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Brasília a. 43 n. 171 jul./set. 2006 155 1. Introdução A presente análise propõe-se à adequa- da compreensão do papel do Supremo Tri- bunal Federal (STF) tanto na sua função ins- titucional de guardião do Texto Maior quan- to na possibilidade de ser partícipe nas mudanças da sociedade brasileira, ao con- cretizar os direitos fundamentais. Para tanto, partimos do pressuposto de estudar a instituição em sua vocação natu- ral, prevista no art. 102, caput, da Constitui- ção Federal de 1988, qual seja, no exercício da Jurisdição Constitucional, o que torna imperiosa a fixação de um conceito inicial de Jurisdição Constitucional (ou do que se denomina na tradição norte-americana Ju- dicial Review). Francisco Rubio Llorente (1997) enten- de por Jurisdição Constitucional a que exer- ce ou desempenha os Tribunais assim cha- mados, seja qual for a natureza dos assun- tos cuja solução se demanda: o controle da O STF e a Corte Suprema dos Estados Unidos da América Autonomia e impasses Sumário 1. Introdução. 2. Criação do órgão. 3. As- pectos normativos. 4. A influência norte-ame- ricana. 5. A periodização da Supreme Court. 6. A doutrina do alargamento do habeas corpus e o seu papel inovador. 7. O STF e o seu papel po- lítico na Primeira República. 8. O STF e a Era Vargas. 9 A primeira redemocratização (1945). 10. O STF e o regime militar de 1964. 11. A nova redemocratização e a Constituição Cidadã (1988). 12. O STF e o presente. 13. Conclusão. Grupo de pesquisa “Jurisdição Constitucio- nal e o Perfil dos Novos Ministros do STF” Artigo produzido pelo grupo de pesquisa “Jurisdição Constitucional e o Perfil dos No- vos Ministros do STF”, desenvolvido na FND/UFRJ, sob orientação do Professor Dr. José Ribas Vieira. Integrantes: Caroline Sarty Vianna, Giovanni Almeida Fernandes, Giselle Gonçalves Seabra, Tassia Lima Ramos da Silva e Vinícius Paz Leite.

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1. Introdução

A presente análise propõe-se à adequa-da compreensão do papel do Supremo Tri-bunal Federal (STF) tanto na sua função ins-titucional de guardião do Texto Maior quan-to na possibilidade de ser partícipe nasmudanças da sociedade brasileira, ao con-cretizar os direitos fundamentais.

Para tanto, partimos do pressuposto deestudar a instituição em sua vocação natu-ral, prevista no art. 102, caput, da Constitui-ção Federal de 1988, qual seja, no exercícioda Jurisdição Constitucional, o que tornaimperiosa a fixação de um conceito inicialde Jurisdição Constitucional (ou do que sedenomina na tradição norte-americana Ju-dicial Review).

Francisco Rubio Llorente (1997) enten-de por Jurisdição Constitucional a que exer-ce ou desempenha os Tribunais assim cha-mados, seja qual for a natureza dos assun-tos cuja solução se demanda: o controle da

O STF e a Corte Suprema dos EstadosUnidos da AméricaAutonomia e impasses

Sumário1. Introdução. 2. Criação do órgão. 3. As-

pectos normativos. 4. A influência norte-ame-ricana. 5. A periodização da Supreme Court. 6. Adoutrina do alargamento do habeas corpus e oseu papel inovador. 7. O STF e o seu papel po-lítico na Primeira República. 8. O STF e a EraVargas. 9 A primeira redemocratização (1945).10. O STF e o regime militar de 1964. 11. A novaredemocratização e a Constituição Cidadã(1988). 12. O STF e o presente. 13. Conclusão.

Grupo de pesquisa “Jurisdição Constitucio-nal e o Perfil dos Novos Ministros do STF”

Artigo produzido pelo grupo de pesquisa“Jurisdição Constitucional e o Perfil dos No-vos Ministros do STF”, desenvolvido naFND/UFRJ, sob orientação do Professor Dr.José Ribas Vieira. Integrantes: Caroline SartyVianna, Giovanni Almeida Fernandes, GiselleGonçalves Seabra, Tassia Lima Ramos da Silvae Vinícius Paz Leite.

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constitucionalidade das leis em diversasformas, certas questões de natureza eleito-ral – como a regularidade nas eleições – e deforo privilegiado – e.g., julgamento penal detitulares das magistraturas supremas – sãoalguns exemplos. Segundo esse constituci-onalista espanhol, assiste-se a uma forte ten-dência ao modelo de Jurisdição Constitu-cional centrado na defesa dos direitosfundamentais, a fim de se garantir a vi-gência desses.

Ante a definição acima sufragada, e querepresenta a atual realidade do Órgão deCúpula do Judiciário no seu atributo cons-titucional máximo, surge o seguinte questi-onamento: o Supremo Tribunal Federal temconseguido se auto-afirmar como poderconstitucional independente, a ponto deconseguir realizar plenamente os seus in-tentos? Fatores econômicos e políticos nor-teiam suas decisões, a ponto de afastar suaautonomia decisória e sobrepesar direitosfundamentais consagrados?

Para responder essas indagações, faz-semister um exame de sua atuação ao longode determinados momentos históricos des-de o surgimento do Tribunal, em 1891. Ocotejar com a atuação da Corte Supremanorte-americana nos marcos delimitados dosistema do judicial review – instituição-cha-ve como modelo inspirador para a criaçãodo STF – será fundamental nessa investiga-ção. Julgamentos emblemáticos também se-rão invocados, com o fito de reforçar os ar-gumentos e opiniões aqui expostos.

2. Criação do órgão

A instituição de um novo Tribunal eraacalentada por alguns juristas no final doSegundo Reinado, fruto do labor técnico denomes como Rui Barbosa, Saldanha Mari-nho, Rangel Pestana, Antônio Luiz dos San-tos Werneck, Américo Brasiliense de Almei-da Mello e José Antônio Pedreira de Maga-lhães Castro (RÊGO, [200-?]).

É importante assinalar, contudo, que osurgimento desse “novo Tribunal”, advin-

do com o movimento republicano de 1889,não resultou apenas de um anseio de umgrupo de juristas. Cabe, dessa forma, elen-car os vários fatores que contribuíram paraviabilizar e consolidar o STF, tais como: ocontato com a Escola Exegética alemã1, asólida formação de juristas no Direito Ro-mano e no Direito Canônico, o positivismode Augusto Comte, a influência do pensa-mento político de Benjamim Constant, oCódigo Civil Napoleônico, a pressão positi-vista do Exército em pretender criar umainstituição que fosse capaz de colocar freiosaos excessos do Legislativo e, por fim, a con-tribuição notória de Rui Barbosa (defensorarraigado da doutrina constitucional nor-te-americana).

Não podemos nos esquecer que RuiBarbosa, por meio de seu papel – oriundode sua formação liberal – como jurisconsul-to de enorme prestígio no início da nossaRepública, acabou por exercer enorme in-fluência para a instalação do STF. Pois era,assim com os predicados mencionados, umgrande guardião dos direitos fundamentais,além de ser autor intelectual da Carta de1891. Sua contribuição para a JurisdiçãoConstitucional será melhor delineada emmomento oportuno.

A propósito, cumpre destacar que há es-peculações em sede acadêmica, no sentidode que os juristas do Governo Provisório te-riam modelado o Supremo Tribunal Fede-ral à margem da Suprema Corte norte-ame-ricana muito mais como um instrumento deconservação do regime político e de contro-le dos atos do parlamento. Isso se explicapelo fato de as idéias republicanas seremconcepções muito minoritárias naquele pe-ríodo2.

A preocupação com relação a um con-tragolpe monárquico era uma realidade.Tanto é assim que a forma de governo repu-blicana permaneceu como cláusula pétreado constitucionalismo nacional por quaseum século. O Supremo Tribunal Federal foiconcebido como uma instituição que deve-ria garantir a Constituição – leia-se Repú-

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blica – mesmo contra eventuais maioriasparlamentares que apoiassem o retorno daMonarquia, ou seja, uma clara posição con-tramajoritária.

É, portanto, nesse contexto que o entãoSupremo Tribunal de Justiça, órgão criadopela Carta Política de 1824 e responsávelpor meras questões de natureza judicial3, des-pe-se de sua essência apolítica (BALEEIRO,1968), iniciando, sob os auspícios da LeiFundamental Republicana4, o controle deconstitucionalidade das leis5.

3. Aspectos normativos

Com a Proclamação da República, ado-ta-se no Brasil, como forma de Estado, o sis-tema federativo (vide Decreto no 1 do Gover-no Provisório, de inspiração norte-america-na6), o que direcionou o país a um novomomento histórico. A contribuição legisla-tiva no período inicial da República foi de-veras importante para a consolidação doatual modelo judiciário no Brasil, porquan-to possibilitou a criação do Supremo Tribu-nal Federal, nos moldes da Supreme Courtianque, e introduziu competência aos Esta-dos a fim de organizarem as suas justiças elegislarem sobre processo.

O Decreto no 510, de 22 de junho de 1890(arts. 54, 55 e 58 da denominada Constitui-ção Provisória), foi o primeiro passo para ainstituição da Corte, fazendo-a integrantedo Poder Judiciário. Seria composta por 15dentre os 30 juízes federais nomeados peloPresidente da República e aprovados peloSenado, sendo estes cidadãos detentores denotável saber7 e reputação ilibada.

Eram homens experientes, que tinhamparticipado da vida política, da adminis-tração e da magistratura imperial. O primei-ro Presidente do Tribunal foi João Evange-lista de Negreiros Saião Lobato, o Viscondede Sabará. O cargo era vitalício, porém ti-nham direito à aposentadoria aos 10 anosde serviço, com vencimentos proporcionaisao tempo efetivamente cumprido – em casode invalidez – e com todos os vencimentos

ao cabo de 20 anos. A preferência por ma-gistrados recrutados nos Estados mais im-portantes da Federação, segundo a políticarepublicana, foi uma constante durante aPrimeira República.

No tocante à organização da Justiça Fe-deral, essa atribuição foi confiada ao Minis-tro da Justiça Campos Sales, tendo sido es-truturada pelo Decreto no 848, de 11 de ou-tubro de 1890, durante o governo provisó-rio do Marechal Deodoro da Fonseca.

Por meio desse diploma, declarou-se aindependência do Poder Judiciário, vez quea partir desse momento cabia-lhe afastar aincidência da norma caso essa fosse contrá-ria à Constituição. A Exposição de Motivosque acompanhou o referido Decreto revelaa enorme preocupação de dotar o país,imediatamente, de uma justiça destinada arepresentar um papel da mais alta prepon-derância, como órgão de poder no corposocial (NEQUETE, 2000). Esse dispositivotambém serviu para visualizarmos os pri-mórdios da Justiça Federal e sua abrangên-cia, cuja matriz até hoje persiste.

Em 24 de fevereiro de 1891, é promulga-da a primeira Constituição republicana, aqual determina o nascimento do SupremoTribunal Federal (art. 55) e a nomeação dosministros pelo Presidente da República (art.56), nos moldes da Carta Política provisóriade 1890. Ressalte-se ainda que o modelo deestrutura judicial explicitado no Decreto no

848/1890 foi recepcionado pela Constitui-ção em comento.

O jurista Aliomar Baleeiro (1968), ao tra-tar dessa questão, afirma que o intuito ematribuir tais peculiaridades ao Judiciário erajustamente desfazer os erros do Legislativo,assegurar o exercício dos direitos dos cida-dãos, além de manter o equilíbrio dos trêspoderes8. Tal instituição, que para o autorem nada se podia comparar com o STJ daConstituinte de 1824, teve sua atuação res-tringida em razão do reaproveitamento dosjuízes daquela Corte, o que acabou sendocontraproducente. Deveras conservadores,iam de encontro ao novo governo e, princi-

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palmente, à nova missão que lhes era assi-nalada, qual seja, a de declarar inconstitu-cionais as leis.

O STF tem mantido, ao longo do tempo,com pequenas alterações, as característicase funções que lhe foram atribuídas em 1891,quando foi criado.

4. A influência norte-americana

A Justiça Federal brasileira foi inspira-da no modelo norte-americano no que dizrespeito ao seu alcance jurisdicional e orga-nização9, estabelecendo-se durante o perío-do da Primeira República (1889-1930) que oSupremo Tribunal Federal era o órgão es-sencialmente de segunda instância – antesmesmo de ter uma atribuição constitucio-nal – e, ainda, que em cada Estado e no Dis-trito Federal haveria uma Seção Judiciáriacomposta por um magistrado denominadojuiz de seção, funcionando como órgão deprimeira instância. Todavia, no tocante à suadelimitação, encontra semelhança com a Jus-tiça Federal da Suíça (conforme Carta Políti-ca de 1834) e argentina (Constituição de 1883).

Devido a maior semelhança com a justi-ça americana, convém mencionar algunsaspectos importantes da mesma (FERREI-RA, 1996). O Judiciário americano tem ori-gem no Judiciary Act de 1789, que foi essen-cial à caracterização da democracia, ao pa-pel da interpretação constitucional e de seusimperativos em face das considerações po-líticas, à dirimição de ambigüidades e con-flitos na divisão jurisdicional com as cortesestaduais, à aplicação da common law noâmbito federal e à fixação de uma posturade independência dos juízes.

Convém ainda salientar, consoante Ju-covsky (1997) e Oliveira (1996), que a Justi-ça Federal brasileira foi instituída por umdecreto que possuía um perfil democráticodo sistema federativo. Dotado de uma siste-mática processual própria, formada por 342artigos, era denominado Processo Federal.

Entre os aspectos de grande relevo, po-demos, destacar a nomeação do Procurador-

Geral da República pelo Presidente, o aco-lhimento do princípio da inviolabilidade dodireito de defesa, a maior eficácia na preser-vação dos direitos individuais e a criaçãodo Júri Federal. No tocante a sua aplicação,atribuiu subsidiariedade aos estatutos dospovos cultos – em especial aos que regramas relações jurídicas dos Estados Unidos –aos casos de common law e equity. Insta sali-entar que tal dispositivo também tinha porobjetivo instaurar um controle difuso deconstitucionalidade das leis, como pode serobservado no seguinte trecho da exposiçãode motivos feita por Campos Sales:

“Não se trata de tribunais ordinários dejustiça, com uma jurisdição pura e simples-mente restrita à aplicação das leis nas múl-tiplas relações de direito privado. A magis-tratura que se instala no país, graças ao re-gime republicano, não é um instrumentocego ou mero intérprete na execução dos atosdo poder legislativo. Antes de aplicar a lei,cabe-lhe o direito de exame, podendo dar-lhe ou negar-lhe sanção se ela lhe parecerconforme ou contrária à lei orgânica.”

Como já dito, o Supremo Tribunal Federalfoi construído nos moldes da Supreme Courtnorte-americana, o que nos leva então a tra-çar semelhanças e diferenças entre esses doisórgãos máximos e a análise do sistema judi-ciário americano. Assim como o Brasil aca-bou por adotar algumas medidas já inseridasno país pela sua metrópole, os EUA tambémadaptaram a política e o jurídico dos ingle-ses. Dessa forma, a Câmara dos Comuns pas-sou a ser a Casa dos Representantes e a Câ-mara dos Lordes tornou-se o Senado.

Em todo o mundo moderno, nota-se queos países codificaram o seu direito e cria-ram um Tribunal para manter um equilíbrio,que nem impede a evolução do direito e nemdeixa que ele se disperse. Esse era o papeldas Cortes de Cassação em vários paíseseuropeus.

As Cortes de Cassação atuavam super-visionando os Tribunais inferiores quantoà correta aplicação das leis. Apreciavam osjulgamentos e não o processo. Caso não con-

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cordassem com o uso das leis em nenhumadas hipóteses, anulavam a decisão e remeti-am-na para outra Corte do mesmo grau darecorrida. Não existiam problemas de cho-que com o direito federal, porque esses paí-ses ainda não seguiam esse sistema de go-verno e nem podiam as Cortes declarar in-constitucionalidade das leis. O STF, assimcomo a Corte Suprema, quando encontra leiem confronto com outros julgados ou cho-que de lei federal, desde já julga a causa,substituindo a decisão pelo seu acórdão.

A instituição americana era uma inova-ção à época. Nenhum juiz no sistema inglêspoderia invalidar as leis do Parlamento, jáque em seu modelo há ausência de limiteconstitucional e de hierarquia entre as nor-mas britânicas. A Constituição de 1787 ins-tituiu a Corte Suprema ianque, dizendo queo Poder Judiciário seria atribuído a esta eaos Tribunais inferiores criados pelo Con-gresso (ESTADOS UNIDOS, 1787)10. Os juí-zes teriam estabilidade por bom comporta-mento e irredutibilidade dos vencimentos.Nota-se que não há menção expressa quan-to à Corte poder declarar inconstitucionaisas leis do Congresso ou das Assembléiasdos Estados-membros.

Charles Beard (apud BALEEIRO, 1968),por meio do método marxista de interpreta-ção econômica da história, investigou osinteresses pessoais e profissionais dos per-sonagens que participaram da Convençãoda Filadélfia, tentando assim encontrar asreais intenções da Carta Constitucional nor-te-americana. Pobres ou ricos, todos os co-lonos lutaram juntos no final do século XVIIIcom um objetivo em comum: a separação daInglaterra. Contudo, após a independência,cada classe manteve um interesse diferente,sendo que a classe governante temia a Re-pública por não saber o que esperar dessaforma de governo. Receava-se que esta pu-desse se transformar em um regime ditatori-al ou pior, de tendências anarquistas oucomunistas.

O governo federal dos EUA, de acordocom Beard, havia sido criado com o intuito

de pagar às altas classes as dívidas que aConfederação contraiu na guerra de inde-pendência, e a Corte Suprema, para garan-tir os direitos dessa classe, impedindo quecom a democracia houvesse uma subida aopoder das classes menos favorecidas (BA-LEEIRO, 1968)11. Se contra o governo falhas-se o veto do Executivo, haveria o controle daCorte – órgão especialmente político e eco-nômico para frear o possível avanço dasmassas. Tendo como prioridade a manuten-ção do direito de propriedade mais do que ode liberdade, a Constituição de 1787 nãocontinha nenhuma norma expressa de pro-teção dos direitos e garantais individuais(esses só foram acrescentados sob o gover-no de Jefferson em 1791 (BALEEIRO, 1968)12).

No Brasil, nossa história foi um poucodiferente, visto que não houve em nenhummomento preocupação com as lutas de clas-se. Enquanto os EUA criavam a sua CorteSuprema pautada em situações reais e cons-cientes, o Brasil vivia ainda no campo ideo-lógico, apaixonado pela idéia de uma Re-pública Federal13. Era quase nulo o númerode juristas que detinha um bom conhecimen-to da estrutura judiciária norte-americanapara, assim, poder implantá-la no Brasil.

Washington nomeou para primeiro Pre-sidente da Corte (Chief Justice) John Jay, jun-tamente com outros quatro ministros (Asso-ciated Justices). Nesses primeiros anos, a Cor-te não fez julgados de importante validade.Após Washington veio Adams, que nomeou,ao final de seu governo – 1801 –, JohnMarshall para Chief Justice. Marshall era fe-deralista, amigo de Hamilton – conserva-dor de direita – e foi para a Corte enquantoAdams passava a presidência para o libe-ralista Jefferson.

John Marshall foi reconhecido pelos mi-nistros como líder da Corte Suprema. Foi oresponsável por firmar o papel político des-se órgão, além de construir a unidade naci-onal do país: a diversidade dentro da uni-dade (pluribus in unum), que serviu de ali-cerce para transformar os EUA na potênciaque é hoje. Iniciou a obra que ficou conven-

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cionada como supremacia judicial e, aquino Brasil, veio a chamar-se “governo dosjuízes”. Marshall tornou-se o maior nomeda Corte.

O controle de constitucionalidade come-ça a se tornar efetivo com o famoso casoMarbury vs. Madison, pelas mãos deMarshall. Até hoje, essa teoria é alvo de crí-ticas e discussões, sendo acusada de usur-par poder do Legislativo. É, pois, um dostraços da Constituição viva dos EUA, cons-truída pela própria Corte, de modo que asCartas Políticas não são as mesmas no pa-pel e na vida real. Charles Beard sustentaque, desde o início, a Constituição já demons-trava sua intenção acerca da possibilidadede a Corte declarar a inconstitucionalida-de das leis.

O mesmo espírito de construção jurispru-dencial inspirou mais tarde Rui Barbosapara várias cláusulas14 da nossa Constitui-ção de 1891, além de ter exercido influêncianas Cartas de 1946 e 1967.

Marshall faleceu em 1835 e Andrew Ja-ckson nomeia Taney para presidente do ór-gão de cúpula. Mediante várias substitui-ções, Jackson consegue colocar a Corte a seufavor, afastando-se da linha hamiltonianade desenvolvimento e proteção da proprie-dade. A guerra civil trouxe alguns acórdãospara a instituição – como os que protegiamas empresas contra truste por meio da cláu-sula police power –, bem como, novidadesmediante emendas constitucionais. Com avitória do governo, vem à tona o princípiodo due process of law, consubstanciado naEmenda Constitucional XIV (14th amend-ment)15. Tais reações foram uma preparaçãopara a intervenção do Estado no século XX.

Mesmo defendendo as aspirações libe-rais e democráticas de Jefferson – tendo ha-vido até alguns julgados flexíveis à inter-venção do Estado, à contenção do discricio-narismo do judiciário e à não invasão aopoder do Congresso –, ainda prevalece àimagem de Marshall para todo o século XIX,pois o Tribunal, de certa forma, confiava ejulgava de acordo com o pensamento desse

grande jurista, fiel à corrente hamiltoniana.As mudanças foram mais fortes a partir de1937 com Roosevelt na presidência, que con-seguiu “montar” sua Corte.

5. A periodização da Supreme Court

A partir de Marshall, a periodização daSupreme Court pode ser dividida pela dura-ção dos dois grandes partidos norte-ameri-canos no poder. Obviamente, se o Judiciárioacaba por decidir questões de grande natu-reza política, os partidos terão interesse emcontrolar suas decisões, o que nos leva a umadivisão entre 12 e 16 anos.

Na segunda metade do século XIX, ogoverno já não se prende tanto às concep-ções dos homens da Filadélfia e começa aconstruir a Carta Política conforme a expan-são econômica imperialista que nascia. Noentanto, apesar de a instituição ter ambiçõesmais democráticas, ainda se ouvia o dito “aConstituição não acompanha a bandeira”,isto é, os povos conquistados não gozam denenhum direito político.

O período compreendido entre o fim des-se século até 1937 é conhecido como “go-verno dos juízes” ou “oligarquia judiciária”,porquanto os magistrados não julgavamapenas segundo a lei, mas também entra-vam na competência legislativa, atuando noprocesso de elaboração normativa. A se-guinte frase de Charles Hughes, Presidenteda Corte entre 1930-1941, sintetiza esse po-sicionamento: “Vivemos sob a égide daConstituição, mas a Constituição é aquiloque os juízes dizem que ela é”.

A revolução tecnológica, ao final do sé-culo XIX e início do século XX, refletiu nocampo do Direito. A dissociação entre osdonos de propriedade e os managers – queagora são os detentores do poder – torna oEstado cada vez mais intervencionista, naintenção de proteger o consumidor e o tra-balhador e permitir o princípio da equaçãofinanceira. Concomitantemente, tinham-seas reivindicações dos direitos dos trabalha-dores e o posicionamento conservador dos

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ministros, os quais se apoiavam na tradici-onal concepção liberal de autonomia pri-vada – e do equilíbrio econômico nessestermos.

As propostas em favor das massas sóvieram com Roosevelt, eleito presidente em1933, que nomeou Oliver Wendel Holmespara ministro da Corte. Na posição de pre-sidente do Tribunal de Massachusetts, estejá havia realizado alguns julgamentos emfavor dos trabalhadores e contra a políticado governo dos juízes, pois sustentava que“[...] à Corte cumpre apenas repelir a lei fla-grantemente inconstitucional, sem usurparao Congresso o julgamento do valor sobrecada política legislativa, fosse social ou eco-nômica. O povo através de seus represen-tantes eleitos tem o direito de experimentare até errar”. Seus votos vencidos como justi-ce anteviram decisões futuras, chegando atéa ser conhecido como o “grande dissiden-te”, porquanto acreditava que o Direito ésobretudo experiência, preponderância doelemento político-social na interpretação.

Com a crise de 1929, Franklin Rooseveltestrutura um novo conjunto de leis, que fi-cou conhecido como o New Deal, visando àrestauração econômica e social do país. Noentanto, quando submetidas ao controle daCorte, essas leis foram em sua maioria de-claradas inconstitucionais. No final de 1936,reeleito, Roosevelt se fortalece, e como nãohavia tido a oportunidade de nomear sequerum ministro para a Corte, idealiza um pro-jeto que permitia a ele indicar um ministropara cada efetivo com mais de 70 anos – oque àquela época somavam seis justices. Ale-gou basicamente, como motivos para a suadecisão, o atraso nos julgamentos, a granderecusa dos juízes em “mandar subir” os re-cursos e a necessidade de oxigenação noTribunal.

Contudo, por falta de apoio político noSenado – seu correligionário falecera –, ocitado projeto foi vetado. Para pôr fim aodesconforto, alguns ministros aposentaram-se e Huges, Chief Justice, notou que, se conti-nuasse a bloquear a reforma social do país,

o órgão de cúpula do Judiciário – e não oExecutivo – sofreria as conseqüências16.Tal episódio marca o fim do “governo dosjuízes”.

A partir de 1937, têm início a Corte roo-seveltiana e a revolução constitucional, aqual veda a intervenção judicial na políticalegislativa. À época, dizia-se “A switch in timesaved Nine” – uma virada no tempo salvouos Nove (os nove justices da Suprema Corte).

Em 1955, o então justice Robert Jackson(apud BALEEIRO, 1968) explicitou que oórgão de cúpula deveria ser visualizado emsua tripla função: unidade instrumental dogoverno, Tribunal de Justiça para suprema-cia da Lei Fundamental e do direito federale instituição política17.

Com a morte e conseqüente substituiçãodos justices, a Corte foi se renovando, sendoatualmente mais uma peça do governo ame-ricano, pois o que ganhou em harmonia comos outros dois poderes perdeu em indepen-dência,

“[...] uma instituição política que ar-bitra a distribuição e equilíbrio dosPoderes Legislativo e Executivo, entrea União e os Estados, entre o governoda Maioria e os direitos da Minoria.Reconhece que, pelo poder financeirode conceder fundos para funciona-mento da Corte, o Congresso tem for-midável poder sobre ela, se quiser exer-cê-lo” (BALEEIRO, 1968).

6. A doutrina do alargamento dohabeas corpus e o seu papel inovador

Ao fim desse breve levantamento do his-tórico da trajetória da Corte Suprema ameri-cana, examinaremos comparativamente afunção do STF diante da proteção da Cons-tituição e das liberdades por ela assegura-das. Também seguiremos aqui a partir deanálises do direito norte-americano, queposteriormente refletiram no nosso ordena-mento.

O habeas corpus só veio a ser introduzidono Brasil após a independência, pois nada

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havia de semelhante na época da colônia.Apesar de constar na Constituição de 1824a cláusula pela qual “ninguém pode ser pre-so sem culpa formada, exceto nos casos de-clarados em lei, e, nestes, dentro de 24 horas[...], o juiz por uma nota por ele assinadafará constar ao réu o motivo da prisão, osnomes de seu acusador e os das testemu-nhas, havendo-as18”, esta só tornou-se efeti-va com o Código de Processo Penal de 1832,que por causa disso é considerado um dosprimeiros forais das liberdades brasileiras.O habeas corpus, nesse período, teve funçãoprincipal quanto aos crimes políticos, pro-tegendo somente uma minoria.

Um aviso ministerial de 30 de agosto de1863 assegurou também o writ para todos equaisquer constrangimentos ilegais à liber-dade física, independentemente de quemfosse o coator. A Lei 2.033 de 20.9.1871, emseu art. 18, § 1o, por sua vez, impôs tambémo uso do mesmo remédio em caráter preventi-vo, em caso de ameaça de constrangimento.

A Constituição de 1891 veio, por meiodo art. 72, § 22o, estabilizar a aplicação doinstrumento jurídico, “[...] sempre que o in-divíduo sofresse ou se achasse em iminenteperigo de sofrer violência ou coação, por ile-galidade ou abuso de poder”. O writ era di-retamente impetrado no STF quando o coa-tor fosse autoridade sujeita a jurisdição doTribunal.

Rui Barbosa (1991), maior conhecedordo direito norte-americano àquela época,tentou importar todo o tecnicismo proces-sual desse instituto para a proteção das li-berdades e garantias individuais. Num pri-meiro momento, ficou isolado, pois o Con-gresso – com maioria a favor do Executivo –não deixaria que o Judiciário crescesse detal forma a poder controlá-lo. O respeitáveljurista tentou, por meio do writ e de interdi-tos possessórios, tornar efetivo o poder doJudiciário, ampliando ao máximo a inter-pretação do art. 72 da Constituição. O alar-gamento adquirido por esse remédio cons-titucional ficou conhecido como “a doutri-na brasileira do habeas corpus”19.

Ao longo do tempo, a já costumeira prá-tica do exagero em nosso país prevalecia, eassim o writ passa a ser utilizado, por exem-plo, para assegurar publicações jornalísti-cas à época do estado de sítio, ou ainda, parareintegração de funcionário público ao car-go. Todavia, muitos escritores acreditam quetal exagero foi positivo, pois serviu para dareficácia a diversos mandamentos constitu-cionais.

A partir de 1915, Vanceslau Brás tentapôr fim à discussão, restringindo a doutri-na liberal do habeas corpus e corrigindo asilegalidades provocadas por ela. Todavia,foi somente com Arthur Bernardes, em 1926,que tivemos a efetiva reforma constitucio-nal do § 22o do art. 72, no qual se passou aler: “Dar-se-á habeas corpus, sempre que al-guém sofrer ou se achar em iminente perigode sofrer violência por meio de prisão ouconstrangimento ilegal em sua liberdade delocomoção”.

Mesmo com o fim do alargamento, nãohouve rapidez em adicionar ao nosso orde-namento outros remédios que substituíssemo antigo habeas corpus, de modo que se que-daram ausentes de proteção aqueles direi-tos que ele resguardava.

7. O STF e o seu papel político naPrimeira República

Nos primeiros tempos da República, asupracitada doutrina foi bastante utilizadapara solucionar questões políticas, de ma-neira que o recém-criado STF era constante-mente chamado a se manifestar nesses ca-sos. As decisões proferidas eram discutidasem ambientes como a Câmara e a imprensa,debates esses que demonstravam o entrecho-car das linhas políticas. Mais uma vez háque se ressaltar a importância de Rui Bar-bosa, que se destacou nos primeiros casosde habeas corpus com sua retórica lúcida quecomovia multidões, dando lições de libera-lismo e democracia.

O desempenho do Excelso Tribunal, emseu primeiro ano de funcionamento, foi pou-

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co expressivo, sendo esse um período deaprendizado diante dos problemas que sur-giram depois da Proclamação da República.

Os confrontos entre o Supremo e o go-verno multiplicaram-se durante o períodode Floriano Peixoto, o qual tomou inclusivemedidas de retaliação, deixando de preen-cher as vagas que resultavam das aposen-tadorias20. Outra questão era a exigência deprestar juramento perante o chefe do Execu-tivo, a quem estavam submetidos o presi-dente e o vice-presidente do Tribunal. Umamoderada independência em relação aoExecutivo só veio quando, em novembro de1894, os ministros reformaram o regimentoda instituição, ficando estabelecido que seuPresidente e Vice-Presidente prestariamcompromisso perante o próprio órgão.

Com a vitória de Prudente de Moraespara a Presidência da República, não hou-ve a pacificação esperada. No entanto, gra-dualmente firmava-se o princípio da inter-venção do Supremo no Executivo, quandoeste infringisse dispositivos constitucionais.As decisões criavam jurisprudência, reite-rando o direito do órgão de examinar a cons-titucionalidade dos atos do Executivo e ga-rantir a supremacia da Constituição.

Paralelamente, houve vários confrontoscom o Poder Legislativo (federal e estadu-al), sempre com o fito de defender a Lei Fun-damental. Importante ressaltar que o papelmais importante da instituição nos primei-ros cinco anos da República foi na defesadas liberdades civis e no estabelecimento dajurisprudência.

Após o governo Prudente de Moraes, oSTF calcou uma posição de menos depen-dência perante os demais poderes. Haviaconseguido “firmar-se” como Terceiro Po-der, cuja função era julgar a constituciona-lidade dos atos do Executivo e Legislativo edefender os direitos dos cidadãos. Seus acór-dãos, publicados desde 1897 na Revista deJurisprudência, passaram a constituir umreferencial para os julgamentos posteriores.

Quando em 1906 Rodrigues Alves en-tregou o governo a Afonso Pena, o STF, mes-

mo renovado, não era diferente daquele quetomara posse quinze anos antes. Todavia,apesar da freqüente falta de quorum, do visí-vel partidarismo político de seus membros,do inevitável caráter classista dos Tribunaise do desrespeito do Executivo a algumas de-cisões do Supremo, não se pode negar queeste tenha desempenhado um papel impor-tante na construção das instituições repu-blicanas e na defesa das garantias constitu-cionais dos cidadãos. É de admirar que umTribunal de Justiça pudesse funcionar numperíodo em que o país viveu a maior partedo tempo em estado de sítio, suspensas to-das as garantias constitucionais. Esse fatotambém explica a amplitude dada ao con-ceito de habeas corpus, anteriormente abor-dado.

Ainda assim, outros assuntos ocupavamo Tribunal, tais como: defesa de imunida-des parlamentares, liberdade de culto, liber-dade de expressão, liberdade de reunião, li-berdade profissional, constitucionalidadedos atos do Executivo e do Legislativo, limi-tes entre Estados, responsabilidades e limi-tes dos monopólios concedidos a empresasestrangeiras e nacionais, questões relativasa impostos, funcionalismo público, etc. Asdecisões eram freqüentemente controversas,dentro e fora do Supremo, repercutindo naimprensa e no Congresso.

O desempenho do órgão de cúpula naavaliação da constitucionalidade dos atosdo Legislativo e do Executivo, bem como nagarantia dos direitos do cidadão, num perí-odo de extrema instabilidade política, foiessencial para a criação dos fundamentosda democracia no Brasil, constantementeviolada pelas ações de congressistas, mili-tares, policiais e governantes.

Contudo, essa evolução deu-se de formalenta, vez que os ministros, defensores dasliberdades do cidadão, não possuíam sim-patia pelos movimentos operários, princi-palmente quando organizados por socialis-tas, anarquistas ou comunistas.

Vale ressaltar a timidez do STF em rela-ção às chamadas questões políticas, consi-

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derando ao máximo a hipótese de se absterdo controle de constitucionalidade das leis.

Num período conturbado, com levantestenentistas, respostas à aristocracia oligárqui-ca – como as greves do início da década de 20–, a Semana de Arte Moderna, os anarcosin-dicalistas e a criação do partido comunista, aúnica resposta do governo brasileiro foi o es-tado de sítio e a violação constante dos direi-tos fundamentais. Em 1917, um habeas corpusem favor de operários desejosos em promo-ver um meeting – o qual houvera sido proibi-do pela polícia – foi negado por unanimida-de. O Tribunal considerou constitucional aatitude dos órgãos de segurança, alegandoque as manifestações de liberdade estavamlimitadas por interesses coletivos. Conformeo acórdão, cabia à polícia intervir em caso deameaça à ordem pública ou quando o objeti-vo do meeting fosse claramente criminoso.

O que seria um direito de resistência à ex-ploração e à falta de legislação trabalhista queassegurasse o mínimo existencial ao traba-lhador foi tomado como um objetivo crimino-so pelos defensores das liberdades do cida-dão. O que poderia ser uma atuação guardiãdos valores constitucionais e resistência con-tramajoritária ao Poder do Executivo e Legis-lativo mostrou-se, por parte do STF, comoomissão diante dos movimentos sociais e suasgarantias, visto que seus arestos indicavam-no, nesse aspecto, como mero defensor do sta-tus quo.

Conforme dito anteriormente, durante ogoverno Arthur Bernardes foi aprovada umareforma constitucional21 que diminuiu o es-copo do habeas corpus, o que marca, no finalda Republica Velha, um retrocesso à autori-dade do Supremo. Assim, as conquistas rea-lizadas com a criação da doutrina brasileirado habeas corpus ficaram temporariamenteanuladas, até que se legislou novamente so-bre a matéria depois da Revolução de 1930.

8. O STF e a Era Vargas

A Revolução de 1930 abriria um novoperíodo na turbulenta história da democra-

cia no Brasil. De 1930 a 1945, o STF teve suaatuação bastante cerceada pelos decretos dogoverno revolucionário, pelos novos dispo-sitivos constitucionais e pelas leis de exce-ção aprovadas pela maioria no Congresso,sempre pronta a conceder medidas repres-sivas – vide a Lei de Segurança Nacional, acriação do Tribunal de Segurança etc. Essefoi um dos períodos mais difíceis da insti-tuição, quando foi obrigada a assistir passi-vamente a demissão de ministros22, a altera-ção de seu funcionalismo e a invasão de suasprerrogativas pelo Executivo.

Como exemplo, o Decreto 19.65623, de 3de fevereiro de 1931, estabeleceu regras paraabreviar julgamentos e reduziu o númerode ministros de quinze para onze. Em ju-nho de 1931, o STF foi reorganizado nasbases estipuladas pela Constituição de 1891,com os adendos feitos até então pelo go-verno provisório (Decreto 20.106 de 13 dejunho).

Novas práticas e instituições foram ado-tadas, entre elas: criação da Justiça Eleitoral(1932), do Tribunal de Segurança Nacional(1936), da Justiça do Trabalho (1939), aboli-ção da Justiça Federal a partir de 1937, sus-pensão de garantias constitucionais, cria-ção do Conselho Federal em substituição aoSenado. Tais medidas geradoras de confli-tos ecoavam no Supremo, restringido em seupoder de atuação.

A Carta Política de 1934 manteve a es-trutura do Tribunal, embora tenha mudadosua denominação para Corte Suprema e in-troduzido modificações – como a limitaçãode seu funcionamento. Foi também a respon-sável pela extinção da Justiça Federal, alémde criar o mandado de segurança.

Convém ainda mencionar que a mesmaConstituição introduziu duas novidades, asaber: concedeu ao Senado competênciapara suspender a execução, no todo ou emparte, de qualquer lei ou ato, deliberação ouregulamento, quando fossem declaradosinconstitucionais pelo Poder Judiciário – oque aumentou a eficácia da decisão da Cor-te Suprema –, e, ao mesmo tempo, ampliou a

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competência do órgão de cúpula, determi-nando que, mediante provocação do Procu-rador-Geral da República, cabia-lhe apreci-ar a intervenção federal fundada em ofensado Estado a princípios constitucionais (art.12, §2o).

Essa Lei Fundamental impôs também li-mitações à ação do Judiciário, ao exigir quesó por maioria dos votos da totalidade dosseus juízes os Tribunais poderiam declarara inconstitucionalidade dos atos do poderpúblico (art. 179).

A lei no 191, de 1936, regulou o processodo mandado de segurança, especificandoque este seria dado para a defesa de direitocerto e incontestável, ameaçado, ou viola-do, por ato manifestamente inconstitucio-nal, ou ilegal, de qualquer autoridade.

Em 1937, eis que surge mais uma CartaPolítica. Quanto aos ministros do STF, esta-beleceu que fossem nomeados pelo Presi-dente da República, com aprovação do Con-selho Federal (Senado), dentre brasileirosnatos, de notável saber jurídico e reputaçãoilibada, com mais de 35 e menos de 58 anos.

Se, durante a Primeira República, a Cor-te teve sua atuação inibida ante a freqüenterenovação do estado de sítio, no governoVargas esse cenário foi agravado com asConstituições de 1934 e 1937, em razão dainclusão dos estados de emergência e deguerra, os quais admitiam a suspensão dasgarantias constitucionais.

O estado de emergência vigente até 1945– em que se permitia o desterro, a censura, asuspensão das liberdades individuais, semque esses assuntos pudessem ser aprecia-dos pelo STF – mostrou as falhas desse ór-gão como guardião dos direitos fundamen-tais e a, de longa data, interferência do Exe-cutivo no Supremo.

Para se ter idéia dos flagrantes atenta-dos aos direitos fundamentais, é importan-te citar o caso de Harry Berger, que, acusadode ser o mentor da intentona comunista, foipreso e submetido a indizíveis torturas, asquais acabariam levando-o à completa de-mência na cadeia. Seu advogado de defesa

teve de requerer, em favor de seu cliente, aaplicação da lei de proteção aos animais,que exigia que se tratasse sem violência, semtortura mental ou psicológica os própriosbichos. Os animais eram mais bem tratadosque o seu cliente na prisão. Inúmeros habeascorpus e mandados de segurança chegaramao Supremo, que, então dócil à ditadura,denegava-os seguidamente.

Outro fato marcante foi o caso de OlgaBenário, que ilustra bem o apoio do STF aoExecutivo, mesmo quando este colaboravacom os anseios da Alemanha de Hitler. Olgafoi encaminhada à detenção nos primeirosmeses de gravidez. Judia e comunista, cer-tamente sua expulsão para a Alemanhaequivalia a uma sentença de morte. Desig-nado relator do processo, o ministro Bentode Faria indeferiu, uma por uma, todas assolicitações dos advogados. E, alegando queo instituto do habeas corpus estava suspensopelo estado de sítio e pelo estado de guerradecretados por Getúlio Vargas, decidiusimplesmente não tomar conhecimento dopedido.

A postura do Supremo Tribunal Federale o funcionamento de uma jurisdição de ex-ceção, como a institucionalizada no Tribu-nal de Segurança Nacional, afastaram qual-quer esperança de liberdade no Brasil deVargas. Mas a condescendência da Cortenão se restringia às questões políticas.

No tocante ao intervencionismo econô-mico, o Supremo posicionou-se ao lado dosinteresses governamentais, como foi o casoda Usina Miranda no Estado de São Paulo,a qual demandava contra o Instituto doAçúcar e do Álcool em razão da fixação dolimite de produção. O Tribunal negou pro-vimento ao agravo, alegando serem as deci-sões do IAA, em virtude de Decreto-Lei, deexclusiva competência do seu presidente,com possibilidade de recurso no prazo desessenta dias para o Ministro da Agricultu-ra e, em última instância, para o Presidenteda República, não podendo outro órgão –inclusive o Judiciário – deliberar sobre amatéria.

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Por fim, embora o STF tenha exercidocom restrição suas redefinidas atividadesno sistema político criado por Vargas em1937, ainda, sim, continuou a exercer influ-ência na garantia da precária ordem consti-tucional. Com a deposição do chefe de Esta-do e sua substituição por José Linhares (pre-sidente do STF), iniciou-se uma série detransformações, das quais cabe destacar oretorno da autonomia ao órgão.

9. A primeira redemocratização (1945)

Para aliviar o STF do elevado número deprocessos, a Constituição Federal de 1946criou o Tribunal Federal de Recursos, pas-sando-lhe a competência de julgar, em graude apelação, as causas em que a União parti-cipasse como autora, ré, assistente ou opo-nente. Assim, a partir de 1946, o STF teve suaposição alterada, no sentido de transformá-lo mais numa Corte das questões federativase constitucionais e menos num órgão de as-suntos federais, imprimindo maior relevo aopapel do STF de guardião da Constituição.

Contudo, a tradição positivista aindapesava fortemente sobre os ministros do STF,com influência das doutrinas da Igreja Ca-tólica24, forjando um liberalismo conserva-dor, paternalista e elitista, que transparecianos seus julgados e encontraria suporte en-tre a maioria dos congressistas.

Entre o suicídio de Vargas e a posse deJuscelino Kubitschek, vivenciou o Brasiluma enorme crise política que viria a desa-guar no Supremo. Morto Getúlio, assumeseu vice, Café Filho. Em outubro de 1955,Juscelino obtém sua eleição com aproxima-damente 36% dos votos populares, causan-do profunda reação nos setores da socieda-de adversários de Vargas.

No dia 3 de novembro, Café Filho sofreum ataque cardíaco, sendo internado e subs-tituído pelo Presidente da Câmara dos De-putados, Carlos Luz. Este, então, recusa-sea punir o Coronel Bizarria Mamede, que,dias antes, havia proferido discurso tido porsubversivo pelo Ministro da Guerra, Gene-

ral Lott. Este último, convencido de queCarlos Luz preparava-se para impedir aposse de Juscelino por meio de um golpepolítico, antecipa-se a este e desfere um gol-pe de Estado. Reassumindo pela força oMinistério da Guerra – ao qual renunciariaem menos de 48 horas –, Lott usa em peso oExército, cercando bases da Marinha e daAeronáutica, obrigando assim Carlos Luz ediversos políticos a fugirem. Assume, então,a Presidência da República o vice-presiden-te do Senado, Nereu Ramos.

Deposto Carlos Luz, Café Filho procu-rou reassumir a Presidência por meio de ummandado de segurança25 aviado junto aoSupremo, em 14 de dezembro de 1955, con-tra Nereu Ramos e as Mesas Diretoras daCâmara dos Deputados e do Senado. CaféFilho alegava inconstitucionalidade tantona declaração de seu impedimento para re-assumir a Presidência quanto nos pressu-postos da declaração do estado de sítio.

Esse feito, lamentavelmente, consagrou oprincípio da legitimidade revolucionária, ouseja, o “direito” dos militares de interviremno sistema político nacional. Seguramente éuma das páginas mais tristes da história des-sa instituição, pois o Supremo absteve-se dedecidir até que o feito perdesse seu objeto, coma posse de Juscelino na Presidência.

Tal decisão provocou violenta reação naoposição congressual e da imprensa, levan-do o Ministro Nelson Hungria a rebater vio-lentamente aqueles que criticavam a Corte.O ministro manifestava a sensação de im-potência, que certamente deveria ser comuma todos os outros. Todavia lhe era impossí-vel conceber, em razão do peso da sua baseformalista, que a não-chancela pelo Supre-mo poderia impingir mácula de ilegitimi-dade – verdadeira sinalização à sociedadecivil – para se opor a qualquer violação doestado de direito pelos militares da época, oque, certamente, poderia ter colaborado paraimpedir o golpe de Estado em 1964.

Durante os governos de Kubitschek(1956-1961) e Quadros (1961), o STF não foichamado a enfrentar nenhum problema de

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magnitude dos arbitrados nos governosanteriores. Concedeu habeas corpus a indiví-duos presos por participação em revoltas,firmou alguns princípios importantes –como o da não-obrigatoriedade da vincula-ção partidária, o da representatividade daforma de governo e o da inconstitucionali-dade da eleição indireta –, enfrentando pro-blemas de rotina.

É importante lembrar, nesse período es-tudado, a instituição da súmula do STF,idealizada pelo ministro Vitor Nunes Leal– indicado para o STF em 1960 pelo Presi-dente Juscelino Kubitschek.

10. O STF e o regime militar de 1964

Com o Golpe de 1964, o STF foi atingidopor várias medidas que interferiram na suacomposição e limitaram seus poderes, cau-sando assim uma debilidade institucional.Os direitos e garantias dos cidadãos, assimcomo a liberdade de comunicação, reuniãoe pensamento, ficaram subordinados ao con-ceito de segurança nacional. O país só vol-taria à completa normalidade com a Consti-tuição de 1988, que consagrou novamente ademocracia no país.

O Ato Institucional no 2 garantiu ao Pre-sidente Castelo Branco o aumento do nú-mero de ministros para 16 e excluiu da apre-ciação judicial os atos revolucionários pra-ticados com base na nova ordem.

O AI-3, por sua vez, afasta da instituiçãoo poder que esta deveria ter como órgão desoberania nacional, qual seja, de julgar asações do Executivo ou as leis do Congresso,por mais abusivos que fossem, sob o pretex-to de que se estava defendendo o país con-tra a subversão e a corrupção. O Supremonão reagiu, tendo respeitado as normas doato sem questionar ou discutir sua legitimi-dade. Reconheceu inclusive a superiorida-de hierárquica dos atos provisórios no or-denamento jurídico nacional26.

Nesse momento, nasce o controle abstra-to das leis no Brasil. Sob o signo dos interes-ses governamentais, o controle de constitu-

cionalidade concentrado – que deveria serum mecanismo de guarda da Constituiçãoe dos direitos fundamentais – surge comoinstrumento de repressão do Estado. Exem-plo disso era a questão da legitimidade paraa propositura de ação de inconstitucionali-dade, cuja competência era exclusiva do Pro-curador-Geral da República – cargo demis-sível ad nutum pelo Presidente da República–, donde deflui que o STF só apreciaria se oPGR – subordinado ao Presidente – entras-se com a ação.

Entre 1964 e 1968, em virtude das inter-venções nos estados e da prisão de um gran-de número de cidadãos, da suspensão e de-missão de funcionários, da cassação demandatos de governadores27, deputados evereadores, o Supremo viu-se inundado porpedidos de habeas corpus e mandados de se-gurança. Vários Atos Institucionais e Emen-das à Constituição complicaram o quadrojurídico, tornando a posição do Tribunalcada vez mais insustentável. Além disso,com a promulgação da Constituição de1967, novas Emendas e Atos viriam cercearainda mais sua atuação.

O AI no 6, de 1o de fevereiro de 1969, atin-giu novamente a composição do STF, redu-zindo de 16 para 11 o número de ministros.A Emenda Constitucional no 7 estendeu acompetência originária do STF, introduzin-do nele a representação para interpretaçãode ato normativo federal ou estadual e aavocatória de causas processadas perantequaisquer juízos ou Tribunais. Tal Emendaatribui também a competência para a con-cessão de medida liminar em representaçãode inconstitucionalidade, permitindo a ado-ção do instituto da argüição de relevânciada questão federal.

Ainda em relação aos atos mais relevan-tes, a Emenda Constitucional no 11, promul-gada também nesse momento conturbado,revogou todos os atos institucionais e rea-firmou os princípios da Constituição de1967 quanto à competência do Supremo.

Mais tarde, sua aquiescência na decre-tação pelo governo de medida de emergên-

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cia no Distrito Federal – por ocasião daemenda Dante de Oliveira, que restabelece-ria a eleição direta para Presidente da Re-pública – demonstrou mais uma vez a pas-sividade da instituição.

Na ocasião, um editorialista do Jornal OEstado de São Paulo impetrou mandado desegurança junto ao órgão, visando impug-nar alguns dos efeitos produzidos pelo atodo Presidente da República. O STF, no en-tanto, não conheceu da ação, sob o argu-mento de que os requerentes erraram aoapontar o Presidente da República comoautoridade coatora, colaborando assim, namedida de suas competências, para que oprocesso de sucessão do Presidente Figuei-redo ficasse limitado ao Colégio Eleitoral,como queriam os militares (VIEIRA, 2002).

11. A nova redemocratização e aConstituição Cidadã (1988)

Os dispositivos da Carta Política de 1988que enumeram as competências do STF refor-çam o papel de Corte nacional conferido aoSupremo. A mesma revalorizou a competên-cia do Órgão de Cúpula quanto ao controleda constitucionalidade das leis e extinguiu oConselho Nacional da Magistratura.

No que se refere à estrutura, o STF man-teve basicamente a mesma herdada do pas-sado. Ampliou-se, porém, sua competênciano terreno constitucional, criando o man-dado de injunção, alargando o rol das auto-ridades e instituições autorizadas a proporação de inconstitucionalidade – admitidainclusive nos casos de omissão – e atribuin-do-lhe competência para julgar originaria-mente as causas que interessam, direta ouindiretamente, à magistratura. Retirou-lhe,por conseguinte, a representação de inter-pretação, a avocatória e a função que o Tri-bunal desempenhava desde a sua criação,concernente à aplicação do direito federalinfraconstitucional, que passou para a al-çada do STJ, criado nessa ocasião.

É fundamental ressaltar ainda que, apartir da Constituição de 1988, ficou esta-

belecido que caberia ao Supremo processare julgar em recurso ordinário o instituto dohabeas corpus, do mandado de segurança, dohabeas data e do mandado de injunção deci-didos em única instância pelos TribunaisSuperiores, se denegatória a decisão, bemcomo crimes políticos.

Impende registrar, por fim, que, com aLei Fundamental de 1988, o Supremo vol-tou a trilhar o caminho democrático – inten-ção designada desde a sua criação – em quepese as constantes ameaças de tendênciasautoritárias e elitistas herdadas do passa-do próximo e a permanente instabilidadeeconômica do país.

12. O STF e o presente

Numa análise sobre o comportamento doSTF nos últimos anos, percebe-se o Supremoafeiçoado aos interesses do Poder Executivo,pois, salvo algumas alterações institucionais– como o repasse da aplicação do direito fe-deral infraconstitucional ao recém-criado STJ–, verifica-se que este ainda coadunava compráticas típicas do período anterior.

Em relação ao controle das medidas pro-visórias, é de suma importância o julgadona Ação Direta de Inconstitucionalidade no

239-7/600, pela qual o Supremo conside-rou inconstitucional a MP no 190, que per-mitia ao Tribunal Superior do Trabalho sus-pender por 180 dias as decisões tomadaspelos Tribunais Regionais do Trabalho emdissídios coletivos. Esse acórdão garantiuque os aumentos concedidos aos trabalha-dores não fossem cancelados.

Tal posicionamento foi relevante pelofato de deflagrar o processo que levaria àlimitação da ampla discricionariedade dadaao Executivo para a emissão de medidasprovisórias, abrindo espaço para um con-trole substantivo de sua constitucionalida-de e superando seguidas decisões do Tribu-nal relativas ao seu congênere no períodode arbítrio, o Decreto-Lei.

Essa postura do STF abriu espaço para aedição da Emenda Constitucional no 32, a

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qual impôs limitações à edição de MPs. Se-gundo o Ministro Celso Mello, em voto noRecurso Extraordinário no 239.286-PR,

“[...] a utilização excessiva das medi-das provisórias minimiza a importân-cia político-institucional do PoderLegislativo, pois suprime a possibili-dade de prévia discussão parlamen-tar de matérias que devem estar ordi-nariamente sujeitas ao poder decisó-rio do Congresso Nacional, além deas medidas provisórias não seremimposições normativas da vontadeunipessoal do Presidente.”

Apesar de existir um avanço em consoli-dar paulatinamente a postura de real inde-pendência perante o Poder Executivo, a sub-serviência em relação ao mesmo é notóriaquando o assunto gira em torno de planoseconômicos governamentais, pois, diante deinúmeros julgados, como o RE no 228.321-RS - Rel. Min. Carlos Velloso, o Supremoadmitiu que a CF/88 não proíbe a coinci-dência da base de cálculo entre contribui-ção social e imposto já existente e ainda sus-tentou a idéia de que a reedição de MedidasProvisórias não violentava o princípio daanterioridade de contribuições sociais(art.195, CF).

Acrescente-se ainda a demora da insti-tuição em apreciar as ações de inconstitu-cionalidade contra o bloqueio de Cruzadosno Plano Collor e todas as discussões relati-vas a resíduos inflacionários, frutos de Pla-nos Econômicos como o Bresser, Verão, Cru-zado I e II e Plano Real, em que agia timida-mente, ora postergando os julgamentos, oranegando a concessão de liminares, temen-do mais o colapso do Plano Econômico doque a violação do texto constitucional –numa clara postura comunitarista de pon-deração de valores.

Recentemente, a instituição apelou aoExecutivo, através de jornais, para que estealterasse as MPs que regulavam o Plano deCongestionamento Energético, e, com asdevidas alterações, permitiram que as mes-mas viessem a ser reconhecidas quanto a

sua constitucionalidade – viabilizando comisso o racionamento energético em 2001 –, oque demonstra a clara subserviência do Su-premo aos desígnios do Executivo.

Ao analisar sua posição institucionaldiante das ações constitucionais típicas,percebe-se que pouco se tem avançado. Oexemplo do mandado de injunção é polêmi-co e mais debatido pela doutrina nacional,mas não é o único. Os Ministros, lideradospor Moreira Alves, negaram a possibilida-de de efetivação dos direitos individuais pormeio do referido instrumento, apesar dosvotos vencidos dos Ministros Marco Auré-lio de Mello e Carlos Velloso, no Mandadode Injunção no 232.

A Ação Civil Pública também tem sofri-do consideráveis restrições pelo Tribunal,entre as quais pode ser citada a impossibili-dade de o Ministério Público discutir, poresse instrumento, questões tributárias, sobo entendimento de que tal matéria não seenquadra no rol de interesses difusos oucoletivos, segundo o Recurso Extraordiná-rio no 195.056-PR-Rel. Min. Carlos Velloso,em 4.11.98. Além disso, há ainda a questãosegundo a qual a sentença judicial em viade Ação Civil Pública tem seus efeitos limi-tados à competência territorial do órgão pro-lator da respectiva decisão, sendo uma fla-grante confusão dos conceitos de competên-cia processual e jurisdição.

Convém mencionar também que o STFpouco avançou no tocante ao direito à cida-dania e à correta representação política dopovo no Congresso Nacional. A Lei Funda-mental determina, em seu art.45, que o nú-mero de deputados na Câmara deve ser pro-porcional à população, mas que nenhumEstado pode eleger mais de 70 (setenta) par-lamentares ou menos de 8 (oito) deputados,o que gera enormes distorções em desfavorde estados como São Paulo, Minas Gerais eSanta Catarina. No entanto, quando se ten-tou enfrentar o problema da sub-represen-tação política no Brasil, o Mandado de In-junção no 233-9 sequer teve seu mérito apre-ciado, pelo fato de o STF ter entendido que

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os candidatos suplentes, então impetrantes,não detinham legitimidade ativa.

Em outro mandado de injunção28, o STFreconheceu a omissão, mas simplesmentecomunicou o fato ao Congresso Nacional,além de ter se posicionado contra a possibi-lidade de decretação da inconstitucionali-dade do art 45, parágrafo 1o, da CF, na AçãoDireta de Inconstitucionalidade no 815 – DF,sob a alegação de que tal dispositivo viola-ria os princípios legais da igualdade de votoe da democracia, e também pelo fato de oartigo ser obra do Poder Constituinte Origi-nário. Para alguns constitucionalistas, o STFdeixou de cumprir a função elementar dosTribunais Constitucionais, de não permitiras distorções nos procedimentos democrá-ticos de tomada de decisão política.

Inúmeros são os julgados em que nossaCorte mostra sua submissão, quando pres-sionada por interesses alheios a sua fun-ção. Segundo alguns, age como Pôncio Pila-tos, “lavando suas mãos” na tarefa de pres-tação jurisdicional, como, por exemplo, noimpeachment29 de Collor.

Demonstra-se, assim, no presente mo-mento, a insuficiência e incapacidade do STFem tutelar de forma isolada a ordem consti-tucional. Apesar de momentos de brilhan-tismo e demonstrações de devotamento àordem constitucional, o distanciamento doórgão na sociedade e no restante do Judiciá-rio são fatores que contribuem para que oPoder Judiciário brasileiro possa ser enqua-drado na doutrina comunitarista30, a qualpermite que diversas medidas abusivasvenham a ser implementadas pelo PoderExecutivo a título de valores e interessescoletivos.

No entanto, as verdadeiras mazelas dasociedade e da política são ignoradas com ouso de sofismas e retóricas, que é a princi-pal estratégia comunitarista, e nunca se bus-ca a origem dos problemas, fato que contri-bui para que a Corte não se consolide comoinstituição independente e garantidora dodevido processo constitucional nos parâ-metros do estado democrático de Direito, o

que compromete a efetivação da democra-cia brasileira.

13. Conclusão

Ao ilustrarmos a trajetória do STF, pode-mos depreender que, ao longo da sua histó-ria até os dias atuais, este esteve muito sub-jugado aos interesses políticos dominantes.Quando da análise de diversos julgados emperíodos distintos, os ministros não tiveramautonomia nas suas decisões, vez que namaioria das vezes foram influenciados porcircunstâncias transitórias políticas, econô-micas e institucionais.

A latente diferença entre o Judiciárionorte-americano e o brasileiro vem desdeo significado político do caso Marbury XMadison (1803), tido como o marco nahistória do controle de constitucionalida-de. Madison, ministro de Jefferson, negouexercício a Marbury, que havia sido no-meado por Adams para o cargo de juiz depaz. É nesse momento que Marshall per-cebe a necessidade de fazer uso da judici-al review e declara a inconstitucionalida-de da lei, iniciando assim um processoconflitivo em busca da autonomia de suaCorte como poder atuante.

Esse foi um grande passo para o Judiciá-rio, que, no entanto, teve posteriormente querecuar, provando com isso que ele ainda nãoera autônomo31. Em razão disso, a CorteSuprema soube conduzir a situação, oraproferindo decisões e se mostrando apta acooperar com o Executivo, ora indo de en-contro a ele com força total. O resultado dis-so foi o “governo dos juízes”, no século se-guinte, quando o Tribunal americano atuacomo “Terceira Câmara” do Congresso. Res-ta aí a nossa diferença: o STF, em nenhummomento, mostrou-se forte o bastante paraenfrentar o Executivo (BALEEIRO, 1968),durante toda a sua trajetória, em que sofreudiversas intervenções institucionais. Logo,não conseguiu nunca firmar sua autonomia,quanto mais a supremacia do judiciário, quesó é reconhecida na prática.

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Muitas vezes podemos considerar o ór-gão como um Tribunal estritamente políti-co, em que os arestos dos ministros são ori-entados pela conjuntura política, e, segun-do opinião de Willis Santiago Guerra Filho(2003),

“[...] o órgão que delibera em últimainstância sobre a constitucionalidadede normas e atos, normativos ou não,exerce necessariamente um poder po-lítico, promovendo uma espécie de ‘le-gislação negativa’, como ensina HansKelsen. Então, um poder político, como compromisso de implementar a or-dem jurídica, em um Estado Democrá-tico de Direito, tendo como principaistarefas a manutenção da harmoniaentre os poderes estatais e a efetiva-ção dos direitos fundamentais, deve-rá necessariamente ser investido eexercido de acordo com os parâmetrosconsagrados para tal investidura eexercício.”

Isso justifica a defesa de muitos juristasque, assim como ele, defendem que os mem-bros de uma Corte Constitucional devam termandato obtido por eleições, já que sua in-vestidura não pode ser debatida apenaspelo titular da soberania, seguindo exem-plo de outros poderes da República – cujomandato é por tempo determinado e eleiçãodada por meio do voto de membros do Con-gresso Nacional, com maioria qualificada32.Para o autor, um juiz constitucional há deser visto como uma espécie de “EmendaConstitucional Viva”, pois de suas delibe-rações resulta o entendimento que prevale-ce sobre o sentido do texto constitucional.

“Detectamos na permanência doSTF com a composição e estrutura quetinha no período autoritário e ditato-rial, anterior ao regime democrático, omaior entrave institucional para oaprofundamento da democracia entrenós. Juízes nomeados por generais-presidentes continuaram exercendo ocargo, mantendo intacto o entendi-mento jurídico e orientação ideológi-

ca, dificultando a transformação pos-tulada na Constituição de 1988”(GUERRA, 2003).

Portanto, faz-se mister reiterar que o STF,tal qual é estruturado, não vem apresentan-do grandes avanços como instituição autô-noma e consolidada, visto que a apreciaçãonos casos que lhe são apresentados amol-da-se nitidamente a cada instabilidade eco-nômica ou política perpassada no país.

A análise feita por ora nos permite essaconclusão, já que na Primeira República oSupremo encontrava-se tolhido pelo PoderExecutivo, cenário esse que se acentuou naEra Vargas, em que a Lei de Segurança Naci-onal, o estado de guerra e de emergência pra-ticamente usurparam a função do mesmo.

Com a primeira redemocratização, háuma maior estabilidade e a instituição vol-ta-se às atividades rotineiras, embora nãodevamos nos esquecer que, nesse período,houve uma omissão incomensurável comrelação à substituição do Presidente Vargas,conforme mostrado em tópico anterior.

Com o golpe de Estado de 1964, o Execu-tivo novamente cerceia as atividades do STFpor meio de Emendas e Atos Institucionais.A Constituição Federal de 1988 procurourestaurar o papel idealizado para a nossaCorte maior, embora a estrutura anterior nãotenha sido alterada. Assim, com a indica-ção dos ministros sendo feita pelo Presiden-te da República, a subserviência continua aexistir, sendo o exemplo mais recente o di-vulgado em um blog jurídico (ALENCAR,2006) no início deste ano de 2006, que dizrespeito à indicação do sucessor do minis-tro Carlos Veloso, em que há uma clara pre-ocupação do Presidente Lula em indicar umministro que venha a ser fiel aos interessesgovernamentais – vez que os ministrosCarlos Ayres de Britto e Joaquim Barbosanão exerceram a devoção esperada –, o quemotivou o presidente a conversar direta-mente com os possíveis substitutos.

Segundo a autora Fabiana Luci de Oli-veira (2004), a interpretação do papel de-sempenhado pelo STF no campo da política

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não é consensual, principalmente no que serefere à participação do Tribunal no proces-so de transição do regime militar para o re-gime democrático. Grande parte da biblio-grafia que trata do tema, especialmente sobo enfoque da Ciência Política, entende que ainstituição esteve ausente nesse processo detransição ou então que sua presença deu-sede maneira submissa – não dispondo o Tri-bunal de força política ou abstendo-se deatuar politicamente. Nessa perspectiva, talsituação modificar-se-ia a partir da Consti-tuição Federal de 1988, que, alterando a ju-risdição do STF e ampliando seus poderes,colocou-o na posição de uma poderosa are-na de decisão de conflitos. A discussão emvoga encontra-se relacionada à extensão deseus poderes.

A partir de 1988, entende-se que o STFdesempenha um poder político de fato, demodo que o olhar da Ciência Política vol-tou-se então à discussão das conseqüênci-as da atuação do Poder Judiciário para acriação e a sustentação da democracia, de-batendo os fenômenos da “judicialização dapolítica” (extensão da lógica racional-legalno ordenamento da política) e da “politiza-ção da justiça” (extensão da lógica político-partidária ao processo de decisão judicial).

Por isso é importante analisarmos as atu-ações, posturas ideológicas e fundamenta-ção das decisões dos ministros nomeadospelo Governo LULA (2003-2006), para veri-ficarmos o grau de coerência dos arestos anteo escopo maior da Juridisdição Constituci-onal, a saber, a proteção dos preceitos fun-damentais, resguardados na Carta Políticapátria.

Notas1 Seus seguidores entendiam que a lei era pro-

duto da razão da vontade geral, e que o juiz , noquadro da separação dos poderes, era um meroservidor público aplicador da lei. A hermenêuticaexegética deveria limitar-se ao exame dogmáticodos textos normativos, priorizando sensivelmentea interpretação literal dos mesmos. Estava presen-

te o “otimismo” cartesiano de se encontrar na lei aresposta para todos os conflitos (CRUZ, 2004).

2 “A representação republicana era frágil, e aeleição dos partidos da República, na fase que pre-cede imediatamente à proclamação da nova formade governo no País, quase insignificante. Bastaria,para tal comprovação, assinalar-se que, em 1886,não conseguem ser eleitos os grandes nomes doPartido Republicano, como Quintino Bocaiúva, Josédo Patrocínio, entre outros (...). Em julho de 1889,quatro meses antes da república proclamada, osrepublicanos obtiveram apenas um sétimo da vo-tação no Senado, o mesmo ocorrendo em agostopara a Câmara dos Deputados” (ROCHA, 1997).

3 “Art. 164. A este Tribunal Compete: I. Conce-der, ou denegar Revistas nas Causas, e pela manei-ra, que a Lei determinar. II. Conhecer dos delictos[sic], e erros do Officio [sic], que commetterem [sic]os seus Ministros, os das Relações, os Empregadosno Corpo Diplomático [sic], e os Presidentes dasProvíncias [sic] III. Conhecer, e decidir sobre os con-flictos [sic] de jurisdição, e competência das Rela-ções Provinciaes [sic]” (BRASIL, 1824).

4 A Constituição Federal de 1891 alterou a no-menclatura do referido Tribunal, passando a de-signá-lo por Supremo Tribunal Federal, consoanteredação de seu art.55, caput.

5 Há, outrossim, novas atribuições conferidasao órgão, como, e.g., a solução de conflitos entre asnações estrangeiras e os entes da federação e, emgrau de recurso, as demandas envolvendo a vali-dade ou a aplicação de tratados e leis federais,sendo a decisão do Tribunal do Estado contra ela.

6 No entanto, segundo Vladimir de P. Freitas(2003), devido às diferenças na formação da estru-tura federal em relação aos estados brasileiros e notocante aos entes estaduais americanos, a autono-mia que veio a suceder no primeiro é bem inferior àque veio no segundo. Isso porque o Brasil era umEstado centralizado na figura do Poder Moderadore que, mais tarde, se tornou um Estado Federal;nos Estados Unidos, uniram-se treze colônias paraformar um Estado, com um processo pendular dedescentralização e centralização, dependendo decada momento histórico.

7 Insta ressaltar que até então o saber jurídiconão era requisito de acesso ao órgão de cúpula,tendo sido inclusive nomeado à vaga o médicoCândido Barata Ribeiro, em 23 de outubro de 1893.

8 Nesse sentido, Cf. Nequete (2004), “A magis-tratura que agora se instala no país, graças ao regi-me republicano, não é um instrumento cego ou merointérprete na execução dos atos do Poder Legislati-vo. Antes de aplicar a lei, cabe-lhe o direito de exa-me, podendo dar-lhe ou recusar-lhe sanção, se elalhe parecer conforme ou contrária à lei orgânica. Opoder de interpretar as leis, disse o honesto e sábiojuiz americano, envolve necessariamente o direito

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de verificar se elas são conformes ou não à Consti-tuição, e neste último caso cabe-lhe declarar nulas esem efeito. Por esse engenhoso mecanismo conse-gue-se evitar que o legislador, reservando-se a fa-culdade da interpretação, venha a colocar-se naabsurda situação de juiz em sua própria causa. É avontade absoluta das assembléias legislativas quese extingue, nas sociedades modernas, como se hãoextinguido as doutrinas do arbítrio soberano doPoder Executivo”.

9 Ainda que haja diferença quanto aos graus deautonomia inerentes aos entes federativos norte-americanos e aos nacionais. (Cf. Ferreira, 1996).

10 Tal conteúdo encontra-se determinado no art.III, Seção 1, da Lei Fundamental norte-americana,em sua forma original. Disponível no sítio: http://www.archives.gov/national-archives-experience/charters/constitution_transcript.html.

11 O temor da classe dominante era o de que seestabelecesse um movimento forte de raiz popular,capaz de tomar a liderança no Poder Legislativo eelaborar leis de cunho demagógico.

12 Ainda que o respeitável jurista propugne pelacompleta ausência de proteção aos direitos indivi-duais em seu texto original, observo que a CartaPolítica já revela ab initio a manutenção do institutodo habeas corpus como regra, consoante dicção doart. I, Seção 9, Inciso 2o in verbis: “The Privilege ofthe Writ of Habeas Corpus shall not be suspended,unless when in Cases of Rebellion or Invasion thepublic Safety may require it”. Mais informações emhttp://www.archives.gov/national-archives-expe-rience/charters/constitution_transcript.html .

13 Atente-se inclusive para o fato de que o PoderModerador foi uma realidade no Período Imperialbrasileiro, de modo que este se sobrepujava às de-mais forças políticas nacionais. Isso sem dúvidaafastou qualquer possibilidade de modificação naConstituição de 1824, a fim de permitir ao entãoSupremo Tribunal de Justiça uma afirmação comopoder político.

14 Entre elas, convém destacar a possibilidadede apreciação pelo Judiciário de atos emanados doPoder Executivo e Legislativo. Rui Barbosa (1991),como defensor incansável das liberdades, semprerevelou grande admiração pelo viés constitucionalnorte-americano e, ao longo de sua atuação políti-ca e jurídica no cenário nacional, procurou interna-lizar os conceitos-chave da supracitada doutrinano ordenamento jurídico e nos tribunais brasileiros(mediante memoráveis defesas).

15 Acerca das Emendas Constitucionais à LeiFundamental americana, o conteúdo das chama-das amendments foi tão significativo à ordem jurídi-ca que as dez primeiras foram reunidas em umtodo conhecido como Declaração de Direitos (Bill ofRights no original). A 14a Emenda vinculou os esta-dos da federação ao princípio do devido processo

legal, de modo que isso possibilitou aos justices de-senvolver jurisprudência de proteção aos direitoscivis assegurados no Bill of Rights e impor novoslimites ao poder estatal. Em 1929, a quebra da Bol-sa de Valores de Nova York obrigou o governo aatuar diretamente na economia, por meio de medi-das emergenciais que contivessem os estragos pro-vocados. Após ser eleito em 1932, Roosevelt aplicao pacote de medidas conhecido como New Deal que,entre outras providências, permite o New York’s milk-control board, numa clássica atitude intervencionis-ta estatal.

16 Vide as retaliações deflagradas pela impren-sa, principalmente em 1937, por meio de editoriaise cartas remetidas pelos leitores.

17 Para exemplificar que essas atribuições aindaresidem na Corte atualmente (Rehnquist, chief justi-ce entre 1986/2005), podemos indicar a invalida-ção de ações afirmativas – intituladas como affir-mative discrimination – nas quais o Estado não temqualquer interesse; o caso de rejeição de lei estadu-al que proibia vendedores de licor de fazer propa-ganda do preço de bebidas alcoólicas; e o entendi-mento de que não cabe ao Estado criar instituiçãode ensino dirigida a um determinado grupo religio-so. Tais considerações foram extraídas de um im-portante sítio sobre a Supreme Court, owww.supremecourthistory.org , em que pese o ca-ráter não-oficial das informações.

18 Essa transcrição adaptada ao vernáculo cor-rente é oriunda do art. 179, VIII, da Constituiçãode 1824.

19 Com a contribuição dos argumentos de RuiBarbosa, o Supremo Tribunal Federal construiu adoutrina brasileira do habeas corpus, convertendo ovelho remédio britânico em instrumento de prote-ção do indivíduo contra o arbítrio do poder e, indi-retamente, de defesa das próprias instituições re-publicanas. (NEQUETE, 2000). Em que pese essasinformações, elenca o STF sob o título de “julga-mentos históricos” alguns Habeas Corpus e Recursosem Habeas Corpus, indicando que o início da doutri-na brasileira do habeas corpus ocorreu no caso doConselho Municipal do Distrito Federal. Curiosonotar que em nenhum dos instrumentos jurídicosaparece o nome de Rui Barbosa como patrono dopaciente, tendo sido a maior parte deles propostapor Melciades Mario de Sá Freire. Para maiores in-formações, indica-se o sítio da instituição em co-mento.

20 A animosidade entre os ministros do Supre-mo e Floriano Peixoto era tamanha que o próprioconstantemente nomeava e destituía os ocupantesdo cargo. Ao todo, foram quinze nomeações emseu governo, tendo sido um dos presidentes quemais indicou ao posto de ministro da Corte. Omomento político vivido interfere decisivamentenesse elevado número, haja vista que, em períodos

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de exceção, a autoridade do Executivo cresce sensi-velmente – fruto do respaldo de discricionariedadeque recebe da Carta Política e da exegese que reali-za a seu favor.

21 Vale lembrar que essa alteração provocouamplo debate, na medida em que a corrente liberalmanifestava-se pela continuidade da teoria brasi-leira do habeas corpus. Defendia que todo direitolíquido, certo e incontestável, para cujo exercíciofosse necessária a liberdade física ou de locomo-ção, era passível do writ. E foi assim que a correntedesprezou as palavras restritivas da Revisão de1926 e restituiu ao instituto a ampla fórmula daCarta de 1891, por meio da Carta Política de 16 dejulho de 1934 (Cf. NEQUETE, 2000).

22 Cumpre registrar que, no período Vargas, as-sistiu-se ao maior rodízio nas cadeiras do PretórioExcelso, vez que foram indicados ao cargo vinte eum nomes.

23 O governo provisório, por meio do Decreto no

19.656 de 3 de fevereiro de 1931, ajustou o STF,reduzindo a onze o número de juízes e dividindo-os em duas turmas, de cinco juízes cada uma. Or-denou que os relatórios, as discussões e os votosfossem taquigrafados. E, considerando que impe-riosas razões de ordem pública reclamavam o afas-tamento de ministros que se haviam incompatibili-zado com as funções por motivo de moléstia, idadeavançada, ou outros de natureza relevante, o Decre-to no 19.711, do mesmo mês e ano, declarou aposen-tados alguns ministros do STF.

24 Vide, por exemplo, a decisão acerca da liber-dade de culto religioso (MS 1.114 , julgado17.11.1949), na qual se rechaçou o culto em lugarespúblicos da Igreja Católica Apostólica Brasileira, sobo argumento de que essa instituição não possuíacostumes próprios e, com isso, confundiria os fiéiscatólicos tradicionais. Afirmou-se que tal imitaçãovilipendiava a liberdade da Igreja Romana. Esse émais um julgamento histórico do Pretório Excelso.

25 MS 3557. “Tem-se como ilegítima a investi-dura do Exmo. Sr. Vice-Presidente do Senado, exa-tamente pela inconstitucionalidade do impedimentocontra o Exmo. Sr. Presidente Café Filho. Mas, édifícil fugir às pontas desse dilema: — ou a investi-dura é legítima, termos que de si mesmo eliminamo argumento, ou é ilegítima, e no país se estabele-ceu um governo de fato.” (grifo do autor). (...) “Im-possível, assim, a outorga do writ. Se se abstrai doestado de sítio e se se reconhece a prevalência deum governo de fato, sua outorga avultaria comoverdadeiro contra-senso”. (...) “Conhecido o pedi-do contra os votos dos Ministros Nelson Hungria eMário Guimarães, decidiram sustar o julgamentoaté que seja suspenso o estado de sítio (...).”

26 Frise-se a discussão em torno do Caso JoãoGoulart – Inq. 2 – em que se discutiu qual seria o

tribunal ou juízo competente para julgar, em faceda Constituição, o ex-Presidente da República, acu-sado em inquérito policial militar da prática de cri-mes comuns durante o exercício do cargo, e queteve seus direitos políticos suspensos por regra tran-sitória, de direito excepcional ,o AI - 2 , com prazopreestabelecido de vigência.

27 Insere-se, por exemplo, a ameaça de impeach-ment do Governador Mauro Borges, o que gerou oHC 41.296.

28 MI no 219-3. Tal aresto foi produzido no Ple-no do Tribunal em 22.08.1990. A Lei Complemen-tar que dispõe sobre a fixação do número de repre-sentantes, por sua vez, é datada de 1993 (LC 78/1993).

29 Cumpre observar que a competência parajulgamento do Presidente da República nos crimesde responsabilidade é do Senado (arts. 52, I, e 86da Carta Política), estando o STF legitimado a apre-ciar o delito em caso de infração penal comum (art.102, I, b, do supracitado diploma legal). Significadizer que compete ao Senado Federal a instauraçãodo processo de impeachment, depois de admitida aacusação pela Câmara dos Deputados, que auto-riza aquele processo (ver ainda o art. 51, I, da mes-ma).

30 O estudo desenvolvido por esse projeto sobrea corrente comunitarista e a Jurisdição Constituci-onal não pôde ser aqui aprofundado, por razões deordem metodológica e de espaço.

31 Argúi-se que sua autonomia adveio com oprincípio da supremacia do judiciário, o que é fa-cilmente desmentido pelo fato de o art. III da Cons-tituição de 1787 não o consagrar. Além disso, quan-do das comemorações do bicentenário do casoMarbury vs. Madison, Stephen Griffin desmenteque a supremacia da Supreme Court veio desse caso,porquanto Marshall nunca defendeu tal idéia.Videa obra (TUSHNET, 2005).

32 Esse é o quorum exigido para alteração daConstituição.

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