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Tribunal Regional Federal da 3 1 Região Ação civil pública - Dano moral coletivo - Direito dos portadores de deficiência ao passe livre no transporte rodoviário interestadual - Lei n 2 8.899/94 - Limitação do número de assentos imposta pelo Decreto n2 3.691/2000 - Restrição ao alcance protetivo da norma - Abstenção da observância da norma - Ausência de previsão de fonte de custeio - Manutenção do equilíbrio econômico·financeiro - Revisão do contrato de concessão. Apelação Cível n 2 0007694-43.2000A.03.6000/MS 120 Tribunal Regional Federal da 4! Região Administrativo - Constitucional - Servidor público - Licença adotante - Proteção à criança - Art. 210, da Lei n2 8.112/90 - Tratamento anti isonômico entre filho biológico e adotivo - Violação ao art. 227, §6 2 , da CF/88. Mandado de Segurança n 2 0000190·57.2013A04.0000/RS · · · 129 Tribunal Regional Federal da 51 Região Administrativo - Responsabilidade civil - Empresa pública prestadora de serviços públicos - Execução fiscal - Inexistência de bens e valores a penhora - Inclusão do município que a instituiu no pólo passivo da demanda - Possibilidade - Responsabilidade subsidiária. Apelação/Reexame Necessário n 2 30054/PE 132 Supremacia do interesse público sobre o privado - Uma necessária desconstrução da crítica Claudio Penedo Madureira Doutor em Direito pela PUC·SP. Mestre em Direito Processual pela UFES. Professor da Escola Superior da Advocacia da OAB/ES, da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo (ESPGE) e do Centro de Formação para a Advocacia Pública da Associação dos Procuradores do Estado do Espírito Santo (APES). Procurador do Estado do Espírito Santo. Advogado. E mail: <[email protected]>. EMENTÁRIO Administrativo 135 Concurso Público 135 Improbidade Administrativa 139 Previdenciário 142 Processo Administrativo Disciplinar 144 Servidor Público 146 Palavras-chave: Direito Administrativo. Interesse público. Supre- macia do interesse público sobre o privado. Sumário: 1 Apresentação do problema - 2 Sobre a adstrição da doutrina crítica à noção de interesse público manifestada pela doutrina criticada - 3 Sobre o direcionamento da crítica à operacionalização prática do princípio analisado - Ausência de correlação lógica entre o objeto da crítica e a proposta teórica apresentada - 4 À guisa de conclusão - Referências TENDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS Concurso Público 153 Constitucional 154 Meio Ambiente · ··········· .. ··········· .. ···· 154 Poder de Polícia 154 LEGISLAÇÃO COMENTADA 1 Apresentação do problema Celso Bandeira de Mello procura fundar o Direito Administrativo como ramo jurídico autôno- mo, "no pressuposto de que existam princípios que lhe são peculiares e que guardem entre si uma re- lação lógica de coerência e unidade", de modo a compor um sistema, ou um regime, por ele designa- do "regimejurídico-administrativo".l Como regra, as disciplinas jurídicas autônomas constroem·se em torno de princípios próprios e procuram se estru- turar de forma lógica e coerente. Todavia, o Direito Administrativo, diferentemente de outros ramos jurí- dicos (como o Direito Civil, o Direito Penal e o Direito Processual), não se apresenta como disciplina co- dificada, o que dificulta a sua sistematização. Por esse motivo, Bandeira de Mello procura descrevê-lo a partir da concepção do que em doutrina se con- vencionou chamar "regime jurídico-administrativo", cuja finalidade reside precisamente em conferir coe- rência e unidade ao Direito Administrativo, enquanto ramificação da seara jurídica. Bandeira de Mello leciona, ao ensejo, que esse regime "resulta da caracterização normativa de determinados interesses como pertinentes à Comentários e anotações ao Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União (art. 53) Antônio Flávio de Oliveira ····· ··············· 155 LEGISLAÇÃO INFORMATIVO DE LEGISLAÇÃO 157 íNDICE 159 INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES ....................................................................................................................... 161 1 BANDEIRADE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 52. FórumAdministrativo- FA.Belo Horizonte.ano 14, n. 161, p. 9-24, jul. 2014 sociedade e não aos particulares considerados em sua individuada singularidade", dispondo, a propó- sito, que "essa caracterização consiste, no Direito Administrativo [...], na atribuição de uma disciplina normativa peculiar que, fundamentalmente, se deli- neia em função da consagração de dois princípios": a supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade do interesse público. 2 Disso resulta a sua afirmação quanto a constituírem es- ses dois princípios o cerne do regime jurídico-admi- nistrativo, ou, para utilizarmos a expressão por ele consagrada, o seu conteúdo. 3 Essa formulação teórica foi assimilada sem maiores questionamentos pelos administrativis- tas brasileiros. 4 Em verdade, mesmo fora de nos- sas fronteiras a doutrina de Bandeira de Mello tem merecido destaque e acatamento. Quanto ao par· ticular, reporto-me, a título de exemplo, ao magis- tério do professor espanhol Jaime Rodríguez·Arana Murioz, da Universidade de La Coruria, que relatou, em evento acadêmico,5 que as lições de Bandeira 2 BANDEIRADE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 55. 3 BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo. p. 69-87 passim. 4 A propósito, cf., por todos. o magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo, p. 82-83), de Lúcia Valle Figueiredo (Curso de direito administrativo, p. 66·67), de José dos Santos Carvalho Filho (Direito administrativo e Administração Pública, p. 27) e de Romeu Felipe Bacellar Filho (A noção jurídica de inte- resse público no direito administrativo brasileiro. In: BACELLAR RLHO: HACHEM(Coord.). Direito administrativo e interesse públi co: estudos em homenagem ao Professor Celso António Bandeira de Mello. p. 89). Quanto ao particular, Bacellar Filho observa, textualmente, que, "no Brasil, a supremacia do interesse público sobre o interesse privado tem sido afirmada pela doutrina e pela jurisprudência como um princípio estruturante do regime jurídico administrativo" (op. cit., p. 89). 5 Essas observações são extraídas de artigo originalmente publi- cado na obra Direito administrativo e integração regional: Anais do V Congresso da Associação de Direito Público do Mercosul e do X Congresso Paranaense de Direito Administrativo, e que ARTIGOS19

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Supremacia do interesse público sobre o privado - Uma necessária desconstrução da crítica

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  • Tribunal Regional Federal da 31Regio

    Ao civil pblica - Dano moral coletivo - Direito dos portadores de deficincia ao passe livre no transporterodovirio interestadual - Lei n2 8.899/94 - Limitao do nmero de assentos imposta pelo Decreton2 3.691/2000 - Restrio ao alcance protetivo da norma - Absteno da observncia da norma - Ausnciade previso de fonte de custeio - Manuteno do equilbrio econmicofinanceiro - Reviso do contrato deconcesso. Apelao Cvel n2 0007694-43.2000A.03.6000/MS 120

    Tribunal Regional Federal da 4! Regio

    Administrativo - Constitucional - Servidor pblico - Licena adotante - Proteo criana - Art. 210, daLei n2 8.112/90 - Tratamento anti isonmico entre filho biolgico e adotivo - Violao ao art. 227, 62,da CF/88. Mandado de Segurana n2 000019057.2013A04.0000/RS 129

    Tribunal Regional Federal da 51 Regio

    Administrativo - Responsabilidade civil - Empresa pblica prestadora de servios pblicos - Execuo fiscal -Inexistncia de bens e valores a penhora - Incluso do municpio que a instituiu no plo passivo da demanda -Possibilidade - Responsabilidade subsidiria. Apelao/Reexame Necessrio n2 30054/PE 132

    Supremacia do interesse pblico sobre o privado - Uma necessriadesconstruo da crtica

    Claudio Penedo MadureiraDoutor em Direito pela PUCSP. Mestre em Direito Processual pela UFES. Professor da Escola Superior da Advocacia da OAB/ES, daEscola Superior da Procuradoria Geral do Estado do Esprito Santo (ESPGE) e do Centro de Formao para a Advocacia Pblica daAssociao dos Procuradores do Estado do Esprito Santo (APES). Procurador do Estado do Esprito Santo. Advogado.Email: .

    EMENTRIO

    Administrativo 135Concurso Pblico 135Improbidade Administrativa 139Previdencirio 142Processo Administrativo Disciplinar 144Servidor Pblico 146 Palavras-chave: Direito Administrativo. Interesse pblico. Supre-

    macia do interesse pblico sobre o privado.

    Sumrio: 1 Apresentao do problema - 2 Sobre a adstrioda doutrina crtica noo de interesse pblico manifestadapela doutrina criticada - 3 Sobre o direcionamento da crtica operacionalizao prtica do princpio analisado - Ausncia decorrelao lgica entre o objeto da crtica e a proposta tericaapresentada - 4 guisa de concluso - Referncias

    TENDNCIAS JURISPRUDENCIAIS

    Concurso Pblico 153Constitucional 154Meio Ambiente .. .. 154Poder de Polcia 154

    LEGISLAO COMENTADA1 Apresentao do problema

    Celso Bandeira de Mello procura fundar oDireito Administrativo como ramo jurdico autno-mo, "no pressuposto de que existam princpios quelhe so peculiares e que guardem entre si uma re-lao lgica de coerncia e unidade", de modo acompor um sistema, ou um regime, por ele designa-do "regimejurdico-administrativo".l Como regra, asdisciplinas jurdicas autnomas constroemse emtorno de princpios prprios e procuram se estru-turar de forma lgica e coerente. Todavia, o DireitoAdministrativo, diferentemente de outros ramos jur-dicos (como o Direito Civil, o Direito Penal e o DireitoProcessual), no se apresenta como disciplina co-dificada, o que dificulta a sua sistematizao. Poresse motivo, Bandeira de Mello procura descrev-loa partir da concepo do que em doutrina se con-vencionou chamar "regime jurdico-administrativo",cuja finalidade reside precisamente em conferir coe-rncia e unidade ao Direito Administrativo, enquantoramificao da seara jurdica.

    Bandeira de Mello leciona, ao ensejo, queesse regime "resulta da caracterizao normativade determinados interesses como pertinentes

    Comentrios e anotaes ao Estatuto dos Servidores Pblicos Civis da Unio (art. 53)Antnio Flvio de Oliveira 155

    LEGISLAO

    INFORMATIVO DE LEGISLAO 157

    NDICE 159

    INSTRUES PARA OS AUTORES ....................................................................................................................... 161

    1 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 52.

    FrumAdministrativo- FA.Belo Horizonte.ano 14, n. 161, p. 9-24, jul. 2014

    sociedade e no aos particulares considerados emsua individuada singularidade", dispondo, a prop-sito, que "essa caracterizao consiste, no DireitoAdministrativo [ ... ], na atribuio de uma disciplinanormativa peculiar que, fundamentalmente, se deli-neia em funo da consagrao de dois princpios":a supremacia do interesse pblico sobre o privadoe a indisponibilidade do interesse pblico.2 Dissoresulta a sua afirmao quanto a constiturem es-ses dois princpios o cerne do regime jurdico-admi-nistrativo, ou, para utilizarmos a expresso por eleconsagrada, o seu contedo. 3

    Essa formulao terica foi assimilada semmaiores questionamentos pelos administrativis-tas brasileiros.4 Em verdade, mesmo fora de nos-sas fronteiras a doutrina de Bandeira de Mello temmerecido destaque e acatamento. Quanto ao particular, reporto-me, a ttulo de exemplo, ao magis-trio do professor espanhol Jaime RodrguezAranaMurioz, da Universidade de La Coruria, que relatou,em evento acadmico,5 que as lies de Bandeira

    2 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 55.3 BANDEIRADE MELLO. Curso de direito administrativo. p. 69-87

    passim.4 A propsito, cf., por todos. o magistrio de Maria Sylvia Zanella Di

    Pietro (Direito administrativo, p. 82-83), de Lcia Valle Figueiredo(Curso de direito administrativo, p. 6667), de Jos dos SantosCarvalho Filho (Direito administrativo e Administrao Pblica,p. 27) e de Romeu Felipe Bacellar Filho (A noo jurdica de inte-resse pblico no direito administrativo brasileiro. In: BACELLARRLHO: HACHEM(Coord.). Direito administrativo e interesse pblico: estudos em homenagem ao Professor Celso Antnio Bandeirade Mello. p. 89). Quanto ao particular, Bacellar Filho observa,textualmente, que, "no Brasil, a supremacia do interesse pblicosobre o interesse privado tem sido afirmada pela doutrina e pelajurisprudncia como um princpio estruturante do regime jurdicoadministrativo" (op. cit., p. 89).

    5 Essas observaes so extradas de artigo originalmente publi-cado na obra Direito administrativo e integrao regional: Anaisdo V Congresso da Associao de Direito Pblico do Mercosule do X Congresso Paranaense de Direito Administrativo, e que

    ARTIGOS19

  • Claudio Penedo Madurelra Supremacia do interesse pblico sobre o privado - Uma necessria desconstruo da crtica

    de Mello sobre o conceito de interesse pblico sobem conhecidas na Europa6 7 e afirmou, na oportu-nidade, o seu assentimento com a teoria do profes-sor paulista sobre a preferncia ou superioridade dointeresse pblico sobre o interesse privado.8 9

    A despeito disso, algumas vozes se levanta-ram, entre ns, contra o princpio da supremaciado interesse pblico sobre o privado. Destacam-se,nesse contexto, os posicionamentos de Humbertovila,lO Alexandre Santos de Arago,l1 DanielSarmento,12 Gustavo Binenbojm13 e Paulo RicardoSchier,14 que restam consolidados na obra coletivaInteresses pblicos versus interesses privados: des-construindo o princpio da supremacia do interessepblico.15 A crtica assenta-se na suposio de queos intrpretes (aplicadores) poderiam se servir doprincpio da supremacia do interesse pblico sobre oprivado, quando da tomada de posies frente a ca-sos concretos, para afastar a realizao de direitos

    foi veiculado, ainda, na coletnea Direito administrativo e interesse pblico: estudos em homenagem ao Professor Celso AntnioBandeira de Mello, coordenada pelos professores Romeu FelipeBacellar Filho e Daniel Wunder Hachem.

    6 RODRGUEZ-ARANA MUNOZ. EI inters general como categora cen-trai de la actuacin de las Administraciones Pblicas. In: BACELLARFILHO; HACHEM (Coord.). Direito administrativo e interesse pblico:estudos em homenagem ao Professor Celso Antnio Bandeira deMello, p. 34.

    7 Ipsis litteris: "Son bien conocidas, tambin en Europa, las leccionesdei profesor Celso Antnio Bandeira de Mello acerca dei concepto deinters pblico (RODRGUEZ-ARANA MUNOZ. EI inters general comocategora central de la actuacin de las Administraciones Pblicas.In: BACELLAR RLHO; HACHEM (Coord.). Direito administrativo e i~teresse pblico: estudos em homenagem ao Professor Celso AntnioBandeira de Mello, p. 34.

    8 RODRGUEZ.ARANA MUNOZ. EI inters general como categora cen-trai de la actuacin de las Adminlstraciones Pblicas. In: BACELLARRLHO; HACHEM (Coord.). Direito administrativo e interesse pblico:estudos em homenagem ao Professor Celso Antnio Bandeira deMello, p. 34.

    9 Ipsis litteris: "La teora, pues, dei profesor Celso Antnio Bandeirade Mello acerca de la preferencia o superioridad dei inters pblicosobre el inters particular o individual refleja una manera de entenderlo pblico que compacto plenamente" (RODRGUEZ-ARANA MUNOZ.EI inters general como categora central de la actuacin de lasAdministraciones Pblicas. In: BACELLAR RLHO; HACHEM (Coord.).Direito administrativo e interesse pblico: estudos em homenagemao Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 34.

    10 VILA. Repensando o "princpio da supremacia do interesse pbli-co sobre o particular". In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicosversus interesses privados: desconstruindo o princpio da supre-macia do interesse pblico, p. 171-215.

    11 ARAGO. A "supremacia do interesse pblico" no advento do Es-tado de direito e na hermenutica do direito pblico contempor-neo. In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicos versus interessesprivados: desconstruindo o princpio da supremacia do interessepblico, p. 1-22.

    12 SARMENTO. Interesses pblicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: descons-truindo o princpio da supremacia do interesse pblico, p. 23-116.

    13 BINENBOJM. Da supremacia do interesse pblico ao dever deproporcionalidade: um novo paradigma para o direito administra-tivo. In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicos versus interessesprivados: desconstruindo o princpio da supremacia do interessepblico, p. 117-169.

    14 SCHIER. Ensaio sobre a supremacia do interesse pblico sobre oprivado e o regime jurdico dos direitos fundamentais. In: SARMENTO(Org.). Interessespblicos versus interesses privados:desconstruindoo princpio da supremacia do interesse pblico, p. 217-246.

    15 SARMENTO (Org.). Interesses pblicos versus interesses privados:desconstruindo o princpio da supremacia do interesse pblico.

    10 1 ARTIGOS

    subjetivos individuais (interesses privados) em favorda realizao de interesses pblicos (ou coletivos).16Esses autores reportam-se, ento, necessidadede se garantir aos indivduos a fruio de direitosque lhes so assegurados pelo ordenamento jurdico-positivo mesmo quando exercitveis em face do Po-der PblicoY Dessa premissa resulta a qualificaoda supremacia do interesse pblico sobre o privadocomo uma "regra de preferncia" (e no como umprincpio, ou um postulado).18 Esses elementos osconduziram a defender, no plano da Cincia, a suadesconstruo ou seu abandono.

    Como esse princpio integra, juntamente coma indisponibilidade do interesse pblico, aquilo queBandeira de Mello convencionou chamar "contedodo regime jurdico-administrativo", traduzindo-se,assim, em pedra angular do Direito Administrativo,no foi surpresa a rejeio dessa proposio re-formadora pelos administrativistas brasileiros.Contra ela se posicionaram, entre outros, MariaSylvia Zanella Di Pietro,19 Lcia Valle Figueiredo,20Jos dos Santos Carvalho Filho,21 Romeu Felipe

    Bacellar Filho,22 Paulo Motta,23 Emerson Gabardo,Daniel Wunder Hachem,24 Raquel Dias da Silveira,25Regina Maria Macedo Nery Ferrarj26e Alice GonzalezBorges.27

    So das mais diversas ordens os argumentosque justificam a refutao, por esses autores, dadoutrina que prope o abandono, ou a desconstru-o, do princpio da supremacia do interesse pbli-co sobre o privado. Mas nota comum nas suasmanifestaes a afirmao de que o princpio dasupremacia do interesse pblico sobre o privadono se contrape realizao de direitos subjetivosindividuais, sobretudo daqueles qualificados comodireitos fundamentais, constituindo, pelo contrrio,importante instrumento para a sua concretizao nomundo fenomnico.

    Essa constatao se expressa, por exemplo,na doutrina de Romeu Felipe Bacellar Filho, que,reportando-se s lies de Bandeira de Mello,identifica o interesse pblico com a juridicidade,28dispondo, ao ensejo, que "a sua realizao esta-r assegurada quando forem cumpridos os coman-dos emanados do ordenamento jurdico" e que a suaobservncia " curial para a consecuo do interes-se pblico, j que este dever ser encontrado no con-tedo das leis que compem o direito positivo",29 30

    16 A propsito, cf.: Humberto vila (Repensando o "princpio da su-premacia do interesse pblico sobre o particular". In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: descons-truindo o princpio da supremacia do interesse pblico, p. 215);Alexandre Santos de Arago (A "supremacia do interesse pblico"no advento do Estado de direito e na hermenutica do direito pbli-co contemporneo. In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicos ver-sus interesses privados: desconstruindo o princpio da supremaciado interesse pblico, p. 4); Daniel Sarmento (Interesses pblicosvs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia cons-titucional. In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindo o princpio da supremacia do interessepblico, p. 24); Gustavo Binenbojm (Da supremacia do interessepblico ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma parao direito administrativo. In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicosversus interesses privados: desconstruindo o princpio da supre-macia do interesse pblico, p. 140, 149); e Paulo Ricardo Schier(Ensaio sobre a supremacia do interesse pblico sobre o privado eo regime jurdico dos direitos fundamentais. In: SARMENTO (Org.).Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindo oprincpio da supremacia do interesse pblico, p. 218).

    17 Como expe Lus Roberto Barroso no seu Prefcio coletnea, numesforo de sntese do pensamento jurdico nela expressado (In:SARMENTO (org.). Interesses pblicos versus interesses privados:desconstruindo o princpio da supremacia do interesse pblico).

    18 Ao ensejo, cf.: Humberto vila (Repensando o "princpio da suopremacia do interesse pblico sobre o particular". In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: descons-truindo o princpio da supremacia do interesse pblico, p. 173-174);Alexandre Santos de Arago (A "supremacia do interesse pblico"no advento do Estado de direito e na hermenutica do direito pblicocontemporneo. In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicos versusinteresses privados: desconstruindo o princpio da supremacia dointeresse pblico, p. 5); Daniel Sarmento (Interesses pblicos vs.interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitu-cional. In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicos versus interessesprivados: desconstruindo o princpio da supremacia do interessepblico, p. 100); Gustavo Binenbojm (Da supremacia do interessepblico ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para odireito administrativo. In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindo o princpio da supremaciado interesse pblico, p. 140, 149); e Paulo Ricardo Schier (Ensaiosobre a supremacia do interesse pblico sobre o privado e o regimejurdico dos direitos fundamentais. In: SARMENTO (Org.). Interessespblicos versus interesses privados: desconstruindo o princpio dasupremacia do interesse pblico, p. 236).

    19 Direito administrativo, p. 82-83.20 Curso de direito administrativo, p. 66-67.21 Direito administrativo e Administrao Pblica, p. 27.

    22 A noo jurdica de interesse pblico no direito administrativo bra-sileiro. In: BACELLAR RLHO; HACHEM (Coord.). Direito adminis-trativo e interesse pblico; estudos em homenagem ao ProfessorCelso Antnio Bandeira de Mello, p. 89.

    23 Direito administrativo: direito da supremacia do interesse pblico.In: BACELLAR RLHO; HACHEM (Coord.). Direito administrativo einteresse pblico: estudos em homenagem ao Professor CelsoAntnio Bandeira de Mello, p. 221-238.

    24 O suposto carter autoritrio da supremacia do interesse pblico e das origens do direito administrativo: uma crtica da crtica.In: BACELLAR FILHO; HACHEM (Coord.). Direito administrativo einteresse pblico: estudos em homenagem ao Professor CelsoAntnio Bandeira de Mello, p. 155-201.

    25 Princpio da supremacia do interesse pblico como fundamentodas relaes de trabalho entre servidores pblicos e o Estado.In: BACELLAR RLHO; HACHEM (Coord.). Direito administrativo einteresse pblico: estudos em homenagem ao Professor CelsoAntnio Bandeira de Mello, p. 347-375.

    26 Reserva do Possvel, direitos fundamentais e a supremacia dointeresse pblico. In: BACELLAR RLHO; HACHEM (Coord.). Direitoadministrativo e interesse pblico: estudos em homenagem aoProfessor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 297.

    27 A propsito, confira dois artigos de Alice Gonzalez Borges "'n-teresse pblico: um conceito a determinar" (Revista de DireitoAdministrativo) e "Supremacia do interesse pblico: descons-truo ou reconstruo?" (Boletim de Direito Administrativo).

    28 Aqui expressada como um sentido mais amplo da legalidade, demodo a abarcar inclusive os enunciados prescritivos que integrama Constituio.

    29 BACELLAR RLHO. A noo jurdica de interesse pblico no direitoadministrativo brasileiro. In: BACELLAR RLHO; HACHEM (Coord.).Direito administrativo e interesse pblico: estudos em homena-gem ao Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 95.

    30 Nesse mesmo sentido se posicionou, ainda exemplificativamente,Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem o princpio da supremaciado interesse pblico "tem que ser aplicado em consonncia comoutros princpios consagrados no ordenamento jurdico brasileiro,em especial com a observncia do princpio da legalidade" (O prin-cpio da supremacia do interesse pblico: sobrevivncia diante dosideais do neoliberalismo. In: BACELLAR RLHO; HACHEM (Coord.).Direito administrativo e interesse pblico: estudos em homenagemao Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 218).

    Frum Administrativo - FA, Belo Horizonte, ano 14, n. 161, p. 9-24, jul. 2014Frum Administrativo - FA, Belo Horizonte, ano 14, n. 161, p. 9-24, jul. 2014

    Posto isso, O publicista observa que "no h qualquerdificuldade de se sustentar a supremacia do interessepblico", pois se o seu contedo nuclear " compos-to por princpios constitucionais, a afirmao de suasupremacia s pode significar a prpria afirmao dasupremacia da Constituio".31 Afinal, seguindo no ra-ciocnio, "qualquer ao ou omisso do Poder Pblicoque violar os mandamentos constitucionais - inclusi-ve e especialmente a dignidade da pessoa humana eos direitos fundamentais - estar atingindo parcelado ncleo de interesse pblico: a juridicidade, vistoque tais valores esto consagrados juridicamente noordenamento jurdico-constitucional" .32 Da que, "sebem compreendida a noo jurdica de interesse p-blico, a afirmao de sua supremacia no ostentaqualquer incompatibilidade com o ordenamento jur-dico brasileiro".33

    Esse posicionamento doutrinrio guarda per-feita compatibilidade com as consideraes tecidaspor Lus Roberto Barroso em seu Prefcio cole-tnea que encarta e consolida a crtica dirigida porvila, Arago, Sarmento, Binenbojm e Schier aoprincpio da supremacia do interesse pblico sobreo privado.34 Barroso afirmou, na oportunidade, que"em um Estado de direito democrtico, assinaladopela central idade e supremacia da Constituio, arealizao do interesse pblico primrio muitas ve-zes se consuma apenas pela satisfao de determi-nados interesses privados", dispondo, a propsito,que "assegurar a integridade fsica de um detento,preservar a liberdade de expresso de um jorna-lista, prover a educao primria de uma crianaso, inequivocamente, formas de realizar o interes-se pblico, mesmo quando o beneficirio for umanica pessoa privada" .35E isso porque, para esseprofessor fluminense, "o interesse pblico primrioconsiste na melhor realizao possvel, vista dasituao concreta a ser apreciada, da vontade cons-titucional, dos valores fundamentais que ao intr-prete cabe preservar ou promover". 36

    31 BACELLAR RLHO. A noo jurdica de interesse pblico no direitoadministrativo brasileiro. In: BACELLAR RLHO; HACHEM (Coord.).Direito administrativo e interesse pblico: estudos em homenagemao Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 112.

    32 BACELLAR RLHO. A noo jurdica de interesse pblico no direitoadministrativo brasileiro. In: BACELLAR RLHO; HACHEM (Coord.).Direito administrativo e interesse pblico: estudos em homenagemao Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 112.

    33 BACELLAR RLHO. A noo jurdica de interesse pblico no direitoadministrativo brasileiro. In: BACELLAR RLHO; HACHEM (Coord.).Direito administrativo e interesse pblico: estudos em homenagemao Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 112.

    34 BARROSO. Prefcio. In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicosversus interesses privados: desconstruindo o princpio da supre-macia do interesse pblico.

    35 BARROSO. Prefcio. In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicosversus interesses privados: desconstruindo o princpio da supre-macia do interesse pblico, p. xiv.

    36 BARROSO. Prefcio. In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicosversus interesses privados: desconstruindo o princpio da supre-macia do interesse pblico, p. xvi.

    ARTIGOS 111

  • ClaudioPenedoMadureira Supremaciado interesse pblico sobre o privado- Uma necessriadesconstruoda crtica

    Os autores da coletnea no expressam, emseus textos, uma nova definio para o conceito deinteresse pblico. vila e Schier informam textual-mente que seus estudos no se dedicam defi-nio do conceito de interesse pblico,37 TambmSarmento confere pouca relevncia a essa definiode conceito, quando refere, em seu texto, absolutaindeterminao do interesse pblico, que faz comque essa noo esteja "em profunda crise no con-texto da fragmentao e pluralismo que caracterizaas sociedades contemporneas, nas quais se tornapor vezes impossvel extrair, moda de Rousseau,uma noo homognea de bem comum ou de von-tade geral". 38 Binenbojm,39 por sua vez, prope asubstituio de uma noo de interesse pblicofundada no "inteiro arbtrio do administrador" (queem momento algum foi aventada pela doutrina tra-dicional) pela "ponderao proporcional entre os di-reitos fundamentais e outros valores e interessesmetaindividuais constitucionalmente consagrados"(que muito se assemelha noo empregada pelamaioria dos administrativistas brasileiros, em espe-cial pela doutrina de Bandeira de Mello). J Aragorefere heterogeneidade do interesse pblico,40 ou sua multiplicidade,41 reportando-se, a propsito,ao magistrio de autores que refutam a possibilida-de da vinculao do interesse pblico juridicidade,posicionamento que claramente confere menos pro-teo aos direitos subjetivos individuais.42 Mas fato que todos eles, sem exceo, sustentam quea aplicao do Direito deve prover inclusive a reali-zao dos direitos subjetivos individuais assegura-dos pelo ordenamento jurdico-positivo, que exerce,quanto ao particular, espcie de pr-ponderao

    37 A propsito, cf.: Humberto vila (Repensando o "princpio da su-premacia do interesse pblico sobre o particular". In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindo o princpio da supremacia do interesse pblico, p. 174)e Paulo Ricardo Schier (Ensaio sobre a supremacia do interessepblico sobre o privado e o regime jurdico dos direitos fundamentais. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interessesprivados: desconstruindo o princpio da supremacia do interessepblico, p. 219).

    38 SARMENTO.Interesses pblicos vs. interesses privados na pers-pectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: SARMENTO(Org.).Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindo oprincpio da supremacia do interesse pblico, p. 27.

    39 BINENBOJM. Da supremacia do interesse pblico ao dever deproporcionalidade: um novo paradigma para o direito administra-tivo. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interessesprivados: desconstruindo o princpio da supremacia do interessepblico, p. 128.

    40 MEDAUAR.O direito administrativo em evoluo, p. 181.41 MENDES. Reforma do Estado e agncias reguladoras. In:

    SUNDFELD.Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econmico,p.l04.

    42 Afinal, na sempre pertinente lio de Eduardo Garca de Enterrae TomsRamn Fernndez, a legalidade constitui uma "tcnicapara garantir a liberdade", porque a sua violao conduz "o cida-do a suportar o que a lei no permite" (Curso de derecho administrativo, v. 2. p. 48 apud BANDEIRADEMELLO. A noo jurdicade 'interesse pblico'. In: BANDEIRADE MELLO. Grandes temasde direito administrativo, p. 186).

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    jurdica tendente realizao dos direitos funda-mentais. Assim, no tenho dvidas em afirmar quevila, Arago, Sarmento, Binenbojm e Schier estode acordo com a observao de Barroso (dantes ex-ternada) quanto a consistir o interesse pblico namelhor realizao possvel do Direito,43

    O problema que essa acepo terica cor-responde, em tudo e por tudo, noo de interessepblico manifestada pela doutrina criticada, em es-pecial por Bandeira de Mello, para quem o interes-se pblico qualifica-se como "interesse do Estadoe da sociedade na observncia da ordem jurdicaestabelecida" .4445Ora, essa "ordem jurdica estabe-lecida" a que refere o publicista composta, comocedio, pelas regras e princpios que compem oordenamento jurdico-positivo. Assim, se os direitossubjetivos individuais provm desse ordenamento,no h dvidas de que a "observncia da ordemjurdica estabelecida" (qualificada por Bandeira deMello como pressuposto necessrio identificaodo interesse pblico) conduz, pelo menos em abs-trato, realizao desses direitos subjetivos atribu-dos aos indivduos (identificada na crtica de vila,Arago, Sarmento, Binenbojm e Schier como impe-dimento jurdico ao emprego do princpio da supre-macia do interesse pblico sobre o privado).

    Essa constatao lana dvidas sobre os reaiscontornos de dissenso entre os autores. Ambos oslados parecem compartilhar a premissa segundo aqual a observncia do interesse pblico pressupe,inclusive, a realizao de direitos subjetivos indivi-duais. Mas, mesmo assim, uns sustentam a su-premacia do interesse pblico sobre os interessesprivados (ou particulares), como forma de promovera sua realizao, enquanto outros defendem queesse princpio deve ser abandonado, ou descons-trudo, justamente para que se possam realizar, emconcreto, direitos subjetivos dos indivduos.

    Por tais razes, proponho-me, neste trabalho,a uma desconstruo da crtica formulada por vila,Arago, Sarmento, Binenbojm e Schier, com o obje-tivo de compreender a gnese dessa dissenso.Em especfico, desejo investigar se a crtica dessesautores ao princpio da supremacia do interessepblico sobre o privado reflete, de fato, um novoparadigma para a realizao de direitos subjetivos

    individuais quando manifestados e exercitveis emface do Poder Pblico. Para tanto, parto da inves-tigao sobre se essa doutrina crtica46 persistehgida mesmo quando considerada a noo de in-teresse pblico empregada pela doutrina criticada,como forma de verificar se a censura lanada dirige-se ao modelo terico impugnado, ou se, em rigor,assenta-se sobre a sua operacionalizao prticano campo da aplicao do Direito.

    2 Sobre a adstrio da doutrina crtica noo de interesse pblico manifestadapela doutrina criticada

    Um primeiro aspecto a ser considerado, nessecontexto, a ausncia de definio, pela doutrinacrtica, do conceito de interesse pblico.47 Essaparticularidade do direcionamento da crtica traz

    46 Por efeito didtico, neste trabalho designarei o posicionamentojurdico que censura a afirmao terica da supremacia do interessepblico sobre o privado simplesmente como "doutrina crtica".

    47 Como expus, vila (Repensando o "princpio da supremaciado interesse pblico sobre o particular". In: SARMENTO(Org.).Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindoo princpio da supremacia do interesse pblico, p. 174) e PauloRicardo Schier (Ensaio sobre a supremacia do interesse pblicosobre o privado e o regime jurdico dos direitos fundamentais.In: SARMENTO (Org.). Interesses pblicos versus interessesprivados: desconstruindo o princpio da supremacia do interessepblico, p. 219) informam textualmente que seus estudos no sededicam definio do conceito de interesse pblico; Sarmentoconfere pouca relevncia a essa definio de conceito, como seinfere da sua referncia absoluta indeterminao do conceitode interesse pblico, que faz com que essa noo se encontre"em profunda crise no contexto da fragmentao e pluralismo quecaracteriza as sociedades contemporneas. nas quais se tornapor vezes impossvel extrair. moda de Rousseau, um noohomognea de bem comum o de vontade geral" (SARMENTO.Interesses pblicos vs. interesses privados na perspectivada teoria e da filosofia constitucional. In: SARMENTO (Org.).Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindoo princpio da supremacia do interesse pblico, p. 27); Binenbojmprope a substituio de uma noo de interesse pblico fundadano "inteiro arbtrio do administrador" (que em momento algumno foi aventada pela doutrina tradicional) pela "ponderaoproporcional entre os direitos fundamentais e outros valores einteresses metaindividuais constitucionalmente consagrados" (Dasupremacia do interesse pblico ao dever de proporcionalidade:um novo paradigma para o direito administrativo. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: descons-truindo o princpio da supremacia do interesse pblico, p. 128),que muito se assemelha noo empregada pela maioria dosadministrativistas brasileiros, em especial pela doutrina deBandeira de Mello; e Arago refere heterogeneidade do interessepblico, ou sua multiplicidade (A "supremacia do interessepblico" no advento do Estado de direito e na hermenutica dodireito pblico contemporneo. In: SARMENTO(Org.). Interessespblicos versus interesses privados: desconstruindo o princpioda supremacia do interesse pblico, p. 6-7), reportando-se, apropsito, ao magistrio de autores que refutam a possibilidadeda vinculao do interesse pblico juridicidade (cf.: MEDAUAR.O direito administrativo em evoluo, p. 181 e MENDES. Reformado Estado e agncias reguladoras. In: SUNDFELD (Coord.).Direito administrativo econmico, p. 104). posicionamento queclaramente confere menos proteo aos direitos subjetivosindividuais. Ao ensejo, recobro a lio de Eduardo Garca deEnterra e TomsRamn Fernndez, para quem a legalidadeconstitui uma "tcnica para garantir a liberdade', porque a suaviolao conduz "o cidado a suportar o que a lei no permite"(Curso de derecho administrativo, v. 2, p. 48).

    43 BARROSO.Prefcio. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindo o princpio da supremaciado interesse pblico, p. xvi.

    44 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 72.4S A propsito, Adriana da Costa Ricardo Schier j havia observado,

    com agudeza, que "nessa seara parece haver uma pretensa disso-nncia de idias entre autores que, em ltima anlise, preconizame defendem uma leitura democrtica do Direito" (O princpio da suopremacia do interesse pblico sobre o privado e o direito de grevede servidores pblicos. In: BACELLARALHO; HACHEM(Coord.). Di-reito administrativo e interesse pblico: estudos em homenagemao Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 381).

    FrumAdministrativo- FA,Belo Horizonte,ano 14, n. 161, p. 9-24, ju!. 2014 FrumAdministrativo- FA.Belo Horizonte,ano 14, n. 161, p. 924. ju!. 2014

    implicaes de ordem terica e prtica para o aferi-mento da sua consistncia cientfica. Com efeito, aafirmao de que o interesse pblico no necessa-riamente deve prevalecer sobre os interesses priva-dos pressupe, por bvio, a precisa identificao doque interesse pblico. Enfim, "no h como criti-car tal princpio sem enfrentar o inexcedvel tema danoo jurdica de interesse pblico", como advertiu,em doutrina, Romeu Felipe Bacellar Filho.48

    Na prtica, essa opo terica de Humbertovila, Alexandre Santos de Arago, Daniel Sarmento,Gustavo Binenbojm e Paulo Ricardo Schier, por noapresentar uma nova definio para o conceito deinteresse pblico, quando conjugada extenso dosquestionamentos por eles formulados, faz com queas suas consideraes sobre o tema tornem-se irre-mediavelmente amalgamadas noo de interessepblico sustentada por Celso Antnio Bandeira deMello. A uma porque sua a crtica se dirige, especi-ficamente, supremacia do interesse pblico sobreo privado, que se apresenta como pedra angular dadoutrina administrativa de Bandeira de Mello, namedida em que por ele restou designada como umdos princpios que compem o "contedo do regimejurdico-administrativo" .49A duas porque, como re-cobra Paulo Motta, Bandeira de Mello " o respon-svel pela introduo da conceituao de interessepblico (que ele denomina, modestamente, de no-o) e de sua supremacia em face do interesse pri-vado no Direito Administrativo brasileiro" .50Talvezpor esse motivo, alis, a maioria desses autorestenham tido o cuidado de citar, em seus trabalhos,a doutrina de Bandeira de Mello sobre a suprema-cia do interesse pblico sobre o privado.51 Por taisrazes, e porque esse professor paulista apresen-ta, em sua obra, uma bastante conhecida definiodo conceito de interesse pblico, a consistnciaterico-cientfica das observaes crticas que lheforam dirigidas deve ser aferida, necessariamente,

    48 BACELLAR FILHO. A noo jurdica de interesse pblico nodireito administrativo brasileiro. In: BACELLARALHO; HACHEM(Coord.). Direito administrativo e interesse pblico: estudos emhomenagem ao Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 90.

    49 A propsito, cf., por todos: BANDEIRADEMELLO.Curso de direitoadministrativo, p. 69-87 passim.

    so MOTIA. Direito administrativo: direito da supremacia do interesse pblico. In: BACELLARALHO; HACHEM (Coord.). Direitoadministrativo e interesse pblico: estudos em homenagem aoProfessor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 222.

    S1 Referiram textualmente doutrina de Bandeira de Mello: Humbertovila (Repensando o "princpio da supremacia do interesse pblicosobre o particular". In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos ver-sus interesses privados: desconstruindo o princpio da supremaciado interesse pblico, p. 171); Daniel Sarmento (Interesses pbli-cos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofiaconstitucional. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versusinteresses privados: desconstruindo o princpio da supremacia dointeresse pblico, p. 24) e Gustavo Binenbojm (Da supremacia dointeresse pblico ao dever de proporcionalidade: um novo paradig-ma para o direito administrativo. In: SARMENTO(Org.). Interessespblicos versus interesses privados: desconstruindo o princpio dasupremacia do interesse pblico, p. 125, 130).

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  • ClaudioPenedoMadureira

    aos servios pblicos etc., cuja disponibilidade nopoderia ficar merc da vontade dos proprietriosem comercial iz-Ios" .72

    Bandeira de Mello destaca, ento, a existn-cia de dois tipos de interesses que podem ser as-sumidos pelos indivduos: "o interesse individual,particular, atinente s convenincias de cada um noque concerne aos assuntos de sua vida particular"(interesse da pessoa ou grupo de pessoas singu-larmente consideradas) e "o interesse igualmentepessoal destas mesmas pessoas ou grupos, masque comparecem enquanto partcipes de uma cole-tividade maior na qual esto inseridos".73

    Em vista do exemplo, no h dvidas que osindivduos podem ser convencidos, com relativafacilidade, da necessidade do instituto da desa-propriao, pois muito embora possa lhes pareceratraente, numa perspectiva pragmtica, no corre-rem o risco de serem expropriados, no lhes serpossvel sustentar, racionalmente, como membrosde uma comunidade, a impertinncia da desapro-priao de reas necessrias ao desenvolvimentoe reproduo de um melhor ambiente social. Essesegundo grupo de interesses foi considerado rele-vante pelo legislador, sendo, destarte, assimiladopelo ordenamento jurdico-positivo, que contemplao instituto da desapropriao. Com isso, o interes-se pessoal de um indivduo, ou de um grupo iso-lado deles, de que no se institua o instituto dadesapropriao no est apto a gerar direitos sub-jetivos (e por isso no constitui interesse jurdico),precisamente porque no foi acatado pelo PoderLegislativo, qualificando-se, assim, como simplesinteresse individual de cunho pragmtico.

    Com essas ressalvas, mesmo interesses indivi-duais (ou particulares) podem ser qualificados, con-forme Bandeira de Mello, como interesse do todo,ou interesse pblico.74 75Com efeito, essa preten-so pragmtica manifestada no exemplo relativo aoinstituto da desapropriao, conquanto encerre, sobcerta tica, "interesse privado", no caracteriza, noconfronto com o ordenamento jurdico-positivo, inte-resse do todo, ou interesse pblico, e por isso noest apto a induzir direitos subjetivos individuais.Por sua vez, o interesse pessoal de cada um dosmembros da comunidade (portanto, um interesseindividual, ou particular) de que exista o instituto dadesapropriao, concebido em funo das suas ne-cessidades enquanto integrantes do corpo social,

    Supremaciado interesse pblico sobre o privado- Uma necessriadesconstruoda crtica

    tambm a partir da investigao da sua compatibili-dade com essa noo de interesse pblico.

    Situao distinta haveria se esses autores ti-vessem criticado a prpria noo de interesse pbli-co construda por Bandeira de Mello, ou se tivessemformulado crtica mais ampla, de modo a abarcarno apenas a ideia subjacente supremacia dointeresse pblico sobre o privado, mas a prpriadefinio do conceito de interesse pblico, Porm,no foi essa a opo terica por eles adotada.Quanto ao particular, vila observa que a finalidadedo seu estudo ", apenas, analisar criticamente o'princpio da supremacia do interesse pblico sobreo particular''', por considerar que esse princpio,"tal como vem sendo descrito pela doutrina, nose identifica com o bem comum",52 o que faz comque s a um primeiro olhar seja "adequada a descri-o desse princpio da supremacia".53 J Sarmentoexpe que o seu objetivo foi "mostrar, com aportesda filosofia constitucional e da teoria dos direitosfundamentais, que o chamado princpio da suprema-cia do interesse pblico sobre o particular no cons-titui critrio adequado para resoluo" de colisesentre interesses pblicos e privados.54 Binenbojm,por sua vez, destaca como propsito do seu ensaioa demonstrao da "inconsistncia terica do ditoprincpio da supremacia do interesse pblico sobreo particular com a sistemtica constitucional cidad,comprometida com a proteo e promoo dosdireitos individuais de maneira ponderada e com-patvel com a realizao das necessidades e as-piraes da coletividade como um todo".55 Aragono vocaliza em seu texto o objeto da sua crtica,mas parece aderir integralmente s consideraesde vila, Sarmento e Binenbojm.56 De seu turno,Schier informa que parte "da existncia de referidoprincpio", embora para "demonstrar que a prxisadministrativo-constitucional o tem erigido a umaespcie de clusula geral de restrio de direitosfundamentais" .57

    52 VILA.Repensando o "princpio da supremacia do interesse pbli-co sobre o particular". In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicosversus interesses privados: desconstruindo o princpio da supre-macia do interesse pblico, p. 174.

    53 VILA.Repensando o "princpio da supremacia do interesse pbli-co sobre o particular". In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicosversus interesses privados: desconstruindo o princpio da supre-macia do interesse pblico, p. 173.

    54 SARMENTO.Interesses pblicos vs. interesses privados na pers-pectiva da teoria e da filosofia constitucional. In: SARMENTO(Org.).Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindo oprincpio da supremacia do interesse pblico, p. 23.

    55 BINENBOJM. Da supremacia do interesse pblico ao dever deproporcionalidade: um novo paradigma para o direito administra-tivo. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interessesprivados: desconstruindo o princpio da supremacia do interessepblico, p. 129.

    56 ARAGO.A "supremacia do interesse pblico" no advento do Es-tado de direito e na hermenutica do direito pblico contempor-neo. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interessesprivados: desconstruindo o princpio da supremacia do interessepblico, p. 1-22.

    57 SCHIER.Ensaio sobre a supremacia do interesse pblico sobre oprivadoe o regimejurdico dos direitos fundamentais. In: SARMENTO

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    Posto isso, preciso investigar se essa suacrtica ao princpio se mantm coerente, em sua es-trutura, mesmo quando considerada a noo de in-teresse pblico manifestada por Bandeira de Mello.

    em vez de "acentuar, como se deveria, que o interes-se pblico, ou seja, o interesse do todo, 'funo'qualificada dos interesses das partes, um aspec-to, uma forma especfica, de sua manifestao" .63 que, conquanto possa existir, em concreto, "in-teresse pblico contraposto a um dado interesseindividual" ,64 no h interesse pblico que sejadiscordante do interesse de cada um dos membrosda sociedade.65 E isso porque, conforme Bandeirade Mello, "inconcebvel um interesse do todo quefosse, ao mesmo tempo, contrrio ao interesse decada uma das partes que o compem", ou que "obom para todos fosse o mal de cada um, isto ,que o interesse de todos fosse um anti-interessede cada um" .66

    Com essas consideraes, Bandeira de Melloatesta "a existncia de uma relao ntima, indis-solvel, entre o chamado interesse pblico e os in-teresses ditos individuais" .67Para o publicista, "ointeresse pblico, o interesse do todo, do conjuntosocial, nada mais que a dimenso pblica dosinteresses individuais", que composta, em suasprprias palavras, pelos "interesses de cada indi-vduo enquanto partcipe da sociedade (entificadajuridicamente no Estado)" .6869 Noutra passagem,o publicista assenta que essa dimenso pblicados interesses individuais "consiste no plexo dosinteresses dos indivduos enquanto partcipes dasociedade, ou seja, quando se qualifiquem comoinstrumentais ao interesse pblico, por concorrerempara a satisfao do interesse pblico" .70

    Exemplificando, Bandeira de Mello expressaque "um indivduo pode ter, e provavelmente ter,pessoal - e mximo - interesse em no serdesapropriado", mas que "no pode, individual-mente, ter interesse em que no haja o institutoda desapropriao, conquanto este, eventualmen-te, venha a ser utilizado em seu desfavor".71 Comefeito, ele ter "pessoal interesse em que existadito instituto", pois membro do corpo social, epor isso necessitar, por exemplo, "que sejam li-beradas reas para abertura de ruas, estradas ouespaos onde se instalaro aerdromos, escolas,hospitais, hidroeltricas, canalizaes necessrias

    2.1 Explicitao do conceito de interessepblico empregado pela doutrinacriticada - Posicionamento de CelsoAntnio Bandeira de Mello

    Diversamente do que j se afirmou,58 a noode interesse pblico concebida por Celso AntnioBandeira de Mello no traz em si qualquer traode autoritarismo ou arbitrariedade. Pelo contrrio,esse professor paulista "sempre defendeu a propa-gao de um Direito Administrativo no autoritrio eserviente ao administrado", como expressa WeidaZancaner no seu Prefcio obra Direito administra-tivo e interesse pblico: estudos em homenagemao Professor Celso Antnio Bandeira de Mello.59 Emidntica direo posicionou-se Paulo Motta, paraquem Bandeira de Mello " o responsvel por duasdas mais importantes rupturas operadas no DireitoAdministrativo brasileiro", entre elas a "construodo Direito Administrativo da cidadania" .6061

    Bandeira de Mello leciona que, "ao se pensarem interesse pblico, pensa-se, habitualmente, emuma categoria contraposta de interesse privado,individual, isto , ao interesse pessoal de cadaum" .62 Mas destaca a necessidade de se preve-nir "contra o erro de, consciente ou inconsciente,promover uma separao absoluta entre ambos",

    (Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: descons-truindo o princpio da supremacia do interesse pblico. p. 218.

    58 A propsito, cf., por todos. as observaes de Paulo RicardoSchier quanto a poder o emprego do princpio da supremaciado interesse pblico "justificar a emergncia de manipulaesdiscursivas negadoras dos direitos fundamentais", fundadasna press'Jposio de que "a prxis administrativo-constitucionalo tem er:gido a uma espcie de clusula geral de restrio dedireitos fundamentais" (Ensaio sobre a supremacia do interessepblico sobre o privado e o regime jurdico dos direitos fundamen-tais. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interessesprivados: desconstruindo o princpio da supremacia do interessepblico, p. 217-218).

    59 ZANCANER. Prefcio. Homenagem ao pensamento jurdico deCelso Antnio. In: BACELLARFILHO; HACHEM (Coord.). Direitoadministrativo e interesse pblico: estudos em homenagem aoProfessor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 11.

    80 Motta considera que "as crticas lanadas contra Celso AntnioBandeira de Mello, como cultor de um Direito Administrativodistante da cidadania (para dizer o menos) revestem-se de duasfalsidades: uma pndega, porque demonstra ignorncia paracom sua obra; outra, trgica, porque se propagou por meia dziade autores" (Direito administrativo: direito da supremacia dointeresse pblico. In: BACELLARALHO; HACHEM(Coord.). Direitoadministrativo e interesse pblico: estudos em homenagem aoProfessor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 222).

    8. Uma segunda contribuio, mas no menos importante, consisteem "acolher conceitualmente no Brasil um sistema denominadoregime jurdico-administrativo", que permitiu a estruturao doDireito Administrativo brasileiro como Cincia Jurdica, "sem nadadever, em termos metodolgicos, a outros ramos do Direito" (op.cit., p. 222).

    62 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 59.

    63 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 59.64 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 60.65 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 59.66 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo. p. 59.87 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 60.68 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 60.69 Quanto ao particular, cf., ainda: BANDEIRADE MELLO. A noo

    jurdica de 'interesse pblico'. In: BANDEIRADEMELLO. Grandestemas de direito administrativo, p. 182.

    70 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. In:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,P.188.

    71 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. In:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.182.

    FrumAdministrativo- FA,Belo Horizonte,ano 14, n. 161, p. 9-24, jul. 2014 FrumAdministrativo- FA,Belo Horizonte,ano 14, n. 161, p. 924, jul. 2014

    72 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. In:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.182.

    73 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 60-61.74 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 61.75 Sobre o assunto, ler tambm: BANDEIRADEMELLO.A noo jurdi-

    ca de 'interesse pblico'. In: BANDEIRADEMELLO.Grandes temasde direito administrativo, p. 183.

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  • ClaudioPenedoMadureira Supremaciado interesse pblico sobre o privado- Umanecessriadesconstruo da crtica

    porque foi integrado ao direito positivo, qualifica-secomo interesse do todo, ou interesse pblico, e porisso est apto a induzir direitos subjetivos de cunhoindividual.

    H, pois, em concreto, interesses privados quepodem conflitar com o interesse pblico (no con-templados pelo ordenamento) e interesses privadoscoincidentes com o interesse pblico (contempladospelo ordenamento). Porm, no se observar, sobtais premissas, conflito entre o interesse pblicoe os direitos subjetivos individuais. que os inte-resses individuais contemplados pelo ordenamentojurdico-positivo (que so os que induzem direitossubjetivos) integram o conceito de interesse pblico,porque a ele so instrumentais, constituindo, assim,o que Bandeira de Mello convencionou chamar di-menso pblica dos interesses individuais.76 77

    Pelo que se viu, para Bandeira de Mello o inte-resse pblico somente se justifica, como categoriajurdica, "na medida em que se constitui em veculode realizao dos interesses das partes que o inte-gram no presente e das que o integraro no futuro". 78Disso decorre a sua conceituao como "interesseresultante do conjunto dos interesses que os indiv-duos pessoalmente tm quando considerados emsua qualidade de membros da sociedade e pelosimples fato de o serem".79 80Assim, esse profes-sor paulista procura identificar o interesse pblicocom a realizao dos interesses individuais, porqueo apresenta (o interesse pblico) como faceta deles(dos interesses individuais).81 A importncia dessacompreenso reside, conforme Bandeira de Mello,em um duplo aspecto.82

    Em primeiro lugar "enseja mais facilmentedesmascarar o mito de que interesses qualificadoscomo pblicos so insuscetveis de serem defen-didos por particulares [... ] mesmo quando seu de-satendimento produz agravo pessoalmente sofrido

    76 Cf.: BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo. p. 60,182 e BANDEIRADEMELLO.A noo jurdica de 'interesse pbli-co'. In: BANDEIRADEMELLO. Grandes temas de direito adminis-trativo. p. 182).

    77 Assim. no limite. apenas poderia constituir algum desafio coe-rncia dessa construo terica proposta por Bandeira de Mello adepreenso prtica de direitos subjetivos individuais que se acre-dita existir, quando considerada a lei em abstrato. mas que. emconcreto, diante das circunstncias da hiptese ftica analisada.no se revelam presentes. Muito embora essa discusso. dadaa sua relevncia. constitua material suficiente para a construode um novo estudo. que investigaria. entre outros assuntos, omodus operandi da aplicao do Direito sob o regime jurdico bra-sileiro. em rigor. essa crise se resolve pela to-s compreensoda distino entre os planos da construo do direito pelo Parla-mento e da sua aplicao pelos intrpretes.

    78 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 61.79 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 61.!Kl Ao ensejo, cf., ainda: BANDEIRADEMELLO.A noo jurdica de 'in-

    teresse pblico'. Itr. BANDEIRADEMELLO.Grandes temas de direitoadministrativo, p. 183.

    81 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 61.82 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 61.

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    pelo administrado",83 o que desmente a "indevidasuposio de que os particulares so estranhos atais interesses".84 Ao ensejo, Bandeira de Mello de-nuncia "o errneo entendimento de que as normasque os contemplam foram editadas em ateno ainteresses coletivos, que no lhes diriam respeito,por irrelatos a interesses individuais" .85

    Em segundo lugar mitiga "a falsa desvincula-o absoluta entre uns e outros", refutando a ilaode que "sendo os interesses pblicos interessesdo Estado, todo e qualquer interesse do Estado (edemais pessoas de Direito Pblico) seria ipso factoum interesse pblico".86 A propsito, Bandeira deMello leciona que "a noo de interesse pblico (... ]impede que se incida no equvoco muito grave desupor que o interesse pblico exclusivamente uminteresse do Estado", lapso de compreenso "quefaz resvalar fcil e naturalmente para a conceposimplista e perigosa de identific-lo com quaisquerinteresses da entidade que representa o todo" .8788Para esse professor paulista "o Estado, tal comoos demais particulares, , tambm ele, uma pessoajurdica, que, pois, existe e convive no universo jur-dico em concorrncia com todos os demais sujeitosde direito", e que, por isso, "independentementedo fato de ser, por definio, encarregado de inte-resses pblicos", pode ter, como qualquer outrapessoa, "interesses que lhe so particulares, indivi-duais, e que, tal como os interesses delas, concebi-das em suas meras individualidades, se encarnamno Estado enquanto pessoa" .89 90 Esses ltimosinteresses no so, conforme Bandeira de Mello,"interesses pblicos", mas se qualificam, na verda-de, como interesses individuais (ou particulares) doEstado, que s podem ser perseguidos pelos agen-tes estatais quando coincidem com a realizao dointeresse pblico.91

    Essas consideraes de Bandeira de Mellovo ao encontro da classificao consagrada no pIa-no da Cincia por Renato Alessi,92 que tem ampla

    aplicao entre ns em sede doutrinria93 e preto-riana.94Alessi distingue os interesses do Estado emprimrioS e secundrios, e leciona que determina-dos interesses transitoriamente defendidos por r-gos estatais (interesses secundrios) podem nocorresponder ao interesse pblico (primrio), sobre-tudo quando representarem pretenso circunstan-cial cuja realizao se mostra incompatvel com oslimites impostos pelo legislador interveno doEstado na esfera de disponibilidade jurdica do ci-dado.95Assim, aqueles interesses designados porBandeira de Mello como interesses individuais (ouparticulares) do Estado correspondem aos interes-ses secundrios referidos por Alessi, ao passo quea "dimenso pblica desses interesses individuais",que o professor paulista qualifica como interessespblicos, corresponde ao que Alessi convencionouchamar interesse primrio. 96

    Nessa tica, somente esses interesses ditosprimrios podem ser caracterizados como interes-ses pblicos. que os interesses ditos secund-rios qualificam-se como interesses individuais doEstado, e por isso so correlatos aos interessesparticulares (por exemplo, cobrar tributos). Essesinteresses particulares do Estado s merecem pro-teo jurdica quando instrumentais ao interesse

    93 Cf., por todos: BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo. p. 33.

    94 VideSTJ.REspn2 787.967/SE. ReI.Min. LuizFux.DJ.23 ago. 2007.95 A propsito da distino terica entre interesses primrios e se-

    cundrios. Ricardo Marcondes Martins observa. reportando-se doutrina de Alessi. que o interesse primrio corresponde ao "com-plexo de direitos individuais prevalentes em uma determinadaorganizao jurdica da coletividade", ao passo que o interessesecundrio comporta "o interesse da administrao enquanto apa-rato organizativo. unitariamente considerado" (Arbitragem e admi-nistrao pblica: contribuio para o sepultamento do tema. Re-vista Trimestral de Direito Pblico. p. 198). Nas prprias palavrasde Alessi. oportunamente transcritas por Martins (op. cit.. p. 198):"Questi interessi pubblici. colletivi dei quali i'lamministrazionedeve curare il soddisfacimento. non sono. si noti bene. semplicimente. !'interesse dell'amministrazione intesa come apparatoorganizzativo. sebbene quello che stato chiamato !'interessecolletivo primario, formato dai complesso degli interessi individualiprevalenti in una determinata organizzazione guiridica della colletti-vitt. mentre !'interesse dell' apparato unitariamente considerato.sarebbe semplicemente uno degli interessi secondari che possonoessere realizzati soltano in caso di coincidenza. e nei limiti di siffat-ta coincidenza con !'interesse colletivo primario" (ALESSI.Principidi dirtto amministrativo. v. 1. p. 200-201).

    96 Por esse motivo. alis. imprprio falar em interesse pblico se-cundrio. Afinal, como expressa. em doutrina. Ricardo MarcondesMartins. o "interesse pblico secundrio s reconhecido pelo D~reito quando for coincidente com o interesse pblico primrio" (Arb~tragem e administrao pblica: contribuio para o sepultamentodo tema. Revista Trimestral de Direito Pblico. p. 200). Assim. ad-verte Martins. o "interesse pblico secundrio. enquanto interessejuridicamente reconhecido. no possui autonomia". precisamenteporque "s juridicamente acatado pelo ordenamento se for coin-cidente com o primrio". pelo que, "noutros termos. o interessesecundrio ser um interesse juridicamente reconhecido somentequando for tambm um interesse primrio" (Arbitragem e adminis-trao pblica: contribuio para o sepultamento do tema. RevistaTrimestral de Direito Pblico. p. 201). Destarte. ou interesse se-cundrio coincide com o interesse primrio, qualificando-se. assim,como interesse pblico. ou no se trata de interesse pblico.

    83 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo. p. 61.84 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo. p. 61.85 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo. p. 61.86 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo. p. 61-62.87 BANDEIRADEMELLO.A noo jurdica de 'interesse pblico'. Itr.

    BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.187.

    88 A propsito. cf . ainda: BANDEIRADE MELLO. Curso de direitoadministrativo. p. 65.

    89 BANDEIRADEMELLO.A noo jurdica de 'interesse pblico'. Itr.BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.188.

    90 Sobre o assunto, ler tambm: BANDEIRADE MELLO. Curso dedireito administrativo. p. 65-66.

    91 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. In:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo.p.188.

    92 Cf.: ALESSI. Sistema instituzionale dei diritto amministrativoitaliano, p. 197.

    FrumAdministrativo- FA.Belo Horizonte.ano 14, n. 161, p. 924. jul. 2014 FrumAdministrativo- FA,Belo Horizonte,ano 14, n. 161, p. 9-24, jul. 2014

    pblic097 (por exemplo, cobrar tributos dentro doslimites legais, para tornar vivel o fornecimento deservios pblicos). Por isso que, para Bandeirade Mello, o interesse pblico consiste no interessedo Estado e da sociedade na observncia da ordemjurdica estabelecida,98 resultando, assim, na corre-ta aplicao do Direito, e funciona, destarte, comolimitador da interveno estatal na esfera das liber-dades individuais, de modo que essa intervenose opere apenas nas hipteses taxativamente admi-tidas pelo ordenamento jurdico-positivo.99

    Em novos exemplos, Bandeira de Mello refere-se possibilidade de divergncia de pensamentoentre as mltiplas pessoas que "consideraro deinteresse pblico que haja, em dado tempo e lugar,monoplio estatal do petrleo, que se outorgue tra-tamento privilegiado a empresas brasileiras de capi-tal nacional ou que se reserve a explorao mineralexclusivamente a brasileiros" e aquelas outras que,por serem, talvez, "estrangeiras ou mais obsequio-sas a interesses aliengenas que aos nacionais",manifestar-se-o em sentido diametralmente opos-to.100Ao ensejo, o publicista leciona que "encaradaa questo de um ngulo poltico, sociolgico, socialou patritico, poder assistir razo aos primeiros esem-razo completa aos segundos", mas adverteque, do ponto de vista estritamente jurdico "serde interesse pblico a soluo que haja sido adotadapela Constituio ou pelas leis quando editadas emconsonncia com as diretrizes da Lei Maior" .101102

    Com essas consideraes, Bandeira de Melloprocura pr a claro que "uma coisa a estruturado interesse pblico" e outra, completamente dife-rente, "a incluso e o prprio delineamento, nosistema normativo, de tal ou qual interesse que, pe-rante este mesmo sistema, ser reconhecido comodispondo desta qualidade".103 Nessa concepo,no necessariamente constitui "interesse pblico anorma, medida ou providncia que tal ou qual pes-soa ou grupo de pessoas estimem que deva s-lo

    97 A propsito. recobro que. para Bandeira de Mello. o interessepblico consiste no plexo dos interesses dos indivduos enquantopartcipes da sociedade, ou seja. daqueles interesses individuaisqualificados como instrumentais ao interesse pblico. e queconstituem, assim, o que esse professor paulista convencionouchamar "dimenso pblica dos interesses individuais" (A noojurdica de 'interesse pblico'. In: BANDEIRADEMELLO. Grandestemas de direito administrativo, p. 188).

    98 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo. p. 72.99 A propsito, cf . tambm: MADUREIRA.Poder pblico. litigiosidade

    e responsabilidade social. Frum Administrativo - FA.100 A noo jurdica de 'interesse pblico'. In: BANDEIRADEMELLO.

    Grandes temas de direito administrativo, p. 190.101 A noo jurdica de 'interesse pblico'. In: BANDEIRADEMELLO.

    Grandes temas de direito administrativo, p. 190-191.102 No pormenor. cf., ainda: BANDEIRADE MELLO. Curso de direito

    administrativo, p. 68.103 A noo jurdica de 'interesse pblico'. In: BANDEIRADEMELLO.

    Grandes temas de direito administrativo, p, 190.

    ARTIGOS117I

  • ClaudioPenedoMadureiraSupremaciado interesse pblico sobre o privado- Uma necessriadesconstruoda crtica

    [ ... ], mas aquele interesse que como tal haja sidoqualificado em dado sistema normativo".104 105

    O interesse pblico ter, ento, conformeBandeira de Mello, a conotao que o Direito lheatribuir.106 107Por esse motivo, sua realizao pres-supe, sempre, na linha do que se afirmou ante-riormente, a efetiva fruio dos direitos subjetivosindividuais assegurados pelo ordenamento jurdico-positivo, em especial daqueles qualificados comodireitos fundamentais.

    2.2 Impropriedade terica da caracterizaodo princpio da supremacia do interessepblico sobre o privado como "regra depreferncia"

    A despeito disso, a doutrina crtica enxerga oprincpio da supremacia do interesse pblico comouma "regra de preferncia", que, em conflitos hipo-tticos entre interesses pblicos e privados, cons-tituiria bice realizao de direitos subjetivosindividuais.108 Essa ilao no verdadeira; ou pelo

    104 A noo jurdica de 'interesse pblico'. fn: BANDEIRADEMELLO.Grandes temas de direito administrativo, p. 190.

    105 Quanto ao particular. ler tambm: BANDEIRADEMELLO.Curso dedireito administrativo, p. 68.

    106 Atinai, em suas palavras, "tratando-se de um conceito jurdico [ ... ] bvio que a concreta individualizao dos diversos interessesqualificveis como pblicos s pode ser encontrada no prprioDireito Positivo" (BANDEIRADEMELLO. Curso de direito adminis.trativo, p. 67).

    107 A despeito da crtica que se possa fazer a essa sua doutrina, inegvelque a noo de interesse pblico manifestada por Bandeirade Mello confere maior segurana s relaes jurdicas. Trata-se,quando menos, de relevante instrumento para a proteo dos dire~tos subjetivos individuais em face de pretenses circunstanciais dopoder pblico, qualificadas como "interesses secundrios" (Alessi),ou simplesmente como "interesses individuaisdo Estado" (Bandeirade Mello). Quando considerarmos que, cotidianamente, agentes p-blicos e privados so chamados a realizar o interesse pblico, comdestaque para a atuao do Poder Judicirio, no h dvidas sobrea pertinncia do estabelecimento de parmetro objetivo para a de-finio do conceito de interesse pblico. Sob o ponto de vista daatuao dos agentes privados, qualquer parmetro objetivo mostrar.se-ia operativo. Entretanto, quando se analisa o problema sob atica da atuao do poder pblico (que no pode, em suas relaes,escusar-se realizao do interesse pblico) esse parmetro obje-tivo no pode ser outro que no a vinculao do interesse pblico juridicidade, como prope Bandeira de Mello (cf.: Curso de direitoadministrativo, p. 72). que a Administrao Pblica, assim comoseus agentes, encontram-se vinculados ao princpio da legalidadeestrita. Esse princpio faz com que a Administrao e seus agentespossam "fazer apenas o que lhe seja de antemo permitido porlei", diversamente do que ocorre com os particulares, que "podemfazer tudo que no lhes seja proibido" (BANDEIRADEMELLO.Lega-lidade, discricionariedade: seus limites e controle. fn: BANDEIRADEMELLO. Grandes temas de direito administrativo, p. 57). Por isso que, sob a tica da atuao dos agentes pblicos, a definiodo conceito de interesse pblico precisa, necessariamente, estarvinculada ideia de legalidade, ou de juridicidade. Do contrrio, oagente pblico poderia vir a ser impedido de realiz-Io,em concreto,quando chamado, paradoxalmente, a optar entre ele e a legalidadeestrita. Mas isso assunto para outro estudo.

    108 A propsito, cf.: Humberto vila (Repensando o "princpio da su-premacia do interesse pblico sobre o particular". fn: SARMENTO(Org.). fnteresses pblicos versus interesses privados: descons.truindo o princpio da supremacia do interesse pblico, p. 173-174);Alexandre Santos de Arago (A "supremacia do interesse pblico"no advento do Estado de direito e na hermenutica do direito pblico

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    Mas h mais. Se a realizao do interesse p-blico, tal como descrito por Bandeira de Mello, noimpede a fruio de direitos subjetivos individuais,constituindo-se, ao contrrio, em importante instru-mento assegurador da sua garantia frente a preten-ses circunstanciais do Poder Pblico (qualificadaspor Renato Alessi como interesses secundrios121eadiante designadas por Bandeira de Mello como in-teresses particulares do Estadol22),123 claramenteimprpria a caracterizao da sua supremacia sobreo interesse privado como uma "regra de preferncia",nos moldes sustentados pela doutrina crtica.

    menos no corresponde noo de interesse pblicoempregada pela doutrina criticada, manifestada naobra de Celso Antnio Bandeira de Mello.109

    Sob essa noo de interesse pblico,110 noh, conforme leciona Romeu Felipe Bacellar Rlho,"qualquer dificuldade de se sustentar a suprema-cia do interesse pblico" .111 E isso precisamen-te porque, nessa perspectiva, o interesse pblicoidentifica-se com a juridicidade, com o cumprimentodos enunciados prescritivos que compem o orde-namento jurdico-positivo, pelo que a sua realizaopressupe, sempre, a fruio dos direitos subje-tivos conferidos aos indivduos pelas leis e pelaConstituio. 112

    Ao ensejo, Bandeira de Mello ensina que "quan-do a Constituio estabelece que a desapropriaodepende de justa indenizao do desapropriado, oque est em pauta, afora o interesse individual dodesapropriado, o interesse pblico".113 De igualmodo, a Constituio, quando "estabelece o princ-pio pelo qual o Estado responder pelos danos quecausar a terceiros", qualifica como "interesse pbli-co o direito do lesado a ser indenizado pelo Estado,de fora parte o interesse estritamente individualdo agravado em obter a cabvel recomposio de

    seu patrimnio",114Em tais hipteses "no esto emchoque interesses individuais e interesse pblico", 115porque o interesse individual aventado restou con-templado pelo ordenamento jurdico-positivo, o quefaz com que a sua fruio por particulares corres-ponda ao interesse do Estado e da sociedade naobservncia da ordem jurdica estabelecida.116

    Somente se fosse possvel admitir o contrrio, isto, se fosse possvel depreender, em concreto, luz da noo de interesse pblico manifestada porBandeira de Mello,t17 a existncia de efetivo conflitoentre o interesse pblico e interesses particularescontemplados pelo ordenamento jurdico-positivo(leia-se: capazes de induzir direitos subjetivos indi-viduais), que se poderia afirmar, como fizeram osautores que compem a doutrina crtica, que, parao caso, a supremacia do interesse pblico sobreo privado deve dar lugar realizao do interesseprivado. 118

    Posto isso, a afirmao, pela doutrina crtica,de que o princpio da supremacia do interesse pbli-co deve ser abandonado, porque embaraa a reali-zao de direitos subjetivos individuais, ou se fundana ignorncia dessa noo de interesse pblico ma-nifestada por Bandeira de Mello,119ou, talvez, comoprefiro acreditar, na sua simples desconsiderao,como premissa terica. Disso resulta relevante v-cio de formulao na crtica manifestada, vez que,como exposto, seus artfices no impugnaram essanoo jurdica, limitando-se, quanto ao particular, aargumentar que o princpio analisado encerra esp-cie de "regra de preferncia".120

    contemporneo. fn: SARMENTO(Org.). fnteresses pblicos versusinteresses privados: desconstruindo o princpio da supremacia dointeresse pblico, p. 5); Daniel Sarmento (Interesses pblicos vs.interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia constitu-cional. fn: SARMENTO(Org.). fnteresses pblicos versus interessesprivados: desconstruindo o princpio da supremacia do interessepblico, p. 100); Gustavo Binenbojm (Da supremacia do interessepblico ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para odireito administrativo. fn: SARMENTO(Org.). fnteresses pblicos ver-sus interesses privados: desconstruindo o princpio da supremaciado interesse pblico, p. 140, 149); e Paulo Ricardo Schier (Ensaiosobre a supremacia do interesse pblico sobre o privado e o regimejurdico dos direitos fundamentais. fn: SARMENTO(Org.). fnteressespblicos versus interesses privados: desconstruindo o princpio dasupremacia do interesse pblico, p. 236).

    109 Ao ensejo, Adriana da Costa Ricardo Schier leciona que "as pre-missas epistemolgicas que fundam tal concepo no permiti-ro interpretar tal princpio como uma clusula geral de restriodos direitos fundamentais, nem admitir qualquer resoluo primafacie em favor do princpio da supremacia do interesse pblico emeventual coliso com qualquer outro princpio da Carta Constituocional" (O princpio da supremacia do interesse pblico sobre oprivado e o direito de greve de servidores pblicos. fn: BACELLARFILHO;HACHEM(Coord.). Direito administrativo e interesse pbli.co: estudos em homenagem ao Professor Celso Antnio Bandeirade Mello, p. 387).

    110 qual, pelas razes dantes expostas, encontra-se irremediavelmen-te amalgamada a crtica formulada por vila, Arago, Sarmento,Binenbojm e Schier.

    111 BACELLARRLHO. A noo jurdica de interesse pblico no direitoadministrativo brasileiro. fn: BACELLARRLHO; HACHEM(Coord.).Direito administrativo e interesse pblico: estudos em homenagemao Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 112.

    112 BACELLAR RLHO. A noo jurdica de interesse pblico nodireito administrativo brasileiro. fn: BACELLARRLHO; HACHEM(Coord.). Direito administrativo e interesse pblico: estudos emhomenagem ao Professor Celso Antnio Bandeira de Mello, p. 95.

    113 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. In:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.183.

    114 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. fn:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.183-184.

    115 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. fn:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.l84.

    116 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. fn:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.72.

    117 qual, reitere-se, encontra-se irremediavelmente amalgamadaessa crtica formulada por vila, Arago, Sarmento, Binenbojm eSchier.

    118 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. fn:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.l84.

    119 Em suas prprias palavras, "s mesmo no tendo a menor idiado que significa 'interesse pblico' que se poderia sustentaruma erronia de tal calibre" (BANDEIRADEMELLO.A noo jurdicade 'interesse pblico'. fn: BANDEIRADE MELLO. Grandes temasde direito administrativo, p. 184).

    120 Escapa s finalidades deste estudo especificar, para almdessa concluso, se a supremacia do interesse pblico sobreo privado qualifica-se. de fato, como um princpio, ou se deveser designado como postulado normativo (ou metanorma).nos moldes sustentados por Humberto vila quando discorreusobre o modus operandi da incidncia da razoabilidade e daproporcionalidade no campo da aplicao do Direito. Como expusanteriormente, vila distingue princpios e postulados, dispondo,a propsito, que essa distino se justifica na medida em queos postulados normativos situam-se num plano distinto daqueleem que se encontram as normas cuja aplicao estruturam,sejam elas regras ou princpios. Sua funo seria. ento, a de

    FrumAdministrativo- FA,Belo Horizonte,ano 14, n. 161, p. 9-24, jul. 2014FrumAdministrativo- FA,Belo Horizonte,ano 14, n. 161, p. 9-24, jul. 2014

    3 Sobre o direcionamento da crtica operacionalizao prtica do princpioanalisado - Ausncia de correlaolgica entre o objeto da crtica e aproposta terica apresentada

    De todo modo, a constatao de que o princ-pio da supremacia do interesse pblico sobre o pri-vado no se apresenta, em teoria, como uma "regrade preferncia" no impede a sua utilizao prticapelos intrpretes (aplicadores) como forma de fazerprevalecer sobre direitos subjetivos individuais deter-minados interesses circunstanciais manifestadosdo poder pblico (interesses secundrios). O prprioCelso Antnio Bandeira de Mello admite essa possi-bilidade quando observa, em seus escritos, que "oEstado poderia ter interesse em tributar desmesura-damente os administrados", ou "em pagar valoresnfimos aos seus servidores, reduzindo-os ao nvelde mera subsistncia";124 125e que poderia, ainda,

    estruturar (ou conformar) a aplicao das normas jurdicas, demodo que s elipticamente os postulados normativos poderiamser desatendidos, pois, a rigor, devem ser consideradas violadas,no esses postulados, mas as normas (regras ou princpios)que no forem escorreitamente aplicadas no contexto dessaestruturao. Da a sua designao, por vila, como "metanormas,ou normas de segundo grau" (cf.: VILA. Teoria dos princpios:da definio aplicao dos princpios jurdicos, p. 87-88).Esse tema, pela sua complexidade, comporta enfrentamentoem trabalho autnomo, no qual devero ser minudenciadasas sutilezas e as funcionalidades dessa distino terica,sobretudo quando consideradas frente constatao de que seconsolidou na dogmtica jurdica a designao da razoabilidadee da proporcionalidade (a propsito, cf., por todos: BARROSO.fnterpretao e aplicao da Constituio, p. 218-246 passim),bem como da supremacia do interesse pblico sobre o privado (apropsito, cf., por todos: BANDEIRADE MELLO. Curso de direitoadministrativo, p. 96-99 passim) simplesmente como princpios.

    121 Cf.: ALESSI.Sistema instituzionafe def diritto amministrativo italiano,p.197.

    122 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. fn:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.188.

    123 Afinal, como expus, o interesse pblico, nessa tica professadapelo professor paulista, identifica-se com a juridicidade, com ocumprimento dos enunciados prescritivos que compem o orde-namento jurdicopositivo, pelo que a sua realizao pressupe,sempre, a fruio dos direitos subjetivos conferidos aos indivduospelas leis e pela Constituio.

    124 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 67.125 Sobre o assunto, ler tambm: BANDEIRADE MELLO. A noo

    jurdica de 'interesse pblico'. fn: BANDEIRADEMELLO. Grandestemas de direito administrativo, p. 188-189.

    IARTIGOS119

  • ClaudioPenedoMadureiraSupremaciado interesse pblico sobre o privado- Uma necessriadesconstruoda crtica

    "recusar administrativamente - e at a questionarem juzo, se convocado aos pretrios - responsa-bilidade patrimonial por atos lesivos a terceiros,mesmo que os houvesse causado", ou "pagar va-lor nfimo nas desapropriaes, isto , abaixo dojusto, inobstante o preceito constitucional" .126127Bandeira de Mello observa que, com tais expedien-tes, "muitos dos quais infelizmente (e injustamente)adota", o Poder Pblico "resguardaria ao mximoseu patrimnio, defendendo interesses moda dequalquer outro sujeito", 128mas "em todas estas hi-pteses estar agindo contra o Direito, divorciadodo interesse pblico, do interesse primrio que lheassiste cumprir" .129Para o publicista, essa prtica"nada obstante seja comum, fruto de uma falsacompreenso do dever administrativo ou resultadode ignorncia jurdica" .130

    Esse aspecto foi oportunamente ressaltadopor Alice Gonzalez Borges na sua crtica proposioreformadora de Humberto vila, Alexandre Santosde Arago, Daniel Sarmento, Gustavo Binenbojm ePaulo Ricardo Schier. Em suas prprias palavras," preciso no confundir a supremacia do interessepblico [... ] com as suas manipulaes e desvirtua-mentos em prol do autoritarismo retrgrado e rea-cionrio de certas autoridades administrativas".131Disso decorre a sua concluso no sentido de queo problema no est no princpio, mas em sua apli-cao prtica.132Em idntica direo se posicionouAdriana da Costa Ricardo Schier quando destacou,em doutrina, que "intrpretes mais incautos com aproteo dos valores democrticos utilizam o prin-cpio da supremacia do interesse pblico sobre oprivado para legitimar decises que, em essncia,afastam-se dos cnones do Direito Administrativo",em hiptese em que "o princpio em questo acabautilizado para justificar interpretaes equivocadasque muitas vezes colocam em posio de privilgioas autoridades administrativas, implicando restri-es indevidas aos direitos fundamentais" .133Para

    essa professora paranaense, esse foi o contextoque inspirou "aqueles autores constitucionalistasa afirmar que o princpio da supremacia permitemanipulaes interpretativas que favorecem o au-toritarismo e o abuso de poder na seara do DireitoAdministrativo" .134Todavia, como adverte, na se-quncia, a publicista, "tal apropriao indevida doprincpio no poder ser utilizada como fundamentopara a sua negao".135 E isso precisamente por-que, como destacou, em outro trabalho, EmersonGabardo, "o simples fato de o princpio da supre-macia ser usado como argumento (ou libi) de cer-tos atos arbitrrios no significa de modo algum adeturpao de sua essncia ou sua fora tica enormativa" .136

    Posto isso, uma coisa precisa ficar bastanteclara: a circunstncia de o princpio da suprema-cia do interesse pblico sobre o privado poder vira ser empregado, na prtica, para fazer com queinteresses circunstanciais do Poder Pblico (in-teresses secundrios) prevaleam sobre direitossubjetivos individuais, no conduz, como imperativolgico, ao seu abandono, ou sua desconstruo,como recomenda a doutrina crtica. que, no par-ticular, a crtica assenta-se sobre pretensa e hipo-ttica m utilizao do princpio pelos intrpretes(aplicadores),137 que decorre, muito provavelmente,da equivocada compreenso, por esses intrpretes/aplicadores, do significado da expresso "interessepblico". Destarte, no h correlao lgica entre oproblema detectado (a aplicao do princpio da su-premacia do interesse pblico sobre o privado como

    intrpretes/aplicadores podem se servir do princpioda supremacia do interesse pblico sobre o priva-do, quando da tomada de posies frente a casosconcretos, para obstar a concretizao de direitossubjetivos individuais (interesses privados), emfavor da realizao de interesses pblicos (ou co-letivos), em especial de interesses circunstanciaisdo Poder Pblico, designados por Alessi como in-teresses secundrios14o e adiante qualificados porBandeira de Mello como interesses individuais (ouparticulares) do Estado.141 Entretanto, essa ilaovocalizada pela doutrina crtica desmentida pelanoo de interesse pblico empregada pela doutri-na criticada, manifestada na obra de Bandeira deMello, para quem o interesse pblico correspondeao interesse do Estado e da sociedade na obser-vncia da ordem jurdica estabelecida,142 assumin-do, portanto, a conotao que o Direito lhe atribuir.143

    Afinal, se essa "ordem jurdica estabelecida" com-posta pelas regras e princpios que integram o orde-namento jurdico-positivo, e se os direitos subjetivosindividuais provm desse mesmo ordenamento, noh dvidas de que a "observncia da ordem jurdi-ca estabelecida" conduz, pelo menos em abstrato, sua realizao. Por tais razes, estou convencidode que ambos os lados compartilham uma mesmadiretriz terica sobre o modo como deve ser aplicadoo Direito, o que refuta a suposio de que a doutrinacrtica estaria a propor, ou instaurar, um novo para-digma para a realizao de direitos subjetivos indivi-duais quando manifestados e exercitveis em facedo Poder Pblico.

    Parece-me, ainda, que essa crtica formuladapor vila, Arago, Sarmento, Binenbojm e Schierao princpio da supremacia do interesse pblicosobre o privado inconsistente sob o ponto de vis-ta terico. Com efeito, porque seus artfices noapresentaram, em seus textos, uma nova definiode conceito para o interesse pblico, e porque asua crtica no refuta a noo de interesse pblicosustentada por Bandeira de Mello, mas repousa-seto somente na suposta e hipottica impropriedadede se sustentar a supremacia do interesse pblicosobre o privado,144as suas consideraes sobre o

    de fazer prevalecer sempre o interesse pblicoforma . _ .sobre direitos subjetivos individUaIS)_e o prognosticoda doutrina crtica para a su~ ~oluao (o aban~ono,ou desconstruo, do prinCipiO da supremacia do. teresse pblico sobre o privado). Afinal, se o pro-~ema reside na prxis, na operacionalizao pr-tica do princpio, a sua resoluo passa, no peloabandono da teoria, que se mantm absolutamentecoerente com as suas premissas, mas pelo oportu-no esclarecimento dos intrpretes sobre como devese dar a aplicao do Direito.

    Essa sutileza da crtica formulada foi detec-tada, em primeira mo, por Alice Borges, quandoobservou que "no se trata de desconstruir a supre-macia do interesse pblico", dispondo, a propsito,que "na atual conjuntura nacional, o que preciso,mais do que nunca, fazer respeit-Ia, integr-Iana defesa dos luminosos objetivos fundamentais denossa Constituio" .138Com essas consrderaes,essa professora baiana rejeita a desconstruo dasupremacia do interesse pblico sobre o privado,destacando, no entanto, a "necessidade de suareconstruo, com a paralela desconstruo dosequvocos e desvirtuamentos, bem ou mal intencio-nados, a que vem sendo submetida".139 Sob esseespecfico aspecto instrutiva a crtica formuladapor vila, Arago, Sarmento, Binenbojm e Schier aoprincpio da supremacia do interesse pblico sobreo privado; que, se no resulta no abandono, ou des-construo, desse modelo terico, dados os equ-vocos conceituais que os conduziram a critic-lo desconsiderao de suas premissas cientficas, cer-tamente tem a funcionalidade de chamar a atenopara o problema, igualmente relevante, da m apli-cao do princpio pelos intrpretes (aplicadores).

    estudos em homenagem ao Professor Celso Antnio Bandeira deMello, p. 390.

    134 SCHIER. ::> princpio da supremacia do interesse pblico sobre oprivado e o direito de greve de servidores pblicos. In: BACELLARALHO; HACHEM(Coord.). Direito administrativo e interesse pbli-co: estudos em homenagem ao Professor Celso Antnio Bandeirade Mello, p. 390.

    135 SCHIER.O princpio da supremacia do interesse pblico sobre oprivado e o direito de greve de servidores pblicos. In: BACELLARALHO; HACHEM(Coord.). Direito administrativo e interesse pbli-co: estudos em homenagem ao Professor Celso Antnio Bandeirade Mello, p. 391.

    136 GABAR00. Interesse pblico e subsidiariedade: o Estado e a so-ciedade civil para alm do bem e do mal. p. 303.

    137 A propsito, cf.: Humberto vila (Repensando o "princpio da su-premacia do interesse pblico sobre o particular". In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: descons-truindo o princpio da supremacia do interesse pblico, p. 215);Alexandre Santos de Arago (A "supremacia do interesse pblico"no advento do Estado de direito e na hermenutica do direitopblico contemporneo. In: SARMENTO(Org.). Interesses pbli-cos versus interesses privados: desconstruindo o princpio dasupremacia do interesse pblico, p. 24); Gustavo Binenbojm (Dasupremacia do interesse pblico ao dever de proporcionalidade:um novo paradigma para o direito administrativo. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: descons-truindo o princpio da supremacia do interesse pblico, p. 140,149); e Paulo Ricardo Schier (Ensaio sobre a supremacia do in-teresse pblico sobre o privado e o regime jurdico dos direitosfundamentais. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versusinteresses privados: desconstruindo o princpio da supremacia dointeresse pblico, p. 218).

    4 guisa de concluso

    Quando me propus a desenvolver este tra-balho, meu intuito era investigar se a crtica for-mulada por Humberto vila, Alexandre Santos deArago, Daniel Sarmento, Gustavo Binenbojm ePaulo Ricardo Schier ao princpio da supremacia dointeresse pblico sobre o privado reflete, de fato,um novo paradigma para a realizao de direitossubjetivos individuais quando manifestados e exer-citveis em face do Poder Pblico. A concluso quechego, ao fim dessas minhas consideraes sobreo tema, que a resposta a esse questionamentodeve ser negativa.

    Essa doutrina crtica toma como ponto de par-tida de seu posicionamento a suposio de que os

    126 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 66-67.127 Quanto ao particular, cf., ainda: BANDEIRADE MELLO. A noo

    jurdica de 'interesse pblico'. In: BANDEIRADEMELLO. Grandestemas de direito administrativo, p. 189.

    126 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. In:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.189.

    129 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. In:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.189.

    130 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. In:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.189.

    131 BORGES. Supremacia do interesse pblico: desconstruo oureconstruo? Boletim de Direito Administrativo, p. 780.

    132 BORGES. Supremacia do interesse pblico: desconstruo oureconstruo? Boletim de Direito Administrativo, p. 780.

    133 SCHIER.O princpio da supremacia do interesse pblico sobre oprivado e o direito de greve de servidores pblicos. In: BACELLARALHO; HACHEM(Coord.). Direito administrativo e interesse pblico:

    140 Cf.: ALESSI. Sistema insttuzionale dei diritto amministrativoitaliano, p. 197.

    141 BANDEIRADEMELLO. A noo jurdica de 'interesse pblico'. In:BANDEIRADE MELLO. Grandes temas de direito administrativo,p.188.

    142 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 72.143 BANDEIRADEMELLO. Curso de direito administrativo, p. 67.144 Recobro, ao ensejo, que vila observa que a finalidade do seu es-

    tudo ", apenas, analisar criticamente o 'princpio da supremaciado interesse pblico sobre o particular'", por considerar que esseprincpio, "tal como vem sendo descrito pela doutrina, no se iden-tifica com o bem comum" (Repensando o "princpio da suprema-cia do interesse pblico sobre o particular". In: SARMENTO(Org.).Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindo oprincpio da supremacia do interesse pblico, p. 174), o que faz

    138 BORGES. Supremacia do interesse pblico: desconstruo oureconstruo? Boletim de Direito Administrativo, p. 780.

    139 BORGES. Supremacia do interesse pblico: desconstruo oureconstruo? Boletim de Direito Administrativo, p. 789.

    20 I ARTIGOS FrumAdministrativo- FA,Belo Horizonte,ano 14, n. 161, p. 9-24, jul. 2014ARTIGOS121FrumAdministrativo- FA,Belo Horizonte,ano 14, n. 161, p. 9-24, jul. 2014

  • Claudio PenedoMadureira

    tema encontram-se irremediavelmente amalgamadasa essa definio de conceito formulada pelo profes-sor paulista.145 O fato que, considerada a defini-o de conceito formulada por Bandeira de Mello, acrtica se torna infundada. Afinal, cientificamente,a circunstncia de o princpio da supremacia do in-teresse pblico sobre o privado poder vir a ser em-pregado, na prtica, para fazer com que interessescircunstanciais do Poder Pblico (interesses secun-drios) prevaleam sobre direitos subjetivos indivi-duais, no conduz, logicamente, ao seu abandono,ou sua desconstruo. Afinal, se a crtica se dirige pretensa e hipottica m utilizao do princpiopelos intrpretes/aplicadores, como ocorre de fato,e se esse problema tem por origem uma equivoca-da compreenso do significado da expresso "inte-resse pblico", no se revela presente, na espcie,a necessria correlao lgica entre o problemadetectado (a utilizao do princpio da supremaciado interesse pblico sobre o privado como formade fazer prevalecer sempre o interesse pblico so-bre direitos subjetivos individuais) e o prognstico

    com que s a um primeiro olhar seja "adequada a descrio desseprincpio da supremacia" (VILA.Repensando o "princpio da su-premacia do interesse pblico sobre o particular". In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindo o princpio da supremacia do interesse pblico, p. 173);que Sarmento expe que o seu objetivo foi "mostrar, com aportesda filosofia constitucional e da teoria dos direitos fundamentais,que o chamado princpio da supremacia do interesse pblico sobreo particular no constitui critrio adequado para resoluo" de coli-ses entre interesses pblicos e privados (SARMENTO.Interessespblicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filo-sofia constitucional. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos ver-sus interesses privados: desconstruindo o princpio da supremaciado interesse pblico, p. 23); que Binenbojm destaca como prop-sito do seu ensaio a demonstrao da "inconsistncia terica dodito princpio da supremacia do interesse pblico sobre o particularcom a sistemtica constitucional cidad, comprometida com a pro-teo e promoo dos direitos individuais de maneira ponderadae compatvel com a realizao das necessidades e aspiraes dacoletividade como um todo" (Da supremacia do interesse pblicoao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para o direitoadministrativo. In: SARMENTO(Org.). Interesses pblicos versusinteresses privados: desconstruindo o princpio da supremacia dointeresse pblico, p. 129); que Arago no vocaliza em seu texto oobjeto da sua crtica, mas parece aderir integralmente s conside-raes de vila, Sarmento e Binenbojm (A "supremacia do interesse pblico" no advento do Estado de direito e na hermenutica dodireito pblico contemporneo. In: SARMENTO(Org.). Interessespblicos versus interesses privados: desconstruindo o princpio dasupremacia do interesse pblico, p. 122); e que Schier informaque parte "da existncia de referido princpio", para "demonstrarque a prxis administrativo-constitucionai o tem erigido a umaespcie de clusula geral de restrio de direitos fundamentais"(Ensaio sobre a supremacia do interesse pblico sobre o privado eo regime jurdico dos direitos fundamentais. In: SARMENTO(Org.).Interesses pblicos versus interesses privados: desconstruindo oprincpio da supremacia do interesse pblico, p. 218).

    145 Se esses autores houvessem criticado essa noo jurdica, ouse tivessem formulado crtica mais ampla, de modo a abarcarno apenas a