiores, senão a maior demonstração do despreparo paraenxergar o que ocorria no mundo, foi o discurso de Augusto Montenegro, entãogovernador do Pará. Em 1910, ano que marcou o apogeu da economia daborracha, o governador, tomado por um entusiasmo inconseqüente, fez umdiscurso registrado por Benchimol (1999) que é parcialmente reproduzido aseguir, como prova do infantilismo da classe política amazônica. Disse ogovernador:

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Não precisamos nos preocupar com as plantações de borrachaque surgiram na Ásia. As condições climatéricas especiais, dovale amazônico, o novo sistema de beneficiamento do nossoproduto, que atualmente está sendo aplicado com tanto êxito àsnossas colheitas da Hevea, as imensas extensões de nossasregiões seringueiras, algumas ainda inexploradas, e, finalmente,as inúmeras necessidades da indústria moderna, nos permitemfazer pouco caso do que os outros estão realizando no mesmosetor. Com efeito, se não considerássemos um dever acompanharas descobertas cientificas relacionadas com a borracha da Índia,poderíamos, perfeitamente, ignorar por completo as plantaçõesestrangeiras.

O período de profunda depressão econômica que se instalou após o fimdo período da borracha, foi extremamente longo e penoso. Nem mesmo osesforços do governo federal, em 1953, através da Lei 1.806/53 criando o Planode Valorização Econômica da Amazônia, conseguiram qualquer resultadopositivo real. Esse programa de desenvolvimento não prosperou, tanto por faltade recursos, como pela adição de porções territoriais de três estados semcaracterísticas amazônicas, mas com um peso político superior àquele existentena esfacelada Região Norte.

Alguns anos depois da criação do Plano de Valorização Econômica daAmazônia, no rastro do modelo de substituição de importação implantado nocentro sul do Brasil, foi aprovada a Lei 3.173 de 06 de junho de 1957 criandoa Zona Franca de Manaus. Essa iniciativa, apesar da grande repercussãopositiva que teve na população, só foi implantada 10 anos depois, no governomilitar, com a promulgação do Decreto n.º 288, de 28 de fevereiro de 1967 quereestruturou o projeto original e ordenou sua implantação.

No Estado do Amazonas o modelo Zona Franca promoveu enormesmodificações, tanto no encaminhamento das substanciais atividadeseconômicas, como no sentido inverso de acirrar as diferenças entre as trêsAmazônias, tanto as identificadas nos conceitos de Batista (1975) como nastipificadas na formulação de Fonseca (2000).

A Primeira Amazônia, ou a Amazônia do Mercado das Capitais, cujoúnico pólo no Amazonas, é a cidade de Manaus, passou a conterprolongamentos da Segunda e Terceira Amazônia de Batista (1975) e dasAmazônias do Mercado Concentrado e do Mercado Disperso descritas por

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Fonseca (2000). Manaus hoje continua sendo o principal pólo de atraçãomigratória, com as populações se estabelecendo na periferia da cidade,formando aglomerados que, tanto do ponto de vista da geografia humana,como da oferta e consumo de energia, são uma imensa e embaralhada misturadas três Amazônias, com dimensões e conseqüências imprevisíveis eincontroláveis.

Alguns centros da Segunda Amazônia ou da Amazônia do MercadoConcentrado, nos últimos anos, emergiram como pólos de atração econômica,sendo o mais importante deles a cidade de Coari,38 em razão da produção localde gás e petróleo. Seguem-se como exemplos tentativos de melhoria dascondições humanas, a cidade de Itacoatiara39 com um pólo madeireiro,Manacapuru40 como centro de indústrias de cerâmica. A segunda maior cidadedo interior amazonense – Parintins41 – vive da agropecuária e de um turismoalicerçado nas festas do boi bumbá e da padroeira.

O fenômeno da migração interna centrípeta em busca de melhoresoportunidades de emprego e qualidade de vida tem penalizado principalmenteos originários da Terceira Amazônia ou Amazônia do Mercado Disperso. Afalta de aptidões profissionais os deixa fora do mercado de trabalho e a

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38 Coari. A palavra coari vem do nheengatu cuara = pequeno buraco, e a localidade foi fundada em 1759 com o nome deAlvelos, sendo, em 01/06/1874 elevada a categoria de Vila, pela Lei Provincial n.º 287, com o nome de Coari. O municípioestá localizado no médio Solimões sendo hoje, o de maior crescimento econômico no interior do Amazonas em razão daexploração de gás e petróleo. As estatísticas do IBGE indicam que a área do município é de 57. 922 km2, com uma populaçãoestimada em 01/07/2005 de 84.309 habitantes e um PIB a preços correntes de 2002 de R$ 1,4 bilhão. A sede municipalestá situada a 363 km de Manaus, em linha reta e a 467 km por via fluvial.

39 Itacoatiara é um vocábulo tupi ou nheengatu ita = pedra + coatiara = gravado, esculpido, escrito. Sua origem é a aldeia deAbacaxis, elevada à categoria de vila com o nome de Serpa em 1759, mas que regrediu para a condição de Freguesia em1833 e, em 25/04/1874, pela Lei n.º 283 foi elevada a categoria de cidade com o nome de Itacoatiara. O município tem umaárea de 8.891,99 km2, com população estimada em 01/07/2005 de 80.190 habitantes e um PIB a preços correntes de 2002calculado em R$ 197 milhões. A sede do município está localizada a 177 km de Manaus, em linha reta, a 234 km pelarodovia AM-010 e a 201 km por via fluvial.

40 Manacapuru palavra indígena formada pelos vocábulos manacá = flor + puru = matizado, enfeitado. Sua fundação em umaaldeia dos índios Mura, aconteceu em 15/02/1786, passando a condição de Freguesia em 12/08/1865 e, através da LeiProvincial n.º 83 passou a ser município desmembrado de Manaus. Só passou a ser cidade em 16/07/1932 através da LeiEstadual n.º 1.639. Município do baixo Solimões tem uma área de 83.703 km2 onde vive uma população estimada em01/07/2005 de 187.678 habitantes e um PIB a preços correntes de 2002 calculado em R$ 187,7 milhões. A sede estásituada a 79 km em linha reta de Manaus e a 86 km pela rodovia AM-070.

41 Parintins. O nome original era Tupinambarana =Tupi verdadeiro, e lá, em 1803, foi criada uma missão religiosa com o nomede Vila Nova da Rainha que, em 24/10/1848, através da Lei n.º 146, passou ao status de vila, com o nome de Vila Bela daImperatriz. O município foi instalado em 14/03/1858, mas só em 30/10/1880 a Lei Provincial deu ao local o foro de Cidadecom o nome de Parintins (da tribo Parintintins). Sua sede fica à margem direita do rio Amazonas, próximo à divisa com oEstado do Pará, e o município tem uma área de 5.952 km2 e uma população, em 01/07/2005 de 109.150 habitantes. O PIBa preços correntes de 2002 foi de R$ 230,6 milhões. A distância de Manaus é de 325 km em linha reta e a 370 km por viafluvial,

NOTA. Os topônimos dos municípios estão em Mello, (1986) e as demais informações em Collyer (2002) e em Ribeiro(2005).

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inaptidão para viver na cidade impede que eles adquiram o status de homemurbano deslocando-o para a desconfortável condição de desruralizado.

Ao se inserir em uma urbe, de qualquer proporção, ele e sua famíliapassam a ser vítimas de todas as mazelas sociais como desemprego, fome,desnutrição, desagregação familiar, analfabetismo, preconceito, semi-analfabetismo ou analfabetismo funcional, doenças, delinqüência eprostituição dos filhos e filhas, enfim, a destruição de sua cidadania.

Essa migração interna direcionada para centros urbanos tem provocadoum esvaziamento do hinterland um fenômeno indicado como defavorecimento da preservação florestal no Estado, embora esteja provocandouma urbanização desordenada e socialmente carregada de injustiças. (Tabela-4e Tabela-5).

TTAABBEELLAA--44 DDIISSTTRRIIBBUUIIÇÇÃÃOO PPEERRCCEENNTTUUAALL DDAA PPOOPPUULLAAÇÇÃÃOO RRUURRAALL EE UURRBBAANNAA DDOO BBRRAASSIILL EE DDOO

EESSTTAADDOO DDOO AAMMAAZZOONNAASS.. ((11995500--22000000))..

Censo Brasil Amazonas

Urbana (%) Rural (%) Urbana (%) Rural (%)

1950 36,1 63,9 30 70

1960 44,6 55,4 35 65

1970 56,0 44,0 42,5 57,5

1980 67,6 32,4 59,9 40,1

1991 75,6 24,4 71,4 28,6

2000 81,2 18,8 74,8 25,2

Fonte: IBGE (Anuários Estatísticos e www.ibge.gov.br).Nota: Por alguma razão os percentuais do Amazonas de 1950 e 1960 foram arredondados pela fonte.

TTAABBEELLAA--55 PPOOPPUULLAAÇÇÃÃOO AABBSSOOLLUUTTAA EE PPEERRCCEENNTTUUAALL DDEE UURRBBAANNIIZZAAÇÇÃÃOO DDOO EESSTTAADDOO DDOO AAMMAAZZOONNAASS

((11997700--22000000))

ANO População % de urbanização

Urbana Rural Total

1970 405.831 549.404 955.235 42,48

1980 856.716 573.812 1.430.528 59,89

1991 1.502.754 600.489 2.103.243 71,45

2000 2.104.290 708.795 2.813.085 74,80

Fonte: IBGE. Censos demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000.

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Uma questão de natureza geopolítica associada aos dados demográficosserve de exemplo para evidenciar a desigualdade que, na prática, anula o principiofederativo. Com 62 municípios (1,10% do total de municípios brasileiros) e umcolégio eleitoral, em 2002, constituído por 1.524.727 eleitores (1,32% doeleitorado brasileiro), o Amazonas só supera, em percentual de votantes, osEstados de Roraima (0,18%), Amapá (0,25%), Acre (0,32%), Tocantins (0,68%),Rondônia (0,77%), Sergipe (1,00%) e Mato Grosso do Sul (1,22%).

Essa similaridade de números absolutos e relativos de eleitores, noentanto, não significa qualquer proporcionalidade no peso político do Estado,pois os 1.524.727 votantes amazonenses até superavam, em pequenaquantidade numérica, os 1.518.437 eleitores do Distrito Federal –(www.tse.gov.br – consulta em 02/06/2005) – embora seja fácil perceber que opeso político desses dois grupos, numérica e percentualmente similares, éabsolutamente diferente.

Com um valor político pequeno, o grande destaque do Amazonas passoua ser sua produção industrial (efêmera porque fundada em subsídios) e seusrecursos naturais (perenes porque não dependem de decisões de governo)42

Entre os recursos naturais de grande relevância (além da biodiversidade, aindasem uso real), destaca-se a água, um bem essencial e que, no Amazonas, sedistribui de forma abundante, por uma imensa rede hidrográfica formada porinúmeros igarapés e pequenos rios, afluentes de volumosos caudais cujasnascentes os configuram como rios nacionais ou internacionais (Quadro-4).Essa condição geográfica das nascentes e o uso dos rios como divisorespolíticos dos Estados, remete a dominialidade desses corpos de água para aesfera federal, como bens da União, de acordo o artigo 20, item III daConstituição Brasileira de 1988 que diz:

Artigo 20. São bens da União[...]III - Os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos deseu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limitescom outros países, ou se estendam a territórios estrangeiros oudeles porvenham, bem como os terrenos marginais e as praiasfluviais;

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42 Esse poder político diminuído ao lado de uma produção industrial de vulto, faz com que a real representação política doEstado, no cenário nacional, seja feita, principalmente, pelos agentes econômicos, com desprestígio da classe política quenão tem amparo em eleitores influentes.

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QQUUAADDRROO--44 PPRRIINNCCIIPPAAIISS RRIIOOSS QQUUEE CCOORRTTAAMM OO EESSTTAADDOO DDOO AAMMAAZZOONNAASS EE LLOOCCAALL DDEE SSUUAASS

NNAASSCCEENNTTEESS..

RR IIOO LLOOCCAALL DDAA NNAASSCCEENNTTEE

Solimões – Amazonas Cordilheira dos Andes, no PeruAAff lluueenntteess ddaa mmaarrggeemm eessqquueerrddaa

Napo Cordilheira dos Andes, no Peru

Içá Divisa do Equador com a Colômbia

Japurá Cordilheira dos Andes, Colômbia

Negro Colômbia

Branco Planalto Guiano

Nhamundá Nasce no Planalto Guiano e serve como

divisor entre os Estados do Amazonas e ParáAAff lluueenntteess ddaa mmaarrggeemm ddii rreeii ttaa

Javari Serra de Contamana na fronteira do Acre com o Peru.

Jutaí Rio totalmente amazonense pois nasce,

corre e deságua dentro do território amazonense

Juruá Peru, na Serra do Divisor, que divide as

bacias hidrográficas dos rios Ucayale (Peru) e Alto Juruá..

Tefé e Coari Afluentes totalmente amazonenses

Purus Peru, Serra de Contamana na cota de 400 m de altitude.

Madeira Formado pelos rios Beni e Mamoré que nascem na Bolívia

Fontes: Guimarães, 1966 www.transportes.gov.br. Consulta em 25/01/06.

De grande relevância na história do Amazonas foi a implantação, aqui,da primeira Universidade brasileira, que foi criada em Manaus no dia 22 denovembro de 1908, por inspiração do tenente coronel da Guarda Municipal,Joaquim Eulálio Gomes da Silva Chaves, um engenheiro civil e intelectual,nascido em Minas Gerais, que veio para Manaus atraído pelo progressodecorrente do ciclo da borracha. Aqui ele foi presidente do Clube da GuardaNacional, criou a Escola Livre de Instrução Militar, que depois se transformouna Escola Universitária Livre de Manaus, com os seguintes cursos iniciais:Três Armas, Engenharia Civil, Agrimensura e Agronomia, Ciências Jurídicase Sociais, Ciências Naturais e Farmacêuticas (bacharelado) e Ciências e Letras.Os cursos foram instalados em 15 de março de 1910 e, em 13 de julho de 1913,a Escola Universitária Livre de Manaus passou a chamar-se Universidade deManaus.

Embora a atual Universidade Federal do Amazonas (UFAM),ultimamente, venha arrogando para si o status de Universidade mais antiga doBrasil, por considerar-se uma continuidade da antiga Universidade de Manaus, é

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difícil estabelecer, ineqüivocamente, uma continuidade entre as duas instituições,ficando a suposta longevidade por conta de sentimentos ufanistas locais.

A atual Universidade Federal do Amazonas foi criada pela Lei 4.069-Ade 12 de junho de 1962, embora só tenha sido oficialmente instalada em 17 dejaneiro de 1975 tendo, como seu primeiro reitor, o professor Aderson Andradede Menezes. Na realidade, o único vínculo existente entre a antigaUniversidade de Manaus e a Universidade Federal do Amazonas, foi aincorporação da Faculdade de Direito, a única que sobreviveu ao declínio doEstado quando terminou o ciclo da borracha.

Um exemplo local que evidencia o equívoco dessa suposta antiguidadeé a relação entre a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e o Institutode Tecnologia do Amazonas (UTAM) que foi criado através do DecretoEstadual n.º 2.540 de 18 de janeiro de 1973, com o nome de Universidade deTecnologia da Amazônia (UTAM), nos termos da Lei Estadual n.º 1.060 de 14de dezembro de 1972. Quatro anos depois a Lei Estadual n.º 1.273 de 10 deoutubro de 1977 transformou a Universidade em Instituto conservando a siglaUTAM, ajustando-se, com essa transformação, à legislação federal vigente, naépoca.

A UEA teve sua criação autorizada pela Lei n.º 2.637 de 12 de janeiro de2001 que, em seu artigo 3.º “autoriza a extinção do Instituto de Tecnologia daAmazônia – UTAM – por definitiva absorção de suas atividades pelaUniversidade do Estado [...]”. Na estrutura da UEA, operacionalizada sob oregime fundacional pelo Decreto n.º 21.666 de 01 de fevereiro de 2001, aUTAM passou a denominar-se Escola Superior de Tecnologia, umaincorporação que não transferiu para nova Universidade, a carteira deidentidade da instituição mais antiga.

Uma outra característica atual e importante do Estado do Amazonas éo seu posicionamento em 2.º lugar no ranking dos estados com o menorpercentual de desflorestamento bruto em toda a Amazônia (Tabelas-6 e 7).

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TTAABBEELLAA--66 EEVVOOLLUUÇÇÃÃOO DDOO DDEESSFFLLOORREESSTTAAMMEENNTTOO BBRRUUTTOO ((KKMM22)) ,, PPOORR EESSTTAADDOO.. ((11997788--22000044))

Estados Janeiro/78 Abril/88 Agosto 89 Agosto 90 Agosto 91 Agosto 92

Acre 2.500 8.900 9.800 10.300 10.700 11.100

Amapá 200 800 1.000 1.300 1.700 1.736

Amazonas 1.700 19.700 21.700 22.200 23.200 23.999

Maranhão 63.900 90.800 92.300 93.400 94.100 95.235

Mato Grosso 20.000 71.500 79.600 83.600 86.500 91.174

Pará 56.400 131.500 139.300 144.200 148.000 151.787

Rondônia 4.200 30.000 31.800 33.500 34.600 36.865

Roraima 100 2.700 3.600 3.800 4.200 4.481

Tocantins 3200 21.600 22.300 22.900 23.400 23.809

TOTAL 152.200 377.500 401.400 415.200 426.400 440.186

Estados Agosto/94 Agosto 95 Agosto 96 96/97 97/98 98/99

Acre 12.064 13.306 13.742 14.100 14.636 15.077

Amapá 1.736 1.782 1.782 1.800 1.830 1.830

Amazonas 24.739 26.629 27.434 28.023 28.693 29.413

Maranhão 95.979 97.767 99.338 99.747 100.759 101.989

Mato Grosso 103.614 112.150 119.141 124.412 130.878 137.841

Pará 160.355 169.007 176.138 180.277 186.106 191.217

Rondônia 42.055 46.152 48.648 50.634 52.675 55.033

Roraima 4.961 5.124 5.361 5.545 5.768 5.988

Tocantins 24.475 25.142 25.483 25.756 26.332 26.548

Total 469..3978 497.055 517.069 530.296 547.679 564.938

Estados 99/00 00/01 01/02 02/03 03/04

Acre 15.624 16.038 16.765 17.314 18.117

Amapá 1.830 1.837 1.837 1.841 1.841

Amazonas 30.025 30.659 31.720 32.517 33.571

Maranhão 103.051 104.009 105.339 106.105 106.830

Mato Grosso 144.210 151.913 159.491 169.907 182.493

Pará 197.888 203.125 211.822 219.115 225.839

Rondônia 57.498 60.171 63.776 67.239 71.380

Roraima 6.241 6.586 6.640 6.966 6.966

Tocantins 26.792 26.981 27.240 27.376 27.483

Total 583.164 601.329 624.595 652.345 674.580

Fontes: Inpe, s.d. até agosto de 1996. www.inpe.br – consulta em 10/01/2005.

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TTAABBEELLAA--77 PPEERRCCEENNTTUUAAIISS DDEE DDEESSMMAATTAAMMEENNTTOO DDOOSS EESSTTAADDOOSS IINNSSEERRIIDDOOSS,, TTOOTTAALL OOUU

PPAARRCCIIAALLMMEENNTTEE,, NNAA ÁÁRREEAA DDEENNOOMMIINNAADDAA AAMMAAZZÔÔNNIIAA LLEEGGAALL

Estado Área territorial (km2) Área desmatada (1978-2004) % de área desmatada

Acre 152.581,388 18.177 11.91

Amapá 142.814,585 1.841 1,29

Amazonas 1.570.745,680 33.571 2,14

Maranhão ((11)) 331.983,293 106.830 32,18

Mato Grosso 903.357,908 182.493 20,20

Pará 1.247.689,515 225.839 18,10

Rondônia 237.576,167 71.380 30,04

Roraima 224.248,980 6.966 3,11

Tocantins 277.620,914 27.483 9,90

Total 5.088.618,430 674.580 13,26

Fontes: www.ibge.gov.br – consulta em 11/01/2005; www.inpe.br – consulta em 10.01/05; Inpe, (s.d);

Nota: (1) Os dados do Inpe incluem todo o território do Estado do Maranhão e não apenas as terras situadas a

oeste do meridiano 44º W Gr., que corresponde aos 279.105,863 km2 que fazem parte da Amazônia Legal. Essa

é a razão da diferença entre o total apresentado na tabela (5.088.618,430 km2) e a área da Amazônia Legal de

5.035.791 km2 definida pela Agência de Desenvolvimento da Amazônia. (www.ada.gov.br – consulta em

13/09/2005).

Além de ter suas florestas preservadas em percentuais bastante elevados,o Estado do Amazonas também tem criado e incentivado a instalação de Áreasde Preservação Ambiental, em suas várias configurações legais. Umapublicação do governo estadual (Amazonas, 2003), revela o percentual doterritório estadual ocupado por áreas protegidas, além de oferecer uma relaçãomais detalhada desses espaços, com informações sobre a titularidade, o tipo, onome, a localização, e a área. (Quadro-5)

• 29,1% do território estadual estão ocupados por 176 unidadesdenominadas Terras Indígenas (45.985.930 hectares onde vivem103.708 índios);

• 11,1% são destinados Unidades de Conservação Federaisabrangendo: 9 Unidades de Conservação Federal de Uso Sustentável,3 Áreas de Relevante Interesse Ecológico, 3 Reservas Extrativistas, 2Parques Nacionais, 3 Reservas Biológicas e 3 Estações Ecológicas(17.479.264 hectares);

• 5,1% abrigam Unidades de Conservação Estaduais compreendendo 7Unidades de Conservação Estadual de Uso Sustentável, 2 Reservas

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de Desenvolvimento Sustentável, 6 Unidades de Conservação deProteção Integral, estando ainda, em implantação 2 Reservas, sendouma de Desenvolvimento Sustentável, e outra Extrativista, além de 2Florestas Estaduais (8.014.223 hectares).

• 0,7% formam Unidades de Conservação Municipais de váriascategorias e distribuídas por 5 municípios (1.068.096 hectares).

Desses totais 8.236.166 hectares são áreas de superposição de TerrasIndígenas e Unidades de Conservação e 1.793.759 hectares são comuns adiversas Áreas de Conservação.

QQUUAADDRROO--55 UUNNIIDDAADDEESS DDEE CCOONNSSEERRVVAAÇÇÃÃOO NNOO EESSTTAADDOO DDOO AAMMAAZZOONNAASS EE SSUUAASS

RREESSPPEECCTTIIVVAASS ÁÁRREEAASS..

Unidades de Conservação Estaduais de Uso Sustentável (5,8 milhões de hectares)ÁÁrreeaa ddee PPrrootteeççããoo AAmmbbiieennttaall ((AAPPAA)) ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

APA de Presidente Figueiredo “Caverna do Maroaga” 374.700

Lago do Ayapuá 610.000

APA Nhamundá 195.900

APA margem direita do rio Negro – Padauari-Solimões 566.365

APA margem esquerda do rio Negro – Setor Tarumã Açu – Tarumã Mirim 56.791

APA margem esquerda do rio Negro – Setor Aturiá –Apuauzinho 586.422RReesseerrvvaa ddee DDeesseennvvoollvviimmeennttoo SSuusstteennttáávveell ((RRDDSS)) ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

RDS Mamirauá 1.124.000

RDS Amaná 2.313.000

Novas Unidades de Conservação Estaduais de Uso Sustentável (4,2 milhões de hectares)RReesseerrvvaass ddee DDeesseennvvoollvviimmeennttoo SSuusstteennttáávveell ((RRDDSS)) ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

RDS de Cujubim 2.450.381

RDS Piagaçu-Purus 1.008.167RReesseerrvvaa EExxtt rraatt iivv iissttaa ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

RESEX Catuã-Ipixuna 216.874FFlloorreessttaa EEssttaadduuaall ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Floresta do rio Urubu 47.510

Floresta de Maués 438.440

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Unidades de Conservação Estaduais de Protecão Integral (2,2 milhões de hectares)PPaarrqquuee EEssttaadduuaall ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Nhamundá 28.370

Serra do Araçá 1.818.700

Rio Negro – Setor Sul 157.807

Rio Negro – Setor Norte 146.028RReesseerrvvaa BBiioollóóggiiccaa ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Morro dos Sete Lagos 36.900

Novas Unidades de Conservação Estaduais de Proteção Integral (0,06 milhões de hectares)PPaarrqquuee EEssttaadduuaall ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Parque Estadual de Cuieiras 55.800

Parque Estadual de Samaúma 51

Unidades de Conservação Federais de Uso Sustentável (10,4 milhões de hectares)FFlloorreessttaass NNaacciioonnaaiiss ((FFlloonnaass))

NNoommee ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess)) NNoommee ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Amazonas 1.573.100 Purus 256.000

Cubaté 416.532 Tarauacá 647.744

Cuiari 109.518 Pau Rosa 827.877

Içana 200.561 Jatuarana 837.100

Içana-Aiari 491.400 Tarauacá II 559.504

Mapiá-Inauini 311.000 Tefé 1.020.000

Pari-Cachoeira 18.000 Urucu 66.496

Pari-Cachoeira 654.000 Xié 407.915

Piraiauara 631.436 Humaitá 468.790

ÁÁrreeaa ddee RReelleevvaannttee IInntteerreessssee EEccoollóóggiiccoo ((AArr iiee))

NNoommee ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Javari/Buriti 15.000RReesseerrvvaa EExxtt rraatt iivv iissttaa ((RReesseexx))

NNoommee ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess)) NNoommee ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Médio Juruá 253.226 Baixo Juruá 187.982

Auati-Paranã 146.950 Rio Jutaí 275.532

Unidades de Conservação Federais de Proteção Integral

(1,07 milhões de hectares)PPaarrqquueess NNaacciioonnaaiiss ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Jaú 2.272.000

Pico da Neblina 2.200.000RReesseerrvvaass BBiioollóóggiiccaass ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Abunari 288.000

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Uatumã 940.000

Campina 900RReesseerrvvaass EEccoollóóggiiccaass ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Anavilhanas 350.018

Juami-Japurá 745.830

Jutaí-Solimões 288.187ÁÁrreeaass ddee RReelleevvaannttee IInntteerreessssee EEccoollóóggiiccoo ((AArr iiee)) ÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Javari/Buriti 15.000

Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais 3.288

Unidades de Conservação Municipais

(1,07 milhões de hectaresCCaatteeggoorr iiaa LLooccaall ii zzaaççããoo MMuunniiccííppiiooÁÁrreeaa ttoottaall ((hheeccttaarreess))

Parque Municipal Mindú Manaus 35

Tarumã/Cachoeira Alta Manaus 30

Mundo Novo Manaus 3,5

Encontro das Águas Manaus 1

Ponte da Bolívia Manaus 8

Horto Municipal Horto Municipal Manaus 1

Chico Mendes

Momumento Natural Cachoeira dos Noivos Manaus —

Cachoeira das Almas Manaus —

Área de Proteção Rio Marmelo Manicoré 842.778

Ambiental- APA Urubuí Pres. Figueiredo 36.600

Mariruá Manicoré —

Jatinama Benjamim Constant —

Tarumã/Ponta Negra Manaus 11.722

Puraquequara Manaus —

Área de Relevante Campus da Universidade

Interesse Ecológico Federal do Amazonas Manaus 670

Jardim Botânico Jardim Botânico Manaus 500

Bosque da Ciência Manaus 13

Jardim Zoológico Tropical Hotel Manaus —

Refúgio da Vida Silvestre Sauim-Castanheira Manaus 98

Reservas de Tupé Manaus 13.500

Desenvolvimento Lago do Piranha Manacapuru 103.000

Sustentável Urariá Maués 59.137

Fonte: Amazonas, 2003.

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Além dessas áreas protegidas e oficializadas dentro de algum critério detipificação legal, existem ainda, no Estado do Amazonas, 179 TerrasIndígenas, algumas das quais estão Demarcadas, outras Delimitadas, muitasHomologadas, várias Identificadas, havendo ainda algumas incluídas nascategorias Em Identificação e A Identificar, cujos processos estão em fasede andamento. A área total das Terras Indígenas no território do Estado doAmazonas é de 45.985.930 hectares,43 (459.859,3 km2) onde vivem 103.708índios (Funai, 2005).44

As riquezas minerais do Estado foram avaliadas por uma ComissãoEspecial da Assembléia Legislativa, com assessoria de técnicos de váriasinstituições públicas e da sociedade civil. Uma das conclusões a merecer umareflexão mais profunda é a que informa o faturamento do Estado com aatividade mineral em 2001, que atingiu o valor de R$ 86 milhões, emcontraposição ao Pará que, no mesmo ano, registrou R$ 6,6 bilhões. ORelatório Final (Amazonas, 2004), contém informações importantes que são, aseguir, resumidas.

O território estadual, do ponto de vista geológico, pode ser dividido emtrês setores:

a) terrenos de rochas duras e antigas formados pelo embasamentocristalino que aflora ao norte e ao sul e onde ocorrem os relevos maiselevados. Na formação ao norte, no município de São Gabriel daCachoeira, está situado o ponto culminante do Brasil, o Pico daNeblina, com 3.014,1 metros. Nesses maciços são encontradosdepósitos de minerais metálicos importantes como estanho, nióbio-tântalo, flúor, zircônio, ítrio e tório. Dessa região são extraídos osgranitos utilizados em construção civil e decoração.

b) terrenos de rochas sedimentares localizados na região central doestado destacando-se, neste grupo, os recursos energéticos comopetróleo e gás natural (Coari, Carauari e Silves) (Quadro-6) eminerais como potássio (Nova Olinda do Norte); gipsita, ferro ecalcário (Urucará); calcário (Maués); bauxita (Nhamundá); caulim(Manaus e Rio Preto da Eva); arenito (Manaus). Essas rochassedimentares pertencem a Formação Alter do Chão e incluem

43 Desses 45.985.930 hectares de Terras Indígenas, 10.029.925 hectares estão superpostos com Unidades de Conservação.

44 www.funai.gov.br – consulta em 25 de junho de 2005.

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importantes aqüíferos subterrâneos, que são responsáveis por cercade 50% do abastecimento público de Manaus.

c) terrenos novos de depósitos de aluvião (praias e bancos de rios),depósitos de planícies de inundação, solos e/ou sedimentos recentes.São os depósitos de praia, de várzeas e terraços encontrados ao longoda calha e margens dos rios. Nesses terrenos são notáveis osdepósitos minerais de seixos, areia e argila extraídos, principalmente,nos rios Japurá, Uatumã, Aripuanã, Araçá e Solimões. Comoatividade econômica significativa, merece destaque a argila vermelhautilizada na fabricação de cerâmica nos municípios de Manacapuru,Iranduba e Itacoatiara. Esses terrenos também abrigam depósitos deouro no rio Madeira (Humaitá e Manicoré), nos rios Parauari eAnamã (Maués), no rio Japurá (Japurá) e de ouro e tantalita nos riosIçana, Tiquié e Uaupés (São Gabriel da Cachoeira).

No que diz respeito às jazidas minerais, as informações dizem que:

1. O principal pólo mineralógico do Amazonas é o Distrito Polimetálicoda Mineração Taboca do Grupo Paranapanema, no município dePresidente Figueiredo, onde é feita a extração de cassiterita (Sn),columbita-tantalita (Nb/Ta), zirconita (Zr), criolita (F), xenotímio (Y)e torita (Th). Essa mineração colocou o Brasil em primeiro lugar noranking internacional de produção de estanho metálico (1988-1990)e atualmente o Amazonas é responsável por 80% da produçãonacional desse mineral;

2. O morro dos Seis Lagos localizado no município de São Gabriel daCachoeira abriga uma reserva de nióbio45 estimada em 81,5 milhõesde toneladas sendo a principal jazida mundial desse recurso mineral.A exploração, entretanto, enfrenta problemas legais, pois a regiãoestá incluída na Unidade de Conservação denominada ParqueNacional do Pico da Neblina, na Reserva Biológica do Morro dosSeis Lagos que também está demarcada como Terra Indígena Balaio.

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45 O nióbio (Nb), por seu alto ponto de fusão (2.468º C) e sua propriedade de ser um supercondutor de energia elétrica emtemperaturas inferiores a 264º C negativos, tem grande utilidade na construção de reatores nucleares, indústria aeroespacial,ligas condutoras, produção de lentes ópticas, etc. O complexo Carbonatito dos Seis Lagos no Amazonas tem uma reserva denióbio estimada em US$ 1 trilhão.

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3. O calcário tem uma reserva estimada em 391.257.831 toneladas nosmunicípios de Urucará, Nhamundá e Maués, faltando ainda adefinição das reservas dos municípios de Apuí e Novo Aripuanã. Amineração de calcário está sendo feita pela Cia. Brasileira deEquipamentos (Urucará), pela Cia. Agroindustrial de Monte Alegre(Nhamundá) e pela Cia. Industrial Amazonense (Maués).

4. As reservas estimadas de potássio em Nova Olinda do Norte eItacoatiara atingem um total de 1.002.300.000 toneladas, mas aindanão há exploração comercial desse mineral de grande utilidade naagricultura. O grande contraste, nesse caso, é que detendo uma jazidadessa dimensão, o Brasil importou, em 2002, cerca de 540 milhões dedólares de potássio para uso agrícola e industrial.

5. Ao longo das rodovias BR-174 e AM 010, em terrenos dosmunicípios de Manaus e Rio Preto da Eva, foram estimadas reservasde caulim na ordem de 3.457.370.330 toneladas. Esse mineral temutilidade na indústria do papel e da cerâmica branca, e dele pode serobtido quartzo hialino, de alta pureza, utilizado na fabricação decinescópios. A lavra ainda está em fase de concessão.

6. A cerâmica vermelha é a matéria prima principal na fabricação detelhas e tijolos, cuja maior produção está localizada nos Municípiosde Iranduba e Manacapuru. O Pólo Oleiro tem graves problemas emrazão do uso de uma linha de produção que usa tecnologiasrudimentares entre as quais o método do forno a lenha para secagemdo produto.

7. Os recursos energéticos minerais do Amazonas são representados,atualmente, pelas reservas de óleo e gás nas províncias de Urucu eJuruá, cujos volumes estimados estão apresentados no Quadro-6.

8. Caracterizando a água doce como recurso mineral, o Estado detémenormes jazidas cujo valor e volume não estão estimados. Como aágua também pode ser incluída como recurso energético, as reservashídricas amazonenses ainda tem valor não estimado para uso emgrandes usinas hidrelétricas (UHEs), em pequenas centrais (PCHs),ou ainda na movimentação de rodas d’água para produção depequenas quantidades de energia.

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QQUUAADDRROO--66 EESSTTIIMMAATTIIVVAASS DDAASS RREESSEERRVVAASS DDEE ÓÓLLEEOO EE GGÁÁSS NNOO EESSTTAADDOO DDOO AAMMAAZZOONNAASS

Local Recurso mineral energético Município

Óleo e condensado Gás natural

(milhões de m3) (milhões de m3)

Província de Urucu 21.262 62.886,50 Coari

Pólo Juruá 1.105 22.164,20 Carauari

Total 22.367 85.050,70 ——

Área do Uatumã 0,394 5.534,24 Silves

Fonte: Amazonas, (2004). 46

Notas: 1. Os dados da Província de Urucu e Pólo Juruá são referentes às reservas totais referidas no site da ANP

(www.anp.gov.br); 2. Os dados da área do rio Uatumã ainda fazem parte de cálculos preliminares de volume.

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Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 4 | jan-jun | 2005 114411

46 A obra indicada apresenta alguns problemas de forma e conteúdo que são imperdoáveis, por se tratar de uma publicaçãooficial. Do ponto de vista formal verifica-se uma diferença entre os títulos da capa – “Geodiversidade do Amazonas” – e dafolha de rosto – “Política mineral do Estado do Amazonas”. Surpreende ainda o fato do livro não ter uma ficha catalográfica,uma exigência das Normas da ABNT. Do ponto de vista do conteúdo, o maior absurdo está inserido na apresentação feita peloPresidente da Comissão Especial, deputado Sinésio Campos do PT/AM que diz, textualmente: “[...] urge buscar,prioritariamente, o desenvolvimento sustentável da atividade mineral no Estado do Amazonas [...]” (grifado no original). Difícilentender o conceito do deputado sobre sustentabilidade de extração de recurso mineral com quantidades finitas e nãorenovável. Ele, provavelmente, nunca ouviu falar em recurso exaurível, em decisão intertemporal e em ccuussttoo ddee uussoo.

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PROPRIEDADE INTELECTUAL EARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS:

A APLICABILIDADE DA LEI E O PAPEL DA SECRETARIA DEESTADO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO AMAZONAS.

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* Doutor em Aqüicultura. Professor do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado doAmazonas. Bolsista Gestão em C&T/A FAPEAM.

** Mestre em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado doAmazonas. Apoio financeiro BASA/ABIPTI.

***Bolsista DCTA/B FAPEAM.

Resumo: A proteção aos direitos de propriedadeintelectual tem assumido um relevante papel naagenda de governo do Estado do Amazonas. Apresença do Pólo Industrial de Manaus e a ascensãolocal da indústria de base biotecnológica, somada asinúmeras iniciativas de projetos de bioprospecção,envolvendo em alguns casos o acesso ao conhe-cimento tradicional, contribuíram para que aSecretaria de Estado de Ciência e Tecnologia doAmazonas (SECT) desenvolvesse ações deintervenção e/ou técnicas como forma de apoio àproteção a esses direitos. Entretanto, a realidade localapresenta peculiaridades que interferem na aplicaçãoda legislação atual, principalmente a MedidaProvisória 2.186-16/01. Esta situação induziu ademanda por estudos que subsidiassem as açõesinterventivas e/ou técnicas da Secretaria, com ointuito de disseminar informações sobre a proteçãoaos direitos de propriedade intelectual. Este trabalho,resultado parcial de dois projetos de pesquisadesenvolvidos durante 2004 e 2005 na própria SECT,identifica os entraves locais, relacionando-os às açõesda Secretaria. Estas iniciativas da instituição políticalocal são analisadas em relação à efetividade dasalternativas propostas, como solução aos problemaspráticos enfrentados no Estado do Amazonas.

Palavra-chave: Propriedade Intelectual; Amazonas;Programa de Gestão de Ciência e Tecnologia;Arranjos Produtivos Locais; Secretaria de Estado deCiência e Tecnologia; MP 2.186-16/01.

Abstract: The protection of intellectual propertyrights has been highlighted in the State of Amazonaspolitical agenda. The presence of the Industrial Poleof Manaus and the local rising of thebiotechnological sector, added to the severalsearching initiatives, including cases of traditionalknowledge access, contributed for theaction/intervention of the State Bureau of Scienceand Technology (SECT) aiming to protect theseintellectual property rights. Despite these facts, theregional reality presents peculiarities that influencein the social efficiency of the law, mainly theMedida Provisória 2.186-16/01. This situationconducted to the establishment of studies tosubsidize the actions of SECT, contributing toenforce the civil society information level aboutintellectual property rights. In this context, thispaper brings the results of two research projectsexecuted from 2004 to 2005 at SECT, pointing outthe local obstacles related to the political action ofthat State Bureau. These actions of SECT areanalyzed in face of the efficiency of the observedresults, taken as solution to the practical problems ofthe State of Amazonas.

Keywords: Intellectual Property Rights; Amazonas;Program of Management of Science andTechnology; Local Productive Arrangements; StateBureau of Science and Technology; MP 2.186-16/01.

Serguei Aily Franco de Camargo*Genise de Melo Bentes**

Fabiana dos Santos e Souza***

Sumário: Introdução; 1. Contexto político e desafios para o Estado do Amazonas; 2. Rede Norte dePropriedade Intelectual, biodiversidade e conhecimento tradicional: um breve histórico; 3. Principaisresultados obtidos; 4. Discussão; Constatações finais e recomendações; Agradecimentos; Referências.

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INTRODUÇÃO

A Lei Estadual n.º 2.783, de 31 de janeiro de 2003 criou a Secretaria deEstado de Ciência e Tecnologia (SECT). A SECT tem a missão de formular egerir as políticas estaduais de Ciência e Tecnologia, buscando articular esforçose fazer com que o conhecimento produzido nas universidades, centros depesquisa e laboratórios seja revertido em alternativas eficazes para a promoçãodo desenvolvimento sustentável, humano e solidário.

A proteção ao conhecimento científico e tradicional, produzido noEstado do Amazonas passou a fazer parte da agenda da SECT com o PPA 2004-2007 (Programas e Ações da SECT), que tem como prioridade odesenvolvimento estadual e regional de Redes Temáticas, entre as quais, aRede Norte de Propriedade Intelectual, Biodiversidade e ConhecimentoTradicional (RNPIBCT).

O objetivo da RNPIBCT seria, principalmente, articular diversasinstituições interessadas no tema propriedade intelectual, formando um fórumpara resolução de conflitos, capacitação de recursos humanos e capta-ção/gestão de recursos financeiros. Nesse contexto, a SECT tem desenvolvidoações visando criar espaços de articulação, principalmente no Amazonas, paraos atores da Região. Até o momento, a SECT tem contado com a participaçãodas instituições públicas e privadas, da sociedade civil organizada e dasrepresentações de povos e comunidades tradicionais interessadas no debate,1

facilitando o desenvolvimento de ações cooperativas para a compreensão dosistema de propriedade intelectual e suas interações com a biodiversidade e oconhecimento tradicional permitindo um aprendizado conjunto e integrador.

Assim, a SECT coloca como prioridades institucionais: a disseminaçãoe o desenvolvimento dos mecanismos de proteção da propriedade intelectual edos conhecimentos tradicionais associados ao uso da biodiversidade; ofomento a criação de núcleos de gestão e comercialização de tecnologia; aproposição de mecanismos que viabilizem a transformação de tecnologias debancada em produtos comerciais; a indução e fomento a realização de estudosteóricos no campo da propriedade intelectual e comercialização de tecnologia;

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1 Agência Brasileira de Inteligência/ABIN, Sistema de Proteção da Amazônia/SIPAM, Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária/EMBRAPA, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas/FAPEAM, Fundação Estadual dos PovosIndígenas/FEPI, Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica/FUCAPI, Instituto Nacional de Pesquisas daAmazônia/INPA, Ministério do Meio Ambiente/MMA, Universidade Federal do Amazonas/UFAM, Universidade do Estado doAmazonas/UEA, Grupo de Trabalho Amazônico/GTA, entre outros.

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a identificação e articulação para a formulação de propostas de estudoscomplementares aos projetos cooperativos em temas vinculados à propriedadeintelectual; promoção de eventos, em especial junto a povos indígenas,quilombolas e comunidades locais.

Dentro destas prioridades, uma segunda linha de ação da SECT surgiucom a criação de proposta de projeto, em outubro de 2002, do Núcleo deGestão Tecnológica Compartilhada (NGTC) e a realização de estudoscomplementares aos Arranjos Produtivos Locais (APL’s)2 do Estado doAmazonas.

Os APL’s fazem parte do Programa Plataformas Tecnológicas para aAmazônia Legal, e são iniciativas do Governo Federal, por meio do Ministérioda Ciência e Tecnologia (MCT) em parceria com os governos estaduais, com ointuito de solucionar os gargalos tecnológicos3 de áreas prioritáriasselecionadas em cada Estado. O Programa se apresenta em forma dePlataforma Tecnológica por ser um “processo de comunicação e negociaçãoentre todos os atores envolvidos no desenvolvimento tecnológico, objetivandoidentificar os problemas dos diversos setores e gerar demandas por projetoscooperativos para resolver os problemas indicados” (MCT, 2000).

O Governo Estadual do Amazonas através das ações da Secretaria deEstado do Desenvolvimento Econômico (SEDEC), extinta em 2002, reuniupessoas de vários setores para selecionar áreas prioritárias, relacionadas aodesenvolvimento tecnológico da região. Dessa forma, ocorreu a indicação dosseguintes APL’s: fitoterápicos e fitocosméticos, fruticultura, madeira episcicultura.

Após a definição dos mencionados APL’s, foi realizado um mapeamentoda situação setorial de cada um, onde foram detalhados as cadeias produtivas,os gargalos tecnológicos e suas possíveis soluções. Vinculados aos APL’s,foram contemplados com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos(FINEP) em 2002 os seguintes projetos cooperativos: Programa de Criação deMatrinxã em Canais de Igarapé de Terra Firme: aplicação em nível desubsistência e empresarial (PROCIMA); Tecnologia para Cultivo de Tambaqui(Colossoma macropomum) e Matrinxã (Brycon cephalus) a Nível Familiar

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2 Arranjos Produtivos Locais podem ser definidos como “aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais,com foco em um conjunto específico de atividades econômicas e que apresentam vínculos e interdependência” (Lemos,2003).

3 Os gargalos tecnológicos são obstáculos de ordem técnica, que existem ou surgem ao longo da cadeia produtiva, que obstao desenvolvimento do arranjo produtivo local (MCT, 2000).

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(TANRE); Beneficiamento da Castanha do Brasil (BENECAST);Desenvolvimento de Dois Produtos Fitoterápicos e Um Fitocosmético a partirde Espécies Amazônicas (VMCC).

No início de 2003, SECT assumiu o papel da antiga SEDEC em relaçãoaos APL’s, como interveniente nos projetos cooperativos, que são objetos deconvênio com a FINEP e FUCAPI.

O projeto cooperativo PROCIMA tem como finalidade geral desen-volver tecnologia de produção de alevinos e a criação intensiva de matrinxã emcanais de igarapés de terra firme em pequenas e médias propriedades. Oprojeto TANRE visa adaptar a tecnologia de tanques-rede para o cultivo detambaqui e matrinxã ao nível familiar. O projeto BENECAST tem o escopo dedesenvolver tecnologia para o aproveitamento e/ou industrialização deprodutos da castanha do Brasil. O projeto VMCC se propõe a solucionar osgargalos tecnológicos de validações botânica, química e biológica, com afinalidade de industrialização e comercialização das espécies muirapuama(Ptycopetalum olacoides Benth. Olacaceae) e chichuá (Maytenus guianensisKlot. Celastraceae), visando inclusive os registros junto a Agência Nacional deVigilância Sanitária (ANVISA) como medicamentos fitoterápicos novos e docrajirú (Arrabidaea chica Verlot. Bignoniacea), como fitocosmético.

Com a implementação do NGTC no Estado do Amazonas em 2004,foram contratados dois projetos cooperativos do APL Madeira: Caracterizaçãodos Resíduos Madeireiros e Desenvolvimento de Tecnologias para seuAproveitamento (APROREM) e Modelo de Integração de Produtores deMadeira do Estado do Amazonas (MIPMEA). O APROREM tem comofinalidade desenvolver alternativas para utilização adequada e racional dosrecursos naturais da região agregando valores econômicos ao resíduoproduzido pelas indústrias madeireiras, bem como implementar o Núcleo deDesign Tropical Amazônico da FUCAPI, para apoiar o desenvolvimentoregional, a geração de ocupação e aporte de renda para as populaçõestradicionais da Amazônia. Enquanto que o MIPMEA busca fortalecer osegmento de fornecimento de matéria-prima florestal. Os estudoscomplementares aos projetos cooperativos abordam os temas de propriedadeintelectual, fruticultura e piscicultura.

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Cabe ao NGTC/SECT agregar recursos financeiros, informação econhecimento que contribuam para o gerenciamento produtivo dos projetoscooperativos,4 bem como a transferência para a economia local das soluçõestecnológicas apresentadas por estes projetos e o gerenciamento dosmencionados estudos complementares.

Desde janeiro de 2005, a SECT/NGCT tem executado um projeto5 coma finalidade de desenvolver um estudo sobre propriedade intelectual, comoforma de fortalecimento aos APL’s.

Nesse contexto, percebe-se que as ações da SECT, relacionadas àpropriedade intelectual, dividem-se em dois eixos: a consolidação de uma redee o apoio aos projetos vinculados aos APL’s, por meio de estudo complementarsob propriedade intelectual na gestão do NGTC.

No primeiro caso, a SECT, desenvolveu um projeto de Gestão de C&T,financiado pela FAPEAM, com o objetivo de catalisar ações e/ou demandasinstitucionais coletivas para o exercício dos direitos de propriedade intelectualno Estado. Este projeto foi desenvolvido em escala piloto no município deManaus, visando à capacitação de recursos humanos e a articulaçãoinstitucional entre os atores regionais mencionados acima. Estas ações decapacitação (consubstanciadas nas oficinas e palestras do I Encontro da RedeNorte de Propriedade Intelectual, Biodiversidade e Conhecimento Tradicional)objetivaram formar agentes multiplicadores, permitindo que os própriosinteressados realizassem ações de conscientização e proteção à propriedadeintelectual.

No segundo caso, a SECT por meio do NGTC, desenvolve um estudojurídico complementar ao projeto cooperativo VMCC, executado pelo INPA eparceiros. A demanda deste projeto cooperativo relaciona-se à sua adequaçãoformal, para o cumprimento de requisitos legais, visando à obtenção deautorização do Conselho do Patrimônio Genético (CGEN),6 para acesso aopatrimônio genético com a finalidade de bioprospecção (objetos de pesquisa erepartição de benefícios com os detentores locais/comunitários), nos termos daMP 2.186-16/01.

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4 Projetos Cooperativos podem ser definidos como sendo “um conjunto de projetos que persegue o mesmo fim, identificapotencialidades de recursos e estrangulamentos da intervenção, identifica e ordena projetos, define o âmbito institucional,sinaliza os recursos a serem utilizados” (MCT, 2000).

5 “Estudo Complementar aos Projetos Implementados nos Arranjos Produtivos do Estado do Amazonas: PropriedadeIntelectual”, coordenado por Genise de Melo Bentes.

6 Instituição criada pela Medida Provisória 2186-16/01, responsável por autorizar o acesso ao patrimônio genético e aoconhecimento tradicional associado.

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Assim, passaremos à descrição detalhada destes dois casos, com oobjetivo de delimitar o papel da SECT neste cenário, analisando na seqüênciaa aplicabilidade do marco legal da propriedade intelectual à realidade doEstado do Amazonas.

1. CONTEXTO POLÍTICO E DESAFIOS PARA O ESTADO DOAMAZONAS

O contexto jurídico que envolve o tema propriedade intelectual ébastante amplo. Este trabalho não tem por objetivo discorrer sobre todo omarco legal referente ao assunto, mas analisar as ações da SECT para superarentraves locais presentes em diversos setores da economia do Estado doAmazonas. Sinteticamente, pode-se afirmar que a proteção aos direitos depropriedade intelectual no setor empresarial/industrial, representado noAmazonas pelo Pólo Industrial de Manaus (PIM), é prática tradicional. Oregistro de marcas e o depósito de patentes são práticas comuns e muitodifundidas no meio. O principal entrave local nesse aspecto é a carência demão-de-obra especializada para acompanhamento dos processos junto aoInstituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), e falta de articulação entreeste setor e demais segmentos atuantes no desenvolvimento biotecnológico. Noentanto existem no estado empresas que terceirizam este tipo de serviço (e.g.FUCAPI), atuando tanto no esclarecimento dos trâmites legais e burocráticosnecessários à obtenção de patente(s) ou registro de marca(s), como tambémauxiliando na elaboração de projetos conforme as normas do INPI.

A biotecnologia surge como segmento altamente expressivo no contextointernacional e também no Estado. Segundo Haddad & Rezende (2002),políticas econômicas de incentivo à indústria de base biotecnológica seriamalternativas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, devido ao baixoimpacto ambiental dessas atividades e o alto valor agregado dos produtos.Ainda de acordo com os mesmos autores, soma-se a estes fatores a identidaderegional da utilização da biodiversidade, como característica econômica.

A bioprospecção, envolvendo ou não acesso ao conhecimentotradicional associado à biodiversidade, representa outro entrave local. Asinstituições que desenvolvem ações neste campo esbarram em procedimentosextremamente burocráticos para autorização de execução de projetos. O acessoao CGEN, a partir das instituições locais, ainda é precário tanto pela

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desinformação em relação à legislação, quanto pela falta de recursos humanosespecializados e de articulação político-institucional.

Do outro lado se encontram populações locais, que segundo Castro(2000) são capazes de identificar com enorme riqueza de detalhes asdiferenciações de fauna e flora no interior da floresta, além de distinguir umasérie de processos complexos inerentes ao ecossistema de florestas tropicaisúmidas, e por estas razões alegam a autoria de informações apoderadas,segundo as mesmas, de forma ilegal por grandes empresas, sem oestabelecimento de acordos ou contratos e repartição de benefícios.

A fim de legitimar esta situação, a MP 2186-16/01 foi regulamentada peloDecreto n.º 3.945/01, modificado pelo Decreto nº 4.946/03 e pelo nº 5.439/05.Em junho de 2005, adveio o Decreto n.º 5.459/05 que regulamentou o artigo 30da referida MP, disciplinando as sanções aplicáveis às condutas e atividadeslesivas ao patrimônio genético e/ou ao conhecimento tradicional associado.

No entanto, ela não prevê um protocolo base definitivo para osprocedimentos de repartição de benefícios, ficando estes ainda ao encargo deserem definidos pelas empresas e comunidades detentoras de conhecimento(Azevedo e Silva, 2005). A questão principal a ser respondida não caminha emdireção ao debate entre adeptos do sistema patentário tradicional (e.g. INPI eOMPI) e defensores do sistema sui generis (Araújo & Capobianco, 1996; Laird,2002; Lima, 2003; Santilli, 2005). A discussão engloba aspectos da aplicabilidadeprática da lei (principalmente da MP 2186-16/01 e textos relacionados) à realidadeamazonense, tendo como agente facilitador local a SECT.

2. REDE NORTE DE PROPRIEDADE INTELECTUAL,BIODIVERSIDADE E CONHECIMENTO TRADICIONAL: UMBREVE HISTÓRICO

A criação da RNPIBCT foi precedida de eventos em Manaus e Belém.Estes eventos reuniam diversas instituições, criando espaços de articulação ediscussão, que culminaram na idéia de uma rede regional de propriedadeintelectual.

O primeiro evento aconteceu em Manaus, em agosto de 2003. O “ISeminário de Propriedade Intelectual, Ciência e Conhecimentos TradicionaisAssociados da Amazônia”, foi organizado pelo Escritório de Negócios do

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Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e reuniu diversasinstituições da região norte, marcando o inicio das discussões no Amazonas.

O segundo evento aconteceu aproximadamente um mês depois, emBelém. O seminário “Saber Local/Interesse Global: Propriedade Intelectual,Biodiversidade e Conhecimento Tradicional no Amazonas” foi realizado pelaFederação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA), Museu Paraense EmilioGoeldi (MPEG) e Centro Universitário do Pará (CESUPA). O objetivo desteevento foi impulsionar a criação de uma rede de propriedade intelectual, queresultou concretamente na idéia da RNPIBCT. Deste seminário participaraminstituições de todo o Brasil.7 Entre os presentes, foi definido que o principalobjetivo da rede seria permitir a articulação entre as instituições atuantes naárea de propriedade intelectual da Região Norte, facilitando o desenvolvimentode ações cooperativas voltadas à formulação e implementação de políticasinstitucionais.

2.1 AÇÕES PARA A CONSOLIDAÇÃO DA REDE NORTE NOESTADO DO AMAZONAS

Em outubro de 2003 foi elaborada uma “Carta de Intenções”, em açãoconjunta da FUCAPI, INPA e FAPEAM. Em síntese, o conteúdo dessedocumento trata do marco legal em propriedade intelectual e justifica a criaçãoda RNPIBCT, como peça fundamental para impulsionar o desenvolvimentosustentável da Amazônia. Os eixos centrais da rede são:

• Difusão da cultura e incentivo à proteção da propriedade intelectuale dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade;

• Formação de recursos humanos;• Apoio aos núcleos institucionais de propriedade intelectual;• Apoio à transferência de tecnologia e;• Captação e gestão de recursos financeiros.

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7 A Rede de Propriedade Intelectual e Comercialização de Tecnologia do Rio de Janeiro (REPICT), ABIN, AMAZONLINK,Comissão Executiva do Plano de Lavoura Cacaueira (CEPLAC) da Superintendência Regional da Amazônia Oriental (SUPOR),CESUPA, EMBRAPA/PA, FAPEAM, FUCAPI, Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA),Instituto Indígena Brasileiro de Propriedade Intelectual (IMBRAPI), INPA, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia(IPAM), Universidade Federal do Pará (UFPA), Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), MPEG, SECT,Universidade do Estado do Pará (UEPA), Universidade Federal Rural do Amazonas (UFRA), Núcleo de Estudos e Análise sobrePropriedade Intelectual (NEAPI/FEPI), Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), Organização Extrativista Yawanauá deAgricultores do Rio Gregório (OEYARG) e o GTA.

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Em março de 2004 os trabalhos para a realização do I Encontro de RedeNorte em Manaus tiveram início. Os passos iniciais seguiram em direção àformação de comissões estaduais (uma de cada Estado da Rede) para auxiliarna organização do evento.

Em maio de 2004 a SECT lançou edital para selecionar projetos, atravésdo Programa de Gestão em Ciência e Tecnologia (PGCT). Dentre as linhasestabelecidas no edital, uma previa seleção de projeto em propriedadeintelectual, com o objetivo de capacitar agentes multiplicadores, visandobeneficiar as comunidades tradicionais, através da proteção dos seusconhecimentos tradicionais. Subsidiariamente, o projeto deveria auxiliar naarticulação e desenvolvimento da Rede Norte de Propriedade Intelectual.8

A SECT, através do projeto selecionado no edital PGCT, a partir deagosto de 2004, trabalhou com a FUCAPI, ABIM, SIPAM, SEBRAE, UFAM,INPA e UEA, para captar recursos e organizar o “I Encontro da Rede Norte dePropriedade Intelectual, Biodiversidade e Conhecimento Tradicional”. Oencontro ocorreu em Manaus entre 28 e 31 de março de 2005, contando com oapoio de instituições nacionais e do Amazonas. Deste evento participaramrepresentantes de diversos estados brasileiros. Nesta oportunidade, também foirealizada reunião dos representantes estaduais da Rede, a fim de cuidar de suaefetiva implementação, organização e atribuições dos integrantes.

3. PRINCIPAIS RESULTADOS OBTIDOS

3.1 Propriedade intelectual e RNPIBCT

O objetivo formal do I Encontro da Rede Norte para a SECT foi aaproximação de instituições, representantes de populações tradicionais,governo e indústria, para discutir os mecanismos de proteção da propriedadeintelectual e dos conhecimentos tradicionais associados ao uso dabiodiversidade. Especificamente, estabeleceu-se que o encontro deveriacontribuir com a capacitação de agentes formadores de opinião entre indígenas,ribeirinhos e quilombolas (para disseminar conhecimentos nas comunidadesinterioranas do Estado); capacitar os membros da Rede Norte nos aspectos

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8 O projeto escolhido foi: “Desenvolvimento de instrumentos institucionais catalisadores de ações para a difusão do exercíciodos direitos de propriedade intelectual”, coordenado por Serguei Aily Franco de Camargo e executado na SECT entre julhode 2004 e junho de 2005.

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jurídicos e sócioambientais da proteção aos conhecimentos tradicionais(aumentando o poder da disseminação cultural do tema entre os diversosEstados). O público presente foi composto de membros da Rede Norte,representantes da sociedade civil organizada, de populações tradicionaisindígenas e não-indígenas, gestores públicos, comunidade acadêmica,empresas e agências de fomento à pesquisa.9 A programação desenvolvidadurante o evento está descrita na Tabela-1 abaixo.

TTAABBEELLAA--11 PPRROOGGRRAAMMAAÇÇÃÃOO DDOO II EENNCCOONNTTRROO DDAA RREEDDEE NNOORRTTEE DDEE PPRROOPPRRIIEEDDAADDEE IINNTTEELLEECCTTUUAALL,,BBIIOODDIIVVEERRSSIIDDAADDEE EE CCOONNHHEECCIIMMEENNTTOO TTRRAADDIICCIIOONNAALL

OFICINAS (28 e 29/03/2005)

1. Propriedade Intelectual e Financiamento a Projetos de Pesquisa & Inovação: implicaçõesjurídicas.

2. A universidade e empresa: experiências em transferência de tecnologia.3. Povos indígenas e o conhecimento tradicional associado ao uso da biodiversidade.

REUNIÕES, PALESTRAS E MESAS REDONDAS (29, 30 e 31/03/2005)

1. Reunião da Rede Norte.Pauta: escolha de logomarca; indicação da sede do próximo encontro; definição de representações

estaduais; elaboração de agenda de ações prioritárias e financiamentos.2. Palestra REPICT3. Mesa: Propriedade Intelectual, Biodiversidade e Conhecimentos Tradicionais: cenário

internacional e nacional.4. Mesa: Limites Éticos e Jurídicos da Propriedade Intelectual em Face da Utilização Sustentável da

Biodiversidade e dos Conhecimentos Tradicionais.5. Mesa: A Repartição de Benefícios Perante a Necessidade do Desenvolvimento Científico e

Tecnológico com Responsabilidade Sócio-Ambiental.6. Mesa: Questões Éticas no Âmbito da Propriedade Intelectual para o Diálogo Multicultural.

A oficina “Propriedade Intelectual e Financiamento a Projetos dePesquisa & Inovação: implicações jurídicas” contou com a participação de 67pessoas. Em síntese as recomendações dos participantes foram:

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9 Especificamente: comunidade acadêmica em geral, CESUPA, FUCAPI, FUNAI, IEPA, MPEG, UFPA, ABIN, FEPI, COIAB,CEPLAC, UFRA (SANTARÉM), IPHAN, GAENC, SEBRAE, CEMEN, GTA, INPA, SETEC-AP, AMAZONLINK, IBAMA, INBRAPI,PROBEM/SDS/MMA, Cgen/MMA. O número de inscritos no encontro contabilizou 302 pessoas, mas apenas 197 realmentecompareceram nas atividades realizadas.

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1. Criação de um banco de informações para evitar apropriaçãoindevida do conhecimento tradicional associado ou não àbiodiversidade. O objetivo deste banco seria a identificação dossaberes tradicionais. Essa proposta de criação de um banco de dadosvem sendo muito discutida na literatura (c.f. Diegues, 2000), onde ogrande entrave parece ser definir quais seriam as formas de acesso aeste banco de dados. Haveria restrições quanto ao acesso? Caso istoocorresse, quais seriam estas restrições?

2. Adaptação da legislação aos diferentes tipos de pesquisas einstituições com objetivos e estruturas diversos;

3. Assessoria às comunidades tradicionais, no que se refere às regrasatuais de proteção à propriedade intelectual; e a criação eimplementação de política de formação de agentes multiplicadores.

Quanto às situações específicas do Termo de Anuência Prévia e Contratode Repartição de Benefícios, argumentaram sobre a falta de regulamentaçãoespecífica do CGEN. Segundo o grupo de estudo, as avaliações processuais (noCGEN) deveriam ser realizadas por técnicos da área. Os Institutos de Pesquisae de Ensino deveriam ser amparados jurídica e financeiramente nodesenvolvimento de seus projetos, principalmente quando envolvem acesso aconhecimentos tradicionais.

Recomendaram que o CGEN simplificasse os procedimentos delicenciamento, quando os projetos já estivessem previamente aprovados noscomitês de análise de agências governamentais de fomento, como FAPEAM,FAPESP, CNPq e FINEP. Apontaram a falta de regulamentação sobreconhecimentos tradicionais e plantas medicinais, o que inibe o aporte definanciamento por particulares, pelo alto risco de impactos negativos na repartiçãode benefícios e no comprometimento da imagem, se ligada a biopirataria.10

A oficina “Universidade e Empresa: experiências em transferência detecnologia”, ocorreu com a participação de 59 pessoas. Em síntese, osparticipantes recomendaram que interação universidade/empresa deveriafavorecer a oferta de mão-de-obra especializada e conhecimento técnico (porparte da universidade), visando suprir demandas das empresas em recursoshumanos e inovação tecnológica. O ajuste entre oferta e demanda deveria ser

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10 De acordo com Souza (2003), pode-se entender que foi caracterizado o crime de “biopirataria” em caso de pesca proibida(sem a autorização do IBAMA), com a intenção de transportar os animais para o exterior. No caso citado, houve concursoformal entre o art. 34, parágrafo único, inciso III da Lei 9.605/98 e o art. 334, § 3.º do Código Penal Brasileiro.

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realizado de acordo com a elaboração de estudos sobre potencial econômico(por setor de atividades); incentivos para financiamento das pesquisas(demanda induzida pela SECT/FAPEAM).

A terceira e última oficina “Povos indígenas e conhecimento tradicionalassociado ao uso da biodiversidade” ocorreu com a participação de 76 pessoas.Os resultados das discussões foram recomendações para o estabelecimento deuma rede de assistência jurídica as populações tradicionais com respeito àpropriedade dos conhecimentos tradicionais, implementação de um projeto deextensão para esclarecer as populações tradicionais sobre o valor econômico deseu conhecimento, criação de núcleos de propriedade intelectual nos centros depesquisas e nas universidades e criação de núcleos jurídicos para assessoria aestudos de viabilidade de projetos de P&D.

A reunião dos integrantes da Rede Norte resultou nas seguintesdeliberações:

1. Objetivos: promover a função social da propriedade intelectual, o usosustentável da biodiversidade e criação mecanismos jurídicosdiferenciados para a proteção dos conhecimentos tradicionais naAmazônia.

2. Eixos de atuação: formação e capacitação de recursos humanos;difusão da função social da propriedade intelectual; apoio aosnúcleos de propriedade intelectual.

3. Formalização: elaboração de carta geral de orientação eprocedimentos.

4. Comitê Gestor com mandato de dois anos: que deve garantir aobservância dos princípios da Rede; tomar decisões em caráter deurgência; gerenciar a elaboração dos produtos da rede; servir defórum de resolução de conflitos e; decidir sobre os pedidos defiliação.

5. Comissões da Rede: os estados devem compor Comissões Estaduais,para propiciar maior adesão e articulação entre seus afiliados.

6. Secretaria Executiva com mandato de 3 anos: responsável pela gestãode informações.

7. Afiliados da Rede: instituições públicas e privadas de ensino (ounão), sem fins lucrativos e representações de comunidadestradicionais com direito à voz e voto. Demais colaboradores nãoterão direito a voto.

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As demais atividades do evento (mesas e debates) transcorreramconforme a programação exposta na Tabela 1. Entretanto, devido ao carátermeramente expositivo dos debates, os resultados da participação do públiconão puderam ser medidos ou sintetizados da mesma forma que nas oficinas ena reunião da Rede.11

3.2 Arranjos produtivos locais

Foi realizado um estudo complementar em relação ao tema PropriedadeIntelectual nos projetos implementados pelos APL’S do Amazonas com apoiodo NGCT. O presente estudo complementar, no primeiro momento, realizouum diagnóstico dos entraves jurídicos dos projetos cooperativos, parasistematizar a legislação aplicável, a doutrina e a jurisprudência, com oobjetivo de propor meios para resolver os entraves relativos à propriedadeintelectual. Em apenas dois APL’s foram identificados problemas relacionadosà propriedade intelectual, é o caso dos arranjos VMCC e BENECAST.

No projeto cooperativo VMCC a demanda está ligada ao cumprimentode requisitos para obtenção de autorização do CGEN, para acesso aopatrimônio genético. Os provedores que ocupam as áreas abrangidas peloprojeto são fornecedores de matéria-prima. O que se busca é a legalização daatividade para o desenvolvimento do projeto de pesquisa. O projetoBENECAST ainda não possui demanda jurídica, entretanto, é possível que nofuturo este APL possa apresentar como entrave o acesso aos produtosflorestais, no caso específico a castanha-do-brasil, em terras de titularidadeindefinida. Dessa forma, a ênfase do presente trabalho recairá sobre acesso aopatrimônio genético e propriedade intelectual relacionados ao projeto VMCC.

4. DISCUSSÃO

4.1 Acesso ao Patrimônio Genético e Medida Provisória 2186-16/01

Conforme mencionado, o projeto cooperativo VMCC, demanda o acessoao patrimônio genético para fins de bioprospecção. Os requisitos para a

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11 O registro de tudo encontra-se em uma coleção com nove DVDs, depositada na SECT.

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obtenção da autorização de acesso ao patrimônio genético para fins debioprospecção estão relacionados no Decreto nº 4.946/03, que alterou eacrescentou dispositivos no Decreto n.º 3.945/01, que regulamenta a MP 2186-16/01, bem como as resoluções elaboradas pelo CGEN. Devido ao grandenúmero de exigências burocráticas, tem sido difícil e moroso aos interessadoscumprir todos os requisitos. Talvez por este motivo, até o final de agosto de2005, o CGEN tenha concedido apenas quatro autorizações para acesso aopatrimônio genético para fins de bioprospecção e desenvolvimento tecnológico(Extracta Moléculas Naturais SA,12 Quest Internacional do Brasil Ltda,13

Natura Inovação e Tecnologia de Produtos Ltda.14 e Superintendência da ZonaFranca de Manaus).15 Esta situação se repete no Amazonas, onde a FEPIatrasou o início da execução de diversos projetos de pesquisa e extensão (emparceria com o INPA) financiados pela FAPEAM, por dificuldades na obtençãodo consentimento das comunidades indígenas afetadas. Nesse sentido, AnaCláudia Freitas Chaves (Assessora da Presidência da FEPI, comunicaçãopessoal), mencionou que os principais entraves nos processos de licenciamentodos projetos no CGEN foram: problemas técnicos com as traduções dosprojetos nas línguas nativas e; alto custo e complexidade logística das viagensda equipe de pesquisadores a campo, para mobilização e consulta àscomunidades indígenas.

4.2 Entraves locais

O artigo 31 da MP 2186-16/01 dispõe sobre propriedade intelectual,declarando que a concessão do direito de propriedade industrial pelos órgãoscompetentes, sobre processo ou produto obtido a partir de amostra decomponente do patrimônio genético, fica condicionada à observância dareferida MP, devendo o requerente informar a origem do material genético e doconhecimento tradicional associado, quando for o caso. O projeto VMCC visa

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12 Autorização especial concedida por meio da Deliberação n.º 62 do CGEN para constituição e manutenção de coleção ex situque visa a atividades com potencial de uso econômico.

13 Autorização concedida por meio da Deliberação n.º 78 do CGEN para acessar amostras de componentes do patrimôniogenético.

14 Autorização concedida por meio da Deliberação n.º 94 do CGEN para acessar componente do patrimônio genético da espéciebreu branco (Protium pallidium) proveniente da Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Iratapuru, no Estado doAmapá.

15 Autorização especial concedida por meio da Deliberação n.º 117 do CGEN para constituição de coleção ex situ que viseatividade com potencial de uso econômico para implementação do projeto “Criação do Banco de Biodiversidade do Centrode Biotecnologia da Amazônia.

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obter três produtos a partir do acesso ao patrimônio genético, restando clara aaplicabilidade do mencionado artigo 31.

No caso prático do projeto VMCC, a proteção da propriedade intelectualdos produtos desenvolvidos passa, preliminarmente, por implicações jurídicasde diversas ordens. A realização do termo de anuência prévia e do contrato deutilização do patrimônio genético e repartição de benefícios com o proprietárioda área, onde o recurso biológico será coletado pressupõe a titularidade daterra, fato que pode ser colocado como entrave prático, visto que um dos gravesproblemas da Amazônia brasileira é a questão fundiária.

As exigências legais para obtenção de autorização de acesso aopatrimônio genético causaram um grande impacto nas instituições de pesquisa,organismos financiadores e agências de fomento, que não estavam preparadospara enfrentar o novo panorama jurídico. O surgimento desses entravesburocráticos, no caso específico do Amazonas, acarretou a paralisação deprojetos (e.g. projeto VMCC).

No Estado do Amazonas, uma das dificuldades observadas é aorganização de núcleos de apoio internos nas instituições de pesquisa. Há umaevidente carência de profissionais especializados em propriedade intelectual easpectos jurídicos da biotecnologia. Isso faz com que as instituições nãoassumam inteiramente a responsabilidade sobre a obtenção de autorizações,direcionando tacitamente esses encargos aos coordenadores de projetos. Opesquisador acaba assumindo a tarefa para que a pesquisa não sofra interrupçõesdas atividades e desembolsos. Outro fator a se considerar são os projetosaprovados e/ou contratados antes de 2005, que não previam recursos paraobtenção de autorização do CGEN, e nem adaptavam os cronogramas,integrando o lapso de tempo necessário à obtenção das autorizações. Atualmente,a FAPEAM já integra em seus formulários de solicitação de fomento, questõesespecíficas sobre a necessidade de autorização do CGEN e de outras instituições,resta apenas prever em seus editais, recursos para a realização dos procedimentosadministrativos, além do tempo destinado aos trâmites.

Por fim, um entrave que permeia todo o quadro apresentado é a falta deinformação sobre propriedade intelectual e acesso ao patrimônio genético naregião. Esta carência foi uma das principais justificativas para a SECT apoiassea execução do projeto vinculado PGCT, sobre propriedade intelectual eproteção aos conhecimentos tradicionais. Nesse sentido, foi observada a açãointegradora das duas linhas de atuação da SECT (PGCT e NGTC) no IEncontro da Rede Norte.

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CONSTATAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES

A ação da SECT, no âmbito da propriedade intelectual, se divide em doissetores: intervenção (PGCT – articulação de rede de Propriedade Intelectual,capacitação de recursos humanos e captação e gestão de recursos financeiros)e pesquisa (apoio aos APL’s e seus projetos cooperativos por meio de estudoscomplementares, promovendo interface do Governo do Estado e AssociaçãoBrasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica – ABIPTI).

A articulação regional da Rede Norte teve que superar a fricção doespaço amazônico e restrições financeiras e logísticas, que impediram, emalguns casos, a realização de reuniões entre os membros. Em parte, asdiscussões do grupo progrediram virtualmente, por meio de lista de discussõeson-line, que facilitou a coalizão de interesses interestaduais e interinstitu-cionais, permitindo o panorama de articulação político-institucional que se temno 2.º semestre de 2005.

No início de 2005 a Rede enfrentou um período de crescimento eestruturação, a fim de atingir as metas propostas na Carta de Intençõeselaborada pela FUCAPI, INPA e FAPEAM. Concretamente, a Rede aindanecessita de ampliação de infra-estrutura, criação de logomarca e formalizaçãode um manual de orientações procedimentais para seus membros (conformeresultados da reunião de março de 2005 em Manaus).

O papel de instituição facilitadora local, desempenhado pela SECT, naconstrução do encontro da Rede Norte foi fundamental. O planejamento e aconstrução do evento foram democráticos, com decisões tomadashorizontalmente entre as principais instituições parceiras,16 minimizandoeventuais efeitos hierárquicos e de grupos de interesse. Os fatos se distribuírampor um longo espaço de tempo, onde se buscou o consenso entre todos osmembros. Devido à insuficiência de recursos financeiros para a execução doevento, as instituições parceiras locais, por intermédio da SECT buscarampatrocinadores, o que provocou maior aproximação entre a equipe deorganização.

O nível técnico do evento foi bom, conforme avaliações dos realizadorese dos participantes, entretanto, devido ao desconhecimento da temática naregião, a participação não correspondeu ao esperado. A reunião da Rede Norte,durante o evento, foi produtiva, uma vez que, foram decididas pendências

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16 FUCAPI, ABIN, FEPI, SIPAM, INPA, UFAM, Genius Instituto de Tecnologia, SEBRAE, MMA e UEA.

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sobre sua constituição e critérios para ingresso na rede. Foram redefinidosobjetivos, funções, metas, integrantes e prazos para estabelecimento decomissões estaduais e comitê gestor.

No âmbito do estudo complementar sobre propriedade intelectual,apesar de ainda não ter sido concluído, constatou-se que a MP 2186-16/01 foiduramente criticada pelos pesquisadores, que a consideraram como umempecilho ao avanço científico e tecnológico regional (por burocratizarexcessivamente a execução de projetos que envolvem acesso ao patrimôniogenético e conhecimento tradicional associado). Nesse sentido, aimplementação de núcleos e/ou departamentos de propriedade intelectual nasinstituições de ensino e pesquisa e demais instituições públicas e privadasenvolvidas com a temática, poderiam minimizar os entraves legais constatados.

Por fim, diante do exposto, cabe sintetizar recomendações que possamcontribuir com ações do Governo do Estado, implementadas pela SECT, como objetivo de superar os entraves locais relacionados à proteção dos direitos depropriedade intelectual e do conhecimento tradicional associado ao uso dabiodiversidade:

1. Proporcionar a aproximação da Superintendência da Zona Franca deManaus (SUFRAMA), através do apoio à criação e implementaçãode uma rede estadual de propriedade intelectual, em consonânciacom os Projetos Prioritários do Comitê das Atividades de Pesquisa eDesenvolvimento na Amazônia (CAPDA).

2. Atuar junto ao INPI a fim de que sejam oferecidos, no Estado, cursosde capacitação técnica em propriedade intelectual, como forma deatender à demanda regional do PIM, por recursos humanosespecializados.

3. Apoiar à capacitação de recursos humanos do interior do Estado.4. Apoiar a adequação dos editais da FAPEAM às exigências legais

para obtenção de licenças do CGEN (previsão de recursos financeirose dilação de prazos).

5. Apoiar a implementação de assessoria jurídica em núcleo depropriedade intelectual na FAPEAM (a fim de possibilitar estudos deviabilidade jurídica de propostas).

6. Apoiar a troca de experiências sobre propriedade intelectual entreNGTC e FAPEAM.

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AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer ao Programa de Pós-Graduação emDireito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, à Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, à Secretaria de Estado de Ciênciae Tecnologia, ao Núcleo de Gestão Tecnológica Compartilhada, ao Banco daAmazônia e a Profa. Dra. Andrea Borghi Moreira Jacinto (PPGDA/UEA),pelas críticas e sugestões que permitiram o aprimoramento do texto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CASTRO, E. Território, biodiversidade e saberes de populações tradicionais.In DIEGUES, A.C. (org.) Etnoconservação: novos rumos para a proteção danatureza nos trópicos. São Paulo: Ed. Hucitec, 2000, 209 p.

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HADDAD, P.; REZENDE, F. 2002. Instrumentos Econômicos para oDesenvolvimento Sustentável da Amazônia. Brasília: Ministério do MeioAmbiente/Secretaria de Coordenação da Amazônia, 146 p.

LAIRD, S. A. 2002. Biodiversidad y conocimento tradicional: participaciónequitativa en prática. Pueblos y Plantas 6. Manual de Conservacion. WWF,UNESCO, Royal Botanic Gardens KEW, 518 p.

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LEMOS, C. 2003. Arranjos Produtivos locais no Brasil: o caso do arranjocoureiro-calçadista de Campina Grande (PB). Brasília: Centro de Gestão eEstudos Estratégicos. Parcerias Estratégicas 17:30-53.

LIMA, A. 2003. Quem cala consente? Subsídios para a proteção aosconhecimentos tradicionais. LIMA, A. & BENSUSAN, N. (Orgs.), São Paulo:Instituto Socioambiental, 295 p.

MCT. Ministério da Ciência e Tecnologia. 2000. Plataformas Tecnológicaspara a Amazônia Legal: cadeia produtiva de fitoterápicos no Estado de MatoGrosso. Projeto ao abrigo do termo de contrato firmado entre o Banco daAmazônia S.A. (BASA), o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e aAssociação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica (ABIPTI).Projeto no. MTFI 009-2001. Disponível em http://www.gestaoct.-org.br/plat/Plataforma-Fruti-MT.PDF. Acesso em 05/09/2005.

SANTILLI, J. 2005. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica àdiversidade biológica e cultural. São Paulo: Editora Fundação Peirópolis Ltda.303p.

SOUZA, M. L. G. 2003. Sentença no. 03/3.ª Vara. Classe 13101. ProcessoCriminal no. 2003.1816-8. Autor: Ministério Público Federal. Réu: Irk HelmutRei Necke e Tino Hamel. Ementa: Penal. Crime Ambiental. Exportação depeixes ornamentais. Exportação. Falta de autorização. Prova. Denúnciaprocedente. Substituição da pena privativa de liberdade. Prestação pecuniária emulta. Circulus R. Just. Fed. Amazonas, 1(2):93-104.

LISTA DE SIGLAS

A Rede de Propriedade Intelectual e Comercialização de Tecnologia do Rio deJaneiro (REPICT)

Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)

Amazonlink.org (AMAZONLINK)

Arranjos Produtivos Locais (APL’s)

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Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica (ABIPTI)

Beneficiamento da Castanha do Brasil (BENECAST)

Caracterização dos Resíduos Madeireiros e Desenvolvimento de Tecnologiaspara seu Aproveitamento (APROREM)

Centro Universitário do Pará (CESUPA)

Comissão Executiva do Plano de Lavoura Cacaueira (CEPLAC, pertencente àSuperintendência Regional da Amazônia Oriental – SUPOR)

Comitê das Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento na Amazônia(CAPDA)

Conselho do Patrimônio Genético (CGEN)

Tecnologia para Cultivo de Tambaqui (Colossoma macropomum) e Matrinxã(Brycon cephalus) a Nível Familiar (TANRE)

Desenvolvimento de Dois Produtos Fitoterápicos e Um Fitocosmético a partirde Espécies Amazônicas (VMCC)

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA)

Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)

Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (FUCAPI)

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM)

Fundação Estadual dos Povos Indígenas (FEPI)

Grupo de Trabalho Amazônico (GTA)

Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM)

Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA)

Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)

Instituto Indígena Brasileiro de Propriedade Intelectual (IMBRAPI)

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)

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Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)

Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)

Ministério do Meio Ambiente (MMA)

Modelo de Integração de Produtores de Madeira do Estado do Amazonas(MIPMEA)

Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG)

Núcleo de Estudos e Análise sobre Propriedade Intelectual (NEAPI,pertencente à FEPI)

Núcleo de Gestão Tecnológica Compartilhada (NGTC)

Organização Extrativista Yawanauá de Agricultores do Rio Gregório(OEYARG)

Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI)

Pólo Industrial de Manaus (PIM)

PPA (Programas e Ações da SECT 2004-2007)

Programa de Criação de Matrinxã em Canais de Igarapé de Terra Firme:aplicação em nível de subsistência e empresarial (PROCIMA)

Programa de Gestão em Ciência e Tecnologia (PGCT)

Rede Norte de Propriedade Intelectual, Biodiversidade e ConhecimentoTradicional (RNPIBCT)

Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (SECT)

Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico (SEDEC)

Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM)

Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA)

Universidade do Estado do Amazonas (UEA)

Universidade do Estado do Pará (UEPA)

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Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

Universidade Federal do Pará (UFPA)

Universidade Federal Rural do Amazonas (UFRA)

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PARTE III

POR UMA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL E EMANCIPATÓRIAEEddii ll ttoonn BBoorrggeess CCaarrnneeii rroo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..117711

1. Hermenêutica e Interpretação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1722. A crise do Estado e do Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1743. O novo papel do Direito nas complexas transformações sociais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1774. Hermenêutica emancipatória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .184Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .187

A COMPENSAÇÃO COMO FORMA DE MITIGAR OS DANOS AMBIENTAIS NA AMAZÔNIA LEGALTTaatt iiaannaa MMoonntteeii rroo CCoossttaa ee SSii llvvaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..119911

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1921. Dano Ambiental na Amazônia Legal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1922. A compensação e suas modalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .195Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .204

REFLEXÃO SOBRE A PROTEÇÃO DO CONHECIMENTO TRADICIONAL NO ESTADO DO AMAZONASAAnnddrreeii SSiiccssúú ddee SSoouuzzaa .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..220077

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2081. Conhecimentos tradicionais, em busca de um conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2092. Instrumentos legais de proteção aos conhecimentos tradicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2113. Um modelo sui generis de proteção do conhecimento tradicional asssociado das

populações tradicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2154. As unidades de conservação como instrumento de proteção socioambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2175. Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá: Modelo socioambiental de

unidade de conservação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .220Considerações sobre um sistema de proteção dos conhecimentos tradicionais daspopulações tradicionais do estado do amazonas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .223

RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL E LICITUDE DA ATIVIDADE OU EMPREENDIMENTO:ASPECTOS POLÊMICOSZZeeddeeqquuiiaass ddee OOll iivveeii rraa JJúúnniioorr .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..223311

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2321. Legalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2322. Meio Ambiente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2353. Responsabilidade Civil Objetiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2374. Licenciamento ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2425. Superveniência de danos ambientais não previstos, inevitáveis ou mesmo mitigáveis para atividades

licenciadas pelo Poder Público ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2476. Colisão dos interesses ambiental, econômico e social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2487. Atuação estatal na política ambiental e controle social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .251Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .254

MEIO AMBIENTE E O BEM JURÍDICO PROTEGIDOBBrruunnoo MMaannooeell VViiaannaa ddee AArraaúújjoo .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ..225599

1. Breve resenha histórica do bem jurídico protegido e sua conceituação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2602. Meio ambiente como bem jurídico protegido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .264Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .267

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POR UMA HERMENÊUTICACONSTITUCIONAL E EMANCIPATÓRIA

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* Mestrando pela Universidade do Estado do Amazonas, Escola Superior de Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação emDireito Ambiental. Servidor da Caixa Econômica Federal em Manaus.

Resumo: Este artigo sem a pretensão deesgotar o tema, busca lançar sementes parauma profunda discussão sobre hermenêutica einterpretação jurídica, como forma de saída dacrise em que se encontra o Direito, com anecessária mudança de paradigmas, fazendono ato de interpretar uma passagem de umdireito autoritariamente dirigente, masineficaz, por outra fórmula que permita àconsecução de princípios universais dedireitos humanos, à indivisibilidade dosdireitos fundamentais, estabelecendo comoobjetivo do Estado à justiça social, ademocracia plural e a multiculturalidade.

Abstract: This article without the pretensionto deplete the subject, searchs to launch seedsfor a deep quarrel on hermeneutics and legalinterpretation, as form of exit of the crisiswhere if it finds the Right, with the necessarychange of paradigms, making in the act tointerpret a ticket of a leading, but authoritarianinefficacious right, for another formula thatthe achievement of universal principles ofhuman rights allows, to the indivisibility of thebasic rights, establishing as objective of theState social justice, the plural democracy andthe many cultures.

Edilton Borges Carneiro*

Sumário: 1. Hermenêutica e Interpretação; 2. A crise do Estado e do Direito; 3. O novo papeldo Direito nas complexas transformações sociais; 4. Hermenêutica emancipatória; Conclusão.

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1. HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO

Já de início cabe uma observação quanto à diferença entre interpretaçãoe hermenêutica; a interpretação é a aplicação da hermenêutica, tendo porcaracterística descobrir e fixar os conceitos e princípios que regem ahermenêutica. Assim, segundo Carlos Maximiliano, hermenêutica é a parte daCiência Jurídica que estuda o processo de interpretação da lei.1

Com o positivismo jurídico, a hermenêutica clássica, apenas com suainterpretação técnica que se pauta em critérios básicos, é que pode conduzir aaplicação acertada, correta do Direito, sem que haja qualquer descumprimentode preceitos fundamentais. A tarefa daquele que interpreta a lei é extrair o realconteúdo da norma jurídica, mantendo-se sempre fiel à essência da lei.

Para auxiliar o aplicador da lei foi criada uma série de técnicas eprincípios de interpretação, que permitem uma correta tradução do verdadeirosentido da norma jurídica, tornando desta forma segura a aplicação das regrasdo Direito no seio da sociedade. Surgem diversas teorias e escolas, dentre asquais podemos citar a teoria subjetivista, segundo a qual na interpretação deveser considerada a vontade do legislador quando da elaboração da norma, quedeu origem à escola da exegese e a escola restritiva das fontes tradicionais,cujo maior nome é o de François Geny. Surge também a teoria objetivista,segundo a qual na interpretação deve ser buscada a vontade normativa da lei.Estas teorias dão origem a diversas escolas, como a escola histórica, que temcomo percussores Savigny e Puchta; a escola histórico-evolutiva dehermenêutica de Binding, Wach, Kohler, dentre outros; a escola da lógica dorazoável de Recaséns Siches e a escola egológica de interpretação de CarlosCossio, só para citar algumas.2

A partir de então surgem os métodos e as espécies de interpretação. Osmétodos de interpretação mais conhecidos da hermenêutica tradicional são ogramatical, o lógico ou racional, o sistemático, o histórico e o sociológico; jáas espécies se dividem quanto à origem, podendo ser autêntica, judicial oudoutrinária, e quanto aos efeitos, que podem ser: declarativas ou enunciativas,ampliadora ou extensiva, restritiva e revogatória.

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1 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. São Paulo: Forense, 19.ª edição, 2006.

2 FRIEDE, Reis. Ciência do Direito, norma, interpretação e hermenêutica jurídica. São Paulo: Forense Universitária, 5.ª edição,2002, pág.158.

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Não se pretende neste artigo discorrer de forma minuciosa sobre essesmétodos e espécies de interpretação, far-se-á apenas um breve relato com ointuito de demonstrar as limitações decorrentes das exigências advindas doEstado Moderno, e o porquê da necessidade de se realizar uma hermenêuticaconstitucional emancipatória.

Iniciaremos pelas espécies de interpretação, definindo o que se chama deinterpretação autêntica, que é uma interpretação que parte do legislador, ouseja, daquele que elaborou a lei; é uma modalidade de justificação dos atoslegislativos, muito usada nas codificações, trazendo na maioria das vezes asinovações incorporadas ao texto, às fontes inspiradoras, as teorias consagradase as referências necessárias no Direito Comparado.3

A interpretação doutrinária é aquela que é feita pelo jurista, pelosdoutores do direito, que também são chamados de cientistas do Direito,supondo-se conhecer com profundidade o Direito, podendo desta forma,amparado no seu conhecimento técnico-jurídico encontrar o melhor caminhoda interpretação; ela se apresenta através de escritos, tratados, compêndios,manuais, monografias, teses, comentários à legislação, dentre outros.

A interpretação judicial é aquela feita pelos Juízes, que são aqueles quetêm por profissão a aplicação das leis, tendo obrigação de conhecê-las, pois éde sua interpretação que surgiram os efeitos práticos da norma jurídicaabstrata. Sua forma de apresentação se dá através das sentenças, acórdãos,sendo seus efeitos obrigatórios para as partes que se encontra em litígio.

Quanto aos métodos a interpretação pode ser gramatical, que é aquelarealizada por meio da literalidade dos dispositivos normativos, tendo comobase as normas gramaticais vigentes; a maioria dos juristas defende ser oprimeiro método utilizado na busca do verdadeiro significado da normajurídica, porém não o único, nem o mais importante.

Outro método de interpretação é o Lógico ou Racional, que se subdivideem cinco argumentos: o mens legislatori, que procura conhecer aquilo que olegislador queria dizer ao elaborar a norma, independentemente daquilo quedisse ao redigir o texto; o mens legis, que busca verificar aquilo que olegislador disse, não levando em consideração as suas intenções; o ocasio legis,que procura compreender e verificar o conjunto de circunstâncias queprovocaram a criação da lei, independentemente da intenção e dos objetivosespecíficos do legislador; o argumento a contrario sensu, que verifica a

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3 Ver, MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. São Paulo: Forense, 19.ª edição, 2006.

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conclusão pela exclusão, partindo da regra hermenêutica de que as exceçõesdevem vir sempre expressas, de forma que aquilo que não está expressamenteproibido, é permitido; e finalmente o argumento a fortiori, que utiliza-se damáxima do Direito segundo o qual “quem pode o mais pode o menos”.

O método de interpretação sistêmico é aquele que, para resolução deconflitos de normas jurídicas, faz o exame da norma sob a ótica da localizaçãoda mesma junto ao direito que tutela. As leis na maioria das vezes se encontramorganizadas em artigos, capítulos, títulos.

O método de interpretação histórico consiste em considerar oconhecimento evolutivo, histórico, em que transcorreu o processo deelaboração legislativa, buscando desta forma o verdadeiro significado da lei edo texto legal.

O método de interpretação sociológico ou teleológico é aquele que buscainterpretar as leis de forma a melhor atender a sociedade a que se destina opreceito normativo.

Quanto aos resultados, a interpretação será declarativa ou enunciativaquando o legislador disser exatamente o que está escrito; é um tipo deinterpretação típica do direito penal, que não permite qualquer tipo de extensãodo resultado interpretativo, salvo se for in bonam partem; a interpretaçãoextensiva se dá quando o legislador disse menos do que desejava devendoassim ser a interpretação realizada de maneira a estender o alcance da normajurídica; na interpretação restritiva, de forma oposta à anterior, o legisladordisse mais do que queria, e assim à interpretação deve ser realizada de maneiraa restringir o alcance da norma jurídica.

2. A CRISE DO ESTADO E DO DIREITO

É do conhecimento tanto dos operadores do direito quanto do públicoem geral que as instituições denominadas Estado e Direito se encontram emcrise, fato este com conseqüente reflexo na sociedade. Isto decorre do fato deque, no momento histórico atual, o Estado deve ter como princípio garantir obem-estar social, na busca do mínimo necessário para que seus membrosobtenham a dignidade da pessoa humana, sendo o Direito um dos instrumentosque proporcionam os meios para garantir e instrumentalizar essas conquistas,embora até o momento não tenham desempenhado a contento os seus papéis,

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o que ocorre não por falta de instrumentos legais ou administrativos, mas porfalta de uma vontade política de utilizar os meios existentes.

“A modernidade rompe com o medievo e fez surgir o Estado Moderno”,4

em primeiro momento absolutista, depois passando a liberal, seguindo suatransformação até chegar ao Estado Contemporâneo que se apresenta dediversas formas, formas estas que Lenio Luiz Streck denomina de “variadasfaces”. A mais evidente é o Estado intervencionista, que amplia suas funçõestornando-se tutor e suporte da economia, afastando-se da proteção da esferaprivada, assumindo uma conotação pública, em defesa do bem comum e dasminorias. Ao fazer isto se coloca de forma contraditória, tentando conciliar adefesa da acumulação do capital com a proteção dos interesses dostrabalhadores, que são interesses antagônicos, quase inconciliáveis, pelo menosna atual ótica capitalista do lucro pelo lucro. Nesta tentativa de conciliação, oEstado acaba defendendo o capital contra as revoltas operárias, o que secontrapõe ao princípio da igualdade de todos perante a lei.5

O Estado Liberal surgiu do triunfo da burguesia contra as classesprivilegiadas do antigo regime, sendo o Estado altamente abstencionista, deforma que ficam livres as forças econômicas, o que beneficia odesenvolvimento do capitalismo. A partir do fim da primeira grande guerra, háo abandono da postura abstencionista por parte do Estado, e surge o chamadoEstado Social, que tem por princípio proteger os interesses da classe burguesa,intervindo não só nas relações econômicas, mas também nas fases de produçãoe distribuição de bens.6

O Estado continua passando por transformações, assumindo posições deEstado Social ou Estado Providência, tudo na tentativa de compatibilizar aspromessas advindas da modernidade com o regime capitalista. A ideologianeoliberal faz surgir à globalização, onde o Estado agora assume outra postura,a de Estado Mínimo, com uma descentralização dos foros de negociação. OEstado Providência, ou Estado Social, na realidade privilegia apenas as elites,deixando as camadas menos favorecidas da sociedade em uma verdadeiranegligência social, a partir de privatizações que loteiam ao capital internacionalos monopólios e oligopólios da economia.7

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4 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2004. p. 20.

5 Idem, Ibidem, p. 22.

6 Idem, Ibidem, p. 23.

7 Idem, Ibidem, p. 25.

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Segundo Lenio Luiz Streck:

No Brasil, torna-se cada vez mais evidente que a política socialdeve ser uma responsabilidade do Estado, assim, diante damiséria que se avoluma, torna-se ele o único agente capaz deerradicar as desigualdades sociais, e quando mais se precisa queo Estado atue, o mesmo assume uma postura abstencionista.Essas atitudes colocam o Estado brasileiro na contramão doestabelecido em seu ordenamento jurídico constitucional, que odelineia como sendo um Estado forte com capacidade e dever deintervir e regular as ações necessárias para a consecução daspromessas do Estado Moderno, utilizando-se para isto dosprincípios do Estado Democrático de Direito.8

Hoje o Brasil enfrenta uma crise de legalidade, por inefetivas que seencontram as leis ordinárias, mas não só estas como também a própriaConstituição. Isto decorre da alegação de que alguns dispositivosconstitucionais, para terem sua eficácia contida por aqueles que não desejamuma mudança no status quo, são apenas normas programáticas, e como tal nãopossuem efetividade por si só, necessitando de regulamentações por leisordinárias, “que pela inércia dos legisladores por diversas razões sociais,políticas e econômicas, nunca se realizam, fazendo de alguns importantesinstitutos constitucionais letras mortas”.9

Ainda nas palavras de Lenio:

Diante deste panorama o Direito é visto e se comporta como umaracionalidade instrumental, o que não pode e não deve ocorrer. Amodernidade não pode ser vista independentemente do bem-estarcoletivo (social), da necessária qualidade de vida. A partir daconcepção do Estado Democrático de Direito, o direito deve servisto sim como instrumental, mas não de uma racionalidade e simde transformações sociais, é preciso livrar-se do seu modoliberal-individualista-normativista de produzir direito passando a

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8 Idem, Ibidem, p. 24.

9 Idem, Ibidem, p. 27.

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produzir resoluções de conflitos transindividuais, coletivos,difusos.10

O nosso direito ainda é predominantemente individualista, onde até osdireitos coletivos são vistos como meios de satisfazer necessidades individuais,tanto que são sujeitos coletivos aqueles que representam interesses e vontadesdos indivíduos que os formam. Os manuais já trazem um rol significativo derespostas prontas e rápidas, com um grau de abstração que exclui da apreciaçãodo direito as necessidades complexas da convivência social. A nossamagistratura é treinada para se deparar com várias formas de ações, porém nãopara entender o contexto onde elas se desenvolvem, estando apegados a umformalismo procedimental e burocrático, que alegam ser impessoal, paragarantia da certeza jurídica e da segurança do processo.

Daí a grande dificuldade encontrada hoje pelos magistrados quando sedeparam com situações do tipo direito coletivo, direitos difusos, direitosindígenas, direitos das minorias, pela incapacidade para interpretar os novosconceitos advindos do Estado Democrático de Direito, que não se encaixamdentro do seu “capital simbólico”.11 É justamente em decorrência destaincapacidade de interpretação, que vários institutos jurídicos foramredefinidos, e em virtude dessa redefinição muitos se tornaram ineficazes,como por exemplo, “o mandado de injunção, a substituição processual, a tutelaemancipatória contra o Poder Público, dentre outros”.12

3. O NOVO PAPEL DO DIREITO NAS COMPLEXASTRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

A partir desta situação o problema é: existe uma sociedade que necessitada realização dos direitos que se encontram constitucionalmente garantidos,

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10 Idem, Ibidem, p. 33.

11 O capital simbólico se constitui de um conjunto de crenças e práticas que propiciam que os juristas conheçam de modoconfortável e acrítico o significado das palavras, das categorias e das próprias atividades jurídicas, o que faz do exercício dooperador jurídico um mero habitus, ou seja, um modo rotinizado, banalizado e trivializado de compreender, julgar e agir comrelação aos problemas jurídicos, uma riqueza reprodutiva a partir de uma intrincada combinatória entre conhecimento,prestígio, reputação, autoridade e graus acadêmicos. FARIAS, José Eduardo. Justiça e conflito. São Paulo: Revista dosTribunais, 1991, p. 91.

12 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2004, p. 34.

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porém eles não encontram aplicação efetiva, pondo em cheque o papel doDireito diante das complexas necessidades das sociedades. A partir da noção deEstado Democrático de Direito, a lei que na ótica das formas de Estadoanteriores era um simples instrumental, passa a ser um instrumento pelo qual oEstado atua concretamente na sociedade, na tentativa de solução de conflitoscomplexos gerados pela mesma, tendo o direito como instrumento detransformação social.

Dentro desses direitos constitucionalmente garantidos se encontra o denão remoção dos povos indígenas de suas terras (artigo 231 § 5.º), salvo emsituações específicas, como garantia de seu direito originário às terrastradicionalmente ocupadas, uma garantia que passa pela necessidade de umainterpretação de questões como o direito coletivo, direito de minorias, direito àdiversidade, dentre outros.

Segundo Lenio Streck:

O surgimento do Estado Democrático de Direito faz pressupor avalorização do Direito, mas para que esta valorização seconcretize é necessária uma rediscussão do papel do Judiciáriodentro desse novo quadro criado a partir dos direitos coletivos,transindividuais, difusos, das minorais, estando neste últimoinclusos os direitos dos povos indígenas.13

O Estado Democrático de Direito surge como uma síntese das fasesanteriores porque, pensou o Estado, seria como uma tentativa de suprir asdeficiências anteriores, e como uma forma de resgate das promessas damodernidade que, no caso de países como o Brasil, ainda não aconteceram.14

O Estado Democrático de Direito privilegia princípios como aigualdade, justiça social e garantia de direitos humanos fundamentais, estandomesmo de forma indissociável ligadas à realização destes. Dentro dessesparâmetros o Judiciário tem uma função especial, que bem se destaca naspalavras de Luiz Werneck Viana, quando diz:

...mais do que equilibrar e harmonizar os demais poderes, ojudiciário deve assumir o papel de um intérprete que põe em

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13 Idem, Ibidem, p. 36.

14 Idem, Ibidem, p. 35.

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evidência, inclusive contra maiorias eventuais, a vontade geralimplícita no direito positivo, especialmente nos textosconstitucionais, e nos princípios como de valor permanente nasua cultura de origem e na do Ocidente’.15

Assim, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988garante direitos de uma forma ampla, porém, diante da incapacidade do PoderJudiciário em fazer uma correta e emancipatória interpretação da Carta Magna,não se tem o direito como um instrumento de transformação social, mas simcomo um protetor dos direitos individuais, colocando os mesmos acima dosdireitos coletivos das comunidades, dando novas definições a partir deinterpretações dos institutos jurídicos trazidos pela Lei Maior, tornando-osineficazes e com isso gerando o que Lenio Luis Streck denomina de crise delegalidade em nosso direito pátrio. É necessário que a lei seja utilizada comoinstrumento de transformação social, passe a ser interpretada de forma àrealização dos direitos coletivos, como é o caso do direito indígena, comoforma de realização da dita função social do Estado, como representação doEstado Democrático de Direito.

No quadro que se apresenta é necessário um repensar do papel dosoperadores do direito, sejam juristas, advogados, magistrados, acadêmicos,doutrinadores. Não se pode mais, diante das complexas relações sociais,utilizarem-se modelos pré-fabricados de decisões constantes dos manuais,onde os operadores apenas utilizam a conhecida regra da subsunção do fato ànorma.

Como se pode observar na Constituição Brasileira, a noção de EstadoDemocrático de Direito está intimamente ligada com a questão dos direitosfundamentais, tendo em vista o resgate de condições como a igualdade, justiçasocial, garantia dos direitos humanos fundamentais.

No Estado Democrático de Direito o papel do Judiciário passa a ser, oupelo menos assim deveria ser, o de suprir a inércia ou falta de atuação doExecutivo e do Legislativo, com a utilização dos instrumentos constitucionaiscomo o mandado de injunção, a antecipação de tutela, dentre outros, nos casosem que, por falta de políticas públicas, as normas programadas da Constituiçãonão estivessem sendo implementadas. Não só nestes casos, como também

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15 VIANA, Luiz Werneck. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 23.

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quando ações do Executivo e do Legislativo representem retrocesso no que dizrespeito aos direitos sociais, coletivos, difusos, e outros direitosconstitucionalmente garantidos.

Os pilares da cultura ocidental fundam-se no individualismo, daí agrande dificuldade do Poder judiciário em justificar a existência de direitoscoletivos. A modernidade reconheceu o indivíduo como fundamento e fim detoda organização coletiva.16 Dentro desta perspectiva, o Judiciário necessita deuma ação concreta, com a finalidade de garantir um Estado mais justo, capazde erradicar a pobreza e garantir a igualdade de todos perante a lei, o direitodas minorias etc., servindo como meio de resistência contra os retrocessos ouineficácias, tanto dos direitos individuais quanto dos coletivos.

No Brasil isto não acontece, e o Judiciário brasileiro não tem cumpridoa sua função social, daí José Ribas Vieira dizer que o direito vive uma crise emrazão do descompasso entre sua atuação e as necessidades sociais;17 daí a crisede legalidade existente.

A Constituição do Brasil de 1988 instituiu o Estado Democrático deDireito, porém o Judiciário brasileiro continua ainda como uma simplesinstituição encarregada da administração da lei, não tendo assumido a suacondição de instrumento de mudanças sociais. Os aplicadores do direitoassumem desde há muito tempo uma postura de técnicos diante de um direitopositivado, não valorizando a explicação, compreensão e orientação doscomportamentos jurídicos; se preocupa, sim, com a tipificação esistematização de situações normativas hipotéticas, do império da lei.18

É a partir desta postura que se cria o chamado capital simbólico19 queWarat denomina de senso comum teórico dos juristas,20 como um conjunto desaberes acumulado que o autor diz cumprir quatro funções, quais sejam: asfunções normativas, através da quais os juristas atribuem significação aostextos jurídicos; a função ideológica, como cumpridora de uma tarefa desocialização dos valores jurídicos e sociais; a função de retórica, que tem atarefa de efetivar a função ideológica; e, por último, a função política, que visa

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16 Ver, CALERA, Nicolas López. Sobre los derechos colectivos. In.: Una discusión sobre derechos colectivos. Madri: EditorialDykinson, 2001, p. 17.

17 VIEIRA, José Ribas. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1995, p.111.

18 Ver, FARIA, José Eduardo. O poder judiciário no Brasil: paradoxos, desafios, alternativas. Brasília: Conselho de JustiçaFederal, 1995.

19 Ver nota 11.

20 Ver, WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito I. Porto Alegre: Fabris, 1994.

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assegurar as relações de poder.21 Esse “senso comum teórico” engessa aspossibilidades interpretativas, pois se resume a uma discussão periférica dentrode um limite hermenêutico prefixado. São esses limites hermenêuticos que,como já visto, cria as dificuldades interpretativas ante os direitos coletivos,difusos, das minorias, dentre outros.

Esse senso comum teórico faz com que os métodos de interpretaçãoutilizados estejam fora das realidades sociais; importante é a segurança jurídicae sua certeza, a neutralidade. Lenio chama isso de “boa hermenêutica”,22 poucoimportando o que realmente acontece com a sociedade e o que ela espera dojudiciário como resposta às injustiças, ou garantia de efetividade dos comandosconstitucionais.

Os magistrados brasileiros, em sua grande maioria, engessados pelochamado “senso comum teórico”, demonstram pouca preocupação com amelhor solução dos conflitos que se travam na sociedade, mas apenas se adecisão está nos parâmetros da juridicidade, tudo se resolvendo dentro daabstração jurídica, da neutralidade. No dizer de Wilson Ramos Filho:

Assim, aplicando apenas o que diz a lei, ou seja, fazendo umainterpretação literal da mesma, os magistrados eximem-se da responsabilidadedo resultado alcançado, mantendo dessa forma a predominância dos interessesdas camadas dominantes.23

A cultura jurídica brasileira está calcada em manuais, que por sua vez seresumem em comentários jurisprudenciais que não levam em conta oscontextos nos quais os conflitos sociais ocorrem. Baseia-se a partir deraciocínios lógicos formais, que deixam à impressão irreal de que a realidadepossa se subsumir a cultura do positivismo. O resultado é um direito que sealiena à realidade social, que tem a pretensão de que todos os problemas deuma sociedade cada vez mais complexa possam encontrar respostas e soluçõesnas normas abstratas existentes em seus manuais.

Segundo Lenio Luiz Streck:

A desconexão da ciência jurídica com a realidade social é patentequando, para explicar o estado de necessidade, os professores

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21 WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito II. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 82.

22 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2004, p. 76.

23 RAMOS FILHO, Wilson. Direito pós-moderno: caos criativo e neoliberalismo. In: Direito e neoliberalismo. Elementos para umaleitura interdisciplinar. MARQUES FILHO, Agostinho Ramalho. Curitiba: Edibej, 1996.

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usam o caso de um naufrágio em alto-mar em que duas pessoassobem em uma tábua, que podendo suportar apenas o peso deuma delas, gera uma disputa, e nesta um deles é morto. Estáassim presente uma excludente de ilicitude em razão danecessidade do direito de proteção da própria vida. Um casobastante surreal. O citado autor indaga por que motivo, ao invésde usar tal caso como exemplo, não se utiliza de um mais realcomo o caso de um menino pobre que adentra um supermercadopara subtrair um pacote de bolacha a mando de sua mãe, que nãotem o que comer em casa? Este é só um exemplo, porém os nossosmanuais jurídicos estão repletos de exemplos que não têmnenhum contato com a realidade, utilizando-se de personagenscomo Cáio, Tício e Mévio dentre outros.24

A partir deste pensamento, vemos que fica patente a dificuldade daciência jurídica em lidar com relações sociais complexas, tanto assim que, emnossos cursos jurídicos, nos deparamos com petições e sentenças que nadamais fazem do que, em sua quase totalidade, reproduzir jurisprudências epareceres de doutrinadores de forma padronizada, sem levar em consideraçãoas singularidades de cada caso, como se as relações sociais quotidianas nãotivessem nenhuma influência nas tramas sociais.

Com base no que já se expôs Lenio diz: “o Judiciário consegue enfrentare resolver com eficiência aqueles conflitos que são rotineiros, repetitivos, quepoderíamos até chamar de simples, e que se encontram definidos nos manuais,que fazem parte do “senso comum teórico”. O problema se apresenta de formamais patente quando surgem fatos/situações que não estão elencados nosmodelos colocados pelos manuais; aí o modelo vigente do direito brasileiroutiliza-se de orientações interpretativas, que provocam uma redução da suaatividade como agente capaz de promover a administração da justiça,principalmente à justiça social. Entre essas orientações interpretativas pode sercitado o princípio da legalidade e da estrita legalidade, como fundamento daconstitucionalidade”.25

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24 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2004, p. 84.

25 Idem, Ibidem, p. 94.

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Isto faz com que o poder Judiciário se exima da responsabilidade pelosresultados conseqüentes de suas decisões, deixando para o Legislativo eExecutivo a responsabilidade, pois segundo esta visão, ao Legislativo cabe acriação das leis segundo os fatos presentes, e ao Executivo a implementaçãodas mesmas, ficando ao Judiciário apenas a subsunção do fato à norma, e issodentro da abstração e neutralidade que lhe é peculiar. É o princípio da ideologiada fidelidade à lei, o positivismo de Kelsen.

É necessário, para se pôr termo a crise vivida pelo direito na atualidade,que o jurista deixe de ser apenas um intérprete reprodutor do que se chama de“verdadeiro sentido da lei”, passando a ser produtor do sentido que maisconvenha e se aproxime do interesse social, dos princípios advindos da criaçãodo Estado Democrático de Direito. Isto ocorre porque as tentativas deuniversalização do sentido das leis não se coadunam com a complexidade dasrelações da sociedade, pois cada situação possui suas particularidades, que nãopodem ser universalizadas por particulares que são, nem se pode deixar delevar em consideração, pois são decisivas para o resultado da justiça que leveem conta as questões sociais.

São diversas as teses sobre a interpretação das leis: a mais utilizada atéos nossos dias é a interpretação literal, da letra da lei, que busca o sentido daspalavras que a compõem em si;26 Outra tese é a mens legislatori, que é a dedescobrir os valores que foram consagrados pelo legislador quando daelaboração da norma,27 só para citar algumas. Esses modelos de interpretação,embora tenham uma grande importância quando do ato interpretativo, nãopodem mais ser vistos de forma isolada. As tramas sociais exigem muito maisdo que uma simples interpretação literal, ou busca da vontade do legislador,que segundo esse modelo, parece um ser superior e supremo, capaz de, dentrodo princípio da abstração universalizante do direito, determinar com exatidãotodas as possibilidades de atos e fatos decorrentes da convivência social.

As críticas quanto à utilização isolada destes modelos é antiga, e de certaforma já se encontra ultrapassada. Só em nível de ilustração, Paulo de BarrosCarvalho já criticava a utilização isolada da chamada interpretação literal em1985, quando disse:

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26 Ver, MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica jurídica clássica. São Paulo: Melhoramentos, 2003.

27 Ver, FRIEDE, Reis. Ciência do Direito, norma, interpretação e hermenêutica jurídica. 5.ª edição. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 2002, p. 162.

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O desprestígio da chamada interpretação literal, como critérioisolado de exegese, é algo que dispensa meditações mais sérias,bastando argüir que, prevalecendo como método interpretativo doDireito, seríamos forçados a admitir que os meramentealfabetizados, quem sabe com o auxílio de um dicionário detecnologia, estariam credenciados a descobrir as substâncias dasordens legisladas, explicitando as proporções do significado da lei.28

4. HERMENÊUTICA EMANCIPATÓRIA

Não se pretende aqui esgotar o tema da interpretação e hermenêuticajurídica, nem escrever um tratado, apenas mostrar alguns pontos relevantes,questionamentos e fazer um contraponto com o que Luiz Lenio Streckdenomina de busca de uma nova visão e paradigmas como forma de buscar asaída para a crise em que se encontra o direito.29

A modernidade não conseguiu a concretização da chamada igualdadeformal em razão do crescimento das desigualdades sociais, que só cresceramante a visão capitalista da acumulação de riquezas, onde as classes ricas ficamcada vez mais ricas e as pobres cada vez mais pobres, tornando cada vez maioro fosso existente entre as classes sociais. Nesta fase, o direito é utilizado comoinstrumento não de transformação social, mas sim com sua abstração eneutralidade, tornando-se assim um obstáculo às mudanças sociais.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe em seutexto instrumentos para a concretização do Estado Democrático de Direito,criando um espaço capaz de concretizar os direitos sociais através dasatividades do Judiciário, embora a maioria dos direitos previstos na cartaconstitucional, não encontrem efetividade no ordenamento jurídico pátrio, istoem decorrência de que a ciência jurídica se limita a reproduzir interpretaçõesprévias que são colocadas pela dogmática jurídica.30

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28 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 58.

29 Para maiores informações sobre hermenêutica tradicional ver: BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividadede suas normas. 7.ª edição. São Paulo: Renovar, 2003; SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6.ªedição. São Paulo: Malheiros, 2004; FRIENDE, Reis. Ciência do direito, norma, interpretação e hermenêutica jurídica. 5.ªedição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002; BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 3.ªedição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002; BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6.ª edição.São Paulo: Saraiva, 2004.

30 Ver, STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 236.

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Para que o direito saia da crise em que se encontra, é necessário que osoperadores jurídicos assumam a condição não apenas de reprodutores de umadogmática criada pelos hermeneutas, mas assumam a condição também decriadores.31

Para que essa mudança aconteça e seja superada a crise enfrentada pelodireito, é necessário que ocorram alterações no discurso e na prática dosoperadores do direito, derrubando paradigmas que levam ao chamado sensocomum teórico, passando a ter uma atividade criativa e criadora nainterpretação jurídica, aproximando-a da realidade social e dando efetividadeaos instrumentos constantes da Constituição, para assim concretizar o EstadoDemocrático de Direito, conseguindo desta forma alcançar valores da justiçasocial e, consequentemente, a dignidade da pessoa humana.

Segundo José Eduardo Farias:

O senso comum teórico dos juristas faz com que a crise seaprofunde, em razão de que normas inovadoras como, porexemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei deExecuções Penais, as chamadas normas constitucionaisprogramáticas como, o direito à saúde, a função social dapropriedade, dentre outras, não sejam plenamente concretizadasem razão da omissão do Poder Judiciário, poder esse autônomo,soberano e independente.32

Para Lenio Luiz Streck:

A construção de uma razão emancipatória para o direito deve tera visão de que a Constituição é um espaço garantidor dasrelações democráticas entre o Estado e a Sociedade; é amaterialização da ordem jurídica e do contrato social, colocandoà disposição os mecanismos para concretização do conjunto deobjetivos traçados em seu texto normativo, que dentro dosprincípios do Estado Democrático de Direito farão o resgate das

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31 CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Judiciário e a democracia no Brasil. Disponível em http://www.usp.br/revistausp-/n21/fcelsotexto.html. Acesso em 24/06/2006.

32 FARIA, José Eduardo. O Poder Judiciário no Brasil: paradoxos, desafios, alternativas. Brasília: Conselho de Justiça Federal,1995.

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promessas da modernidade que, especificamente no Brasil, nuncase concretizaram.33

Assim os princípios valem como regras, como valores fundantes quegovernam a Constituição e a ordem jurídica; isto pela importância queassumem dentro dos ordenamentos jurídicos, que têm o condão defundamentar a hermenêutica feita pelos tribunais, dando legitimidade aospreceitos da ordem constitucional. Segundo Baracho, “devem ser os princípiosanalisados ao lado dos princípios supremos da constituição material,reforçando a aplicabilidade da Constituição”.34

A violação de um princípio configura uma grave transgressão da ordemjurídica,35 uma ruptura do ordenamento jurídico constitucional, estando estagravidade patente em razão de que todos os dispositivos constitucionais sãovinculativos e têm eficácia. De acordo com Canotilho, não há normasprogramáticas, diferentemente do que assinala a doutrina tradicional, que vêessas ditas normas como simples programas, exortações morais, declarações,sentenças políticas, sendo assim desprovidas de vinculariedade.

Assim, afirma Canotilho que:

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33 Ver, STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. PortoAlegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 246.

34 Ver, BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania: a plenitude da cidadania e garantias constitucionais eprocessuais. In: Revista de Informação legislativa. Brasília: Senado Federal, ano 23, n.º 1, jul. – set.

35 Lamentavelmente estamos mais afeitos a trabalhar com o direito infraconstitucional, por exemplo, ao Código Civil do que atexto da Constituição e sua principiologia. Longe estamos, ainda, de ler o Código de processo penal à luz da Constituição,embora esta já esteja em vigor há 15 anos. Temos dificuldades em aplicar o princípio da proporcionalidade no direito penal.E o que dizer da área dos direitos trabalhistas, no qual o TST, mediante o enunciado 310, proibiu a substituição processual?Observe-se, por outro lado, que o STF não conhece RE fundado na violação de princípios que estejam colocados em leisordinárias, como é o caso do direito adquirido. Na espécie, em havendo invocação no RE do aludido princípio, o SupremoTribunal não conhece do mesmo, sob o argumento de que se trata de uma “inconstitucionalidade reflexa”, uma vez queviolado, de fato, teria sido a Lei de Introdução do Código Civil... Nesse sentido vem bem a propósito o dizer de Dalmo Dallari,segundo o qual, muito embora tenhamos calcado nosso constitucionalismo no modelo norte-americano, mormente o quetange ao controle jurisdicional de constitucionalidade, na prática seguimos a vertente do constitucionalismo resultante darevolução de 1789, para a qual a Constituição era considerada uma revelação de intenções, um código das relações públicas,dando-se maior valor ao Código Civil, instrumento que regulava as situações privadas. Como contraponto, enquanto nossosTribunais negam a aplicação dos princípios jurídicos, mormente o de âmbito constitucional, tem juristas que sustentam ocabimento até mesmo de recurso especial por violação de princípio jurídico. Neste sentido asseveram que o cabimento derecursos de natureza extraordinária, não prescinde do conflito a respeito da vigência do preceito de algum ordenamentojurídico federal, objetivamente estabelecido na causa, perante a justiça ordinária ou, até mesmo, em casos especiais, quandoa chamada questão federal tenha surgido por ocasião de algum julgamento no STJ, a que se atribua negativa de vigência apreceito constitucional. É possível, haver violação de direito federal quando se nega a aplicação a determinado princípio,recebido pelo ordenamento jurídico, como critério vetor no domínio da hermenêutica legal. BAPTISTA DA SILVA, Ovídio.Recurso Especial por violação de princípio jurídico. In: Revista dos Tribunais n.º 738, p. 101-111.

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Hoje é reconhecido o valor jurídico constitucional dessasnormas, sendo idêntico a todos os demais preceitos daConstituição. Sua positividade jurídica decorre da vinculação dolegislador à realização constitucional; vinculação dos órgãoslegislativos, executivos e judiciários, que devem levá-las emconsideração em qualquer momento de suas atividadesconcretizadoras; e finalmente impõem limites negativos, visto quepermitem ações de inconstitucionalidade em relação a atos que ascontrariem.36

CONCLUSÃO

A forma emancipatória da interpretação constitucional passa porreconhecer outras formas de direção política que vão desde modelosregulativos típicos da subsidiariedade até modelos de autodireção social,passando por formas de delegação conducente, até chegar as regulaçõesdescentradas e descentralizadas. Mesmo que as constituições continuem a sera magna carta de identidade nacional, o “constitucionalismo reflexivo”,proposto por Canotilho, consiste na substituição de um direito autoritariamentedirigente, mas ineficaz, por outra fórmula que permita completar o projeto demodernidade. Ainda segundo Canotilho, “a lei dirigente deve ceder lugar aocontrato que tem por premissa remover as desigualdades, promover atolerância e diálogos entre culturas, e tem a democracia como governo”.37

Canotilho aponta que:

As chamadas normas constitucionais programáticas, que adoutrina nacional diz não ter qualquer força vinculativa e,portanto, não têm eficácia plena, quando as mesmas normas seencontram em tratados internacionais, como, por exemplo, as quetratam da igualdade entre homens e mulheres, os direitos dospovos indígenas, a igualdade real e a coesão econômica e social,

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36 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 4.ª edição, Coimbra: Almedina., 1989, p. 132.

37 CANOTILHO, J.J. Gomes. Rever ou romper com a Constituição dirigente? Defesa de um constitucionalismo moralmentereflexivo. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política n.º 15, p. 15-17.

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os direitos dos trabalhadores, e tantos outros, passam a serimperativos.38

Daí porque Canotilho questiona os motivos pelos quais estas normasconsagradas em uma Constituição Nacional, têm uma “maldade congênita” e,no entanto, quando consagradas em tratados internacionais, têm uma “bondadenatural”.

Lenio Luiz Streck diz:

No plano da hermenêutica, como um contraponto à teoriatradicional que (ainda) adota a classificação dos dispositivosconstitucionais em programáticos, de eficácia limitada, contidaou plena, é possível dizer que não há um dispositivoconstitucional que, em si mesmo, seja programático ou deeficácia limitada ou plena. O texto constitucional é/será aquiloque o processo de produção de sentido estabelecer como oarbitrário juridicamente prevalecente.39

O que se busca com a visão emancipatória de interpretar a Constituição écolaborar para um novo debate jurídico que estabeleça parâmetros realizáveis ejuridicamente aceitáveis, para a completa inclusão social e cultural das populaçõesindígenas que ao longo do tempo têm sido desrespeitadas em seus direitoshumanos, civis, econômicos, sociais, políticos e culturais. Essa interpretaçãoemancipatória a ser realizada prioritariamente pelo Estado brasileiro, com aparticipação do Judiciário, deverá realizar as perspectivas e objetivos encontradosna Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com o EstadoDemocrático de Direito, fazendo surgir à igualdade real e assim acabar aexistência de cidadãos e cidadanias de diferentes valores no Brasil.40

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38 CANOTILHO, J.J. Gomes. Canotilho e a Constituição Dirigente. Jacinto N. M. Coutinho (org.). Rio de Janeiro: Renovar, 2002,p. 13 e segs.

39 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2004, p. 250.

40 Fernando Dantas informa que a cidadania indígena deve expressar um repensar das noções clássicas de sociedade, de Estadoe de direito, e consequentemente, do próprio conceito de cidadania, buscando dialogicamente a inserção pela participaçãodemocrática da pluralidade de sujeitos diferenciados indígenas desde seus contextos e identidades particulares, no contextomaior do Estado. DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. A “cidadania ativa” como novo conceito para reger as relaçõesdialógicas entre as sociedades indígenas e o Estado multicultural brasileiro. In. Hiléia – Revista de direito ambiental daAmazônia, ano 2, n.º 2. Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura/Universidade doEstado do Amazonas, 2004, p. 215-229.

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Na atualidade, comprova-se que a atuação do judiciário brasileiro diantedos direitos indígenas consagrados na Constituição da República Federativa doBrasil de 1988, se em momentos foi o de garantir os avanços alcançados, emoutros, utilizando-se do senso comum teórico, que lhes eximem daresponsabilidade do resultado alcançado, foram feitas interpretações quedistorcem tais direitos, consagrando um desrespeito ao texto constitucional.

Esta postura de parte do judiciário nacional traz em suas decisões umconceito clássico de cidadania onde os índios, para igualarem-se aos cidadãosda cultura ocidental, que não lhes trariam ganhos, se tornariam emancipados,deixando de ser índios, tornando-se assim civilizados, tendo que sedescaracterizar culturalmente.41

J. J. Gomes Canotilho diz:

A sabedoria da Constituição (...) não reside em nenhuma opiniãoestática que se havia tido num mundo que (já) esteja morto e (já)se foi, mas (sim) na adaptabilidade dos seus grandes princípiospara fazer frente a problemas correntes e a necessidades atuais.42

Partindo dessa premissa, tendo a igualdade material, e não apenasconceitual como meta do texto constitucional de 1988, tudo com vistas àconsecução do Estado Democrático de Direito, deverá ser escolhido oparadigma jurídico que possa absorver as novas idéias de justiça que compõema idéia de igualdade substancial entre os indivíduos, seja qual for sua etnia.Assim sendo, uma interpretação que privilegie e objetive os princípiosconstitucionais deverá levar em conta os mesmos, adequando à realidade sociale cultural de todas as etnias que compõem o Estado brasileiro aos valores ecompromissos que se encontram elencados na Constituição.

A Constituição brasileira de 1988 traz em seu texto o anseio detransformação, com vistas a configurar uma nova identidade nacional, ondetodos os atores sociais possam estar representados e tratados igualmente,

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41 DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. A “cidadania ativa” como novo conceito para reger as relações dialógicas entre associedades indígenas e o Estado multicultural brasileiro. In. Hiléia – Revista de direito ambiental da Amazônia, ano 2, n.º 2.Manaus: Edições Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura/Universidade do Estado do Amazonas,2004, p. 215-229.

42 CANOTILHO, J.J. Gomes. Canotilho e a Constituição Dirigente. Jacinto N. M. Coutinho (org.). Rio de Janeiro: Renovar, 2002,p. 1.

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porém sendo respeitadas as disparidades e diferenças sociais criadas peloprocesso social discriminatório da cultura ocidental.

A interpretação constitucional, chamada emancipatória, criada por LenioLuis Streck, deverá estar sempre ligada à consecução de princípios universaisde direitos humanos, à indivisibilidade dos direitos fundamentais, fazendo comque inexista a figura de cidadãos com meia cidadania. A Constituição do Brasilde 1988 estabelece como objetivo do Estado à justiça social, a democraciaplural e a multiculturalidade, quando em seu texto prega o respeito àdiversidade cultural como a dos povos indígenas e das sociedades quilombolas.

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A COMPENSAÇÃO COMO FORMA DEMITIGAR OS DANOS AMBIENTAIS NA

AMAZÔNIA LEGAL

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* Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade Estadual do Amazonas – UEA e bolsista da Fundação de Amparo ePesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM

Resumo: Este artigo aborda a compensaçãoenquanto gênero como forma de mitigar osdanos ambientais ocasionados na AmazôniaLegal, enfocando as modalidades existentesno ordenamento jurídico ambiental brasileiro.

Palavras-chave: Danos Ambientais; Amazô-nia Legal; Compensação.

Abstract: This article approaches thecompensation like genus as a way to mitigatethe environmental damages caused to LegalAmazon, focusing the existing modalities inthe Brazilian environmental legal system.

Key-words: Environmental Damage; LegalAmazon; Compensation.

Tatiana Monteiro Costa e Silva*

Sumário: Introdução; 1. Dano Ambiental na Amazônia Legal; 2. A compensação e suasmodalidades; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

Não se concebe atualmente o crescimento dos diferentes setores da sociedadecontemporânea sem considerar o viés ambiental como diretriz a ser introduzida naspolíticas públicas desenvolvidas no território brasileiro. De outra banda, não podehaver a estagnação do mercado que utiliza recursos naturais como matéria-primadentro de seu processo produtivo, o que seria contrário aos preceitos constitucionaisda livre iniciativa econômica, bem como o próprio direito de propriedade.

No intuito de não paralisar essas atividades econômicas que utilizammatérias-primas, o Principio do Desenvolvimento Sustentável impõe-se comoprincípio a ser implementado, concretizando a compatibilização da atividadeeconômica com a preservação e conservação do meio ambiente ecologica-mente equilibrado previsto na Lei Maior de 1988.

Assim, determinadas atividades são vitais para a plena continuidade davida na sociedade moderna globalizada, ocasionando danos, algumas vezes,para o meio ambiente e para a própria coletividade.

Visando mitigar o dano ambiental, o Poder Público estabelece formas decompensar o dano ambiental causado pelo empreendedor, seja pessoa física,seja jurídica de direito público ou privado.

Desse modo, o ordenamento jurídico ambiental brasileiro vem aplicandoa compensação como ferramenta de política pública ambiental, no sentido desuavizar/sanar os danos ambientais que são indispensáveis para a sociedade,desde que comprovada tecnicamente a sua necessidade por meio de estudosque estão à disposição dos órgãos ambientais, ou como forma de regularizardanos ambientais antigos face à ausência do órgão ambiental.

Por fim, visa este artigo mostrar as diferentes modalidades decompensação existentes no território brasileiro como formas de mitigar o danoambiental, visando a sua reparação, como bem orientam os princípiosambientais do Poluidor-Pagador e da Reparação Ambiental.

1. DANO AMBIENTAL NA AMAZÔNIA LEGAL

A região amazônica é um bioma peculiar que merece proteção especial,tendo em vista a sua exuberante beleza natural, uma vez que possui grandediversidade biológica concentrada num espaço geográfico bem definido, quenão fica adstrito somente ao território brasileiro.

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A Amazônia é o maior conjunto contínuo de florestas tropicais doplaneta, devendo-se salientar que a Amazônia brasileira é conhecida de trêsmaneiras:1 como Amazônia Biológica, como Região Norte e como AmazôniaLegal.2 Importa destacar as suas características naturais:

A Amazônia está situada em sua porção centro-norte; é cortadapela linha equatorial e, portanto, compreendida em área debaixas latitudes. Ocupa cerca de 2/5 do continente e mais dametade do Brasil. Inclui 9 países (Brasil, Bolívia, Colômbia,Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname eVenezuela). A Amazônia brasileira compreende 3.581 km2, o queequivale a 42,07% do país. A chamada Amazônia Legal é maiorainda, cobrindo 60% do território em um total de cinco milhõesde km2. Ela abrange os estados do Amazonas, Acre, Amapá, oestedo Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Pará, Roraima eTocantins. O clima é do tipo equatorial, quente e úmido, com atemperatura variando pouco durante o ano, em torno de 26º C. Émuito comum na região, os períodos de chuva provocados emgrande parte pelo vapor d’água trazido do leste pelos ventos. Agrande bacia fluvial do Amazonas possui 1/5 da disponibilidademundial de água doce e é recoberta pela maior floresta equatorialdo mundo, correspondendo a 1/3 das reservas florestais da Terra.3

Dessa forma, a região amazônica apresenta-se como um ecossistemaextremamente complexo e delicado. Todos os elementos (clima, solo, fauna eflora) relacionam-se tão estreitamente que nenhum pode ser considerado comoprincipal. Sua importância não reside apenas no papel que desempenha para oequilíbrio ecológico, mas também na sua condição berço de inúmeros povosindígenas e constitui-se numa grande fonte de matérias-primas (alimentares,florestais, medicinais, energéticos e minerais).4

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1 MEIRELLES FILHO. As Dimensões da Amazônia. O Livro de Ouro da Amazônia. Mitos e verdades sobre a região mais cobiçadado planeta. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

2 Conceito introduzido pela Lei 1806/1953, de 6 de janeiro de 1953, que regulamentou o Art. 199 da Constituição Federal de1946 para incluir, além dos sete estados da Região Norte, a faixa do estado do Mato Grosso ao norte do paralelo 16º, a porçãodo estado de Goiáis ao norte do paralelo 13º e a região oeste do meridiano 44º do estado do Maranhão.

3 FREITAS, Marcílio. Diálogos com a Amazônia. Amazônia e Desenvolvimento Sustentável. Diálogo que que todos osbrasileiros deveriam ter. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 14.

4 Retirado do site ambientebrasil. Desenvolvimento sustentável na amazônia. http://.ambientebrasil.com.br/-agenda/imprimir.php?nome=http://ambientebrasil.com.br/co. às 14:00 no dia 14/3/2006.

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Acertadamente foi incluída a Floresta Amazônica no rol de biomasconsiderados Patrimônio Nacional, de acordo com o § 4º do art. 225 daConstituição de 1988, que determinou que a sua utilização far-se-á na forma dalei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente,também quanto ao uso dos recursos naturais.

Ultimamente, três grandes notícias, ou três grandes fatores, vêmafetando diretamente a região amazônica, ocasionando grandes danosambientais. O primeiro fator é a taxa de desmatamento, que aumentouconsideravelmente nos anos de 2002 e 2003. A soja aparece como o segundofator, pois está invadindo a Amazônia, sendo acusada de ser a grande vilã dahistória do desmatamento, mas em contrapartida é a heroína das exportaçõesbrasileiras. A última notícia/fator é a biopirataria. Os biopiratas estãocomprometendo a biodiversidade amazônica.5

Até o momento, 17% dos 5.217.423 km2 da Amazônia Legal foramdesmatados, segundo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis (IBAMA), o equivalente a uma área de 670.000 km2.Destes, 160.000 km2 correspondem a áreas subutilizadas ou abandonadas. Os510.000 km2 restantes são utilizados para a agropecuária.6

Diante dessas constatações negativas da má utilização dos recursosnaturais da região amazônica, tem-se por conseqüência danos ao ecossistemaamazônico como um todo, que interferem sobremaneira na qualidade de vidada população, especialmente a amazônica.

Do ponto de vista jurídico, o dano, é qualquer lesão injusta a valoresprotegidos pelo Direito, inclusive o de caráter moral.7 Sabe-se que o danoambiental possui características próprias que o distingue do dano das relaçõesindividuais e/ou privadas.

O dano ambiental constitui expressão ambivalente, ao mesmo tempopode designar alterações nocivas ao meio ambiente e, ainda os efeitos dessasalterações na saúde das pessoas e de seus interesses.8

Assim, ocorrendo lesão a um bem ambiental, resultante de atividadepraticada por pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que direta

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5 CLEMENT, Charles R; VAL, Adalberto L et OLIVEIRA. O Desafio do desenvolvimento sustentável na Amazônia. T&CAmazônica, Ano 1, n.º 3, dezembro de 2003.

6 Revista Produtor Rural. Cuiabá/MT – Edição 150, Agosto de 2005, p. 32.

7 LANFREDI, Geraldo Ferreira. Política Ambiental. Busca de Efetividade de seus instrumentos. São Paulo: Editora Revista dosTribunais, 2002.

8 LEITE, José Rubens Morato. Dano extrapatrimonial ou moral ambiental e sua perspectiva no direito brasileiro. Ação civilPública: lei 7347/1985 – 15 anos. MILARÉ, (Coord.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 471.

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ou indiretamente seja responsável pelo dano, não só há a caracterização destecomo a identificação do poluidor, que terá o dever de indenizá-lo.9

O dano ambiental tem particularidades bem definidas, quais sejam:pulverização de vitimas, ou seja, vítimas indeterminadas de difícilquantificação; transfronteiriços, não ficando restritos a limites físicos ougeográficos; difícil recuperação e valorização.

Deve ficar claro que a lesão ambiental direta não tem concepção de umdireito individual, mas sim, coletiva, difusa, imaterial, sendo um bem jurídicoautônomo.10

Justamente o dano ambiental vem afligindo a Amazônia Legal nasúltimas décadas, seja por ausência do Poder Público, seja como decorrência dodifícil controle e monitoramento do vasto território amazônico.

Eis por que o Poder Público desenvolve meios de implementar novaspolíticas para solucionar essas irregularidades do passado recente, surgindoassim, a figura da compensação como forma de sanar/suavizar os danosambientais no ecossistema amazônico brasileiro.

2. A COMPENSAÇÃO E SUAS MODALIDADES

A compensação é um instituto recente no ordenamento jurídicoambiental que visa à recuperação/restauração natural do dano ambiental.

Essas modalidades compensatórias foram verificadas, maisespecificadamente, no âmbito da responsabilidade ex ante, quando dolicenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras oucausadores de significativa degradação ambiental.11 Mas qual o significadopara o termo compensação? Vários são os significados encontrados para otermo compensação conforme o novo dicionário Aurélio:12

ato ou efeito de compensar; regulagem prévia de um dispositivosuplementar, num sistema qualquer, para contrabalançar fontes

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9 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 7 ed. rev, atual. e ampl – São Paulo: Saraiva, 2006.p. 37.

10 LEITE, obj. cit.

11 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Medidas compensatórias para a reparação do dano ambiental. Revista de Direito Ambiental.Ano 9, n.º 36, outubro-dezembro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

12 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2.ª ed. Editora Nova Fronteira: Rio de Janeiro,1986.

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conhecidas de erro; ação modificante ou supletiva que melhora odesempenho de um sistema quanto a uma operação determinada;operação contábil com que se facilita a cobrança e pagamento decheques doutros bancos em um banco oficial; mecanismo dedefesa que atua inconscientemente, e pelo qual o indivíduo tentacompensar deficiências reais ou imaginárias; processoconsciente em que o indivíduo se esforça para contrabalanceardefeitos reais ou fantásticos no referente ao físico, aodesempenho, às habilidades ou aos atributos psicológicos.

Várias são as modalidades encontradas no ordenamento ambiental pátriopara designar o instituto: compensação ecológica, compensação ambiental,compensação financeira, compensação de reserva legal.

É claro que o termo é empregado em momentos distintos, ou seja, emlegislações específicas, mas que possuem o mesmo objetivo e traçocaracterístico: a restauração de um dano ambiental seja como decorrência deatividade potencialmente poluidora, seja pela utilização da área de reservalegal ou outras situações que o legislador ordinário entendeu necessário (termode ajustamento de condutas).

A compensação ecológica consiste em uma forma de restauração naturaldo dano ambiental que se volta para uma área distinta da área degradada, tendopor objetivo assegurar a conservação de funções ecológicas equivalentes.13

Ressalta a importância do instituto, destacando as suas vantagens comrelação à indenização Annelise Monteiro Steigleder:14

A compensação apresenta evidentes vantagens em relação à indenizaçãoporque implica a conservação do meio ambiente e permite adequada imputaçãodos danos ao patrimônio natural ao seu causador. Com isso permite a aplicaçãodo princípio da responsabilidade e do princípio da equidade intergeracional,pois a qualidade ambiental destinada às gerações futuras restará integra, pelomenos mediante a constituição de bens naturais equivalentes.

É o entendimento da Lei de Ação Civil Pública (7.347/85) que determinatrês possibilidades de recompor o dano ambiental: condenação em dinheiro, aobrigação de fazer e não fazer.

A regra é buscar a reparação do dano ambiental, ir além daressarcibilidade (indenização) em seqüência do dano, garantindo-se, ao

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13 STEIGLEDER, ob. cit. p. 52.

14 STEIGLEDER, ob. cit. p. 54

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contrário, a fruição do bem ambiental. “Destaca-se que, quando areconstituição não for viável – fática ou tecnicamente, é que se admite aindenização em dinheiro. A reparação econômica é uma forma indireta de sanara lesão ambiental”.15

Assim, pode-se falar que a compensação constitui-se gênero e cadamodalidade constitui em espécie. De forma objetiva vislumbram-se trêsespécies de compensação no ordenamento pátrio.

A primeira espécie de compensação encontra-se no art. 36 da Lei queInstituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, Lei n.º9.985 de 2000, a qual determina que nos casos de licenciamento ambiental deempreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado peloórgão competente, com fundamento em Estudo de Impacto Ambiental erespectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar aimplantação e manutenção de unidade de conservação do grupo de ProteçãoIntegral.

A segunda espécie de compensação está no art. 44, inciso III, do CódigoFlorestal, Lei n.º 4.771/65, que determina que se compensa a área de reservalegal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desdeque pertencente ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesmamicrobacia.

A última espécie de compensação é a que se encontra naresponsabilidade ex-posto, do mencionado art. 84 do Código de Defesa doConsumidor, Lei n.º 8.078 de 1990, que privilegia a tutela especifica através demedidas que logrem a obtenção do resultado prático equivalente aoadimplemento, adotando medidas compensatórias capazes de assegurar arestauração de algumas das funções ecológicas do ecossistema degradado.16

De forma diversa é a classificação feita por Rubens Morato Leite,17 querelata a existência de duas categorias jurídicas: a “compensação ambientaljudicial” e a “compensação ambiental extrajudicial”, delineando da seguinteforma a compensação latu sensu: compensação ambiental judicial; compensaçãoambiental extrajudicial; compensação administrativa; ajustamento de condutaadministrativo; compensação em processo de licenciamento; compensaçãoambiental legal; compensação por danos em área de preservação permanente;compensação de áreas de reserva legal e compensação ambiental strictu sensu.

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15 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. Doutrina – prática – jurisprudência – glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

16 STEIGLEDER, ob. cit.

17 LEITE, ob. cit.

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Vejo com ressalvas essa classificação, especialmente quando se cogitacompensação por danos em área de preservação permanente, isto porque asáreas degradadas em áreas de preservação permanente – APP, devemobrigatoriamente ser recuperadas in loco, pela sua natureza preservacionista,não possibilitando a compensação.

Diante dessas constatações sobre o instituto da compensação, da qual égênero, passaremos a estudar cada uma das espécies de compensação:compensação financeira da Lei n.º 9.985/2000, a compensação de reserva legal, daLei n.º 4.771 de 1965, e por último a compensação que se dá via processual atravésda Lei n.º 8.078 de 1990, existentes no ordenamento jurídico pátrio ambiental.

2.1 Compensação Ambiental ou Financeira – Lei n.º 9.985 de2000

A Lei n.º 9.985 de 2000 criou o Sistema Nacional de Unidades deConservação, que definiu Unidades de Conservação como espaços protegidosinstituídos pelo Poder Público, com o objetivo e limites definidos, que sesujeitam a regime de administração especial e a que se aplicam garantias deproteção dos atributos ambientais que tenham justificado a sua criação.

A criação desses espaços especialmente protegidos “Unidades deConservação” encontra-se inserida nas atribuições conferidas no art. 225, § 1.ºda Lei Maior de 1988.

O artigo 36 da norma estabelece a compensação ambiental nos casos delicenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impactoambiental, assim transcrito:

nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos designificativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgãoambiental competente, com fundamento em estudo de impactoambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor éobrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade deconservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com odisposto neste artigo e no regulamento desta lei.

§1º. O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedorpara esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento doscustos totais previstos para a implantação do empreendimento,

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sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, deacordo com o grau de impacto ambiental causado peloempreendimento.

§ 2º. Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidadesde conservação a serem beneficiadas, considerando as propostasapresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendoinclusive ser contemplada a criação de novas unidades deconservação.

Várias Resoluções do Conama trataram do assunto, como bemexplicitado por Carlos Teodoro José Huguinei Irigaray,18 “instituída inicialmentepela Resolução Conama n,º 010/87 e posteriormente alterada pela ResoluçãoCONAMA n.º 002/96 a compensação ambiental, posteriormente, passou aintegra o texto da Lei de Política Nacional de Unidades de Conservação”.

Constata-se que o instrumento preventivo da Lei de Política Nacional doMeio Ambiente, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental e respectivo relatório– EPIA/RIMA, é a ferramenta necessária para caracterizar se oempreendimento poderá causar significativo impacto ambiental. Na ausênciado estudo de impacto ambiental, quando devido, pode haver um enormeprejuízo para as unidades de conservação sob a área de influência doprojeto/empreendimento a ser desenvolvido.

Neste sentido descreve Paulo Afonso Leme Machado:19

o órgão ambiental deverá levar em conta as propostas doEIA//RIMA e, também, a área de influência do projeto. Não se podeperder de vista que dever de apoiar a implantação e manutençãoda unidade de conservação nasce para o empreendedor napotencialidade de dano significativo de seu empreendimento.Portanto, os recursos que o empreendedor pagar têm uma relaçãoinegável com a área em que os prejuízos ambientais possamocorrer. É lógico concluir que o órgão licenciador não pode indicar

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18 IRIGARAY, Carlos Teodoro José Hugueney. Compensação ambiental: solução ou confusão? Congresso Internacional deDireito Ambiental. Paisagem, natureza e direito. BENJAMIM, Antonio Herman (org.). São Paulo: Instituto por um PlanetaVerde, 2005.

19 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 766.

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unidades de conservação que não estejam ou na área de influênciado projeto, na sua bacia hidrográfica, ou na sua microrregião.

O financiamento não pode ser inferior a meio por cento dos custos totaisprevistos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixadopelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambientalcausado pelo empreendimento.

Ultimamente, tem-se discutido o valor do financiamento pelosempreendedores que consideram-no muito elevado, reivindicando maiortransparência na fixação desses valores para não inviabilizar a aplicação dosrecursos e do próprio empreendimento.20

A polêmica lançada culminou na edição da Resolução do Conama n.º 371de 05 de abril de 2006, que estabeleceu os princípios gerais, as diretrizes aosórgãos ambientais para o cálculo, a cobrança, a aplicação, a aprovação e o controlede gastos de recursos advindos de compensação ambiental, considerando oPrincípio da Participação, consagrado pela Declaração do Rio sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento e pela Constituição Federal no seu art. 225.

Esse recolhimento financeiro realizado pelo órgão ambiental competentedeve ser solicitado na fase inicial da atividade a ser desenvolvida, com osresultados obtidos do Estudo Prévio de Impacto Ambiental que ocorremjustamente na fase da Licença Prévia, ou no máximo, até a fase da Licença deInstalação.

O IBAMA de forma inovadora instituiu a Instrução Normativa n.º 47/04-N, de 31 de agosto de 2004, com o escopo de ordenar às ações internas eestabelecer os procedimentos da Compensação Ambiental no âmbito do órgãofederal.

A Instrução Normativa teve por finalidade orientar às atribuições específicasde todas as unidades do IBAMA, na condução do processo de compensaçãoambiental, como também estabelecer articulação entre as diversas unidades doIBAMA, Câmara de Compensação Ambiental – CCA, os empreendedores e demaisinteressados, visando à gestão da compensação ambiental e, por fim, operacionalizara aplicação e execução dos recursos oriundos da compensação ambiental.

Frisa-se a importância da compensação ambiental para os projetos degrande envergadura, destacando que os empreendimentos públicos e privados

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20 Com base em estudos realizados pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, o CEBDS prevê que se forem utilizados valoresem torno de 3% a 3,5%, o montante arrecadado não será mais de compensação ambiental, mas de um tributo quecorresponderá, de acordo com o último plano plurianual, ao investimento anual de 5 ministérios ligados à área de meioambiente. Reportagem retirada do site: E:\ambientebrasil ambiente notícias- empresários.htm, no dia 27/06/2006 às 10:00.

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também se submetem às mesmas exigências técnicas e legais no que se refereà compensação ambiental.

Portanto, por meio da compensação ambiental o empreendedor, pessoafísica ou jurídica compensará financeiramente os impactos potencialmentecausados por sua atividade regularmente licenciada.

2.2 A Compensação de Reserva Legal – Lei n.º 4.771 de 1965

O instituto da compensação de reserva legal é uma forma de recompor aárea de reserva legal dos imóveis rurais, ou seja, de reconstituir o percentual dereserva legal atualmente exigido por lei.

A área de reserva legal é uma área localizada no interior de umapropriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente necessáriaao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação da biodiversidade e aoabrigo e proteção da fauna e flora nativas. É uma limitação administrativa aodireito de propriedade, considerando-se atualmente um importante instrumentode proteção das florestas brasileiras.

Várias são as denominações encontradas para designar a área de reservalegal: reserva legal, reserva florestal legal e reserva legal florestal.

As áreas de reserva legal devem possuir os percentuais mínimosexigidos que encontram-se expressos no art. 16 do Código Florestal, comredação dada pela Medida Provisória n.º 2.166-67 de 2001.21

Deve ficar claro que as áreas de reserva legal não se confundem com asáreas de preservação permanente. Aquela visa à conservação, sendo possível aexploração mediante a técnica do manejo florestal sustentável de uso múltiplo,esta visa à preservação, ou seja, são áreas existentes na propriedade que devemser mantidas intocadas por força dos artigos 2.º e 3.º do Código Florestal, nãose permitindo o corte raso.

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21 Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assimcomo aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão,desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

I – oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

II – trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado, localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimovinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada namesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7.º deste artigo;

III – vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nasdemais regiões do País;

IV – vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País;

§ 1.º O percentual de reserva legal na propriedade situada em área de floresta e cerrado será definido considerandoseparadamente os índices contidos nos incisos I e II deste artigo.

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A compensação de reserva legal visa compensar a área de reserva legalpor outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde quepertencente ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia deacordo com o inciso III do art. 44 do Código Florestal.

Existem outras formas de recompor a reserva legal conforme os incisosI e II do art. 44 do mesmo diploma legal. Esses incisos rezam que o proprietárioou possuidor não pode fazer uso dos benefícios da compensação de reservalegal, mas sim recompor a reserva legal de sua propriedade mediante o plantio,a cada 3 (três) anos, de no mínimo 1/10 (um décimo) da área total necessária asua complementação, com espécies nativas, de acordo com critériosestabelecidos pelo órgão ambiental estadual competente, como tambémconduzir a regeneração natural da reserva legal.

O que distingue este instituto das outras formas de recomposição a áreade reserva legal é o lapso temporal, “14/12/98” que foi introduzido pelaMedida Provisória 1.736, de 14 de dezembro de 1998, para a utilização dacompensação de reserva legal.

Essa Medida Provisória dispõe que o proprietário ou possuidor quesuprimiu total ou parcialmente floresta ou demais formas de vegetação nativasno interior de sua propriedade ou posse, sem as devidas autorizações exigidaspor lei, não pode fazer uso do benefício da compensação de reserva legal.

Assim, a propriedade rural que não possuir os percentuais exigidos emlei, e que estiver aberta posteriormente a 14/12/98, não pode adotar acompensação de reserva legal, mas tão somente a recomposição da reservalegal ou a condução/regeneração natural de acordo com os incisos I e II do art.44 do Código Florestal.

Quando da utilização da compensação de reserva legal busca-se apreservação da biodiversidade originária, como bem relata Andréa Vulcanis:22

Em síntese, quer-se que cada propriedade mantenha sua reserva legal ecom isso a biodiversidade originária daquele específico local. Entretanto,mantendo-se as mesmas características bióticas, ecológicas, ecossistêmicas,admite o legislador que a reserva legal se dê fora da propriedade. É isso quecertamente quis o legislador resguardar.

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22 VULCANIS, Andréa. Doação de áreas em unidades de conservação e compensação temporária da reserva legal. BENJAMIM,Antonio Herman e MILARÉ, Édis (coord.). Revista de Direito Ambiental, n.º 41, janeiro-março de 2006. p. 37.

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Pode-se considerar a compensação de reserva legal como gênero, do qual,a compensação definitiva ou de caráter perpetuo, a servidão florestal, o sistemade Cotas de Reserva Florestal – CRF e a compensação temporária são espécies.23

2.3 Responsabilidade Ex-post – Lei n.º 8.078 de 1990

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, o DireitoProcessual Pátrio teve um grande avanço, uma vez que proporcionou ao PoderJudiciário técnicas capazes de fazer com que fosse prestada a tutela jurisdicionalespecifica, dando ao detentor do direito a possibilidade de alcançar tudo aquiloa que faz jus.24 Dentro dessa ótica, o art. 84 do Código de Defesa do Consumidortrouxe a possibilidade do cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer.

Foi um grande marco para os direitos individuais e transindividuais,como observa Joaquim Felipe Spadoni:25

Esta ação pode desencadear uma forma de tutela jurisdicional de grandeeficiência na proteção de direitos individuais e transindividuais, mormenteaqueles de conteúdo não patrimonial. Possibilita-se conceder ao jurisdicionadoa tutela específica de seu direito, entregar-lhe tudo aquilo a que faz jus, e nãoum mero equivalente pecuniário, atendendo-se à exigência constitucional deefetividade e adequação da tutela jurisdicional (art. 5.º, XXXV, da CF).

Busca-se com esta ação a tutela à grande parte dos direitos difusos ecoletivos da sociedade de risco contemporânea, impondo ao poluidor ocumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, no sentido de recompor odano ambiental.

Assim, a tutela específica é uma importante ferramenta de compensaçãoaos danos ambientais, porque diante da impossibilidade da obtenção darecuperação da própria área degradada, pode-se adotar medidascompensatórias capazes de assegurar a restauração de algumas das funçõesecológicas do ecossistema degradado.26

Como visto, a tutela específica significa a prestação jurisdicional efetiva,servindo também para denominar o conjunto de técnicas hábeis a proporcionar

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23 VULCANIS, ob. cit.

24 RIBEIRO, Kepler Gomes. A técnica da tutela inibitória e a efetividade da prestação jurisdicional nas obrigações de fazer e denão fazer. Retirado do site: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3316, no dia 27/06/06 às 9:17.

25 SPADONI, Joaquim Felipe. Alguns aspectos da defesa individual do consumidor em Juízo. Retirado do site:http://www.mt.trf1.gov.br/jud9/aspectosdefesa.htm no dia 27/06/06 às 9:16.

26 STEIGLEIDER, ob. cit. p. 54.

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tal efetividade na prestação da tutela jurisdicional.27 Efetividade especialmentecomo ferramenta na recomposição do dano ambiental, por meio de medidascompensatórias.

CONCLUSÃO

O Poder Público tem à disposição vários instrumentos preventivos e degestão dos recursos naturais. Contudo, tais instrumentos se tornam inoperantese ineficazes face aos eventos naturais e humanos, ora mínima, oramaximamente graves. Tem-se visto que o evento natural é conseqüência da máutilização do meio ambiente pelo ser humano, ocasionando sérios danos àsaúde da população e para o meio ambiente.

A esses fatores soma-se a omissão do Poder Público nas ações decomando e controle na gestão do meio ambiente; seja natural, seja cultural, sejaartificial, seja do trabalho. O meio encontrado para solucionar essas situações jáconsolidadas de danos ambientais ou de atividades licenciadas imprescindíveis,ou como recuperação de áreas degradadas surge a compensação como forma demitigar essas lesões ao meio ambiente em qualquer de suas manifestações.

A compensação enquanto gênero é um instrumento que vem sendolargamente utilizado pelos órgãos ambientais e pelo Ministério Público. Porém,tal instrumento deve ser usado com parcimônia, amparado em estudo técnicoconcreto que envolva toda a área do empreendimento, a área de reserva legal aser compensada, em seus aspectos negativos e positivos.

Deve estar amparada em princípios estruturais para a sua corretaaplicação, destacando-se os princípios da função social da propriedade e dodesenvolvimento sustentável. A compensação deve obedecer aos preceitosconstitucionais consubstanciados no art. 186, que determina que a propriedaderural deve cumprir a sua função social, como também aos preceitos definidospela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, segundoos quais deve-se atender às necessidades do presente sem comprometer apossibilidade das gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades.Sem tais premissas principiológicas a compensação não deve ser utilizada.

Como visto, existem várias espécies de compensação, todas têm a suaimportância e formas de utilização, sejam por critérios temporais, critérios

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27 RIBEIRO, ob. cit.

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técnicos e critérios financeiros. Critérios que devem ser rigorosamenteobservados, sob pena de irregularidades na compensação concedida peloJudiciário, Ministério Público ou órgãos ambientais.

A classificação deve ser muito bem pensada, especialmente quando secogita compensação por danos em área de preservação permanente, isto porqueas áreas degradadas em áreas de preservação permanente – APP devemobrigatoriamente ser recuperadas in loco, pela sua natureza preservacionista defloresta intocada, não possibilitando a compensação.

Atualmente, a compensação vem sendo utilizada como regra e, tal práticanão deve prosseguir, em virtude de existirem normas ambientais quedisciplinando a forma com devem ser utilizados os recursos naturais. Assim, agestão ambiental é a regra, e a compensação, quando utilizada, deve ser a exceção.

Como exceção deve ser utilizada na Amazônia Legal, somente dessaforma é que se terá a sustentabilidade almejada para o ecossistema amazônico.

REFERÊNCIAS

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REFLEXÃO SOBRE A PROTEÇÃO DOCONHECIMENTO TRADICIONAL NO

ESTADO DO AMAZONAS

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* Bacharelando do curso de Direito da Universidade do Amazonas.

Resumo: O presente trabalho apresenta umareflexão sintética e propositiva sobre aproteção dos conhecimentos tradicionais noEstado do Amazonas, destacando os pontosprincipais sobre o tema, trazendo uma análisecrítica e sugerindo alguns instrumentos deproteção dos conhecimentos tradicionais parao Amazonas.

Palavras-chave: Conhecimento Tradicional;Sistema Sui Generis de Proteção; DireitoIntelectual.

Abstract: The present work presents asynthetic and propositive reflection on theprotection of the traditional knowledge inAmazonas State, detaching the main points onthe subject, bringing a critical analysis andsuggesting some instruments of protection ofthe traditional knowledge to Amazonas.

Key-words: Traditional Knowledge; SuiGeneris Protection System; Intellectual Right.

Andrei Sicsú de Souza*

Sumário: Introdução; 1. Conhecimentos tradicionais, em busca de um conceito. 2. Instrumentoslegais de proteção aos conhecimentos tradicionais; 3. Um modelo sui generis de proteção doconhecimento tradicional asssociado das populações tradicionais; 4. As unidades de conservaçãocomo instrumento de proteção socioambiental; 5. Reserva de Desenvolvimento Sustentável deMamirauá: Modelo socioambiental de unidade de conservação; Considerações sobre um sistemade proteção dos conhecimentos tradicionais das populações tradicionais do estado do amazonas;Referências.

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INTRODUÇÃO

A questão do conhecimento tradicional está no centro das discussõesambientais, cada vez mais o tema ganha novos contornos e importância,gerando conflitos que surgem pela novidade que a matéria desperta. De umlado, populações tradicionais, comunidades indígenas, quilombolas, entreoutras. De outro, a ciência ocidental moderna, a indústria da biotecnologia e osbiopiratas. Interesses tão antagônicos que se desdobram sobre um mesmoobjeto, o conhecimento tradicional.

Para a ciência ocidental moderna, o conhecimento tradicional não possuinenhuma relevância, nada mais é que folclore e tradições culturais semnenhuma importância para a produção científica. Há muitas diferenças entre oconhecimento tradicional e o conhecimento científico moderno, principal-mente no que trata da concepção de mundo, da forma de apropriação territorial,da aplicação do conhecimento, dos meios de geração e inovação de recursos,técnicas e práticas. Reafirmando a idéia da visão reducionista do sabercientífico.

O conhecimento tradicional é marginalizado e desvalorizado pela visãoocidental de mundo, que tem o conhecimento científico como base. Estemodelo científico sempre invalidou, subestimou e tornou invisível os outrossistemas de conhecimento, taxando-os de “não-científicos”.1

Uma das grandes ameaças ao conhecimento tradicional associado àbiodiversidade é a biopirataria. A biopirataria consiste na coleta de materiais dabiodiversidade brasileira para fabricação de medicamentos no exterior sempagamento de royalties ao Brasil, materiais biológicos ou genéticos origináriosprincipalmente da Amazônia, onde a diversidade dos recursos genéticos éenorme,2 são levados daqui para os grandes centros de biotecnologialocalizados nos países desenvolvidos, os quais detêm as técnicas maisavançadas de manipulação desse material.

Outra grande ameaça aos conhecimentos tradicionais associados aopatrimônio genético é a indústria da biotecnologia. Os conhecimentos dospovos tradicionais, ignorados outrora pela sociedade moderna, vêm ganhando

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1 CALDAS, Andressa. Regulação jurídica do conhecimento tradicional: a conquista dos saberes. Curitiba, 2001. Dissertação(Mestrado), Setor de Ciências jurídicas, Universidade Federal do Paraná, 2001. p. 81.

2 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; DIAFÉRIA, Andréa. Biodiversidade e Patrimônio Genético. São Paulo: Max Limonad, 1999.p. 66.

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espaço no plano da evolução da indústria biotecnológica, e tem sido objeto deinvestigação pelas principais indústrias de fármacos, sementes, cosméticos eagrotóxicos em todo o mundo.

O mercado internacional do comércio de produtos farmacêuticos e ocomércio de sementes e mudas movimentam bilhões de dólares. Isso temdespertado o interesse de diversos grupos para o estudo da biodiversidade.Empresas estão focando seus olhos para suas pesquisas principalmente naregião Amazônica, devido à existência do mais rico banco de diversidadebiológica do planeta.3

Portanto, ao tutelar o conhecimento tradicional associado, o Estado alémde proteger, preservar e conservar a sociobiodiversidade das garras dabiopirataria e da indústria biotecnológica, ainda garante às populaçõestradicionais a sua sobrevivência.

1. CONHECIMENTOS TRADICIONAIS, EM BUSCA DE UMCONCEITO

Antes de analisarmos os complexos aspectos dos conhecimentostradicionais, é necessário buscarmos um conceito do que sejam conhecimentostradicionais, pois o tema é de difícil compreensão não só no âmbito dascomunidades locais e organizações indígenas, mas também entre os própriosoperadores do direito e outros tantos profissionais das ciências naturais esociais que militam nesse campo referente a conhecimentos tradicionais. Issoé plenamente justificável, em decorrência do fato de que os conhecimentostradicionais são bens imateriais cuja titularidade é coletiva, são compartilhadosentre vários povos e comunidades, que não muito raro, vivem em regiões epaíses diferentes.4

Segundo Diana Pombo, os sistemas de conhecimentos, inovações epráticas tradicionais das comunidades indígenas e locais constituem umsistema informal de inovação, de caráter coletivo e acumulativo, que são frutode um processo constante de experimentação científica e de adaptação aos

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3 SANTOS, Marcelo Moreira. Aspectos jurídicos do acesso à biodiversidade no Estado do Amapá. Revista do Direito Ambiental,São Paulo, n.º 27, 2001, p. 189.

4 OLIVEIRA, Edson de. Conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético e direito intelectual: uma abordagemjurídica. Manaus, 2004. Dissertação (Mestrado), Escola Superior de Ciências Sociais, Programa de Mestrado em DireitoAmbiental, Universidade do Estado do Amazonas, 2004, p. 19.

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ecossistemas, os quais são transmitidos e melhorados de geração em geração,ou seja, trata-se de um processo intergeracional. A inovação inclui, nãosomente o produto final melhorado tecnologicamente, mas também osrecursos, as modificações e os derivados associados aos conhecimentostradicionais das comunidades locais.5

O termo “conhecimentos tradicionais” pode ser apresentado em distintasacepções, de acordo com o documento elaborado por um grupo de países daAmérica Latina e do Caribe, dentre os quais destacamos: conhecimentosindígenas, conhecimentos comunitários, conhecimentos ecológicostradicionais, conhecimentos locais, tradição aborígene, patrimônio cultural,folclore, medicina tradicional, propriedade cultural, propriedade intelectualindígena, direitos do patrimônio consuetudinário e componente intangível.6

No entanto, podemos destacar algumas características específicas doconhecimento tradicional, que são: a) o conhecimento tradicional faz parte dacultura, ou seja, integra a identidade das comunidades tradicionais, a suacosmovisão, constituindo seu caráter indivisível, integral e complexo; b) oconhecimento tradicional tem relação direta com a natureza, no território queabriga essas comunidades; c) o conhecimento tradicional e a biodiversidadeforam e estão sendo construídos ao longo do tempo, ao longo de centenas, e atémilhares de anos, revelando sua natureza intergeracional; d) geralmente étransmitido oralmente; e) sua construção é coletiva e coletiva é sua destinação;f) em virtude de sua dimensão cultural, sua natureza indivisível e complexa,sua formação intergeracional, sua origem e finalidade coletivas, oconhecimento tradicional tem um valor incomensurável.7

O primeiro esforço legislativo nacional tratando dos conhecimentostradicionais foi o projeto de lei n.º 306 de 1995, cuja autora é a senadora e atualministra do Meio Ambiente do governo Lula, Marina Silva, projeto jáaprovado no Senado. Entretanto, neste projeto de lei não se defineconhecimento tradicional.8

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5 Biodiversidad: uma nueva lógica para naturaleza. In: Diversidade biológica y cultural. Retos e propuestas desde AméricaLatina. 1998. p.73.

6 Organización Mundial de la Propriedade Intelectual – Comitê Intergubernamental sobre Propriedade Intelectual y RecursosGenéticos, Conoscimentos Tradicionales y Folclore – Terceira sesion – Ginebra, 13 a 21 de junio de 2002 – Losconoscimientos Tradicionales: definiciones y términos – Anexo 1, (documento presenteado por el grupo de Países deAmérica Latina y Cariube (GRULAC).

7 CALDAS, Andressa. op. cit. p. 95.

8 BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei n.º 306, de 1995, que dispõe sobre os instrumentos de controle do acesso aosrecursos genéticos do país e dá outras providências.

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O projeto de lei n.º 4.579 de 1998, de autoria do deputado federal e ex-ministro Jaques Wagner, em seu art. 4º, define conhecimento tradicional comosendo todo conhecimento, inovação ou prática individual ou coletiva decomunidade indígena ou populações tradicionais ou locais, com valor real oupotencial, associado a recurso genético ou a produtos derivados, protegidos ounão por regime de propriedade intelectual.9

Já para o projeto de lei n.º 4.751 de 1998, elaborado pelo PoderExecutivo, a expressão “conhecimento tradicional associado” significainformação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou local,com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético.10

Além desses dispositivos legais já mencionados acima, temos em vigora MP n.º 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que define conhecimentotradicional como sendo a informação ou prática individual ou coletiva decomunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial,associado ao patrimônio genético.11

2. INSTRUMENTOS LEGAIS DE PROTEÇÃO AOSCONHECIMENTOS TRADICIONAIS

As patentes, o pipeline e a proteção de cultivares são formasmonopolistas, de natureza privada e individualista de apropriação deconhecimento, sendo ineficazes e inadequadas para resguardar direitoscoletivos como é o caso dos conhecimentos tradicionais.

Uma vez que os mecanismos legais de proteção da propriedadeintelectual existentes são inapropriados para proteger os conhecimentostradicionais. Surge então, a necessidade de se criar instrumentos específicosque garantam a tutela eficaz do conhecimento pertencente às comunidadestradicionais.

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9 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de lei n.º 4.579 de 1998 que dispõe sobre acesso a recurso genético e seus produtosderivados, a proteção ao conhecimento tradicional a eles associados, e dá outras providências.

10 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de lei n.º 4.751 de 1998, encaminhado ao Congresso Nacional através da Mensagemn.º 978/98, regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º do art. 225 da Constituição, os arts. 1º, 8º, alínea “j”, 10, alínea “c”, e15 da Convenção sobre Diversidade Biológica, dispõe sobre acesso ao Patrimônio Genético e ao Conhecimento TradicionalAssociado, sobre a repartição de benefícios derivados de sua utilização, e dá outras providências.

11 BRASIL. Presidência da República. Medida Provisória n.º 2.186-16, de 23 de agosto de 2001 – Regulamenta o inciso II do§ 1º e o § 4º do art. 225 da Constituição, os arts. 1º e 8º, alínea j, 10 alínea c, 15 e 16, alínea 3 e 4, da Convenção sobreDiversidade Biológica, dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicionalassociado, a repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização,e dá outras providências. (art. 7, I e II).

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O primeiro documento legal que trata da proteção da biodiversidade e,conseqüentemente, protege o conhecimento tradicional é a Convenção sobreDiversidade Biológica, conhecida como Eco-92, a Conferência das NaçõesUnidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada entre 5 a 14 dejunho de 1992, na cidade do Rio de Janeiro, discutiu a necessidade e aimportância de se criar uma série de compromissos entre países com respeito àquestão ambiental,12 que culminou na elaboração da Convenção sobreDiversidade Biológica (CDB), que tem por objetivos principais a conservaçãoda diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes, arepartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados dos recursos, mediante,inclusive, o acesso adequado aos recursos genéticos e a transferência adequadade tecnologia pertinente, levando em conta todos os direitos sobre tais recursose tecnologias, e mediante financiamento adequado.

No Brasil, a CDB foi aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 2, de 3 defevereiro de 1994 e promulgada pelo Decreto n,º 2.519, de 16 de março de1998. Atualmente, tramitam no Congresso Nacional, quatro projetoslegislativos visando implementar a regulação de conhecimentos tradicionaisassociados à biodiversidade, os quais são: a) uma proposta de emendaconstitucional encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional quepreconiza a inclusão dos recursos genéticos entre os bens da União, elencadosno art. 20 da Constituição Federal; b) um projeto de lei encaminhado peloPoder Executivo ao Congresso que dispõe sobre o acesso ao patrimôniogenético e ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição debenefícios derivados de sua utilização; c) um projeto de lei apresentado pelasenadora e hoje ministra Marina Silva; e d) outro projeto de lei elaborado pelodeputado federal e ex-ministro Jaques Wagner. Além destes projetos, aindatemos o novo Estatuto das Sociedades Indígenas que se encontra também emtramitação no Congresso Nacional. Todos esses projetos estão aguardandoanálise em uma comissão especial da Câmara, criada especialmente paraapreciar e dar parecer sobre os mencionados instrumentos legais.13

No entanto, todos esses dispositivos legais mencionados antes,encontram-se aguardando aprovação. O instrumento legal que está em plenovigor e regulamenta a matéria é a MP n.º 2.186-16, de 23 de agosto de 2001,que regulamenta o inciso II do § 1.º e o § 4.º do art. 225 da Constituição, os

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12 CALDAS, Andressa. op. cit. p. 238.

13 OLIVEIRA, Edson de. op. cit. p. 65.

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arts. 1.º, 8.º, alínea “j”, 10, alínea “c”, 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convençãosobre Diversidade Biológica, dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, aproteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição debenefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para suaconservação e utilização, e dá outras providências.

Para alguns, esta Medida Provisória contém uma série deinconstitucionalidades,14 violando direitos assegurados às comunidadesindígenas e tradicionais em vários de seus dispositivos.15

Cristiani Derani também tece críticas à MP e coloca em dúvida a suaconstitucionalidade, questionando se a inserção de um patrimônio coletivo nasrelações privadas de produção é constitucional; se a transformação dapropriedade coletiva em propriedade privada é constitucional; se a modificaçãode modos de vida tradicionais pelas novas relações criadas e pelo respectivosistema de remuneração previsto é constitucional.16

A MP reserva o capítulo III para tratar da tutela do conhecimentotradicional associado, estabelece no art. 8.º, a proteção do conhecimentotradicional das comunidades indígenas e das comunidades locais, associado aopatrimônio genético, contra a utilização e exploração ilícita e outras açõeslesivas ou não autorizadas pelo Conselho de Gestão17 ou por outra instituiçãocredenciada.

Além disso, reconhece o direito das comunidades indígenas e dascomunidades locais para decidir sobre o uso de seus conhecimentostradicionais associados ao patrimônio genético do País. Declara que oconhecimento tradicional associado ao patrimônio genético integra opatrimônio cultural brasileiro e poderá ser objeto de cadastro, conformedeterminação do Conselho de Gestão ou de legislação específica.

Ademais, garante às comunidades indígena e local que criam,desenvolvem, detêm ou conservam conhecimento tradicional associado ao

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14 No dia 14 de agosto de 2000, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG, com o suporte jurídicodo Instituto Socioambiental, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade no STF contra a MP n.º 2.186-15 de 26 de julhode 2001.

15 SANTILLI, Juliana. Regimes legais de proteção e a “pirataria legislativa”: MP viola direitos indígenas e legitima biopiratariaem suas terras. Disponível em: <http: www.biodiversidade.org/documentos77.htm#_ftnref1> Acesso em abr. 2006.

16 Patrimônio genético e conhecimento tradicional associado: considerações jurídicas sobre seu acesso. In: LIMA, André (org.).O direito para o Brasilsocioambiental. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002. p. 157.

17 Órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e presidido por representante deste Ministério. O Conselho de Gestão doPatrimônio Genético, tem caráter deliberativo e normativo, composto de representantes de órgãos e de entidades daAdministração Pública Federal que detêm competência sobre as diversas ações de que trata a Medida Provisória n.º 2.186-16/01. (Art. 10).

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patrimônio genético, o direito de: a) ter indicada a origem do acesso aoconhecimento tradicional em todas as publicações, utilizações, explorações edivulgações; b) impedir terceiros não autorizados de: i) utilizar, realizar testes,pesquisas ou exploração, relacionados ao conhecimento tradicional associado;ii) divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações que integram ouconstituem conhecimento tradicional associado; c) perceber benefícios pelaexploração econômica por terceiros, direta ou indiretamente, de conhecimentotradicional associado, cujos direitos são de sua titularidade. Diz ainda que,qualquer conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético poderáser de titularidade da comunidade, ainda que apenas um indivíduo, membrodessa comunidade, detenha esse conhecimento.

Tanto a MP, como os instrumentos legais já analisados, buscam dar àquestão do acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimôniogenético um tratamento puramente mercantil, ao se preocupar demasiadamenteem estabelecer a repartição dos benefícios econômicos desse acesso, o quepode resultar na transformação de toda uma gama de saberes em mercadorias.Chega a ser paradoxal o tratamento legislativo dado ao conhecimentotradicional associado, na medida que entendem e reconhecem o direito dospovos, a sua cultura e o seu conhecimento, apenas para conceber tal direitocoletivo para depois cedê-lo e receber em troca uma compensação.18

No plano estadual, os primeiros Estados brasileiros a editarem leis pararegular o acesso aos conhecimentos tradicionais no país foram os Estados doAcre e do Amapá, que coincidentemente promulgaram suas leis no dia 10 dedezembro de 1997. A lei acreana n.º 1.235 dispõe sobre os instrumentos decontrole do acesso aos recursos genéticos do Estado do Acre e dá outrasprovidências.19 Já no Estado do Amapá, foi sancionada a lei n.º 388/97, quedispõe sobre os instrumentos de controle de acesso à biodiversidade do Estadodo Amapá e dá outras providências.20

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18 OLIVEIRA, Edson de. op. cit. p. 100.

19 BRASIL. Assembléia Legislativa do Estado do Acre. Lei n.º 1.235, de 10 de dezembro de 1997. Dispõe sobre os instrumentosde controle do acesso à biodiversidade do Estado do Acre e dá outras providências. Rio Branco, 1997.

20 BRASIL. Assembléia Legislativa do Estado do Amapá. Lei n.º 388, de 10 de dezembro de 1997. Dispõe sobre os instrumentosde controle do acesso à biodiversidade do Estado do Amapá e dá outras providências. Macapá, 1997.

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3. UM MODELO SUI GENERIS DE PROTEÇÃO DOCONHECIMENTO TRADICIONAL ASSSOCIADO DASPOPULAÇÕES TRADICIONAIS

O direito de propriedade clássico não atende aos anseios das populaçõestradicionais, por ser limitado, estreito, economicista, exclusivista, monopolistae individualista. Em substituição a ele, defende-se a adoção dos chamados“direitos intelectuais coletivos”, o qual respeitaria os processos inventivos ecriativos das populações tradicionais, baseados no compartilhamento deinformações e idéias, de caráter coletivo, resguardando os valores econcepções que regem a vida coletiva dessas sociedades.21

A necessidade de se construir um modelo sui generis de proteção dosconhecimentos tradicionais associados das populações tradicionais, surge dalacuna e da ineficiência dos modelos de proteção intelectual existentes de nãocomportarem as particularidade dos conhecimentos tradicionais.

Os princípios trazidos pela Convenção sobre Diversidade Biológicaestabelecem para o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentostradicionais associados diretrizes tais como: o consentimento préviofundamentado e a reparação justa e eqüitativa dos benefícios, possuindo doisdesdobramentos; primeiro, que os países signatários estabelecessem mediantelegislação interna, normas que regulassem o acesso e a repartição de benefíciosentre países provedores e destinatário ou utilizadores de tais recursos; segundo,o respeito ao que estabelece ao artigo 8.º item (j) da CDB, que resulta noconsentimento prévio fundamentado dos povos tradicionais detentores deconhecimento tradicionais associados, bem como a devida repartição dosbenefícios oriundos da utilização de tais conhecimentos com seus detentores.Estabelecendo também, o reconhecimento aos povos tradicionais de direitosintelectuais coletivos sobre seus conhecimentos tradicionais associados àbiodiversidade.

Para Santilli, a construção de um regime sui generis de proteção aosconhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, passa necessariamentepelos seguintes fundamentos: a) a indissociabilidade dos aspectos biofísicos eculturais, onde território e conhecimento estão intimamente ligados. Sem a tutelaefetiva aos territórios ocupados pelas populações tradicionais, e aos recursos

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21 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo:Peirópolis, 2005. p. 213.

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naturais neles existentes, e sem a implementação de políticas públicas quepromovam e assegurem direitos econômicos, sociais e culturais, será impossívelgarantir a continuidade da produção dos conhecimentos tradicionais associados àbiodiversidade; b) a proteção da integridade intelectual e cultural, assim como dosvalores espirituais associados aos conhecimentos tradicionais, e o reconhecimentodo seu valor intrínseco devem ser os princípios norteadores de qualquer sistemade proteção. Além disso, as políticas públicas devem promover um tratamentoigualitário da ciência ocidental e do saber tradicional, reconhecendo que ossistemas tradicionais de conhecimento possuem seus próprios fundamentoscientíficos e epistemológicos. O conhecimento tradicional não é estático, e simdinâmico, e o termo “tradicional” não tem ligação com a sua antiguidade, não serefere apenas de conhecimentos “antigos”, ou mesmo “passados”, mas deconhecimentos também presentes e futuros que evoluem e se transformam, combase em práticas dinâmicas; e, finalmente, c) a simples transformação dosconhecimentos tradicionais em mercadoria ou commodities para seremnegociadas no mercado, representa uma distorção da lógica que reside na própriaprodução desses saberes. No entanto, as relações entre as populações tradicionaise a sociedade envolvente e o chamado “mercado” obedecem a uma lógica e acontextos sociais, econômicos e culturais que fogem ao controle de uminstrumento jurídico, é preciso, somando-se isto, a implementação de uma gamade políticas públicas de promoção e valorização dos conhecimentos, inovações epráticas de povos indígenas e populações tradicionais.22

O esforço transdisciplinar de se edificar um modelo sui generis, passatambém, pela adoção do pluralismo jurídico que se contrapõe ao monismojurídico estatal, onde o Estado é o senhor do direito, não existindo outra fontecapaz de regulamentar o sistema jurídico. O pluralismo jurídico reconhece apluralidade social e os ordenamentos jurídicos paralelos ao oficial.23

Ao tentar criar um regime especial de proteção aos conhecimentostradicionais associados à biodiversidade, o sistema jurídico nacional deveabrigar o reconhecimento da juridicidade do direito costumeiro, extra-oficial,dos povos indígenas, dos quilombolas e das populações tradicionais.24

Deve-se reconhecer também, o caráter coletivo da titularidade dosdireitos das populações tradicionais, bem como admitir, juridicamente, que a

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22 SANTILLI, Juliana. op. cit. p. 215.

23 WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. 3.ª ed. São Paulo: Alfa Omega,2001. p. 171-172.

24 SANTILLI, Juliana. op. Cit. p. 222.

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representação coletiva desses povos se dê pelos usos, costumes e tradições dospovos tradicionais, e de suas próprias instituições e formas de organização,excluindo a idéia de se exigir a criação de ficções jurídicas, como: associações,fundações, etc, em conformidade com o Direito Civil pátrio. Justifica-se,portanto, que o Direito brasileiro avance no reconhecimento da personalidadejurídica dos povos indígenas, como prevê o novo Estatuto das SociedadesIndígenas ainda em tramitação no Congresso Nacional, dos quilombolas e daspopulações tradicionais, diferente de seus membros e independentemente daconstituição formal de associações.25

4. AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO COMO INSTRUMENTO DEPROTEÇÃO SOCIOAMBIENTAL

Como já vimos, as populações tradicionais possuem uma ligação dedependência com seu território, possuindo um arcabouço de conhecimento etécnicas que contribuem para a conservação da biodiversidade, sendoimpossível dissociar os aspectos biológicos dos culturais. Daí surgiu anecessidade de se criar unidades de conservação que respeitassem essasimbiose entre homem e natureza.

As unidades de conservação que integram o Sistema Nacional deUnidades de Conservação da Natureza (SNUC), instituído pela lei n.º9.985/2000, dividem-se em: a) unidades de proteção integral; e b) unidades deuso sustentável. As unidades de Proteção Integral têm por objetivo preservar anatureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais.Enquanto que, as unidades de uso sustentável, objetivam compatibilizar aconservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursosnaturais.26

É notória a influência do pensamento socioambiental em todo o SNUC,privilegiando a interface entre biodiversidade e sociodiversidade, caracterizadapelo multiculturalismo e pela plurietnicidade. Então, pode-se afirmar que oconceito de bens socioambientais está presente e consolidado em todo oSNUC.27

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25 SANTILLI, op. cit. p. 222-226.

26 BRASIL. Congresso Nacional. Lei n.º 9.985/2000. Regulamenta o art. 225, § 1.º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal,institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. (art. 7.º).

27 SANTILLI, op. cit. p. 112.

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Certamente, a grande contribuição trazida pela lei do SNUC foi a dereconhecer o papel e a participação das populações tradicionais na conservaçãoe na utilização sustentável da diversidade biológica, estabelecendo a criação detipos de unidades de conservação de uso sustentável, que são: a reservaextrativista, mais conhecida como RESEX, e a reserva de desenvolvimentosustentável, conhecida pela sigla RDS. Estas duas categorias de unidades deconservação são destinadas a abrigar populações tradicionais e a proteger osmeios de vida e a cultura dessas populações. Muito embora as florestasnacionais também admitam a presença de populações tradicionais residentes naoportunidade de sua criação, esse não é o seu objetivo principal, mas sim o depromover o uso múltiplo sustentável dos recursos naturais nelas existentes.28

O objetivo central das reservas extrativistas é conciliar a solução dosconflitos através da posse da terra, sem esquecer é claro, da gestão sustentáveldos recursos naturais, fazendo convergir políticas públicas muitas vezesantagônicas como meio ambiente e reforma agrária.29

No conceito e na figura jurídica da reserva extrativista estãoincorporados os paradigmas socioambientais. A reserva extrativistacompreende dois valores basilares: a diversidade biológica e a proteção aosrecursos naturais, por meio de sua utilização sustentável, e a diversidadecultural, representada pelas populações tradicionais cujas práticas culturais emodos de vida patrocinam a utilização e a apropriação dos recursos naturais deforma diferenciada das sociedades urbano-industriais. Tem em si ainda, asidéias de justiça social e concretização de objetivos sociais pela proteção aomeio natural que concede às populações extrativistas direitos sobre áreashistórica e tradicionalmente ocupadas por essas populações de tal maneira queleve em consideração as próprias dinâmicas de uso dos recursos biológicos.30

A lei do SNUC, ainda qualifica a reserva extrativista como bem dedomínio público, com uso concedido às populações extrativistas tradicionaismediante contrato de concessão de direito real de uso, sendo que as áreasparticulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas.31

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28 BRASIL. Lei n.º 9.985/2000, art. 17, § 2.º.

29 ALLEGRETTI, Mary Helena. Reservas extrativistas: parâmetros para uma política de desenvolvimento sustentável na Amazônia.In: ARNT, Ricardo (ed.). O destino da floresta: reservas extrativistas e desenvolvimento sustentável na Amazônia. Rio deJaneiro, 1994. p. 19.

30 SANTILLI, Juliana. op. cit. p. 146.

31 BRASIL. Lei n.º 9.985/2000, arts. 18, § 1.º, e 23.

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O modelo de extrativismo praticado nas reservas extrativistas baseia-seem um sistema de produção que tende congregar a coleta de produtosflorestais,32 principalmente da borracha, com outras atividades, como aagricultura, caça, pesca ou coleta. Outros produtos, como a castanha-da-amazônia ou a essência de pau-rosa, destinam-se à exportação; já outros, comoa borracha, ou a piaçava, não ultrapassam as fronteiras do país; e produtoscomo a andiroba, os frutos das palmeiras de tucumã ou açaí, são só para oconsumo local ou regional.33

Outro tipo de unidade de conservação de uso sustentável prevista na lein.º 9.985/2000 é a reserva de desenvolvimento sustentável. A reserva dedesenvolvimento sustentável destina-se a abrigar populações tradicionais e temcomo objetivo básico preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar ascondições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos eda qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populaçõestradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e astécnicas de manejo do ambiente, desenvolvido por estas populações.34

Hoje o país possui apenas uma reserva de desenvolvimento sustentávelfederal localizada no Pará,35 enquanto que no Amazonas encontramos quatroreservas de desenvolvimento sustentável: Mamirauá, Amanã, Cujubim ePiagaçu-Purus.36

Assim como a Resex, a reserva de desenvolvimento sustentável é dedomínio público, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limitesdevem ser, quando necessário, desapropriadas, de acordo com a lei.37 Valeressaltar, que dificilmente isso ocorre, pois se trata de áreas tradicionalmenteocupadas, em geral, por populações tradicionais.

Portanto, podemos constatar a importância da reserva de desenvolvimentosustentável para a preservação e conservação do meio ambiente, para a

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32 EMPERAIRE, Laure & PINTON, Florense. A farinha de mandioca, um elo dos sistemas extrativistas. In: EMPERAIRE, Laure (ed.científica). A floresta em jogo: o extrativismo na Amazônia central. São Paulo: Editora Unesp, Imprensa Oficial do Estado,Institut de Recherche pour le Développement (IRD), 2000. p. 57-67.

33 _____ & LESCURE, Jean-Paul. Introdução. In: EMPERAIRE, Laure (ed. científica). A floresta em jogo: o extrativismo naAmazônia central. São Paulo: Editora Unesp, Imprensa Oficial do Estado, Institut de Recherche pour le Développement (IRD),2000. p. 15-19.

34 BRASIL. Lei n.º 9.985/2000, art. 20, § 1.º.

35 Disponível em: <http//:www.ibama.gov.br/ ibama_arquivos\index.htm>. Acesso em: 23 de mai. 06.

36 Disponível em: <http//:www.ipaam.br/IPAAM - Unidades de Conservação_arquivos\areas-corpo.htm>. Acesso em: 23 demai. 06.

37 BRASIL. Lei n.º 9.985/2000, art. 20, § 2.º.

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valorização e o aperfeiçoamento do conhecimento e das técnicas de manejo doambiente desenvolvidos pelas populações tradicionais, protegendo não somenteos componentes tangíveis ou materiais, ou seja, o território e a sua biodiversidadedentro de seus limites, mas também, os seus componentes intangíveis ouimateriais, que representam os conhecimentos, inovações e práticas sobreespécies, processos ecológicos e ecossistemas, desenvolvidos e manejados porpopulações tradicionais transmitidos oralmente ao longo de gerações.38

5. RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DEMAMIRAUÁ: MODELO SOCIOAMBIENTAL DE UNIDADE DECONSERVAÇÃO

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá foi criada em1990, inicialmente, como estação ecológica, pelo governador da épocaAmazonino Armando Mendes, por meio do Decreto n.º 12.836/90, e só em1996 foi transformada em reserva de desenvolvimento sustentável, com afinalidade de regularizar a permanência e garantir o envolvimento dos seushabitantes na gestão de seus recursos naturais.39

A Reserva de Mamirauá é a maior unidade de conservação brasileiralocalizada inteiramente em área de várzea, e foi a primeira reserva dedesenvolvimento sustentável do país. Situa-se no Estado do Amazonas, a 600quilômetros a oeste de Manaus, entre os rios Japurá, Amazonas e o Auati-Paraná, tendo a cidade de Tefé como a mais próxima referência urbana.Constitui-se em uma região de florestas inundadas que permanece durante seismeses submersas e sofrem variações todo ano de até doze metros no nível daságuas. Possui uma área total de 11.240 Km2. A reserva cumpre um papel deberçário para vários recursos naturais que lá nascem e amadurecem antes dedeixarem aquela região. As várzeas de Mamirauá funcionam também como umgrande depósito de nutrientes.40

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38 SANTILLI, Juliana. op. cit. p. 154.

39 LIMA, Deborah de Magalhães. O envolvimento de populações humanas em unidades de conservação: a experiência deMamirauá. In: RAMOS, Adriana & CAPOBIANCO, João Paulo (orgs.). Unidades de conservação no Brasil: aspectos gerais,experiências inovadoras e a nova legislação (Snuc). Resultado do seminário interno com convidados realizado nos dias 25 e26 de abril de 1996. São Paulo: Instituto Socioambiental, Documentos do ISA n.º 1, 1996. p. 177-198.

40 QUEIROZ, Helder L. A reserva de desenvolvimento sustentável Mamiruá: um modelo de alternativa viável para a proteção econservação da biodiversidade na Amazônia. Dossiê Amazônia II. Revista de Estudos Avançados, IEA/USP, setembro, 2005.p. 08.

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A RDS de Mamirauá caracteriza-se essencialmente pela conjugação dotrinômio: preservação do patrimônio natural com pesquisa sobre abiodiversidade e com o combate à pobreza pela promoção do desenvolvimentosustentado. Esta categoria não obedeceu ao SNUC porque os modelos jurídicosexistentes na época não eram adequados à realidade de Mamirauá. O Estado doAmazonas, portanto, inovou ao legislar independentemente sobre unidade deconservação.

A implementação da reserva segue o novo paradigma de conservação danatureza que reconhece a importância de conciliar conservação edesenvolvimento social. Este entendimento é essencialmente válido em setratando de várzea, uma área de grande importância econômica para a regiãodo médio Amazonas como fonte de recursos pesqueiros, madeireiros eagrícolas. O fechamento de uma área desse porte ocasionaria umatransformação muito brusca para população tradicional e para a economialocal, inviabilizando a sua implantação. Estima-se que os recursos extraídosdessa área geram dois milhões de dólares anualmente.

O modelo de RDS desenvolvido em Mamirauá durante seus 16 anos,tem conquistado um conjunto de resultados bastante satisfatórios, seja do pontode vista ambiental ou social. A adoção de um sistema de zoneamento e denormas de uso sustentável baseado na pesquisa científica e no conhecimentotradicional, aliado a uma gestão participativa e com fortes programas deextensão com alternativas econômicas, produziram no médio prazo,importantes avanços que comprovam a viabilidade do modelo tanto em relaçãoà conservação da biodiversidade, quanto de promover a melhoria da qualidadevida das populações locais. Esses avanços são registrados por meio de umamplo programa de monitoramento.41

Entre 1994 e 2004 houve uma grande recuperação das populações derecursos naturais e uma grande diminuição das taxas anuais de transformaçãode habitat. Verificou-se também, pelo menos aparentemente, a completainterrupção do desmatamento de florestas na RDSM, e o ressurgimento devárias espécies de vertebrados, como felinos, sirênios, quelônios, etc. Estasespécies são extremamente sensíveis, o que nos sugere que as ações deproteção adotadas estejam bem sucedidas.42

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41 QUEIROZ, Helder L. op. cit. p. 22.

42 INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MAMIRAUÁ. Relatório anual do contrato de gestão IDSM/MCT – Ano2004. Tefé, Amazonas. 2005. p. 203.

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O progresso alcançado no desenvolvimento da qualidade de vidahumana ao longo de mais de uma década de ações e intervenções em Mamirauáforam igualmente significativos. Houve uma grande transformação estruturalnas comunidades locais nas quais foram implementadas tais intervenções.Constatou-se um crescimento generalizado da renda domiciliar nessaspopulações. Este crescimento foi da ordem de 107% nos últimos oito anos, jádescontada a inflação. O indicador que melhor demonstra esse avanço é oÍndice de Mortalidade Infantil (IMF), que apresentou uma redução drásticadesde de que os trabalhos em Mamirauá se iniciaram. Só para se ter uma idéia,em 1994 as taxas de mortalidade infantil giravam em torno de 86 falecimentospor cada grupo de 1000 crianças nascidas vivas na área focal de Mamirauá, em2004, apenas dez anos depois, a taxa despencou para 18 óbitos para cada grupode 1000 crianças nascidas vivas. Estes dados revelam que o índice demortalidade infantil em Mamirauá encontra-se abaixo do patamar nacional eestadual.43

Isso tudo é fruto da abordagem multidisciplinar adotada em Mamirauá,que conta com uma equipe de pesquisadores e extensionistas com variadaformação, distintas abordagens e experiências, o que contribui para a soluçãode conflitos socioambientais os mais diversos. Contudo, os níveis de proteçãoe conservação da biodiversidade hoje observados, não seriam possíveis sem oenvolvimento adequado da população local, esclarecida e organizada,revelando-se um parceiro efetivo das atividades desenvolvidas.

O modelo de RDS de Mamirauá coloca-se como uma alternativapromissora para a consolidação de ações de conservação da biodiversidade emunidades de conservação de uso sustentável, ganhando cada vez mais espaço,ficando mais robusta à medida que esta estratégia se dissemine pela regiãoAmazônica através da replicação de seu modelo, fazendo com que Mamirauádeixe de ser apenas um bom exemplo para se tornar um laboratório natural parateste de técnicas e abordagens em conservação, para orientar no enfrentamentodaqueles grandes riscos que colocam sob ameaça a Amazônia.44

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43 QUEIROZ, Helder L. op. cit. p. 188.

44 Idem. op. cit. p. 26.

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6. CONSIDERAÇÕES SOBRE UM SISTEMA DE PROTEÇÃO DOSCONHECIMENTOS TRADICIONAIS DAS POPULAÇÕESTRADICIONAIS DO ESTADO DO AMAZONAS

A construção de um sistema de proteção sui generis fundamenta-senecessariamente no socioambientalismo e no pluralismo jurídico, sem estespilares é praticamente impossível avançarmos na estruturação de um sistematão complexo como é o modelo sui generis proposto. Caracterizado pelatransdisciplinariedade e pela contribuição dos diversos ramos das ciênciasnaturais e sociais, que conjugam esforços para que esse novo modelo possa vira ser adotado para garantir às populações tradicionais os direitos inerentes aossaberes que possuem.

Esse novo modelo de proteção deve ser conjugado com as políticaspúblicas necessárias, transpassando a idéia de um modelo de proteção paracompreensão de algo maior, que no nosso caso seria mais apropriado chamá-lo de sistema de proteção dos conhecimentos tradicionais associados àbiodiversidade das populações tradicionais do Estado do Amazonas, o queconseqüentemente incluiria as populações não-indígenas. Assim como oEstado do Amazonas inovou no caso da RDS de Mamirauá, deve-se também,agora com mais razão, tomar a dianteira e ser o precursor na elaboração de umaproposta de um sistema de proteção dos saberes tradicionais.

O ponto de partida desse novo sistema seria a criação de uma lei estadualque disponha sobre o acesso e uso da biodiversidade amazonense e dosconhecimentos tradicionais atrelados a ela, a exemplo do que fizeram osEstados do Acre e do Amapá. Estabelecendo os parâmetros de acesso e uso dosrecursos naturais, bem como dos conhecimentos tradicionais associados; arepartição justa e equânime dos benefícios derivados da exploração decomponentes do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado;o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia; a proteção dos direitosterritoriais e culturais; a titularidade coletiva, etc.

Os contratos de acesso e uso dos recursos genéticos e dos conhecimentostradicionais associados, previstos na MP n.º 2.186-16/01, firmados entre aspopulações tradicionais e preferencialmente instituições de pesquisasnacionais, devem garantir os benefícios decorrentes da exploração econômicade produto ou processo desenvolvido a partir de amostras genéticas ou deconhecimentos tradicionais associados, privilegiando a participação e oenvolvimento das populações tradicionais nas atividades de pesquisa e

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desenvolvimento, a sua capacitação e treinamento para uma participaçãoefetiva e qualificada, e não apenas formal, bem como o acesso a tecnologias,incluindo as biotecnologias protegidas por patentes e outros direitos depropriedade intelectual, licenciamento livre de ônus, e a participação noslucros e pagamentos de royalties ganhos com a comercialização de taisprodutos e processos.

Outro ponto muito importante seria a criação de fundos de repartição debenefícios, que financiariam tanto projetos de conservação da biodiversidadenas áreas ocupadas pelas populações tradicionais, como também, os projetosde sustentabilidade econômica, social e cultural, preferencialmente elaboradospelos próprios integrantes dessas populações.45 Sem esquecer é claro, dacriação de fundos financeiros patrocinados pelos diversos órgãos de pesquisanacional e internacional, tais como: Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq) vinculado ao Ministério de Ciência eTecnologia, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas(FAPEAM), e a World Wildlife Fund (WWF), com indução de demanda emáreas de interesse. Esses fundos, além de financiarem esses projetos, apoiariamtambém o ingresso de membros dessas populações tradicionais emuniversidades do país e do exterior através de bolsas de estudo. Além disso,poderia se pensar na criação de benefícios socioambientais, com a instituiçãodo “bolsa família ambiental” aos moldes do programa de benefício social dogoverno federal. Ademais, poder-se-ia criar os agentes comunitáriosambientais, formados por jovens integrantes de populações tradicionais, comoocorre com o programa de jovens agentes comunitários nas favelas da cidadedo Rio de Janeiro e de outras capitais do país.

Estes programas socioambientais, além de gerar renda, possibilitariamque famílias inteiras pudessem se dedicar às questões ambientais de suacomunidade, fazendo o monitoramento e a fiscalização das áreas que ocupam,ampliando consideravelmente a cobertura e o sistema de proteção ambiental deresponsabilidade do Ibama, através de medidas sócio-educativas, de prevençãoe de cidadania, trazendo benefícios não só para essas populações, mas tambémpara o Estado, que reduziria seus gastos com pessoal e com a estrutura quemantém para fiscalizar vastas áreas aqui no Amazonas.

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45 SANTILLI, Juliana. op. cit. p.234.

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Outra forma de se proteger os conhecimentos tradicionais associadospassa, necessariamente, pela criação de registros e bancos de dados sobre asinformações de materiais genéticos e conhecimentos tradicionais associados.Seriam criados bancos de dados e registros realizados pelos próprios índios;bancos de dados institucionais; banco de dados comunitários, desenvolvidos pororganizações não-governamentais, e por último, registros estabelecidos em lei.

É urgente também, a criação de mais unidades de conservação,principalmente a criação de reservas de desenvolvimento sustentável, atravésda replicação do modelo bem-sucedido da RDS de Mamirauá,46 como vimosanteriormente. Esse modelo, vem apresentando há mais de 15 anos, índicessatisfatórios de conservação, preservação e proteção da biodiversidade, e demelhoramento da qualidade de vida das populações que residem naquela área.É inadmissível que o Estado do Amazonas, como o maior detentor dabiodiversidade do planeta, possa contar com apenas 4 reservas dedesenvolvimento sustentável. Este modelo de unidade de conservação é delonge a alternativa mais indicada para a realidade do nosso Estado, poisconcilia preservação ambiental com desenvolvimento social.

Aliado a tudo que já foi exposto, é de extrema importância a adoção depolíticas públicas para viabilizar o sistema pretendido. É imprescindível areunião de esforços de todos; governos federal, estadual e municipal,comunidades tradicionais, instituições de pesquisas, organizações não-governamentais, associações, partidos políticos, etc, para estabelecer umsistema sui generis de proteção dos conhecimentos tradicionais das populaçõestradicionais.

As políticas públicas devem orientar diversas medidas que possibilitema emancipação social destas populações tradicionais não indígenas, através deinstrumentos de inserção social que possam tirar essas comunidades dainvisibilidade e marginalização social provocada pelo seu isolamento edistanciamento dos grandes centros econômicos.47

Essas medidas contemplam ações nas mais diversas áreas, mas aprincipal delas seria o acesso à educação superior, como já ocorre atualmenteatravés da descentralização das unidades de ensino superior da Universidade

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46 QUEIROZ, Helder L. op. cit. p. 25.

47 LITTLE, Paul E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade. Brasília:Universidade de Brasília, Departamento de Antropologia, Série Antropológica, n.º 322,2002. p. 5.

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Federal do Amazonas e da Universidade do Estado do Amazonas, comdestaque para a Universidade do Estado do Amazonas.

Esses cursos possibilitam o esclarecimento político, o aumento daparticipação comunitária e política, o amadurecimento participativo-democrático, o fortalecimento das mobilizações sociais e a capacitação delideranças locais. Tudo isso contribui e muito para que as reivindicações dascomunidades locais e tradicionais possam ganhar força e representatividadejunto ao governo, favorecendo o atendimento das reivindicações sociais dessascomunidades e o atingimento de uma série de serviços públicos antes negadosa essas comunidades.

Além disso, a formação de lideranças locais provoca um inconformismoe uma pressão social para que as populações tradicionais e locais possam serouvidas e enxergadas pelo Poder Público, transformando a realidade socialdelas por meio de políticas públicas que visem elevar o índice dedesenvolvimento humano dessas populações, através do exercício da plenacidadania, com saúde e saneamento básico, com justiça social edesenvolvimento sustentável.

Só assim, podemos construir um sistema eficiente de proteção dosconhecimentos tradicionais das populações tradicionais do Estado doAmazonas, baseado na conservação e preservação dos recursos naturaisassociado ao desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vidadessas populações, como retribuição pelas suas práticas de respeito ao meioambiente e aos recursos naturais, desenvolvidas ao longo de anos, garantindoao Amazonas, o maior território biodiverso do planeta. Essa herança devemos,portanto, aos povos da floresta, que deixaram esse legado de riquezas naturaise de saberes tradicionais, que fazem do nosso Estado referência mundial napreservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

REFERÊNCIAS

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RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTALE LICITUDE DA ATIVIDADE OUEMPREENDIMENTO: ASPECTOS

POLÊMICOS.

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* Professor efetivo de Direito Ambiental na Universidade Federal de Roraima e Promotor de Justiça com atribuição ambientaldo Ministério Público de Roraima.

Resumo: O desiderato deste artigo é tecer umaanálise jurídica sobre a responsabilidade civilem matéria ambiental quando umempreendimento ou atividade que estejadevidamente em operação nos contextosnormativos cabíveis venha, por qualquermotivo, causar dano ao meio ambiente comreflexos diretos ou indiretos para a sociedade.Demonstra também aspectos sobre olicenciamento ambiental, sua natureza jurídicae analisa a superveniência de danos ambientaisnão previstos, inevitáveis, ou mesmo, miti-gáveis para atividades licenciadas pelo PoderPúblico. Destaca a colisão de interesseseconômico, social e ambiental, a predomi-nância dos interesses fundamentais e a atuaçãoestatal na política ambiental e controle social.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil;Meio-ambiente; Licitude da Atividade.

Abstract: The goal of this article is tocompose a legal analysis about the civilliability in environmental matter when anenterprise or activity, which is duly inoperation in the fitting normative concepts,causes damage to the environment with director indirect consequences in society. It alsodemonstrates aspects on environmentallicensing, their legal natures and analyzes thesupervenience of unpredicted, inevitable oreven mitigated environmental damages toactivities which are permitted by the PublicPower. It highlights the collision of economic,social and environmental interests, thepredominance of the basic interests and thestate performance in the environmental policyand social control.

Key-words: Civil Liability; Environment;Legality of the Activity.

Zedequias de Oliveira Júnior*

Sumário: Introdução; 1. Legalidade; 2. Meio Ambiente; 3. Responsabilidade Civil Objetiva; 4.Licenciamento ambiental; 5. Superveniência de danos ambientais não previstos, inevitáveis oumesmo mitigáveis para atividades licenciadas pelo Poder Público ambiental; 6. Colisão dosinteresses ambiental, econômico e social; 7. Atuação estatal na política ambiental e controlesocial; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

Uma das grandes tarefas dos operadores do direito em matéria ambientalé buscar amparo no comando vigente para o fim de bem tutelá-lo, fazendo comque possa haver a tão pretendida compatibilização entre o desenvolvimentoeconômico com equidade social e a conservação ambiental. No entanto,freqüentemente nos deparamos com situações complexas que merecem detidaanálise e enquadramento que subsidie o alcance de resultados efetivos maissatisfatórios para o interesse em foco. É o caso de atividades ou mesmoempreendimentos que mesmo licenciados e autorizados pelo poder públicocompetente e venham cumprindo todas as exigências e condicionantes e, ainda,estejam atuando dentro dos padrões estabelecidos, podem vir a causar dealguma forma danos ambientais e à coletividade.

É sob este prisma que o tema proposto será dissecado para o fim deembasar medidas judiciais ou não em prol do meio ambiente. Para tanto,imperioso é destacar os aspectos jurídicos aplicáveis, com relevo para aconcepção da legalidade, meio ambiente, poluição, do dano, do licenciamentoambiental, da responsabilidade civil objetiva e do papel do poder públicoambiental para a consecução do ideário constitucional ambiental e quefundamentarão, cada um a seu modo, a conclusão de que mesmo havendo“legalização” da atividade/empreendimento com todas as permissões,autorizações e licenças poderá o mesmo ser objeto de sancionamentoambiental por se configurar num interesse de ordem fundamental de quartageração que merece tratamento diferenciado e especial.

1. LEGALIDADE

O exercício da atividade laborativa no Brasil não é impedido pelo PoderPúblico, ao contrário, é fomentado, inclusive em se tratando de exploraçãomineral que é uma das que mais degradam os recursos naturais, a própria CartaMagna de 1988 possibilita a exploração racional e buscando-se odesenvolvimento sustentável; só que, em todos os casos, adotando regras quedisciplinem as atividades ou empreendimentos que sejam potencial ouefetivamente poluidores ou capazes de causar degradação ambiental. Por estarazão, em tese todo empreendimento ou atividade que direta ou indiretamentevenha a influir na qualidade do meio ambiente é passível de um ato do poder

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público que o legitime, circunstância esta que somente pode ser exigida pormeio de lei.

Neste diapasão, vê-se que as regras aplicáveis e inerentes ao princípio dalegalidade são por demais claras, levando ao entendimento de que a exigênciaou não de algum aval do poder público para que determinado empreendimentoou atividade possa funcionar não é uma opção do administrador ou mesmo umcritério do particular, mas sim uma imposição normativa que tem por norte oart. 5.°, II, e art. 37, caput, ambos da Constituição Federal. “Ninguém seráobrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, estaé a redação do art. 5.º, inciso II, do texto constitucional que incisivamenteexplicita e dá os contornos do princípio da legalidade. A lei indicada deve serentendida em sentido lato, ou seja, englobando todos os atos de poderemanados da Administração Pública, sejam portarias, decretos, instruçõesnormativas, resoluções e até a produção laborativa do Poder Legislativo(Leis,Decretos legislativos etc.).

Acrescente-se que atualmente não se pode excluir a possibilidade doPoder Judiciário, dependendo do caso concreto, em havendo provocação,defronte o poder geral de cautela inserto no art. 461 do CPC, em decidirexigindo que o poder público ativamente proceda a avaliação ambiental dopleito, isto para a hipótese de nenhum ato administrativo ou legislativo teranteriormente previsto, pois não se pode simplesmente aguardar a boa vontadedo administrador ou mesmo do legislador em fazer constar tal exigência1 e, nasua falta, esperar que exista um risco ou até que um dano iminente ocorra.

Então, mister é que previamente seja formalizado o intento de controleestatal para depois ser tida como uma obrigação a ser cumprida. Os reflexosdeste princípio no campo sancionatório são os mais diversos, pois se nãoinstituído, id est a licença ambiental para alguma atividade ou empreendimentoantecipadamente ao pleito ou ocorrência não se poderá imprimirsancionamento administrativo e principalmente criminal, ou seja, nenhuma dassanções administrativas elencadas pelo legislador pátrio (art. 72 da Lei n.º9.605/98 e art. 2.º do Decreto n.º 3.179/1999) poderão ser aplicadas porausência de norma precedente que autorize sua incidência. Em matéria penal olegislador foi mais claro ao exigir no art. 5.º, XXXIX, que “não há crime sem

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1 Normas existem para tudo e em meio ambiente não é diferente, só que mesmo assim existem lacunas a serem preenchidas.O problema é a eficácia das que existem e a cobrança para que as futuras normas também o sejam. É tão grave o drama queo Princípio 11 da Carta da Terra de 1997 registrou que os Estados devem criar legislações mais “eficazes”.

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lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Óbvio é,quando há determinação judicial para que haja uma licença ambiental que ainfringência administrativa e penal somente se dará após o comprovadodescumprimento da imposição.

A norma infraconstitucional já exara a correspondente necessidade deintervenção do poder público em matéria ambiental quando no art. 10, caput,da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente-Lei n.º 6.938, de 31 de agostode 1981, quando aduz que: “A construção, instalação, ampliação e funciona-mento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais,considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sobqualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de préviolicenciamento...”. Por esta razão, em tese todo empreendimento ou atividadeque direta ou indiretamente venha a influir na sanidade do meio ambiente épassível de um ato do poder público que o legitime.

É por estas e outras que deve a autoridade ambiental constituídaproceder conforme a lei em seu sentido lato estando o ato irregular propenso adecretação de sua nulidade ou mesmo revogação administrativa ou anulaçãojudicial.2

Um dos principais comandos normativos é a Resolução n° 237/97 doConselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA, a qual tem aplicabilidade emtodo território nacional e estabelece o modus operandi do licenciamento ambiental,onde no artigo 2.°, especialmente o seu parágrafo primeiro, insere textualmentequais os empreendimentos e atividades que estão sujeitos ao licenciamentoambiental em rol meramente enumerativo, não exaustivamente ou taxativamenteou numerus clausus, exigível desde a entrada em vigor do mencionado diplomalegal. O mesmo se diga da Resolução n.º01/86 e tantas outras.

Importante ressaltar, no entanto, que nos termos do art. 2.º, caput, partefinal, a licença ambiental não exclui “outras licenças legalmente exigíveis”,fazendo obrigatoriamente a inclusão de autorizações, permissões, concessões,etc., quando for o caso. Ainda que não houvesse esta previsão expressa é

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2 O STF, Pretório Excelso, Tribunal Constitucional ou Tribunal guardião da Constituição Federal editou a súmula 346 queinforma “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”, igualmente está autorizado o PoderJudiciário a anular os atos administrativos quando eivados de vícios que os tornem ilegítimos ou ilegais, cabendo tãosomente à administração pública esta anulação e o poder de revogar seus atos quando os entenda convenientes. A anulaçãoseja pelo Poder Judiciário ou pela Administração Pública, implica em volta ao status quo ante, ou seja, o retorno do ato aoseu nascedouro, circunstância esta em que Juarez Freitas atribuiu a referência de que por imposição sistemática do controleprincipiológico em sentido ampliado, excepcionalmente operará efeitos ex nunc, exatamente para salvaguardar a excelênciae a eficácia do sistema em seu todo, mas a regra geral é de que os efeitos são ex tunc retroagindo à produção efetiva do atoacoimado de vício intrínseco ou extrínseco.

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correto afirmar que já era presumível. Um mero requerimento de licençaambiental não pode abarcar, por exemplo, a licença de uso e ocupação do solourbano ou mesmo o alvará de licença de construção, ou o alvará defuncionamento ou o registro e autorização do Departamento Nacional deProdução Mineral para pesquisa e exploração de recursos do subsolo, etc.Conforme a hipótese, para instruir o procedimento licenciatório, deve-seacostar outros atos autorizativos do poder público, não podendo simplesmenteentender que um substitui ou mesmo engloba o outro até porque alguns delessão outorgados por entes diversos.

2. MEIO AMBIENTE

2.1 Poluição

Configurando o meio ambiente como sendo “o conjunto de condições,leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,abriga e rege a vida em todas as suas formas”, veio o legislador, igualmente acaracterizar o que seria degradação da qualidade ambiental como qualquer“alteração adversa das características do meio ambiente” e mesmo poluiçãoconfigurada como a “degradação da qualidade ambiental resultante de atividadesque direta ou indiretamente:a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estarda população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c)afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitáriasdo meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrõesambientais estabelecidos;”. É o que estabelece o art. 3.º, I, II e III da Lei dePolítica Nacional do Meio Ambiente e poderá embasar quaisquerresponsabilizações ambientais em virtude da vastidão de situações que podeabarcar no meio ambiente natural ou físico, cultural, artificial e do trabalho.

2.2 Dano civil: Material e Moral

Como foi a Lei n.º 3.071/16,3 o primeiro diploma brasileiro a darconsiderável importância para a temática ecológica, muito embora de forma

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3 Entrou em vigor em 1.01.1917 e revogou textualmente a incidência das ordenações do reino que representavam a compilaçãodas leis lusitanas que condensaram todo o corpo normativo até então vigente.

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indireta e aleatória pois simplesmente facultava ao interessado o direito de seopor a quaisquer desmandos que o prejudicassem e por via reflexa provocassedanos ao meio ambiente. Tal tratamento é decorrente de ser uma norma dedireito privado,4 mas é a partir deste marco que vimos civilmente a evoluçãodo respaldo jurídico em sua defesa e aprimoramento legislativo, inclusivecomo suporte longínquo de uma nova postura frente ao anseio preservacionistaexistente nos dias de hoje.

Esta modalidade de responsabilidade, assim, tem amparo inicial noCódigo Civil brasileiro de 1916 que se viu revogado pela Lei n.º 10.406, de 10de janeiro de 2002, e este diploma traz em seu art. 186: “Aquele que, por açãoou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causardano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Havendo, por conseguinte, incidência de conduta comissiva ou omissivano ditame exposto é passível o causador de ser responsabilizado civilmente,onde Maria Helena Diniz5 infirmou que: “O ato ilícito é praticado em desa-cordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causa danopatrimonial ou moral a outrem, criando o dever de repará-lo. Logo, produzefeito jurídico, só que este não é desejado pelo agente, mas imposto pela lei (...)A obrigação de indenizar é a conseqüência jurídica do ato ilícito (CC, arts. 927a 954), que a atualização monetária incidirá sobre essa dívida a partir da datado ilícito (Súmula 43 do STJ)”. Por seu turno, César Fiuza6 leciona que: “Atoilícito é aquele ato contrário ao Direito (...) podemos definir ato ilícito comoaquele ato antijurídico, culpável e lesivo, em virtude do qual o agente seráobrigado a ressarcir a vítima por todos os prejuízos.”

Agora, com o particular sobre o meio ambiente, Valery Mirra7 conceituadano ambiental como: “toda degradação do meio ambiente, incluindo osaspectos naturais, culturais e artificiais que permitem e condicionam a vida,visto como bem unitário imaterial coletivo e indivisível, e dos bens ambientaise seus elementos corpóreos e incorpóreos específicos que o compõem,caracterizadora da violação do direito difuso e fundamental de todos à sadiaqualidade de vida em um ambiente são e ecologicamente equilibrado.”Américo Luís Martins da Silva8 demonstra seu posicionamento relatando que

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4 Arts. 554 e 584 do Código Civil de 1916.

5 Código Civil Anotado, p. 170.

6 Direito Civil Curso Completo de acordo com o Código Civil de 2002, p. 190.

7 Ação Civil Pública e a Reparação do Dano ao Meio Ambiente, p. 89.

8 O Dano Moral e a sua Reparação Civil, p. 25.

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a responsabilidade civil representa “a existência ou não de prejuízoexperimentado pela vítima. Portanto, o dano é o principal elemento”. E, comnão menos competência, Luís Paulo Sirvinskas9 assevera que “é toda agressãocontra o meio ambiente causada por atividade econômica potencialmentepoluidora ou por ato comissivo ou omissivo praticado por qualquer pessoa”.Este dano ao meio ambiente, na visão de Paulo de Bessa Antunes10 “resulta dasupressão de todos os componentes que, isoladamente, podem seridentificados, tais como florestas, animais, ar, etc. Este conjunto de bensadquire uma particularidade jurídica que é derivada da própria integraçãoecológica de seus elementos componentes.” Annelise Steigleder11 confirmapreliminarmente e mediante um enfoque técnico ecológico que “Sempre queocorrer lesão às relações de interdependência entre os ecossistemas e a perdade qualquer das características ... haverá, sob a perspectiva da Biologia e daEcologia, lesão ao ambiente”.

Dano material, assim, vem a ser todo àquele que gera algum resultadofísico deletério para o meio ambiente e que possa ser identificado tecnicamentee valorado economicamente, sendo que o dano moraldiante de sua peculiaridade,merece apreciação subjetiva pelo órgão julgador que avalia o montante doprejuízo suportado pela coletividade frente a lesão ambiental ocorrida. A suaprevisão é no próprio art. 1.º, caput, da Lei da Ação Civil Pública.

É assim que quaisquer ofensas ao meio ambiente que gerem algumgravame pode ensejar responsabilização, seja por prática de ato ilícito ou lícito,sendo que o mesmo não se pode dizer no âmbito do direito civil, pois aatividade lícita exime o autor de responsabilidade.

Tal limitação não é compatível com o meio ambiente asseguradoconstitucionalmente como direito fundamental das presentes e futurasgerações.

3. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

A Constituição Federal de 1988 no art. 225 considerou o meio ambienteecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo, impondo ao

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9 Manual de Direito Ambiental, p. 108.

10 Direito Ambiental, p. 201.

11 Responsabilidade Civil Ambiental, p. 21 e 22.

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Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para aspresentes e futuras gerações, registrando o seu § 3.º com ênfase que “Ascondutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão osinfratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,INDEPENDENTEMENTE DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR OS DANOSCAUSADOS.” (Destaque não constante do original).

A legislação infraconstitucional é farta sobre a matéria, no que destaco aLei de Política Nacional do Meio Ambiente que em seu art. 14, caput e §1.ºinformam em relevo: “...o não-cumprimento das medidas necessárias àpreservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradaçãoda qualidade ambiental sujeitará os transgressores ...INDEPENDEN-TEMENTE DA EXISTÊNCIA DE CULPA, a indenizar ou reparar os danoscausados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.Consagrou o legislador pátrio, em termos de proteção ambiental no âmbitocivil a responsabilidade objetiva ou sem caracterização de culpa independenteda demonstração cabal do fato imputado, visando o enquadramento sob amodalidade do risco integral. A doutrina é uníssona a respeito.

Na obra Responsabilidade civil por Dano Ecológico, Sérgio Ferraz,1979, pág. 38, pioneiramente aduz que: “em termos de dano ecológico, não sepode pensar em outra colocação que não seja a do risco integral. Não se podepensar em outra malha que não seja a malha realmente bem apertada, quepossa, na primeira jogada da rede, colher todo e qualquer possível responsávelpelo prejuízo ambiental. É importante que, pelo simples fato de ter havidoomissão, já seja possível enredar agente administrativo e particulares, todosaqueles que de alguma maneira possam ser imputados ao prejuízo provocadopara a coletividade.”

Edis Milaré12 sobre o tema afirma: “Com a Carta de 1988, aresponsabilidade civil objetiva do poluidor foi constitucionalizada. Segundoesse sistema, ‘não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas aocorrência do resultado prejudicial ao homem e seu ambiente ... Neste caso,para que se possa pleitear a reparação do dano, basta que o autor demonstre onexo causal entre a conduta do réu e a lesão ao meio ambiente a ser protegido.Três, portanto, os pressupostos para que a responsabilidade emerja: a) ação ouomissão do réu; b) evento danoso; c) relação de causalidade.”

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12 In Direito do Ambiente, 2000, pág. 338.

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Com idêntico resultado, Celso Fiorillo13 insere a seguinte posição:“Tornando-se cada vez maior a insatisfação com a teoria subjetiva eevidenciada a sua incompatibilidade com o impulso desenvolvimentista denosso tempo, por via de processo hermenêutico, começou-se a buscar técnicashábeis para o desempenho de uma mais ampla cobertura para a reparação dodano. E assim surgiu a doutrina objetiva. Carbonnier pondera que ‘aresponsabilidade objetiva não importa em nenhum julgamento de valor sobreos atos do responsável. Basta que o dano se relacione materialmente com estesatos, porque aquele que exerce uma atividade deve assumir os riscos.”

Vladimir Passos,14 Desembargador Federal do Tribunal Regional Federalda 4.ª Região, leciona sobre a Carta de 1988 que “induvidosamente, manteve aresponsabilidade objetiva, uma vez que houve recepção da lei da políticanacional ambiental, que não possui nenhuma incompatibilidade com a LeiFundamental.”

Houve adequação dos fatos amplamente narrados na definição legal, oque levou Leme Machado15 a acrescentar: “Não se aprecia subjetivamente aconduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e seuambiente. A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dosdireitos de outrem, pois na realidade a emissão poluente representa umconfisco do direito de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e vivercom tranqüilidade.”

Representa o sancionamento de ordem pecuniária(reparação), comobrigação de fazer ou não fazer, acerca da ocorrência de determinado atocontrário ao interesse protegido por lei, seja de ordem patrimonial ou moral.Implica no pagamento de certa quantia em dinheiro a título de indenização pelaação ou omissão da pessoa física e/ou jurídica. Na concepção do DireitoAmbiental a responsabilidade civil decorre da conduta do agente que gera umdano ou uma probabilidade apreciável de que este ocorra.

Nesta acepção e visando resguardar o interesse coletivo ambientalexarado no Art. 225, caput, da Constituição Federal é que a responsabilidadecivil é de ordem objetiva que significa que independe da demonstração deculpa para ser imputada a responsabilidade. Ao órgão acusador é exigido tão-

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13 Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 28.

14 A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais, 2005, p. 173.

15 Direito Ambiental Brasileiro, p. 324.

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somente comprovar a ocorrência do dano, o resultado e o nexo de causalidadeentre um e outro como parte do comportamento ativo ou inativo do agente.

Ao contrário da regra geral, ainda pode-se buscar a inversão do ônus daprova16 para que o acusado demonstre que não praticou a ação ou omissãodanosa ou que o fato sequer existiu ou mesmo que não foi o seu causador.Meire Lopes Montes17 dispõe sobre a questão acrescentando a importância doesquadrinhamento do risco no sentido de que: “A responsabilidade civil étratada com particularidades no tocante ao direito ambiental, pois para os casosde dano ambiental são adotados a teoria da responsabilidade objetiva e oprincípio do poluidor-pagador, o que gera inúmeras discussões. Deve-seconsiderar, contudo, que, mesmo com as críticas que recebe, não se podedeixar de considerar a teoria da responsabilidade objetiva como uma evolução,já que uma série de novas situações criadas pela civilização moderna não foramresolvidas, entre elas muitas questões ambientais. Assim, não é a conduta ou aculpa a fonte da responsabilidade e sim o fato de haver-se criado um risco deque determinando dano se produza.”

Leane Barros Fiúza de Mello Chermont18 concluiu um artigo alusivo amatéria declarando que: “A sociedade brasileira vem enfrentando sériosproblemas de ordem ambiental, e o processo civil de responsabilização dosagentes degradadores apresenta-se como um dos instrumentos jurídicos maisimportantes no sentido de compelir os responsáveis a reparar ou indenizar osdanos causados, sobretudo porque hoje vigora a responsabilidade objetiva, queindepende da prova do elemento subjetivo da culpa.”

A importância deste tópico reflete-se claramente na distinção entreresponsabilidade civil, administrativa e penal e a correspondência com a defesado meio ambiente, sendo de se tratar inicialmente que a responsabilidadeobjetiva é aplicada na cível e administrativa (art. 2.º, §10, do Decreto n.º3.179/99 que regulamentou a Lei dos Crimes Ambientais) quanto a subjetivano campo penal.

Tem-se, por conseguinte, que responsabilidade objetiva é aquela em queo acusador (órgão público em sentido amplo para contemplar o rol de

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16 Art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil e art. 6.º, VIII, do Código do Consumidor.

17 Anais do 6.º Congresso Internacional de Direito Ambiental realizado em junho de 2002, em São Paulo, artigo intituladoResponsabilidade Civil pelo Dano Ambiental, p. 596.

18 Anais do I Congresso Estadual do Ministério Público do Pará e I Congresso Regional: Ministério Público e o Programa Piloto,p. 134, em artigo intitulado O Ministério Público e a Evolução da Responsabilidade Civil por Dano ao Meio Ambiente.

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legitimados do art. 5.º, caput, da Lei da Ação Civil Pública ou ao cidadão nostermos da ação popular – art. 5.º, LXXIIII, Lei n.º 4.717/65) necessariamentepara o fim de imputar conduta reprovável deve tão-somente provar aocorrência do ilícito ou dano ambiental ou sua mera ameaça de lesão, oresultado e, ainda, o nexo de causalidade entre a conduta (ação ou omissão e oresultado). A simples conduta por si só já é pressuposto do enquadramentosancionatório. E tem razão de ser esta responsabilidade, porque é na tutela dointeresse transindividual difuso que por sua natureza genérica merecetratamento diferenciado.

Já a responsabilidade subjetiva que se aplica no sancionamento penaldeve ser efetivamente e perfunctoriamente comprovada no curso da instruçãoprocessual ou segunda fase da persecução penal pelo órgão acusador que é oMinistério Público ou o particular, aquele nas ações penais públicascondicionadas a representação ou requisição do Ministro da Justiça ou açõespenais públicas incondicionadas ou plenas19 e estes nas ações penais privadas20

ou nas ações penais privadas subsidiárias das públicas. Mesmo sendo permitido pelo legislador que a responsabilidade civil seja

objetiva, observamos que há patente dificuldade de apreciação valorativa doquantum debeatur pelo infrator por seu comportamento que gerou um gravameambiental, vez que quando um meio ambiente é degradado, mesmo com apoiotécnico qualificado é praticamente impossível voltar-se ao status quo ante.Pode-se chegar próximo, mas infelizmente a prática do dano ambiental tende aser irreversível e por isso o problema gerado em termos de quantificação eenquadramento da indenização, da recuperação ou até da restauração merecedetida atenção. O certo a fazer, quando impossível a aproximação ao que eracom a recuperação ou mesmo com a restauração, é valorar financeiramente omeio ambiente que se houve por danificado e/ou compensar com o patrocíniode projetos ambientais, execução de recuperação de áreas degradadas noutrasáreas preferencialmente na microbacia, auxílio a unidade de conservaçãoexistente, prevenção ambiental, educação ambiental e outras hipóteses. HugoNigro Mazzilli21 comenta que: “a finalidade da lei é a preservação ou arestauração dos bens jurídicos nela objetivados, concluímos que o valor

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19 Art. 129, inciso I, da Constituição Federal, Art. 24 do Código de Processo Penal e Art. 100 do Código Penal.

20 Art. 30 do Código de Processo Penal e Art. 100 do Código Penal.

21 A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, p. 176-177.

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pecuniário da condenação em regra deverá corresponder ao custo concreto eefetivo da conservação ou recomposição dos bens lesados.”

Rodolfo de Camargo Mancuso22 ensina sobre responsabilidade por danosao meio ambiente que: “este não há de ser tomado apenas no sentidonaturalístico, mas na sua acepção contemporânea, que, segundo José Afonso daSilva, compreende três aspectos: (I) artificial (‘ constituído pelo espaço urbanoconstruído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbanofechado) e dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaçoslivres em geral; espaço urbano aberto); (II) cultural, (‘integrado pelopatrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que,embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (quetambém é cultural) pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que seimpregnou; (III) natural ou físico, “constituído pelo solo, a água, o aratmosférico, a flora, enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde sedá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destas com o ambientefísico que ocupam”. (Este último senso é o que corresponde ao art. 3.º da Lei6.938/81).”

Por tudo isto é que quaisquer ofensas(por ação ou omissão) ao direitodifuso ambiental que venha possibilitar a ocorrência de dano ensejamresponsabilização, independentemente do autor ser pessoa física ou jurídica, dedireito público ou mesmo privado e, inclusive, nas hipóteses de co-autoria;porém não inviabiliza eventual direito de regresso contra o real causador.

4. LICENCIAMENTO AMBIENTAL

4.1 Natureza jurídica da licença ambiental

Com esteio no art. 5.º, II e art. 37, caput, da Constituição Federal, vê-seque o procedimento do licenciamento ambiental, como uma cadeia de atos daadministração pública ambiental, deve se ater ao referenciado mandamento,mormente oportunizando, em caso de provável indeferimento com préviamanifestação fundamentada que o interessado venha demonstrar o contrário noresguardo da sua necessidade/interesse. Esta situação não impede, diante da

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22 Ação Civil Pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores (Lei 7.347/85 e legislaçãocomplementar), p.225.

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sistemática adotada pelo legislador constitucional, que o encerramentoadministrativo da discussão obstaculize eventual intervenção do PoderJudiciário.23

Agora, para maior segurança do sistema positivo ambiental incorporadopela Carta Magna de 1988 que foi a primeira das Constituições Federais ainserir com detalhes a temática ambiental em seu contexto,24 buscando aharmonia com a necessidade de convivência com o desenvolvimentoeconômico e social, mister se faz identificar a natureza jurídica da licençaambiental, eis que é o objeto do procedimento do licenciamento ambientalquando instaurado.

A confusão dos termos merece esclarecimento diante da concretasituação normativa que temos nas unidades da federação. Em Boa Vista,Capital do Estado de Roraima, por exemplo, o adotado é autorização25

ambiental prévia, de instalação e de operação, ainda uma autorização especial.Diversamente é o Estado de Roraima que prevê o termo licença26 ambiental.

Por isso, algumas figuras jurídicas são instadas ao estudo para melhoranálise da sistemática, quais sejam autorização e permissão (A categoria dosatos administrativos que melhor poderia enquadrar àqueles ligados a matériaambiental é a dos atos negociais)27, nomenclaturas aplicáveis e compatíveiscom o sistema em análise frente à peculiaridade dos recursos da biodiversidadeserem direta ou indiretamente afetados, mesmo porque não se poderia entenderperfunctoriamente como claro tal terminologia ainda que tendo o legisladorinfraconstitucional28 exarado a palavra “licenciamento” e que conduzindeclinavelmente ao seu fim que é a “licença”, em razão dos efeitos poderemser os mais diversos possíveis, conforme o pleito e ser a temática ambiental ocerne da questão. Então, o relevante interesse público ambiental que é deordem fundamental é o ponto de partida.

Sem receio de não aprofundar detidamente, autorização é atoadministrativo pelo qual a Administração consente que o particular exerça

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23 Art. 5.º, XXXV, da CF que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

24 Isto sem esquecer que a CF de 1967 inseriu o termo ecológico em pleno período militar.

25 Lei Municipal n.º 513/2000, art. 10, e Decreto Municipal n.º 079/2000, art. 10.

26 Lei Complementar do Estado de Roraima n.º 007/94

27 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 18.ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 492.

28 Art. 9.º, IV, e art. 10, ambos da Lei Federal n.º 6.938/81, Resoluções n.º 237/97 (Normatiza regras gerais sobre licenciamentoambiental), n.º 273/2000 (Licenciamento ambiental de Postos de comercialização, distribuição, armazenamento de produtosderivados de petróleo), n.º 299/02 (Disciplina regras sobre o licenciamento ambiental para projetos de assentamentosrurais), dentre outras do Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA.

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atividade ou utilize bem público no seu próprio interesse, porém discricionárioe precário.29 Muito semelhante ao anterior, a permissão, na lição do mesmodoutrinador, é ato discricionário e precário, no sentido de que o administradorpode sopesar critérios administrativos para expedi-la, sem direito àcontinuidade, o que leva a possibilidade de revogação sem indenização aoprejudicado.30 Licença, ao contrário, induz direito subjetivo ao interessado, sepreenchidos os requisitos exigidos pela Administração, o que pode levar a umpretenso direito a indenização quando há revogação ou até suspensão do atoadministrativo regularmente expedido.

O art. 10 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente inseriu o termolicenciamento que induz a licença que pela definição da resolução n.º 237/97do CONAMA, em seu art. 1.º, II, vem a ser licença ambiental um atoadministrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece ascondições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão serobedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar,instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dosrecursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ouaquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.

Guardadas as devidas proporções e implicações jurídicas, é certoconcluir que o nomem juris que mais se adeqüa ao presente estudo é mesmolicença, devido ao seu alcance, rigor formal e atendimento a requisitos pré-dispostos pela administração ambiental que avalia técnica e juridicamente eoutros que poderão surgir de acordo com a o tipo de atividade ouempreendimento pretendido e impacto ambiental. Embasado nesta certeza, ficauma questão no ar: Se hoje uma atividade ou empreendimento pode serlicenciado, evidentemente se o interessado preencher todas as exigências legaisem função do direito subjetivo imanente, pode tal ato administrativo serposteriormente cassado, cancelado, anulado etc. se o seu portador cumpretodas as condicionantes (determinações do órgão ambiental para expedição evalidade da licença ambiental), mas estando comprovado tecnicamente quequaisquer recursos da biodiversidade estaria sendo alterado mais do que oprevisto outrora? Fato superveniente pode influir, então, na licença ambientaljá expedida e em uso sem gerar direito a indenização?

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29 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15.ª edição, revista, ampliada e atualizada. LúmenJúris: Rio de Janeiro, 2006. p. 123.

30 Idem, p. 124.

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A seguir este raciocínio tampouco a licença seria cabível em meioambiente, pois sua extensão estaria limitada. Ocorre que é o termo que mais seaproxima do ideal, no que divirjo da nomenclatura utilizada por Adriana deOliveira Varella Molina31 que entende ser mais apropriada a licença sui generis,isto porque entendo que pode ser revista fundamentadamente a qualquer temposem direito a indenização desde que em prol do meio ambiente, isto em funçãode já encontrarmos guarida na expressão utilizada pelo legislador que é mesmoa licença ambiental, onde o ambiental qualifica a licença. Apesar desta ilação,Daniel Roberto Fink et al , exara o posicionamento de que a natureza jurídicapredominante é mesmo licença gerando um direito subjetivo do interessadoque, para seu exercício, precisa preencher alguns requisitos previstos em lei,não podendo a Administração negá-la quando satisfaz todas as exigências, noentanto fatos ou atos posteriores podem recomendar a suspensão do atoadministrativo ou mesmo eliminar seus efeitos.32

4.2 Permissibilidade degradadora condicionada

O empreendedor, ainda que cumprindo todas as exigências determinadaspelo órgão ambiental competente e recebendo a licença ambiental, não poderáamparado neste ato administrativo alterar o meio ambiente além doexpressamente autorizado. Todavia a permissibilidade da lei, no sentido de quea licença ambiental concedida pode autorizar a ocorrência da degradaçãoambiental,33 é relativa, ou seja, não basta o simples ato administrativo comnatureza jurídica de licença ambiental para que alguém possa promoveragressão ao meio ambiente, até porque não são todos os empreendimentos ouatividades que degradam ou são capazes efetivamente de causar degradação,mas existem locais em que são terminantemente vedadas a intervenção ou nomínimo dificultadas por regras constitucionais, como nas áreas indígenas emque a exploração e aproveitamento dos recursos hídricos e a pesquisa e lavra

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31 Anais do 6.º Congresso Internacional de Direito Ambiental, ocorrido em junho de 2002 em São Paulo. Artigo da lavra daadvogada Adriana de Oliveira Varella Molina intitulado Comentários sobre a Natureza Jurídica do Licenciamento Ambiental edo Ato Administrativo Originário do Licenciamento Ambiental, p. 51-66.

32 FINK, Daniel Roberto; ALONSO JR, Hamilton; e DAWALIBI, Marcelo. Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental. 2.ªedição, São Paulo: Forense Universitária, 2002. p. 10.

33 O legislador pátrio definiu o que vem a ser degradação da qualidade ambiental (art. 3.º, II, da Lei n.º 6.938/81) que englobatanto o licenciado quanto o não licenciado pelo órgão ambiental competente, sendo que somente neste caso, em tese naprimeira hipótese também pode ocorrer o sancionamento (Id est: Licença ambiental eivada de vícios), é passível deresponsabilização.

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das riquezas minerais somente é permitida com aprovação do CongressoNacional34 e nas áreas de preservação permanente instituídas pelo art. 2.º(Legal) e do art. 3.º (Ato do Poder Executivo) do Código Florestal Brasileiro(Lei n.º4.771/65), apesar da recente publicação da resolução n.º 369/06 doCONAMA que trata da intervenção e supressão de vegetação em APP terfragilizado tal instituto.

Portando uma licença ambiental não quer dizer que se pode fazer tudoao alcance do empreendedor, há uma limitação formal que é exclusivamente oato discriminado na própria licença e que não enseja quaisquer tipos deinterpretações extensivas e, por questão de lógica, não abarcaria outros atosadministrativos que poderiam ser exigidos pelos entes federados(art. 2.º, caput,in fine, da Resolução 237/97 do CONAMA). A Administração Públicaambiental por dever legal é incumbida de atestar de forma cabal e extreme dedúvidas qual atividade ou empreendimento se viu licenciado e o que ocorrespondente responsável pode ou não fazer para atender prontamente osseus dispositivos.

Outro fator que merece atenção é a licença ambiental expedida comvícios de qualquer ordem que macule a sua finalidade, como é o caso daausência de competência de quem expede o ato; não avaliação técnica doprojeto ambiental exigido, o que não poderia sequer cogitar na expedição doato mas em alguns casos ocorre por questões políticas ou pessoais; aindaanálise parcial do projeto ambiental por insuficiência de técnicos habilitadosno órgão ambiental; procedimento licenciatório no qual não fora exigidoqualquer projeto ambiental imprescindível; avaliação do cerne do projetoambiental e objeto do pedido equivocado ou mesmo sem a profundidadeexigida para o caso concreto; alteração posterior do posicionamento técnicofrente ao interesse ambiental pleiteado que demande renova apreciação oumesmo cassação do ato concessório, dentre outras.

É por estas razões que a licença ambiental não pode aprovar tudo ou serconsiderada válida por tempo indeterminado, eis que é possível a qualquertempo a sua revisão, suspensão ou mesmo o cancelamento.

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34 Art. 49, inciso XVI, da Constituição Federal.

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5. SUPERVENIÊNCIA DE DANOS AMBIENTAIS NÃO PREVISTOS,INEVITÁVEIS OU MESMO MITIGÁVEIS PARA ATIVIDADESLICENCIADAS PELO PODER PÚBLICO AMBIENTAL

Ainda que legal, o que não vem a ser o caso, as atividades desenvolvidassob o crivo do Poder Público Estadual poderiam ser passíveis deresponsabilização, pois o Direito brasileiro não exige tipicidade (subsunção dofato a norma cogente) para imposição de sua potestas em matéria deresponsabilização cível; pois o direito de consentir na agressão dolosa ouculposa ou por mero ato ao meio ambiente (bem de uso comum do povo. Art.225 CF) através do controle exercido pelos seus órgãos em tese habilitados,capacitados e competentes. “Na ação civil pública ambiental não se discute,necessariamente, a legalidade do ato. É a potencialidade de dano que o atopossa trazer aos bens ambientais que servirá de fundamento da sentença.”35

Desta forma, mesmo com o pretexto de estar desempenhando um papelsocial, de caráter público ou visando tutelar o interesse coletivo, ou atéamparando-se numa licença ambiental (o que poderia presumir-se a licitude daatividade, mas não vem a ser o caso) poderá o empreendedor particular oupúblico ser prontamente responsabilizado em matéria ambiental cível.

Um dos princípios que norteiam a responsabilidade civil objetiva é o daeqüidade, existente desde o Direito Romano que caracteriza-se com a seguinteafirmação que pego emprestado do jurista Edis Milaré “aquele que lucra comuma atividade deve responder pelo risco ou pelas desvantagens delaresultantes.” ou também o provérbio “Propter privatorum commodum nondebet communis utilitas praeiudicari. No vernáculo: a utilidade dos particularesnão pode prejudicar a utilidade comum”, o que leva a crer a indiferença diantedo caso fortuito, força maior e fato de terceiro como excludentes da culpaobjetiva, segundo a doutrina. Leme Machado36 fala sobre o tema daresponsabilidade objetiva ambiental: “significa que quem danificar o ambientetem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação.Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de reparar ... Alicença ambiental não libera o empreendedor licenciado de seu dever de repararo dano ambiental. Essa licença, se integralmente regular, retira o caráter deilicitude administrativa do ato, mas não afasta a responsabilidade civil de

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35 Edis Milaré, ob. cit. p. 339.

36 Direito Ambiental brasileiro, 9.ª ed., 2001, p. 324.

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reparar. A ausência de ilicitude administrativa irá impedir a AdministraçãoPública de sancionar o prejuízo ambiental; mas nem por isso haveráirresponsabilidade civil.”

São por estas ilações que mesmo tendo o empreendimento cumprido asnormas e condicionantes exigidas e atendendo aos padrões de emissãoprevistos é correto infirmar que poderá haver responsabilização civil ambientalse houver prejuízos ou danos imprevisíveis, previsíveis ou até os mitigatórios,podendo no máximo gerar direito de regresso.

Na apresentação e discussão da natureza jurídica da licença ambientalfora exposto questionamento e resposta que se amolda ao presente tópico.

6. COLISÃO DOS INTERESSES AMBIENTAL, ECONÔMICO ESOCIAL

6.1 Desenvolvimento sustentável

A busca do desenvolvimento sustentável, trabalhado desde aConferência de Estocolmo realizada no período de 5 a 16 de junho de 1972com sua origem no ecodesenvolvimento de Maurice Strong e posteriormentecom Ignacy Sachs, se viu sacramentado pelo relatório Brundtland,37 muitoembora seja de comum senso entre todos e inclusive tema de discurso abertode políticos quase sempre da boca para fora, é algo a ser concretizadodiariamente por todos, coletividade e poder público, como determina a própriaConstituição Federal no capítulo que trata do meio ambiente quanto da ocasiãoem que se refere a ordem econômica e social.

Para isso, uma das principais medidas é a gestão ambiental nos moldespreconizados pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente desde 1981 (nãoexplicitamente) que corresponde a primeiramente conhecer os recursosambientais38 disponíveis e administrá-los adequada e sustentavelmente emtermos que possibilite o entrelaçamento harmônico das necessidades

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37 A Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento-CMMAD em 1987, presidida pela 1.ª Ministra da NoruegaGro Arlem Brundtland, concluiu o relatório denominado “Nosso Futuro Comum” entendendo que “desenvolvimentossustentáveis significa atender às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atendersuas próprias necessidades” com implicações diretas no direito intergeracional.

38 O art. 3.º, V, da Lei n.º 6.938/81, com redação dada pela Lei n.º 7.804, de 18.07.89, consigna o que entende por recursosambientais como sendo a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, osubsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

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econômicas com observância indeclinável do elemento social presente efuturo.

Imprescindível é, para que tal premissa tenha aplicabilidade, a interação,envolvimento e participação tanto do setor público quanto do privado eindiscutivelmente da sociedade, no planejamento e execução das políticaspúblicas, mormente àquelas que afetem direta ou indiretamente o meioambiente.39

É assim que poderemos sacramentar um meio ambiente mais preservadoou que se viu recuperado para ser usufruído racionalmente por todos,observando-se que quem agradecerá tais medidas é a flora, a fauna aquática eterrestre, os recursos hídricos, qual seja em resumo a biodiversidade,incluindo-se aí o próprio ser humano da atualidade e o do amanhã das futurasgerações, passando a entender que não é só uma questão de luxo ou merodeleite, mas sim representativo da própria sobrevivência das espécies.

Devemos, por conseguinte, ater-se às correções das deficiênciasnormativas e governamentais existentes e buscar dar aplicabilidade àquelasque certeiramente defendem o ambiente sob a ótica eminentemente jurídica epreferencialmente preventiva. Tais componentes somados a conscientizaçãopública por intermédio da educação ambiental formal e informal podeproporcionar para as gerações vindouras algo melhor do que realmenteencontramos.

Texto da mais elevada representatividade e que se aplica como uma luvaao vertente estudo é seguinte:40 “No passado a lenda sobre o Eldorado moveua alma e a ambição de exploradores. Nessa busca muitos entregaram suas vidase suas riquezas. Hoje, o ouro que atrai não é mais amarelo, mas verde. Ouroverde das florestas brasileiras, com sua prodigiosa variedade de plantas, flores,insetos e animais. A biodiversidade brasileira corresponde a 40% do totalmundial. Uma reserva que outros países já consumiram, mas que aqui aindaestá preservada. É esta riqueza que temos de preservar e aprender a utilizar comconsciência ambiental e com responsabilidade social.”

O significado da importância do meio ambiente conduz aoestabelecimento de uma ilação de que vem a ser uma verdadeira poupança para

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39 O termo meio confunde-se com o ambiente, sendo pois sinônimos e redundantes, conquanto é o que vem sendohodiernamente utilizado desde a Lei n.º 6.938/81 que trata de seus aspectos relevantes e, inclusive, a definição. O legisladorconstitucional, por seu turno, fez constar no texto da Carta Magna o meio ambiente e como lei maior do País que rege todoo seu ordenamento é o termo que deve prevalecer.

40 Texto publicado no site http://www.brasil.gov.br/temas.htm.

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as futuras gerações, principalmente tomando como base a biodiversidadeexistente. Estas são razões de ordem humanitária e natural que atestamsobremaneira a relevância da manutenção da vida sob todos os seus aspectos ea sua intercorrespondência.

Vital, por estes apontamentos, a necessidade de atuação conjunta(coletividade e poder público) para a sua tutela, sendo que um dos meios hábeisde se alcançar uma solução satisfatória é o próprio licenciamento ambientalcomo instrumento preventivo, o qual se fosse realmente cumprido, observado,atendido, técnica e juridicamente, acompanhado efetivamente em todas as suasfases poder-se-ia hipoteticamente ver na prática chegar o mais próximo dopretendido desenvolvimento sustentável com a adequada gestão dos recursosambientais, apesar de que tal expressão está ainda em construção e não existeum modelo, padrão ou fórmula mágica que pudesse atender a qualquerrealidade local, regional, nacional ou internacional devido às inúmerasrealidades e problemáticas.

Predominância do interesse fundamental e Princípio da RazoabilidadeObservamos no tópico do desenvolvimento sustentável que é forçoso

haver harmonização entre os seus elementos componentes, quais sejam meioambiente, economia e sociedade. Ocorre que é inevitável os conflitos, com umsubjugando ou pretendendo subjugar o outro ou os outros e, no tema do artigo,poderia se falar que é o meio ambiente o algoz da atividade econômica lícita e“em dia com suas obrigações”, inclusive com prejuízos à sociedade em funçãoda expectativa do desemprego, do não incremento ou sua diminuição naeconomia local, etc. Ainda, como fato agregador da mencionada complexidadecita-se a insegurança jurídica gerada para o segmento que fomenta a economia,desde o local, passando pela regional e nacional e visualizando a internacional,devido a condição “natural” do mercado proporcionar uma considerável emomentânea segurança perceptível.

A teorização do desenvolvimento sustentável é algo que não encontrafacilmente resposta na prática do dia-a-dia, destacadamente no Brasil, pelosinteresses em jogo serem por demais importantes, complexos e às vezes dedifícil conciliação. Inobstante esta conclusão, deve-se envidar esforços de todaordem(Poder público, atividade econômica e sociedade, como os principaisatores) para, sopesando que pretendemos hoje e no futuro, podermos mudar oanunciado quadro dramático. Necessário é a mudança de paradigma dos atorese suas concepções para intentarmos preservar e mesmo utilizar sustenta-velmente os recursos ambientais de forma que o desenvolvimento econômico

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seja uma realidade que paralelamente viabilize a tão almejada inclusão dosmenos favorecidos e garanta a diminuição das desigualdades sociais.

Posto isto, é válido destoar o meio ambiente como direito de quartageração,41 essencial à sadia qualidade de vida, às interações dos diversosorganismos vivos e ao equilíbrio ecológico, onde toda sorte de interpretaçõesfrente a este direito fundamental que não é só do empreendedor mas de toda acoletividade presente e futura(direito intergeracional) deve ser in dubio proambiente ou in dubio standum est pro ambiente, evidentemente que não a ferroe fogo. Conquanto, não podendo ser radical(José Rubens Morato Leite, emexposição no 11.º Congresso dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola nodia 07.06.2006 e, também, Nicolao Dino de Castro e Costa Neto: “Ponderaçãode interesses”, no 11.º Congresso Brasileiro de Direito Ambiental: Biodiver-sidade e Direito, no dia 08.06.2006. Estes eventos fizeram parte do 10.ºCongresso Internacional de Direito Ambiental realizado no período de 5 a 9 dejunho de 2006, na cidade de São Paulo-SP, promovido pelo Instituto o Direitopor um Planeta Verde). Esta é a premissa maior tanto que no provável conflitode interesses em jogo(particular x meio ambiente, Administração x meioambiente, sociedade x meio ambiente), com esteio na própria conjunturaconstitucional quem pode prevalecer é o macro interesse ambiental.

Para conquistarmos o ideal, preciso é abalizarmos todos os critérios einteresses e, ainda, todos os possíveis reflexos para, ao final, sentenciarmoscom razoabilidade e proporcionalidade, o que permitirá chegarmos num futuropróximo como uma sociedade enganjada, consciente e ativa na consecução dosseus legítimos anseios.

A tarefa, entretanto, não é das mais fáceis.

7. ATUAÇÃO ESTATAL NA POLÍTICA AMBIENTAL E CONTROLESOCIAL

O poder-dever de elaborar, discutir, aprovar e executar políticas públicasvoltadas para o meio ambiente é do Estado (União, Estados, Distrito Federal e/ouMunicípios – art. 1.º, art. 18, art. 23, VI e VII, 24, VII e VIII, art. 30, I e II, da CF)com respaldo na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/81),

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41 MORATO LEITE, José Rubens. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais,2000.

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seja cumprindo seus objetivos (arts. 2.º e 4.º) e diretrizes (art. 5.º), seja tomandocomo base os seus princípios (art. 2.º) e instrumentos (art. 9.º). Exerce, porobrigação constitucional e infraconstitucional, a incumbência de promover agestão ambiental no Brasil, seja normatizando, executando, aplicando efiscalizando, todavia não se pode deixar em segundo plano que o tema é bastantegenérico(gestão ambiental nas empresas, nas instituições públicas, dentro daprópria residência, etc.) que deve haver a participação da coletividade que,outrossim, tem o dever de defender e preservar (Art. 225, caput, da CF).

Apesar do registro legal, ocorre em todo o país situações quecaracterizam ser alguns entes governamentais ambientais ativos, operantes eefetivos e em contrapartida outros inativos, omissos, prevaricadores e/ouabusivos que são passíveis de sancionamento; só que é preventivamente que acorreta gestão ambiental age com mais profundidade e transparece osresultados mais nítidos. Um dos principais momentos em que esta gestão podeocorrer é no procedimento licenciatório.

Da teoria para a prática a história não é a mesma e desmandos ocorrem,principalmente quando existem conflitos entre a pretensão econômica(públicaou privada) e o meio ambiente, onde com certeza o segundo é preterido em proldo primeiro, levando ao entendimento de que o interesse público ambiental, agrosso modo, deveria estar inserido, como o organismo comensal, no interessepolítico dos Chefes dos Executivos, a quem cabe gerir a máquinaadministrativa no anseio da população que incondicionalmente deve cobrar talpostura e ação.

Precisamos sim de um amadurecimento em termos de meio ambiente,seja da coletividade42 seja Poder Público, mormente o pertencente ao contextodos biomas brasileiros riquíssimos em biodiversidade como a FlorestaAmazônica (alvo geral do interesse nacional privado - novas fronteiras einternacional) e fazer cumprir o que já vem consagrado desde 1988 que é aobrigação de todos de tutelar este interesse como bem de uso comum eessencial a sadia qualidade de vida. Se todos são os destinatários da normaconstitucional e em sendo o meio ambiente um patrimônio coletivo cadapessoa teria de cumprir sua obrigação no zelo e resguardo de seu bem, o quese concretizado e em nível de sociedade poderia representar muito.

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42 ANTUNES, ob. cit., aborda a evolução da participação da sociedade com resposta na mudança de padrões de comportamentoe enfrentamento da questão ambiental.

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Deveria, assim, a gestão do meio ambiente ser conciliada com a própriaeducação ambiental, uma das mais relevantes premissas inseridas no textoconstitucional e consagrada no princípio 19 da Conferência de Estocolmo,cujos resultados poderiam ser melhor aproveitados não só para o administradorcomo para a população em geral, destacando-se as crianças e adolescentescontribuirão sobremaneira para a busca e aplicação de uma mais justa políticapública ambiental.

Quando é que no âmbito do poder executivo se falou em gestãoambiental, esta tida nos moldes preconizados pelo sistema nacional do meioambiente? Ou em gestão ambiental participativa? E mesmo falando, quem éque buscou intencionalmente e formalmente aplicar? E, ainda, que aplicando,quem enfrenta todos os problemas existentes e consegue solucioná-los (Faltade recursos, pessoal, compromissos políticos, etc.)? Agora, uma coisa é certa,quem poderia dar, e mesmo cobrar, o bom exemplo que é o Poder Público, leia-se Executivo, faz na maioria das vezes o contrário com argumentos falíveis efalaciosos ligados a pseudodesenvolvimentos sócio-econômicos43 ousimplesmente deixa de justificar uma omissão que, por sua natureza erepercussão, poderia ser tão ou mais grave com resultados deletérios para omeio ambiente que o próprio comportamento ativo.

Talvez a solução seria mesmo a conscientização pública para oproblema, porém pela condução da máquina paternalista a população entendidaindividualmente por seus membros está preocupada em sua grande maioria ouquase totalidade com o próprio umbigo e considera como problema (leia-seresponsabilidade) do Estado (sentido genérico) dar uma solução. Contudo, seesperar pela atuação espontânea do dirigente político e sua conscientização ocerto é que teremos mais incertezas do que antes, além do mais osancionamento por si só não basta ou é o remédio para todos os males.

Uma coisa é certa neste drama: é preciso mudar e porque não partindoda sociedade organizada que é a destinatária de quase totalidade das ações edesmandos governamentais e, ao final, é quem paga a conta?

É, por estes motivos, com a soma destas parcelas de responsabilidadeindividual de todos os cidadãos e com destaque para os organizados quepoderíamos de fato e de direito velar pelo meio ambiente, apesar de existir uma

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43 O princípio 8 da Conferência de Estocolmo de 1972 registra que “O desenvolvimento econômico e social é indispensávelpara assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e para criar na terra as condições necessárias de melhoriada qualidade de vida.”

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quantidade vasta de leis e atos normativos federais, estaduais e municipais quedelimitam e obrigam a preservação ambiental e até possibilitam a ocorrênciada conservação ambiental.

Verificamos seguramente que do plano formal para a realidade há umalacuna que não é preenchida e que representa o cerne da questão: Não basta sóa lei para que seja freado ou minimizado o processo exploratório crescentesobre os recursos naturais em função da ação predatória ilimitada do homemou que o meio ambiente seja observado, respeitado e protegido, sendo cada vezmais urgente que haja participação popular para reverter este quadro (Seja pormeio de audiências e consultas públicas, reclamando, agindo individualmenteou por entidades não governamentais, seja acompanhando o rito dentro doórgão ambiental ou discutindo políticas públicas etc.).

Cito o insuperável Ihering que no final do século XIX preconizou: “...oamor que um povo dedica ao seu direito e a energia despendida na sua defesasão determinados pela intensidade do esforço e do trabalho que ele lhecustou”.44

Precisamos, assim, repensar a ideal gestão ambiental que não virialimitar ou cercear o necessário desenvolvimento de uma nação e simassimilarmos que é possível compatibilizar e até viabilizar economicamentealgum interesse por intermédio de exploração/intervenção sustentável.

CONCLUSÃO

Perpassando por estes apontamentos, vê-se com singular clareza que asquestões ambientais interessam sobremaneira à coletividade, sendo derelevante importância para as gerações presentes e futuras, incumbindo aoPoder Público sua defesa e preservação (art. 225 da CF). Os interessesparticulares ou dos entes da Administração Indireta ou até Direta, movidos porambições imediatas e até mediatas, normalmente desconsideram a preservaçãodo meio ambiente e, para evitar a conspurcação irremediável, deve o PoderPúblico acompanhado de perto pela sociedade velar por sua preservação,autorizando e monitorando as ações que possam ensejar a ruptura do sistema efazer cessar atividade que cotidianamente possa por em risco(ou mesmoameaçar) este bem de uso comum do povo.

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44 IHERING, Rudolf von.

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Sobrelevam com extrema urgência as atividades do agente público queopera com as questões ambientais, o qual deve se pautar pelos princípios dalegalidade e impessoalidade, cumprindo rigorosamente as determinaçõeslegais e regulamentares para impedir qualquer dano ambiental, ainda que secircunscreva a simples descompasso de ordem burocrática sempre tendo emmira os interesses da coletividade.

Para tanto, necessário é incorporar tais premissas que são emanadas dovigente modelo constitucional e agir de molde a contribuir para uma melhorgestão dos recursos ambientais em busca do desenvolvimento sustentável.

Lançando mão destes argumentos que estão respaldados no interessepúblico que, por seu turno, impõe-se levar em conta que o tratamentodiferenciado para o meio ambiente é conditio sine qua non a própriasobrevivência de todas as espécies, circunstância em que mesmo asatividades/empreendimentos devidamente licenciados e autorizados pelo poderpúblico podem ser passíveis de responsabilização civil quando conjectural-mente um dano ambiental venha a ocorrer, ainda que imprevisível.

Hipóteses como esta incondicionalmente obrigam o ente governamental,via de seus agentes, a atuar coercitivamente para que o ilícito seja o mais brevepossível removido, mitigado, cessado e restaurado o recurso ambiental lesado,acrescendo-se a título de complementação que os atos administrativosexpedidos legalmente podem merecem a correspondente revogação ou até asuspensão, o que certamente permitirá resguardar o interesse públicoambiental.

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MEIO AMBIENTE E OBEM JURÍDICO PROTEGIDO

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* Doutorando em Direito Internacional pela Facultat de Derecho de la Universitat de València (Espanha).

Resumo: Este artigo trata da evoluçãohistórica da tutela jurídica do meio ambiente,caracterizado como bem jurídico protegido.Demonstra inicialmente a tutela penal do meioambiente, assim como a evolução da noção debem jurídico. Analisa o posicionamento deautores clássicos sobre a temática. Verifica oconceito de bem jurídico protegido e suanatureza jurídica constitucional.

Palavras-chave: Meio ambiente; Bem jurí-dico protegido; Histórico da tutela ambiental.

Abstract: This article deals with the historicalevolution of legal custody of the environment,characterized as legally protected interest. Itinitially demonstrates the penal custody of theenvironment, as well as the evolution of thenotion of legally protected interest. It analyzeswhere the classic authors stand on the thematic.It verifies the concept of legally protectedinterest and its constitutional legal nature.

Key-words: Environment; legally protectedinterest; Environmental custody historical.

Bruno Manoel Viana de Araújo *

Sumário: 1. Breve resenha histórica do bem jurídico protegido e sua conceituação; 2. Meioambiente como bem jurídico protegido; 3. Referências.

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1. BREVE RESENHA HISTÓRICA DO BEM JURÍDICO PROTEGIDOE SUA CONCEITUAÇÃO

Inquestionavelmente o Direito Penal é a potestad punitiva do Estado, o“ius puniendi” que se fundamenta da existência de um conglomerado denormas, que ao estar em conexão com a realidade social propiciam que o bemjurídico assuma uma importância transcendental na reconstrução do tipo doinjusto.

O Direito Penal contemporâneo se preocupa por determinar que sódevem ser reprimidos penalmente aqueles atos que põem em perigo oulesionam bens que sejam fundamentais para a vida comum. A norma jurídicapenal deve se fundamentar sobre um juízo de valor positivo a respeito de taisbens vitais. Tal conceito surgiu em virtude da tradicional teoria queconsiderava a infração como um ataque contra os direitos subjetivos1 da pessoae cuja base era a teoria do contrato social, ou seja, onde o homem delegavapoder ao Estado a fim de garantir sua liberdade, e esse mesmo Estado seencarregava de impor regras e barreiras aos próprios cidadãos.

Resulta significativo assinalar que ao largo da historia do Direito Penalsempre teve importância o bem jurídico, principalmente a partir do séculoXIX,2 com o reconhecimento das necessidades do fortalecimento por parte dadoutrina penal do instituto do bem jurídico penal, dotando de maior força deproteção à liberdade individual para fazer frente e por limite ao poder punitivodo Estado.

A princípios do século XIX se verificou a noção do bem jurídico, ondeatravés de FEUERBACH,3 o Direito Penal buscou um conceito de delito quese conformava de elementos não só estritamente formais, se não de elementosdistintos daqueles constituídos por pensadores tecnocratas e de relevanteinfluencia absolutista. Para este autor, os preceitos penais protegiam um direitosubjetivo,4 passando posteriormente tal pensamento a ser merecedor de severascríticas por aqueles que não postulavam com a concepção de lesão ao direito

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1 “El bien jurídico ha sido históricamente entendido como derecho subjetivo. No obstante se trata de conceptos distintos”.Vide: COBO DEL ROSAL, Manuel; VIVES ANTÓN, Tomás S. Derecho penal parte general. 5.ª ed. Tirant lo Blanch. Valência.1999. p. 317.

2 CARNEIRO COELHO, Yuri. Bem jurídico-penal. Mandamentos. Belo Horizonte. 2003. p. 25.

3 Paul Johann Anselm Von Feuerbach (1775-1833), jurista e filósofo alemão nasceu em Hainichen, doutorando-se emFilosofia.

4 Neste sentido: BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Aranzadi. 2.ª ed. 2002. p. 178.

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subjetivo, como forma de instrumento eficaz para garantir a liberdadeindividual, e “puesto que la conservación de los derechos es el objetivo generalde las leyes penales, serán objeto de sus conminaciones protectoras tanto losderechos de los súbditos, como también los derechos correspondientes alEstado (como persona moral)”.5

A pesar da teoria da lesão aos direitos subjetivos, que se originou pelabusca de um substrato material, não se podia inserir no conceito de direitosubjetivo toda noção de bem jurídico.6 “O que rompe a liberdade garantida pelocontrato social e assegurada mediante leis penais, comete um crime. Portanto,crime é, no mais amplo sentido, uma injuria contida em uma lei penal, ou umaação contraria ao direito do outro, culminada em uma lei penal. As injúriastambém são possíveis fora do Estado, más os crimes são dentro do Estado”.7

Ademais, FEUBERBACH, não pode contemplar a existência de benscoletivos o supraindividuais, porque na sua época a proteção do Estado secentrava exclusivamente no individuo.

Grande parte dos autores confirma que a origem da noção de bemjurídico se deve a BIRNBAUM (1834),8 como substituição ao conceito dedireito subjetivo, onde assegurava que os bens jurídicos se situam mais alémdo próprio direito e do Estado, originando seu conteúdo na própria realidade eno contexto social. Este autor sinalou a distinção existente entre a lesão dodireito e a lesão do bem.9

O autor pretendia limitar o âmbito de incidência das normas penais,introduzindo um novo conceito de delito que produzira a ruptura entre as idéiasdo iluminismo.10 Ademais, BIRNBAUM conseguiu implantar uma novaconceituação de crime, ao considerá-lo como uma violação de bens jurídicos.Por outro lado, esse mesmo autor não obteve êxito com a tentativa de promoveruma ruptura completa com as idéias procedentes do iluminismo.

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5 VON FEUERBACH, Paul Johann Anselm Ritter. Tratado de derecho penal común vigente en Alemania. Título original emalemão: Lehrbuch des gemeinen in deutschland gültigen peinlichen rechts. (1801). Tradução ao castelhano da 14.ª ed. alemã(Huyesen. 1847). Tradução efetuada por ZAFFARONI, Eugenio Raúl. e HAGEMEIER, Irma. Buenos Aires. 1989. p. 65.

6 CARNEIRO COELHO, Yuri. Bem jurídico-penal. Ob. cit. p. 38.

7 VON FEUERBACH, Paul Johann Anselm Ritter. Tratado de derecho penal común vigente en alemania. Ob cit. p. 64. Traduçãodo autor.

8 MIR PUIG, Santiago. Introducción a las bases del derecho penal. Colección Maestros del Derecho Penal. n.º 5. 2.ª ed. B deF. Montevideo. 2002. p. 112 e ss.

9 QUINTERO OLIVARES, Gonzalo; MORALES PRATS, Fermín; PRATS CANUTS, J. Miguel. Manual de derecho penal – partegeneral. 2.ª ed. Aranzadi. Navarra. 2000. p. 279.

10 O iluminismo foi responsável pela inserção no âmbito do direito penal da idéia do objeto jurídico do delito, onde a tutelapenal deveria ser utilizada somente naqueles comportamentos que violassem determinados bens ou valores.

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Seguindo os passos da evolução da teoria do bem jurídico, chegamos aBINDING,11 que se caracteriza por um positivismo legalista.12 O critériodefinido por este autor em sua teoria13 é a existência de parâmetros de limitaçãomaterial ao poder do Estado, no âmbito do processo de penalização. Os bensjurídicos são criações do legislador e o delito é a lesão ao direito de mandar doEstado, e, por essa liberdade do legislador, este é livre de eleger qualquer bemjurídico como objeto de proteção penal.14

De igual forma, é bem sabido que foi BINDING o responsável peloestabelecimento de um conceito funcional de liberdade no âmbito jurídico-penal em relação a certas figuras delitivas (coações e ameaças, detençõesilegais, fundamentalmente), utilizando o conteúdo do término para designar oobjetivo de ataque em cada um dos delitos considerados. O autor estabeleceuma relação entre liberdade e vontade, de tal forma que a lesão desta, em certosestados, supõe a limitação daquela”.15

Posteriormente, FRANZ VON LISZT, apresenta um distanciamento dateoria de Binding, ao dividir o bem jurídico em duas categorias, os bensjurídicos individuais e os supraindividuais, enquanto que Binding concebia quetodos os bens jurídicos possuíam caráter individual.

Para VON LISZT, o bem jurídico desenvolverá toda sua capacidade delimite ao legislador, representando uma realidade válida em si mesmo, é mais,o bem jurídico não é casualmente um conceito “limite” da lógica jurídica,16

como uma dimensão material do injusto penal. O legislador somente teria quereconhecer os interesses da comunidade merecedora de tutela, sem ter queindicar quais eram ditos interesses, até porque a norma não fere o bem jurídico,mas sim o reconhece. Assim, entende-se como o conceito que se espiritualizae se concebe como um valor ideal da ordem social juridicamente protegida

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11 É atribuído a Binding, em sua obra, Die normen und ihre Übertretung, a elaboração do conceito de culpabilidade em seusentido moderno. Vide MIR PUIG, Santiago. Bien jurídico y bien jurídico penal como límites del ius puniendi. In: EstudiosPenales. Universidad de Santiago de Compostela. Santiago de Compostela. 1977. pág. 206.

12 GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. Série as Ciências Criminais no Século XXI. Vol. 5. Revista dosTribunais. São Paulo. 2002. pág. 76.

13 RODRIGUEZ DEVESA, Jose Maria e SERRANO GOMEZ, Alfonso. Derecho penal español – parte general. 18ª ed. Dykinson.Madrid. 1995. pp. 94 e ss.

14 MALO CAMACHO, Gustavo. Derecho penal mexicano. Porrúa. Tlalpan. 1997. pág. 284.

15 BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. El bien jurídico protegido en el delito de allanamiento de morada. In: Estudios jurídicos – enmemoria del Profesor José Ramón Casabó Ruiz. 1º Vol. Instituto de Criminología. Universitat de València. Valência. 1997.pág. 239. (tradução do autor).

16 GONZÁLEZ RUS, Juan José. Bien jurídico y constitución – bases para una teoría. Fundação Juan March. Madrid. 1983. pág.15.

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(atribuível tanto ao particular como à coletividade). Deste modo, os bensjurídicos (vida, patrimônio, liberdade, honra, etc), não são objetos apreensíveisno mundo da realidade material, mas sim valores ideais da ordem social.17

Merece destaque a análise da conceituação relativa proporcionada pelageração neokantiana de penalistas, que criaram um conceito de bem jurídicológico e formal, que pode ser expressado como a forma “fim dos preceitossingulares”. Trataram de identificar o interesse a proteger como a “ratio legis”da norma, abandona-se qualquer função crítica do bem jurídico e seproporcionou às teses fenomenologistas e neoidealistas as bases de umprograma de que a realização dos tipos objetivos tinham um caráter secundáriofrente à obrigação como dever do cidadão ante o Estado.18

Existem, também, registros históricos de ataque ao bem jurídico. Estesataques foram iniciados pela denominada “Escola Positiva”, e posteriormentese mantiveram na primeira metade do Século XX.19 Referidos ataques foramregistrados sempre nos períodos de acentuados autoritarismos, e um claroexemplo é a “Escola de Kiel”,20 onde se intentou a supressão do conceito debem jurídico, buscando a substituição pelo conceito de lesão ao dever frente aosano sentimento e espírito da comunidade. Desta forma, vislumbra-se umflagrante conteúdo autoritarista e fascista, onde seus seguidores,21 “rechaçaramno primeiro momento de maneira frontal o dogma do bem jurídico, porincompatível com os postulados do Estado totalitário, para admitir-lhes depoisquando foi submetido e perdido o caráter liberal e aparece convertido numinstrumento político-criminal inócuo”.22

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17 FRIAS CABALLER, Jorge; CODINO, Diego e CODINO, Rodrigo. Teoría del delito. Hammurabi. Buenos Aires. 1993. p. 184.

18 PORTILLA CONTRERAS, Guillermo. Principio de intervención mínima y bienes jurídicos colectivos. In: Cuadernos de PolíticaCriminal. Instituto Universitario de Criminología de la Universidad Complutense de Madrid. nº 39. Edersa. Madrid. 1989. p.725.

19 GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. Ob cit.. p. 78. Este autor aponta que esta escola passou aconceber o delito, não violação a um direito subjetivo, como seria o bem jurídico a vida, mas como sintonia da perigosidadeindividual.

20 VIVES ANTÓN, Tomás e COBO DEL ROSAL, Manuel. Derecho penal – parte general. 5.ª edición. Tirant lo Blanch. Valencia.1999. p. 324, citando Quintero Ripolles, denominam os seguidores desta escola de “os juristas nazistas de Kiel”.

21 Seus principias representantes foram Shaffstein e Dahm. Sobre a teoria de Shaffstein vide: POLAINO NAVARRETE, Miguel. Elbien jurídico en el derecho penal. In Anales de la Universidad Hispalense. Serie Derecho. nº 19. Publicações de la Universidadde Sevilla. Sevilla. 1974. p. 165 e ss. E sobre a teoría de Dahm, POLAINO NAVARRETE, Miguel. El bien jurídico en el derechopenal. Ob. cit. p. 171 e ss.

22 GONZÁLEZ RUS, Juan José. Bien jurídico y constitución – bases para una teoría. Ob cit. p. 18. (Tradução do autor).

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A partir da Segunda Guerra Mundial, o bem jurídico recupera seu caráterimprescindível a dogmática penal, no momento em que surgem asconceituações funcionalistas e sistêmicas.

Atualmente, grande parte das correntes doutrinais entende que oobjetivo do Direito Penal é a proteção do bem jurídico, ou seja, a proteção dointeresse social, individual ou coletivo, que tenha o reconhecimento e proteçãode interesse social, individual ou coletivo, que tenha o reconhecimento eproteção do Estado, através da lei penal.

Para o doutrinador espanhol MIR PUIG a conceituação do bem jurídicodivide-se em dois sentidos: a) em sentido político-criminal (lege ferenda), ondeé o único que merece de proteção pelo Direito Penal, principalmente emcontraposição aos valores somente morais; b) em sentido dogmático (legedata), de objetivo efetivamente protegido pela norma penal vunerada de que setrate, com a afirmação de que interessa o sentido dogmático do bem jurídico,como objeto de tutela jurídica.23

Seja no passado ou no Século XXI, a discussão em torno ao desejo deuns por obter a legitimação externa do Direito Penal e de outros por consagrara produção do Direito positivo, continuará.24 Dito isto, é imprescindívelobservar que o bem jurídico protegido tem sido a recente história do DireitoPenal, possuidor de um progressivo enriquecimento de conteúdos, sempreacompanhado de uma contínua ampliação dos efeitos em que se concretamaterialmente a lesão do mencionado bem jurídico. A transcendenteimportância da correta delimitação do bem jurídico nas classes de delitos,resulta da teoria do delito e pela vigência no Direito Penal contemporâneo doprincípio de exclusiva proteção de bens jurídicos.25

2. MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO PROTEGIDO

O conceito de bem jurídico protegido é dotado de um princípioimprescindível de fundamentação e análise do exercício do poder punitivo por

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23 MIG PUIG, Santiago. Derecho penal, parte general. Editorial Reppertor. 6.ª ed. Barcelona. 2001.

24 ZULGALDÍA ESPINAR, José M; PÉREZ ALONSO, Esteban J. e otros. Derecho penal – parte general, Tirant lo Blanch. Valencia.2002. p. 48.

25 MARTÍNEZ ARRIETA, Andrés. Blanqueo de capitales. la Criminalidad organizada. aspectos sustantivos, procesales y orgánicos.In: Cuadernos de Derecho Judicial. Consejo General del Poder Judicial. Madrid. 2001.

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meio das instâncias estatais, porque desenvolve importantes funções tanto deordem político-criminal como da dogmática.26

Especificamente sobre o meio ambiente,27 se pode dizer e acentuar a suaimportância para o desenvolvimento da vida humana, sendo ademais, um dosvalores essenciais de proteção, e nesta proteção as normas passam adesempenhar sua finalidade. Por isto, se torna necessário delimitar o bemjurídico protegido em matéria do meio ambiente.

Em matéria Constitucional, se pode dizer que a norma fundamental estádotada de capacidade limitadora das atividades legislativas na seleção dos bensjurídicos. Neste diapasão a Constituição brasileira em seu Título VII, CapítuloVI dedica especial atenção ao meio ambiente, estabelecendo entre outras coisasque todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como bemde uso comum do povo, assim como o dever de defendê-lo e preservá-lo paragerações presentes e futuras.28

Por isto, compete ao legislador, obrigatoriamente, incriminardeterminadas condutas que violem ou coloquem em perigo valoresconstitucionalmente fundamentais para a convivência em comunidade. Nestepensamento, o texto constitucional consagra em seu artigo 225, § 3.º, “ascondutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão osinfratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Sobre esta questão, PRATS CANUTS enfatiza com bastante propriedadeque com “relação ao meio ambiente cabe dizer que não se planeiam problemasem ordem ao seu reconhecimento como objeto merecedor da tutela penal e istofundamentalmente por duas razões, em primeiro lugar pela existência de ummandato constitucional neste sentido que incide na idéia de que a função deautoproteção do Estado e dos cidadãos, mediante a proteção do bens jurídicos

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26 Neste sentido: RODAS MONSALVE, Julio César. Protección penal y medio ambiente. PPU. Barcelona. 1993. pág.13.

27 Sobre o meio ambiente vide: PRATS CANUTS, José Miguel; MARQUES I BANQUÉ, Maria e MORÁN MORA, Carolina. Derechopenal ambiental y derecho comunitário. La Directiva IP. Aranzadi. Navarra. 2002; RODAS MONSALVE, Julio César. Protecciónpenal y médio ambiente. PPU. Barcelona. 1993. KRÄMER, Ludwig. Derecho ambiental y tratado de la comunidad europea.Marcial Pons. Madrid. 1999; LASO MARTÍNEZ, José Luis. Urbanismo y médio ambiente em el nuevo código penal. MarcialPons. Madrid. 1997; TERRADILLOS BASOCO, Juan. Derecho penal del médio ambiente. Trotta. Madrid. 1997 y KISS,Alexandre e SHELTON, Dinah. International environmental law. Transnational Publishers, Inc. London. 1991.

28 Constituição Federal, artigo 225. A Constituição segue a tendência das normas internacionais de proteção ao meio ambiente:Vide Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Humano (Estocolmo, 16 de junho de 1972), ondeestabelece em seu Princípio 2º: “Os recursos naturais da terra, incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e especialmentemostras representativas dos ecossistemas naturais, devem preservar-se em benefício das gerações presentes e futurasmediante uma cuidadosa planificação ou ordenação, segundo convenha”. (“Naciones Unidas, Doc. A/CONF. 48/14/Rev.1.”).

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relevantes, tem um conteúdo essencialmente dinâmico, quer dizer, submetidoa constante revisão crítica, sendo assim que a Constituição se atribui comoponto de referência necessário na hora de ponderar a adequada proteção aosbens jurídicos de tutela penal”.29

Neste caso especificamente, a Constituição determina tanto sançõespenais, quanto administrativas,30 que segundo BRICOLA, não se deve recorrerà sanção penal exclusivamente quando existam outros meios de prevençãogeral, que possam contribuir satisfatoriamente à proteção do bem jurídico.31

Assim, tanto o Direito Administrativo quanto o Direito Penal buscam o mesmoobjeto de proteção (meio ambiente).32

Quanto à discussão do meio ambiente como bem jurídico protegidoexistem correntes conflitantes sobre esta matéria. Uma das correntes advoga apossibilidade de proteção direta do meio ambiente como bem jurídico único.Enquanto a segunda enfatiza a proteção do meio ambiente como um valoradicional, ou seja, o bem jurídico protegido na realidade não é o meioambiente, mas seu amparo se dá por meio da proteção aos bens jurídicostradicionais como a vida, a integridade corporal, a saúde e a segurança pública,e o patrimônio.

Em meio a estas duas vertentes somos partidários de que o meioambiente é um bem jurídico específico e independente, merecedor de proteçãodireta como um bem jurídico autônomo, principalmente em decorrência danecessidade do homem, que segundo WALLACE “se os seres humanosdesaparecerem da Terra, os animais e as plantas não seriam prejudicados, aocontrário se os animais desaparecessem o homem desapareceria com eles”.33

Apesar de tudo, não se pode deixar de reconhecer que o meio ambientecomo bem jurídico autônomo reconhece sua relação direta como outros bensjurídicos igualmente reconhecidos e tradicionais, pois é através destes que atutela do meio ambiente oferece proteção a outros interesses.

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29 PRATS CANUT, José Miguel. “Análisis de algunos aspectos problemáticos de la protección penal del medio ambiente. In: Laprotección penal del medio ambiente. Jornadas sobre la protección penal del medio ambiente. Madrid. 20 a 21 de outubrode 1990. CODA-AEDENAT Agencia de Medio Ambiente p. 47/83.

30 De igual forma a Constituição espanhola de 1978, em seu artigo 45, 3, estabelece similarmente que “para quien violen lodispuesto en el apartado anterior, en los términos que la Ley fije, se establecerán sanciones penales o, en su caso,administrativas, así como la obligación de reparar el daño causado”.

31 Citado por GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. Ibiden. p. 89. Neste mesmo sentido vide CARPIODELGADO, Juana del. El delito de blanqueo de bienes en el nuevo código penal. Tirant lo Blanch. Valencia, 1997.

32 RODRÍGUEZ-ARIAS, Antonio Mateos. Derecho penal y protección del medio ambiente. Colex. Madrid. 1992. p. 54.

33 Citado por BELTRÁN BALLESTER, E. . Poder Judicial. 2.ª ep., IV. 1988. p. 94.

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1) A revista é de periodicidade semestral, observando-seo caráter de interdisciplinaridade no que tange aopapel crítico do periódico e constitui-se em umveículo para publicação de artigos, ensaios eresenhas críticas, bem como à livre circulação deidéias e opiniões sobre temas relacionados ao Direitoe, especialmente, ao Direito Ambiental, sendo deinteira responsabilidade de seus autores as opiniõesexpressas nos artigos publicados.

2) Os artigos serão submetidos à aprovação do ConselhoEditorial.

3) O recebimento do artigo, ensaio ou resenha nãoimplica a obrigatoriedade de sua publicação.

4) Não será efetuado qualquer pagamento oucontraprestação pela publicação dos artigosselecionados. Serão enviados 5 (cinco) exemplaresdo número correspondente para cada autor de artigo,ensaio ou resenha publicado.

5) Os trabalhos deverão ser inéditos e conter os dadosde identificação (título, nome do autor, vinculaçãoinstitucional) e, obrigatoriamente conter sumário,resumo em português e em inglês, devendo seracompanhados de currículo resumido do autor.

6) Além dos trabalhos que integrarão as sessões, arevista terá um espaço reservado para publicação dasatividades desenvolvidas pelos Núcleos e Projetos dePesquisa e pelo Programa de Pós-graduação emDireito Ambiental.

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8) Os trabalhos deverão ser entregues em disquete oucomo anexo de e-mail, digitados com fonte TimesNew Roman, tamanho 12, com espaçamento entrelinhas de 1,5, margens superior e esquerda de 3 cm emargens inferior e direita de 2 cm, em editorcompatível com o Word, comportando entre 15 a 20laudas para artigos e ensaios e entre 5 a 10 laudaspara resenha, incluídas as referências.

9) Para deliberação quanto à aprovação dos artigos comindicação para publicação, o Conselho Editorialadotará os seguintes critérios:

• Interesse acadêmico – serão priorizados os trabalhoscuja reflexão mantenham pertinência com as linhas depesquisa do Programa, quais sejam: CCoonnsseerrvvaaççããooddooss rreeccuurrssooss nnaattuurraaiiss ee ddeesseennvvoollvviimmeennttoossuusstteennttáávveell, que engloba: tutela jurídica do meioambiente; unidades de Conservação; Ecoturismo;educação ambiental; espaço urbano; recursosnaturais; mecanismos de resolução de conflitos;desenvolvimento sustentável; direito ao desenvol-vimento; políticas públicas e DDii rreeii ttooss ddaa ssóócciioo eebbiiooddiivveerrss iiddaaddee,, que engloba: biodiversidade;biossegurança; bioética; direito dos povos, povosindígenas e populações tradicionais; agriculturasustentável; direito ambiental econômico eempresarial; meio ambiente do trabalho.

• Relevância e atualidade jurídica – os textos deverãotrazer para o debate questões cuja abordagem jurídicaensejem o diálogo interdisciplinar entre o direito, odireito ambiental e as demais áreas do conhecimento.

• Rigor acadêmico – os textos deverão seguir,rigorosamente, a metodologia científica, oportuni-zando o debate acerca do conhecimento jurídico.

10) Artigos, ensaios ou resenhas recebidos e nãopublicados no número correspondente à chamadaeditalícia do envio, integrarão banco de trabalhos epoderão ser publicados posteriormente, em númerosubseqüente, mediante comunicação econsentimento prévio do autor.

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NORMAS EDITORIAIS

As normas editoriais da HHii llééiiaa -- RReevviissttaa ddee DDii rreeii ttoo AAmmbbiieennttaall ddaa AAmmaazzôônniiaa são as seguintes:

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Esta obra foi composta em Manaus pelaKintaw Design, em Times 11/14.

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AHiléia – Revista de Direito Ambiental da Amazônia, se constitui em espaço destinado à apresentação e divulgação

das reflexões produzidas no processo de construção do conhecimento humano, jurídico e humanístico-jurídico-

ambiental, desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do

Amazonas.

Os contextos diversos e complexos do mundo contemporâneo, em relação constante e paradoxal, com o acirrado

processo de globalização econômica e cultural, implicam em transformações sociais, jurídicas, econômicas e políticas,

gerando novos problemas e conflitos, especialmente no que concerne ao direito e ao seu estudo. A verticalidade do

discurso global que busca legitimar os processos de universalização da cultura do mercado quer seja na vertente única

da produção e do consumo capitalistas, transformando tudo em mercadoria, ou, na imposição de modelos de

normatividade supostamente eficazes para proporcionar o desenvolvimento, provocam uma certa idéia de que não existe

solução fora desses parâmetros, favorecendo um renovado processo econômico neocolonial.

Nesse sentido, refletir desde os contextos da existência, significa proporcionar e criar os espaços de lutas. Lutas pelo

conhecimento, pelo direito, pela vida e dignidade humana. Assim, este periódico científico que se consolida como

espaço para divulgação e reflexão do direito ambiental, tem no contexto amazônico e brasileiro e, em sentido mais

ampliado, em trocas geopolíticas e cognoscitivas mais iguais na correlação sul-norte/norte-sul, espiralando a seara da

complexidade do mundo sóciobiodiverso. Almeja-se, portanto, constituir-se, pelo diálogo, em âmbito plural e

heterogêneo para convergências de conhecimentos e alternativas, com perspectivas transdisciplinares nas abordagens

e conteúdos, assim como interinstitucional e translocal nos sujeitos.

Revista de DireitoAm

biental da Amazônia

ANO-3, N.º 4 – JANEIRO-JUNHO/2005 – ISSN: 1679-9321

ANO-3JAN-JUN

2005

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