01 - Direito Fundamental à Cultura e a Lei Rouanet

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Artigo acerca do direito à cultura e sua efetivação através da Lei Rouanet.

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Direito fundamental cultura e a Lei RouanetProf. Dr. Ilton Garcia da CostaAndr Luiz de Aguiar Paulino LeiteMestrando em Cincia Jurdica UENP; Graduado Direito UENP (2011); Tecnlogo Gesto Pblica - IF-PR (2011) Membro do Grupo de pesquisas GPCERTOS, vinculado ao Programa de Mestrado em Cincias Jurdicas da UENP - AdvogadoRESUMOA efetivao do programa constitucional, obrigatoriamente, se realiza na elaborao de polticas pblicas. Em tempos de globalizao, intensas transformaes sociais e crise dogmtica no Direito, a efetivao dos mandamentos constitucionais, principalmente do ncleo de direitos fundamentais, exige permanente estudo no que toca ao aperfeioamento da atuao Estatal.

Visando garantia do direito constitucional de acesso cultura, foi promulgada em dezembro de 1991 a Lei Rouanet, que estabelece uma espcie de mecenato atravs da renncia fiscal de pessoas jurdicas e fsicas, o que se traduz em incentivo aos produtores culturais e artistas do Brasil. O montante de recursos investidos atravs desta poltica pblica , deveras, animador, no entanto, h que se atentar para a distribuio de sua utilizao. A j conhecida, e combatida, desigualdade regional brasileira, fruto do processo histrico de perversa explorao

Desta feita, a Lei Rouanet estaria atuando no sentido contrrio do que fixa o a Constituio Federal, quando cria como objetivo da Repblica a reduo das desigualdades regionais. Dizendo de outra forma, a lei antiefetiva, vez que sua eficcia (observncia, aplicao) provoca efeito contrrio ao que pretendia o legislador quando de sua confeco. Pretende-se com o presente trabalho levantar debate acerca de possveis alternativas s atuais polticas pblicas de cultura, mais especificamente, aos problemas relativos Lei Rouanet, a fim de que se garanta maior efetividade ao direito cultural no sentido de ampliar a conquista da cidadania, a reduo de desigualdades regionais, e consequentemente, do fenmeno da excluso social que se fazem to presentes no Brasil.PALAVRAS CHAVE: Direito Cultural, Lei Rouanet, Cidadania, Direitos Fundamentais, Polticas Pblicas; Incluso Social.

ABSTRACT

The realization of the constitutional program obligatorily takes place in public policy development . In times of globalization , intense social transformations and dogmatic crisis in law , the enforcement of constitutional commandments , especially the core fundamental rights requires constant study with regard to the improvement of State action .

Aiming to guarantee the constitutional right of access to culture , was enacted in December 1991 to Rouanet Law , establishing a kind of patronage through tax breaks for individuals and corporations , which translates into incentives for cultural producers and artists from Brazil . The amount of funds invested through this public policy is indeed heartening , however , we must attend to the distribution of its use .

As already known , and combated Brazilian regional inequality , due to the historical process of harmful exploitation

This time , the Rouanet Law would be acting in the opposite direction of fixing the the Federal Constitution when establishing the Republic aimed to reduce regional inequalities . Put another way, the law is antiefetiva , since its effectiveness ( compliance , enforcement ) causes opposite effect to that intended by the legislature when its making .

The aim of this study raise debate about possible alternatives to current government cultural policy , more specifically with the problems of Rouanet , so as to guarantee greater effectiveness to the cultural right to broaden the achievement of citizenship , reducing regional inequalities , and consequently , the phenomenon of social exclusion that are so prevalent in Brazil.KEYWORDS : Rouanet Law, Citizenship, Fundamental Rights, Public Policy Cultural Right, Social Inclusion.1. DIREITO FUNDAMENTAL CULTURAOs indivduos que compem determinado grupo social detm caractersticas que formam sua identidade. Comuns a todos eles, tais traos distinguem os que pertencem dos que no pertencem ao povo/multido/bando. O sentimento de pertencimento, sentir-se parte, est intimamente cultura. Possuir cultura, neste sentido, significa fazer parte de determinado grupo social, ou seja, compor uma coletividade com traes comuns - que possui a mesma cultura. Da se extrai a denominao identidade cultural. A cultura detm o condo de distinguir pessoas pertencentes ou no determinado grupo, o que denota a importncia de sua proteo pelo ordenamento jurdico vez que representa verdadeiro valor - direito fundamental.1.1 Direitos fundamentais O presente trabalho tece breve considerao acerca do conceito de direitos fundamentais. Cabe frisar que no objetiva-se com isso esgotar o assunto, que por si somente abre campo para vasta e empolgante pesquisa, mas sim, fixar a discusso principal no tempo e espao.

Para Sarlet (2009, p. 29), o termo direitos fundamentais designa os valores reconhecidos e positivados em uma Constituio de determinado Estado. So direitos fundamentais aqueles garantidos pelo direito constitucional em um lugar e tempo determinados, o que condiciona o surgimento dos direitos fundamentais existncia da organizao social via dogmtica constitucional.

A lio de Sarlet (2009) reflete que, embora o surgimento dos direitos fundamentais seja pacificamente considerado moderno, sculo XVIII, deve-se reconhecer na antiguidade clssica a gnese das ideias filosficas e religiosas que influenciaram o pensamento jusnaturalista, literis:

Ainda que consagrada a concepo de que no foi na antiguidade que surgiram os primeiros direitos fundamentais, no menos verdadeira a constatao de que o mundo antigo, por meio da religio e da filosofia, legou-nos algumas das idias chave que, posteriormente vieram a influenciar diretamente o pensamento jusnaturaslista e a sua concepo de que o humano, pelo simples fato de existir, titular de alguns direitos naturais inalienveis, de tal sorte que esta fase costuma tambm ser denominada, consoante j ressaltado, de pr-histria dos direitos fundamentais. (SARLET, 2009, p. 37 e 38)

O iluminismo, notadamente, na filosofia de Locke, defende a ideia de que, no estado de natureza, impossvel o estabelecimento de igualdade, vez que atravs da fora individual, por natureza desigual, so defendidos egoisticamente os interesses de cada indivduo. Abrir mo da liberdade total de agir em nome de um novo status, que proporcionasse aos indivduos segurana , basicamente, o motivo mais aceitvel como causa do surgimento do Estado, portanto.

1.2 Conceitos de Cultura e Direito Cultura

Da importncia da cultura para as pessoas nasce a necessidade de proteo, o que, por consequncia, d origem pertinncia da pesquisa jurdica. Para entender o contexto em que se desenvolver o presente trabalho, pertine enveredar em uma investigao acerca da origem do termo cultura e de seu significado. Miguel Reale divide o mundo em natural e cultural. Segue o conceito de cultura do referido mestre:

(...) 'cultura' o conjunto de tudo aquilo que, nos planos material e espiritual, o homem constri sobre a base da natureza, quer para modific-la, quer para modificar-se a si mesmo. , desse modo, o conjunto dos utenslios e instrumentos, das obras e servios, assim como das atitudes espirituais e formas de comportamento que o homem veio formando e aperfeioando, atravs da histria, como cabedal ou patrimnio da espcie humana. (REALE, 2006. p. 25 e 26)

Pode-se afirmar, diante do exposto, que a cultura de um povo e tudo aquilo que o mesmo produziu, material e imaterialmente ao longo de sua histria e que o torna singular, fazendo parte de sua memria e identificando-o perante demais agrupamentos. A cultura brasileira, sob este prisma, pode ser considerada como o modo de agir e pensar dos brasileiros, ou seja, o conjunto de tudo que o povo brasileiro permanentemente constri, material e espiritualmente. Segundo Reale, tudo que as pessoas desenvolvem, criam e que no est em estado natural, cultura.

Ao analisar este verdadeiro processo de construo, h que se esclarecer, no se deve restringir a noo de cultura a apenas o que autoctonamente produzido em terrae brasilis. O fenmeno de incorporao de diferentes culturas cultura nacional no descaracteriza, por si s, a cultura de um povo. fato notrio que culturas estrangeiras foram incorporadas pelo povo brasileiro, sobretudo com a intensificao do fenmeno da globalizao no sculo XX e tais manifestaes no podem ser excludas do repertrio cultural nacional, vez que sofreram e sofrem permanente transformao e reinveno pelas mos dos brasileiros, tornando-se tambm uma cultura brasileira.

O processo de apropriao cultural no deve ser confundido com o de imitao. A imitao cultural forma que exterioriza a colonizao e alienao. A substituio de costumes tpicos por costumes de outros povos de forma imposta, e com tendncia a menosprezar o que compe a cultura local. Este sim deve ser combatido e repudiado, segundo Vannucchi, vez que suprime a cidadania cultural e desmoraliza a identidade brasileira:

A imitao do estrangeiro que inevitvel no seria um mal em si, mesmo porque as transplantaes culturais vm associadas, freqentemente, a fatores de progresso. O mal residia e ainda reside na rejeio de tudo que era nacional e principalmente popular, como sendo ruim, porque impregnado da subalternidade da terra tropical e da inferioridade dos povos de cor. Geraes de brasileiros foram alienadas por esta autenticidade essencial de sua postura, que os tornava infelizes por ser tal qual eram e vexados pelos ancestrais que tiveram. Nessas circunstncias, a alienao passou a ser a condio mesma da classe dominante, inconformada com seu mundo atrasado, que s mediocremente conseguia imitar o estrangeiro e cega para os valores de sua terra e de sua gente. (VANNUCCHI, 2006. p. 14 e15)

Como se observa, a negao do que compe a memria de um determinado povo prejudicial e no se assemelha ao que ocorre na apropriao, tendo em vista que, ao invs de personalizar o que pertence outra cultura, nega-se a cultura local ao mesmo tempo em que a substitui por outra.

A proteo ao direito cultural justamente o combate a negao do que faz parte da cultura brasileira, em todas as suas formas.

Portanto, quando mencionarmos cultura brasileira no estaremos nos referindo somente mistura das culturas europia, indgena e negra ocorrida no perodo colonial, mas sim, de tudo que produzido com autenticidade pelo povo brasileiro desde sua gnese at este momento.1.3 Cultura e cidadania

A proteo desta reunio desses valores culturais, que compreende todas as obras artsticas, a culinria, a f religiosa, o idioma, os costumes, etc., de suma importncia para a construo da cidadania. O indivduo que se sente parte da sociedade reconhece isto a partir da identificao cultural e o sentir-se parte o que move o agir dos cidados. o que desperta seus impulsos polticos e alimenta sua nsia por transformaes. Acerca da garantia cultura na Constituio, observa Jos Afonso da Silva:A constituio de 1988 deu relevante importncia cultura, tomando esse termo em sentido abrangente da formao educacional do povo, expresses criadoras da pessoa e das projees do esprito humano materializada em suportes expressivos, portadores de referncia identidade, ao, memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, que se exprimem por vrios de seus artigos (5, IX, 23, III-V, 24, VII-IX, 30, IX, e 205-217), formando aquilo que se denomina ordem constitucional da cultura, ou constituio cultural, constituda pelo conjunto de normas que contm referncias culturais e disposies consubstanciadoras dos direitos sociais relativos educao e cultura. (grifo do autor) (SILVA, 2011, p. 342) Tendo em vista esta importncia, a Constituio brasileira de 1988, criou a garantia a todos do pleno exerccio dos direitos culturais e o acesso s fontes de cultura nacional, obrigando o Estado a apoiar e incentivar a valorizao e a difuso das manifestaes culturais (art. 215 caput CF).

O artigo 215 da Constituio Federal foi modificado pela Emenda Constitucional n. 48 de 2005 e consagrou em seu texto supracitado o princpio da cidadania cultural como direito fundamental.

Os pargrafos que se seguem ao caput do referido artigo destacam a importncia da proteo s culturas dos povos indgenas, quilombolas e outras etnias que fazem e fizeram parte da formao da nao brasileira ( 1.); a posterior fixao por meio de lei de datas comemorativas significativas para cada segmento tnico ( 2.);

Nas palavras de Jos Afonso da Silva:

[...] o direito cultura um direito constitucional que exige ao positiva do Estado, cuja realizao efetiva postula uma poltica cultural oficial. A ao cultural do Estado h de ser ao afirmativa que busque realizar a igualao dos socialmente desiguais, para que todos, igualmente, aufiram os benefcios da cultura. (SILVA, 2011, p. 344)

A importncia do fomento Estatal para preservao e desenvolvimento da cultura brasileira reside no fato de que deixar que o mercado regule a produo cultural equivalente a esteriliz-la, vez que inviabiliza a liberdade que estas manifestaes requerem. O Poder Pblico deve atravs de polticas pblicas voltadas para esta finalidade, viabilizar a intensificao das manifestaes culturais.

No h que se falar em perda de autonomia quando se fala em incentivo Estatal produo cultural, afinal, o princpio da impessoalidade obriga que o administrador pblico se dispa de quaisquer cores partidrias no exerccio da funo administrativa, visando exclusivamente o interesse pblico.

Caber aos mecanismos de controle constitucionalizados no somente inibir qualquer censura manifestaes culturais que eventualmente desagradem titulares de poder pblico como tambm, devero obrig-los a incentivar a produo cultural brasileira.

2. POLTICAS PBLICAS NA REA CULTURALA ao do Estado ocorre atravs de estratgias que se traduzem em aes concretas em todos os nveis institucionais de nosso sistema republicano, quais sejam: federal, estadual e municipal. O dever gerado ao Estado pela Constituio, no que diz respeito garantia da efetivao do direto cultura, no constitui tarefa simples. Tendo em vista a natureza peculiar do bem jurdico cultura, a elaborao de polticas pblicas eficientes um grande desafio.A peculiaridade reside, principalmente no fato, de que no se pode igualar o incentivo s atividades culturais a outras atividades econmicas. A lei do mercado no pode reger a produo cultural, visto que, tal acontecimento restringiria a liberdade criativa. Esta aporia da poltica pblica cultural o que instiga a pesquisa deste assunto.

Neste momento o trabalho pretende trazer baila conceitos de polticas pblicas e expor reflexo acerca da Lei Rouanet (Lei n 8.313/1991).

3 LEI ROUANET: POLTICA PBLICA DE CULTURA ATRAVS DA RENNCIA FISCALHely Lopes Meirelles, acerca do conceito de poltica:A conceituao de Poltica tem desafiado a argcia dos publicistas, sem colher uma definio concorde. Para uns, cincia (Jellinek e Brunialti), para outros arte (Burke e Schaeffle). A nosso ver, no cincia nem arte. forma de atuao do homem pblico quando visa a conduzir a Administrao a realizar o bem comum. A Poltica, como forma de atuao do homem pblico, no tem rigidez cientfica, nem orientao artstica. Rege-se ou deve reger-se por princpios ticos comuns e pela solicitao do bem coletivo. Guia-se por motivos de convenincia e oportunidade do interesse pblico, que h de ser o seu supremo objetivo. (grifo do autor) (MEIRELLES, 2002, p. 43) Sob uma tica neopositivista e constitucionalista, pode-se apontar para um conceito que defina polticas pblicas como os planos estatais que objetivas dar efetividade aos programa condicional (se-ento) contido no bojo da constituio. Editada em 1991, a lei Federal de Incentivo Cultura, conhecida como Lei Rouanet, instituiu uma nova forma de poltica pblica de cultura no ordenamento jurdico e na gesto pblica brasileira ao adotar a renncia fiscal como meio para realizao de verdadeiro mecenato. Atravs do incentivo fiscal, o mecanismo normativo tem como escopo, dentre outros efeitos, contribuir para a ampliao do acesso s fontes culturais, ao pleno exerccio do direito cultural, a promoo da regionalizao da produo de cultura e a proteo das expresses culturais dos grupos que formam a sociedade.

A seguir analisaremos mais detidamente o inciso dois da referida lei, que fixa como seu objetivo a promoo da regionalizao da produo cultural e artstica do pas, com valorizao dos recursos humanos locais.

3.1 Objetivos da Lei RouanetA Lei n 8.313/1991 fez parte do Programa Nacional de incentivo Cultura, um plano de governo que visava ao financiamento privado das polticas pblicas culturais. Os objetivos foram fixados em seu art. 1., onde se localiza, no inciso II, o objetivo de promover e estimular a regionalizao da produo cultural e artstica brasileira, com valorizao de recursos humanos e contedos locais. 3.2 A no efetivao do objetivo fixado no inciso II da Lei Rouanet

Aspecto relevante a ser analisado no presente trabalho o mecanismo eleito pelo legislador para viabilizao financeira dos projetos culturais. O art. 18 da Lei Rouanet faculta a opo de aplicao de seu imposto de renda a pessoas jurdicas (limite mximo de 4%) e pessoas fsicas (limite mximo de 6%). Para que um projeto cultural tenha acesso a esse recurso financeiro deve submeter-se ao crivo do Ministrio da Cultura e ser aprovado por uma comisso de tcnicos - Comisso Nacional de Incentivo Cultura (Cnic).

Dados divulgados pelo Ministrio da Cultura em fevereiro de 2013 informam que a previso da renuncia fiscal para aplicao em projetos atravs da Lei Rouanet para este ano eram de R$ 1.791.564.549 (um bilho, setecentos e noventa e um milhes, quinhentos e sessenta e quatro mil, quinhentos e quarenta e nove reais). (disponvel em: http://www.cultura.gov.br/documents/10895/123362/Relat%C3%B3rio.pdf/e253c9e4-ba00-4d9f-bd5e-51ba234004fa)Uma quantia relevante de recursos que seriam pblicos e que, portanto, deveriam ser aplicados obedecendo aos princpios do direito financeiro e administrativo, notadamente aos da supremacia do interesse do pblico e indisponibilidade do interesse pblico. No entanto, a distribuio deste recurso se mostra por demasiado desigual, favorecendo concentrao da aplicao de incentivos nos grandes centros, justamente onde a atividade cultural j se mostra intensa e menos carente de incentivo.Grandes espetculos teatrais so montados em grandes cidades, produes cinematogrficas com atores consagrados, entre outros projetos culturais de grande porte, so aprovados pelo Ministrio da Cultura e habilitados para captar recursos que seriam arrecadados a ttulo de impostos pelas empresas. (GAMA, 2013, p. 115)Esta categoria de empreendimento cultural atrai os departamentos de marketing das grandes corporaes, pois significam grande exposio de suas marcas. A contrrio senso, empreendimentos culturais em pequenos municpios do interior sofrem imensa dificuldade para captar recursos atravs da Lei Rouanet o que acentua a desigualdade regional que preexistia criao da lei. Em suma, o instrumento normativo antiefetivo, ao passo que sua eficcia (aplicao) produz efeito contrrio ao programa finalstico, (meio-fim), conforme ensina Cambi:

a eficcia diz respeito concretizao do programa condicional, isto , do vnculo se-ento, abstrata e hipoteticamente previsto na norma legal. J a efetividade concerne implementao do programa finalstico que orientou a atividade legislativa ou a concretizao do vnculo meio-fim que decorre, abstratamente do texto legal. Por exemplo, uma lei, destinada a combater a inflao ser efetiva, quando a inflao for reduzida, relevantemente, por fora de sua eficcia (observncia, aplicao, execuo, uso). A mesma lei pode ter eficcia sem efetividade. (v.g., a lei pode ser observada, mas no gerar nenhuma modificao significativa no aumento dos preos) ou ter eficcia e ser antiefetiva (v.g., ser observada, mas provocar alta de preos). (grifos do autor) (CAMBI, 2009, p. 18) A Lei aplicada, mas os bens culturais continuam sendo de difcil acesso e/ou produo aos que residem em locais distantes das grandes cidades e isso se deve ao fato de que as empresas, maiores fontes de recurso para os projetos atravs da Lei Rouanet, enxergaram no mecanismo legal uma oportunidade de publicidade gratuita. 4. DESIGUALDADE REGIONAL E O PROBLEMA DA LEI ROUANETA desigualdade regional srio problema que assola o Brasil desde sua colonizao. A explorao nordestina causou um intenso processo de desertificao sentido pela sociedade brasileira at os dias de hoje, problema que se torna maior quando somado concentrao de riqueza. (CARVALHO, 2002, p. 22)Identificado este entrave ao pleno desenvolvimento do Estado, identificou o constituinte ptrio, como objetivo fundamental da Repblica Federativa do Brasil, a erradicao da pobreza e a marginalizao, bem como a reduo das desigualdades sociais e regionais. (art. 3, III, CF)Identificado com o programa constitucional, previu o legislador ordinrio na Lei n 8.313, em seu art. 1, na qualidade de objetivo da norma, a promoo e estmulo regionalizao da produo cultural e artstica brasileira, com valorizao de recursos humanos e contedos locais. No entanto, os dados divulgados pelo prprio ministrio da Cultura revelam que o objetivo da lei no atingido. As regies que mais necessitam do apoio governamental, ou seja, aquelas cujo cenrio cultural no pode depender do apoio da iniciativa privada pelo simples fato de suas economias no serem muito desenvolvidas, so as que menos captam recursos atravs da Lei Rouanet. (GAMA, 2013, p. 115)Desde 1993 at 2013, estima-se que cerca de 11,6 bilhes de reais tenham sido aplicados em projetos aprovados na Lei n 8.313. Deste total, 80% foram captados na regio sudeste. uma consequncia lgica: as empresas, maiores investidores, esto localizadas na regio economicamente mais desenvolvida do pas e utilizam o apoio a projetos culturais como estratgia de marketing. (GAMA, 2013, p. 116)O dinheiro pblico, assim, financia os projetos que a iniciativa privada quer, e onde ela quer. A supremacia do interesse pblico, o objetivo constitucional, o interesse das regies historicamente e insistentemente desassistidas so relegadas a segundo plano, ao fundo do palco, estrelado pelas grades produes do eixo Rio-So Paulo.

CONSIDERAES FINAISA necessidade de realizar no plano ftico o ideal normativo fixado no texto constitucional cria para o Estado, no tocante aos direitos fundamentais sociais, a obrigao de agir, o que se d por meio de polticas pblicas.

O direito fundamental cultura est garantido pela dogmtica constitucional ptria, o que torna sua proteo e materializao tarefa da esfera de governo. A ao estatal, neste sentido, ocorrer atravs de estratgias planejadas a fim de que seja proporcionado sociedade civil, no somente o consumo de bens culturais, mas tambm um ambiente favorvel preservao das caractersticas culturais prprias e a produo permanente de manifestaes culturais.Com esta finalidade, em dezembro de 1991, o governo brasileiro promulgou a Lei Rouanet, instrumento normativo que estabelece o incentivo a projetos culturais previamente aprovados pelo rgo competente (Ministrio da Cultura) atravs da renncia fiscal. O mecanismo viabilizou nos ltimo 21 anos relevante nmero de projetos culturais, no entanto, tem levanta frequentes questionamentos acerca do cumprimento de seus objetivos, ou seja, de sua efetividade.

O objetivo fixado no art. 1, inciso II, qual seja o de promover e estimular a regionalizao da produo cultural e artstica brasileira, com valorizao de recursos humanos e contedos locais no , como comprovam dados divulgados recentemente pela imprensa, atingido. Isto porque, no obstante muitos recursos serem viabilizados para os projetos aprovados pelo rgo competente, as empresas e pessoas fsicas, a quem cabe a aplicao direta do dinheiro, no optam, na maior parte das vezes, por fomentar atividades nas regies mais afastadas dos grandes centros urbanos, das regies mais desenvolvidas do pas.O problema mais evidente na lei a concentrao de aplicao dos recursos no eixo Rio de Janeiro So Paulo. A regio, por questes de ordem histrica, mais desenvolvida e, consequentemente, mais favorecida culturalmente visto que artistas mais facilmente obtm recursos atravs de sua arte onde h mais intensa atividade econmica, representa a regio que mais recursos capta atravs da Lei Rouanet. De outra sorte, a regio norte foi beneficiada com apenas 1% dos recursos aprovados atravs da lei.

Os dados provam que, ao contrrio do que objetiva a lei, o incentivo cultura local desprovida de apoio, devido falta de apelo comercial, continuou sem apoio, visto que, quem decide quais projetos recebero recursos a iniciativa privada. Ocorre, assim, uma espcie de privatizao da poltica cultural, vez que a faculdade de destinao do recurso proveniente de renncia fiscal, que seria pblico, pertence iniciativa privada no sistema criado pela Lei Rouanet.

patente, desta feita, a necessidade de reviso desta poltica pblica, para que no s seus objetivos, mas o objetivo Constitucional, sejam respeitados e perseguidos com razoabilidade e afinco. Partindo da premissa que os recursos captados pelos produtores culturais atravs da renncia fiscal dinheiro, que comporia o errio e que, portanto, faria parte do oramento da Unio, sendo dividido para todas as regies do pas, parece-nos razovel que a destinao destes recursos pelas empresas seja regulada de tal forma que a pulverizao do mesmo ocorra no sentido de contemplar todas as regies da federao. A faculdade de investimento nos projetos culturais, que hoje guiada majoritariamente pela lgica de mercado, o que, com j demonstrado, apenas acentua a situao de desigualdade e excluso social, deve ceder espao ao valor da responsabilidade social. necessrio que haja vinculao dos recursos do mecenato a uma distribuio regional, que cotize, baseando-se no critrio regional, os patrocnios. Sugere-se, para tanto, a regulamentao da captao dos recursos da Lei Rouanet obrigando as empresas patrocinadoras a destinar os recursos, que seriam pagos a ttulo de impostos federais, a todas as regies do pas. A reflexo acerca do posicionamento do direito cultura, na qualidade de direito fundamental, foi objetivo deste trabalho para modestamente colaborar na construo de uma bibliografia que possa fundamentar novos avanos na construo social brasileira. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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