115

007 O Caso Do Atomo Z

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Livro

Citation preview

  • A descoberta de um novo elemento qumico poder revolucionar os transportes areos. Num lugar arqueolgico o

    perigo espreita uma vez mais a linda reprter e uma organizao terrorista est de olho na nova descoberta

    1960/03 J F KRAKBERB Digitalizao: JVS 390227

    Publicado no Brasil pela Editora Monterrey

  • 1 PARTE

    PRELDIO

    A Grant White Way, nas proximidades da Times Square,

    estava sofrendo uma grande reforma. Uma das mais

    recentes e arrojadas construes era a Allied Chemical

    Tower. s trs horas da tarde daquela quinta-feira, um

    homem de meia-idade saiu de um arranha-cu, em frente

    Allied Chemical Tower, e caminhou at beira da calada,

    em busca de um txi. Era um velhote magro, simptico,

    metido num terno gelo, a barba branca longa sob o pingente

    de ouro. Na mo direita, trazia uma volumosa pasta de

    couro, presa ao pulso por uma corrente de ao. O velhote

    acenou para um txi e no foi atendido. Outro homem, mais

    moo observava os seus movimentos, encostado parede

    do prdio do qual ele acabava de sair. Sbito, surgiu um

    Cadillac preto e freou junto ao meio-fio.

    Professor Igor Katamansky? perguntou uma voz de homem, vinda do interior do veculo.

    O velhote sorriu, ao reconhecer o acento eslavo.

    Da! Estive no laboratrio e volto, agora, para casa. Entre. Terei prazer em lev-lo. A portinhola do Cadillac se abriu, mas o velhote hesitou.

    No conhecia o dono daquela voz. Uma mo comprida

    apareceu e agarrou-o pelo brao, puxando-o para dentro.

    Outro homem alto e forte tinha saltado do carro e dera a

    volta, por trs, empurrando o velho da pasta para o interior

    do veculo. Ouviram-se apitos insistentes, mas os carros no

    pararam. No meio da balbrdia, o Cadillac furava o seu

  • caminho, dirigido por um chofer experiente. No banco

    traseiro, o professor Igor Katamansky viu-se entalado entre

    dois homens fortes e srios, ambos de sobrancelhas cerradas

    sobre os olhos cinzentos e frios.

    D-me a sua pasta, tovarich pediu um dos raptores. No lhe queremos fazer mal. O senhor apenas vai viajar conosco. Da?

    O velhote arregalou os olhos.

    Viajar? Para onde? Eu moro no Brooklyn! Vai viajar para Moscou. Somos agentes do KGB e

    temos ordens de lev-lo de volta para casa.

    Niet! bradou o professor. Vocs no ousaro fazer isso! Estamos em Nova Iorque, na Amrica!

    Sua passagem j foi comprada retrucou o agente russo. O senhor embarcar com o meu amigo, num jato da Air France. D-me a sua pasta, por medida de segurana.

    Ela pode conter explosivos...

    Niet. No tenho a chave do cadeado. A corrente s poder ser aberta no meu gabinete da Universidade, ou em

    minha residncia. Os senhores deviam saber disso.

    Sim, ns sabemos rosnou o segundo raptor, sacando uma pistola. Abra o cadeado, professor! No estamos brincando! Queremos os papis!

    Nessa altura, o velhote cometeu um erro fatal.

    Subitamente, atirou a pasta contra a mo armada de seu

    patrcio e tentou abrir a portinhola, pulando por cima das

    pernas do segundo assaltante. Ouviu-se um tiro e o

    professor Katamansky mergulhou, de bruos, no fundo do

    carro, ficando imvel. O pistoleiro agarrou-o pela gola do

    palet e obrigou-o a sentar-se, outra vez, no banco. Mas o

  • homenzinho estava morto. Um fio de sangue escorria pela

    sua nuca.

    Desagradvel disse o primeiro agente secreto, em russo. Mas necessrio. Voc tem bons reflexos, Mikhail. Procure a chave do cadeado nos bolsos deste idiota.

    O segundo russo guardou a pistola e obedeceu. Mas

    nenhuma chave de cadeado foi encontrada.

    No est com ele, realmente. Ele s abre a pasta quando chega em algum lugar. Ou em casa ou no escritrio.

    A chave no est com ele.

    Desagradvel. Vamos ter que lhe cortar a mo, para poder tirar a corrente. Trate disso, Mikhail. Mas veja se faz

    o mnimo de sangue. Tenho horror a sangue; por isso, s

    fao liquidaes com a pistola de gs! O segundo russo suspirou e tirou uma navalha do bolso,

    dando inicio ao seu macabro mister. Enquanto seu

    companheiro olhava pela portinhola do carro, ele secionou o

    pulso da vitima, fazendo a mo direita do professor pender,

    presa apenas por um pedao de pele.

    Pronto! A mo caiu de todo e a corrente j passou! Fique voc com a pasta. Vamos diretamente para o

    aeroporto. O chofer j tem instrues.

    O Cadillac livrara-se do trfego congestionado do centro

    da cidade e voava na direo do Aeroporto Kennedy.

    A que horas sai o avio? perguntou o russo, chamado Mikhail.

    Dentro de uma hora. Mas, antes disso, temos que nos livrar do cadver.

    A morte desse presunto no estava nos nossos planos! A ordem ela lev-lo, vivo, para Moscou.

  • No tem importncia. O que interessa a pasta com os documentos. E o chofer vai nos ajudar a ficarmos livres

    do contrapeso...

    O carro dobrou para uma rua mais estreita e deserta e foi

    sair num terreno devoluto. Entrou pelo mato rasteiro e

    freou, dando saltos como um cabrito. No havia ningum

    vista. Os dois russos abriram a portinhola, e empurraram o

    cadver do professor Katamansky para fora.

    Vamos embora ordenou o primeiro russo. Nosso amigo Alexey pode nos deixar no aeroporto. Ele no

    dir nada, claro.

    E, virando a cabea, piscou um olho.

    Da disse o chofer, sem se voltar. Fui pago para ficar calado.

    Mikhail sorriu venenosamente e tornou a tirar do bolso a

    pistola, encostando-a nuca do motorista. Na mesma hora,

    premiu o gatilho. Sem soltar um gemido, o chofer tombou

    sobre o volante. Seu carto de identidade, pendurado nas

    costas do banco dianteiro, dizia:

    ALEXEY POLANSKY, 35 anos, polons. casado, matrcula nmero...

    E seu retrato parecia sorrir jovialmente.

    Voc vai dirigir disse o primeiro russo. Foram as instrues que recebi, no caso de um

    contratempo. Ponha tambm o nosso bom Alexey para fora

    do carro e siga para o aeroporto. Nosso avio, da Air

    France, vo 175, sair s quatro horas. Tudo isto muito

    desagradvel!

    * * *

    Os cadveres do professor Igor Katamansky e do chofer

    de praa Alexey Polansky fora encontrados, no terreno

  • devoluto, meia hora depois. A polcia foi avisada e o

    tenente Cassidy, da Delegacia de Homicdios esteve no

    local, fazendo investigaes. Antes da vinda da percia, ele

    j tinha chegado a algumas concluses.

    Foi um carro grande confidenciou, ao sargento McIntosh. Cortaram a mo de uma das vtimas, e o carro deve ter muitas manchas de sangue. Alerte a radio-patrulha.

    Convm avisar o inspetor Pitzer, do FBI.

    * * *

    Meia hora depois, o inspetor Charles Alan Pitzer,

    inspetor-chefe do FBI em Manhattan, tambm estava no

    terreno devoluto, contemplando melancolicamente os dois

    cadveres. A vista do corpo do professor Katamansky deu-

    lhe engulhos. Aquele era um srio golpe para ele! E para o

    FBI! Seu chefe, em Washington, pedira-lhe que vigiasse o

    velho cientista russo, pois agentes da CIA em Moscou

    tinham avisado que os soviticos se preparavam para raptar

    o professor. Pitzer no compreendia como que seu agente

    Hubbert Groves deixara o velhote sem cobertura! Sabia que

    o professor implicava com os detetives que o seguiam, mas

    isso no era motivo para tal descuido. Por que Hubbert

    falhara?

    A resposta chegou pouco depois, quando o agente

    Graves telefonou para o quartel do FBI, em Manhattan,

    dizendo a Pitzer que fracassara em sua misso, O professor

    Katamansky fora raptado debaixo das suas barbas e ele nada

    pudera fazer,

    Okay respondeu Pitzer, mal-humorado. Enquanto voc procura outro emprego, vou ver se

    posso evitar que eles levem a pasta secreta da vtima para a

    Unio Sovitica. Adeus, Graves! Tenho pena de voc!

  • Cinco minutos depois houve outro telefonema. Um

    guarda de trnsito, pastado em frente ao aeroporto Kennedy,

    acabara de encontrar um Cadillac preto, abandonado e cheio

    de manchas de sangue. Pitzer transportou-se imediatamente

    para o local. Chegou l s seis e meia da tarde. Deu uma

    rpida vista de olhos no carro suspeito, verificou o carto de

    identidade do chofer e correu para o recinto do aeroporto.

    Quinze minutos depois, Pitzer sabia que dois russos

    suspeitos faziam parte da lista de passageiros de um jato da

    Air France, que levantara vo, s quatro horas da tarde,

    rumo a Paris. Os nomes eram Irin Kadasansky e Mikhail

    Gourob.

    Um telefone! gritou o homem do FBI. Um telefone, depressa! Entrou numa cabine telefnica e ligou para a ITT, dando

    instrues sobre o envio de um telegrama urgente a Paris.

    Esse telegrama era dirigido ao QG da Suret Nationale.

    * * *

    s primeiras horas da manh do dia seguinte, o inspetor

    Pitzer foi despertado pelo retinir do telefone, na mesa de

    cabeceira. Uma voz melodiosa pediu-lhe desculpas e disse

    que acabara de chegar um cabograma de Paris que devia

    interess-lo.

    Leia-o, por favor pediu o detetive. O cdigo est no cofre.

    J o traduzi, chefe. A mensagem dizia: CABOGRAMA URGENTE PREFERENCIAL

    De: XY-329, Paris

    Para: Inspetor Pitzer, N. Y.

  • Seus homens no desembarcaram ponto o que pior

    virgula no esto mais a bordo ponto aguardo instrues

    assinado XY-329.

    A resposta seguiu nessa mesma manh:

    De: Inspetor Pitzer, N. Y.

    Para: XY-329, Paris

    Nada a lazer ponto ns nos arranjaremos assinado

    Pitzer.

    UM Conferncia Secreta no Morning News

    Nesse mesmo dia, o inspetor Pitzer almoou com o

    professor Patrick White, assistente do falecido Igor

    Khatamansky e um dos mais conceituados cientistas do

    laboratrio metalrgico da White Way. Depois da refeio,

    os dois homens se transportaram para a redao do

    Morning News, um dos jornais de maior tiragem de Nova lorque. O cenrio passou a ser o gabinete particular do

    diretor-executivo do jornal, o rabugento mas simptico

    Miky Grogan.

    Nesse momento, o inspetor Pitzer estava falando,

    enquanto Miky e o professor White o ouviam de boca

    aberta:

    Quero crer, Grogan, que voc vai compreender a diferena entre fazer jornalismo e fazer alguma coisa pelo

    seu pas.

    O gordo diretor do jornal pigarreou e respondeu:

  • Nesse caso, meu caro Pitzer, depois do que voc acabou de me contar, deixa de existir o reprter para dar

    lugar ao cidado que ama a sua ptria e zela pelos seus

    interesses soberanos. Vejo que a segurana e o prestgio dos

    Estados Unidos esto ameaados; ento, no mais o caso

    de pensar no sucesso do meu jornal, pois outro valor mais

    alto se levanta. Pode contar com este velho amigo caador

    de notcias. E, neste caso, nem precisarei caar... Voc me

    trouxe tudo aqui, mastigado. S que no posso publicar a

    bomba antes de... ... antes de sabermos os resultados da expedio

    Indochina. Isso mesmo. Mas... onde estar Brigitte

    Montfort, sua grande reprter?

    Deve estar estourando por a. Alis, como voc mesmo diz, ela um estouro... Garantiu-me que estaria aqui dentro de vinte minutos e no costuma se atrasar.

    Na ampla redao, a rapaziada se perguntava o que

    poderia estar acontecendo naquele gabinete fechado. Miky

    Grogan, o homem dinmico, eternamente encafuado atrs

    de sua mesa cheia de papis, fotos, mapas, diagramas e

    telefones tilintantes, quando saa para se fechar no gabinete

    era porque o assunto deveria pegar fogo!

    Realmente, o assunto era incandescente, e a conversa

    sigilosa girava em torno da probabilidade de fazer Brigitte

    Montfort tomar parte num caso, at mesmo para ela, fora do

    comum.

    Resta saber se ela aceitaria entrar para o Servio Secreto comentou Miky, j um tanto preocupado. Vocs no sabem da paixo dessa garota pelo jornalismo!

    Brigitte uma hipnotizada pela notcia, pela sensao! E

    tem bossa de reprter, se tem, meu caro! nosso Raymund

  • Cartier... e com uma vantagem: as pernas. Que pernocas,

    seu doutor... que pernocas!

    No s as pernas acrescentou Pitzer. Tudo, tudo! Mas as pernas so de endoidar!

    J agora disse o terceiro personagem da sala, engolindo em seco tambm tenho curiosidade em conhecer essa mocinha...

    Era um homem alto e magro, de lunetas, cabelo ruivo e

    ralo, com a pele incolor caracterstica dos homens que

    levam vida sedentria. O professor Patrick White tinha

    quarenta e nove anos e no tomava banhos de sol. Solteiro e

    casto, evidentemente.

    Mal acabou de falar, uma luz vermelha se acendeu na

    porta. Miky Grogan levantou-se, para fazer entrar a figura

    impressionante de Brigitte Montfort. Ela vestia um tailleur

    amarelo-palha, naturalmente francs. Saia curta, joelhos

    quase mostra. Alan Pitzer e Miky Grogan, apesar do

    hbito de v-la, se deixaram, mais uma vez, deslumbrar. E o

    professor White apesar de sua castidade estava de queixo

    cado. Brigitte cumprimentou:

    Ora, vejam s! Os dois quarentes mais enxutos de Nova Iorque, aqui esperando por mim! uma consagrao!

    Como no posso desprezar um nem outro, vou ficar com os

    dois!

    Deu um brao a cada um dos homens e sentou-se, entre

    eles, no grande sof de couro negro. S ento viu o terceiro

    homem, que se mantivera discretamente na sombra.

    Oh, no! Trs, j demais! Professor Patrick White falou Pitzer,

    apresentando-o a Brigitte. O professor White era o assistente do falecido professor Igor Khatamansky, no

  • laboratrio de White Way. Agora, que voc j se divertiu,

    Brigitte, vamos falar de coisas srias!

    Ato contnuo, o homem do FBI recordou a atuao de

    Brigitte no Mistrio dos Discos, seu sangue-frio durante

    todos os dramticos acontecimentos na Baviera, quando ela,

    praticamente sozinha, destrura a sede principal da ONR,

    evitando a criao de um Quarto Reich em moldes nazistas.

    E acabou por dar a palavra ao diretor Miky Grogan, para

    que ele prprio, como chefe da reprter, lhe desse a

    invulgar incumbncia.

    O caso, Brigitte, que voc tem que fazer a cobertura de uma expedio ao Camboja.

    Brigitte tambm bateu as pestanas, longas e sedosas.

    Onde? Indochina. Precisamos de voc, querida! A misso

    s pode ser levada a bom termo por uma mulher.

    Isso est me cheirando a pouca-vergonha... Por que no mandam Ralph, que o redator especializado em

    assuntos internacionais?

    No lugar para onde vai a expedio no entram homens, a no ser monges budistas. Refiro-me reserva

    arqueolgica de Khi-Khent, no Vale Proibido de Tonl.

    para l que segue o professor White, com alguns

    companheiros fiis.

    Ainda no entendi disse Brigitte, olhando de esguelha para o homem ruivo. O nosso amigo vai desenterrar runas no Camboja?

    Quase isso replicou Pitzer. o FBI que est interessado em ter uma agente na expedio, para decifrar o

    mistrio do tomo Z. O professor Igor Khatamansky foi

    assassinado, ontem tarde, quando saa dos escritrios do

  • laboratrio metalrgico de White Way, e sua pasta secreta

    foi roubada pelos comunistas!

    Brigitte acenou.

    Eu soube da morte do professor Khatamansky, embora os jornais no tivessem publicado nada. Mas uma

    coisa no tem nada a ver com a outra.

    Parece que no tem o inspetor Pitzer suspirou. Eu lhe explico, Brigitte. O professor Khatamansky

    atravessou a Cortina de Ferra e veio trabalhar conosco, nas

    pesquisas em torno do tomo Z, considerado vital para o

    desenvolvimento da aeronutica. Em primeiro lugar,

    preciso que voc tenha uma ligeira noo do que o tomo

    Z. Voc nunca ouviu falar nele porque os trabalhos em

    torno dessa nova partcula atmica tem sido mantidos em

    sigilo. O professor White, que ajudava o sbio russo a

    provar a existncia do tomo Z, lhe dir o que vem a ser

    esse elemento.

    Brigitte olhou para o homem ruivo. Este sorriu

    timidamente e endireitou as lunetas sobre o nariz semtico.

    Depois, ps-se a falar com volubilidade:

    O tomo Z, senhorita, no pde ser isolado at agora, embora meu mestre, o saudoso professor Khatamansky,

    tenha provado a sua existncia na natureza. A letra Z, em Fsica Nuclear, serve para representar o nmero de prtons

    de um tomo, ou seja, o seu nmero atmico. Assim sendo,

    o elemento atmico mais leve que se conhece, o hidrognio,

    tem o nmero Z-1. Foi o hidrognio que, combinado com

    um corpo mais pesado, o hlio, que tem o nmero atmico

    Z-2, liberou as grandes quantidades de energia que deram

    lugar bomba atmica. Ora, o tomo Z, no tendo peso

    atmico, representado por 0,00 1 tomo-grama, quando o

  • hidrognio vai at 1,008. O tomo Z no pode ser isolado

    por isso, porque no tem estabilidade e se desintegra

    espontaneamente. Sua existncia mais curta do que a de

    qualquer outro elemento j conhecido, O professor

    Khatamansky supunha que o nmero de eltrons do ncleo

    do tomo Z fosse inferior ao nmero de prtons, da

    resultando a sua vertiginosa desintegrao, que o faz evolar-

    se no espao, a caminho do sol. Como se sabe, o

    equilbrio entre os eltrons e os prtons que estabelece a

    neutralidade dos tomos. Alm disso, no tomo Z, os

    eltrons das camadas interiores do ncleo so

    excessivamente inquietos e tendem a atravessar a coroa,

    perdendo-se no espao. A energia que eles despendem, ao

    saltar, chega a atingir elevados nmeros qunticos. Cada

    tomo Z, alvejado pelos seus prprios nutrons, divide-se

    em dois, em quatro, em oito, e assim por diante,

    desaparecendo instantaneamente. Portanto, o tomo Z

    uma partcula semelhante ao antinutron, antiprton e

    antineutrino. Estas partculas s so fenmenos de outra

    forma inexplicveis. At hoje, ningum conseguiu isolar um

    tomo Z. Mas sabemos que eles existem, perpetuamente

    em desintegrao, em alguma parte da natureza. A busca

    desse misterioso elemento era a razo de ser do falecido

    professor Khatamansky.

    E da? perguntou Brigitte, impaciente. Da respondeu o inspetor Pitzer o professor

    Khatamansky estava na iminncia de provar a sua teoria,

    sobre a existncia do tomo Z, quando foi assassinado e

    roubado por agentes soviticos! Os documentos que ele

    tinha numa pasta marrom, desapareceram. Nem o professor

    White, seu auxiliar direto, conhece todo o segredo das

  • pesquisas do famoso cientista. O FBI tentou apanhar os

    criminosos e a pasta, mas eles foram espertos; fingiram

    embarcar num avio, para Paris, e no saram de Nova

    Iorque. Contudo, os documentos desaparecidos j no

    bastam para dar ao Ocidente a primazia na busca do tomo

    Z. O professor Khatamansky apenas provou, teoricamente a

    existncia do elemento atmico, mas no logrou isol-lo. E,

    agora, que se propunha a passar da teoria para a prtica, ele

    foi morto e seus trabalhos esto ameaados de colapso!

    Nem tanto contraps o professor White. Embora eu no possua os planos do mestre, acompanhei as

    suas investigaes e tambm creio na existncia do tomo

    Z. Se me derem um quadro negro, poderei lhes mostrar uma

    equao algbrica que, partindo da frmura E=mc2

    de

    Einstein, prova a necessidade do tomo Z para explicar

    certos fenmenos da natureza.

    Sem frmulas algbricas rosnou Brigitte. J estou ficando com dores de cabea!

    Eu creio na existncia desse tomo revolucionrio tomou o homem ruivo, com voz vibrante. Ele nos dar muitas alegrias, quando puder ser captado e utilizado em

    nossas astronaves!

    Voc compreende, Brigitte? acudiu o inspetor Pitzer. Se os nossos cientistas puderem isolar o fugitivo tomo Z, tero nas mos uma fora prodigiosa, que anula

    os efeitos da lei de gravidade! Essa era a meta do professor

    Khatamansky: anular a fora centrfuga dos planetas,

    criando naves espaciais controladas pela energia magntica!

    Um aparelho sem peso no precisar de foguetes... e

    economizar mais de noventa por cento de combustvel,

    numa viagem interplanetria!

  • At a eu posso ir retrucou Brigitte, acendendo um cigarro com ponta dourada.

    Mas... e a viagem ao Camboja? Vocs esto fugindo do assunto,

    Foi Miky Grogan quem tomou a palavra:

    O inspetor Pitzer acabou de me convencer a mandar voc ao Camboja, em companhia do professor White, que

    tambm um naturalista de renome internacional. Voc iria

    como reprter do Manh, para fazer a cobertura de uma expedio arqueolgica, destinada a estudar as novas runas

    encontradas prximo de Angkor. Esta srie de runas est

    localizada exatamente margem do lago, no Vale Proibido

    de Khi-Khent, um local de difcil acesso, onde funciona um

    templo budista no qual s permitida a entrada de

    mulheres. Os monges tm uma guarda feroz, que no

    permite a aproximao de nenhum representante do sexo

    masculino. Por isso, o professor White levar trs mulheres

    na sua expedio.

    Quatro, comigo disse o homem ruivo, surpreendentemente. Eu passarei a vestir saias, como um monge budista, quando entrar no Vale Proibido de Tonl. E

    passarei a falar com voz fina.

    A doutora Da Verne prosseguiu Pitzer ainda se encontra no Camboja. Foi a nica europia que conseguiu

    entrar na reserva arqueolgica de Khi-Kent e ver as

    maravilhosas runas de Angkor-Naga.

    Ainda no entendi suspirou Brigitte. Agora, estamos discutindo arqueologia. E o tomo Z?

    Meu mestre disse o professor White suavemente era amigo ntimo da doutora Madalena da Verne e mantinha correspondncia com ela. Ora, em seu ltimo

  • telegrama cifrado, a doutora Da Verne convidava o

    professor Khatamansky a ir at o Camboja, pois tinha algo

    especial para lhe mostrar, referente Molcula X. Molcula

    X era o nome de cdigo que eles usavam para designar o

    tomo Z. Suponho que se trate de uma prova palpvel da

    existncia desse elemento. Correram boatos sobre

    misteriosas ocorrncias no Camboja, depois do

    desaparecimento inexplicvel dos alquimistas Khmer.

    Alquimistas Khmer? estranhou. Brigitte. Eles no eram apenas escultores e arquitetos? No respondeu Miky Grogan. Acabei de ler

    tudo a respeito dos homens que fundaram o Imprio Khmer,

    na Indochina. Eles eram procedentes da Birmnia e levaram

    para o Camboja uma civilizao hindu muito desenvolvida.

    Dedicavam-se, tambm, alquimia, como os rabes, e

    faziam experincias com a transmutao dos metais. Ora,

    nas margens do Lago Tonl, foi encontrada uma pedra, com

    inscries em snscrito, que dava conta da existncia de

    uma colnia de alquimistas dedicada a avanadas

    experincias qumicas e fsicas, inclusive a inveno das

    vimanas, os barcos-voadores citados na Samarangana Sutradhara. Nenhum dos habitantes dessa aldeia da cincia ficou para semente. A prpria aldeia no existe mais. Mas muito provvel que essas runas de Khi-Khent

    assinalem o local em que existiram os laboratrios dos

    cientistas daquela poca. Naga era uma serpente de sete cabeas, que simbolizava a perfeio e a cincia dos Khmer.

    Entendeu agora? volveu o inspetor Pitzer, sorrindo para Brigitte. O professor White est disposto a substituir o professor Khatamansky, na viagem ao Camboja,

    a fim de conversar com a doutora Da Verne. E ns, do FBI,

  • precisamos de uma agente que acompanhe a expedio e

    verifique se foi encontrado, finalmente, esse irrequieto

    tomo Z. A posse de tal elemento radiativo proporcionar

    aos Estados Unidos o fabrico de aparelhos mais leves do

    que o ar, dirigidos pela energia magntica, aparelhos

    revolucionrios capazes de cruzar os espaos siderais com a

    rapidez da luz! Mas h um grande perigo na empresa,

    Brigitte. Uma sombra caiu sobre o rosto anguloso do homem do FBI. Um grande perigo, realmente!

    Qual.? Os russos! Ora! Eu j aprendi a distinguir um russo de uma

    foca...

    Falo srio! Os russos tambm esto na pista do tomo Z e, provavelmente j sabem das ligaes do

    professor Khatamansky com a doutora Madalena de Da

    Verne. Eles sempre sabem de tudo. Alm disso, roubaram o

    dirio e todas as anotaes que o professor levava na sua pasta. Isso quer dizer que conhecem os seus trabalhos. E

    est claro que no permitiro, de forma alguma, que ns

    encontremos o tomo Z antes deles. Tambm h excelentes

    fsicos atmicos em Moscou.

    Nesse caso disse Brigitte pensativamente. A doutora Da Verne tambm corre perigo. Ela foi avisada?

    J lhe telegrafamos, noticiando a morte violenta do professor Khatamansky, mas talvez ela ainda no tenha

    recebido o cabograma. muito difcil o acesso ao local

    onde esto acampados os arquelogos franceses, em plena

    floresta tropical.

    Contudo adiantou o professor White a doutora Da Verne sabia o que ia procurar no Camboja. A prova

  • disso que alguns membros de sua expedio so agentes

    secretos do Deuxime Bureou e tm a misso de proteg-la.

    No foi bem isso o que eu disse retrucou o inspetor Pitzer. Quando partiu de Paris, a expedio francesa no levava agentes secretos. Eles foram enviados,

    posteriormente, pelo governo do marechal De Gaulle.

    Mas esto l disse o homem ruivo gravemente. Mesmo que algum espio sovitico se aproxime do

    acampamento... ou j esteja dentro dele... ter dificuldades

    em agir. A doutora Da Verne est prevenida. E fiel ao

    ocidente, pois recebeu uma boa verba do governo francs.

    Ela s falar a um representante credenciado do professor

    Khatamansky. Eu serei esse representante. No conheo

    pessoalmente a famosa arqueloga, mas sei que ela me

    conhece de nome, como assistente de seu amigo. Ela

    confiar em mim. E me contar tudo o que descobriu, a

    respeito da Molcula X. Ou antes, do tomo Z.

    Brigitte chupou pensativamente o cigarro e soprou a

    fumaa para o teto. Depois, sorriu para o rosto srio e

    redondo de Miky Grogan.

    Certo, chefe! Seu pedido uma ordem! Estou pronta para embarcar para o Camboja e bater fotografias das runas

    de Angkor-Naga! E, se for o caso, tambm poderei lhe

    trazer o tomo Z, embrulhado numa folha do Morning News... Vocs acreditam que ele esteja na Indochina?

    O inspetor Pitzer pigarreou.

    No sabemos. Mas deve haver alguma razo para o sumio misterioso dos alquimistas Khmer. As runas de

    Angkor atestam a existncia de um povo altamente

    civilizado, que desapareceu depois de vrias guerras contra

    os siameses; contudo, se temos vestgios da Arte Khmer, at

  • hoje ningum pde explicar a desapario completa da

    cincia Khmer. Para onde foram os alquimistas de Angkor-

    Naga? Eles nunca mais foram vistos, depois do grande

    terremoto de 1230, que mudou a configurao da margem

    norte do grande lago Tonl. H um mistrio nesse

    terremoto, provavelmente provocado artificialmente, um

    mistrio que a Histria no conta! Foi depois dele que os

    cientistas Khmer nunca mais deram sinais de vida. Quem

    sabe, Brigitte, se eles descobriram uma maneira de dominar

    o tomo Z?

    Ou quem sabe replicou Brigitte, sorrindo se o tomo Z descobriu uma maneira de destruir a aldeia? A

    natureza, s vezes, muito ciosa de seus segredos... de

    qualquer maneira, estou pronta para fazer a reportagem... e

    ajudar o FBI a descobrir os assassinos do professor

    Khatamansky. Suponho que isso tambm faa parte de

    minha misso, no verdade, inspetor?

    Sim disse Pitzer, exalando um suspiro. Mas ns estamos trabalhando para localizar os assassinos. claro

    que eles ainda se encontram em Nova Iorque e no na

    Indochina.

    Brigitte tinha os olhos apertados pela desconfiana.

    Por que mataram esse sbio russo, em vez de lhe roubarem apenas os documentos?

    Provavelmente respondeu o professor White o mestre reagiu, ao ser raptado pelos agentes soviticos. A

    pasta que ele levava s podia ser aberta nos escritrios do

    laboratrio ou em sua residncia; por isso, os assassinos

    deceparam a mo do saudoso professor. Havia uma

    corrente, com um cadeado, muito grossa para ser limada.

  • O senhor conhecia o teor dos documentos? insistiu a linda reprter, encarando o homem ruivo com expresso

    angelical.

    No, no o conhecia perfeitamente. Creio que j disse isso. O mestre era muito cuidadoso e desconfiado. Todos

    ns conhecamos as suas teorias, que provavam a existncia

    do tomo Z, mas os detalhes de suas pesquisas eram

    secretas. Nenhuma de suas anotaes pessoais chegou s

    mos de seus colaboradores.

    Talvez por isso refletiu Brigitte os agentes soviticos tivessem que eliminar o professor, em vez de

    fotografar simplesmente os documentos. Ele nunca deixava

    o seu dirio dando sopa... Talvez tornou Pitzer. Mas sua misso, Brigitte,

    prende-se apenas ao Camboja. Deixe os assassinos por

    nossa conta. Sua misso prende-se descoberta do tomo Z

    na natureza, no caso da doutora Madalena de Da Verne ter

    encontrado a sua pista. Quando lhe disse que havia perigo

    na empreitada, referia-me s possveis ameaas dos agentes

    soviticos, no Camboja. Eles tambm esto atrs do tomo

    Z. Mas s voc, ou as outras mulheres da expedio do

    professor White, tero chances de entrar no Vale Proibido.

    Esperemos que nenhuma das outras senhoras seja uma espi

    russa...

    Esperemos assentiu Brigitte, sorrindo. Mas desconfio de que j houve alguma outra coisa estranha na

    expedio da doutora Da Verne... E, se vocs acham que h

    perigo nessa reportagem...

    verdade confessou o inspetor Pitzer, fazendo uma careta. Os agentes do Deuxime Bureau a que o professor White se referiu, s embarcaram para o Camboja

  • depois que a doutora Da Verne anunciou ter havido um

    assassnio entre os membros de sua expedio. H cerca de

    uma semana, algum matou a tiros, no meio da selva, uma

    tal mademoiselle Franoise Banefont, correspondente do

    Le Nouveau Matin de Paris. Obrigada disse Brigitte, levantando-se. Essa

    notcia muito me tranqiliza...

    E ajustou, maliciosamente, as saias sobre as coxas

    generosas.

    DOIS Uma Jornalista Diplomada em Espionagem

    Brigitte e o inspetor no tinham dito tudo ao gordo Miky

    Grogan. Na verdade, a linda reprter j pertencia ao Servio

    Secreto como agente honorria do FBI desde o caso dos

    Discos Voadores. Alm disso, nesse ltimo ano, ela fizera

    um estgio em Maryland, aparentemente em gozo de

    licena; a, por trs da cerca de arame-farpado de Fort

    Holabird, perto de Baltimore.

    O embarque da Expedio Arqueolgica White para a

    Pennsula da Indochina estava marcado para quinta-feira, 10

    de maro, exatamente uma semana depois da morte do

    professor Khatamansky.

    Devemos nos apressar tinha dito o professor White. Em abril, comeam as chuvas no Camboja, sempre muito abundantes. E, com as chuvas, o prprio Lago

    Tonl muda de configurao. Ser conveniente, por todos

    os motivos, chegarmos ao Camboja na estao seca.

  • Na tera-feira, dia 8, Brigitte recebeu um telefonema do

    inspetor Pitzer, no qual a velha raposa do FBI lhe

    comunicava que seu passaporte estava pronto. Eram nove

    horas da manh e estava no seu luxuoso apartamento, na

    Quinta Avenida, preparando-se para tomar um banho de

    imerso.

    Brigitte dispensou a empregada e despiu-se,

    vagarosamente, diante do grande espelho, contemplando o

    seu corpo divino.

    Nisso, ouviu um gemido, dentro do guarda-vestidos.

    Quem est a? fez a linda garota, fechando o roupo num gesto tardio de pudor.

    A porta do quarto foi fechada violentamente separando-a

    do resto da casa; era sinal de que havia mais algum, do

    lado de fora, tomando conta da entrada. Na mesma hora,

    abriu-se o amplo guarda-vestidos de pau-marfim e um

    homem saltou l de dentro. Era alto, forte, e tinha grossas

    sobrancelhas negras sobre os olhos cinzentos e frios. Sua

    mo esquerda estava no bolso da cala, mas a direita

    empunhava uma pesada automtica Stechkin, com um cano

    mais grosso do que o normal.

    Bom-dia disse Brigitte, sem amarrar o cinto do roupo. O senhor no me surpreende, cavalheiro. J estou habituada a receber visitas fora das horas

    convencionais...

    Seu sangue-frio no perturbou o intruso. Mas seu belo

    corpo nu, entrevisto pela abertura da roupagem verde,

    deixava-o vesgo.

    Sente-se rosnou ele, numa voz gutural com acento eslavo, indicando a cama com a ponta da arma. Queremos conversar com voc!

  • No prefere conversar comigo enquanto tomo banho? Assim o senhor me poupar um bocado de tempo...

    Niet! Sou nervoso e no gosto de me excitar, com fmeas imperialistas! Sente-se!

    s suas ordens, cavalheiro. Em que posso servi-lo? O russo ficou de p, atento aos seus menores gestos. Ela

    cruzou as pernas magnficas, mas achou que ainda era cedo

    para perturbar o homem, mostrando-lhe as parte mais

    secretas de sua anatomia.

    Voc perguntou o homem, com inflexo afirmativa Brigitte Montfort, reprter do Morning News?

    Sim. Por que me aponta essa pistola? No sabia que isso era crime.

    O homem no achou graa. Sua voz continuou severa:

    Voc vai participar de uma expedio ao Camboja, que sair de Nova Iorque depois de amanh? Qual a razo

    exata dessa viagem?

    Vou fazer a cobertura jornalstica da expedio do professor Patrick White, do Museu Arqueolgico dos

    Estados Unidos. Para ser mais precisa, cavalheiro, vamos

    fotografar runas na Indochina. Os monumentos de Angkor,

    presumo.

    Voc deve saber mais do que isso, menina! Queremos uma informao completa! No pudemos nos

    aproximar do professor White, que era assessor do

    professor Khatamansky. Voc deve saber mais do que ele,

    porque trabalha para o inspetor Alan Pitzer! Qual a idia,

    menina? A doutora Da Verne descobriu, mesmo, alguma

    coisa? O inspetor Pitzer deve saber mais do que, aquilo que

    disse! Qual a idia do FBI?

  • Voc est falando grego replicou Brigitte, pondo-se de p e abrindo o roupo. No entendo nada disso! Sou uma simples reprter e no tenho nenhuma ligao

    especial com esse inspetor Pitzer!

    Voc conversou com o homem do FBI, agora mesmo, pelo telefone! Eu ouvi tudo, dentro do guarda-roupa!

    Isso muito feio admoestou Brigitte, sacudindo um dedinho. Tambm so muito feios esses seus olhares, dirigidos ao meu umbigo! A verdade que no sei de mais

    nada, alm daquilo que voc tambm parece saber.

    Pois bem rosnou o russo, ameaando apertar o gatilho. Voc no ir ao Camboja! Foram as ordens que recebi. Temos uma garota, muito parecida com voc, que

    ir no seu lugar! Nenhum dos membros da expedio a

    conhece pessoalmente, a no ser o professor White, e...

    Como v, esta arma tem silenciador! Vou acabar com voc

    menina... e sem fazer barulho!

    Isso timo disse Brigitte, despindo o roupo. Acerte na mosca.

    E exibindo o bico do seio esquerdo, firme e pontudo

    como se fosse feito de ltex. O homem ficou hirto, varado

    pelo assombro; antes que ele voltasse a si do encantamento,

    a linda reprter suspendeu violentamente a perna direita,

    atingindo-o com o peito do p no baixo-ventre. O pistoleiro

    soltou um uivo e encolheu-se todo, enquanto apertava o

    gatilho da arma. Ouviu-se um ploft, mas a bala apenas furou o assoalho. No segundo seguinte, Brigitte tinha

    pulado em cima dele e estava lhe torcendo o pulso, para

    arrancar-lhe o Stechkin. Foi infeliz; soou outra exploso

    abafada e o peito do russo ficou marcado por uma mancha

    ce sangue.

  • Oh, no! gemeu Brigitte, horrorizada. Lentamente, o homem se despencou em cima da cama,

    onde ficou cado, de bruos. Estava morto.

    Oh, no! repetiu a garota. Os mortos no falam! Voc no devia ter feito isso, Nicolau! No devia,

    realmente!

    Por sorte, o edredon era vermelho e absorvia o sangue

    sem deixar vestgios desagradveis. Nua como uma ninfa,

    Brigitte apalpou os bolsos do cadver que acabara por ficar

    imvel e extraiu alguns documentos de identidade. Por eles,

    verificou que o sujeito se chamava Mikhail Gourob e tinha

    nascido em Moscou. Era um homem muito viajado, pois

    possua trs passaportes, todos com nomes diferentes e a

    mesma fotografia. Mas sua carteira de identidade parecia

    legtima.

    Mal acabara de depositar os papis em cima da cama,

    ouviu o tlic do trinco da porta. Silenciosa como uma gata, atravessou o quarto com passos elsticos. A porta

    abriu-se lentamente, mas no entrou ningum.

    Mikhail? chamou uma voz grave, falando em russo. Voc j fez o servio?

    Brigitte soltou um gemido cavo, o gemido caracterstico

    de uma linda mulher ferida por um marginal. A porta abriu-

    se de todo e entrou outro homem, alto e forte, armado com

    uma pistola de feitio estranho. Num relancear de olhos,

    Brigitte reconheceu um revlver russo, carregado com

    cartuchos de gs psicoqumico. O homem deu trs passos,

    dentro do quarto, soltou um gemido de surpresa ao ver o

    cadver do companheiro e, depois, tambm soltou um grito

    de dor, ao receber, na nuca, a cutilada de carat da mais

    recente diplomada de Fort Holabird. Vagarosamente, seus

  • dedos soltaram o revlver de gs e seu corpo se

    desmoronou no assoalho, batendo com a cara no tapete.

    H mais algum na casa? perguntou Brigitte, em voz alta, assomando porta do quarto.

    Sua empregadinha, muito nervosa, apareceu tremendo e

    disse que no, que no havia mais nenhum assaltante no

    apartamento. Brigitte acalmou-a, com um sorriso, e

    mandou-a fazer caf forte; em seguida, vestiu o roupo e

    revistou os bolsos do segundo homem, verificando que seu

    nome era Vassili Vasky, adido civil sovitico, credenciado

    junto embaixada de seu pas. Tambm havia trs

    passaportes nos bolsos do diplomata, inclusive um com

    visa do reino do Camboja. Aquilo era muito interessante. Um gole de caf fervendo despertou o homem, fazendo-

    o sentar-se no cho, gemendo e alisando o galo da nuca. Bom-dia, tovarich Vasky. Devo atirar entre os seus

    olhos? difcil errar a uma distncia to curta.

    Niet gemeu o russo, arregalando as pupilas cinzentas. No me mate! Estou apenas cumprindo ordens!

    Ordens? De quem? No posso dizer! Voc matou Mikhail? Ele se suicidou. Niet! Voc o matou! sempre um suicdio, enfrentar Brigitte Montfort...

    Vocs j me conhecem, mas eu ainda no tinha o prazer de

    conhec-lo. Agora, sei quem so. Vocs so os assassinos

    do professor Khatamansky! So os dois agentes russos que

    raptaram o velho cientista num Cadillac de praa!

  • Permite-me perguntou o homem, muito plido que tome um comprimido de analgsico para a dor de

    cabea? Voc me bateu muito forte!

    Niet respondeu Brigitte, sorrindo. Conheo o tipo de comprimidos usados pelos espies que fracassam...

    Eu no quero me suicidar. Claro que no. J o revistei e encontrei as ampolas de

    antdoto. Se voc tomar o contra-veneno, e eu no, este

    revlver s ser til para voc... Mas no quero mat-lo,

    colega. Ou voc fala, Vassilli Vasky, ou eu lhe arrancarei as

    tripas pelos buracos das narinas!

    Niet! gemeu o homem, apavorado, ajoelhando-se no tapete. Eu falo! Falo tudo o que quiser! As torturas so muito desagradveis. Eu... eu sou nervoso e no posso

    ver sangue!

    Nem o seu? Muito menos o meu! Por piedade, senhorita

    Montfort! Afaste esse revlver do meu nariz!

    Vocs mataram o professor Khatamansky? perguntou Brigitte, com voz dura.

    Da. Fomos ns. Mas recebemos ordens! Tnhamos que apanhar os documentos da pasta marrom. O velhote no

    largou a pasta e tentou fugir. Fui preciso liquid-lo e cortar-

    lhe a mo, para tirar a corrente de ao. Recebemos ordens,

    senhorita Montfort.

    Prefiro que me trate de Baby. mais ntimo. Onde est a pasta?

    No sei, Baby! Mikhail a entregou a um intermedirio, chamado Joe, um americano barbudo, de

    culos escuros, que a levou para a embaixada de um pas

    amigo da Unio Sovitica. A pasta j no est nos Estados

  • Unidos e seu amigo, o inspetor Pitzer, no poder reav-la.

    A estas horas, a pasta, com o dirio, j est em poder do camarada Antoniev, em Moscou. Ele pretende vend-la, por

    um bom preo, ao Kremlin.

    No foi o RU, ou o KGB, que mandou vocs? Niet. No somos agentes profissionais. Trabalhamos

    para o camarada Antoniev.

    Brigitte deu-lhe um golpe, com o cano da pistola, no

    joelho. O homem viu estrelas. Sua voz tornou-se lamentosa:

    Que que voc quer saber mais, Baby? O resto! Quero saber tudo! Recebemos ordens de apanhar a pasta do professor

    Khatamansky, porque nenhum agente do camarada

    Antoniev conseguiu fotografar o dirio do professor. O velho reagiu, como lhe disse, e Mikhail o liquidou com um

    tiro na nuca. Foi muito desagradvel! No nos cabe a culpa.

    E vocs no podero mais evitar que a pasta chegue s mos

    do camarada Antoniev!

    Engana-se retrucou Brigitte, ameaando dar-lhe outra pancada, com o revlver, na cana do nariz. Voc sabe de tudo, Vassili! Refiro-me busca do tomo .

    Ele recuou prudentemente o rosto.

    S sei o que me competia saber, Baby. Acredite em mim, por favor!

    Quero a histria toda, tovarich. Voc tem um passaporte pronto para ser usado, numa viagem ao

    Camboja. muito longe, o Camboja. Que ia fazer l?

    Contato com a doutora Medelon de Da Verne resmungou o homem, contrariado. O camarada Antoniev quer saber o que a exploradora francesa descobriu, nas

    margens do grande lago Tonl. Ele supe que seja alguma

  • coisa ligada ao tomo Z, que o professor Khatamansky

    estudava teoricamente. A Unio Sovitica tem excelentes

    cientistas atmicos, mas pouca matria-prima. Mas, agora,

    surgiu a possibilidade de domar o tomo Z. Ns tambm

    queremos esse elemento atmico, para os nossos reatores

    dos Montes Urais!

    O que o tomo Z? perguntou Brigitte, arriscando-se a ouvir outra aula de Fsica Nuclear.

    No sei respondeu o russo, choroso. No entendo disso! Sou um torpedo e no um tcnico em energia atmica!

    Brigitte deu-lhe um choque, no alto do crnio, com o

    cano da arma. As lgrimas saltaram dos olhos do

    desgraado.

    O tomo Z disse ele, com volubilidade uma partcula radiativa que a cincia ainda no conseguiu

    dominar. Ela desaparece na mesma hora que nasce. uma

    fonte de energia poderosa, com muito mais valor do que a

    bomba atmica, pois resolve o problema da neutralizao da

    gravidade. Pode ser usada tanto em naves espaciais como

    em armas de guerra, armas capazes de pulverizar um

    exrcito em poucos segundos! Graas ao bombardeio

    contnuo e espontneo dos tomos Z, no sero mais

    preciso foguetes para pr em rbita as naves tripuladas; elas

    tero autonomia de vo e podero se dirigir para onde

    quiserem. Mas a teoria do professor Khatamansky, a

    respeito do tomo Z, ainda no pde ser comprovada

    praticamente, devido inexistncia desse elemento no

    planeta Terra. Parece que s o Sol que retm o tomo Z.

    Logo que so. criados, na natureza terrquea, os tomos Z

  • se dissolvem,, saltando para o espao exterior com a

    velocidade da luz. Foi o que ouvi dizer.

    Se Brigitte no tivesse grande prtica em falar russo, no

    teria entendido a algaravia de seu interlocutor, pois ele se

    expressava no seu idioma natal.

    Quem lhe disse isso, Vassali? O camarada Joe, Baby. Agora, ele falava em

    ingls. Mas o camarada Joe tambm pode se chamar Ferdinand... Nossos encontros sempre foram marcados pelo

    telefone.

    De uma cabina telefnica, com certeza... Da. De uma cabina telefnica. Foi tudo quanto pude

    descobrir.

    Brigitte acenou com o revlver.

    Quando que voc e Mikhail pretendiam embarcar para o Camboja?

    Depois de amanh, no mesmo avio da expedio do professor White. O professor White devia ser comprado e,

    no caso de uma recusa em colaborar, devia ser liquidado nas

    selvas do Camboja. Agora, est tudo perdido! A doutora Da

    Verne tambm no ser silenciada; vocs tomaro

    precaues e isolaro a francesa! Est tudo perdido!

    Sim, parece que est Brigitte semicerrou os olhos azuis, desconfiada. Mas vocs so agentes secretos com grande prtica, e nunca se deixam apanhar de surpresa... O

    camarada Antoniev j deve contar com o fracasso... Aposto

    como vocs sero substitudos, nessa viagem Indochina.

    Ou, provavelmente, o camarada Antoniev j tem outros

    contatos no Camboja... ou no , querido?

  • No sei apressou-se a dizer o outro. S respondo por mim. No que me concerne, Baby, est tudo perdido!

    A ordem era estabelecer contato com a doutora Da Verne? insistiu Brigitte, encarando-o pensativamente.

    Da. Essa era a ordem. E vocs j conhecem a exploradora francesa? Niet. Ento, como esperavam chegar sua presena?

    Dando tiros de gs em tudo quanto monge budista?

    Niet. A ordem era conversar primeiro. Como? E o revlver alou-se, outra vez, ameaadoramente. O

    russo encolheu a cabea.

    Teramos um contato preliminar com um agente chins, inimigo de Mao e partidrio da poltica sovitica.

    Esse agente chins nos esperaria no aeroporto de Siem

    Reap, uma cidadezinha prxima do Vale Proibido de Khi-

    Khent, e nos levaria presena da francesa. Nossa misso

    seria de paz.

    Como se chama o agente chins? No sei. Juro que no sei! Ele se apresentaria, no

    aeroporto.

    Devia ser verdade; Brigitte abaixou o revlver.

    O agente Antoniev supe que a doutora Da Verne tenha descoberto o tomo Z? Foi isso o que lhe disse Joe?

    Claro. No o que vocs tambm supem? Molcula X ou tomo Z a mesma coisa. A francesa deve ter

    encontrado a coisa, no Camboja, entre as runas da

    civilizao Khmer. H um grande mistrio no sumio dos

  • alquimistas Khmer, que nunca mais deram sinais de vida

    deste o Sculo Treze.

    Vejo que voc est a par de tudo, Vassili. Voc um bom estudante. Mas esses detalhes histricos no me

    entusiasmam. Voc dir o resto ao inspetor Pitzer. D

    graas a Deus por isso; os mtodos do FBI so mais suaves

    do que os meus...

    Ento; no me enganei! grunhiu o russo, rilhando os dentes. Voc no uma simples reprter do Morning News! Voc uma agente secreta do FBI! O camarada Antoniev tambm sabe disso!

    Esse camarada Antoniev sorriu Brigitte, pondo-se de p muito sbio... Voc disse que ele est em Moscou?

    Da! Ele mora em Moscou. E nunca sai de l. Esse nunca se passar para o ocidente, como se passou o

    professor Khatamansky!

    Talvez voc se engane retrucou a bela reprter, inclinando-se para ele. Estou com muita vontade de fazer uma visita aos meus amigos de Moscou... Mas, agora, basta

    de conversa. Voc est cansado de falar, Vassili Vasky.

    bom que durma um pouco.

    E aplicou-lhe uma tremenda pancada, com o cabo do

    revlver, no alto da cabea. O russo gemeu, entornou os

    olhos, mas no caiu. Outro golpe violento na base do

    crnio, atirou-o de borco, sem sentidos. Ento, Brigitte

    atravessou o quarto com passos leves e apanhou o telefone

    cor-de-rosa. Esperou o sinal e discou o nmero particular do

    inspetor Pitzer, nos escritrio do FBI.

    Senhorita Stephanie? Vai chover, hoje, em Manhattan, Ele est? O homem do FBI atendeu logo.

  • Al? Chefe? Aqui, Brigitte. Bom-dia. Poderia ter a

    gentileza de passar no meu apartamento? Sim, agora

    mesmo. Vou tomar banho e, quando voltar minha alcova,

    tenho um presente muito valioso para o senhor...

    O inspetor Ptzer foi correndo para a Quinta Avenida,

    furando todos os sinais do trnsito, com a sirene aberta.

    Mas, quando viu os dois espies russos um vivo e o outro

    morto, suspirou e fez uma careta de desnimo.

    TRS A Longa Viagem Para o Perigo

    Os mtodos do FBI eram, realmente, to suaves que o

    inspetor Pitzer no conseguiu tirar do seu prisioneiro

    nenhuma outra informao alm daquelas que ele fornecera

    a Brigitte Montfort. A aparncia do contato Joe, um

    americano barbudo, de culos escuros, no ajudava, em

    nada, a polcia; ele podia ser qualquer homem da rua

    disfarado. Uma garota, morena e linda, parecida com

    Brigitte, tambm no era fcil de encontrar em Nova Iorque.

    Dois dias depois da priso e confisso de Vassili Vasky, o

    FBI continuava sem a mnima pista dos outros integrantes

    da rede de espionagem do camarada Antoniev. E, na manh

    desse dia 10 de maro a expedio arqueolgica White

    embarcou para o Camboja.

    Eram, ao todo, sete pessoas: o professor White (perito

    atmico), Jane Finda (paleontloga), Margaret OSullivan (arqueloga) e Shirley Murray (naturalista), Bernard Smith

    (mdico e antropoligista), Frank Kuriang (guia siams) e

  • Brigitte Montfort, correspondente especial do Morning News.

    Nove horas depois, os expedicionrios chegavam ao

    Aeroporto de Orly, na capital francesa, e iam para o Hotel

    George V, cercados de grande curiosidade popular. Todos

    os jornais de Paris noticiavam a viagem dos arquelogos

    americanos s runas de Angkor, onde j se encontrava a

    doutora Madalena de Da Verne. Passaram o resto do dia e a

    noite na Cidade-Luz, divertindo-se nos bailes de Saint

    Germain. O professor White revelou-se um agradvel

    companheiro de Brigitte, e demonstrou uma louvvel

    discrio quando ela fez um pouco de charme para um

    pintor inteligente do Boulevard St. Michel.

    Ele me lembra Frank Minello. esclareceu a reprter, justificando o interesse pelo artista. Frank o redator esportivo do Manh e um dos poucos homens, em Nova Iorque, com os quais vale a pena passar uma noite.

    Estou morrendo de saudades de Frank Minello!

    Na manh seguinte, partiram para a Tailndia.

    Tailndia disse o guia siams quer dizer Terra. da Liberdade.

    Brigitte ainda no conhecia Bangcoc e ficou encantada

    com os hbitos pitorescos dos nativos, beira do Rio

    Menam. Nessa noite, sob a luz de grandes lampies de

    papel pintado, assistiram a uma dana tpica, chama

    Lakon, na qual os bailarinos simbolizavam a eterna luta entre o bem e o mal. As mulheres da expedio ficaram

    muito impressionadas. Mas, como todos os tailandeses.

    eram pequenos e feios, Brigitte recolheu-se cedo ao seu

    quarto do Hotel Kruang-Thep.

  • s oito horas da manh de sbado, os expedicionrios

    foram despertados pelo dono do hotel. Tinham dormido

    demais, O avio, que os levaria ao Camboja, era um DC-3

    da Royal Air Cambodge, fretado especialmente. Brigitte

    viajou ao lado do professor White, encantada com

    paisagem, que parecia escorregar sob as asas do avio.

    Atravessaram a fronteira do Camboja e tomaram o rumo de

    Sisofen e das florestas que se estendiam pelo norte do pas,

    indo descer aos saltos numa pista modesta da cidadezinha

    de Siem Reap. O prdio do aeroporto, se bem que moderno,

    tambm era modesto. Havia apenas dois homens espera

    dos expedicionrios: um representante do governo, para

    lhes dar as boas-vindas em nome do prncipe Sihanouk, e

    um chins antiptico, vestido com um bluso de linho

    amarelo e calas fofas do mesmo tecido, tendo nas mos o

    seu chapelo de palha tradicional.

    Eu, Mai-Khai apresentou-se ele, curvando-se, sem sorrir. Helicptero de Sua Alteza s ordens de honrados amigos americanos, Eu levarei vocs at Angkor-Naga, s

    margens do grande lago Tonl. Obrigado.

    E ps-se a coar a barriga, por cima do bluso.

    A verdade lembrou o assistente do professor Khatamansky que ns pedimos permisso oficial para fazer pesquisas nos arredores de Angkok. O rei do

    Camboja, que um homem viajado e amigo do ocidente,

    deu-nos todas as facilidades, para uma feliz estada, No

    admira, pois, que tenha colocado o seu helicptero nossa

    disposio.

    O chins coando o nariz e ainda sem sorrir, disse que

    isso estava muito bem. Saram do aeroporto e foram passear

    pela cidadezinha, para desentorpecer as pernas. Siem Reap

  • era pouco mais do que uma vila e s existia em funo das

    runas de Angkor, bastante procuradas pelos turistas. s

    onze horas, os expedicionrios foram para um heliporto

    improvisado, onde o chins os esperava, ao lado de um

    possante helicptero Lavockhia-8, de fabricao russa. Embarcaram as bagagens e dispunham-se subir para bordo

    quando o representante calvo do governo apareceu correndo

    e trocou algumas palavras, em voz baixa, com o professor

    White. Este se mostrou muito impressionado e ps-se a

    limpar Furiosamente as lunetas no leno.

    Que foi? perguntou Brigitte, aproximando-se, Sua alteza, o prncipe Sihanouk do Camboja, nos

    desejou boa viagem, mas no nos emprestou nenhum

    helicptero. Este aparelho pertence a uma firma particular

    chinesa, que opera entre o Camboja e o Vietn do Norte.

    Voc acha que devemos embarcar assim mesmo?

    Por que no? tornou Brigitte; sorrindo. Somos sete pessoas crescidas e o piloto penas um

    chins malcheiroso. Nosso guia conhece o caminho de

    Angkor. Se o helicptero mudar de rumo, podemos abater o

    piloto e tomar o seu lugar. Aprendi a pilotar helicpteros

    em Maryland, durante as minhas frias.

    O professor White suspirou e respondeu que punha o

    destino da expedio nas suas mos. Via-se que ele no se

    sentia muito satisfeito com o rumo dos acontecimentos.

    Brigitte apalpou a pistolinha Baby que levava colada coxa e subiu, confiante, para o helicptero; o professor

    White seguiu-a, menos confiante do que ela. Na mesma

    hora, a grande hlice aumentou as suas rotaes e o

    aparelho decolou, em linha reta, como se quisesse furar o

    cu.

  • O piloto chins no dizia palavra, sentado diante do

    painel de instrumentos, com a alavanca entre as pernas e os

    ps fincados nos pedais do leme. Brigitte, dessa vez, estava

    sentada ao lado do guia siams Frank-Kuriang, que lhe dava

    explicaes sobre a Pennsula da Indochina.

    Ento, Frank? perguntou, de repente, a bela reprter.

    O guia era um homem baixo e troncudo, moreno, de

    olhos ovais que no escondiam a sua origem chino-

    vietnamita.

    Rumo certo, senhorita. J estamos chegando a Angkor-Thom. So apenas seis quilmetros, atravs da

    floresta. Depois, devemos virar para o sul.

    E, de repente, como num passe de mgica, comearam a

    aparecer os primeiros vestgios das antigas civilizaes

    Khmer: um ou outro monumento de pedra cinzenta,

    deferiorado pelo tempo e quase engolido pela espessa

    vegetao.

    Angkor-Thom anunciou o guia siams. Tambm conhecida como Nakher-Thom. Ali est a

    Grande Torre de Bayon. Angkor-Vat fica mais ao noroeste.

    No passaremos por l, se formos diretamente para o grande

    lago Tonl, que fica ao norte. Mas... o que est fazendo esse

    maldito piloto?

    Realmente, o chins tinha tomado uma atitude estranha.

    Sem ser pressentido pelos passageiros, afivelara uma

    mochila nas costas e abrira a portinhola lateral do

    helicptero. Nesse momento, sobrevoavam as runas da

    cidade de Angkor-Thom que tinham cerca de treze

    quilmetros de extenso e o aparelho balanava, a cem

    metros de altura.

  • Brigitte saltou para cima do piloto ao mesmo tempo que

    ele saltava para fora. Por um longo minuto, os dois ficaram

    agarrados, no meio da portinhola aberta, cai no cai; depois,

    o chins conseguiu se desprender. das mos da garota e

    mergulhou no espao. Seu pra-quedas abriu-se logo, como

    uma gigantesca couve-flor.

    Meu Deus! gritou o professor White. Estamos caindo!

    No era verdade, O helicptero seguia o seu rumo cego,

    ligeiramente adernado. Brigitte esgueirou-se por cima do

    encosto do assento do piloto e pisou num dos pedais do

    leme, endireitando o aparelho. Em seguida, baixou

    vagarosamente a alavanca, fazendo o helicptero perder

    altura.

    Preparem-se para saltar! gritou a garota, virando o rosto sobre o ombro. Joguem fora as bagagens, para no perdermos tempo! Deve haver uma bomba nesta

    geringona!

    Nervosamente, os expedicionrios juntaram as bagagens

    e atiraram-nas pela portinhola, ainda aberta.

    Nossa Senhora! gritou uma das arquelogas. H um homem morto aqui embaixo! H um cadver enrolado

    numa lona! Que que eu fao?

    Brigitte no titubeou, os olhos fixos no altmetro:

    Joguem fora, tambm, o morto! E preparem-se para abandonar o aparelho! Vou tentar um pouso de emergncia!

    A intrpida reprter baixou o helicptero, mas no viu

    nenhum campo apropriado para pousar. Descer sobre as

    copas das rvores seria um suicdio. Afinal, lobrigou o alto

    da Torre de Bayon, onde se viam quatro gigantescas

  • mscaras do Deus Siva, sorrindo para a eternidade; aquele

    era o monumento mais elevado do conjunto arquitetnico.

    Preparem-se para saltar! repetiu a moreninha. Agora!

    E baixou o helicptero sobre o topo da torre. Com um

    sangue-frio extraordinrio, manteve a aparelho equilibrado

    sobre as pedras carcomidas, at que os seis expedicionrios

    desceram sobre uma pequena plataforma, existente no meio

    das cabeas do deus hindu; em seguida, puxou a alavanca

    de comando e tambm saltou, no justo momento em que o

    aparelho ganhava novamente altura.

    Agarrados s pedras da Torre de Bayon, eles viram o

    helicptero subir lentamente, em linha reta, e,

    repentinamente, explodir no ar, como uma granada,

    espalhando pedaos de ferro incandescente para todos os

    lados. A carcaa do aparelho, fumegante, foi cair pouco

    alm de torre, aos ps da esttua do Rei Leproso, no lugar

    onde se erguera, em remotas eras, o Palcio Real dos

    Khmer.

    Que brincadeira! gemeu o professor White, pendurado no nariz de uma das cabeas de pedra. Esse piloto chins, que s Deus sabe de onde veio, queria nos

    matar! Sim, ele queria nos matar!

    Talvez no seja chins respondeu Brigitte, sentada a cavalo noutra cabea. de Siva. Talvez seja russo. Meu amigo Vassili Vasky falou-me num contato do camarada

    Antoniev que devia esperar dois amigos no aeroporto de

    Phnom Penh. Como os seus amigos no vieram, porque

    caram nas mos do FBI, ele poderia ter vindo para Siem

    Reap esperar por ns... uma grande distino, professor.

    Isso quer dizer que ns valemos o nosso peso em TNT!

  • O professor White arregalou os olhos, mas no disse

    nada. Ainda trmulos de susto, os expedicionrios desceram

    cautelosamente de cima das runas e juntaram-se ao p do

    monumento.

    A Torre de Bayon papagueou o guia siams, encantado foi construda por iniciativa do rei Indvavarm Primeiro, que governou os Khmer do ano 877

    ao ano 889, depois do vosso Cristo. uma torre muito

    bonita e, agora, provou que tambm pode ser til.

    No faltava nenhum expedicionrio e nenhum deles

    estava ferido.

    Agora disse Brigitte temos que agir depressa, antes que o chins aparea, para ver o resultado de sua

    brincadeira! Vamos reunir nossas bagagens e escond-las

    em alguma dessas casas de pedra.

    Frank Kuriang sugeriu que acampassem ali mesmo

    numa das trs galerias arruinadas da Torre; alm das

    mscaras de Siva, viam-se belas esculturas na parte externa

    da torre, representando animais, cenas de caa, episdios

    esportivos, smbolos de outras divindades e bailarinas

    ligeiramente imorais. Em poucos minutos, eles recuperaram

    as bagagens e, excetuando um ou outro vasilhame

    quebrado, encontraram tudo em perfeitas condies de uso.

    O professor White ficou muito satisfeito porque o fardo

    com os seus aparelhos cientficos cara em cima de uma

    rvore e o contador Geiger no se quebrara.

    Carregaram tudo para a galeria da Torre de Bayon e

    sentaram-se, para tomar caf. Uma das expedicionrias,

    Margaret OSullivan encarregou-se de fazer a bebida, numa cafeteira trmica. Enquanto isso, Brigitte puxava Frank

    Kuriang por um brao e internava-se, com ele, na floresta.

  • O professor White recebera ordens de no se afastar dali,

    com seus companheiros, pois a reprter e o guia siams

    precisavam dar uma voltinha pelas vizinhanas...

    Em vista deste contratempo tinha dito a garota, com um sorriso meigo assumo, provisoriamente, o comando da expedio. Preciso tirar fotografias.

    E mostrava a mquina fotogrfica Speedflash, que

    levava a tiracolo. Frank Kuriang acompanhou-a de bom

    grado. Voltaram, com dificuldade, para o mato cerrado. A

    puseram-se a procurar o tal cadver visto por uma das

    mulheres, que no fora recuperado junto com as bagagens.

    O homem tinha cado dentro de um fosso da antiga grande

    capital dos Khmer e ali se encontrava, de papo para o ar, os

    olhos abertos e fixos virados para o sol.

    um chins da China anunciou o guia. Quer que o traga c para cima?

    Faa o favor, Frank. Gostaria de revist-lo, sem sujar as botas.

    O troncudo siams desceu ao fosso e voltou com o corpo

    nos braos.

    Ele no estava morto anunciou Brigitte, depois de examinar o cadver, Morreu da queda, pois fraturou a base do crnio. -

    Os papis de identidade do chins davam-no como

    natural de Chanchiang, na Pennsula de Leichou. Mas, num

    bolso secreto de sua tnica, havia uma carta escrita em

    russo que provava a sua ligao com a rede de espionagem

    do camarada Antoniev. Aquele que era o agente sovitico

    encarregado de receber Vassili Vasky e Mikhail Gourob,

    quando os russos desembarcassem no Camboja.

  • No entendo nada queixou-se o guia siams. O chins russo!

    Brigitte bateu duas chapas do cadver. Depois falou:

    Talvez eu entenda! H mais de um grupo de espies atrs do tomo Z. E o piloto chins neutralizou o agente

    russo, tomando o seu lugar. Agora, vamos esperar a volta de

    Mai-Khai. Ele no deve demorar.

    O guia siams estava impressionado e aterrorizado,

    embora no o quisesse demonstrar. Brigitte tranqilizou-o,

    com um sorriso cativante, e mostrou-lhe a pistolinha

    grudada, com esparadrapo cor da pele, sua coxa rolia.

    Venha comandou a linda reprter arrancando o pobre homem de sua abstrao. Temos que nos esconder nas proximidades do local onde caiu a carcaa do

    helicptero. No tenha medo, Frank. Eu me encarregarei de

    fazer o chins falar... embora nos arrisquemos a no

    entender nada do que ele disser...

    Em silncio, ainda sob o impacto que lhe causara a viso

    maravilhosa das coxas rosadas de Brigitte, o siams seguiu-

    a como um cachorrinho. Atravessaram por entre os palcios

    e templos semidestrudos de Angkor-Thom, alguns j

    recobertos, outra vez, pelas razes das rvores gigantescas, e

    no tardaram a encontrar o esqueleto do helicptero, ainda

    fumegante, no meio de uma pequena plancie aluvial.

    Brigitte e seu companheiro esconderam-se atrs de uma das

    rvores que marginavam a clareira e ficaram espera.

    No tiveram que esperar muito. Dez minutos depois, os

    arbustos se mexeram e surgiu o piloto chins responsvel

    pelo desastre. Trazia uma automtica Fuchian na mo e os

    olhos negros apertados pela suspeita. Sua mo esquerda

    coava desesperadamente o baixo-ventre.

  • Pouco tranqilizador pensou Brigitte. O homem tem parasitas!

    O guia siams despertou de sua absoro, mas a garota

    apertou-lhe um brao, exigindo silncio. Esperaram que o

    chins se aproximasse da carcaa do helicptero; depois,

    quando ele olhou ao redor procura dos corpos dos

    expedicionrios, a jovem reprter apontou a sua pistolinha e

    disparou-lhe uma bala de ao na mo armada. A. Fuchian

    saltou para longe e o piloto sacudiu o pulso coberto de

    sangue, gritando palavres em chins.

    Fique onde est! ordenou Brigitte, dirigindo-se para ele. Voc nos deve algumas explicaes!

    O homem ficou esttico, agarrado ao pulso, o sangue

    gotejando por entre os dedos. Frank Kuriang apontou-lhe o

    seu revlver.

    Por que queria nos matar? perguntou, em cambojano.

    Mas o outro falava melhor ingls.

    Ordens de cima gemeu, coando nervosamente o pulso ensangentado. No poder dizer mais nada! Como vocs escaparam? No devem chegar vivos ao Vale

    Proibido! Nenhum estrangeiro deve chegar vivo a Khi-

    Khent!

    Voc budista? quis saber Brigitte, contrariada. algum dos monges do pagode de Khi-Khent?

    No. Eu, Mai-Khai, chins. Viva Mao! Ns tambm queremos bomba atmica, feita com tomo Z! Seu amigo

    sovitico, porco revisionista, morreu. Todos vocs,

    estrangeiros, vo morrer! Ordens de cima!

    MKD? sugeriu Brigitte. Yuan de Segurana da China Popular?

  • Os olhinhos estreitos do piloto cintilaram como os de

    uma cobra.

    No diz nada! Ordens de cima para no falar! Grande prejuzo. Bomba destruiu helicptero, mas vocs no

    subiram para as alturas. Agora, Mai-Khai muito mal visto

    por general Mah-Fuan. Melhor morrer com honra. Viva

    Mao!

    Brigitte pulou em cima dele e deu-lhe um safano,

    evitando o suicdio. O chins tinha uma cpsula gelatinosa

    na mo esquerda e j ia met-la na boca; o veneno foi parar

    no meio das folhas secas. E a reprter sorriu.

    No, camarada! J evitei o suicdio de Vassili Vasky e tambm preciso evitar o seu! Vocs tm que falar!

    Nada a dizer retrucou o piloto, mordendo teimosamente os lbios. Mai-Khai j falou demais. Sugiro humildemente que americana branca use sua

    pequena pistola na minha nuca. Sou um soldado e no tenho

    medo de morrer, desde que morra com dignidade! Viva

    Mao!

    Dito isto, fez um rasgado cumprimento e virou as costas,

    correndo para o mato. O guia siams ergueu a pistola e

    atirou antes que Brigitte pudesse impedi-lo. Ferido no meio

    das costas, o chins ainda deu alguns passos trpegos e

    acabou caindo de bruos, esperneando.

    Voc no devia ter feito isso, Frank admoestou Brigitte. Eu queria o homem vivo! Os mortos no falam!

    Recolocou a pistolinha na coxa, colando-a com o

    esparadrapo, e voltou a vestir as calas.

    Ele no ia dizer mais nada replicou o guia, irritado. Esse bandido quase nos matou! E, agora, ia fugir! Se eu no o acertasse, ele escaparia, em busca de

  • reforos! H muitos comunistas chineses no Camboja,

    senhorita.

    Brigitte acenou, pensativamente. Sim, era isso. O

    Servio Secreto chins do Vietn do Norte, dirigido pelo

    general Mah-Fuan, tambm atuava no Laos e no Camboja;

    no havia a menor dvida de que Mai-Khai pertencia

    MKD.

    Com a ponta da botina, a linda espi virou o corpo do

    morto e bateu dois retratos de seu rosto contorcido pela

    agonia.

    Para o lbum de famlia explicou. Mais tarde, posso precisar deles.

    Convm revist-lo aconselhou Frank Kuriang. Ele no me parece corcunda. No entanto, tem uma bolsa nas

    costas, por cima do lugar onde acertou a minha bala.

    Brigitte arrancou a tnica do espio, virou-o outra vez de

    costas e encontrou um aparelho de rdio-porttil, amarrado

    s suas espduas. A antena estava embutida.

    Transmissor de FM feito em Pequim. Imitao dos russos.

    Tambm encontrou nos bolsos do cadver um livrinho

    vermelho, com os Pensamentos de Mao, e uma carteira que

    identificava o seu portador como Mai-Khai-song, piloto

    profissional, nascido em Tientsin, na Repblica Popular da

    China. No havia, porm, nada de comprometedor nas

    vestes do agente da MKD. O transmissor de rdio era a

    nica prova de suas ligaes com a espionagem chinesa. E

    Frank Kuriang parecia muito interessado nele.

    No mexa no dial ordenou a reprter, segurando o brao do siams. Temos que destruir o rdio sem que o seu sinal v para o ar. Se os cmplices deste sem-

  • vergonha nos localizarem, podemos passar maus momentos.

    A MKD no quer que o professor White se encontre com a

    doutora Da Verne. Provavelmente, porque os comunistas de

    Mao pretendem apanhar o tomo Z sozinhos. Eles sempre

    dispensaram a ajuda de seus vizinhos...

    Sempre, no replicou Frank Kuriang. Eles j foram muito amigos dos russos. Agora que

    esto trocando bordoadas, na fronteira.

    E apanhou um pedregulho. Em poucos minutos,

    esfacelava o rdio-porttil, reduzindo a pedaos.

    Discretamente, a bela reprter apanhou o livrinho com

    os Pensamentos de Mao e tambm o reduziu a pedaos.

    QUATRO Visita Turstica Angkor-Vat

    Poucos minutos depois, Brigitte e Frank Kuriang

    reuniram-se aos outros expedicionrios, na Torre de Bayon.

    Mas j no os encontraram sozinhos. Tinha chegado uma

    caravana de turistas procedente de Siem Reap e um guia

    cambojano palrava, mostrando as maravilhas dos

    monumentos Khmer, que atestavam o esplendor da

    civilizao asitica daquele tempo. S no soube explicar o

    que fazia ali aquele grupo de cidados americanos, cheios

    de mochilas, caixotes e fardos de lona... Brigitte fez sinal ao

    professor White e e1es se afastaram, discretamente, por

    entre as runas, carregando os seus volumes. A floresta

    exalava um cheiro enjoativo de paus podres e umidade.

  • Com o transcorrer do dia, tambm aumentava o nmero de

    mosquitos.

    Para Angkor-Vat anunciou o guia siams, assumindo o comando do grupo. So apenas dois quilmetros, sombra destas formosas rvores! Entre

    Angkor-Vat e o lago h um belssimo caminho de terra

    batida, antes do cair da tarde estaremos no Vale Proibido de

    Khi-Khent!

    Levaram duas horas no trajeto, e mais meia hora para

    cobrir o quilmetro e meio de selva que separava o primeiro

    grupo de monumentos do segundo Angkor-Vat, situado

    mais a nordeste do lago. Finalmente, avistaram as primeiras

    construes de pedra cinzenta, meio encobertas pela

    vegetao luxuriante. As razes das rvores, como

    tentculos de polvos gigantescos, cingiam amorosamente os

    palcios e os terraos em que tinha vivido a raa

    desaparecida dos Khmer.

    Por que viemos por Angkor-Vat? quis saber Brigitte, desconfiada. Podamos ter varado a floresta no rumo sudoeste, diretamente para o lago!

    Razes tursticas desculpou-se o guia, sorrindo. apenas um ligeiro desvio para a esquerda... J que aqui

    estamos, senhores, quero lhes mostrar as maravilhas de

    Angkor-Vat! Faz cinco anos que no ponho aqui os ps... e

    j estava com saudades. Razes tursticas e sentimentais...

    Em seguida, enquanto cruzavam por entre esttuas de

    pedra caindo aos pedaos, foi dando vazo ao seu

    entusiasmo:

    Vejam! Outro Buda sorridente sem cabea! H muitos deles, por aqui. Angkor-Vat foi construda trs

    sculos depois de Angkor-Thom, ou seja, no ano 1100,

  • quando o culto bramnico de Siva e Vichnu j tinha dado

    lugar ao culto, de Buda, como religio oficial dos Khmer.

    Foi nos pricpios do Sculo IX que o budismo ganhou fora

    no Camboja e desalojou o btamanismo.

    Os alquimistas Khmer que, segundo a lenda, se

    refugiaram na beira do grande lago Tonl, eram budistas.

    Consta que grande parte do povo Khmer, mais civilizado do

    que o prprio povo hindu, dedicava-se estaturia e

    arquitetura, mas uma minoria se dispunha a encontrar a

    pedra filosofal e a transmutao dos metais. Esses

    alquimistas do Sculo XIII fugiram de Angkor-Vat, durante

    as guerras contra meus irmos siameses. Isso o que diz a

    lenda. Agora, sabemos que eles fundaram Angkor-Naga,

    onde se julgavam em segurana. Mas desapareceram, na

    beira do grande lago Tonl. Tambm no h mais ouro por

    aqui.

    Havia ouro? perguntou o professor White, lambendo os beios.

    Muito ouro. Consta que os ocupantes franceses encontraram, em Angkor-Vat, quinze toneladas de ouro, em

    lminas gravadas com inscries em snscrito. Esse ouro

    foi derretido, na Frana, e sumiu durante a ltima guerra,

    provavelmente roubado pelos ocupantes nazistas.

    O que diziam as inscries? perguntou Brigitte. Ningum sabe. Ns, ocidentais, gostamos mais de

    ouro do que de Histria Universal... Mas consta que era

    nessas lminas de ouro que se revelavam os mistrios dos

    alquimistas Khmer que foram para o lago. S uma lmina

    escapou do saque dos brancos e encontra-se no pagode de

    Khi-Khent. No uma pedra, como muitos pensam; uma

    chapa de ouro, com o depoimento do nico cientista

  • sobrevivente do terremoto de 1230. Mas os monges no

    mostram essa relquia a ningum, com medo de ficarem

    sem ela. Consta que s algumas mulheres viram a lmina e

    leram as suas fantsticas revelaes.

    Nesse momento, atravessavam diante de uma

    impressionante construo de granito, retangular, com trs

    pavimentos, cheia de torres, prticos, galerias e escadas

    carcomidas pelo tempo.

    Angkor-Vait anunciou, em voz baixa e respeitosa. o Grande Templo dos Khmer! Na sua arquitetura domina o conceito da superposio piramidal de planos diferentes,

    com uma parte central que torreia todas as outras.

    O monumento era imponente, mas transmitia uma

    sensao de vazio, de solido, de desamparo. Depois da

    conquista dos Khmer pelos siameses, no Sculo XIV, as

    cidades e os templos tinham sido abandonados e cados em

    runas, pouco a pouco encobertas pela floresta. Era triste e

    opressivo.

    Angkor j esteve mais maltratada acudiu Frank Kuriang. Em 1861, uma expedio francesa descobriu as runas e, mais tarde, o governo colonial removeu a

    vegetao e restaurou os monumentos menos deteriorados.

    Consta que foram missionrios portugueses os primeiros

    europeus a entrar aqui, no Sculo XVI. Mas no se

    interessaram pelas runas, pois queriam apenas converter as

    almas... Como vem, na arte Khmer, as esttuas tm um

    profundo sentido da existncia; os Khmer criaram um

    mundo mgico, com base na filosofia hindu. Outras

    descobertas, feitas em Bauteai Chmar, permitem conhecer a

    arte Khmer do Sculo X at o XII. Olhem! exclamou, de

  • repente, apontando para o lado. Outra esttua de Buda sem cabea! a terceira que encontramos neste grupo!

    Por que elas no tm a parte superior do tronco? perguntou Brigitte.

    Ningum sabe, senhorita. A voz do guia ficou grave. H muitos sculos que essas esttuas no tm cabea. Aquela, nossa esquerda, ainda est menor do que

    estava, h seis anos atrs. Lembro-me perfeitamente de que

    em 1954, aquela esttua de Buda tinha um pedao do

    pescoo. Agora, s tem os ombros.

    Estranho murmurou o professor White, impressionado. No h sinais de pedras no cho. Certamente, as cabeas de Buda no viraram poeira!

    Prosseguiram na excurso, com os sacos nas costas, e

    logo encontraram o caminho de terra batida a que o guia se

    referira. Embora estivesse em mau estado de conservao,

    aquela estrada facilitava a viagem, a p, para o Lago Tonl.

    No h mais perigo de extravio disse Frank Kuriang, alegremente. Basta seguir sempre em frente. Este atalho nos levar depressa ao Vale Proibido. Esto cansados?

    querem fazer um lanche e repousar um pouco?

    O professor White respondeu em nome de todos:

    No! Nada de demoras! J so trs horas da tarde e queremos chegar ao lago antes do cair da noite.

    Sim, professor. Eu levarei os seus instrumentos cientficos, que pesam muito. Em menos de duas horas,

    estaremos na beira do Grande Lago.

    Mas gastaram quase trs horas, em marcha forada, pelo

    caminho esburacado, cercado por rvores sombrias e

    ameaadoras. Grossas seringueiras e esqulidos coqueiros.

  • Apenas um ou outro pio de pssaro assustado os

    acompanhou. durante a caminhada.

    H sinais de rodas na lama observou Brigitte, quando j se via, ao longe, uma colina que anunciava o Vale

    Proibido. Costumam passar. automveis por aqui? Jipes esclareceu o guia, sorrindo. Faz cinco

    anos, quando o Camboja conquistou sua independncia, os

    monges budistas ganharam dois jipes americanos oferecidos

    pelo governo. Eles os usam para transportar alimentos.

    Ningum mais vem para estas bandas, a no ser os crentes e

    os nefitos budistas, em suas peregrinaes anuais. Mas

    nem esses podem ir alm dos muros do pagode de Khi-

    Khent. Isto, aqui, muito deserto.

    Caminharam ainda uma hora e, quando j era noite

    fechada, entraram no Vale Proibido. Agora, meio

    quilmetro abaixo, via-se o Grande Lago Tonl, cercado

    por uma extensa rea pantanosa onde saltavam peixes

    prateados.

    Tonl-Sap informou Frank Kuriang recebe suas guas do rio Mekong. Por sua vez, o rio Tonl vai dar em

    Phnom Penh. Este o melhor lugar do mundo, para se

    encontrar os mais saborosos e abundantes peixes de gua

    doce! Tem, at, trutas, carpas e salmes! Um verdadeiro

    paraso para os pescadores! Mas, na estao mida, quando.

    a sobrecarga do Mekong enche tudo com suas guas

    impetuosas, o Grande Lago Tonl fica maior, mais

    profundo e perigoso. Ento, no muito fcil pescar.

    Brigitte olhou ao redor, esquadrinhando o vale que

    descia na direo do lago. esquerda, via-se uma alta

    parede de granito; direita, uma floresta de yangs e rvores

    de teca. A morena voltou a encarar o guia.

  • Onde ficar o acampamento da doutora Da Verne? Ningum sabe respondeu Frank, coando a

    cabea. Eu nunca tinha ouvido falar em Angekor-Naga. Mas no deve ser longe daqui. O pagode dos monges fica

    alm dessa floresta. H lima vereda, cortando o vale. Mas

    tenho medo de levar vocs para l e os guardas nos

    receberem a tiros. Eles tambm ganharam fuzis do governo,

    para defenderem o seu patrimnio e o seu direito solido.

    Este o Vale Proibido de Khi-Khent, e ns j avanamos

    demais.

    No podemos pedir informaes no pagode? sugeriu o professor White. Eu mesmo estou disposto a me vestir de mulher e arriscar a pele. Os monges devem

    saber onde fica a reserva arqueolgica. Posso trocar de

    roupa com a senhorita Jane Finda, pintar os lbios, empoar

    o rosto e...

    O guia suspirou, olhando para ele de esguelha.

    Eu nunca tinha ouvido falar nessa reserva, professor. Se o senhor quer se arriscar, eu lhe indicarei a vereda do

    pagode. Mas talvez fosse melhor irem mulheres de verdade,

    pois os guardas vo querer levantar as saias dos visitantes.

    E os budistas no gostam muito de homens com trejeitos

    femininos. Eles usam saias, mas so machos.

    O homem ruivo enrubesceu e no disse mais nada.

    melhor descermos o vale sugeriu Brigitte. L embaixo, na beira do lago, talvez encontremos algum

    pescador que nos oriente. As runas de Angkor-Naga s

    foram descobertas h algumas semanas, mas j devem ser

    conhecidas de alguns dos moradores do lugar.

    Os sete expedicionrios, exaustos, pegaram nas

    bagagens e seguiram em frente, descendo pelo vale escuro

  • deserto. Outra meia hora foi gasta no trajeto, mas, por fim,

    encontraram-se dentro do grande charco, onde pulavam

    peixes prateados. Pouco adiante, havia um barco a remos,

    preso a uma estaca, com um cambojano mal-encarado

    deitado no fundo. luz fria da lua, notaram que o pescador

    tinha uma espingarda nas mos.

    Boa-noite saudou-o professor White, levando dois dedos ao capacete de cortia. Sou o professor Patrick White, de Nova Iorque. O amigo poder me informar onde

    fica a reserva arqueolgica de Khi-Khent?

    O sujeito mostrou os dentes, num sorriso de lobo. Usava

    apenas um quimono de linho branco e cales curtos, de

    sarja azul:

    Bem-vindo seja, professor. Meu nome Hugh Chambani. Sou o guia da doutora Madalena de Da Verne.

    H trs dias que espero pelo senhor e pelo professor

    Kratamansky. Quem ele?

    O saudoso professor Khatarnansky j no pertence a este mundo, Hugh. Morreu, na semana passada, em Nova

    Iorque. Mas encarregou-me de trazer a expedio ao

    Camboja e conversar com a doutora Da Verne. Voc sabe

    que eu era o assistente do mestre, no sabe? Vou-lhe

    mostrar as minhas credenciais.

    No necessrio, professor. Mas no sabamos que o amigo da doutora tinha morrido. Muita gente est

    morrendo, neste mundo! Ns mesmos perdemos uma

    companheira, uma jornalista de Paris, que levou um tiro.

    No lago? No. Na cara. Supomos que tenha sido algum guarda

    dos monges do pagode. Claro que os senhores podem vir,

    comigo, presena da doutora Da Verne. Os senhores tero

  • que vir no meu barco, pois a gua no d p, at o local

    onde encontramos as runas de Angkor-Naga.

    O professor White e Brigitte entreolharam-se e fizeram

    uru sinal de assentimento. Jogaram as bagagens no barco,

    mas viram que no poderiam fazer uma s viagem; seriam

    precisas duas, no mnimo, para transportar tanta coisa.

    Vamos nos dividir sugeriu Frank Kuriang. Eu ficarei aqui, com metade dos volumes e as quatro mulheres,

    enquanto os homens seguem na primeira viagem. Senhorita

    Montfort tambm ficar comigo.

    Nada disso contraps Brigitte. Vou com o professor White! Fique apenas com trs mulheres, para no

    ser guloso!

    Afinal, metade da expedio embarcou no bote sob o

    comando do professor White e Brigitte. Hugh Chambang

    era um exmio remador e logo fez o barco se afastar pelo

    igarap. Navegaram apenas um quilmetro, sobre as guas

    negras, e encostaram a uma espcie de ilha aluvial, com

    meio quilmetro de extenso, perdida no meio do lago.

    Nessa ilhota havia trs ou quatro monumentos de pedra,

    meio soterrados na lama, e um acampamento, com meia

    dzia de barracas de campanha. Um europeu de barba

    negra, com um binculo pendurado ao peito, montava

    guarda a uma metralhadora Panhard, encravada numa

    trincheira. na margem setentrional da ilha.

    Al, Franois! gritou o guia cambojano, falando em francs. a expedio do professor Khatamansky, que a doutora estava esperando. Ele morreu, mas o professor

    White veio em seu lugar. Tambm veio uma morena bonita,

    com uma mquina fotogrfica, que se identificou como

    Brigitte Montfort, reprter do Morning News.

  • Trs bien rosnou o homem da metralhadora. Voil!

    Saltaram para terra firme e o bote regressou, para buscar

    os outros membros da Expedio White. Franois, o

    barbudo, acenou para a escurido, soltando um pio de

    coruja. Imediatamente, apareceram dois outros franceses

    vestidos como caadores de feras africanos que deram as

    boas-vindas ao professor White e sua equipe. Falavam

    fluentemente o ingls.

    Somos os secretrios da doutora Da Verne disse um deles Chamo-me Jacques Pelerin e, este, Charles Montlaiteux. A doutora, est dormindo, no momento, pois

    sempre acorda muito cedo. No podemos incomod-la.

    Vocs se importariam de dormir um pouco, numa barraca

    confortvel? Amanh de manh, a doutora Da Verne ter

    prazer em receb-los.

    Esta a reserva arqueolgica de Khi-Khent? perguntou Brigitte, curiosa.

    Sim, esta a reserva. Foi descoberta pela doutora, h dois meses, e j desvendou seus magnficos segredos.

    Encontramos, aqui, novos vestgios da civilizao Khmer,

    inclusive um monumento, quase intacto, dedicado a

    Bugavat Cientista. Esta a cidadela de Angok-Naga. Vocs

    trouxeram armas?

    Tenho apenas uma pistola respondeu o professor White. Meu guia, Frank Kuriang, tambm tem uma Colt 38. Bernard Smith usa uma Mauser antiga. As mulheres no

    tm armas, a no ser as armas naturais...

    Sem querermos ser indelicados, professor, gostaramos que nos entregassem as suas pistolas. Os

    senhores no devem ir presena da doutora Da Verne.

  • levando armas de fogo. E, aqui, na reserva, estaro em

    segurana.

    O professor White e o doutor Bernard Smith entregaram

    suas automticas aos dois franceses. No satisfeitos, eles

    ainda os revistaram e passaram as mos na cintura e nas

    ndegas de Brigitte. Mas no podiam adivinhar que ela

    escondia uma pistolinha na coxa direita...

    Agentes do Deuxime Bureau? quis saber a linda reprter, sorrindo para eles.

    Os dois homens trocaram um olhar apreensivo e no

    responderam. Pouco depois, quando chegou ilha em

    companhia das trs mulheres, Frank Kuriang tambm teve

    que entregar a sua Colt aos franceses.

    Os sete expedicionrios dormiam numa barraca de lona,

    luz de um candeeiro de petrleo, e acordaram com o raiar

    do sol. Por volta das seis horas da manh, depois de terem

    feito um ligeiro desjejum, foram procurados pelo outro

    agente do Deuxirne Bureau, Jacques Pelerin, que vinha

    busc-los para irem presena da doutora Madalena de Da

    Verne. O homem era magricela e tinha costeletas de apache.

    A doutora Da Verne espera o professor White em sua barraca. Tenha a bondade de me seguir, professor. Os

    outros devero permanecer aqui, por obsquio.

    Brigitte saltou.

    Sou reprter e assistente do professor White! Eu irei tambm, se no for incmodo!

    O agente Pelerin fez uma vnia.

    Trs bien, mademoiselle. Mas, antes disso deixe-me examinar a sua mquina fotogrfica. Mademoiselle me

    parece muito esperta, para ser uma simples correspondente

    estrangeira...

  • A morena sorriu.

    Ora, colega! No era difcil supor que voc fosse detetive... Na minha terra, eles tambm procedem com a

    mesma diplomacia...

    A caminho da barraca da doutora Da Verne, Brigitte

    teve ocasio de verificar que o acampamento albergava

    cerca de doze arquelogos e estava muito bem fortificado;

    havia um guarda, armado, at no alto de um monumento de

    pedra cinzenta e limosa. Quanto doutora Madalena Da

    Verne era uma mulher alta e magra, de cabelos grisalhos e

    nariz de tucano. Aparentava entre quarenta e cinqenta anos

    e tinha uma voz rouca, baixa, mas autoritria. Seu traje de

    amazona, completado por um espanador de plo de marta,

    tambm era imponente.

    Professor Patrick White, presumo? O homem ruivo curvou-se, para beijar a mo de sua

    anfitri.

    Oui, madame. Enchant