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C o m e n t á r i o B í b l i c o

A n t ig o T esta m en toG ê n e s i s a D e u t e r o n ô m i oE D I Ç Ã O C O M P L E T A

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Matthew Henry

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Ia Edição

Tradução Degmar Ribas Júnior

C O M E N T Á R I O B í BL I COA n t ig o T esta m en toG ê n e s i s a D e u t e r o n ô m i oE D i t : Ã o C o m p I. I-: t a

CP/DRio de Janeiro

2010

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Todos os direitos reservados. Copyright © 2008 para a língua portuguesa da Casa Publicadora das Assembléias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina.

Matthew Henry’s Commentary on the whole Bible - Volume I - Genesis to Deuteronomy. Domínio público.

Tradução deste volume: Degmar Ribas JúniorPreparação de originais e revisão: Anderson Grangeão da Costa, Miriam Anna Liborio, Paulo José Beníc-io, Tatianada Costa, Esdras Costa BenthoCapa: Rafael PaixãoProjeto gráfico: Joede BezerraEditoração: Alexandre Soares

CDD: 220 - Comentário bíblico ISBN: 978-85-263-1014-8

Para maiores informações sobre livros, revistas, periódicos e os últimos lançamentos da CPAD, visite nosso site: http://www.cpad.com.br

Casa Publicadora das Assembléias de Deus Caixa Postal 33120001-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Impresso no Brasil

Ia edição/2010

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EDIÇÃO BRASILEIRADireção-Geral

Ronaldo Rodrigues de SouzaDiretor-Executivo da CPAD

Supervisão editorial Claudionor de Andrade

Gerente de Publicações

Coordenação editorial Isael de Araujo

Chefe do Setor de Bíblias e Obras Especiais

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P re fác io A edição com pleta do com entário bíblico de MATTHEW HENRY

A Casa Publicadora das Assembléias de Deus vem a público consagrar ao Senhor Jesus e dedicar aos estudiosos da Bíblia a edição completa do Comentário Bíblico de Matthew Henry. Sem dúvida, um dos maiores clássicos das letras evangélicas.

Inicialmente, lançamos uma edição compacta da referida obra, que logo se esgotou. Tendo em vista o interesse de nossos leitores, vimo-nos constrangidos a editar a obra completa; primeiro, os volumes referentes ao Novo Testa­mento; em seguida, os referentes ao Antigo.

Como levar adiante uma obra tão vultosa? A tradução de Matthew Henry representou um de nossos maiores desafios, não somente pela copiosidade do texto como também pela linguagem utilizada pelo autor - um inglês clas­sicamente shakespeareano. Até mesmo um inglês ver-se-ia em dificuldades para ler uma linguagem que, posto que bela, já não é utilizada. Nossa equipe, contudo, porfiou por apresentar uma linguagem clara e facilmente assimilável para os falantes do português, sendo sempre fiel ao pensamento e ao estilo do autor. Afinal, como ressaltava Buffon, o estilo é o homem; se não preservarmos o estilo do autor, como este será admirado por seus leitores.

Em seu monumental comentário das Sagradas Escrituras, mostra o irmão Henry uma erudição singular; apro­fundando-se no texto bíblico, logra trazer à tona os mais preciosos tesouros dos profetas e apóstolos cle Nosso Se­nhor. Longe dele, porém, a erudição pela erudição; nele, a erudição revela-se na piedade de uma vida integralmente santificada ao serviço do Mestre.

Matthew Henry nasceu na Inglaterra, em IS de outubro de 1662. Sendo seu pai um ministro do evangelho, infere- se haja Matthew entrado em contato com as Sagradas Escrituras ainda bastante tenro. Não precisamos discorrer acerca da austeridade do lar em que ele foi educado, nem sobre as regras que os meninos britânicos eram constran­gidos a observar. Isso, porém, não o traumatizou; induziu-o a uma vida de disciplina, correção e zelo.

Já separado para o ministério pastoral, o irmão Henry jamais descurou de suas obrigações. Insuspeitos depoi­mentos descrevem-no como um obreiro zeloso, santo, irrepreensível. É lembrado pelos contemporâneos como um pastor extremamente afetuoso.

Em 1704, põe-se a escrever o seu comentário das Sagradas Escrituras. Nesta tarefa, consagra os últimos dez anos de sua vida. Ainda não vira a sua obra publicada quando, em 1714, aprouve a Deus recolher o seu servo às mansões celestes.

Desde então, Matthew Henry tornou-se uma referência obrigatória no campo do comentário bíblico. Muitos são os eruditos que se debruçam sobre o exaustivo trabalho de Matthew Henry. Esta obra, porém, não se destina apenas ao especialista nas Sagradas Escrituras. Matthew Henry destina-se a todo o povo de Deus.

Nossa sincera oração é que Deus faça surgir, através desta obra, um compromisso maior com a sua Palavra.

Os editores

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V ida e o bras de m a tth ew henry

Matthew Henry foi o segundo filho de Philip Henry, nascido prematuramente em 18 de outubro de 1662, em Bro­ad Oak, na região da capela de Iscoyd, Flintshire, no País de Gales. Reino Unido. Quando criança, Henry era muito doente, porém um tanto precoce na aprendizagem. Seu primeiro tutor foi William Turner, mas muito de sua educação na infância ele recebeu de seu pai Philip. Este havia sido banido pela Lei Britânica da Igualdade, em 1662. Como a maioria de seus colegas de sofrimento, Philip possuía poucos recursos, mas o suficiente para dar ao seu filho Henry uma boa educação. Em 21 de julho de 1680. o jovem Henrv ingressou na academia de Thomas Doolittle, na época em Islington, e permaneceu ali até 1682. Em -30 de outubro de 168-3, logo após atingir a maioridade, Henry se mudou para a propriedade rural em Bronington, Flintshire, herdada de Daniel Matthews, seu avô materno. Aconselhado por Rowland Hunt, de Boreatton, Shropshire, começou a estudar Direito e foi aprovado na Gray's Inn, em 6 de maio de 168-5. Logo desistiu dos estudos das leis, para se dedicar à Teologia, como integrante dos não-conformistas*.

Em junho de 1686, começou a pregar para os moradores da região em que seu pai vivia. Por causa de algumas questões de negócios, Henry foi para Chester, em janeiro de 1687. Enquanto permaneceu ali, pregou em casas par­ticulares e solicitaram que ele se tornasse o pastor dos fiéis daquela região. Henry concordou por algum tempo e depois voltou para Gray’s Inn.

Em 9 de maio de 1687, Henry foi reservadamente ordenado ministro presbiteriano em Londres por seis pastores, na casa de Richard Steel. Começou seu ministério em Chester, no dia 2 de junho de 1687. Em poucos anos, a quanti­dade de seus ouvintes chegou a 250. Em setembro de 1687, o rei Tiago II visitou Chester, quando os não-conformistas fizeram um discurso de agradecimento “pela tranqüilidade e liberdade que eles gozavam sob sua proteção”. Uma nova constituição foi garantida à cidade (a antiga havia sido anulada em 1684 ), dando poder à coroa para substituir e nomear magistrados. Por volta de agosto de 1688, emissários do rei solicitaram-no que nomeasse magistrados. Ele não concordou com isso. A nova constituição foi substituída por outra, na qual os nomes de todos os não-conformistas de renome foram impostos à administração da cidade. Estes, no entanto, se recusaram a trabalhar e exigiram o re­torno da constituição anterior, cujo restabelecimento demorou bastante.

Um templo foi erguido por Henry em Crook Lane (atual Crook Street). A construção foi iniciada em setembro de 1699, e a inauguração aconteceu em 8 de agosto de 1700. Em 1706, foi construída uma galeria para acomodar uma outra congregação que se havia unido a Henry. Sua audiência agora aumentara para 350 pessoas. Além das ativida­des congregacionais (incluindo uma palestra semanal), ele realizava cultos mensais em cinco vilas nas redondezas da cidade, e regularmente pregava aos prisioneiros num castelo. Henry foi um membro ativo da união de ministros de Cheshire, fundada em Macclesfeld, em março de 1691, sob as bases da “happy union” de Londres. Achou tempo tam­bém para labutar como comentarista da Bíblia, o que deu origem ao seu sistema de pregação expositiva. Estudava num quiosque de dois andares nos fundos de sua residência em Bolland Court, White Friars, Chester.

Henry recusou as propostas para pastorear igrejas em Hackney e Salters’ Hall, em 1699 e 1702 respectivamente; também, não aceitou as de Manchester (1705) e Silver Street e Old Jewry, Londres (1708). Em 1710, foi novamente convidado pela igreja de Hackney, e concordou em se mudar, embora não imediatamente. Em -3 de junho de 1711, estava ele em Londres e era a primeira ceia em que ficara ausente de Chester em 24 anos. Daniel Williams, D.D., cuja escolha é datada de 26 de junho de 1711, nomeou-o como um dos primeiros administradores de suas instituições educacionais, mas Henry morreu antes de assumir o cargo.

O último sermão de Henry foi pregado em Chester, no dia 11 de maio de 1712. Seu ministério em Mare Street, Hackney, começou em 18 de maio de 1712. Em maio de 1714, ele visitou novamente Cheshire.

Henry se casou primeiro, em 19 de julho de 1687, com Katherine, filha única de Samuel Hardware, de Brom- borough, Cheshire; ela morreu em 14 de fevereiro de 1689, aos 25 anos, durante o parto de sua filha Katherine. Depois, Henry contraiu segundo casamento, em S de julho de 1690, com Mary, filha de Robert Warburton, de Hefferstone Grange. Com Mary, ele teve um filho, Philip (nascido em 1700, que tomou o sobrenome Warburton, foi membro do Parlamento representando Chester, a partir de 1742, e morreu solteiro, em 16 de agosto de 1760). Nasceram-lhe ainda oito filhas, três das quais morreram na infância. Sua filha, Esther (nascida em 1694), foi a mãe de Charles Bulkley.

Em novembro de 1704, Henry começou a escrever a Exposição do Antigo e Novo Testamentos, que corresponde a este famoso comentário em seis volumes, o qual não tem sido superado até hoje. O primeiro volume foi publicado em 1708; este e quatro outros volumes trouxeram o seu comentário até o fim dos Evangelhos, publicados numa edição uniforme em 1710. Antes de sua morte, ele concluiu o comentário de Atos para o sexto volume, não publicado. Após sua morte, trinta pastores não-conformistas prepararam os comentários das Epístolas e de Apocalipse. Os nomes desses não-conformistas foram citados por John Evans (1767-1827) na Protestant Dissenters’ Magazine, em 1797, p. 472, extraídos de um memorando de Isaac Watts. A edição completa de 1811, com quatro tomos, seis volumes, edita­dos por George Burder e John Hughes, tem assuntos adicionais extraídos de manuscritos de Henry.

O comentário de Henry é prático e devocional, mais que uma obra de crítica textual, mantendo um correto bom senso, apresentando um pensamento incomum, alto tom moral, simplicidade e aplicação prática, combinados com

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VIDA E OBRAS DE MATTHEW HENRY Xuma sólida fluência do estilo inglês. Seus comentários são fundamentalmente exegéticos, tratando o texto bíblico como ele está apresentado. O primeiro objetivo de Henry era a explicação, e não a tradução ou a pesquisa textual. Tudo isto fez de seu comentário uma obra monumental. Até hoje, é consultado por estudantes e pregadores, e é citado em centenas de outros comentários bíblicos.

Suas outras obras, excluindo sermões, são:1. A B rief Inquiry into... Schism (1689);2. Memoirs of... Philip Henry (1696);3. A Scripture Catechism (1702);4. Family H ym ns (1702);5. A Plain Catechism (1702);6. The Communicant’s Companion (1704);7. Four Discourses (1705);S. A Method for Prayer (1710);9. Directions fo r Daily Communion (1712);10. A Short Account of the Life... o f Lieutenant Illidge (1714).Em 1726, foi publicada uma coletânea sob o título Works, e, em 1809, surgiu a Miscellaneous Writings, editada

por Samuel Palmer, e reeditada em 1830 por Sir J. B. Williams, contendo sermões adicionais extraídos dos manus­critos de Henry.

Henry morreu de apoplexia, em Nantwich, na casa do pastor não-conformista Joseph Mottershead, em 22 de junho de 1714, durante uma viagem de Chester para Londres. Foi sepultado na capela da Trinity Church, em Ches­ter. Seu funeral teve a assistência de oito pastores da cidade. Os sermões da cerimônia fúnebre foram pregados, em Chester, por Peter Withington e John Gardner; em Londres, por Daniel Williams, William Tong, Isaac Bates e John Reynolds; os últimos quatro foram publicados. Após a sua morte, a igreja em Hackney se dividiu em duas.

Seu retrato está na biblioteca do Dr. William, em Gordon Square, Londres, e foi pintado por J. Jenkins (1828); a es­tampa de Vertue é de um croqui desenhado a bico de pena e feito numa época em que Henry estava muito corpulento.

Acima de tudo, Matthew Henry é lembrado como um pastor afetuoso, amante apaixonado da Palavra de Deus e homem de grande integridade pessoal que tem deixado a sua marca nos corações de inúmeros cristãos que anelam compreender mais profundamente as riquezas das Escrituras.

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P refá c io

Embora seja a minha maior preocupação ser capaz de causar uma impressão favorável a Deus e à minha própria consciência, talvez se espere que eu também dê ao mundo alguma explicação sobre esta tarefa ousada que tentarei desempenhar com toda a simplicidade. E o farei como alguém que crê que, se os homens devem prestar contas no grande dia por cada palavra vã e ociosa que pronunciam, muito mais por cada linha que escrevem. E assim, pode ser útil, em primeiro lugar, estabelecer aqueles princípios grandes e sagrados sobre os quais eu me fir­mo, e pelos quais sou governado, nesta tentativa de explicar e desenvolver estas porções das Sagradas Escrituras. Desejo oferecer este esforço, com humildade, ao serviço daqueles que concordam comigo nestes seis princípios (e só espero que sejam aceitáveis a eles):

I Que a religião é a única coisa útil. E em conhecer, amar e temei' a Deus, o nosso Criador, e em todos os casos de afeição devota e de boa conversa guardar os seus mandamentos (Ec 12.13), reside, sem dúvida, o bem estar do

homem. E que isto é o mais importante para cada um de nós. Isto o mais sábio dos homens, após uma análise íntima e abundante em seu Eclesiastes, estabelece como a conclusão de toda a sua matéria (o Quocl erat demonstrandum de todo o seu discurso). Portanto, entendo que posso estabelecer isto como um postulatuni, e como o fundamento de todo este assunto. E necessário para toda a humanidade, em geral, que haja religião no mundo, pois ela é absoluta­mente necessária para a preservação da honra da natureza humana, e, não menos que isto, para a preservação da ordem das sociedades humanas. E necessário que cada um de nós em particular seja religioso. De outra forma, não poderemos corresponder à finalidade de nossa criação, obter o favor do nosso Criador, tranqüilizarmo-nos agora, ou sermos felizes para sempre. Um homem que recebe os poderes da razão, pelos quais ele é capaz de conhecer, servir, glorificar e desfrutar o seu Criador, mas que vive sem Deus no mundo, é certamente o mais desprezível e o mais miserável animal debaixo do sol.

n Que a revelação divina é necessária para a verdadeira religião, para a sua existência e apoio. Que a fé, sem a qual é impossível agradar a Deus, não pode chegar a nenhuma perfeição vendo as obras de Deus, mas deve vir através de se ouvir a Palavra de Deus, Romanos 10.17. A alma racional, uma vez que recebeu o choque fatal pela queda, não pode te r ou manter apenas o olhar no grande autor de sua existência, observá-lo, esperar por Ele, algo que é tanto o seu dever como felicidade, sem alguma descoberta sobrenatural feita por si mesmo a respeito

de si mesmo, e de seu pensamento e vontade. A luz natural, sem dúvida, é de excelente utilidade, até certo ponto. Mas é necessário que haja uma revelação divina, para corrigir os seus erros e compensar as suas deficiências, para nos ajudar onde a luz da natureza nos deixa na incerteza, especialmente na maneira e método da recuperação do homem de seu estado caído e na sua restauração ao favor do seu Criador. Do qual ele só pode te r a sua própria consciência da perda, descobrindo, por triste experiência, o seu próprio estado presente de pecado e miséria. A nossa própria razão nos mostra a ferida, mas nada menos que a revelação divina pode descobrir para nós um re­médio em que possamos confiar. A situação e o caráter das nações da terra, as quais não possuíam outro guia em suas devoções além da luz natural, com alguns resquícios da instituição divina de sacrifícios recebidos pela tradição de seus pais, mostram claramente o quanto a revelação divina é necessária para a subsistência da religião. Porque aqueles que não tinham a Palavra de Deus, logo perderam o próprio Deus, tornaram-se vãos em suas imaginações a respeito dele, e grandemente vis e absurdos em suas adorações e em seus prognósticos. É verdade que os judeus, que tiveram o benefício da revelação divina, se perderam às vezes na idolatria e admitiram corrupções muito gros­seiras. No entanto, com a ajuda da lei e dos profetas, eles se recuperaram e se corrigiram. Ao passo que a melhor e mais admirada filosofia dos pagãos jamais pôde fazer qualquer coisa em benefício da cura da idolatria vulgar, ou, tanto quanto é oferecida, remover quaisquer daqueles ritos bárbaros e ridículos de sua religião, que eram os escândalos e reprovações da natureza humana. Que os homens, portanto, finjam o que desejarem fingir que são, quer deístas, quer ateus, ou qualquer outra coisa que desejem sei'. E aqueles que, sob o pretexto de admirar os oráculos da razão, colocam de lado como inúteis os oráculos de Deus, diminuem os fundamentos de toda a religião, e fazem o que podem para cortar toda a comunicação entre o homem e o seu Criador, considerando este ser tão nobre como se estivesse no mesmo nível dos animais que perecem.

m Que a revelação divina agora não deve ser encontrada nem esperada em nenhum lugar além das Escrituras do Antigo e do Novo Testamento. E ali ela está. É verdade, houve religião e revelação divina antes que houvesse qualquer palavra escrita. Mas argumentar, a partir daí, que as Escrituras não são mais necessárias, é tão absurdo quanto seria argumentar que o mundo poderia muito bem passar sem o sol, porque na criação o mundo teve três dias de luz antes de o sol ser criado. As revelações divinas, quando dadas primeiro, foram confirmadas por visões,

milagres e profecias. Mas deveriam ser transmitidas para regiões distantes e gerações futuras, com suas provas e evidências, através da escrita, o modo mais seguro de transmissão, e através da qual o conhecimento das outras coi­sas memoráveis é preservado e propagado. Temos motivos para pensar que até mesmo os dez mandamentos, embora

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PREFÁCIO XIIpronunciados com tanta solenidade no Monte Sinai, teriam sido, muito antes disso, perdidos e esquecidos, se tivessem sido entregues somente pela tradição, e nunca tivessem sido registrados pela escrita. Aquilo que está escrito é que permanece. A Escritura certamente não está compilada como um sistema ou corpo metódico da Teologia, secundam arfem - de acordo com as regras da cvrfe, mas através de diversas formas de escrita (histórias, leis, profecias, can­ções, epístolas, e até mesmo provérbios), várias vezes, e por várias mãos, conforme a Infinita Sabedoria julgou que seria adequado. O fim é efetivamente obtido. Estas coisas são claramente esperadas e dadas como certas, e tudo isto é expressamente revelado e tornado conhecido quando, sendo tudo reunido, somos suficientemente informados de todas as verdades e das leis da santa religião em que devemos crer, e assim podemos ser governados por elas. Pode­mos ter a certeza de que toda a Escritura é dada por inspiração de Deus (2 Tm 3.16), e que homens santos falaram e escreveram ao serem movidos pelo Espírito Santo (2 Pe 1.21). Mas quem ousa fingir descrever esta inspiração? Ninguém conhece o caminho do Espírito, nem como os pensamentos foram formados no coração daquele que foi inspirado, assim como também não conhecemos o caminho da alma dentro do corpo, ou como os ossos são forma­dos no ventre daquela que está grávida, Eclesiastes 11.5. Mas podemos estar certos de que o bendito Espírito não só preparou e qualificou habitualmente os escritores das Escrituras para este serviço, e colocou em seus corações o que escrever, mas igualmente ajudou os seus entendimentos e as suas memórias para registrarem as coisas de que eles mesmos tinham conhecimento, e que eficazmente impediu erros e enganos. E aquilo que eles não poderiam saber exceto pela revelação (como, por exemplo, Gênesis 1 e João 1), o mesmo bendito Espírito lhes informou de forma clara e satisfatória. E, sem dúvida, tanto quanto era necessário para o fim pretendido, eles foram guiados pelo Espírito, tanto na linguagem como na expressão. Porque houve palavras que o Espírito Santo lhes ensinou (1 Co 2.13). E, assim, o Senhor Deus disse ao profeta: Dize-lhe as minhas palavras, Ezequiel3.4. No entanto, não é pertinente para nós, que elaboramos o estatuto, te r a liberdade que Ele tomou ao usar as suas próprias palavras. Quando ela é ratificada, torna-se o ato do legislador, e obriga o sujeito a observar a sua verdadeira intenção e o seu verdadeiro significado. A Escritura prova a sua autoridade e origem divinas tanto para os sábios como para os ignorantes. Mesmo para os ignorantes e para a parte menos pensante da humani­dade, a Escritura é abundantemente comprovada pelos muitos milagres incontestáveis operados por Moisés e pelos profetas, pelo Senhor Jesus Cristo e seus apóstolos, para a confirmação de suas verdades e leis. Seria uma reprovação intolerável para a Verdade eterna, supor que este selo divino afixado seja uma mentira. Além disso, para os mais sábios e pensadores, para os mais atenciosos e contemplativos, a Escritura é recomendável através daquelas excelências inatas que são características auto-evidentes de sua origem divina. Se olharmos cuidadosamente, logo estaremos cientes da imagem e da inscrição de Deus sobre ela. Uma mente corretamente disposta por uma sujeição humilde e sincera ao seu Criador, irá descobrir facilmente a imagem da sabedoria de Deus nas admiráveis profundezas de seus mistérios. A imagem de sua soberania na majestade superior de seu estilo. A imagem de sua unidade na maravilhosa harmonia e simetria de todas as suas partes. A imagem de sua santidade na pureza imaculada de seus preceitos. E a imagem de sua bondade na tendência manifestada do todo para o bem-estar e felicidade da humanidade em ambos os mundos. Em resumo, é uma obra de autoria divina. E tanto ateus como deístas, apesar de suas pretensões vangloriosas de raciocinarem como se a sabedoria de­vesse m orrer com eles, se expõem aos absurdos mais gritantes e desprezíveis que se pode imaginar. Porque, se as Escrituras não forem a Palavra de Deus, então não há nenhuma revelação divina agora no mundo, nenhuma descoberta do pensamento de Deus com relação ao nosso dever e felicidade. De forma que, se um homem estiver desejoso e solícito para fazer a vontade do seu Criador, ele deve, por falta de recursos, perecer na sua ignorân­cia, uma vez que não há livro além desse que se comprometa a dizer-lhe o que fazer - uma conseqüência que de modo algum pode ser conciliada com a idéia que temos da bondade divina. E (o que não é menos absurdo), se as Escrituras não forem realmente revelação divina, elas são certamente uma grande fraude que foi colocada no mundo. Mas não temos motivos para pensar nelas dessa forma. Porque homens maus jamais poderiam escrever um livro tão bom, nem Satanás teria tamanha astúcia ao ajudar a expulsar a si mesmo. Ao mesmo tempo, os homens bons jamais fariam uma coisa tão perversa quanto falsificar o claro selo do céu e afixá-lo para a sua própria incriminação, por mais justo que isto pudesse parecer. Não, os homens não seriam capazes disto, e as Escrituras jamais trariam palavras de homens iníquos e maus.T T T Que as Escrituras do Antigo e do Novo Testamento foram intencionalmente criadas para o nosso aprendi- Ji V zado. Elas devem ter sido uma revelação divina para aqueles em cujas mãos foram colocadas primeiro. No entanto, nós, a esta distância, não nos preocupamos com elas. Mas é certo que elas tinham o propósito de serem de uso e obrigação universal, e perpétuas para todas as pessoas, em todos os lugares e em todas as eras, para todos aqueles que tenham o conhecimento delas, até mesmo sobre nós, a quem estas preciosas Escrituras chegaram, sim, a nós que estávamos nos confins da terra. Veja Romanos 15.4. Embora não estejamos sob a lei como em uma aliança de inocência (porque então, sendo culpados, deveríamos inevitavelmente perecer sob a sua maldição), este não é um estatuto antiquado, mas uma firme declaração da vontade de Deus a respeito do bem e do mal, do pecado e do dever, e a sua reivindicação de obediência está em sua força e virtude totais. E a nós é anunciado o Evangelho da lei cerimonial, assim como àqueles a quem ele foi primeiramente entregue, e muito mais claramente, Hebreus 4.2. As histórias do Antigo Testamento foram escritas para a nossa admoestação e direção (1 Co 10.11), e não para a informação e diversão dos curiosos. Os profetas, embora tenham morrido há muito tempo, profetizam novamente através de seus escritos, diante de povos e nações (Ap 10.11), e as exortações de Salomão nos falam como a filhos.

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XIII PREFÁCIOO assunto da Sagrada Escritura é universal e perpétuo, e, portanto, do interesse de todas as pessoas, em todas as partes do mundo. Seus objetivos são: 1. Revitalizar a lei universal e perpétua da natureza, cujos próprios resquícios (ou reminiscências) em consciência natural nos dão pistas de que deveremos receber uma revelação ainda mais clara (a saber, o Evangelho). 2. Revelar a lei universal e perpétua da graça, que traz a maravilhosa beneficência de Deus aos filhos dos homens, colocando-os, assim, em uma condição melhor do que a dos demônios, trazendo fortes razões para que tenhamos esperança. A autoridade divina que neste livro ordena a nossa crença e obediência é, da mesma forma, universal e perpétua, e não conhece limites, seja de tempo ou de lugar. Segue-se, portanto, que toda nação e toda época para as quais estes escritos sagrados são transmitidos estão destinados a recebê-los com a mesma vene­ração e consideração piedosa que eles ordenaram em sua primeira entrada. Embora Deus, nestes últimos dias, nos tenha falado pelo Filho, não devemos pensar que aquilo que Ele falou muitas vezes e de muitas maneiras aos pais (Hb1.1) não sirva para nós, ou que o Antigo Testamento seja um almanaque obsoleto. Não, nós somos edificados sobre0 fundamento dos profetas, assim como dos apóstolos sendo o próprio Cristo a pedra de esquina (Ef 2.20), em quem ambos os lados deste edifício abençoado se encontram e são unidos. Eles eram os antigos registros da igreja judaica, aos quais Cristo e os seus apóstolos, com muita freqüência se referiram, recorreram e nos ordenaram a buscar e a dar atenção. Os pregadores do Evangelho, como os juizes de Josafá, onde quer que fossem, tinham este livro da lei consigo, e consideravam grande vantagem para si mesmos falar com aqueles que conheciam a lei, Romanos 7.1. Esta célebre tradução do Antigo Testamento na língua grega pelos Setenta, entre 200 e 300 anos antes do nascimento de Cristo, foi para as nações um feliz preparativo para melhor proveito do Evangelho, divulgando o conhecimento da lei. Porque, assim como o Novo Testamento expressa e completa o Antigo, e assim o torna mais útil a nós agora do que foi para a igreja judaica, também o Antigo Testamento confirma e ilustra o Novo, e nos mostra Jesus Cristo como Aquele que é o mesmo ontem, hoje, e o será para sempre.

V Que as Sagradas Escrituras não foram criadas apenas para o nosso aprendizado, mas são a firme norma esta­belecida para a nossa fé e prática, pela qual devemos ser governados agora e julgados em breve. Não é apenas

um livro de uso genérico (assim como podem ser os escritos de homens bons e sábios), mas é de autoridade soberana e dominante, o livro do estatuto do Reino de Deus. Nosso juramento de lealdade ao Senhor, como o nosso Senhor supremo, nos liga à observância a este precioso livro. Quer estejamos dispostos a ouvi-lo ou a evitá-lo, devemos nos considerar informados de que este é o oráculo que devemos consultar e pelo qual tudo em nossa vida deve ser deter­minado, a pedra de toque à qual devemos recorrer e pela qual devemos testar as doutrinas. A Palavra do Senhor é a regra que devemos ter sempre em vista, pela qual devemos, em todas as coisas, ordenar os nossos sentimentos e con­versas. E nelas que devemos buscar os padrões e medidas que aplicaremos à nossa vida. Este é o testemunho e esta é a lei que está atada e selada entre os discípulos. E se não falarmos ou agirmos de acordo com esta palavra, significa que não há luz em nós, Isaías 8.16,20. A criação da luz dentro das nossas regras e procedimentos (que, por natureza, consiste apenas de trevas) é, pela graça, apenas uma cópia da obra escrita que dá forma à nossa vida. Por esta razão, não podemos agir como se estivéssemos colocando o juiz acima da lei. A criação das tradições da igreja que rivalizam com as Escrituras também é altamente prejudicial. É como criar um relógio, que pode ser adiantado ou atrasado de acordo com os interesses daqueles que o vêm. Como se algum mortal fosse capaz de corrigir o sol, aquele medidor fiel de horas e dias. Estes são absurdos que, uma vez admitidos, passam a ser seguidos por milhares de pessoas, trazendo os resultados mais desastrosos que temos visto. Experiências absolutamente tristes.1 T T Que, portanto, é dever de todo cristão buscar diligentemente as Escrituras, e o ofício dos ministros é guiá-loV X e ajudá-lo neste assunto. Por mais que este livro dos livros em si seja útil, ele não será de nenhuma utilidadepara nós se não nos familiarizarmos com ele, lendo-o diariamente, e meditando nele, para que possamos entender o pensamento de Deus que está expresso nele, e possamos aplicar o que entendemos a nós mesmos para a nossa direção, censura e consolação, quando houver ocasião. O caráter do homem santo e feliz faz com que o seu prazer esteja na lei do Senhor. E, como uma evidência disso, ele conversa com a lei como com seu companheiro constante, e se aconselha com ela como faria com o seu conselheiro mais sábio e confiável, porque nesta lei ele medita de dia e de noite, Salmos 1.2. Cabe a nós estarmos preparados nas Escrituras, e alcançarmos isto pela leitura constante e pela observação cuidadosa, especialmente pela oração fervorosa a Deus pelo dom prometido do Espírito Santo, cujo oficio é trazer à nossa lembrança aquilo que Cristo nos disse (Jo 14.26), para que possamos ter uma ou outra boa palavra à mão para o nosso uso quando nos dirigirmos a Deus e em nossas conversas com os homens, na nossa resistência a Satanás e na nossa comunhão com os nossos próprios corações. E também para que possamos ser capazes, como bons chefes de família, de tirar deste tesouro coisas novas e antigas, para a consideração e edificação tanto de nós mesmos como dos outros. Isto tornará o homem de Deus perfeito neste mundo, completando-o tanto como cristão quanto como ministro, preparando-o completamente para toda boa obra, 2 Timóteo 3.17. Cabe a nós também sermos poderosos nas Escrituras, como Apoio foi (At 18.24). Isto é, estarmos completamente familiarizados com o verdadeiro propósito e significado delas, para que possamos entender o que lemos, e para que possamos não interpretar mal ou aplicar mal a Escritura, mas, pelo bendito Espírito, ser guiados em toda a verdade (Jo 16.13). Que também possamos ser firmes e perseverantes na fé e no amor, dedicando cada parte da Escritura ao uso que lhe foi destinado. A letra, seja da lei ou do Evangelho, tem pouco proveito sem o Espírito. Os ministros de Cristo são aqui ministros do Espírito para o bem da igreja. A sua tarefa é abrir e aplicar as Escrituras. Então, eles devem alcançar o seu conhecimento, depois suas doutrinas, devoções, direções e admoestações, e, por conseguinte, a sua própria linguagem e expressão.

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PREFÁCIO XIVExplicar as Escrituras era o modo mais usual de pregar nos primeiros e mais puros séculos da igreja. O que os levitas têm a fazer além de ensinar a lei a Jacó (Dt 83.10)? Eles não devem apenas ler a lei, mas dar o sentido, e fazê-los en­tender a leitura, Neemias 8.8. Como é que farão isto exceto se alguns homens os guiarem? Atos 8.31. Assim como os ministros dificilmente receberiam algum crédito sem o apoio da Bíblia, a Bíblia dificilmente seria entendida sem que os ministros a explicassem. Mas aqueles que, tendo a ambos, perecerem na ignorância e na incredulidade, levarão o seu sangue sobre a sua própria cabeça.

Sendo, portanto, totalmente persuadidos destas coisas, concluo que qualquer que seja a ajuda oferecida a bons cristãos ao buscarem as Escrituras, este é um serviço real feito para a glória de Deus, e em benefício dos interesses de seu reino entre os homens. E é isto que me levou a esta tarefa, da qual tenho me ocupado em fraqueza, em temor, e em grande tremor (1 Co 2.3), para que não seja achado me exercitando em coisas que me exaltem, para que uma tarefa tão louvável não venha a sofrer o prejuízo de um tratamento pouco hábil. Se alguém desejar saber como uma pessoa tão insignificante e obscura como eu - que no aprendizado, juízo, felicidade de expressão, e em todas as van­tagens para tal serviço, sou menor que o menor de todos os servos do meu Mestre - veio a se aventurar em uma obra tão grande, não posso dar nenhuma outra explicação além dessa: Há muito tempo, tem sido a minha prática poupar qualquer tempo em meu estudo, a partir das constantes preparações para o púlpito, para gastar o tempo redigindo exposições sobre algumas partes do Novo Testamento, nem tanto para o meu próprio uso, mas puramente para o meu entretenimento, porque eu já não sabia como empregar os meus pensamentos e o meu tempo para a minha própria satisfação. Trahit sua quemque voluptas - todo homem que estuda tem algum estudo preferido, o qual é o seu deleite acima de- qualquer outro. E este é o meu. Este aprendizado foi a minha felicidade desde criança. Sei1 in­struído por meu sempre honrado pai, cuja memória deve ser muito querida e preciosa para mim. Ele freqüentemente me lembrava de que um bom texto é um dom divino. E do que eu deveria ler outros livros tendo isto em vista, e as­sim poderia ser capaz de entender melhor e aplicar melhor a Sagrada Escritura. Enquanto eu estava agindo assim, surgiu a Exposição do Sr. Burkitt, do primeiro dos Evangelhos, e mais tarde dos Atos e das Epístolas, uma obra que encontrou uma aceitação muito boa entre pessoas sérias, e, sem dúvida, pela bênção de Deus continuará a prestar um grande serviço à igreja. Pouco tempo depois de terminar aquela obra, agradou a Deus chamá-lo ao seu descanso, e naquela ocasião fui solicitado, por alguns dos meus amigos - e também me senti inclinado - a tentar fazer um trabalho semelhante sobre o Antigo Testamento, na força da graça de Cristo. Assim, este trabalho é humildemente oferecido como um espécime baseado no Pentateuco. O meu propósito é que ele agrade aos leitores, e seja considerado útil, de algum modo. E, na dependência do auxílio divino, estou disposto a prosseguir, desde que Deus continue a me dar vida e saúde, e enquanto o meu outro trabalho permitir. Sei que temos muitos recursos como este em nosso próprio idi­oma, e temos muitas razões para valorizá-los, sendo gratos a Deus por eles. Mas a Escritura é um assunto que nunca se esgota. Semper habet aliquid relegentibus - Não importa- com que freqüência a leiamos, sempre encontraremos coisas uovas. Mesmo tendo reunido um imenso tesouro para a edificação do tempo, Davi disse a Salomão: E tu supre o que faltar, 1 Crônicas 22.14. O conhecimento da Escritura é um grande tesouro. E ele ainda é capaz de aumentar, até que todos nós cheguemos à perfeição. A Escritura é um campo ou vinha que oferece trabalho para várias mãos, e na qual pode ser empregada uma grande variedade de dons e operações, mas tudo deve vir do mesmo Espírito (1 Co12.4,6), e precisa ser dedicado à glória do mesmo Senhor. Aqueles que são doutos em idiomas e em costumes antigos têm sido muito úteis para a igreja (o bendito ocupante deste campo), através de suas buscas curiosas e elaboradas que têm trazido vários resultados, como, por exemplo, a anatomia das plantas, e as palestras tão interessantes que eles têm proferido a esse respeito. Em várias situações, e de diversas formas, a filologia dos críticos tem sido muito mais vantajosa para a religião, e emprestado mais luz para a verdade sagrada, do que a filosofia das várias escolas teológicas. Aqueles que são doutos nas artes de guerra também têm prestado um grande serviço ao defenderem este jardim do Senhor contra os ataques violentos dos poderes das trevas, defendendo com sucesso a causa dos escritos sagrados contra os desprezíveis ateus, deístas e escarnecedores profanos dos nossos dias. Várias pessoas, como estas, estão em posição de honra, e o seu louvor está em todas as igrejas. No entanto, os trabalhos dos vinhateiros e lavradores (2 Rs 25.12), embora estes sejam os pobres da terra, aqueles que cultivam esta terra, e recolhem os seus frutos, não são menos necessários em suas funções, e são benéficos para toda a família de Deus. Pois é imprescindível que cada um tenha a sua parte destes preciosos frutos em sua alimentação, na devida estação. Estes são os trabalhos em que, de acordo com a minha habilidade, tenho procurado colocar a minha mão. E como os expositores simples e práticos jamais diriam, por coisa alguma, sobre os críticos doutos: Não há necessidade deles, assim se espera que aqueles olhos e cabeças jamais digam às suas mãos e pés: Não tenho necessidade de vós, 1 Coríntios 12.21.

Os doutos têm recebido vantagens muito grandes em suas buscas nesta parte da Sagrada Escritura, e dos livros que se seguem (e ainda esperam por mais), pelos trabalhos excelentes e mais valiosos daquele grande e bom homem, o bispo Patrick, que, por uma grande leitura, julgamento sólido, uma aplicação muito feliz destes melhores estu­dos, mesmo em sua idade e honra avançadas, por vários séculos sem dúvida se posicionará entre os três primeiros comentadores, e bendito seja Deus por ele. As anotações em inglês do Sr. Pool (que, tendo tido tantas impressões, podemos supor, chegou a muitas mãos) são de utilidade admirável, especialmente para a explicação das frases da Escritura, para desvendar o sentido, referindo-se a Escrituras paralelas, e o esclarecimento das dificuldades que ocorrem. Tenho, portanto, desde o princípio, sido breve no que é mais amplamente discutido e, diligentemente, recu­sei o quanto pude o que se acha ali. Porque eu não actum agere - fa r ia o que está feito. Tampouco (se me permitem tomar emprestado as palavras do apóstolo) me gloriaria no que estava já preparado, 2 Coríntios 10.16. Estas e outras anotações que se referem às palavras e orações específicas que elas se propõem a explicar, são as mais fáceis de

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XV PREFÁCIOserem consultadas quando houver ocasião. Mas a exposição que (como esta) é colocada em um discurso contínuo, condensada em um título apropriado, é muito mais fácil e pronta para ser lida inteiramente pela instrução própria ou de outro. E penso que a observação da ligação de cada capítulo (se houver ocasião) com aquele que o precede, e o alcance geral dele, com o fio da história ou do discurso, e a escolha de várias partes dele, para ser visto em uma só aná­lise, contribuirá muito para a sua compreensão, e dará à mente uma satisfação abundante na intenção geral, embora possa haver aqui e ali uma palavra ou expressão difícil que os melhores críticos não podem explicar facilmente. Isto, portanto, tentei aqui. Mas cabe a nós não só entender o que lemos, mas desenvolvê-lo até algum bom propósito. E, com a finalidade de sermos impactados e mudados por aquilo que lemos, é necessário recebermos as suas impressões. A palavra de Deus tem o propósito não só de ser uma luz para os nossos olhos, o objeto da nossa contemplação, mas lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho (SI 119.105), para nos guiar no caminho da nossa obediência, e para nos impedir de tomar algum desvio. Devemos, portanto, ao buscar as Escrituras, indagar não só: O que é isto?, mas: O que é isto para nós? Que proveito podemos fazer disto? Como podemos acomodá-lo com alguns dos propósi­tos da vida divina e celestial que, pela graça de Deus, resolvemos viver? Perguntas deste tipo tenho aqui procurado responder. Quando a pedra é removida da boca do poço por uma explicação crítica do texto, ainda há aqueles que querem beber e dar de beber ao seu rebanho? Sim, mas reclamam que o poço é fundo, e não têm nada com que a tirar. Como, então, se aproximarão desta água viva? Alguns assim poderão, talvez, encontrar uma balde aqui, ou tirar a água com as suas mãos. E ficarei satisfeito com este ofício dos gibeonitas, de tirar água para a congregação do Senhor destes maravilhosos poços de salvação.

O meu objetivo na exposição é dar o que pensei ser o sentido autêntico, e fazer isso da maneira mais simples pos­sível para as capacidades comuns, não perturbando os meus leitores com os diferentes sentimentos dos expositores, o que teria sido transcrever a Sinopse Latina do Sr. Pool, onde isto é feito abundantemente para a nossa satisfação e proveito. Quanto às observações práticas, não me obriguei a levantar doutrinas de cada versículo ou parágrafo, mas apenas tentei misturar com a exposição as pistas e observações que achei proveitosas para a doutrina, para re­provação, para correção, para instrução em justiça, procurando em tudo promover a piedade prática, e evitando cui­dadosamente assuntos de disputa duvidosa e antagonismo de palavras. E apenas o predomínio do poder da religião nos corações e vidas dos cristãos que irá corrigir as nossas injustiças, e transformar o nosso deserto em um campo frutífero. E uma vez que o nosso Senhor Jesus Cristo é o nosso verdadeiro tesouro escondido no campo do Antigo Testamento, e foi o Cordeiro morto desde a fundação do mundo, fui cuidadoso em observar que Moisés escreveu a re­speito dele, ao que o próprio Senhor Jesus, com freqüência, recorreu. Nos escritos dos profetas, nos deparamos com mais das promessas simples e expressas do Messias, e com a graça do Evangelho. Mas aqui, nos livros de Moisés, encontramos mais dos tipos, figuras reais e pessoais dele, que eram sombras da qual a essência é Cristo, Romanos5.14. Aqueles para quem o viver é Cristo encontrarão nestes escritos aquilo que é muito instrutivo e influente, e que dará grande assistência para a sua fé, e amor, e santa alegria. Isto, de modo particular, busca-se nas Escrituras para encontrar o que elas testificam a respeito de Cristo e da vida eterna, João 5.39. Nem há qualquer objeção contra a aplicação das instituições cerimoniais a Cristo e à sua graça, de forma que aqueles a quem foram dadas não poderiam discernir este sentido ou uso delas. Mas esta é, antes, uma razão pela qual devemos ser muito gratos: o fato de o véu que estava sobre as suas mentes na leitura do Antigo Testamento estar abolido em Cristo, 2 Coríntios -3.13,14,18. Em­bora eles, então, não pudessem olhar firmemente para o fim daquilo que está abolido, isto não significa, portanto, que nós que somos felizmente supridos com uma chave para estes mistérios não possamos, neles, como em um espelho, vislumbrar a glória do Senhor Jesus. No entanto, é possível que os judeus piedosos tenham visto mais do Evangelho em seu ritual do que pensamos que eles viram. Eles tinham pelo menos uma expectativa geral das coisas boas por vir, pela fé nas promessas feitas aos pais, como temos da felicidade do céu, embora não pudessem formar qualquer idéia distinta ou certa daquele mundo por vir, como muitas vezes não somos capazes de fazer em relação a este mundo. Talvez as nossas concepções do estado futuro sejam tão obscuras e confusas, tão desprovidas da verdade e estejam tão longe dela, quanto as deles eram, então, do reino do Messias. Mas Deus requer a fé apenas de acordo com a revelação que Ele dá. Eles, então, só eram responsáveis pela luz que possuíam. E nós agora somos responsáveis pela maior luz que possuímos: o Evangelho. E pela ajuda do Evangelho podemos encontrar muito mais de Cristo no An­tigo Testamento do que eles podiam. Se alguém pensar que as nossas observações às vezes surgem a partir daquilo que, para eles, parece diminuto demais, que se lembrem da máxima do Rabino: Non est in lege vel una litera à quâc nonpendent -magni m o n tes-A lei contém não um a letra, mas aquilo que é capaz de suportar o peso de montanhas. Estamos certos de que não há nenhuma palavra ociosa na Bíblia Sagrada. Gostaria que o leitor não só lesse todo o texto, antes de ler a exposição, mas, quando os vários versículos forem referidos na exposição, o leitor coloque a sua atenção sobre eles outra vez, e então entenderá melhor aquilo que ler. E, se ele tiver tempo disponível, certamente achará proveitoso voltar se para as Escrituras que são, às vezes, referidas apenas brevemente, comparando as coisas espirituais com as espirituais.

E o propósito declarado da Mente Eterna, em todas as operações tanto da providência como da graça, glorificar a lei e torná-la honrosa (Is 42.21), e glorificar a sua palavra acima de todo o seu nome (SI 138.2). Para que, quando orarmos, dizendo: Pai, glorifique o teu nome, queiramos realmente dizer isto, entre outras coisas: Pai, glorifique as santas Escrituras. Através desta oração, feita com fé, podemos estar certos da resposta que foi dada ao nosso ben­dito Salvador quando Ele orou assim, particularmente no que diz respeito ao cumprimento das Escrituras em seus próprios sofrimentos: Já o tenho glorificado e outra vez o glorificarei, João 12.28. Para este grande propósito, desejo, humildemente, ser de algum modo útil. E espero que isto ocorra na força da graça pela qual sou o que sou, esperando

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PREFÁCIO XVIque possa ajudar a tornar a leitura da Escritura mais fácil, agradável, e proveitosa. Desejo que isto seja misericor­diosamente aceito por Aquele que sorriu quando a viúva lançou as duas moedas no tesouro, com a intenção de glorifi­car e honrar. E se eu tão somente puder alcançar este ponto, em qualquer medida, beneficiando ao menos algumas pessoas, reconhecerei que os meus esforços terão sido abundantemente recompensados. Porém, também estou certo de que alguns considerarão tanto a mim como o meu desempenho vis, dedicando-me, apenas, o desprezo.

Não tenho agora mais nada a acrescentar além de me entregar às orações dos meus amigos, encomendando-os à graça do nosso Senhor Jesus. E assim, posso descansar como alguém que depende desta graça mesmo sendo indigno dela. E, através desta graça maravilhosa, prossigo na expectativa da glória que será revelada.

M. H.Chester, 2 de outubro de 1706

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G ênesisU m a e x p o s iç ã o c o m o b s e r v a ç õ e s p r á t ic a s

n emos agora diante de nós a Bíblia Sagrada, ou livro, porque bíblia significa isto. Nós a chamamos o livro por causa de sua eminência, porque ela é, incomparavelmente, o maior livro que já foi escri­to, o livro dos livros, brilhante como o sol no firmamento da aprendizagem. Tal qual a lua, outros livros valiosos e úteis refletem a sua luz. Nós a chamamos de livro santo, porque foi escrita por homens santos, e inspirada pelo Espírito Santo. Ela é perfeitamente isenta de qualquer falsidade e propósitos deturpados. E, sua inclinação manifesta é promover a santidade entre os homens. Os grandes princípios da lei de Deus, e o Evangelho, estão aqui escritos para nós, para que pudessem

transmitir maior segurança, pudessem expandir-se o mais longe possível, por mais tempo, e ser transmitidos a lugares e épocas distantes com mais pureza e inteireza do que possivelmente seriam através de relatos e tradições. Teremos muito que responder, se estes princípios, os quais são a base de nossa paz, estando, assim, entregues a nós por escrito, forem negligenciados como um princípio estranho e desconhecido, Oséias 8.12. As escrituras, ou o produto de vários escritores inspirados, de Moisés até o apóstolo João, nas quais a luz divina, como a luz da manhã, brilhou gradualmente (estando o cânon sagrado agora completo), estão todas reunidas nesta Bíblia bendita, que, graças a Deus, temos em nossas mãos. E elas tornam os dias tão perfeitos quanto devemos esperar que sejam neste lado do céu. Cada parte da Bíblia Sagrada é, sem dúvida, muito boa. Porém todas estas partes juntas formam algo extraordinário. Esta é a “luz que brilha em um lugar escuro” (2 Pe 1.19). E um lugar escuro, sem dúvida, seria o mundo sem a Bíblia.

Temos diante de nós esta parte da Bíblia que denominamos o Antigo Testamento, contendo os atos e obras notáveis da vida religiosa desde a criação até quase à vinda de Cristo em carne. Há cerca de quatro mil anos estas verdades foram reveladas, as leis então promulgadas, as devoções então pagas, as profecias então entregues falando sobre os eventos a respeito deste corpo distinto. O Senhor Deus considerou adequado preservar para nós todo este conhecimento. Isto é chamado de testamento, ou aliança (.Diatheke), porque foi uma determinada declaração da vontade de Deus a respeito do homem de modo geral, e teve sua força obtida a partir da morte planejada do grande testador, “o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap 13.8). E chamado de Antigo Testamento, em relação ao Novo, o qual não o anula nem o substitui, mas o coroa e o aperfeiçoa, fazendo surgir a melhor esperança que foi tipificada e predita nele. O Antigo Testa­mento ainda permanece maravilhoso, embora o Novo muito o exceda em excelência (2 Co 3.9).

Temos diante de nós aquela parte do Antigo Testamento que chamamos de Pentateuco, ou os cinco livros de Moisés, o servo do Senhor, que excedeu todos os outros profetas e que tipificou o grande profeta. Na distribuição que nosso Salvador fez dos livros do Antigo Testamento entre a lei, os profetas, e os salmos, ou Hagiógrafa, estes são a lei, porque eles contêm não só as leis dadas a Israel, nos últimos quatro, mas as leis dadas a Adão, a Noé, e a Abraão, no primeiro. Pelo que sabemos, estes cinco livros foram os primeiros a serem escritos, pois não temos a menor men­ção de qualquer escrito em todo o livro de Gênesis, até que Deus ordenou que Moisés escrevesse (Êx 17.14), e alguns acham que o próprio Moisés nunca aprendeu a escrever até que Deus lhe incumbiu de sua cópia na escrita dos Dez Mandamentos sobre as tábuas de pedra. No entanto, temos a certeza de que estes livros são os escritos mais antigos agora existentes, e, portanto, os mais adequados para nos dar um relato satisfatório das coisas mais antigas.

Temos diante de nós o primeiro e mais longo dos cinco livros, denominado Gênesis. Escrito, alguns pensam, quando Moisés estava em Midiã para a instrução e consolação de seus irmãos que sofriam no Egito. Prefiro pensar que ele o escreveu no deserto, depois que esteve no monte com Deus, onde, provavelmente, recebeu instruções completas e especí­ficas para a sua escrita. E, assim como ele estruturou o Tabernáculo, fez o tecido mais excelente e durável para este livro, exatamente de acordo com o padrão que lhe fora mostrado no monte. E melhor entender a certeza das coisas aqui contidas, do que qualquer tradição que, possivelmente, pudesse ser entregue desde Adão até Matusalém, desde este até Sem, dele até Abraão, e assim até à família de Jacó. Gênesis é um nome emprestado do grego. Significa origem, ou geração. E, assim, adequadamente nomeado, porque é uma história das origens da criação do mundo, da entrada do pecado e da morte nele, da invenção da arte, do surgimento das nações, e especialmente da implantação da igreja, e da condição dela nos dias an­tigos. Também é uma história das gerações de Adão, Noé, Abraão etc., não infindáveis, mas que são genealogias úteis. O início do Novo Testamento também é chamado de Gênesis (Mt 1.1), Biblos geneseos, o livro do gênesis, ou da geração de Jesus Cristo. Bendito seja Deus por este livro que nos mostra o remédio, ao abrir as nossas feridas. Senhor, abre nossos olhos, para que possamos enxergar as coisas maravilhosas tanto da tua lei como do teu evangelho!

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w. 1,2 GÊNESIS 1 2

Ca p ít u l o 1Sendo o fundamento de toda religião baseado em nossa relação com Deus como o nosso Criador, é justo que o livro das revelações divinas, que tinha o propósito de ser o guia, apoio, e regra da religião do mundo, começasse - como de fato começa - com um relato simples e completo da criação do mundo em resposta à primeira indagação de uma boa consciên­cia: “Onde está Deus que me fez?” (Jó 35.10). A esse respeito, os filósofos pagãos infelizmente comete­ram um grave erro e, tornando-se presunçosos em seus conceitos, alguns defendem a auto-existência e perpetuidade do mundo, enquanto outros atribuem tudo isto ao encontro fortuito de átomos. Assim, “o mundo pela sua própria sabedoria não conheceu a Deus”, mas sofreu muito ao perdê-lo. A sagra­da escritura, entretanto, planejando pela religião revelada manter e desenvolver a religião natural, reparando a sua decadência e suprindo os seus de­feitos, desde a queda, para a vivificação dos precei­tos da lei da natureza, estabelece, a princípio, este princípio da luz clara da natureza. Que este mundo foi, no princípio do tempo, criado por um Sei' de sa­bedoria e poder infinitos, que existia antes de todo tempo e de todos os mundos. O acesso à Palavra de Deus oferece esta luz, Salmos 119.130. O primeiro versículo da Bíblia nos dá um conhecimento mais seguro e melhor, mais satisfatório e útil, da origem do universo, do que todos os livros dos filósofos. A fé viva de cristãos humildes entende esta questão melhor do que a concepção mais elevada das maio­res inteligências, Hebreus 11.3.Temos três coisas neste capítulo: I. Uma idéia ge­ral que nos é dada sobre a obra da criação, w. 1,2.II. Um relato específico da obra de vários dias, registrados, como em um diário, distintamente e em ordem. A criação da luz, no primeiro dia, w. 3-5. Do firmamento, no segundo dia, w . 6-8. Do mar, da terra, e dos seus frutos, no terceiro dia, w. 9-13. Dos luminares do céu, no quarto dia, w. 14-19. Dos peixes e aves, no quinto dia, w. 20-23. Dos animais, w. 24,25. Do homem, w. 26-28. E do alimento para ambos, no sexto dia, w. 29,30. III. A revisão e a aprovação de toda a obra, v. 31.

A Criaçãow. 1,2

Nestes versículos temos a obra da criação em seu epítome e em seu embrião.

I Em seu epítome, v. 1, onde encontramos, para o nos­so conforto, o primeiro artigo do nosso credo, que

Deus Pai, o Todo-poderoso, é o Criador do céu e da terra, e cremos nele como tal.

1. Observe, neste versículo, quatro coisas:(1) O efeito que produziu o céu e a terra, isto é, o mun­

do, incluindo toda a estrutura e os elementos do universo, o mundo e todas as coisas a esse respeito, Atos 17.24. O

mundo é uma grande casa, consistindo de histórias su­periores e inferiores, a estrutura imponente e magnífica, uniforme e conveniente, e cada cômodo é bem mobiliado, com toda a sabedoria. Esta é a parte visível da criação que Moisés aqui procura explicar. Portanto, ele não mencio­na a criação dos anjos. Mas como a terra não só possui a sua superfície enfeitada com ervas e flores, mas também as suas entranhas são enriquecidas com metais e pedras preciosas (que participam de sua natureza sólida e mais valiosa, embora a criação delas não seja mencionada aqui), assim os céus não só são embelezados aos nossos olhos com luminares gloriosos que enfeitam o seu exterior, de cuja criação lemos aqui, mas por dentro estão repletos de seres gloriosos, fora da nossa vista. Estes são seres celes­tiais que superam em excelência os astros, assim como o ouro ou as safiras excedem os lírios do campo. No mundo visível é fácil observar: [1] Grande variedade, diversos ti­pos de seres imensamente diferentes uns dos outros em sua natureza e constituição. Senhor, quão múltiplas são as tuas obras, e todas são muito boas! [2] Grande beleza. O céu azul e a terra verdejante são charmosos ao olhar de espectadores curiosos. Quanto mais os ornamentos de ambos. Quão transcendente então deve ser a beleza do Criador! [3] Grande exatidão e precisão. Para aqueles que, com a ajuda de microscópios, olham estritamente para as obras da natureza, elas parecem muito mais re­finadas do que qualquer obra de arte. [4] Grande poder. Este não é um monte de matéria morta e inativa, mas há virtude, em diferentes níveis, em cada criatura. A terra em si possui uma força magnética. [5] Grande ordem, uma dependência mútua de seres, uma harmonia exata de mo­vimentos, e uma admirável cadeia e conexão de causas.[6] Grande mistério. Há fenômenos na natureza que não podem ser resolvidos, segredos que não podem ser com­preendidos nem explicados. Mas a partir do que vemos do céu e da terra podemos facilmente deduzir o poder eterno e a divindade do grande Criador, e podemos nos suprir com motivos abundantes para os seus louvores. E que a nossa condição e posição, como homens, nos faça lembrar da nossa obrigação como cristãos, que é sempre manter o céu em nossa vista e a terra debaixo de nossos pés.

(2) O autor e a causa desta grande obra: DEUS. A palavra hebraica é Elohim, o que indica: [1] O poder de Deus, o Criador. El significa o Deus forte. E o que, menos do que uma força poderosa, poderia fazer surgir todas as coisas do nada? [2] A pluralidade das pessoas da Divinda­de, Pai, Filho e Espírito Santo. Este nome plural de Deus, em hebraico, que fala dele no plural, embora ele seja um, talvez fosse para os gentios um sabor de morte para a morte, endurecendo-os em sua idolatria. Mas isto é para nós um sabor de vida para vida, confirmando a nossa fé na doutrina da Trindade, a qual, embora seja apenas se­cretamente sugerida no Antigo Testamento, é claramente revelada no Novo Testamento. O Filho de Deus, a eterna Palavra e Sabedoria de Deus estavam com Ele quando fez o mundo (Pv 8.30). Freqüentemente ouvimos que o mundo foi feito por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez, João 1.3,10; Efésios 3.9; Colossenses 1.16; Hebreus 1.2.O, que pensamentos elevados isto deve formar em nossas mentes a respeito deste grande Deus, de quem nos apro­ximamos em adoração religiosa, e deste grande Mediador em cujo nome chegamos mais perto!

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3 GÊNESIS 1 w. 1,2(3) 0 modo pelo qual esta obra foi realizada: Deus

criou, isto é, fez do nada. Não havia nenhuma matéria pré-existente a partir da qual o mundo foi produzido. Os peixes e as aves foram certamente produzidos a partir das águas, e os animais e o homem da terra. Mas esta terra e estas águas foram feitas do nada. Pelo poder comum da natureza, é impossível que algo seja feito do nada. Nenhum artífice pode trabalhar, a menos que ele tenha com que trabalhar. Mas pelo poder infinito de Deus, não só é possível que algo seja feito do nada (o Deus da natureza não está sujeito às leis da natureza), mas na criação é impossível que ocorra o contrário, por­que nada é mais desrespeitoso para a honra da Mente E terna do que duvidar de sua onipotência. Assim, a ex­celência do poder pertence a Deus, como também toda a honra e toda a glória.

(4) Quando esta obra foi produzida: No princípio, isto é, no início do tempo, quando este relógio foi colocado para funcionar pela primeira vez. O tempo começou com a produção destes seres que são medidos pelo tempo. Antes do início do tempo não havia nada além daquele Ser Infinito que habita a eternidade. Se perguntássemos por que Deus não fez o mundo antes, apenas escurecerí­amos o conselho com palavras sem conhecimento. Pois como poderia haver cedo ou tarde na eternidade? E ele o fez no início do tempo, de acordo com os seus conselhos eternos antes de todo o tempo. Os rabinos judeus têm um ditado que diz que houve sete coisas que Deus criou antes do mundo, que têm apenas o propósito de expres­sar a excelência delas: A lei, o arrependimento, o para­íso, o inferno, o trono da glória, a casa do santuário, e o nome do Messias. Mas para nós, é suficiente dizer: No princípio era o Verbo, João 1.1.

2. Aprendamos com isso: (1) Que o ateísmo é loucura, e os ateus são os maiores loucos na natureza. Porque eles vêem que há um mundo que não poderia se fazei' sozi­nho, e, no entanto, não reconhecem que há um Deus que o fez. Sem dúvida alguma, eles não têm desculpa, mas o deus deste mundo cegou as suas mentes. (2) Que Deus é o Senhor soberano de todos por um direito incontestável. Se Ele é o Criador, sem dúvida Ele é o dono, o proprietá­rio dos céus e da terra. (3) Que com Deus todas as coisas são possíveis. Portanto, feliz é o povo que o tem por seu Deus, e cuja ajuda e esperança esperam de seu nome, Salmos 121.2; 124.8. (4) Que o Deus a quem servimos é digno de glória e louvor, e é exaltado acima de tudo e de todos, Neemias 9.5,6. Se Ele fez o mundo, não precisa dos nossos serviços, nem pode ser beneficiado por eles (At 17.24,25). Mesmo assim Ele os requer, e merece o nosso louvor, Apocalipse 4.11. Se todas as coisas são dele, tudo deve ser para Ele.

n Aqui está a obra da criação em seu embrião, v. 2, onde temos um relato da primeira matéria e do primeiro movimento.

1. Um caos foi a primeira matéria. Ela é aqui chama­da de terra (embora a terra propriamente dita não tenha sido feita até o terceiro dia, v. 10), porque ela se parecia muito com o que depois foi chamado de terra, mera terra, destituída de seus ornamentos, e era como uma massa pesada e desordenada. Também é chamado de o abismo, tanto por sua vastidão como porque as águas, que foram

depois separadas da terra, estavam agora misturadas com ela. A partir desta imensa massa de matéria, todos os corpos e até mesmo o firmamento e os céus risíveis, foram depois produzidos pelo poder da Palavra Eterna. O Criador poderia ter feito a sua obra perfeita a prin­cípio, mas por este processo gradual Ele pode mostrar qual é, ordenadamente, o método de sua providência e de sua graça. Observe a descrição deste caos. (1) Não havia nele nada desejável de ser visto, porque era sem forma e vazio. Tohu e Bohu, confusão e vazio. Assim estas pa­lavras são traduzidas, Isaías 34.11. Ela era sem forma, era inútil, não tinha habitantes, não tinha ornamentos, a sombra ou aridez severa das coisas por vir, e não a ima­gem das coisas, Hebreus 10.1. A terra é quase reduzida à mesma condição outra vez pelo pecado do homem, sob o qual a criação geme. Veja Jeremias 4.23: Observei a terra, e eis que estava assolada e vazia. Para aqueles que têm os seus corações no céu, este mundo inferior, em comparação com o superior, ainda parece ser nada além de confusão e vazio. Não há nenhuma beleza ver­dadeira para ser vista, nenhuma plenitude satisfatória para ser desfrutada, nesta terra, mas somente em Deus. (2) Mesmo se houvesse qualquer coisa desejável para ser vista, não havia luz para vê-la. Porque as trevas, tre ­vas espessas, estavam sobre a face do abismo. Deus não criou estas trevas (como é dito que Ele criou as trevas da aflição, Isaías 45.7), porque foi só a falta de luz, a qual não se poderia dizer que faltava até que algo fosse criado para ser visto através da luz. Nem se precisava reclamar da falta dela, pois não havia nada para ser visto além da confusão e do vazio. Se a obra da graça na alma é uma nova criação, este caos representa o estado de uma alma desgraçada e pecadora. Há desordem, confusão, e toda obra má. Está vazia de todas as coisas, por que não tem a Deus; é escura, é a própria escuridão. Esta é a nossa condição por natureza, até que a graça poderosa efetue uma mudança bendita.

2 .0 Espírito de Deus foi o primeiro a se mover: Ele se movia sobre a face das águas. Quando consideramos a ter­ra sem forma e vazia, parece-me que ela é como o vale re­pleto de cadáveres e ossos secos. Eles podem viver? Esta massa confusa de matéria pode ser formada em um mun­do belo? Sim, se um espírito de vida procedente de Deus entrar nele, Ezequiel 37.9. Agora há esperança a respeito disso. Porque o Espírito cle Deus começa a operar, e, se ele operai’, quem ou o que impedirá? E dito que Deus fez o mundo pelo seu Espírito, Salmos 33.6; Jó 26.13. E a nova criação é realizada pelo mesmo trabalhador poderoso. Ele se moveu sobre a face do abismo, como Elias se esten­deu sobre a criança morta, assim como a galinha junta os seus pintainhos debaixo de suas asas, e paira sobre eles, para aquecê-los e alimentá-los, Mateus 23.37. Assim como a águia agita o seu ninho, e bate as asas sobre os seus fi­lhotes (a mesma palavra que é usada aqui), Deuteronômio32.11. Aprendemos, conseqüentemente, que Deus não só é o autor de todos os seres, mas a fonte de vida e de mo­vimento. A matéria morta estaria para sempre morta, se Ele não a tivesse estimulado. E torna-se digno de crédito para nós que Deus ressuscitasse os mortos. Um poder que tirou este mundo da confusão, do vazio, e das trevas, no início do tempo, pode, no fim do tempo, tirar os nossos corpos maus da sepultura, embora ela seja uma terra de

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w. 3-5 GÉNESIS 1 4trevas como as próprias trevas, e sem qualquer ordem (Jó10.22), e pode torná-los corpos gloriosos.

A Criaçãow. -3-5

Temos aqui um outro relato da obra do primeiro dia, no qual observe: 1. Que o primeiro de todos os seres visí­veis que Deus criou foi a luz. Não que por ela Ele pudes­se cuidar da obra (porque tanto as trevas como a luz são semelhantes para Ele), mas que por ela nós pudéssemos ver as suas obras e a sua glória nelas, e pudéssemos fazer o nosso trabalho enquanto é dia. As obras de Satanás e de seus servos são obras de trevas. Mas aquele que pratica a verdade, e faz o bem, vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, João 3.21. A luz é a grande beleza e bênção do universo. Como o primogênito de todas as coisas visíveis, ela é o que mais lembra o seu grande Pai em pureza e poder, brilho e beneficência; é de grande afinidade com um espírito, e está próxima a ele. Embora por ela vejamos outras coisas, e estejamos certos de que ela é, não conhe­cemos a sua natureza, nem podemos descrever o que ela é, ou por qual caminho a luz é repartida, Jó 38.19,24. Pela visão dela sejamos guiados, e ajudados, para alcançarmos a contemplação de fé Naquele que é luz, a luz infinita e eter­na (1 Jo 1.5), e o Pai das luzes (Tg 1.17), e que habita em luz inacessível, 1 Timóteo 6.16. Na nova criação, a primeira coisa operada na alma é a luz. O Espírito bendito cativa a vontade e os sentimentos iluminando o entendimento, as­sim entrando no coração pela porta, como o bom pastor que é conhecido pelas ovelhas, enquanto que o pecado e Satanás, como ladrões e assaltantes, procuram pulai' por outro caminho. Aqueles que pelo pecado são trevas, pela graça se tornam luz no mundo. 2. Que a luz foi feita pela palavra de poder de Deus. Ele disse, Haja luz. Ele desejou e ordenou, e a sua vontade foi feita imediatamente. Houve luz, uma cópia exata respondeu à idéia original na Mente Eterna. OH! O poder da Palavra de Deus! Ele falou e foi feito. Feito realmente, efetivamente, e para a perpetuida­de, não apenas em aparência, e para servil’ a um momento presente, porque Ele ordenou, e ela não cedeu. Com Ele era um dito, uma palavra memorial, e um mundo. A palavra de Deus (isto é, a sua vontade e o seu bom prazer) é rápida e poderosa. Cristo é o Verbo, o Verbo essencial e eterno, e por Ele a luz foi produzida, porque nele estava a luz, e Ele é a luz verdadeira, a luz do mundo, João 1.9; 9.5. A luz divina que brilha nas almas santificadas é operada pelo poder de Deus, pelo poder de sua palavra e do Espírito de sabedoria e revelação, abrindo o entendimento, dissipando a névoa da ignorância e do engano, e dando o conhecimento da glória de Deus na face de Cristo, como a princípio, quando Deus ordenou que a luz brilhasse nas trevas, 2 Coríntios 4.6. As trevas estariam perpetuamente sobre a face do homem ca­ído, se o Filho de Deus não tivesse vindo, e nos dado um entendimento, 1 João 5.20.3.0 Senhor Deus aprovou a luz que desejou, quando foi produzida. Deus viu que a luz era boa. Foi exatamente como ele planejou, e era adequada para responder à finalidade para a qual ela foi criada. Era útil e proveitosa. O mundo, que agora é um palácio, teria sido um calabouço sem ela. Era agradável e prazerosa. Verdadeira­mente suave é a luz (Ec 11.7). Ela alegra o coração, Provér­

bios 15.30. Deus aprovará e misericordiosamente aceitará aquilo que Ele mesmo ordenar. Ele ficará satisfeito com as obras das suas próprias mãos. Aquilo que é realmente bom, é o que for bom aos olhos de Deus, porque Ele não vê como o homem vê. Se a luz é boa, é porque Ele é a fonte da luz, de quem nós a recebemos, e a quem devemos todo o louvor por ela e por todos os serviços que fazemos através dela! 4. Que Deus separou a luz das trevas, colocando-as de forma a não se juntarem, ou serem conciliadas. Porque, que comunhão há da luz com as trevas?, 2 Coríntios 6.14. Contudo, Ele di­vidiu o tempo entre elas, o dia para a luz e a noite para as trevas, em uma sucessão constante e regular de cada uma delas. Embora as trevas estivessem agora dissipadas pela luz, elas não foram condenadas a um banimento peipétuo, mas se revezam com a luz, e têm o seu lugar, porque têm a sua utilidade. Porque, assim como a luz da manhã trata das coisas do dia, as sombras do anoitecer tratam do repouso da noite, e puxam as cortinas sobre nós, para que possamos dormir melhor. Veja Jó 7.2. Deus desse modo dividiu o tem­po entre a luz e as trevas, porque Ele diariamente nos faria lembrar que este é um mundo de misturas, alternâncias e mudanças. No céu há luz perfeita e perpétua, e não há tre­vas. Porém, no inferno, existe uma escuridão absoluta. Ali não há sequer um raio de luz. Naquele mundo, entre o céu e o inferno há um grande abismo fixado. Mas, neste mun­do, eles se alternam, e passamos diariamente de um para o outro, para que possamos aprender a esperar igualmente as vicissitudes na providência de Deus. Paz e transtorno, alegria e tristeza, e para que possamos colocar um contra o outro, nos acomodando às nossas atitudes tanto na luz como nas trevas, dando boas-vindas a ambas, e tirando o máximo proveito de ambas. 5. Que Deus as dividiu uma da outra por nomes distintos: A luz Ele chamou dia, e as trevas, chamou noite. Ele lhes deu nomes, como Senhor de ambas. Porque o dia lhe pertence, e a noite também, Salmos 74.16. Ele é o Senhor do tempo, e assim será, até que o dia e a noite cheguem a um fim, e o rio do tempo seja tragado pelo oceano da eternidade. Reconheçamos a Deus na sucessão constante de dia e noite, e consagremos ambos para a sua honra, trabalhando para Ele todos os dias e descansando nele todas as noites, e meditando em sua lei de dia e de noite. 6. Que esta foi a obra do primei­ro dia, e foi um bom dia de trabalho. A tarde e a manhã foram o primeiro dia. A escuridão da noite veio antes da luz da manhã, para realçá-la, e enfeitá-la, e fazê-la brilhar com maior intensidade. Este não só foi o primeiro dia do mundo, mas o primeiro dia da semana, Eu observo isto para a honra deste dia, porque o novo mundo começou também no primeiro dia da semana, na ressurreição de Cristo, como a luz do mundo, de manhã cedo. Nele, o dia que veio do alto visitou o mundo. E seremos felizes, feli­zes para sempre, se aquela estrela da manhã nascer nos nossos corações.

A Criaçãow. 6-8

Temos aqui um relato da obra do segundo dia, a criação do firmamento, no qual observe: 1. A ordem de Deus a esse respeito: Haja um firmamento, uma ex­tensão. Este é o significado da palavra grega, como um

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o GÊNESIS 1 w. 9-13lençol esticado, ou uma cortina puxada. Isto inclui tudo o que é visível acima da terra, entre ela e o terceiro céu: o ar, as regiões superiores, do meio, e inferiores do globo celeste, e todas as esferas e órbitas da luz aci­ma. O alcance é tão alto quanto o lugar onde as estrelas estão fixadas, porque aqui é chamado de firmamento do céu (w. 14,15), e tão baixo quando o lugar onde as aves voam, porque também é chamado de firmamento do céu, v. 20. Quando Deus fez a luz, designou o ar para ser o receptáculo e veículo de seus raios, e para ser um meio de comunicação entre o mundo invisível e o visível. Porque, embora entre o céu e a terra haja uma distância inconcebível, não há um abismo intransponível, como há entre o céu e o inferno. Este firmamento não é uma parede de divisão, mas um meio de comunicação. Veja Jó 26.7; 37.18; Salmos 104.3 e Amós 9.6. 2. A sua cria­ção. Para que não parecesse que Deus tivesse apenas ordenado que fosse feito, e que outra pessoa a fizesse, ele acrescenta: E Deus fez o firmamento. O que Deus exige de nós, Ele mesmo opera em nós. Caso contrário, nada é feito. Aquele que ordena a fé, a santidade e o amor, cria-os pelo poder da sua graça que acompanha a sua palavra, de forma que Ele possa te r todo o louvor. Senhor, dá-nos aquilo que tu ordenaste, e então ordeneo que te agrade. E dito que o firmamento é a obra dos dedos de Deus, Salmos 8.3. Embora a vastidão de sua extensão declare que é a obra do seu braço estendido, a admirável excelência de sua constituição mostra que ela é uma curiosa obra de arte, a obra de seus dedos. 3.O uso e projeto de se dividir as águas das águas, isto é, distinguir entre as águas que ficam envoltas nas nuvens e aquelas que cobrem o mar, as águas no ar e aquelas na terra. Veja a diferença entre estas duas águas que são cuidadosamente observadas, Deuteronômio 11.10,11, onde Canaã é relatada aqui em preferência ao Egito. O Egito foi umedecido e tornado frutífero com as águas que estão debaixo do firmamento, sim, o orvalho do céu, que não espera pelos filhos dos homens, Miquéias5.7. Deus tem, no firmamento do seu poder, câmaras ou depósitos de onde Ele molha a terra, Salmos 104.13;65.9,10. Ele também possui tesouros, ou depósitos de neve e granizo, os quais Ele tem reservado para os dias de batalhas e guerras, Jó 38.22,23. OH! Que grande Deus é aquele que assim tem suprido para o conforto de todos aqueles que o servem, e para a confusão de todos aqueles que o odeiam! E bom tê-lo como amigo, porém e terrível tê-lo como inimigo. 4. A atribuição de nomes. Ele chamou o firmamento de céu. Este é o céu visível, o pavimento da cidade santa; é dito que Deus tem o seu trono acima do firmamento (Ez 1.26), porque Ele o preparou nos céus. Por esta razão foi dito que os céus dominam, Daniel 4.26. Não está Deus nas alturas do céu?, Jó 22.12. Sim, Ele está, e devemos ser levados pela contemplação dos céus que estão à nossa vista para que consideremos o Pai que está no céu. A altura dos céus deve nos fazer lembrar da supremacia de Deus e da distância infinita que há entre nós e Ele. O brilho dos céus e a sua pureza devem nos fazer lembrar de sua glória, majestade, e perfeita santidade. A vastidão dos céus, a abrangência da terra, e a influência que eles têm sobre ela, devem nos fazer lembrar de sua imensidão e providência universal.

A Criaçãow. 9-13

A obra do terceiro dia é narrada nestes versículos sobre a formação do mar e da terra seca, e da formação da terra frutífera. Até este ponto o poder do Criador foi exercido e empregado na parte superior do mundo vi­sível. A luz do céu foi acesa, e o firmamento do céu foi fixado. Mas agora Ele desce para o seu mundo inferior, a terra, que foi criada para os filhos dos homens, criado tanto para a sua habitação como para a sua manutenção. E aqui temos um relato da preparação dela para ambos os propósitos, e da edificação de sua casa e da colocação de sua mesa. Observe:

I Como a te rra foi preparada para ser uma habita­ção para o homem, juntando as águas, e fazendo

surgir a terra seca. Desse modo, em vez da confusão que havia (v. 2) quando a te rra e a água estavam mis­turadas em uma única grande massa, eis, agora, que há ordem, tornando-as úteis por esta separação. Deus disse: Que assim seja. E assim foi. Dito e feito. 1. As águas que haviam coberto a te rra receberam a ordem de recuar, e se jun tar em um único lugar, ou seja, na­queles espaços que eram adequados e foram designa­dos para sua recepção e repouso. As águas então afas­tadas, então recolhidas, e então alojadas em seu lugar próprio, Ele chamou mares. Embora eles sejam mui­tos, em regiões distantes, e banhando várias praias, seja na superfície ou no subterrâneo, há uma comu­nicação entre uns e outros, e assim são um só, e o re ­ceptáculo comum das águas, para o qual todos os rios fluem, Eclesiastes 1.7. As águas e os mares freqüente­mente, na escritura, significam dificuldades e aflições, Salmos 42.7; 69.2,14,15. O próprio povo de Deus não está isento destas coisas neste mundo. Mas o seu con­forto é que elas são apenas águas que estão debaixo do céu (não há estas coisas no céu), e que todas elas estão no lugar que Deus designou. E assim, elas devem ficar dentro dos limites que o Senhor estabeleceu para elas. Como as águas foram reunidas no princípio, e como elas ainda permanecem limitadas pelo mesmo Poder que as confinou em primeiro lugar, elas são descritas de um modo elegante, Salmos 104.6-9, e são ali mencionadas como um motivo de louvor. Aqueles que descem ao mar em navios deveriam reconhecer diariamente a sabedo­ria, o poder e a bondade do Criador, ao fazer as grandes águas úteis para o homem para o comércio. E aqueles que permanecem em casa devem se considerar devedo­res Àquele que mantém o mar com bloqueios, e portas no lugar decretado. E segura as suas ondas orgulhosas, Jó 38.10,11. 2. A terra seca surgiu e emergiu das águas, e foi chamada terra, e entregue aos filhos dos homens. Alguns entendem que parece que a terra já existia an­tes, mas não tinha utilidade, porque estava submersa. Assim, muitos dos dons de Deus são recebidos em vão, porque estão enterrados. Faça-os aparecer, e eles se tornarão úteis. Nós que, até hoje, desfrutamos o bene­fício da terra seca (embora, desde que foi inundada uma vez e então seca outra vez) devemos nos considerar in­quilinos e dependentes de Deus, pois as Suas mãos for­maram a terra seca, Salmos 95.5; Jonas 1.9.

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w. 14-19 GÊNESIS 1 6

n Como a terra foi suprida e adequada para a manu­tenção e sustento do homem, w. 11,12. Uma provi­

são presente foi feita agora pelos produtos imediatos da terra que, em obediência à ordem de Deus, foram feitos no mesmo instante em que se tornou frutífera, e gerou erva para o gado e para servir ao homem. Uma provisão foi feita igualmente para o tempo futuro, pela perpetuação de diversos tipos de vegetais, que são numerosos, varia­dos, e todos curiosos, e cada um tendo a sua semente em si conforme o seu tipo. Durante a continuidade do homem sobre a terra, os alimentos devem ser tirados da terra para o seu uso e benefício. Senhor, o que é o homem, para que seja assim visitado e considerado com tal cuidado, e feita tal provisão para o sustento e a preservação daquelas vidas culpadas e ofensivas que sem dúvida perderam os seus direitos! Observe aqui: 1. Que não é só a terra que é do Senhor, mas também a sua plenitude, e que Ele é o proprietário de direito e o distribuidor soberano, não só disto, mas de tudo o que a compõe. A terra era vazia (v. 2), mas, agora, pelo poder da Palavra, tornou-se repleta das riquezas de Deus e elas são suas. Seu grão e seu mos­to, sua lã e seu linho, Oséias 2.9. Embora o uso de tudo isto nos seja permitido, a propriedade permanece sendo dele, e tudo deve ser usado para o seu serviço e honra. 2. Que a providência comum é uma criação continua, e nela o nosso Pai trabalha até agora. A terra ainda per­manece sob a eficácia de sua ordem, para gerar a erva do campo e os seus produtos anuais. E embora - de acordo com o curso comum da natureza - estes não sejam mi­lagres regulares, são, porém, casos constantes do poder incansável e da bondade incessante do grande Criador e Senhor do mundo. 3. Que embora Deus regularmente faça uso da instrumentalidade de causas secundárias, de acordo com a natureza delas, Ele não precisa delas nem está preso a elas. Porque, embora os frutos preciosos da terra sejam geralmente produzidos pela influência do sol e da lua (Dt 33.14), aqui encontramos a terra possuindo uma grande abundância de frutos, provavelmente frutos maduros, antes que o sol e a lua fossem criados. 4. Que é bom provermos as coisas necessárias antes de termos a oportunidade de usá-las. Antes que os animais e o homem fossem feitos, havia aqui a erva do campo preparada para eles. Deus assim lidou com o homem de forma sábia e bon­dosa. Que o homem não seja, portanto, tolo e insensato consigo mesmo. 5. Que Deus deve ter a glória de todo o beneficio que recebemos dos produtos da terra, seja como alimento ou remédio. E Ele que ouve os céus quando eles ouvem a terra, Oséias 2.21,22. E se tivermos, através da graça, um interesse Naquele que é a fonte, poderemos nos alegrar nele quando as correntes se secarem e a figueira não florescer.

A Criaçãow. 14-19

Esta é a história da obra do quarto dia, a criação do sol, da lua e das estrelas, que são aqui explicados, não como eles são em si mesmos e em sua própria natureza, para satisfazer os curiosos, mas como são em relação a esta terra, ao qual servem como luminares. E isto é sufi­ciente para nos dar motivos de louvor e ações de graças.

O livro de Jó menciona isto como um exemplo do glorioso poder de Deus, que pelo seu precioso Espírito adornou os céus (Jó 26.13). E aqui temos um relato deste orna­mento que não é somente a beleza do mundo exterior, mas da bênção deste mundo inferior. Porque embora o céu seja elevado, ele tem respeito por esta terra. E, por­tanto, deve receber respeito dela. Da criação dos lumina­res do céu temos um relato:

I Geral, w. 14,15, onde temos: 1. A ordem dada com re­lação a eles: Haja luminares no firmamento do céu.

Deus havia dito, Haja luz (v. 3), e houve luz. Mas esta era um caos de luz, pois era dispersa e confusa. Mas agora estava reunida e modelada, e transformada em vários lu­minares, e assim passou a ser mais gloriosa e útil. Deus é o Deus de ordem, e não de confusão. E, como Ele é luz, então Ele é o Pai e o formador dos luminares. Estes lumi­nares deveriam estar no firmamento do céu, aquela vasta expansão que engloba a terra, e é visível a todos. Porque nenhum homem, quando acende uma candeia, a coloca de­baixo da cama, mas no velador (Lc S.16). E o firmamento do céu é um majestoso velador de ouro, a partir do qual estas candeias dão luz a todos os que estão na casa. Fala- se do firmamento em si como tendo um brilho próprio (Dn 12.3), mas isto não era suficiente para dar luz à terra. E talvez por esta razão não se fale expressamente da obra do segundo dia, no qual o firmamento foi feito, e que foi bom, porque, até ser adornado com estes luminares no quarto dia, este não tinha se tornado útil para o homem.2. A utilidade que lhes fora designada para esta terra. (1) Eles devem ser para a distinção dos tempos, de dia e noite, verão e inverno, que são intercambiáveis pelo movimento do sol que ao nascer faz o dia e, ao se pôr, faz a noite, cuja aproximação em direção ao nosso trópico faz o verão, e o seu recuo faz o inverno. E assim, há tempo para todo o propósito debaixo do sol, Eclesiastes 3.1. (2) Eles devem ser para a orientação das ações. Eles são para os sinais da mudança do tempo, para que o lavrador possa ordenar os seus assuntos com discernimento, prevendo, pela face do céu, quando as causas secundárias começam a trabalhar, se o tempo será bom ou ruim, Mateus 16.2,3. Eles também dão luz sobre a terra, para que possamos andar (Jo 11.9) e trabalhar (Jo 9.4), de acordo com o dever que cada dia exi­ge. Os luminares do céu não brilham para si mesmos, nem para o mundo dos espíritos acima, que não precisam deles. Mas eles brilham para nós, para o nosso prazer e benefí­cio. Senhor, o que é o homem, para que seja assim conside­rado! Salmos 8.3,4. Como somos ingratos e inescusáveis, sabendo que Deus colocou estes luminares para que por meio deles pudéssemos trabalhar, dormíssemos, brincás­semos, ou desperdiçássemos o tempo em que poderíamos estar desenvolvendo alguma atividade, e até mesmo negli­genciássemos a grande obra para a qual fomos enviados ao mundo! Os luminares do céu são feitos para nos servir, e eles o fazem fielmente, e brilham em sua estação, sem falhar. Mas nós somos colocados como luminares neste mundo para servir a Deus. Mas será que correspondemos da mesma maneira à finalidade para a qual fomos criados? Não, não o fazemos, a nossa luz não brilha diante de Deus como seus luminares brilham diante de nós, Mateus 5.14. Queimamos as candeias do nosso Mestre, mas não nos im­portamos com a obra do nosso Mestre.

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7 GÊNESIS 1 w. 20-23Particular, w. 16-18.1. Observe que os luminares do céu são o sol, a lua

e as estrelas. E todos eles são obra das mãos de Deus.(1) O sol é o maior de todos os luminares, mais de um milhão de vezes maior do que a terra, e o mais glorioso e útil de todos os luminares do céu, um exemplo extra­ordinário da sabedoria, poder e bondade do Criador, e uma bênção valiosa para as criaturas deste mundo in­ferior. Aprendamos com o Salmo 19.1-6 como devemos dar a Deus a glória devida ao seu precioso nome, como o Criador do sol. (2) A lua é um luminar menor, contudo é aqui considerado um dos maiores luminares, porque embora em relação à sua magnitude e luz emprestada seja inferior a muitas das estrelas, pela virtude de sua função, como governante da noite, e em respeito à sua utilidade para a terra, ela é mais excelente que as estre­las. Estas são muito valiosas por serem muito úteis. E são os maiores luminares. Não que tenham os melhores dons, mas porque humildemente fazem o melhor com eles. Todo aquele que quiser, entre vós, fazer-se grande, que seja vosso serviçal, Mateus 20.26. (3) Ele também fez as estrelas, que são aqui mencionadas como parecem aos olhos vulgares, sem distinguir entre os planetas e as estrelas fixas, ou explicar o seu número, natureza, lugar, magnitude, movimentos, ou influências. Porque as escrituras foram escritas, não para satisfazer a nossa curiosidade e tornar-nos astrônomos, mas para nos levar a Deus, e nos tornar santos. Agora é dito que estes lu­minares governam (w. 16,18). Não que elas tenham um domínio supremo, como tem Deus, mas elas governam sujeitas ao Senhor. Aqui se diz que o luminar menor, a lua, governa a noite. Mas no Salmo 136.9 as estrelas são mencionadas como participantes deste governo. A lua e as estrelas para presidirem a noite. Nenhum outro pro­pósito é apresentado além de dar luz, Jeremias 31.35. O modo melhor e mais honrado de governar é dando luz e fazendo o bem. Estes astros merecem respeito por vive­rem uma vida útil, brilhando como luminares.

2. Aprendemos com tudo isto: (1) O pecado e a lou­cura da antiga idolatria, a adoração ao sol, à lua e às es­trelas, que, alguns pensam, surgiu, ou pelo menos parece que surgiu, de algumas tradições rompidas na era pa­triarcal a respeito do governo e domínio dos luminares do céu. Mas o relato dado aqui a respeito deles mostra claramente que são tanto criaturas de Deus quanto ser­vos do homem. Portanto, é uma grande afronta a Deus e uma atividade grandemente reprovável fazer deles di­vindades e dar-lhes honras divinas. Veja Deuteronômio4.19. (2) O dever e a sabedoria de adorar diariamente ao Senhor Deus que fez todas estas coisas, e as fez para que sejam para nós aquilo que elas são. As rotações do dia e da noite nos obrigam a oferecer sacrifícios solenes de oração e louvor a cada manhã e a cada anoitecer.

A Criaçãow. 20-23

A cada dia, até agora, foram produzidos seres muito preciosos e excelentes, os quais nunca podemos admi­rar suficientemente. Mas não lemos sobre a criação de qualquer criatura vivente até o quinto dia, do qual estes

versículos nos dão um relato. A obra da criação não só prosseguiu gradualmente de uma coisa para outra, mas surgiu e avançou gradualmente daquilo que era menos excelente para aquilo que era mais excelente, nos en­sinando a avançar na direção da perfeição e do esforço para que as nossas últimas obras possam ser as melho­res obras. Foi no quinto dia que os peixes e as aves foram criadas, e ambos a partir das águas. Embora haja um só tipo de carne dos peixes, e um outro das aves, elas foram feitas juntas, e ambas a partir das águas. Porqueo poder da primeira causa pode produzir efeitos muito diferentes das mesmas causas secundárias. Observe: 1. A formação dos peixes e das aves, no princípio, w. 20,21. Deus ordenou que eles fossem produzidos. O Senhor dis­se: Que as águas produzam em abundância. Não como se as águas tivessem qualquer poder produtivo em si, mas: “Que as águas produzam seres, peixes nas águas e aves fora delas”. Esta ordem Ele mesmo executou: Deus criou grandes baleias, etc. Insetos, que talvez se­jam tão variados e numerosos quanto qualquer espécie de animais, e a estrutura deles, curiosamente, fizeram parte da obra deste dia, alguns deles sendo associados aos peixes e outros às aves. O Sr. Boyle (eu me lembro) diz que ele admira a sabedoria e o pode do Criador tan­to em uma formiga como em um elefante. Nota-se aqui vários tipos de peixes e aves, cada um com a sua espécie, e o grande número de ambos que foram produzidos, por­que as águas produziram em abundância. E se menciona particularmente as grandes baleias, o maior dos seres aquáticos, cuja corpulência e força, que excedem a de qualquer outro animal, são provas notáveis do poder e da grandeza do Criador. A expressa observação que se faz da baleia, acima de todos os demais, parece suficien­te para determinar de que animal se trata o Leviatã, Jó 41.1. A formação curiosa dos corpos dos animais, seus ta­manhos, formas e naturezas diferentes, com os poderes admiráveis da rida sensível com a qual eles são revesti­dos, quando devidamente considerados, servem, não só para calar e envergonhar as objeções dos ateus e infiéis, mas para elevar os pensamentos e louvores de Deus nas almas piedosas e devotas, Salmos 104.25ss. 2. A bênção deles, em benefício de sua continuidade. A vida pode ser mal utilizada, desperdiçada e até mesmo perdida. A sua força não é a mesma força das pedras. Ela é como uma vela que se acabará, se não for primeiramente apagada. Portanto, o sábio Criador não só fez os indivíduos, mas supriu tudo o que era necessário para a propagação de várias espécies. Deus os abençoou, dizendo, Frutificai, e multiplicai-vos, v. 22. Deus abençoará as suas próprias obras, e não as abandonará. E aquilo que Ele faz dura­rá perpetuamente, Eclesiastes 3.14. O poder da provi­dência de Deus preserva todas as coisas, assim como o seu poder criador as produziu no início. A fertilidade éo efeito da bênção de Deus e deve ser atribuída a ela. A multiplicação dos peixes e das aves, de ano a ano, ainda é fruto desta bênção. Bem, vamos dar a Deus a glória que lhe é devida pela continuidade destas criaturas até hoje, pois ela visa o benefício do homem. Veja Jó 12.7,9. E uma pena que recreações de pesca e caça, inocentes em si, sejam abusadas fazendo com que as pessoas se afastem de Deus e de suas obrigações. Mas é possível aperfeiçoá- las de forma que sejamos levados à contemplação da sa­

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w. 24,25 GÊNESIS 1bedoria, do poder, e da bondade Daquele que fez todas estas coisas, levando-nos a temer ao Senhor, assim como os peixes e as aves se sentem em relação a nós.

A Criaçãow. 24,25

Temos aqui a primeira parte da obra do sexto dia. O mar foi, no dia anterior, cheio com os seus peixes, e o ar com as suas aves. E neste dia foram feitas as bestas-feras da terra, o gado, e os répteis que pertencem à terra. Aqui, como antes: 1. O Senhor proferiu a sua Palavra. Ele dis­se, Produza a terra, não como se a terra tivesse alguma virtude prolífica para produzir estes animais, ou como se Deus entregasse o seu poder criador a ela. Mas: “Produza a terra alma vivente conforme a sua espécie, de acordo com o projeto que foi estabelecido nos conselhos divinos a respeito de sua criação.” 2. Ele também fez a obra. E os fez a todos conforme a sua espécie, não só de diversas formas, mas de diversas naturezas, maneiras, alimenta­ção e aspectos. Alguns para serem domesticados ao redor da casa, outros para serem selvagens nos campos. Alguns vivendo da erva do campo, outros da carne. Alguns ino­fensivos, outros venenosos. Alguns corajosos, e outros tímidos. Alguns para o serviço do homem, e não para o seu sustento, como o cavalo. Outros para o seu sustento, e não para o seu serviço, como as ovelhas. Outros para as duas coisas, como o boi, e outros para nenhuma das duas, como os animais selvagens. Em tudo isto se manifesta a multiforme sabedoria do Criador.

A Criaçãow. 26-28

Temos aqui a segunda parte da obra do sexto dia, a criação do homem, o que somos, de um modo especial, interessados em observar, para que possamos conhecer a nós mesmos. Observe:

I Que o homem foi a última de todas as criaturas a ser feita, para que não pudesse sei' suspeito de ter, de

alguma forma, ajudado Deus na criação do mundo. Há uma pergunta que deve ser sempre humilhante e mor­tificante para o homem: Onde estavas tu - ou qualquer da tua espécie - quando eu fundava a terra?, Jó 88.4. No entanto, foi tanto uma honra como um favor ao homem ter sido feito por último. Uma honra, porque o método da criação era avançar a partir daquilo que era o menos perfeito para aquilo que era o mais perfeito. E um favor, porque não seria adequado que o homem fosse alojado no palácio criado para ele, até que tudo estivesse com­pletamente preparado para a sua recepção. O homem, tão logo foi feito, teve toda a criação visível diante de si, tanto para contemplar como para ter o conforto. O ho­mem foi feito no mesmo dia que os animais foram feitos, porque o seu corpo foi feito da mesma terra que o deles. E enquanto ele estiver no corpo, habitará na mesma ter­ra com eles. Que Deus nos guarde de que na busca da satisfação da carne e das suas concupiscências venhamos a nos tornar como os animais que perecem!

IX Que a criação do homem foi mais extraordinária A e um ato mais imediato da sabedoria e do poder divino do que a criação das outras criaturas. A narra­tiva deste fato é apresentada com solenidade, trazendo

uma distinção visível dos demais. Até este momento, havia sido dito: “Haja luz”, e: “Haja uma expansão”, e: “Produza a terra, ou as águas” tais coisas. Mas agora a palavra de ordem se transforma em uma palavra de con­selho: “Façamos o homem, por causa de quem todas as criaturas foram feitas. Esta é uma obra que devemos to­mar em nossas próprias mãos”. No início, o Senhor fala como alguém que tem autoridade. Neste ponto, Ele fala como alguém que tem afeição. Porque as suas delícias estavam com os filhos dos homens, Provérbios 8.31. Tudo indica que esta era a obra que Ele mais almejava. Era como se o Senhor tivesse dito: “Tendo finalmente esta­belecido as preliminares, vamos nos ocupar agora com o fundamental. Façamos o homem”. 0 homem deveria ser uma criatura diferente de todas aquelas que haviam sido feitas até aquele momento. Carne e espírito, céu e terra, devem ser reunidos nele, e ele deve associar-se a ambos os mundos. Portanto, o próprio Deus não só se incum­biu de fazê-lo, mas teve prazer em se expressar como se convocasse um conselho para considerar a formação do homem: Façamos o homem. As três pessoas da Trinda­de, Pai, Filho e Espírito Santo, deliberam sobre isso e concordam com isso, porque o homem, quando foi feito, deveria ser dedicado e consagrado ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Neste grandioso nome somos, com bom motivo, batizados, pois a este grandioso nome devemos a nossa existência. Que o homem seja sempre governado por aquele que disse: Façamos o homem.T T T Que o homem foi feito à imagem e semelhan-

L 1 ça de Deus, duas palavras para expressar a mesma coisa, tornando-as mais expressivas. Imagem e semelhança denotam a imagem mais parecida, a se­melhança mais próxima de qualquer das criaturas visí­veis. 0 homem não foi feito à semelhança de nenhuma criatura que veio antes dele, mas à semelhança de seu Criador. Ainda que entre Deus e o homem haja uma dis­tância infinita. Cristo é a imagem expressa da pessoa de Deus Pai, como o Filho de seu Pai, tendo a mesma natureza, E apenas um pouco da honra de Deus que é colocada sobre o homem, que é a imagem de Deus apenas como a sombra no vidro, ou a estampa do rei sobre uma moeda. A imagem de Deus sobre o homem consiste nestas três coisas: 1. Em sua natureza e cons­tituição, que não se referem ao seu corpo (porque Deus não possui um corpo), mas à sua alma. Há uma honra que Deus certamente colocou sobre o corpo do homem, o fato do Verbo te r se feito carne, o Filho de Deus ter se vestido com um corpo igual ao nosso, e em breve nos dará um corpo que terá uma glória semelhante à dele. E isto podemos seguramente dizer: Que aquele por quem Deus fez os mundos, não só o grande mundo, mas o homem que é o pequeno mundo, formou o corpo hu­mano, no princípio, de acordo com o projeto que criou para si mesmo na plenitude dos tempos. Mas é a alma, a grande alma do homem, que traz em si, de uma forma especial, a imagem de Deus. A alma é um ser espiritual, um ser inteligente e imortal, um ser influente e ativo,

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9 GÊNESIS 1 w. 29,30que lembra Deus, o Pai dos espíritos, e a Alma do mun­do. O espírito do homem é a candeia do Senhor. A alma do homem, considerada em suas três nobres faculdades- entendimento, vontade e poder ativo -, talvez seja o espelho mais brilhante e mais claro em termos de natu­reza, através do qual possamos ver a Deus. 2. Em seu lugar e autoridade: Façamos o homem à nossa imagem, e que ele domine. Como ele tem o governo das criatu­ras inferiores, ele é, por assim dizer, o representante de Deus, ou o vice-rei, sobre a terra. Como as demais criaturas não são capazes de temer e servil’ a Deus, portanto, Deus fez com que temessem e servissem ao homem. No entanto, o governo que o homem tem sobre si mesmo, através da liberdade de sua vontade, tem em si mais da imagem de Deus do que o governo que de­sempenha sobre as outras criaturas. 3. Em sua pureza e retidão. A imagem de Deus sobre o homem consiste no conhecimento, na justiça e na verdadeira santidade, Efésios 4.24; Colossenses 3.10. Ele era reto, Eclesias- tes 7.29. Ele tinha uma conformidade habitual de todos os seus poderes naturais com toda a vontade de Deus. Seu entendimento viu as coisas divinas claramente e verdadeiramente, e não havia erros nem enganos em seu conhecimento. A sua vontade agiu prontamente e universalmente de acordo com a vontade de Deus, sem relutância ou resistência. Seus sentimentos eram todos regulares, e não tinha apetites ou paixões desor­denadas. Seus pensamentos eram facilmente trazidos e fixados nos melhores assuntos, e não havia vaidade nem falta de controle neles. Todos os poderes inferiores estavam sujeitos aos preceitos e orientações dos pode­res superiores, sem qualquer motim ou rebelião. Assim santos, e assim felizes eram os nossos primeiros pais, que traziam em si mesmos a imagem do precioso Deus. E esta honra, colocada sobre o homem no princípio, é um bom motivo da razão pela qual não devemos falar mal uns dos outros (Tg 3.9), nem fazer mal uns aos ou­tros (cap. 9.6), e um bom motivo da razão pela qual não devemos nos rebaixar a serviço do pecado, e também da razão pela qual devemos nos dedicar ao serviço de Deus. Mas, como estás caído, ó filho da alva! Como esta imagem de Deus sobre o homem está deformada! Quão pouco é o que resta dela, e quão grande é a sua ruína! Porém o Senhor a renova sobre as nossas almas através da sua graça santificadora!

Que o ser humano foi feito macho e fêmea, e abençoado com a bênção da fertilidade e do

crescimento. Deus disse, Façamos o homem, e imediata­mente se segue, E criou Deus o homem. Ele executou o que havia decidido. Conosco, dizer e fazer são duas coi­sas diferentes. Mas não é assim com Deus. Ele os criou, macho e fêmea, Adão e Eva, Adão primeiro, e Eva de sua costela, cap. 2. Parece que das demais criaturas Deus fez muitos casais, mas do homem Ele não fez um? (Ml 2.15).O Senhor tinha o seu precioso Espírito em ação e, dele, Cristo traz um argumento contra o divórcio, Mateus 19.4,5. Nosso primeiro pai, Adão, estava limitado a uma mulher. E, se a tivesse despedido, não haveria outra com quem pudesse se casar, o que claramente sugere que os laços do casamento não deveriam sei' dissolvidos pelo bei prazer dos cônjuges. Os anjos não foram feitos ma­

cho e fêmea, porque não deveriam propagar a sua espécie (Lc 20.34-36). Mas o homem foi feito assim, para que a natureza pudesse ser propagada e a raça humana tivesse a sua continuidade. Fogos e candeias, os luminares deste mundo inferior, muitas vezes têm o poder de causar a igni­ção uns dos outros porque eles se enfraquecem e acabam. Mas não é assim com os luminares do céu: as estrelas não acendem outras estrelas. Deus fez apenas um macho e uma fêmea, para que todas as nações dos homens pu­dessem saber que eles mesmos foram feitos de um único sangue, descendentes de uma origem comum, e pudessem assim ser levados a amar uns aos outros. Deus, tendo-os feito capazes de transmitir a natureza que haviam rece­bido, lhes disse, Frutificai, e multiplicai-vos, e povoai a terra. Aqui, o bondoso Senhor lhes deu: 1. Uma grande herança: Povoai a terra; é isto que é outorgado aos filhos dos homens. Eles foram feitos para habitar sobre a face de toda a terra, Atos 17.26. Este é o lugar em que Deus estabeleceu o homem para sei' o servo da sua providência no governo das criaturas inferiores, e, por assim dizer, a inteligência deste mundo. Ser o destinatário da abundân­cia de Deus, da qual outras criaturas vivem dependentes, mas não sabem disso. Ser igualmente o coletor de seus louvores neste mundo inferior, e pagá-los ao tesouro de cima (SI 145.10). E, finalmente, ser um noviço para um estado melhor. 2. Uma família numerosa e permanente, para desfrutar desta herança, pronunciando uma bênção sobre eles, em virtude do que a sua posteridade deve se estender aos cantos extremos da terra e continuar até o período extremo de tempo. A fertilidade e o crescimento dependem da bênção de Deus: Obede-Edom tinha oito fi­lhos, porque Deus o abençoou, 1 Crônicas 26.5. É devido a esta bênção, que Deus ordenou no princípio, que a raça humana ainda existe. E assim, uma geração passa e outra vem a seguir.

V Que Deus deu ao homem, quando o fez, um domínio sobre as criaturas inferiores, sobre os peixes do mar

e sobre as aves do céu. Embora o homem não supra as ne­cessidades de nenhum deles, ele tem poder sobre ambos, quanto mais sobre todo ser vivente que se move sobre a terra. Estes estão sob os seus cuidados, e dentro de seu alcance. Deus planejou, com isso, colocar honra sobre o homem, para que ele pudesse se achar o mais fortemente obrigado a trazer honra ao seu Criador. Este domínio está muito diminuído, e perdido, em virtude da queda. Porém, a providência de Deus continua para aos filhos dos homens tanto quanto é necessário para a segurança e sustento de suas vidas, e a graça de Deus tem dado aos santos um tí­tulo novo e melhor para a criatura do que aquele que foi penalizado pelo pecado. Porque tudo será nosso se formos de Cristo, 1 Coríntios 3.22.

A Criaçãow. 29,30

Temos aqui a terceira parte da obra do sexto dia, o que não foi nenhuma criação nova, mas uma provisão misericordiosa de mantimento a toda a carne, Salmos 136.2-5. Aquele que fez o homem e os animais assim cui­dou de preservar a ambos, Salmos 36.6. Aqui temos:

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v. 31 GÊNESIS 1 10

10 alimento dado ao homem, v. 29. A erva e os frutos devem ser o seu mantimento, incluindo o grão e todos

os produtos da terra. Estas coisas lhe foram concedidas, mas (parece) não a carne, até depois do dilúvio, cap. 9.3. - E antes da terra ser inundada pelo dilúvio, muito antes de ser amaldiçoada por causa do homem, seus frutos, sem dúvida, eram mais agradáveis ao paladar e mais for- tificadores e nutritivos para o coi-po do que o tutano e a gordura, e toda porção da comida do rei, são agora. Veja aqui: 1. Aquilo que deve tornar-nos humildes. Assim como fomos feitos da terra, somos sustentados por ela. Uma vez certamente os homens comeram da comida dos an­jos, pão do céu. Mas eles morreram (Jo 6.49). Aquele era para eles apenas o alimento da terra, Salmos 104.14. Há alimento que dura para a vida eterna. E o Senhor sempre no-lo concede. 2. Aquilo que deve nos tornar agradecidos. O Senhor é para o corpo. Dele recebemos todo o susten­to e os confortos desta vida, e a Ele devemos dar graças, constantemente. Ele nos dá todas as coisas para que delas possamos desfrutar ricamente, não só para suprir as ne­cessidades, mas fartura de guloseimas e de variedades, para ornamento e deleite. Como estamos em dívida para com o Senhor! Como devemos ser cuidadosos - à medida que vivemos da generosidade de Deus - para vivermos para a sua glória! 3. Aquilo que deve nos tornar modera­dos e satisfeitos com a nossa porção. Embora Adão tenha recebido o domínio sobre os peixes e as aves, Deus o limi­tou, em seu alimento, às ervas e aos frutos. E ele nunca reclamou disso. Embora ele tenha depois cobiçado o fruto proibido, por causa da sabedoria e do conhecimento que desejou para si, nunca lemos que ele tenha cobiçado a car­ne proibida. Tendo consciência de que Deus dá o alimento para a nossa vida, não façamos como os murmuradores de Israel, que pediram o alimento para a sua própria concu­piscência, Salmos 78.18. Veja Daniel 1.15.

n Alimento dado aos animais, v. 30. Deus cuida dos bois? Sim, certamente, Ele dá o alimento conve­

niente para eles, e não só para os bois, que eram usados em seus sacrifícios e a serviço do homem, mas até mesmo os jovens leões e corvos são cuidados pela sua providên­cia. Eles pedem e recebem cle Deus o seu alimento. Vamos dar a Deus a glória que lhe é devida por sua generosidade para com as criaturas inferiores, pois todos são alimenta­dos, como sempre foram, em sua mesa, todos os dias. Ele é um grande pai de família, muito rico e generoso, que satisfaz o desejo de cada ser vivente. Que isto encorajeo povo de Deus a lançar o seu cuidado sobre Ele, e que nenhum seja solícito a respeito do que comerá e beberá. Aquele que supriu as necessidades de Adão sem que ele se desse conta, e ainda supre as necessidades de todas as criaturas sem que elas se dêem conta, não deixará que aqueles que confiam nele tenham falta de alguma coisa boa, Mateus 6.26. Aquele que alimenta as suas aves, não deixará que os seus filhotes morram de fome.

A Criaçãov. 31

Temos aqui a aprovação e a conclusão de toda a obra da criação. Para Deus, a sua obra é perfeita. E se Ele a

começa, também trará um fim, em providência e graça, como aqui na criação. Observe:

I A revisão que Deus fez de sua obra: Ele viu todas as coisas que havia feito. Ele ainda faz assim. Todas as obras de suas mãos estão sob o seu olhar. Aquele que fez tudo, vê tudo. Aquele que nos fez, nos vê, Salmos 139.1-

16. A onisciência não pode ser separada da onipotência. Conhecidas de Deus são todas as suas obras, Atos 15.18. Mas este era o reflexo solene da Mente Eterna sobre as cópias da sua própria sabedoria e dos produtos de seu próprio poder. Deus aqui nos deu um exemplo para que possamos revisar os nossos trabalhos. Tendo nos dado um poder de reflexão, Ele espera que usemos este po­der, vejamos o nosso caminho (Jr 2.23), e pensemos nisto, Salmos 119.59. Quando terminamos um dia de trabalho, e estamos entrando no descanso da noite, devemos ter uma comunhão com os nossos próprios corações pensan­do sobre o que fizemos naquele dia. Assim, da mesma forma, quando terminamos um trabalho de uma sema­na, e estamos entrando no descanso do sábado, devemos então nos preparar para nos encontrarmos com o nosso Deus. E quando estivermos terminando o trabalho da nossa vida, e entrarmos no nosso descanso na sepultura, este é um tempo para trazer tudo à lembrança, para que possamos morrer em meio ao arrependimento, partindo da terra para o céu.

n A satisfação que Deus teve em relação à sua obra. Quando chegamos a revisar os nossos trabalhos descobrimos, para a nossa vergonha, que boa parte foi feita muito mal. Mas, quando Deus revisou a sua obra, tudo foi muito bom. Ele não disse que estava bom até

que a visse assim, para nos ensinar a não respondermos a respeito de algo antes de ouvirmos. A obra da criação foi uma obra muito boa. Tudo o que Deus fez foi bem feito, e não houve nenhuma imperfeição nem defeito.1. E ra bom. Bom, porque tudo estava de acordo com o pensamento do Criador, exatamente como Ele queria que fosse. Quando a transcrição veio a ser comparada com o grande original, achou-se exata, sem errata nela, nenhum traço fora do lugar. Bom, porque correspondia à finalidade de sua criação, e é adequado para o propósito para o qual foi criado. Bom, porque era útil ao homem, a quem Deus havia designado senhor da criação visível. Bom, porque tudo é para a glória de Deus. Esta avalia­ção está presente em toda a criação visível, a qual é uma demonstração da existência e da perfeição de Deus, e que tende a gerar, na alma do homem, um respeito religioso pelo Senhor, e uma veneração a Ele. 2. E ra muito bom. Da obra de cada dia (exceto o segundo) é dito que era bom. Mas agora, era muito bom. Porque: (1) Agora o homem estava feito, aquele que era o principal dos meios de Deus, que foi designado para ser a imagem visível da glória do Criador e a boca da criação em seus louvores. (2) Agora tudo estava feito. Todas as partes eram boas, mas tudo reunido era muito bom. A glória e a bondade, a beleza e a harmonia das obras de Deus, tanto da providência como da graça, como estas da criação, se manifestarão melhor quando forem aperfeiçoadas. Quando a primeira pedra for trazida com aclamações: Graça, graça a ela, Zacarias4.7. Portanto, não julgue nada antes do tempo.

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11 GÊNESIS 2 w. 1-3

m O tempo em que esta obra foi concluída: Foi a tarde e a manhã o dia sexto. Assim então em seis

dias Deus fez o mundo. Não podemos deixar de pensar que Deus poderia ter feito o mundo em um instante. Ele disse: Haja luz, e houve luz. Ele poderia ter dito: “Haja um mundo”, e teria havido um mundo, em um instante, em um piscar de olhos, como na ressurreição, 1 Coríntios 15.52. Mas o Senhor o fez em seis dias, para que pudesse se reve­lar como um agente livre, fazendo a sua própria obra tanto do seu próprio modo com em seu próprio tempo, para que a sua sabedoria, o seu poder e a sua bondade pudessem ser revelados a nós, e serem meditados por nós, o mais distintamente, e também para que Ele pudesse nos dar um exemplo de trabalhar seis dias e descansar no sétimo. Portanto, assim temos o motivo do quarto mandamento. O dia de repouso contribuiria tanto para manter a religião no mundo, que Deus lhe deu atenção no momento de sua criação. E agora, assim como Deus revisou sua obra, revi­semos nossas meditações a respeito dela, e descobriremos que são muito imperfeitas e defeituosas, e que nossos lou­vores são frágeis e insípidos. Movamo-nos, portanto, com tudo o que está dentro de nós, para adorar aquele que fez o céu, a terra, o mar, e as fontes de águas, de acordo com o teor do Evangelho eterno, que é anunciado a todas as nações, Apocalipse 14.6,7. Todas as suas obras, em todos os lugares de seu domínio, o bendigam. Portanto, bendize ao Senhor, ó minha alma!

C a p í t u l o 2Este capítulo é um apêndice à história da criação, explicando e detalhando mais particularmente aquela parte da história que está mais intima­mente relacionada com o homem, o favorito des­te mundo inferior. Nele, temos: I. A instituição e santificação do dia de repouso, que foi criado para o homem, para promover a sua santidade e o seu conforto, w. 1-3. II. Uma narrativa mais particular da criação do homem, como o centro e a síntese de toda a obra, w . 1-7. III. Uma des­crição do jardim do Éden, e a colocação do ho­mem nele, sob as obrigações de uma lei e de um concerto, w. 8-17. IV A criação da mulher, o seu casamento com o homem e a instituição da orde­nança do casamento, v. 18ss.

A Criaçãow. 1-3

Aqui temos:1" O estabelecimento' do reino da natureza, com Deus Á descansando da obra da criação, w. 1,2. Observe aqui: 1. As criaturas feitas tanto no céu quanto na terra são os seus exércitos, o que denota que são numero­sas, porém organizadas, disciplinadas e subordinadas. Como é grande a sua soma! E todas conhecem o seu lugar, e permanecem nele. Deus as usa como seus exér­citos para a defesa do seu povo e a destruição dos seus

inimigos. Pois Ele é o Senhor dos exércitos, de todos es­tes exércitos. Daniel 4.35. 2. Os céus e a te rra são obras acabadas, e também o são todas as criaturas que neles estão. Tão perfeita é a obra de Deus, que “nada se lhe deve acrescentar e nada se lhe deve tira r”, Eclesiastes3.14. Deus, que começou a construir, mostrou-se capaz de concluir. 3. Terminados os primeiros seis dias, Deus concluiu toda a obra da criação. Ele tinha concluído a sua obra de tal maneira, que embora, na sua providên­cia, Ele trabalhe até agora (Jo 5.17), preservando e go­vernando todas as criaturas, e, em particular, forman­do o espírito do homem nele, ainda assim Ele não cria nenhuma nova espécie de criaturas. Nos milagres, Ele controlava e dominava a natureza, mas nunca modificou o seu curso determinado, nem recusou ou acrescentou nada ao que tinha sido estabelecido. 4. O Deus eterno, embora infinitamente feliz no usufruto de si mesmo, ainda ficou satisfeito com a obra das suas próprias mãos. Ele não descansou como alguém cansado, mas como alguém satisfeito com os exemplos da sua própria bondade e as manifestações da sua própria glória.

n O início do reino da graça, na santificação do sábado, v. 3. Deus descansou neste dia, e teve complacência nas suas criaturas, e então o santifi­cou, e nos indicou, naquele dia, que descansássemos e tivéssemos uma complacência no Criador. E o seu

descanso, no quarto mandamento, se torna uma razão para o nosso, depois de seis dias de trabalho. Observe que: 1. A solene observância de um dia, em sete, como sendo um dia de descanso sagrado e trabalho sagrado, para a honra de Deus, é o dever indispensável de todos aqueles a quem Deus revelou o seu santo dia de repou­so. 2. O caminho da santificação pelo sábado é o bom caminho antigo, Jerem ias 6.16. Os sábados são tão an­tigos quanto o mundo. E eu não vejo motivo para du­vidar que o sábado, tendo sido instituído na inocência, fosse religiosamente observado pelo povo de Deus, durante toda a época dos patriarcas. 3. O sábado do Senhor é verdadeiramente honorável, e temos razão para honrá-lo, honrá-lo por causa da sua antigüidade, o seu grande Autor, a santificação do primeiro sábado pelo próprio santo Deus, e pelos nossos primeiros pais em inocência, em obediência a Ele. 4. O dia de repouso é um dia abençoado, pois Deus o abençoou, e aquilo que Ele abençoa é verdadeiramente abençoado. Deus colocou honra sobre ele, e nos recomendou que desfru­tássemos este dia, e prometeu, neste dia, encontrar- nos e abençoar-nos. -5. O dia de repouso é um dia santo, pois Deus o santificou. Ele o separou e distinguiu dos demais dias da semana, e o consagrou e o separou para si mesmo, para o seu serviço e para a sua honra. Em­bora normalmente se aceite que o sábado cristão que nós observamos, considerado desde a criação, não é o sétimo, mas o primeiro dia da semana, ainda assim, sendo um sétimo dia, nele celebramos o descanso de Deus Filho, e a conclusão da obra da nossa redenção. Podemos e devemos crer nesta instituição original do sábado, e comemorar a obra da criação, para a honra do grande Criador, que, portanto, é digno de receber, em tal dia, adoração, e honra, e louvor, de todas as as­sembléias religiosas.

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w. 4-7 GÊNESIS 2 12A Criação

w. 4-7Nestes versículos:

T Há um nome atribuído ao Criador, com que ainda X não nos deparamos, que é Jeová - o SENHOR, em letras maiúsculas, que são constantemente usadas na nossa tradução em português, para indicar que no ori­ginal está escrito Jeová. Durante todo o primeiro capí­tulo, Ele foi chamado E b h im - um Deus de poder. Mas agora, Jeová Elohivi - um Deus de poder e perfeição, um Deus que conclui. Da mesma maneira como o vemos conhecido pelo seu nome Jeová, quando apareceu para realizar o que tinha prometido (Êx 6.3), também agora o vemos conhecido por este nome, quando concluía o que tinha iniciado. Jeová é aquele grande e incomunicável nome de Deus, que indica que Ele existe de si mesmo, e Ele dá existência a todas as coisas; é adequado, portanto, que Ele seja chamado por este nome, agora que os céus e a terra estão acabados.

n Faz-se outra observação acerca da produção de plantas e ervas, porque elas foram criadas e indi­

cadas para serem o alimento do homem, w. 5,6. Observe aqui: 1. A terra não produziu frutos por ela mesma. Gra­ças a alguma virtude inata, mas, puramente por causa do poder todo-poderoso de Deus, que formou toda planta e toda erva, antes que crescessem na terra. Assim tam­bém a graça na alma, esta planta de renome, não cresce por si própria no solo da natureza, mas é obra das mãos de Deus. 2. A chuva também é um dom de Deus. Ela não veio, até que o Senhor Deus fez chover. Se faltar chuva, é Deus que a retém. Se a chuva vem abundantemente na sua estação, é Deus que a envia. Se ela vem de uma maneira diferente, é Deus que faz chover sobre uma cidade e sobre outra cidade não, Arnós 4.7. 3. Embora Deus, normalmente, trabalhe segundo métodos, Ele não está limitado a eles, mas quando deseja, Ele pode fazer o seu próprio trabalho sem eles. Assim como as plantas foram criadas antes que o sol fosse criado, também esta­vam ali, antes que houvesse chuva para molhar a terra, ou homem para lavrá-la. Portanto, embora não devamos tentar a Deus na negligência dos métodos, devemos con­fiar em Deus, na falta de métodos. 4. De uma maneira ou de outra, Deus irá cuidar de regar as plantas que são da sua própria plantação. Embora ainda não houvesse chuva, Deus criou um vapor equivalente a uma chuva, e com ele regou toda a face da terra. Assim Ele escolheu cumprir o seu objetivo, pelos métodos mais fracos, para que a excelência do poder pudesse ser de Deus. A graça divina desce como um vapor, ou um orvalho silencioso, e rega a igreja sem ruído, Deuteronômio 32.2.

Uma narrativa mais particular da criação do homem, v. 7. O homem é um pequeno mundo,

que consiste de céu e terra, alma e corpo. Aqui temos uma narrativa da origem de ambos, e de como foram unidos: devemos considerar isto seriamente, e dizer, para louvor do nosso Criador: De um modo terrível e tão maravilhoso fui formado, Salmos 139.14. Eliú, na época dos patriarcas, se refere a esta história quando diz (Jó

33.6): “Do lodo... eu fui formado”, e (v. 4): “A inspiração do Todo-Poderoso me deu vida", e ainda (32.8): “Há um espírito no homem”. Observe, então:

1. A origem humilde, e apesar disto, a curiosa estru­tura do corpo do homem. (1) A matéria era desprezível. Ele foi criado do pó da terra, uma coisa muito improvável da qual criar um homem. Mas o mesmo poder infinito que criou o mundo do nada, criou o homem, a sua obra prima, a partir de quase nada. Ele foi criado do pó, da po­ema, como a que há na superfície da terra. Provavelmen­te, não pó seco, mas pó umedecido com o vapor que su­bia, v. 6. Ele não foi criado de pó de ouro, de pó de pérola, nem de pó de diamante, mas de pó comum, pó da terra. Aqui está escrito que ele é terreno, choikos - empoei­rado, 1 Coríntios 15.47. E nós também somos terrenos, pois somos a sua descendência, e temos o mesmo molde. Tão próxima é a afinidade que existe entre a terra e os nossos pais terrenos, que o útero da nossa mãe, de onde nascemos, é chamado de terra (SI 139.15), e a terra, na qual devemos ser sepultados, é chamada de ventre da nossa mãe, Jó 1.21. Nosso fundamento está no pó, Jó4.19. O material de que somos formados é terreno, e o seu molde é como o de um vaso terreno, Jó 10.9. Nosso alimento procede da terra, Jó 28.5. A nossa familiaridade está com a terra, Jó 17.14. Nossos pais estão na terra, e a nossa própria tendência final é caminhar rumo a ela. E, então, o que temos em nós mesmos de que podería­mos nos orgulhar? (2) Ainda assim o Criador é grande, e a fabricação, magnífica. O Senhor Deus, a grande fonte de existência e poder, formou o homem. Sobre as outras criaturas, está escrito que foram criadas e feitas. Mas sobre o homem, é dito que foi formado, o que denota um processo gradual na obra, com grande precisão e exati­dão. Para expressar a criação desta coisa nova, Ele toma uma nova palavra, uma palavra (opinam alguns) tomada emprestada da criação do oleiro do seu vaso, na roda. Pois nós somos o barro, e Deus, o nosso oleiro, Isaías 64.8. O corpo do homem é formado de maneira curiosa, Salmos 139.15,16. Materiam superabat opus - A obra é muito superior ao material. Apresentemos nossos corpos a Deus como sacrifícios vivos (Rm 12.1), como templos vivos (1 Co 6.19), e então estes corpos abatidos serão, em breve, transformados, para serem conforme o corpo glorioso de Cristo, Filipenses 3.21.

2. A origem elevada e a admirável utilidade da alma do homem. (1) Ela surge do sopro de Deus, e por ele é produzida. Ela não foi criada da terra, como o corpo; é uma pena, então, que ela deva apegar-se à terra e pre­ocupar-se com coisas terrenas. Ela veio diretamente de Deus. Ele a deu, para que fosse colocada no corpo (Ec 12.7), da mesma maneira como Ele posteriormen­te deu as tábuas de pedra da sua própria escrita para que fossem colocadas na arca, e o Urim da sua própria concepção, para ser colocado no peitoral. Com isto, Deus

-não somente é o formador, mas o “Pai dos espíritos”. Que a alma que Deus soprou em nós, viva para Ele. E que esta alma seja para Ele, uma vez que ela é dele. Em suas mãos entreguemos o nosso espírito, pois das suas mãos o recebemos. (2) Ela se hospeda em uma casa de barro, e é a sua vida e o seu sustento. É por causa dela, queo homem é uma alma vivente, isto é, um homem vivo. Pois a alma é o homem. O corpo seria uma carcaça sem

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13 GÊNESIS 2 w. 8-15valor, inútil e abominável, se a alma não o animasse. A Deus, que nos deu esta alma, deveremos, em pouco tem­po, prestar contas dela, como a empregamos, a usamos, e como dispusemos dela. E se então for descoberto que nós a perdemos, principalmente para ganhar o mundo, estaremos perdidos para sempre. Uma vez que a origem da alma é tão nobre, e a sua natureza e suas faculdades são tão excelentes, não sejamos como aqueles tolos que menosprezam a própria alma, preferindo os seus corpos a elas, Provérbios 15.32. Quando o nosso Senhor Jesus untou com lodo (ou barro) os olhos do cego, talvez qui­sesse dizer que foi Ele que, no início, formou o homem a partir do barro. E quando Ele soprou nos seus discí­pulos, dizendo, Recebei o Espírito Santo, Ele indicava que tinha sido Ele que primeiro soprou nos narizes dos homens o fôlego da rida. Aquele que criou a alma é o único que pode renová-la.

O Jardim do Édenw. 8-15

Como o homem consiste de corpo e alma, um corpo criado da terra e uma alma racional e imortal soprada pelo céu, temos, nestes versículos, a provisão que foi fei­ta para a felicidade de ambos. Aquele que o criou tomou o cuidado necessário para fazê-lo feliz. A condição era que o homem tivesse se conservado assim, e sabido o quando era próspero. Esta parte do seu ser através da qual ele se relaciona com o mundo dos sentidos estava feliz. Pois ele foi colocado no paraíso de Deus. A parte através da qual ele se relacionava com o mundo dos espíritos estava bem provida. Pois ele foi levado a uma aliança com Deus. Senhor, o que é o homem, para que possa ser dignificado desta maneira, o homem que é um verme! Aqui, temos:

I Uma descrição do jardim do Éden, que pretendia ser a mansão e o domínio deste grande Senhor, o palácio

deste príncipe. O escritor inspirado, nesta história, es­crevendo em primeiro lugar para os judeus, e calculando a sua narrativa para a fase inicial da igreja, descreve as coisas de acordo com a sua aparência perceptível exte­rior, e nos leva, por meio de revelações adicionais da luz divina, ao entendimento dos mistérios escondidos nelas. As coisas espirituais são alimentos fortes, que eles ainda não podem suportar. Mas ele escreve como a carnais, 1 Coríntios 3.1. Por isto ele não insiste muito na felicida­de da mente de Adão como na do seu estado exterior. A história mosaica, assim como a lei mosaica, prefere as figuras das coisas celestiais, às coisas celestiais propria­mente ditas, Hebreus 9.23. Observe:

1. O lugar indicado para a residência de Adão era um jardim. Não uma casa de marfim, nem um palácio reves­tido com ouro, mas um jardim, mobiliado e enfeitado pela natureza, não por arte. Quão pouca razão têm os homens de se orgulhar de construções pomposas e magníficas, quando a felicidade do homem em inocência consistia no fato de que ele não precisava de nada disto! Assim como as roupas surgiram com o pecado, também as ca­sas. O céu era o telhado da casa de Adão, e nunca houve nenhum telhado tão revestido e pintado de maneira tão curiosa. A terra era o seu piso, e nunca houve nenhum

piso tão ricamente decorado. A sombra das árvores era o seu refúgio. Debaixo delas, estavam a sua sala de jantar, os seus quartos, e nunca houve ambientes tão agradavel­mente atapetados como estes: os de Salomão, em toda a sua glória, não tinham a aparência destes. Quanto mais nós conseguirmos nos adaptar às coisas simples, e quan­to menos nos permitirmos os prazeres artificiais, que foram inventados para gratificar o orgulho e a luxúria do homem, mais próximos estaremos de um estado de inocência. A natureza se satisfaz com pouco e com o que é mais natural. Já a graça, se satisfaz com menos. Mas a luxúria não se satisfaz com nada.

2. A idealização e a mobília deste jardim eram o fruto imediato da obra da sabedoria e do podei' de Deus. O Se­nhor Deus plantou este jardim, isto é, Ele o tinha plan­tado no terceiro dia, quando foram criados os frutos da terra. Podemos supor que aquele era o lugar mais perfei­to para o prazer e o deleite que o sol jamais viu, quando o Deus auto-suficiente designou que fosse a felicidade atual da sua amada criatura, o homem em inocência, e um tipo e uma figura da felicidade dos escolhidos res­tantes em glória. Nenhum prazer pode ser agradável, ou satisfatório para uma alma, exceto aqueles que o próprio Deus proveu e reservou para ela. Nenhum paraíso ver­dadeiro, exceto aquele plantado por Deus. A luz do nosso próprio fogo, e as faíscas dos nossos próprios gravetos, em breve nos deixarão no escuro, Isaías 50.11. Toda a terra agora era um paraíso, comparado com aquilo em que ela se tornou depois da queda, e depois do dilúvio. Os jardins mais finos do mundo são um deserto, compa­rados com aquilo que toda a face da terra era, antes de ser amaldiçoada por causa do homem. Mas isto não era suficiente. Deus plantou um jardim para Adão. Os esco­lhidos de Deus terão para si favores que os distinguirão.

3. A condição deste jardim era extremamente doce. Ele estava no Éden, que quer dizer deleite e prazer. O lu­gar aqui é particularmente descrito com tais marcas e li­mites que seriam suficientes, eu imagino, quando Moisés escreveu, para especificar o lugar àqueles que conheciam aquela região. Mas agora, aparentemente, os curiosos não conseguem contentar-se a este respeito. Deve ser a nossa preocupação assegurar um lugar no paraíso celes­tial, e então não precisaremos nos desconcertar com a procura do lugar do paraíso terrestre. É certo que, onde quer que ele estivesse, ele tinha todas as conveniências desejáveis, e (como nunca foi nenhuma casa nem jardim na terra), sem nenhum inconveniente. Este jardim era bonito, a alegria e a glória de toda a terra: sem dúvida, era a terra na sua mais elevada perfeição.

4. As árvores que foram plantadas neste jardim. (1) Ele tinha todas as melhores e mais selecionadas árvores, em comum com o resto da terra. E ra maravilhoso e ador­nado com cada árvore que, pela sua altura ou largura, pela sua espécie ou cor, pelas suas folhas ou flores, era agradável à vista e encantava os olhos. Estava cheio e enriquecido com cada árvore que produzia frutos agra­dáveis ao paladar, e úteis ao corpo, desta maneira, boa para comida. Deus, sendo um Pai terno, não procurou somente o benefício de Adão, mas também o seu prazer. Pois existe um prazer coerente com a inocência, ou me­lhor, existe um prazer verdadeiro e transcendente na inocência. Deus se alegra na prosperidade dos seus ser­

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w. 8-15 GÊNESIS 2 14vos, e deseja que eles se sintam tranqüilos. Se estiverem intranqüilos, será devido a eles mesmos. Quando a Pro­vidência nos coloca em um Éden de abundância e prazer, nós devemos servi-lo com alegria e júbilo no coração, na abundância das boas coisas que Ele nos dá. Mas: (2) Ha­via nele duas árvores extraordinárias, e peculiares a ele. Em toda a terra, não havia semelhantes a elas. [1] Havia a árvore da vida, no meio do jardim, que não era tanto uma recordação, ao homem, da fonte e do autor da sua vida, nem, talvez, nenhum meio natural para preservar ou prolongar a vida. Mas ela pretendia, principalmente, ser um sinal e um selo a Adão, assegurando-lhe a conti­nuidade da vida e da felicidade, até mesmo à imortalida­de e ao fôlego eterno, por meio da graça e do favor do seu Criador, com a condição da sua perseverança neste estado de inocência e obediência. Dela, ele podia comer e vivei’. Cristo agora é, para nós, a árvore da vida (Ap 2.7; 22.2), e o pão da vida, João 6.48,53. [2] Havia a árvore da ciência do bem e do mal, assim chamada, não porque ti­vesse qualquer virtude nela, de conceder ou aumentar al­gum conhecimento útil (certamente, se este fosse o caso, ela não teria sido proibida), mas, em primeiro lugar, por­que havia uma revelação expressa e positiva da vontade de Deus, a respeito desta árvore, de modo que por ela se pudesse conhecer o bem e o mal moral. O que é bom? E Bom não comer desta árvore. O que é mal? E mal comer desta árvore. A distinção entre todos os demais bens e males morais estava escrita no coração do homem, pela natureza. Mas esta, que resultava de um mandamento positivo, estava escrita nesta árvore. Em segundo lugar, porque, no final, ela provou dar a Adão um conhecimento experimental do bem, ao perdê-lo, e do mal, ao experi­mentá-lo. Assim como no concerto da graça temos, não somente: “Quem crer, será salvo”, mas temos também: “Quem não crer será condenado" (Mc 16.16), também o concerto da inocência traz as suas responsabilidades: “Faça isto e viva”, o que estava selado e confirmado pela árvore da vida, mas: “Fracasse, e morra”, algo de que Adão teve certeza devido a esta outra árvore: “Toque nela, por sua própria conta”. Deste modo, através destas duas árvores, Deus colocou diante de Adão o bem e o mal, a bênção e a maldição, Deuteronômio 30.19. Estas duas árvores eram como dois sacramentos.

5. Os rios com os quais este jardim era regado, w. 10-14. Estes quatro rios (ou um único rio com quatro afluentes) contribuíam muito, tanto para torrar o jardim agradável como para a sua produtividade. A terra de Sodoma é descrita como sendo bem regada, assim comoo jardim do Senhor, cap. 13.10. Observe que aquilo que Deus planta, Ele cuidará para que seja regado. As árvo­res da justiça estão junto aos rios, Salmos 1.3. No paraí­so celestial existe um rio infinitamente superior a estes. Pois é o rio da água da vida, que não sai do Éden, como estes, mas que procede do trono de Deus e do Cordei­ro (Ap 22.1), um rio que alegra a cidade do nosso Deus, Salmos 46.4. Hidéquel e Eufrates são rios da Babilônia, coisa que lemos em outras passagens. Junto a estes rios, os judeus cativos se sentaram e choraram, lembrando-se de Sião (SI 137.1). Mas eu acredito que eles tinham muito mais motivo para chorar (e também nós) com a lembran­ça do Éden. O paraíso de Adão era a sua prisão. Foi esta a obra miserável do pecado. Sobre a te rra de Havilá está

escrito (v. 12): “o ouro dessa terra é bom. Ali há o bdélio e a pedra sardónica” - certamente isto é mencionado para que a riqueza da qual a terra de Havilá se vangloriava pudesse parecer como folheada, comparada com aquela que era a glória da terra do Éden. Havilá tinha ouro, e especiarias e pedras preciosas. Mas o Éden tinha aquilo que era infinitamente melhor, a árvore da vida e a comu­nhão com Deus. Da mesma maneira podemos dizer, dos africanos e indianos: “Eles têm o ouro, mas nós temos o Evangelho. O ouro da sua terra é bom, mas as riquezas da nossa são infinitamente melhores”.

IT A colocação do homem neste paraíso de deleites, JL v. 15, onde observe:

1. Como Deus o colocou de posse deste paraíso: E to­mou o Senhor Deus o homem e o pôs no jardim do Éden. Também w. 8,15. Observe aqui: (1) O homem foi criado fora do paraíso. Pois, depois que Deus o tinha formado, o colocou no jardim. Ele foi criado de terra comum, não de pó do paraíso. Ele viveu fora do Éden antes de viver nele, para que pudesse ver que todos os consolos da sua condição no paraíso eram devidos à graça livre de Deus. Ele não podia alegar um direito de arrendatário do ja r­dim, pois não tinha nascido segundo as premissas, nem tinha algo além daquilo que havia recebido. Toda a van­glória estava, conseqüentemente, excluída para sempre. (2) Aquele que era o autor da sua existência era o autor da sua felicidade. A mesma mão que lhe criou uma alma viva, plantou para ele a árvore da vida, e o colocou junto dela. Aquele que nos criou - e somente Ele - é capaz de nos fazer felizes. Aquele que é o formador dos nossos corpos, e o Pai dos nossos espíritos, Ele, e ninguém, além dele, pode, efetivamente, prover o necessário para a feli­cidade de ambos. (3) É um grande acréscimo ao consolo de qualquer condição, se tivermos visto Deus indo clara­mente adiante de nós, e colocando-nos nesta condição. Se não tivermos forçado a providência, mas se a tivermos seguido, e aceito as indicações que ela nos tiver dado, po­demos esperar encontrar um paraíso onde, de outra ma­neira, não poderíamos tê-lo esperado. Veja Salmos 47.4.

2. Como Deus lhe deu ocupação e afazeres. Ele o colo­cou ah, não como o leviatã nas águas, para folgar ali, mas para lavrar e guardar o jardim. O próprio paraíso não era um lugar para dispensa do trabalho. Observe aqui: (1) Ne­nhum de nós foi enviado ao mundo para estar ocioso. Aque­le que criou a nossa alma e o nosso corpo nos deu alguma coisa em que podemos trabalhar. E aquele que nos deu esta terra para nossa morada criou alguma coisa na qual podemos trabalhar. Se uma origem elevada, ou uma gran­de propriedade, ou um grande domínio, ou uma inocência perfeita, ou uma capacidade para a pura contemplação, ou uma família pequena, pudessem dar a um homem o direito de não se esforçai', Adão não teria sido colocado para tra­balhar. Mas aquele que nos deu a existência nos deu uma ou mais ocupações, para que possamos servir tanto a Ele como à nossa geração, e para que trabalhemos pela nossa salvação. Se não nos preocuparmos com os nossos inte­resses, seremos indignos da nossa existência e do nosso sustento. (2) As atividades seculares podem ser coerentes com um estado de inocência e uma vida de comunhão com Deus. Os filhos e herdeiros do céu, enquanto estão aqui neste mundo, têm alguma coisa para fazer nesta terra,

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15 GÊNESIS 2 w. 16,17que deve ocupar parte do seu tempo e dos seus pensa­mentos. E, se realizarem as suas tarefas tendo Deus como objetivo, estarão servindo-o tão verdadeiramente quanto quando estão de joelhos. (3) A ocupação de lavrador é uma ocupação antiga e honrosa. E era necessária, mesmo no paraíso. O jardim do Éden, embora não tivesse a neces­sidade de ter ervas daninhas extirpadas (pois espinhos e cardos ainda não eram um aborrecimento), ainda assim precisava ser lavrado e guardado. A natureza, mesmo na sua condição primitiva, dava espaço para as melhorias da arte e do esforço. Era uma ocupação apropriada para o estado de inocência, provendo para a vida, não para a lu­xúria, e dando ao homem uma oportunidade de admirar o Criador e de reconhecer a sua providência: enquanto as suas mãos estavam às voltas com as Suas árvores, o seu coração poderia estar com o seu Deus. (4) Existe um pra­zer verdadeiro na tarefa para a qual Deus nos convoca, e na qual nos emprega. O trabalho de Adão estava muito longe de ser pequeno ou insignificante, porém poderia ser considerado como parte dos prazeres do paraíso. Ele não poderia ser feliz se tivesse estado ocioso. Há uma lei que ainda está em vigor: “Se alguém não quiser trabalhar, não coma também”, 2 Tessalonicenses 3.10; Provérbios 27.23.

m A ordem que Deus deu ao homem em inocência, e o concerto ao qual o conduziu. Até aqui, vimos

Deus como o poderoso Criador do homem, e seu Benfei­tor generoso. Agora Ele aparece como seu Governante e Legislador. Deus o colocou no jardim do Éden, não para viver ali como pudesse desejar, mas para estar sujeito a regras. Assim como não temos permissão de estarmos ociosos neste mundo, sem fazer nada, também não temos permissão de ser voluntariosos, e fazer o que desejarmos. Depois de ter dado ao homem o domínio sobre as criatu­ras, Deus daria a conhecer ao homem que, apesar disto, ele mesmo estava sob o governo do seu Criador.

A Árvore do Conhecimento É Proibidaw. 16,17

Observe aqui:T A autoridade de Deus sobre o homem, como uma cria- X tura que tinha razão e liberdade de decisão. O Senhor Deus ordenava que o homem, que agora era uma pessoa pública, o pai e representante de toda a humanidade, re­cebesse a lei, assim como tinha recentemente recebido uma natureza, para si mesmo e para todos os seus. Deus ordenava a todas as criaturas, de acordo com a sua ca­pacidade. O curso definido da natureza é uma lei, Salmos 148.6; 104.9. As feras têm seus respectivos instintos maso homem foi criado capaz de desempenhar um serviço racional, e portanto recebeu, não somente as ordens de um Criador, mas as ordens de um Príncipe e um Mestre. Embora Adão fosse um homem grandioso, um homem muito bom e um homem muito feliz, ainda assim o Senhor Deus lhe deu ordens. E o mandamento não representou nenhum menosprezo à sua grandeza, nem reprovação à sua bondade, nem alguma diminuição - de alguma forma- à sua felicidade. Devemos reconhecer o direito que Deus tem de nos governar, e de que nossas próprias obrigações

sejam governadas por Ele. E nunca permitir que nenhu­ma vontade própria nossa entre em contradição ou em competição com a santa vontade de Deus.

n A declaração particular desta autoridade, ao pres­crever ao homem o que ele deveria fazer, e em que termos deveria estar com o seu Criador. Aqui temos:

1. Uma confirmação da sua atual liberdade, com a concessão. “De toda árvore do jardim comerás livremen­te”. Isto era não somente uma concessão de liberdade a ele, de tomar os deliciosos frutos do paraíso como re­compensa pelos seus cuidados e esforços para lavrá-lo e guardá-lo (1 Co 9.7,10), mas, além disto, uma garantia de vida para ele, vida imortal, desde que houvesse a sua obediência. Pois, estando a árvore da vida colocada no meio do jardim (v. 9), como o seu coração e a sua alma, Deus a visava particularmente com esta concessão. E, por isto, quando, depois da sua rebelião, esta concessão é cancelada, não se sabe de nenhuma outra árvore do jardim sendo proibida a ele, exceto a árvore da vida (cap.3.22), da qual está escrito que ele poderia ter comido e vivido eternamente, isto é, nunca te r morrido, nem per­dido jamais a sua felicidade. “Permaneça santo como você é, em conformidade com a vontade do seu Criador, e permanecerá feliz como é, desfrutando do favor do seu Criador, seja neste paraíso ou em outro melhor”. Assim, mediante a condição da obediência pessoal perfeita e perpétua, Adão teria assegurado o paraíso a si mesmo e aos seus herdeiros, para sempre.

2. Um teste à sua obediência, com a dor da perda de toda a sua felicidade: Mas da outra árvore, que está mui­to próxima à árvore da vida (pois está escrito que ambas estão no meio do jardim), e que é chamada de árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás. Porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás. Como se Ele tivesse dito: “Saiba, Adão, que agora você depende do seu próprio bom comportamento, você foi colocado no paraíso em teste. Seja submisso, seja obediente, e viverá para sempre. Caso contrário, você será tão infeliz como agora é feliz”. Aqui:

(1) Adão é ameaçado com a morte, em caso de deso­bediência: “Certamente morrerás” - o que denota uma sentença segura e terrível, da mesma forma como, na primeira parte deste concerto, “Comerás” indica uma concessão livre e plena. Observe que: [1] Até mesmo Adão, em inocência, foi intimidado com uma ameaça. O medo é um dos instrumentos da alma, pelo qual ela é dominada e controlada. Se até ele, então, precisou desta barreira, muito mais precisamos nós, agora. [2] A puni­ção contida na ameaça é a morte: “Morrerás”, isto é: A árvore da vida lhe será proibida, junto com todo o bem que ela representa, junto com toda a felicidade que você tem, seja em posses ou em expectativas. E você ficará sujeito à morte, e a todas as misérias que a antecipam e acompanham. [3] Isto foi ameaçado como a conseqüên­cia imediata do pecado: “No dia em que dela comeres, certamente morrerás”, isto é: “Você se tornará mortal, e passível de morrer. A concessão da imortalidade será revogada, e aquela defesa será removida de você. Você se tornará odioso até à morte, como um malfeitor conde­nado que está morto na lei” (Adão só recebeu um indulto porque deveria ser a raiz da humanidade). “Na verdade,

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w. 18-20 GÊNESIS 2 16os arautos e precursores da morte imediatamente o do­minarão, e a sua vida, a partir de então, será uma rida agonizante: e isto, certamente; é uma regra definida, pois: A alma que pecar, essa morrerá’”.

(2) Adão é tentado com um mandamento positivo: não comer o fruto da árvore da ciência. Agora, era muito adequado testar a sua obediência com um mandamento como este: [1] Porque a razão deste mandamento se ori­ginava puramente na vontade do Legislador. Adão tinha, na sua natureza, uma aversão àquilo que era mau por si só, e, portanto, ele só é tentado em algo que era mau porque era proibido. E, sendo uma questão pequena, era mais adequada para testar a sua obediência. [2] Porque esta restrição está colocada sobre os desejos da carne e da mente, que, na natureza corrupta do homem, são as duas grandes fontes de pecado. Esta proibição con­trolava tanto o seu apetite aos deleites sensoriais quan­to a sua ambição de conhecimento curioso, para que o seu corpo pudesse ser governado pela sua alma, e a sua alma, pelo seu Deus.

O homem tinha toda esta tranqüilidade e felicidade no estado de inocência, tendo tudo o que o coração pu­desse desejar para torná-lo tranqüilo e feliz. Como Deus foi bom para ele! Quantos favores Ele acumulou sobre ele! Como eram fáceis as regras que Ele lhe deu! Como era generoso o concerto que Ele fez com o homem! Ainda assim, o homem, uma criatura com honra, não compre­endeu os seus próprios interesses, mas logo se tornou como os animais que perecem.

Os Domínio de Adãow. 18-20

Aqui, temos:

I Um exemplo do cuidado do Criador pelo homem, e a sua preocupação paternal pelo seu conforto, v. 18.

Embora Deus lhe tivesse dado a conhecer que ele era um súdito, dando-lhe um mandamento (w. 16,17), aqui o Se­nhor também o faz saber, para seu encorajamento na sua obediência, que ele era um amigo, um favorito, e alguém por cuja satisfação o Senhor sentia ternura. Observe:

1. Como Deus graciosamente compadeceu-se da sua solidão: “Não é bom que o homem - este homem - este­ja só”. Embora houvesse um mundo superior de anjos, e um mundo inferior de animais, e o homem estivesse entre eles, ainda assim, não havendo ninguém da mes­ma natureza e nível de existência, ninguém com quem ele pudesse conviver familiarmente, ele podia ser ver- daden-amente considerado só. Mas aquele que o criouo conhecia, como também aquilo que era bom para ele, melhor do que o próprio Adão poderia conhecer, e dis­se, em outras palavras: “Não é bom que ele continue tão sozinho”. (1) Isto não é favorável ao seu conforto. Pois o homem é uma criatura sociável. É um prazer, para ele, trocar conhecimentos e afetos com aqueles semelhantes a ele, informar e ser informado, amar e ser amado. Aqui­lo que Deus diz aqui, sobre o primeiro homem, Salomão diz, sobre todos os homens (Ec 4.9ss.): Melhor é serem dois do que um, mas ai do que estiver só. Se houvesse somente um homem no mundo, que homem melancólico

ele deveria ter sido! A solidão perfeita transforma um paraíso em um deserto, e um palácio em uma masmorra. Portanto, são tolos aqueles que são egoístas e desejariam estar sozinhos na terra. (2) Isto não visa o aumento e a continuidade da sua espécie. Deus poderia ter criado um mundo de homens no início, para povoar a terra, assim como povoou o céu com um mundo de anjos. Mas o lugar poderia te r sido pequeno para que o número desejado de homens vivesse ali, todos juntos, ao mesmo tempo. Por isto, Deus julgou adequado alcançar este número por meio de uma sucessão de gerações, as quais, assim como Deus tinha formado o homem, deveriam vir de duas pes­soas, homem e mulher. Mas se Adão permanecesse sozi­nho, nada disto aconteceria.

2. Como Deus graciosamente decidiu providenciar uma companhia para Adão. O resultado desta avaliação a respeito do homem foi esta generosa resolução: “Far-lhe- ei uma adjutora”. Uma ajudante, como ele (alguns inter­pretam desta maneira), alguém da mesma natureza e do mesmo nível de existência. Uma ajudante, próxima dele (segundo outros), alguém que coabite com ele e que esteja sempre por perto. Uma ajudante à sua frente (segundo outros), alguém a quem ele olhe com prazer e deleite. Ob­serve, então, que: (1) Mesmo na nossa melhor condição neste mundo, temos necessidade da ajuda uns dos outros. Pois somos membros uns dos outros, e assim o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti, 1 Corintios 12.21. Nós devemos, portanto, ficar satisfeitos de receber ajuda de outros, e dar ajuda a outros, se houver oportuni­dade. (2) Somente Deus conhece perfeitamente as nossas necessidades, e é perfeitamente capaz de suprir todas elas, Filipenses 4.19. Somente nele está a nossa ajuda, e dele são todos aqueles que nos ajudam. (3) Uma esposa apropriada é uma adjutora, e é o Senhor que a concede a cada homem. O relacionamento, então, tem uma pro­babilidade maior de ser confortável quando a adequação orienta e determina a escolha, quando a ajuda mútua é um interesse constante, e quando todos os esforços possíveis são dedicados ao relacionamento conjugal, 1 Corintios 7.33,34. (4) Se a sociedade familiar estiver de acordo com a Palavra de Deus, ela será uma reparação suficiente para a tristeza da solidão. Aquele que tem o bom Deus, um bom coração, e uma boa esposa com a qual pode conviver, e ain­da assim reclama que ainda lhe falta alguém com quem possa conviver, não teria ficado tranqüilo e satisfeito no paraíso. Pois o próprio Adão não teve mais do que todas estas grandes bênçãos. Apesar disto, mesmo antes que Eva fosse criada, não lemos que ele tivesse reclamado por estar sozinho, porque Adão não estava sozinho. O Senhor estava com ele. Aqueles que estão mais satisfeitos com Deus e com o seu favor estão no melhor caminho, e na melhor condição de receber as boas coisas desta rida, e as terão asseguradas, enquanto a Infinita Sabedoria vir o bem em seus corações.

n Um exemplo da submissão das criaturas ao ho­mem, e o seu domínio sobre elas (w. 19,20): Deus trouxe a Adão todo animal do campo e toda ave dos céus

- ou por meio do ministério dos anjos, ou por um instinto especial, orientando-os para que viessem ao homem como seu senhor, ensinando desde cedo o boi a conhecer o seu possuidor. Assim Deus deu ao homem o uniforme e o se­

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17 GÊNESIS 2 w. 21-25nhorio da bela propriedade que lhe tinha concedido, e lhe concedeu o domínio sobre as criaturas. Deus as trouxe a ele, para que pudesse dar-lhes nomes, e, assim, dar: 1. Uma prova do seu conhecimento, como criatura dotada das faculdades da razão e da fala, e, assim, mais douta do que os animais da terra e mais sábia do que as aves dos céus, Jó 35.11. E: 2. Uma prova do seu poder. Atribuir nomes é um ato de autoridade (Dn 1.7), e recebê-los é um ato de submissão. As criaturas inferiores, agora, de certa maneira, prestam uma homenagem ao seu príncipe na sua posse, e juram lealdade e fidelidade a ele. Se Adão ti­vesse permanecido fiel ao seu Deus, podemos supor que as próprias criaturas teriam conhecido e recordado bem os nomes que Adão agora lhes atribuía, a ponto de aten­derem ao seu chamado, a qualquer momento, e atende­rem aos seus nomes. Deus deu nomes ao dia e à noite, ao firmamento, à terra e ao mar. E chamou as estrelas pelos seus nomes, para mostrar que Ele é o supremo Senhor delas. Mas Ele deu permissão a Adão para que nomeasse os animais e as aves, como seu senhor subordinado. Pois, tendo-o criado à sua própria imagem, Deus assim conce­deu a Adão um pouco da sua honra.

m Urn exemplo da insuficiência das criaturas, para ser a felicidade do homein: “Mas (entre

todos eles) para o homem não se achava adjutora que estivesse como diante dele”. Alguns opinam que estas foram as palavras do próprio Adão. Observando todas as criaturas comparecendo diante dele, aos pares, para re­ceberem seus nomes, assim ele indica o seu desejo ao seu Mestre: “Senhor, todos estes têm adjutoras. Mas o que farei? Aqui não há nenhuma para mim”. Mas, na verda­de, esta é a avaliação que Deus fez daquela revisão. Ele apresentou todas diante dele, para ver se haveria uma parceira adequada para Adão em alguma das inúmeras famílias das criaturas inferiores. Mas não havia nenhu­ma. Observe aqui: 1. A dignidade e a excelência da natu­reza humana. Na terra não havia semelhante a ela, nem se encontrava seu par entre todas as criaturas visíveis. Todas foram examinadas, mas o homem não era compa­tível a nenhuma delas. 2. A inutilidade deste mundo e das suas coisas. Junte-as todas, e não se consegue produzir uma adjutora para o homem. Elas não são adequadas à natureza da sua alma, nem suprem as suas necessida­des, nem satisfazem os seus justos desejos, nem acompa­nham a sua duração eterna. Deus cria uma pessoa nova para ser uma adjutora para o homem. E não apenas uma mulher, mas a semente da mulher.

A Formação de Eva. A Instituição do Casamentow. 21-25

Aqui temos:

I A criação da mulher, para ser uma adjutora para Adão. Isto foi feito no sexto dia, como também a co­locação de Adão no paraíso, embora aqui isto seja men­

cionado depois de uma explicação do descanso do séti­mo dia. Mas aquilo que está escrito de modo geral (cap. 1.27), que Deus criou macho e fêmea, aqui é relatado de

maneira mais específica. Observe que: 1. Primeiro foi formado Adão, depois Eva. (1 Tm 2.13), e ela foi cria­da do homem, e para o homem (1 Co 11.8,9), coisas que são mencionadas aqui como razões para a humildade, modéstia, silêncio e submissão, daquele sexo de maneira geral, e particularmente a sujeição e a reverência que as esposas devem aos seus próprios esposos. Mas, tendo o homem sido criado depois das criaturas, como o melhor e mais excelente dentre todas, Eva, tendo sido criada depois dele, e a partir dele, atribui uma honra ao sexo fe­minino, equivalente à glória do homem, 1 Coríntios 11.7. Se o homem é a cabeça, ela é a coroa, uma coroa para o seu esposo, a coroa da criação visível. O homem era o pó refinado, mas a mulher era o pó duplamente refinado, alguém ainda mais distante daquilo que poderia ser con­siderado comum. 2. Adão dormiu enquanto sua esposa era criada, para que não houvesse oportunidade para imaginar que ele teria dirigido o Espírito do Senhor, ou sido seu conselheiro, Isaías 40.13. Ele tinha percebido a falta que lhe fazia uma adjutora. Mas como Deus as­sumiu a responsabilidade por dar-lhe uma, Adão não se aflige com nenhuma preocupação a este respeito, mas se deita e adormece docemente, como alguém que lan­çou todas as suas preocupações a respeito de Deus, com uma resignação satisfeita em si mesmo e todos os seus assuntos entregues à vontade e à sabedoria do seu Cria­dor. Jehováh-Jireh, o Senhor proverá, quando e a quem Ele assim o desejar. Se descansarmos graciosamente em Deus, Deus irá graciosamente trabalhar por nós, e fazer tudo para o nosso bem. 3. Deus fez cair um sono sobre Adão, e este foi um sono pesado, de modo que a abertura do seu lado não lhe causasse sofrimento. Enquanto ele não conhece o pecado, Deus tomará os cuidados para que ele não sinta dor. Quando Deus, pela sua providência, faz ao seu povo o que causa sofrimento à carne e ao sangue, Ele não somente procura a sua felicidade neste assunto, mas, pela sua graça, Ele pode acalmar e compor os seus espíritos de tal forma a tranqüilizá-los sob as operações mais aflitivas. 4. A mulher foi criada de uma costela, no lado de Adão. Não da sua cabeça, para dominá-lo, nem dos seus pés, para ser pisada por ele, mas do seu lado, para ser igual a ele. De debaixo do seu braço, para ser protegida, e de perto do seu coração, para ser amada. Adão perdeu uma costela, e sem nenhuma redução da sua força ou beleza (pois, sem dúvida, a carne foi fechada sem nenhuma cicatriz). Mas no lugar da costela, ele re­cebeu uma adjutora para si, que compensou abundante­mente a sua perda: aquilo que Deus remove do seu povo, Ele irá, de uma maneira ou de outra, retribuir, com van­tagens. Nisto (como em muitas outras coisas) Adão era uma figura daquele que haveria de vir. Pois do lado de Cristo, o segundo Adão, formou-se a sua esposa, a igre­ja, quando Ele dormiu o profundo sono da morte sobre a cruz, para que o seu lado fosse aberto, e dali saíssem água e sangue, sangue para resgatar a sua igreja e água para purificá-la para si. Veja Efésios 5.25,26.

n O casamento da mulher com Adão. O casamento é honroso, mas este certamente foi o casamento mais honroso que já houve, no qual o próprio Deus aju­dou durante todo o tempo. Os casamentos (segundo di­zem) são feitos no céu: temos certeza de que este o foi,

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w. 21-25 GÊNESIS 3 18pois o homem, a mulher, o encontro, tudo foi obra de Deus. Ele, pelo seu poder, os criou a ambos, e agora, pela sua ordenança, os fazia um só. Este foi um casamento feito em perfeita inocência, e nunca houve nenhum outro casa­mento como este, desde então, pois: 1. Deus, como o Pai da mulher, trouxe-a ao homem, como seu segundo ser, e como adjutora para ele. Depois de criá-la, Ele não a deixou à sua própria disposição. Não, ela era sua filha, e não devia casar-se sem o seu consentimento. Têm mais probabilida­des de se casar, para o seu conforto, aqueles que pela fé e oração, e com uma dependência humilde da providência, se colocam sob uma conduta que esteja de acordo com o padrão divino. Esta esposa que é criação de Deus, por graça especial, e que foi trazida por Deus, por divina pro­vidência, provavelmente provará ser uma adjutora para o homem. 2. Como Pai de Adão, o Senhor Deus lhe entregou a mulher, e este a recebeu (v. 23): “Esta é agora osso dos meus ossos”. Agora eu tenho o que me faltava, e que ne­nhuma entre todas as criaturas pôde fornecer-me, uma adjutora para mim. Os dons de Deus para nós devem ser recebidos com um reconhecimento agradecido e humilde da sua sabedoria, ao adequá-los a nós, e do seu favor, ao concedê-los a nós. Provavelmente foi relevado a Adão, em uma visão, enquanto dormia, que esta adorável criatura, agora apresentada a ele, era uma parte de si mesmo, e deveria ser a sua companheira e a esposa da sua alian­ça. Como conseqüência, alguns obtiveram um argumento para provar que os santos, no paraíso celestial, reconhe­cerão uns aos outros. Além disto, como sinal da sua aceita­ção a ela, Adão lhe deu um nome, não peculiar a ela, mas comum ao seu sexo: Esta será chamada varoa, / s/m , um ser humano do sexo fem inino , diferente do homem em termos físicos e psicológicos, porém não em natureza. Ela foi feita do homem e deve estar unida ao homem.

A instituição da ordenança do casamento, e o estabelecimento da sua lei, v. 24. 0 dia de re­

pouso e o casamento foram duas ordenanças instituídas na fase da inocência. A primeira visava a preservação da igreja. A segunda visava a preservação do mundo da humanidade. Aparentemente (segundo Mt 19.4,5) foi o próprio Deus quem disse aqui: “Deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher”. Mas não se sabe ao cer­to se Ele disse isto por intermédio de Moisés, que foi o escritor, ou de Adão (v. 23). Aparentemente, estas são palavras de Adão, em nome de Deus, estabelecendo esta lei para toda a sua posteridade. 1. Veja aqui como é grande o poder de uma ordenança divina. Seus laços são ainda mais fortes do que os da natureza. A quem esta­remos unidos mais firmemente, do que aos pais que nos geraram, e às mães que nos deram à luz? Ainda assim, o filho deve deixá-los, para unir-se à sua esposa, e a fi­lha deve esquecê-los, para se unir ao seu esposo, Salmos45.10,11. 2. Veja como é necessário que os filhos tenham consigo o consentimento dos pais no seu casamento, e como são injustos com seus pais, além de irreverentes, aqueles que se casam sem tal consentimento. Pois estes filhos lhes roubam o seu direito e o seu interesse neles, eo transferindo-os a outra pessoa de um modo fraudulen­to e não natural. 3. Veja a necessidade que existe, tanto de prudência quanto de oração na escolha deste relacio­namento, que é tão próximo e tão duradouro. Deve ser

bem feito aquilo que é feito para a vida inteira. 4. Veja como é firme o laço do casamento, que não deve ser di­vidido ou enfraquecido, através da atitude de ter muitas esposas (Ml 2.15), nem deve ser rompido ou arrancado pelo divórcio, por nenhuma causa, exceto fornicação ou abandono voluntário. 5. Veja quão terno deve ser o afeto entre marido e mulher, tal como o que temos pelos nos­sos próprios corpos, Efésios 5.28. Estas duas pessoas são uma só carne. Que sejam então uma só alma.

Uma evidência da pureza e da inocência daquele estado no qual os nossos primeiros pais foram

criados, v. 25. Ambos estavam nus. Eles não precisavam de roupas para a sua defesa contra o frio nem o calor, pois nenhum deles poderia fazer-lhes mal. Eles não pre­cisavam de nada como enfeite. Salomão, em toda a sua glória, não se vestiu como eles. Eles também não pre­cisavam de nada por causa da decência. Eles estavam nus, e não tinham nenhuma razão para se envergonhar. Eles não sabiam o que era a vergonha, diz a versão dos caldeus. Enrubescer agora mostra a cor da virtude, mas não era, naquela ocasião, a cor da inocência. Aqueles que não tinham nenhum pecado em sua consciência estavam isentos de ter a vergonha nos seus rostos, mesmo não tendo roupas sobre os seus corpos.

C a p í t u l o 3A história deste capítulo talvez seja uma história tão triste (considerando o seu contexto e os seus detalhes) quanto qualquer outra história triste que tenhamos em toda a Bíblia Sagrada. Nos ca­pítulos anteriores, tivemos a visão agradável da santidade e da felicidade dos nossos primeiros pais, a graça e o favor de Deus, e a paz e beleza de toda a criação. Tudo bom, muito bom. Mas aqui a cena se altera. Aqui temos a narrativa do pecado e da infelicidade dos nossos primeiros pais, a ira e a maldição de Deus sobre eles, a paz da criação perturbada, e a sua beleza manchada, tudo ruim, muito ruim. Como se escureceu o ouro! Como se mudou o ouro fino e bom! Nossos corações devem ser profundamente afetados por este registro! Pois todos nós estamos intimamente interessados nele. Que não seja para nós simplesmente como uma fábula que nos é contada. O resumo geral deste capítulo é (Rm 5.12): Como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram. Mais detalhadamen­te, temos aqui: I. A inocência é tentada, w. 1-5. II.Os tentados violam a lei, w. 6-8. III. Os transgres­sores são levados a juízo, w. 9,10. IV Com o juízo, condenados, w. 11-13. V Com a condenação, vem a sentença, w. 14-19. VI. Depois da sentença, o in­dulto, w. 20,21. VII. Apesar do indulto, a execução se faz, parcialmente, w. 22-24. E, se não fosse pe­las graciosas indicações aqui dadas de redenção, pela semente prometida, eles, e toda a sua raça degenerada e culpada, teriam sido abandonados em um desespero interminável.

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19 GÊNESIS 3 w. 1-5A Sutileza do Tentador. A Insistência do Tentador

w. 1-5Aqui temos um relato da tentação com a qual Sata­

nás atacou os nossos primeiros pais, para atraí-los ao pe­cado e que provou ser fatal a eles. Observe aqui:

I O tentador, que era o diabo, sob a forma e semelhan­ça de uma serpente.1. É certo que foi o diabo que enganou Eva. O diabo é

Satanás, a antiga serpente (Ap 12.9), um espírito malig­no, por criação um anjo de luz e um ajudante próximo ao trono de Deus, que pelo pecado tornou-se um apóstata desde esta sua primeira condição, e um rebelde, contra a coroa e a dignidade de Deus. Multidões de anjos caí­ram. Mas este que atacou os nossos primeiros pais era certamente o príncipe dos demônios, o líder da rebelião: ele era Satanás, e um pecador, um traidor e um tentador, alguém furioso contra Cristo e a sua glória, e invejoso do homem e da sua felicidade. Ele sabia que não poderia destruir o homem, a não ser corrompendo-o. Balaão não pôde amaldiçoar Israel, mas pôde tentar Israel, Apoca­lipse 2.14. O jogo, portanto, que Satanás tinha que jogar, era atrair os nossos primeiros pais ao pecado, desta ma­neira separando-os do seu Deus. Assim o diabo foi, desde o princípio, um assassino, e o grande enganador. Toda a raça da humanidade aqui tinha, de certa maneira, um único pescoço, que foi golpeado por Satanás. O adversá­rio e inimigo é o iníquo.

2. Foi o diabo na semelhança de uma serpente. Se era somente a forma e aparência visível de uma serpente (como alguns interpretam que eram as serpentes men­cionadas em Êxodo 7.12), ou se era uma serpente viva e verdadeira, possuída pelo diabo, não se sabe: com a per­missão de Deus, poderia ser qualquer uma das duas coi­sas. O diabo decidiu agir em uma serpente: (1) Porque a serpente é uma criatura enganadora, com pele manchada e colorida, e sempre ereta. Talvez fosse uma serpente vo­adora, que parecia vir das alturas como um mensageiro do mundo superior, como um serafim. Pois as serpentes ardentes eram voadoras, Isaías 14.29. Muitas tentações perigosas nos aparecem sob aparências alegres e colori­das que são apenas superficiais, e parecem vir do alto. Pois Satanás pode se disfarçar até mesmo de anjo de luz. E: (2) Porque é uma criatura sutil. Isto está mencionado aqui. Muitos exemplos são dados da sutileza da serpente, tanto para fazer o mal quanto para proteger-se enquan­to ele é feito. Nós somos orientados a sermos prudentes como as serpentes. Mas esta serpente, como atuava su­jeita ao diabo, sem dúvida era mais sutil que qualquer outra. Pois o diabo, embora tenha perdido a santidade, conserva a sagacidade de um anjo, e é prudente para fa­zer o mal. Ele conhecia mais vantagens ao fazer o uso da serpente do que nós nos damos conta. Observe que não há nada com que o diabo mais sirva a si mesmo e aos seus próprios interesses do que a sutileza não santifica­da. Não saberemos dizer aquilo que Eva pensou desta serpente que falava com ela, mas eu creio que ela mesma não sabia o que pensar disto. A princípio, talvez, ela su­pôs que pudesse ser um anjo bom, e, mais tarde, pôde suspeitar que houvesse algo errado. É notável que mui­

tos dos idólatras gentios realmente adorassem o diabo sob a forma e aparência de uma serpente, confessando, desta forma, a sua adesão a este espírito apóstata, e to­mando o seu partido.

n A pessoa tentada foi a mulher, agora sozinha, e a alguma distância do seu esposo, mas perto da árvore proibida. Esta era a sutileza do diabo: 1. Atacar o vaso mais fraco com as suas tentações. Embora per­feita na sua espécie, ainda assim podemos supor que a

mulher fosse inferior a Adão em conhecimento, força, e presença de espírito. Alguns pensam que Eva recebeu o mandamento, não diretamente de Deus, mas de se­gunda mão, pelo seu esposo, e, portanto, pôde ser mais facilmente persuadida a não confiar nele. 2. A astúcia do diabo consistia em conversar com a mulher quando ela estava sozinha. Se a mulher tivesse ficado junto com o seu marido, ao lado do qual tinha sido recentemente ti­rada, ela não teria estado tão exposta. Existem muitas tentações, às quais a solidão oferece grande vantagem. Mas a comunhão dos santos contribui muito para a força e a segurança daqueles que buscam ao Senhor. 3 .0 diabo aproveitou a vantagem de encontrá-la perto da árvore proibida, e provavelmente olhando para os seus frutos, somente para satisfazer a sua curiosidade. Aqueles que não devem comer o fruto proibido não devem aproximar- se da árvore proibida. Evita-o. Não passes por ele, Pro­vérbios 4.15.4. Satanás tentou Eva para que ela pudesse tentar Adão. Da mesma maneira, ele tentou Jó por in­termédio da sua esposa, e a Cristo, por meio de Pedro. A estratégia do diabo consiste em trazer as tentações por mãos das quais jamais suspeitaríamos, aquelas que têm mais interesse em nós, e que mais nos influenciam.

A tentação propriamente dita, e a maneira ar­tificial como foi conduzida. Freqüentemente,

nas Escrituras, lemos sobre o perigo que corremos pelas tentações de Satanás, seus ardis (2 Co 2.11), suas profun­dezas (Ap 2.24), suas ciladas, Efésios 6.11. Os maiores exemplos que temos estão nas tentações que ele fez aos dois Adãos. Aqui, e em Mateus 4. Nesta o inimigo foi vi­torioso, mas quando quis enfrentar o Senhor Jesus, ele saiu frustrado. Aquilo que o inimigo disse àqueles que ele não podia controlar, mesmo por alguma corrupção que neles houvesse, ele diz a nós, pelos nossos próprios corações enganadores e pelos nossos raciocínios carnais. Isto torna os seus ataques contra nós menos discerní- veis, mas não menos perigosos. O que o diabo deseja­va era persuadir Eva a comer o fruto proibido. E, para fazer isto, ele usou o mesmo método que ainda utiliza. Ele questionou se isto seria ou não um pecado, v. 1. Ele negou que havia qualquer perigo nisto, v. 4. Ele sugeriu que haveria muitas vantagens ao fazê-lo, v. 5. E estes são os seus argumentos comuns.

1. Ele questionou se seria ou não um pecado comer desta árvore, e se o seu fruto era realmente proibido. Observe:

(1) Ele disse à mulher, É assim que Deus disse: Não comereis? As primeiras palavras indicavam alguma coi­sa dita anteriormente, introduzindo estas, e com as quais estão conectadas, talvez alguma conversa que Eva tinha tido consigo mesma, da qual Satanás se aproveitou e na

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w. 1-5 GÊNESIS 3 20qual injetou esta pergunta. Na cadeia de pensamentos, uma coisa leva a outra de maneiras estranhas, e talvez, no final, a alguma coisa má. Observe aqui: [1] Ele não reve­la, a princípio, o seu desígnio, mas propõe uma pergunta que parecia inocente: Eu ouvi uma novidade, diga-me se é verdade, que Deus proibiu você de comer desta árvo­re. Assim ele começou a conversa, e a atraiu ao diálogo. Aqueles que desejam estar seguros têm a necessidade de suspeitar, e se acautelar ao falar com o tentador. [2] O diabo cita o mandamento de modo fraudulento, como se fosse uma proibição, não somente daquela árvore, mas de todas. Deus tinha dito, De toda árvore do jardim comerás livremente, exceto uma. Ao agravar a exceção, o inimigo desejava invalidar a permissão: Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? A lei divina não pode ser reprovada, a menos que seja, antes disto, mal apresentada. [-3] Ele parece falar de forma zombeteira, censurando a mulher pela sua timidez em aproximar-se daquela árvore; é como se tivesse dito: “Você é tão meti­culosa e cautelosa, e tão precisa, por Deus ter dito: ‘Não comereis”’. O diabo é tanto um mentiroso como também um zombador, desde o princípio: e os escarnecedores dos últimos dias são seus filhos. [4] Aquilo que o diabo desejava, desde o início, era remover o senso de obriga­ção que ela tinha para com o mandamento. “Certamente você está enganada, não pode ser verdade que Deus lhe proibisse esta árvore. Ele não faria uma coisa tão pouco razoável”. Observe que a sutileza de Satanás é manchar a reputação da lei divina como algo incerto ou pouco ra­zoável, desta forma atraindo as pessoas ao pecado. Por­tanto, é nossa sabedoria conservar uma crença firme e um elevado respeito pelo mandamento de Deus. Deus disse: “Não mentirás, não tomarás o meu nome em vão, não te embriagarás” etc.? “Sim, tenho certeza de que Ele disse isto, e disse-o bem. E, pela sua graça, eu agirei de acordo com a sua ordem, seja qual for o tentador que sugira o contrário.”

(2) Em resposta a esta pergunta, a mulher fornece uma explicação clara e completa da lei à qual estavam su­jeitos, w. 2,3. Observe aqui: [1] Foi a sua fraqueza entrar em conversação com a serpente. A mulher poderia ter percebido, pela pergunta, que a serpente não tinha boas intenções, e por isto deveria ter desencadeado um “Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo”. Mas a sua curiosidade, e talvez a sua surpresa por ouvir uma serpente falando, levaram-na a continuar conversando. Observe que é perigoso lidar com uma tentação que de­veria ser, logo de início, rejeitada com desdém e repul­sa. O exército que parece conversar com o inimigo, não está longe de ter que se render. Aqueles que desejam ser protegidos do mal, devem se manter fora do caminho do mal. Veja Provérbios 14.7; 19.27. [2] Foi a sua sabedo­ria registrar a liberdade que Deus lhes tinha concedido, em resposta à insinuação dissimulada da serpente, como se Deus os tivesse colocado no paraíso somente para atormentá-los com a visão de frutos apetitosos, porém proibidos. “Sim”, diz ela, “nós podemos comer dos frutos destas árvores, graças ao nosso Criador, nós temos abun­dância e variedade suficientes que nos são permitidas”. Observe que para evitar uma situação de desconforto com as restrições da religião, é bom que freqüentemente examinemos as suas liberdades e os seus confortos. [3]

Foi um exemplo da sua decisão o fato de ter aderido ao mandamento, e de repeti-lo fielmente, com uma certeza inquestionável: “Deus disse, eu tenho certeza de que Ele disse, Não comereis do fruto desta árvore”. E o fato dela ter acrescentado, Nem nele tocareis, parece te r se origi­nado de uma boa intenção (como pensam alguns), e não tacitamente para insinuar que o mandamento era rígido demais (Não toquem, não provem e não manuseiem), mas como se estivesse colocando uma cerca em torno da árvore: “Não devemos comer, portanto não iremos tocar. É completamente proibido, e a autoridade da proibição é sagrada para nós”. [4] Ela parece hesitar um pouco sobre a ameaça, e não foi tão enfática e fiel na repetição dela quanto foi em relação ao preceito. Deus disse, No dia em que dela comeres, certamente morrerás. Mas o que ela diz é somente, Para que não morrais. Observe que a fé vacilante e as decisões hesitantes oferecem grandes van­tagens ao tentador.

2. Satanás negou que houvesse qualquer perigo nis­to, insistindo que, embora isto pudesse ser uma trans­gressão ao preceito, ainda assim não estaria sujeito a uma penalidade: Certamente não morrereis, v. 4. “Vocês não morrerão agonizantes”, é o significado, em uma con­tradição direta com o que Deus tinha dito. Ou: (1) “Não é garantido que vocês morrerão”, segundo alguns. “Não é tão garantido como vocês foram levados a crer”. Desta maneira, Satanás se esforça para abalar aquilo que ele não pode destruir, e procura invalidar a força das amea­ças divinas, questionando a veracidade delas. E, uma vez que se suponha ser possível que exista alguma falsidade ou falácia, em qualquer palavra da parte de Deus, uma porta então é aberta à completa infidelidade. Satanás em primeiro lugar ensina os homens a duvidar, e, depois, a negar. Ele os torna céticos a princípio, e depois, gra- dativamente, os transforma em ateus. Ou: (2) Segundo outros, o inimigo estava dizendo: “É garantido que vocês não morrerão”. Ele tenta comprovar a sua contradição com a mesma expressão de garantia que Deus tinha usa­do ao ratificar a ameaça. Ele começou a questionar o pre­ceito (v. 1), mas, vendo cjue a mulher o seguia, deixou este ataque de lado, e fez o segundo ataque, desta vez sobre a ameaça, exatamente onde percebeu que ela vacilava. Pois ele é rápido em descobrir todas as vantagens, e em ata­car onde a muralha estiver mais fraca: Certamente não morrereis. Isto era uma mentira, uma mentira completa. Pois: [1] E ra contrária à palavra de Deus, que nós sabe­mos, com certeza, que é verdadeira. Veja 1 João 2.21,27. E ra uma mentira que tentava desmentir o próprio Deus.[2] E ra contrário ao seu próprio entendimento. Quando o inimigo lhes disse que não havia perigo na desobediência e na rebelião, estava dizendo algo que ele sabia, por dolo­rosa experiência, que era falso. Ele tinha infringido a lei da sua criação, e tinha descoberto, para seu próprio pre­juízo, que não podia prosperar daquela maneira. E ain­da assim ele diz, aos nossos primeiros pais, que eles não morrerão. O diabo ocultou a sua própria desgraça, para poder atraí-los a algo semelhante: desta maneira, ele ain­da engana os pecadores, para a sua própria destruição. Ele lhes diz que, embora pequem, não morrerão. E ainda deseja ter mais credibilidade do que Deus, que lhes diz: O salário do pecado é a morte. Observe que a esperança da impunidade é um grande apoio a toda iniqüidade, e

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21 GÊNESIS 3 w. 6-8impenitência. Terei paz, ainda que ande conforme o bom parecer do meu coração, Deuteronômio 29.19.

3. Ele lhes promete vantagens com isto. v. 5. Aqui o diabo continua com o seu ataque, e foi um golpe na raiz, um golpe fatal à árvore da qual somos galhos. Ele não somente se responsabilizava dizendo que eles não perde­riam com isto, desta forma comprometendo-se a salvá- los do mal. Mas (se eles fossem suficientemente tolos para se aventurarem com base em uma suposta segu­rança de alguém que tinha, ele mesmo, falido), queria se responsabilizar por saírem ganhadores, de uma maneira indescritível. Ele não poderia tê-los persuadido a correr o risco de se arruinarem, se não lhes tivesse sugerido uma grande probabilidade de se aprimorarem.

(1) Ele lhes insinua os grandes aprimoramentos que eles fariam, se comessem este fruto. E adapta a tentação ao estado puro em que agora se encontram, propondo- lhes, não prazeres ou satisfações carnais, mas deleites e satisfações intelectuais. Estas foram as iscas que o inimi­go colocou no seu anzol. [1] “Seus olhos se abrirão. Vocês terão muito mais poder e prazer de contemplação do que têm agora. Vocês terão um domínio mais amplo nas suas visões intelectuais, e compreenderão mais as coisas do que compreendem agora”. O inimigo fala como se agora eles fossem míopes e tivessem uma visão turva, em compara­ção ao que teriam, depois. [2] “Sereis como Deus, como Elohim, deuses poderosos. Não somente oniscientes, mas também onipotentes”. Ou: “Vocês serão como o próprio Deus, iguais a Ele, rivais dele. Vocês serão soberanos, e não mais súditos, auto-suficientes, e não mais dependen­tes”. Uma sugestão completamente absurda! Como se fosse possível que as criaturas que surgiram ontem fos­sem como o seu Criador, que existia desde a eternidade.[3] “Vocês conhecerão o bem e o mal, isto é, tudo o que se saiba que é desejável”. Para apoiar esta parte da ten­tação, ele utiliza, com más intenções, o nome atribuído a esta árvore: ela pretendia ensinar o conhecimento prático do bem e do mal, isto é, do dever e da desobediência. E ela provaria o conhecimento experimental do bem e do mal, isto é, da felicidade e da desgraça. Neste sentido,o nome da árvore era um aviso para que não comessem dela. Mas ele distorce o seu significado, e o perverte, para a destruição deles, como se esta árvore pudesse lhes dar um conhecimento fictício e especulativo das naturezas, das espécies, e das origens do bem e do mal. E: [4] Tudo isto ocorreria imediatamente: “No dia em que comerem desta árvore, vocês sentirão uma mudança repentina e imediata para melhor”. Agora, em todas estas insinua­ções, o inimigo pretende gerar neles, em primeiro lugar, um descontentamento com a sua condição atual, como se ela não fosse tão boa como poderia ser, e como deveria ser. Observe que nenhuma condição, por si só, trará conten­tamento, a menos que a mente seja levada a isto. Adão não estava tranqüilo, não, nem mesmo no paraíso. Nem os anjos na sua condição inicial, Judas 6. Em segundo lugar, a ambição da primazia, como se eles fossem adequados para serem deuses. Satanás tinha se destruído, ao desejar ser semelhante ao Altíssimo (Is 14.14), e por isto procurou infectar os nossos primeiros pais com o mesmo desejo, para poder arruiná-los também.

(2) O inimigo lhes insinua que Deus não tinha bons desígnios para eles, ao proibir-lhes este fruto: “Pois

Deus sabe o quanto isto lhes melhoraria. Portanto, com inveja e má vontade com relação a vocês, Ele o proibiu”. Como se o Senhor não permitisse que eles comessem da­quela árvore porque, então, conheceriam a sua própria força, e não permaneceriam em uma condição inferior, mas seriam capazes de fazer frente ao Todo-Poderoso. Ou como se Ele relutasse em lhes dar a honra e a felici­dade às quais seriam promovidos se comessem daquela árvore. Veja: [1] Esta era uma grande afronta a Deus, e a maior indignidade que poderia ser feita a Ele, uma censura ao seu poder, como se Ele temesse as Suas cria­turas, e muito mais uma censura à sua bondade, como se Ele odiasse a obra das Suas próprias mãos, e não de­sejasse que aqueles que criou fossem felizes. Será que o melhor dos homens julgará estranho ser descrito erro­neamente, e ter coisas más ditas a seu respeito, quando isto acontece com o próprio Deus? Satanás, que é quem acusa os irmãos diante de Deus, também acusa a Deus, diante dos irmãos. Assim o diabo semeia a discórdia, e é o pai daqueles que fazem a mesma coisa. [2] Esta era uma armadilha aos nossos pais, e das mais perigosas, pois tencionava afastar o seu afeto de Deus, removen­do, desta maneira, a lealdade que tinham a Ele. Desta maneira o diabo ainda atrai as pessoas aos seus próprios interesses, sugerindo-lhes maus pensamentos a respeito de Deus, e falsas esperanças de benefícios e vantagens vindos do pecado. Portanto, em oposição a ele, sempre devemos pensar bem a respeito de Deus, como o bem supremo, e pensar mal do pecado, como o pior dos males: resistamos desta maneira ao diabo, e ele fugirá de nós.

A Queda do Homemw . 6-8

Aqui vemos a conclusão da conversa de Eva com o tentador. Satanás, no final, consegue o seu objetivo, e a fortaleza é tomada pelas suas ciladas. Deus testou a obediência dos nossos primeiros pais, proibindo que participassem dos frutos da árvore do conhecimento. E Satanás, de certa maneira, entra em uma controvér­sia com Deus, e usando a mesma árvore se empenha em levá-los a uma transgressão. E aqui vemos como o diabo foi vitorioso, tendo Deus permitido isto, com fins sábios e santos.

I Aqui temos as persuasões que os levaram a trans­gredir a lei. Tendo sido enganada pelas manobras

ardilosas do tentador, a mulher foi a líder na trans­gressão, 1 Timóteo 2.14. Ela foi a primeira a fracassar. E isto aconteceu como resultado da sua consideração, ou melhor, da sua falta de consideração. 1. Ela não viu mal nesta árvore, não mais do que em qualquer outra das demais. Estava escrito que todas as demais árvores frutíferas que haviam sido plantadas no jardim do Éden eram agradáveis à vista e boas para comida, João 2.9. Agora, aos seus olhos, esta era como todas as demais. Parecia ser tão boa para comida como qualquer uma de­las, e ela não viu nada na aparência dos seus frutos que ameaçasse de morte ou perigo. E ra tão agradável à vista como qualquer uma delas, e, portanto, “que mal” poderia fazer-lhes? Por que esta deveria ser-lhes proibida, e não

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w. 6-8 GÊNESIS 3 22qualquer uma das demais? Observe que quando se julga não haver maior mal no fruto proibido do que em qual­quer outro fruto, o pecado está à porta, e Satanás logo ganha o dia. Ou melhor, talvez esta árvore parecesse a ela melhor para comida, mais agradável à vista, e mais nutritiva para o corpo, do que qualquer uma das demais, e aos seus olhos era mais agradável do que qualquer ou­tra. Somos freqüentemente atraídos a armadilhas atra­vés de um desejo desordenado de ter os nossos sentidos satisfeitos. Ou, se nada nela fosse mais convidativo que nas outras, ainda assim ela era mais cobiçada, porque era proibida. Pensasse Eva isto ou não, nós descobrimos que em nós (isto é, na nossa carne, na nossa natureza corrompida) reside um estranho espírito de contradição. N itim ur in vetitum - Nós desejamos aquilo que é proi­bido. 2. Ela imaginava que havia mais poder nesta árvore do que em qualquer uma das demais. Que não houvesse nada a temer nela, mas que devesse, antes, ser deseja­da, porque dava sabedoria, e, com isto, era superior a todas as outras árvores. Isto ela viu, ou seja, percebeu e compreendeu pelo que o diabo lhe havia dito. Alguns pensam que ela viu a serpente comendo daquela árvo­re, e que esta lhe disse que, fazendo isto, tinha obtido as faculdades da fala e da razão. Conseqüentemente, Eva teria deduzido o poder que a árvore tinha de tornar al­guém sábio, e pode ter sido persuadida a pensar: “Se ela fez de uma criatura bruta um ser racional, por que não poderia tornar divina uma criatura racional?” Observe como o desejo de um conhecimento desnecessário, sob uma noção equivocada de sabedoria, prova ser danoso e destrutivo a muitas pessoas. Nossos primeiros pais - que sabiam tantas coisas - não sabiam que, de fato, já sabiam o suficiente. Cristo é uma árvore que se deve de­sejar para ser sábio, Colossenses 2.3; 1 Coríntios 1.30. Pela fé devemos nos alimentar dele, para que possamos nos tornar sábios para a salvação. No paraíso celestial, a árvore do conhecimento não será uma árvore proibida. Pois ali nós conheceremos tanto quanto somos conheci­dos. Portanto, devemos desejar ansiosamente estar ali. E, neste ínterim, não devemos nos exercitar com coisas excessivamente elevadas ou excessivamente profundas para nós, nem ambicionai' ser mais sábios do que aquilo que está escrito.

n Os passos da transgressão não são ascendentes, mas descendentes, e conduzem ao abismo que está ligado ao inferno. 1. Ela viu. Ela poderia ter desvia­do os olhos para não contemplar futilidades. Mas ela cai em tentação, ao olhar com prazer para o fruto proibido.

Observe que uma grande quantidade de pecado tem iní­cio nos olhos. Nestas janelas Satanás atira os seus dar­dos ardentes que perfuram e envenenam o coração. Os olhos afetam o coração com culpa e tristeza. Portanto, façamos, como o santo -Jó, um concerto com os nossos olhos, para não olharmos nada que corramos o risco de cobiçar depois, Provérbios 23.31; Mateus 5.28. Que o te­mor a Deus sirva sempre como um véu para os nossos olhos, cap. 20.16. 2. Ela tomou o fruto. Foi um ato volun­tário. O diabo não o tomou e o colocou na sua boca, quer ela o desejasse ou não. Ela mesma o tomou. Satanás pode tentar, mas não pode forçar. Ele pode persuadir alguém a se lançar daqui abaixo, mas não pode atirar a pessoa

abaixo, Mateus 4.6. O fato de Eva tomar o fruto consti­tuía um roubo, como quando Acã tomou do anátema, se apropriando daquilo a que não tinha direito. Certamente ela o tomou com mãos trêmulas. 3. Ela o comeu. Talvez ela não tivesse a intenção, quando o olhou, de tomá-lo, nem, quando o tomou, de comê-lo. Mas este foi o resul­tado. Observe que o caminho do pecado é descendente. O homem não será capaz de parar, quando desejar. O co­meço do pecado é como o jorrar da água, à qual é difícil dizer: Até aqui virás, e não mais adiante. Portanto, é nos­sa sabedoria reprimir as primeiras emoções do pecado, e deixá-lo de lado antes de nos envolvermos com ele. Obsta principiis Nip - Devemos deter o mal no início. 4. Ela também o deu ao seu marido. É provável que ele não es­tivesse com ela quando foi tentada (certamente, se tives­se estado com ela, teria interferido para evitar o pecado). Mas o marido veio para junto dela quando ela já o tinha comido, e foi convencido, por ela, a comer da mesma ma­neira. Pois é mais fácil aprender o que é ruim, do que ensinar o que é bom. Ela o deu a ele, persuadindo-o com os mesmos argumentos que a serpente tinha usado com ela, acrescentando este, que ela mesma tinha comido, e o tinha julgado tão longe de ser mortal, que era extrema­mente agradável e satisfatório. As águas roubadas são doces. Ela o deu ao marido, sob o pretexto de gentileza. Ela não poderia comer estes bocados deliciosos sozinha. Mas na verdade esta foi a maior crueldade que ela po­deria ter feito a ele. Uma outra possibilidade é que ela o tivesse dado a ele, para que, se resultasse prejudicial, ele pudesse compartilhar da sua desgraça, o que realmente parece ser algo estranhamente cruel. Porém é possível, sem dificuldade, supor que uma atitude como esta pudes­se surgir no coração de alguém que tinha comido o fruto proibido. Observe que aqueles que ocasionam o mal a si mesmos, normalmente desejam atrair outros para que façam a mesma coisa. Assim como o diabo, Eva também pode te r agido como pecador e, simultaneamente, como tentador. 5. E le comeu, derrotado pela importunação da

esposa. É desnecessário dizer: “Qual teria sido a conse­qüência se somente Eva tivesse violado a lei?” Podemos ter a certeza de que a sabedoria de Deus teria soluciona­do este problema, de acordo com a justiça. Mas, ai! Não era este o caso. Adão também comeu. “E que grande mal é aceitar o raciocínio corrupto e carnal de uma mente fútil. Que dano!” Ora, este ato envolveu a descrença na Palavra de Deus, juntamente com a confiança na palavra do diabo. O descontentamento com a sua situação atual, e o orgulho pelos seus próprios méritos. A ambição pela honra que não vem de Deus. A inveja da perfeição de Deus, e a indulgência para com os apetites do corpo. Ao negligenciar a árvore da rida - da qual tinha permissão para comer - e comer da árvore da ciência, que lhe era proibida, Adão mostrou claramente um desprezo pelos favores que Deus lhe tinha concedido, e uma preferência por aquilo que Deus não julgou adequado para ele. Ele desejou ser, ao mesmo tempo, seu próprio escultor e seu próprio senhor. Quis ter o que desejava e fazer o que de­sejasse: o seu pecado foi, em uma só palavra, desobedi­ência (Rm 5.19), desobediência a um mandamento claro, fácil e expresso, que provavelmente ele sabia que era um mandamento de teste. Ele pecou contra o grande conhe­cimento, contra as muitas graças, contra a luz e o amor,

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23 GÊNESIS 3 w. 6-8a luz mais clara e o maior amor contra os quais nenhum pecador jamais havia pecado. Ele não tinha em si uma natureza corrupta que o traísse. Mas tinha livre arbítrio, não era escravizado, e este agia plenamente, não sendo enfraquecido nem debilitado. Adão se desviou rapida­mente. Alguns pensam que ele caiu no mesmo dia em que foi criado. Mas eu não vejo como conciliar isto com o fato de Deus ter dito que tudo era muito bom, no final do dia. Outros supõem que ele caiu no sábado: no melhor dia, a pior obra. No entanto, é certo que ele conservou a sua integridade, embora por muito pouco tempo: criado em honra, não permaneceu nela. Mas o grande agravo do seu pecado é o fato de que, por causa dele, toda a sua pos­teridade foi envolvida no pecado e na ruína. Tendo Deus lhe dito que a sua raça povoaria a terra, certamente ele não poderia deixar de saber que era uma pessoa pública, e que esta desobediência seria fatal a toda a sua descen­dência. E, neste caso, a atitude de Adão foi certamente a maior traição e a maior crueldade que jamais houve. Como a natureza humana estava inteiramente alojada nos nossos primemos pais, ela não poderia ser transmiti­da a partir deles sem uma mancha de culpa, uma mácula de desonra e uma doença hereditária de corrupção e pe­cado. Então será que algiiém poderia dizer que o pecado de Adão provocou somente um pequeno mal?

m As conseqüências derradeiras da transgres­são. Vergonha e medo dominaram os crimino­sos, ipso facto - pelo fato em si. Estes dois sentimentos vieram ao mundo juntamente com o pecado, e ainda o acompanham.

1. A vergonha os dominou, despercebida, v. 7, onde observe:

(D As fortes convicções que sentiram, no seu ínti­mo: foram abertos os olhos de ambos. Isto não se refere aos olhos do corpo. Eles estavam abertos antes, como está claro, porque o pecado se apresentou diante deles. Os olhos de Jônatas foram aclarados ao comer o fruto proibido (1 Sm 14.27), isto é, ele se revigorou e reviveu, graças a isto. Mas com os olhos deles não aconteceu as­sim. Nem isto se refere a algum progresso conseguido através de um conhecimento verdadeiro. Mas os olhos das suas consciências foram abertos, os seus corações os feriram pelo que tinham feito. Agora, quando era tarde demais, eles viram a tolice que é comer o fruto proibido. Eles viram a felicidade da qual tinham caído, e a infelici­dade em que tinham caído. Eles viram um Deus amoroso provocado, sua graça e os seus favores perdidos, a sua imagem e semelhança perdidas. O domínio completo que o homem tinha sobre as criaturas havia acabado. Eles vi­ram as suas naturezas corrompidas e depravadas, e sen­tiram uma desordem nos seus próprios espíritos da qual nunca tinham tido consciência antes. Eles viram uma lei dos seus membros combatendo contra uma lei das suas mentes, e deixando-os cativos do pecado e também da ira. Eles viram, como Balaão, quando seus olhos se abriram (Nm 22.31), o Anjo do Senhor, que estava no ca­minho, e a sua espada desembainhada na mão. E talvez vissem a serpente que os tinha enganado insultando-os. O texto nos diz que eles viram que estavam nus, isto é:[1] Que estavam despidos, privados de todas as honras e alegrias da sua condição no paraíso, e expostos a todas as

infelicidades que poderiam, com razão, ser esperadas de um Deus irado. Eles estavam desarmados. A sua defesa os tinha abandonado. [2] Que estavam envergonhados, envergonhados para sempre, diante de Deus e dos anjos. Eles se viram despidos de todos os seus ornamentos e insígnias de honra, reduzidos na sua dignidade e desgra­çados ao máximo, expostos ao desprezo e à censura do céu, e da terra, e das suas próprias consciências. Veja aqui, em primeiro lugar, Que desonra e inquietação é o pecado. Ele traz danos onde quer que seja aceito, colo­ca os homens contra si mesmos, perturba a sua paz e destrói todos os seus consolos. Mais cedo ou mais tarde, ele trará vergonha, seja a vergonha do verdadeiro arre­pendimento, que resulta em glória, seja aquela vergonha e desprezo eterno para o qual os ímpios ressuscitarão no grande dia. O pecado é uma reprovação a qualquer pessoa. Em segundo lugar, Que enganador é Satanás. Ele disse aos nossos primeiros pais, quando os tentou, que os seus olhos seriam abertos. E realmente o foram, mas não como eles o entenderam. Eles foram abertos à sua vergonha e tristeza, e não à sua honra nem benefício. Portanto, mesmo que o diabo fale de uma forma polida, não creia nele. A desculpa dos mentirosos mais maldosos e prejudiciais freqüentemente é a seguinte: que eles ape­nas se expressam de uma maneira ambígua. Mas Deus não os perdoará.

(2) A triste mudança que fizeram, para minimizar estas convicções e se armarem contra elas: coseram - ou entrelaçaram - folhas de figueira. E para cobrir pelo menos parte da vergonha um do outro, fizeram para si aventais. Veja aqui qual é, normalmente, a tolice daque­les que pecaram. [1] Que eles são mais preocupados em salvar a sua credibilidade perante os homens do que em obter o perdão de Deus. Eles são vacilantes em confes­sar o seu pecado, e muito desejosos de ocultá-lo, tanto quanto possível. Eu pequei, mas ainda assim, honre-me.[2] Que as desculpas que o homem apresenta, para enco­brir e atenuar os seus pecados, são vãs e frívolas. Como os aventais de folhas de figueira, eles não melhoram a questão, mas somente a pioram. A vergonha, oculta desta maneira, tornar-se ainda mais vergonhosa. Ainda assim, todos nós encobrimos as nossas transgressões, como Adão, Jó 31.33.

2. O medo os dominou imediatamente depois que co­meram o fruto proibido, v. 8. Observe aqui: (1) Qual foi a causa e a oportunidade do seu medo: ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia. Foi a aproximação do Juiz que os amedrontou. E, ainda assim, Ele se apresentou de uma maneira que só atemorizou as consciências culpadas. Supõe-se que Ele tenha vindo sob forma humana, e aquele que julgava o mundo agora era o mesmo que irá julgar o mundo no último dia. Ele se manifestava a eles agora (aparente­mente) sem nenhuma diferença em relação à maneira como o tinham visto, quando Ele os colocou no paraíso. Pois Ele vinha para convencê-los, e não para humilhá- los, nem para assombrá-los ou aterrorizá-los. Ele veio ao jardim, não descendo imediatamente do céu, diante dos seus olhos, como o fez mais tarde, no monte Sinai (fazendo da escuridão espessa a sua tenda, ou do fogo ar­dente o seu carro), mas entrou no jardim, como alguém que ainda desejava ter familiaridade com eles. Deus veio

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w. 9,10 GÊNESIS 3 24andando, não correndo, não cavalgando sobre as asas do vento, mas andando deliberadamente, como alguém que é tardio em irar-se. Isto nos ensina uma lição: quando formos provocados, não devemos ser acalorados nem apressados, mas falar e agir de maneira ponderada, e não precipitadamente. Ele veio na virada do dia, não à noite, quando todos os temores são duplamente amen- drontadores. Não no calor do dia, pois Ele não veio no ca­lor da sua ira. Não há indignação nele, Isaías 27.4. O Se­nhor também não veio repentinamente sobre eles. Mas eles ouviram a sua voz a alguma distância, avisando-os da sua chegada, e provavelmente era uma voz tranqüila e baixa, como aquela com a qual Ele veio fazer perguntas a Elias (1 Rs 19.13). Alguns pensam que eles o ouviram fa­lando consigo mesmo, a respeito do pecado de Adão, e do julgamento que lhe devia ser feito, talvez como foi feito a respeito de Israel, Oséias 11.8,9. Como te entregaria? Ou, talvez, tenham-no ouvido chamando por eles, e vindo em sua direção. (2) Qual foi o resultado e a evidência do seu medo: Eles se esconderam da presença do Senhor Deus. Que triste mudança! Antes que pecassem, se ti­vessem ouvido a voz do Senhor Deus vindo em sua dire­ção, teriam feito tudo para encontrá-lo, e com humilde alegria teriam acolhido as Suas graciosas visitas. Mas, agora que a situação era outra, Deus tinha se tornado um terror para eles, e então não é de admirar que eles tivessem se tornado um terror para si mesmos, e esti­vessem cheios de confusão. Suas próprias consciências os acusavam, e apresentavam o seu pecado diante deles, com os seus verdadeiros matizes. As folhas de figueira não lhes serviram para nada. Deus tinha vindo contra eles, como um inimigo, e toda a criação estava em guerra contra eles. E como não sabiam de nenhum mediador en­tre eles e um Deus irado, nada restava, exceto uma espe­ra temerosa pelo julgamento, que era garantido. No seu temor, esconderam-se entre as árvores. Tendo pecado, fugiram para elas. Sabendo que eram culpados, eles não suportaram um julgamento, mas se esconderam, e fugi­ram da justiça. Veja aqui: [1] A falsidade do tentador, e as fraudes e falácias das suas tentações. Ele lhes tinha pro­metido que estariam a salvo, mas agora não se julgavam mais a salvo. Ele lhes tinha dito que eles não morreriam, e agora eram forçados a fugir para se salvarem. Ele lhes tinha prometido que teriam aprimoramento, mas eles se viam tão inferiores como nunca tinham se sentido até agora. Ele lhes tinha prometido que eles teriam conhe­cimento, mas eles se viam confusos, e mal sabiam onde poderiam se esconder. Ele lhes tinha prometido que se­riam como deuses, grandiosos, e corajosos, e ousados, mas eles se tornaram como criminosos descobertos, trê ­mulos, pálidos e ansiosos por escapar. Eles não quiseram ser súditos, e por isto se tornaram prisioneiros. [2] A to­lice dos pecadores, em pensar que é possível ou desejável esconder-se de Deus: podem eles se esconder do Pai das luzes? Salmos 139.7ss.; Jeremias 23.24. Eles se retirarão da fonte da vida, sendo que somente ela pode dar aju­da e felicidade? Jonas 2.8. [3] O medo que acompanha o pecado. Todo aquele medo assombroso da aparição de Deus, as acusações de consciência, as aproximações dos problemas, os ataques de criaturas inferiores, e as sen­tenças de morte, que são comuns entre os homens, sãoo resultado do pecado. Adão e Eva, que eram parceiros

no pecado, compartilhavam a vergonha e o medo que o acompanhavam. E embora estivessem de mãos dadas (as mãos tão recentemente unidas em matrimônio), eles não conseguiam se animar nem se fortalecer: tinham se tor­nado infelizes consoladores um para o outro!

A Queda do Homemw. 9,10

Aqui temos a acusação destes desertores diante do justo Juiz do céu e da terra que, embora não se limite a observar formalidades, ainda assim procede no caso deles com toda a justiça possível, para que possa ser jus­tificado quando falar. Observe aqui:T A assustadora pergunta com que Deus perseguiu X Adão e o prendeu: Onde estás? Não como se Deus não soubesse onde ele estava. Mas desta maneira Ele iniciava o processo contra Adão. “Vamos, onde está este homem tolo?” Alguns a interpretam como uma pergunta que expressa desgosto: “Pobre Adão, o que aconteceu contigo? Ai de ti!” (segundo a interpretação de alguns). Como caíste do céu, ó Lúcifer, estrela da manhã! “Você, que era meu amigo e favorito, pelo qual Eu tanto fiz, e teria feito muito mais. Agora você me abandonou, e se arruinou? As coisas chegaram a este ponto?” Esta é mais uma pergunta de censura, para a sua condenação e humi­lhação: Onde estás? A pergunta não foi: Em que lugar? mas: Em que condição? Isto é tudo o que você conse­guiu, ao comer o fruto proibido? Você, que queria com­petir comigo, agora foge de mim. Observe: 1. Aqueles que, pelo pecado, se afastam de Deus, devem considerar seriamente onde estão. Eles estão afastados de todo o bem, em meio aos seus inimigos, escravizados a Satanás e a caminho da destruição completa. Esta procura por Adão pode ser considerada como uma busca graciosa, por gentileza a ele, e procurando a sua recuperação. Se Deus não o tivesse chamado, para reivindicá-lo, a condi­ção de Adão teria sido tão desesperadora quanto a dos anjos caídos. Esta ovelha perdida teria vagado incessan­temente, se o bom Pastor não a tivesse procurado, para trazê-la de volta. Para isto, era necessário lembrá-la de onde ela estava, de onde não deveria estar, e de onde não poderia estar nem feliz nem tranqüila. Observe: 2. Se os pecadores apenas considerassem onde estão, eles não descansariam enquanto não retornassem a Deus.

A resposta trêmula que Adão deu a esta pergun­ta: Ouvi a tua voz soar no jardim, e temi, v. 10. Ele

não reconhece a sua culpa, mas na verdade a confessa, reconhecendo a sua vergonha e o seu medo. Mas há uma falha e uma tolice comuns àqueles que fazem algo erra­do: quando são questionados a este respeito, não reco­nhecem nada além daquilo que é tão evidente a ponto de não poderem negá-lo. Adão teve medo, porque estava nu. Não somente desarmado, e, portanto, temeroso de con­tender com Deus, mas despido, e por isto temeroso de aparecer diante dele. Nós temos motivos para ter medo de nos aproximar de Deus, se não estivermos revestidos e cercados com a justiça de Cristo. Pois nada, exceto a justiça do Salvador, será a armadura resistente capaz

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25 GÊNESIS S w. 11-13de cobrir a vergonha da nossa nudez. Portanto, devemos nos vestir do nosso Senhor Jesus Cristo, e então podere­mos nos aproximar com uma humilde ousadia.

A Queda do Homemw. 11-13

Aqui temos os criminosos julgados culpados, pela sua própria confissão, e ainda assim esforçando-se para desculpar e atenuar o seu pecado. Eles não podiam con­fessar e justificar o que tinham feito, mas confessam-no e tentam atenuá-lo. Observe:

I Como a confissão foi “arrancada” deles. Deus per­guntou ao homem: Quem te mostrou que estavas

nu?, v. 11. “Como você veio a perceber a sua nudez como sendo a sua vergonha?” Comeste tu da árvore proibi­da? Observe que embora Deus conheça todos os nossos pecados, ainda assim Ele deseja conhecê-los por nosso intermédio, e exige de nós uma sincera confissão. Não para que Ele possa ser informado, mas para que nós possamos ser humilhados. Neste interrogatório, Deus o lembra do mandamento que lhe tinha dado: Eu te orde­nei que não comesses, Eu, o teu Criador. Eu, o teu Se­nhor. Eu, o teu benfeitor. Eu te ordenei o contrário. O pecado parece mais claro, e mais pecaminoso sob a lente do mandamento, portanto Deus aqui a coloca diante de Adão. E, nela, nós deveríamos ver os nossos rostos. A pergunta feita à mulher foi: Que é isso que fizeste?, v. 13 (versão RA). Você também reconhece a sua falta, e a confessa? E você também reconhece que coisa má ela é? Observe que interessa àqueles que comeram o fruto proibido - e especialmente àqueles que levaram outros a comer da mesma maneira - considerar seriamente o que fizeram. Ao comer o fruto proibido, nós ofendemos um Deus grandioso e gracioso, infringimos uma lei justa, violamos um concerto sagrado e extremamente solene, e fizemos mal às nossas preciosas almas, perdendo o favor de Deus, expondo-nos à sua ira e maldição. Ao levar os outros a comê-lo, nós fazemos a obra do diabo, tornamo- nos culpados dos pecados de outros homens, contribuin­do para a sua destruição. Que é isso que fizemos?

n Como o seu crime foi atenuado por eles, na sua confissão. E ra inútil declarar-se inocente. A apa­

rência das suas fisionomias testificava contra eles. Por isto eles se tornaram seus próprios acusadores: “Eu comi”, diz o homem, “E eu também comi”, diz a mulher. Pois quando Deus julgar, Ele irá dominar. Mas estas não parecem confissões penitentes. Pois em vez de agravar o pecado, e assumir a vergonha, eles procuram desculparo pecado, tentando lançar a vergonha e a culpa sobre ou­tros. 1. Adão coloca toda a culpa sobre a sua esposa. Ela me deu da árvore e forçou-me a comê-lo, e comi somente para. agradá-la. Uma desculpa frívola. Ele deveria tê-la ensinado, e não ter sido ensinado por ela. E não é difícil determinar por quem ele deveria ter sido governado, pelo seu Deus, ou pela sua esposa. Aprendam, portanto, a nunca serem levados ao pecado por aqueles que não os livrarão do julgamento. Não cumpramos uma ordem que não nos isentará do julgamento. Portanto, nunca seja­

mos dominados pela insistência, para agir contra as nos­sas consciências, nem jamais desagrademos a Deus, nem mesmo para satisfazer ao melhor amigo que tivermos no mundo. Mas isto não é o pior. Ele não somente coloca a culpa sobre a sua esposa, mas também a expressa tão tacitamente, que ela chega a se refletir no próprio Deus: Foi a mulher que me deste por companheira e amiga. Ela me deu da árvore - caso contrário, eu não o teria comi­do. Desta maneira, ele insinua que Deus foi cúmplice do seu pecado: Ele lhe deu a mulher, e ela lhe deu o fruto. De modo que ele parecia tê-lo tomado da própria mão de Deus. Observe que existe uma estranha inclinação na­queles que são tentados, de dizer que são tentados por Deus, como se os nossos maus usos dos dons de Deus pudessem desculpar a nossa violação às leis de Deus. Deus nos dá riquezas, honras e relacionamentos, para que possamos servi-lo alegremente desfrutando tudo isto. Mas, se nos aproveitarmos de todos estes recursos para pecar contra Ele, em vez de culpar a Providência por nos colocar em tal situação, devemos culpar a nós mesmos, por pervertermos os graciosos desígnios que a Providência tinha em relação a eles. 2. Eva coloca toda a culpa sobre a serpente: A serpente me enganou. O pecado é como uma criança problemática que ninguém deseja reconhecer, e este é um sinal de que é uma coisa escandalosa. Aqueles que estão suficientemente dispos­tos a receber o prazer e o lucro do pecado são suficien­temente tardios para assumir a culpa e a vergonha dele. A serpente, aquela criatura sutil, da tua criação, que tu permites que venha ao paraíso até nós, me enganou, ou fez-me errar. Pois os nossos pecados são os nossos erros. Aprendamos, então: (1) Que as tentações de Satanás são todas enganos, os seus argumentos são todos falácias, e os seus atrativos são todos trapaças. Quando ele falar po­lidamente, não creia nele. 0 pecado nos engana, e, enga­nando-nos, nos ludibria. E pela falsidade do pecado que o coração se endurece. Veja Romanos 7.11; Hebreus 3.13.(2) Que, embora a sutileza de Satanás nos atraia ao peca­do, ainda assim não nos justifica no pecado: embora ele seja o tentador, nós somos os pecadores. E, na verdade, é a nossa própria concupiscência que nos atrai e engoda, Tiago 1.14. Portanto, que a nossa tristeza e humilhação pelo pecado não diminuam porque fomos enganados para cometê-lo. Mas, em vez disto, que aumente a nossa indignação o fato de que permitimos ser enganados por um trapaceiro conhecido, e um inimigo declarado. Bem, isto é tudo o que os prisioneiros no tribunal têm a dizer em sua defesa, tentando fazer com que a sentença não seja proferida, e a execução levada a cabo, segundo a lei. Porém esta tentativa é igual a nada, e, em alguns aspec­tos, pior do que nada.

A Serpente É Condenada. A Indicação do Messiasw . 14,15

Como os prisioneiros foram considerados culpados, pela sua própria confissão, além do conhecimento pesso­al e infalível do Juiz, e nada relevante foi oferecido para a suspensão do julgamento, Deus imediatamente passa à sentença: e, nestes versículos, Ele começa (onde começou

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vv. 14,15 GÉNESIS 3 26o pecado) com a serpente. Deus não interrogou a serpen­te, nem lhe perguntou o que ela tinha feito, nem por que o tinha feito. Mas imediatamente a condenou: 1. Porque ela já estava condenada pela rebelião contra Deus, e sua maldade e perversidade eram notórias, não descobertas por alguma investigação secreta, mas abertamente con­fessadas e declaradas, como as de Sodoma. 2. Porque ela deveria ser, para sempre, excluída de qualquer esperan­ça de perdão. E por que qualquer coisa deveria ser dita para convencer e humilhar aquele que não encontraria lugar para arrependimento? A sua ferida não era pro­curada, porque não deveria ser curada. Alguns pensam que a condição dos anjos caídos não havia sido declarada desesperadora e impotente até o momento em que eles atraíram o homem à rebelião.

I A sentença proferida contra o tentador pode ser con­siderada como um raio sobre a serpente. O animal que Satanás usou foi - como todos os demais - criado para servir ao homem, mas agora era mal utilizado, para

feri-lo. Portanto, para testificar sobre o desprazer pelo pecado, e o ciúme pela honra ferida de Adão e Eva, Deus lança uma maldição e uma repreensão sobre a serpente, e a faz gemer, sobrecarregada. Veja Romanos 9.20. Os instrumentos do diabo devem compartilhar a punição do diabo. Assim os corpos dos ímpios, embora não passem de instrumentos de injustiça, deverão compartilhar os tormentos eternos com a alma, o agente principal. Até mesmo o boi que matar um homem deverá ser apedreja­do, Êxodo 21.28,29. Veja aqui como Deus odeia o pecado, e especialmente o quanto Ele se desagrada com aqueles que levam outros ao pecado. O fato de Jeroboão levar Israel a pecar é uma mácula perpétua sobre o seu nome. Bem: 1. A serpente aqui recebe a maldição de Deus: maldita serás mais que todos os animais do campo. Até mesmo as criaturas rastejantes, quando Deus as criou, foram abençoadas por Ele (cap. 1.22), mas o pecado transformou a benção em uma maldição. A serpente era mais sutil do que todas as alimárias cio campo (v. 1), e aqui, é amaldiçoada, mais do que toda besta do campo. A sutileza não santificada freqüentemente prova ser uma grande maldição ao homem. E quanto mais astutos os homens forem para fazer o mal, mais danos causarão, e, conseqüentemente, receberão maior condenação. Os tentadores sutis são as criaturas mais amaldiçoadas sob o sol. 2. Aqui a serpente é colocada sob a reprovação e a inimizade do homem. (1) Ela será sempre considera­da como uma criatura vil e desprezível, merecedora de escárnio e desprezo: Sobre o teu ventre andarás, arras­tando-te durante todo o tempo, o ventre agarrando-se à terra, uma expressão de condição miserável e abjeta. Salmos 44.25. E não poderás evitar comer pó com o teu alimento. Seu crime foi tentar Eva a comer o que ela não deveria ter comido. Seu castigo era que necessitaria co­mer o que não desejaria comer: “e pó comerás”. Isto in­dica não somente uma condição vil e desprezível, mas um espírito inferior e merecedor de piedade. Sobre aqueles cuja coragem os deixou, está escrito que lamberão o pó como serpentes, Miquéias 7.17. Como é triste que a mal­dição da serpente seja a escolha dos mundanos cobiço­sos, cujo caráter é suspirar pelo pó da terra! Amós 2.7. Estes escolhem as suas próprias ilusões, e assim será a

sua condenação. (2) Ela será, para sempre, considerada uma criatura venenosa e nociva, merecedora de ódio e abominação: porei inimizade entre ti e a mulher. Sendo as criaturas inferiores criadas para o homem, era uma maldição que qualquer uma delas fosse voltada contra o homem, e o homem se voltasse contra elas. E isto faz parte da maldição da serpente. A serpente é nociva ao homem, e freqüentemente fere o seu calcanhar, porque não consegue alcançar nenhum ponto mais alto. Na ver­dade, está registrado que ela morde os calcanhares dos cavalos, cap. 49.17. Mas o homem é vitorioso sobre a serpente, e fere a sua cabeça, isto é, dá-lhe uma ferida mortal, visando destruir toda a geração de víboras. O re­sultado desta maldição sobre a serpente é que, embora esta criatura seja sutil e muito perigosa, ainda assim ela não é vitoriosa (como seria, se Deus lhe desse permissão) em se tratando da destruição da humanidade. Esta sen­tença proferida sobre a serpente é muito fortalecida por aquela promessa de Deus ao seu povo: Pisarás o leão e a áspide (SI 91.13), e a de Cristo aos seus discípulos: Pe­garão nas serpentes (Mc 16.18). O apóstolo Paulo é tes­temunha da fidelidade de Deus e da absoluta veracidade de sua promessa, pois não foi mortalmente ferido pela víbora que lhe acometeu a mão. Observe que a serpente e a mulher acabavam de ficar muito amigas e familia­rizadas na conversa sobre o fruto proibido, e havia um entendimento “maravilhoso” entre elas. Mas aqui elas são irreconciliavelmente colocadas em discórdia. Note que as amizades pecaminosas terminam, com razão, em contendas mortais: aqueles que se unem na iniqüidade não permanecem unidos por muito tempo.

n Esta sentença pode ser considerada como igual à do diabo, que somente fez uso da serpente como seu instrumento nesta manifestação, mas foi ele mesmo o agente principal. Aquele que falou por meio da boca da serpente aqui é golpeado, como se fosse golpeado na

parte lateral da serpente. E o objetivo principal desta sentença é ser semelhante à coluna de fogo e nuvem que tem um lado escuro, voltado para o diabo, e um claro, vol­tado para os nossos primeiros pais e a sua descendência. Grandes coisas estão contidas nestas palavras.

1. Uma censura perpétua aqui é atribuída àquele grande inimigo, tanto de Deus quanto do homem. Sob o disfarce de serpente, aqui ele é condenado a ser: (1) Desprezado e amaldiçoado por Deus. Supõe-se que o pe­cado que converteu anjos em demônios foi o orgulho, que aqui é devidamente punido com uma grande variedade de mortificações, veladas sob as circunstâncias inferio­res de uma serpente rastejando sobre o seu ventre, e lambendo o pó. Como caíste do céu, ó Lúcifer! Aquele que desejava estar acima de Deus, e liderou uma rebe­lião contra Ele, é aqui devidamente exposto ao desprezo, e deverá ser pisoteado. O orgulho de um homem o fará cair, e Deus humilhará aqueles que não se humilharem.(2) Detestado e odiado por toda a humanidade. Mesmo aqueles que são realmente seduzidos aos interesses do diabo, professam sentir ódio e abominação por ele. E todo aquele que é nascido de Deus, conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca, 1 João 5.18. Aqui ele é condenado a um estado de guerra e inimizade irrecon­ciliável. (3) Destruído e arruinado, por fim, pelo grande

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27 GÊNESIS 3 v. 16Redentor, o que é representado pelo ferimento da sua ca­beça. A sua política sutil será completamente frustrada, o seu poder usurpado será completamente esmagado, e ele será, para sempre, cativo da honra injuriada da sobe­rania divina. Sabendo disto desde agora, o diabo já está sendo atormentado antes da hora.

2. Uma disputa eterna aqui tem início, entre o reino de Deus, e o reino do diabo entre os homens. Uma guer­ra é proclamada entre a semente da mulher e a semen­te da serpente. Aquela batalha no céu, entre Miguel e o dragão, teve início agora, Apocalipse 12.7. Observe os frutos desta inimizade: (1) O fato de que exista um con­flito contínuo entre a graça e a corrupção, nos corações do povo de Deus. Satanás, por meio da sua corrupção, os ataca, os golpeia, os testa e tenta devorá-los. Eles, pelo exercício das suas graças, resistem a ele, lutam com ele, extinguem seus dardos inflamados, e o forçam a fugir deles. O céu e o inferno nunca poderão se reconciliar, nem a luz e as trevas. Muito menos Satanás e uma alma santificada, pois um é absolutamente contrário ao outro.(2) Que exista, da mesma maneira, uma luta contínua entre os ímpios e os crentes fiéis neste mundo. Aqueles que amam a Deus consideram seus inimigos aqueles que odeiam o precioso Senhor, Salmos 139.21,22. E toda a fú­ria e maldade dos perseguidores contra o povo de Deus são frutos desta inimizade, que irá continuar enquanto houver um homem fiel ao Senhor lutando pelos interes­ses do céu, e um homem ímpio lutando pelos interesses do inferno. Não vos maravilheis, se o mundo vos aborre­ce, 1 João 3.13.

3. Aqui é feita uma promessa graciosa a respeito de Cristo, aquele que irá libertar os homens caídos do poder de Satanás. Embora o que foi dito fora dirigido à serpente, foi dito para ser ouvido pelos nossos primeiros pais que, sem dúvida, receberam as indicações da graça que aqui lhes foi dada, e viram uma porta de espei-ança que se abria para eles. Caso contrário, a sentença se­guinte, proferida contra eles, os teria esmagado. Aqui está o amanhecer do dia do Evangelho. Antes que a fe­rida fosse feita, o remédio foi providenciado e revelado. Aqui, no princípio do livro, como está escrito (Hb 10.7), no princípio da Bíblia, está escrito a respeito de Cris­to, e de sua disposição para fazer a vontade de Deus Pai. Pela fé nesta promessa, temos razão para pensar que os nossos primeiros pais, e os patriarcas, antes do dilúvio, foram justificados e salvos. Também podemos ter a certeza de que esperaram ansiosamente por esta promessa, e pelos seus benefícios, servindo a Deus de dia e de noite. Aqui três coisas lhes são ditas, a respeito de Cristo: (1) Sua encarnação, que Ele seria a semente da mulher, a semente daquela mulher. Portanto, a sua genealogia (Lc 3) vai tão alto, a ponto de mostrar que Ele era filho de Adão, mas Deus dá à mulher a honra de chamá-lo de semente dela, porque foi ela a quem o dia­bo enganou, e nela Adão tinha lançado a culpa. Assim, Deus engrandece a sua graça pelo fato de que, embora a mulher tivesse sido a primeira na transgressão, ainda assim ela seria salva dando à luz filhos (assim alguns interpretam), isto é, pela semente prometida que des­cenderia dela, 1 Timóteo 2.15. Da mesma maneira, Ele deveria ser a semente de uma mulher singular, de uma virgem, para que não fosse manchado pela corrupção

da nossa natureza. O Senhor Jesus foi enviado, nascido de mulher (G14.4), para que esta promessa pudesse ser cumprida. É um grande encorajamento para os pecado­res que o seu Salvador seja a semente da mulher, osso dos nossos ossos, Hebreus 2.11,14. O homem é, portan­to, pecador e impuro porque nasce da mulher (Jó 2-5.4), e, portanto, os seus dias são repletos de inquietação, Jó 14.1. Mas a semente da mulher se fez pecado e uma maldição por nós, salvando-nos, desta maneira, tanto do pecado quanto da maldição. (2) Seus sofrimentos e a sua morte, indicados pelo fato de que Satanás fere o seu calcanhar, isto é, a sua natureza humana. Satanás tentou a Cristo no deserto, para atrai-lo ao pecado. E alguns pensam que foi Satanás que aterrorizou a Cristo na sua agonia, para levá-lo ao desespero. Foi o diabo que colocou no coração de Judas o desejo de trair a Cristo. No de Pedro, o de negá-lo. No dos principais dos sacer­dotes, o de levá-lo a juízo. No das falsas testemunhas, o de acusá-lo. E no de Pilatos, o de condená-lo, e tudo isto, com o objetivo de, destruindo o Salvador, destruir e arruinar a salvação. Mas, ao contrário, foi através da morte que Cristo destruiu aquele que tinha o império da morte, Hebreus 2.14. O calcanhar de Cristo foi fe­rido quando os seus pés foram perfurados e pregados à cruz, e os sofrimentos de Cristo continuam nos sofri­mentos dos santos que sofrem por causa do seu nome.O diabo os tenta, os lança na prisão, os persegue e os assassina, ferindo, desta maneira, o calcanhar de Cris­to, que se aflige com as aflições dos seus servos amados. Mas, enquanto o calcanhar é ferido na terra, temos um conforto: a cabeça está a salvo, no céu. (3) Sua vitória sobre Satanás, conseqüentemente. Satanás tinha agora maltratado a mulher, e a tinha insultado. Mas a semen­te da mulher se ergueria, na plenitude do tempo, para vingar a contenda pela mulher, e para pisotear a ser­pente, para despojá-la, aprisioná-la e triunfar sobre ela, Colossenses 2.15. Ele ferirá a sua cabeça, isto é, Ele destruirá toda a sua política, e todos os seus poderes, e destruirá completamente o seu reino e os seus interes­ses. Cristo frustrou as tentações de Satanás, resgatou as almas das suas mãos, expulsou-o dos corpos das pes­soas, despojou os fortes homens armados, e dividiu os seus despojos. Através da sua morte, Ele desferiu um golpe fatal e incurável contra o reino do diabo, fazendo uma ferida na cabeça desta fera, que nunca poderá ser curada. A medida que o seu Evangelho ganha terreno, Satanás cai (Lc 10.18), e é amarrado, Apocalipse 20.2. Pela sua graça, Ele esmaga Satanás debaixo dos pés do seu povo (Rm 16.20), e em breve irá lançá-lo no lago de fogo e enxofre, Apocalipse 20.10. E a derrota perpétua do diabo será a completa e eterna alegria e glória do remanescente escolhido.

A Sentença de Eva E Proferidav. 16

Aqui temos a sentença proferida à mulher, pelo seu pecado. Ela é condenada a duas coisas: uma condição de sofrimento, e um estado de submissão, punições adequa­das para um pecado pelo qual ela tinha satisfeito o seu prazer e o seu orgulho.

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w. 17-19 GÊNESIS 3 28

I Aqui ela é colocada em um estado de sofrimento, do qual somente um detalhe é especificado, o de ter fi­

lhos. Mas ele inclui todas aquelas impressões de tristeza e medo que a mente do sexo mais frágil é mais capaz de absorver, e todas as calamidades comuns às quais elas estão sujeitas. Observe que o pecado trouxe o sofri­mento ao mundo. Foi isto que fez do mundo um vale de lágrimas, trouxe chuvas de problemas sobre as nossas cabeças, e abriu fontes de tristezas nos nossos corações, desta maneira alagando o mundo: se não tivéssemos co­nhecido a culpa, não teríamos conhecido a tristeza e o sofrimento. As dores do parto, que são grandes para um provérbio, um provérbio das Escrituras, são o resultado do pecado. Cada dor e cada gemido da mulher que dá à luz expressam as conseqüências fatais do pecado: este é o resultado de comer o fruto proibido. Observe: 1. Aqui está escrito que os sofrimentos são multiplicados, mul­tiplicados grandemente. Todas as tristezas desta época atual assim o são. Muitas são as calamidades às quais está sujeita a vida humana, de vários tipos, e freqüente­mente repetidas. Elas são como as nuvens que retornam depois da chuva, e não é de admirar que os nossos sofri­mentos sejam multiplicados, quando os nossos pecados também o são: ambos são males incontáveis. As dores da concepção são multiplicadas. Pois incluem não somente os espasmos do parto, mas as indisposições anteriores (esta é a tristeza da concepção), e o trabalho de amamen­tação e as aflições, depois. E depois de tudo, se os filhos se tornarem ímpios e tolos, serão, mais do que nunca, um peso para aquela que os gerou. Desta maneira são multiplicadas as dores. Quando termina uma dor, outra a sucede, neste mundo. 2. É Deus que multiplica as nos­sas dores: “Eu o farei”. Deus, sendo um Juiz justo, o faz, e isto deveria nos silenciar sob todas as nossas dores. Por mais numerosas que elas sejam, nós as merecemos todas, e ainda mais. Na verdade, Deus como um Pai amo­roso, o faz para a nossa necessária correção, para que possamos ser humilhados pelo pecado, e desacostuma­dos do mundo, através de todos os nossos sofrimentos. E o bem que conseguimos com eles, e o consolo que temos por eles, irão abundantemente equilibrar as nossas tris­tezas, não importando o quão grandemente elas sejam multiplicadas.

n Aqui a mulher é colocada em uma condição de submissão. O sexo feminino que, pela criação, era igual ao sexo masculino, agora, pelo pecado, se tornou inferior, e proibido de usurpar autoridade, 1 Timóteo

2.11,12. A esposa, particularmente, aqui é colocada sobo domínio do seu esposo, e não está sui ju ris - à sua própria disposição, e sobre isto veja um exemplo naque­la lei, Números 30.6-8, em que o esposo tem o poder, se assim o desejar, de anular os votos feitos pela sua esposa. Esta sentença só se equipara àquele mandamento: “Vós, mulheres, sede sujeitas ao vosso próprio marido”. Mas a aparição do pecado fez daquele dever uma punição, que, não fosse por isto, não teria existido. Se o homem não ti­vesse pecado, ele teria sempre governado com sabedoria e amor. E, se a mulher não tivesse pecado, ela sempre teria obedecido com humildade e mansidão. E o domínio, então, não representaria nenhum descontentamento: mas o nosso próprio pecado e tolice tornaram pesado o

nosso jugo. Se Eva não tivesse comido o fruto proibido, e não tivesse tentado o seu marido para comê-lo também, ela nunca teria reclamado da sua submissão. Portanto, ela não deve ser objeto de reclamação, por mais difícil que seja. Mas sim o pecado, que a tornou assim. As es­posas que não somente desprezam e desobedecem aos seus esposos, mas os dominam, não consideram que não somente estão violando uma lei divina, mas também im­pedindo a execução de uma sentença divina.

Observe aqui como a misericórdia se mescla com a ira, nesta sentença. A mulher sente

tristeza, quando está para dar à luz. Mas, a tristeza será esquecida pelo prazer de haver nascido um homem no mundo, João 16.21. Ela será submissa, mas será ao seu próprio marido, que a ama, e não a um estranho ou inimi­go: a sentença não era uma maldição, para trazê-la à ru ­ína, mas uma punição, para trazê-la ao arrependimento. Foi bom que não foi posta uma inimizade entre o homem e a mulher, como aconteceu entre a serpente e a mulher.

A Sentença de Adão É Proferida. As Conseqüências da Quedaw. 17-19

Aqui temos a sentença proferida a Adão, que é in­troduzida por uma narração do seu crime: “Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher”, v. 17. Ele justificou a sua falta, atribuindo-a à sua esposa: “Ela me deu” (v. 12). Mas Deus não aceita a justificativa. Ela podia somente tentá-lo, mas não podia forçá-lo. Embora fosse uma falta dela persuadi-lo a comer, foi uma falta dele dar ouvidos a ela. Desta maneira, as alegações frívolas dos homens, no dia do julgamento de Deus, não somente serão rejeita­das, mas se voltarão contra eles, e formarão as bases da sua sentença. “Pela tua boca te julgarei”. Observe:

I Deus coloca as marcas do seu desagrado com Adão em três aspectos:1. Seu lugar de residência é, com esta sentença,

amaldiçoado: “Maldita é a terra por causa de ti”. E o re­sultado desta maldição é: “Espinhos e cardos também [a terra] te produzirá”. Aqui está indicado que a sua residência seria mudada. Ele não mais moraria em um paraíso distinto e abençoado, mas seria removido à terra comum, e amaldiçoada. O solo, ou a terra, aqui significa toda a criação visível, que, devido ao pecado do homem, está sujeita à futilidade ou à vaidade. Suas diversas par­tes se tornaram menos úteis ao conforto e à felicidade do homem do que tinham sido designadas a ser quando criadas, e do que teriam sido, se ele não tivesse pecado. Deus deu a terra aos filhos do homem, designando que fosse uma habitação agradável para eles. Mas o pecado alterou as suas propriedades. Agora ela está amaldiçoa­da, devido ao pecado do homem. Isto é, é uma moradia desonrosa, e indica que o homem é pobre, pois a sua mo­rada está na terra; é uma morada seca e estéril, os seus produtos espontâneos agora são ervas daninhas e espi­nhos, coisas ruins ou asquerosas. Qualquer bom fruto que ela produza terá que ser extraído pelo esforço e pelo trabalho do homem. A fertilidade era a sua bênção, para

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29 GÊNESIS 3 w. 17-19servir ao homem (cap. 1.11,29), e agora a esterilidade era a sua maldição, para a punição do homem. Ela não é mais o que era no dia em que foi criada. O pecado transformou uma terra frutífera em estéril. E o homem, tendo se tor­nado como o jumento bravo, tem a mesma sorte, o ermo por casa, e a terra salgada por morada, Jó 39.6; Salmos 68.6. Se esta maldição não tivesse sido parcialmente re­movida, pelo que eu sei, a terra teria sido estéril para sempre e nunca teria produzido nada além de espinhos e cardos. A terra é maldita, isto é, condenada à destruição no final dos tempos, quando a terra e todas as obras que nela estão serão queimadas, por causa do pecado, pois a medida desta iniqüidade será, então, completa, 2 Pedro3.7,10. Mas observe uma mistura de misericórdia nesta sentença. (1) O próprio Adão não é amaldiçoado, como foi a serpente (v. 14), mas somente a terra, por sua cau­sa. Deus tinha bênçãos nele, inclusive a santa semente: “Não o desperdices, pois há bênção nele”, Isaías 65.8. E o Senhor tem bênçãos reservadas para Adão. Por isto, ele não é amaldiçoado diretamente e imediatamente, mas, poderíamos dizer, indiretamente. (2) Ele ainda está aci­ma da terra. A terra não se abre e o traga. Somente as coisas não são mais como eram: da mesma maneira como ele continua vivo, apesar de ter degenerado da sua pure­za e retidão primitivas, também a terra continua sendo a sua morada, apesar de te r degenerado da sua beleza e fertilidade primitivas. (3) Esta maldição sobre a terra, que destrói todas as expectativas de uma felicidade nas coisas de baixo, ou seja, nas coisas deste mundo, pode orientá-lo e motivá-lo a procurar bênçãos e satisfação somente nas coisas do alto.

2. As tarefas e os prazeres do homem se tornaram amargos para ele.

(1) Seu trabalho, a partir de agora, se tornará duro para ele, e ele o continuará com o suor do seu rosto, v. 19. Seu trabalho, antes do pecado, era um prazer cons­tante para ele, o jardim era, então, lavrado sem nenhum trabalho desconfortável, e guardado sem nenhuma pre­ocupação desconfortável. Mas agora o seu trabalho será cansativo, e desgastará o seu corpo. Suas preocupações serão um tormento e afetarão a sua mente. A maldição sobre a terra, que a tornou estéril, e produziu espinhos e cardos, tornou o seu trabalho muito mais difícil e árduo. Se Adão não tivesse pecado, não teria suado por coisas que lhe seriam tão facilmente concedidas. Observe aqui que: [1] O trabalho é o nosso dever, e devemos realizá- lo fielmente. Nós somos obrigados a trabalhar, não so­mente como criaturas, mas como criminosos. Esta é uma parte da nossa sentença, que a ociosidade desafia com ousadia. [2] Este desconforto e cansaço com o trabalho são a nossa justa punição, à qual devemos pacientemente nos submeter, e da qual não devemos reclamar, uma vez que são menos do que merece a nossa iniqüidade. Não tornemos, com preocupações e trabalhos desordenados, a nossa punição mais pesada do que Deus a fez. Mas, em vez disto, tentemos diminuir a nossa carga, e enxugar o nosso suor, vendo em tudo a Providência, e esperando o descanso em breve.

(2) Seu alimento, a partir de então, se tornará (em comparação com o que tinha sido) desagradável para ele.[1] A substância do seu alimento foi alterada. Agora ele deve comer a erva do campo, e não mais se banqueteará

com as guloseimas do jardim do Éden. Tendo, pelo peca­do, se tornado como os animais que perecem, com razão ele se converte em um plebeu como eles, e deverá comer erva como os bois, até que saiba que os céus governam.[2] Existe uma mudança da maneira como ele come: com dor e fatiga (v. 17), e no suor do seu rosto (v. 19), ele deverá comer dela. Durante todos os dias da sua vida Adão não podia deixar de comer com dor e fatiga, lembrando-se do fruto proibido que tinha comido, e da culpa e da vergo­nha que ele tinha adquirido por causa disto. Observe, em primeiro lugar, que a vida humana está exposta a muitas desgraças e calamidades, que amargam muito as miga­lhas dos seus prazeres e delícias. Alguns nunca comem com prazer (Jó 21.25), mas com amargura ou melancolia. Todos, até mesmo os melhores, têm motivos para comer com dor, por causa do pecado. E todos, até mesmo os mais felizes neste mundo, têm algo que ameniza a sua alegria: exércitos de doenças, desastres, e mortes, em várias formas, vieram ao mundo com o pecado, e ainda o assolam. Em segundo lugar, que a justiça de Deus deve ser reconhecida em todas as tristes conseqüências do pe­cado. Por que, então, deveria um homem vivo reclamar? Ainda assim, nesta parte da sentença, há também uma mistura de misericórdia. Ele irá suar, mas o seu trabalho fará o seu descanso mais bem-vindo quando ele retor­nar a esta terra, como ao seu leito. Ele sofrerá, mas não passará fome. Ele terá dor, mas nesta dor, ele comerá pão, o que fortalecerá o seu coração sob esta dor. Ele não está condenado a comer pó, como a serpente, somente a comei’ a erva do campo.

3. A sua vida também será curta. Considerando quão repletos de problemas serão os seus dias, é em seu favor que estes serão poucos. Ainda assim, a morte, sendo ter­rível por natureza (sim, mesmo que a vida seja desagra­dável), conclui a sentença. “Tornarás à terra. Porque dela foste tomado”. O teu corpo, esta parte que foi tomada da terra, a ela tornará. Porquanto és pó. Isto aponta, ou para a primeira origem do seu corpo. Ele foi feito do pó, na verdade, ele foi feito pó, e ainda o era. De modo que somente era necessário cancelar a concessão da imorta­lidade, e retirar o podei’ que foi oferecido para apoiá-la, e então, ele retornaria, naturalmente, ao pó. Ou, à atual corrupção e degeneração da sua mente: “És pó” - isto é, a sua preciosa alma agora está perdida e enterrada no pó do corpo, e na lama da carne. Ela foi criada espiritual e celestial, mas tornou-se carnal e terrena. Desta maneira, o seu destino é lido: “Em pó te tornarás”. Seu corpo será abandonado pela sua alma, e se tornará um monte de pó. E então ele será colocado no sepulcro, o lugar adequado para ele, e se misturará com o pó da terra, o próprio pó, Salmos 104.29. Terra à terra, pó ao pó. Observe aqui: (1) Que o homem é uma criatura inferior e frágil, como o pó, o menor grão de pó da balança, leve como o pó, mais leve que a futilidade; é frágil como o pó, e sem nenhuma con­sistência. A nossa força não é a força das pedras. Aquele que nos fez considera isto, e lembra-se de que somos pó, Salmos 103.14. O homem é, na verdade, o princípio do pó do mundo (Pv 8.26), mas ainda é pó. (2) Que ele é uma criatura mortal e que se apressa em direção ao túmulo. O pó pode erguer-se, durante algum tempo, em uma pe­quena nuvem, e poderá parecer considerável, enquanto é sustentado pelo vento que o ergueu. Mas, quando esta

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v. 20 GÊNESIS 3 30força se acaba, ele cai novamente, e retorna à terra da qual se ergueu. Assim é o homem. Um grande homem é apenas uma grande massa de pó e deve retornar à sua terra. (3) Que o pecado trouxe a morte ao mundo. Se Adão não tivesse pecado, não teria morrido, Romanos5.12. Deus confiou a Adão uma faísca de imortalidade, que ele, por meio de uma paciente perseverança no ca­minho do bem, poderia te r expandido e convertido em uma chama eterna. Mas, tolamente, ele a apagou, pelo pecado voluntário: e agora a morte é o salário do pecado, e o pecado é o aguilhão da morte.

n Nós não podemos escapar desta sentença que foi infligida sobre os nossos primeiros pais, com a qual, até hoje, estamos todos tão intimamente envolvi­dos, e que sentimos de uma maneira tão forte, até que tenhamos considerado duas coisas:

1. Quão adequadamente as tristes conseqüências do pecado sobre a alma de Adão, e a sua raça pecadora, foram representadas e calculadas por esta sentença - e talvez houvesse nela mais objetivos do que nos damos conta. Embora somente seja mencionada a desgraça que afetava o corpo, este era um padrão de desgraças espi­rituais, a maldição que caía sobre a alma. (1) As dores de uma mulher ao dar à luz representam os terrores e sofrimentos de uma consciência culpada, desperta a um sentimento de pecado. A partir da concepção da luxúria, estas dores são grandemente multiplicadas, e, mais cedo ou mais tarde, cairão sobre o pecador, como a dor que vem sobre uma mulher ao dar à luz, e que não pode ser evitada. (2) O estado de submissão ao qual a mulher foi reduzida representa a perda da liberdade espiritual e do livre arbítrio. Este é o resultado do pecado. O domínio do pecado sobre a alma é comparado ao de um esposo (Rm 7.1-5). O desejo do pecado é dirigido ao pecador, pois ele aprecia a escravidão. E assim o pecado o governa. (3) A maldição de esterilidade que caiu sobre a terra, e a sua produção de espinhos e cardos, são uma representação adequada da esterilidade de uma alma corrupta e pe­caminosa que deveria ser boa, mas que dá frutos maus. Ela está toda cheia de cardos, e a sua superfície, cober­ta de urtigas. Portanto, é praticamente uma maldição, Hebreus 6.8. (4) O trabalho árduo e o suor traduzem a dificuldade sob a qual, por causa da fraqueza da carne, o homem trabalha a serviço de Deus e da obra da religião, pois agora ficou muito difícil entrar no reino do céu. Ben­dito seja Deus, por isto não ser impossível. (5) O fato de que o seu alimento lhe seja amargo traduz a necessidade que a alma tem do consolo do favor de Deus, que é vida, e o pão da vida. (6) Se não fosse o Senhor, a alma, como o corpo, iria ao pó deste mundo. Esta seria a sua ten­dência. O corpo retorna ao pó porque tem uma mancha terrena, João 3.31.

2. A compensação que o nosso Senhor Jesus fez, por meio de sua morte e de seus sofrimentos, respondeu de um modo admirável à sentença aqui proferida contra os nossos primeiros pais. (1) As dores do parto surgiram com o pecado? Nós lemos sobre o trabalho da alma de Cristo (Is 53.11). E as dores da morte que o retinham são chamadas odinai (At 2.24), as dores de uma mulher no parto. (2) A submissão surgiu com o pecado? Cristo nas­ceu sujeito à lei, Gálatas 4.4. (3) A maldição surgiu com

o pecado? Cristo se fez maldição por nós, e sofreu uma morte maldita, Gálatas 3.13. (4) Os espinhos surgiram com o pecado? Ele foi coroado com espinhos, por nós. (5) O suor surgiu com o pecado? Por nós, Ele suou grandes gotas de sangue. (6) A tristeza surgiu com o pecado? Ele foi um homem de tristeza, a sua alma, na sua agonia, es­tava extremamente entristecida. (7) A morte surgiu como pecado? Ele foi obediente até à morte. Assim, o curati­vo é tão grande quanto a ferida. Bendito seja Deus, por Jesus Cristo!

v. 20Como Deus tinha dado nome ao homem, e o tinha

chamado Adão, que significa terra vermelha, Adão, como sinal de domínio, deu nome à mulher, e a chamou Eva, isto é, vida. Adão traz o nome do corpo que morre, e Eva,o da alma vivente. A razão do nome é aqui fornecida (al­guns acreditam que por Moisés, o historiador, e outros, pelo próprio Adão): Porque ela era (isto é, viria a ser) a mãe de todos os viventes. Ele a tinha chamado antes Ishah - mulher, como uma esposa. Aqui ele a chama de Eva - vida, como mãe. Bem: 1. Se isto foi feito por orien­tação divina, foi um exemplo do favor de Deus, e, como os novos nomes de Abraão e Sara, foi um selo do concerto, e uma garantia a eles de que, apesar do seu pecado e do desprazer de Deus com eles por causa de tamanha trans­gressão, Ele não tinha revertido aquela bênção que lhes tinha dado: “Frutificai, e multiplicai-vos”. Da mesma ma­neira, era uma confirmação da promessa feita agora, de que a semente da mulher, desta mulher, feriria a cabeça da serpente. 2. Se Adão o fez por si só, foi um exemplo da sua fé na palavra de Deus. Sem dúvida isto não foi feito, como alguns suspeitam, em desprezo ou desafio à mal­dição, mas como uma humilde confiança na bênção. (1) A bênção do adiamento temporário de uma condenação nos traz uma grande admiração pela paciência de Deus. É impressionante que o Senhor tenha poupado tais peca­dores para que fossem os pais de todos os viventes, e que não fechasse imediatamente aquelas fontes de vida hu­mana e natureza, por não poderem produzir nada além de correntes poluídas e envenenadas. (2) A bênção de um Redentor, a semente prometida, que era esperada por Adão, que por esta razão chamou a sua esposa de Eva - vida. Pois este precioso Redentor seria a vida de todos os viventes, e nele todas as famílias da terra seriam abenço­adas. E é com esta esperança que Adão triunfa.

v. 21Aqui temos um exemplo adicional da preocupação de

Deus com os nossos primeiros pais, apesar do seu peca­do. Embora Ele corrija os seus filhos desobedientes, e os coloque sob as marcas do seu desprazer, ainda assim Ele não os deserda, mas, como um pai amoroso, provê a erva do campo como seu alimento, e túnicas de peles como suas vestes. Desta maneira o Pai satisfez as necessida­des do filho pródigo, Lucas 15.22,23. Se o Senhor Deus tivesse ficado satisfeito em matá-los, Ele não teria feito isto por eles. Observe que: 1. As roupas surgiram com

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31 GÊNESIS 3 w. 22-240 pecado. Nós não precisaríamos delas, fosse por defe­sa ou por decência, se o pecado não nos tivesse deixado nus, para nossa vergonha. Pouca razão, portanto, temos de nos orgulhar das nossas roupas, que são apenas os sinais da nossa pobreza e infâmia. 2. Quando Deus fez roupas para os nossos primeiros pais, Ele as fez quen­tes e resistentes, mas grosseiras, e muito simples: não foram vestes de púrpura, mas túnicas de peles. Suas roupas foram feitas, não de seda e cetim, mas de sim­ples peles. Não adornadas, nem bordadas, não tinham nenhum dos ornamentos que as filhas de Sião inventa­ram posteriormente, e dos quais se orgulhavam. Que os pobres, que meramente se cobrem, aprendam, aqui, a não reclamar: tendo sustento e com que se cobrirem, es­tejam satisfeitos. Eles estão tão bem quanto Adão e Eva estavam. E que os ricos, que se cobrem com elegância, aprendam aqui a não fazer da vestimenta o seu adorno,1 Pedro 3.3. 3. Que Deus deve ser reconhecido com gra­tidão, não somente por nos dar alimento, mas também vestes, cap. 28.20. A lã e o linho são seus, assim como o grão e o mosto, Oséias 2.9. 4. Estas túnicas de peles tinham um significado. Os animais que forneceriam es­tas peles deveriam ser mortos, mortos diante deles, para mostrar-lhes o que é a morte. E, além disto, como está escrito em Eclesiastes 3.18, para que pudessem ver que eram em si mesmos como os animais - mortais e que a cada dia se aproximavam da morte. Supõe-se que aque­les animais tenham sido mortos não para servirem como alimento, mas para o sacrifício, para tipificarem o grande sacrifício que, no fim do mundo, seria oferecido de uma vez por todas. Desta forma, a primeira morte foi um sa­crifício, ou Cristo, que estava sendo tipificado ali, do qual se diz que é o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo. Estes sacrifícios foram divididos entre Deus e o homem, como um sinal da reconciliação: a carne foi ofe­recida a Deus, um holocausto completo. As peles foram dadas ao homem, para fazer as vestes, significando que, tendo Jesus Cristo se oferecido a Deus como um sacri­fício em cheiro suave, nós devemos nos vestir com a sua justiça, como uma veste, para que a vergonha da nossa nudez não apareça. Adão e Eva fizeram para si aventais de folhas de figueira, um cobertor muito estreito para que pudessem se cobrir com ele, Isaías 28.20. Assim são todos os trapos da nossa própria justiça. Mas Deus lhes fez túnicas de peles. Grandes, e resistentes, e duráveis, e adequadas para eles. Assim é a justiça de Cristo. Portan­to, vista-se do Senhor Jesus Cristo.

Adão e Eva São expulsos do Édenw. 22-24

Tendo sido proferida a sentença aos transgressores, aqui temos a execução, em parte, levada a cabo imedia­tamente. Observe aqui:

I Como eles foram, com razão, desgraçados e envergo­nhados diante de Deus e dos santos anjos, pela irô­

nica censura feita a eles, com o resultado do que tinham feito: “Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal”. Ele é um deus considerável! Não é mesmo? Veja o que ele conseguiu, as primazias, as vantagens, ao

comer o fruto proibido!” Isto foi dito para despertá-los e humilhá-los, e para fazê-los perceber o seu pecado e a sua tolice, e fazer com que se arrependessem, para que, ao verem-se tão miseravelmente enganados, por seguirem o conselho do diabo, eles pudessem, a partir de então, procurar a felicidade que Deus ofereceria, no caminho que Ele iria prescrever. Desta maneira, Deus enche de vergonha as suas faces, para que busquem o seu nome, Salmos 83.16. Ele os coloca nesta confusão, para que se convertam. Os verdadeiros penitentes irão recriminar a si mesmos: “Que fruto eu tenho agora, através do pe­cado? (Rm 6.21) Eu consegui o que tolamente prometi a mim mesmo, de uma maneira pecaminosa? Não, não, isto nunca provou ser o que fingia ser, mas exatamente o contrário”.

n Como eles foram descartados e rejeitados, com razão, e expulsos do paraíso, o que era uma parte da sentença, implícita na expressão: “Comerás a erva do campo”. Aqui, temos:

1. A razão que Deus apresentou, pela qual Ele ex­pulsava o homem do paraíso. Deus não só o expulsou por ter estendido a sua mão, e tomado da árvore da ciência (o que foi o seu pecado), mas para que não estendesse a sua mão, e tomasse também da árvore da vida (agora proibida a ele, pela sentença divina, assim como antes a árvore da ciência lhe era proibida pela lei), e ousasse comer daquela árvore, profanando, desta maneira, um sacramento divino, e desafiando uma sentença divina, adulando a si mesmo com o convencimento de que com isto viveria para sempre. Observe que: (1) Existe uma tendência tola naqueles que se fizeram indignos da es­sência dos privilégios cristãos, de tentar captar os seus sinais e sombras. Muitos que não gostam dos termos do concerto, apesar disto, por causa da sua reputação, gostam dos selos dele. (2) Não é somente justiça, mas também bondade, o fato de tais privilégios lhes serem negados. Pois, ao usurpar aquilo a que não têm direito, eles afrontam a Deus e tornam o seu pecado ainda mais odioso, e ao construir as suas esperanças sobre um fun­damento errado, eles fazem a sua conversão mais difícil, e a sua destruição, mais deplorável.

2. O método que Deus adotou, ao entregar-lhe esta carta de divórcio, e ao expulsá-lo e excluí-lo deste jardim de prazer. Ele o expulsou, e o manteve do lado de fora.

(1)0 Senhor o lançou fora do jardim, para a te rra co­mum. Isto é mencionado duas vezes: Ele “o lançou fora” (v. 23), e “havendo lançado fora”, v. 24. Deus lhe disse que saísse, disse-lhe que ali não havia lugar para ele, que ele não iria mais ocupar este jardim, nem desfrutar dele. Mas Adão gostava demais do lugar, para sair dele voluntariamente, e por isto Deus o expulsou, o fez sair, quer quisesse ou não. Isto significava a sua exclusão, e de toda a sua raça culpada, daquela comunhão com Deus, que era a bênção e glória do paraíso. Os sinais do favor de Deus a ele, e do seu deleite nos filhos dos homens, que ele tinha no seu estado inocente, agora estavam sus­pensos. As comunicações da sua graça estavam retidas, e Adão ficou fraco, e como os outros homens, como San- são, quando o Espírito do Senhor se tinha retirado dele. A sua intimidade com Deus havia diminuído e tinha se perdido, e aquela correspondência que tinha sido esta­

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w. 1,2 GÊNESIS 4 32belecida entre o homem e o seu Criador tinha sido in­terrompida. Ele foi expulso, como alguém indigno desta honra, e incapaz deste serviço. Desta maneira, ele e toda a humanidade, devido ao pecado, perderam a comunhão com Deus. Mas para onde Deus o enviou, quando o ex­pulsou do Éden? Ele poderia, com razão, tê-lo afugen­tado do mundo (Jó 18.18), mas somente o afugentou do jardim. Ele poderia, com razão, tê-lo lançado ao inferno, como fez com os anjos que pecaram, quando os expulsou do paraíso celestial, 2 Pedro 2.4. Mas o homem somente foi enviado para lavrar a terra, de que fora tomado. Ele foi enviado a um lugar de trabalho, não a um lugar de tormento. Ele foi enviado à terra, não ao sepulcro. Ao re- formatório, não à masmorra, não à prisão. Para tomar o arado, e não arrastar a corrente. Seu trabalho de lavrar a terra seria recompensado por comer dos seus frutos. E a sua convivência com a terra da qual foi tomado ti­nha bons propósitos: conservá-lo humilde e lembrá-lo do seu fim. Observe, então, que embora os nossos primeiros pais tenham sido excluídos do privilégio do seu estado de inocência, ainda assim não foram abandonados ao deses­pero, os pensamentos de Deus os designaram para um segundo estado de experiência, sob novos termos.

(2) Ele o expulsou, e o proibiu de qualquer esperan­ça de voltar a entrar. Pois colocou, ao oriente do jardim do Eden, um destacamento de querubins, exércitos de Deus, armados com um poder mortal e irresistível. Este poder foi representado por uma espada inflamada que andava ao redor, naquele lado do jardim que ficava pró­ximo ao lugar do qual Adão saiu, para guardar o caminho da árvore da vida, de modo que ele não pudesse roubar, nem forçar uma entrada. Pois quem pode atacar um anjo defensor, ou conseguir passar através da força? Isto in­dicou a Adão: [1] Que Deus estava descontente com ele. Embora o Senhor tivesse misericórdia reservada para ele, ainda assim, agora Ele estava irado com ele. Tinha passado a ser seu inimigo, e lutar contra ele, pois aqui havia uma espada desembainhada (Nm 22.23). Ê Ele era para ele como um fogo consumidor, pois era uma espada inflamada. [2] Que os anjos estavam em guerra contra ele. Não haveria paz com os exércitos celestiais, enquan­to Adão estivesse em rebelião contra o Senhor deles, e nosso. [3] Que o caminho para a árvore da vida estava fechado, ou seja, aquele caminho no qual, no princípio, ele tinha sido colocado, o caminho da inocência imacu­lada. Não está escrito que os querubins estivessem co­locados ali para mantê-lo e aos seus afastados da árvore da vida para sempre (graças a Deus, existe um paraíso diante de nós, e uma árvore da vida no meio dele, em cujas esperanças nós nos alegramos). Mas foram coloca­dos para guardar o caminho da árvore da vida, no qual eles tinham estado até agora. Isto é, a partir de agora, era inútil que ele e os seus esperassem justiça, vida e fe­licidade, em virtude do primeiro concerto, pois ele estava irremediavelmente rompido, e nunca poderia ser pleite­ado, nem nenhum benefício ser obtido, por ele. Tendo sido infringido o mandamento daquele concerto, a sua maldição está em plena força: ela não deixa espaço para arrependimento, mas nós estaríamos completamente destruídos se fôssemos julgados por aquele concerto. Deus revelou isto a Adão, não para levá-lo ao desespe­ro, mas para obrigá-lo e motivá-lo a procurar a vida e

a felicidade na semente prometida, por quem a espada inflamada é removida. Deus e os seus anjos se reconcilia­ram conosco, e um novo e vivo caminho ao Santuário está consagrado e aberto para nós.

Capítulo 4Neste capítulo nós temos o mundo e a igreja em uma família, em uma pequena família, na família de Adão, e um exemplo do caráter e da condição de ambos em seu tempo, ou melhor, em todos os tempos, até o fim dos tempos. Toda a humanida­de estava representada em Adão, de forma que a grande distinção da raça humana entre os santos e pecadores, religiosos e ímpios, os filhos de Deus e os filhos do maligno, estavam aqui representados através de Caim e Abel. Também é dado um exem­plo inicial da inimizade que mais tarde foi posta entre a semente da mulher e a semente da ser­pente. Aqui temos: I. O nascimento, os nomes, e as profissões de Caim e Abel, w. 1,2. II. A religião de cada um deles, e a diferença de êxito nela, w. 3,4, e parte do v. 5. III. A ira de Caim contra Deus e a repreensão que recebeu devido a ela, w. 5-7. IV O assassinato de Abel, por parte de seu irmão Caim, e o processo contra ele por aquele homicídio. O as­sassinato cometido, v. 8. Os procedimentos contra ele. 1. Sua acusação formal, v. 9, primeira parte.2. Sua alegação, v. 9, parte posterior. 3. Sua con­denação, v. 10. 4. A sentença lavrada, w. 11,12. 5. Sua reclamação contra a sentença, w. 13,14. 6. A confirmação da sentença, v. 15. 7. A execução da sentença, w. 15,16. V A família e os descendentes de Caim, w. 17-24. VI. O nascimento de outro filho e de um neto de Adão, w. 25,26.

Caim e Abelw. 1,2

Adão e Eva tiveram muitos filhos e filhas, cap. 5.4. Mas Caim e Abel parecem ter sido os dois primogêni­tos. Alguns acham que eles eram gêmeos, e, como Esaú e Jacó, o mais velho odiava e o mais jovem amava. Em­bora Deus tivesse expulsado nossos primeiros pais do paraíso, Ele não os puniu privando-os de filhos. Mas, para m ostrar que tinha outras bênçãos reservadas para eles, o Senhor guardou para eles os benefícios daquela primeira bênção de multiplicação. Embora eles fossem pecadores, e sentissem a humilhação e a tristeza dos penitentes, não se consideravam como desconsolados, tendo a promessa de um Salvador na qual poderiam se apoiar. Aqui nós temos:T Os nomes de seus dois filhos. 1. Caim significa pos- X sessão. Pois Eva, quando deu a luz a ele, disse com alegria, e gratidão, e grande expectativa: “Alcancei do Senhor um varão”. Observe que os filhos são dádivas de Deus, e Ele deve ser reconhecido na construção de nossas famílias. Isso duplica e santifica nossa satisfação

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33 GÊNESIS 4 w. 3-5nelas quando as recebemos da mão de Deus, que não abandonará as obras e dádivas de sua própria mão. Em­bora desse à luz a Caim com os sofrimentos que eram uma conseqüência do pecado, ainda assim ela não perdeu o senso de misericórdia em meio às suas dores. Consolos, mesmo reduzidos, são mais do que merecemos. E, conse­qüentemente, as nossas queixas não devem suprimir os nossos agradecimentos. Muitos presumem que Eva ti­nha a presunção de que esse seu filho era a semente pro­metida, e que, por isso, ela entendia que havia triunfado nele, como podem ser interpretadas as suas palavras: Al­cancei um varão, o Senhor, Homem-Deus. Sendo assim, ela estava miseravelmente equivocada, como Samuel, quando disse: “Certamente, está perante o Senhor o seu ungido”, 1 Samuel 16.6. Quando as crianças nascem, quem pode prever o que virão a ser? Aquele de quem se cria que fosse um homem, o Senhor, ou ao menos um ho­mem de Deus, e a serviço dele como sacerdote da família, tornou-se um inimigo do Senhor. Quanto menos esperar­mos das criaturas, mais suportáveis serão as decepções.2. Abel significa vaidade. Quando pensou que havia conseguido a semente prometida em Caim, ela ficou tão empolgada com essa posse que o outro filho era uma vai­dade para ela. Para aqueles que têm um interesse em Cristo, e fazem dele tudo o que têm, as outras coisas são como nada. Isso implica igualmente em que, quanto mais tempo vivermos neste mundo, mais poderemos ver a sua vaidade. A principio, nós gostamos muito desta vaidade, como uma possessão. Porém, depois, a vemos como algo para o que estamos mortos, como uma ninharia. O nome dado a esse filho é posto sobre toda a raça, Salmos 39.5. Todo homem que está em sua melhor condição é como Abel - vaidade. Que nós trabalhemos para ver tanto a nós mesmos quanto aos outros assim. Tanto a infância como a juventude são vaidade.

n As ocupações de Caim e Abel. Observe que: 1. Ambos tinham uma ocupação. Embora eles fos­sem herdeiros legítimos do mundo, tendo um nobre nas­cimento e grandes posses, mesmo assim eles não foram criados na ociosidade. Deus deu a seu pai uma ocupação,

mesmo na inocência, e seu pai também lhes deu uma. Note que é da vontade de Deus que cada um de nós deva ter alguma coisa para fazer neste mundo. Os pais devem criar seus filhos para trabalhar. “Dê a eles uma bíblia e uma ocupação (disse o bom Sr. Docl), e que Deus es­teja com eles”. 2. Suas ocupações eram diferentes para que eles pudessem negociar e fazer permutas um com o outro, na medida em que houvesse oportunidade. Os membros do estado têm necessidade uns dos outros, eo amor mútuo é ajudado pelo relacionamento mutuo. 3. Suas ocupações diziam respeito ao trabalho de lavrador, a profissão de seu pai. Esta é uma ocupação necessária, pois o próprio rei é servido do campo. Mas era um traba­lho laborioso, que requeria cuidado constante e atenção. Isto é visto agora como um trabalho ruim. Os pobres da terra trabalhavam como vinhateiros e lavradores, Jere­mias 52.16. Mas o trabalho estava longe de ser uma de­sonra para eles. Eles certamente o honravam. 4. Deveria parecer, pela seqüência da história, que Abel, embora fosse o irmão mais novo, ainda assim entrou primeiro em sua ocupação, e provavelmente seu exemplo atraiu

Caim. 5. Abel escolheu aquele trabalho que mais favo­recia a meditação e a devoção, pois a vida pastoral era considerada particularmente favorável a estas. Moisés e Davi cuidaram de rebanhos, e em seus retiros conversa­vam com Deus. Note que esta ocupação ou condição de vida é a melhor para nós. E devemos sempre escolher aquela que for a melhor para a nossa alma, aquela que menos nos expuser ao pecado e que nos proporcionar as melhores oportunidades de servir e de desfrutar a pre­sença e a comunhão com Deus.

Caim e Abelw. 3-5

Aqui temos:

I A devoção de Caim e Abel. Com o passar do tempo, quando eles haviam feito algum progresso em suas respectivas ocupações (no idioma hebraico, temos: Ao final de dias, ou ao final do ano, quando eles realizavam

seu banquete de reunião ou talvez um jejum anual em memória ao outono, ou ao término dos dias da semana, o sétimo dia, que era o sábado), em algum momento determinado, Caim e Abel traziam a Adão - como o sa­cerdote cla família - uma oferta para o Senhor. Assim, temos razões para pensar que havia uma a ordem divina dada a Adão, como um símbolo da generosidade de Deus para com ele e de seus pensamentos de afeição a ele e aos seus, apesar da sua apostasia. Desse modo Deus tes­taria a fé de Adão na promessa e a sua obediência à lei que tinha a finalidade de remediar a situação. Ele assim estabeleceria novamente uma semelhança entre o céu e a terra, e mostraria as sombras das coisas boas que es­tavam por vil-. Observe aqui: 1. Que a adoração religiosa a Deus não é nenhuma invenção nova, mas uma institui­ção antiga. É o que era desde o princípio (1 Jo 1.1); é o bom e velho caminho, Jeremias 6.16. A cidade do nosso Deus é realmente aquela cidade alegre cuja antiguida­de vem c!e dias remotos, Isaías 23.7. A verdade recebeu uma grande vantagem sobre o erro, e a piedade sobre a heresia. 2. Que é uma coisa boa para os filhos serem bem ensinados quando são jovens, e educados cedo em serviços religiosos, para que quando vierem a ser capa­zes de agir por si mesmos possam, por iniciativa própria, levar as suas ofertas a Deus. Nesta criação do Senhor os pais devem educar os seus filhos, cap. 18.19; Efésios6.4. 3. Que cada um de nós deveria honrar a Deus com o que tem, conforme a prosperidade que Ele tem nos concedido. Eles trouxeram as suas ofertas conforme as suas ocupações e posses, veja 1 Coríntios 16.1,2. Nosso negócio e nosso pagamento, sejam quais forem, devem ser consagrados ao Senhor, Isaías 23.18. Ele deve ter a sua parte em obras de devoção e caridade, o esteio da religião e o alívio do pobre. Portanto, nós devemos tra­zei' a nossa oferta, agora, com um coração puro. E Deus fica satisfeito com tais sacrifícios. 4. Aqueles hipócritas e praticantes do mal podem ser encontrados progredindo tanto quanto os melhores do povo de Deus nos serviços externos da religião. Caim trouxe uma oferta com Abel. Mas, a oferta de Caim é mencionada primeiro como se ele fosse o mais entusiasmado dos dois. Um hipócrita

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w. 3-5 GÊNESIS 4 34possivelmente pode ouvir tantos sermões, fazer tantas orações, e dar tantas esmolas, quanto um bom cristão. E, mesmo assim, por falta de sinceridade, ter pouca acei­tação junto a Deus. O fariseu e o publicano subiram ao templo para orar, Lucas 18.10.

n A diferença no êxito das suas devoções. O que deve ser visado em todos os atos da religião é a aceitação por parte de Deus: nós seremos bem sucedidos se a conquistarmos, mas adoraremos em vão se não a al­cançarmos, 2 Coríntios 5.9. Talvez, para um observador,

os sacrifícios de Caim e Abel tivessem parecido ambos igualmente bons. Adão aceitou a ambos, mas Deus, que não vê como o homem vê, não. Deus tinha respeito por Abel e por sua oferta, e mostrou sua aceitação desta, provavelmente através de um fogo do céu. Mas por Caim e sua oferta ele não tinha respeito. Nós estamos certos de que havia uma boa razão para essa diferença. O Re­gente do mundo, embora seja um soberano absoluto, não age arbitrariamente na distribuição de seus sorrisos e de seus olhares de desagrado.

1. Havia uma diferença no caráter das ofertas das duas pessoas. Caim era um homem ímpio, levava uma vida ruim, sob o poder dominante do mundo e da car­ne. Consequentemente, o seu sacrifício era uma abomi­nação para o Senhor (Pv 15.8). Um sacrifício em vão, Isaías 1.13. Deus não tinha respeito pelo próprio Caim, e, portanto, nenhum respeito por sua oferta, como foi sugerido pela sua expressão. Mas Abel era um homem justo. Ele é chamado Abel, o justo (Mt 23.35). Seu co­ração era integro e a sua vida era devota. Ele era um daqueles para quem o semblante de Deus está voltado (SI 11.7) e cuja oração é, por essa razão, o seu conten­tamento, Provérbios 15.8. Deus tinha respeito por ele como a um homem santo, e, por conseguinte, por sua oferta como uma oferta santa. A árvore dever ser boa, de outro modo o fruto não poderá ser agradável para o Deus que esquadrinha o coração.

2. Havia uma diferença entre as ofertas que eles trouxeram, e ela é claramente mencionada (Hb 11.4). O sacrifício de Abel era mais extraordinário que o de Caim, ou: (1) Em sua natureza. O de Caim era apenas um sacrifício de reconhecimento oferecido ao Criador. As ofertas dos frutos da terra não eram mais oferecidas, e, ao que me consta, só deveriam ser oferecidas no período da inocência. Mas Abel trouxe um sacrifício de expiação, do qual o sangue era derramado para a remissão dos pe­cados. Através deste sacrifício, ele estava confessando que era um pecador, diminuindo assim a ira de Deus, e implorando o seu favor através de um Mediador. Ou: (2) Nas características da oferta. Caim trouxe do fruto do solo, qualquer coisa que veio facilmente à mão, algo que ele não desejava para si mesmo ou que não fosse nego­ciável. Mas Abel foi cuidadoso na escolha de sua oferta: não o defeituoso, nem o improdutivo, nem o refugo, mas os primogênitos do rebanho, do melhor que ele tinha, e da sua gordura. O melhor dos melhores. Consequente­mente, os doutores hebreus apresentam isto como uma regra geral: que tudo o que for para o nome do Deus bom e precioso deve ser o maior e o melhor. É adequado que aquele que é o primeiro e o melhor deva ter o primeiro e o melhor do nosso tempo, energia, e trabalho.

3. A grande diferença era esta, que Abel ofereceu com fé, e Caim não. Havia uma diferença no princípio sob o qual eles agiam. Abel ofertou visando a vontade de Deus como sua regra, e a glória de Deus como sua finalidade, e na dependência da promessa de um reden­tor. Mas Caim fez o que fez apenas por companheirismo, ou para resgatar seu crédito, não com fé, então isso se transformou em pecado para ele. Abel era um crente penitente como o publicano que foi embora justificado: Caim não era humilde. A sua confiança estava em si mes­mo. Ele era como o fariseu que glorificava a si mesmo, mas não estava justificado diante de Deus.T T T A insatisfação de Caim devido à distinção JL JL JL que Deus fez entre o seu sacrifício e o de Abel. Caim estava muito enfurecido, o que na mesma hora tornou-se muito perceptível em sua aparência, pois o seu semblante se abateu, o que evidencia tan­to a sua mágoa como o seu descontentamento, como também a sua maldade e a sua raiva. Seu semblante taciturno, e um olhar abatido traíram seus sentimen­tos enraivecidos: Caim transm itia os sentimentos de uma má índole em sua face, e a aparência de seu sem­blante testemunhava contra ele. Esta ira evidencia: 1. A sua inimizade para com Deus, e a indignação que havia concebido contra o Senhor por fazer uma dis­tinção entre a sua oferta e a de seu irmão. Ele deveria ficar irritado consigo mesmo por sua própria desleal­dade e hipocrisia, devido às quais ele não havia conse­guido a aceitação da parte de Deus. E seu semblante deveria te r se abatido de arrependimento e vergonha santa, como aconteceu com o publicano, que sequer levantava os olhos ao céu, Lucas 18.13. Mas, em vez disso, ele se enfureceu contra Deus, como se o Senhor fosse parcial e injusto ao distribuir os seus sorrisos e os seus olhares de reprovação, e como se o Senhor tivesse procedido para com ele de forma injusta. Note que um dos indícios de que a pessoa tem um coração soberbo são as objeções que ela faz contra aquelas reprovações que recebe, por causa de seus próprios pecados, cujas conseqüências são trazidas contra ela mesma. A estultícia do homem perverterá o seu cami­nho, e então, para piorar, o seu coração se irará contrao Senhor, Provérbios 19.3. 2. A inveja que Caim tinha de seu irmão, que recebeu a honra de ser publicamen­te reconhecido. Embora seu irmão não tivesse qual­quer intenção de colocar qualquer mancha sobre ele, nem o tenha insultado para provocá-lo, ainda assim ele concebeu odiá-lo como a um inimigo, ou como a alguém que é equivalente a um rival. Note que: (1) É comum para aqueles que - devido a seus pecados presunçosos- se tornaram indignos dos favores de Deus, revolta­rem-se contra aqueles que são dignificados e diferen­ciados por Ele. Os fariseus agiram do mesmo modo que Caim, quando eles próprios nem entraram no rei­no de Deus nem permitiram que aqueles que estavam entrando prosseguissem, Lucas 11.52. Os olhos deste tipo de pessoa são maus e iníquos, porque os olhos de seu m estre e de seus conservos são bons. (2) A inveja é um pecado que geralmente traz consigo tanto a sua própria revelação, na palidez dos olhares, como a sua própria punição, na podridão dos ossos.

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35 GÊNESIS 4 w. 6,7Caim e Abel

w. 6,7Deus está aqui argumentando com Caim, para con-

vencê-lo do pecado e da tolice de sua raiva e desconten­tamento, e para trazê-lo novamente a um bom estado de espírito, para que futuras iniqüidades pudessem ser evitadas. Este é um exemplo da paciência e da bondade condescendente de Deus. O fato do Senhor proceder de uma forma tão terna com um homem tão mau, em uma situação tão ruim. O Senhor não deseja que ninguém pe­reça, mas que todos cheguem ao arrependimento. Desse modo, o pai do pródigo discutiu o caso com o filho mais velho (Lc 15.28ss.), e Deus fez o mesmo com aqueles is­raelitas que disseram: O caminho do Senhor não é direi­to, Ezequiel 18.25.

I Deus insta o próprio Caim a investigar a causa de seu descontentamento, e a considerar se esta era

realmente uma causa justa: Por que descaiu o teu sem­blante? Observe: 1. Que Deus observa todas as nossas paixões pecaminosas e descontentamentos. Não existe um olhar irado, um olhar maldoso, nem um olhar impa­ciente, que escape à sua visão atenta. 2. Que a maioria de nossas paixões pecaminosas e ansiedades logo desva­neceriam diante de uma investigação rígida e imparcial sobre a sua causa. “Porque estou irado? Existe um moti­vo verdadeiro, uma razão justa, uma causa proporcional para isso? Porque estou irado tão rapidamente? Porque estou tão enfurecido e tão insensível?”

n Para fazer com que Caim retornasse à razão, aqui o Senhor fez com que se tornasse evidente para ele:

1. Que ele não tinha nenhuma razão para estar irado com Deus, e que deveria ter procedido de acordo com as imutáveis regras de autoridade estabelecidas e apro­priadas a uma condição de provação. O Senhor coloca diante dos homens a vida e a morte, a bênção e a maldi­ção, e então retribui a cada um deles de acordo com as obras que praticaram, e os diferencia de acordo com a maneira como eles se diferenciam. Assim, a condenação é responsabilidade de cada condenado. As regras são justas. Por esta razão, a conduta de cada pessoa deve estar de acordo com essas regras, para que cada uma seja justificada quando falar.

(1) Deus colocou diante de Caim a vida e uma bên­ção: “Se bem fizeres, não haverá aceitação para ti? Sem dúvida serás aceito, ademais, tu sabes que serás”, ou: [1] “Se bem tivesses feito, como teu irmão fez, terias sido aceito, como ele foi”. Deus não considera as pessoas pela sua condição social, não odeia nada que Ele mesmo te­nha feito, não nega seus favores para ninguém exceto para aqueles que renunciaram a eles, e não é inimigo de ninguém exceto daqueles que através do pecado se tornaram seus inimigos. Assim sendo, se não tivermos aceitação junto a Ele nós devemos agradecer a nós mes­mos, pois o erro será inteiramente nosso. Se tivéssemos cumprido os nossos deveres, não teríamos perdido a sua misericórdia. Isso justificará Deus na condenação dos pecadores, e agravará a ruína deles. Não há um pecador amaldiçoado no inferno, que tenha feito o bem, como po­deria ter feito, e sido um santo glorioso no céu. Toda boca

será rapidamente calada diante deste fato. Ou: [2] “Se agora fizeres o bem, se te arrependeres de teus pecados, se corrigires o teu coração e a tua vida, e trouxeres o teu sacrifício sob uma condição melhor do que esta, se tu não apenas fizeres o que é bom, mas o fizeres bem, tu também serás aceito, teus pecados serão perdoados, teu conforto e tua honra te serão restituídos, e tudo estará bem”. Veja aqui a conseqüência da intervenção de um Mediador entre Deus e o homem. Nós não permanece­mos no fundamento do primeiro concerto, que não tinha lugar para arrependimento, mas Deus estabeleceu uma nova aliança conosco. Embora nós tenhamos pecado, se nos arrependermos e voltarmos atrás, encontraremos misericórdia. Veja quão cedo o Evangelho foi pregado, e o beneficio dele sendo aqui oferecido até mesmo a um dos principais pecadores.

(2) O Senhor coloca diante de Caim a morte e uma maldição: E, se não fizeres bem, isto é: “Considerando que não fizeste o bem, não fizeste a tua oferta com fé e de maneira correta, o pecado jaz à porta”, quer dizer, “o pecado te foi imputado, e, como pecador, tu foste re­provado e rejeitado. Uma acusação tão grave não teria sido posta à tua porta, se não a tivesses lançado contra ti mesmo, ao não fazer o bem”. Ou como isso é geralmente entendido: “Se não fizeres o bem agora, se persistires nessa indignação, e, em vez de te humilhares diante de Deus, te endureces contra Ele, o pecado jaz à porta”, ou seja: [1] Mais pecado. “Agora que aquela ira está em teu coração, o assassinato está à porta”. O caminho do pe­cado é descendente, e os homens que estão no pecado vão de mal a pior. Aqueles que não sacrificam de forma correta, mas são descuidados e preguiçosos em sua de­voção a Deus, se expõem às piores tentações. E talvez os pecados mais escandalosos estejam à porta. Aqueles que não guardam os mandamentos de Deus correm o risco de cometer todos os tipos de abominações, Levítico 18.30. Ou: [2] A punição do pecado. O pecado e a punição estão tão relacionados que a mesma palavra em hebraico significa ambas as coisas. Se o pecado se abrigar na casa, a maldição esperará na porta, como um meirinho, pronto para prender o pecador na hora que ele olhar para fora. Ele jaz como se dormisse, mas jaz à porta onde será logo despertado, e então parecerá que a condenação não dor­miu. O pecado vos achará, Números 32.23. Mesmo assim alguns decidem entender isso como uma indicação de misericórdia. “E, se não fizeres bem, o pecado (isto é, a oferta do pecado), jaz à porta. Então deves aproveitar a boa oportunidade que tens para te santificar”. A mes­ma palavra significa pecado e um sacrifício pelo pecado. “Embora tu não tenhas feito o bem, ainda assim não te desesperes. O remédio está à mão. A reconciliação não está longe e pode ser buscada. Agarra-a, pois assim a iniqüidade de tuas coisas sagradas te serão perdoadas”. Foi dito que Cristo, a grande oferta pelo pecado, está à porta, Apocalipse 3.20. E há alguns que bem merecem perecer em seus pecados. Aqueles que não estão dispos­tos a ir até à porta por causa da oferta pelo pecado. Con­siderando tudo isso, Caim não tinha nenhuma razão para estar irado com Deus, mas apenas consigo mesmo.

2. Que ele não tinha nenhuma razão para estar zan­gado com o seu irmão: “A vontade dele será subordina­da à tua, ele continuará a te respeitar como a um irmão

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GÉNESIS 4 36mais velho, e tu, como o primogênito, sobre ele domina­rás mais do que nunca”. O fato de Deus aceitar a oferta de Abel não lhe transferiu o direito de primogenitura (o motivo pelo qual Caim estava enciumado), nem colocou sobre ele o titulo de dignidade e poder que pertence à primogenitura, cap. 49.3. Deus não pretendia que fosse desse modo. Abel não interpretou isso dessa forma. Não havia nenhum risco disso ser aproveitado em prejuízo de Caim. Porque, então, ele deveria estar tão exasperado? Observe aqui: (1) Que a diferenciação que a graça de Deus faz não altera aquelas que a providência de Deus cria, mas as preserva, e nos obriga a cumprir os deveres que delas resultam: servos crentes devem ser obedien­tes a senhores descrentes. A autoridade não é baseada na graça, nem a religião permite deslealdade ou desres­peito em qualquer relacionamento. (2) Que as suspeitas com que os poderes civis olham algumas vezes para os verdadeiros adoradores de Deus como sendo perigosos para sua autoridade, inimigos de César e prejudiciais aos reis e províncias (suspeitas sob as quais os perse­guidores têm fundamentado o seu ódio contra aqueles que buscam ao Senhor), são muito injustas e irracionais. Qualquer que possa ser o caso para alguns que chamam a si mesmos de cristãos, é certo que os cristãos são ver­dadeiramente os melhores súditos e os mais mansos na terra. Eles são leais e obedientes aos seus governantes, e estes governarão sobre eles.

v. 8Temos aqui a progressão da ira de Caim, e a libe­

ração dela através do assassinato de Abel, um fato que pode ser considerado sob dois pontos de vista:

Como o pecado de Caim. Este era como a escarlata, um pecado vermelho, um pecado de primeira mag­

nitude, um crime contra a luz e a lei da natureza, e que surpreendeu até mesmo as consciências dos homens maus. Veja nisso: 1. As tristes conseqüências e efeitos da entrada do pecado no mundo e nos corações dos homens. Perceba que corrupção da natureza é a raiz da amargu­ra, que produz esse fel e esse absinto. O fato de Adão comer o fruto proibido pareceu apenas um pecado pe­queno, mas este abriu as portas para o maior de todos os pecados. 2. O fruto da inimizade que está na semente da serpente contra a semente da mulher. Assim como Abel lidera a linha de frente do nobre exército de mártires (Mt 23.35), Caim permanece à frente do ignóbil exército de perseguidores, Judas 11. Desde muito cedo aquele que era gerado segundo a carne perseguia aquele que era gerado segundo o Espírito. E a situação é praticamente a mesma em nossos dias (G14.29). E esta será a situação até que a guerra termine na salvação eterna de todos os santos, e na condenação eterna de todos aqueles que os odeiam. 3. Veja também o que advém da inveja, do ódio, da maldade, e de toda a falta de caridade. Se estas trans­gressões forem toleradas e acariciadas na alma, correm o risco de envolver os homens na própria culpa horrível de assassinato. A ira irrefletida pode levar à morte, Mateus 5.21,22. A malícia é ainda mais assim. Aquele que odeia seu irmão já é um assassino diante de Deus. E, se Deus

deixá-lo por si mesmo, ele nada mais desejará do que uma oportunidade para se tornar mais um assassinato neste mundo. Muitos eram os agravantes do pecado de Caim. (1) Foi seu irmão, seu próprio irmão, que ele matou. O filho de sua própria mãe (SI 50.20) a quem ele deveria ter amado, seu irmão mais novo, a quem ele deveria ter protegido. (2) Abel era um bom irmão, alguém que nunca tinha cometido qualquer injustiça contra Caim, nem fei­to a menor provocação através de palavra ou ação, mas alguém que sempre gostou de Caim, e que havia sido em todos os sentidos obediente e respeitoso para com ele.(3) Caim recebeu uma justa advertência sobre isso, com antecedência. O próprio Deus lhe havia dito o que adviria da atitude de seu coração. Ainda assim ele persistiu em seu propósito bárbaro. (4) Pareceria que ele ocultava isso sob uma aparência de amizade e carinho: Ele conversava com Abel seu irmão, franca e amigavelmente, para que Abel não suspeitasse do perigo e se mantivesse fora do seu alcance. Assim Joabe beijou Abner, e então o matou. Assim Absalão festejou com seu irmão Amnon e então o assassinou. De acordo com a Septuaginta [uma versão grega do Antigo testamento, que se supõe ter sido tra­duzida por setenta e dois judeus, a pedido de Ptolomeu Philadelphus, cerca de 200 anos antes de Cristo], Caim disse a Abel: Vamos ao campo. Se é assim, nós estamos certos de que Abel não interpretou isso (de acordo com o senso moderno) como um desafio, de outra maneira ele não o teria aceitado, mas sim como um convite fraterno para irem juntos para o trabalho. O parafrasta caldeu acrescenta que Caim, quando eles estavam conversando no campo, afirmou que não havia nenhum julgamento por vil', nenhuma condição futura, nenhuma recompensa e castigos no outro mundo, e que quando Abel falou em defesa da verdade, Caim aproveitou aquela ocasião para atacá-lo. De qualquer forma: (5) Aquilo que a escritura nos conta que foi a razão pela qual Caim matou Abel re­presentou um grande agravo deste assassinato. A razão foi que as suas próprias obras eram más e as de seu ir­mão, justas. Deste modo, Caim mostrou ser do maligno (1 Jo 3.12), um filho do diabo, um inimigo para toda a retidão, até mesmo em se tratando de seu próprio irmão. E, nesta condição, Caim foi imediatamente usado pelo destruidor. Além disso: (6) Ao matar seu irmão, Caim atacou diretamente ao próprio Deus. Pois a aceitação de Abel por Deus fora a provocação aparente, e por essa mesma razão Caim odiava Abel, porque Deus o amava.(7) O assassinato de Abel foi mais desumano porque ha­via nesse momento tão poucos homens no mundo para repovoá-lo. A vida de um homem é preciosa em qualquer tempo. Mas era preciosa agora, de uma maneira espe­cial, e dificilmente poderia ser dispensada.

n Como o sofrimento de Abel. A morte reinou desde que Adão pecou, mas nós não lemos sobre alguém ter sido feito prisioneiro por ele até agora. Assim sendo: 1.

O primeiro que morre é um santo, alguém que era aceito e amado por Deus, para mostrar que, embora a semen­te prometida estivesse muito longe para destruir aquele que tinha o poder da morte assim como para salvar os crentes de seu aguilhão, ainda hoje eles estão expostos aos seus ataques. O primeiro que foi para a sepultura foi para o céu. Deus reservaria para si os primeiros frutos,

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37 GÊNESIS 4 w. 9-12o primogênito dos mortos, aquele que primeiro chegou ao outro mundo. Que isso elimine o terror da morte, pois este logo seria o destino dos escolhidos de Deus, que alte­ra as características da morte. Mais ainda: 2. O primeiro que morreu foi um mártir, e morreu por sua religião. E, nesta circunstância, pode-se verdadeiramente dizer que estes morreram em um leito de honra muito superior ao dos soldados que morrem em seus leitos de honra. A morte de Abel não apenas não tem nenhuma maldição em si, mas tem uma coroa. Assim é tão admiravelmente bem alterada uma característica da morte: ela passa a ser apresentada como inócua e inofensiva para aqueles que morrem em Cristo, além de honrosa e gloriosa para aqueles que morrem por Ele. E assim, não estranhemos se nos sobrevier alguma prova ardente, nem recuemos se formos chamados para resistir até o sangue. Porque nós sabemos que existe uma coroa de vida para aqueles que são fiéis até à morte.

A Punição de Caimw. 9-12

Nós temos neste ponto um relato completo do julga­mento e da condenação do primeiro assassino. Não sendo ainda as cortes civis de magistratura instituídas para esse propósito como o foram mais tarde (cap. 9.6), o próprio Deus ocupa o cargo de Juiz. Pois Ele é o Deus a quem a vingança pertence, e quem de fato fará a inquisição pelo sangue, especialmente o sangue dos santos. Observe:

I A acusação contra Caim: O Senhor disse para Caim: Onde está Abel teu irmão? Alguns acham que Caim foi interrogado desse modo no sábado seguinte depois que o assassinato foi cometido, quando os filhos de Deus

vieram, como de costume, para se apresentar diante de Deus, em uma reunião religiosa, e estava ausente Abel, cujo lugar não costumava estar vazio. Pois o Deus do céu observa quem está presente e quem está ausente nos rituais públicos. Caim é inquirido não apenas por­que existe um motivo justo para se suspeitar dele, tendo ele manifestado uma má intenção contra Abel e tendo sido o último a estar com ele, mas porque Deus sabia ser ele o culpado. Mesmo assim o Senhor o questiona, para que possa extrair dele uma confissão de seu crime, pois aqueles que seriam justificados diante de Deus deveriam acusar a si mesmos, e os penitentes assim farão.

n O apelo de Caim: ele se declara inocente, e acres­centa rebeldia ao seu pecado. Pois: 1. Ele se es­força para encobrir um assassinato deliberado com uma mentira deliberada: Não sei. Ela sabia bem o suficiente o que havia acontecido com Abel, e ainda assim teve o

descaramento de negar isso. Dessa forma, em Caim, o diabo era tanto um assassino quanto um mentiroso des­de o principio. Veja como as mentes dos pecadores são cegas, e seus corações endurecidos pela falsidade do pecado: são estranhamente cegos aqueles que pensam ser possível ocultar os seus pecados de um Deus que a tudo vê, e são estranhamente inflexíveis aqueles que pensam que vale a pena escondê-los de um Deus que perdoa apenas aqueles que confessam as transgressões

que cometeram. 2. Ele imprudentemente acusa seu Juiz de estupidez e injustiça, por colocar essa questão para ele: Sou eu guardador do meu irmão? Ele deveria ter se humilhado e dito: Não sou eu o assassino de meu irmão? Mas ele tenta se impor diante do próprio Deus, como se este lhe tivesse feito uma pergunta impertinente, à qual ele não estava, de modo algum, obrigado a dar uma resposta: '“Sou eu guardador do meu irmão? Certamente ele tem idade suficiente para cuidar de si mesmo, nem eu jamais me encarreguei dele”. Alguns entendem que Caim estivesse censurando tanto a Deus como a sua pro­vidência, como se ele tivesse dito: “Não és tu o guarda­dor dele? Se ele desaparecer, sobre Ti recaia a culpa, e não sobre mim, que nunca me responsabilizei por tomai' conta dele”. Note que: Uma preocupação caridosa por nossos irmãos, como seus protetores, é um grande dever, que é estritamente requerido de nós, mas que é geral­mente negligenciado. Aqueles que são desinteressados quanto aos assuntos de seus irmãos, e não tomam cuida­do quando têm a oportunidade de impedir danos a seus corpos, bens, ou bons nomes, especialmente os danos às suas almas, falam, de fato, a língua de Caim. Veja Levíti- co 19.17; Filipenses 2.4.

A condenação de Caim, v. 10. Deus não deu uma resposta direta para a sua pergunta, mas

rejeitou o seu argumento como falso e frívolo: “Que fizes­te? Fazes disto algo sem importância. Mas consideraste o quanto isto é mau, quão profunda é a mancha, e quão pesado é o fardo dessa culpa? Tu pensas em ocultar isso, mas é em vão. A evidência contra ti é clara e incontestá­vel: A voz do sangue do teu irmão clama”. Ele fala como se o próprio sangue fosse ao mesmo tempo testemunha e acusador, porque o próprio conhecimento de Deus testifica contra Caim, e a própria justiça de Deus exige uma satisfação. Observe aqui: 1. O assassinato é um pe­cado vergonhoso, mais do que qualquer outro. Sangue clama por sangue, o sangue do assassinado pelo sangue do assassino. Assim ocorre com as últimas palavras de Zacarias antes de morrer (2 Cr 24.22): O Senhor o verá e o requererá. Ou naquelas das almas sob o altar (Ap6.10): Até quando, ó verdadeiro e santo Dominador? Os sofredores pacientes clamavam por perdão (Pai, perdo­ai-os), mas o seu sangue clama por vingança. Embora eles se mantenham calmos, o seu sangue mantém um clamor alto e constante, para o qual os ouvidos do Deus justo estão sempre abertos. 2. E dito que o sangue clama desde o solo, a terra, da qual é dito que abre a sua boca para receber da mão dele o sangue do irmão, v. 11. A terra, como deveria, ruboriza ao ver a sua própria face manchada com tal sangue, e então abriu a sua boca para escondei' aquilo que ela não pode impedir. Quando o céu revelou a iniqüidade de Caim, a terra também se levan­tou contra ele (Jó 20.27), e gemeu ao ficar assim sujeita à vaidade, Romanos 8.20,22. Caim, é provável, enterrou o corpo e o sangue, para ocultar o seu crime. Mas “a verda­de será descoberta”. Ele não os enterrou tão profunda­mente, pois o clamor deles alcançou o céu. 3. No original a palavra está no plural, o sangue de teus irmãos, não apenas o sangue dele, mas o sangue de todos aqueles que pudessem ter descendido dele. Ou o sangue de todas as sementes da mulher, que, de certo modo, selariam a ver­

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w. 13-15 GÊNESIS 4 38dade com seu sangue. Cristo coloca tudo em uma única conta (Mt 2-3.35). Ou porque foi mantida uma contagem de cada pingo de sangue derramado. Como é bom para nós que o sangue de Cristo fale melhor que o de Abel! Hebreus 12.24. O sangue de Abel clamou por vingança. O sangue de Cristo clama por perdão.

A sentença proferida contra Caim: E agora mal­dito és tu desde a terra, v 11. Observe aqui:

1. Ele é amaldiçoado, abandonado a todo o mal, sub­metido à ira de Deus, como é manifestada do céu contra toda a impiedade e injustiça dos homens, Romanos 1.18. Quem conhece a extensão e o peso de uma maldição divi­na, o quão longe ela alcança, quão profundo ela penetra? Quando Deus amaldiçoa um homem, este se torna mal­dito. Pois aqueles a quem Ele amaldiçoa estão realmente amaldiçoados. A maldição pela desobediência de Adão terminou na terra: Maldita é a terra por tua causa. Mas a maldição relacionada è revolta de Caim, recaiu imedia­tamente sobre o próprio Caim: Maldito és tu. Pois Deus tinha piedade reservada para Adão, mas nenhuma para Caim. Nós todos merecemos essa maldição, e é apenas em Cristo que os homens são salvos dela, e herdam a bênção, Gálatas 3.10,13.

2. Ele é amaldiçoado desde a terra. Dali o clamor chegou a Deus, dali a maldição chegou a Caim. Deus po­dia ter se vingado através de um golpe imediato enviado do céu, pela espada de um anjo, ou através de um raio. Mas o Senhor optou por fazer da terra o vingador do sangue, para fazê-lo permanecer na terra, e não removê- lo imediatamente, e ainda assim fazer até mesmo disso a sua maldição. A terra está sempre próxima de nós, e não podemos fugir dela. De forma que, se esta é feita a executora da ira divina, o nosso castigo é inevitável: o pecado, ou seja, a punição pelo pecado, jaz à porta. Caim encontrou o seu castigo onde ele escolheu o seu dote e fixou o seu coração. Duas coisas nós esperamos da terra, e por causa dessa maldição ambas são negadas a Caim e tiradas dele: alimento (o sustento) e fixação (a nossa moradia). (1) O alimento (ou sustento) extraído da terra é aqui retirado dele. É uma maldição contra ele, em seus prazeres, e particularmente em sua ocupação: Quando lavrares a terra, não te dará mais a sua força. Note que cada criatura é para nós o que Deus a torna, um conforto ou uma cruz, uma bênção ou uma maldição. Se a terra não nos der mais a sua força, nós deveremos reconhecer a justiça de Deus nisso. Pois nós não demos a nossa força a Ele. A terra foi amaldiçoada anteriormente para Adão, mas foi agora duplamente amaldiçoada para Caim. A parte dela que lhe cabia, e a qual ele ocupara, foi tornada infrutífera e desconfortável para ele por causa do sangue de Abel. Note que a maldade dos maus traz uma maldição sobre tudo o que eles fazem e sobre tudo o que eles têm (Dt 28.15ss.). E essa maldição amarga tudoo que eles têm, e os desaponta em tudo o que fazem. (2) A fixação na terra é, aqui, negada a Caim: Um fugitivo e vagabundo serás na terra. Por isso ele estava conde­nado: [1] A desgraça eterna e à repreensão entre os ho­mens. Sempre seria considerado como uma coisa vergo­nhosa abrigá-lo, conversar com ele, ou demonstrar-lhe qualquer tipo de ajuda. Ele agora era, justamente, um homem que estava despojado de toda bondade, detesta­

do e abandonado por toda humanidade, e que havia se tornado infame. [2] Para angústia perpétua e horror em sua própria mente. Sua própria consciência culpada o as­sombraria onde quer que ele fosse, e o tornaria Magor- missabib, um terror por toda pmie. Que descanso, que paz, podem encontrar aqueles que levam em seu peito a sua própria perturbação onde quer que vão? Aqueles que têm tal sorte, devem, necessariamente, ser fugiti­vos. Não existe na terra fugitivo mais impaciente do que aquele que é incessantemente perseguido por sua pró­pria culpa, nem um errante mais vil do que aquele que está sob o comando de suas próprias luxúrias.

Essa foi a sentença proferida contra Caim. E mesmo nisso havia uma mistura de misericórdia, na medida em que ele não foi imediatamente isolado, mas lhe foi dado tempo para se arrepender. Pois Deus é paciente para co­nosco, não desejando que ninguém pereça.

A Queixa de Caimw. 13-15

Temos aqui um relato adicional dos procedimentos contra Caim.

I Aqui está a queixa de Caim sobre a sentença lavra­da contra ele, como sendo dura e severa. Alguns o

fazem falar a língua do desespero, e a interpretam: É maior a minha maldade do que aquela que possa ser per­doada. Portanto o que ele diz é uma reprovação e uma afronta à misericórdia de Deus, e apenas aqueles que nela esperam terão o seu benefício. Existe perdão com o Deus dos perdões para os maiores pecados e pecadores. Porém aqueles que perdem a esperança de alcançá-lo são privados dele. Caim acabara de tra tar o seu pecado com menosprezo, mas agora ele está no outro extremo: Satanás conduz os seus vassalos da presunção ao deses­pero. Nós não poderemos considerar o pecado tão mau, a não ser que o consideremos imperdoável. Mas Caim parece preferir falar o idioma da indignação: O meu castigo é maior do que posso suportar. E assim o que ele diz é uma reprovação e uma afronta contra a justiça de Deus, e uma queixa, não da grandeza do seu pecado, mas do extremismo do seu castigo, como se isso fosse desproporcional àquilo que ele merecia. Em vez de justi­ficar a Deus na sentença, Caim o censura, não aceitando a punição de sua iniqüidade, mas discutindo-a. Note que os corações impenitentes sem humildade não são, por essa razão, reformados pelas repreensões de Deus, pois eles se consideram ofendidos por elas. E é uma prova de grande insensibilidade estarmos mais interessados em nossos sofrimentos do que em nossos pecados. A preo­cupação de Faraó era relativa apenas a essa morte, não a esse pecado (Êx 10.17). Foi assim que Caim agiu aqui. Ele é um homem vivente, e ainda se queixa da punição de seu pecado, Lamentações 3.39. Ele se julga tratado com muito rigor, quando, na realidade, está sendo tra­tado com gentileza. E ele clama alegando que deve ter havido algum engano, quando tem mais razões para se admirar de que esteja fora do inferno. Ai daquele que assim luta com o seu Criador, e que tenta entrar em ju­ízo com o seu Juiz. Agora, para justificar essa queixa,

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39 GÊNESIS 4 w. 16-18Caim faz comentários a respeito da sentença. 1. Ele se vê excluído por ela da generosidade do seu Deus, e conclui que, sendo amaldiçoado, ele é escondido da face de Deus, o que é realmente a verdadeira natureza da maldição de Deus. Os pecadores condenados e amaldiçoados desco­brem que assim é, aqueles a quem é dito: Apartai-vos de mim, maldito. São amaldiçoados aqueles que são, de fato, excluídos para sempre do amor e dos cuidados de Deus, e de todas as esperanças de sua graça. 2. Ele se vê expulso de todos os consolos desta vida, e conclui que, ao ser um fugitivo, ele é, de fato, nesse dia forçado a aban­donar a superfície da terra. Assim como os bons não têm lugar na terra, também ele não tem um lugar para ficar. Melhor descansar na sepultura do que não descansar de forma alguma. 3. Ele se vê excomungado por ela, desli­gado da igreja, e proibido de estar presente em rituais públicos. Estando suas mãos cheias de sangue, Caim não deve trazer mais ofertas vãs, Isaías 1.13,15. Talvez ele quisesse dizer isso quando se queixou de que foi expulso da face da terra. Por ter sido excluído da igreja, a qual ninguém havia ainda abandonado, ele foi escondido da face de Deus, não lhe sendo permitido vir se apresentar diante do Senhor com os filhos de Deus. 4. Ele se vê, através disso, exposto ao ódio e à hostilidade de toda es­pécie humana: e será que todo aquele que me achar me matará. Por onde quer que Caim perambule, ele corre perigo de vida. Ao menos ele pensa assim. E, como um homem endividado, ele considera cada um que encontra como se fosse um meirinho. Não havia ninguém vivo a não ser os seus parentes próximos. Até mesmo deles, ele, que havia sido tão brutal para com o seu irmão, tem um medo legítimo. Alguns interpretam isso como: Tudo aquilo que me achai' me matará. Não apenas: “Quem en­tre os homens”, mas: “Tudo aquilo entre todas as criatu­ras”. Vendo-se expulso da proteção de Deus, Caim en­xerga toda a criação armada contra si mesmo. Note que as culpas imperdoáveis enchem os homens com terrores constantes, Provérbios 28.1; Jó 1-5.20,21; Salmos 53.5. É melhor temer e não pecar do que pecar e então temer. O Dr. Lightfoot acha que essa frase de Caim deveria ser interpretada como um desejo: Agora, então, que qual­quer um que me achar possa me matar. Estando com a alma amargurada, ele espera pela morte e ela não vem (Jó 3.20-22), como no caso daqueles que estão sob fortes tormentos espirituais, Apocalipse 9.5,6.

n Aqui está a confirmação que o Senhor Deus ex­pressa em relação à sentença. Pois quando o Senhor julga, Ele julga com justiça, e as sentenças que profere são cumpridas, v. 15. Observe: 1. Como Caim é protegido da ira por esta declaração que, podemos supor,

serve como um aviso a todo aquele mundo inicial que ha­via sido recém-criado: Qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado, pois isso anularia o castigo sob o qual ele se encontrava (que ele seria um fugitivo e va­gabundo). Prisioneiros condenados estão sob a proteção especial da lei. Aqueles que são designados ao sacrifício da justiça pública, não devem sei' sacrificados à vingança pessoal. Considerando que Deus tenha dito no caso de Caim: “Minha é a vingança, eu retribuirei”, teria sido uma ousada usurpação por parte de qualquer homem tomar a espada da mão de Deus. Esta seria uma deso­

bediência contra uma proclamação expressa da vontade de Deus e, por isso, seria vingada sete vezes. Note que Deus tem sabedoria e desígnios sagrados ao proteger e prolongar até mesmo a vida dos homens mais perversos. Deus trata a alguns de acordo com aquela oração: Não os mates, para que o meu povo se não esqueça. Espalha-os pelo teu poder e abate-os, Salmos 59.11. Se Caim tives­se sido morto de imediato, ele teria sido esquecido (Ec 8.10). Porém agora ele vive, enrolado em correntes atéo pescoço, como se fosse um monumento eterno e mais atemorizante da justiça de Deus. 2. Como ele é marca­do pela vingança: O Senhor pôs um sinal em Caim para distingui-lo do resto da humanidade, e para avisar que ele era o homem que havia matado o próprio irmão. Nin­guém deveria feri-lo, mas todos deveriam estar atentos. Deus o estigmatizou (assim como alguns criminosos que são queimados na face), e pôs sobre ele uma marca tão visível e indelével de infâmia e desonra, que faz com que todos os sábios se afastem dele, de forma que ele não poderia ser mais do que um fugitivo e vagabundo, e a escória de tudo e de todos.

A Família de Caimw. 16-18

Temos aqui um relato mais detalhado de Caim, e do que aconteceu com ele depois que foi rejeitado por Deus.

I Ele mansamente se submeteu àquela parte do seu julgamento pela qual ele ficaria escondido da face

de Deus. Pois (v. 16) ele saiu da presença do Senhor, ou seja, ele voluntariamente renunciou a Deus e à religião, e estava feliz em abrir mão de seus privilégios, para que não ficasse sujeito aos seus preceitos. Caim abandonou a família e o altar de Adão e jogou fora todos os pretextos para temer a Deus e nunca se aproximou de boas pessoas, nem se preocupou com as leis de Deus, nunca mais. Note que os adeptos hipócritas, que dissimularam e tentam brincar com o Deus Todo-Poderoso são, de forma justa, abandonados a si mesmos para fazerem alguma coisa que é excessivamente escandalosa. E assim eles se desfazem daquela forma de devoção para a qual foram reprováveis, e sob cuja aparência negaram o próprio poder que ela pos­sui. Neste momento Caim saiu da presença do Senhor, e jamais lemos que ele tenha retornado em busca de conso­lo. Estar banido da face do Senhor é uma condenação que faz parte do inferno, 2 Tessalonicenses 1.9. Isto é o mesmo que ser perpetuamente banido da origem de todo o bem. Esta é a escolha dos pecadores. E assim será a sua conde­nação, para sua eterna vergonha e confusão.

n Ele tentou confrontar a parte do julgamento pela qual se tornou um fugitivo e vagabundo. Pois:

1. Caim escolheu a sua terra. Ele partiu e habitou a oeste do Éden, em algum lugar distante do lugar onde Adão e sua devota família moravam, separando a si pró­prio e a sua amaldiçoada geração da semente sagrada. Aqui houve a separação de seu acampamento do arraial dos santos e da cidade amada, Apocalipse 20.9. A leste do Éden ficaram os querubins com a espada inflamada,

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w. 19-22 GÊNESIS 4 40cap. 3.24. Caim decidiu permanecer ali, como se pudesse desafiar os terrores do Senhor. Mas a sua tentativa de se estabelecer foi vã. Pois a terra em que ele habitou, era para ele a terra de Node (que quer dizer, a terra do tremor ou do estremecimento), por causa da contínua inquietação e desconforto de seu próprio espírito. Note que aqueles que se afastam de Deus, não conseguem en­contrar paz em nenhum outro lugar. Depois que Caim se retirou da presença de Deus, nunca mais teve paz. Aque­les que excluem a si mesmos do paraíso, abandonam a si mesmos a um tremor perpétuo. “Retorna, pois, ao teu descanso, ó minha alma”, ao teu descanso em Deus. Caso contrário, ficarás para sempre sem descanso.

2. Ele edificou uma cidade para que ela fosse o seu lar, v. 17. Caim estava construindo uma cidade - assim interpretam alguns - sempre construindo, mas estan­do ele e suas obras sob uma maldição, não conseguia terminá-la. Ou, como nós entendemos, ele edificou uma cidade, em sinal da sua permanente separação da igreja de Deus, à qual ele jamais pensaria em retornar. Esta cidade estava destinada a ser o quartel general da apos­tasia. Observe aqui: (1) O desafio de Caim ao julgamento divino. Deus disse que ele seria um fugitivo e vagabun­do. Se Caim tivesse se arrependido e se humilhado, essa maldição poderia ter-se transformado em uma bênção, como foi a da tribo de Levi, para que eles fossem dividi­dos em Jacó e espalhados em Israel. Mas devido ao seu coração impenitente e arrogante, que caminhou em con­tradição a Deus e decidido a se estabelecer em oposição ao céu, aquilo que podia ter sido uma bênção se tornou uma maldição. (2) Veja qual foi a escolha de Caim, de­pois que ele havia abandonado a Deus. Ele escolheu um assentamento neste mundo, como seu descanso eterno. Aqueles que procuravam pela cidade celeste escolhiam, enquanto estavam na terra, habitar em tabernáculos. Mas Caim, com alguém que não tinha essa cidade como objetivo, construiu uma para si na terra. Aqueles que são amaldiçoados por Deus tendem a procurar a sua porção e satisfação aqui na terra, Salmos 17.14. (3) Veja qual foi o método que Caim adotou para se defender contra os te­mores que o perseguiam permanentemente. Ele empre­endeu aquela construção para desviar seus pensamentos da consideração da sua própria dor, e para sufocar os clamores de uma consciência culpada, com o alarido dos machados e martelos. Dessa maneira, muitos frustram as suas convicções, lançando-se em confusão nos negó­cios do mundo. (4) Veja como os perversos, muitas vezes, superam o povo de Deus e o ultrapassam em termos de prosperidade material. Caim e sua raça amaldiçoada ha­bitam em uma cidade, enquanto Adão e sua família aben­çoada habitam em tendas. Não somos capazes de julgaro amor ou o ódio com base em tudo aquilo que está diante de nós, Eclesiastes 9.1,2.

3. Sua família também foi constituída. Aqui está um relato de sua posteridade, pelo menos dos herdeiros de sua família, por sete gerações, seu filho foi Enoque, al­guém que teve o mesmo nome, mas não o mesmo caráter daquele santo homem que caminhou com Deus, cap. 5.22. Homens bons e ruins podem ser portadores do mesmo nome: mas Deus consegue distinguir entre o Judas Isca- riotes e o Judas que não era o Iscariotes, João 14.22. Os nomes de outros de sua posteridade são mencionados e

nada além de mencionados. Não como aqueles da sagra­da descendência (cap. 5), onde temos três versículos re­ferentes a cada um, enquanto aqui temos três ou quatro homens mencionados em um único versículo. Eles são contados apressadamente, como se não fossem valiosos ou festejados, em comparação aos escolhidos de Deus.

A Família de Lamequew. 19-22

Temos aqui alguns detalhes relativos a Lameque, o sétimo a partir de Adão, na linhagem de Caim. Observe:

I Seu casamento com duas mulheres. Foi um membro da degenerada estirpe de Caim que primeiro trans­

grediu a lei original do casamento de que dois se torna­riam uma só carne. Até agora, um homem tinha apenas uma esposa por vez. Porém Lameque tomou duas. Desde o princípio, não fora assim. Malaquias 2.15; Mateus 19.5. Veja aqui: 1. Aqueles que abandonam a igreja e as leis de Deus abrem-se a todas as formas de tentação. 2. Quando um hábito ruim é iniciado por homens ruins, às vezes os homens bons são, pela imprudência, arrastados a segui- los. Jacó, Davi e muitos outros, que eram por outro lado homens bons, foram posteriormente dominados por este pecado, iniciado por Lameque.

n A alegria que tinha em seus filhos, apesar disso. Embora ele pecasse ao se casar com duas mulhe­res, ainda assim, ele foi abençoado com filhos de ambas, e eles, como tais, se tornaram famosos em sua geração, não por sua devoção, pois nada se menciona a esse respeito

(seja como for, eles eram os pagãos daquela época), mas por sua engenhosidade. Eles próprios não eram apenas homens de negócio, mas homens úteis ao mundo, e emi­nentes pelas invenções, ou pelo menos pelos aperfeiçoa­mentos de algumas habilidades proveitosas. 1. Jabal foi um famoso pastor. Ele tinha muito prazer em cuidar, ele próprio, do gado e ficava muito contente em inventar mé­todos de fazer isso da maneira mais vantajosa, e instruir outros neles, a ponto dos pastores daqueles tempos - e além deles os pastores dos tempos que se seguiram - o chamarem de pai. Também é possível que seus filhos o te­nham seguido, sendo criados para a mesma ocupação, e assim a família se tornou uma família de pastores. 2. Jubal foi um músico famoso e, em especial, um organista, e o pri­meiro a estabelecer regras para a nobre arte ou ciência da música. Enquanto Jabal os iniciou em um caminho para enriquecerem, Jubal os colocou no caminho da alegria. Aqueles que passam seus dias na riqueza não ficarão sem o tamboril e a haipa, Jó 21.12,13. De seu nome, Jubal, vem provavelmente a expressão “trombeta de jubileu”. Pois a melhor música era aquela que proclamava a liberdade e a redenção. Jabal foi para eles o Pan, e Jubal, o seu Apo-lo. 3. Tubalcaim foi um ferreiro famoso que aperfeiçoou grandemente a arte de trabalhar o bronze e o ferro, para as atividades tanto de guerra como de agricultura. Ele era o Vulcano deles. Observe aqui: (1) Que as coisas deste mundo são as únicas nas quais as pessoas carnais ruins colocam os seus corações, e são mais engenhosas, e às quais mais se dedicam. Assim foi com esta impiedosa des­

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41 GÊNESIS 4 w. 23,24cendência do amaldiçoado Caim. Aqui estavam um pai de pastores e um pai de músicos, mas não um pai de crentes fiéis. Aqui estava um que instrui no bronze e no ferro, mas nenhum que ensine o bom conhecimento do Senhor. Aqui havia planos sobre como enriquecer e como se tornar po­deroso, e como se alegrar, mas nada entre eles relativo a Deus, nem de temor ou serviço ao glorioso Senhor de tudo e de todos. As coisas do momento preenchem o pen­samento da maioria das pessoas. (2) Que mesmo aqueles que são destituídos do conhecimento e da graça de Deus, podem ser dotados de muitas habilidades extraordinárias e úteis, as quais podem torná-los famosos e prestativos em sua geração. Dons de uso geral são dados a homens maus, enquanto Deus escolhe para si aqueles que, para o mundo, são desprezíveis.

w. 23,24Por este discurso de Lameque que é registrado aqui,

e que provavelmente foi muito mais comentado naqueles tempos, ele parece, ainda mais, ter sido um homem mau, como a amaldiçoada estirpe de Caim geralmente era. Observe: 1. com que arrogância e altivez, ele fala com suas esposas, como alguém que esperava uma enorme consideração e obediência: Ouvi a minha voz, vós mulhe­res de Lameque. Não é de se admirar que aquele que tenha violado uma das leis do casamento, ao se casar com duas mulheres, violasse outra que o obrigava a ser gentil e carinhoso com aquelas com quem se casara, e honrar a esposa como o vaso mais frágil. Aqueles que nem sempre são os mais cuidadosos para cumprir as suas próprias obrigações, são os que mais exigem respeito dos outros, e são mais freqüentes na intimação a seus parentes para que conheçam o seu lugar e cumpram as suas obriga­ções. 2. Como Lameque era cruel e bárbaro com todos aqueles que estavam ao seu redor: Eu matei, ou (como está na anotação de margem) eu matei um varão por me ferir, e um mancebo por me pisar. Ele se reconhece como um homem de disposição raivosa e violenta, que distri­buía, sem piedade, socos e pontapés a esmo, e matava a todos aqueles que ficassem em seu caminho. Não impor­tava que fosse um homem, ou um jovem, desde que ele próprio estivesse em perigo de ser machucado e ferido no conflito. Alguns pensam que, pelo fato (v. 24) de se comparar a Caim, que ele houvesse matado alguém da semente sagrada, dos verdadeiros adoradores de Deus, e que ele reconhecia isto como sendo a ferida de sua consciência e a mágoa de sua alma. E também que, como Caim, ele continuava impenitente, tremendo, porém ainda assim arrogante. Ou suas esposas, sabendo como ele era, como tendia tanto a oferecer como a devolver as provocações, temessem que alguém ou alguma coisa causasse a sua morte. “Não temais”, diz ele: “Eu desa­fio qualquer um a me atacar. Quem quer que o faça, eu sozinho acertarei as contas com ele. Eu o exterminarei, seja ele um homem ou um jovem”. Note que é comum os homens cruéis e sanguinários se gloriarem naquilo que é motivo de escândalo para si mesmos (Fp 3.19). Ele falava como se fosse tanto a sua segurança como a sua glória que elas não se preocupassem com quantas vidas pudes­sem ser sacrificadas aos seus ressentimentos iracundos, nem o quanto a sua família viesse a ser odiada, desde

que pudesse ser temida. Oderint, dum metuant - Que odeiem, contanto que temam. 3. Com que impiedade ele abusa até mesmo da proteção de Deus, em seu estilo perverso, v. 24. Ele ouvira que Caim seria vingado sete vezes (v. 15), quer dizer, que se um homem ousasse matar Caim, teria que enfrentar uma severa punição por assim o fazer, embora Caim merecesse m orrer mil mortes pelo assassinato de seu irmão. E disso ele conclui que se al­guém o matasse pelos assassinatos que cometera, Deus vingaria a sua morte de uma forma exemplar. Como se o cuidado especial que Deus tomara para prolongar e de­fender a vida de Caim, por motivos especiais peculiares ao caso deste (e, sem dúvida, para que o seu castigo fosse ainda mais doloroso, como a existência dos amaldiçoados que são estendidas) fosse planejado como uma proteção para todos os assassinos. Dessa forma, Lameque per­versamente argumenta: “Se Deus garantiu a proteção de Caim, muito mais o fará por mim, que, embora haja exterminado a muitos, mesmo assim, nunca assassinei meu próprio irmão sem qualquer provocação, como ele o fez”. Note que o adiamento da sentença de alguns pe­cadores e a paciência que Deus tem para com eles, são, muitas vezes, mal utilizados para o endurecimento de outros que insistem em andar por caminhos igualmente pecaminosos, Eclesiastes 8.11. Porém, embora a justiça atinja mais lentamente a alguns, os outros não podem ter outra certeza, a não ser a de que podem ser levados embora em uma rápida destruição. Outro fato é que, se Deus tolerar por muito tempo aqueles que assim conje- turam sobre a sua paciência, eles apenas entesourarão para si a ira que está preparada para o dia da ira.

Nestas circunstâncias, isto é tudo o que temos na forma de relato nas Escrituras, relativo à família e pos­teridade do amaldiçoado Caim, até os encontrarmos to­dos extirpados e perecendo no dilúvio universal.

O Nascimento de Setew. 25,26

Esta é a primeira vez que Adão é mencionado neste capítulo. Sem dúvida, o assassinato de Abel, e a impeni- tência e apostasia de Caim eram um grande sofrimento para ele e Eva, e ainda mais porque a sua própria malda­de os castigava agora, e a sua reincidência os repreendia. Seu desatino permitira ao pecado e à morte entrarem no mundo. E agora, Adão e Eva sofriam uma dor lancinante por causa disso, pois foram privados de ambos os filhos em um único dia, cap. 27.45. Quando os pais são afligidos pela iniqüidade de seus filhos, eles deveriam aproveitar a ocasião para se lamentar pela corrupção da natureza, a qual se originou deles e que é a raiz da amargura. Mas, aqui, temos aquilo que foi um alívio para os nossos pri­meiros pais, em sua aflição.T Deus lhes permitiu ver a reconstrução da sua fa- JL mília, que fora muito abalada e enfraquecida por aquele triste evento. Pois: 1. Eles viram a sua semente, uma outra semente que substituiu a semente de Abel, v. 25. Observe a bondade e a ternura de Deus para com o seu povo, em seu relacionamento providencial com eles. Quando o Senhor permite que seja tirado um consolo,

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w. 1-5 GÊNESIS 5 42Ele lhes dá outro em seu lugar, e que pode se tornar uma bênção ainda maior do que aquele que consideravam que estivesse associado à sua vida. Esta outra semente era aquela na qual a igreja deveria ser edificada e perpe­tuada, e ela vem no lugar de Abel, pois a sucessão de homens e mulheres que confessam ao Senhor é o rea- vivamento dos mártires, como se fosse a ressurreição da testemunha de Deus que foi assassinada. É dessa forma que alguns entendem o batismo pelos mortos (1 Co 15.29), ou seja, nós somos, pelo batismo, aceitos na igreja no lugar daqueles que pela morte, especialmente pelo martírio, são afastados dela. E assim nós ocupamoso seu lugar. Aqueles que assassinam os servos de Deus esperam, através disso, destruir os santos do Altíssimo. Porém, tais iníquos ficarão desapontados. Cristo ainda verá a sua semente. Deus pode gerar, para Cristo, fi­lhos a partir de pedras e fazer do sangue dos mártires a semente da igreja, cujas terras, temos certeza, nunca serão perdidas por falta de herdeiros. A este filho, por uma inspiração profética, eles chamaram de Sete (ou seja, posto, estabelecido ou colocado), pois, em sua se­mente, a humanidade continuaria até o fim dos tempos. E dele descenderia o Messias. Enquanto Caim, o líder da apostasia, se torna um andarilho, Sete, de quem a verda­deira igreja surgiria, é alguém estabelecido. Em Cristo e na sua igreja está o único e verdadeiro estabelecimento. 2. Eles viram a semente da sua semente, v. 26. A Sete, nasceu um filho chamado Enos, o nome comum de to­dos os homens que evidencia a fraqueza, a fragilidade e a aflição da condição do homem. Os melhores homens são mais conscientes destas, tanto em si mesmos quanto em seus filhos. Por mais estabelecidos e seguros que nos sintamos, devemos nos lembrar de que somos frágeis.

n Deus permite que Adão e Eva observem o reavi- vamento da religião em sua família: Então, se co­meçou a invocar o nome do Senhor, v. 26. É pouco consolo para um homem justo ver os filhos de seus filhos, se ele, além disso, não contemplar a paz sobre Israel, e aqueles

que vêm dele caminharem na verdade. Sem dúvida, o nome de Deus fora invocado anteriormente. Porém ago­ra: 1. Os adoradores de Deus começaram a se levantar para fazer mais na religião do que haviam feito. Talvez, não mais do que haviam feito no início, porém mais do que haviam feito nos últimos tempos, desde a apostasia de Caim. Agora, os homens começaram a adorar a Deus, não apenas em seus aposentos particulares e com as suas famílias, mas em público e em reuniões solenes. Também pode ter havido, agora, uma reforma tão grande na reli­gião, que era como se fosse um novo começo dela. A pa­lavra, então, pode se referir não ao nascimento de Enos, mas a toda história anterior: então, quando os homens viram, através da ação da consciência natural, os pés­simos efeitos do pecado de Caim e Lameque, ao verem a condenação de Deus sobre o pecado e os pecadores, se tornaram ainda mais vigorosos e firmes na religião. Quanto piores forem os outros, melhores e mais zelosos devemos ser. 2. Os adoradores de Deus começaram a se diferenciar. Na anotação de margem da nossa Bíblia está escrito: Eles começaram a ser chamados pelo nome do Senhor, ou a se chamarem por ele. Agora que Caim e aqueles que haviam abandonado a religião tinham cons­

truído uma cidade, e começaram a se declarar a favor da irreverência e da incredulidade, e chamavam a si mesmos de filhos dos homens, aqueles que se juntaram a Deus começaram a se declarar a favor dele e da sua adoração, e se chamavam de filhos de Deus. Nestas cir­cunstâncias, iniciou-se a distinção entre aqueles que bus­cavam a Deus, e os profanos. Esta distinção se mantém desde então, e continuará enquanto o mundo existir.

C a p ít u l o 5Este capítulo é a única históiia autêntica sobre­vivente da primeira geração do mundo da criação até o dilúvio, englobando (de acordo com a vera­cidade do texto hebraico) 1.656 anos, como pode ser facilmente calculado pelas idades dos patriar­cas, antes que eles gerassem aquele filho através de quem a linhagem chegou até Noé. Esta é uma daquelas a que o apóstolo chama de “genealogias intermináveis” (1 Tm 1.4), pois Cristo, que foi o fim da lei do Antigo Testamento, também era o fim das genealogias do Antigo Testamento. Era Ele que elas tinham em vista, e nele elas estavam centradas. A genealogia aqui relatada é resumida­mente inserida na linhagem de nosso Salvador (Lc 3.36-38), e é muito útil para mostrar que Cristo era a “semente da mulher” que for a prometido. Temos aqui um relato: I. Relativo a Adão, w . 1-5.II. Sete, w. 6-8. III. Enos, w. 9-11. IV Cainã, w. 12-14. V Maalalel, w. 15-17. VI. Jarede, w. 18-20. VII. Enoque, w. 21-24. VIII. Metusalém (ou Ma- tusalém), w. 25-27. IX. Lameque e seu filho Noé, w. 28-32. Toda escritura, sendo dada pela inspi­ração de Deus, é proveitosa, embora nem todas sejam proveitosas da mesma maneira.

As Genealogiasw. 1-5

As primeiras palavras do capítulo são o título, ou o conteúdo de todo o capítulo: é o livro das gerações de Adão; é a lista ou catálogo da posteridade de Adão, não de toda, mas apenas da santa semente que era a sua es­sência (Is 6.13), e de quem, conforme a carne, Cristo veio (Rm 9.5). Elas mencionam os nomes, idades e o tempo de vida daqueles que foram os primeiros sucessores do primeiro Adão na custódia da promessa, e os ancestrais do segundo Adão. A genealogia começa com o próprio Adão. Aqui temos:

I Sua criação, w. 1,2, onde temos uma breve repetição do que existia antes, de forma geral, em relação à

criação do homem. E isto que precisamos ouvir freqüen­temente e com o que devemos cuidadosamente nos fa­miliarizar. Observe aqui: 1. Que Deus criou o homem. O homem não é o seu próprio criador, por isso, ele não pode ser o seu próprio senhor. Mas o Autor de sua existência deve ser o guia de seus movimentos e o centro deles. 2. Que houve um dia em que Deus criou o homem. Ele não

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43 GÊNESIS 5 w. 6-20existia desde a eternidade, mas desde ontem. Ele não foi o primogênito, mas o mais jovem da criação. 3. Que Deuso fez à sua própria semelhança, justo e santo, e, portanto, sem qualquer dúvida, feliz. A natureza do homem asse­melha-se à natureza divina, mais do que a de qualquer das criaturas deste mundo inferior. 4. Que Deus os criou, macho e fêmea (v. 2), para o mútuo consolo deles, bem como para a preservação e crescimento da sua espécie. Adão e Eva foram ambos feitos diretamente pela mão de Deus, ambos feitos à semelhança de Deus. E, portan­to, não há aquela grande distância e desigualdade entre os sexos, que alguns imaginam existir. 5. Que Deus os abençoou. É comum que os pais abençoem seus filhos. Assim Deus, o Pai de todos, abençoou aos seus. Porém os pais terrenos podem somente pedir uma bênção; é prerrogativa de Deus disponibilizá-la. Isto se refere, principalmente, à bênção do crescimento, não excluindo as outras bênçãos. 6. Que o Senhor o chamou de Adão. Adão significa terra, terra vermelha. Assim sendo: (1) Deus lhe deu este nome. O próprio Adão deu nome ao restante das criaturas, mas ele não devia escolher o seu próprio nome, para que ele não assumisse algum títu­lo pomposo e glorioso. Mas Deus lhe deu um nome que seria uma lembrança constante para ele da simplicidade de sua origem, e obrigá-lo a olhar para a rocha de onde fora cortado, e para a caverna do poço de onde foi cava­do, Isaías 51.1. Aqueles que são tão aparentados ao pó, têm pouca razão para se orgulhar. (2) O precioso Senhor deu esse nome a ambos, ao homem e à mulher. Sendo, inicialmente um só por natureza, e depois um só pelo casamento, era adequado que ambos tivessem o mesmo nome, como sinal de sua união. A mulher é da terra, te r­rena assim como o homem.

n O nascimento de seu filho, Sete, v. 3. Ele nasceu no centésimo décimo terceiro ano da vida de Adão. E, provavelmente, o assassinato de Abel não ocorrera mui­to tempo antes. Muitos outros filhos e filhas nasceram de Adão, além de Caim e Abel, antes disso. Porém nada é

comentado sobre eles, porque uma menção honrosa deve ser feita apenas ao nome daquele em cujos lombos esta­riam Cristo e a igreja. Mas o que é mais perceptível aqui, com relação a Sete, é que Adão o gerou à sua própria semelhança, à sua imagem. Adão foi feito à imagem de Deus. Porém quando ele caiu e se corrompeu, ele gerou um filho à sua própria imagem: pecaminoso e desonra­do, frágil, mortal e desprezível como ele próprio. Não apenas um homem como ele próprio, formado de corpo e alma, mas um pecador como ele próprio, culpado e in­solente, degenerado e corrompido. Até mesmo o homem que é conforme o coração do próprio Deus, reconhece a si mesmo como concebido e nascido no pecado, Salmos51.5. Esta era a semelhança do próprio Adão, o reverso da semelhança divina na qual Adão foi feito. Mas, tendo ele mesmo a perdido, ele não podia transmiti-la à sua se­mente. Note que a graça não corre no sangue, mas a cor­rupção sim. Um pecador gera um outro pecador, porém um santo não gera um outro santo.

A sua idade e morte. Ele viveu, ao todo, nove­centos e trinta anos, e então morreu, de acordo

com a sentença que lhe foi imposta: Ao pó voltarás. Em­

bora ele não tenha morrido no dia em que comeu o fruto proibido, mesmo assim, naquele dia exato, ele se tornou mortal. Então, ele começou a morrer. Toda a sua vida posterior nada mais foi do que um adiamento, uma vida condenada à perda e ao confisco. Além disso, foi uma vida agonizante e debilitada: ele não era apenas como um criminoso condenado, mas como alguém já crucificado, que morre lentamente, pouco a pouco.

w. 6-20Temos aqui tudo que o Espírito Santo achou adequa­

do deixar registrado, relativo a cinco dos patriarcas an­teriores ao dilúvio: Sete, Enos, Cainã, Maalalel e Jarede. Não há nada de notável com respeito a qualquer deles em particular, embora tenhamos razões para pensar que eles foram homens eminentes em seus dias, tanto pela prudência como pela devoção. Mas, de um modo geral:

I Observe quão ampla e claramente as suas gerações são registradas. Este assunto, seria de se pensar,

poderia ter sido comunicado em menos palavras. Po­rém é certo que não há uma única palavra desprovida de um motivo e de um objetivo nos livros de Deus, a despeito daquilo que haja nos livros dos homens. Tudo isto está assim claramente registrado: 1. Para que seja de entendimento fácil e inteligível para os menos ca­pazes. Quando somos informados da idade que tinham ao gerarem um determinado filho e quantos anos eles viveram depois disso, um pouco de habilidade em mate­mática possibilitará a uma pessoa saber quanto tempo eles viveram no total. Mesmo assim, o Espírito Santo registra o valor total, em consideração àqueles que se­quer têm tal habilidade. 2. Para m ostrar o prazer que Deus tem nos nomes de seu povo. Encontramos a gera­ção de Caim mencionada rapidamente (cap. 4.18), mas este relato relativo à semente sagrada é estendido, e passado em palavras de forma detalhada, e não apenas em números. É-nos dito quanto viveram aqueles que viveram no temor a Deus, e quando morreram aqueles que morreram em sua graça. Mas, quanto aos outros, não lhes é dada importância. A memória dos justos é abençoada, mas o nome dos maus apodrecerá.

n A vida deles é contada em dias (v. 8): São men­cionados os dias de Sete, e também dos demais, o que indica a brevidade da vida do homem, mesmo quan­do alcança a sua maior duração, e o rápido ciclo do nosso tempo na terra. Se eles contavam o tempo da sua vida

em dias, certamente nós devemos contar o da nossa em horas, fazendo das seguintes palavras a nossa oração ha­bitual (SI 90.12): Ensina-nos a contar os nossos dias.

De cada um deles, exceto de Enoque, é dito: e morreu. Está implícito na enumeração dos

anos da vida deles que quando estes anos foram contados e concluídos, chegaram a um fim. E ainda assim é repe­tido: e morreu, para mostrar que a morte ocorreu para todos os homens, sem exceção, e que é particularmente bom para nós estudarmos e aproveitarmos as lições que nos são ministradas através da morte dos outros, para a

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w. 21-24 GÊNESIS 5 44nossa própria edificação. Este era um homem bastante forte e saudável, porém morreu. Aquele era um homem rico e importante, porém morreu. Este era um político esperto, porém morreu. Aquele era um homem muito bom, talvez alguém de muito valor, porém morreu etc.

O que é especialmente perceptível, é que todos eles viveram por muito tempo. Nenhum deles

morreu até que tivesse visto um ciclo de quase oitocentos anos, e alguns deles viveram por mais tempo, um período grande demais para uma alma imortal ficar aprisionada em uma casa de barro. A vida de então, com certeza, não era para eles um fardo tão pesado, como é comum hoje, caso contrário eles teriam se cansado dela. A vida futura não foi, então, tão claramente mostrada como é agora sob o Evangelho, caso contrário eles ficariam ansiosos para se transferir para ela: a vida longa era uma bênção para os piedosos patriarcas, que os tornou abençoados. 1. Algu­mas causas naturais podem ser apontadas para tamanha longevidade nessas primeiras épocas do mundo. E muito provável que a terra fosse mais fértil, que os seus produ­tos fossem mais fortificantes, que o ar fosse mais saudá­vel, e que as influências dos corpos celestes fossem mais benignas antes do dilúvio, do que depois deste. Emborao homem tenha sido retirado do paraíso, mesmo assim, a própria terra era, então, um jardim paradisíaco, quando comparada com a sua atual condição inóspita. E alguns pensam que o notável conhecimento que eles tinham da criação, e da sua utilidade tanto na alimentação como na medicina, junto com a sua sobriedade e temperança, contribuíram muito para isso. Contudo, observe que não vemos os intemperantes (e entendemos que havia muitos, Lucas 17.27) tendo uma vida tão curta quanto os intem­perantes, de modo geral, têm agora. 2. Isto deveria ser decidido principalmente pelo poder e pela providência de Deus. Ele prolongou a vida deles, tanto para o repovoa­mento mais rápido da terra como para a preservação mais efetiva do conhecimento de Deus e da religião, naquele tempo, quando não havia palavra escrita, e apenas a tra­dição era o canal de sua transmissão. Todos os patriar­cas neste tempo, exceto Noé, nasceram antes da morte de Adão. De maneira que eles puderam receber dele um relato completo e satisfatório sobre a criação, o paraíso, a queda, a promessa e os preceitos divinos relativos à adora­ção e à vida religiosa. E, se acontecesse alguma falha, eles poderiam recorrer a ele, enquanto estava vivo, como se fosse um oráculo capaz de fazer a devida correção. Após a morte de Adão, Metusalém (ou Matusalém) e outros que haviam convivido com Adão poderiam servil1 como Adão serviria nestas situações de correção. Observe como foi grande o cuidado do Deus Todo-Poderoso para preservar em sua igreja o conhecimento de sua vontade, e a pureza de sua adoração.

O Traslado de Enoquew. 21-24

A contagem prossegue, aqui, por várias gerações sem qualquer coisa fora do comum, ou qualquer altera­ção, exceto de nomes e números. Mas finalmente apa­rece alguém que não deve ser ignorado dessa maneira,

a quem se deve prestar atenção, e esse alguém é Eno­que, da sétima geração de Adão: podemos supor que os demais tenham vivido virtuosamente, mas ele superou a todos eles, e foi a estrela mais brilhante da era patriar­cal. Pouco, porém, é registrado a seu respeito. Mas esse pouco já é o bastante para engrandecer o seu nome, para engrandecê-lo mais do que o nome do outro Enoque, que teve o seu nome dado a uma cidade. Eis aqui duas coisas relativas a ele:

I Sua graciosa convivência neste mundo, da qual se fala por duas vezes: Enoque andou com Deus, depois

que gerou a Metusalém (v. 22), e outra vez: Enoque an­dou com Deus, v. 24. Observe:

1. A natureza de sua fé, além do escopo e do caráter de sua convivência: ele andou com Deus, o que denota:(1) A religião verdadeira. O que é a religiosidade, a não ser andar com Deus? Os ímpios e profanos estão sem Deus neste mundo, eles caminham em direção contrária a ele: porém o piedoso anda com Deus, o que pressupõe a reconciliação com Deus, pois dois não conseguem andar juntos, se não estiverem de acordo (Am 3.3), incluindo todas as partes e instâncias de uma vida devota, justa e sóbria. Andar com Deus é colocar sempre Deus diante de nós, e agir como aqueles que estão sempre sob o seu olhar. E viver uma vida de comunhão com Deus tanto nas ordenanças quanto nas providências. E fazer da Palavra de Deus o nosso costume e, da sua glória, o nosso obje­tivo em todas as nossas ações. E ter como preocupação e empenho constante, em tudo, o desejo e a atitude de agradar a Deus, sem ofendê-lo em nada. E obedecer à sua vontade contribuindo com os seus desígnios, e tra­balhar ao seu lado. E sermos seguidores dele, como seus filhos queridos. (2) Uma religião eminente. Ele estava inteiramente morto para este mundo, e não apenas se­guia a Deus, como fazem todos os homens bons, mas caminhava com Deus, como se ele já estivesse no céu. Enoque vivia acima do padrão, não somente dos outros homens, mas dos outros santos: ele não era apenas bom nas ocasiões em que as coisas iam mal, mas era o me­lhor quando tudo estava bem. (3) Diligência na promoção da religião entre os outros. Desempenhar a função de sacerdote é chamado de andar na presença de Deus, 1 Samuel 2.30,35 (veja também Zc 3.7). Enoque, ao que pa­rece, era um sacerdote do Deus Altíssimo. Entendemos que, assim como Noé, de quem da mesma forma foi dito que andou com Deus, ele era um pregador da justiça, e profetizou sobre a segunda vinda de Cristo. O texto em Judas 14 diz: Eis que é rindo o Senhor com milha­res de seus santos. Agora, o Espírito Santo, ao invés de dizer: Enoque viveu, diz: Enoque andou com Deus. Pois a vida de um homem bom consiste em andar com Deus. Esta foi: [1] A ocupação da vida de Enoque, sua constan­te preocupação e trabalho. Enquanto os outros viviam para si mesmos e para o mundo, ele vivia para Deus. [2] Esta era a alegria e o sustento de sua vida. A comunhão com Deus era, para Enoque, melhor do que a vida em si. “Para mim o viver é Cristo”, Filipenses 1.21.

2. A ocasião de sua religiosidade. Foi dito (v. 21) que ele viveu sessenta e cinco anos, e gerou Metusalém. Porém (v. 22) ele andou com Deus depois que gerou Metusalém, o que indica que Enoque não começou a se destacar pela

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45 GÊNESIS 5 w. 25-27devoção até por volta dessa época. No início, ele andava apenas como os outros homens. Os santos notáveis alcan­çam a sua eminência subindo degrau por degrau.

3. A duração de sua fé: ele andou com Deus por tre ­zentos anos, pelo tempo que permaneceu neste mundo. Os hipócritas nem sempre oram. Mas o verdadeiro san­to, que age de acordo com um princípio e faz da religião a sua escolha, perseverará até o fim, e andará com Deus enquanto viver, como alguém que espera viver para sem­pre com Ele, Salmos 104.33.

n Sua gloriosa mudança para um mundo melhor. Como Enoque não viveu como os demais, ele tam­

bém não morreu como os demais (v. 24): Ele não foi mais visto, pois Deus o tomou para si. Este fato pode ser as­sim explicado (Hb 11.5): Enoque foi trasladado para que não visse a morte. E por esta razão não foi achado, pois Deus o havia trasladado. Observe:

1. Quando ele foi, dessa maneira, trasladado. (1) Em que época da sua vida ocorreu este fato tão importante. Foi quando ele tinha vivido apenas trezentos e sessenta e cinco anos (o que não era uma vida tão longa na época). De acordo com a expectativa de vida dos homens de en­tão, esta seria aproximadamente a metade de seus dias. Pois não havia nenhum dos patriarcas anteriores ao di­lúvio que não tivesse mais do que o dobro dessa idade. Mas, por que Deus o levou tão cedo? Com certeza porque o mundo, que agora se tornara corrupto, não era digno dele, ou porque ele estava tão acima do mundo e tão farto dele, a ponto de desejar uma rápida transferência para o céu. Há também uma outra possibilidade: a sua obra poderia estar completa, e teria sido concluída mais cedo pelo fato de Enoque cuidar dela com tanta dedicação. Note que Deus muitas vezes leva mais cedo aqueles a quem Ele mais ama, e o tempo que eles aparentemente perdem na terra é ganho no céu, o que é, para eles, uma indescritível vantagem. (2) Em que época do mundo. Foi quando todos os patriarcas mencionados neste capítulo estavam vivos, exceto Adão, que morrera cinqüenta e sete anos atrás, e Noé, que nasceu sessenta e nove anos depois. Esses dois tiveram confirmações concretas de sua fé de formas diferentes, mas para todos os outros, que foram ou podiam ter sido testemunhas do traslado de Enoque, isso foi um fortalecimento substancial de sua fé e esperança em uma condição futura.

2. Como essa mudança é descrita: Ele não foi mais vis­to, pois Deus o tomou para si. (1) Ele não estava mais nes­te mundo. Isto não se refere ao tempo de sua existência, mas da sua existência aqui: Enoque não foi achado, assim o apóstolo o explica a partir da Septuaginta. Não encon­trado por seus amigos, que o procuraram, como os filhos dos profetas procuraram Elias (2 Rs 2.17). Não encontra­do por seus inimigos, que, pensam alguns, o procuravam para matá-lo, em seu ódio contra ele, por sua destacada devoção. Parece, pela sua profecia, que havia naquela épo­ca muitos pecadores impiedosos, que proferiam discursos duros e que provavelmente também faziam coisas injus­tas contra o povo de Deus (Jd 15). Porém Deus escondeu Enoque deles, não sob o céu, mas no céu. (2) O Senhor Deus o tomou em corpo e alma para si, levando-o ao pa­raíso celestial pelo ministério dos anjos, da mesma forma como, posteriormente, tomou Elias. Enoque foi transfor­

mado, assim como serão aqueles santos que estiverem vivos na ocasião da segunda vinda de Cristo. Sempre que um homem bom morre, Deus o toma. O Senhor o busca, e o recebe para si mesmo. O apóstolo acrescenta, quanto a Enoque, que antes do seu traslado, ele teve este teste­munho: que ele agradou a Deus, e esta foi a boa reputação que alcançou. Note que: [1] Andar com Deus é uma ati­tude que agrada a Deus. [2] Nós não conseguimos andar com Deus de forma a agradá-lo, a não ser pela fé. [3] O próprio Deus dará honra àqueles que, pela fé, andam com Ele de forma a agradá-lo. Ele os confessará agora, e tes­temunhará a favor deles diante dos anjos e dos homens no grande dia. No entanto, aqueles que não tiverem esse testemunho antes do traslado, o terão posteriormente. [4] Aqueles cuja convivência no mundo for verdadeiramen­te santa, considerarão a sua mudança para fora dele, de fato, auspiciosa. O traslado de Enoque não foi apenas uma evidência para a fé em uma realidade de uma condição fu­tura, e da possibilidade da existência do corpo em glória nessa condição. Mas foi o fortalecimento da esperança de todos aqueles que andam com Deus de que eles estarão, para sempre, com Ele: este fato indica que a devoção será premiada com honras notáveis.

w. 25-27A respeito de Metusalém (ou Matusalém), observe:

1. O significado de seu nome, que alguns pensam que foi profético, porque seu pai, Enoque, foi um profeta. Metu­salém significa aquele que morre, ou um movimento sú­bito, ou, o envio, em especial, do dilúvio, que ocorreu no exato ano em que Metusalém morreu. Se, de fato, o seu nome tinha essa intenção e essa explicação, este foi um aviso a tempo para um mundo negligente, muito tempo antes que o julgamento chegasse. No entanto, é notável que aquele que viveu por mais tempo, carregasse em seu nome a morte, para que ele se lembrasse de sua chegada certa, embora ela chegasse com lentidão. 2. A sua idade: ele viveu novecentos e sessenta e nove anos, o período mais longo sobre o qual lemos que qualquer homem ja­mais viveu sobre a terra. E ainda assim, ele morreu. O vivente que mais viveu, deve, finalmente, morrer. Nem a juventude nem a idade avançada dispensarão alguém dessa guerra, pois esse é o fim de todos os homens: nin­guém pode desafiar a vida através de remédios de pres­crição prolongada, nem fazer disso uma alegação contra as sentenças de morte. E freqüentemente suposto que Metusalém tenha morrido um pouco antes do dilúvio. Os autores judeus afirmam: “sete dias antes”, referindo-se ao capítulo 7.10, e que ele foi afastado do mal que viria,o que concorda com esta suposição, que é geralmente aceita, de que todos os patriarcas mencionados neste capítulo foram homens santos. Reluto em apresentar qualquer conjectura em contrário. E mesmo assim não vejo como isso possa ser inferido a partir de seu registro aqui entre os ancestrais de Cristo, mais do que sobre os reis de Judá, cujos nomes estão registrados em sua ge­nealogia, muitos dos quais, temos a certeza, eram muito diferentes: e, se isto for questionado, talvez sugira como provável que Metusalém tenha se afogado com o resto do mundo. Pois é certo que ele morreu naquele ano.

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vv. 28-32 GÊNESIS 6 46O Relato de Noé

w. 28-32Temos aqui a primeira menção a Noé, sobre quem

iremos ler muito nos capítulos seguintes. Observe:"I Seu nome, e a razão deste nome: Noé significa JL repouso. Seus pais lhe deram esse nome, pois ti­nham a perspectiva de que ele seria mais do que uma bênção comum para a sua geração: Este nos conso­lará acerca de nossas obras e do trabalho de nossas mãos, por causa da te rra que o Senhor amaldiçoou. Aqui está: 1. A queixa de Lameque contra a calamitosa condição da vida humana. Pela entrada do pecado, e a herança da maldição pelo pecado, a nossa condição se tornou muito deprimente: toda a nossa vida é gas­ta no trabalho, e o nosso tempo é preenchido com um esforço contínuo. Havendo Deus amaldiçoado o solo,o máximo que alguém pode fazer, com o máximo de precaução e esforços, é buscar nele um meio de vida muito difícil. Ele fala como alguém cansado dos assun­tos desta vida, e lamentando que tanta consideração e minutos preciosos, que de outra maneira poderiam ser mais bem empregados, sejam inevitavelmente gastos com a obtenção da subsistência do corpo. 2. Suas espe­ranças confortadoras de algum alívio pelo nascimento de seu filho: Este nos confortará, o que denota não apenas o desejo e a expectativa que, geralmente, os pais têm quanto a seus filhos (que, quando eles cres­cerem, serão consolos para eles e os ajudem em seus negócios, embora eles muitas vezes demonstrem ser o contrário), mas uma apreensão e uma perspectiva de algo mais. É muito provável que existissem algumas profecias neste ponto, que o antecediam, como uma pessoa que seria maravilhosamente útil à sua geração,o que os teria provavelmente levado a concluir que ele fosse a semente prometida, o Messias que viria. E, ao mesmo tempo, isto indica que uma participação na aliança em Cristo, e a confiante expectativa de sua vinda, nos guarneçam com os melhores e mais claros consolos, tanto no que se refere à ira e maldição de Deus - que nós merecemos - quanto aos trabalhos e inquietações dos tempos atuais, dos quais nós vivemos freqüentemente nos queixando. “Cristo é nosso? O céu é nosso? Então seremos consolados”.

n Seus filhos, Sem, Cam e Jafé. Noé gerou o mais velho deles quando tinha 500 anos de idade.

Parece que Jafé era o mais velho (cap. 10.21), porém Sem é colocado primeiro porque nele o concerto foi transmitido, como entendemos pelo capítulo 9.26, on­de Deus é chamado de o Senhor Deus de Sem. E pro­vável que a ele tenha sido dado o direito de primogeni- tura, e é certo que descenderiam dele tanto Cristo (a Cabeça), como a igreja (que é o seu corpo). Por isso, ele é chamado de Sem, que indica boa reputação, pois em sua posteridade o nome de Deus sempre permane­ceria, até que de seus lombos saísse aquele cujo nome está acima de todo o nome. Desta forma, ao colocar primeiro o nome de Sem, Cristo, aquele que deve te r a preeminência em todas as coisas, foi de fato colocado em primeiro lugar.

Ca pít u l o 6A coisa mais extraordinária relativa ao mundo an­tigo da qual nós temos registro é a sua destruição através do dilúvio universal, cujo relato começa neste capítulo. Nele temos: I. A abundante iniqüi­dade daquele mundo mau, w. 1-5 e w. 11,12. II. O justo ressentimento do Deus justo em relação àque­la abundante iniqüidade, e sua sagrada decisão de castigá-la, w. 6,7. III. A generosidade especial de Deus para com o seu servo Noé. 1. No testemunho dado a respeito dele, w. 8-10. 2. Na comunicação do propósito que Deus tem para ele, w. 13,17. 3. Nas orientações que o Senhor lhe deu no sentido de construir uma arca visando a sua própria salvação, w. 14-16. 4. Na utilização dele para a preservação do restante das criaturas, w. 18-21. Por fim, a obe­diência de Noé às instruções que lhe foram dadas, v. 22. E este assunto relativo ao mundo antigo é escrito como uma advertência para nós, de quem dependeria o futuro do mundo moderno.

A Depravação do Mundow. 1,2

Pela glória da justiça de Deus, e como advertência para um mundo pecaminoso, antes da história da ruína do mundo antigo, nós temos um relato completo de sua degeneração, sua apostasia em relação a Deus, e a sua rebelião contra Ele. A sua destruição era um ato, não de soberania absoluta, mas de justiça necessária, pela manu­tenção da honra da autoridade de Deus. Neste ponto, nós temos um relato de dois fatores que ocasionaram a iniqüi­dade do mundo antigo: 1. O crescimento da raça humana: Os homens começaram a se multiplicar sobre a face da terra. Esse foi um dos resultados da bênção (cap. 1.28). Mas, ainda assim, a depravação do homem e os abusos que praticou perverteram essa graça de uma tal manei­ra, que ela foi transformada em uma maldição. Assim o pecado se aproveita das misericórdias de Deus para ser excessivamente pecaminoso. O texto em Provérbios 29.16 diz: Quando os ímpios se multiplicam, multiplicam-se as transgressões. Quanto mais pecadores, mais pecado. E a grande quantidade de transgressores incentiva os homens a pecar. Doenças infecciosas são mais destrutivas em cida­des populosas. E o pecado é uma lepra contagiosa. Dessa forma, na igreja do Novo Testamento, quando o número de discípulos foi multiplicado, houve uma murmuração (At 6.1), e nós descobrimos uma nação que foi multiplicada, não para o aumento de sua alegria, Isaías 9.3. Quando existe um grande número de famílias, estas precisam ser bem dirigidas para que não se tornem famílias iníquas. 2. Casamentos mistos (v. 2): Os filhos de Deus (isto é, os membros da religião, que eram chamados pelo nome do Senhor, e chamados desta forma), desposaram as filhas dos homens, isto é, pessoas profanas e estranhas a Deus e ao serviço a Deus. A posteridade de Sete não se manteve por si mesma, como deveria ter feito tanto pela preser­vação de sua própria pureza quanto pela abominação da apostasia. Eles se misturaram com a raça excomungada

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47 GÊNESIS 6 v. 3de Caim. Eles tomaram, para si, as esposas que escolhe­ram. Mas o que estava errado nesses casamentos? (1) Eles escolheram apenas pela aparência: Eles viram que elas eram bonitas, e só olharam para esta particularidade.(2) Eles seguiram a escolha que seus próprios sentimen­tos corrompidos fizeram: tomaram todas aquelas que es­colheram, sem procurar algum tipo de aconselhamento, e sem qualquer ponderação. Porém: (3) A conseqüência foi comprovadamente ruim para eles. Casaram-se com esposas desconhecidas, prenderam-se a um jugo desigual com infiéis, 2 Coríntios 6.14. Isso era proibido para Isra­el, Deuteronômio 7.3,4. Este foi o mesmo comportamento que ocasionou a infeliz apostasia de Salomão (1 Rs 11.1-4), e que trouxe conseqüências trágicas para os judeus de­pois de seu retorno da Babilônia, Esdras 9.1,2. Note que aqueles que professam servir ao Senhor precisam ter o cuidado de casar tanto a si mesmos quanto aos seus filhos dentro dos limites da fé que professam, com a finalida­de de agradar ao Senhor. O mal perverterá o bem muito antes do bem consertar o mal. Aqueles que se declaram filhos de Deus não devem se casar sem o consentimento dele. O Senhor jamais aprovará que os seus filhos se unam àqueles que agem como seus inimigos.

v.3Isso se insere aqui como um símbolo do desgosto de

Deus com aqueles que se casaram com esposas desco­nhecidas. Ele ameaça retirar deles o seu precioso Espíri­to, ao qual eles tinham ofendido através de tais casamen­tos contrários às suas convicções. As luxúrias carnais são freqüentemente punidas através de julgamentos espiri­tuais, que são os mais doloridos de todos os julgamentos. Ou como em outra ocasião de grande iniqüidade do mun­do antigo. O Espírito do Senhor, sendo provocado pela resistência deles às suas ações, parou de contender com eles, e então logo toda a religião estava perdida entre eles. Disso Ele os preveniu antes, para que não viessem a irritar ainda mais o seu Espírito Santo, e para que, atra­vés das orações deles, Ele pudesse permanecer com eles. Observe neste versículo:

A decisão de Deus de não contender com o homem JL para sempre através do seu precioso Espírito. O Espírito, então, se empenhou em convencer os homens através da pregação de Noé (1 Pe 3.19,20) e através de exames de consciência, mas isso foi em vão para a maio­ria dos homens. Por essa razão, Deus diz: Ele não con­tenderá para sempre. Note que: 1. O bendito Espírito contende com os pecadores através das condenações e advertências da consciência, para trazê-los do pecado para Deus. 2. Se alguém resistir ao Espírito, lutar contra Ele, tentar extingui-lo, é necessário saber que embora Ele contenda por muito tempo, não contenderá para sempre, Oséias 4.17. 3. Aqueles com quem o Espírito da graça deixou de contender estão caminhando rapida­mente para a destruição.

n A razão desta decisão: Porque o homem é carne, isto é, um ser irremediavelmente corrupto, car­nal e sensual, de modo que é trabalho perdido contender

com ele. Pode o etíope mudar a sua pele? Assim, em ou­tras palavras, todos, tanto um como o outro, todos eles mergulharam na lama da carnalidade. Note que: 1. A na­tureza corrupta e a inclinação da alma em direção à car­ne é que se opõem aos esforços do Espírito, e os tornam ineficazes. 2. Quando um pecador se dedica por muito tempo aos interesses da carne, e adere a ela contra o Es­pírito, o Espírito de maneira justa suspende a sua ação, e não contende mais. Ninguém fica excluído dos esforços do Espírito, a não ser aqueles que os negligenciaram de forma obstinada.

I T T Um adiamento concedido, apesar disso: Po-1 JL rém os seus dias serão cento e vinte anos. Por

esse período eu adiarei o julgamento que eles merecem, e lhes darei tempo para que evitem isso através de seu arrependimento e correção. A justiça disse: Acabe com eles. Mas a misericórdia intercedeu: Senhor, deixe-os as­sim este ano também. E, por enquanto, a misericórdia prevaleceu, porque um adiamento foi obtido por cento e vinte anos. Note que o tempo da paciência e da tole­rância de Deus em relação aos pecadores provocadores é às vezes longo, mas sempre limitado: adiamentos não são perdões. Embora Deus tolere alguém por um longo período, Ele não tolerará para sempre.

w. 4,5Temos aqui um relato adicional da corrupção do

mundo antigo. Quando os filhos de Deus se casaram com as filhas dos homens, embora isso tenha trazido um grande desgosto para Deus, Ele não os aniquilou imediatamente, mas esperou para ver quais seriam as conseqüências desses casamentos, e para que lado os fi­lhos penderiam mais tarde. E o resultado mostrou (como habitualmente acontece), que eles penderam para o pior lado. Aqui temos:

I A tentação sob a qual eles estavam para praticar a opressão e a violência. Eles eram gigantes, e eram homens de renome. Eles se tornaram muito insensíveis

para tudo ao seu redor, e tomaram pela força tudo o que estava à sua frente: 1. Usando seus corpos avantajados, como os filhos de Anaque, Números 13.33. 2. Usando seus nomes importantes, como os reis da Assíria, Isaí- as 37.11. Isso fez deles o terror dos heróis na terra dos viventes. E, armados dessa forma, eles audaciosamente violaram os direitos de todos os seus vizinhos e passaram por cima de tudo que é justo e sagrado. Note que aqueles que têm tanto poder sobre os outros a ponto de serem capazes de oprimi-los, raramente têm tanto poder sobre si mesmos a ponto de não oprimir. Um grande poder é uma armadilha muito grande para muitos. Essa raça degenerada desprezou a honra que os seus ancestrais haviam obtido através da virtude e da religião, e criou para si mesma uma fama através daquilo que foi a ruína eterna de seu bom nome.T I A acusação apresentada e comprovada contra JL JL eles, v. 5. A evidência produzida era incontestá­vel. Deus estava vendo tudo, e isso valia mais do que mil

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w. 6,7 GÊNESIS 6 48testemunhas. Deus vê toda a maldade que está entre os filhos dos homens. Esta não pode ser escondida dele, e, se eles não se arrependessem, em breve ela não seria tolerada por Ele. O que Deus constatou agora? 1. Ele observou as torrentes de pecados que fluíam ao longo da vida dos homens, e a amplitude e a profundidade dessas torrentes: Ele viu que a maldade do homem era grande na terra. Observe a ligação disto com o que aconteceu anteriormente: os opressores eram homens poderosos e homens de fama. E, então, Deus viu que a maldade do homem era grande. Note que a maldade das pessoas é realmente grande quando os mais notórios pecadores entre elas são homens famosos. As coisas vão de mal a pior quando os homens maus não só são reverenciados- não obstante a sua maldade - mas quando são reveren­ciados por sua maldade, e quando os homens mais vis são exaltados. A iniqüidade é grande, então, quando os gran­des homens são iníquos. A iniqüidade deles era grande, isto é, pecado em abundância era cometido em toda parte, por todos os tipos de pessoas. E tal pecado, como era em sua própria natureza o mais grave, abominável, e desafiador. E ra cometido com ousadia, como um desa­fio ao céu. Nenhum cuidado era tomado por aqueles que tinham em suas mãos o poder para restringi-lo e puni-lo. Deus viu isso. Note que todas as faltas dos pecadores são conhecidas por Deus, o Supremo Juiz. Aqueles que são os mais versados no mundo, embora vejam muita iniqüi­dade nele, ainda assim vêem apenas um pouco do que ele é. Mas Deus vê tudo, e julga todas as coisas corretamen­te. E quão notável é o fato do Senhor jamais estar enga­nado em seu julgamento. 2. O bendito Senhor observou a fonte do pecado que estava nos corações dos homens. Qualquer um podia ver que a maldade do homem era grande, porque eles manifestaram os seus pecados como Sodoma. Mas a visão de Deus foi mais longe: Ele viu que toda imaginação dos pensamentos dos corações era só má continuamente - uma triste visão, e muito desagra­dável para a santa visão de Deus! Essa era a raiz amar­ga, o manancial corrupto: toda violência e opressão, toda a luxúria e devassidão que havia no mundo, provinham da corrupção da natureza. A concupiscência as concebeu, Tiago 1.15. Veja Mateus 15.19. (1) O coração deles era desprezível. E ra enganador e desesperadamente mau. Os princípios eram corruptos e nocivos, e o mesmo se po­dia dizer dos seus hábitos e tendências. (2) Os pensamen­tos do coração eram assim. O pensamento é, às vezes, confundido com o julgamento estabelecido ou com a opi­nião, e esta era corrompida, tendenciosa e enganadora; às vezes ela expressa as obras da imaginação, e estas são sempre vãs ou vis, tecendo a teia da aranha ou chocando o ovo do basilisco. (3) A imaginação dos pensamentos do coração dos homens era assim. Em outras palavras, os seus planos e artifícios eram malignos. Eles não faziam o mal por mera desatenção, como aqueles que se lançam em aventuras, não prestando atenção no que fazem. Mas eles faziam o mal deliberada e intencionalmente, plane­jamento como causariam danos. Tudo isto era realmente ruim. E ra iniqüidade sobre iniqüidade, continuamente. E toda a imaginação deles era assim. Não se encontrava nenhum bem entre eles, qualquer que fosse o momen­to: a torrente de pecado era plena, forte, e constante. E Deus viu isso. Leia Salmos 14.1-3.

A Humanidade É Ameaçada com a Destruiçãow . 6,7

Aqui temos:O ressentimento de Deus pela iniqüidade do homem. Ele não via isso como um espectador desinteressa­

do, mas como alguém ferido e ofendido por ela. Ele a viu como um pai afetuoso vê a insensatez e a teimosia de uma criança rebelde e desobediente, que não apenas o irrita, mas o aflige, e faz com que deseje não ter tido filhos. As expressões usadas aqui são muito estranhas: arrependeu- se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra, porque Ele tinha criado um ser de tão nobres capacidades e ap­tidões, e o havia colocado nesta terra que Ele construiu e proveu com o propósito de ser uma habitação conveniente e confortável para o homem. E isso pesou em seu coração. Estas são expressões que estão de acordo com o costume dos homens, e devem ser entendidas desta forma para não prejudicar a honra da imutabilidade ou da felicidade de Deus. 1. Esta linguagem não insinua qualquer emoção ou desconforto em Deus (nada pode criar qualquer perturba­ção para a Mente Eterna), mas ela expressa o seu justo e sagrado desgosto contra o pecado e os pecadores, contra o pecado como odioso à sua santidade e contra os pecado­res como repulsivos à sua justiça. Ele se entristece pelos pecados de suas criaturas (Am 2.13), se cansa (Is 43.24), se sente quebrantado (Ez 6.9), desgostoso (SI 95.10), e aqui este desgosto alcança o coração. O Senhor se sente como os homens se sentem quando são prejudicados e maltra­tados por aqueles a quem foram muito generosos, e conse­quentemente se arrependem de sua bondade, e desejam nunca ter alimentado em seu coração aquela serpente que agora sibila em suas faces e os pica no coração. Deus odeia o pecado? Sim. E então será que nós também não deverí­amos odiar o pecado? Nossos pecados entristeceram o seu Santo coração? Então o nosso coração não deveria se sen­tir desgostoso e aferroado? O, que esta reflexão possa nos humilhar e envergonhar, e que possamos olhar para aque­le a quem tanto desgostamos, e chorar! Zacarias 12.10. 2. Isso não implica em qualquer mudança no pensamento de Deus. Pois Ele está decidido, e quem pode fazer com que Ele mude de idéia? Com Ele não existe inconstância, Mas isso representava uma mudança em sua atitude. Depois de fazer o homem reto, Deus descansou, e restaurou-se (Êx 31.17). Seu sentimento para com o homem demons­trava que ele estava satisfeito com a obra de suas pró­prias mãos. Mas, agora que o homem havia abandonado a religião, o Senhor não podia fazer outra coisa a não ser mostrar-se desgostoso. Deste modo, a mudança estava no homem, não em Deus. Deus se arrependeu de haver criado o homem. Mas nós nunca o vimos se arrependendo de haver redimido o homem (embora esse trabalho tenha exigido um sacrifico muito maior), porque a graça especial e efetiva é dada para assegurar os grandes objetivos da redenção. Deste modo, aqueles dons e chamadas são sem arrependimento, Romanos 11.29.

A decisão de Deus de destruir os homens em virtu­de da iniqüidade que demonstraram, v. 7. Observe

que: 1. Quando Deus se arrependeu de haver criado o ho-

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49 GÉNESIS 6 w. 8-10mem. Ele decidiu destrui-lo. Portanto, aqueles que ver­dadeiramente se arrependem do pecado, decidirão - na força da graça de Deus - refreá-lo e destrui-lo, e assim podem desfazer aquilo que haviam feito errado. Aqueles que dizem que sentem muito por seus pecados, e que isso lhes pesa no coração, porém continuam se entregando ao pecado, estão tentando escarnecer de Deus. Estes esta­rão fingindo, em vão, uma mudança em seus pensamen­tos, se não a comprovarem através de uma mudança em seu modo de agir. 2. O Senhor decide destruir o homem. A frase original é muito significativa: Destruirei de sobre a face da terra, o homem que criei (segundo alguns), as­sim como a sujeira ou imundície é removida de um lugar que deveria estar limpo, e é lançada no monturo, o local adequado para ela. Veja 2 Reis 21.13. Aqueles que são as manchas dos lugares onde vivem são merecidamente re­movidos pelos julgamentos de Deus. Apagarei de sobre a face da terra, o homem (segundo outros), assim como aquelas linhas que desagradam o autor são apagadas do manuscrito de um livro, ou como o nome de um cidadão é apagado do rol dos homens livres quando ele morre, ou quando é privado de seus direitos civis. 3. O Senhor fala do homem como sua própria criatura, mesmo quando decide sobre a sua destruição: O homem que criei. Em outras palavras, embora Eu o tenha criado, isso não o isentará, Isaías 27.11. Aquele que o criou não o poupará. Se aquele que é o nosso Criador não for o nosso sobera­no, Ele será o nosso destruidor. Ou: Porque eu o criei, e ele foi tão irresponsável e ingrato para com o seu Cria­dor, então o destruirei. Esses perdem a vida porque não correspondem à finalidade de sua existência. 4. Até mes­mo os animais seriam envolvidos nessa destruição? Sim, os animais em geral, os répteis, e as aves dos céus. Esses foram feitos para o homem, e então devem ser destruí­dos com o homem. Pois, segue-se que: Arrependo-me de os haver criado. Pois o objetivo de sua criação também fora frustrado. Eles foram criados para que o homem pudesse com eles servir e honrar a Deus. E então foram destruídos porque o homem havia servido às suas luxú- rias com eles, tornando-os sujeitos à vaidade. 5. Deus to­mou essa decisão em relação ao homem depois que o seu precioso Espírito havia estado durante um longo período contendendo com o homem, em vão. Ninguém é destruí­do pela justiça de Deus a não ser aqueles que odeiam ser regenerados pela graça de Deus.

w. 8-10Nós temos aqui Noé diferenciado do resto do mundo,

e um sinal particular de honra foi colocado sobre ele. 1. Quando o Senhor Deus estava desgostoso com o resto do mundo, Ele foi generoso para com Noé. Pois Noé achou graça aos olhos do Senhor, v. 8. Isso vindica a justiça de Deus em seu descontentamento contra o mundo, e indi­ca que ele havia examinado rigorosamente o caráter de cada pessoa de acordo com ela, antes de declarar o mundo como estando completamente corrompido. Pois, existindo um homem bom, o Senhor o descobriu, e sorriu para ele. Isso também amplia a sua graça para com Noé, porque este foi tornado o eleito da misericórdia de Deus enquan­to, por outro lado, toda a raça humana havia se constituído

a geração do seu furor. Graças diferenciadas demandam obrigações particularmente severas. É provável que Noé não tenha encontrado graça aos olhos dos homens. Eles o odiaram e o perseguiram porque ele condenava o mun­do tanto por sua vida quanto por sua pregação. Mas ele achou graça aos olhos do Senhor, e isso era tanto uma honra quanto um conforto suficiente. Deus testificou mais a respeito de Noé do que a respeito de todo o mundo, e isso o tornou maior e mais verdadeiramente honrado do que todos os gigantes que existiam naqueles dias, que se tornaram homens poderosos e renomados. Que a bênção de encontrar graça aos olhos do Senhor seja o ápice de nossas ambições. Trabalhemos para que, quer presentes, quer ausentes, possamos ser agradáveis a Ele, 2 Coríntios5.9. Aqueles a quem Deus vê com bons olhos são altamen­te favorecidos. 2. Enquanto o restante do mundo era cor­rompido e mau, Noé manteve a sua integridade: Estas são as gerações de Noé (este é o relato que temos para dar a respeito dele). Noé era um homem justo, v. 9. Esta carac­terística de Noé se insere aqui: (1) Como a razão da gene­rosidade de Deus para com ele. Sua excepcional devoção o qualificou para receber sinais peculiares da bondade de Deus. Aqueles que encontram graça aos olhos do Senhor devem ser como Noé foi, e fazer como ele fez. Deus ama aqueles que o amam. Ou: (2) Como conseqüência da bon­dade de Deus para com ele. Foi a boa vontade de Deus para com Noé que produziu nele essa boa obra. Ele era um homem muito bom, mas não era melhor do que a graça de Deus o tornou, 1 Coríntios 1-5.10. Agora, observe o ca­ráter deste servo do Senhor. [1] Ele era um homem justo, isto é, justificado diante de Deus pela fé na semente pro­metida. Pois ele era um herdeiro da justiça que é segundo a fé, Hebreus 11.7. Ele foi santificado, e teve princípios e inclinações corretas implantados em si mesmo. E ele era íntegro em suas conversas, alguém que procurava cons­cientizar os seus semelhantes de que deveriam cumprir as obrigações que tinham para com Deus e para com os homens. Note que ninguém, a não ser um homem total­mente honesto, pode encontrar graça diante de Deus. A conversa que será agradável a Deus deve ser regida pela simplicidade e sinceridade que são peculiares a Deus, e não pela sabedoria carnal, 2 Coríntios 1.12. Deus, às ve­zes, escolhe as coisas mais simples e até as coisas tolas do mundo, mas Ele nunca escolheu as coisas desonestas des­te. [2] Noé era perfeito, não no sentido de não ter pecados, mas ele tinha uma perfeição em termos de sinceridade. E é bom para nós que, pela virtude do concerto da graça, com base no critério da justiça de Cristo, a sinceridade seja aceita como nosso aperfeiçoamento no Evangelho.[3] Noé andou com Deus, assim como Enoque tinha feito antes dele. Ele não era apenas honesto, mas também de­voto. Ele andou, isto é, ele agiu de uma forma aceitável a Deus, como alguém que tem sempre em vista agradar ao Senhor. Noé viveu uma vida em comunhão com Deus. A sua preocupação constante era corresponder à vontade de Deus, agradá-lo, e conviver à altura deste relacionamento. Note que Deus olha com bondade para aqueles que since­ramente elevam o olhar para Ele com fé. Mas: [4] O que coroa o caráter de Noé é que ele era assim, e assim ele se mostrou em sua geração, naquela época degenerada e corrupta na qual a sua sorte foi lançada. É fácil ser reli­gioso quando a religião está na moda. Mas é uma prova de

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w. 11,12 GÊNESIS 6 50solidez de fé e de determinação nadar contra a corrente em direção ao céu, e se manifestar publicamente a favor de Deus, quando ninguém mais age deste modo. Assim fez Noé, e isso está registrado como uma honra imortal deste servo do Senhor.

A Depravação do Mundow. 11,12

A iniqüidade daquela geração é aqui novamente men­cionada como uma ênfase à devoção de Noé - ele era justo e perfeito, enquanto toda a terra estava corrompida. Ou ainda como uma justificativa adicional para a determina­ção de Deus de destruir o mundo, a qual Ele estava, agora, prestes a comunicar ao seu servo Noé. 1. Todos os tipos de pecados foram encontrados entre eles, pois foi dito (v. 11) que a terra estava: (1) Corrompida diante de Deus, isto é, corrompida em relação à adoração a Deus. Também é pos­sível que eles tivessem outros deuses adiante dele, ou que o adorassem através de imagens. Também é possível que eles fossem corruptos e iníquos - para desgosto de Deus e em desrespeito a Ele - desafiando-o e desobedecendo-o com audácia diante de sua face. (2) A terra também esta­va repleta de violência e injustiça no tocante aos homens. Não existia nenhum governo legal. Nenhum homem estava seguro na posse daquilo sobre o que tinha o mais puro e incontestável direito. Não, nem mesmo a vida mais inocen­te. Não havia nada além de assassinatos, estupros e pilha­gens. Note que a iniqüidade, por ser a vergonha da natu­reza humana, também é a ruína da sociedade. Ela afasta a consciência e o temor a Deus, e os homens se tornam como bestas e demônios uns para com os outros. Eles passam a agir como os peixes do mar, onde o maior devora o menor.O pecado enche a terra de violência, e assim transforma o mundo em uma selva, em um campo de batalha. 2. As pro­vas e as evidências disso eram inegáveis. Pois Deus con­templou a terra, e foi Ele próprio uma testemunha ocular da corrupção que havia nela, pois tudo está diante dos seus olhos, v. 5. O Senhor é o Justo Juiz em todos os seus jul­gamentos, e procede sob a certeza infalível de sua própria onisciência, Salmos 33.13. 3. O que mais agravou a questão foi a propagação universal do contágio: Toda a carne ha­via corrompido o seu caminho. Não eram algumas nações ou cidades específicas que eram tão ímpias, mas o mundo inteiro da humanidade era assim. Não havia ninguém que fizesse o bem, não, ninguém além de Noé. Note que quando a maldade se torna comum e universal, a destruição não está longe. Enquanto existirem pessoas que oram em uma nação, evitando que a maldade atinja um nível intolerável, os juízos podem ser evitados por um longo período. Mas quando todas as mãos estão trabalhando para derrubar as barreiras que impedem a entrada do pecado, e não existe nenhuma que tape a brecha, o que se pode esperar a não ser uma inundação de ira?

A Previsão do Dilúviow. 13-21

Aqui realmente se torna aparente que Noé achou graça aos olhos do Senhor. A generosidade de Deus para

com Noé foi claramente indicada naquilo que o adorável Senhor disse a respeito dele, w. 8-10. Ali, o nome de Noé é mencionado cinco vezes em poucas linhas, quando uma vez poderia ter servido para deixar claro o sentido. Era como se o Espírito Santo sentisse prazer em perpetuar a memória deste servo do Senhor. Mas isso se torna muito mais aparente no que o Senhor lhe diz nestes versículos- as informações e instruções que aqui lhe são dadas.

I Aqui Deus faz de Noé o seu homem de confiança, co­municando-lhe o seu propósito de destruir este mundo

iníquo pela água. Posteriormente, o bendito Senhor agiu de uma forma parecida, revelando a Abraão a sua decisão a respeito de Sodoma (cap. 18.17: Ocultarei eu a Abraão o que faço?). Portanto, era como se o Senhor aqui dissesse: “Ocultarei eu a Noé o que faço, visto que ele certamen­te virá a ser uma grande nação?” Note que o segredo do Senhor é para aqueles que o temem (SI 25.14). Ele era conhecido pelos seus servos, os profetas (Am 3.7) através de um espírito de revelação que os informava, particular­mente, sobre os seus propósitos. O segredo do Senhor é manifestado a todos os crentes através de um espüito de sabedoria e de fé, que lhes capacita a entender e aplicar as declarações gerais da Palavra escrita, e as advertências nela concedidas. Neste ponto:

1. Deus revelou a Noé, sem entrar em detalhes, que iria destruir o mundo (v. 13): O fim de toda carne é vin­do perante a minha face. Eu os destruirei. Em outras palavras, a destruição deste mundo maligno está decre­tada e determinada. É vinda, isto é, ela virá certamen­te, e virá rapidamente. E provável que Noé, pregando aos seus vizinhos, os tivesse avisado, em geral, sobre a ira de Deus que eles trariam sobre si mesmos devido às iniqiiidades que praticavam, e agora Deus apóia os seus esforços através de uma declaração especial de ira, para que Noé pudesse testar se isso produziria algum efeito neles. Portanto, observe: (1) Que Deus confirma as pa­lavras dos seus mensageiros, Isaías 44.26. (2) Que para aquele que tem, e usa o que tem para o bem dos outros, mais lhe será dado, até mesmo na forma de instruções mais completas.

2. O bendito Senhor lhe revelou, particularmente, que iria destruir o mundo por meio de um dilúvio de águas: Veja que Eu, Eu mesmo, trago um dilúvio de águas sobre a terra, v 17. Deus podia te r destruído toda a humanidade através da espada de um anjo, uma espa­da flamejante girando para todos os lados, assim como destruiu todos os primogênitos dos egípcios e o acam­pamento dos assírios. E então não era preciso mais do que colocar um sinal sobre Noé e sua família, para a preservação destes. Mas Deus opta por fazer isso por meio de um dilúvio de águas, que deveria deixar o mundo submerso. Os motivos, nós podemos estar certos, eram sábios e justos, embora desconhecidos para nós. Deus possui muitas flechas em sua aljava, e Ele pode usar aquela que lhe aprouver: como aquele que escolhe a vara com a qual punirá os seus filhos, assim Ele escolhe a es­pada com a qual eliminará os seus inimigos. Observe a forma da expressão no idioma inglês: “Eu, Eu mesmo, trago um dilúvio. Eu que sou infinito em poder, e por isso posso fazê-lo. Eu, que sou infinito em justiça, e por isso o farei”. (1) Isso expressa a certeza do julgamento: Eu, Eu

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51 GÊNESIS 6 w. 13-21mesmo, o farei. Isso não pode efetivamente ser feito a não ser que o próprio Deus se responsabilize por fazê-lo. Veja Jó 11.10. (2) Aqui fica indicada a inclinação disso em favor da glória de Deus, e a honra de sua justiça. Desse modo, Ele será engrandecido e exaltado na terra, e todo o mundo saberá que Ele é o Deus a quem pertence a vingança. Creio que a expressão aqui é mais ou menos como esta, Isaías 1.24: Ah! Consolar-me-ei acerca dos meus adversários.

n Aqui Deus faz de Noé o homem do seu concerto, outra perífrase hebraica para amigo (v. 18): Mas contigo estabelecerei o meu concerto. 1. O concerto da providência de que o curso da natureza prosseguiria até o fim dos tempos, não obstante a suspensão que o dilúvio

lhe traria. Essa promessa foi diretamente feita a Noé e seus filhos, cap. 9.8ss. Eles eram como depositários para toda esta parte da criação, e uma grande honra fora, através disso, colocada sobre ele e os seus. 2. O concerto da graça para que Deus fosse o seu Deus, e que de sua semente Deus tiraria para si mesmo um povo. Note que:(1) Quando Deus faz um concerto, Ele o estabelece, o ga­rante, e o cumpre. Os seus concertos são eternos. (2) O concerto da graça tem, em si, a recompensa por serviços singulares, e é a fonte e o fundamento de todas as bene- volências especiais para compensar aquilo que perdemos por amor a Deus, ou para criar uma felicidade para nós em Deus. Assim, não precisamos desejar mais do que ter o seu concerto firmado conosco.

Aqui Deus torna Noé um marco de bondosa misericórdia, ao colocá-lo em uma condição de

se proteger do dilúvio que se aproxima, para que ele não perecesse com o resto do mundo: Os desfarei, diz Deus, com a terra, v. 13. “Mas faze para ti uma arca. Eu to­marei o cuidado necessário para te manter vivo.” Note que as devoções singulares serão recompensadas com redenções especiais, que são, de maneira especial, obse­quiosas. Isso acrescentará muito à honra e à felicidade dos santos glorificados, de modo que eles serão salvos enquanto a maior parte do mundo for deixada para pe­recer. Neste ponto:

1. Deus orienta Noé a fazer uma arca, w. 14-16. Essa arca era como o casco de um navio, adaptada não para navegar sobre as águas (não havia razão para isso, pois não haveria nenhuma costa para onde navegar), mas para flutuar sobre as águas, esperando que a maré decresces­se. Deus podia te r protegido Noé com a ajuda de anjos, sem colocá-lo em situações que exigissem dele cuidado, esforço ou preocupação. Mas o precioso Senhor escolheu empregá-lo na criação daquilo que tinha a finalidade de ser o meio de sua preservação, tanto para testar a sua fé e obediência quanto para nos ensinar que ninguém será salvo por Cristo a não ser apenas aqueles que trabalha­rem por sua própria salvação. Nós não podemos fazer isso sem Deus, e Ele não o pode fazer sem nós. Tanto a providência quanto a graça de Deus reconhecem e re­compensam os esforços daqueles que são obedientes e diligentes. Deus deu a Noé instruções muito específicas com respeito a essa construção, que só poderia ser ad­miravelmente bem adequada para o seu propósito se a própria Infinita Sabedoria fosse o seu arquiteto. (1) Ela

deve ser feita de madeira de Gofer. Noé, indubitavel­mente, sabia qual era esse tipo de madeira, embora nós agora não saibamos se cedro, ou cipreste, ou qual outra. (2) Do lado de dentro, ele deve construir três andares. (3) Ele deve dividi-la em compartimentos, com divisórias, lugares adequados para vários tipos de criaturas, para não desperdiçar espaço. (4) As dimensões exatas foram fornecidas a Noé, para que ele pudesse construí-la de forma proporcional, e que nela pudesse haver aposentos suficientes para atender a sua finalidade, e nada mais. Note que aqueles que trabalham para Deus devem rece­ber dele as suas medidas e observá-las cuidadosamente. Note, além disso, que é conveniente que aquele que de­signa a nossa habitação deva estabelecer as fronteiras e os limites desta. (5) Ele a cobrirá com betume por dentro e por fora - por fora, para escoar a chuva, e para impedir a água de se infiltrar - por dentro, para diminuir o mau cheiro dos animais quando mantidos em recinto fechado. Observe que Deus não ordena que ele a pinte, mas que a cubra com betume. Se Deus nos dá habitações que são seguras, aquecidas e saudáveis somos obrigados a lhe ser gratos, mesmo que estas não sejam magníficas ou as mais belas. (6) Noé deve construir uma pequena ja ­nela no topo para deixar entrar a luz, e (pensam alguns) para que através dessa janela ele possa contemplar as destruições que serão infligidas à terra. (7) Ele deve fa­zer uma porta em um dos lados da arca, para que possa entrar e sair através dela.

2. Deus promete a Noé que ele e sua família serão mantidos vivos na arca (v 18): Tu entrarás na arca. Note que nós mesmos teremos o conforto e o beneficio daquilo que fizermos em obediência a Deus. Se fores sábio, para ti sábio serás. Não apenas ele próprio estava a salvo na arca, mas a sua esposa, os seus filhos, e as esposas de seus filhos. Observe: (1) O cuidado dos bons pais. Eles são cuidadosos não apenas com a sua própria salvação, mas com a salvação de suas famílias, e especialmente de seus filhos. (2) A felicidade daqueles filhos que têm pais tementes e obedientes ao Senhor. A devoção cle seus pais freqüentemente alcança uma salvação temporária para eles, como vemos aqui. E ela os favorece no caminho para a salvação eterna, se eles aproveitarem o seu benefício.

Aqui Deus torna Noé uma grande benção para o mundo, e nessa narrativa faz dele um desta­

cado modelo do Messias, embora não o próprio Messias, como seus pais esperavam, cap. 5.29. 1. Deus fez dele um pregador para os homens daquela geração. Como um atalaia, ele recebeu a palavra da boca de Deus, para que pudesse lhes dar o aviso, Ezequiel -3.17. Desse modo, enquanto a longanimidade de Deus esperava, através de seu precioso Espírito, Noé pregava para o mundo antigo, que no texto que Pedro escreveu foi referido como espíri­tos em prisão (1 Pe 3.18-20). E aqui Noé era um símbolo de Cristo, que, em uma terra e em uma época em que toda carne havia corrompido o seu caminho, continuou pregando o arrependimento e avisando os homens da chegada do dilúvio da ira. 2. Deus fez dele um salvador para as criaturas inferiores, para impedir suas várias espécies de perecer e de se perderem no dilúvio, w. 19- 21. Essa era uma grande honra conferida a Noé que não apenas nele a raça humana devesse ser preservada, e

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w. 22 GÊNESIS 7 52que dele se originasse um novo mundo, a igreja, a alma do mundo e o Messias, a cabeça daquela igreja. Mas que ele fosse providencial para preservar as criaturas inferiores, e, portanto nele a humanidade alcançasse um novo atributo para si e para os seus serviços. (1) Noé de­veria fornecer abrigo para eles, para que não se afogas­sem. Dois de cada espécie, macho e fêmea, ele deveria levá-los consigo na arca. E para que ele não encontrasse qualquer dificuldade em reuni-los, e fazê-los entrar na arca, Deus promete (v. 20) que eles viriam a ele por ini­ciativa própria. Aquele que faz com que o boi conheça o seu dono e o seu estábulo, faz, então, com que os animais conheçam o seu protetor e a sua arca. (2) Noé deveria fornecer comida para eles, para que não tivessem fome, v. 21. Ele deve abastecer a sua arca, de acordo com o número de sua tripulação, aquela grande família sobre a qual agora ele tinha a responsabilidade, e de acordo com o tempo designado para o seu confinamento. Aqui Noé também era um símbolo de Cristo, a quem é devida a existência do mundo, de quem todas as coisas dependem, e que impede a humanidade de ser totalmente liquidada e destruída pelo pecado. Nele a semente sagrada está a salvo, e viva, e a criação está livre da vaidade sob a qual ela geme. Noé salvou aqueles a quem ele comandaria, e isto é o que Cristo faz, Hebreus 5.9.

v. 22O cuidado e a diligência de Noé ao construir a arca

podem ser considerados: 1. Como uma conseqüência de sua fé na Palavra de Deus. Deus lhe havia dito que, em breve, iria inundar o mundo. Noé creu nisso, temeu a ameaça do dilúvio, e, com esse temor preparou a arca. Note que nós deveríamos misturar a fé com a revelação que Deus fez sobre a sua ira contra toda a iniqüidade e injustiça dos homens. As ameaças da Palavra não são alarmes falsos. Muitas coisas poderiam ter sido alegadas contra a credibilidade desse aviso dado a Noé. “Quem podia acreditar que o sábio Deus, que criou o mundo, pudesse tão cedo destruí-lo. Que aquele que havia remo­vido as águas para fora da terra seca (cap. 1.9,10) faria com que elas a cobrissem novamente? Como é que isso poderia ser reconciliado com a misericórdia de Deus, que está acima de todas as suas obras? Como se pode­ria crer, especialmente, que as criaturas inocentes deve­riam morrer pelo pecado do homem? De onde poderia vir tanta água suficiente para inundar o mundo? E, se deve ser assim, por que deveria o aviso a respeito disso ser dado apenas a Noé - Mas a fé de Noé triunfou so­bre todas essas argumentações deturpadas. 2. Como um gesto de obediência às ordens de Deus. Se Noé tivesse se aconselhado com a carne e com o sangue, muitas ob- jeções teriam sido levantadas contra isso. Erguer uma construção como aquela, tão grande como ele nunca vira, e de dimensões tão exatas, requereria dele um grande cuidado, trabalho, e sacrifício. Seria um trabalho que to­maria tempo. A impressão era que levaria muito tempo para se realizar. Seus vizinhos o ridicularizavam por sua credulidade, e ele era o tema da canção dos embriagados. Sua construção era chamada de “A loucura de Noé”. Se o pior acontecesse, como se diz, todos estaríamos no mes­

mo barco. Mas estas, e milhares de outras dificuldades, Noé superou através da fé. A sua obediência era pronta e decidida: Assim agia Noé, de boa vontade e com ânimo, sem resmungar nem discutir. Deus diz: Faça isto, e Noé o faz. Noé era também detalhista e perseverante: ele fazia tudo, exatamente de acordo com as instruções que lhe eram dadas, e, tendo iniciado a construção, não parou até que a tivesse terminado. Assim ele fez, e assim nós devemos fazer. 3. Como um exemplo do bom senso para consigo mesmo, cuidando, dessa forma, de sua própria segurança. Ele temia o dilúvio e, por isso, preparou a arca. Note que quando Deus alerta sobre os julgamentos que se aproximam, é uma atitude de bom senso e de de­ver de nossa parte nos prepararmos da melhor maneira possível. Veja Êxodo 9.20,21; Ezequiel 3.18. Devemos nos preparar para nos encontrar com o Senhor em seus julgamentos na terra, correndo para o seu nome como para uma torre forte (Pv 18.10). Devemos entrar em nos­sos quartos (Is 26.20,21), preparando-nos especialmente para encontrá-lo na morte, no julgamento do grande dia. Devemos edificar a nossa vida sobre Cristo, a Rocha (Mt 7.24). E devemos ir a Cristo, que é a Arca da salvação.4. Como um alerta direcionado a um mundo indiferente. E era um alerta claro do dilúvio que estava a caminho. Cada golpe de seus machados e martelos era um chama­do ao arrependimento, um chamado para que eles tam­bém preparassem arcas. Mas, como Noé não conseguiu convencer o mundo através dela, ele condenou o mundo através dela, Hebreus 11.7.

Ca p ít u l o 7Neste capítulo, temos a realização do que fora previsto no capítulo anterior, tanto no que se re­fere à destruição do antigo mundo e à salvação de Noé. Pois podemos ter a certeza de que nenhuma Palavra de Deus cairá por terra. Ali, nós deixa­mos Noé ocupado com sua arca, e cheio de cuida­dos com a tarefa de concluí-la a tempo, enquanto o restante de seus vizinhos ria dele por causa de seus esforços. Agora, aqui, vemos qual foi o fim de tudo aquilo, o objetivo dos cuidados dele e o fim da indiferença deles. E este famoso período do anti­go mundo, nos dá uma idéia do estado das coisas quando o mundo que agora existe for destruído pelo fogo, assim como aquele foi destruído pela água. Veja 2 Pedro 3.6,7. Neste capítulo temos: I.O generoso chamado de Deus para Noé entrar na arca (v. 1), e trazer as criaturas que seriam preser­vadas vivas junto com ele (w. 2,3), em consideração ao dilúvio que estava prestes a acontecer, v. 4. II. A obediência de Noé à sua visão celestial, v. 5. Quando ele estava com seiscentos anos, entrou, com a sua família, na arca (w. 6,7), e levou as criaturas con­sigo (w. 8,9), um relato que é repetido (w. 13-16) e no qual é acrescentado o tratamento cuidadoso de Deus para fechar a porta pelo lado de fora. III. A chegada do dilúvio que havia sido predito (v. 10). Suas causas (w. 11,12): a prevalência deste, w. 17- 20. IV A terrível desolação que foi causada por esta

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53 GÊNESIS 7 w. 1-4

calamidade: a morte de toda criatura vivente sobre a terra, exceto daquelas que estavam na arca, w. 21-23. V Seu prosseguimento em meio a um mar de águas, antes que a maré começasse a baixar: cento e cinqüenta dias, v. 24.

Noé É Convidado a Entrar na Arcaw. 1-4

Eis aqui:

I Um generoso convite a Noé e sua família para um lu­gar seguro, agora que a completa inundação estava

chegando, v. 1.1. O chamado em si é muito gentil, como o de um pai

carinhoso a seus filhos, para virem para dentro, quando vê a noite ou uma tempestade se aproximando: Entra na arca tu e toda a tua casa, aquela pequena família que tens. Observe que: (1) Noé não foi para dentro da arca até que Deus o convidasse. Embora soubesse que ela havia sido designada para ser o seu local de refúgio, ainda assim, ele aguardou uma renovação da ordem, e a recebeu. É muito reconfortante seguir o chamado da Providência e ver Deus caminhando à nossa frente a cada passo que damos. (2) Deus não o manda para dentro da arca, mas convida-o a entrar, indicando que iria com Noé, o condu­ziria para dentro dela, o acompanharia nela, e, no devido tempo, o levaria, em segurança, para fora dela. Note que onde quer que estejamos, é muito proveitoso ter conosco a presença de Deus, pois ela é o nosso maior consolo em todas as situações. Foi isto que fez da arca de Noé - que parecia uma prisão - não apenas um refúgio, mas um pa­lácio. (3) Noé havia feito muitos esforços para construir a arca, e agora ele próprio era mantido vivo dentro dela. Note que através daquilo que fizermos em obediência às ordens de Deus, e na fé, nós próprios teremos com certeza o consolo, no princípio ou no final. (4) Não ape­nas Noé, mas também a sua casa. Sua esposa e filhos são chamados com ele para dentro da arca. Note que é bom pertencer à família de um homem devoto; é seguro e con­fortável viver sob tal proteção. Um dos filhos de Noé era Cam, que posteriormente se mostrou um homem mau. Mesmo assim ele foi poupado na arca, o que indica: [1] Que filhos iníquos muitas vezes experimentam o melhor, devido à consideração que o Senhor Deus tem pelos seus pais devotos. [2] Que há uma mistura do bom com o mau até mesmo nas melhores sociedades na terra, e não de­vemos considerar isto estranho. Na família de Noé havia Cam, e na família de Cristo havia Judas. Não há pureza perfeita neste lado do céu. (5) Esta chamada feita a Noé foi um modelo do chamado que o Evangelho faz aos infe­lizes pecadores. Cristo é uma arca já pronta, o único em quem conseguiremos estar a salvo quando a morte e o julgamento chegarem. Agora, o refrão da canção é: “Ve­nha, venha”. A palavra diz: “Venha”. Os ministros dizem: “Venha”. O Espírito diz: “Venha, entre na arca”.

2. O motivo para esse convite é um testemunho mui­to honroso da integridade de Noé: Porque te hei visto justo diante de mim nesta geração. Observe que: (1) São justos, verdadeiramente, aqueles que são vistos como justos diante de Deus, que não têm somente o compor­

tamento piedoso pelo qual parecem justos diante dos homens, que podem ser enganados com facilidade. Mas aqueles que têm o poder da piedade, através do qual eles se mostram reconhecidos por Deus, que busca o coração, e não pode ser enganado pela aparência dos homens. (2) Deus distingue e se apraz naqueles que são justos dian­te dele: Te hei visto. Em um mundo de pessoas iníquas, Deus conseguiu enxergar o único justo, Noé. Aquele único grão de trigo não podia ser perdido em um gran­de monte de refugo. O Senhor conhece aqueles que são seus. (3) Deus, que é uma testemunha da integridade do seu povo, em breve será uma testemunha a favor do seu povo. Aquele que tudo vê, o proclamará diante dos anjos e dos homens, para a honra imortal deles. Aqueles que alcançam a mercê de serem justos obterão o testemunho da sua integridade. (4) Deus fica, de uma forma espe­cial, satisfeito com aqueles que são bons em tempos e locais ruins. Noé era, portanto, distintamente justo, pois o era naquela geração pecaminosa e adúltera. (5) Deus manterá a salvo em tempos de calamidade generalizada aqueles que se mantêm puros em tempos de iniqüidade generalizada. Aqueles que não tomam parte com outros em seus pecados não compartilharão, com eles, os seus tormentos. Aqueles que são melhores do que os outros estão, mesmo nesta vida, mais a salvo do que os outros, e é melhor estar junto a estes.

n Neste ponto estão as ordens necessárias que fo­ram dadas com respeito às criaturas irracionais

que deveriam ser preservadas vivas junto com Noé na arca, w. 2,3. Eles próprios não eram capazes de rece­ber o aviso e as orientações, como o homem, que aqui é mais instruído do que as bestas da terra e feito mais inteligente do que as aves do céu - pois ele é investido com o poder da previsão. Por isso, o homem é responsa­bilizado pela proteção deles. Estando sob seu domínio, eles devem estar sob a sua proteção. E, embora Noé não pudesse defender todos os indivíduos, ainda assim ele deveria preservar cada espécie, cuidadosamente, para que nenhum grupo, nem o menos importante, pudesse desaparecer por completo da criação. Observe nisto: 1. O cuidado de Deus para com o homem, seu consolo e seu benefício. Não notamos que Noé estivesse apreensivo consigo mesmo quanto a isso. Mas Deus se preocupa com a nossa felicidade, sim, mais do que nós mesmos. Embo­ra Deus notasse que o mundo antigo era muito provoca­dor, e antevisse que o novo seria pouco melhor, mesmo assim, Ele preservou os animais irracionais para o uso do homem. Tem Deus cuidado dos bois?, 1 Coríntios 9.9. Ou, ao contrário, o seu cuidado não visava o benefício do homem? 2. Até mesmo os animais que não eram cerimo- nialmente limpos, que eram os menos valiosos e úteis, foram preservados vivos na arca. Pois os cuidados afe­tuosos de Deus são sobre toda a sua obra, e não apenas sobre aquelas que são mais eminentes e úteis. 3. Todavia, mais animais cerimonialmente limpos do que não limpos foram preservados. (1) Porque os limpos tinham mais utilidade para o homem. E, por isso, em benefício do ho­mem é que mais deles foram preservados e ainda são multiplicados. Graças a Deus que não existem manadas de leões, como existem de bois, nem rebanhos de tigres, como há de ovelhas. (2) Porque os limpos eram para o

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w. 5-10 GÊNESIS 7 54sacrifício a Deus. E, por isso, em glória a Ele, mais des­ses foram preservados: três pares para procriação, e o sétimo excedente para sacrifício, cap. 8.20. Deus nos dá seis por um em coisas terrenas, como na distribuição dos dias da semana, para que, nas coisas espirituais, sejamos completamente dedicados a ele. Aquilo que é dedicado à glória de Deus, e utilizado em seu serviço, é especial­mente abençoado e aumentado.

Aqui é dado um aviso da agora iminente apro- í LJLJ» ximação da inundação: Passados ainda sete dias, farei chover sobre a terra, v. 4. 1. ‘Ainda se passa­rão sete dias antes que eu o faça”. Após os cento e vinte anos se esgotarem, Deus lhes concede um adiamento de mais sete dias, para mostrar como Ele é tardio a se irar, e que o ato de punir lhe é estranho. O Senhor também estava lhes dando mais algum tempo para que se arre­pendessem. Mas foi tudo em vão. Os homens não sou­beram aproveitar a preciosa oportunidade que estavam recebendo. Em seqüência a todo o período de trégua, esses sete dias foram desperdiçados, pois não foram le­vados a sério pelos homens. Eles continuaram vivendo uma vida segura e carnal até o dia em que veio o dilúvio.2. “Serão apenas sete dias”. Enquanto Noé lhes falava do julgamento distante, eles eram tentados a postergar o seu arrependimento, pois ainda levaria muito tempo para que a visão se cumprisse. Porém agora lhe é orde­nado que diga a todos que o Senhor está à porta, que eles têm apenas mais uma semana para se submeterem, apenas mais um sábado para aproveitar, para verificar agora se este, por fim, os despertará para considerarem as coisas das quais dependia a sua paz. De outra forma, todo o bem logo seria ocultado de seus olhos. Porém é comum que aqueles que foram descuidados com as suas almas durante os anos em que tinham saúde, ao contem­plarem a morte à distância, se mostrem completamente descuidados durante os dias, os sete dias de sua enfermi­dade, mesmo vendo que o seu fim se aproxima. Eles têm, corações endurecidos pelo engano do pecado.

O Dilúviow. 5-10

Aqui está a pronta obediência de Noé às ordens que Deus lhe deu. Observe que: 1. Ele entrou na arca, ao ser informado de que a inundação viria após sete dias, embo­ra provavelmente o sinal de sua aproximação ainda não fosse visível, não havendo nenhuma nuvem ameaçadora no horizonte, e nada que a indicasse. Ao contrário, tudo continuava sereno e claro. Pois, assim como ele preparou a arca pela fé no aviso de que a inundação viria, da mes­ma maneira, ele entrou nela pela fé no aviso de que ela viria rapidamente, embora ainda não percebesse o iní­cio da ação das causas secundárias. Em cada passo que dava, Noé se movia pela fé, e não pela razão. Durante estes sete dias, é provável que ele estivesse assentando a si e a sua família na arca e distribuindo as criaturas em seus diferentes compartimentos. Esta era a conclu­são daquele manifesto sermão que ele, há muito tempo, vinha pregando aos seus vizinhos negligentes, o qual, seria de se pensar, podia tê-los despertado. Porém, não

obtendo o objetivo desejado, isto fez com que o sangue deles fosse sobre as suas próprias cabeças. 2. Ele levou consigo toda a sua família: sua esposa, para ser sua com­panheira e consolo (embora pareça que, depois disso, ele não tenha tido filhos dela), seus filhos e as esposas de seus filhos, para que através deles, não apenas a sua fa­mília, mas o mundo da humanidade pudesse ser constru­ído. Observe que embora os homens fossem reduzidos a um número tão pequeno, e fosse muito desejável ter o mundo rapidamente repovoado, ainda assim os filhos de Noé teriam, cada um, apenas uma esposa, o que fortaleceo argumento contra ter muitas esposas. Desde o princí­pio deste novo mundo, se seguiu a monogamia: foi assim que Deus fez no início, e foi assim agora. Ele manteve a mesma regra em vigor. Apenas uma mulher para cada homem. Veja Mateus 19.4,8. 3. Os animais irracionais imediatamente entraram com ele. A mesma mão que, no início, os levou para que Adão lhes desse os seus nomes, agora os levava a Noé, para serem preservados. O boi co­nhecia agora o seu possuidor, e o jumento, a manjedoura de seu dono. Além disso, até as criaturas mais selvagens afluíram para ele. Porém o homem havia se tornado mais animalesco do que os próprios animais, e não tinha co­nhecimento, não entendia, Isaías 1.3.

w. 11,12Eis aqui:

1" A data deste grande evento. Isto está cuidadosa- JL mente registrado, para uma maior segurança da história.

1. Foi no 600.° ano da vida de Noé, o que, peíos cál­culos, parece ser 1.656 anos após a criação. Os anos do mundo antigo são contados, não pelos reinados dos gi­gantes, mas pela vida dos patriarcas. Os santos são de maior valor para Deus do que os príncipes. Os justos devem ser mantidos, permanente, em nossa memória. Noé era, agora, um homem muito velho, mesmo quando se considera a idade que os homens alcançavam naquela época. Note que: (1) Quanto mais vivemos neste mundo, mais vemos das misérias e calamidades dele; é por isso que se fala daqueles que morrem jovens como se o fato dos seus olhos não verem o mal que se aproxima fosse um privilégio, 2 Reis 22.20. (2) As vezes, Deus exercita os seus servos antigos com provas extraordinárias de paci­ência e obediência. Os mais velhos dos soldados de Cristo não devem ter esperança de serem dispensados de seu combate até que a morte os libere. Eles devem, ainda, se equipar com a sua armadura, e não se vangloriar como se a houvessem tirado.

2. O ano do dilúvio foi registrado. Lemos que ele ocorreu no segundo mês, no décimo sétimo dia do mês, o que é calculado como sendo aproximadamente o início de novembro. Deste modo, entendemos que Noé acabara de realizar uma colheita, com a qual abasteceu a sua arca.

As causas secundárias que concorreram para este dilúvio. Observe que:

1. Exatamente no mesmo dia em que Noé foi colo­cado na arca, a inundação teve início. Note que: (1) Os

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55 GÊNESIS 7 w. 13-16julgamentos desoladores não chegam até que Deus te­nha providenciado a segurança do seu próprio povo. Veja cap. 19.22: Nada poderei fazer, enquanto não tiveres ali chegado. E também vemos (Ap 7.3) que os ventos são contidos até que os servos de Deus estejam selados. (2) Quando os homens bons são retirados, os julgamentos não estão distantes. Pois eles são afastados do mal que está para chegar, Isaías 57.1. Quando eles são chamados para as suas câmaras, escondidas na sepultura, ocultas no céu, então Deus sai do seu lugar para punir os iníquos, Isaías 26.20,21.

2. Veja o que foi feito naquele dia, naquele dia fatal para o mundo dos incrédulos. (1) As fontes do grande abismo se romperam. Talvez não tenha sido necessária uma nova criação de águas. Aquelas que já haviam sido criadas, no curso normal da providência, como bênçãos para a terra, eram agora, através de um ato extraordi­nário do poder divino, transformadas em sua destruição. Deus pôs os abismos em tesouros (SI 33.7), e agora Ele desmanchou esses depósitos. Assim como nossos cor­pos têm em si mesmos fluídos que, quando Deus permi­te, se tornam as sementes e fontes de doenças mortais, da mesma forma a terra tinha entranhadas em si essas águas que, ao comando de Deus, se levantaram e a inun­daram. Deus havia, na criação, estabelecido barreiras e portas para as águas do mar, para que elas não tornassem a cobrir a terra (SI 104.9; Jó 38.9-11). E agora Ele apenas removeu esses antigos limites, montes e barreiras, e as águas do mar voltaram a cobrir a terra, assim como ha­viam feito no início, cap. 1.9. Note que todas as criaturas estão prontas para lutar contra o homem pecaminoso, e qualquer uma delas está apta a ser o instrumento de sua destruição, se Deus apenas retirar as restrições através das quais elas são refreadas durante o dia da sua paci­ência. (2) As janelas do céu foram abertas e as águas que estavam acima do firmamento foram derramadas sobre o mundo. Aqueles tesouros que Deus reteve até o tempo da angústia, o dia da peleja e da guerra, Jó 38.22,23. A chuva que comumente desce em gotas, naquele tempo veio em torrentes ou jatos, como eles os chamam nas índias, onde as nuvens são conhecidas por muitas vezes explodir, como eles dizem por lá, quando a chuva desce em uma torren­te muito mais violenta do que jamais vimos nos maiores aguaceiros. Lemos (Jó 26.8) que Deus prende as águas em suas densas nuvens, e as nuvens não se rasgam debaixo delas. Mas agora, o laço era frouxo e a nuvem se rasgou, e chuvas caíram como nunca se viu antes nem depois, em tamanha abundância e com tamanha continuidade. A densa nuvem não estava - como normalmente acontece- saturada de umidade (Jó 37.11), desfazendo-se e en­fraquecendo-se rapidamente, exaurindo-se desta forma. Mas as nuvens sempre voltavam, após a chuva, e o poder divino trazia novos reforços. Choveu, sem interrupção ou redução, quarenta dias e quarenta noites (v. 12), e isso ao mesmo tempo, sobre a terra inteira, não como às vezes, sobre uma cidade e não sobre a outra. Deus criou o mundo em seis dias, mas gastou quarenta dias para destruí-lo, pois o precioso Senhor é tardio para se irar. Mas, embora a destruição tenha vindo de uma forma lenta e gradual, ainda assim ela chegou com eficácia.

3. Nestas circunstâncias, aprendemos algumas li­ções: (1) Que todas as criaturas estão à disposição de

Deus, e Ele faz delas o uso que desejar, quer para cor­reção, ou para a sua terra, ou para algum gesto de mi­sericórdia, como Eliú fala da chuva, Jó 37.12,13. (2) Que Deus, muitas vezes, permite que aquilo que deveria ser para o nosso bem estar se torne uma armadilha, Salmos 69.22. Aquilo que geralmente é, para nós, um consolo e benefício, se transforma, quando Deus permite, em al­gum flagelo e em alguma praga para nós. Nada é mais necessário nem útil do que a água, sejam as fontes da terra como também as chuvas do céu. Mesmo assim, naquele momento nada era mais prejudicial, nem mais destrutivo: toda criatura é, para nós, aquilo que Deus faz com que ela seja para nós. (3) Que é impossível escapar dos justos julgamentos de Deus quando eles acontecem contra os pecadores com autoridade. Pois Deus pode ar­mar tanto o céu como a terra contra eles. Veja Jó 20.27. Deus pode cercar os homens com os mensageiros de sua ira, de forma que, se eles olharem para o alto, sentirão horror e espanto. Se olharem para a terra, contemplarão angústia e escuridão, Isaías 8. 21,22. Quem, então, é ca­paz de ficar diante de Deus, quando Ele está furioso? (4) Nesta destruição do mundo antigo pela água, Deus deu uma amostra da destruição final do mundo, que agora acontecerá pelo fogo. Encontramos o apóstolo contra­pondo um contra o outro, 2 Pedro 3.6,7. Assim como há águas sob a terra, da mesma forma o Etna, o Vesúvio e outros vulcões, proclamam para o mundo que há fogos subterrâneos também. E o fogo muitas vezes cai do céu. Muitas devastações são causadas por raios. Deste modo, quando o tempo predeterminado chegar, a terra e todas as obras que nela há serão destruídas entre esses dois fogos, assim como a enchente se levantou sobre o mundo antigo: tanto das fontes do grande abismo como também através das janelas do céu.

w. 13-16Aqui é repetido o que foi relatado anteriormente so­

bre a entrada de Noé na arca, com a sua família e as cria­turas que foram designadas para a preservação. Neste momento:

I As palavras são repetidas para a glória de Noé, cuja fé e obediência se mostraram aqui tão claramente,

através das quais ele alcançou uma boa reputação e que neste relato parecia um favorito tão grande do Céu e uma bênção tão grande para esta terra.

n Aqui se dá atenção aos animais entrando confor­me a sua espécie, de acordo com a expressão uti­lizada na história da criação (cap. 1.21-25), para indicar que todas as espécies que foram criadas no princípio estavam sendo preservadas agora, e não em algum ou­

tro momento. E que esta preservação era como uma nova criação. Desta forma, pode-se dizer que uma vida notavelmente favorecida é - como foi naquela ocasião - uma nova vida.

Embora todas as inimizades e hostilidades en­tre as criaturas cessassem por ora - e as cria­

turas vorazes não só estivessem tão dóceis e controláveis

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w. 17-20 GÊNESIS 7 56a ponto do lobo e do cordeiro se deitarem juntos, mas tão estranhamente alterados a ponto do leão comer palha como um boi (Is 11.6,7) mesmo assim, quando terminou esta condição - este freio foi retirado e eles continuaram a agir como de costume. Pois a arca não alterou a cons­tituição deles. Os hipócritas que alegam fazer parte da igreja, que exteriormente obedecem às leis desta arca, podem mesmo assim permanecer inalterados, e então mostrarão, uma hora ou outra, de que espécie são.

É acrescentado (e a circunstância merece a nos­sa atenção): O Senhor a fechou por fora, v. 16.

Assim como Noé prosseguia em sua obediência a Deus, Deus também continuava em seu cuidado para com Noé. E neste ponto, parecia ser um cuidado muito especial. Pois o fechamento dessa porta estabelecia, adicional­mente, uma parede divisória entre ele e o mundo todo. Deus fechou a porta: 1. Para lhe dar segurança e man­tê-lo a salvo na arca. A porta deveria ser bem fechada, para que as águas não invadissem e afundassem a arca, e muito forte para que nada exterior a derrubasse. Assim Deus criou Noé, da mesma maneira como Ele faz as suas jóias, Malaquias 3.17. 2. Para excluir todos os outros, e mantê-los de fora para sempre. Até aqui, a porta da arca se manteve aberta, e, se qualquer um deles, mesmo du­rante os últimos sete dias, tivesse se arrependido e crido, que eu saiba eles poderiam ter sido bem recebidos na arca, Mas agora a porta estava fechada e eles estavam excluídos de todas as esperanças de aceitação: pois Deus fechou e ninguém poderia abrir.

V Há muito do nosso dever e privilégio evangélico para ser visto na preservação de Noé na arca. O apóstolo faz disto uma figura do nosso batismo, quer

dizer, da nossa situação abençoada como cristãos, 1 Pe­dro 3.20,21. Observe, então: 1. É nosso nobre dever, em obediência ao chamado do Evangelho, através de uma fé viva em Cristo, entrar no caminho da salvação, o qual Deus providenciou para os infelizes pecadores. Quando Noé entrou na arca, ele abandonou a sua própria casa e terras. Assim devemos nós abandonar a nossa própria justiça e as nossas posses terrenas, sempre que elas en­trarem em competição com Cristo. Noé deve, por algum tempo, se submeter ao confinamento e às inconveniên­cias da arca, a fim de assegurar a sua preservação para um novo mundo. Assim, aqueles que aceitam a Cristo para serem salvos por Ele, devem negar a si mesmos, tanto nos sofrimentos quanto nos serviços que prestam ao Senhor. 2. Aqueles que vierem para a arca deverão trazer consigo tantos quantos puderem através de en­sinos virtuosos, da persuasão e do bom exemplo. Donde sabes, ó marido, se salvarás tua mulher (1 Co 7.16), como Noé salvou a dele? Em Cristo há lugar para todos aque­les que quiserem estar em sua doce presença. 3. Aqueles que pela fé aceitam a Cristo, que é a Arca da salvação, serão, pelo poder de Deus, guardados e mantidos como em uma fortaleza pelo poder de Deus, 1 Pedro 1.5. Deus colocou Adão no paraíso, mas não o prendeu. E assimo próprio Adão se desqualificou e causou a sua própria expulsão. Porém, quando o Senhor colocou Noé dentro da arca, Ele o prendeu. Da mesma forma, quando o pre­cioso Deus traz uma alma a Cristo, Ele assegura a salva­

ção dela: isto não está em nosso poder, mas nas mãos do Mediador. 4. A porta da benignidade logo será fechada para aqueles que agora não a levam a sério. Agora está em vigor a bondade e a longanimidade: batei e abrir-se- vos-á. Mas chegará o tempo em que a porta não se abrirá mais, Lucas 13.25.

w. 17-20Aqui nos é contado:

T Por quanto tempo as águas estiveram subindo - qua- JL renta dias, v. 17. O mundo profano, que não acredi­tava que isto pudesse acontecer, provavelmente tenha se persuadido, quando o fato aconteceu. Os incrédulos podem ter tido esperanças de que as águas logo dimi­nuiriam e nunca chegariam ao extremo. Mas elas ainda cresciam e prevaleciam. Note que: 1. Quando Deus julga, Ele sobrepuja tudo e todos. Se Ele começar, Ele termi­nará. Seu caminho é perfeito, tanto em juízo como em misericórdia. 2. As abordagens e avanços graduais dos juízos de Deus, que são planejados para levar os pecado­res ao arrependimento, são muitas vezes utilizados erro­neamente pelos próprios pecadores, e o resultado é que eles se endurecem em sua arrogância e obstinação.

I TT Até que ponto as águas cresceram: elas subiram Jl tanto que náo apenas as baixas regiões planas fo­ram inundadas, mas - para fazer um trabalho garantido, e para que nada pudesse escapar - os topos das montanhas

mais altas foram alagados - quinze côvados, ou seja, sete jardas e meia. Deste modo, em vão se esperaria a salva­ção nos outeiros e montanhas, Jeremias 3.23. Nenhuma das criaturas de Deus é tão alta, mas o seu poder pode se elevar muito acima delas. E o Senhor fará com que todos saibam que Ele os supera infinitamente naquilo em que se ensoberbecem. Talvez os altos das montanhas tenham sido sobrepujados pela força das águas - o que muito ajudou as águas a prevalecerem sobre elas - pois é dito (Jó 12.15) que o Senhor controla as águas e elas não apenas transbordam, mas transtornam a terra. Assim, o refúgio das mentiras foi varrido e as águas inundaram o esconderijo dos pecadores (Is 28.17), e é em vão que eles fogem para elas em busca de segurança, Apocalipse 6.16. Agora, as montanhas desapareceram e os montes foram removidos, e nada serviu a um homem exceto o concerto da paz, Isaías 54.10. Não há lugar na terra tão alto a pon­to de colocar os homens fora do alcance dos julgamentos de Deus, Jeremias 49.16; Obadias 3,4. A mão de Deus alcançará todos os seus inimigos, Salmos 21.8. Observe com que precisão as águas são medidas (quinze côvados), não pelo prumo de Noé, mas pelo conhecimento Daquele que tomou a medida das águas, Jó 28.25.

m O que aconteceu com a arca de Noé quando as águas subiram desse modo: Ela foi levantada sobre a terra (v. 17), flutuava e se movia sobre a superfí­cie das águas, v. 18. Enquanto todas as outras edificações eram destruídas pelas águas e sepultadas sob elas, somen­

te a arca subsistiu. Observe que: 1. As águas que demo­liram todas as outras coisas, sustentaram a arca. Aquilo

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57 GÊNESIS 7 w. 21-24que para os incrédulos é um cheiro de morte para morte, para os crentes é um cheiro de vida para vida. 2. Quanto mais as águas cresciam, mais alto a arca era levantada em direção ao céu. Dessa forma, as aflições santificadas são promoções espirituais. E assim como as dificuldades abundam, as consolações abundam muito mais.

w. 21-24Eis aqui:

T A destruição geral de toda carne pelas águas do di- JL lúvio. Vinde e contemplai as desolações que Deus faz na terra (SI 46.8), e como Ele assenta monte sobre monte. A morte nunca triunfou desde a sua primeira aparição até este dia, como o fez então. Vem e vê a mor­te sobre o seu cavalo amarelo, e o inferno que a segue, Apocalipse 6.7,8.

1. Todo gado, aves e répteis, morreram, exceto os poucos que estavam na arca. Observe como isto é repe­tido: toda a carne expirou, v. 21. Toda aquela em cujas narinas estava o sopro da vida, de tudo que estava em terra seca, v. 22. Toda substância viva, v. 2-3. E por quê?O homem só f'izera o mal e assim, de forma justa, a mão de Deus se levanta contra ele. Porém o que haviam feito as ovelhas? A esta pergunta, eu respondo: (1) Estamos certos de que Deus não lhes fez mal. Ele é o sobera­no Senhor de toda a vida, pois Ele é a sua única fonte e o seu único Criador. Ele, que as criou conforme lhe aprouve, podia desfazê-las quando lhe agradasse. E quem poderia lhe dizer: O que fazes? Será que o Onipo­tente não tem o direito de fazer aquilo que desejar com aqueles que lhe pertencem, e que foram criados para o seu deleite? (2) Deus, de maneira admirável, serviu o propósito de sua própria glória através da destruição, bem como da criação deles. Neste ponto, a sua santi­dade e justiça foram muito engrandecidas. Parece, por conta disso, que Ele odeia o pecado, e está altamente descontente com os pecadores, quando até mesmo as criaturas inferiores, por servirem ao homem e serem parte de suas posses, e por terem sido corrompidas para servir ao pecado, são destruídas com o homem. Isto torna o julgamento ainda mais extraordinário, mais terrível e, consequentemente, ainda mais expressivo da ira e da vingança de Deus. A destruição das criaturas foi a sua libertação da servidão da corrupção, por cuja libertação toda a criação agora geme, Romanos 8.21,22. Este foi, da mesma maneira, um exemplo da sabedoria de Deus. Assim como as criaturas foram criadas para o homem, quando ele foi criado, elas também foram mul­tiplicadas para ele, quando ele se multiplicou. Portanto, agora que a humanidade fora reduzida a um número tão pequeno, era adequado que os animais fossem pro­porcionalmente reduzidos, caso contrário, eles teriam o domínio e teriam repovoado a terra, e o restante da hu­manidade que sobrara teria sido sobrepujado por eles. Veja como Deus levou isto em conta em outra situação, Êxodo 23.29: Para que... as feras do campo se não mul­tipliquem contra ti.

2. Todos os homens, mulheres, e crianças que es­tavam no mundo (exceto aqueles que estavam na arca)

morreram. Todos (w. 21,23), e talvez eles fossem tão nu­merosos quanto são hoje sobre a face da terra, se não mais. Assim sendo: (1) Nós podemos facilmente imaginar quanto terror e consternação se apossaram deles quando se viram cercados. Nosso Salvador nos conta que até no próprio dia em que o dilúvio veio, eles estavam comen­do e bebendo (Lc 17.26,27). Eles estavam mergulhados em despreocupação e luxúria antes que fossem afogados naquelas águas, clamando por paz, paz para eles mes­mos, que se fizeram de surdos e cegos para com todos os avisos divinos. Nessa situação, a morte os surpreendeu como em 1 Samuel 30.16,17. Mas, ó que assombro foi o deles, então! Agora eles vêem e sentem aquilo no que não creram e nem temeram, e são convencidos de sua loucura em uma ocasião em que é tarde demais. Agora eles não encontram nenhuma condição para arrependi­mento, embora a busquem cuidadosamente com lágri­mas. (2) Nós podemos supor que eles tentaram todos os modos e meios possíveis para sua preservação, mas tudo foi em vão. Alguns sobem no topo das árvores ou das montanhas, e lá prolongam os seus terrores por algum tempo. Mas o dilúvio os alcança, finalmente, e eles são forçados a m orrer tendo refletido ainda mais sobre o as­sunto. Alguns, é provável, agarram-se à arca, e esperam que aquilo que durante um longo tempo havia sido a sua diversão, possa agora ser a sua segurança. Talvez alguns tenham alcançado o teto da arca e conseguido se arran­jar ali. Mas ou eles pereceram lá por falta de comida, ou, através de uma rápida queda, ou ainda um jato de chuva os tenha arrastado para fora daquele convés. Outros, é possível, esperavam persuadir Noé a permitir a sua entrada na arca, e alegavam que o conheciam há muito tempo: Não comemos e bebemos em tua presença? Não ensinastes em nossas ruas? “Sim”, Noé poderia dizer, “isso eu fiz, várias vezes, inutilmente. Eu clamei, e vós recusastes. Rejeitastes todo o meu conselho (Pv 1.24,25), e agora não está em meu poder vos ajudar: Deus fechou a porta, e eu não posso abri-la”. Assim será no grande dia. Alcançar uma posição de destaque na hierarquia religiosa, ou alegar ter um relacionamento com pessoas boas não poderá levar os homens ao céu, Mateus 7.22;25.8,9. Aqueles que não forem encontrados em Cristo, que é a Arca, serão certamente destruídos, destruídos para sempre. A salvação em si não pode salvá-los. Veja Isaías 10.3. (3) Podemos supor que alguns daqueles que morreram no dilúvio ajudaram Noé, ou foram emprega­dos por ele na construção da arca, e mesmo assim não foram tão sábios a ponto de, através do arrependimento, garantir para si um lugar nela. Desse modo os maus mi­nistros, embora possam ter sido instrumentos para aju­dar outros a alcançar o céu, serão lançados no inferno.

Façamos uma pausa por algum tempo e avaliemos esse espantoso julgamento! Deixemos os nossos corações meditarem sobre o terror, o terror dessa destruição. Que vejamos e digamos, É uma coisa terrível cair nas mãos do Deus vivo. Quem pode ficar diante dele quando Ele está zangado? Que vejamos e digamos: É uma coisa ruim e amarga afastar-se de Deus. Sem arrependimento, o pecado dos pecadores será a primeira ou a última causa de sua destruição. Deus sempre foi e sempre será ver­dadeiro. Ainda que junte mão a mão, ainda assim o mau não ficará sem castigo. O Deus justo sabe como trazer

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w. 1-3 GÊNESIS 8 58um dilúvio sobre o mundo dos ímpios, 2 Pedro 2.5. Elifaz recorre a essa história como um alerta permanente para um mundo indiferente (Jó 22.15,16): Porventura consi­deraste a vereda do passado, que pisaram os homens iníquos? Estes são os que foram arrebatados antes do seu tempo, e enviados para a eternidade, aqueles cujo fundamento foi submerso pelo dilúvio.T T A excepcional preservação de Noé e sua família: JL. . Apenas Noé, e aqueles que estavam com ele na arca, permaneceram vivos, v. 23. Observe que: 1. Noé vive. Enquanto todos ao redor dele eram monumentos de justi­ça, mil caindo ao lado dele, e dez mil à sua direita, ele era um símbolo de misericórdia. Somente com os seus olhos ele poderia contemplar e ver a recompensa dos ímpios, Salmos 91.7,8. No transbordar de muitas águas, estas a ele não chegarão, Salmos 32.6. Nós temos razões para pensar que enquanto a longanimidade de Deus espera­va, Noé não só pregou para, mas orou por, aquele mundo maligno, e teria afastado a ira. Mas as suas orações re­tornaram para seu próprio peito, e responderam apenas por sua própria salvação, que é claramente mencionada em Ezequiel 14.14: Noé, Daniel e Jó livrariam apenas as suas próprias almas. Um sinal de honra será posto sobre os intercessores. 2. Ele apenas vive. Noé permanece vivo, e isso é tudo. Ele está, de fato, enterrado vivo - confinado em um lugar fechado, alarmado com os pavores da chuva que cai, a inundação crescente, e os gritos e os clamores de seus vizinhos perecendo, seu coração dominado por pen­samentos melancólicos pela devastação que estava sendo feita. Mas ele se consola com isso, que ele está no caminho do dever e no caminho da salvação. E nós somos ensina­dos (Jr 45.4,5) que quando os julgamentos devastadores estão por toda parte, nós não devemos buscar grandezas nem coisas agradáveis para nós mesmos, mas considerar como um favor indescritível o fato da nossa vida nos ser dada como um despojo.

Capítulo 8No encerramento do capítulo anterior deixamos o mundo em ruínas e a igreja em dificuldades. Mas neste capítulo temos o conserto de um e o aumento do outro. Agora o cenário muda, e uma outra face das coisas começa a nos ser apresentada, e o lado mais brilhante daquela nuvem que pareceu tão ne­gra e escura. Porque, embora Deus contenda por muito tempo, Ele não contenderá para sempre, nem ficará irado sempre. Temos aqui: I. A terra renova­da, pela suspensão das águas, e o aparecimento da terra seca, agora uma segunda vez, e ambas gradu­ais. 1. O aumento das águas cessou, w. 1,2. 2. Elas começam a diminuir sensivelmente, v. 3. 3. Após dezesseis dias de refluxo, a arca atraca, v. 4.4. Após sessenta dias de refluxo, os topos das montanhas apareceram acima das águas, v. 5.5. Após quarenta dias de refluxo, e vinte dias antes das montanhas aparecerem, Noé começou a enviar os seus espias, um corvo e uma pomba, para obter informações, w. 6-12. 6. Dois meses depois do aparecimento do topo

das montanhas, as águas desapareceram, e a face da terra se secou (v. 13), embora só fosse ficar secao bastante para o homem quase dois meses depois, v. 14. II. 0 homem se fixou novamente na terra, na qual ocorreu, 1. A saída de Noé, de sua família, e de toda a carga da arca, w. 15-19. 2. Seu sacrifício de louvor a Deus pelos benefícios recebidos, v. 20. 3. A aceitação, por parte de Deus, de seu sacrifício, e a conseqüente promessa de nunca mais inundar o mundo, w. 21,22. E assim, finalmente, a misericór­dia se alegra contra o juízo.

A Terra Torna-se Secaw. 1-3

Aqui está:

I Um ato da graça de Deus: Lembrou-se Deus de Noé, e de todo animal. Esta é uma expressão à manei­

ra dos homens. Porque nenhuma de suas criaturas (Lc12.6), muito menos alguém do seu povo está esquecido por Deus, Isaías 49.15,16. Mas: 1. Toda a raça humana, exceto Noé e sua família, estava agora extinta, e lançada na terra do esquecimento, para não ser mais lembrada. De forma que Deus ter se lembrado de Noé foi o retorno de sua misericórdia à humanidade, que Ele não destruiria totalmente. Há uma expressão aparentemente estranha em Ezequiel 5.13: Assim, se cumprirá a minha ira, e sa­tisfarei neles o meu furor e me consolarei. As exigências da justiça divina tinham sido atendidas pela destruição daqueles pecadores. Ele tinha se consolado quanto aos seus adversários (Is 1.24), e agora o seu espírito estava repousado (Zc 6.8), e Ele se lembrou de Noé e de todos os animais. O Senhor se lembrou da misericórdia em meio à sua ira (Hb 3.2), lembrou-se dos dias da antiguidade (Is 63.11), lembrou-se da santa semente, e então lembrou- se de Noé. 2. O próprio Noé, embora sendo alguém que achou graça aos olhos do Senhor, pareceu ter sido es­quecido na arca, e talvez tenha começado a pensar desta forma. Porque não encontramos que Deus tenha lhe dito quanto tempo ele deveria ficar confinado e quando seria solto. Homens muito bons às vezes chegam à conclusão de que foram esquecidos por Deus, especialmente quando as suas aflições têm sido excessivamente penosas e longas. Talvez Noé - embora sendo um grande crente - quando percebeu que a inundação continuava por muito tempo após ter presumivelmente atingido o seu objetivo, tenha sido tentado a temer que aquele que o havia encerrado dentro da arca o manteria ali, e assim poderia ter começa­do a se queixar. Por quanto tempo te esquecerás de mim? Mas por fim Deus se voltou a ele em misericórdia, e isto é expresso através da lembrança dele. Note que aqueles que se lembrarem de Deus certamente serão lembrados por Ele, por mais que a sua condição possa ser desoladora e desanimadora. O Senhor designa um tempo, e se lembra de cada um de nós, Jó 14.13.3. Com Noé, Deus se lembrou de todos os animais. Porque, embora o seu prazer esteja especialmente nos filhos dos homens, Ele se alegra em todas as suas obras, e não odeia nada do que fez. Ele tem um cuidado especial, não só com as pessoas do seu povo, mas também com os seus bens - o Senhor cuida deles e de

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59 GÊNESIS 8 w. 4,5tudo quanto possuem. Ele teve compaixão dos animais de Nínive, Jonas 4.11.1” T Um ato do poder de Deus sobre o vento e a água.i X Ambos estão à sua disposição, embora nenhum deles esteja sob o controle do homem. Observe:

1. Ele ordenou ao vento, e lhe disse, Vá, e ele foi, a fim de acabar com a inundação: Deus fez passar um vento sobre a terra. Veja aqui: (1) Qual foi a lembrança de Deus de Noé: foi libertá-lo. Observe que aqueles de quem Deus se lembra, Ele se lembra efetivamente, para sempre. Ele se lembra de nós para nos salvar, para que possamos nos lembrar dele para servi-lo. (2) Que domí­nio soberano Deus possui sobre os ventos. Ele os tem em seus punhos (Pv 30.4) e os tira dos seus tesouros, Salmos 1-35.7. Ele os manda quando quiser, onde quiser, e para cumprir os propósitos que quiser. Até mesmo os ventos tempestuosos cumprem a sua palavra, Salmos 148.8. Parece que, enquanto as águas aumentavam, não havia vento. Pois isto provocaria um balanço excessivo da arca. Mas agora Deus enviou um vento, quando não seria um transtorno. Provavelmente, era um vento norte, porque este afasta a chuva. No entanto, era um vento seco, um vento semelhante ao vento que Deus enviou para dividir o Mar Vermelho diante de Israel, Êxodo 14.21.

2. Deus deu nova ordem às águas, e lhes disse: Ve­nham, e elas vieram. (1) O Senhor removeu a causa. Ele cerrou as fontes daquelas águas, as fontes do abismo e as janelas dos céus. Observe: [1] Assim como Deus tem a chave para abrir, Ele também tem a chave para fechar novamente, e reter o progresso dos juízos fazendo pa­rar as suas causas. E a mesma mão que traz a desolação deve trazer o livramento. Portanto, a nossa atenção deve estar focada nesta boa mão. Aquele que fere é o único que é capaz de curar. Veja Jó 12.14,15. [2] Quando as afli­ções já operaram aquilo para que foram enviadas, seja a operação da morte ou a operação da cura, elas devem ser removidas. A palavra de Deus não voltará vazia, Isa- ías 55.10,11. (2) Então o efeito cessou. Não de imediato, mas gradualmente: E aquietaram-se as águas (v. 1), e as águas tornaram de sobre a terra continuamente. Em hebraico, elas estavam indo e retornando (v. 3), o que de­nota uma saída gradual. O calor do sol evaporou boa par­te, e talvez as cavernas subterrâneas tenham absorvido mais. Note que assim como a terra não foi inundada em um dia, ela também não foi seca em um dia. Na criação, foi a obra de apenas um dia remover as águas de sobre a terra que a cobria, e torná-la terra seca. Foi obra de apenas meio dia, cap. 1.9,10. Mas, tendo a obra da criação terminado, esta obra da providência foi efetuada pela in­fluência simultânea de causas secundárias, e executada deste modo pelo grande poder de Deus. Deus geralmen­te opera o livramento ao seu povo gradualmente, para que o dia das pequenas coisas não seja desprezado, nem o dia das grandes coisas provoque desespero, Zacarias4.10. Veja Provérbios 4.18.

w. 4,5Aqui temos os efeitos e as evidências do refluxo das

águas. 1. A arca repousou. Isto foi uma satisfação para

Noé, sentir que a casa dentro da qual ele se encontrava estava em terra firme, e não se movia mais. Ela repousou sobre um monte, para onde foi dirigida, não pela prudên­cia de Noé (ele não a guiou), mas pela providência sábia e misericordiosa de Deus, para que logo pudesse repousar. Note que Deus tem tempos e lugares de descanso para o seu povo depois de suas turbulências. E muitas vezes Ele providencia um momento de tranqüilidade oportuno e confortável sem o nosso próprio planejamento, e muito além de nossa própria previsão. A arca da igreja, embora seja lançada de um lado para outro pelas tempestades, e não seja confortada (Is 54.11), tem os seus repousos, Atos 9.31. 2. Apareceram os cumes dos montes, como pequenas ilhas, logo acima da água. Devemos supor que eles foram vistos por Noé e por seus filhos. Pois não havia ninguém além deles para vê-los. É provável que eles olhassem pela janela da arca todos os dias, como an­siosos marinheiros depois de uma viagem tediosa, para ver se poderiam descobrir terra, ou ainda como o ser­vo do profeta (1 Rs 18.43,44). Por fim, viram a terra e registraram este dia da descoberta em seu diário. Eles tocaram a terra quarenta dias antes de vê-la, de acordo com o cálculo do Dr. Lightfoot, de onde ele deduz que, se as águas diminuíram proporcionalmente, a arca baixou onze côvados na água.

w. 6-12Temos aqui um relato dos espias que Noé enviou

para lhe trazer informações do lado de fora: um corvo e uma pomba. Observe aqui:T Que embora Deus tivesse dito a Noé particularmente JL quando a inundação viria, até mesmo o dia (cap. 7.4), Ele não lhe deu um relato específico por revelação sobre a duração, e por que etapas ela iria embora: 1. Porque o conhecimento do primeiro foi necessário para que ele preparasse a arca, e entrasse nela. Mas o conhecimento do segundo só serviria para satisfazer a sua curiosidade, e a ocultação disto a ele seria o exercício necessário de sua fé e paciência. E: 2. Noé não poderia prever a inun­dação, exceto por revelação. Mas ele poderia, por meios comuns, descobrir a diminuição dela, e assim Deus se agradou em deixá-lo usar estes meios.Tf T Que embora Noé pela fé esperasse a sua liberta- X JL ção, e pela paciência tenha aguardado por ela, ele estava curioso a esse respeito, como alguém que conside­rava muito tempo para ficar assim confinado. Note que os desejos de sair de dificuldades, das expectativas ar­dentes, e das indagações sobre os seus avanços em nossa direção, concordarão muito bem com a sinceridade da fé e da paciência. Aquele que crê não se apressa para cor­rer diante de Deus, mas se apressa para se apresentar a Ele, para encontrá-lo, Isaías 28.16. Particularmente: 1. Noé enviou um corvo pela janela da arca, que ia, como se lê na frase em hebraico, indo e voltando, isto é, voando pelas redondezas, e se alimentando das carcaças que flu­tuavam, mas voltando para a arca para repousar. Prova­velmente não dentro dela, mas sobre ela. Isto deu a Noé pouca satisfação. Assim: 2. Ele enviou uma pomba, que

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w. 13,14 GÊNESIS 8 60voltou na primeira vez sem boas notícias, mas que prova­velmente estivesse molhada e suja. Mas, na segunda vez, ela trouxe uma folha de oliveira em seu bico, que pareceu ter sido arrancada, uma clara indicação de que agora as árvores, as árvores frutíferas, começavam a aparecer acima da água. Observe aqui: (1) Que Noé enviou a pom­ba pela segunda vez sete dias depois da primeira vez, e que a terceira vez também foi depois de sete dias. E pro­vavelmente a primeira vez que ela foi enviada ocorreu sete dias depois do envio do corvo. Isto indica que esta experiência foi feita no sábado. Parece que Noé obser­vava este dia religiosamente na arca. Tendo mantido o sábado em uma reunião solene de sua pequena igreja, ele então esperava bênçãos especiais do céu, e indagava a respeito delas. Tendo dirigido a sua oração, ele olhou para cima, Salmos 5.3. (2) A pomba é um símbolo de uma alma bondosa que, não encontrando repouso para o seu pé, nenhuma paz ou satisfação sólida neste mundo, neste mundo que está submerso em corrupções e contamina­ções, volta para Cristo como a sua arca, como se estives­se voltando para o seu Noé. O coração carnal, como o corvo, associa-se ao mundo, e se alimenta das carniças que encontra ali. Mas volta, minha alma, a teu repouso, ao teu Noé. Assim é a palavra, Salmos 116.7. Ah! Quem me dera asas como de pomba, para voar a ele!, Salmos 55.6. E assim como Noé estendeu a sua mão, e pegou a pomba, e a trouxe para si, para dentro da arca, também Cristo, com grande misericórdia, preservará, ajudará e receberá aqueles que voarem até Ele em busca de des­canso. (3) O ramo de oliveira, que era um símbolo de paz, foi trazido, não pelo corvo, uma ave de rapina, não por um alegre e orgulhoso pavão, mas por uma pomba man­sa, paciente e humilde. E uma disposição semelhante à de uma pomba que traz para a alma sentimentos de des­canso e alegria. (4) Alguns fazem disso uma ilustração. A lei foi apresentada pela primeira vez como o corvo, mas não trouxe nenhuma notícia do abrandamento das águas da ira de Deus, com a qual o mundo da humanidade foi submerso. Portanto, na plenitude do tempo, Deus enviou o seu Evangelho, como a pomba, que tipifica a descida do Espírito Santo, e este nos apresenta um ramo de oliveira e traz uma esperança melhor.

w. 13,14Aqui está: 1. A terra seca (v. 13). Isto é, toda a água

desapareceu, da qual, no primeiro dia do primeiro mês (este foi um alegre dia de ano novo), Noé foi testemunha ocular. Ele tirou a cobertura da arca, não toda a cober­tura, mas o suficiente para lhe dar uma perspectiva da terra que estava ao seu redor. E ele teve uma perspecti­va muito reconfortante. E olhou, e eis que a face da terra estava enxuta. Note que: (1) É uma grande misericórdia vermos terra à nossa volta. Noé estava mais ciente disso do que nós estamos. Porque a restauração das misericór­dias é mais perceptível do que a continuidade das mise­ricórdias. (2) O poder divino que agora renovou a face da terra pode renovar a face de uma alma aflita e perturba­da, como também de uma igreja aflita e perseguida. Ele pode fazer aparecer terra seca mesmo onde ela parece ter sido perdida e esquecida, Salmos 18.16. 2. A terra se secou (v. 14), para ser uma habitação adequada para

Noé. Observe que embora Noé tenha visto a terra seca no primeiro dia do primeiro mês, Deus não permitiu que ele saísse da arca até aos vinte e sete dias do segundo mês. Alguns pensam que talvez Noé, estando um pou­co cansado de sua reclusão, se fosse possível teria saído da arca a princípio. Mas Deus, em um gesto de bondade para com Noé, ordenou que ele permanecesse ali por muito mais tempo. Note que Deus leva em considera­ção o nosso benefício em vez dos nossos desejos. Porque Ele sabe - melhor do que nós mesmos - o que é melhor para nós, e por quanto tempo as nossas restrições de­vem continuar e as misericórdias desejadas devem ser postergadas. Nós teríamos saído da arca antes da terra estar seca. E, talvez, sabendo que a porta estava fecha­da, estaríamos prontos a tirar a cobertura, e subir por algum outro caminho. Mas devemos ficar satisfeitos pelo fato de que o tempo de Deus para mostrar misericórdia é certamente o melhor tempo. Ele o faz quando a mi­sericórdia está madura para nós, e quando nós estamos preparados para ela.

w . 15-19Aqui temos:

T A saída de Noé da arca, w. 15-17. Observe: 1. Noé X não saiu até que Deus lhe ordenou. Assim como ele recebeu uma ordem para entrar na arca (cap. 7.1), por mais tedioso que fosse o seu confinamento, ele iria espe­rar também por uma ordem para sair dela. Note que de­vemos, em todos os nossos caminhos, reconhecer a Deus, e colocá-lo diante de nós em todas as nossas mudanças. Somente aqueles que seguem a direção de Deus e se su­jeitam ao seu governo, é que permanecem sob a proteção de Deus. Aqueles que aderem firmemente à Palavra de Deus como sua regra, e são guiados por sua graça como seu princípio, e buscam o conselho de sua providência para ajudá-los na aplicação de instruções gerais para ca­sos específicos, podem, através da fé, vê-lo guiando os seus movimentos em sua marcha através do deserto. 2. Embora Deus o tenha detido por muito tempo, no final Ele lhe deu a sua libertação. Porque a visão é ainda para o tempo determinado, e até ao fim falará, falará a ver­dade (Hc 2.3), não mentirá. 3. Deus havia dito, Entra na arca. E ao dizer, Sai da arca, entendemos que Deus além de ter entrado com Noé na arca, permaneceu com ele du­rante todo o tempo, até que lhe ordenou para sair quando havia segurança. Porque o precioso Senhor disse, Não te deixarei nem te desampararei. 4. Alguns observam que, quando eles receberam a ordem para entrar, os homens e as mulheres foram mencionados separadamente (cap.6.18): Tu, e tua mulher, e teus filhos, e as mulheres dos teus filhos. Conseqüentemente, estes deduzem que, du­rante o período de lamentação, eles estavam de um lado, e suas mulheres de outro, e assim estavam separados, Zacarias 12.12. Mas agora Deus os fez como recém-ca- sados, enviando Noé e sua mulher juntos, e seus filhos e suas mulheres juntos, para que pudessem ser férteis e se multiplicassem. 5. Noé recebeu ordens para trazer para fora os animais junto consigo. Tendo tido o cuidado de alimentá-los por tanto tempo, e tendo sofrido tanto

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61 GÊNESIS 8 w. 20-22por causa deles, o Senhor estava lhe dando a honra de conduzi-los como se fossem os seus exércitos, recebendo a sua homenagem.

A saída de Noé quando recebeu autorização. As­sim como ele não sairia sem permissão, ele tam­

bém, por medo ou respeito, não permaneceria dentro quando havia recebido licença para sair, mas observava em tudo a visão celestial. Embora tivesse sido prisionei­ro da arca por um ano e dez dias, Noé viu que estava sendo preservado ali, não só para uma nova vida, mas para um mundo novo. E assim, não viu motivo para se queixar de seu longo confinamento. Agora observe: 1. Xoé e sua família saíram vivos, embora um deles fosseo iníquo Cam, que, embora tivesse escapado do dilúvio, a justiça de Deus poderia ter tirado através de algum outro golpe. Mas todos eles estão vivos. Note que quando as famílias ficam juntas por um longo período de tempo, e entre elas não há nenhum rompimento de relações, isto deve ser considerado um favor especial atribuído às mi­sericórdias do Senhor. 2. Noé trouxe para fora todos os animais que haviam entrado com ele, exceto o corvo e a pomba, que, provavelmente, estavam prontos para en­contrar seus parceiros na saída. Noé foi capaz de prestar contas muito bem de sua tarefa. Porque de todos os que lhe foram confiados, ele não perdeu nenhum, mas foi fiel Aquele que nele confiou, pro hac vice - nesta ocasião, um excelente mordomo de sua casa.

O Sacrifício de Noéw. 20-22

Aqui está:

I O reconhecimento agradecido de Noé pelo favor que Deus lhe concedeu, ao completar a misericórdia de

sua libertação, v. 20. 1. Ele edificou um altar. Até este momento ele não havia feito nada sem instruções e or­dens específicas de Deus. Noé teve um chamado especí­fico para entrar na arca, e um outro para sair dela. Mas, sendo já os altares e os sacrifícios uma parte da insti­tuição divina para a adoração religiosa, ele não esperou por uma ordem específica para expressar a sua grati­dão. Aqueles que receberam misericórdias da parte de Deus devem ficar ansiosos por retribuí-las com ações de graças, e não devem fazer isto por coação, mas volunta­riamente. Deus se agrada das ofertas voluntárias, e dos louvores que lhe são prestados. Noé agora estava em um mundo frio e desolado, onde poderia se pensar que a sua primeira preocupação teria sido construir uma casa para si mesmo. Mas, eis que ele começa a edificar um altar a Deus. Deus, que é o primeiro, deve ser servido primeiro. E aquele que começa servindo a Deus começa bem. 2. Ele ofereceu holocaustos em seu altar, de todo animal limpo e de toda ave limpa - o holocausto do sétimo, de que nós lemos, cap. 7.2,3. Observe aqui: (1) Ele ofereceu apenas aqueles que eram limpos. Porque não é suficiente que sacrifiquemos, mas devemos sacrificar aquilo que Deus indica, de acordo com a lei sacrificial. Jamais po­demos sacrificar alguma coisa corrompida. (2) Embora o seu gado fosse muito pequeno, e tenha sido salvo da ru­

ína a custa de muito cuidado e sofrimento, ele não se in­comodou de dar a Deus o que lhe era devido. Ele poderia ter dito: “Eu tenho apenas sete ovelhas com que começar o mundo, e será que uma destas deveria sete ser morta e queimada em holocausto? Não seria melhor adiar isto até que tenhamos uma quantidade maior?” Mas Noé não pensou assim. Para provar a sinceridade de seu amor e gratidão, ele alegremente dá a sua parte ao seu Deus, como um reconhecimento de que tudo pertence ao Se­nhor, e deve ser oferecido a Ele. Servir a Deus com o nosso pouco é a maneira certa de aumentar aquilo que temos. E jamais devemos considerar como desperdício aquilo que está sendo utilizado para honrar ao Deus pre­cioso e bendito. (-3) Veja aqui a antiguidade da religião: a primeira coisa que encontramos sendo feita no mundo novo foi um ato de adoração, Jeremias 6.16. Devemos agora expressar a nossa gratidão, não com ofertas quei­madas, mas pelos sacrifícios de louvor e pelos sacrifícios de justiça, pelas devoções piedosas e também por uma conversa piedosa.T T A aceitação bondosa - por parte de Deus - da JL JL gratidão de Noé. Esta era uma lei estabelecida na era patriarcal: Se tu fizeres bem, não serás tu aceito? Foi assim com Noé. Porque:

1. Deus se agradou do que foi feito, v. 21. Ele cheirou o cheiro suave, ou como expressa o hebraico, um “cheiro de repouso”. Assim como, quando havia feito o mundo a princípio, no sétimo dia o Senhor descansou para nos dar um exemplo, também agora que Ele havia refeito o mundo, Ele descansou por ocasião do sacrifício do sé­timo animal. Ele se alegrou bastante pelo zelo piedoso de Noé, e com este início repleto de esperança do novo mundo, uma ocasião em que os homens se mostram acei­táveis e agradáveis. Embora a oferta de Noé tenha sido pequena, ela era proporcional à sua capacidade naquele momento, e o Deus glorioso a aceitou. Tendo feito a sua ira repousar sobre o mundo de pecadores, o Senhor aqui fez o seu amor repousar sobre este pequeno remanes­cente de crentes.

2. Assim, o Senhor tomou a decisão de nunca mais inundar o mundo com um dilúvio. Aqui Ele tinha em vis­ta nem tanto o sacrifício de Noé, mas o sacrifício do pró­prio Cristo que estava tipificado e representado por ele, e que na verdade foi uma oferta de cheiro suave, Efésios •5.2. Uma boa garantia é dada aqui, uma garantia digna de toda a confiança e aceitação:

(1) Que este juízo jamais deveria ser repetido. Noé poderia pensar: “Para que propósito o mundo deveria ser restaurado, quando, com toda probabilidade, pela sua impiedade, ele será rapidamente - e de igual modo- destruído outra vez?” “Não”, diz Deus, “nunca mais será.” Foi dito (cap. 6.6): Arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem. Agora aqui Ele fala como se tives­se se arrependido de te r destruído o homem. Nenhum dos dois significa uma mudança de idéia, mas ambos demonstram uma mudança de sua maneira de agir. Ele se arrependerá pelos seus servos, Deuteronômio 32.36. Há dois modos pelos quais esta decisão é expres­sa: [1] Não tornarei mais a amaldiçoar a terra, o que em Hebraico seria: Não acrescentarei mais nenhuma maldição à terra. Deus havia amaldiçoado a te rra quan­

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w. 1-7 GÊNESIS 9 62do o pecado entrou nela pela primeira vez (cap. 3.17). Quando o Senhor trouxe o dilúvio, Ele o acrescentou àquela maldição. Mas agora Ele determina que nada mais seja acrescentado a ela. [2] Nem tornarei mais a ferir todo vivente. Isto é, o Senhor determinou que qualquer que fosse a destruição que Ele pudesse trazer sobre pessoas, ou famílias, ou países em particular, o mundo nunca mais seria destruído até o dia em que o tempo não existisse mais. Mas o motivo desta decisão é muito surpreendente, porque se parece com o motivo dado para a destruição do mundo: Porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice, cap.6.5. Mas há esta diferença - ali é dito: A imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continua­mente, isto é, “suas transgressões reais continuamente clamam a mim;” aqui é dito, É má desde a sua meninice. Parece que está impregnada no homem. Ele a trouxe para o mundo consigo. Ele foi formado e concebido nela. Agora, poderia se pensar que viria em seguida: “Portanto, esta raça culpada será totalmente extinta, e lhes darei um fim total.” Não: “Portanto, eu não usarei mais este método severo. Porque”, em primeiro lugar, “o homem, antes, deverá receber compaixão, porque o que está demonstrando é todo o efeito do pecado que habita nele. E isto é apenas o que poderia ser esperado de uma raça tão pecadora. 0 homem é chamado de p re­varicador desde o ventre, e desse modo não é estranho que ele aja tão perfidamente”, Isaías 48.8. Assim Deus se lembra de que o homem é carne, corrupto e pecador, Salmos 78.39. Em segundo lugar, “ele será totalmente destruído. Porque, se for tratado de acordo com os seus méritos, um dilúvio deve suceder outro até que todos sejam destruídos.” Observe aqui: 1. Estes juízos exter­nos, embora possam atemorizar e limitar os homens, não podem, por si só, santificá-los e renová-los. A graça de Deus deve operar estes juízos. A natureza do homem era tão pecadora depois do dilúvio quanto havia sido an­tes. 2. Que a bondade de Deus aproveita a pecaminosi- dade do homem para engrandecer a si mesma. A razão da misericórdia procede da bondade do Senhor, e não de algo que esteja em nós.

(2) Que o curso da natureza jamais deve ser des­continuado (v. 22): “Enquanto a terra durar, e o homem sobre ela, haverá verão e inverno (não um inverno cons­tante como no ano do dilúvio), dia e noite”. Não haverá uma noite constante, como provavelmente ocorreu du­rante o período em que a chuva esteve caindo. Aqui: [1] Foi claramente sugerido que esta terra não durará para sempre. Ela, e todas as suas obras, devem ser, em bre­ve, consumidas pelo fogo. E nós esperamos novos céus e uma nova terra, quando todas estas coisas deverão ser dissolvidas. Mas: [2] Enquanto ela durar, a providência de Deus preservará cuidadosamente a sucessão regular dos tempos e das estações, fazendo com que cada um co­nheça o seu lugar. E a esta promessa que se deve uma grande bênção: o mundo permanecer, e a roda da natu­reza continuar em seu rumo. Veja aqui como os tempos são mutáveis e, ao mesmo tempo, não se alteram. Em primeiro lugar, o curso da natureza está sempre mudan­do. Como acontece com os tempos, assim ocorre com os eventos do tempo. Eles estão sujeitos a vicissitudes - dia e noite, verão e inverno, se revezam. No céu e no inferno

não é assim, mas na terra Deus colocou um em oposição ao outro. Em segundo lugar, nada mudou até este mo­mento. Existe uma constância determinada pelo Senhor, mesmo em meio à inconstância da natureza, do tempo e dos eventos. Estas estações jamais cessaram, nem ces­sarão enquanto o sol continuar medindo constantementeo tempo, e a luz continuar a ser uma testemunha fiel no céu. Esta é a aliança de Deus, do dia e da noite, cuja esta­bilidade é mencionada para a confirmação da nossa fé na aliança da graça, que não é menos inviolável, Jeremias33.20,21. Vemos as promessas de Deus para as criaturas se cumprindo. E assim podemos deduzir que as suas pro­messas a todos os crentes sempre se cumprirão.

Ca p ít u lo 9Tanto o mundo como a igreja estavam agora re­duzidos a uma família, a família de Noé. Este capítulo apresenta uma narrativa dos assuntos relacionados a esta família, e somos os mais inte­ressados em conhecê-la porque todos nós somos descendentes dela. Aqui está: I. A aliança da pro­vidência estabelecida com Noé e seus filhos, v. 1-11. Nesta aliança, 1. Deus promete tomar conta de suas vidas, para que: (1) Eles pudessem repo­voar a terra, v. 1,7. (2) Fossem salvos dos ataques de criaturas brutas, que deveriam ter grande te­mor deles, v. 2. (3) Tivessem a permissão de comer carne para o sustento de suas vidas. Eles só não poderiam comer sangue, w. 3,4. (4) O mundo ja­mais deveria ser inundado e submerso outra vez, w. 8-11.2. Deus exige que cada um tome conta da vida do outro, e da sua própria vida, w. 5,6. II. O selo desta aliança, ou seja, o arco-íris, w. 12-17.III. Uma passagem específica da história a res­peito de Noé e seus filhos, que ocasionou algumas profecias que diziam respeito ao futuro, 1. O peca­do e a vergonha de Noé, w. 20,21. 2. A impudência e a impiedade de Cam, v. 22. 3. O pudor piedoso de Sem e Jafé, v. 23.4. A maldição de Canaã, e a bên­ção de Sem e Jafé, w. 21-27. IV A idade e a morte de Noé, w. 28,29.

A Bênção de Noé e seus Filhosw. 1-7

Lemos, no encerramento do capítulo anterior, as coi­sas muito boas e gentis que Deus disse em seu coração com relação ao restante da humanidade que foi agora deixada para ser a semente de um mundo novo. Agora estas coisas boas são ditas a eles. De um modo geral, Deus abençoou Noé e seus filhos (v. 1), isto é, Ele lhes assegurou de sua boa vontade para com eles e das Suas intenções misericordiosas a respeito deles. Isto se segue a partir daquilo que o Senhor disse em seu bendito co­ração. Observe que todas as promessas da bondade de Deus fluem a partir de seus propósitos de amor e dos conselhos da sua própria vontade. Veja Efésios 1.11;3.11, e compare com Jeremias 29.11. Porque eu bem

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63 GÊNESIS 9 w. 1-7sei os pensamentos que penso de vós. Lemos (cap. 8.20) como Noé bendisse a Deus através de seu altar e de seu holocausto. Agora aqui encontramos o precioso Deus abençoando Noé. Observe que Deus abençoará com mi­sericórdia (isto é, fará o bem para) aqueles que sincera­mente o bendisserem. Isto é, aqueles que falarem bem dele. Aqueles que forem verdadeiramente gratos pelas misericórdias que receberem agirão prontamente para tê-las confirmadas e continuadas em sua vida.

Agora temos aqui a Magna Carta - a grande carta constitucional deste novo reino da natureza que deveria ser agora erguido e estabelecido, tendo a carta anterior sido superada e cancelada.

I As concessões desta carta aos homens são gentis e misericordiosas. Aqui está:1. Uma concessão de terras de grande extensão, e

uma promessa de um grande aumento de homens para ocupá-las e desfrutá-las. A primeira bênção é aqui reno­vada: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra (v. 1). Ela foi repetida (v. 7) porque a raça humana, por assim dizer, estava prestes a ter um novo começo. Agora: (1) Deus coloca toda a terra diante deles, dizendo-lhes que tudo lhes pertence, enquanto durar, tanto a eles como aos seus herdeiros. Observe que Deus deu a terra aos filhos dos homens por propriedade e habitação, Salmos 115.16. Embora ela não seja um paraíso, mas, antes, um deserto, ela é melhor do que merecemos. Bendito seja Deus por ela não sei' o inferno. (2) Ele lhes dá uma bên­ção, pela força e virtude das quais a humanidade deveria ser multiplicada e perpetuada sobre a terra, para que em pouco tempo todas as partes habitáveis da terra fossem mais ou menos habitadas. E, embora as gerações devam passar, elas se sucederão enquanto o mundo durar, para que a torrente da raça humana seja suprida com uma sucessão constante, e corra em paralelo com o fluxo do tempo, até que ambos desemboquem juntos no oceano da eternidade. Embora a morte ainda reinasse, e o Senhor ainda fosse conhecido pelos seus juízos, a terra jamais seria outra vez despovoada como fora agora, mas ainda se encheria, Atos 17.24-26.

2. Uma concessão de poder sobre as criaturas in­feriores, v. 2. Ele concede: (1) Uma responsabilidade a eles: Na vossa mão são entregues, para o vosso uso e benefício. (2) Um domínio sobre eles, sem o qual o título de propriedade de pouco valeria: E será o vosso temor e o vosso pavor sobre todo animal da terra. Isto faz revi­ver uma concessão anterior (cap. 1.28), com apenas uma diferença: que o homem em inocência seria governado pelo amor, e o homem caído seria governado pelo temor. Agora, esta concessão permanece em toda a sua força, e até este momento ainda temos o seu benefício: [1] Que as criaturas que são de algum modo úteis a nós são domes­ticadas, e as usamos seja para serviço ou para alimento, ou ambos, conforme a capacidade de cada uma delas. O cavalo e o boi se sujeitam pacientemente ao freio e ao jugo, e a ovelha fica muda tanto diante do tosquiador como do açougueiro. Pois o temor e o pavor do homem estão sobre eles. [2] As criaturas que são de algum modo prejudiciais a nós são controladas, para que, embora de vez em quando o homem possa ser ferido por algumas delas, elas não se associem para se levantar em rebe-

lião contra o homem, senão Deus poderia através delas destruir o mundo como efetivamente fez através de um dilúvio. Este seria um dos juízos penosos de Deus, Eze- quiel 14.21. O que é que mantém os lobos fora das nossas cidades, e os leões fora das nossas ruas, e os confina nos desertos, além deste temor e pavor? No entanto, alguns foram domesticados, Tiago 3.7.

3. Uma concessão de manutenção e subsistência: Tudo quanto se move, que é vivente, será para vosso mantimento, v. 3. A maioria dos estudiosos entende que, até este momento, o homem havia sido limitado a se ali­mentar apenas dos produtos da terra, frutos, ervas e ra­ízes, e todos os tipos de grão e leite. Assim foi a primeira concessão, cap. 1.29. Mas tendo talvez o dilúvio anulado grande parte da fertilidade da terra, tendo assim tornan­do os seus frutos menos agradáveis e menos nutritivos, Deus aumentou a concessão, e permitiu que o homem comesse carne. Talvez o homem nunca tivesse pensado nisto até o momento em que Deus o instruiu a fazê-lo, nem tivesse o desejo de fazê-lo, assim como uma ovelha não tem o desejo de sugar sangue como um lobo. Mas agora o homem recebe a permissão de se alimentar de carne, tão livremente e seguramente quanto tinha para se alimentar da erva verde. Agora observe aqui: (1) Que Deus é um bom pai de família, e provê, não só para que possamos viver, mas para que possamos viver conforta­velmente, em seu serviço. Ele nos concede bênçãos não só para satisfazer as nossas necessidades, mas para que tenhamos prazer na vida. (2) Que toda criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, 1 Timóteo 4.4. Poste­riormente, algumas carnes que eram adequadas para o consumo foram proibidas pela lei cerimonial. Mas parece que desde o início não era assim, e, por esta razão, as proibições cerimoniais não fazem parte do Evangelho.

n Os preceitos e condições deste caráter não são menos bondosos e misericordiosos, e exemplos da boa-vontade de Deus ao homem. Os doutores judeus falam com muita freqüência dos sete preceitos de Noé, ou dos filhos de Noé, os quais, eles dizem, deveriam ser

observados por todas as nações, para que não errassem em seu estabelecimento. O primeiro era contra a adora­ção a ídolos. O segundo, contra a blasfêmia, requerendo que se bendiga o santo nome de Deus. O terceiro, contra o homicídio. O quarto, contra o incesto e toda impureza,O quinto, contra o roubo e a rapina. O sexto, requeren­do a administração da justiça. O sétimo, contra comer a carne que contém a vida (o sangue). Os judeus exigiam a observação destas coisas por parte dos prosélitos da porta. Mas todos os preceitos aqui apresentados dizem respeito à vida do homem.

1. O homem não deve prejudicar a sua própria vida comendo uma comida que não seja saudável e que preju­dique a sua saúde (v. 4): “A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue (isto é, carne crua), não come­reis, como fazem os animais de rapina.” Foi necessário acrescentar esta limitação à concessão da liberdade de comer carne, para que, em vez de nutrir os seus corpos, ela não os destruísse. Deus, através disso, mostraria: (1) Que embora eles fossem senhores dos animais, estavam sujeitos ao Criador, e sob as restrições de sua lei. (2) Que eles não deveriam ser gananciosos e apressados ao to­

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w. 8-11 GÊNESIS 9 64marem o seu alimento, mas deveriam esperar pela sua preparação. Não poderiam ser como os soldados de Saul (1 Sm 14.32), nem poderiam ser comilões desenfreados de carne, Provérbios 23.20. (3) Que eles não devem ser bárbaros e cruéis com as criaturas inferiores. Eles de­vem ser senhores, mas não tiranos. Eles poderiam matá- las para o seu proveito, mas não torturá-las para o seu prazer nem arrancar algum membro de uma criatura enquanto ela ainda estivesse viva, e comê-lo. (4) Que du­rante a continuidade da lei de holocaustos, na qual o san­gue fazia expiação pela alma (Lv 17.11), significando que a vida do sacrifício era aceita como um resgate pela vida do pecador, o sangue não deveria ser considerado como uma coisa comum, mas deveria ser derramado diante do Senhor (2 Sm 23.16), ou sobre o seu altar, ou sobre a sua terra. Mas, agora que o grande e verdadeiro sacrifício foi oferecido, a obrigação da lei cessa com o seu motivo.

2. O homem não pode tirar a sua própria vida: Re­quererei o vosso sangue, o sangue da vossa vida, v. 5. A nossa vida não nos pertence, e assim não podemos aban­doná-la ao nosso bei prazer, mas ela pertence a Deus e devemos renunciá-la para agradá-lo. Se nós, de algum modo, apressarmos a nossa própria morte, seremos res­ponsáveis por isso diante de Deus.

3. Não se deve permitir que os animais firam a vida do homem: Da mão de todo animal o requererei. Para mostrar a consideração e o carinho que Deus tem para com a vida do homem, embora posteriormente tenha tido que fazer uma destruição tão grande de ridas, Ele mandou matar o animal que matar um homem. Isto foi confirmado pela lei de Moisés (Êx 21.28), e acho que ain­da seria seguro observá-la. Assim Deus mostrou o seu ódio pelo pecado de homicídio, para que os homens pu­dessem odiar ainda mais esta transgressão, e não apenas puni-la, mas tomar precauções para que não aconteça. Veja também Jó 5.23.

4. A instrução, aqui, é que os assassinos que preme­ditam os seus crimes devem morrer. Este é o pecado que aqui se deseja evitai' através do terror da punição. (1) Deus punirá os assassinos: Da mão do homem e da mão do irmão de cada um requererei a vida do homem, isto é, Eu vingarei, sobre o assassino, o sangue do assassi­nado, 2 Crônicas 24.22. Quando Deus requer a vida de um homem da mão daquele que a tirou injustamente, o assassino não pode entregá-la, e, por esta razão, deve entregar a sua própria vida no lugar dela. Esta é a única maneira que resta para se fazer a restituição. Observe que o Deus justo certamente fará uma inquisição pelo sangue, mesmo que os homens não possam fazê-la, ou não queiram fazê-la. Uma vez ou outra, neste mundo ou no vindouro, o Senhor descobrirá assassinos escondidos, que estão ocultos dos olhos dos homens, e punirá assas­sinos confessos que tentam se justificar, algo que seria difícil demais para a mão do homem. (2) O magistrado deve punir os assassinos (v. 6): Quem derramar o sangue do homem, seja por causa da provocação repentina, ou tendo premeditado isso (porque a ira excessiva traz con­sigo o assassinato de coração, como t ambém a propensão à malícia, Mateus 5.21,22), terá o seu sangue derramado por outro homem, isto é, pelo magistrado ou por quem quer que seja designado a ser o vingador do sangue, ou que tenha esta permissão. Há aqueles que são ministros

de Deus para este propósito, para ser uma proteção ao inocente, sendo um terror aos maliciosos e malfeitores, e eles não devem trazer debalde a espada, Romanos 13.4. Antes do dilúvio, como parece pela história de Caim, Deus tomou o castigo de homicídio em suas próprias mãos. Mas agora Ele entregou este juízo aos homens, a princípio aos chefes de família, e depois aos chefes das nações, que deveriam ser fiéis à confiança neles depo­sitada. Note que aquele que cometesse um assassinato deliberadamente deveria ser sempre punido com a mor­te. Este é um pecado que o Senhor não perdoaria nem mesmo em um príncipe (2 Rs 24.3,4), e que, portanto, um príncipe jamais deveria perdoar em um súdito. Há uma razão anexa para esta lei: Porque, no princípio, Deus fez o homem conforme a sua imagem. O homem é uma cria­tura querida de seu Criador, e, portanto, deve ser assim para nós. Se Deus colocou honra sobre o homem, não sejamos nós aqueles que procuram colocar o desprezo sobre este. Aquilo que restou da imagem de Deus ainda está sobre o homem caído, de modo que aquele que mata injustamente desfigura a imagem de Deus e o desonra. Quando Deus permitiu que os homens matassem seus animais, Ele os proibiu de matar os seus escravos. Por­que estes são de uma natureza muito mais nobre e ex­celente, sendo não apenas criaturas de Deus, mas a sua imagem, Tiago 3.9. Todos os homens possuem, ao menos, uma parte da imagem de Deus sobre si mesmos. Mas os magistrados têm, além disso, a imagem do seu poder, e os santos têm a imagem da sua santidade. Assim sendo, aqueles que derramarem o sangue de príncipes ou san­tos incorrerão em uma culpa dupla.

A Aliança de Deus com Noéw. 8-11

Aqui temos:

I O estabelecimento geral da aliança de Deus com este mundo novo, e a extensão desta aliança, w. 9,10.

Observe aqui: 1. Que Deus se agrada, de uma forma mi­sericordiosa, de tratar com o homem por meio de uma aliança, onde Deus glorifica grandemente o seu favor condescendente, e encoraja enfaticamente a obrigação e a obediência do homem, como um serviço sensato e útil.2. Que todas as alianças de Deus com o homem são fei­tas pelo próprio Senhor: Eu, eis que eu. Esta expressão aumenta a nossa admiração - “E eis que, embora Deus seja elevado, Ele tem este respeito pelo homem”, como para confirmar as nossas garantias da validade da alian­ça - “Vede, eis que eu faço. Eu que sou fiel e capaz de fa­zer o bem.” 3. Que as alianças de Deus são estabelecidas mais firmemente do que os pilares do céu ou do que os fundamentos da terra, e não podem ser anuladas. 4. Que as alianças de Deus são feitas com os pactuantes e com a sua semente. A promessa é para eles e para os seus filhos. 5. Que todas as pessoas podem ser introduzidas na aliança com Deus, e receber os benefícios dela. Porém elas não são capazes nem têm a autorização necessária para reespecificar, ou para dar o seu próprio consenti­mento. Porque esta aliança é feita com toda alma viven­te, e com todos os animais da terra.

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65 GÊNESIS 9 w. 12-17

n A intenção específica desta aliança. Ela foi criada para garantir que não haveria um outro dilúvio no mundo: Não haverá mais dilúvio. Deus havia submergi­do o mundo uma vez, e ainda assim o mundo estava tão sujo e provocador quanto antes. 0 Senhor Deus previu a

impiedade que o mundo demonstraria. No entanto, Ele prometeu que nunca mais traria um dilúvio sobre este. Porque o bondoso Senhor não trata conosco de acordo com os nossos pecados. É devido à bondade e à fideli­dade de Deus - e não a qualquer reforma por parte do mundo - o fato deste mundo não ter sido inundado fre­qüentemente por um dilúvio, e não ser inundado agora. E o velho mundo foi destruído para ser um monumento de justiça, de forma que este mundo permanece até este dia como um monumento de misericórdia, de acordo com o juramento de Deus. O Senhor misericordioso prome­teu que as águas de Noé não cobririam a terra outra vez, Isaías 54.9. Esta promessa mantém o mar e as nuvens em seu lugar, conforme o decreto do Altíssimo, colocan­do-lhes portas e ferrolhos. Até aqui virás, Jó 38.10,11. Se o mar fluísse livremente, sem quaisquer limites, apenas por alguns dias, ou mesmo durante algumas horas por dia, que desolação isto causaria! E como as nuvens se­riam destrutivas, se as chuvas que às vezes temos visto continuassem por muito tempo! Mas Deus, através do fluxo natural dos mares, e das chuvas impetuosas, mos­tra o que Ele poderia fazer caso se irasse. No entanto, preservando a te rra de ser inundada entre estas duas fontes naturais tão poderosas (o mar e as nuvens), o bondoso Senhor mostra aquilo que só Ele pode fazer em misericórdia, e que está completamente disposto a fazer em verdade. Assim, demos a Ele toda a glória pela misericórdia que demonstrou ao fazer tão bondosas promessas, e continuemos glorificando o seu santo nome por ser sempre verdadeiro e por cumprir integralmente aquilo que promete. Esta promessa não impede: 1. Que Deus possa trazer outros juízos terríveis sobre a huma­nidade. Porque, embora Ele tenha se limitado a não usar mais esta flecha, Ele tem outras flechas em sua aljava.2. Que o Senhor possa destruir lugares e países especí­ficos através de inundações do mar ou dos rios. 3. Que a destruição do mundo no último dia, através do fogo, seja uma quebra de sua promessa. O pecado, que submergiu o mundo antigo, queimará este.

w . 12-17Os artigos de acordo entre os homens são geralmen­

te selados para que as alianças possam ser as mais so­lenes, e o desempenho das alianças o mais seguro, para que haja uma satisfação mútua. Deus, portanto, dese­jando mostrar mais abundantemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade de seus conselhos, confirmou a sua aliança através de um selo (Hb 6.17), o que tor­na firmes os fundamentos sobre os quais edificamos, 2 Timóteo 2.19. O selo desta aliança da natureza era sufi­cientemente natural. Foi o arco-íris. Alguns pensam que é provável que o arco-íris fosse visto nas nuvens antes, quando causas secundárias coincidiam, mas nunca havia sido um selo da aliança até aquele momento. Agora ele se tornou este selo através de uma instituição divina. Quan­

to a este selo da aliança, observe: 1. Este selo é fixado com repetidas garantias da veracidade desta promessa da qual foi criado para ser a ratificação: O meu arco te­nho posto na nuvem (v. 13). Aparecerá o arco nas nuvens (v. 14). Que aquilo que os olhos contemplam possa tocar no coração e confirmar a fé. E isto será um sinal do con­certo (w. 12,13), e me lembrarei do meu concerto, que está entre mim e vós, e ainda toda alma vivente de toda carne. E as águas não se tornarão mais em dilúvio, v. 15. Isto não significa que a Mente Eterna precise de um lem­brete. Porém o Senhor o vê como um símbolo do concer­to eterno, v. 16. Então aqui está linha sobre linha, para que todos aqueles que se apoderaram desta esperança possam ter uma consolação segura e forte. 2. O arco-íris aparece quando as nuvens estão com mais umidade, e re­torna depois da chuva. Quando temos mais motivos para temer que a chuva prevaleça, então Deus mostra este selo da promessa afirmando que ela não prevalecerá. Assim Deus apazigua os nossos temores com encoraja­mentos que são adequados e oportunos. 3. Quanto mais espessa for a nuvem, mais brilhante será o arco nela. As­sim, quando as aflições ameaçadoras abundam, as con­solações encorajadoras abundam em uma medida muito maior, 2 Coríntios 1.5.4. O arco-íris aparece quando uma parte do céu está claro, o que sugere a misericórdia lem­brada em meio à ira. E as nuvens estão dispostas de uma forma que favoreçam o arco-íris, para que não possam cobrir os céus. O arco parece colorir a chuva, bem como as bordas das nuvens. 5. O arco-íris é o reflexo dos raios do sol, o que sugere que toda a glória e significado dos selos da aliança são derivados de Cristo - o Sol da Justi­ça - que também tem um arco-íris ao redor do seu trono (Ap 4.3), e um arco-íris por cima de sua cabeça (Ap 10.1). Isto sugere não só a sua majestade, mas a sua mediação. 6. O arco-íris possui cores vívidas em si, o que pode sig­nificar que embora Deus não vá inundar o mundo outra vez, o mundo será consumido pelo fogo quando chegar o tempo determinado por Deus. 7. Um arco anuncia terror, mas este arco não possui nem corda nem flecha, comoo arco ordenado contra os perseguidores (SI 7.12,13). E um arco sozinho não fará muita coisa. É um arco, mas está direcionado para cima, não está direcionado à terra. Porque os selos da aliança tinham a função de consolar, e não de atemorizar. 8. Assim como Deus olha para o arco como um lembrete da aliança, devemos fazer o mesmo para que possamos nos lembrar sempre da aliança com fé e gratidão.

O Pecado de Camw. 18-23

Aqui temos:

I A família de Noé e sua atividade. Os nomes de seus filhos são outra vez mencionados (w. 18,19) como aqueles que cobriam toda a terra, pelo que parece que

Noé, depois do dilúvio, não teve mais filhos: todo o mun­do foi formado a partir destes três. Observe que Deus, quando quer, pode fazer um pequeno se tornar mil, e aumentar grandemente o fim daqueles cujo início foi pequeno. Assim é o poder e a eficácia de uma bênção di­

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w. 18-23 GÊNESIS 9 66vina. A atividade a que Noé se aplicou foi a de lavrador. Em hebraico, um homem da terra, isto é, um homem que lida com a terra, que manteve a terra em suas mãos, e a ocupou. Todos nós somos naturalmente homens da terra, feitos dela, vivendo nela, e direcionados a ela. Muitos são pecaminosamente assim, viciados em coisas terrenas. Noé foi, por seu chamado, levado a negociar os produtos da terra. E começou Noé a ser lavrador da terra, isto é, algum tempo depois de sua saída da arca, ele retornou à sua antiga atividade, da qual havia se afastado primeira­mente pela construção da arca, e depois disso pela cons­trução de uma casa em terra seca para si mesmo e para a sua família. Durante este período ele tinha sido um car­pinteiro, mas agora voltou a ser um lavrador. Observe que embora Noé fosse um grande homem e um homem bom, um homem velho e rico, um homem grandemente favorecido pelo céu e honrado na terra, ele não viveria uma vida ociosa, nem consideraria a vocação de lavrador como algo inferior para si. Observe que embora Deus, por sua providência, possa nos tirar da nossa vocação por algum tempo, quando a ocasião terminar devemos com humildade e esforço nos aplicar a ela novamente. É necessário permanecermos fielmente na vocação a que formos chamados, para que possamos permanecer dian­te do nosso amado Deus, 1 Coríntios 7.24.

n O pecado e vergonha de Noé: Ele plantou uma vinha. E, quando havia juntado a vindima, pro­vavelmente designou uma dia de júbilo e banquete com a sua família, e ele tinha os seus filhos e os filhos deles consigo para se alegrarem com ele pelo aumento de sua

casa como também pelo aumento de sua vinha. Podemos até supor que ele tenha antecedido a festa com um sa­crifício para a honra de Deus. Se esta parte inicial foi omitida, era justo que Deus o deixasse sozinho, para que aquele que não começou com Deus terminasse com os animais. Mas nós caridosamente esperamos que esta parte fundamental não tenha faltado. E talvez Noé te­nha designado esta festa com um propósito: no seu en­cerramento, abençoar os seus filhos, como Isaque, cap. 27.3,4 - “Para que eu coma, e para que minha alma te abençoe”. Nesta festa ele bebeu do vinho. Porque quem planta uma vinha e não bebe do seu fruto? Mas ele bebeu generosamente demais, mais do que a sua idade suporta­ria, porque ficou embriagado. Temos razões para pensar que ele nunca ficou embriagado antes nem depois. Ob­serve como Noé foi, agora, surpreendido em sua falha. Este foi o seu pecado, e pode ser considerado um grande pecado, principalmente por ter ocorrido logo após um grande livramento. Mas Deus o deixou sozinho, como fez com Ezequias (2 Cr 32.31), e deixou este seu erro regis­trado, para nos ensinar: 1. Que a cópia mais clara que o mero homem já escreveu desde a queda teve os seus defeitos e traços em falso. Foi dito a respeito de Noé que ele era perfeito em suas gerações (cap. 6.9), mas este fato mostra que estas palavras se referiam à sua since­ridade, e não a uma perfeição isenta de pecado. 2. Que às vezes aqueles que, com vigilância e resolução, têm, pela graça de Deus, mantido a sua integridade em meio à tentação têm sido - através da segurança, do descui­do, e da negligência da graça de Deus - surpreendidos pelo pecado, quando a hora da tentação já passou. Noé,

que havia se mantido sóbrio na companhia de embria­gados, está agora embriagado na companhia de sóbrios. Aquele que pensa estar de pé tome todo cuidado para não cair. 3. Que precisamos ter muito cuidado, quando usamos abundantemente as coisas boas que Deus criou, para que não as usemos excessivamente. Os discípulos de Cristo devem tomar cuidado para que os seus cora­ções não fiquem sobrecarregados em algum momento, Lucas 21.34. Agora, a conseqüência do pecado de Noé foi a vergonha. Ele estava descoberto dentro de sua tenda, envergonhado pela exposição de sua nudez, como Adão quando havia comido o fruto proibido. No entanto, Adão procurou se esconder. Porém Noé está tão destituído de pensamento e razão que não procura sequer se cobrir. Este é um fruto da vide no qual Noé não pensou. Obser­ve aqui o grande mal do pecado da embriaguez. (1) Ela descobre e expõe os homens. Eles mostram e até mesmo declaram as suas fraquezas quando estão embriagados, e revelam com muita facilidade os segredos que lhes fo­ram confiados. Porteiros embriagados deixam os portões abertos. (2) Ela desgraça os homens, e os expõe ao des­prezo. Assim como a embriaguez os revela, ela também os envergonha. Os homens dizem e fazem, quando estão embriagados, aquilo que, quando estão sóbrios, corariam de vergonha só de pensar, Habacuque 2.15,16.

A impudência e impiedade de Cam: Ele viu a nudez de seu pai e o fez saber aos seus irmãos,

v. 22. Vê-la acidentalmente e involuntariamente não te­ria sido um crime. Mas: 1. Ele sentiu prazer na visão, como os edomitas que olharam para o dia da adversidade de seus irmãos (Ob 12) com satisfação e de uma forma ofensiva. Talvez o próprio Cam tenha ficado embriagado algumas vezes, e tenha sido reprovado por seu bom pai, a quem ele agora via, com alegria, dominado pela bebida forte. Observe algo bastante comum: aqueles que andam em falsos caminhos se alegram pelos passos em falso que, às vezes, vêem os outros dar. Mas o amor não se alegra com a iniqüidade. Assim, os verdadeiros penitentes que estão tristes por seus próprios pecados jamais poderão se alegrar pelos pecados dos outros. 2. Ele contou o fato aos seus dois irmãos, fora (na rua, conforme o significado da palavra), de uma maneira escarnecedora e zombado­ra, para que o seu pai pudesse parecer desprezível a eles. É muito errado: (1) Brincar com o pecado (Pv 14.9), e ficar envaidecido por aquilo que deveria trazer tristeza e profundo pesar, 1 Coríntios 5.2. E: (2) Divulgar os defei­tos de qualquer pessoa, especialmente dos pais, a quem temos a obrigação de honrar. Noé não só era um homem bom, mas havia sido um bom pai para Cam. E esta foi uma retribuição excessivamente vil e desprezível de seu carinho. Cam é aqui chamado de pai de Canaã, o que su­gere que ele, que também era pai, deveria te r sido mais respeitoso para com aquele que era o seu próprio pai.

O cuidado piedoso de Sem e Jafé para cobri­rem a vergonha do seu pobre pai, v. 23. Além

de não quererem ver o pai naquela situação deprimente, também providenciaram para que ninguém mais visse. Assim eles nos deram um exemplo de caridade com re­lação ao pecado e a vergonha de outros homens. Não éo bastante evitar comentar casos como este, sem nos

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67 GÊNESIS 9 w. 24-27envolver com aqueles que conspiram contra a boa mo­ral dos demais. Mas devemos te r o cuidado de ocultar a vergonha alheia, ou pelo menos fazer o melhor possível, assim como gostaríamos que fizessem por nós. 1. Há um manto de amor que deve ser lançado sobre os defeitos de todos, 1 Pedro 4.8. 2. Além disso, há uma túnica de reve­rência que deve ser lançada sobre os defeitos dos pais e de outros superiores.

A Profecia de Noéw. 24-27

Aqui:

I Noé volta a si: Ele despertou de seu vinho. O sono o curou, e podemos supor que o curou tanto que ele

nunca reincidiu neste pecado depois disso. Aqueles que dormem como Noé dormiu devem despertar como ele des­pertou, e não como aquele embriagado (Pv 23.35) que diz, quando desperta: Ainda tornarei a buscá-la outra vez.

n O espírito de profecia vem sobre ele, e, assim como Jacó quando estava prestes a morrer, Noé agora diz a seus filhos o que lhes acontecerá, cap. 49.1.

1. Ele profere uma maldição sobre Canaã, o filho de Cam (v. 25), em que o próprio Cam é amaldiçoado. Há duas possíveis razões para esta maldição: porque este seu filho era agora mais culpado do que os demais, ou porque a posteridade deste filho seria, mais tarde, de­sarraigada de sua terra para dar lugar a Israel. E Moi­sés aqui registra estas palavras para animar Israel nas guerras de Canaã. Embora os cananeus fossem um povo que se deveria temer, eles procediam de um antigo povo maldito, e destinado à destruição. A maldição específica é, servo dos servos (isto é, o servo mais insignificante e mais desprezível) será, até mesmo de seus irmãos. Aque­les que por nascimento eram seus companheiros serão, por conquista, os seus senhores. Isto certamente aponta para as vitórias obtidas por Israel sobre os cananeus. Estes seriam colocados sob a espada ou sob a obriga­ção de pagar tributos (Js 9.23; Jz 1.28,30,33,35), algo que aconteceu aproximadamente 800 anos depois deste epi­sódio. Observe: (1) Deus freqüentemente visita a iniqüi­dade dos pais sobre os filhos, especialmente quando os filhos herdam a má índole dos pais, e imitam as práticas perversas dos pais, e não fazem nada para interromper a seqüência de seu comportamento maldito. (2) A des­graça é, de forma justa, colocada sobre aqueles que co­locam a desgraça sobre os outros, especialmente aquela que desonra e entristece os seus próprios pais. Um filho desobediente que zomba de seus pais não é mais digno de ser chamado de filho, mas merece ser tratado como um servo contratado, como um servo dos servos, entre os seus irmãos. (3) Embora as maldições divinas operem lentamente, mais cedo ou mais tarde elas terão efeito. Os cananeus estavam sob uma maldição de servidão. No en­tanto, por muito tempo tiveram o domínio. Porque uma família, um povo, uma pessoa, pode estar sob a maldição de Deus, e, contudo, pode, por muito tempo, prosperar no mundo, até que a medida de sua iniqüidade esteja completa, como a dos cananeus. Muitos estão marcados

para a ruína, porém ainda não estão maduros para ela. Portanto, o teu coração não inveje os pecadores.

2. Noé transmite uma bênção a Sem e Jafé.(1) Ele abençoa a Sem, ou, antes, bendiz a Deus por

ele, a ponto disto o habilitar à maior honra e felicidade imagináveis, v. 26. Observe: [1] Ele chama o Senhor de o Deus de Sem. E feliz, três vezes feliz, é a nação cujo Deus é o Senhor, Salmos 144.15. Todas as bênçãos estão incluídas nesta. Esta foi a bênção conferida a Abraão e à sua semente. O Deus do céu não estava envergonha­do de ser chamado de seu Deus, Hebreus 11.16. Sem é suficientemente recompensado por seu respeito ao seu pai neste episódio: o próprio Senhor coloca a sua honra sobre ele, para sei' o seu Deus, o que é uma recompen­sa suficiente por todos os nossos serviços e por todos os nossos sofrimentos pelo seu precioso nome. [2] Noé dá a Deus a glória por esta boa obra que Sem havia feito, e, em vez de abençoar e louvar aquele que foi o instrumen­to, ele bendiz e louva a Deus, que foi o autor. Note que a glória de tudo o que em qualquer momento é bem feito, por nós mesmos ou pelos outros, deve ser transmitida a Deus com humildade e gratidão, pois é Ele que opera todas as nossas boas obras em nós e por nós. Quando vemos as boas obras dos homens, devemos glorificar não a eles, mas ao nosso Pai, Mateus 5.16. Assim Davi, na verdade, abençoou Abigail, quando bendisse a Deus por tê-la enviado (1 Sm 25.32,33), porque é uma grande hon­ra e um grande favor ser empregado por Deus e usado por Ele para fazer o bem. [3] Ele prevê e prediz que o tratamento misericordioso de Deus para com Sem e sua família seria tal que evidenciaria a todo o mundo que ele era o Deus de Sem, pelo que muitos renderiam graças a Ele: Bendito seja o Deus de Sem. [4] É sugerido que a igreja deveria ser edificada e continuada na posteri­dade de Sem. Porque dele vieram os judeus, que foram, por muito tempo, o único povo professo que Deus teve no mundo. [5] Alguns pensam que a referência aqui era a Cristo, que era o Senhor Deus que, em sua natureza humana, deveria vir dos lombos de Sem. Porque dele, no que diz respeito à carne, veio o Cristo. [6] Canaã é parti­cularmente escravizado a Sem: ele será seu servo. Note que aqueles que têm ao Senhor como o seu Deus terão a honra e o poder deste mundo em uma medida que o Senhor considerar adequada.

(2) Noé abençoa Jafé, e, nele, as ilhas dos gentios, que foram povoadas pela sua semente: Alargue Deus a Jafé, e habite nas tendas de Sem, v. 27. Agora: [1] Alguns entendem estas palavras como se referindo totalmente a Jafé, com a finalidade de denotar, em primeiro lugar: A sua prosperidade exterior, que a sua semente seria tão numerosa e tão vitoriosa que eles deveriam ser senhores das tendas de Sem, o que foi cumprido quando o povo ju ­deu, a raça mais iminente de Sem, foi tributário primei­ro dos gregos e depois dos romanos, ambos da semente de Jafé. Observe que a prosperidade externa não é uma marca infalível da verdadeira igreja. As tendas de Sem nem sempre são as tendas do conquistador. Ou, em se­gundo lugar, isto denota a conversão dos gentios, e a en­trada deles na igreja. E então deveríamos entender que Deus persuadiria Jafé (porque este é o significado da pa­lavra), e então, sendo assim persuadido, ele habitaria nas tendas de Sem, isto é, judeus e gentios seriam reunidos

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w. 28,29 GÊNESIS 10 68no aprisco do Evangelho. Depois que muitos gentios se tornarem prosélitos da religião judaica, ambos serão um em Cristo (Ef 2.14,15), e a igreja cristã, composta em sua maior parte por gentios, sucederá os judeus nos privilé­gios de serem membros da igreja. Tendo os judeus se excluído por causa de sua incredulidade, os gentios habi­tarão em suas tendas, Romanos l l . l ls s . Observe que só Deus pode reunir novamente na igreja aqueles que se se­pararam dela. É o poder de Deus que torna o Evangelho de Cristo eficaz para a salvação, Romanos 1.16. E outra vez, as almas são trazidas para a igreja, não pela força, mas pela persuasão, Salmos 110.3. Eles são puxados por cordas humanas, e persuadidos pelo desejo de serem religiosos. [2] Outros entendem que estas palavras de­vem ser divididas entre Jafé e Sem, e Sem não teria sido abençoado diretamente, v. 26. Em primeiro lugar, Jafé tem a bênção da terra, que está abaixo: Alargue Deus a Jafé, alargue a sua semente, alargue a sua fronteira. A prosperidade de Jafé povoou toda a Europa, uma gran­de parte da Ásia, e talvez a América. Observe que Deus deve ser reconhecido em todas as suas extensões. É ele que alarga a costa e alarga o coração. E outra vez, mui­tos habitam em grandes tendas, porém não habitam nas tendas de Deus, como fez Jafé. Em segundo lugar, Sem tem a bênção do céu, que está acima: Ele habitará (isto é, Deus habitará) nas tendas de Sem, isto é: “De seus lombos virá o Cristo, e em sua semente a igreja será con­tinuada.” O direito de nascimento deveria agora ser di­vidido entre Sem e Jafé, sendo Cam totalmente descar­tado. No principado que eles compartilham igualmente, Canaã será servo de ambos. A porção dobrada é dada a Jafé, a quem Deus alargará. Mas o sacerdócio é dado a Sem, porque Deus habitará nas tendas de Sem. E certa­mente seremos mais felizes se tivermos Deus habitando em nossas tendas do que se tivermos ali toda a prata e todo ouro do mundo. E melhor habitarmos em tendas com Deus do que em palácios sem Ele. Em Salém, onde está o Tabernáculo de Deus, há mais satisfação do que em todas as ilhas das nações. Em terceiro lugar, ambos têm domínio sobre Canaã: Canaã será servo deles. As­sim alguns entendem. Quando Jafé se junta com Sem, Canaã cai diante de ambos. Quando estranhos se tornam amigos, os inimigos se tornam servos.

w. 28,29Aqui lemos: 1. Como Deus prolongou a vida de

Noé. Ele viveu 950 anos, vinte a mais que Adão e ape­nas dezenove a menos que Metusalém. E sta vida longa foi uma recompensa adicional por sua piedade notável, e uma grande bênção para o mundo, para o qual sem dúvida ele continuou sendo um pregador de justiça, com uma grande vantagem: agora todos a quem ele pregava eram seus próprios filhos. 2. Como Deus fi­nalmente colocou um ponto final em sua vida na terra. Embora Noé tenha vivido muito tempo, ele morreu, tendo provavelmente visto, primeiro, muitos que des­cenderam dele, mortos diante de si. Noé viveu para ver dois mundos na terra. Mas, sendo um herdeiro da justiça que é pela fé, quando morreu ele foi ver um mundo melhor que estes dois.

C a p í t u l o 1 0Este capítulo mostra mais particularmente o que foi dito em geral (cap. 9.19) a respeito dos três filhos de Noé, que “deles toda a terra foi cober­ta”, e do fruto desta bênção (cap. 9.1,7); “encher a terra”. E o único relato certo existente sobre a origem das nações. No entanto, talvez não haja nenhuma nação além da dos judeus que possa ser confiante sobre de qual destas setenta fontes (por­que há muitas aqui) ela deriva as suas correntes. Através da falta de registros antigos, da mistura de pessoas, da revolução das nações, e da distância do tempo, o conhecimento da descendência linear dos habitantes atuais da terra está perdido. Nem as genealogias foram preservadas além das dos judeus, por causa do Messias. Somente neste ca­pítulo temos um breve relato: I. Da posteridade de Jafé, w. 2-5. II. Da posteridade de Cam (w. 6-20), e neste ponto em particular observa-se Ninrode, v. 8-10. III. Da posteridade de Sem, v. 21 etc.

Os Descendentes de Noéw. 1-5

Moisés começa com a família de Jafé porque este era o mais velho, ou porque a sua família ficava o mais distante de Israel e tinha pouco interesse para eles na época em que Moisés escreveu. Portanto, ele menciona esta raça de uma forma muito breve, apressando-se em dar um relato da posteridade de Cam, que eram os ini­migos de Israel, e de Sem, que foram os antepassados de Israel. Porque é da igreja que a Escritura tem a intenção de ser a história, e das nações do mundo apenas quando elas de um modo ou de outro estão relacionadas a Israel ou aos assuntos ligados a Israel. Note: 1. Observa-se que os filhos de Noé tinham filhos nascidos depois do dilúvio, para consertar e reconstruir o mundo da humanidade que o dilúvio havia destruído. Aquele que havia matado, ago­ra faz viver. 2. A posteridade de Jafé recebeu as ilhas das nações (v. 5), que eram solenemente, por sorteio, depois de uma avaliação, divididas entre eles. E provavelmente estas ilhas tenham sido repartidas entre os demais. To­dos os lugares além do mar da Judéia são chamados de ilhas (J r 25.22), e isto nos leva a entender aquela promes­sa (Is 42.4): As ilhas aguardarão a sua doutrina. Ela fala da conversão dos gentios à fé em Cristo.

w. 6-14O que é observável e improvável nestes versículos

é o relato dado sobre Ninrode, w. 8-10. Ele é aqui re­presentado como um grande homem em seus dias: Ele começou a ser poderoso na terra. Isto é, enquanto aque­les que foram antes dele ficaram satisfeitos por terem estado no mesmo nível de seus vizinhos, e embora todo homem dominasse em sua própria casa e não desejasse nada mais que isso, a mente ambiciosa de Ninrode não conseguiu descansar aqui. Ele estava decidido a se so­

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69 GÊNESIS 10 w. 15-20bressair acima de seus vizinhos, não só para ser impor­tante entre eles, mas para dominá-los. O mesmo espírito que agiu nos gigantes antes do dilúvio (que se tornaram valentes e varões de fama, cap. 6.4), agora reviveu nele, tão logo o tremendo juízo do orgulho e da tirania destes valentes foi trazido sobre o mundo esquecido. Observe que há alguns em quem a ambição e a afetação de do­mínio parecem ser inatas. Isto houve e haverá, apesar da ira de Deus freqüentemente revelada do céu contra eles. Nada deste lado do inferno humilhará e quebrará os espíritos orgulhosos de alguns homens, como aconte­ceu com Lúcifer, Isaías 14.14,15. Agora:T Ninrode foi um grande caçador. Com isto ele co- JL meçou, e por isto se tornou famoso a ponto de se tornar um provérbio. Todo grande caçador é, em seme­lhança a ele, chamado de um Ninrode. 1. Alguns pensam que ele fez o bem com a sua caçada, servindo o seu país livrando-se dos animais selvagens que o infestavam, e assim conseguiu a afeição de seus vizinhos, e conseguiu ser o príncipe deles. Aqueles que exercitam autoridade são benfeitores, ou pelo menos são chamados de benfei­tores, Lucas 22.25. 2. Outros acham que sob o pretexto de caçar, ele reunia os homens sob o seu comando, pro­curando um outro jogo que ele tinha que jogar, que era fazer-se senhor do país e trazê-los à sujeição. Ele era um caçador poderoso, isto é, ele era um invasor violen­to dos direitos e propriedades de seus vizinhos, e um perseguidor de homens inocentes, carregando tudo que estivesse diante de si, e tentando se apropriar de tudo pela força e pela violência. Ele se considerava um prín­cipe poderoso, mas diante do Senhor (isto é, no conceito de Deus) ele era apenas um caçador poderoso. Observe que os grandes conquistadores não passam de grandes caçadores. Alexandre e César não teriam grande im­portância na história relatada pelas Escrituras, como tiveram na história secular. O primeiro é representado na profecia como um bode que corria, Daniel 8.5. Nin­rode era um caçador poderoso contra o Senhor, assim diz a Septuaginta. Isto é: (1) Ele estabeleceu a idolatria, como fez Jeroboão, para a confirmação de seu domínio usurpado. Para que pudesse estabelecer um novo go­verno, ele estabeleceu uma nova religião sobre a ruína da constituição primitiva de ambos. Babel era a mãe das meretrizes. Ou: (2) Ele continuou com a sua opres­são e violência desafiando o próprio Deus, desafiando o céu com a sua impiedade, como se ele e seus caçadores pudessem sobrepujar o Todo-poderoso em valentia, e fossem páreo para o Senhor dos exércitos e para todos os seus exércitos. Pouco vos é afadigardes os homens, senão que ainda afadigareis ao meu Deus, Isaías 7.13.

Ninrode era um grande príncipe: E o princípio do seu reino foi Babel, v. 10. De um modo ou de outro,

por habilidades ou armas, ele assumiu o poder. Sendo es­colhido para ele, ou forçando o seu caminho até ele. E as­sim estabeleceu os fundamentos de uma monarquia que foi, mais tarde, uma cabeça de ouro e o terror dos pode­rosos, e que seria universal. Não parece que ele tivesse qualquer direito de governar por nascimento. Mas as suas atribuições para o governo o recomendavam, como pensam alguns, para uma eleição, ou por força e política

ele avançou gradualmente, e talvez insensivelmente, em direção ao trono. Veja a antiguidade do governo civil, e particularmente a sua forma que abriga a soberania em uma só pessoa. Se Ninrode e seus vizinhos começaram, outras nações logo aprenderam a se organizar sob o con­trole de um líder em busca de segurança e bem-estar. E embora este tipo de organização tivesse apenas começa­do, ela provou ser uma bênção tão grande para o mundo, que as coisas foram consideradas desfavoráveis quando não havia rei em Israel.

Ninrode foi um grande construtor. Ele prova­velmente planejou a edificação de Babel, e ali

começou o seu reino. Mas, quando o seu projeto de gover­nar sobre todos os filhos de Noé foi frustrado pela confu­são das línguas, ele saiu da terra e foi para a Assíria (as­sim se lê na anotação de margem em algumas versões da Bíblia Sagrada, v. 11) e edificou Nínive e outras cidades. Tendo edificado estas cidades, ele poderia comandá-las e governar sobre elas. Observe, em Ninrode, a natureza da ambição: 1. Ela não tem limites. Mesmo tendo muito, ainda clama: Dá, dá. 2. Ela não tem descanso. Mesmo tendo quatro cidades sob o seu comando, Ninrode não ficou satisfeito até que teve mais quatro. 3. É muito cara. Ninrode não se importa de ser acusado de erguer cida­des, contanto que tenha a honra de governá-las. O desejo desenfreado de edificar é o efeito comum de um espírito orgulhoso. 4. É ousada, não se apegará a nada, e não se sujeitará a nada. O nome Ninrode significa rebelião (e ele realmente abusou de seu poder para a opressão de seus vizinhos), o que nos ensina que os homens tiranos são rebeldes em relação a Deus, e a sua rebelião é como o pecado de feitiçaria.

w. 15-20Observe aqui: 1. O relato da posteridade de Canaã,

das famílias e nações que descenderam dele, e da terra que possuíram, é mais específico do que qualquer outro neste capítulo, porque estas eram as nações que seriam conquistadas antes de Israel, e a te rra deles estava no processo de, com o tempo, se tornar a terra santa, a terra do Emanuel. E isto Deus tinha em vista quando, nesse ínterim, permitiu que fosse sorteado àquela raça maldita aquele pedaço de terra que Ele havia escolhido para o seu próprio povo. Moisés observou isto (Dt 32.8) quando o Altíssimo distribuiu a herança às nações e pôs os termos dos povos, conforme o número dos filhos de Israel. 2. Por este relato parece que a posteridade de Canaã era numerosa, e rica, e muito agradavelmente si­tuada. No entanto, Canaã estava sob uma maldição, uma maldição divina, e não uma maldição sem causa. Observe que aqueles que estão sob a maldição de Deus podem talvez crescer e prosperar grandemente neste mundo. Pois não podemos conhecer o amor ou o ódio, a bênção ou a maldição, pelo que está diante de nós, mas pelo que está dentro de nós, Eclesiastes 9.1. A maldição de Deus sempre opera realmente, e sempre de forma ter­rível. Mas esta talvez seja uma maldição secreta, uma maldição para a alma, e não opere visivelmente. Ou uma maldição lenta, e não opere imediatamente. Mas os peca­

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w. 21-32 GÊNESIS 11 70dores são, através dela, reservados e fadados a um dia de ira. Canaã aqui possui uma terra melhor do que Sem ou Jafé, e ainda assim eles têm uma porção melhor, porque herdam a bênção.

w. 21-32Duas coisas são especialmente observáveis neste re­

lato da posteridade de Sem:T A descrição de Sem, v. 21. Nós não só temos o seu X nome, Sem, que significa “um nome”, mas dois títu­los que o distinguem:

1. Ele foi o pai de todos os filhos de Éber. Éber foi o seu bisneto. Mas por que ele deveria ser chamado de pai de todos os seus filhos, em vez de pai de todos os fi­lhos de Arfaxade, ou de Salá, etc.? Provavelmente por­que Abraão e sua semente, o povo da aliança de Deus, não só descendia de Éber, mas devido a ele foram cha­mados de hebreus; cap. 14.13: “Abrão, o hebreu”. Paulo considerava isso como seu privilégio, que ele fosse um “hebreu de hebreus”, Filipenses 3.5. O próprio Éber- podemos supor - foi um homem importante para a religião em uma época de apostasia geral, e um grande exemplo de piedade para a sua família. E a santa língua deve te r sido comumente chamada de hebraico a partir dele; é provável que ele tenha retido este idioma em sua família, na confusão de Babel, como um sinal especial do favor de Deus para ele. E por causa dele os professores de religião eram chamados de filhos de Éber. Agora, quando os escritores inspirados deram a Sem um título honrado, eles o chamaram de pai dos hebreus. Embora eles fossem um povo pobre, desprezado e escravizado no Egito quando Moisés escreveu estas palavras, era uma honra para um homem ser relacionado a eles por­que eram o povo de Deus. Assim como Cam, embora tivesse muitos filhos, não é reconhecido sendo chamado de pai de Canaã (em cuja semente a maldição foi trans­mitida, cap. 9.22), assim também Sem, embora tivesse muitos filhos, é dignificado com o título de pai de Éber, em cuja semente a bênção foi transmitida. Observe que uma família de santos é mais verdadeiramente honrada do que uma família de nobres. A semente santa de Sem é mais honrada do que a semente real de Cam. Os doze patriarcas de Jacó são mais honrados do que os doze príncipes de Ismael, cap 17.20. A comunhão com o Se­nhor é a verdadeira grandeza.

2. Ele era o irmão de Jafé, o mais velho, pelo que pa­rece que, embora geralmente Sem seja colocado primei­ro, ele não era o primogênito de Noé, mas Jafé era o mais velho. Mas por que isto também deveria ser posto como parte do título e descrição de Sem, que ele era o irmão de Jafé, uma vez que isto tinha sido, na verdade, dito freqüentemente antes? E ele não era igualmente irmão de Cam? A intenção destas palavras era, provavelmente, mostrar a união dos gentios com os judeus na igreja. O historiador sagrado havia mencionado como a honra de Sem o fato dele ser o pai dos hebreus. Mas, para que a semente de Jafé não fosse, portanto, considerada exclu­ída para sempre da igreja, ele aqui nos lembra de que este era o irmão de Jafé, não só no nascimento, mas na bênção. Porque Jafé habitaria nas tendas de Sem. Ob­

serve: (1) Serem irmãos pela graça é a melhor maneira de serem irmãos. Isto está de acordo com a aliança de Deus, e com a comunhão dos santos. (2) Deus, ao distri­buir a sua graça, não o faz em função da idade. O mais jovem às vezes ganha a primazia do mais velho ao passar a fazer parte da igreja. Assim há derradeiros que serão os primeiros, e há primeiros que serão os derradeiros.

n O motivo do nome de Pelegue (v. 25): Porque em seus dias (isto é, na época de seu nascimento, quando lhe foi dado o nome), a terra foi dividida entre os filhos dos homens que iriam habitá-la. Ou quando Noé a dividiu através de uma distribuição ordenada, como Jo­

sué dividiu a terra de Canaã por sorteio, ou quando, ao se recusarem a concordar com esta divisão, Deus, com jus­tiça, as dividiu pela confusão das línguas. Qualquer que tenha sido a ocasião, o piedoso Éber viu motivos para perpetuar a lembrança deste fato através do nome de seu filho. Que de forma justa os nossos filhos possam ser chamados pelo mesmo nome, porque, nos nossos dias, em um outro sentido, a terra, que é a igreja, tem sido dividida de uma forma que nos traz grande tristeza.

C a p ít u l o 11A antiga distinção entre os filhos de Deus e os fi­lhos dos homens (adeptos e profanos) sobreviveu ao dilúvio, e agora aparecia novamente, quando os homens começavam a multiplicar-se: segundo esta distinção, temos, neste capítulo: I. A dispersão dos filhos dos homens, em Babel (w. 1-9), onde temos,1. Seu desígnio presunçoso e provocador, que era construir uma cidade e uma torre, w. 1-4.2. O jus­to julgamento de Deus sobre eles, desapontando o seu desígnio, confundindo a sua língua, e, desta maneira, dispersando-os, w. 5-9. II. A linhagem dos filhos de Deus, até chegar a Abraão (w. 10- 26), com uma explicação geral da sua família, e a saída da sua região natal, v. 27ss.

A Confusão das Línguasw. 1-4

O final do capítulo anterior nos conta que, através dos filhos de Noé, ou entre os filhos de Noé, as nações fo­ram divididas na terra depois do dilúvio, isto é, foram se­paradas em diversas tribos, ou colônias. E, tendo os seus lugares ficado pequenos demais para eles, foi indicado por Noé, ou seus filhos decidiram, para onde cada tribo ou colônia deveria seguir, começando com as regiões que estavam próximas a eles, com o objetivo de ir mais adian­te, e afastar-se cada vez mais umas das outras, conformeo crescimento dos seus diversos grupos assim o exigisse. Desta maneira, ficou decidido o assunto, cem anos depois do dilúvio, aproximadamente na época do nascimento de Pelegue. Mas os filhos dos homens, aparentemente, não queriam dispersar-se a lugares distantes. Eles julgavam que quanto mais, melhor, e mais seguro, e por isto pla­nejaram continuar juntos, e não se preocuparam em ir

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71 GÊNESIS 11 w. 1-4e ocupar a terra que o Senhor Deus dos seus pais lhes tinha dado (Js 18.3), julgando-se mais sábios que Deus ou Noé. Aqui, temos:

I As vantagens que favoreceram o seu desígnio de permanecerem juntos: 1. Eles eram todos “de uma

mesma língua”, v. 1. Se havia línguas diferentes antes do dilúvio, somente a de Noé, que provavelmente era a mesma de Adão, foi preservada durante o dilúvio, e per­maneceu depois dele. Agora, enquanto todos eles se en­tendessem, teriam uma probabilidade maior de amarem uns aos outros, e uma capacidade maior de ajudarem uns aos outros, e seriam menos inclinados a se separarem uns dos outros. 2. Eles encontraram um lugar muito con­veniente e cômodo onde estabelecer-se, uma planície na terra de Sinar, um lugar espaçoso, onde caberiam todos, e um vale frutífero, capaz, de acordo com o seu número atual, de sustentar a todos eles, embora, talvez, eles não tivessem considerado se haveria espaço para eles quan­do seu número crescesse. Observe que as acomodações convidativas, na atualidade, freqüentemente provam ser tentações fortes demais que levam à negligência do de­ver e dos interesses, no que diz respeito ao futuro.

n O método que eles empregaram para se com­prometerem uns com os outros, e para se esta­belecerem juntos, como um único grupo. Em lugar de ambicionar ampliar as suas fronteiras, por meio de uma partida pacífica, sob a proteção divina, eles planejaram

fortificar-se, e, como aqueles que estavam decididos a guerrear com o céu, colocaram-se em uma posição de defesa. A sua decisão unânime foi: “Eia, edifiquemos nós uma cidade e uma torre”. Deve-se observar que os pri­meiros construtores de cidades, tanto no mundo antigo (cap. 4.17), quanto no novo mundo, aqui, não eram ho­mens do melhor caráter e reputação: as tendas serviam como morada àqueles que se submetiam ao governo de Deus. As cidades eram construídas, no início, por aque­les que se rebelavam contra Ele. Observe aqui:

1. Como eles incitaram e incentivaram, uns aos outros, para iniciar este trabalho. Eles disseram: “Eia, façamos tijolos” (v. 3), e, novamente (v. 4): “Eia, edifiquemos nós uma cidade” - com incentivos mútuos, eles se tornavam mais ousados e resolutos. Observe que grandes coisas podem vil' a acontecer quando os empreendedores são nu­merosos e unânimes, e incitam uns aos outros. Devemos aprender a provocar, uns aos outros, para o amor e as boas obras, assim como os pecadores se incentivam e encora­jam, uns aos outros, para as obras mal intencionadas. Veja Salmos 122.1; Isaías 2.3,5; Jeremias 50.5.

2. Quais materiais eles usaram na sua construção. A região, sendo plana, não produzia nem pedra nem cal, mas isto não os demoveu do seu empreendimento - eles fizeram tijolos para substituir a pedra, e limo, ou betu­me, para substituir a cal. Veja aqui: (1) Os esquemas que criarão aqueles que estão decididos nos seus objetivos: se estivéssemos zelosamente influenciados por uma coi­sa boa, não interromperíamos o nosso trabalho tão fre­qüentemente como o fazemos, sob o pretexto de que nos faltam comodidades para realizá-lo. (2) A diferença que existe entre a construção dos homens e a de Deus. Quan­do os homens construíram a sua Babel, tijolos e betume

foram os seus melhores materiais. Mas, quando Deus constrói a sua Jerusalém, Ele lança, até mesmo as suas fundações com safiras, e todos os seus termos, de pedras aprazíveis, Isaías 54.11,12; Apocalipse 21.19.

3. Com que finalidade eles construíram. Alguns jul­gam que eles pretendiam se proteger das águas de outro dilúvio. Deus lhes tinha dito, na verdade, que não inun­daria outra vez o mundo. Mas eles preferiram confiar em uma torre da sua própria construção, do cjue em uma promessa de Deus, ou em uma arca que Ele indicasse. Se, no entanto, eles tivessem considerado isto, teriam decidido construir a sua torre em cima de um monte, em vez de fazê-lo em um vale, mas aparentemente eles visa­vam três coisas, ao construir esta torre:

(1) Ela parece destinar-se a uma afronta ao próprio Deus. Pois eles desejavam construir uma torre cujo cume tocasse nos céus, o que evidencia um desafio a Deus, ou pelo menos, uma rivalidade com Ele. Eles desejavam ser como o Altíssimo, ou pelo menos, aproximar-se dele o mais que pudessem, não em santidade, mas em altura. Eles se esqueceram do seu lugar e, desdenhando o raste­ja r sobre a terra, decidiram subir ao céu, não pela porta ou por uma escada, mas de alguma outra maneira.

(2) Eles esperavam, com isto, fazer um nome para si. Eles desejavam fazer alguma coisa para que se falasse deles agora, e para dar a conhecer à posteridade que ha­via existido homens assim no mundo. Em lugar de mor­re r sem deixar algo que os recordasse, eles desejavam deixar este monumento do seu orgulho, e ambição, e toli­ce. Observe: [1] O ambição de honra e de um nome entre os homens normalmente inspira um estranho ardor por grandes e difíceis empreendimentos, e freqüentemente para aquilo que é mau e ofensivo a Deus. [2] É justo que Deus enterre no pó os nomes que se erguem pelo pecado. Estes construtores de Babel se permitiram uma grande dose de tolice para se fazerem “um nome". Mas eles não conseguiram sequer isto, pois nós não encontramos em nenhum lugar da história o nome de sequer um destes construtores. Philo Judaeus diz: Cada um deles gravou seu nome em um tijolo, in perpetuam rei memoriam - como um memorial perpétuo. E nenhum dos tijolos ser­viu ao seu propósito.

(3) Eles fizeram isto para impedir a sua dispersão: “Para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a te rra”. Isto foi feito, diz Josefo, em desobediência àquele mandamento (cap. 9.1): “Enchei a terra”. Deus ordena que eles se dispersem. “Não”, dizem eles, “não quere­mos. Nós viveremos e morreremos juntos”. Para conse­guir isto, eles se envolvem neste vasto empreendimento. Para que pudessem estar unidos em um império glorio­so, eles decidem construir esta cidade e esta torre, para que fossem a metrópole do seu reino, e o centro da sua unidade. E provável que o grupo do ambicioso Ninrode estivesse envolvido nisto. Ele não pôde satisfazer-se com o comando de uma colônia em particular, mas desejava a monarquia universal, e para isto, sob o pretexto da união para a sua segurança comum, ele planeja conservá-los como um único corpo, para que, tendo todos sob os seus olhos, não deixasse de tê-los sob o seu poder. Veja a pre­sunção ousada destes pecadores. Aqui temos: [1] Uma ousada oposição a Deus: “Vocês devem se dispersar”, diz Deus. “Mas não o faremos”, dizem eles. “Ai daquele que

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W. 5-9 GÊNESIS 11 72contende com o seu Criador”. [2] Uma ousada competi­ção com Deus. É prerrogativa de Deus ser o monarca universal, o Senhor de tudo, e Rei dos reis. O homem que almeja isto se oferece para colocar o pé no trono de Deus, que não dará a outrem a sua glória.

w. 5-9Aqui temos o cancelamento do projeto dos constru­

tores de Babel, e a precipitação do conselho daqueles homens rebeldes, para que o conselho de Deus perma­necesse, apesar deles. Aqui temos:"I" Deus tomando conhecimento do desígnio que estava X em andamento: “Desceu o Senhor para ver a cida­de”, v. 5. Esta é uma expressão à maneira dos homens. Ele sabia, tão claramente e completamente, como sa­biam os homens que vinham ao local para olhar. Observe que: 1. Antes de julgar a causa deles, Deus a investigou. Pois Ele é incontestavelmente justo em todos os seus procedimentos contra o pecado e os pecadores, e não condena a ninguém sem ouvi-lo. 2. O fato de Deus tomar conhecimento desta construção, da qual os empreende­dores estavam tão orgulhosos, é mencionado como um ato de condescendência de Deus. Pois Ele se curva para observar as transações, até mesmo as mais considerá­veis, deste mundo inferior, Salmos 113.6. 3. Está escri­to que a cidade e a torre eram obras que “os filhos dos homens edificavam”, o que sugere: (1) A sua fraqueza e fragilidade, como homens. E ra uma coisa muito tola que os filhos dos homens, vermes da terra, desafiassem o céu e provocassem o Senhor a sentir inveja. Serão eles mais fortes do que Ele? (2) A sua natureza pecadora e odiosa. Eles eram os filhos de Adão, assim está escrito no texto em hebraico. Na verdade, daquele Adão, daquele Adão desobediente e pecador, cujos filhos são, por natureza, filhos da desobediência, filhos que corrompem a outros.(3) A sua distinção dos filhos de Deus, que professam a religião, dos quais estes construtores ousados tinham se separado, e construído esta torre para apoiar e perpetu­ar esta separação. O piedoso Éber não é encontrado en­tre este grupo ímpio. Pois ele e os seus são chamados de filhos de Deus, e por isto as suas almas não participam desta conspiração, nem se juntam à assembléia destes filhos dos homens.

Os conselhos e determinações do Deus Eterno, a respeito deste assunto: Ele não desceu meramen­

te como um espectador, mas como um juiz, um príncipe, para olhar para estes homens soberbos, e abatê-los, Jó 40.11-14. Observe que:

1. Deus permitiu que eles prosseguissem por al­gum tempo no seu empreendimento antes de colocar um fim nele, para que pudessem ter a oportunidade de arrepender-se e, se lhes tivesse sobrado alguma consi­deração, eles pudessem ficar envergonhados e aborre­cidos com a sua obra. E caso contrário, para que o seu desapontamento pudesse ser ainda mais vergonhoso, e todos os que passassem por ali pudessem rir deles, dizendo: Estes homens começaram a construir, e não foram capazes de terminar, de modo que o trabalho das

suas mãos, com o qual eles se prometiam honra imortal, pudesse voltar-se para sua reprovação eterna. Observe que Deus tem objetivos sábios e santos ao permitir que os inimigos da sua glória prossigam um longo caminho nos seus projetos ímpios, e prosperem por algum tem­po nos seus empreendimentos.

2. Quando tinham, com muito cuidado e esforço, fei­to um progresso considerável na sua construção, então Deus determinou que o ritmo deles fosse frustrado, e que se dispersassem. Observe:

(1) A justiça de Deus, que aparece nas considera­ções sobre as quais Ele procedeu nesta resolução, v. 6. Ele considerou duas coisas: [1] A união dos homens, como uma razão pela qual eles deviam dispersar-se: “Eis que o povo é um, e todos têm uma mesma língua”. Se continuarem assim, grande parte da terra permane­cerá desabitada. O poder do seu príncipe em breve será exorbitante. A maldade e a profanação serão intolera­velmente desenfreadas, pois eles se fortalecerão mutu­amente nelas. E, o que é o pior, haverá um desequilíbrio na igreja, e estes filhos dos homens, se assim se incor­porarem, engolirão os poucos remanescentes dos filhos de Deus. Portanto, está decretado que eles não podem ser um só. Observe que a união é uma política, mas não é a marca infalível de uma igreja verdadeira. Ainda as­sim, enquanto os construtores de Babel, embora de di­ferentes famílias, disposições e interesses, estivessem assim unânimes em oposição a Deus, que pena, e que vergonha será, que os construtores de Sião, embora unidos em uma cabeça comum e um Espírito comum, se dividam, como estão divididos, no serviço a Deus! Mas não se admirem com isto. Cristo não veio para trazer paz. [2] A sua obstinação: “Não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer”. E esta é uma razão pela qual o seu desígnio deve ser interceptado e frus­trado. Deus tinha tentado, pelos seus mandamentos e advertências, demovê-los deste projeto, mas foi em váo. Por isto Ele deve tomar outra atitude com eles. Veja aqui, em primeiro lugar, a corrupção do pecado, e a per­sistência dos pecadores. Desde que Adão não conseguiu aceitar a restrição à árvore proibida, a sua semente não santificada tem sido impaciente com as restrições, e pronta a rebelar-se contra elas. Em segundo lugar, veja a necessidade dos julgamentos de Deus sobre a terra, para m anter o mundo em alguma ordem, e para atar as mãos daqueles que não podem ser controlados pela lei.

(2) A sabedoria e a misericórdia de Deus, nos méto­dos que foram empregados para derrotar este empreen­dimento (v. 7): “Eia, desçamos e confundamos ali a sua língua”. Isto não foi dito aos anjos, como se Deus pre­cisasse do seu conselho ou da sua ajuda, mas Deus fala isto consigo mesmo, ou o Pai fala ao Filho e ao Espírito Santo. Eles tinham dito: “Eia, façamos tijolos”. E: “Eia, edifiquemos nós uma torre”, incentivando uns aos outros na tentativa. E agora Deus diz: “Eia, confundamos ali a sua língua”. Pois, se os homens se motivarem a pecar, Deus se motivará a vingar-se, Isaías 49.17,18. Observe aqui: [1] A misericórdia de Deus, ao moderar a punição e não torná-la proporcional ao crime. Pois Ele não lida conosco de acordo com os nossos pecados. Ele não diz: “Desçamos agora, sob a forma de trovão e relâmpago, e destruamos estes rebeldes em um momento”. Nem:

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73 GÉNESIS 11 w. 5-9“Que a terra se abra, e os trague e à sua construção, e que desçam rapidamente ao inferno estes que estão su­bindo ao céu pelo caminho errado”. Não. Ele diz somen­te: “Desçamos, e espalhemos estas pessoas”. Eles mere­ciam a morte, mas são somente expulsos ou transferidos. Pois a paciência de Deus é muito grande com um mundo provocador. As punições estão reservadas principalmen­te para a condição futura. Os julgamentos que Deus faz dos pecadores nesta vida, em comparação com aqueles que estão reservados, são pouco mais do que empecilhos.[2] A sabedoria de Deus, ao escolher um método efetivo para interromper a evolução da construção, que foi o de confundir a língua deles, para que não pudessem enten­der as palavras uns dos outros, nem pudessem unir as mãos quando suas línguas estavam divididas. De modo que este foi um método bastante apropriado para demo­vê-los da sua construção (pois, se não podiam compreen­der uns aos outros, não podiam ajudai’ uns aos outros), e também para deixá-los dispostos a se dispersarem. Pois, quando não puderam compreender uns aos outros, não tinham mais satisfação, uns com os outros. Observe que Deus tem vários meios, e eficientes, para frustrar e der­rotar os projetos dos homens soberbos que se colocam contra Ele, e, particularmente, para dividi-los, seja di­vidindo os seus espíritos (Jz 9.23), ou dividindo as suas línguas, como roga Davi, Salmos 55.9.T T T A execução destes conselhos de Deus, para a . JL JL1 destruição e a derrota dos conselhos dos ho­mens, w. 8,9. Deus os fez saber qual palavra subsistirá, a sua palavra ou a deles, conforme a expressão. Jeremias 44.28. Apesar da sua união e obstinação, Deus foi severo com eles, e naquilo que os orgulhava, Ele estava acima deles. Pois quem endureceu seu coração contra Ele, e prosperou? Três coisas foram feitas:

1. A sua língua foi confundida. Deus, que, quando criou o homem, o ensinou a falar, e a colocar na sua boca palavras adequadas para expressar os conceitos da sua mente, agora fazia com que estes construtores se esque­cessem da sua antiga língua, e falassem e compreendes­sem uma nova, que era comum àqueles da mesma tribo ou família, mas não a outros: aqueles de uma colônia po­diam conversar entre si, mas não com os de outra. Bem:(1) Este era um grande milagre, e uma prova do poder que Deus tem sobre as mentes e as línguas dos homens, cujo curso Ele altera, como se fossem rios. (2) Este era um grande julgamento sobre estes construtores. Pois, estando privados, desta maneira, do conhecimento da antiga e santa língua, eles tinham ficado incapazes de comunicar-se com a verdadeira igreja, na qual ela era guardada, e provavelmente isto contribuiu muito para a sua perda do conhecimento do verdadeiro Deus. (3) To­dos nós sofremos por causa disto, até hoje. Em todas as inconveniências que sofremos devido à diversidade de línguas, e todos os sofrimentos e dificuldades que temos para aprender as línguas, quando temos oportunidade, nós sofremos por causa da rebelião dos nossos ances­trais, em Babel. Na verdade, todas as infelizes contro­vérsias que são disputas de palavras, e surgem pelo fato de que interpretamos mal uns aos outros, que eu saiba, se devem a esta confusão de línguas. (4) O projeto de al­guns de formar um caráter universal, com o objetivo de

uma língua universal, por mais desejável que possa pa­recer, ainda é, na minha opinião, apenas uma futilidade. Pois é lutar contra uma sentença divina, pela qual as lín­guas das nações serão divididas, enquanto houver mun­do. (5) Aqui podemos lamentar a perda do uso universal da língua hebraica, pois a partir de então ela tornou-se somente a língua comum dos hebreus, e assim permane­ceu até o cativeiro na Babilônia, onde, mesmo entre eles, foi substituída pelo idioma sírio. (6) Assim como a confu­são de línguas dividiu os filhos dos homens e os espalhou sobre a face de toda a terra, o dom de línguas, conferido aos apóstolos (At 2) contribuiu enormemente para a reu­nião dos filhos de Deus, que estavam espalhados, e a sua união em Cristo, para que com uma mente e uma boca possam glorificar a Deus, Romanos 15.6.

2. A sua construção foi interrompida: “Cessaram de edificar a cidade”. Este foi o resultado da confusão das línguas. Pois não somente os incapacitou a se ajudarem uns aos outros, mas provavelmente instalou tal desalento sobre os seus espíritos que eles não puderam prosseguir, uma vez que viram, nisto, a mão do Senhor contra eles. Observe que: (1) E sábio desistir daquilo contra o que vemos Deus lutar. (2) Deus pode destruir e arrasar todos os artifícios e desígnios dos construtores de Babel. Ele está no céu, e se ri dos conselhos dos reis da terra contra Ele e o seu ungido. E irá forçá-los a confessar que não há sabedoria, nem conselho contra o Senhor, Provérbios 21.30; Isaías 8.9,10.

3. Os construtores se espalharam sobre a face de toda a terra, w . 8,9. Eles partiram em grupos, confor­me as suas famílias, e conforme as suas línguas (cap. 10.5,20,31), aos diversos lugares designados a eles na divisão que tinha sido feita, que eles já conheciam an­tes, mas não desejaram ir tomar posse até agora, que foram forçados a isto. Observe aqui que: (1) Aquilo que eles temiam, lhes sobreveio. Aquela dispersão que pro­curavam evitar, através de um ato de rebelião, foi o que causaram a si mesmos através deste mesmo ato - nós temos mais probabilidades de cair naqueles problemas que tentamos evitar através de métodos indiretos e pe­caminosos. (2) E ra obra de Deus: “o Senhor os espa­lhou”. A mão de Deus deve ser reconhecida em todas as providências de dispersão. Se a família se dispersa, se os conhecidos se dispersam, se as igrejas se dispersam, isto pode se tra ta r de uma obra do Senhor. (3) Embora estivessem tão aliados entre si como poderiam estar, ainda assim o Senhor os espalhou. Pois ninguém pode unir o que Deus separa. (4) Assim Deus teve a justa vingança sobre eles, pela sua união naquela presunçosa tentativa de construir a sua torre. As dispersões ver­gonhosas são a justa punição das uniões pecaminosas. Simeão e Levi, que eram irmãos em iniqüidade, foram divididos em Jacó, cap. 49.5,7; Salmos 83.3-13. (5) Eles deixaram atrás de si uma recordação perpétua da re­preensão que receberam, no nome dado ao lugar. Ele foi chamado Babel, confusão. Aqueles que visam um grande nome normalmente acabam com um mau nome. (6) Os filhos dos homens agora estavam finalmente dis­persos, e nunca se uniram novamente, nem jamais se unirão, até o grande dia, quando o Filho se assentará no trono da sua glória, e todas as nações forem reunidas diante dele, Mateus 25.31,32.

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w. 10-26 GÊNESIS 12 74w. 10-26

Aqui temos uma genealogia, não uma genealogia sem fim, pois aqui ela termina em Abrão, o amigo de Deus, e mais adiante conduz até Cristo, a semente prometida, e a genealogia de Cristo está registrada partir de Abrão (Mt l.lss.). De modo que isto compatibiliza o capítulo 5,o capítulo 11, e Mateus 1, e o leitor tem toda a genealo­gia de Jesus Cristo como a de nenhuma outra pessoa do mundo (na minha opinião), da sua linhagem completa, e a tal distância da fonte. E, unindo estas três genealogias, descobriremos que houve duas vezes dez, e três vezes catorze gerações ou descendentes, entre o primeiro e o segundo Adão, evidenciando, a respeito de Cristo, que Ele não somente era Filho de Abraão, mas o Filho do ho­mem, e a semente da mulher. Observe aqui que: 1. Nada é registrado a respeito das pessoas desta linhagem, exceto seus nomes e idades. O Espírito Santo aparen­temente se apressa em meio a esta menção até chegar à história de Abrão. Quão pouco sabemos sobre aqueles que vieram antes de nós neste mundo, mesmo aqueles que viveram nos mesmos lugares onde nós vivemos. Da mesma maneira, pouco sabemos sobre aqueles que são nossos contemporâneos em lugares distantes! Basta-nos preocupar-nos com o trabalho do nosso dia, e com o fato de que Deus pede conta do que passou, Eclesiastes 3.15.2. Houve uma diminuição gradual, mas notável, no nú­mero de anos da vida deles. Sem viveu 600 anos, o que era menos do que a idade dos patriarcas antes do dilúvio. Os três seguintes não chegaram a 500 anos. Os três se­guintes, não chegaram a 300 anos. Depois deles, não le­mos que ninguém tenha vivido 200 anos, exceto Tera. E, não muitas gerações depois disto, Moisés alcançou 70, ou 80 anos, que é o que os homens normalmente alcançam em nossa época. Quando a terra começou a ser povoada, a vida dos homens começou a ficar mais curta. De modo que a diminuição deve ser atribuída à sábia disposição da Providência, e não a alguma decadência da natureza. Por causa dos escolhidos, serão abreviados os dias dos homens. E, sendo maus, é bom que sejam poucos, e não cheguem aos dias dos anos da vida de nossos pais, cap.47.9. 3. Éber, que deu o nome aos hebreus, foi quem teve a vida mais longa entre todos os que nasceram depois do dilúvio, o que talvez tenha sido a recompensa pela sua singular piedade e rígida adesão aos caminhos de Deus.

n Seus parentes, mencionados por sua causa, e por causa do seu interesse na história a seguir. 1. Seu

pai foi Tera, de quem está escrito (Js 24.2) que servia a outros deuses, dalém do rio, pois desde cedo a idolatria ganhou bases no mundo, pois é difícil, mesmo para aque­les que têm bons princípios, nadar contra a corrente. Embora esteja escrito (v. 26) que Tera gerou a Abrão, a Naor e a Harã quando tinha setenta anos (o que parece nos dizer que Abrão foi o filho mais velho de Tera, e que nasceu no seu septuagésimo ano de vida). Ainda assim, pela comparação do versículo 32, que diz que Tera morreu no seu 20-5.° ano, com Atos 7.4 (de onde entendo que ele ti­nha somente setenta e cinco anos de idade, quando deixou Harã), parece que ele nasceu no 130.° ano de Tera, e pro­vavelmente foi o seu filho mais jovem. Pois, nas escolhas de Deus, os últimos freqüentemente são os primeiros, e os primeiros, os últimos. Temos: 2. Algumas informações sobre os seus irmãos. (1) Naor, de cuja família vieram as esposas de Isaque e também de Jacó. (2) Harã, o pai de Ló, de quem aqui está escrito (v. 28) que morreu antes do seu pai, Tera. Observe que os filhos não podem ter certe­za de que irão viver mais que os seus pais. Pois a morte não obedece a antigüidade, levando primeiro o mais velho. A sombra da morte é sem ordem alguma, Jó 10.22. Da mesma maneira, está escrito que ele morreu em Ur dos caldeus, antes da feliz remoção da família daquela região idólatra. Observe que é nosso interesse procurar sair ra­pidamente da nossa condição natural, para que a morte não nos surpreenda nela. 3. A sua esposa foi Sarai, que, opinam alguns, é a mesma Iscá, filha de Harã. O próprio Abrão diz, a respeito dela, que ela era a filha do seu pai [pai de Abraão], mas não a filha de sua mãe, cap. 20.12. Ela era dez anos mais jovem que Abrão.

A sua partida de Ur dos caldeus, com seu pai Tera, seu sobrinho Ló e o resto da sua família,

em obediência ao chamado de Deus, sobre o qual lere­mos mais, cap. 12.1ss. Este capítulo os deixa em Harã, um lugar aproximadamente no meio do caminho entre U r e Canaã, onde viveram até a morte de Tera, provavel­mente porque o velho era incapaz, devido às fraquezas da idade, de prosseguir na sua jornada. Muitos chegam a Harã, mas não conseguem chegar a Canaã. Eles não estão longe do reino de Deus, mas ainda assim nunca chegam até lá.

As Gerações de Teraw. 27-32

Aqui tem início a história de Abrão, cujo nome se tornou famoso, a partir daqui, em ambos os Testamen­tos. Aqui temos:T A terra do seu nascimento: “Ur dos caldeus”. Esta é X a terra do seu nascimento, uma região idólatra, onde até mesmo os próprios filhos de Éber tinham degene­rado. Observe que aqueles que, por meio da graça, são herdeiros da terra da promessa, devem se lembrar de qual foi a te rra do seu nascimento, de qual foi a sua con­dição corrompida e pecaminosa por natureza, e também da rocha da qual foram tirados.

C a p í t u l o 12No capítulo anterior, nós lemos sobre a linhagem e a família de Abraão. Aqui o Espírito Santo en­tra na sua história, e daqui em diante Abrão e a sua semente são praticamente o único assunto da história sagrada. Neste capítulo, temos: I. O cha­mado de Deus, para que Abrão fosse para a terra de Canaã, w. 1-3. II. A obediência de Abrão a este chamado, w. 4,5. III. A sua recepção na terra de Canaã, w. 6-9. IV A sua viagem ao Egito, com um relato do que lhe aconteceu ali. A fuga e o erro de Abrão, w. 10-13. O risco que Sarai correu, e o seu resgate, w. 14-20.

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75 GÊNESIS 12 w. 1-30 Chamado de Abrão

W. 1-3Aqui temos o chamado pelo qual Abrão foi levado da

terra do seu nascimento à terra da promessa, o que esta­va designado tanto para testar a sua fé e obediência como para separá-lo e consagrá-lo para Deus, como também para serviços e favores especiais que lhe foram designa­dos. Quanto às circunstâncias deste chamado podemos, de alguma maneira, ser esclarecidos com o conhecimen­to das palavras de Estêvão, Atos 7.2, onde nos é dito: 1. Que a glória de Deus apareceu a Abrão para fazer este chamado, apareceu com tais manifestações da sua glória, que não deu oportunidade para Abrão duvidar da divina autoridade deste chamado. Posteriormente, Deus lhe fa­lou de diversas maneiras. Mas esta primeira vez, quando a correspondência estava sendo estabelecida, Ele lhe apareceu como o Deus de glória, e falou com ele. 2. Que este chamado foi feito na Mesopotâmia, antes de Abrão habitar em Harã. Por isto interpretamos corretamente que o Senhor tinha falado com Abrão, especificamente, em Ur dos caldeus. E, em obediência a este chamado, como Estêvão continua relatando a história (At 7.4), saiu da terra dos caldeus e habitou em Harã, por aproxima­damente cinco anos, e depois que seu pai faleceu, por uma nova ordem, que se seguiu à anterior, Deus o trouxe à terra de Canaã. Alguns pensam que Harã se localizava na Caldéia, e seria ainda uma parte da terra de Abrão, ou que Abrão, tendo permanecido ali durante cinco anos, começou a chamá-la de sua terra, a criar raízes ali, até que Deus o fez saber que este não era o lugar ao qual ele estava destinado. Observe que se Deus nos ama, e tem misericórdia reservada para nós, Ele não permitirá que aceitemos o nosso descanso antes de chegar a Canaã, mas graciosamente irá repetir os seus chamados, até que a boa obra comece a realizar-se, e as nossas almas repousem em Deus somente. No chamado propriamente dito nós temos um preceito e uma promessa.T Um preceito de teste: “Sai-te da tua te rra”, v. 1. X Agora:

1. Por este preceito ele foi submetido a uma prova que testava se ele amava a sua terra natal e os seus amigos queridos, ou se poderia, voluntariamente, deixai' tudo, para seguir a Deus. A sua terra tinha se tornado idólatra, a sua parentela e a casa do seu pai eram uma tentação cons­tante para ele, e ele não poderia continuar com eles sem perigo de ser infectado. Portanto: Saia, lk-lk - Vade tibi, Saia logo, com toda a velocidade, escapa-te por tua vida. Não olhes para trás de ti, cap. 19.17. Observe que aqueles que estão em situação de pecado devem se interessar por fazer todo o possível para sair dela rapidamente. Sai por ti mesmo (segundo a interpretação de alguns), isto é, para o teu próprio bem. Observe que aqueles que abandonam os seus pecados, e que se voltam a Deus, ganharão indescri­tivelmente com a mudança, Provérbios 9.12. Esta ordem que Deus deu a Abrão é praticamente o mesmo chamado do Evangelho, pelo qual toda a semente espiritual do fiel Abrão é trazida ao concerto com Deus. Pois: (1) O afeto natural deve abrir caminho à graça divina. A nossa terra nos é querida, os nossos parentes ainda mais queridos, e a casa do nosso pai é o que mais queremos. Mas ainda assim

tudo isto deve ser odiado (Lc 14.26). Isto é, nós devemos amar tudo isto menos do que amamos a Cristo, amar mui­to menos tudo isto em comparação com Ele, e, sempre que qualquer uma destas coisas ou pessoas vier a competir com Ele, deverá ser rejeitada, e a preferência deverá ser dada à vontade e à honra do Senhor Jesus. (2) O pecado, e todas as oportunidades para que ele ocorra, devem ser abandonados, em particular as más companhias. Nós de­vemos abandonar todos os ídolos de iniqüidade que se ins­talaram nos nossos corações, e sair do caminho da tenta­ção, arrancando até mesmo um olho direito se nos levar ao pecado (Mt 5.29), voluntariamente separando-nos daquilo que nos é querido, quando não podemos conservá-lo sem prejudicar a nossa integridade. Aqueles que se decidem a observar os mandamentos de Deus devem abandonar a companhia dos malfeitores, Salmos 119.115; Atos 2.40.(3) O mundo, e todos os nossos prazeres nele, devem ser encarados com uma indiferença e um desprezo sagrados. Nós não devemos mais considerá-lo como a nossa terra, ou a nossa casa, mas como a nossa hospedaria, e, de ma­neira correspondente, devemos ser indiferentes a ele, e viver acima dele, deixar de querê-lo.

2. Por este preceito ele foi testado, se poderia confiar em Deus mesmo sem poder vê-lo. Pois precisava deixar a sua própria terra, para ir a uma terra que Deus iria lhe mostrar. Deus não diz: “E uma terra que eu te darei”, mas apenas: “uma terra que eu te mostrarei”. Tampouco Ele lhe diz qual era esta terra, nem que tipo de terra era. Mas ele devia seguir a Deus com uma fé implícita, e aceitar a palavra de Deus sobre a terra, de maneira geral, embora não tivesse recebido nenhuma garantia especial de que não sairia perdendo ao deixar a sua terra para seguir a Deus. Observe que aqueles que lidam com Deus, devem lidar com confiança. Nós devemos substi­tuir todas as coisas que são vistas por coisas que não são vistas, e submeter-nos às aflições deste tempo presente esperando uma glória que ainda há de ser revelada (Em8.18). Pois ainda não é manifesto o que havemos de ser (1 Jo -3.2), não mais do que a Abrão, quando Deus o cha­mou a uma terra que lhe mostraria, ensinando-o, assim, a viver dependendo constantemente da sua orientação, e com seus olhos voltados para Ele.T X Aqui está uma promessa encorajadora, ou melhor,1 X uma complicação de promessas, muitas, e exces­sivamente grandiosas e preciosas. Observe que todos os preceitos de Deus são acompanhados de promessas aos obedientes. Ele mesmo se dá a conhecer também como aquele que recompensa: se obedecermos à sua ordem, Deus não deixará de cumprir a promessa. Aqui há seis promessas:

1. “Far-te-ei uma grande nação”. Quando Deus o ti­rou do seu próprio povo, prometeu fazer dele a cabeça de outro. Ele o fez deixar de ser o ramo de um zambujeiro, para fazer dele a raiz de uma boa oliveira. Esta promessa foi: (1) Um grande alívio à apreensão de Abrão. Pois ele não tinha filhos. Observe que Deus sabe como adequar os seus favores às necessidades dos seus filhos. Aquele que tem um emplastro para cada ferida irá fornecer um para aquela que for mais dolorosa. (2) Um grande teste para a fé de Abrão. Pois a sua esposa tinha sido estéril por muito tempo, de modo que, se ele cresse, isto seria

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w. 4,5 GÊNESIS 12 76contra as esperanças, e a sua fé deveria estar edificada exclusivamente sobre aquele poder, que de pedras pode suscitar filhos a Abraão e fazer deles uma grande nação. Observe que: [1] Deus faz nações: através dele, nações nascem de uma só vez (Is 66.8), e Ele fala de edificá-las e plantá-las, Jeremias 18.9. E: [2] Se uma nação for grande em riqueza e poder, é Deus que a faz grande. [3] Deus pode criar grandes nações a partir de terra seca, e pode fazer com que o menor seja mil.

2. “Abençoar-te-ei”, particularmente com as bênçãos da fertilidade e da multiplicação, como tinha abençoado a Adão e a Noé, ou, de maneira geral: “Eu o abençoarei com todo tipo de bênçãos, tanto as mais elevadas quanto as mais simples. Deixe a casa do seu pai, e lhe darei a bênção de um Pai, melhor do que a dos seus progenito­res”. Observe que os crentes obedientes terão certeza de herdar as bênçãos.

3. “Engrandecerei o teu nome”. Ao deixar a sua terra, ele perdeu ali o seu nome. “Não se preocupe com isto”, diz Deus, “mas confie em mim, e Eu lhe farei um nome maior do que você poderia ter tido ali”. Não tendo filhos, ele temia não te r um nome. Mas Deus fará dele uma grande nação, e desta maneira, lhe engrandecerá o seu grande nome. Observe que: (1) Deus é a fonte de honra e dele vem a promoção, 1 Samuel 2.8. (2) O nome dos crentes obedientes certamente será celebrado e en­grandecido. O melhor testemunho é aquele que os anti­gos alcançaram pela fé, Hebreus 11.2.

4. “Tu serás uma bênção”. Isto é: (1) “A sua felicidade será um exemplo de felicidade, de modo que àqueles que quiserem abençoar os seus amigos bastará rogar que Deus os faça como Abrão”. Como em Rute 4.11. Obser­ve que a maneira como Deus lida com os crentes é tão gentil e graciosa que não precisamos desejar, nem a nós mesmos, nem aos nossos amigos, melhor tratamento que este: te r a Deus como nosso amigo é bênção suficiente.(2) “A sua vida será uma bênção aos lugares onde você estiver”. Observe que os bons homens são as bênçãos da sua terra, e o fato de que assim sejam é a sua indescrití­vel honra e felicidade.

5. Eu “abençoarei os que te abençoarem e amaldi­çoarei os que te amaldiçoarem”. Isto criou um tipo de aliança, ofensiva e defensiva, entre Deus e Abrão. Abrão abraçou sinceramente a causa de Deus, e aqui Deus promete se interessar pela dele. (1) Ele promete ser um amigo dos seus amigos, a considerar as gentilezas feitas a Abrão como feitas a Ele mesmo, e a recompensá-las adequadamente. Deus irá cuidar para que ninguém saia perdedor, no longo caminho, por nenhum serviço feito pelo seu povo. Até mesmo um copo de água fria será recompensado. (2) Ele promete manifestar-se contra os seus inimigos. Estes são aqueles que odiavam e amaldi­çoavam o próprio Abrão. Mas, embora as suas maldições infundadas não possam ferir a Abrão, a justa maldição de Deus certamente os dominará e arruinará, Números24.9. Esta é uma boa razão pela qual nós devemos aben­çoar aqueles que nos amaldiçoam, porque é suficiente que Deus os amaldiçoe, Salmos 38.13-15.

6. “Em ti serão benditas todas as famílias da terra”. Esta foi a promessa que coroou todas as demais. Pois ela aponta para o Messias, em quem todas as promessas são cumpridas. Observe que: (1) Jesus Cristo é a grande bên­

ção do mundo, a maior com que o mundo jamais foi aben­çoado. Ele é uma bênção familiar, por Ele vem a salvação à casa (Lc 19.9). Quando contarmos as bênçãos da nossa família, devemos colocar Cristo no im prim is - primeiro lugar, como a bênção das bênçãos. Mas como podem ser todas as famílias da terra abençoadas em Cristo, quando tantas são estranhas a Ele? Resposta: [1] Todos os que são abençoados, são abençoados nele, Atos 4.12. [2] To­dos os que crêem, não importa a qual família pertençam, serão abençoados nele. [3] Alguns cle todas as famílias da terra são abençoados nele. [4] Existem algumas bênçãos com as quais todas as famílias da terra são abençoadas em Cristo. Pois a salvação do Evangelho é a salvação comum, Judas 3. (2) É uma grande honra relacionar-se com Cristo. O fato de que o Messias seria fruto dos seus lombos engrandeceu o nome de Abrão muito mais do queo fato de que ele seria o pai de muitas nações. Foi uma grande honra para Abrão ser o seu pai, pela natureza, ou seja, ser o patriarca da sua descendência. A nossa será sermos seus irmãos, pela graça, Mateus 12.50.

A Chegada de Abrão a Canaãw. 4,5

Aqui temos:T A saída de Abrão da sua terra, primeiramente de Ur, JL e posteriormente de Harã, obedecendo ao chamado de Deus: “Assim, partiu Abrão”. Ele não foi desobedien­te à visão celestial, mas fez o que lhe foi dito, sem consul­ta r carne ou sangue, Gálatas 1.15,16. A sua obediência foi pronta e imediata, submissa e sem discussões. Pois ele partiu, sem saber para onde ia (Hb 11.8), mas sabendo a quem seguia, e sob cuja orientação partia. Assim Deus o chamou para o pé de si, Isaías 41.2.T T A sua idade quando partiu: Abrão tinha “setenta e JL A cinco anos”, uma idade em que ele talvez preferisse descansar e se estabelecer. Mas, se Deus desejava que ele desse um novo início ao mundo, na sua velhice, ele obede­ceria. Aqui está um exemplo de um antigo concerto.T T T O grupo e os bens que Abrão levou consigo.Jt À A 1. Ele levou consigo “a Sarai, sua mulher, e a Ló, filho de seu irmão. Não pela força, e contra as suas vontades, mas pela persuasão. Sarai, sua mulher, certa­mente iria com ele. Deus os tinha unido, e nada poderia separá-los. Se Abrão deixasse tudo, para seguir a Deus, Sarai deixaria tudo, para seguir a Abrão, embora ne­nhum deles soubesse para onde iam. E foi uma miseri­córdia para Abrão ter tal companheira nas suas viagens, uma adjutora para ele. Observe que é muito consolador quando marido e mulher concordam em percorrer jun­tos o caminho para o céu. Também Ló, seu parente, foi influenciado pelo bom exemplo de Abrão, que talvez fos­se seu protetor, depois da morte do seu pai, e desejou acompanhá-lo também. Observe que aqueles que vão a Canaã não precisam ir sozinhos. Pois embora poucos encontrem a porta estreita, bendito seja Deus, alguns a encontram. E sábio ir com aqueles com quem Deus está (Zc 8.23), para onde quer que eles vão.

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77 GÊNESIS 12 w. 6-92. Eles levaram consigo “toda a sua fazenda - todos

os seus bens móveis - que haviam adquirido”. Pois: (1) No seu íntimo, eles deixaram tudo o que tinham, para estar à disposição de Deus, não retiveram nenhuma parte do preço, mas dedicaram tudo ao Senhor, sabendo que esta seria a melhor atitude. (2) Eles se abastece­ram com o que era necessário, tanto para o serviço de Deus quanto para o suprimento de sua família, na terra à qual se dirigiam. Ter jogado fora o seu sustento, por­que Deus tinha prometido abençoá-lo, teria sido tentar a Deus, não confiar nele. (3) Eles não desejavam ter nenhuma tentação de voltar. Por isto não deixaram nem uma unha para trás, para que isto não os fizesse pensar na te rra da qual saíam.

3. Eles levaram consigo as almas que tinham con­seguido, isto é: (1) Os servos que tinham comprado, que eram parte da sua fazenda - são chamados de almas, para lembrar aos senhores que os seus pobres servos têm al­mas, almas preciosas, das quais eles devem cuidar e às quais devem providenciar o alimento necessário e conve­niente. (2) Os prosélitos que tinham feito, e persuadido a adorar ao Deus verdadeiro, e a ir com eles a Canaã: as almas que (como um dos rabinos assim o expressa) tinham ajuntado debaixo das asas da Majestade divina. Observe que aqueles que servem e seguem a Cristo de­vem fazer tudo o que puderem para trazer outros para servi-lo e segui-lo também. Aqui está escrito que estas almas se lhes haviam sido acrescidas. Nós devemos nos considerar verdadeiros ganhadores se pudermos, sim­plesmente, ganhar almas para Cristo.

Aqui está a sua feliz chegada ao final da sua jor­nada: “Vieram à terra de Canaã”. Assim tinham

feito antes (cap. 11.31), porém sem chegar ao final da jor­nada, mas agora prosseguiram no seu caminho, e, pela boa mão do seu Deus com eles, chegaram à terra de Ca­naã, onde, por uma nova revelação, souberam que esta era a terra que Deus tinha prometido mostrar-lhes. Não ficaram desencorajados pelas dificuldades que encontra­ram no seu caminho, nem se desviaram pelos deleites que encontraram, mas prosseguiram adiante. Observe que: 1. Aqueles que saem rumo ao céu devem perseve­ra r até o fim, procurando sempre alcançar as coisas que estão à frente. 2. Aquilo que fizermos em obediência às ordens de Deus, e acompanhando humildemente a sua providência, certamente será bem sucedido, e nos trará, por fim, muitos consolos.

A Devoção de Abrãow. 6-9

Poderíamos esperar que, tendo tido um chamado tão extraordinário a Canaã, algum grande evento acontece­ria quando Abrão ali chegasse, que ele fosse recebido com todos os sinais possíveis de honra e respeito, e que os reis de Canaã lhe teriam imediatamente entregado suas coroas, prestando-lhe homenagens. Mas, não. Ele chega despercebido e pouco é notado, pois Deus ainda desejava que ele vivesse pela fé, e que considerasse Ca­naã, mesmo já estando nela, como uma terra de promes­sa. Por isto, observe aqui:

I O pouco conforto que ele teve na terra à qual tinha vindo. Pois: 1. Ele não a teve para si: “Estavam, en­

tão, os cananeus na terra”. Ele encontrou a região po­voada e possuída pelos cananeus, que provavelmente seriam maus vizinhos e proprietários ainda piores. E, pelo que parece, ele não teria lugar onde armar a sua tenda, exceto por permissão deles. Desta maneira, os amaldiçoados cananeus pareciam estai' em melhores cir­cunstâncias do que o abençoado Abrão. Observe que os filhos deste mundo normalmente possuem mais coisas deste mundo, do que os filhos de Deus. 2. Ele não tinha onde estabelecer-se: “Passou Abrão por aquela terra”, v.6. E “moveu-se dali para a montanha”, v. 8. “Depois, ca­minhou Abrão dali, seguindo ainda”, v. 9. Observe aqui:(1) Algumas vezes, o destino dos homens bons é não se estabelecerem, e serem obrigados, freqüentemente, a transferir a sua residência. O bendito Davi teve as suas peregrinações, as suas mudanças, Salmos 56.8. (2) As nossas mudanças neste mundo freqüentemente ocorrem sob variadas condições. Abrão residiu temporariamente, primeiramente em uma planície, v. 6, e depois em uma montanha, v. 8. Deus o colocou em situações opostas.(3) Todas as pessoas devem considerar-se estranhos e temporários neste mundo, e pela fé, encará-lo como uma terra estranha. Abrão fez isto, Hebreus 11.8-14. (4) En­quanto estivermos aqui, nesta condição atual, devemos estar viajando, e prosseguindo, de força em força, como ainda não tendo chegado.

n Quanto consolo ele tinha no Deus ao qual seguia. Embora pudesse ter pouca satisfação na convivên­

cia com os cananeus que encontrou ali, tinha abundante prazer na comunhão com aquele Deus que o havia trazi­do para junto deles, e não o abandonou. A comunhão com Deus é mantida pela palavra e pela oração. E, por elas, de acordo com os métodos daquela dispensação, a comunhão com Deus foi mantida na terra na sua peregrinação.

1. Deus apareceu a Abrão, provavelmente em uma visão, e lhe disse palavras boas e consoladoras: “A tua se­mente darei esta terra”. Observe: (1) Nenhum lugar, nem condição de vida, pode nos excluir do consolo das gracio­sas visitas de Deus. Abrão é um residente temporário, não estabelecido entre os cananeus. Mas aqui também ele en­contra aquele que vive, e que o vê. Os inimigos podem nos separar das nossas tendas, dos nossos altares, mas não do nosso Deus. Na verdade: (2) Com respeito àqueles que se­guem fielmente a Deus, no caminho do dever, embora Ele os afaste dos seus amigos, Ele irá, pessoalmente, compen­sar esta perda, por meio das suas graciosas manifestações a eles. (3) As promessas de Deus são garantidas e satisfa­tórias a todos aqueles que conscientemente observam e obedecem aos seus preceitos. E aqueles que, obedecendo ao chamado de Deus, deixam para trás, ou perdem qual­quer coisa que lhes é querida, podem ter certeza de al­guma coisa abundantemente melhor no seu lugar. Abrão tinha deixado a terra do seu nascimento: “Bem”, diz Deus, “dar-te-ei esta terra”, cap. 15.7. Veja Mateus 19.29.(4) Deus revela tanto a sua Pessoa como os seus favores gradualmente, ao seu povo. Antes Ele tinha prometido a Abrão mostrar-lhe esta terra. Agora, promete dá-la a Abrão. Assim como a graça é crescente, o consolo tambémo é. (5) É consolador ter a terra dada por Deus, não so­

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w. 10-13 GÊNESIS 12 78mente pela providência, mas também pela promessa. (6) As graças concedidas aos filhos são graças concedidas aos pais. Eu a darei, não a você, mas à sua semente: “A tua semente darei esta terra”. Esta era uma concessão em termos de direito futuro, à sua semente, que, aparentemente, Abrão entendeu também como uma concessão a si mesmo, de uma terra melhor no futuro, da qual esta era um tipo. Pois ele esperava uma pátria celestial, Hebreus 11.16.

2. Abrão serviu a Deus nas ordenanças que Ele havia instituído. Ele “edificou ali um altar ao Senhor, que lhe aparecera... e invocou o nome do Senhor”, w. 7,8. Consi­dere isto: (1) Como sendo feito em uma ocasião especial. Deus se manifestou a Abrão quando e onde ele edificou um altar, visando o Deus que lhe aparecera. Assim ele retribuiu a visita de Deus, e manteve a sua correspon­dência com o céu, como alguém que estava decidido a não deixar que ela falhasse por alguma negligência de sua parte. Assim ele reconheceu, com gratidão, a bondade de Deus a ele, ao fazer-lhe esta graciosa visita e promes­sa. E assim ele testificou a sua confiança e dependência da palavra que Deus tinha dito. Observe que um crente ativo pode, sinceramente, bendizer a Deus por uma pro­messa cujo cumprimento ainda não pode ver, e edificar um altar à honra de Deus, que lhe aparece, mesmo não tendo desfrutado os resultados da promessa. (2) Como seu procedimento constante, onde quer que ele estivesse. Tão logo Abrão chegou a Canaã, embora fosse somente estrangeiro, e temporário ali, ainda assim estabeleceu e observou a adoração de Deus na sua família. E onde quer que ele tivesse uma tenda, Deus tinha um altar, e um altar santificado pela oração. Pois ele não somente se preocupava com a parte cerimonial da religião, a oferta do sacrifício, mas com o dever natural de buscar o seu Deus, e de invocar o seu nome, este sacrifício espiritual no qual Deus se compraz. Ele pregou a respeito do nome do Senhor, isto é, instruiu a sua família e os seus vizinhos no conhecimento do Deus verdadeiro e da sua santa re­ligião. As almas que lhe foram acrescentadas em Harã, uma vez feitas discípulos, precisavam receber mais ensi­namentos. Observe que aqueles que desejam ser filhos do fiel Abrão, e desejam herdar a bênção de Abrão, de­vem ter a preocupação de observar a solene adoração a Deus, particularmente nas suas famílias, seguindo o exemplo de Abrão. O caminho da adoração familiar é um caminho antigo e bom, não é invenção moderna, mas o costume antigo de todos os santos. Abrão era muito rico e tinha uma família numerosa, e agora mesmo não estan­do estabelecido, e estando no meio dos inimigos, ainda assim, onde quer que armasse a sua tenda, ali edificava um altar. A todo lugar onde formos, jamais devemos dei­xar de levar conosco a nossa religião.

A Ida de Abrão ao Egitow. 10-13

Aqui temos:

I Uma fome na te rra de Canaã, uma fome terrível. Aquela terra produtiva tinha se tornado estéril, não somente para punir a iniqüidade dos cananeus, que ali

residiam, mas para testar a fé de Abrão, que ali estava

temporariamente. E foi um teste muito amargo. O teste verificou o que ele pensava: 1. A respeito de Deus, que o tinha conduzido até ali - se ele não estaria pronto a dizer, murmurando como a sua semente, que tinha sido trazido para m orrer de fome, Êxodo 16.3. Nada aquém de uma forte fé poderia conservar os bons pensamentos a respeito de Deus, sob tal providência. 2. Sobre a terra da promessa - se ele julgaria a sua concessão merece­dora de aceitação, e uma consideração valiosa para o abandono da sua própria terra, quando, aparentemente, era uma terra que devorava os seus habitantes. Agora ele era posto à prova quanto a se poderia preservar uma confiança inabalável de que aquele Deus que o havia tra­zido a Canaã iria sustentá-lo ali, e se poderia alegrar-se nele, como o Deus da sua salvação, quando a figueira não floresceu, Habacuque 3.17,18. Observe que: (1) Uma fé forte é normalmente testada com diversas provações, para que se ache em louvor, e honra e glória, 1 Pedro1.6,7. (2) Às vezes, agrada a Deus provar com grandes aflições aqueles que são apenas jovens iniciantes na fé.(3) É possível que um homem esteja no caminho do de­ver, e no caminho da felicidade, e ainda assim encontre grandes problemas e desapontamentos.

n A ida de Abrão ao Egito, por ocasião desta fome. Veja quão sabiamente Deus provê para que haja abundância em um lugar, quando havia escassez em ou­tro, para que, como membros de um grande corpo, não possamos dizer, uns aos outros: “Não tenho necessidade

de vós”. A providência de Deus cuidou para que houves­se abundância no Egito, e a prudência de Abrão fez uso da oportunidade. Pois nós tentamos a Deus, e não confia­mos nele, se, em tempos de aflição, não usarmos os meios que Ele graciosamente possibilita para a nossa preser­vação. Não devemos esperar milagres desnecessários. Mas aquilo que é particularmente notável aqui, para louvor de Abrão, é que ele não se ofereceu para retornar, nesta ocasião, à terra da qual tinha saído, nem sequer em direção a ela. A terra do seu nascimento estava localiza­da a nordeste de Canaã. Portanto, quando ele precisou, durante algum tempo, deixar Canaã, ele decidiu ir para o Egito, que está ao sudoeste, na direção contrária, para que não parecesse que estava olhando para trás. Veja Hebreus 11.15,16. Observe ainda que quando ele desceu ao Egito, foi para permanecer ali por algum tempo, não para residir ali. Observe que: 1. Embora a Providência, durante algum tempo, possa nos levar a lugares aparen­temente ruins, ainda assim não devemos permanecer ali por um tempo superior ao necessário. Nós podemos estar peregrinando, provisoriamente, em algum lugar onde não podemos nos estabelecer. 2. Um bom homem, enquanto está deste lado do céu, onde quer que esteja, está ali apenas provisoriamente.

Um grande erro do qual Abrão foi culpado, ao negar que Sara era sua esposa e fingir que

era sua irmã. As Escrituras são imparciais em relatar os crimes dos mais celebrados santos, que são registrados, não para que os imitemos, mas para nossa advertência, para que aquele que pensa estar em pé possa tomar cui­dado para não cair. 1. Seu erro foi dissimular a sua re­lação com Sarai, referindo-se a ela equivocadamente, e

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79 GÊNESIS 12 w. 14-20ensinando a sua esposa, e provavelmente todos os que os acompanhavam, a fazer a mesma coisa. O que ele disse foi, de certa maneira, verdade (cap. 20.12), mas com o objetivo de enganar. Desta maneira, ele escondeu uma verdade para, na verdade, negá-la, e expor, desta manei­ra, tanto a sua esposa quanto os egípcios, ao pecado. 2. No fundo, o que o motivou foi um temor ciumento, de que alguns dos egípcios ficassem tão encantados com a bele­za de Sarai (como se no Egito houvesse poucas beldades) que, se soubessem que ele era seu marido, encontrassem alguma maneira de matá-lo para que pudessem se casar com ela. Ele imagina que eles prefeririam ser culpados de assassinato do que de adultério, que era um crime considerado hediondo naquela ocasião. Ele também tem como certo que havia uma consideração tão santa e tão grande para com os laços do casamento. Conseqüente­mente, ele deduz, sem nenhuma boa razão: “Matar-me- ão”. Observe que o medo do homem lhe traz armadilhas, e muitos são levados a pecar por medo da morte, Lucas12.4,5. A graça na qual Abrão era mais eminente era a fé. E ainda assim ele caiu devido à descrença e desconfiança da Providência divina, mesmo depois que Deus tinha se manifestado duas vezes a ele. Oh! O que será dos salguei­ros, quando os cedros se abalam desta maneira?

Abrão Nega que Sarai É sua Esposaw. 14-20

Aqui temos:T O perigo em que se encontrava Sarai de te r a sua JL decência violada pelo rei do Egito. E sem dúvida, o perigo do pecado é o maior perigo que podemos correr. Os príncipes de Faraó (ou melhor, seus olheiros) a viram e, observando a sua formosura, elogiaram-na diante de Faraó. Eles não a elogiaram por aquilo que realmente era digno de louvor nela - a sua virtude e modéstia, a sua fé e piedade (estas qualidades não eram excelentes aos olhos deles), mas pela sua formosura, que eíes jul­garam boa demais para os abraços de um súdito. Eles a recomendaram ao rei, e ela foi imediatamente levada para a casa de Faraó, como Ester ao harém de Assuero (E t 2.8), para ser levada à sua cama. Agora, não deve­mos considerar Sarai como alguém que está sendo hon­rada, mas como alguém que está entrando em tentação. E as causas disto eram a sua própria formosura (o que é uma armadilha para muitas pessoas), e o equívoco de Abrão, que é um pecado que normalmente serve como uma introdução a muitos pecados. Enquanto Sarai es­tava correndo este perigo, Abrão lucrou, por amor dela. Faraó lhe deu ovelhas, vacas etc. (v. 16), para obter o seu consentimento, para que pudesse, mais rapidamente, ter aquela que ele supunha ser irmã de Abrão. Não pode­mos pensar que Abrão esperasse isto quando desceu ao Egito, e muito menos que visasse isto quando negou que Sarai era sua esposa: mas Deus fez nascer o bem do mal. Desta maneira se comprova que a riqueza do pecador, de uma maneira ou de outra, é acumulada para os justos.

A libertação de Sarai deste perigo. Se Deus não nos libertar, mais de uma vez - o que é um privilégio -

destes apuros e aflições que nós trazemos a nós mesmos, pelo nosso próprio pecado e tolice, e dos quais, portanto, não devemos esperar nenhuma libertação por promessa, em breve estaríamos destruídos, ou melhor, estaríamos destruídos muito tempo antes disto. O Deus bom e precio­so não lida conosco de acordo com o que merecemos.

1. Deus feriu a Faraó, e desta maneira evitou o pro­gresso do seu pecado. Observe que são ferimentos felizes aqueles que nos impedem de seguir um caminho de pe­cado, e que efetivamente nos trazem ao nosso dever, em particular, ao dever de restaurar aquilo que tomamos e detivemos erradamente. Observe que não somente Faraó, mas a sua casa, foram vítimas de pragas, provavelmente especialmente aqueles príncipes que tinham recomenda­do Sarai a Faraó. Observe que os parceiros no pecado se tornam, com razão, parceiros na punição. Aqueles que servem a luxúria de outros devem esperar compartilhar das suas pragas. Nós não sabemos quais foram, em parti­cular, estas pragas. Mas sem dúvida havia algo nas pragas propriamente ditas, ou alguma explicação acrescentada a elas, suficiente para convencê-los de que foi por causa de Sarai que estas pragas lhes sobrevieram.

2. Faraó repreendeu a Abrão, e então o despediu respeitosamente.

(1) A repreensão foi calma, mas muito justa: “Que é isto que me fizeste?” Que coisa mais imprópria! Que ina- propriado para um homem sábio e bom! Observe que se aqueles que professam a religião fizerem o que é injusto e dissimulado, especialmente se disserem aquilo que se aproxima de uma mentira, deverão esperar ouvir sobre isto, e terão razões para agradecer àqueles que lhes fala­rem sobre este assunto. Nós encontramos um profeta do Senhor, repreendido e censurado, com razão, por um mes­tre de navio, Jonas 1.6. Faraó argumenta com ele: “Por que não me disseste que ela era tua mulher?”, indicando que, se tivesse sabido disto, não a teria levado para sua casa. Observe que é um erro muito comum, entre as pes­soas boas, alimentar suspeitas dos outros, além daquilo que seria justificável. Temos freqüentemente, encontra­do mais virtude, honra e consciência em algumas pessoas do que julgávamos que elas possuíssem. E deve ser um prazer sermos assim desapontados, como Abrão aqui, que descobriu que Faraó era um homem melhor do que ele esperava, A caridade nos ensina a esperar o melhor.

(2) A despedida foi gentil, e muito generosa. Faraó lhe devolveu a esposa, sem ofender ou causar qualquer dano à honra dela: “Eis aqui tua mulher. Toma-a e vai-te”, v. 19. Observe que aqueles que desejam evitar o pecado, devem remover a tentação, ou sair do caminho dela. Ele também o mandou embora, em paz, e estava tão longe de qualquer desejo de matá-lo, como Abrão temia, que se preocupou com ele de maneira especial. Observe que nós freqüen­temente nos embaraçamos e atrapalhamos com temores que logo se mostram completamente infundados. Nós freqüentemente tememos, onde não há o que temer. Nós tememos o furor do angustiador, como se ele se preparas­se para destruir, quando na verdade não há perigo, Isaías51.13. Teria sido melhor, para a credibilidade e o consolo de Abrão, ter dito a verdade desde o início. Pois, afinal, a honestidade é a melhor política. Na verdade, está escrito (v. 20): “Faraó deu ordens aos seus varões a seu respeito”, isto é: [1] Ele lhes recomendou que não o prejudicassem,

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w. 1-4 GÊNESIS 13 80de nenhuma maneira. Observe que não é suficiente, para aqueles que têm autoridade, que não firam pessoalmen­te, mas que também impeçam que os seus servos, e os que estão ao seu redor, façam o mal. Ou: [2] Ele lhes re­comendou, quando Abrão foi enviado de volta, depois da fome, que o conduzissem em segurança para fora do país, como sua escolta. E provável que aquele governante te­nha ficado alarmado com as pragas (v. 17) e deduzido, com base nelas, que Abrão era um favorito especial do céu, e, portanto, com medo do retorno das pragas, tenha tomado cuidados especiais para que ele não sofresse danos no seu país. Observe que Deus freqüentemente faz surgir ami­gos para o seu povo, fazendo com que os homens saibam que correm riscos se os ferirem. É perigoso ofender aos pequeninos de Deus, Mateus 18.6. A esta passagem, entre outras, se refere o salmista, Salmos 105.13-15: “Por amor deles repreendeu reis, dizendo: Não toqueis nos meus un­gidos”. Talvez, se Faraó não o tivesse mandado embora, Abraão tivesse se sentido tentado a permanecei' no Egi­to, e esquecer a terra da promessa. Observe que às vezes Deus faz uso dos inimigos do seu povo para convencê-los, e lembrá-los, de que este mundo não é o seu descanso, mas que devem pensar em partir.

Finalmente, observe uma semelhança entre esta li­bertação de Abrão do Egito, e a libertação dos seus des­cendentes, do mesmo lugar: 430 anos depois que Abrão foi para o Egito, por causa de uma fome, seus descenden­tes foram para lá, também por causa de uma fome. Ele foi libertado com grandes pragas sobre Faraó, e também eles. Assim como Abrão foi mandado embora por Faraó, e enriquecido com os despojos dos egípcios, também eles. O cuidado de Deus com o seu povo é o mesmo, on­tem, hoje e sempre.

C a p ít u l o 13Neste capítulo, temos mais informações a respeito de Abrão. I. De maneira geral, sobre a sua condi­ção e o seu comportamento na terra da promessa, que agora era a terra da sua peregrinação. 1. A sua jornada, w. 1,3,4,18.2. Suas riquezas, v. 2. 3. A sua devoção, w . 4,18. II. Um relato particular de uma briga que houve entre ele e Ló. 1. A causa in­feliz da sua briga, w. 5,6. 2. Os grupos envolvidos na briga, para piorá-la, v. 7. III. A reconciliação, pela prudência de Abrão, w. 8,9. IV A separação entre Ló e Abrão, indo aquele à planície de Sodo- ma, w. 10-13. V A manifestação de Deus a Abrão, para confirmar-lhe a promessa da terra de Canaã, v. 14 e outras passagens.

A Mudança de Abrão para Canaãw. 1-4

T Aqui está o retorno de Abrão do Egito, v. 1. Ele veio, J„ e trouxe tudo o que era seu, consigo, de volta a Canaã. Observe que embora possa haver oportunidade para, às vezes, ir a lugares de tentação, nós devemos nos apressar para sair deles tão logo seja possível. Veja Rute 1.6.

n A sua riqueza: Ele ia muito rico, v. 2. Ele ia muito pesado, de acordo com o significado da palavra hebraica. Pois as riquezas são um peso, e aqueles que de­sejam ser ricos somente se carregam com argila espes­sa, Habacuque 2.6. Existe um peso de preocupação para

consegui-las, medo para conservá-las, tentação para usá- las, culpa em usá-las de maneira equivocada, tristeza de perdê-las, e um peso de prestação de contas, finalmente, a respeito delas. Grandes possessões apenas tornam os homens pesados e incômodos. Abrão não era somente rico em fé e boas obras, e nas promessas, mas era rico em gado, e prata e outro. Observe: 1. Deus, na sua provi­dência, às vezes torna ricos os homens bons, e os ensina a ter abundância, assim como sofrer necessidades. 2. As riquezas dos homens bons são os frutos das bênçãos de Deus. Deus disse a Abrão: Abençoar-te-ei. E esta benção o enriqueceu, sem acrescentar dores, Provérbios 10.22.3. A verdadeira piedade será muito coerente com a gran­de prosperidade. Embora seja difícil que um homem rico consiga o céu, ainda assim não é impossível, Marcos 10.23,24. Abrão era muito rico, e apesar disto, muito reli­gioso. Na verdade, assim como a piedade é uma amiga da prosperidade externa (1 Tm 4.8), também a prosperida­de externa, se bem administrada, é um ornamento para a piedade, e proporciona uma oportunidade de fazer um bem ainda maior.

A sua ida a Betei, w . 3,4. Para lá ele foi, não somente porque ali tinha tido a sua tenda,

anteriormente, e estava desejoso de estar entre seus antigos conhecidos, mas porque ali ele tinha tido, ante­riormente, o seu altar: e, embora o altar não mais esti­vesse ali (provavelmente ele mesmo o teria destruído, quando deixou este lugar, para que não fosse profana­do pelos cananeus idólatras), ele veio ao lugar do altar para reviver a recordação da doce comunhão que tinha tido com Deus naquele lugar, ou talvez para cumprir os votos que ali tinha feito a Deus, quando empreendeu a sua viagem ao Egito. Muito tempo depois, Deus enviou Jacó a este mesmo lugar, com aquela missão (cap. 35.1), Sobe a Betei - onde fizeste o voto. Nós precisamos ser lembrados, e devemos aproveitar todas as oportunida­des para nos lembrar dos nossos votos solenes. E talvez o lugar onde eles foram feitos possa nos ajudar a trazê- los de novo à nossa mente, e, portanto, pode ser bom que visitemos este lugar.

A sua devoção, ali. Seu altar tinha sido destru­ído, de modo que ele não podia oferecer sacri­

fícios. Mas ele invocou o nome do Senhor, como tinha feito antes, cap. 12.8. Observe: 1. Todas as pessoas de Deus são pessoas de oração. É tão difícil encontrar um homem vivo sem respirar, quanto um cristão vivo sem oração. 2. Aqueles que desejam ser reconhecidos como justos com o seu Deus, devem ser constantes e perse­verantes nos serviços da religião. Abrão não deixou a sua religião lio Egito, como muitos fazem nas suas via­gens. 3. Quando não podemos fazer o que desejamos, devemos nos preocupar em fazer o que pudermos, nos atos de devoção. Quando nos faltar um altar, que não nos falte a oração, mas, onde estivermos, invoquemoso nome do Senhor.

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81 GÊNESIS 13 w. 5-9A Separação entre Ló e Abrão

w. 5-9Aqui temos uma infeliz briga entre Abrão e Ló, que

até então tinham sido companheiros inseparáveis (veja v.1, e cap. 12.4), mas agora se separavam.

I O motivo da sua briga: as suas riquezas. Nós lemos (v. 2) como Abrão era rico. Agora lemos (v. 5) que Ló,

que ia com Abrão, também era rico. E, portanto, Deus o abençoou com riquezas, porque ele ia com Abrão. Obser­ve: 1. É bom estar em boa companhia, e caminhar com aqueles com quem Deus está, Zacarias 8.23. 2. Aqueles que são parceiros do povo de Deus, na sua obediência e nos seus sofrimentos, serão seus parceiros nas suas alegrias e nos seus consolos, Isaías 66.10. Agora, sendo ambos muito ricos, a terra não podia contê-los, para que pudessem residir confortavelmente e pacificamente, jun­tos. De modo que as suas riquezas podem ser considera­das: (1) Como colocando uma distância entre eles. Por ser o lugar apertado para ambos, e não terem lugar para o seu gado, era necessário que se separassem. Observe que todo consolo deste mundo tem a sua cruz acompa­nhando-o. Os negócios são um conforto. Mas têm neles a sua inconveniência, não nos permitindo a companhia daqueles a quem amamos - com a freqüência, nem com a duração que poderíamos desejar. (2) Como colocando-os em desacordo, um com o outro. Observe que as riquezas são, freqüentemente, motivos para brigas e contendas entre parentes e vizinhos. Esta é uma daquelas eoncu- piscências loucas e nocivas em que podem cair aqueles que desejam ser ricos, 1 Timóteo 6.9. As riquezas não somente produzem assuntos para contendas, e são as coisas sobre as quais se briga, mas também despertam um espírito de rivalidade, tornando as pessoas orgulho­sas e cobiçosas. M eum e tuum - Meu e , são os grandes instigadores de brigas, do mundo. A pobreza e o esforço, as necessidades e as peregrinações, não puderam sepa­rar Abrão de Ló. Mas as riquezas, sim. Os amigos são perdidos em breve. Mas Deus é um amigo de cujo amor, nem a altura da prosperidade, nem a profundeza da ad­versidade, podem nos separar.

n Os instrumentos imediatos da disputa foram os seus servos. A briga começou entre os pastores do gado de Abrão, e os pastores do gado de Ló, v. 7. Eles brigaram, provavelmente, sobre qual deles deveria ter

o melhor pasto, ou a melhor água. E ambos envolveram os seus senhores na briga. Observe que os maus servos freqüentemente causam uma grande dose de prejuízo às famílias, por orgulho e paixão, por suas mentiras, calúnias e fofocas. É algo muito perverso que os servos desempenhem mal as suas funções entre parentes e vi­zinhos, semeando, desta maneira, a discórdia. Aqueles que o fazem são agentes do diabo, e os piores inimigos dos seus senhores.

m O que piorou a briga foi o fato de que os cana- neus e os ferezeus habitavam, então, na terra. Isto tornou a briga: 1. Muito perigosa. Se Abrão e Ló não podiam concordar em alimentar juntos os seus reba­nhos, estará tudo bem, se o inimigo comum não os atacar

e roubar a ambos. Observe que a divisão de famílias e igrejas se tornam, freqüentemente e comprovadamente, a sua ruína. 2. Muito escandalosa. Sem dúvida, os olhos de todos os vizinhos estavam sobre eles, especialmente por causa da singularidade da sua religião, e da extra­ordinária santidade que professavam. E os cananeus e ferezeus logo perceberiam esta briga, e se aproveita­riam dela, para sua reprovação. Observe que as brigas dos que professam a fé são a reprovação da sua profissão de fé e dão oportunidade, tanto quanto qualquer outra coisa, para que os inimigos do Senhor blasfemem.

A solução desta briga foi muito feliz. É melhor preservar a paz, para que ela não seja rompi­

da. Mas a segunda melhor coisa é, se surgirem as dife­renças, rapidamente acomodá-las, e apagar o fogo que irrompeu. O movimento para cessar esta briga partiu de Abrão, o parente mais velho e aquele que tinha uma condição superior, v. 8.

1. Seu pedido de paz foi muito afetuoso: não haja contenda entre mim e ti. Abrão, aqui, demonstra ser um homem: (1) De espírito calmo, que tinha o controle da sua paixão, e sabia como afastar a ira com uma resposta branda. Aqueles que desejam manter a paz nunca de­vem responder a insultos com insultos. (2) De um espí­rito condescendente. Ele estava disposto até mesmo a suplicar ao seu inferior para que ficassem em paz, e fez a primeira proposta de reconciliação. Os vencedores con­sideram a sua glória obter a paz pela força. Porém não é menos glorioso obter a paz pela humildade e pela sabe­doria. Observe que o povo de Deus sempre deve demons­trar ser um povo pacífico. Sejam quem forem os outros, o povo de Deus deve ser a favor da paz.

2. Seu apelo pela paz foi muito convincente. (1) Não haja contenda entre mim e ti. Que briguem os cananeus e ferezeus sobre ninharias. Mas você e eu, que conhece­mos melhor as coisas, e procuramos uma terra melhor, não devemos brigar. Observe que aqueles que professam a religião devem, mais que todos os outros, te r cuidado para evitar brigas. Não sereis vós assim, Lucas 22.26. Nós não temos tal costume, 1 Coríntios 11.16. Não haja contenda entre mim e ti que vivemos juntos e que nos amamos durante tanto tempo. Observe que a lembrança de antigas amizades deve rapidamente colocar um final às novas brigas que acontecem em qualquer ocasião. (2) Lembremo-nos de que somos irmãos: em hebraico, que somos homens e irmãos. Um argumento duplo. [1] So­mos homens. E, como homens, somos criaturas mortais -podemos m orrer amanhã, e devemos nos preocupar em sermos encontrados em paz. Somos criaturas racionais e devemos ser governados pela razão. Somos homens, e não feras, homens, e não crianças. Somos criaturas soci­áveis, e sejamos assim ao máximo. [2] Somos irmãos. Ho­mens da mesma natureza, da mesma família, da mesma religião, companheiros em obediência, companheiros em paciência. Note que a consideração do nosso parentesco, como irmãos, deve sempre prevalecer para moderar as nossas paixões, ou para evitar ou para encerrar as nos­sas contendas. Irmãos devem amar como irmãos.

3. A sua proposta de paz foi muito justa. Muitos que professam ser favoráveis à paz, apesar disto, não fazem nada para obtê-la. Mas Abrão aqui mostrou ser um ver­

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w. 10-13 GÊNESIS 13 82dadeiro amigo da paz, propondo um meio irrepreensível para a sua preservação: Não está toda a terra diante de ti?, v. 9. Foi como se tivesse dito: “Por que devemos nós brigar por espaço, quando existe lugar suficiente para nós dois...” (1) Ele conclui que eles devem se separar, e está muito desejoso de que se separem como amigos: aparta-te de mim. O que poderia ser expresso mais afetuosamente? Ele não o expulsa, não o força a ir embora, mas aconse­lha que o outro se separe dele. Tampouco ordena que o outro parta, mas humildemente deseja que ele se retire. Observe que aqueles que têm autoridade para mandai1, às vezes, em nome do amor e da paz, preferem pedir ou su­plicar, assim como Paulo suplicou a Filemon, w. 8,9. Assim como o grande Deus condescende em nos pedir para fazer algo, nós podemos muito bem rogar uns aos outros a re­conciliação, 2 Coríntios 5.20. (2) Ele lhe oferece uma parte suficiente da terra em que estavam. Embora Deus tives­se prometido a Abrão dar esta terra à sua semente (cap. 12.7), e não parece que qualquer promessa semelhante tenha sido feita a Ló, e Abrão pudesse ter insistido na sua promessa, com total exclusão de Ló, ainda assim ele per­mite que Ló compartilhe dela, e oferece uma parte igual àquele que não tinha direitos iguais. Ele não fará com que a promessa de Deus motive esta disputa, e estando sob a proteção da promessa não colocará qualquer dificuldade em relação ao seu parente. (3) Ele lhe dá escolha, e se ofe­rece para aceitar a sua partida: se escolheres a esquerda, irei para a direita. Havia todas as razões do mundo para que Abrão escolhesse em primeiro lugar. No entanto, ele abre mão do seu direito. Observe que é uma nobre vitória estar disposto a cedei; em nome da paz; é a vitória con­tra nós mesmos, contra o nosso orgulho e paixão, Mateus 5.39,40. Não somente as formalidades da honra, mas in­clusive os próprios interesses, é que, em muitos casos, devem ser sacrificados pela paz.

A Ida de Ló a Sodomaw. 10-13

Aqui temos a escolha que Ló fez, quando se separou de Abrão. Nesta ocasião, poderíamos ter esperado: 1. Que ele tivesse expressado falta de vontade de se separar de Abrão, e, pelo menos, o tivesse feito com relutância. 2. Que ele tivesse sido educado a ponto de ter devolvido o direito de escolha a Abrão. Mas nós não encontramos ne­nhuma evidência de deferência ou de respeito para como seu tio, em toda a questão. Tendo Abrão lhe oferecido a escolha, sem qualquer agradecimento ele a aceitou e fez a sua escolha. As paixões e o egoísmo tornam os homens rudes. Na escolha que Ló fez, podemos observar:T O quanto ele visava a generosidade da terra. Ele con- .L templou toda a campina do Jordão - a planície onde ficava Sodoma - que era toda bem regada (e talvez a briga tivesse sido sobre a água, o que o tornou particularmente interessado nesta vantagem), e Ló escolheu para si toda a campina, w. 10,11. Aquele vale, que era como o próprio jardim do Éden, agora lhe fornecia uma perspectiva das mais agradáveis. Aos seus olhos, ela era bela para a sua posição, a alegria de toda a terra. E, portanto, ele não duvidou que ela lhe propiciaria um assentamento confor­

tável, e que em um solo tão frutífero ele certamente iria prosperar, e ficaria muito rico: e isto foi tudo o que ele enxergou. Mas o que aconteceu? Ora, as próximas notí­cias que temos dele são de que ele está entre os arbustos, ele e os seus, cativos. Enquanto viveu entre eles, irritou a sua alma justa com a convivência com eles, e nunca teve um dia bom com eles, até que, por fim, Deus incendiou a cidade por cima da sua cabeça, e o forçou a subir a monta­nha, em prol da segurança daquele que escolheu a planície para ter riquezas e prazer. Observe que as escolhas sen­suais são escolhas pecaminosas, e raramente têm suces­so. Aqueles que, ao escolher relacionamentos, vocações, residências, ou assentamentos são guiados e governados pelas concupiscências da carne, pelos desejos dos olhos ou pela soberba da vida, e não consultam os interesses das suas almas nem a sua religião, não podem esperar ter a presença de Deus entre si, nem a sua benção sobre si, mas são normalmente desapontados até mesmo naquilo que mais desejam. Assim, deixam de ter satisfação naqui­lo que prometeram a si mesmos. Este princípio deve nos governar em todas as nossas escolhas. O melhor para nós é aquilo que for melhor para a nossa alma.

I TT Quão pouca consideração ele demonstrou para JL com a iniqüidade dos habitantes: eram maus os varões de Sodoma, v. 13. Observe: 1. Embora todos se­jam pecadores, ainda assim alguns são mais pecadores

do que outros. Os varões de Sodoma eram pecadores de primeira grandeza, pecadores contra o Senhor, isto é, pecadores atrevidos e ousados. Assim eram conhecidos. Conseqüentemente, nós lemos sobre aqueles que publi­cam os seus pecados, como Sodoma, aqueles que sequer os dissimulam, Isaías 3.9. 2. Que alguns pecadores são os piores para viver em uma terra boa. Assim eram os sodomitas: pois esta foi a maldade de Sodoma: soberba, fartura de pão e abundância de ociosidade. E tudo isto era sustentado pela grande abundância que a sua região fornecia, Ezequiel 16.49. Desta maneira, a prosperida­de dos tolos os destrói. 3. Que Deus freqüentemente dá grande abundância a grandes pecadores. Os desprezí­veis sodomitas viviam em uma cidade, em uma campina frutífera, ao passo que o fiel Abrão e sua piedosa família viviam em tendas, nas montanhas estéreis. 4. Quando a iniqüidade chega ao máximo, a ruína não está distante. Pecados abundantes são presságios seguros de julga­mentos próximos. Agora, a vinda de Ló, para viver entre os sodomitas, pode ser considerada: (1) Como uma gran­de misericórdia para eles, e um provável meio de levá-los ao arrependimento. Pois agora eles tinham entre si um profeta e um pregador da justiça. E se lhe tivessem dado ouvidos, poderiam ter sido transformados, e a destrui­ção poderia ter sido evitada. Observe que o Senhor Deus envia pregadores, antes de enviar destruidores. Pois Ele é bom, e não deseja que ninguém pereça. (2) Como um grande sofrimento para Ló, que não somente lamentou ver a iniqüidade deles (2 Pe 2.7,8), mas foi perturbado e perseguido por eles, porque não agia como eles. Obser­ve que freqüentemente tem sido um grande incômodo para os homens justos viver entre os ímpios, peregrinar em Meseque (SI 120.5), e não pode ser mais lamentável, se, como Ló, aqui, tiverem causado isto a si mesmos por meio de uma escolha imprudente.

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83 GÊNESIS 14 w. 14-18Deus Confirma a sua Promessa a Abrão

w. 14-18Aqui temos a narrativa de uma graciosa visita que

Deus fez a Abrão, para confirmar a promessa a ele e aos seus. Observe:

I Quando Deus renovou e ratificou a promessa: Depois que Ló se apartou dele, isto é: 1. Depois de termina­

da a briga. Pois os espíritos mais bem preparados para as visitas da graça divina são os que estão calmos e tran­qüilos, e não incitados por alguma paixão. 2. Depois das humildes e abnegadas condescendências de Abrão a Ló, para a preservação da paz. Isto ocorreu quando Deus veio até ele, com este sinal do seu favor. Observe que Deus irá compensai' abundantemente com a paz espiritual aquilo de que nós abrirmos mão em benefício da preservação da paz entre vizinhos e amigos. Depois de Abrão ter ofere­cido voluntariamente a Ló a metade do seu direito, Deus veio e lhe confirmou todo o seu direito. 3. Depois que ele tinha perdido a confortável companhia do seu parente, por cuja partida as suas mãos se enfraqueceram e o seu coração se entristeceu, então Deus veio até ele com estas palavras boas e consoladoras. Observe que a comunhão com Deus pode, a qualquer momento, servir para com­pensar a falta de convivência com nossos amigos. Mesmo que os nossos parentes estejam separados de nós, Deus não está. 4. Depois que Ló tinha escolhido aquela cam­pina agradável e frutífera, e tinha ido tomar possa dela, Para que Abrão não se sentisse tentado a invejá-lo, e a se arrepender de ter-lhe dado a escolha, Deus vem até ele, e lhe assegura que aquilo que ele tinha permaneceria para sempre, para ele e para os seus herdemos. De modo que, embora Ló talvez tivesse a melhor terra, Abrão tinha o melhor título. Ló tinha o paraíso, de certa maneira, mas Abrão tinha a promessa. E o evento logo deu a entender que, apesar das aparências naquele momento, Abrão real­mente tinha a melhor parte. Veja Jó 22.20. Deus reconhe­ceu Abrão depois da sua contenda com Ló, assim como as igrejas reconheceram Paulo depois da sua contenda com Barnabé, Atos 15.39,40.

n As mesmas promessas com as quais Deus agora consolava e enriquecia a Abrão. Duas coisas Ele lhe assegura - uma boa terra, e uma numerosa prole para desfrutar dela,

1. Aqui está a concessão de uma boa terra, uma ter­ra mais famosa que todas as terras, pois deveria ser a terra santa, e a terra do Emanuel. Esta é a terra aqui mencionada, (1) Aqui Deus mostra a terra a Abrão, como tinha prometido (cap. 12.1), e posteriormente a mostrou a Moisés, do cume do Pisga. Ló tinha levantado seus olhos e contemplado a campina do Jordão (v. 10), e ti­nha ido usufruir do que tinha visto: “Vamos”, diz Deus a Abrão, “levanta, agora, os teus olhos, e olha, e vê o que é teu”. Observe que aquilo que Deus tem a nos mostrar é infinitamente melhor e mais desejável do que qualquer coisa que o mundo tenha a oferecer para que vejamos. As perspectivas de um olho que tem fé são muito mais ricas e belas do que as do olho dos sentidos. Aqueles para os quais está designada a Canaã celestial, no outro mun­do, às vezes, pela fé, têm uma perspectiva consoladora

em meio à sua condição atual. Pois nós enxergamos de fato as coisas que não são vistas, embora ainda estejam distantes. (2) O Senhor lhe assegura esta terra, para ele e para a sua semente, para sempre (v. 15): te hei de dar a ti. E. outra vez (v. 17) a ti a darei. Cada repetição da promessa é uma ratificação dela. A ti e à tua semente, não a Ló e à sua semente. Eles não deveriam herdar esta terra, e por isto a Providência assim ordenou que primeiramente Ló fosse separado de Abrão, e depois a concessão fosse confirmada a ele e à sua semente. Assim, Deus freqüentemente faz com que o bem surja a partir do mal, e torna os pecados e as tolices dos homens sub­servientes aos Seus próprios conselhos sábios e santos. A ti e à tua semente - a ti, para peregrinar nela como um estranho; à tua semente, para residir e governar nela, como proprietários. A ti, isto é, à tua semente. A concessão da terra a ele e aos seus, para sempre, indica que ela tipificava a Canaã celestial, que é dada à semen­te espiritual de Abrão, para sempre, Hebreus 11.14. (3) Ele lhe dá o direito de propriedade dela, embora fosse futuro: Levanta-te, percorre essa terra, v. 17. Entre, e tome posse, inspecione os lotes, e ela parecerá melhor do que uma perspectiva distante. Observe que Deus deseja mostrar mais abundantemente aos herdeiros da promes­sa a imutabilidade do seu concerto, e o inestimável valor das bênçãos do concerto. Rodeai Sião, Salmos 48.12.

2. Aqui está a promessa de uma prole numerosa para povoar esta boa terra, de modo que ela nunca seria per­dida por falta de herdeiros (v. 16): E farei a tua semente como o pó da terra, isto é, Eles se multiplicarão de manei­ra inacreditável, e, tomando-os a todos, serão uma multi­dão tão grande que homem nenhum poderá contar. Assimo eram no tempo de Salomão, 1 Reis 4.20. Eram, pois, os de Judá e Israel muitos, como a areia que está ao pé do mar em multidão. Isto Deus aqui lhe promete. Observe que o mesmo Deus que provê a herança provê os herdei­ros. Aquele que preparou a terra santa, prepara a semen­te santa. Aquele que dá a glória, dá a graça para que as pessoas se tornem adequadas a participar da sua glória.

Finalmente, nós lemos o que Abrão fez depois que Deus lhe tinha assim confirmado a promessa, v. 18. 1. Ele removeu a sua tenda. Deus lhe disse que percorresse a terra, isto é, “Não pense em fixar-se nela, mas espe­re estar sempre se deslocando, e percorrendo-a rumo a uma Canaã melhor”. Então, obedecendo à vontade de Deus, ele remove a sua tenda, confirmando-se na condi­ção de peregrino. 2. Edificou ali um altar, como sinal da sua gratidão a Deus, pela gentil visita que lhe tinha feito. Observe que quando Deus nos encontra com promessas graciosas, Ele espera que nós lhe ofereçamos os nossos humildes louvores.

Capítulo 14Temos quatro assuntos na história deste capítulo.I. Uma guerra contra o rei de Sodoma e seus alia­dos, w. 1-11. II. Aprisão de Ló, naquela guerra, v.12. III. O resgate de Ló daquela prisão, por Abrão, com a vitória que obteve sobre os conquistadores, w . 13-16. IV O retorno de Abrão da expedição (v.

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w. 1-12 GÊNESIS 14 8417), com um relato do que aconteceu: 1. Entre ele e o rei de Salém, w. 18-20. 2. Entre ele e o rei de Sodoma, w. 21-24. Assim temos aqui, cumprindo- se em parte, aquela promessa de Deus a Abrão, de que engrandeceria o seu nome.

Ló É Levado Cativow. 1-12

Aqui temos um relato da primeira guerra sobre a qual lemos nas Escrituras, cuja história (embora as guerras das nações tenham grande presença na história) não teríamos, se Abrão e Ló não tivessem estado envol­vidos nela. A respeito desta guerra, podemos observar:

I Os grupos envolvidos nela. Os invasores eram quatro reis, dois deles ninguém menos que os reis de Sinar

e Elão (isto é, da Caldéia e da Pérsia). Alguns entendem que é provável que ali não estivessem pessoalmente os príncipes soberanos daqueles grandes reinos, mas ofi­ciais subordinados a eles, ou talvez os chefes e líderes de algumas colônias que saíram daquelas grandes nações e se estabeleceram perto de Sodoma, conservando, po­rém, os nomes dos países de que se originavam. Os inva­didos eram os reis de cinco cidades que são próximas, na planície do Jordão, especificamente, Sodoma, Gomorra, Admá, Zeboim e Zoar. São citados os nomes de quatro deles, mas não do quinto, o rei de Zoar, ou Bela, talvez porque ele fosse muito inferior e insignificante, ou por ser muito mais ímpio e desonroso que os demais, e assim merecesse ser esquecido.

n O motivo desta guerra foi a revolta dos cinco reis contra o governo de Quedorlaomer. Eles o tinham servido durante doze anos. Pouca alegria eles tinham com a sua te rra frutífera, enquanto pagavam impostos a um poder estrangeiro, e não podiam chamar

de seu o que tinham. As nações ricas são uma presa desejável, e as nações luxuosas e ociosas são uma pre­sa fácil, para a grandeza crescente. Os sodomitas eram a posteridade de Canaã, a quem Noé tinha designado como servo de Sem, de quem Elão descendia. Assim sendo, em breve aquela profecia começou a se cumprir. No décimo terceiro ano, começando a se cansar da sua submissão, eles se rebelaram, negaram seus tributos e tentaram se libertar do jugo e recuperar a sua antiga liberdade. No décimo quarto ano, depois de uma pausa e preparação, Quedorlaomer, juntamente com seus alia­dos, dispôs-se a castigar e reduzir os rebeldes e, como não podia obtê-lo de outra maneira, extorquir o seu tr i­buto com a ponta da espada. Observe que o orgulho, a cobiça e a ambição são as concupiseências das quais surgem as guerras e batalhas. A estes ídolos insaciáveis o sangue de milhares foi sacrificado.

O progresso e o sucesso da guerra. Os quatro reis devastaram as nações vizinhas e se enri­

queceram com os seus despojos (w. 5-7), com a intenção de que estas notícias fariam a sabedoria do rei de So­doma ser se submeter e desejar condições de paz. Pois como poderia ele enfrentar um inimigo tão enrubescido

com a vitória? Mas ele preferiria se aventurar aos má­ximos extremos a render-se, e assim procedeu. Qitos Deus destruet eos dementat - Aqueles a quem Deus de­seja destruir, Ele entrega a paixões cegas. 1. As forças do rei de Sodoma e seus aliados foram derrotadas. E, aparentemente, muitos daqueles que tinham escapado às espadas pereceram em poços de betume, v. 10. Em todos os lugares estamos cercados de mortes de diversos tipos, e especialmente no campo de batalha. 2. As cida­des foram saqueadas, v. 11. Todos os bens de Sodoma, e em particular seus estoques e provisões de mantimentos foram levados pelos conquistadores. Observe que quan­do os homens utilizam mal os dons de uma providência generosa, para a gula e os excessos, é justo que Deus, a seu tempo, de uma maneira ou de outra, os prive daquilo que usaram tão mal, Oséias 2.8,9. 3. Ló foi levado cativo, v. 12. Eles levaram Ló juntamente com os demais, bem como a sua fazenda. Aqui, Ló pode ser considerado: (1) Compartilhando com seus vizinhos esta calamidade co­mum. Embora ele mesmo fosse um homem justo, e (o que aqui está expressamente registrado) o filho do irmão de Abrão, ainda assim esteve envolvido, com os demais, em todo este problema. Observe que tudo sucede igual­mente a todos, Eelesiastes 9.2. Os melhores homens não podem garantir estar isentos dos maiores problemas desta vida. Tampouco estará na nossa própria piedade, ou no nosso relacionamento com aqueles que são os favo­ritos do céu, a nossa segurança, quando os julgamentos de Deus estão em ação. Observe, ainda, que a muitos homens honestos acontecem as piores coisas, por cau­sa de seus vizinhos ímpios. Portanto, é nossa prudência separarmo-nos, ou pelo menos distinguirmo-nos deles (2 Co 6.17), salvando-nos, deste modo, Apocalipse 18.4. (2) Sofrendo pela tola escolha que tinha feito ao se assentar ali. Isto está claramente indicado aqui, onde está escrito, Tomaram a Ló, que habitava em Sodoma, filho do irmão de Abrão. Um parente tão próximo de Abrão deveria ser companheiro e discípulo de Abrão, e deveria residir per­to das suas tendas. Mas, se escolheu habitar em Sodoma, deve agradecer a si mesmo se compartilhar as calami­dades de Sodoma. Observe que quando nós saímos do caminho do nosso dever, deixamos a proteção de Deus, e não podemos esperar que as escolhas feitas pelas nossas concupiseências resultem em nosso conforto. Uma men­ção particular é feita ao fato de que levaram os bens de Ló, aqueles bens que tinham provocado a sua briga com Abrão, e a sua separação. Note que é justo que Deus nos prive daqueles deleites pelos quais permitimos que seja­mos privados do deleite que temos nele e com Ele.

Ló É Levado Cativo e Libertadow. 13-16

Aqui temos o relato da única ação militar em que encontramos Abrão envolvido, e à qual ele foi levado, não pela sua avareza nem pela sua ambição, mas pura­mente por um princípio de caridade. Não foi para en­riquecer, mas para ajudar o seu amigo. Jamais alguma expedição militar foi empreendida, executada e con­cluída de maneira mais honrosa do que esta, de Abrão. Aqui, temos:

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85 GÊNESIS 14 w. 13-16

I As notícias trazidas a Abrão, sobre a aflição do seu parente. A providência ordenou que ele agora não

estivesse muito distante, para que pudesse ser uma ajuda bastante imediata. 1. Aqui ele é chamado Abrão,o hebreu, isto é, filho e seguidor de Eber, em cuja fa­mília a profissão da religião verdadeira era observada até mesmo naquela época degenerada. Abrão, portanto, agia como um hebreu - de maneira não desmereeedora do nome e do caráter de alguém que professa a religião.2. As notícias foram trazidas por um que escapara, cuja vida não foi vitimada. Provavelmente tenha sido um so­domita, tão mau como o pior deles. Mas, conhecendo o parentesco de Abrão com Ló, e a sua preocupação por ele, vem implorar a sua ajuda, e espera ser bem suce­dido, para o bem de Ló. Observe que até mesmo o pior dos homens, quando tiver problemas, ficará satisfeito em declarar que conhece aqueles que são prudentes e bons, pois desta maneira esperam conseguir alcançar os seus interesses. O homem rico no inferno chamou Abrão de Pai. E as virgens loucas tentam agradar as prudentes, para conseguir um pouco do seu óleo.

n Os preparativos que ele fez para esta expedição. A causa era evidentemente boa, a sua obrigação de se envolver nela era clara, e, portanto, com toda rapidez, armou seus servos treinados, nascidos na sua casa, até o número de trezentos e dezoito - uma grande família, mas

um pequeno exército, aproximadamente o mesmo núme­ro que tinha Gideão, que destruiu os midianitas, Juizes7.7. Ele tomou os seus servos treinados, ou discipulados, não somente instruídos na arte da guerra - que então es­tava muito longe da perfeição, e que foi aprimorada por gerações posteriores e piores - mas também instruídos nos princípios da religião. Pois Abrão ordenava que a sua casa observasse os caminhos do Senhor. Isto mostra que Abrão era: 1. Um grande homem, que tinha tantos ser­vos que dependiam dele, e empregados por ele, o que não somente era a sua força e honra, mas também lhe dava uma grande oportunidade de fazer o bem, que é tudo o que é verdadeiramente valioso e desejável em grandes lugares e em grandes propriedades. 2. Um bom homem, que não somente servia pessoalmente a Deus, mas ins­truía todos à sua volta no serviço a Deus. Observe que aqueles que têm grandes famílias não somente têm mui­tos corpos, mas muitas almas, além da sua própria, das quais precisa cuidar e às quais precisa prover. Aqueles que desejam ser considerados seguidores de Abrão de­vem cuidai' para que os seus servos sejam discipulados.3. Um homem prudente. Embora fosse um homem pací­fico, ainda assim disciplinou seus servos para a guerra, sem saber quando teria a necessidade de empregá-los desta maneira. Observe que embora a nossa santa reli­gião nos ensine a sermos pacíficos, ainda assim ela não nos proíbe de atender as necessidades de uma guerra.

Seus aliados e confederados nesta expedição. Ele liderou os seus vizinhos, Aner, Escol e

Manre (com quem tinha uma boa relação) para que fos­sem com ele. Foi prudente fortalecer, desta maneira, as suas próprias tropas com estas forças auxiliares. E pro­vavelmente eles se viram preocupados e tiveram interes­se em agir, como pudessem, contra este poder formidá­

vel, para que a próxima vez não fosse a sua. Observe: 1. É nossa prudência e dever comportarmo-nos de forma tão respeitosa e cortês com os homens de modo que, quando houver oportunidade, eles possam estar dispos­tos e prontos para nos fazer uma gentileza. 2. Até mesmo aqueles que confiam na ajuda de Deus devem, em tem­pos de aflição, fazer uso da ajuda dos homens, conforme a Providência a oferecer. De outra maneira, eles estarão tentando a Deus.

A sua coragem e conduta foram notáveis. 1. Houve uma grande dose de valentia na própria

empreitada, considerando as desvantagens em que ele se encontrava. O que poderia uma família de lavradores e pastores fazer contra os exércitos de quatro príncipes, que acabavam de derramar sangue e ter uma grande vitó­ria? Não era um exército derrotado, mas vitorioso, que ele deveria perseguir. Nem estava ele impelido pela necessi­dade a esta tentativa ousada, mas foi levado a ela pela ge­nerosidade. De modo que, levando tudo em consideração, pelo que eu sei, foi um exemplo tão grande de verdadeira coragem como se atribuiria a Alexandre ou a César. Ob­serve que a religião tende a tornar os homens não covar­des, mas verdadeiros valentes. O justo é corajoso como um leão. O verdadeiro cristão é o verdadeiro herói. 2. Houve uma grande dose de planejamento na administração da empreitada. Abrão não desconhecia os estratagemas de guerra: Ele se dividiu, como Gideão fez com o seu peque­no exército (Jz 7.16), para poder surpreender o inimigo de diversos lados, simultaneamente, desta forma fazendo os seus poucos parecerem muitos. Ele fez o seu ataque à noite, para poder surpreendê-los. Observe que o planeja­mento honesto é um bom amigo, tanto da nossa segurança quanto da nossa utilidade. A cabeça da serpente (desde que não seja semelhante à antiga serpente) pode se tornar um bom corpo cristão, especialmente se nele houver um olho de pomba, Mateus 10.16.

V Seu sucesso foi bastante considerável, w. 15,16. Ele derrotou os seus inimigos, e resgatou os seus

amigos. E não lemos que tenha sofrido nenhuma perda. Observe que aqueles que se aventuram em uma boa cau­sa, com um bom coração, estão sob a proteção especial do Deus bom, e têm motivos para esperar um bom resul­tado. Novamente, para o Senhor é a mesma coisa, livrar com muitos ou com poucos, 1 Samuel 14.6. Observe:

1. Abrão resgatou Ló, o seu parente, que aqui é duas vezes chamado de seu irmão. A lembrança do paren­tesco que havia entre eles, tanto pela natureza quanto pela graça, fez com que Abrão se esquecesse da pequena briga que tinha havido entre eles, na qual Ló não tinha agido nada bem com relação a Abrão. Com razão, Abrão poderia ter censurado Ló pela sua tolice em brigar com ele e separar-se dele, e te r dito que Ló devia estar sa­tisfeito, e que devia saber quando a sorte estava ao seu lado. Mas no seio caridoso do piedoso Abrão, está tudo perdoado e esquecido, e ele aproveita esta oportunidade para dar uma prova real da sinceridade da sua reconci­liação. Observe: (1) Nós devemos estar prontos, sempre que pudermos, a socorrer e aliviar aqueles que sofrem, especialmente nossos parentes e amigos. Na angústia nasce o irmão, Provérbios 17.17. O amigo das horas difí­

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w. 17-20 GÊNESIS 14 86

ceis é um verdadeiro amigo. (2) Embora outros possam estar falhando no seu dever para conosco, não devemos negar o nosso dever para com eles. Alguns disseram que podem perdoar mais facilmente a seus inimigos do que a seus amigos. Mas nós nos veremos forçados a perdoar a ambos, se considerarmos não somente que o nosso Deus, quando éramos inimigos, nos reconciliou, mas também que Ele se esquece da rebelião do restan­te da sua herança, Miquéias 7.18.

2. Ele libertou os outros cativos, por amor a Ló, em­bora fossem estranhos a ele, e ele não tivesse nenhuma obrigação para com eles. Na verdade, embora fossem sodomitas, excessivamente pecadores contra o Senhor, provavelmente, ele pudesse ter recuperado somente a Ló, mas ainda assim ele trouxe de volta todas as mulhe­res, e o povo, e os seus bens, v. 16. Observe que quando houver oportunidade, devemos fazer o bem a todos os homens. A nossa caridade deve ser abrangente, quando houver oportunidade. Onde Deus dá a vida, não deve­mos recusar a ajuda que pudermos dar para sustentá-la. Deus faz o bem aos justos e aos injustos, e também de­vemos fazê-lo, Mateus 5.45. O profeta parece se referir a esta vitória que Abrão obteve contra os reis, Isaías 41.2. Quem suscitou do Oriente o justo e o fez dominar sobre reis? E alguns sugerem que, assim como Abrão tinha an­teriormente o direito a esta terra, por concessão, agorao tinha, por conquista.

O Encontro de Abrão com Melquisedequew. 17-20

Este parágrafo se inicia mencionando o respeito queo rei de Sodoma prestou a Abrão, quando este voltou do assassinato dos reis. Mas, antes que seja fornecido um relato sobre isto, é brevemente narrada a história de Melquisedeque, a cujo respeito observe:

I Quem ele era. Ele era rei de Salém, e sacerdote do Deus Altíssimo. E outras coisas gloriosas são ditas a respeito dele, Hebreus 7.1ss. 1. Os rabinos, e a maioria

dos nossos autores rabínicos, concluem que Melquisede­que era Sem, o filho de Noé, que foi rei e sacerdote da­queles que foram seus descendentes, segundo o modelo patriarcal. Mas isto não é nada provável. Pois por que seria mudado o seu nome? E como é que ele teria vindo se estabelecer em Canaã? 2. Muitos autores cristãos opi­nam que esta foi uma manifestação do próprio Filho de Deus, o nosso Senhor Jesus, conhecido de Abrão, nesta época, por este nome, da mesma maneira como poste­riormente Agar o chamou por outro nome, cap. 16.13. O Senhor apareceu a Abrão como um rei justo, reconhe­cendo uma causa justa, e concedendo paz. É difícil imagi­nar que algum mero homem seja sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, Hebreus 7.3. A respeito de Melquisedeque, está escrito que vive, e que permanece como sacerdote para sem­pre (Hb 7.3,8). Ou ainda (Hb 7.13,14), o escritor diz que aquele de quem essas coisas se dizem é o nosso Senhor, que procedeu de Judá. Da mesma maneira, é difícil pen­sar que algum mero homem, nesta época, pudesse ser maior que Abrão, nas coisas de Deus, que Cristo fosse

um sacerdote sob as ordens de algum mero homem, e que algum sacerdócio humano fosse tão superior ao de Aarão como se sabe que foi o de Melquisedeque. 3. A opinião mais aceita é a de que Melquisedeque era um príncipe cananeu, que reinava em Salém e observava ali a verdadeira religião. Mas, se assim fosse, por que, em toda a história de Abrão, o seu nome só apareceria aqui? e por que Abrão teria altares próprios, e não visitaria os altares do seu vizinho Melquisedeque, que era superior a ele? Isto parece inexplicável. O Sr. Gregory, de Oxford, nos diz que a Catena Arábica, em cuja autoridade ele se baseia, oferece esta explicação sobre Melquisedeque: que ele era filho de Heraclim, filho de Pelegue, filho de Éber, e que o nome da sua mãe era Salatiel, filha de Go- mer, filho de Jafé, filho de Noé.

IT O que ele fez. 1. Ele trouxe pão e vinho, para revigo- X rar Abrão e seus soldados, parabenizando-os pela

sua vitória. Isto ele fez como rei, ensinando-os a fazer o bem e a transmiti-lo, e a sermos hospitaleiros, conforme a nossa capacidade. Ele estava representando as provisões espirituais de força e consolo que Cristo colocou para nós no conceito da graça, para nosso alívio, quando estiver­mos cansados de todos os nossos conflitos espirituais. 2. Sendo sacerdote do Deus Altíssimo, ele abençoou Abrão, o que podemos imaginar que tenha sido, para Abrão, um alívio maior do que tinham sido o seu pão e o seu vinho. Desta maneira, Deus, tendo exaltado o seu Filho Jesus, enviou-o para nos abençoar como alguém que tinha toda a autoridade. E aqueles a quem Ele abençoa são realmen­te bem-aventurados. Cristo foi para o céu, quando estava abençoando os seus discípulos (Le 24.51). Pois isto é o que o bondoso Senhor faz continuamente.

I T T O que Melquisedeque disse, w. 19,20. Ele dis-11 se duas coisas: 1. Ele abençoou a Abrão, com a

bênção de Deus: Bendito seja Abrão do Deus Altíssimo, v. 19. Observe os títulos que agora ele dá a Deus, que são muito gloriosos. (1) O Deus Altíssimo, o que indica as Suas perfeições completas em si mesmo, e o seu domínio soberano sobre todas as criaturas. Ele é o Rei dos reis. Observe que é uma grande ajuda, tanto para a nossa fé, quanto para a nossa reverência na oração, considerar a Deus como o Deus Altíssimo, e assim chamá-lo. (2) Pos­suidor dos céus e da terra, isto é, proprietário legítimo, e Senhor soberano de todas as criaturas, porque Ele as criou. Isto indica que Ele é o grande Deus, e suficien­temente grande para ser louvado (SI 24.1), e feliz é o povo que se interessa pelo seu favor e pelo seu amor. 2. Ele bendisse a Deus, por Abrão (v. 20): e bendito seja o Deus Altíssimo. Observe: (1) Em todas as nossas ora­ções devemos louvar a Deus, e unir aleluias a todas as nossas hosanas. Estes são os sacrifícios espirituais que devemos oferecer diariamente, e também em ocasiões especiais. (2) Deus, sendo o Deus Altíssimo, deve te r a glória em todas as nossas vitórias, Êxodo 17.15; 1 Sa­muel 7.10,12; Juizes 5.1,2; 2 Crônicas 20.21. Nelas, Ele se mostra maior do que os nossos inimigos (Êx 18.11) e maior do que nós. Pois sem Ele nada podemos fazer. (3) Nós devemos dar graças pelas misericórdias recebidas pelos outros, como pelas nossas, triunfando com aqueles que triunfam. (4) Jesus Cristo, nosso grande sumo sacer­

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87 GÊNESIS 14 w. 21-24dote, é o Mediador, tanto das nossas orações quanto dos nossos louvores, e não oferece somente os nossos, mas os seus, por nós. Veja Lucas 10.21.

O que lhe foi feito: Abrão deu-lhe o dízimo de tudo, isto é, dos despojos, Hebreus 7.4. Isto

pode ser considerado: 1. Como gratuitamente concedido a Melquisedeque, como uma retribuição pelos seus sinais de respeito. Observe que aqueles que recebem gentile­zas devem demonstrar gentilezas. A gratidão é uma das leis da natureza. 2. Como uma oferta prometida e dedi­cada ao Deus Altíssimo, e, por isto, colocada nas mãos de Melquisedeque, seu sacerdote. Observe: (1) Quando re­cebemos algum sinal de misericórdia da parte de Deus, é adequado que expressemos a nossa gratidão, por meio de algum ato especial de piedosa caridade. Deus sempre deve receber o que lhe é devido daquilo que temos, es­pecialmente quando, por alguma providência particular, Ele o preservou ou aumentou para nós. (2) Que a déci­ma parte dos nossos ganhos é uma proporção bastante adequada a ser separada para a honra de Deus, e parao serviço do seu santuário. (3) Que a Jesus Cristo, nosso grande Melquisedeque, devemos prestar homenagens. Cada um de nós deve reconhecê-lo, com humildade, como nosso Rei e Sacerdote. Não devemos lhe entregar apenas o dízimo de tudo, mas tudo o que tivermos deve ser entregue a Ele.

O Desinteresse de Abrãow. 21-24

Aqui temos o relato do que aconteceu entre Abrão eo rei de Sodoma, que sucedeu aquele que caiu na batalha (v. 10), e julgou-se obrigado a render esta honra a Abrão, em recompensa pelos bons serviços que ele lhe havia prestado. Aqui temos:

I A oferta de gratidão do rei de Sodoma a Abrão (v. 21): Dá-me a mim as almas e a fazenda toma para ti. Assim consta na versão hebraica. Aqui ele pede, corre­

tamente, as pessoas, mas livremente concede os bens a Abrão. Observe: 1. Onde um direito é dúbio e dividido, é prudente combinar a questão com mútuas concessões em vez de brigar. O rei de Sodoma tinha um direito origi­nal, tanto sobre as pessoas quanto sobre os bens, e have­ria uma discussão se o direito adquirido de Abrão, pelo resgate, excedesse o seu direito e o extinguisse. Mas, para evitar todas as discussões, o rei de Sodoma faz esta justa proposta. 2. A gratidão nos ensina a recompensar com o máximo que pudermos aqueles que enfrentaram a fadiga, correram riscos e estiveram empregados ao nos­so serviço e benefício. Quem jamais milita à sua própria custa?, 1 Coríntios 9.7. Os soldados conquistam o seu pa­gamento a um custo mais elevado do que qualquer traba­lhador, e são muito merecedores de seus ganhos porque expõem a própria vida.

n A generosa recusa de Abrão a esta oferta. Não so­mente ele lhe entregou as pessoas que, tendo sido libertadas das mãos dos inimigos, deveriam ter servido a Abrão, mas também lhe devolveu os bens. Ele não dese­

java tomar desde um fio até à correia dum sapato, nem a menor coisa que tivesse pertencido ao rei de Sodoma ou a qualquer dos seus. Observe que uma fé viva capacita um homem a considerar a riqueza deste mundo com um santo desprezo, 1 João 5.4. O que são todos os ornamen­tos e deleites dos sentidos a alguém que tem Deus e o céu sempre diante dos seus olhos? Ele devolve até mes­mo um fio e uma correia de sapato. Pois uma consciência terna teme causar alguma ofensa, mesmo que seja por alguma coisa pequena. Bem:

1. Abrão ratifica esta resolução com um juram en­to solene: Levantei minha mão ao Senhor, não tomarei coisa alguma de tudo o que é teu, w. 22,23. Observe aqui: (1) Os títulos que ele dá a Deus, o Deus Altíssi­mo, o Possuidor dos céus e da terra, os mesmos que Melquisedeque tinha usado, v. 19. Observe que é bom aprender com os outros como ordenar a maneira de nos referirmos a Deus, e imitar aqueles que falam bem sobre as coisas divinas. Este é o aprimoramento que devemos ter através da convivência com homens bons e devotos. Nós devemos aprender a falar como eles. (2) A cerimônia usada neste juramento: Levantei minha mão. Nos juramentos religiosos nós apelamos ao co­nhecimento de Deus da nossa verdade e sinceridade, e rogamos a sua ira se jurarm os em falso, e o levantar cia mão é muito significativo e expressivo em relação a am­bas as coisas. (3) O assunto deste juramento foi, especi­ficamente, que ele não aceitaria nenhuma recompensa do rei de Sodoma. Aceitar algo teria sido uma atitude legítima, mas Abrão não era, por nenhum antecedente, obrigado a isto. [1] Provavelmente Abrão tinha jurado, antes de ir à batalha, que, se Deus lhe desse sucesso, ele iria, para a glória de Deus e a credibilidade da sua profissão de fé, renunciar a si mesmo e ao seu próprio direito, a ponto de não tomar dos despojos nada para si mesmo. Observe que os votos que fizemos quando está­vamos pedindo uma graça devem ser cuidadosamente e conscientemente guardados quando obtivermos a gra­ça, ainda que sejam contra os nossos interesses. Um cidadão de Sião, se jurar, seja a Deus, ou ao homem, não mudará ainda que isto lhe traga algum dano, Sal­mos 15.4. Ou: [2] Talvez Abrão, vendo agora motivos para recusar a oferta que lhe foi feita, ao mesmo tempo confirmou a sua recusa com este juramento, para evitar insistências posteriores. Observe, em primeiro lugar, que pode haver, algumas vezes, boas razões pelas quais nós devamos negar a nós mesmos aquilo que é o nosso direito incontestável, como o apóstolo Paulo, 1 Corín­tios 8.13; 9.12. Em segundo lugar, as boas decisões são muito úteis para afastar a força das tentações.

2. Ele sustenta a sua recusa com uma boa razão: para que não digas: Eu enriqueci a Abrão, o que refle­tiria uma reprovação: (1) Sobre a promessa e o concerto de Deus, como se eles não tivessem enriquecido a Abrão sem os despojos de Sodoma. E: (2) Sobre a piedade e a caridade de Abrão, como se o seu objetivo, quando em­preendeu esta perigosa expedição, fosse enriquecer. Ob­serve: [1] Nós devemos tomar muito cuidado para não dar oportunidade para que outros digam coisas que não deveriam dizer. [2] O povo de Deus deve, pelo bem da sua credibilidade, tomar cuidado para não fazer nada que pa­reça mesquinho ou mercenário, ou que pareça cobiça e

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GÊNESIS 15 88

interesse próprio. Provavelmente Abrão sabia que o rei de Sodoma era um homem orgulhoso e zombador, e al­guém que seria capaz de converter isto em uma censura posterior a ele, mesmo sendo algo irracional. Quando nós tivermos que nos relacionar com tais pessoas, precisa­mos agir com um cuidado particular.

3. Ele limita a sua recusa a uma dupla condição, v. 24. Ao fazer juramentos, nós devemos inserir cuidado­samente as exceções necessárias, para que não possa­mos dizer, posteriormente, diante do anjo, Foi um erro, Eclesiastes 5.6. Abrão aqui exclui: (1) O alimento dos seus soldados. Eles mereceram o seu alimento enquan­to combateram. Isto não daria pretexto para que o rei de Sodoma dissesse que tinha enriquecido Abrão. (2) A parte dos seus aliados e confederados: Que tenham a sua parte. Observe que aqueles que são rígidos em restringir a sua liberdade não devem impor estas res­trições à liberdade dos outros, nem julgá-los da mesma maneira. Não devemos nos considerar o padrão pelo qual os outros devam ser avaliados. Um bom homem irá renunciar à liberdade que não irá negar a outras pessoas, contrariamente ao costume dos fariseus, Ma­teus 23.4. Não havia a mesma razão pela qual Aner, E s­col e Manre devessem renunciar aos seus direitos. O caso deles era diferente do de Abrão. Eles não tinham feito a profissão de fé que ele tinha feito, nem estavam, como ele, sob a obrigação de um juramento. Eles não tinham a esperança que Abrão tinha de uma terra no outro mundo e, portanto, certamente, que recebam a sua porção neste.

Capítulo 15Neste capítulo, temos uma aliança solene entre Deus e Abrão, a respeito de um concerto que se­ria estabelecido entre eles. No capítulo anterior tivemos Abrão no campo com reis. Aqui nós o en­contramos no monte com Deus. E, embora ali ele parecesse grandioso, na minha opinião aqui ele pa­rece muito mais grandioso: pois há uma honra que todos os grandes homens do mundo têm, mas esta honra que Abrão estava desfrutando no monte é aquela que “têm todos os santos”. O concerto a ser firmado entre Deus e Abrão era um concerto de promessas. E, conseqüentemente, aqui temos: I. Uma garantia geral da bondade de Deus e da sua boa vontade para com Abrão, v. 1. II. Uma decla­ração particular dos propósitos do seu amor por ele, em dois aspectos: 1. Ele lhe daria uma prole numerosa, w. 2-6. 2. Ele lhe daria Canaã como herança, w. 7-21. Se fosse uma propriedade sem um herdeiro, ou um herdeiro sem uma proprieda­de, este teria sido apenas um “meio” consolo para Abrão. Mas Deus lhe assegura ambos. E o que fazia destas duas coisas - a semente prometida e a terra prometida - verdadeiros consolos a este grande crente, era o fato de que estavam relacio­nadas a duas bênçãos de valor inestimável: Cristo e o céu. E assim temos motivos para pensar que Adão as tinha como objetivos.

O Concerto de Deus com AbrãoV. 1

Observe aqui:

I Quando Deus fez esta aliança com Abrão: Depois destas coisas. 1. Depois deste famoso ato de genero­

sa caridade que Abrão tinha feito, resgatando seus ami­gos e vizinhos da aflição, e não por preço nem por recom­pensa. Depois disto, Deus lhe fez esta graciosa visita. Observe que aqueles que demonstram favor aos homens, encontrarão o favor da parte de Deus. 2. Depois daquela vitória que ele tinha obtido sobre quatro reis. Para que Abrão não se sentisse muito elevado e satisfeito com isto, Deus vem a Abrão para dizer-lhe que tinha coisas melho­res reservadas para ele. Observe que uma convivência de fé com as bênçãos espirituais é um meio excelente de nos impedir de ficarmos excessivamente absorvidos por prazeres temporais. Os dons da providência comum não se comparam àqueles do amor do concerto.

n A maneira pela qual Deus falou com Abrão: A palavra do Senhor veio a Abrão (isto é, Deus ma­nifestou a si mesmo, bem como a sua vontade, a Abrão) em uma visão, o que nos faz supor que Abrão estivesse despertado, e então tenha desfrutado de algumas apa­

rições visíveis da Shechinah, ou algum sinal visível da presença da glória divina. Observe que os métodos da revelação divina são adaptados ao nosso estado no mun­do dos sentidos.

A graciosa certeza que Deus deu a Abrão, do seu favor a ele.

1. O Senhor o chamou pelo nome - Abrão, o que lhe foi uma grande honra, e engrandeceu o seu nome, e tam­bém foi um grande incentivo e auxílio à sua fé. Observe que a boa palavra de Deus nos faz bem quando nos é pro­ferida e trazida aos nossos corações pelo seu Espírito. A palavra diz: Ó vós todos (Is 55.1), o Espírito diz: O, tu.

2. Ele o aconselhou a não ficar inquieto nem confuso: Não temas, Abrão. Abrão poderia temer que os quatro reis que ele tinha derrotado o atacassem novamente, e que isto fosse a sua ruína: “Não”, diz Deus, “não tema. Não tema as vinganças deles, nem a inveja dos seus ini­migos. Eu tomarei contra de você”. Observe: (1) Mesmo onde existe uma grande fé, pode haver muitos medos, 2 Coríntios 7.5. (2) Deus toma conhecimento dos temores do seu povo, por mais secretos que sejam, e conhece as suas almas, Salmos 31.7. (3) É a vontade de Deus que0 seu povo não ceda aos medos, aconteça o que aconte­cer. Que os pecadores em Sião tenham medo, mas você, Abrão, não tema.

3. O Senhor garantiu a Abrão segurança e felicida­de, e que ele seria, para sempre: (1) Tão seguro quanto o próprio Deus poderia mantê-lo: Eu sou o teu escudo, ou, um pouco mais enfaticamente, Eu sou o teu grandíssimo galardão, aquele que realmente se preocupa contigo. Veja1 Crônicas 17.24. Não somente o Deus de Israel, mas o Deus para Israel. Observe que consideração há nisto, que o próprio Deus é, e será, um escudo para o seu povo, para protegê-los de todos os males destrutivos, um escudo pronto para eles e um escudo ao seu redor. Isto deveria ser

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89 GÊNESIS 15 w. 2-6suficiente para silenciar todos os seus medos perturbado­res. (2) Tão feliz quanto o próprio Deus poderia fazê-lo: Eu serei o teu grandíssimo galardão. Não somente quem te recompensa, mas a tua recompensa. Abrão generosa­mente tinha recusado as recompensas que o rei de Sodo- ma lhe tinha oferecido, e aqui vem Deus, e lhe diz que ele não perderia nada por isto. Observe: [1] As recompensas da obediência em fé, e da renúncia a si mesmo são muito grandes, 1 Coríntios 2.9. [2] O próprio Deus é a felicidade escolhida e prometida das almas santificadas - escolhida neste mundo e prometida em um mundo melhor. Ele é a porção da sua herança e o seu cálice.

w. 2-6Aqui temos a garantia, dada a Abrão, de uma prole

numerosa que seria sua descendente. Observe:

I A repetição da queixa de Abrão, w. 2,3. Isto foi o que motivou a promessa. A grande aflição que pesava so­bre Abrão era a falta de um filho. E esta queixa ele aqui derrama perante a preciosa face do Deus amoroso, e lhe

expõe a sua angústia, Salmos 142.2. Observe que embora jamais devamos nos queixar de Deus, temos permissão para nos queixar a Ele, e para sermos demorados e de­talhados na declaração dos nossos pesares. E traz alguma tranqüilidade a um espírito carregado, expor o seu caso a um amigo misericordioso e fiel: tal amigo é Deus, cujo ou­vido está sempre aberto. A sua queixa tem quatro partes:1. Ele não tem filhos (v. 3): Eis que me não tens dado se­mente. Não somente sem filho, mas sem semente. Se ele tivesse tido uma filha, dela poderia descender o Messias prometido, que deveria ser a semente de uma mulher. Mas ele não tinha nem filho nem filha. Abrão parece, na minha opinião, enfatizar isto. Seus vizinhos estavam cheios de filhos, os seus servos tinham filhos nascidos na sua casa. “Mas a mim”, Abrão declara com tristeza, “não deste ne­nhum”, mesmo Deus lhe tendo dito que ele seria favorito, acima de todos. Observe que aqueles que julgam que es­teja determinado que não terão filhos, devem ter a certeza de que Deus realmente determinou isto. Uma vez mais, Deus freqüentemente retém, aos seus próprios filhos, os consolos temporais que dá abundantemente a outros, que são estranhos a Ele. 2. Que não era provável que ele tives­se nenhum filho, o que é sugerido pela palavra “ando”, ou “sigo, sem filhos, avançando em anos, descendo a colina. Na verdade, saindo do mundo, percorrendo o caminho de toda a terra. Morro sem filhos”, segundo a Septuaginta. “Deixo o mundo, e não deixo nenhum filho atrás de mim”.3. Que os servos tomam o lugar dos filhos, no presente, e provavelmente no futuro. Enquanto ele vivia, o mordomo da sua casa era Eliezer de Damasco. A ele Abrão confiou a administração da sua família e das suas propriedades, pois podia ser fiel, mas somente como um servo, não como um filho. Quando Abrão morresse, alguém nascido na sua casa seria o seu herdeiro, e governaria sobre tudo aquilo pelo que Abrão tinha trabalhado, Eclesiastes 2.18,19,21. Deus já lhe tinha dito que faria dele uma grande nação (cap. 12.2), e que faria a sua semente tão numerosa quanto o pó da terra (cap. 13.16). Mas Abrão ficou em dúvida, se esta seria a sua semente gerada, ou a sua semente adota­

da, se esta bênção se cumpriria através de um filho dos seus lombos, ou de um filho da sua casa. “Bem, Senhor”, diz Abrão, “se for somente um filho adotado, deverá ser um dos meus servos, o que trará a desgraça à semente prometida, que será descendente dele”. Observe que en­quanto tardam em chegar as graças prometidas, a nossa incredulidade e impaciência são capazes de concluir que estas bênçãos nos foram negadas. 4. Que a falta de um filho era um problema tão grande para ele, que removia o consolo de todos os seus prazeres: “Senhor, que me hás de dar? Tudo isto não será nada para mim, se eu não tiver um filho”. Bem: (1) Se supusermos que Abrão não visava nada além de um consolo temporal, esta queixa mereceria uma punição. Deus, pela sua providência, lhe tinha dado algumas boas coisas, e ainda mais, pela sua promessa. Mas ainda assim Abrão não se importa com elas, porque não tem um filho. Era, realmente, muito pouco apropriado que o pai dos crentes dissesse: Que me hás de dar, pois ando sem filhos, imediatamente depois que Deus tinha dito, Eu sou o teu escudo, o teu grandíssimo galardão. Observe que não avaliam corretamente as vantagens da sua relação de concerto com Deus, e o seu interesse nele, aqueles que não julgam que isto seja suficiente para con­trabalançar a falta de qualquer conforto temporal, qual­quer que seja ele. Mas: (2) Se supusermos que Abrão aqui se referia à semente prometida, a impertinência deste seu desejo era altamente louvável: tudo era como nada para ele, se não tivesse o penhor daquela grande benção, e uma certeza do seu parentesco com o Messias, do qual Deus já o tinha incentivado a manter as expectativas. Ele tem ri­queza, e vitória, e honra. Mas, enquanto for mantido às es­curas sobre o assunto principal, tudo isto será como nada para ele. Observe que até que tenhamos alguma evidência consoladora do nosso interesse em Cristo e no novo con­certo, não devemos ficar satisfeitos com nada mais. “Isto, e aquilo, eu tenho. Mas de que tudo poderá me servir, se continuo sem Cristo” - mas, ainda assim, a queixa mere­ceria uma punição, pois haveria, no seu fundo, certa falta de confiança na promessa, e um cansaço de esperar pela hora de Deus. Observe que os verdadeiros crentes às ve­zes julgam difícil conciliar as promessas de Deus e as Suas providências, quando elas parecem estar em desacordo.

n A graciosa resposta de Deus a esta queixa. A primeira parte da queixa (v. 2), Deus não deu imediatamente uma resposta, porque havia alguma ir­ritação nela. Mas, quando Abrão retoma suas palavras, um pouco mais calmo (v. 3), Deus lhe responde graciosa­

mente. Observe que, se nós continuarmos orando com perseverança, e ainda assim orando com uma humilde submissão à vontade divina, não estaremos buscando ao Senhor em vão. 1. Deus lhe fez uma promessa expressa de um filho, v. 4. Este - que nascer na tua casa - não será o teu herdeiro, como temes. Mas aquele que de ti será gerado, esse será o teu herdeiro. Observe: (1) Deus faz herdeiros. Ele diz: “Este não será, e este será”. E quais­quer que sejam os planos e desígnios dos homens ao es­tabelecer as suas propriedades, o conselho de Deus terá a absoluta prioridade. (2) Deus é freqüentemente melhor para nós do que esperamos. E Ele que aplaca os nossos temores. E o Senhor que nos concede a misericórdia da qual podemos te r perdido a esperança há muito tempo.

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w. 7-11 GÊNESIS 15 902. Para tocá-lo mais com esta promessa, o Senhor levou Abrão para fora, e mostrou-lhe as estrelas (esta visão deve ter ocorrido muito cedo, antes do raiar do dia), e então lhe disse: Assim será a tua semente, v. 5. (1) Tão numerosa. As estrelas parecem incontáveis para um olho comum: Abrão temia não ter nenhum filho, mas Deus lhe garantiu que os descendentes dos seus lombos seriam tantos que não poderiam ser contados. (2) Tão ilustre, semelhante às estrelas, em esplendor. Pois a ela perten­cia a glória, Romanos 9.4. A semente de Abrão, segundo a sua carne, seria como o pó da terra (cap. 13.16), mas a sua semente espiritual é como as estrelas do céu, não somente numerosa, mas gloriosa e muito preciosa.

A firme crença de Abrão na promessa que Deus agora lhe fazia, e a aceitação que Deus faz da

sua fé, v. 6.1. Ele creu no Senhor, isto é, creu na verdade daquela promessa que Deus agora lhe tinha feito, descan­sando sobre o poder irresistível e a inviolável fidelidade Daquele que a fazia. Ele tinha dito, e não o cumpriria? Observe que aqueles que desejam ter o consolo das promessas devem misturar fé às promessas. Veja comoo apóstolo engrandece esta fé de Abrão, e faz dela um exemplo, Romanos 4.19-21. Ele não enfraqueceu na fé. E não duvidou da promessa. Ele foi fortificado na fé. Ele foi completamente persuadido. O Senhor opera esta fé em cada um de nós! Alguns pensam que a expressão “ele creu no Senhor” signifique não somente o Senhor que prome­tia, mas o Senhor prometido, o Senhor Jesus, o Mediador do novo concerto. Abrão creu nele, isto é, recebeu e acei­tou a revelação divina a respeito dele, e exultou por ver o seu dia, embora ainda estivesse tão distante, João 8.56. 2. Deus lhe imputou isto por justiça: isto é, por este motivo ele foi aceito por Deus, e, como os demais patriarcas, pela fé alcançou testemunho de que era justo, Hebreus 11.4. Isto é mencionado com insistência no Novo Testamento, para provai1 que somos justificados pela fé, sem as obras da lei (Rm 4.3; G1 3.6). Pois Abrão foi justificado desta maneira, enquanto ainda era incircunciso. Se Abrão, que era tão rico em boas obras, não foi por elas justificado, mas somente pela sua fé, muito menos seremos nós, que somos tão pobres em boas obras. Esta fé, que foi imputa­da a Abrão por justiça, tinha recentemente lutado com a incredulidade (v. 2) e, saindo vencedora, assim foi coroa­da, assim foi honrada. Observe que uma aceitação prática e fiel da promessa de Deus de graça e glória, e Cristo, e por Cristo, e uma confiança em tal promessa, é aquilo que, segundo o teor do novo concerto, nos dá o direito a todas as bênçãos contidas na promessa. Todos os crentes são justificados, como Abrão o foi, e foi a sua fé que lhe foi imputada por justiça.

w. 7-11Aqui temos a garantia dada a Abrão da terra de Ca-

naã, como herança.

I Deus declara o seu objetivo a respeito da terra, v.7. Observe aqui que Abrão não fez nenhuma queixa

a este respeito, como tinha feito pela falta de um filho. Note que aqueles que têm a certeza de um interesse na

semente prometida não vêem razões para duvidar de um título da terra prometida. Se Cristo é nosso, o céu é nos­so. Observe, novamente, a ocasião em que Abrão creu na promessa anterior (v. 6). Então o Deus maravilhoso lhe explicou, e ratificou a promessa. Observe que ao que tem (e que aprimora o que tem), ser-lhe-á dado. Deus aqui lembra três coisas a Abrão, para seu incentivo a respeito da promessa desta boa terra:

1.0 que Deus é, em si mesmo: Eu sou o Senhor Jeová. E, portanto: (1) “Eu posso dar isto a você, pois Eu sou o Senhor soberano de tudo e de todos, e tenho o direito de dispor de toda a terra”. (2) “Eu posso dá-la a você, qual­quer que seja a oposição, ainda que seja realizada pelos filhos de Anaque”. Deus nunca promete mais do que Ele pode fazer, como os homens fazem freqüentemente. E devemos nos lembrar sempre de que Ele, e só Ele, pode fazer todas as coisas. (3) “Eu cumprirei a minha promessa a você”. Jeová não é um homem, para mentir.

2. O que Ele tinha feito por Abrão. Ele o tinha tirado de Ur dos caldeus, do fogo dos caldeus, segundo alguns, isto é, seja das suas idolatrias (pois os caldeus adoravam o fogo), seja das suas perseguições. Os autores judeus têm uma tradição de que Abrão foi lançado ao fogo por se recusar a adorar ídolos, e foi milagrosamente salvo. Na verdade, é um lugar com este nome. De lá Deus o trouxe por um chamado efetivo, trouxe-o com uma firmeza gra­ciosa, agarrou-o, como se fosse um galho no fogo. Isto foi: (1) Uma misericórdia especial: “Eu o trouxe, e dei­xei a outros, a milhares, para que perecessem ali”. Deus chamou somente a ele, Isaías -51.2. (2) Uma misericórdia espiritual, uma misericórdia para a sua alma, uma liber­tação do pecado e das suas conseqüências fatais. Se Deus salva as nossas almas, podemos te r a certeza de que não nos faltará nada que seja bom para nós. (3) Uma nova misericórdia, recentemente concedida, e, portanto, de­veria ser mais comovente, como aquela que é tão linda, e que encontramos no prefácio dos mandamentos: Eu souo Senhor, que te tirei da terra do Egito. (4) Uma miseri­córdia de base, que serve como alicerce para nós, o início da misericórdia, uma misericórdia peculiar a Abrão, e, portanto, um sinal de misericórdias posteriores, Isaías66.9. Observe como Deus fala disto, como se estivesse se gloriando nisto. Eu sou o Senhor que te tirei. Ele se gloria nisto como um ato de poder e também de graça. Compare com Isaías 29.22, onde Ele se gloria nisto, mui­to tempo depois. Assim diz o Senhor, que remiu a Abraão- que o remiu do pecado.

3. O que o Senhor ainda pretendia fazer por Abrão: “Eu te trouxe até aqui, para dar-te a ti esta terra, para a herdares - não somente para que a possuas, mas para que a possuas como uma herança, que é o título mais doce e garantido”. Observe: (1) A providência de Deus tem desígnios secretos, porém graciosos, em todas as suas variadas dispensações às pessoas boas. Nós não podemos perceber os projetos da Providência, até que os eventos os mostrem em toda a sua misericórdia e gló­ria. (2) O grande objetivo que Deus deseja alcançar em todas as Suas tratativas com o seu povo, é trazê-los em segurança ao céu. Eles são eleitos para a salvação (2 Ts 2.13), chamados para o reino (1 Ts 2.12), gerados para a herança (1 Pe 1.3,4), e tornados adequados para ela, Colossenses 1.12,13; 2 Coríntios 4.17.

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91 GÊNESIS 15 w. 12-16

n Abrão deseja um sinal: Como saberei que hei de herdá-la?, v. 8. Isto não nascia de uma falta de con­fiança no poder nem na promessa de Deus, como a de Za­carias. Mas ele desejava isto: 1. Para o fortalecimento e a confirmação da sua própria fé. Ele creu (v. 6), mas aqui ele

roga: Senhor, ajude-me a combater a minha incredulida­de. Agora ele cria, mas desejava um sinal para ser guar­dado para uma hora de tentação, sem saber como a sua fé poderia, por um evento ou outro, ser abalada e tentada. Observe que todos nós precisamos, e devemos desejar, auxílios do céu para a confirmação da nossa fé, e devemos aproveitar os sacramentos, que são sinais instituídos com este propósito. Veja Juizes 6.36-40; 2 Reis 20.8-10; Isaí- as 7.11,12. 2. Para a ratificação da promessa para a sua posteridade, para que também fossem levados a crer nela. Observe que aqueles que estão satisfeitos devem desejar que os outros também estejam satisfeitos com a verdade das promessas de Deus. João enviou os seus discípulos a Cristo, não tanto para a sua própria satisfação, como para a deles, Mateus 11.2,3. Canaá tipificava o céu. Observe que é algo muito desejável saber que herdaremos a Canaã celestial, isto é, ser confirmados na nossa fé na verdade daquela felicidade, e ter as evidências do nosso direito a ela cada vez mais claras para nós.

m Deus orienta Abrão a fazer preparativos para um sacrificio, pretendendo, com isto, dar-lhe um sinal, e Abrão faz os preparativos adequadamen­te (w. 9-11): Toma-me uma bezerra, etc. Talvez Abrão esperasse algum sinal extraordinário do céu: mas Deus

lhe dá um sinal em um sacrifício. Observe que aqueles que desejarem receber as garantias do favor de Deus, e desejarem ter a sua fé confirmada, devem participar das ordenanças instituídas, e esperar encontrar a Deus nelas. Observe: 1. Deus indicou que cada um dos ani­mais usados para este serviço tivesse três anos de idade, porque então todos estariam na plenitude do seu cresci­mento e força: Deus deve ser servido com o que tiver­mos de melhor, pois Ele é o melhor. 2. Nós não lemos que Deus tenha dado a Abrão instruções especiais sobre como lidar com estes animais e aves, sabendo que ele era tão instruído na lei e no costume de sacrifícios que não precisava de nenhuma instrução especial. Ou tal­vez lhe tenham sido dadas instruções, que ele observou cuidadosamente, embora não tenham sido registradas. Ao menos foi-lhe indicado que eles deveriam ser prepa­rados para a solenidade de ratificação de um concerto. E ele conhecia bem a maneira de prepará-los. 3. Abrão fez como Deus lhe indicou, embora ainda não soubesse como estas coisas se tornariam um sinal para ele. Este não foi o primeiro exemplo da obediência implícita de Abrão. Ele partiu os animais ao meio, de acordo com a cerimônia usada na confirmação de concertos, Jeremias 34.18,19, onde está escrito, O bezerro dividiram em duas partes, passando pelo meio das duas porções. 4. Abrão, tendo feito os preparativos de acordo com as indicações de Deus, agora se pôs a esperar pelo sinal que Deus lhe daria, como o profeta sobre a sua torre de vigia, Habacu- que 2.1. Enquanto tardava a aparição de Deus para reco­nhecer o seu sacrificio, Abrão continuou esperando, com as suas expectativas aumentando com a demora. Quando as aves desciam sobre os cadáveres para comê-los, como

coisas comuns e negligenciadas, Abrão as enxotava (v. 11), crendo que a visão, no final, falaria e não mentiria. Observe que um olho muito vigilante deve ser mantido sobre os nossos sacrifícios espirituais, para não permitir que algo os ataque e os deixe inadequados à aceitação de Deus. Quando pensamentos vãos, como estas aves de rapina, descem sobre os nossos sacrifícios, nós devemos enxotá-los, e não permitir que se alojem dentro de nós, mas comparecer diante de Deus sem distrações.

w. 12-16Aqui temos uma revelação plena e particular feita

a Abrão sobre os propósitos de Deus a respeito da sua semente. Observe:

I Quando Deus veio a ele com esta revelação: Quando o sol se punha, ou se enfraquecia, aproximadamente

à hora do sacrifício da tarde, 1 Reis 18.36; Daniel 9.21. Pela manhã bem cedo, antes do raiar do dia, quando ain­da podiam ser vistas as estrelas, Deus tinha lhe dado ins­truções a respeito dos sacrifícios (v. 5), e podemos supor que tivesse sido o seu trabalho da manhã, pelo menos, prepará-los e deixá-los em ordem. Depois de fazer isto, permaneceu junto a eles, orando e esperando quase até à noite. Observe que o precioso Deus freqüentemente mantém o seu povo muito tempo em expectativa dos con­solos que lhes destina, para a confirmação da sua fé. Mas embora as respostas às orações e o cumprimento das promessas venham lentamente, eles certamente chega­rão. No tempo da tarde, haverá luz.

n Os preparativos para esta revelação. 1. Um pro­fundo sono caiu sobre Abrão, não um sono co­mum devido ao cansaço ou à despreocupação, mas um êxtase divino, como aquele que o Senhor Deus fez cair sobre Adão (cap. 2.21), para que, estando completamen­

te removido da visão das coisas sensíveis, pudesse estar completamente tomado pela contemplação das coisas es­pirituais. As portas do corpo foram trancadas para que a alma pudesse estar em privado e retirada, e pudesse agir mais livremente, mais como ela mesma. 2. Com este sono, grande espanto e grande escuridão caíram sobre ele. Que mudança repentina! Pouco tempo antes disto, nós o vimos aliviando-se nos consolos do concerto de Deus, e em comunhão com Ele. E aqui, grande espanto e grande escuridão caem sobre ele. Observe que os filhos da luz nem sempre andam na luz, mas às vezes nuvens e escuridão estão à sua volta. Esta grande escuridão, que trouxe espanto consigo, tinha alguns propósitos: (1) Despertar um assombro no espírito de Abrão, e possuí- lo com uma santa reverência, para que a familiaridade à qual Deus se comprazia em aceitá-lo não gerasse des­prezo. Observe que o santo temor prepara a alma para a santa alegria. O espírito de escravidão abre caminho para o espírito de adoção. Deus fere primeiro, e depois cura. Humilha primeiro, e depois exalta, Isaías 6.5,6ss.(2) Ser uma amostra dos métodos de tratativas de Deus com a sua semente. Eles deveriam primeiro passar pelo espanto e pela escuridão da escravidão no Egito, e então entrar com alegria na terra prometida. Portanto, o pa­

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w. 12-16 GÊNESIS 15 92triarca deveria te r a antecipação dos seus sofrimentos, antes de ter a previsão da sua felicidade. (3) Ser uma indicação da natureza daquele concerto de peculiarida­de que Deus estava prestes a fazer agora com Abrão. A dispensação do Antigo Testamento, que se baseou neste concerto, foi uma dispensação: [1] De escuridão e obscuridade, 2 Coríntios 3.13,14. [2] De medo e horror, Hebreus 12.18ss.T T T A predição propriamente dita. Diversas coisas JL JL JL são preditaf aqui.

1. A condição de sofrimento para a semente de Abrão, durante muito tempo, v. 13. Que Abrão não se lisonjeie com as esperanças de ter somente honra e prosperidade na sua família. Não, ele deve saber, com toda a certeza, aquilo em que ele não queria crer, que a semente prome­tida seria uma semente perseguida. Observe que Deus permite o pior, em primeiro lugar. Nós devemos sofrer primeiro, e depois reinar. Ele também nos faz conhecer o pior antes da sua chegada, para que, quando venha, não seja uma surpresa para nós, João 16.4. Aqui temos:

(1) Os detalhes dos sofrimentos deles. [1] Serão es­trangeiros. Assim foram, primeiramente em Canaã (SI 105.12), e depois no Egito. Antes de serem senhores da sua própria terra, foram peregrinos em terra estrangei­ra. Os inconvenientes de uma condição incerta tornam um assentamento feliz ainda mais bem vindo. Assim os herdeiros do céu são, primeiramente, peregrinos na te r­ra, em uma terra que não é sua. [2] Eles serão servos. Isto serão, para os egípcios, Êxodo 1.13. Veja como aqui­lo que era o destino dos cananeus (cap. 9.25) se tornou, comprovadamente, a aflição da semente de Abrão: eles são levados a servir, mas com esta diferença - os cana­neus servem sob uma maldição, mas, os hebreus, sob uma benção. E os retos terão domínio na manhã, Salmos49.14. [3] Eles serão sofredores. Aqueles a quem irão servir, os afligirão. Veja Êxodo 1.11. Observe que aque­les que são abençoados e amados por Cristo, freqüente­mente são amargamente afligidos pelos homens ímpios. E Deus prevê isto, e toma conhecimento disto.

(2) A duração dos seus sofrimentos - quatrocentos anos. Esta perseguição teve início com uma zombaria, quando Ismael, filho de uma egípcia, perseguiu Isaque, que nasceu segundo o Espírito, cap. 21.9; Gálatas 4.29. E a zombaria continuou. Pois era uma abominação para os egípcios comei' pão com os hebreus, cap. 43.32. E, fi­nalmente, chegou ao assassinato, o mais vil dos assas­sinatos, o dos seus filhos recém-nascidos. De modo que isto continuou por aproximadamente quatrocentos anos, embora não tanto nas piores condições. Foi um longo pe­ríodo, mas um período limitado.

2. O julgamento dos inimigos da semente de Abrão: Eu julgarei o povo ao qual servirão, v. 14. Isto aponta para as pragas do Egito, pelas quais Deus não somente obrigou os egípcios a libertar Israel, mas os puniu por todas as aflições que lhes tinham imposto. Observe: (1) Embora Deus possa permitir que perseguidores e opres­sores espezinhem o seu povo durante algum tempo, ain­da assim certamente Ele acertará as contas com eles, no final. Pois vem chegando o seu dia. Salmos 37.12,1-3. (2) A punição dos perseguidores é o seu julgamento: é justo que Deus recompense, com tribulações, aqueles que per­

turbam o seu povo. E este é um ato particular de justiça. O julgamento dos inimigos da igreja é uma obra de Deus: Eu julgarei. Deus pode fazê-lo, pois Ele é o Senhor. Ele o fará, pois Ele é o Deus do seu povo, e Ele disse: Minha é a vingança e a recompensa. A Ele, portanto, devemos deixá-la, para que ela seja realizada da sua maneira, e no seu tempo.

3. A libertação da semente de Abrão do Egito. Este grande evento é aqui predito: depois sairão com gran­de fazenda. Aqui está prometido: (1) Que eles seriam enaltecidos: Depois sairão. Isto é, depois de terem sido afligidos por 400 anos, quando se cumprissem os dias da sua servidão, ou depois que os egípcios fossem julgados e assolados pelas pragas. Então poderiam esperar pela libertação. Observe que a destruição dos opressores é a redenção dos oprimidos. Eles não permitirão a saída do povo de Deus até que sejam forçados a fazê-lo. (2) Que seriam enriquecidos: sairão com grande fazenda. Isto se cumpriu, Êxodo 12.35,36. Deus cuidou para que eles ti­vessem não somente uma boa terra à qual ir, mas uma grande quantidade de bens para levarem consigo.

4. Seu feliz estabelecimento em Canaã, v. 16. Não so­mente sairão do Egito, mas virão novamente para cá, à terra de Canaã, onde você está agora. A deseontinuidade da sua posse não cancelaria o seu direito: não devemos considerar perdidos para sempre aqueles consolos que são interrompidos por algum tempo. A razão pela qual eles não deveriam estar de posse da terra da promessa até à quarta geração era porque a medida da injustiça dos amorreus ainda não estaria completa. Israel não pode ter a posse de Canaã até que os amorreus sejam destituídos. E eles ainda não estão prontos para a destruição. O Deus justo determinou que eles não fossem cortados até que tivessem persistido durante tanto tempo no pecado, e chegado a tal profundidade de iniqüidade, até que pudes­se haver uma proporção justa entre o seu pecado e a sua ruína. Portanto, até que chegasse este momento, a semen­te de Abrão não teria a posse. Observe: (1) A medida do pecado se enche gradativamente. Aqueles que continuam impenitentes em caminhos pecaminosos estão acumulan­do ira contra si mesmos. (2) A medida do pecado de alguns povos se enche lentamente. Os sodomitas, que eram ex­cessivamente pecadores contra o Senhor, logo encheram a sua medida. A mesma coisa aconteceu com os judeus, que estavam, em sua profissão de fé, próximos a Deus. Mas a medida da iniqüidade dos amorreus tardou para se en­cher. (3) Esta é a razão da prosperidade dos povos ímpios. A medida da sua injustiça ainda não está cheia. Os ímpios vivem, envelhecem, e se esforçam em poder, enquanto Deus guarda a sua violência para os próprios filhos deles, Jó 21.7,19. Veja Mateus 23.32; Deuteronômio 32.34.

•5. A morte tranqüila de Abrão, e o seu sepultamento, antes que acontecessem estas coisas, v. 15. Assim como ele não viveria para ver aquela boa terra de posse da sua família, mas precisaria m orrer - como viveu peregrino nela, também, para compensar isto, não viveria para ver as aflições que seriam impostas sobre a sua semente, e muito menos compartilharia delas. Isto é prometido a Josias, 2 Reis 22.20. Observe que os homens bons são, às vezes, grandemente favorecidos por serem levados antes do mal, Isaías 57.1. Que satisfaça a Abrão o fato de que, por sua parte:

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93 GÊNESIS 15 w. 17-21(1) Ele irá aos seus pais em paz. Observe: [1] Nem

mesmo os amigos e favoritos do céu estão isentos do gol­pe da morte. Somos nós maiores que o nosso pai Abrão, que está morto? João 8.53. [2] Os homens bons morrem voluntariamente. Eles não são apanhados, não são força­dos, mas se vão. A sua alma não é pedida, como a do rico insensato (Lc 12.20), mas é entregue alegremente: eles não desejam viver para sempre neste mundo passageiro.[3] Na morte, nós vamos para os nossos pais, todos os nossos pais que foram antes de nós à. condição de mortos (Jó 21.32.33), aos nossos pais devotos que foram antes de nós à condição de abençoados, Hebreus 12.23. O primei­ro pensamento ajuda a remover o terror da morte, e o segundo lhe acrescenta consolo. [4] Quando um homem bom morre, morre em paz. Se o seu caminho for a pieda­de, ou seja, o temor e a obediência ao Senhor, o seu fu­turo será paz, Salmos 37.37. A paz exterior, até o final, é prometida a Abrão. Paz e verdade nos seus dias, não im­portando o que virá depois (2 Rs 20.19): a paz com Deus, e a paz eterna, são garantidas a toda a sua semente.

(2) Ele será sepultado em boa velhice. Talvez se faça menção ao seu sepultamento aqui, onde a terra de Canaã lhe é prometida, porque um sepulcro foi a primeira pos­se que ele teve nela. Não somente morreu em paz, mas morreu com honra, morreu e foi sepultado decentemen­te. Não somente morrer em paz, mas m orrer a seu tem­po, Jó 5.26. Observe: [1] A velhice é uma benção. Ela está prometida no quinto mandamento. Agrada à natureza. E permite uma grande oportunidade para ser útil. [2] Especialmente, se for uma boa velhice. Pode ser consi­derada uma boa velhice, em primeiro lugar, a dos que são velhos e saudáveis, não sobrecarregados com as doenças que fazem com que se cansem da vida. Em segundo lu­gar, a velhice daqueles que são velhos e santos, antigos discípulos (At 21.16), cujas cãs se acham no caminho da justiça (Pv 16.31). Uma vida velha e útil, velha e exem­plar em termos de santidade. Esta é, verdadeiramente, uma boa velhice.

w. 17-21Aqui temos:

T O conceito ratificado (v. 17). O sinal que Abrão de- 1. sejava foi dado, finalmente, quando o sol se pôs, de modo que houve escuridão. Pois aquela era uma dispen- sação misteriosa.

1. O forno de fumaça representava a aflição da sua semente no Egito. Eles estavam no forno de fogo (Dt4.20), na fornalha da aflição (Is 48.10), trabalhando no próprio fogo. Eles estavam ali, na fumaça, seus olhos escurecidos, para que não pudessem ver o fim das suas aflições, e para que não se confundissem imaginando o que Deus faria com eles. Nuvens e trevas os rodeavam.

2. A tocha de fogo indica consolo nesta aflição. E isto Deus mostrou a Abrão, ao mesmo tempo em que lhe mostrou o forno de fumaça. (1) A luz indica a libertação do forno. A sua salvação foi como uma tocha acesa, Isaías 62.1. Quando Deus desceu para libertá-los, Ele apareceu em uma sarça que ardia, e não se consumia, Êxodo 3.2.(2) A tocha indica orientação na fumaça. A palavra de

Deus era a sua tocha: esta palavra dita a Abrão também o era, era uma luz brilhando na escuridão. Talvez esta tocha anunciasse a coluna de nuvem e fogo que os tirou do Egito, na qual Deus estava. (3) A tocha de fogo in­dica a destruição dos seus inimigos, que os mantiveram por tanto tempo no forno. Veja Zacarias 12.6. A mesma nuvem que iluminou os israelitas perturbou e queimou os egípcios.

3. Apassagem entre as metades era a confirmação do concerto que Deus agora fazia com ele, para que pudesse ter uma forte consolação, sendo plenamente persuadido de que Deus certamente cumpriria aquilo que prometia. É provável que o forno e a tocha, que passaram entre as metades, os queimasse e consumisse, completando des­te modo o sacrifício, e testificando a sua aceitação por Deus, como aconteceu com Gideão (Jz 6.21), Manoá (Jz13.19,20), e Salomão, 2 Crônicas 7.1. Isto indica: (1) Que os concertos de Deus com o homem são feitos através de sacrifícios (SI 50.5). Cristo é o grande sacrifício, o maior de todos: sem expiação, não há acordo. (2) A aceitação de Deus dos nossos sacrifícios espirituais é um sinal eterno, e um sinal de favores futuros. Veja Juizes 13.23. E, com isto, podemos saber que Ele aceita os nossos sacrifícios, se acender nas nossas almas um fogo santo de piedosos e devotos afetos em relação a estes sacrifícios.

n O concerto é repetido e explicado: Naquele mes­mo dia - que nunca deveria ser esquecido - fez

o Senhor um concerto com Abrão. Isto é, fez uma pro­messa a Abrão, dizendo: A tua semente tenho dado esta terra, v. 18. Aqui temos:

1. Uma repetição da concessão. O bendito Senhor ti­nha dito antes, A tua semente darei esta terra, cap. 12.7;13.15. Mas aqui Ele diz, Eu tenho dado. Isto é: (1) Eu fiz esta promessa, a carta está selada e entregue, e não pode ser cancelada. Observe que as promessas de Deus são presentes de Deus, e assim devem ser consideradas. (2) A possessão é tão garantida, no devido tempo, como se lhes fosse, na verdade, entregue agora. Aquilo que Deus prometeu é tão garantido como se já estivesse feito. Con­seqüentemente, está escrito que aquele que crê tem a vida eterna (Jo 3.36), pois irá para o céu, e isto é tão certo como se já estivesse lá.

2. Uma lista dos detalhes da concessão, como é usual nas concessões de terras. O Senhor especifica os limites da terra que aqui deve ser concedida, v. 18. E então, para maior garantia, como é usual em tais casos, Ele mencio­na aqueles de cuja posse e ocupação estas terras eram agora. Dez nações diversas, ou tribos, são aqui mencio­nadas (w. 19-21). Elas deverão ser expulsas, para abrir lugar para a semente de Abrão. O povo do Senhor não estaria de posse de todas estas nações quando Ele os trouxesse a Canaã, Os limites são muito mais estreitos, Números 34.2,3ss. Mas: (1) No tempo de Davi e de Salo­mão, a jurisdição deles se estendia até o extremo destes limites, 2 Crônicas 9.26. (2) Foi por sua própria culpa que não estiveram de posse de todos estes territórios antes, e por mais tempo. Eles perderam o seu direito devido aos pecados que praticaram, e pela sua própria preguiça e covardia não tiveram a posse. (3) A terra concedida é aqui descrita na sua máxima amplitude porque devia ser um tipo da herança celestial, onde há espaço suficiente:

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w. 1-3 GÊNESIS 16 94Na casa de meu Pai há muitas moradas. Os atuais ocu­pantes são mencionados porque o seu número, força, e longa permanência não seriam obstáculos para o cum­primento desta promessa no seu devido tempo, e para engrandecer o amor de Deus por Abrão e pela sua se­mente, ao dar a esta nação única as posses de muitas na­ções, por serem tão preciosos e tão glorificados aos seus olhos, Isaías 43.4.

Ca p ít u l o 16

Agar é a pessoa que desperta mais interesse na história deste capítulo, uma egípcia obscura, cujo nome e história nós não conheceríamos jamais, se a Providência não a tivesse trazido à família de Abrão. Provavelmente era uma destas servas queo rei do Egito, entre outros presentes, concedeu a Abrão, cap. 14.16. A respeito dela, lemos qua­tro coisas, neste capítulo: I. Seu casamento com Abrão, seu senhor, w. 1-3. II. Seu mau comporta­mento para com Sarai, sua senhora, w. 4-6. III. A sua conversa com um anjo que a encontrou na sua fuga, w. 7-14. IV O fato de que ela deu à luz um filho, w. 15,16.

Abrão, Sarai e Agarw. 1-3

Aqui temos o casamento de Abrão com Agar, que seria sua segunda esposa. Nisto, embora possa haver alguma desculpa para ele, ele não pode ser justificado, pois não foi assim desde o princípio. E, quando o fato aconteceu, parece ter nascido de um desejo irregular de constituir famílias para povoar mais rapidamente o mundo e a igreja. Certamente não dever ser assim ago­ra. Cristo reduziu esta questão à primeira instituição, e definiu a união do casamento somente entre um homem e uma mulher. Bem:

I Quem celebrou esta união (Alguém saberia dizer?)- foi a própria Sarai: disse Sarai a Abrão: Entra,

pois, à minha serva, v. 2. Observe: 1. Uma artimanha de Satanás é nos tentar por meio dos nossos parentes mais próximos e queridos, ou por aqueles amigos que consi­deramos, e pelos quais temos afeto. A tentação é mais perigosa quando é enviada por unia mão que é menos suspeita: é nossa prudência, portanto, considerar, não tanto quem fala, quanto o que é dito. 2. Os mandamentos de Deus levam em conta o nosso consolo e a nossa honra muito melhor do que os nossos próprios planos o fazem. Teria sido muito mais favorável ao interesse de Sarai se Abrão tivesse seguido a lei de Deus, em vez de deixar-se guiar pelos seus projetos tolos. Mas nós freqüentemente fazemos mal a nós mesmos.

O que motivou isto: a esterilidade de Sarai.1. Sarai não gerou filhos a Abrão. Ela era muito

formosa (cap. 12.14), era uma esposa muito agradável e obediente, e compartilhava com ele as suas grandes

posses. Mas ainda assim, era estéril. Observe: (1) Deus dispensa os seus dons de maneira variada, carregando- nos, mas não sobrecarregando-nos, de benefícios: uma ou outra cruz está indicada para acompanhar as grandes alegrias. (2) A graça de te r filhos freqüentemente é dada aos pobres e negada aos ricos, dada aos ímpios e nega­da às pessoas boas, embora os ricos tenham mais para deixar para os filhos, e as pessoas boas possam cuidar melhor da sua educação. Deus faz tudo como lhe apraz.

2. Ela reconheceu a providência de Deus nesta afli­ção: o Senhor me tem impedido de gerar. Observe: (1) Assim como, quando há filhos, é Deus quem os dá (cap. 33.5), também quando eles faltam, é Ele quem os impe­de, cap. 30.2. Esta decisão pertence ao Senhor. (2) Con­vém que reconheçamos isto, para que possamos usá-lo e aproveitá-lo, como uma aflição que Ele permite com propósitos santos e sábios.

3. Ela usou isto como um argumento junto a Abrão, para que se casasse com a sua serva. E ele foi persu­adido, por este argumento, a fazer isto. Observe: (1) Quando os nossos corações estão muito preocupados por qualquer consolo mundano, nós somos facilmente convencidos a usar métodos indiretos para obtê-lo. Os desejos desordenados normalmente produzem esforços ilícitos. Se os nossos desejos não forem mantidos sub­missos à providência de Deus, os nossos esforços dificil­mente serão mantidos sob os limites dos seus preceitos.(2) É pela falta de uma firme confiança na promessa de Deus, e de uma paciente espera pelo tempo de Deus, que nós saímos do caminho do nosso dever para agarrar uma misericórdia esperada. Aquele que crê não se precipita.

4. Temos razões para pensar que a aquiescência de Abrão à proposta de Sarai tenha nascido de um fervoroso desejo da semente prometida, a quem o concerto deveria ser transferido. Deus tinha dito a ele que o seu herdeiro deveria ser um filho da sua carne, mas ainda não lhe tinha dito que deveria ser um filho gerado por Sarai. Por isto, Abrão pensou: “Por que não, com Agar, uma vez que a pró­pria Sarai o propôs”. Observe: (1) As tentações tolas podem ter pretextos aparentemente muito justos, e se apresentar disfarçadas de algo que é muito plausível. (2) A sabedoria da carne, da mesma maneira como antecipa o tempo da mi­sericórdia de Deus, também nos tira do caminho de Deus.(3) Isto pode ser evitado alegremente se pedirmos o conse­lho de Deus, pela Palavra e pela oração, antes de nos em­penharmos naquilo que é importante e suspeito. Isto faltou a Abrão. Ele se casou sem o consentimento de Deus. Esta persuasão não veio Daquele que o chamou.

w. 4-6Aqui temos as más conseqüências imediatas do in­

feliz casamento de Abrão com Agar. Um grande mal se produz rapidamente. Quando nós não agimos bem, o pe­cado e os problemas estão à porta. E podemos agradecer a nós mesmos pela culpa e pela tristeza que nos acom­panham quando saímos do caminho do nosso dever. Veja isto nesta história.

I Sarai é desprezada, e, desta maneira, sente-se pro­vocada e se irrita, v. 4. Tão logo Agar percebe estar

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95 GÉNESIS 16 w. 7-9grávida de um filho do seu senhor, passa a considerar a sua senhora com desprezo, talvez criticando-a pela sua esterilidade, insultando-a, para irritá-la (como em 1 Sm1.6). Ela estava se gabando das perspectivas que tinha de trazer um herdeiro a Abrão, para aquela boa terra, e para o cumprimento da promessa. Agora ela se julga uma mulher melhor do que Sarai, mais favorecida pelo Céu, e com probabilidades de ser mais amada por Abrão. E por isto já não é mais submissa, como costumava ser. Observe: 1. Os espíritos inferiores e servis, quando fa­vorecidos e promovidos, seja por Deus ou pelo homem, podem se tornar arrogantes e insolentes, e esquecer seu lugar e origem. Veja Provérbios 29.21; 30.21-23. É difícil atribuir a honra àqueles que realmente devem ser hon­rados. 2. Nós sofremos, com razão, por causa daqueles a quem agradamos de maneira pecaminosa. E é justo que Deus converta em instrumentos de nossa aflição aqueles aos quais tornamos instrumentos do nosso pecado, e que nos aprisione nos nossos próprios maus conselhos: o que revolve a pedra, esta sobre ele rolará.

n Sarai reclama com Abrão, que não consegue fi­car tranqüilo enquanto Sarai está de mau humor.

Ela o repreende veementemente, e, de maneira muito injusta, culpa-o pela ofensa (v. 5): Meu agravo seja so­bre ti, com uma suspeita ciumenta e irracional de que ele permitia a insolência de Agar. E, como se não desejasse ouvir o que Abrão tinha a dizer, para retificar o engano e absolver-se, irrefletidamente apela a Deus, no caso: O Senhor julgue entre mim e ti. Como se Abrão tivesse se recusado a lhe dar a razão. Assim Sarai, na sua paixão, fala como falaria uma das mulheres tolas. Observe: 1. Há um absurdo do qual as pessoas passionais freqüen­temente são culpadas: de discutir com os outros por algo de que elas mesmas são culpadas. Sarai não podia deixar de reconhecer que ela tinha dado a sua serva a Abrão, e ainda assim grita: Meu agravo seja sobre ti, quando de­veria ter dito, Que tola eu fui ao fazer isto! Nunca é dito com prudência aquilo que é composto pelo orgulho e pela raiva. Quando a paixão está no trono, a razão está do lado de fora, e não é ouvida nem dita. 2. Não estão sempre certos aqueles que se apressam a apelar a Deus em altos brados. As imprecações impensadas e ousadas normal­mente são evidências de culpa e de maus motivos.

Agar fica aflita e foge da casa, v. 6. Observe:1. A mansidão de Abrão entrega a questão da

serva a Sarai, cuja ocupação apropriada seria governar esta parte da família: Eis que tua serva está na tua mão. Embora ela fosse sua esposa, ele não poderia tolerá-la, nem protegê-la, em nada que fosse desrespeitoso a Sa­rai, por quem ele ainda tinha o mesmo afeto que sempre teve. Observe que aqueles que desejam manter a paz eo amor devem dar respostas suaves até mesmo às acu­sações mais duras. Maridos e esposas, particularmente, devem estar de acordo, empenhando-se para não se zan­garem mutuamente. Ceder é uma atitude que pacifica grandes ofensas. Veja Provérbios 15.1.2. A paixão de Sa­rai se vinga em Agar: Sarai lidou duramente com ela, não somente confinando-a ao seu lugar e trabalho comum de serva, mas provavelmente fazendo-a servi-la com rigor. Note que Deus observa e sente um profundo desagrado

devido às aflições que os senhores rudes impõem irra­cionalmente aos seus servos. Eles deveriam contei' as ameaças, tendo o mesmo pensamento de Jó: Aquele que me formou não o fez também a ele?, Jó 31.15. 3. O orgu­lho de Agar não pôde suportar isto, e o seu espírito ficou impaciente pelas críticas: ela fugiu de sua face. Ela não só evitou a ira imediata de Sarai - como Davi evitou a de Saul - mas abandonou totalmente o seu serviço, e fugiu da casa, esquecendo-se: (1) Do mal que tinha feito à sua senhora, cuja serva ela era, e ao seu senhor, cuja esposa ela era. Observe que o orgulho dificilmente será conti­do por alguns laços do dever. Não, nem por muitos. (2) De que ela mesma tinha feito a provocação em primeiro lugar, ao desprezar a sua senhora. Observe que aqueles que sofrem por suas próprias faltas devem suportar pa­cientemente os seus sofrimentos, 1 Pedro 2.20.

w. 7-9Aqui está a primeira menção que temos, nas Escri­

turas, da aparição de um anjo. Agar era um tipo da lei, que foi dada pela disposição dos anjos. Mas o mundo vin­douro não se sujeita a eles, Hebreus 2.5. Observe:

I Como o anjo a prendeu na sua fuga, v. 7. Aparente­mente, ela se dirigia à sua própria nação. Pois estava

no caminho de Sur, que fica na direção do Egito. E bom que as nossas aflições nos façam pensar na nossa casa, que é o melhor lugar. Mas Agar estava fora do seu lu­gar, e fora do caminho do seu dever, e desviando-se cada vez mais, quando o anjo a encontrou. Observe: 1. É uma grande graça ser interceptado em um caminho de peca­do, seja pela consciência ou pela Providência. 2. Deus permite que aqueles que saem do caminho vagueiem du­rante algum tempo, para que quando virem a sua tolice, e a confusão em que se meteram, possam estar mais dis­postos a retornar. Agar não foi interceptada até chegar do deserto, e assentar-se, bastante cansada, junto a uma fonte de água limpa com que poderia se refrescar. Deus nos leva para o deserto, e ali nos encontra, Oséias 2.14.

Como ele a examinou, v. 8. Observe:1. Ele a chamou de Agar, serva de Sarai: (1) Como

uma repreensão pelo seu orgulho. Embora fosse esposa de Abrão, e, como tal, estivesse obrigada a retornar, ainda assim ele a chama de serva de Sarai, para humilhá-la. Ob­serve que embora a educação nos ensine a tratar os outros pelos seus títulos mais elevados, ainda assim a humildade e a sabedoria ensinam que devemos nos chamar pelos nos­sos nomes ou títulos mais humildes. (2) Como uma repre­ensão pela sua fuga. A serva de Sarai deveria estar na ten­da de Sarai, e não perambulando pelo deserto e passeando ao lado de uma fonte de água. Observe que é bom que nós freqüentemente tenhamos em mente qual é o nosso lugar e o nosso relacionamento. Veja Eclesiastes 10.4.

2. As perguntas que o anjo fez a Agar foram muito adequadas e muito pertinentes. (1) De onde vens? Con­sidere que você está fugindo, tanto do dever ao qual está obrigada, quanto dos privilégios com os quais foi abenço­ada na tenda de Abrão. Observe que é uma grande van­tagem viver em uma família religiosa, e isto devem levar

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w. 10-14 GÊNESIS 16 96em consideração aqueles que têm esta vantagem. Mas, ainda assim, a cada leve estímulo, parece que estão pron­tos a se esquecer disto. (2) Para onde vais? Agar está correndo para o pecado, no Egito (se ela voltar àquele povo, estará voltando aos seus deuses), e ao perigo, no deserto, pelo qual ela deveria viajar, Deuteronômio 8.15. Note que aqueles que estão abandonando a Deus e ao seu dever fariam bem em se lembrar não somente de onde caíram, mas da direção à qual estão caindo. Veja Jeremias 2.18: Que te importa a ti (como a Agar) o cami­nho do Egito? João 6.68.

3. A resposta dela foi honesta, e uma confissão jus­ta: Venho fugida da face de Sarai, minha senhora. Nesta resposta: (1) Ela reconhece o seu erro em fugir da sua se­nhora, mas: (2) Tenta desculpar este erro, porque fugiu da face, do desprazer, da sua senhora. Observe que os filhos e servos devem ser tratados com brandura e gentileza, para que não os levemos a tomar algum caminho ilícito, tornando-nos, desta maneira, cúmplices dos seus pecados, o que nos condenará, embora não os justifique.

4. Como o anjo a enviou de volta, com um conselho adequado e misericordioso: Torna-te para tua senhora e humilha-te debaixo de suas mãos, v. 9. Vá para casa, e humilhe-se por aquilo que você fez de errado, e peça per­dão, e decida-se, para o futuro, a comportar-se melhor. Ele não deixa dúvidas de que ela seria bem vinda, embora não pareça que Abrão a tivesse procurado. Observe que aqueles que deixaram o seu lugar e o seu dever, quando são convencidos do seu erro, devem apressar a sua volta e correção, por mais mortificante que isto possa ser.

A Promessa a respeito de Ismaelw. 10-14

Podemos supor que depois que o anjo deu a Agar este bom conselho (v. 9), de voltar à sua senhora, ela ime­diatamente prometeu fazê-lo, e colocou-se no caminho de casa. E então o anjo prosseguiu incentivando-a, com uma garantia daquilo que o Deus misericordioso tinha reser­vado para ela e para a sua semente: pois Deus encontra­rá com misericórdia aqueles que estiverem retornando ao seu dever. Dizia eu: Confessarei, e Tu perdoaste, Sal­mos 32.5. Aqui temos:

I Uma predição a respeito dos seus descendentes, que lhe é dada para consolá-la na sua aflição atual.

A sua condição é percebida: Eis que concebeste. E por isto a sua presença não é adequada neste lugar. Obser­ve que é um grande consolo para as mulheres grávi­das pensarem que estão sob o conhecimento e cuidado particular da Providência divina. Deus graciosamente leva em consideração o seu caso, e lhe proporciona a ajuda necessária. Bem: 1. O anjo lhe garante que terá um parto seguro, e que será um menino, que era o que Abrão desejava. Esta fuga poderia te r destruído a es­perança dela de um descendente. Mas Deus não lidou com ela segundo a sua tolice. Terás um filho. Ela foi salva na gravidez, não somente pela providência, mas pela promessa. 2. Ele dá o nome ao filho dela, o que era uma honra, tanto para ela quanto para ele: chamarás o seu nome Ismael - Deus ouve. E a razão para isto é

que o Senhor ouviu a sua aflição. Ele ouviu, e, portanto, também ouvirá em outros momentos de necessidade. Observe que a experiência que temos da bondade opor­tuna de Deus para nós, na nossa aflição, deve nos in­centivar a esperar um auxílio semelhante em situações similares, Salmos 10.17. Ele ouviu a tua aflição, v. 11. Observe que mesmo onde há pouco clamor e devoção, o Deus piedoso às vezes ouve graciosamente o clamor dos aflitos. As lágrimas falam tão bem quanto as orações. Isto traz consolo aos aflitos, o fato de que Deus não so­mente vê quais são as suas aflições, mas ouve o que eles dizem. Observe, além disto, que os auxílios oportunos, em um dia de aflição, devem ser sempre lembrados com gratidão a Deus. Em tal ocasião, em tal dificuldade, o Senhor ouviu a voz da minha aflição, e me ajudou. Veja Deuteronômio 26.7; Salmos 31.22. 3. Ele promete a ela uma descendência numerosa (v. 10): Multiplicarei so­bremaneira a tua semente - multiplicarei, do hebraico- isto é, multiplicarei em todas as gerações, de modo a perpetuá-la. Supõe-se que os turcos da atualidade des­cendam de Ismael. E eles são, de fato, um povo bastan­te numeroso. Isto foi uma continuação da promessa fei­ta a Abrão: farei a tua semente como o pó da terra, cap.13.16. Observe que muitos que são filhos de pais fiéis ao Senhor têm, por causa destes, uma grande cota de bênçãos externas comuns, embora, como Ismael, não sejam levados a um concerto: muitos são multiplicados sem ser santificados. 4. Ele indica uma característica do filho que ela iria ter, que, ainda que possa nos pare­cer desagradável, talvez não fosse desagradável a ela (v. 12): Ele será um homem bravo. Um homem como um jumento selvagem (este é o significado da palavra), rude, e valente, e não temente aos homens - indomável, intratável, sem limites, e impaciente com o serviço e as restrições. Observe que os filhos da escrava, que estão fora do concerto com Deus, são, quando nascem, como o jumentinho selvagem; é a graça que reivindica os ho­mens, educa-os e torna-os prudentes e bons para algu­ma coisa. Está predito: (1) Que ele viverá lutando, e em estado de guerra: A sua mão será contra todos - este é o seu pecado. E a mão de todos será contra ele - esta é a sua punição. Observe que aqueles que têm espíri­tos turbulentos normalmente têm vidas problemáticas. Aqueles que são provocadores, irritantes e ofensivos a outros, devem esperar ser recompensados com a mes­ma moeda. Aquele que tem a sua mão e a sua língua contra todos os homens terá a mão e a língua de todos os homens contra si, e não terá razão de se queixar dis­to. E, ainda assim: (2) Que ele viverá em segurança, e manterá os seus contra todo o mundo: habitará diante da face de todos os seus irmãos. Embora seja ameaça­do e insultado por todos os seus vizinhos, ainda assim ele conservará o seu terreno, e por causa de Abrão, mais do que por sua própria causa, será capaz de viver bem com eles. De maneira similar, lemos (cap. 25.18) que ele morreu, como viveu, na presença de todos os seus irmãos. Observe que muitos que são bastante ex­postos pela sua própria imprudência ainda assim são estranhamente preservados pela divina Providência, pois Deus é muito melhor para eles do que merecem, quando não somente perdem a vida pelo pecado, mas a arriscam por causa deste.

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97 GÊNESIS 17 w. 15,16

n A reflexão piedosa de Agar sobre esta graciosa aparição de Deus a ela, w. 13,14. Observe, nas suas palavras:

1. A sua respeitosa adoração à onisciência e providên­cia de Deus, aplicando-as a si mesma: ela invocou o nome do Senhor que com ela falava, isto é, desta maneira ela fez uma confissão do seu glorioso nome. Isto ela disse em seu louvor: Tu és o Deus que me vê. Este seria, na vida dela, o nome do Deus maravilhoso para sempre. E este seria o seu memorial, pelo qual ela o conheceria e dele se lembraria enquanto vivesse: o Deus que me vê. Observe: (1) O Deus com quem nos relacionamos é o Deus que vê, e o Deus que vê tudo. Os antigos o expressam da seguin­te forma: “Deus é só olhos”. (2) Nós devemos reconhecer isto e aplicá-lo a nós mesmos. Aquele que tudo vê, me vê (SI 139.1), Senhor, Tu me sondaste e me conheces. (3) Uma consideração a Deus repleta de fé, como ao Deus que nos vê, será muito útil para nós quando nos dirigir­mos a Ele. Há uma palavra bastante adequada para um penitente: [1] “Tu vês o meu pecado e a minha tolice”. Eu pequei perante ti, diz o filho pródigo. Diante dos teus olhos, diz Davi. [2] “Tu vês a minha tristeza e aflição”. A isto Agar se refere, especialmente. Mesmo quando so­mos levados à aflição pela nossa própria tolice, Deus não nos abandona. [3] “Tu vês a sinceridade e a seriedade do meu retorno e do meu arrependimento. Tu vês os meus lamentos secretos pelo pecado, e os meus movimentos secretos em direção à tua presença”. [4] “Tu me vês, se eu, em qualquer instante, me afastar de ti”, Salmos44.20,21. Este pensamento deve sempre nos afastar do pecado, e nos entusiasmar em relação ao dever. Tu, ó Deus, me vês.

2. A humilde admiração de Agar pelo favor que Deus lhe concedeu: “Não olhei eu também para aquele que me vê?” Aqui eu vi pelas costas aquele que me vê - assim pode ser interpretado, pois a palavra é muito parecida com a de Êxodo 33.23. Ela não o viu face a face, mas como por espelho, 1 Coríntios 13.12. Agar provavelmen­te não soube quem estava falando com ela, até que Ele estivesse partindo (como em Jz 6.21,22; 13.21), e então o procurou, com uma reflexão semelhante à dos dois discí­pulos, Lucas 24.31,32. Ou: Não vi aqui aquele que me vê? Observe: (1) A comunhão que as almas santas têm com Deus consiste em que o contemplem com fé, como um Deus que as contempla com favor. Este relacionamen­to é mantido através do olhar. (2) O privilégio da nossa comunhão com Deus deve ser considerado como algo prodigioso e digno de admiração: [1] Ao considerarmos quem somos, e que, mesmo assim, fomos aceitos para este favor. “Eu? Eu que sou tão mesquinho, eu que sou tão vil”?, 2 Samuel 7.18. [2] Ao considerarmos o lugar em que somos assim favorecidos - aqui também? Não somente na tenda de Abrão, e no seu altar, mas também aqui, neste deserto? Aqui, onde eu não esperava por isto, onde eu estava fora do caminho do meu dever? Senhor, como pode ser?, João 14.22. Alguns entendem a respos­ta a esta pergunta como uma negativa, interpretando-a, deste modo, como uma reflexão penitente: “Não olhei eu também para Deus - mesmo na minha aflição e no meu sofrimento? Não, mas eu fui, como sempre, descuidada e despreocupada em relação a Ele. Porém ainda assim Ele me visitou e demonstrou tamanha consideração para

com a minha pessoa”, pois Deus freqüentemente nos an­tecipa os seus favores, e é achado por aqueles que não o buscavam, Isaías 65.1.

O nome que assim foi dado a este lugar: Beer- Laa i-Roi (versão RA), O poço daquele que vive

e me vê (versão NTLH), v 14. E provável que Agar te­nha dado este nome ao lugar. E ele foi conservado por muito tempo, in perpetuam rei memoriam - como um memorial perpétuo deste evento. Este foi um lugar ondeo Deus da glória manifestou o seu conhecimento espe­cial, e cuidou de uma pobre mulher em aflição. Observe:1. Aquele que vê tudo e todos, sempre esteve vivo, e vi­verá para sempre. Ele vive e nos vê. 2. Aqueles que são graciosamente aceitos à comunhão com Deus, e recebem consolos oportunos dele, devem contar aos outros o que Ele fez pelas suas almas, para que os outros também possam ser incentivados a buscá-lo e a confiar nele. 3. Devemos nos lembrar eternamente das graciosas mani­festações de Deus a nós. Jamais devemos esquecê-las.

O Nascimento de Ismaelw. 15,16

Aqui se supõe, embora não esteja expressamente registrado, que Agar fez o que o anjo lhe ordenou, retor­nando à sua senhora e submetendo-se: e então, na ple­nitude do tempo, ela deu à luz o seu filho. Observe que aqueles que obedecem os preceitos divinos terão os con­solos das promessas divinas. Este era o filho da escrava, que nasceu segundo a carne (G14.23), representando os judeus incrédulos, Gálatas 4.25. Observe: 1. Há muitos que, apesar de chamarem Abraão de pai, são nascidos segundo a carne, Mateus 3.9. 2. A semente carnal, na igreja, nasce antes da espiritual. É mais fácil persuadir os homens a assumir uma aparência de santidade, do que persuadi-los a se sujeitar ao poder da santidade.

C a p í t u l o 17Este capítulo contém artigos do concerto cele­brado e concluído entre o grande Jeová, o Pai das misericórdias, por um lado, e o piedoso Abrão, o pai dos fiéis, por outro. Abrão é, portanto, chama­do de “amigo de Deus”, não somente porque foi o homem do seu conselho, mas porque foi o homem do seu concerto. Estes dois segredos estavam com ele. Foi feita menção a este concerto (cap. 15.18), mas aqui ele é particularmente redigido e colocado sob a forma de um concerto, para que Abrão pu­desse ter uma firme consolação. Aqui estão: I. As circunstâncias em que se celebrou este concerto, a ocasião e a forma (v. 1), e a posição em que estava Abrão, v. 3. II. O concerto propriamente dito. No seu escopo geral, v. 1. E, posteriormente, nos seus detalhes particulares. 1. Que ele seria o pai de uma multidão de nações (w. 4,6) e, como símbolo disto, seu nome foi alterado, v. 5.2. Que Deus seria Deus para ele e para a sua semente, e lhes daria a terra

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w. 1-3 GÉNESIS 17 98de Canaá, w. 7,8. E o selo desta parte do concerto foi a circuncisão, w. 9-14. 3. Que ele teria um filho com Sarai, e, como símbolo disto, o nome dela foi alterado, w. 15,16. Esta promessa Abrão recebeu, v. 17. E o seu pedido sobre Ismael (v. 18) foi aten­dido, para sua abundante satisfação, w. 19-22. III.A circuncisão de Abrão e de sua família, de acordo com a recomendação de Deus, v. 23ss.

O Concerto com Abraão É Renovadow. 1-3

Aqui temos:

I A ocasião em que Deus fez esta graciosa visita a Abrão: Quando ele tinha noventa e nove anos, treze anos completados depois do nascimento de Ismael. 1. Durante

este tempo, aparentemente, as aparições extraordinárias de Deus a Abrão tinham estado interrompidas. E toda a comunhão que ele tinha com Deus era somente na forma comum de ordenanças e providências. Observe que exis­tem alguns consolos especiais, que não são o pão cotidiano, não, nem dos melhores santos, mas eles são favorecidos com eles, de vez em quando. Deste lado do céu nós temos o alimento conveniente, mas não um banquete contínuo. 2. Durante este tempo, a promessa de Isaque foi adiada. (1) Talvez para corrigir o precipitado casamento de Abrão com Agar. Observe que os consolos que nós antecipamos de for­ma pecaminosa são, com razão, adiados. (2) Para que, sendo Abrão e Sarai tão avançados em idade, o poder de Deus, neste assunto, pudesse ser mais enaltecido, e a sua fé, ain­da mais testada. Veja Deuteronômio 32.36; João 11.6,15. (3) Para que um filho esperado por tanto tempo pudesse ser um Isaque, um filho realmente, Isaías 54.1.

n A maneira como Deus fez este concerto com ele: Apareceu o Senhor a Abrão, na Shekinah, alguma demonstração visível da presença gloriosa de Deus com ele. Observe que Deus primeiro se dá a conhecer a nós, e nos dá um sinal de sua parte, pela fé, e então nos aceita

no seu concerto.A posição em que Abrão se colocou, nesta oca­sião: Ele se prostrou sobre o seu rosto enquanto

Deus falava com ele, v. 3.1. Como alguém dominado pelo esplendor da glória divina, e incapaz de suportar a visão dela, embora a tivesse visto diversas vezes antes. Daniel e João fizeram a mesma coisa, embora também estivessem familiarizados com as visões do Todo-Poderoso, Daniel 8.17; 10.9,15; Apocalipse 1.17. Ou: 2. Como alguém enver­gonhado quanto a si mesmo, e ruborizado ao pensar nas honras feitas a alguém tão indigno. Ele se considera com humildade, e a Deus, com reverência. E, como sinal de ambas as coisas, se prostra sobre o seu rosto, colocando- se em uma posição de adoração. Observe: (1) Deus gracio­samente condescende em conversar com aqueles que Ele aceita no concerto e na comunhão consigo. Ele fala com eles, por meio da sua Palavra, Provérbios 6.22. Ele fala com eles por meio do seu Espírito, João 14.26. Esta honra terão todos os seus santos. (2) Aqueles que são aceitos na comunhão com Deus são, e devem ser, muito humildes e

muito reverentes quando se dirigem a Ele. Se dissermos que temos comunhão com Ele, e esta familiaridade gerar algum tipo de desprezo, significa que nós nos enganamos.(3) Aqueles que desejam recebei' o consolo de Deus devem se preparar para dar glória a Deus, e para adorar ante o escabelo dos seus pés.

O escopo geral e o resumo do concerto apresen­tado, como a fundação sobre a qual tudo mais foi

edificado. Este não é outro, senão o concerto da graça, feito com todos os crentes, em Jesus Cristo, v. 1. Observe aqui:

1. O que podemos esperar descobrir a respeito de Deus: Eu sou o Deus Todo-Poderoso. Com este nome Ele decidiu se dar a conhecer a Abrão, e não pelo seu nome ■Jeová, Êxodo 6,3. O precioso Senhor usou este nome com Jacó, cap. 28.3; 43.13; 48.3. Este é o nome de Deus que é mais usado ao longo do livro de Jó, pelo menos nos dis­cursos daquele livro. Depois de Moisés, Jeová é mais fre­qüentemente usado, e este, El-shaddai, mais raramente. Ele expressa o poder supremo de Deus, seja: (1) Como um vingador, de sdh, ele devastou, segundo alguns. E pensam que Deus adotou este nome devido à destruição do mundo antigo. Este pensamento é incentivado por Isaías 13.6 e Joel 1.15. Ou: (2) Como um benfeitor, s, de asr, quem, e dij, suficiente. Ele é um Deus que é suficiente. Ou, como as nossas traduções inglesas trazem, de maneira muito significativa, Eu sou o Deus auto-suficiente. Observe queo Deus com quem nós nos relacionamos é auto-suficiente.[1] Ele é suficiente em si mesmo. Ele é auto-suficiente. Ele tem tudo, e não precisa de nada. [2] Ele é suficiente para nós, se estivermos em concerto com Ele: nós temos tudo nele, e temos o suficiente nele, o suficiente para satis­fazer os nossos maiores desejos, o suficiente para suprir a falta de todo o resto, e para nos garantir a felicidade para as nossas almas imortais. Veja Salmos 16.5,6; 73.25.

2. O que Deus exige que sejamos para Ele. O concer­to é mútuo: anda em minha presença e sê perfeito, isto é, justo e sincero. Pois aqui o concerto da graça ordena que a sinceridade seja a nossa perfeição no Evangelho. Observe: (1) Que ser religioso é andar na presença de Deus, na nossa integridade; é colocar Deus diante de nós, e pensar, e falar, e agir, em todas as coisas, como alguém que está sempre sob os seus olhos. É ter uma conside­ração constante pela sua Palavra como nossa regra, e à sua glória como nosso objetivo em todas as nossas ações, e estar constantemente tementes a Ele. É ser íntimo dele, em todos os deveres da adoração religiosa, pois, neles, em particular, nós andamos diante de Deus (1 Sm 2.30). É nos dedicarmos inteiramente a Ele, em uma santa convivên­cia. Eu não conheço uma outra religião, exceto a sinceri­dade. (2) Que andar de uma forma perfeita com Deus é a condição do nosso interesse na sua auto-suficiência. Se nós o negligenciarmos, ou ignorarmos, perderemos o be­nefício e o consolo do nosso relacionamento com Ele. (3) Que uma contínua consideração à suficiência de Deus terá uma grande influência em nossa caminhada com Ele.

w. 4-6A promessa aqui é apresentada com solenidade:

“Quanto a mim”, diz o grande Deus, “eis o meu concer­

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99 GÊNESIS 17 w. 7-14to contigo, contemple-o e admire-o, contemple-o e tenha certeza dele”. Como antes (v. 2), Porei o meu concerto. Observe que o concerto da graça é um concerto cria­do pelo próprio Deus. Nisto Ele se glorifica (“quanto a mim”), e nós também podemos nos gloriar nele. Aqui:

I E prometido a Abraão que ele será o pai de uma multidão de nações. Isto é: 1. Que a sua semente,

segundo a carne, seria muito numerosa, tanto através de Isaque quanto através de Ismael, assim como através dos filhos de Quetura: alguma coisa extraordinária, sem dúvida, está incluída nesta promessa, e podemos supor que o evento correspondeu a ela, e que houve, e há, mais filhos dos homens descendentes de Abraão do que de qualquer outro homem igualmente distante, como ele, de Noé, que foi a raiz de todos. 2. Que todos os crentes, em todas as épocas, seriam considerados como sua semente espiritual, e que ele seria chamado, não somente de ami­go de Deus, mas de pai dos crentes fiéis. Neste sentido,o apóstolo nos orienta a compreender esta promessa, Romanos 4.16,17. Ele é o pai daqueles que, em todas as nações, pela fé entram em concerto com Deus, e (como o expressam os autores judeus) são reunidos debaixo das asas da Majestade divina.

n Como símbolo disto, seu nome foi mudado, de Abrão, pai exaltado, a Abraão, pai de uma mul­tidão. Isto foi feito: 1. Para honrá-lo. Está escrito que é a glória da igreja que ela seja chamada por um novo nome, que a boca do Senhor nomeará, Isaías 62.2. Prín­

cipes dignificam os seus favoritos concedendo-lhes no­vos títulos. Desta maneira foi Abraão dignificado por aquele que é, na verdade, a fonte de toda a honra. Todos os crentes têm um novo nome, Apocalipse 2.17. Alguns pensam que a honra do novo nome de Abraão foi maior porque uma letra do nome Jeová foi nele inserida. Ob­serve como foi uma desgraça para Jeconias ter cortada a primeira sílaba do seu nome, porque era a mesma que a primeira sílaba do nome sagrado, Jeremias 22.28. Os crentes tomam o nome de Cristo, Efésios 3.15. 2. Para encorajar e confirmar a fé de Abraão. Enquanto ele não tinha filhos, talvez até mesmo o seu próprio nome fosse, às vezes, motivo de tristeza para ele: por que seria ele chamado de pai exaltado, se não era pai? Mas agora que Deus lhe tinha prometido uma prole numerosa, e tinha lhe dado um nome que significava tanto, este nome era a sua alegria. Observe que o Deus precioso chama as coi­sas que não são como se já fossem; é o que o apóstolo observa, sobre este mesmo assunto, Romanos 4.17. Ele chamou Abraão de pai de uma multidão porque com toda a certeza o seria, no devido tempo, embora ainda tivesse somente um filho.

w. 7-14Aqui temos:

I A continuação do concerto, indicada em três aspectos:1. Ele está estabelecido. Não deve ser alterado nem

revogado. Ele é fixo, ratificado, tão firme quanto o poder e a verdade divinos podem fazê-lo. 2. Ele é extensivo; é um

concerto, não somente com Abraão (pois então morreria com ele), mas com a sua semente, depois dele, não ape­nas com a sua semente segundo a carne, mas com a sua semente espiritual. 3. É perpétuo, no sentido evangélico. O concerto da graça é eterno. É desde a eternidade, nos seus conselhos, e até a eternidade, nos seus resultados e nas suas conseqüências. E a sua administração externa é transmitida com o seu selo à semente dos crentes, e a sua administração interna é desempenhada pela semente do Espírito de Cristo, em todas as gerações.

n O conteúdo do concerto: é um concerto de pro­messas, extremamente grandes e preciosas. Aqui estão duas delas, que realmente são suficientes: 1. Que Deus será o seu Deus, w. 7,8. Todos os privilégios do conceito, todas as suas alegrias e todas as suas espe­

ranças, estão resumidas nisto. Um homem não precisa desejar nada mais do que isto, para ser feliz. Aquilo que Deus é, em si mesmo, Ele o será para o seu povo: a sua sabedoria será deles, para guiá-los e aconselhá-los. Seu poder será deles, para protegê-los e sustentá-los. A sua generosidade será deles para abastecê-los e consolá-los. Aquilo que os adoradores fiéis podem esperar do Deus ao qual servem, os crentes podem encontrar em Deus, como seu. Isto é suficiente, mas não é tudo. 2. Que Canaã será a sua possessão eterna, v. 8. Anteriormente, Deus tinha prometido esta terra a Abraão e à sua semente, cap. 15.18. Mas aqui, onde ela é prometida como uma possessão eterna, certamente isto deve ser considerado como um tipo da felicidade do céu, aquele repouso eterno que resta para o povo de Deus, Hebreus 4.9. Esta é aque­la terra melhor que Abraão visava, e cuja concessão é o que corresponde à vasta abrangência daquela promessa, que Deus seria o Deus deles. De modo que, se Deus não tivesse preparado e planejado isto, Ele se envergonha­ria de ser chamado de seu Deus, Hebreus 11.16. Assim como a terra de Canaã estava garantida à semente de Abraão, segundo a carne, também o céu está garantido a toda a sua semente espiritual, por meio de um concerto, e como uma possessão que é verdadeiramente eterna. A oferta desta vida eterna é feita na Palavra, e confirmada pelos sacramentos a todos aqueles que estão sob a admi­nistração externa do concerto. E o seu penhor é dado a todos os crentes, Efésios 1.14. Aqui está escrito que Ca­naã seria a terra onde Abraão seria estrangeiro, e onde peregrinaria. E a Canaã celestial é uma terra em direção à qual todos nós peregrinamos, pois ainda não podemos enxergar o que seremos.

O símbolo do concerto, que é a circuncisão, mo­tivo pelo qual o próprio concerto é chamado de

concerto da circuncisão, Atos 7.8. Aqui está escrito que é o concerto que Abraão e a sua semente devem guar­dar, como uma cópia ou reprodução, w. 9,10. É chamado de sinal e selo (Rm 4.11), pois era: 1. Uma confirmação a Abraão e à sua semente, das promessas que eram a parte de Deus do concerto, garantindo-lhes que elas se­riam cumpridas, que no devido tempo Canaã seria de­les: e a continuação desta ordenança, depois que Canaã fosse deles, indica que estas promessas se referem a uma outra Canaã, à qual eles ainda devem esperar. Veja Hebreus 4.8. 2. O comprometimento de Abraão e da sua

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w. 15-22 GÊNESIS 17 100semente, àquele dever que era a sua parte do concerto. Não somente do dever de aceitar o concerto e consentir nele, e deixar de lado a corrupção da carne (o que de maneira mais imediata e primária foi representado pela circuncisão), mas, de maneira geral, à observância de to­dos os mandamentos de Deus, conforme fossem, algum tempo depois, indicados e dados a conhecer a eles. Pois a circuncisão obrigou os homens a guardar toda a lei, Gaia­tas 5.3. Aqueles que desejam que Deus seja o seu Deus, devem consentir e se decidir a ser o seu povo. Agora: (1) A circuncisão era uma ordenança de sangue. Pois todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue, He­breus 9.22. Veja Êxodo 24.8. Mas, quando foi derramado o sangue de Cristo, todas as ordenanças de sangue foram abolidas. A circuncisão, portanto, deu lugar ao batismo. (2) Ela era peculiar aos varões, embora as mulheres tam­bém estivessem incluídas no concerto, pois o homem é a cabeça da mulher. No nosso reino, o juramento de leal­dade é exigido somente aos homens. Alguns pensam queo sangue dos varões era derramado na circuncisão por causa do respeito que nela havia a Jesus Cristo, e ao seu sangue. (3) E ra a carne do prepúcio que deveria ser corta­da, porque é por geração comum que o pecado se propaga. Aqui estava sendo levada em conta a semente prometida, que viria dos lombos de Abraão. Como Cristo ainda não tinha se oferecido por nós, o Senhor Deus Pai desejava que o homem entrasse no concerto oferecendo uma parte do seu próprio corpo, e nenhuma outra parte poderia ser mais bem oferecida. Esta é uma parte íntima do corpo. Pois a verdadeira circuncisão é a do coração: esta honra Deus conferiu a uma parte menos honrosa do corpo, 1 Co- ríntios 12.23,24. (4) A ordenança deveria ser realizada com os filhos quando tivessem oito dias de idade, e não antes disto, para que pudessem ter alguma força, sendo capazes de suportar a dor, e que houvesse pelo menos um sábado nestes oito dias. (5) Os filhos dos estrangeiros, cujo verda­deiro proprietário era o senhor da família, deveriam ser circuncidados (w. 12,13), o que já era uma consideração favorável aos gentios, que seriam, no devido tempo, tra­zidos à família de Abraão, pela fé. Veja Gálatas -3.14. (6) A observância religiosa desta instituição era exigida sob uma penalidade muito severa, v. 14. O desprezo à circunci­são era um desprezo ao concerto. Se os pais não circunci­dassem os seus filhos, isto seria um risco para eles, como no caso de Moisés, Êxodo 4.24,25. Com respeito àqueles que não fossem circuncidados na sua infância, se, depois de crescidos, não se submetessem a esta ordenança, Deus certamente acertaria as contas com eles. Se não cortas­sem a carne do seu prepúcio, Deus os cortaria do seu povo. É perigoso não dar a devida importância às instituições divinas, e viver negligenciando-as.

w . 15-22Aqui temos:

T A promessa feita a Abraão, de um filho gerado por1 Sarai, aquele filho em quem se cumpriria a promessa que lhe foi feita, de que ele seria o pai de uma multidão de nações. Pois ela também seria a mãe das nações, e reis de povos sairiam dela, v. 16. Observe: 1. Deus reve­

la gradualmente os objetivos da sua boa vontade para com o seu povo. Deus tinha dito a Abraão, muito tempo antes, que ele teria um filho, mas nunca, até agora, que ele teria um filho com Sarai. 2. A benção do Senhor dá fertilidade, e não traz consigo nenhuma tristeza, nenhu­ma tristeza como houve no caso de Agar. Eu a hei de abençoar - com a fertilidade - e te hei de dar a ti dela um filho. 3. O governo civil e a ordem são uma grande benção para a igreja. Está prometido, não somente que aquele povo, mas que reis de povos, nasceriam dela. Não uma multidão sem líderes, mas uma sociedade bem modelada e bem governada.

n A ratificação desta promessa foi a mudança do nome, de Sarai para Sara (v. 15), sendo acrescen­tada ao seu nome a mesma letra que tinha sido acres­centada ao de Abraão, e pelas mesmas razões. Sarai significa minha princesa, como se a sua honra estives­

se limitada a somente uma família. Sara significa uma princesa - a saber, de multidões. Isto também poderia estar indicando que dela viria o Messias, o Príncipe, o Príncipe dos reis da terra.

n T A recepção alegre e agradecida de Abraão des- X ta graciosa promessa, v. 17. Nesta ocasião, ele expressou: 1. Grande humildade: ele se prostrou sobre o seu rosto. Observe que quanto mais honras e favores Deus nos conceder, mais humildes nós devemos ser aos

seus olhos, e mais reverentes e submissos diante dele.2. Grande alegria: Ele riu. Foi um riso de deleite, e não de desconfiança. Observe que até mesmo as promessas do Deus santo, assim como o cumprimento delas, são as alegrias das almas santas. Existe a alegria da fé, assim como a alegria do usufruto das bênçãos concedidas. Ago­ra Abraão exultou por ver o dia de Cristo. Agora ele viu-o e alegrou-se (Jo 8.56). Pois, da mesma maneira como ele enxergou o céu na promessa de Canaã, também enxer­gou Cristo na promessa de Isaque. 3. Grande admiração: A um homem de cem anos há de nascer um filho? Abraão não se refere a isto como algo duvidoso, de maneira ne­nhuma (pois temos a certeza de que ele não duvidou da promessa, Romanos 4.20), mas como algo muito maravi­lhoso, que não poderia acontecer, exceto pelo poder do Deus Todo-Poderoso, e como algo muito bondoso, e um favor que era ainda mais comovedor e gentil por ser ex­tremamente surpreendente, Salmos 126.1,2.

A oração de Abraão por Ismael: Tomara que viva Ismael diante de teu rosto!, v. 18. Isto ele fala,

não desejando que Ismael tivesse a preferência sobre o filho que ele teria com Sarai. Mas, temendo que ele fosse abandonado por Deus, Abraão faz este pedido por ele. Agora que Deus está falando com ele, Abraão julga ter uma boa oportunidade de falar alguma coisa favorável a Ismael. Abraão não deixará escapar uma oportunidade como esta. Observe: 1. Embora nós não devamos tentai’ aconselhar a Deus, ainda assim Ele nos dá permissão, na oração, para sermos humildemente livres com Ele, e, em particular, para lhe apresentai’ as nossas súplicas, Filipenses 4.6. Qualquer que seja o assunto da nossa pre­ocupação e do nosso medo, ele deve ser exposto diante de Deus, em oração. 2. É dever dos pais orar pelos seus

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101 GÊNESIS 18 w. 23-27filhos, por todos os seus filhos, como Jó, que oferecia ho- locaustos segundo o número de todos eles, Jó 1.5. Abraão não desejava pensar que, quando Deus lhe prometeu um filho gerado por Sarai, que ele tanto desejava, então seu filho gerado por Agar estaria esquecido. Não. ele ainda o traz no seu coração, e demonstra uma preocupação por ele. A perspectiva de novos favores não deve fazer com que nos esqueçamos dos antigos. 3. A grande bênção que desejamos de Deus para os nossos filhos é que possam viver diante dele, isto é, que possam ser mantidos em uma aliança ou concerto com Ele, e possam ter a graça de andar diante dele em justiça. As bênçãos espirituais são as melhores bênçãos, e aquelas pelas quais devemos ser mais fervorosos na presença de Deus, tanto por nós mesmos quanto pelos outros. Vivem bem aqueles que vi­vem diante de Deus.

V A resposta de Deus à sua oração: e esta é uma res­posta de paz. Abraão não poderia dizer que tinha buscado a linda face de Deus em vão.

1. As bênçãos comuns estão garantidas a Ismael (v. 20): Quanto a Ismael - com quem tanto te preocupas - também te tenho ouvido. Ele encontrará favor, por tua causa. Eis aqui o tenho abençoado, isto é, tenho muitas bênçãos reservadas para ele. (1) A sua descendência será numerosa: fá-lo-ei multiplicar grandissimamente, mais que a seus vizinhos. Este é o fruto da bênção, como aquele, cap. 1.28. (2) Seus descendentes serão conside­ráveis: doze príncipes gerará. Nós poderíamos genero­samente esperar que bênçãos espirituais também fos­sem concedidas a ele, embora a igreja visível não fosse gerada dos seus lombos, e o concerto não se abrigasse na sua família. Observe que grande abundância de boas coisas exteriores freqüentemente é dada àqueles filhos de pais crentes - que nasceram segundo a carne - por causa dos seus pais.

2. As bênçãos do concerto estão reservadas para Isaque, e designadas a ele, w. 19,21. Se Abraão, na sua oração por Ismael, quis dizer que ele desejava que o con­certo fosse feito com Ismael, e que a semente prometida descendesse dele, então Deus não o atendeu literalmen­te, mas de maneira equivalente, ou melhor, da forma que era melhor. (1) Deus repete a Abraão a promessa de um filho gerado por Sara: Na verdade, Sara, tua mulher, te dará um filho. Observe que até mesmo os crentes fiéis precisam ter as promessas de Deus repetidas para si mesmos, para que possam ter uma forte consolação, He­breus 6.18. Uma vez mais podemos ver que os filhos da promessa são, realmente, filhos. (2) O Senhor dá o nome a este filho - chamarás o seu nome Isaque - que significa riso, porque Abraão alegrou-se em espírito quando este filho lhe foi prometido. Observe que se as promessas de Deus forem a nossa alegria, as Suas graças prometias serão, no devido tempo, as nossas maiores alegrias. Cris­to será o riso daqueles que o buscam. Aqueles que ago­ra exultam em esperança, em breve exultarão ao terem aquilo que esperavam: um riso que não é de loucura. (3)O Senhor estende o concerto àquele filho: com ele esta­belecerei o meu concerto. Observe que o precioso Deus aceita quem Ele quiser, ao concerto com Ele, de acordo com o prazer da sua vontade. Veja Romanos 9.8,18. As­sim o concerto foi feito entre Deus e Abraão, com as suas

diversas limitações e recomendações, e então a conversa chegou ao fim. O bendito Senhor acabou de falar com ele, e a visão desapareceu. E subiu Deus de Abraão. Obser­ve que a nossa comunhão com Deus aqui, nesta terra, é quebrada e interrompida. Porém no céu haverá um ban­quete contínuo e eterno.

A Circuncisão de Abraão e Outros Eventosw. 23-27

Aqui temos a obediência de Abraão à lei da circunci­são. Ele mesmo, e toda a sua família, foram circuncidados, recebendo assim o símbolo do concerto e distinguindo-se das outras famílias, que não tinham nenhuma participa­ção neste assunto. 1. Foi uma obediência implícita: Ele fez como Deus lhe tinha dito, e não perguntou por que, nem para que. A vontade de Deus não era somente uma lei para ele, mas uma razão. Ele o fez, porque Deus lhe disse para fazer. 2. Foi uma obediência rápida: Naquele mesmo dia, w. 23,26. A obediência sincera não é lenta, Salmos 119.60. Enquanto a ordem ainda está soando aos nossos ouvidos, e o senso de dever ainda está fresco, é bom que nos dediquemos a obedecer imediatamente, para que não nos enganemos ao adiar a nossa obrigação para uma oportunidade aparentemente mais conveniente. 3. Foi uma obediência universal: Abraão não circuncidou a sua família e se isentou de fazê-lo, mas deu-lhes um exemplo. Nem tomou somente para si o consolo do selo do concerto, mas desejou que todos os seus pudessem com­partilhar desta bênção com ele. Este é um bom exemplo para os chefes de família. Eles e suas casas devem ser­vil' ao Senhor. Embora o concerto de Deus não fosse es­tabelecido com Ismael, ainda assim ele foi circuncidado. Pois os filhos de pais crentes, como tais, têm direito aos privilégios da igreja visível, e aos selos do concerto, não importando o que eles venham a ser posteriormente. Is­mael é abençoado. Portanto, foi circuncidado. 4. Abraão praticou a circuncisão, embora pudesse haver muitas ob- jeções a esta. A circuncisão era dolorosa, e, para homens adultos, vergonhosa. Humanamente falando, enquanto eles estivessem sentindo dores e se encontrassem inca­pacitados de agir, os seus inimigos poderiam se aproveitar desta vantagem contra eles, como Simeão e Levi fizeram contra os de Siquém. Porém era o Senhor que os guardava enquanto o obedeciam. Embora Abraão tivesse noventa e nove anos, e já tivesse sido justificado e aceito por Deus há muito tempo, e uma prática tão estranha, realizada de forma religiosa, pudesse ser convertida em críticas pelos cananeus e ferezeus que residiam então na terra, ainda assim o mandamento de Deus foi suficiente para respon­der a estas e a milhares de outras objeções como estas. Nós devemos fazer sempre aquilo que Deus exigir, sem consultai’ a carne e o sangue.

C a p ít u l o 18Neste capítulo, temos o relato de outra conversa entre Deus e Abraão, provavelmente alguns dias depois da anterior, como recompensa da sua ale-

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w. 1-8 GÊNESIS 18 102gre obediência à lei da circuncisão. Aqui temos: I.A gentil visita que Deus faz a Abraão, e a gentil acolhida de Abraão àquela visita, w. 1-8. II. Os assuntos que foram discutidos. 1. Os objetivos do amor de Deus, a respeito de Sara, w. 9-15. 2. Os objetivos da ira de Deus contra Sodoma. (1) A re­velação que Deus fez a Abraão, da sua intenção de destruir Sodoma, w. 16-22. (2) A intercessão que Abraão fez por Sodoma, v. 23ss.

O Encontro de Abraão com os Anjosw. 1-8

A aparição de Deus a Abraão parece ter tido mais fa­miliaridade e liberdade, e menos grandeza e majestade, do que aquelas sobre as quais vínhamos lendo até aqui. E portanto mais se parece com aquela grande visita que, na plenitude dos tempos, o Filho de Deus iria fazer ao mundo, quando o Verbo iria fazer-se carne, e se manifes­tar como um de nós. Observe aqui:

I Como Abraão esperava estranhos, e como as suas expectativas eram ricamente atendidas (v. 1): Ele se

assentava à porta da tenda, quando o dia tinha aqueci­do. Não tanto para repousar ou distrair-se quanto para procurar uma oportunidade de fazer o bem, recebendo estranhos e viajantes, pois talvez não houvesse hospe­darias onde alojá-los. Observe: 1. Provavelmente nós teremos maior consolo naquelas boas obras às quais somos mais livres e motivados. 2. Deus graciosamente visita aqueles em quem Ele primeiro despertou a expec­tativa sobre Ele, e se apresenta àqueles que o esperam. Quando Abraão estava assim assentado, viu três homens vindo em sua direção. Estes três homens eram três se­res espirituais celestiais, assumindo agora corpos huma­nos, para que pudessem ser visíveis a Abraão e pudes­sem conversar com ele. Alguns pensam que todos eles tinham sido criados como anjos, outros, que um deles era o Filho de Deus, o anjo do concerto, a quem Abraão distinguiu dos demais (v. 3), e que é chamado cle Senhor, v. 13. O apóstolo aproveita esta história para incentivar a hospitalidade, Hebreus 13.2. Aqueles que se motivam a receber estranhos podem receber anjos, para sua in­descritível honra e satisfação. Onde, por um julgamento prudente e imparcial, nós não virmos causas para sus­peitar do mal, a caridade nos ensina a esperar o bem e a mostrar bondade adequadamente. É melhor alimentar a cinco zangões, ou vespas, do que permitir que uma abe­lha passe fome.

n Como Abraão recebeu estes estranhos, e quão gentilmente a sua acolhida foi aceita. O Espírito Santo prestou atenção especial à acolhida afetuosa e li­vre que Abraão ofereceu aos estranhos. 1. Ele foi muito gentil e respeitoso com eles. Esquecendo a sua idade e

seriedade, correu para encontrá-los da maneira mais cortês, e com toda a devida cortesia inclinou-se à ter­ra, embora ele ainda nada soubesse sobre eles, exceto que pareciam ser homens respeitáveis e cheios da gra­ça do Senhor. Observe que a religião não destrói, mas aprimora, as boas maneiras, e nos ensina a honrar todos

os homens. A cortesia decorosa é um grande ornamento à piedade. 2. Abraão foi muito fervoroso, insistindo em acolhê-los, e encarou a estada deles com ele como um grande favor, w. 3,4. Observe que: (1) É conveniente que aqueles a quem Deus abençoou com abundância sejam liberais e abertos nas suas acolhidas, de acordo com a sua capacidade, e (não por obrigação, mas cordialmente) devem receber bem a seus amigos. Nós devemos sentir prazer ao mostrar gentileza a qualquer pessoa. Pois tan­to Deus como os homens amam a quem dá alegremente. Quem comerá “o pão daquele que tem os olhos malig­nos”? Provérbios 23.6,7. (2) Aqueles que desejam ter comunhão com Deus devem desejá-la fervorosamente, e orar para que a tenham. Deus é um convidado digno de ser recebido. 3. A sua acolhida, embora fosse muito aber­ta, ainda assim foi simples e humilde, e não houve nela nada do esplendor e elegância dos nossos tempos. A sua sala de jantai' estava debaixo de uma árvore. Sem uma rica toalha de linho, nem um aparador com pratos. A re­feição era composta de uma ou duas coxas de vitela, e al­guns bolos assados na lareira, e rapidamente enfeitados. Não havia guloseimas, nem variedades, nem recheios, nem doces, mas somente comida boa, simples e saudável, embora Abraão fosse muito rico e seus hóspedes fossem muito honrosos. Observe que não devemos ter hábitos alimentares complicados. Sejamos gratos pelo alimento conveniente, embora seja humilde e comum. E não de­sejemos guloseimas, pois são comida enganosa àqueles que as amam e desejam. 4. Ele e sua esposa foram mui­to atenciosos e prestativos ao receber os hóspedes como melhor que tinham. A própria Sara cozinha e assa os bolos. Abraão corre para tomai' a vitela, traz o leite e a manteiga, e não pensa que esteja abaixo dele servir à mesa, de modo que pôde mostrar o quão sinceramente bem-vindos eram os seus convidados. Observe que: (1) Aqueles que têm méritos verdadeiros não precisam as­sumir pompas. E as suas prudentes condescendências também não são qualquer menosprezo ou descrédito a eles. (2) A amizade sincera se curva a qualquer coi­sa, exceto ao pecado. O próprio Cristo nos ensinou a lavar os pés, uns dos outros, em amor humilde. Aqueles que assim se humilham serão exaltados. Aqui a fé de Abraão foi evidenciada em boas obras. E também deve ser a nossa, caso contrário está morta, Tiago 2.21,26. O pai dos fiéis era famoso pela sua caridade, e generosi­dade, e pela boa administração da casa. E nós devemos aprender com ele a fazer o bem e a transmiti-lo. Jó não comeu sozinho o seu bocado, Jó 31.17.

w. 9-15Estes convidados celestiais (sendo enviados para

confirmar a promessa recentemente feita a Abraão, de que ele teria um filho gerado por Sara), enquanto estão recebendo a gentil acolhida de Abraão, retribuem a sua gentileza. Ele recebe anjos, e tem a recompensa dos an­jos, uma graciosa mensagem do céu, Mateus 10.41.

I É tomado um cuidado especial para que Sara esti­vesse ouvindo. Ela devia conceber pela fé, e por isto

a promessa devia ser feita a ela, Hebreus 11.11. Era o

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103 GÊNESIS 18 w. 9-15costume modesto daquele tempo que as mulheres não se sentassem à mesa para a refeição com os homens, ao menos, não com estranhos, mas ficassem confinadas aos seus próprios aposentos. Por isto Sara aqui não está à vista. Mas não deve estar onde não possa ouvir. Os anjos perguntam (v. 9): “Onde está Sara, tua mulher?” Ao dizer o seu nome, eles dão indicação suficiente a Abraão de que, embora pareçam estranhos, ainda assim o conhe­cem muito bem, e à sua família. Perguntando por ela, mostraram um interesse gentil e amistoso pela família e pelos parentes de alguém que tinha se revelado respeito­so a eles. Esta é uma cortesia comum, que deve proceder de um princípio de amor cristão, para que tenha valor. E, ao falar nela (e ela ouvir isto, por acaso), eles atraem a sua atenção, para ouvir o que ainda seria dito. “Onde está Sara, tua mulher?”, dizem os anjos. “Ei-la, aí está na tenda”, diz Abraão. Onde mais poderia estar? Aí está, no lugar dela, como costuma estar, e agora está ao alcan­ce da sua voz. Observe que: 1. As filhas de Sara devem aprender com ela a serem castas, e boas donas de casa, Tito 2.5. Não se consegue nada andando a esmo. 2. Têm maior probabilidade de receber consolo de Deus e Suas promessas aqueles que estão no seu lugar, e no caminho do seu dever, Lucas 2.8.

n A promessa é então renovada, e ratificada - a pro­messa de que ela terá um filho (v. 10): Certamente tornarei a ti por este tempo da vida - e te visitarei na pró­xima vez com o cumprimento, assim como o faço agora, na promessa. Deus irá retornar àqueles que lhe dão as

boas-vindas, que acolhem as Suas visitas: Eu retribuirei a tua gentileza, “eis que Sara, tua mulher, terá um filho. Isto é repetido novamente, v. 14. Da mesma maneira, as promessas sobre o Messias eram freqüentemente repe­tidas no Antigo Testamento, para o fortalecimento da fé do povo de Deus. Nós somos lentos de coração para crer, e por isto precisamos da repetição para o mesmo propó­sito. Esta é aquela palavra de promessa que o apóstolo cita (Rm 9.9.), como sendo a promessa por cuja virtude nasceu Isaque. Observe que: 1. As mesmas bênçãos que os outros têm da providência comum, os crentes têm da promessa, o que as torna muito doces e garantidas. 2. A semente espiritual de Abraão deve a sua vida, e alegria, e esperança, e tudo, à promessa. Eles são gerados pela palavra de Deus, 1 Pedro 1.23.

Sara pensa que isto é bom demais para ser verdade, e por isto não consegue convencer

o seu coração a crer nisto: “Riu-se Sara consigo”, v. 12. Não foi um riso agradável de fé, como o de Abraão (cap. 17.17), mas foi um riso de dúvida e descrença. Observe que a mesma coisa pode ser feita a partir de princípios muito diferentes, os quais somente Deus, que conhece o coração, pode julgar. A grande objeção que Sara não conseguia superar era a sua idade: “Eu já estou velha, e passei da idade de ter filhos, no curso da natureza, espe­cialmente tendo sido estéril até hoje, e (o que aumenta a dificuldade) o meu senhor também é velho”. Observe aqui que: 1. Sara chama Abraão de seu senhor - esta foi a única palavra boa nesta frase, e o Espírito Santo ob­serva isto, para a honra dela, e o recomenda à imitação de todas as esposas cristãs. Em 1 Pedro 3.6 está escri­

to que Sara obedecia a Abraão, chamando-lhe senhor, como sinal de respeito e submissão. “Assim... a mulher reverencie o marido”, Efésios 5.33. E assim devemos nós estar aptos a perceber aquilo que é dito decentemente, para a honra daqueles que o dizem, ainda que possa es­ta r mesclado com algo errado, e sobre isto nós devemos lançar um manto de amor. 2. A improbabilidade humana freqüentemente se coloca em contradição com a promes­sa divina. As objeções dos sentidos podem fazer tropeçar e confundir uma fé fraca, até mesmo dos crentes fiéis. É difícil aderir à primeira Causa, quando há desdém em relação à segunda. 3. Mesmo onde existe fé verdadeira, ainda assim freqüentemente existem amargos conflitos com a descrença. Sara poderia dizer: Senhor eu creio (Hb 11.11), e ainda assim deveria dizer: “Senhor, ajuda a minha incredulidade”.

O anjo reprova as expressões indecorosas da sua falta de confiança, w. 13,14. Observe que:

1. Embora Sara estivesse recebendo muito gentilmente e generosamente estes anjos, ainda assim, quando ela age mal, eles a reprovam por isto, da mesma maneira como Cristo reprovou a Marta na sua própria casa, Lu­cas 10.40,41. Se os nossos amigos são gentis conosco, não devemos ser tão cruéis com eles, tolerando os seus peca­dos. 2. Deus reprovou Sara, por meio de Abraão, seu es­poso. A Abraão, Ele disse: “Por que se riu Sara”? talvez porque ele não lhe tivesse contado da promessa que lhe tinha sido feita algum tempo antes, com este propósito, e que, se tivesse contado a ela, com suas ratificações, te­ria evitado que ela ficasse tão surpresa agora. É possí­vel que Abraão tenha ouvido a promessa, e que tivesse a incumbência de contá-la a Sara. A reprovação mútua, quando há oportunidade para tal, é um dos deveres da relação conjugal. 3. A reprovação, em si, é clara, e fun­damentada em uma boa razão: “Por que se riu Sara”? Observe que é bom investigar a razão do nosso riso, para que não seja riso de tolo, Eclesiastes 7.6. Porque ela riu?- Novamente, a nossa descrença e desconfiança são uma grande ofensa ao Deus do céu. Com razão, Ele não gosta de ter as objeções dos sentidos colocadas em contradi­ção com as Suas promessas, como em Lucas 1.18.4. Aqui é feita uma pergunta que é suficiente para responder a todas as críticas da carne e do sangue: “Haveria coisa alguma difícil ao Senhor?” (em hebraico, “admirável” ou “maravilhosa demais”), isto é: (1) É alguma coisa tão secreta a ponto de escapar ao seu conhecimento? Não, nem o riso de Sara, embora ela somente se risse consigo mesma. Ou: (2) É alguma coisa tão difícil, a ponto de ex­ceder o seu poder? Não, nem dar um filho a Sara na sua avançada idade.

V Sara se esforça tolamente para ocultar o seu erro (v. 15): “Sara negou, dizendo: Não me ri”, pensan­do que ninguém iria contradizê-la: ela disse esta mentira,

porque temeu. Mas foi inútil tentar ocultá-la de um olho que tudo vê. Ela ouviu, para sua vergonha: Tú “te riste”. Bem: 1. Aqui parece haver em Sara uma retratação da sua desconfiança. Agora ela percebia, analisando as cir­cunstâncias, que se tratava de uma promessa divina que tinha sido feita a seu respeito, e renunciou a todos os pen­samentos de dúvida e desconfiança. Mas: 2. Houve, além

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w. 16-22 GÊNESIS 18 104disto, um esforço pecaminoso de encobrir um pecado com uma mentira. É uma vergonha agir mal, mas é uma ver­gonha ainda maior negá-lo. Com isto nós somamos iniqüi­dade à nossa iniqüidade. O medo de uma repreensão fre­qüentemente nos atrai a esta cilada. Veja Isaías 57.11: De quem tiveste receio ou temor, para que mentisses? Nós nos enganamos se pensamos que enganamos a Deus. Ele pode trazer a verdade à luz, e o fará, para nossa vergonha. Aquele que encobre o seu pecado não pode prosperar, pois se aproxima o dia que o revelará.

A Conversa de Abraão com Deusw. 16-22

Os mensageiros celestiais agora tinham concluído uma parte da sua missão, que era uma missão de graça a Abraão e Sara, e que realizaram em primeiro lugar. Mas agora têm diante de si uma obra de outra nature­za. Sodoma deve sei’ destruída, e eles devem fazer isto, cap. 19.13. Observe que assim como com o Senhor exis­te misericórdia, também Ele é o Deus a quem pertence a vingança. Prosseguindo com a sua comissão, aqui le­mos: 1. Que eles “olharam para a banda de Sodoma” (v. 16): Eles a olharam com ira, da mesma maneira como Deus viu o campo dos egípcios, Êxodo 14.24. Observe que embora Deus pareça tolerar os pecadores por mui­to tempo, e por isto eles deduzam que o Senhor não vê, e não se importa, ainda assim, quando chega o dia da sua ira, Ele olha para eles. 2. Que “foram-se para Sodo­ma” (v. 22), e, coerentemente, nós encontramos a dois deles em Sodoma, cap. 19.1. Não se sabe se o terceiro era o Senhor, diante de cuja face Abraão ainda ficou em pé, e de quem se aproximou (v. 23), como muitos crêem, ou se o terceiro os deixou antes que chegassem a Sodoma, e o Senhor diante de quem Abraão ficou em pé era a Shekinah, ou aquela aparição da glória divina que Abraão tinha visto anteriormente e com quem ti­nha conversado. No entanto, temos aqui:

I A honra que Abraão prestou aos seus convidados: Ele foi com eles, para levá-los pelo caminho, como alguém que não desejava despedir-se de tão boa compa­

nhia, e desejava prestar seus máximos respeitos a eles. Esta é uma cortesia adequada para ser demonstrada aos nossos amigos. Mas deve ser feita como o apóstolo orien­ta (3 Jo 6), de modo digno para com Deus.

n A honra que os anjos prestaram a Abraão. Pois àqueles que honram a Deus, Ele honrará. Deus comunicou a Abraão o seu objetivo de destruir Sodoma, e não somente isto, mas também entrou em uma con­versação livre com ele a este respeito. Tendo-o tomado,

mais intimamente do que antes, em concerto consigo mesmo (cap. 17), aqui Ele o admite em uma comunhão mais íntima do que nunca, como o homem do seu conse­lho. Observe aqui:

1. Os pensamentos amistosos de Deus em relação a Abraão (w. 17-19, onde temos a sua resolução de dar a conhecer a Abraão o seu objetivo a respeito de Sodoma, incluindo as razões para isto. Se Abraão não os tivesse acompanhado pelo caminho, talvez não tivesse sido favo­

recido desta maneira, Mas aquele que anda com os sábios será sábio, Provérbios 13.20. Veja como Deus se compraz em argumentar consigo mesmo: “Ocultarei eu a Abraão o que faço” Poderei fazer tal coisa, e não contar a Abraão? Assim Deus, nos seus conselhos, se expressa, como os ho­mens, com deliberação. Mas por que Abraão deve perten­cer ao Conselho? Os judeus sugerem que, por ter Deus concedido a terra de Canaã a Abraão e à sua semente, Ele não destruiria as cidades que formavam parte daquela terra, sem o conhecimento e consentimento de Abraão. Mas aqui Deus oferece dois motivos diferentes:

(1) Abraão deve saber, pois é um amigo e favorito, e alguém por quem Deus tem uma generosidade espe­cial, e para quem tem grandes coisas armazenadas. Ele virá a ser uma grande e poderosa nação. E não somente isto, mas no Messias, que deverá nascer dos seus lom­bos, serão benditas todas as nações da terra. Observe que o segredo do Senhor é para os que o temem, Salmos 25.14; Provérbios 3.32. Aqueles que, pela fé, levam uma vida de comunhão com Deus, não podem evitar conhecer mais a sua vontade do que as outras pessoas, embora não com um conhecimento profético, mas prático e prudente. Eles têm um entendimento melhor do que o dos outros quanto àquilo que é atual (Os 14.9; SI 107.43), e uma me­lhor previsão do que há de vir, pelo menos de modo sufi­ciente para sua orientação e consolo.

(2) Abraão deve saber, para que oriente a sua famí­lia: “Eu o tenho conhecido, que ele há de ordenar a seus filhos e a sua casa depois dele”, v. 19. Considere isto: [1] Como uma parte muito brilhante do caráter e do exemplo de Abraão. Ele não somente orava com a sua família, mas também os ensinava como um homem de conhecimento, ou melhor, os ordenava como homem de autoridade, e era profeta e rei, além de sacerdote, na sua própria casa. Ob­serve, em primeiro lugar, que tendo Deus feito o concerto com Abraão e com a sua semente, e tendo a sua casa sido circuncidada, depois disto, ele tomava todos os cuidados para ensiná-los e governá-los bem. Aqueles que espe­ram bênçãos familiares devem ter consciência do dever familiar. Se os nossos filhos são do Senhor, devem ser nu­tridos por Ele. Se eles usam o seu uniforme, devem ser treinados para a sua obra. Em segundo lugar, que Abraão cuidava não somente dos seus filhos, mas também da sua casa. Seus servos eram servos discipulados. Os chefes de família devem instruir e fiscalizar as maneiras de todos os que estão debaixo do seu teto. Até mesmo os servos mais pobres têm almas preciosas que devem ser cuidadas. Em terceiro lugar, que Abraão preocupou-se e dedicou-se em promover a prática religiosa na sua família. Ele não encheu as cabeças dos seus com assuntos de especulação, ou discussão duvidosa. Mas ensinou-os a guardar o cami­nho do Senhor, e a fazer juízo e justiça, isto é, ser sérios e devotos na adoração a Deus, e ser honestos nos seus relacionamentos com todos os homens. Em quarto lugar, Abraão, com isto, visava à posteridade, e se preocupava não somente que a sua casa, com ele, mas também que a sua casa, posterior a ele, guardasse o caminho do Senhor, para que a religião pudesse florescer na sua família quan­do ele estivesse no seu sepulcro. Em quinto lugar, que o fato de que ele fizesse isto era o cumprimento das condi­ções das promessas que Deus tinha feito a ele. Somente aqueles que têm consciência do seu dever é que podem es­

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105 GÊNESIS 18 w. 23-38perar os benefícios das promessas. [2] Como a razão pela qual Deus lhe daria a conhecer o seu objetivo a respeito de Sodoma, porque ele comunicava o seu conhecimento eo aproveitava para o benefício daqueles que estavam sob os seus cuidados. Observe que àquele que tem se dará, Mateus 13.12; 25.29. Aqueles que fizerem um bom uso do seu conhecimento saberão mais.

2. A conversa amistosa de Deus com Abraão, na qual Ele lhe dá a conhecer o seu propósito acerca de Sodoma, e lhe dá liberdade para dirigir-se a Ele sobre a questão.(1) Ele lhe fala das evidências que havia contra Sodo­ma: “Porquanto o clamor de Sodoma e Gomorra se tem multiplicado”, v. 20. Observe que alguns pecados, e os pecados de alguns pecadores, clamam ao céu, pedindo vingança. A iniqüidade de Sodoma era uma iniqüidade que clamava, isto é, era tão provocadora que até mesmo insistia que Deus a punisse. (2) A investigação que Ele deseja fazer, com base nestas evidências: “Descerei ago­ra e verei”, v. 21. Isto não significa que haja alguma coisa sobre a qual Deus tenha dúvidas, ou esteja às escuras. Mas Ele se compraz em expressar-se assim, à maneira dos homens: [1] Para mostrar a incontestável justiça de todos os seus procedimentos judiciais. Os homens são ca­pazes de sugerir que o seu modo não é justo. Mas saibam que os seus juízos são o resultado de um conselho eter­no, e nunca são decisões precipitadas ou impensadas. Ele nunca pune com base em relatos, ou fama comum, ou informação de outros, mas com base no seu próprio conhecimento certo e infalível. [2] Para dar exemplo aos magistrados, e àqueles que têm autoridade, para que, com o máximo cuidado e diligência, investiguem os méri­tos de uma causa, antes de julgá-la. [3] Talvez o decreto aqui seja mencionado como ainda não sendo peremptó­rio, para que pudesse haver espaço e incentivo para que Abraão intercedesse por eles. Assim Deus procurava se haveria um intercessor, Isaías 59.16.

A Intercessão de Abraão por Sodomaw. 23-33

A comunhão com Deus é mantida pela palavra e pela oração. Na palavra, Deus fala conosco. Na oração, nós falamos com Ele. Deus tinha revelado a Abraão as Suas intenções a respeito de Sodoma. Com base nisto, Abraão aproveita a oportunidade para falar com Ele, a favor de Sodoma. Observe que a palavra de Deus é boa para nós quando nos fornece material para oração, e nos motiva a isto. Quando Deus fala conosco, nós devemos considerar o que temos a lhe dizer sobre o assunto. Observe que:

I A solenidade com que Abraão se dirige a Deus, nesta ocasião: “Chegou-se Abraão”, v. 23. Aexpressão in­dica: 1. Um interesse santo: Ele empenhou seu coração

para se chegar a Deus, Jeremias 30.21. “Sodoma será destruída, e eu não vou falar nenhuma palavra a favor dela?” 2. Uma santa confiança: Ele se aproximou com a certeza da fé, chegou-se como um príncipe, Jó 31.37. Observe que quando nos dirigimos ao dever da oração, devemos nos lembrar de que estamos nos aproximando de Deus, para que possamos estar cheios de uma santa reverência a Ele, Levítico 10.3.

n O escopo geral desta oração. É a primeira oração solene que temos registrada na Bíblia. E é uma oração pedindo que Sodoma seja poupada. Abraão, sem dúvida, abominava enormemente a iniqüidade dos so­domitas. Ele não viveria entre eles, como Ló, nem que

eles lhe tivessem dado a melhor terra na sua região. Mas ainda assim ele orou fervorosamente por eles. Observe que embora o pecado deva ser odiado, os pecadores são dignos de piedade, e merecem as nossas orações. Deus não se compraz com a morte deles, nem nós devemos de­sejar o dia lamentável, mas protestar contra ele. 1. Ele começa orando para que os justos, entre eles, possam ser poupados, e não envolvidos da calamidade comum, pen­sando, em particular, no justo Ló, cujo comportamento malicioso contra ele já tinha sido esquecido e perdoado há muito tempo, com o testemunho do seu zelo amistoso em resgatá-lo, antes pela sua espada, e, agora, pelas suas orações. 2. Ele transforma sua oração em uma petição para que todos possam ser poupados, em nome dos jus­tos que havia entre eles, com o próprio Deus estimulando este pedido, e, na verdade, colocando-o na sua resposta ao primeiro pedido, v. 26. Observe que nós devemos orar, não somente por nós mesmos, mas também por outros. Pois somos membros do mesmo corpo, pelo menos, do mesmo corpo da humanidade. Somos todos irmãos.

As graças particulares que se destacam nesta oração.

1. Aqui existe grande fé. E é a oração da fé aquela que prevalece. A sua fé apela a Deus, ordena a causa, e enche a sua boca com argumentos. Ele age com fé, especialmente sobre a justiça de Deus, e está muito confiante:

(1) De que Deus não irá destruir os justos com os ímpios, v. 23. Não. “Longe de ti que faças tal coisa”, v. 25. Não devemos alimentar nenhum pensamento que menospreze a honra da justiça de Deus. Veja Romanos3.5,6. Observe que: [1] Neste mundo, os justos estão misturados com os ímpios. Entre os melhores estão, nor­malmente, alguns maus, e entre os piores, alguns bons: até mesmo em Sodoma, um Ló. [2] Embora os justos estejam entre os ímpios, o Deus justo certamente não irá destruir os justos juntamente com os ímpios. Embora neste mundo eles possam estar envolvidos nas mesmas calamidades comuns, ainda assim, no grande dia, uma distinção será feita.

(2) Os justos não serão como os ímpios, v. 25. Embora possam sofrer com eles, que não sofram como eles. As ca­lamidades comuns são, para os justos, uma coisa bastante diferente daquilo que são para os ímpios, Isaías 27.7.

(3) De que o Juiz de toda a terra fará o que é certo. Sem dúvida Ele o fará, porque é o Juiz de toda a terra; é o argumento do apóstolo, Romanos 3.5,6. Observe que: [1] Deus é o Juiz de toda a terra. Ele dá ordens a todos, toma conhecimento de todos, e pronuncia a sentença sobre to­dos.- [2] Este Deus Todo-poderoso nunca fez, nem fará, ne­nhum mal, a nenhuma das criaturas, seja retendo aquilo que é certo, ou exigindo mais do que é certo, Jó 34.10,11.

2. Aqui há grande humildade.(1) Um profundo senso da sua própria indignida­

de (v. 27): “Eis que, agora, me atrevi a falar ao Senhor, ainda que sou pó e cinza”. E novamente, v. 31. Ele fala como alguém surpreendido com a sua própria ousadia,

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w. 1-3 GÊNESIS 19 106e com a liberdade que Deus graciosamente lhe permitia, considerando a grandeza de Deus (Ele é o Senhor) e a sua própria inferioridade (pó e cinza). Observe que: [1] Os maiores homens, os mais consideráveis e dignos, são somente pó e cinza, inferiores e vis, diante do Senhor, desprezíveis, frágeis e moribundos. [2] Quando nós nos aproximamos de Deus, nos convém reconhecer reveren­temente a vasta distância que existe entre Deus e nós. Ele é o Senhor da glória, nós somos vermes da terra. [3] O acesso que temos ao trono da graça, e a liberdade de expressão que nos é permitida, são, com razão, motivo de humilde assombro, 2 Samuel 7.18.

(2) Um terrível temor do desprazer de Deus: “Não se ire o Senhor” (v. 30), e novamente, v. 32. Observe que:[1] A impertinência que os crentes usam quando se di­rigem a Deus é tal que, se estivessem lidando com um homem como eles, não poderiam deixar de temer que este se zangasse com eles. Mas aquele com quem nos relacionamos é Deus, e não homem. E, quem quer que Ele possa parecer, não está, realmente, indignado com as orações dos justos (SI 80.4), pois elas são o seu conten­tamento (Pv 15.8). Ele se alegra quando “lutamos” com Ele em oração. [2] Mesmo quando recebemos sinais es­peciais do favor divino, devemos zelar por nós mesmos, para que não nos façamos odiosos ao desprazer divino. E, por isto, devemos trazer o Mediador conosco, nos bra­ços da nossa fé, para expiar a iniqüidade daquilo que é santo para nós.

3. Aqui há grande caridade. (1) Uma opinião caridosa sobre o caráter de Sodoma: por pior que fosse, Abraão julgava que houvesse diversas pessoas boas nela. É con­veniente que esperemos o melhor dos piores lugares. Entre as duas coisas, é melhor errar neste extremo. (2) Um desejo caridoso pelo bem estar de Sodoma: Abraão usou todo o seu interesse pelo trono da graça, pedindo misericórdia para eles. Nós nunca o encontramos tão fervoroso, apelando a Deus por si mesmo e pela sua fa­mília, como aqui, apelando por Sodoma.

4. Aqui existe grande ousadia e confiança, com fé. (1) Ele tomou a liberdade de escolher um determinado nú­mero de justos, que ele supunha haver em Sodoma, “Se, porventura, houver cinqüenta justos”, v. 24. (2) Ele avan­çou sobre as concessões de Deus, repetidas vezes. Mes­mo que Deus concedesse muito, ele ainda pediria mais, com a esperança de alcançar o seu objetivo. (3) Ele trou­xe os termos a um mínimo possível, por vergonha (pois teria alcançado a misericórdia, se houvesse somente dez justos em cinco cidades), e este número era tão baixo que talvez ele tenha concluído que eles seriam poupados.

O sucesso da oração. Aquele que lutou desta maneira, venceu maravilhosamente. Como um

príncipe que desfruta o poder de Deus. Ele alcançou a bênção do Deus precioso e bendito: foi somente pedir, e receber. 1. A boa vontade geral de Deus é exibida no fato de que Ele consentiu em poupar os ímpios por amor aos justos. Veja como Deus é rápido para mostrar misericór­dia. Ele até procura uma razão para isto. Veja as grandes bênçãos que as pessoas boas são para qualquer lugar, e quão pouco se favorecem aqueles que as odeiam e per­seguem. 2. O favor particular de Deus a Abraão está demonstrado no fato de que Ele não deixaria de conce­

der, até que Abraão deixasse de pedir. Tal é o poder da oração. Por que, então, Abraão deixou de pedir, quando tinha conseguido ir tão longe, a ponto de conseguir pou­par o lugar se ali houvesse apenas dez pessoas justas? Ou: (1) Porque reconheceu que ela mereceria ser destru­ída, se ali não houvesse este número de justos. Como o vinhateiro, que consentiu que a árvore infrutífera fosse cortada se mais um ano de experiência não a tornasse frutífera, Lucas 13.9. Ou: (2) Porque Deus impediu que o seu espírito pedisse ainda mais. Quando Deus determina a destruição de um lugar, Ele proíbe que se ore por este lugar, Jeremias 7.16; 11.14; 14.11.

V Aqui está o final da conversa, v. 33. 1. “Foi-se o Senhor”. As visões de Deus não devem ser cons­tantes neste mundo, onde é somente pela fé que pode­

mos vê-lo diante de nós. Deus não se foi, até que Abraão tivesse dito tudo o que tinha a dizer. Pois Ele nunca se cansa de ouvir orações, Isaías 59.1. 2. Abraão retornou ao seu lugar, não orgulhoso com a honra que lhe tinha sido feita, nem por estas extraordinárias conversas que surgiram no curso normal do dever. Ele voltou ao seu lugar para observar o que iria acontecer. E ficou provado que a sua oração tinha sido ouvida, mas ainda assim So­doma não foi poupada, porque não havia nela dez justos. Não podemos esperar muito do homem, nem pouco da parte de Deus.

C a p ít u l o 19

O conteúdo deste capítulo é citado em 2 Pedro 2.6-8, onde lemos que Deus “condenou à subver­são as cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo- as a cinza... e livrou o justo Ló”. E a história da destruição de Sodoma, e do resgate de Ló, de tal destruição. Nós lemos (cap. 18) sobre a vinda de Deus, para examinar a atual situação de Sodoma, qual era a sua iniqüidade e quais pessoas justas nela havia. E aqui temos o resultado de tal ins­peção. I. Descobriu-se, depois de um teste, que Ló era um homem muito bom (w. 1-3), e não pa­recia que houvesse mais ninguém com o mesmo caráter. II. Descobriu-se que os sodomitas eram muito perversos e vis, w. 4-11. III. Cuidados es­peciais, portanto, foram tomados para proteger a Ló e à sua família, em um lugar seguro, w. 12-23.IV Tendo a misericórdia exultado nisto, a justiça se mostra na destruição de Sodoma e na morte da esposa de Ló (w. 24-26), com uma repetição geral da história, w . 27-29. V Um pecado tolo de que Ló foi culpado, ao cometer incesto com suas duas filhas, v. 30ss.

O Assalto à Casa de Lów. 1-3

Estes anjos provavelmente eram dois daqueles três que tinham estado pouco tempo antes com Abraão, os dois anjos criados que foram enviados para executar o propósito de Deus com relação a Sodoma. Observe aqui

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107 GÊNESIS 19 w. 4-11que: 1. Havia um único homem bom em Sodoma, e estes mensageiros celestiais logo o descobriram. Onde quer que estejamos, devemos procurai-, neste lugar, aqueles que vi­vem no temor a Deus, e devemos decidir relacionar-nos com eles, Mateus 10.11: “Procurai saber quem nela seja digno e hospedai-vos aí”. As pessoas que são da mesma região, quando estão em uma região estranha, gostam de ficar juntas. 2. Ló se distinguiu suficientemente dos seus vizinhos, nesta ocasião, e isto o marcou claramente. Aque­le que não agiu como os demais não deve pagar como os demais. (1) “Estava Ló assentado à porta de Sodoma”. Quando os demais, provavelmente, estavam bebendo e embriagando-se, ele assentou-se sozinho, esperando uma oportunidade de fazer o bem. (2) Ele foi extremamen­te respeitoso com os homens cujo aspecto e aparência eram sóbrios e sérios, embora não viessem com pompa. Ele inclinou-se à terra, quando os encontrou, como se, à primeira vista, discernisse alguma coisa divina neles. (3) Ele foi hospitaleiro, e muito liberal e generoso no seu convite e acolhida. Ele recebeu a estes estranhos na sua casa, e nas melhores acomodações que tinha, e lhes deu todas as evidências que podia da sua sinceridade. Pois:[1] Quando os anjos, para testar se ele era sincero no seu convite, não o aceitaram, a princípio (o que é o costume comum da modéstia, e não representa censura à verdade e à honestidade), a sua recusa não o fez mais inoportuno. Pois ele insistiu muito com eles (v. 3), em parte porque, de maneira nenhuma, ele permitiria que eles se expusessem aos inconvenientes e perigos de se abrigarem nas ruas de Sodoma, e em parte porque desejava a sua companhia e conversação. Ele não tinha visto dois rostos tão honestos em Sodoma durante muito tempo. Observe que aqueles que vivem em lugares maus devem saber como valorizar a companhia daqueles que são sábios e bons, e desejá-la fervorosamente. [2] Quando os anjos aceitaram o seu con­vite, ele os tratou com nobreza. Ele fez-lhes um banquete, julgando-o bem oferecido a tais hóspedes. Observe que o povo de Deus deve (com prudência) ser generoso.

w. 4-11Agora parecia, sem possibilidade de contradição, que

o clamor de Sodoma não era mais alto do que deveria ser. A obra desta noite foi suficiente para encher a medida. Pois aqui lemos:

I Que todos eles eram perversos, v. 4. A iniqüidade tinha se tornado universal, e eles eram unânimes

em qualquer vil desígnio. Aqui estavam os velhos e os moços, e todos, de todos os bairros, envolvidos neste tumulto. Os velhos não passaram por ele, e os moços logo se uniram a ele. Ou eles não tinham magistrados que mantivessem a paz e protegessem os pacíficos, ou os seus magistrados eram também cúmplices. Observe que quando a doença do pecado torna-se uma epidemia, é fatal a qualquer lugar, Isaías 1.5-7.

n Que eles tinham chegado ao máximo da iniqüida­de. Eles eram grandes pecadores contra o Senhor (cap. 13.13). Pois: 1. A iniqüidade que agora eles se em­penhavam em cometer era a mais anormal e abominável

possível, um pecado que ainda traz o nome deles, e é cha­mado de sodomia. Eles foram levados por estas paixões infames (Rm 1.26,27), que são piores que a brutalidade, e são a censura eterna da natureza humana, na qual aque­les que têm a menor fagulha de virtude e algum resto de luz e consciência naturais não conseguem pensar sem horror. Observe que aqueles que se deixam envolver por um nível de impureza anormal são marcados para a vingança do fogo eterno. Veja Judas 7. 2. Eles não se envergonharam de reconhecer isto, e de prosseguir no seu desígnio pela força e pelas armas. O ato teria sido su­ficientemente mau se tivesse sido realizado por intrigas e lisonjas. Mas eles declararam guerra contra a virtude, e a desafiaram abertamente. Em Isaías está escrito so­bre ousados pecadores que publicam o seu pecado como Sodoma, Isaías 3.9. Observe que aqueles que se torna­ram atrevidos no pecado geralmente provam ser impe­nitentes no pecado. E isto será a sua ruína. Aqueles que pecam deliberadamente têm, realmente, corações endu­recidos, Jeremias 6.15. 3. Quando Ló intercedeu, com toda a brandura imaginável, para reprimir a ira e fúria da luxúria daqueles homens, eles foram insolentemente rudes e ofensivos a ele. Ele se aventurou entre eles, v. 6. Falou com eles educadamente, chamou-os de irmãos (v. 7), e rogou que não agissem de modo tão perverso. E, estando enormemente perturbado com a intenção vil da­queles homens, lhes ofereceu de forma imprudente e in­justificável as suas duas filhas, para que se prostituíssem com eles, v. 8. É verdade que entre dois males, devemos escolher o menor. Mas entre dois pecados, não devemos escolher nenhum, nem jamais fazer algum mal para que dele venha algum bem. Ló argumentou com eles, alegou as leis de hospitalidade e a proteção da sua casa, a que os seus convidados tinham direito. Mas argumentar com estes teimosos pecadores que eram governados somente pela luxúria e pela paixão era a mesma coisa que argu­mentar com um leão que ruge ou com um urso que urra. As palavras de Ló a eles somente os exasperaram. E, para completar a iniqüidade daqueles homens, e encher a sua medida, eles se lançaram contra ele. (1) Eles o ri­dicularizam, fazendo-lhe uma acusação absurda de pre­tender ser um magistrado, não sendo sequer um cidadão da sua cidade, v. 9. Observe que é comum que um crítico seja injustamente censurado como sendo um usurpador. E, enquanto oferece a generosidade de um amigo, seja acusado de assumir a autoridade de um juiz: como se um homem não pudesse falar usando a razão sem ser arro­gante. (2) Eles o ameaçam, e se arremessam sobre ele. E assim o bom homem corre perigo de ser despedaçado por esta multidão infame. Observe que: [1] Aqueles que odeiam ser transformados odeiam aqueles que os censu­ram, ainda que o façam com muita ternura. Os pecadores arrogantes fazem com as suas consciências aquilo que os sodomitas fizeram com Ló, frustrando as suas reprova­ções, reprimindo as suas acusações, comprimindo-as até insensibilizá-los e silenciar as suas bocas. Desta maneira eles se tornam prontos para a destruição. [2] Os maus tratos oferecidos aos mensageiros de Deus e aos fiéis crí­ticos logo enchem a medida da iniqüidade de um povo e trazem destruição sem remédio. Veja Provérbios 29.1 e 2 Crónicas 36.16. Se as censuras não remediam a situação, não há remédio. Veja 2 Crônicas 25.16.

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w. 12-14 GÊNESIS 19 108Que nada menos que o poder de um anjo po­deria salvar um bom homem das suas mãos

ímpias. Já não havia dúvida quanto ao caráter de So- doma e quanto ao curso que se deveria tomar com ela, e por isto os anjos imediatamente dão uma amostra do que pretendiam. 1. Eles resgatam Ló, v. 10. Observe que o que regar também será regado. Ló preocupou-se em protegê-los, e agora eles cuidam da segurança dele, retribuindo a sua gentileza. Observe ainda que os anjos são empregados para a preservação especial daqueles que se expõem ao perigo ao fazer o bem. Os santos, na morte, são levados, como Ló, a uma casa de perfeita segurança, e a porta é fechada para sempre para aque­les que os perseguem. 2. Eles punem a insolência dos sodomitas: Eles os feriram de cegueira, v. 11. Isto pre­tendia: (1) Dar um fim ao seu ataque, e incapacitá-los de prosseguir com ele. Com razão ficaram cegos aque­les que tinham sido surdos à razão. Os perseguidores violentos são freqüentemente desviados de sua rota original para não poderem prosseguir com as suas más intenções contra os mensageiros de Deus, Jó 5.14,15. Ainda assim, estes sodomitas, depois de atingidos pela cegueira, continuaram procurando a porta, para arrom­bá-la, até que se cansaram. Nenhum julgamento, por si mesmo, poderá modificar as naturezas e os objetivos corruptos dos homens ímpios. Se as suas mentes não estivessem cegas, como os seus corpos, eles teriam dito, como os magos do Egito: “Isto é o dedo de Deus”, e te­riam se sujeitado. (2) Ser um penhor da sua destruição completa, no dia seguinte. Quando Deus, no caminho de um julgamento justo, cega os homens, a sua condição já é desesperadora, Romanos 11.8,9.

Ló É Tirado de Sodomaw. 12-14

Aqui temos os preparativos para a libertação de Ló.

I Ele é avisado de que a destruição de Sodoma está próxima: “Nós vamos destruir este lugar”, v. 13. Ob­serve que os santos anjos são ministros da ira de Deus

para a destruição dos pecadores, assim como da sua mi­sericórdia para a preservação e libertação do seu povo. Neste sentido, os anjos bons se tornam mensageiros de males, Salmos 78.49.

n Ló é orientado a avisar os seus amigos e parentes que, se desejassem, eles poderiam ser salvos com ele (v. 12): “Você tem mais alguém aqui, com quem se preocupe? Se tem, vá dizer a eles o que se aproxima”. Isto indica: 1. O mandamento de um grande dever, que

consistia em fazer tudo o que ele pudesse para a salva­ção daqueles ao seu redor, tirá-los como tições do fogo. Observe que aqueles que, pela graça, são resgatados de uma condição pecaminosa devem fazer tudo o que pude­rem para resgatar a outros, especialmente seus parentes e familiares. 2. A oferta de um grande favor. Eles não perguntam se ele conhecia alguém justo na cidade, que pudesse ser digno de ser poupado: não, eles sabiam que não havia ninguém. Mas perguntam quais parentes ele tinha ali, para que, justos ou injustos, pudessem ser sal­

vos com ele. Observe que às pessoas más freqüentemen­te acontecem coisas boas neste mundo, por causa dos seus bons relacionamentos. É bom ser parente de um homem fiel ao Senhor.

Ele obedece, falando com seus genros (v. 14). Observe: 1. O justo aviso que Ló lhes deu:

“Levantai-vos. Saí deste lugar”. A maneira de falar é assustadora e motivadora. Não havia tempo para brin­car quando a destruição estava à porta. Eles não te­riam quarenta dias para se arrepender, como tiveram os ninivitas. Eles devem fugir, agora ou nunca. À meia noite foi feito este apelo. Deve ser como este o nosso apelo aos que ainda não se converteram, convertam-se e vivam. 2. O desprezo que dedicam a este aviso: Jó “foi tido, porém, por zombador aos olhos de seus genros”. Eles pensaram, talvez, que o ataque que os sodomitas tinham acabado de fazer à sua casa teria perturbado a sua cabeça, e o tinha deixado com tal medo que ele não sabia o que estava dizendo. Ou pensaram que ele não estava sendo sincero com eles. Aqueles que viviam uma vida feliz e ridicularizavam tudo, ridicularizaram este aviso, e assim pereceram na destruição. Assim muitos que são avisados da desgraça e do perigo em que se encontram, por causa do pecado, não levam os avisos a sério, e pensam que os seus ministros estão apenas brincando com eles. Estes irão perecer com o seu san­gue sobre as suas cabeças.

w. 15-23Aqui temos:

I A saída de Ló de Sodoma. Embora não houvesse dez homens justos em Sodoma, por cuja causa ela me­

recesse sei1 poupada, um homem justo que estava entre eles teve a sua alma livrada, Ezequiel 14.14. Ao amanhe­cer, os seus convidados, em uma gentileza a ele, tiraram- no para fora, e com ele à sua família, v. 15. Suas filhas que eram casadas pereceram com seus maridos incrédulos. Mas aquelas que permaneceram com ele foram preser­vadas com ele. Observe:

1. Com que “graciosa violência” Ló foi retirado de Sodoma, v. 16. Aparentemente, embora ele não tivesse ridicularizado o aviso recebido, como fizeram seus gen­ros, ainda assim ele demorou-se, deixou passar o tem­po, não agiu com a pressa que a situação exigia. Assim muitos que têm alguma convicção sobre a desgraça da sua condição espiritual, e a necessidade de alguma mu­dança, ainda assim retardam este trabalho necessário, e tolamente se demoram. Ló o fez, e isto poderia ter sido fatal a ele, se os anjos não o tivessem tomado pela mão, tirando-o fora, e salvando-o com temor, Judas 23. Por isto está escrito: “Sendo-lhe o Senhor misericordioso”. Caso contrário Ele poderia tê-lo deixado perecer, uma vez que Ló se recusava tanto a partir. Observe que: (1) A salvação dos homens mais justos deve ser atribuída à mi­sericórdia de Deus, e não ao seu próprio mérito. Nós so­mos salvos pela graça. (2) O poder de Deus também deve ser reconhecido no resgate das almas de uma condição de pecado. Se Deus não nos tivesse tirado, nós nunca te­

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109 GÊNESIS 19 w. 24,25ríamos saído. (3) Se Deus não tivesse sido misericordioso conosco, a nossa demora teria sido a nossa ruína.

2. Com que graciosa veemência Jó foi encorajado a fazer o melhor que pudesse, quando foi tirado, v. 17. (1) Ele ainda devia compreender-se no perigo de ser des­truído, e motivar-se, pela lei da auto-preservação, a fugir pela sua vida. Observe que um temor e tremor santos são necessários para a realização da nossa salvação. (2) Portanto ele deveria cuidar da sua vida com a máxima preocupação e diligência. Ele não deveria ansiar por So- doma: “Não olhes para trás de ti”. Ele não deveria perder tempo no caminho: “Não pares em toda esta campina”. Pois toda ela será transformada em um mar morto. Ele não deveria parar antes do lugar de refúgio que lhe ha­via sido indicado: “Escapa lá para o monte”. Como estes, são os mandamentos dados àqueles que, pela graça, são libertos de uma condição de pecado. [1] Não retorne ao pecado e a Satanás, pois isto é como olhar para trás, para Sodoma. [2] Não descanse em si mesmo e no mundo, pois isto é como parar na campina. E: [3] Procure alcançai' a Cristo e o céu, pois isto é escapar para o monte, antes do qual não devemos descansar.

n A determinação de um lugar de refúgio para ele. O monte foi o primeiro lugar indicado como o destino da sua fuga, mas: 1. Ele implorou para ir a uma cidade refúgio, uma das cinco que estavam próximas, chamada Bela, cap. 14.2,18-20. Foi uma fraqueza de Ló pensar que

uma cidade da sua própria escolha seria mais segura do que o monte que Deus indicava, E ele argumentou con­tra si mesmo, quando alegou: “Engrandeceste a tua mi­sericórdia que a mim me fizeste, para guardar a minha alma em vida. Mas não posso escapar no monte”. Pois não poderia aquele, que o arrancou de Sodoma, quando ele se demorava, levá-lo em segurança até o monte, ainda que ele começasse a cansar-se? Não poderia aquele que o salvou de males maiores, salvá-lo do menor? Ele insiste muito neste seu pedido, com base na pequenez do lugar: “Não é pequena?”, portanto, era de se esperar, não tão má quanto as demais. Isto deu um novo nome ao lugar: ele passou a chamar-se Zoar, pequena. As intercessões pelos pequenos sempre merecem ser lembradas. 2. Deus aten­deu o seu pedido, embora houvesse muita debilidade nele, w. 21,22. Veja o favor que Deus mostrou a um verdadeiro santo, embora fraco. (1) Zoar foi poupada, para satisfazê-lo. Embora a intercessão de Jó por ela não fosse, como a de Abraão por Sodoma, devida a um princípio de generosa caridade, mas meramente por interesse próprio, ainda as­sim Deus concedeu-lhe o seu pedido, para mostrar o valor da oração fervorosa de um homem justo. (2) A destruição de Sodoma foi adiada até que ele estivesse a salvo: “Nada poderei fazer, enquanto não tiveres ali chegado”. Obser­ve que a própria presença de homens bons em um lugar ajuda a manter à distância os julgamentos. Veja o cuidado que Deus tem com a preservação do seu povo. Os ventos são retidos até que os servos de Deus estejam assinala­dos, Apocalipse 7.3; Ezequiel 9.4.

É mencionado que o sol tinha nascido quan­do Ló entrou em Zoar. Pois quando um bom

homem chega a um lugar, ele traz a luz com ele, ou deveria trazê-la.

A Destruição de Sodoma e Gomorraw. 24,25

Então, quando Ló tinha chegado em segurança a Zoai’, então veio a destruição. Pois os homens bons são re­movidos do mal que se aproxima. Então, quando o sol ti­nha nascido, brilhante e claro, prometendo um dia bonito, então veio este tempestade, para mostrar que ela não ti­nha causas naturais. A respeito desta destruição, observe que: 1. Deus foi o seu autor imediato. Era uma destruição vinda do Todo-poderoso: “o Senhor fez chover” - vinha do Senhor (v. 24), isto é, de Deus, de si mesmo, pelo seu pró­prio poder, e não pelo curso comum da natureza. Ou, de Deus, o Filho, de Deus, o Pai. Pois o Pai entrega todas as coisas ao juízo do Filho. Observe que aquele que é o Sal­vador será também o destruidor daqueles que rejeitam a salvação. 2. Foi uma estranha punição, Jó 31.3. Nunca houve nada como ela, nem antes, nem depois. O inferno choveu, do céu, sobre as cidades. Fogo e enxofre, e um vento tempestuoso, esta é a porção do seu copo (SI 11.6). Não um relâmpago, que é suficientemente destrutivo quando Deus lhe dá esta comissão, mas uma chuva de re­lâmpagos. Espalhou-se enxofre sobre as suas habitações (Jó 18.15), e então o fogo logo os devastou. Deus poderia tê-los afogado, como fez com o mundo antigo. Mas Ele desejava mostrar que tinha muitas flechas na sua aljava,o fogo, além da água. 3. Foi um julgamento que destruiu tudo aquilo: O Senhor “derribou aquelas cidades, e toda aquela campina, e todos os moradores daquelas cidades, eo que nascia da terra”, v. 25. Foi uma destruição completa e irreparável. Aquele vale frutífero continua sendo, até hoje, um grande lago, ou mar, morto; é chamado de mar Salgado, Números 34.12. Os viajantes dizem que ele tem aproximadamente 48 quilômetros de extensão, e 16 de lar­gura. E não há vida nele. Ele não se agita pelo vento. Seu cheiro é desagradável. As coisas não afundam facilmente nele. Os gregos o chamam de Asfaltite, devido a um tipo de betume que nele se acumula. O Jordão deságua nele, e ali se dissipa. 4. Foi uma punição que correspondeu ao seu pecado. Os desejos ardentes contrários à natureza fo­ram devidamente punidos com este incêndio sobrenatu­ral. Aqueles que procuraram carne estranha foram des­truídos por fogo estranho, Judas 7. Eles perseguiram os anjos com sua multidão, e causaram temor a Ló. E agora Deus persegue-os com a sua tempestade e assombra-os com o seu torvelinho, Salmos 83.15. 5. Esta destruição tinha como função ser uma revelação permanente da ira de Deus contra o pecado e os pecadores de todas as gera­ções. Conseqüentemente, ela é sempre mencionada nas Escrituras, como um padrão da destruição de Israel (Dt 29.23), de Babilônia (Is 13.19), de Edom (Jr 49.17,18), de Moabe e Amom, Sofonias 2.9. Na verdade, ela foi típica da vingança do fogo eterno (Jd 7), e da destruição de to­dos os que vivem impiamente (2 Pe 2.6), especialmente aqueles que desprezam o Evangelho, Mateus 10.15. O fato de que o lugar dos condenados é freqüentemente representado como um lago que queima, como Sodoma, com fogo e enxofre é uma alusão a esta destruição. De­vemos aprender algumas lições a partir disto: (1) O mal do pecado, e a sua natureza nociva. A iniqüidade leva à destruição. (2) Os terrores do Senhor. Veja que horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo!

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v. 26 GÉNESIS 19 110v. 26

Isto também está escrito como advertência para nós. Nosso Salvador se refere a isto (Lc 17.32): “Lembrai-vos da mulher de Ló”. Da mesma maneira como, pelo exem­plo de Sodoma, os ímpios são aconselhados a afastar-se da sua iniqüidade, também, pelo exemplo da mulher de Ló, os justos são aconselhados a não desviarem os olhos da sua justiça. Veja Ezequiel 3.18,20. Aqui temos:

I O pecado da mulher de Ló: Estando atrás dele, ela “olhou para trás”. Isto parecia pouco, mas estamos

certos, com base na sua punição, que foi um grande pe­cado, e enormemente pecaminoso. 1. Ela desobedeceu a um mandamento expresso, e, assim sendo, pecou de modo semelhante à transgressão de Adão, que trouxe a ruína a todos nós. 2. A incredulidade estava no fundo de sua atitude. Ela questionava se Sodoma seria destruída, e pensava que ainda poderia estar em segurança ali. 3. Ela olhou para trás, para os seus vizinhos, que ela tinha deixado para trás com mais preocupação do que era ade­quado, agora que o dia de graça deles estava terminado, e a justiça divina se glorificava na destruição deles. Veja Isaías 66.24. 4. Provavelmente ela ansiava pela sua casa e pelos seus bens em Sodoma, e não desejava deixá-los. Cristo indica que este foi o pecado dela (Lc 17.31,32). Ela tinha uma excessiva consideração pelas suas coisas.5. O fato de que ela olhasse para trás evidenciou uma tendência de voltar. E por isto o nosso Salvador usa a sua história como uma advertência contra a apostasia da nossa profissão de fé cristã. Todos nós renunciamos ao mundo e à carne, e voltamos os nossos rostos parao céu. Nós estamos na campina, na nossa experiência. E será um grande risco retornarmos aos interesses que professamos ter abandonado. Voltar é o caminho para a perdição, e olhar para trás contribui muito para ela. Te­mamos, pois, Hebreus 4.1.

n A punição da mulher de Ló, por este pecado. Ela morreu no mesmo lugar. Porém o seu corpo não caiu, mas permaneceu fixo e ereto como uma coluna, ou monumento, não sujeito à destruição ou à decadência,

como o são os corpos humanos expostos ao ar, mas meta­morfoseado em uma substância metálica que duraria per­petuamente. “Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus” (Rm 11.22): com Ló, que seguiu adiante, benig­nidade. Com a sua mulher, que olhou para trás, severida­de. Embora ela estivesse muito próxima de um homem justo, embora fosse melhor do que os seus vizinhos, e em­bora a sua libertação de Sodoma fosse um monumento de misericórdia diferenciada, ainda assim Deus não tolerou a sua desobediência. Pois os grandes privilégios não nos protegerão da ira de Deus se nós não os aproveitarmos, cuidadosamente e fielmente. Esta estátua de sal deveria nos convencer. Uma vez que é tão perigoso olhar para trás, prossigamos adiante, Filipenses 3.13,14.

w. 27-29A nossa comunhão com Deus consiste na nossa gra­

ciosa consideração por Ele, e na sua graciosa conside­

ração por nós. Aqui vemos, portanto, a comunhão que havia entre Deus e Abraão, no evento acerca de Sodoma, como também anteriormente, na consulta a seu respeito, pois a comunhão com Deus deve ser mantida tanto nas providências como nas ordenanças.

I Aqui está a piedosa consideração de Abraão por Deus, neste evento, em dois aspectos: 1. Uma atenta

expectativa do evento, v. 27. Ele se levantou cedo para olhar em direção a Sodoma. E, para indicar que a sua intenção era ver qual teria sido o resultado das suas ora­ções, ele foi ao mesmo lugar onde tinha estado diante da face do Senhor, e ali se colocou, como se estivesse sobre a sua fortaleza, Habacuque 2.1. Observe que quando nós orarmos, devemos acompanhar as nossas orações e ob­servar o seu sucesso. Nós devemos endereçar a nossa oração como uma carta, e então procurar uma resposta. Dirigi-la como uma flecha, e vigiar para ver se ela chega ao alvo. Salmos 5.3. A nossa busca de novidades deve ser de acordo com a expectativa de uma resposta às nossas orações. 2. Uma assustadora observação do evento: Ele olhou em direção a Sodoma (v. 28), não como fez a mulher de Ló, tacitamente refletindo sobre a severidade divina, mas humildemente adorando-a e aquiescendo nela. As­sim os santos, quando vêm a fumaça do tormento da Ba­bilônia subindo para todo o sempre (como a de Sodoma, aqui), dirão repetidas vezes: Aleluia, Apocalipse 19.3. Eu penso que aqueles que, no dia da graça, intercederam mais fervorosamente pelos pecadores, no dia do julga­mento ficarão satisfeitos por vê-los perecer, e irão glori­ficar a Deus pela destruição dos iníquos.

n Aqui está a consideração favorável de Deus por Abraão, v. 29. Anteriormente, Abraão rogou por Ismael, mas Deus o ouviu por amor a Isaque. E agora, quando ele rogou por Sodoma, o Senhor o ouviu, por amor a Ló. Deus se lembrou de Abraão e - por causa dele

- tirou Ló do meio da destruição. Observe que: 1. Deus certamente dará uma resposta de paz a quem ora com fé, no seu devido tempo, e à sua maneira. Embora, du­rante algum tempo, a oração pareça ter sido esquecida, ainda assim, mais cedo ou mais tarde, será evidente que ela foi lembrada. 2. Aos parentes e amigos das pessoas tementes e obedientes ao Senhor acontecem as melhores coisas, devido ao interesse que elas têm em Deus, e pelas intercessões que fazem junto a Ele. Foi por consideração a Abraão que Ló foi resgatado: talvez esta palavra tenha incentivado - muito tempo depois - Moisés a orar (Êx32.13): “Lembra-te de Abraão”. E veja Isaías 63.11.

A Desgraça de Lów. 30-38

Aqui temos:

I O grande problema e a aflição aos quais Ló foi levado, depois da sua libertação, v. 30. 1. Ele temia habitar

em Zoar, e saiu dali. Provavelmente porque tinha consci­ência de que era um refúgio de sua própria escolha, e que nisto ele tinha, tolamente, dado ordens a Deus, e por isto não podia deixar de desconfiar da sua segurança ali. Ou-

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111 GÊNESIS 19 w. 30-38tra possibilidade é que ele tenha percebido que esta cida­de era tão ímpia quanto Sodoma, e por isto concluiu que não poderia sobreviver ali por muito tempo. Ou talvez ele observasse o aumento daquelas águas que, depois do incêndio, talvez viessem do Jordão e tenham começado a inundar a campina, e que, misturando-se com as ruínas, pouco a pouco formaram o Mar Morto. Ele concluiu que Zoar necessariamente iria perecer em tais águas (em­bora tivesse sido poupada do fogo) porque estava loca­lizada no mesmo patamar. Observe que os assentamen­tos e refúgios de nossa própria escolha, nos quais não seguimos a Deus, normalmente provam ser incômodos para nós. 2. Ló foi forçado a seguir para o monte, e a contentar-se com uma caverna, como sua residência. Na minha opinião, foi estranho que ele não retornasse para junto de Abraão, e se colocasse sob a sua proteção, pois a Abraão ele devia a sua segurança, repetidas vezes - mas a verdade é que existem alguns homens bons que não são prudentes o suficiente para sabei' o que é melhor para si mesmos. Observe que: (1) Agora ele estava feliz em ir para o monte, o lugar que Deus tinha indicado como seu refúgio. Observe que é bom que o desapontamento com o caminho que escolhemos nos leve, por fim, ao caminho que Deus tem para nós. (2) Aquele que, há pouco tempo, não julgou que houvesse espaço suficiente para ele e o seu rebanho na terra, e precisou brigar com Abraão, e afastou-se dele o quanto pôde, agora está confinado a uma caverna em um monte, onde mal tem espaço para virar-se, e ali está solitário e trêmulo. Observe que é jus­to que Deus reduza à pobreza e às limitações aqueles que usaram inadequadamente a sua liberdade e abundância. Veja também no exemplo de Ló a que ponto chegam, finalmente, aqueles que abandonam a comunhão dos santos, trocando-a por vantagens seculares. Eles serão espancados com a sua própria vara.

n O grande pecado de que Ló e suas filhas foram culpados quando estavam neste lugar desolado. Esta é uma história muito triste.

1. As filhas de Ló conceberam uma trama muito perversa para levá-lo a pecar. E delas foi, sem dúvida, a maior culpa. Elas planejaram, com o pretexto de alegrar o espírito do seu pai, nesta condição atual, embriagá-lo e então deitar-se com ele, w. 31,32. (1) Alguns pensam que a sua desculpa era plausível. Seu pai não tinha filhos ho­mens, elas não tinham maridos, nem sabiam onde encon­trar algum pertencente à santa semente, ou, se tivessem filhos com outros homens, o nome do seu pai não seria preservado nelas. Alguns pensam que elas pensavam no Messias, que, esperavam, poderia sei' descendente do seu pai: pois ele viria do filho mais velho de Tera, que se­parou-se dos demais descendentes de Sem, assim como Abraão, e agora estava evidentemente fora de Sodoma. A mãe delas, e o resto da sua família, todos haviam mor­rido. Elas não poderiam se casar com os amaldiçoados cananeus. E por isto supuseram que o fim que visavam e a situação extrema à qual foram trazidas, iria desculpar a irregularidade. Esta é a opinião do erudito Monsieur Allix. Observe que as boas intenções são freqüentemente mal utilizadas para incentivar más ações. Mas: (2) Qual­quer que fosse a pretensão delas, é certo que o plano era muito perverso e vil, e uma afronta atrevida à luz e à lei

da natureza. Observe que: [1] A visão dos julgamentos mais tremendos de Deus sobre os pecadores não irá, por si mesma, sem a graça de Deus, impedir que os corações maus cometam más ações. Poderíamos imaginar como o fogo do desejo pôde se inflamar sobre aquelas que ti­nham sido, tão recentemente, testemunhas oculares das chamas em Sodoma, [2] A solidão tem as suas tentações, assim como as companhias, e particularmente quanto à impureza. Quando José esteve sozinho com a esposa do seu senhor, esteve em perigo, cap. 39.11. Os parentes que residem juntos, especialmente se viverem isolados, pre­cisam estar cuidadosamente vigilantes até mesmo contra o menor mau pensamento deste tipo, para que Satanás não obtenha alguma vantagem contra eles.

2. O próprio Ló, pela sua própria tolice e imprudên­cia, foi ignobilmente dominado, e permitiu que as suas próprias filhas se aproveitassem dele, a ponto de, duas noites seguidas, ser embebedado e cometer incesto, v. 33ss. “Senhor, que é o homem!” O que são os melhores homens, quando Deus os deixa por sua própria conta! Veja aqui: (1) O perigo da segurança, Ló, que não somen­te se manteve sóbrio e casto em Sodoma, mas que lamen­tava constantemente a iniqüidade do lugar, e era uma testemunha contra ela, no monte, onde estava isolado, e, como pensava, fora do caminho da tentação, foi ver­gonhosamente dominado por ela. Portanto, aquele que pensa que está em pé, erga-se e permaneça firme, que tome cuidado para não cair. Nenhum monte, deste lado do santo monte, pode nos colocar fora do alcance dos dar­dos inflamados de Satanás. (2) O perigo da embriaguez. Este não é apenas um grande pecado, por si só, mas é o início de muitos pecados. A embriaguez pode vir a ser o início dos piores pecados e dos pecados mais anormais, que podem se tornar uma ferida e uma desonra eternas.O Sr. Herbert descreve isto de maneira excelente:

“Se aquele que está embriagado pode até mesmo matai* a própria mãe, o que não faria à sua irmã.”

Um homem embriagado pode fazer - sem relutância- aquilo que, quando está sóbrio, não pode sequer pensar sem se horrorizar. (3) O perigo da tentação dos nossos mais queridos parentes e amigos, a quem amamos, e estimamos, e dos quais esperamos gentilezas. Ló, cuja temperança e castidade foram impermeáveis aos exér­citos de forças estrangeiras, foi, surpreendentemente, levado ao pecado e à vergonha pela vil traição das suas próprias filhas: nós devemos temer uma armadilha onde quer que estejamos, e estar sempre vigilantes.

3. No encerramento deste capítulo, nós temos o re­lato do nascimento dos dois filhos, ou netos (podemos chamá-los das duas maneiras) de Ló, Moabe e Amom, os pais de duas nações, vizinhas de Israel, e sobre as quais freqüentemente lemos no Antigo Testamento. Ambos são chamados de filhos de Ló, Salmos 83.8. Observe que embora nascimentos prósperos possam ser o resultado de concepções incestuosas, ainda assim eles estão tão longe de justificá-las que, na verdade, perpetuam a crítica a elas, e transmitem a infâmia à posteridade. Mas a tribo de Judá, da qual se originou o nosso Senhor, descendia de um destes nascimentos, e Rute, uma moabita, tem o seu nome na árvore genealógica de Jesus, Mateus 1.3,5.

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w. 1,2 GÊNESIS 20 112Finalmente, observe que, depois disto, não le­

mos mais nada a respeito de Ló, nem sabemos o que aconteceu com ele: sem dúvida, ele se arrependeu do seu pecado, e foi perdoado. Mas com base no silêncio das Escrituras a seu respeito a p artir daqui, podemos aprender que a embriaguez, que torna os homens es­quecidos, também faz com que os demais se esqueçam deles. E muitos nomes que, nâo fosse por isto, pode­riam ter sido lembrados com respeito, estão en terra­dos em desprezo e esquecimento.

C a p í t u l o 20Aqui estamos retornando à história de Abraão. Mas esta parte da história que está aqui registra­da, não o é para sua honra. Os mais belos mármo­res têm seus defeitos, e, enquanto há manchas no sol, não devemos esperar nada imaculado debaixo dele. As Escrituras, isto deve ser reafirmado, são imparciais ao relatar as manchas até mesmo dos seus personagens mais célebres. Aqui temos: I.O pecado de Abraão, ao negar que Sara era sua esposa, e o conseqüente pecado de Abimeleque, ao tomá-la, w. 1,2. II. As palavras de Deus a Abi­meleque, em um sonho, nesta ocasião, quando Ele lhe mostra o seu erro (v. 3), aceita a sua defesa (w. 4-6), e ordena que ele faça a restituição, v. 7. III. A conversa de Abimeleque com Abraão, em que Abimeleque o repreende pela trapaça que lhe tinha feito (w. 8-10), e na qual Abraão procura se desculpar como pode, w . 11-18. IV O bom resulta­do da história, na qual Abimeleque restitui Sara a Abraão (w. 14-16), e Abraão, pela oração, obtém de Deus a remoção do julgamento sob o qual se encontrava Abimeleque, w. 17,18.

Abraão Nega que Sara É sua Esposaw. 1,2

Aqui temos:1. A saída de Abraão de Manre, onde tinha vivido

aproximadamente vinte anos, para a região dos filisteus: Ele “peregrinou em Gerar”, v. 1. Nós não sabemos qual foio motivo da sua saída, se foi porque ficou assustado com a destruição de Sodoma, ou se porque a região tinha ficado prejudicada por isto, ou se, como dizem alguns dos auto­res judeus, foi porque ele ficou entristecido com o incesto de Ló com suas filhas, e com a crítica que os cananeus lhe faziam, e à sua religião, por causa d.os seus parentes- sem dúvida, houve alguma boa razão para a sua parti­da. Observe que em um mundo onde somos estranhos e peregrinos, não podemos esperar estar sempre no mesmo lugar. Onde quer que estejamos, devemos nos considerar apenas como peregrinos. 2. Seu pecado em negar à sua esposa, como antes (eap. 12.13), que não foi, em si mes­mo, somente um equívoco, por ter se aproximado de uma mentira, e que, se aceito como lícito, seria a ruína das re­lações humanas, e o início de toda falsidade, mas também

expôs a castidade e a honra da sua esposa, das quais ele deveria ter sido protetor. Mas, além disto, havia nele um duplo agravo: (1) Ele tinha sido culpado, deste mesmo pe­cado, anteriormente, e tinha sido repreendido por isto, e convencido da tolice da sugestão que o levou a isto. Mas, apesar disto, ele retorna ao mesmo pecado. Observe que é possível que um bom homem possa, não somente cair em pecado, mas voltar a cair no mesmo pecado, pela sur­presa e força da tentação e pela fraqueza da carne. Que os filhos rebeldes se arrependam, então, mas não se de­sesperem, Jeremias 3.22. (2) Sara, aparentemente, estava agora grávida da semente prometida, ou, pelo menos, na expectativa de que isto acontecesse rapidamente, segun­do a palavra de Deus. Por isto, nesta ocasião, ele deveria ter cuidado dela de maneira especial, como em Juizes 13.4.3. O perigo ao qual Sara foi exposta, por causa disto: o rei de Gerar mandou buscá-la e levou-a para a sua casa, para levá-la à sua cama. Observe que o pecado de um freqüen­temente ocasiona o pecado de outros. Aquele que rompe a barreira dos mandamentos de Deus, abre uma passagem para um número incontável de transgressores. O início do pecado é como o jorrar da água.

w. 3-7Fica evidente, nestes versículos, que Deus se revelava

em sonhos (o que evidenciava que tais sonhos eram divinos e sobrenaturais) não somente aos seus servos, os profetas, mas até mesmo àqueles que estavam fora dos limites da igreja e do concerto. Mas, normalmente, era com alguma relação ao próprio povo de Deus, como no sonho de Fa­raó, em relação a José. No de Nabucodonosor, a Daniel. E aqui, no de Abimeleque, a Abraão e Sara, pois o Senhor repreendeu este rei por amor deles, Salmos 105.14,15.

I Deus avisa Abimeleque do perigo que corria (v. 3), o perigo de pecar, dizendo a ele que a mulher que ele

havia tomado era esposa de um homem, de modo que se ele se chegasse a ela, faria um grande dano ao marido dela. O perigo de morte que vem através deste pecado: “Eis que morto és” - e o fato de Deus dizer isto de um homem, o torna realmente morto. Observe que todos os pecadores deliberados devem ouvir que são homens mortos, como o malfeitor condenado, e são considerados como o paciente cuja doença é mortal. Se você é. um ho­mem mau, certamente é um homem morto.

I T Ele alega ignorância, que Abraão e Sara tinham1 concordado quanto ao que dizer a ele, e que não

lhe deram a conhecer que eram mais do que irmão e irmã, v. 6. Veja a confiança que um homem pode te r para com Deus, quando o seu coração não o condena, 1 João •3.21. Se as nossas consciências testemunham a favor da nossa integridade, e se por mais que possamos te r sido atraídos a uma cilada, nós não pecamos contra Deus deliberadamente e conscientemente, esta será a nossa alegria no dia do mal. Ele argumenta com Deus, como Abraão tinha feito, eap. 18.23. “Senhor, matarás também uma nação justa?”, v. 4. Não uma nação como Sodoma, que na verdade foi destruída com razão, mas uma nação que, neste assunto, era inocente.

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113 GÉNESIS 20 w. 8-13

m Deus dá uma resposta muito completa ao que Abimeleque tinha dito.

1. Ele aceita a sua defesa, e admite que, o que ele ti­nha feito, tinha feito na integridade do seu coração: “Bem sei”, v. 6. Observe que é um consolo para aqueles que são honestos, o fato de que Deus conhece a sua honestida­de, e irá reconhecê-la, embora talvez os homens que têm preconceitos contra eles não possam ser convencidos dela, nem desejarão aceitar que eles são honestos.

2. Deus o faz saber que foi impedido de cometer o pecado simplesmente pela sua boa mão sobre ele: “Eu te tenho impedido de pecar contra mim”. Abimeleque foi, desta maneira, impedido de fazer o mal, Abraão, de sofrer o dano, e Sara, de ambas as coisas. Obser­ve que: (1) Existe uma grande quantidade de pecados planejados que nunca são executados. Por piores que sejam as situações neste mundo, elas não são tão más quanto os homens maus e ímpios as teriam tornado.(2) E Deus que impede os homens de fazerem o mal que desejam fazer. Não foi o precioso Deus que criouo pecado, mas é através dele que o pecado é retirado e evitado, seja pela sua influência sobre a mente dos homens, reprovando as suas inclinações ao pecado, ou pela sua providência, removendo a oportunidade de pecar. (3) E uma grande misericórdia ser impedido de cometer algum pecado. Disto, Deus deve te r a glória, a despeito de quem seja o instrumento que Ele tenha decidido usar, 1 Samuel 25.32,33.

3. Ele lhe ordena que se faça a restituição: “Agora, pois” - que já estás informado - “restitui a mulher ao seu marido”, v. 7. Observe que a ignorância não será uma des­culpa válida por um tempo superior ao seu esclarecimen­to. Se nós entramos em um caminho errado, por causa da ignorância, isto não será desculpa para permanecermos nele, depois de esclarecidos, Levítico 5.3-5. As razões pe­las quais Abimeleque deve ser justo e bom com Abraão são: (1) Porque Abraão é um profeta, próximo e amado de Deus, por quem Deus, de uma maneira particular, se interessa. Deus se ressente grandemente das ofensas fei­tas aos seus profetas, e as interpreta como sendo feitas a si mesmo. (2) “Sendo um profeta, rogará por ti”. Esta é a recompensa de um profeta, e é uma boa recompensa. Está implícito que havia grande eficiência nas orações de um profeta, e que os homens bons deveriam estar dispostos a ajudar com suas orações àqueles que necessitassem delas, e deveriam, pelo menos, restituir as gentilezas que lhes eram feitas. Abraão era cúmplice do problema de Abime­leque, e, portanto, estava obrigado, pela justiça, a orar por ele. (3) “Se não lha restituíres” - o perigo será teu - “sabe que certamente morrerás”. Observe que aquele que fazo mal, não importando quem seja, príncipe ou camponês, certamente receberá pelo mal que fez, a menos que se ar­rependa e faça a restituição, Colossenses 3.25. Nenhuma injustiça pode ser aceita por Deus, não, nem pela imagem de César estampada nela.

A Conduta de Abimeleque com Abraãow. 8-13

Tendo sido avisado por Deus, em um sonho, Abime­leque aceita o aviso e, como alguém verdadeiramente te­

meroso do pecado e das suas conseqüências, levanta-se cedo para obedecer às instruções que lhe foram dadas.

I Ele se preocupa com os seus servos, v. 8. O próprio Abraão não poderia ter sido mais cuidadoso do que

foi, ao instruir a sua casa nesta questão. Observe que aqueles a quem Deus convenceu do pecado e do perigo devem contar aos outros aquilo que Deus fez pelas suas almas, para que também estes possam ser despertados e trazidos a um santo temor semelhante.

n Abimeleque tem uma repreensão para Abraão. Observe:

1. A séria repreensão que Abimeleque fez a Abraão, w. 9,10. A sua argumentação com Abraão, nesta ocasião, foi muito forte. Mas, ainda assim, pode ser considerada muito branda. Nada poderia ter sido mais bem dito. Ele não o censura, nem o insulta, nem diz: “E esta a fé que você professa? Estou vendo... embora você não jure, você mente. Se assim são os profetas, eu imploro para ser libertado da visão deles”. Mas Abimeleque apresen­ta devidamente a ofensa que Abraão lhe tinha feito, e calmamente explica o seu ressentimento. (1) Ele chama este pecado, que agora descobria que tinha estado em perigo de cometer, de “tamanho pecado”. Observe que mesmo a luz da natureza ensina aos homens que o peca­do de adultério é um pecado muito grande: isto deve ser dito para a vergonha de muitos que se dizem cristãos, e que negligenciam esta questão. (2) Abimeleque conside­ra que tanto ele como também o seu reino teriam sido ex­postos à ira de Deus, se ele tivesse sido culpado deste pe­cado, ainda que sem sabê-lo. Observe que os pecados dos reis freqüentemente provam ser as pragas dos reinos. Os governantes, portanto, devem, por amor ao seu povo, temer o pecado e se afastar dele. (3) Ele acusa Abraão de fazer o que não era justificável, ao desonrar o seu casa­mento. Sobre isto, ele fala, com razão, e ainda assim, ter­namente. Ele não o chama de trapaceiro ou de mentiro­so, mas lhe diz que ele tinha feito coisas que não deviam ser feitas. Observe que o equívoco e a dissimulação, por mais que possam ser mitigados, são coisas muito más, e de nenhuma maneira podem ser admitidos, em nenhuma situação. (4) Ele considera uma ofensa muito grande, a si mesmo e à sua família, que Abraão os tivesse exposto ao pecado, desta maneira: “E em que pequei contra ti?” Se eu tivesse sido o seu pior inimigo, você não poderia ter me feito restituição pior, nem tomado um caminho mais eficiente para vingar-se de mim. Observe que nós devemos considerar que aqueles que, de qualquer ma­neira, nos tentam ou nos expõem ao pecado, embora pos­sam fingir amizade e oferecer o que é suficientemente agradável para corromper a natureza, nos infligem as maiores crueldades do mundo. (5) Ele o desafia a citar uma causa para suspeitar que eles fossem um povo em cujo meio seria perigoso que um homem honesto vivesse: “Que tens visto, para fazeres tal coisa?”, v. 10. Que razão você tem para pensar que se nós soubéssemos que ela era sua mulher, você teria sido exposto a qualquer perigo por causa disto? Observe que uma desconfiança da nossa bondade é, com razão, considerada uma afronta maior do que um desprezo à nossa grandeza,

2. A desculpa insuficiente que foi oferecida por Abraão.

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w. 14-18 GÊNESIS 21 114(1) Ele fala da má opinião que tinha do lugar, v. 11.

Ele dizia, consigo mesmo (embora não pudesse apre­sentar nenhuma boa razão por pensar desta maneira): “Certamente não há temor de Deus neste lugar, e eles me matarão”. [1] Pode-se esperar pouco bem, onde não existe temor a Deus. Veja Salmos 36.1. [2] Existem mui­tos lugares e pessoas que têm mais do temor a Deus do que pensam ter: talvez eles não sejam chamados pelo nosso nome distinto, não usem nossos distintivos, não se apeguem àquilo de que temos boa opinião. E, conse­qüentemente, nós concluímos que não têm temor a Deus em seus corações, o que é muito ofensivo, tanto a Cristo quanto aos cristãos, e nos torna detestáveis ao juízo de Deus, Mateus 7.1. [3] A falta de caridade e a disposição para julgar e criticai' são pecados que são causas de mui­tos outros pecados. Quando os homens já se persuadi­ram, a respeito deste e daquele, que não têm temor a Deus, julgam que isto irá justificá-los nas práticas mais injustas e não cristãs para com eles. Os homens não fa­rão o mal, se, antes, não pensarem o mal.

(2) Ele se desculpou da culpa de uma mentira direta, explicando que, em certo sentido, ela era sua irmã, v. 12. Alguns pensam que ela era a própria irmã de Ló, que é chamado de irmão de Abraão (cap. 14.16), embora fosse filho do irmão de Abraão. De modo que Sara é chamada de sua irmã. Mas aqueles a quem ele dizia: “Ela é minha irmã”, entendiam que ela era sua irmã a ponto de não po­der ser sua esposa. De modo que esta foi uma expressão ambígua, com a intenção de enganar.

(.3) Abraão se isenta da imputação de uma afronta designada a Abimeleque alegando que esta já tinha sido sua prática anteriormente, conforme um acordo entre ele e sua esposa, quando começaram a peregrinar (v. 13): Quando Deus me levou a peregrinar, saindo da casa do meu pai, então fizemos este acordo. Observe que: [1] Deus deve ser reconhecido em toda a nossa caminhada neste mundo, por onde quer que andarmos. [2] Aqueles que viajam ao exterior, e convivem muito com estranhos, assim como têm necessidade da prudência de uma ser­pente, também é essencial que tal prudência seja sem­pre temperada com a simplicidade da pomba. Pelo que eu sei, poderíamos sugerir que Deus negou a Abraão e Sara a bênção de um filho, por tanto tempo, para puni- los por este pacto pecaminoso, se eles não reconheciamo seu casamento, por que deveria Deus reconhecê-lo? Mas podemos supor que, depois desta repreensão que Abimeleque lhe fez, eles concordaram em nunca mais co­meter o mesmo erro novamente, e imediatamente lemos (cap. 21.1,2) que Sara concebeu.

w. 14-18Aqui temos:

I A bondade de um príncipe que Abimeleque mos­trou a Abraão. Veja como eram injustos os zelos de Abraão. Ele imaginava que se soubessem que Sara era sua mulher, iriam matá-lo. Mas, quando souberam

disto, em vez de matá-lo, foram gentis com ele - foram levados a ser gentis, ao menos pelas divinas repreen­sões sob as quais se encontravam. 1. Abimeleque lhe

dá a sua permissão real para habitar onde desejasse, no seu país, desejando a sua permanência, porque lhe dá presentes reais (v. 14). ovelhas e vacas, e (v. 16) mil moedas de prata. Abimeleque deu tudo isto a Abraão quando restituiu Sara, ou: [1] Como uma compensação, pelo mal que tinha se proposto a fazer, ao levá-la à sua casa. Quando os filisteus devolveram a arca, ao serem atingidos pela praga, por conservá-la, enviaram, com ela, um presente. A lei ordenava que quando alguma restituição fosse feita, algo deveria ser acrescentado a ela, Levítico 6.5. Ou: [2j Para motivar as orações de Abraão por ele: não como se as orações pudessem ser compradas e vendidas, mas devemos nos empenhar para sermos gentis àqueles que nos ajudam a alcan­çar resultados espirituais positivos, 1 Coríntios 9.11. Observe que é sábio que obtenhamos e mantenhamos um bom relacionamento com aqueles que têm um bom relacionamento com o céu, e que sejamos amigos da­queles que são amigos de Deus. [3] Ele dá a Sara boas instruções. Diz a ela que o seu marido (ele o chama de seu irmão, para repreendê-la por tê-lo chamado assim) deve ser, para ela, como o véu dos olhos, isto é, ela não deve olhar para nenhum outro homem, nem desejar ser olhada por nenhum outro. Observe que os companhei­ros de jugo devem ser, um para o outro, como o véu dos olhos. O concerto do casamento é como um conceito com os olhos, como o de Jó, Jó 31.1.

n A bondade de um profeta, que Abraão mostrou a Abimeleque: orou por ele, w. 17,18. Deus concede esta honra a Abraão, pois embora Abimeleque tivesse restituído a Sara, ainda assim o julgamento sob o qual ele se encontrava seria removido pela oração de Abraão,

e não antes disto. Da mesma maneira, Deus curou Mi- riã, quando Moisés, a quem ela tinha ofendido, orou por ela (Nm 12.13). O Senhor também perdoou os amigos de Jó quando este, que eles tinham ofendido, orou por eles (Jó 42.8-10). E assim, de certa maneira, a reconciliação estava nas mãos das pessoas que haviam sido ofendidas. Observe que as orações dos homens bons podem ser uma importante gentileza para os grandes homens, e devem ser sempre valorizadas.

Ca p ít u l o 2 !

Neste capítulo, temos: I. Isaque, o filho da pro­messa, nascido na família de Abraão, w. 1-8. II. Ismael, o filho da serva, é expulso da família, w. 9-21. III. A aliança de Abraão com seu vizinho Abimeleque, w. 22-32. IV A devoção de Abraão ao seu Deus, v. 33.

O Nascimento de Isaque w. 1-8

Finalmente chega aquele que tanto foi esperado. A visão a respeito da semente prometida era para um tem­po determinado, e agora, no final, ela fala e não mente. Poucos, na época do Antigo Testamento, foram trazidos

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115 GÊNESIS 21 w. 1-8ao mundo com tanta expectativa como foi Isaque, não por causa de nenhuma grande eminência à qual ele devesse chegar, mas porque ele deveria ser, neste mesmo aspecto, um tipo de Cristo, aquela semente que o santo Deus tinha prometido por tanto tempo, e os homens santos tinham esperado por tanto tempo. Nesta narrativa dos primeiros dias de existência de Isaque, podemos observar:T O cumprimento da promessa de Deus na concepção J l e no nascimento de Isaque, w. 1,2. Observe que as providências de Deus parecem melhores e mais brilhan­tes quando são comparadas com a sua palavra, e quando observamos como Deus, em todas elas, age como tinha dito, como tinha falado. 1. Isaque nasceu de acordo com a promessa. O Senhor visitou Sara em misericórdia, como havia dito. Observe que nenhuma palavra de Deus cairá por terra. Pois Ele é fiel ao que prometeu, e a fidelida­de de Deus é o sustento e o suporte da fé do seu povo. Ele nasceu no tempo determinado, que Deus tinha dito, v. 2. Observe que Deus sempre é pontual ao seu tempo. Embora as Suas misericórdias e graças prometidas não venham no tempo que nós determinamos, certamente vi­rão no tempo que Ele determinar, e que sem dúvida será0 melhor tempo. 2. Isaque nasceu em virtude da promes­sa: “Sara recebeu a virtude de conceber”, Hebreus 11.11. Portanto, Deus, pela promessa, deu-lhe esta virtude. Isa­que não nasceu pelo poder da providência comum, mas pelo poder de uma promessa especial. Uma sentença de morte, de certa forma, era proferida pelas causas secun­dárias: Abraão era idoso, e Sara idosa, e ambos estavam praticamente mortos. E então se cumpriu a Palavra de Deus. Observe que os verdadeiros crentes, em virtude das promessas de Deus, podem fazer aquilo que está acima da capacidade da natureza humana, pois por elas, eles participam de uma natureza divina, 2 Pedro 1.4.T T A obediência de Abraão ao preceito de Deus, no1 X que se referia a Isaque.

1. Ele lhe deu o nome que Deus havia ordenado, v. 3. Deus lhe recomendou um nome, como memorial, Isaque, Riso. E Abraão, a quem competia esta tarefa, deu-lhe este nome, embora pudesse ter desejado para ele algum outro nome com algum significado mais pomposo. Ob­serve que é conveniente que a exuberância da invenção humana sempre se renda à soberania e simplicidade das instituições divinas. Mas havia uma boa razão para o nome, pois: (1) Quando Abraão recebeu a promessa sobre Isaque, riu de alegria, cap. 17.17. Observe que quando o sol do consolo se levanta sobre a alma, é bom recordar o quão bem vindo foi o amanhecer do dia, e com que alegria nós recebemos a promessa. (2) Quando Sara recebeu a promessa, ela riu, com desconfiança e modés­tia. Observe que quando Deus nos dá as misericórdias e as graças pelas quais começamos a nos desesperar, de­vemos nos lembrar, com tristeza e vergonha, da nossa vergonhosa falta de confiança no poder e nas promessas de Deus, quando as estávamos buscando. (3) O próprio Isaque foi motivo de riso para Ismael (v. 9), e talvez o seu nome lhe indicasse que deveria esperar isto. Observe que os favoritos de Deus freqüentemente são os motivos das gargalhadas do mundo. (4) A promessa da qual ele não somente era o filho mas o herdeiro, seria a alegria

de todos os santos, em todas as gerações, e encheria as suas bocas de riso.

2. Ele o circuncidou, v. 4. Uma vez que o concerto havia sido estabelecido com ele, o selo do concerto lhe foi administrado. E embora esta fosse uma ordenança de sangue, e ele fosse um favorito, ainda assim ela não deveria ser omitida, nem adiada além do oitavo dia. Deus tinha observado o tempo para cumprir a promessa, e por isso Abraão também deveria observar o tempo, para obedecer ao preceito.

As impressões desta graça sobre Sara.1. Ela se encheu de alegria (v. 6): “Deus me

tem feito riso”. Ele me deu motivos para alegrar-me, e um coração para alegrar-me. Sara deve te r se sentido como a mãe do nosso Senhor, Lucas 1.46,47. Observe:(1) Deus concede graças ao seu povo, para incentivar a sua alegria, na sua obra e serviço. E, qualquer que seja o motivo da alegria, Deus deve ser reconhecido como o seu autor, a menos que seja o riso do tolo. (2) Quando as graças tardam por muito tempo, elas são ainda mais bem vindas quando chegam. (3) Nosso consolo por qualquer misericórdia será maior se tivermos amigos que exultem conosco nela: “todo aquele que o ouvir se rirá comigo”. Pois o riso é contagiante. Veja Lucas 1.58. Outros se ale­grariam neste exemplo de poder e bondade de Deus, e seriam incentivados a confiar nele. Veja Salmos 119.74.

2. Ela se encheu de assombro, v. 7. Observe aqui:(1) O que Sara julgou tão maravilhoso: Que ela desse de mamar a filhos, que pudesse, não somente dar à luz um filho, mas ser tão forte e saudável, nesta idade avança­da, a ponto de dar de mamar. Observe que as mães, se puderem, devem dar de mamar aos seus próprios filhos. Sara era uma pessoa digna, e era idosa. A amamentação poderia ser julgada prejudicial a ela, ou à criança, ou a ambas. Ela poderia escolher amas de leite, sem dúvida, na sua própria família. Mas ela desejava cumprir o seu dever neste assunto. E as suas filhas serão boas espo­sas desde que também cumpram as suas obrigações com amor e dedicação, 1 Pedro 3.5,6. Veja Lamentações 4.3.(2) Como ela expressou o seu assombro: “Quem diria?” O fato era tão altamente improvável, tão próximo do impossível, que se alguém, que não fosse Deus, tivesse dito isto, nós não teríamos crido. Observe que os favores de Deus ao povo do seu concerto são tais que superam os pensamentos e expectativas, tanto os deles mesmos, quanto os dos outros. Quem poderia imaginar que Deus fizesse tanto por aqueles que mereceriam tão pouco, ou melhor, por aqueles que mereceriam o mal? Veja Efésios 3.20; 2 Samuel 7.18,19. Quem teria dito que Deus envia­ria o seu Filho para m orrer por nós, o seu Espírito para nos santificar, os seus anjos para nos ajudar? Quem teria dito que os grandes pecados seriam perdoados, que os maus serviços seriam aceitos, e que estes vermes indig­nos seriam aceitos ao conceito e comunhão com o gran­dioso e santo Deus?

Um curto relato da infância de Isaque: “E cres­ceu o menino”, v. 8. Isto é mencionado de manei­

ra especial, embora fosse o curso normal, para indicar que os filhos da promessa são filhos que crescem. Veja Lucas 1.80; 2.40. Aqueles que nascem de Deus crescerão

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w. 9-13 GÊNESIS 21 116através do poder e da graça de Deus, Colossenses 2.19. Ele cresceu de modo a não precisar de leite sempre, mas foi capaz de suportar comida mais forte, e então foi des­mamado. Veja Hebreus 5.13,14. E foi então que Abraão fez um grande banquete, para seus amigos e vizinhos, dando graças a Deus pela sua misericórdia para com ele. Ele fez este banquete, não no dia em que Isaque nasceu, pois teria sido um incômodo muito grande para Sara. Nem no dia em que ele foi circuncidado, pois teria sido uma distração muito grande da ordenança. Mas no dia em que ele foi desmamado, porque a bênção de Deus so­bre a amamentação de crianças, e a sua preservação dos perigos da primeira infância, são exemplos do cuidado e da ternura da providência divina, que devem sei1 reco­nhecidos com louvor. Veja Salmos 22.9,10; Oséias 11.1.

Agar e Ismael São Expulsosw. 9-13

A expulsão de Ismael é aqui considerada, e decidida.T O próprio Ismael motivou isto, por causa de algumas X afrontas que fez a Isaque, seu irmão menor - alguns opinam que foi no dia em que Abraão fez o banquete de alegria porque Isaque tinha sido desmamado, o que, segundo os judeus, não aconteceu antes que ele tivesse três anos, embora outros digam cinco anos. A própria Sara foi testemunha ocular da ofensa: ela viu que o filho da egípcia zombava (v. 9), zombava de Isaque, sem dúvi­da, porque está escrito, com referência a isto (G1 4.29), que “aquele que era gerado segundo a carne perseguia o que o era segundo o Espírito”. Ismael aqui é chama­do de filho da egípcia, porque, como pensam alguns, os 400 anos de sofrimento da semente de Abraão pelas mãos dos egípcios podem ter começado agora, e assim poderiam ser datados a partir daqui, cap. 15.13. Ela o viu brincando com Isaque, segundo a Septuaginta, e, na brincadeira, zombando dele. Ismael era catorze anos mais velho que Isaque. E, quando os filhos estão juntos, os mais velhos devem cuidar dos mais jovens - mas o fato de Ismael m altratar uma criança pequena que não era, de maneira nenhuma, páreo para ele, revelou um temperamento muito vil e sórdido. Observe que: 1. Deus observa o que as crianças dizem e fazem nas suas brin­cadeiras, e irá acertai’ as contas com elas se disserem ou fizerem algo errado, ainda que seus pais não o façam.2. Zombar é um grande pecado, e muito provocativo a Deus. 3. Existe uma inimizade enraizada remanescente na semente da serpente contra a semente da mulher. Os filhos da promessa devem esperar ser alvo de zomba­ria. Isto é perseguição, e aqueles que vivem de maneira devota devem contar com ela. 4. Ninguém é rejeitado e expulso da preciosa presença de Deus, exceto aqueles que merecem tal castigo. Ismael permanece na família de Abraão até que se torna uma perturbação, um pesar e um escândalo a ela.

Sara fez a sugestão: “Deita fora esta serva”, v. 10. Isto parece ser dito de uma forma acalorada, mas

é citado (G1 4.30) como se tivesse sido dito através do Espírito de profecia. E esta é a sentença que recebem

todas as pessoas hipócritas e carnais, ainda que tenham um lugar e um nome na igreja visível. Todos os que são nascidos segundo a carne, e não nascem de novo, que permanecem na lei e rejeitam a promessa do Evangelho, certamente serão expulsos. Isto se refere, em particular, à rejeição dos judeus incrédulos, que, embora fossem a semente de Abraão, ainda assim, porque não se submete­ram ao concerto do Evangelho, foram banidos da igreja e privados dos seus direitos - e aquilo que, acima de qual­quer outra coisa, levou Deus a expulsá-los, foi o fato de que zombassem e perseguissem a igreja do Evangelho, o Isaque de Deus, na sua infância, 1 Tessalonieenses 2.16. Observe que há muitos que convivem familiarmente com os filhos de Deus neste mundo, e ainda assim não com­partilham com eles a herança dos filhos. Ismael podia ser o companheiro de brincadeiras, e colega de escola, de Isaque, mas não seu co-herdeiro.

Abraão foi avesso a isto: Na sua opinião, isto era muito penoso, v. 11. 1. Entristecia-o o

fato de Ismael ter feito tal provocação. Observe que as crianças devem considerar que quanto mais seus pais as amam, mais se entristecem com o seu mau compor­tamento, e particularmente com as suas brigas entre si.2. Entristecia-o o fato de Sara insistir em tal punição. Não bastaria castigá-lo? Nada serviria, exceto expulsá-lo. Observe que até mesmo as medidas extremas e ne­cessárias que devem ser usadas com crianças maldosas e incorrigíveis são muito lamentáveis para os seus ternos pais, que muitas vezes não são capazes de ministrá-las com determinação.

Deus assim o determinou, w. 12,13. Podemos imaginar que Abraão ficasse extremamente

agitado com esta questão, não querendo desagradar a Sara, e não querendo expulsar a Ismael. Nesta dificul­dade, Deus lhe diz qual é a sua vontade, e então ele fica satisfeito. Observe que um bom homem não deseja, em situações difíceis, nada mais que conhecer o seu dever, o que Deus deseja que ele faça. E, quando ele tem a ques­tão esclarecida, ele fica, ou deveria ficar, tranqüilo. Para tranqüilizar a Abraão, Deus coloca esta questão diante dele, sob uma luz verdadeira, e lhe mostra: 1. Que a ex­pulsão de Ismael era necessária para o estabelecimento de Isaque nos direitos e privilégios do concerto: “Em Isaque será chamada a tua semente”. Tanto Cristo quan­to a igreja devem descender de Abraão, pelos lombos de Isaque. Esta é a transmissão da promessa por Isaque, e é citada pelo apóstolo (Rm 9.7), para mostrar que nem todos os que vêm dos lombos de Abraão são herdeiros do concerto de Abraão. Isaque, o filho prometido, deve sero pai da semente prometida. Portanto: “Fora com Isma­el, envie-o para muito longe, para que ele não corrompa os modos de Isaque, nem tente invadir os seus direitos”. Será a sua segurança ter o seu rival expulso. A semente do concerto de Abraão deve ser um povo peculiar, um povo, desde o início, distinto, não mesclado com aqueles que não pertencem ao concerto. Por esta razão Ismael deve ser separado. Abraão foi chamado sozinho, e tam­bém assim deve ser Isaque. Veja Isaías 51.2. É provável que Sara não estivesse pensando nisto (Jo 11.51), mas Deus tomou aquilo que ela disse, e converteu-o em um

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117 GÊNESIS 21 w. 14-21oráculo, posteriormente, cap. 27.10.2. Que a expulsão de Ismael não seria a sua ruína, v. 13. Ele será “uma na­ção, porquanto é tua semente”. Não sabemos se esta foi a sua ruína eterna. É presunção dizer que todos aqueles que são excluídos das dispensações eternas, são também excluídos de todas as misericórdias divinas: aqueles que não são honrados em alguma ocasião também podem ser salvos. No entanto, nós temos a certeza de que esta não foi a sua ruína temporal. Embora ele tenha sido ex­pulso da comunhão que tinham, ele não foi expulso do mundo. Dele farei uma nação. Observe que: (1) As na­ções são criação de Deus: Ele as funda, Ele as forma, Ele as estabelece. (2) Muitos estão cheios das bênçãos da providência de Deus, sendo estranhos às bênçãos do seu concerto. (3) Os filhos deste mundo freqüentemente têm benefícios, quanto a coisas exteriores, pela sua relação com os filhos de Deus.

A Misericórdia de Deus para com Agar e Ismaelw. 14-21

Aqui temos:

I A expulsão da serva, e do seu filho, da família de Abraão, v. 14. A obediência de Abraão ao manda­mento divino, nesta questão, foi rápida: “Pela manhã, de

madrugada”. Podemos imaginar que Abraão os expulsou imediatamente depois de ter, nas visões da noite, rece­bido ordens para fazer isto. Também foi submissa. E ra contrário ao seu julgamento, pelo menos à sua própria inclinação, fazer isto. Mas tão logo ele percebe que era a vontade de Deus, ele não faz objeções, mas silenciosa­mente faz como lhe foi ordenado, como alguém treinado a uma obediência implícita. Ao mandá-los embora, sem nenhuma ajuda, a pé, e com víveres escassos, é provável que estivesse obedecendo as instruções lhe que foram dadas. Se Agar e Ismael tivessem se comportado bem na família de Abraão, poderiam ter continuado ali. Mas eles mesmos se expulsaram, pelo seu próprio orgulho e inso­lência, e por isto foram devidamente punidos. Observe que ao usar mal os nossos privilégios, nós os perdemos. Aqueles que não sabem reconhecer quando estão bem, em um lugar desejável como a família de Abraão, mere­cem ser afastados e conhecer o valor das misericórdias, ao sentirem a falta delas.

n A sua peregrinação pelo deserto, perdendo o cami­nho para o lugar que Abraão lhes havia designado.

1. Ali eles passaram por grande aflição. Suas provi­sões se acabaram, e Ismael ficou fragilizado. Aquele que costumava ser abundantemente alimentado na casa de Abraão, onde engordava, agora desmaiava e desfalecia, pois os mantimentos lhe foram drasticamente reduzidos. Agar está em lágrimas, e profundamente mortificada. Agora ela anseia pelas migalhas que desperdiçou e des­prezou na mesa no seu senhor. Como alguém sob o poder do espírito da escravidão, ela perde a esperança de alívio, sem esperar nada além da morte da criança (w. 15,16), embora Deus lhe tivesse dito, quando o filho nasceu, que ele viveria para ser um grande homem. Nós somos capa­

zes de esquecer promessas anteriores, quando as provi­dências da atualidade parecem contradizê-las, pois nós vivemos pelos sentidos.

2. Nesta aflição, Deus graciosamente apareceu, para seu alívio: Ele “ouviu... a voz do menino”, v. 17. Nós não lemos que ele tenha dito nem uma palavra. Mas os seus suspiros e gemidos, e o seu estado calamitoso, clamavam aos ouvidos da misericórdia. Um anjo foi enviado para consolar Agar, e esta não foi a primeira vez que ela se encontrou com os consolos de Deus, em um deserto. Ela tinha agradecidamente reconhecido a visita anterior que Deus lhe fez em uma situação parecida (cap. 16.13), e por isto Deus agora a visitava novamente, com ajuda oportuna. (1) O anjo assegura a ela de que Deus tomou conhecimento do seu sofrimento: “Deus ouviu a voz do rapaz desde o lugar onde está”, embora ele esteja em um deserto (pois, onde quer que estejamos, o caminho para o céu está aberto). Portanto, “levanta o moço e pega-lhe pela mão”, v. 18. Observe que a prontidão de Deus em nos ajudar quando estamos em dificuldades não deve relaxar, mas incentivar, os nossos empenhos para ajudar a nós mesmos. (2) Ele repete a promessa a respeito do seu filho, de que ele seria uma grande na­ção, como uma razão pela qual ela deveria apressar-se para ajudá-lo. Observe que a consideração de que não sabemos o que Deus designou para as crianças e jovens, nem qual é o grande uso que a Providência pode fazer deles, deve motivar o nosso cuidado e os nossos esfor­ços por eles. (3) Ele a conduz a uma provisão próxima (v. 19): “Abriu-lhe Deus os olhos” (que estavam inchados e quase cegos devido ao choro), e ela “viu um poço de água”. Observe que muitos que têm motivos suficientes para serem consolados continuam chorando dia após dia, porque não vêem os motivos que têm para consolar-se. Há um poço de graça ao seu lado, no concerto da graça, mas eles não se dão conta disto. Eles não têm o benefício do poço, até que o mesmo Deus que abriu os seus olhos para que vissem a sua ferida, os abra para que vejam o remédio, João 16.6,7. O apóstolo nos diz que estas coisas a respeito de Agar e Ismael são allegoroumena (G14.24), devem ser entendidas como alegoria. Isto, então, serve para ilustrar a tolice: [1] Daqueles que, como os judeus incrédulos, procuram a justiça segundo a lei e as suas ordenanças carnais, e não pela promessa feita em Cris­to, conseqüentemente precipitando-se a um deserto de necessidades e desespero. Seus consolos logo se acabam, e se Deus não os salvar, pela sua prerrogativa especial, e não abrir os seus olhos, indicando o seu erro, por um milagre de fé, eles estarão destruídos. [2] Daqueles que procuram a satisfação e a felicidade no mundo e nas coi­sas que há nele. Aqueles que abandonam os consolos do concerto e a comunhão com Deus, e escolhem a sua parte nesta terra, se satisfazem com um odre de água, uma provisão insuficiente e escassa, e que logo se acaba. Eles vagam incessantemente procurando satisfação, e, no fi­nal, não a alcançam.

O estabelecimento de Ismael, por fim, no de­serto de Parã (w. 20,21), um lugar selvagem,

adequado para um homem selvagem. E assim era ele (cap. 16.12, versão RA). Aqueles que nascem segundo a carne se contentam com o deserto deste mundo, ao pas­

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w. 22-32 GÊNESIS 21 118so que os filhos da promessa desejam a Canaã celestial, e não conseguem descansar até que estejam lá. Obser­ve que: 1. Ele tinha alguns sinais da presença de Deus: “Era Deus com o moço”. A sua prosperidade exterior se devia a isto. 2. Por profissão, ele tornou-se flecheiro, o que indica que a sua destreza era excelente e que o seu trabalho era um esporte: o rejeitado Esaú era um hábil caçador. 3. Ele casou-se com alguém entre os parentes da sua mãe. Sua mãe tomou-lhe uma mulher da terra do Egito. Por maior flecheiro que fosse, ele não pensou que conseguiria acertar bem o alvo, em termos de casa­mento, se procedesse sem o conselho e consentimento da sua mãe.

O Concerto de Abimeleque com Abraãow. 22-32

Aqui temos o relato do tratado entre Abimeleque e Abraão, no qual aparece o cumprimento daquela promes­sa (cap. 12.2) de que Deus engrandeceria o seu nome. A sua amizade é valorizada e cortejada até mesmo por um estranho, embora se tratasse de um arrendatário sujeito à vontade dos cananeus e dos ferezeus.

10 acordo é proposto por Abimeleque, e Ficol, seu primeiro ministro e general do seu exército.1. 0 que motivou isto foi o favor de Deus a Abraão (v.

22): “Deus é contigo em tudo o que fazes”, e não podemos deixar de perceber isto. Observe que: (1) Deus, na sua providência, às vezes mostra ao seu povo tais sinais para bem, e os seus vizinhos não podem deixar de percebê-los, Salmos 86.17. Seus negócios prosperam tão visivelmen­te, e eles têm um sucesso tão admirável nos seus empre­endimentos, que todos à sua volta se mostram dispostos a confessar que a presença de Deus está, realmente, na vida destes servos do Senhor. (2) É bom estar nas graças daqueles que estão nas graças de Deus, e ter um bom relacionamento com aqueles que têm um bom relaciona­mento com o céu, Zacarias 8.23. “Iremos convosco, por­que temos ouvido que Deus está convosco”. Nós faremos bem a nós mesmos se tivermos comunhão com aqueles que têm comunhão com Deus, 1 João 1.3.

2. 0 teor do concerto era, de maneira geral, que de­veria haver uma amizade firme e constante entre as duas famílias, que não deveria ser, de maneira alguma, vio­lada. Este laço de amizade deveria ser fortalecido pela força de um juramento, no qual se devia apelar ao Deus verdadeiro, tanto como testemunha da sua sinceridade como vingador no caso de que algum lado cometesse alguma traição, v. 23. Observe que: (1) Ele deseja que este acordo seja propagado aos seus descendentes, e que abranja o seu povo. Ele deseja que o seu filho, e o filho do seu filho, e, da mesma maneira, a sua terra, tenhamo benefício deste acordo. Os homens bons devem garan­tir uma aliança e comunhão com os favoritos do céu, não somente para si mesmos, mas também para os seus. (2) Ele lembra a Abraão do bom tratamento que ele tinha encontrado junto a eles: “segundo a beneficência que te fiz”. Da mesma maneira como aqueles que recebem gen­tilezas devem retribui-las, também aqueles que demons­tram gentileza podem esperá-la.

n Abraão concorda com o concerto, com uma cláu­sula particular, a respeito de um poço. Nesta tran­

sação, por parte de Abraão, observe que:1. Ele estava disposto a fazer este concerto com Abi­

meleque, julgando-o um homem de honra e consciência, e que tinha o temor a Deus diante dos seus olhos: “Eu jurarei”, v. 24. Observe que: (1) A religião não torna os homens morosos e anti-sociáveis. Tenho certeza de que ela não deve fazer isto. Nós não devemos, com o pretexto de evitar as más companhias, rejeitar toda a companhia, e desconfiar de todo mundo. (2) Uma mente honesta não se atemoriza com dadas circunstâncias: se Abraão diz que será fiel a Abimeleque, ele não teria algum receio de jurar. Um juramento é a confirmação.

2. Prudentemente, ele define a questão a respeito de um poço, sobre o qual os servos de Abimeleque tinham disputado com ele. Os poços de água, aparentemente, eram bens bastante valiosos naquela região: e graças a Deus, não são raros em nossa região. (1) Abraão com brandura contou a Abimeleque a respeito do poço, v. 25. Observe que se o nosso irmão nos ofende, nós devemos, com a brandura da sabedoria, falar-lhe sobre o seu erro, para que a questão possa ser resolvida de modo correto, e encerrada, Mateus 18.15. (2) Ele concordou com a justi­ficativa de Abimeleque nesta questão: “Eu não sei quem fez isto”, v. 26. Muitos são suspeitos de injustiça e cruel­dade, sendo, no entanto, perfeitamente inocentes, e nós devemos ficai' satisfeitos quando se justificam. Os erros dos servos não devem ser imputados aos seus senhores, a menos que estes saibam de tais erros e os justifiquem. E nada mais se pode esperar de um homem honesto, ex­ceto que ele esteja disposto a fazer o que é correto tão logo saiba que cometeu alguma injustiça. (3) Ele tomou precauções para que o seu direito ao poço fosse escla­recido e confirmado, para evitar quaisquer disputas ou brigas no futuro, v. 30. É justiça, além de sabedoria, agir desta maneira, in perptuam rei memoriam - para que a circunstância seja lembrada eternamente.

3. Abraão deu um presente muito agradável a Abime­leque, v. 27. Ele não o presenteou com nada curioso nem elegante, mas com aquilo que era valioso e útil - ovelhas e vacas, em gratidão pela bondade de Abimeleque para com ele, e como sinal da sincera amizade que havia entre eles. O intercâmbio de gentilezas é o aprimoramento do amor: aquilo que é meu também é do meu amigo.

4. Ele retificou o concerto com um juramento, e regis- trou-o, dando um nome ao lugar (v. 31), Berseba, o poço do juramento, como recordação do concerto que juraram, para que sempre o tivessem em mente. Ou poço das sete, como recordação das sete cordeiras dadas a Abimeleque, como consideração por ter ele confirmado o direito de Abraão a este poço. Observe que as negociações feitas de­vem ser lembradas, para que possamos mantê-las e não quebrar a nossa palavra por algum descuido.

w. 33,34Observe que: 1. Abraão, tendo se instalado em boa

vizinhança, sabia quando estava bem, e permaneceu ali por muito tempo. Ali ele plantou um bosque, para ter sombra sobre a sua tenda, ou talvez um pomar de ár­

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119 GÊNESIS 22 w. 1,2vores frutíferas. E, embora não possamos dizer que ele tenha se estabelecido, pois Deus desejava que ele, en­quanto vivesse, fosse um estrangeiro e peregrino, ainda assim ali permaneceu por muitos dias, tantos quantos pudessem ser coerentes com o seu caráter, ou seja, como caráter de Abraão, o hebreu, ou o peregrino. 2. Ali ele fez não somente uma prática constante, mas uma pro­fissão aberta da sua religião: Ali ele “invocou... o nome do Senhor, Deus eterno”, provavelmente no bosque que tinha plantado, que era o seu oratório, ou lugar de ora­ção. Cristo orou em um jardim, em uma montanha. (1) Abraão manteve a sua adoração pública, à qual, prova­velmente, compareciam os seus vizinhos, para poderem se unir a ele. Observe que os homens bons devem não somente conservar a sua bondade onde quer que este­jam, mas fazer tudo o que puderem para propagá-la e fazer bem aos outros. (2) Ao invocarmos o Senhor, deve­mos considerá-lo como o Deus eterno, o Deus do mundo, segundo alguns comentaristas. Embora Deus tenha se dado a conhecer a Abraão como o seu Deus, em parti­cular, e em concerto com ele, ainda assim Abraão não se esquece de glorificá-lo como o Senhor de tudo e de todos: Ele é o Deus eterno que era antes de todos os mundos, e que será, quando o tempo e os dias não existirem mais. Veja Isaías 40.28.

Ca p ít u l o 22

Aqui temos a famosa história do sacrifício que Abraão faz do seu filho Isaque, isto é, o seu ofe­recimento em holocausto, que é, com razão, consi­derada como uma das maravilhas da igreja. Aqui temos: I. O estranho mandamento que Deus deu a Abraão, a este respeito, w. 1,2. II. A estranha obediência de Abraão a este mandamento, w. •3-10. III. O estranho resultado desta prova. 1. O sacrifício de Isaque recebeu uma contra-ordem, w. 11,12. 2. Outro sacrifício foi providenciado, w. 13,14. 3. Nisto o concerto com Abraão foi renova­do, w. 15-19. Finalmente, um relato de alguns dos parentes de Abraão, v. 20ss.

Abraão Recebe o Mandamento de Oferecer Isaquew. 1,2

Aqui está o teste da fé de Abraão, que visava com­provar se ela continuava tão forte, tão vigorosa, tão vi­toriosa, depois de um longo período de comunhão com Deus, como era no início, quando, por esta fé, ele deixou a sua terra. Naquela ocasião, ficou evidente ele amava a Deus mais do que aos seus pais. Agora, que ele o amava mais do que ao seu filho. Observe aqui:

I A ocasião em que Abraão foi posto à prova (v. 1): De­pois destas coisas, depois de todos os outros trabalhos que ele tinha tido, todas as dificuldades e os problemas pelos quais tinha passado. Agora, talvez ele estivesse co­

meçando a pensar que as tempestades já tivessem pas­

sado. Mas, afinal, chega este encontro, que é mais severo do que qualquer anterior. Observe que muitas tentações anteriores não irão substituir novas tentações, nem nos proteger delas. Nós ainda estamos neste mundo, e somos humanos, 1 Reis 20.11. Veja Salmos 30.6,7.

n O autor da prova: Deus o pôs à prova, não para levá-lo ao pecado, como Satanás (se Abraão tives­se sacrificado Isaque, ele não teria pecado, as ordens que recebera o teriam justificado e confirmado), mas para re­velar as Suas graças, quão fortes elas eram, para que pu­

dessem ser achadas em louvor, e honra, e glória, 1 Pedro1.7. Da mesma maneira Deus provou Jó, para que pu­desse evidenciar ser não somente um bom homem, mas um grande homem. Deus realmente provou Abraão. Ele promoveu Abraão, segundo a interpretação de alguns. Assim como um aluno que tem bons resultados é promo­vido, quando passa para um nível mais avançado. Obser­ve que a fé forte é freqüentemente exercitada através de fortes provações, e aplicada em serviços difíceis.

m A tentação propriamente dita. Deus apareceu a Abraão, como já tinha feito anteriormente,

chamando-o pelo nome, Abraão, o nome que lhe tinha sido dado na ratificação da promessa. Abraão, como um bom servo, prontamente respondeu: “Eis-me aqui”. O que diz o meu Senhor ao seu servo? Provavelmente ele esperava alguma promessa renovada, como aquelas, cap. 15.1 e 17.1. Mas, para sua grande surpresa, o que Deus tem a dizer a ele, é, em resumo, Abraão, vai, mata o teu filho. E este mandamento lhe é dado em uma linguagem tão desagradável que torna a prova abundantemente mais dolorosa. Quando Deus fala, Abraão, sem dúvida, perce­be cada palavra e ouve atentamente a cada uma delas. E cada palavra aqui é uma espada nos seus ossos: a tentação se endurece com palavras tentadoras. Será que a necessi­dade de permitir a aflição na vida de alguém traz algum prazer ao Todo-poderoso? Não, de forma nenhuma. Mas, uma vez que a fé de Abraão deve ser posta à prova, alguns entendem que o Senhor Deus parece se comprazer ao permitir que a prova piore, v. 2. Observe que:

1. A pessoa que deve ser oferecida em sacrifício. (1) “Toma teu filho”, não teus bezerros e teus cordeiros. Com que disposição Abraão teria se separado de milha­res deles, para redimir a Isaque! “Da tua casa não tirarei bezerro”, Salmos 50.9. “Eu quero o teu filho: não o teu servo, nem o mordomo da tua casa, que não servirão a este propósito. Eu quero o teu filho”. Alguns entendem que Jefté, para cumprir um juramento, ofereceu uma fi­lha. Mas Abraão deve oferecer o seu filho, em quem devia ser edificada a sua família. “Senhor, permita que seja um filho adotivo”. Não. (2) O “teu único filho”. O teu único fi­lho, gerado por Sara. Ismael tinha sido expulso recente­mente, para a tristeza de Abraão. E agora somente tinha ficado Isaque, e ele deveria ir, também? Sim: (3) Toma Isaque, pelo nome, o teu riso, este filho, realmente, cap. 17.19. Não mande buscar Ismael, e ofereça a ele. Não, deve ser Isaque. “Mas, Senhor, eu amo Isaque, ele é, para mim, como a minha própria alma. Ismael não está, e o Senhor deseja tomar Isaque também? Tudo está con­tra mim”. Sim: (4) Este filho “a quem amas”. Era uma prova do amor de Abraão por Deus, e, portanto, deveria

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w. 3-10 GÊNESIS 22 120ser um filho amado, e isto é muito enfatizado. No texto hebraico isto é expresso mais enfaticamente e, na minha opinião, pode muito bem ser interpretado assim: Toma agora este teu filho, teu único filho, a quem amas, este Isaque. O mandamento de Deus deve superar todas as nossas ponderações e considerações.

2 .0 lugar: Na “terra de Moriá”, a três dias de viagem. Para que Abraão tivesse tempo de considerar a situação, e, se o fizesse, deveria fazê-lo deliberadamente, para que pudesse ser um serviço mais razoável e mais honroso.

3. O método: “Oferece-o ali em holocausto”. Ele não somente deve matar o seu filho, mas matá-lo como um sacrifício, matá-lo com devoção, matá-lo segundo regras, matá-lo com toda aquela pompa e cerimônia, com toda aquela serenidade e paz de espírito com que ele costu­mava fazer suas ofertas em holocausto.

A Obediência de Abraãow. 3-10

Aqui temos a obediência de Abraão a este manda­mento severo. “Ofereceu Abraão a Isaque, quando foi provado”, Hebreus 11.17. Observe:

I As dificuldades que Abraão superou, neste ato de obe­diência. Muito poderia ter sido objetado contra tal ato.

1. Parecia ser diretamente contrário a uma lei anterior de Deus, que proíbe o assassinato, sob penalidade severa, cap. 9.5,6. Pode o Deus imutável contradizer a si mesmo? Aquele que detesta o roubo para oferta cle holocausto (Is 61.8, versão RA) não pode comprazer-se no assassinato para tal oferta. 2. Como isto poderia ser coerente com o afeto natural pelo seu próprio filho? Não seria somen­te assassinato, mas o pior dos assassinatos. Não pode Abraão ser obediente, a menos que seja desnaturado? Se Deus insiste em um sacrifício humano, este sacrifício não poderá ser outro senão Isaque, e ninguém senão Abraão poderá ser o ofertante? Deve, o pai dos fiéis, ser o maior monstro dentre todos os pais? 3. Deus não lhe apresentou nenhuma razão para isto. Quando Ismael estava prestes a ser expulso, uma causa justa foi determinada, o que sa­tisfez a Abraão. Mas aqui, Isaque deve morrer, e Abraão deve matá-lo, e nenhum deles sabe o motivo ou o objetivo disto. Se Isaque tivesse que morrer como um mártir pela verdade, ou se a sua vida tivesse sido o resgate de outra vida mais preciosa, teria sido diferente. Ou se ele tivesse morrido como um criminoso, um rebelde contra Deus, ou seus pais, como no caso do idólatra (Dt 13.8,9), ou do fi­lho rebelde (Dt 21.18,19), isto teria sido aceito como um sacrifício à justiça. Mas este não é o caso: ele é dócil, obe­diente, promissor, um bom filho. “Senhor, que bem pode trazer o seu sangue...” 4. Como seria isto coerente com a promessa? Não tinha sido dito: “Em Isaque será chama­da a tua descendência”. Mas o que será desta semente, se este botão fértil for cortado cedo demais? 5. Como ele poderia olhar Sara nos olhos novamente? Com que ex­pressão em seu rosto ele pode voltar para ela, e para a sua família, com o sangue de Isaque respingado nas suas vestes, e manchando toda a sua vestimenta? “Certamente me és um esposo sanguinário”, diria Sara (como em Êxo­do 4.25,26), e provavelmente afastaria os seus afetos para

sempre, tanto dele, como do seu Deus. 6. O que diriam os egípcios, e os cananeus, e os ferezeus, que habitavam, então, na terra? Seria uma crítica eterna a Abraão, e aos seus altares. “Bem vinda seja a natureza, se isto for a graça”. Estas e muitas outras objeções similares pode­riam ter sido feitas. Mas Abraão estava infalivelmente certo de que era realmente um mandamento de Deus, e não um engano, e isto era o suficiente para responder a todas as objeções. Observe que os mandamentos de Deus não devem ser discutidos, mas obedecidos. Nós não devemos consultar carne nem sangue sobre eles (G1 1.15,16), mas, com uma obstinação graciosa, persistir na nossa obediência a eles.T T Os diversos passos da obediência, que ajudam a en- JL X grandecê-la, e a mostrar que Abraão era guiado pela prudência, e governado pela fé em toda aquela situação.

1. Ele se levanta muito cedo, v. 3: “Então, se levantou Abraão pela manhã, de madrugada”. Provavelmente o mandamento lhe foi dado nas visões da noite, e bem cedo, na manhã seguinte, ele se dispõe a executá-lo - não demo­rou, não hesitou, não tomou tempo para deliberar. Pois o mandamento era peremptório, e não admitiria um debate. Observe que aqueles que fazem a vontade de Deus since­ramente a farão rapidamente. Enquanto nós nos demora­mos, o tempo é perdido, e o coração, endurecido.

2. Ele prepara as coisas para um sacrifício e, como se ele mesmo fosse um gibeonita, aparentemente, com as suas próprias mãos ele fendeu a lenha para o holocausto, para que não fosse necessário procurá-la quando o sa­crifício fosse oferecido. Os sacrifícios espirituais devem ser preparados.

3. É muito provável que ele não tenha dito nada a Sara sobre isto. Esta é uma viagem sobre a qual ela não deve saber nada, para não impedir a sua realização. Existem tantas coisas nos nossos próprios corações que tentam impedir o nosso progresso em nossos deveres que precisamos nos afastar, tantas vezes quanto possa­mos imaginar, do caminho de outros impedimentos.

4. Abraão olhou cuidadosamente à sua volta, para en­contrar o lugar indicado para este sacrifício, ao qual Deus tinha prometido dirigi-lo através de algum sinal. Provavel­mente a orientação foi dada por uma manifestação da gló­ria divina no lugar, alguma coluna de fogo que desceu do céu à terra, visível à distância, e à qual ele apontou quando disse (v. 5): “Eu e o moço iremos até ali” - onde vocês estão vendo a luz - “e, havendo adorado, tornaremos”.

5. Ele deixou seus servos a alguma distância (v. 5), para que não intercedessem ou criassem alguma perturbação nesta estranha oblação. Pois Isaque era, sem dúvida, que­rido por toda a família. Da mesma maneira, quando Cristo iniciou a sua agonia no jardim, Ele levou consigo somente três dos seus discípulos, e deixou os demais na entrada do jardim. Observe que é nossa prudência e dever, quando vamos adorar a Deus, deixar de lado todos aqueles pensa­mentos e preocupações que podem nos distrair do serviço, deixá-los no pé do monte, para que possamos comparecer diante do Senhor sem distrações.

6. Ele obrigou Isaque a carregar a lenha, tanto para testar a sua obediência em uma questão pequena, a prin­cípio, quanto para que ele pudesse representar a Cristo, que carregou a sua própria cruz (Jo 19.17), enquanto

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121 GÊNESIS 22 w. 3-10ele mesmo, embora soubesse o que estava fazendo, com uma resolução firme e destemida levava o cutelo fatal e o fogo, v. 6. Observe que aqueles que, pela graça, estão de­cididos quanto ao conteúdo de qualquer serviço ou oferta a Deus devem ignorar as pequenas circunstâncias que o tornam duplamente difícil para a carne e o sangue.

7. Sem nenhuma irritação ou desordem, ele conver­sa com Isaque, como se o sacrifício que ele ia oferecer fosse apenas um sacrifício comum, w. 7,8. (1) Enquanto caminhavam juntos Isaque lhe fez uma pergunta muito comovente. Isaque disse: “Meu pai”. Esta era uma pala­vra enternecedora, que, poderíamos pensar, penetraria mais fundo no peito de Abraão do que o seu cutelo po­deria penetrar no peito de Isaque. Ele poderia ter dito, ou pensado: “Não chame de seu pai a quem agora será o seu assassino. Pode um pai ser tão bárbaro, tão perfeita­mente perdido a toda a ternura de um pai?” Mas ele con­serva o seu temperamento, e conserva a sua aparência, admiravelmente. Calmamente ele espera pela pergunta do seu filho, que foi a seguinte: “Eis aqui o fogo e a le­nha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?” Veja como Isaque era conhecedor da lei e dos costumes nos sacrifícios. Isto é ser bem discipulado. Esta foi: [1] Uma pergunta dolorosa para Abraão. Como Abraão poderia suportar pensar que Isaque seria o cordeiro? E ele re­almente o seria. Mas o pai ainda não ousa dizer-lhe isto. O bondoso Deus não se preocupa com a prova daqueles inocentes que têm a fé como armadura, pois Ele sempre lhes dará a vitória final, Jó 9.23. [2] Uma pergunta que ensina a todos nós que, quando vamos adorar a Deus, de­vemos seriamente considerar se temos tudo preparado, especialmente o cordeiro para o holocausto. Eis aqui o fogo, a ajuda do Espírito e a aceitação de Deus. A lenha está preparada, as ordenanças instituídas designadas a despertar nossos afetos (que, realmente, sem o Espírito, são somente como a lenha sem o fogo, a menos que o Es­pírito trabalhe por eles). Tudo está preparado, mas onde está o cordeiro? Onde está o coração? Ele está pronto para ser ofertado a Deus, para ascender até Ele como um holocausto? (2) A resposta que Abraão lhe deu foi muito sábia: “Deus proverá para si o cordeiro para o ho­locausto, meu filho”. Esta era a linguagem, ou: [1] Da sua obediência. “Nós devemos oferecer o cordeiro que Deus designou que seja oferecido agora”. Dando-lhe, desta maneira, esta regra geral de submissão à vontade divina, para prepará-lo à aplicação dela, a si mesmo, muito em breve. Ou: [2] Da sua fé. Quer ele quisesse dizer isto ou não, este provou ser o significado. Um sacrifício foi for­necido, em lugar de Isaque. Em primeiro lugar, Cristo, o grande sacrifício expiatório, foi fornecido por Deus. Uma vez que ninguém no céu ou na terra pôde encontrar um cordeiro para aquele holocausto, o próprio Deus encon­trou o resgate, Salmos 49.7; 89.20. Em segundo lugar, to­dos os nossos sacrifícios de gratidão também são forne­cidos por Deus. É Ele quem prepara o coração, Salmos10.17. O espírito quebrantado e contrito é um sacrifício a Deus (SI 51.17), fornecido por Ele.

8. Com a mesma determinação e serenidade de espírito, depois de muitas considerações do coração, Abraão se dispõe a completar este sacrifício, w . 9,10. Ele prossegue com uma disposição santa - depois de muitos passos cansativos e com um coração pesaroso

ele chega, por fim, ao lugar fatal, edifica o altar (um altar de terra, podemos supor, o mais triste que ele construiu. E ele já tinha construído muitos), coloca em ordem a pilha de lenha para o funeral do seu Isaque, e agora ele lhe conta as assombrosas notícias: Isaque, você é o cordeiro que Deus proveu. Isaque, ao que pa­rece, está tão disposto quanto Abraão. Nós não lemos que ele tenha levantado objeções contra isto, que tenha implorado pela sua vida, que tenha tentado escapar, muito menos que tenha lutado com seu envelhecido pai, ou oferecido qualquer resistência. Abraão o faz, pois Deus deseja que seja feito, e Isaque aprendeu a se sub­meter a ambos, com Abraão, sem dúvida, consolando-o com as mesmas esperanças com as quais ele mesmo, pela fé, era consolado. Ainda assim, é necessário queo sacrifício seja amarrado. O grande sacrifício, que na plenitude do tempo seria oferecido, deveria ser amar­rado. Portanto, o de Isaque também deveria ser. Mas com que coração Abraão poderia atai' estas mãos sem culpa, que talvez freqüentemente tivessem se erguido para pedir a sua bênção, e se estendido para abraçá-lo, e agora eram mais firmemente amarradas com as cor­das do amor e do dever! No entanto, isto deve ser feito. Tendo amarrado Isaque, Abraão o deita sobre o altar, e coloca a sua mão na cabeça do seu sacrifício. E agora, supomos, com rios de lágrimas, ele dá e recebe o adeus final com um beijo de despedida: talvez ele receba mais um beijo de seu filho, que estava prestes a morrer, para que o transmitisse a Sara. Tendo feito isto, Abraão de­cididamente se esquece dos seus sentimentos paternos, e veste a terrível seriedade de um sacrificador. Com um coração decidido, e um olho dirigido ao céu, ele toma o cutelo, e estende a mão para desferir o golpe fatal na garganta de Isaque. Assombre-se, ó céu, com isto. E maravilhe-se, ó terra! Aqui está um ato de fé e obedi­ência, que merece ser um espetáculo para Deus, para os anjos e para os homens. O amado de Abraão, o riso de Sara, a esperança da igreja, o herdeiro da promes­sa, está deitado, pronto para sangrar e m orrer pela mão do seu próprio pai, que não recua ao fazê-lo. Esta obediência de Abraão, ao oferecer Isaque, é uma re ­presentação vívida: (1) Do amor de Deus por nós, ao entregar o seu Filho Unigénito para sofrer e m orrer por nós, como sacrifício. Ao Senhor agradou moê-lo. Veja Isaías 53.10; Zacarias 13.7. Abraão era obriga­do, tanto por dever como por gratidão, a abrir mão de Isaque, e a entregá-lo ao seu melhor amigo. Mas Deus não tinha esta obrigação para conosco, pois nós éramos seus inimigos. (2) Do nosso dever para com Deus, em retribuição àquele amor. Nós devemos pisar nas pegadas desta fé de Abraão. Deus, pela sua Pala­vra, nos chama para abrirmos mão de tudo, por amor a Cristo - de todos os nossos pecados, mesmo que se­jam como uma mão direita, ou como um olho direito, ou ainda como um Isaque - de todas aquelas coisas que competem pela soberania do coração e que assim se tornam rivais de Cristo (Lc 14.26). E nós devemos abrir mão de tudo, alegremente. Deus, pela sua provi­dência, que é verdadeiramente a sua voz, às vezes nos chama a abrir mão de um Isaque. E nós devemos fazer isto com uma resignação satisfeita e também com uma submissão à sua santa vontade, 1 Samuel 3.18.

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w. 11-14 GÊNESIS 22 122Isaque É Resgatado

w. 11-14Até aqui, esta história foi muito melancólica e pare­

ceu precipitar-se a um final muito trágico. Mas aqui o céu subitamente se abre, surge o sol e um cenário es­plendoroso e agradável. A mesma mão que tinha ferido e deprimido agora cura e eleva. Pois, embora Ele cause dor, Ele terá compaixão. O anjo do Senhor, isto é, o pró­prio Deus, o Verbo eterno, o anjo do concerto, que seria o grande Redentor e Consolador, intercedeu, e deu um final feliz a esta prova.

I Isaque é resgatado, w. 11,12. O mandamento de ofe- recê-lo tinha a finalidade de ser somente uma prova.

E, tendo sido demonstrado como a prova de que Abraão realmente amava a Deus mais do que amava a Isaque, o objetivo do mandamento foi alcançado. E por isto é dada uma contra-ordem, sem nenhum reflexo sobre a imuta­bilidade dos conselhos divinos: “Não estendas a tua mão sobre o moço”. Observe que: 1. É mais provável que os nossos consolos, que temos como criaturas, permaneçam em nós quando estivermos mais dispostos a resigná-los de acordo com a vontade de Deus. 2. O tempo de Deus ajudar e aliviai' o seu povo é aquele em que este é trazido às situações mais extremas. Quanto mais iminente for o perigo, e mais próxima estiver a execução, mais maravi­lhosa e mais bem vinda será a libertação.

n Abraão não é somente aprovado, mas aplaudido. Ele obtém um testemunho honroso de que é jus­

to: “Agora sei que temes a Deus”. Deus sabia disto antes, mas agora Abraão deu uma evidência mais memorável disto. Ele não precisava fazer mais nada. O que ele tinha feito era suficiente para provar a consideração religiosa que tinha por Deus e pela sua autoridade. Observe que:1. Quando Deus, pela sua providência, impede a reali­zação das nossas sinceras intenções nos seus serviços, graciosamente aceita a intenção da obra, e o empenho honesto, embora a obra não seja concluída. 2. A melhor evidência do nosso temor a Deus é o fato de estarmos dispostos a servi-lo e honrá-lo com aquilo que nos é mais querido, e a entregar tudo a Ele, ou por Ele.

Outro sacrifício é fornecido, em lugar de Isa­que, v. 13. Agora que o altar tinha sido edifica­

do, e a lenha tinha sido posta em ordem, era necessário que alguma coisa fosse oferecida. Pois: 1. Deus deve ser reconhecido com gratidão pela libertação de Isaque. E como já há um altar pronto, quanto mais cedo chegar a bênção, melhor será. 2. As palavras de Abraão devem se cumprir: “Deus proverá para si o cordeiro”. Deus não irá desapontar as expectativas do seu povo, que foram cria­das por Ele mesmo. Mas o bondoso e precioso Senhor os atenderá segundo a medida da fé que nele depositarem. “Determinando tu algum negócio, ser-te-á firme” (Jó 22.28). 3. Deve ser feita referência ao Messias prometi­do, a bendita semente. (1) Cristo foi sacrificado em nosso lugar, assim como este cordeiro o foi no lugar de Isaque. E a sua morte foi a nossa absolvição. Aqui estou (diz o Senhor Jesus, em outras palavras). Deixai ir estes (Jó 18.8). (2) Embora aquela bendita semente tivesse sido

recentemente prometida, e agora fosse representada por Isaque, ainda assim a oferta dele seria suspensa até o fim do mundo. E, enquanto isto, deveria ser aceito o sacrifício de animais, como o deste cordeiro, como um penhor daquela expiação que um dia seria feita por aque­le grande sacrifício. E é notável que o templo, o lugar de sacrifício, tenha sido posteriormente edificado sobre este monte Moriá (2 Cr 3.1). E o monte do Calvário, onde Cristo foi crucificado, não ficava distante.

Um novo nome é dado ao lugar, para a honra de Deus, e para o incentivo de todos os crentes, até

o fim do mundo, para que confiem alegremente em Deus no caminho da obediência: Jeová-Jiré, O Senhor prove­rá (v. 14), provavelmente aludindo ao que Abraão tinha dito (v. 8): “Deus proverá para si o cordeiro”. Isto não se devia a nenhuma invenção de Abraão, nem era uma resposta à sua oração, embora ele fosse um intercessor distinto. Mas foi puramente obra do Senhor. Que fique registrado para as gerações futuras: 1. Que o Senhor verá. Ele sempre terá os seus olhos sobre o seu povo em meio aos apuros e dificuldades que enfrentarem, para poder se apresentar com o socorro oportuno na situa­ção mais crítica. 2. Que Ele será visto, visto no monte, nas maiores perplexidades do seu povo. Ele não somente irá manifestar, mas engrandecer, a sua sabedoria, o seu poder e a sua bondade, na libertação do seu povo. Onde Deus vê e provê, Ele deve ser visto e louvado. E, talvez, isto possa se referir ao Deus manifesto em carne.

A Bênção de Abraão É Confirmadaw. 15-19

A obediência de Abraão foi graciosamente aceita. Mas isto não foi tudo: aqui nós a vemos recompensa­da, abundantemente recompensada, antes que ele saia deste lugar. Provavelmente enquanto o cordeiro que ele tinha sacrificado ainda estava queimando, Deus lhe en­viou esta graciosa mensagem, renovando e ratificando o seu concerto com ele. Todos os concertos eram fei­tos através de sacrifícios. E este também o foi, a tra­vés do sacrifício tipificado por Isaque e pelo cordeiro. Expressões muito elevadas do favor de Deus a Abraão são empregadas nesta confirmação do concerto com ele, expressões que excedem qualquer bênção com que ele tivesse sido abençoado anteriormente. Observe que serviços extraordinários serão coroados com honras e consolos extraordinários. E os favores contidos na pro­messa, embora ainda não realizados, devem ser consi­derados como recompensas reais e valiosas. Observe que: 1. Deus se compraz em mencionar a obediência de Abraão como a razão do concerto. E Ele fala sobre isto com louvor: “Porquanto fizeste esta ação e não me ne­gaste o teu filho, o teu único”, v. 16. Ele coloca uma forte ênfase nisto, e (v. 18) elogia como um ato de obediência: Obedeceste à minha voz, e obedecer é melhor do que fazer sacrifícios. Não que esta fosse uma retribuição proporcional, mas Deus graciosamente concede esta honra, colocando-a sobre aquilo com que Abraão o tinha honrado. 2. Agora Deus confirmava a promessa com um juramento. Foi dito e selado anteriormente. Mas agora

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123 GÊNESIS 23 w. 20-24é jurado: “Por mim mesmo, jurei”. Pois “não tinha outro maior por quem jurasse”, Hebreus 6.13. Desta maneira Ele se interpôs com juramento, como expressa o após­tolo, Hebreus 6.17. Ele (para falar com reverência) até mesmo empenha nisto a sua própria vida e existência (como Eu vivo), e, por todas aquelas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, Abraão e os seus teriam grandes consolações. Observe que se exercitar­mos a nossa fé, Deus irá encorajá-la. Regozije-se nas promessas e aproprie-se delas, e Deus as ratificará em sua vida. 3. A promessa particular aqui renovada é a de uma numerosa descendência: “Deveras te abençoarei e grandissimamente multiplicarei a tua semente”, v. 17. Observe que aqueles que estiverem dispostos a abrir mão de qualquer coisa por amor a Deus, terão uma grande compensação, acrescida de uma vantagem in­descritível. Abraão tem um único filho, e está disposto a abrir mão dele, em obediência a Deus. “Bem”, diz Deus, “você será recompensado com milhares e milhões”. Que número impressionante de pessoas a semente de Abraão soma na história! Quão numerosos, ilustres e famosos foram os seus descendentes conhecidos e ou­tros tantos que, até hoje, triunfam na fé, por terem tido Abraão como seu pai! Assim ele recebeu centenas de vezes mais nesta vida, Mateus 19.29. 4. A promessa, sem dúvida, aponta para o Messias, e a graça do Evan­gelho. Este é o juramento feito ao nosso pai Abraão, a que Zacarias se refere, Lucas 1.73ss. E aqui está uma promessa: (1) Da grande bênção do Espírito: Abenço­ando, te abençoarei, especificamente com a melhor das bênçãos, o dom do Espírito Santo. A promessa do Espí­rito foi aquela bênção prometida a Abraão que deveria vir sobre os gentios, por meio do precioso Salvador, o Senhor Jesus Cristo, Gálatas 3.14. (2) Do crescimento da igreja, de que os crentes, a sua semente espiritual, seria tão numeroso como as estrelas dos céus. (3) De vitórias espirituais: “A tua semente possuirá a porta dos seus inimigos”. Os crentes, pela sua fé, dominam o mundo e triunfam sobre todos os poderes das trevas, e são mais do que vencedores. Provavelmente Zacarias se refere a esta parte do juramento (Lc 1.74), ao falar do juramento que Deus fez a Abraão: “De conceder-nos que, libertados das mãos de nossos inimigos, o servísse­mos sem tem or”. Mas coroando tudo vem a última pro­messa. (4) Da encarnação de Cristo: “Em tua semente”- uma pessoa em particular que será teu descendente (pois Ele não fala de muitos, mas de um, como obser­va o apóstolo, Gálatas 3.16) - “serão benditas todas as nações da te rra” ou se bendirão, como está expresso em Isaías 65.16. Nele todos poderão ser felizes se o desejarem, e todos os que pertencerem a Ele o serão, e assim se considerarão. Cristo é a grande bênção do mundo. Abraão estava disposto a sacrificar o seu filho como um gesto de honra a Deus. E, nesta ocasião, Deus prometeu dar o seu Pilho em sacrifício pela salvação do homem.

w. 20-24Isto está registrado aqui: 1. Para mostrar que em­

bora Abraão visse a sua própria família altamente dig­

nificada com privilégios peculiares, aceita no concerto, e abençoada com a transmissão da promessa, ainda assim não considerou com desprezo e desdém os seus parentes, mas ficou feliz por ouvir sobre o crescimento e a prospe­ridade das suas famílias. 2. Para abrir caminho à história seguinte, que fala sobre o casamento de Isaque com Re- beea, uma filha desta família.

C a p í t u l o 2 3Aqui temos: I. Abraão, lamentando a morte de Sara, w . 1,2. II. Abraão comprando uma sepul­tura para Sara. 1. A compra humildemente pro­posta por Abraão, w . 3,4. 2. A compra tratada corretamente, e combinada com uma grande demonstração de civilidade, cortesia e respei­to mútuo, w . 5-16. 3. O pagamento referente à compra, v. 16. 4. As condições expressas e asse­guradas a Abraão, w. 17,18,20. -5. O sepultamen- to de Sara, v. 19.

A Morte de Saraw. 1,2

Aqui temos: 1. A idade de Sara, v. 1. Quase quarenta anos antes, ela tinha dito que havia envelhecido, cap. 18.12. Reconhecer que está envelhecida jamais fará com que alguma pessoa morra mais cedo, mas fará com que o processo de passagem desta vida para a eterna seja muito melhor. 2. A sua morte, v. 2. Mesmo aque­les que vivem mais, devem morrer, por fim. Abraão e Sara tinham vivido confortavelmente juntos por muitos anos. Mas a morte separa aqueles a quem nada mais pode separar. Os amigos especiais e favoritos do céu não estão livres do golpe da morte. Ela morreu na terra de Canaã, onde tinha estado durante mais de sessenta anos como peregrina. 3. O lamento de Abraão por ela. Ele realmente lamentou. Ele não somente realizou as cerimônias fúnebres, de acordo com os costumes da­quele tempo, como os pranteadores que andavam pelas ruas, mas sinceramente lamentou a grande perda que sofria, de uma boa esposa, e deu prova da constância do seu afeto por ela até o final. Duas palavras são usadas: “Veio Abraão lamentar a Sara e chorar por ela”. A sua tristeza não era fingida, mas real. Ele veio à tenda de Sara, e se sentou ao lado do corpo, para pagar o tributo das suas lágrimas, e para que os seus olhos pudessem comover o seu coração. Assim Abraão poderia prestar um respeito maior à memória daquela que tinha morri­do. Observe que não é somente lícito, mas é um dever lamentar a morte dos nossos parentes próximos, tanto em obediência à providência de Deus, que nos chama para lamentar e chorar, como em honra daqueles a quem tal honra é devida. As lágrimas são um tributo devido aos nossos amigos falecidos. Quando um corpo é semeado, deve ser regado. Mas não devemos lamentar como aqueles que não têm esperança. Pois nós temos uma boa esperança, por meio da graça, tanto a respeito deles, quanto a nosso respeito.

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w. 3-15 GÊNESIS 23 124A Cova de Macpela

w. 3-15Aqui temos:

T O humilde pedido que Abraão fez aos seus vizinhos, X os heteus, de um sepulcro entre eles, w. 3,4. Era estranho que ele tivesse que fazer isso agora. Mas nós devemos imputá-lo mais à providência de Deus do que à sua imprevidência, como fica claro em Atos 7.5, onde está escrito que Deus não lhe deu herança em Canaã. Seria bom se todos aqueles que têm a preocupação de providenciar sepulcros para seus corpos depois da morte tivessem o mesmo cuidado para providenciar um lugar de repouso para suas almas. Observe aqui: 1. O esque­cimento conveniente que esta questão trouxe, momenta­neamente, à tristeza de Abraão: Ele se levantou diante do seu morto. Aqueles que se encontram em perigo de la­mentar excessivamente pelos seus parentes mortos, e de entrar nesta tentação, devem tomar cuidado ao meditar sobre a sua perda e sentar-se em melancolia. Deve haver um momento de levantar-se diante do seu morto e inter­romper o pranto. Pois, graças a Deus, a nossa felicidade não se prende à vida de nenhuma criatura. Os cuidados com o funeral podem, como aqui, ser aproveitados para que alguém se esqueça, a princípio, da tristeza ocasiona­da pela morte, que tenta tiranizar a todos. O pranto não deve impedir que continuemos trabalhando, semeando e vivendo a vida que o Senhor tem nos concedido. 2. O ar­gumento que Abraão usou com os filhos de Hete, que foi o seguinte: “Estrangeiro e peregrino sou entre vós” - por isto estou desprovido - “dai-me possessão de sepultura convosco”. Esta foi uma ocasião que Abraão aproveitou para confessar que ele era um estrangeiro e peregrino na terra. Ele não se envergonhava de reconhecer isto publicamente, Hebreus 11.13. Observe que a morte dos nossos parentes deve efetivamente nos lembrar de que este mundo não é o nosso lar. Quando morre algum ami­go ou irmão, devemos dizer: “Nós também estamos indo para o nosso lar eterno”. 3. Seu constrangimento até que esta questão fosse solucionada, está indicado nas pala­vras: “Para que eu sepulte o meu morto de diante da mi­nha face”. Observe que a morte tornará desagradáveis aos nossos olhos aqueles que, enquanto viveram, foram a alegria dos nossos olhos. A face que era saudável e cheia de vida torna-se pálida e assustadora, e adequada a ser removida à terra da escuridão. Enquanto ela estivesse diante dos seus olhos, a sua tristeza seria renovava, coisa que ele desejava evitar.

n A generosa oferta que os filhos de Hete lhe fi­zeram, w. 5,6. Eles o saúdam: 1. Com um título respeitoso: “Príncipe de Deus és no meio de nós”, estas palavras significam que Abraão não era somente gran­de, mas bom. Abraão tinha dito que era um estrangei­

ro e peregrino. Porém aqueles que com ele conviviam chamaram-no de grande príncipe. Pois aqueles que se humilham serão exaltados. Deus tinha prometido en­grandecer o nome de Abraão. 2. Com uma oferta do me­lhor dos seus sepulcros. Observe que até mesmo a luz da natureza nos ensina a sermos corteses e respeitosos com todos, ainda que sejam estrangeiros e peregrinos. A no­

bre generosidade destes cananeus envergonha e conde­na a reserva, e o egoísmo e o mau humor de muitos que se dizem israelitas. Observe que estes cananeus ficariam felizes de misturar o seu pó com o de Abraão, e de ter o seu fim como o dele.I T T A proposta particular que Abraão lhes fez, w. 1 1 1 7-9. Ele lhes retribui seus agradecimentos pela gentil oferta, com toda decência e respeito possíveis. Em­bora um grande homem, um velho, e agora um pranteador, ainda assim ele se levantou e se inclinou humildemente diante deles, v. 7. Observe que a religião procura ensinar boas maneiras. E aqueles que a utilizam mal colocam-na em uma posição rude, e a expõem a uma situação extre­mamente desagradável. Então ele escolhe o lugar que jul­ga mais conveniente, especificamente, a cova de Macpela, que provavelmente ficava próxima a ele e ainda não tinha sido usada como sepulcro. O proprietário naqueles dias era Efrom. Abraão não tratou aquela negociação com fin­gimento e emulações, mas desejou realizar uma transação justa daquela cova, e do local em que ela se encontrava. Observe que um desejo moderado para obter o que nos é conveniente, por meios justos e honestos, não é o mesmo que cobiçai' aquilo que é do nosso próximo, e que está proi­bido no déchno mandamento.

O presente que Efrom fez a Abraão, deste local: “O campo te dou”, w. 10,11. Abraão pensou que

ele deveria ser convencido a vendê-lo. Mas, à primeira menção disto, sem súplica, Efrom o dá gratuitamente. Alguns homens são mais generosos do que se supõe que sejam. Abraão, sem dúvida, tinha aproveitado todas as oportunidades para agradar os seus vizinhos e lhes pres­tar qualquer serviço que estivesse ao seu alcance. E ago­ra eles desejavam retribuir a gentileza: pois aquele que regar também será regado. Observe que se aqueles que professam temer a Deus adornarem a sua profissão de fé com cortesia e uma atitude que demonstre a disposição de servir a todos, descobrirão que esta bela atitude gerará um efeito “bumerangue”. Ou seja, as outras pessoas pro­curarão fazer algo em beneficio do seu consolo e daquilo que lhes for vantajoso, e também glorificarão a Deus.T 7 A modesta e sincera recusa de Abraão da gene-V rosa oferta de Efrom, w. 12,13. Ele lhe oferece

agradecimentos abundantes (v. 12), faz a sua reverência a ele diante da face do povo da terra, para que pudessem respeitar ainda mais a Efrom pelo respeito que viam que Abraão lhe dedicava (1 Sm 15.30), mas decide pagar pelo campo, sim, o valor total deste. Não foi por orgulho que Abraão recusou o presente, nem por evitar dever algum tipo de obrigação a Efrom. Mas: 1. Por justiça. Abraão era rico em prata e ouro (cap. 13.2), e podia pagar pelo campo, e por isto não desejava aproveitar-se da gene­rosidade de Efrom. Observe que a honestidade, assim como a honra, nos proíbe de nos aproveitarmos dos nos­sos vizinhos e de tirar vantagem daqueles que são livres. Jó refletiu sobre isto com consolo, quando era pobre, mencionando que não tinha comido os frutos da sua terra sem dinheiro, Jó 31.39.2. Por prudência. Abraão pagaria por ele para que Efrom, quando seu bom humor tivesse diminuído, não o censurasse e dissesse: “Eu enriqueci a

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125 GÊNESIS 24 w. 16-20Abrão” (cap. 14.23), ou para que o próximo herdeiro não questionasse o direito de Abraão (porque essa concessão era feita sem nenhuma deliberação) e pedisse de volta o campo. Da mesma maneira, Davi posteriormente recu­sou a oferta de Araúna, 2 Samuel 24.24. Não sabemos que tipos de afrontas podemos receber, no futuro, por parte daqueles que agora são muito bondosos e genero­sos, ou mesmo de seus sucessores.

O preço da terra fixado por Efrom, mas não exi­gido: “A terra é de quatrocentos siclos de prata”

(aproximadamente cinqüenta libras de nossa época. Um valor elevado). Que é isto entre mim e ti?, w. 14,15. Ele preferia mais agradar o seu amigo Abraão, do que ter tanto dinheiro no bolso. Através desta atitude, Efrom re­vela: 1. Um grande desprezo pela riqueza terrena. “Que é isto entre mim e ti?” É uma coisa pequena, nem merece ser discutida. Muitos teriam dito: “É muito dinheiro. Isto afetará até mesmo a herança que deixarei para os meus filhos”. Mas Efrom diz: “Que é isto?”. Observe que é uma coisa excelente que as pessoas tenham pensamentos hu­mildes sobre toda a riqueza deste mundo. A riqueza não é nada, e a vida de um homem não consiste na abundân­cia daquilo que possui, Lucas 12.15. 2. Grande cortesia e consideração pelo seu amigo e vizinho. Efrom não tinha ciúmes de Abraão como um estrangeiro residente, nem o invejava como um homem que provavelmente havia pros­perado e enriquecido. Efrom não demonstrava nenhum tipo de má vontade devido à singularidade da religião de Abraão, mas era muito mais afável com ele do que a maio­ria das pessoas hoje em dia o é com seus próprios irmãos na fé: “Que é isto entre mim e ti?” Observe que nada (nem mesmo alguma questão de menor importância) deveria motivar dificuldades ou diferenças entre verdadeiros ir­mãos. Quando somos tentados a nos mostrar acalorados devido a algum tipo de afronta, a exigir nossos direitos, a nos comportar de forma ríspida, a negar alguma gentile­za, devemos responder à tentação com a seguinte pergun­ta: Que é isto entre mim e meu amigo?

O Sepultamento de Saraw. 16-20

Aqui temos a conclusão do acordo ente Abraão e Efrom, acerca do sepulcro. A negociação foi feita publi­camente diante de todos os vizinhos, na presença e aos ouvidos dos filhos de Hete, w. 16,17. Observe que a pru­dência, assim como a justiça, nos ensina a sermos justos, e abertos, e honestos, nos nossos negócios. Os contratos fraudulentos odeiam a luz e preferem ser clandestinos. Mas aqueles que têm desígnios honestos nas suas nego­ciações não se importam com quem as testemunhem. A nossa lei estimula que as vendas sejam feitas no mercado aberto, e documentadas. Observe que: 1. Abraão, sem qualquer fraude, eomplô ou mais delongas, paga a quan­tia, v. 16. Ele a paga prontamente, sem hesitação - paga- a integralmente, sem diminuição - e paga-a por peso, a moeda corrente do comércio, sem fraude. Veja há quanto tempo o dinheiro era usado para auxiliar o comércio. E veja quão honestamente o dinheiro deve ser pago, quan­do é devido. Observe que embora toda a terra de Canaã

pertencesse a Abraão, pela promessa, ainda assim, o tempo da posse ainda não era chegado, e aquilo de que necessitava agora, ele comprou e pagou. Observe que o domínio não se baseia na graça. O direito dos santos a uma herança eterna não lhes dá o direito às possessões deste mundo, nem justifica que ajam mal. 2. Efrom, ho­nestamente e com justiça, confirmou-lhe o direito a esta terra, w. 17,18,20. O campo, com tudo o que nele está, é transmitido a Abraão, e aos seus herdeiros, para sem­pre, em audiência aberta, não por escrito (não parece que fosse usada a escrita), mas por tal declaração pública e solene diante de testemunhas, o que era suficiente para aprová-lo. Observe que assim como aquilo que é compra­do deve ser honestamente pago, também aquilo que é vendido deve ser honestamente entregue e garantido. 3. Abraão, conseqüentemente, toma posse e sepulta Sara na cova ou câmara (se era formada pela natureza ou por arte, não se sabe ao certo), que estava no campo com­prado. É provável que Abraão tivesse enterrado servos da sua família desde que tinha vindo a Canaã, mas os sepulcros das pessoas comuns (2 Rs 23.6) deveriam ter sido suficientes para eles. Mas agora que Sara estava morta, um lugar peculiar deveria ser encontrado, para os seus restos mortais. É digno de nota: (1) Que um se­pulcro foi o primeiro pedaço de terra que Abraão possuiu em Canaã. Observe que quando nós estamos entrando no mundo, é bom pensarmos na nossa saída dele. Pois tão logo nascemos, começamos a morrer. (2) Que foi o único pedaço de terra que ele ali possuiu, embora a terra devesse ser toda sua, no futuro. Aqueles que têm me­nos desta terra encontrarão um sepulcro nela. Abraão conseguiu, não cidades, como Caim, e Ninrode, mas um sepulcro: [1] Para que fosse um constante lembrete da morte, a si mesmo e à sua descendência, para que ele os seus pudessem aprender a morrer diariamente. Está escrito que o sepulcro se situava no fim no campo (v. 9): pois, quaisquer que sejam as nossas possessões, existe um sepulcro no fim delas. [2] Para que fosse um símbolo da sua fé e expectativa da ressurreição. Pois, por que tal cuidado deveria ser tomado com o corpo, se ele devesse ser lançado fora para sempre, e não devesse ressusci­tar? Abraão, com isto, disse claramente que procurava uma pátria melhor, isto é, uma pátria celestial. Abraão se satisfaz por estar de passagem, enquanto vive, mas asse­gura um lugar onde, quando morrer, a sua carne possa descansar em esperança.

Ca p ít u l o 2 4Casamentos e funerais modificam as famílias, e são as notícias comuns entre os habitantes dos po­voados. No capítulo anterior, vimos a Abraão se­pultando sua mulher, aqui o vemos casando seu fi­lho. Estes histórias, a respeito da sua família, com as suas circunstâncias detalhadas, são abundan­temente relatadas, ao passo que as histórias dos reinos do mundo, que então existiam, com as suas revoluções, estão sepultadas em silêncio. Pois o Senhor conhece os que são seus. A proximidade do casamento de Isaque com o funeral de Sara (com

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w. 1-9 GÊNESIS 24 126uma referência particular a ele, v. 67), nos mostra que “quando morre uma geração, outra nasce”. E assim a transmissão da natureza humana, assim como do concerto, é preservada. Aqui temos: I. A preocupação de Abraão com o casamento do seu filho, e a incumbência que deu ao seu servo, a este respeito, w. 1-9. II. A viagem do seu servo pela região de Abraão, à procura de uma esposa para o seu jovem mestre, entre os seus próprios paren­tes, w. 10-14. III. A gentil providência que o fez conhecer a Rebeca, cujo pai era primo-irmão de Isaque, w. 15-28. IV O acordo de casamento com os parentes dela, w. 29-49. V A obtenção do con­sentimento deles, w. 50-60. VI. O feliz encontro e o casamento entre Isaque e Rebeca, v. 61ss.

A Incumbência de Abraão ao seu Servow. 1-9

Très coisas podemos observar aqui, a respeito de Abraão.

I A preocupação que tinha com um bom filho, de vê-lo casado, bem casado. E ra hora de pensar nisto agora, pois Isaque tinha aproximadamente quarenta anos de idade, e era costume, entre os seus antepassados, casar-

se aos trinta anos, ou mais cedo, cap. 11.14,18,22,24. Abraão creu na promessa da edificação da sua família, e, portanto, não se precipitou. A pressa é inimiga da perfeição. Duas considerações o levaram a preocupar-se com isto agora (v. 1): 1. A primeira dizia respeito ao fato de que era provável que ele mesmo deixaria em breve o mundo, pois era já velho e adiantado em idade, e ver o seu filho estabelecido seria para ele uma satisfação an­tes de morrer. E: 2. A segunda dizia respeito ao fato de que ele tinha uma boa quantidade de bens para deixar, pois o Senhor o havia abençoado em tudo. E a bênção do Senhor enriquece. Veja o quanto a religião e a piedade favorecem a prosperidade exterior. A preocupação pie­dosa de Abraão a respeito do seu filho consistia em que:(1) Ele não se casasse com uma filha de Canaã, mas com uma jovem da sua parentela. Ele via que os cananeus estavam se degenerando em grande iniqüidade, e sabia, por meio de revelação, que eles estavam destinados à ru ­ína, e por isto ele não desejava que o seu filho se casasse com alguém do meio deles, para que eles não fossem uma cilada para a sua alma, ou pelo menos uma mancha para o seu nome. (2) Ele não deixasse a terra de Canaã, para ir pessoalmente entre os seus parentes, nem mesmo como objetivo de escolher uma esposa, para não ver-se ten­tado a permanecer ali. Esta precaução é mencionada (v. 6), e repetida, v. 8: “Não faças lá tornar o meu filho”, não importando qual seria o resultado. É melhor que lhe fal­te uma esposa, do que ele expor-se à tentação. Observe que os pais, ao traçar o destino dos seus filhos, devem cuidadosamente levar em consideração o bem estar das suas almas, e a sua perseverança no caminho do céu. Aqueles que, pela graça, escaparam da corrupção que existe no mundo pela luxúria, e criaram seus filhos cor­retamente, devem tomar cuidado para não fazer alguma coisa pela qual eles possam ver-se outra vez envolvidos

nela e vencidos, 2 Pedro 2.20. Cuidado para não fazê-los tornar outra vez, Hebreus 11.15.

n A incumbência que ele deu a um bom servo, pro­vavelmente o damasceno Eliézer, cuja conduta, fidelidade e afeto, para com ele e a sua família, Abraão já conhecia já muito tempo. Ele confiou-lhe esta grande missão, e não ao próprio Isaque, porque não desejava

que Isaque fosse de maneira nenhuma àquela região, mas se casasse ali, por procuração. E nenhuma procu­ração era mais adequada do que este mordomo da sua casa. Esta questão é acertada entre o amo e o servo, com grande cuidado e solenidade. 1. O servo deve estar obri­gado, por um juramento, a fazer o máximo que puder para conseguir uma esposa para Isaque, entre os seus parentes, w. 2-4. Abraão o fez jurar isto, tanto para a sua própria satisfação, quanto para o envolvimento do seu servo, com todo cuidado e diligência possíveis, nesta questão. Da mesma maneira, Deus faz com que os seus servos jurem fidelidade ao seu trabalho, para que, ten­do jurado, possam realizá-lo. Aqui é feita honra ao Deus eterno. Pois o juramento é por Ele, pois por Ele, e so­mente por Ele, devem ser feitas estas petições. E alguns julgam que pela cerimônia aqui empregada (a cerimônia de colocar a mão do servo debaixo da coxa de Abraão) se fez honra ao concerto da circuncisão. Observe que o juramento, sendo uma ordenança não peculiar à igreja, mas comum à humanidade, deve ser realizado com os si­nais que são indicações e usos comuns da região, para comprometer a pessoa ao juramento. 2. Ele estará livre do juramento se, mesmo depois de ter feito o máximo, não conseguir o seu intento. O servo prudentemente in­seriu uma condição (v. 5), propondo o caso de que a mu­lher não o seguisse. E Abraão permitiu a exceção, v. 8. Observe que os juramentos devem ser feitos com grande precaução, e o assunto jurado deve ser corretamente compreendido e limitado. Observe que fazer, depois dos votos, as perguntas que deveriam ter sido feitas antes, é uma armadilha que devora aquilo que é santo.

A confiança que Abraão tinha em um Deus bom, que - ele não tem dúvidas - daria ao

seu servo sucesso nesta missão, v. 7. Ele se lembra de que Deus o tinha tirado prodigiosamente da te rra do seu nascimento, pelo chamado efetivo da sua graça, E por isto ele não tem dúvidas de que Ele o faria bem sucedido no seu cuidado para não levar o seu filho para lá outra vez. Ele se lembra também da promessa que Deus tinha feito e confirmado, de que Ele daria Canaã à sua semente, e, portanto, deduz que Deus iria reco­nhecer os seus esforços para casar o seu filho não entre estas nações, mas com uma mulher que fosse adequada para ser a mãe de tal semente. “Portanto, não tema. Ele enviará o seu anjo diante de você, para fazer com que o seu caminho seja bem sucedido”. Observe que: 1. Aqueles que se mantêm cuidadosamente no caminho do dever, e se governam pelos princípios da sua religião, nos seus desígnios e empreendimentos, têm boas ra­zões para esperar prosperidade e sucesso neles. Deus fará com que aquilo que nós sinceramente almejamos para a sua glória resulte em nosso consolo. 2. As pro­messas de Deus, e as nossas próprias experiências, são

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127 GÊNESIS 24 w. 10-28suficientes para incentivar a nossa confiança em Deus, e as nossas expectativas em relação a Ele, em todas as questões desta vida. 3. Os anjos de Deus são espíritos ministradores, enviados, não somente para a proteção mas também para a orientação dos herdeiros da pro­messa, Hebreus 1.14. Ele enviará o seu Anjo adiante da tua face - e você será bem sucedido.

A Viagem do Servo de Abraãow . 10-28

O servo de Abraão agora começa a ter importância nesta história. E, embora o seu nome não seja menciona­do, aqui há muitas coisas registradas para a sua honra, e como exemplo a todos os servos, que serão honrados se, servindo fielmente a Deus e aos seus senhores, adorna­rem a doutrina de Cristo (compare Provérbios 27.18 com Tito 2.10). Pois com Deus não há acepção de pessoas, Colossenses 3.24,25. Um bom servo que tem consciência do dever da sua posição, e o cumpre em temor a Deus, embora não tenha importância no mundo nem o louvor dos homens, será reconhecido e aceito por Deus, e terá o seu louvor. Observe aqui:

I Quão fiel o servo de Abraão provou ser ao seu se­nhor. Tendo recebido a sua incumbência, com toda

prontidão saiu em viagem, com uma bagagem adequada ao objeto da sua negociação (v. 10), e tinha toda a fazenda do seu senhor, isto é, um esquema ou uma demonstração particular dos bens de Abraão, na sua mão, para mostrá- la àqueles com quem iria tratar. Pois, desde o início até o final, ele se preocupava com a honra do seu senhor. Sen­do Isaque um tipo de Cristo, alguns interpretam esta busca de uma esposa para ele como representando o casamento da igreja, por intermédio dos seus servos, os ministros. A igreja é “a esposa, a mulher do Cordeiro”, Apocalipse 21.9. Cristo é o esposo, e os ministros são os amigos do esposo (Jo 3.29), cuja função é persuadir as al­mas a darem o seu consentimento a Ele, 2 Coríntios 11.2. A esposa de Cristo não deve pertencer aos cananeus, mas deve ser da sua própria parentela, nascida de novo do alto. Os ministros, como o servo de Abraão, devem dispor de si mesmos com a maior sabedoria e o maior cuidado para servir os interesses do seu Senhor.

n Com que devoção ele reconheceu a Deus neste assunto, como alguém daquela feliz casa à qual Abraão tinha ordenado que guardassem o caminho do Senhor, cap. 18.19. Ele chegou à tarde (depois de muitos dias de viagem) ao lugar de seu destino, e descansou jun­

to a um poço de água, para refletir como poderia tratar da sua incumbência para a melhor solução. E:

1. Reconheceu a Deus, por meio de uma oração par­ticular (w. 12-14), na qual: (1) Ele pede prosperidade e sucesso nesta incumbência: “Dá-me, hoje, bom encon­tro”. Observe que nós temos permissão para sermos específicos ao recomendar os nossos assuntos à condu­ção e aos cuidados da divina Providência. Aqueles que desejam ser bem sucedidos devem orar por isto - Hoje, neste encontro. Desta maneira, devemos reconhecer a Deus em todos os nossos caminhos, Provérbios 3.6. E, se

buscarmos a Deus em todas as incumbências com a qual nos preocupamos, teremos o consolo de ter feito o nosso dever, qualquer que seja o resultado.(2) Ele apela para o concerto de Deus com o seu senhor Abraão: “O Senhor, Deus de meu senhor Abraão... faze beneficência ao meu senhor Abraão!” Observe que assim como os filhos de bons pais, também os servos de bons senhores, têm en­corajamento especial nas orações que oferecem a Deus, pedindo prosperidade e sucesso. (3) Ele propõe um sinal (v. 14), não para limitar a Deus, nem com o desígnio de não prosseguir, se não fosse agraciado nesta tarefa. Mas a sua oração era: [1] Para que Deus provesse uma boa esposa para o seu jovem senhor, e esta era uma boa ora­ção. Ele sabia que uma mulher prudente vem do Senhor (Pv 19.14), e, portanto, é isto que ele irá perguntar ao Senhor. Ele deseja que a esposa do seu senhor seja uma mulher humilde e trabalhadora, nascida para ocupar-se e trabalhar, e disposta a colocar a sua mão em qualquer trabalho que tiver que ser feito. E que ela tenha um tem­peramento cortês e caridade para com os estranhos. Ao procurar uma esposa para o seu senhor, ele não foi ao teatro ou ao parque, esperando poder encontrar uma es­posa ali, mas foi ao poço de água, esperando encontrar ali uma mulher ocupada. [2] Para que Ele se alegrasse de fazer o seu caminho, neste assunto, claro diante da sua face, pela coincidência de pequenas circunstâncias a seu favor. Observe, em primeiro lugar, que é o consolo, assim como a crença de um homem bom, que a providên­cia de Deus se estenda às menores ocorrências e sirva admiravelmente aos seus próprios propósitos através delas. Nosso tempo está na mão de Deus. Não somente os eventos propriamente ditos, mas também os seus mo­mentos. Em segundo lugar, que é prudente, em todos os nossos assuntos, seguir a Providência, e é tolice forçá-la. Em terceiro lugar, que é muito desejável, e algo pelo que podemos orar licitamente (enquanto, de maneira geral, nós colocamos a vontade de Deus diante de nós, como nossa lei), que Ele, por sugestões da providência, nos oriente no caminho do nosso dever, e nos dê indicações de qual é a sua vontade. Desta maneira Ele guia o seu povo com seus olhos (Pv 32.8), e os guia pela vereda di­reita, Salmos 27.11.

2. Deus o atende através de uma providência espe­cial. Ele determinou o negócio, e lhe foi estabelecido, Jó 22.28. De acordo com a sua fé, lhe foi dado. A resposta a esta oração foi: (1) Rápida - “Antes que ele acabasse de falar” (v. 15), pois está escrito: “E será que... estando eles ainda falando, eu os ouvirei” (Is 6-5.24). Embora nós sejamos lentos para orar, Deus é rápido para ouvir as orações. (2) Satisfatória: a primeira que veio pegar água era, e agiu, em tudo, de acordo com o padrão desejado por aquele homem. [1] Ela era tão qualificada que em to­dos os aspectos atendia às qualificações que ele desejava em uma mulher que seria a esposa do seu senhor, bonita e saudável, humilde e laboriosa, muito cortês e presta­tiva com um estranho, tendo todos os sinais de um bom temperamento. Quando ela veio ao poço (v. 16), desceu à fonte, e encheu o seu cântaro, e subiu - para voltar para casa com o cântaro. Ela não permaneceu para olhar para o estranho e os seus camelos, mas preocupou-se com as suas coisas, e não desejou desviar-se delas, a não ser por uma oportunidade de fazer o bem. Ela não iniciou

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w. 29-53 GÊNESIS 24 128uma conversa com ele, nem curiosamente nem confian­temente, mas modestamente respondeu a ele com todo o decoro que convinha ao seu sexo. Que época degenerada é esta em que vivemos, na qual aparecem todos os exem­plos de orgulho, luxúria e preguiça, o oposto do caráter de Rebeca, cujas filhas são poucas! Estes exemplos de bondade que havia, naquela época, em honra, agora são desprezados por muitos. [2] A providência ordenou que ela fizesse o que corresponderia exatamente ao sinal que Eliézer havia pedido, e foi admiravelmente a contraparte da sua proposta. Não somente ela lhe deu de beber, o que já era mais do que se podia esperar, mas também se ofereceu para dar de beber aos seus camelos, o que erao sinal que ele havia proposto. Em primeiro lugar, que Deus, em sua providência, às vezes reconhece admira­velmente aquele que ora com fé, e satisfaz os inocentes desejos do seu povo que ora, mesmo nas pequenas coi­sas, para que possa mostrar a extensão dos seus cuida­dos e possa incentivá-los, em todas as ocasiões, a buscar a Ele, e confiar nele - mas nós devemos ter cuidado para não sermos ousados demais, a ponto de tentarmos dar ordens a Deus, para que o evento não enfraqueça a nossa fé, ao invés de fortalecê-la. Em segundo lugar, que é bom aproveitar todas as oportunidades de mostrar um tem­peramento humilde, cortês, caridoso, porque, em uma ou outra ocasião, isto pode converter-se mais em nossa honra e benefício do que podemos imaginar. Alguns, não longe daqui, hospedaram anjos, e Rebeca, muito além da sua expectativa nesta ocasião, foi trazida para o grupo de Cristo e do concerto. Em terceiro lugar, que pode haver uma grande quantidade de bondade cortês naquilo que custa apenas um pouco: o nosso Salvador prometeu um galardão por um copo de água fria, Mateus 10.42. Em quarto lugar, que a coincidência de providências e suas mínimas circunstâncias, para a continuidade do nosso sucesso, em qualquer assunto, devem ser particularmen­te observadas, com admiração e gratidão, para a glória de Deus: “O varão estava admirado”, v. 21. Nós somos deficientes em relação a nossa própria vida, tanto no dever quanto no consolo, por negligenciarmos a obser­vação da Providência. [3] Com algumas perguntas, ele descobriu, para sua grande satisfação, que ela era uma parente próxima do seu senhor, e que a família à qual ela pertencia era bastante considerável, e podia hospedá-lo, w. 23-25. Observe que Providência às vezes conduz pro­digiosamente aqueles que pela fé e oração procuram a orientação do céu, na escolha de companheiros adequa­dos para compartilhar o jugo. Aqueles casamentos que são realizados no temor a Deus têm a grande probabili­dade de ser casamentos felizes. E temos a certeza de que eles são confirmados no céu.

3. Ele reconhece a Deus com uma ação de graças particular. Em primeiro lugar, ele ofereceu seus respei­tos a Receba, em gratidão pela sua cortesia (v. 22), agra- ciando-a com tais enfeites e ornamentos que uma jovem, especialmente uma esposa, não pode esquecer (Jr 2.32), embora, em nossa opinião, não fossem adequados à jo­vem que apanhava água. Mas os pendentes e braceletes que ela usava às vezes, não faziam com que ela se jul­gasse superior ao trabalho de uma mulher virtuosa (Pv31.13), que trabalha de boa vontade com as suas mãos. Nem do serviço a uma criança que, enquanto tem pouca

idade, em nada difere do servo, Gálatas 4.1. Tendo feito isto, ele converte o seu assombro em adoração (v. 21): “Bendito seja o Senhor, Deus de meu senhor Abraão”, w. 26,27. Observe aqui que: (1) Ele tinha orado, pedin­do para ser bem sucedido (v. 12), e agora que tinha tido sucesso no seu empreendimento, ele dá graças. Observe que devemos usar com louvor aquilo que alcançarmos através da oração. Pois as graças em resposta à oração nos deixam sob obrigações especiais. (2) Ele tinha so­mente uma perspectiva razoável de graça, e não estava certo de qual seria o resultado. Mas ainda assim, ele dá graças. Observe que quando os favores de Deus vêm em nossa direção, nós devemos encontrá-los com nosso lou­vor. (3) Ele bendiz a Deus pelo sucesso da sua negociação pelo seu senhor. Observe que nós devemos dar graças pelas misericórdias obtidas pelos nossos amigos, assim como pelas nossas. (4) Ele agradece porque, estando a caminho, indeciso quanto a qual rumo tomar, o Senhor o tinha guiado. Observe que em caso de dúvidas, é muito consolador ver que Deus nos guia, assim como guiou Is­rael no deserto pela coluna de nuvem e fogo. (5) Ele se julga muito feliz, e agradece a Deus pelo fato de ter sido levado à casa dos irmãos do seu senhor, aqueles, entre eles, que tinham saído de Ur dos caldeus, embora não ti­vessem vindo a Canaã, mas permanecido em Harã. Eles não eram idólatras, mas adoradores do verdadeiro Deus, e apreciadores da religião da família de Abraão. Observe que Deus deve ser reconhecido por prover companhei­ros de jugo adequados, especialmente aqueles que têm a mesma religião. (6) Ele agradece a Deus por não ter dei­xado o seu senhor destituído da sua misericórdia e ver­dade. Deus tinha prometido edificar a família de Abraão, mas ela parecia destituída do benefício desta promessa. Mas agora a Providência trabalha para o cumprimento da promessa. Observe que: [1] Os fiéis de Deus, por mais destituídos que possam estar dos consolos mundanos, nunca estarão destituídos da misericórdia e da verdade de Deus. Pois a misericórdia de Deus é uma fonte ines­gotável, e a sua verdade é uma fundação inviolável. [2] Aumenta muito o consolo de qualquer bênção ver nela a continuidade da misericórdia e da verdade de Deus.

O Servo de Abraão É Recebido por Labão. A Missão do Servo de Abraãow. 29-53

Aqui temos o acordo de casamento entre Isaque e Rebeca. Ele é narrado de modo muito detalhado e par­ticular, chegando às mínimas circunstâncias que, em nossa opinião, poderiam ter sido poupadas, ao passo que outras coisas de grande importância e mistério (como a história de Melquisedeque) são relatadas em poucas pa­lavras. Desta maneira, Deus oculta aquilo que é curioso aos sábios e instruídos, e revela aos pequeninos o que é comum e que está de acordo com a sua capacidade (Mt11.25), governando e salvando os crentes pela loucura da pregação, 1 Coríntios 1.21. Assim, também, nós somos orientados a perceber a providência de Deus nas peque­nas ocorrências comuns da vida humana, e nelas, tam­bém, exercer a nossa própria prudência e outras graças. Pois as Escrituras não se destinavam somente ao uso de

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129 GÊNESIS 24 w. 29-53filósofos e estadistas, mas tornar-nos mais sábios e virtu­osos no nosso comportamento e na condução das nossas famílias. Aqui temos:

I A recepção muito gentil feita ao servo de Abraão, pelos parentes de Rebeca. Labão, irmão dela, foi convidá-lo e trazê-lo para dentro, mas não antes de ver o pendente e os braceletes nas mãos de sua irmã, v. 30.

“Oh!”, pensa Labão, “aqui está um homem que tem algo com que pode viver satisfatoriamente, um homem que é rico e generoso. Nós nos certificaremos de recebê-lo bem!” Nós conhecemos tão bem o caráter de Labão, pela história a seguir, a ponto de pensar que ele não teria sido tão espontâneo na sua acolhida, se não tivesse esperado ser bem pago por ela, como o foi, v. 53. Observe que o presente do homem alarga-lhe o caminho (Pv 18.16), e para onde quer que se volte, servirá de proveito, Pro­vérbios 17.8.1. O convite foi amável: “Entra, bendito do Senhor”, v. 31. Eles viram que ele era rico, e por isto o chamaram de Bendito do Senhor. Ou, talvez, porque ouviram os comentários de Rebeca (v. 28) sobre as gra­ciosas palavras que procediam da sua boca, e concluíram que era um bom homem, e, por isto, “bendito do Senhor”. Observe que aqueles que são benditos de Deus devem sei' bem vindos a nós. E bom reconhecer aqueles a quem Deus reconhece. 2. A acolhida foi amável, w. 32,33. Tanto a casa como o estábulo estavam bem equipados, e o servo de Abraão foi convidado a fazer uso de ambos, livremen­te. Cuidado especial foi tomado com os camelos. “O justo olha pela vida dos seus animais”, Provérbios 12.10. Se o boi conhece o seu possuidor, para servi-lo, o possuidor deve conhecer o seu boi, para proporcionar-lhe o que é adequado para ele.T T A narrativa completa que ele fez da sua missão, e JL JL a corte que fez a eles, para obter o seu consenti­mento a respeito de Rebeca. Observe:

1. Quão aplicado ele foi à sua tarefa: embora esti­vesse saindo de uma viagem, e tivesse chegado a uma boa casa, ele não comeria, até que lhes tivesse declarado a sua missão, v. 33. Observe que a realização do nosso trabalho, e o cumprimento daquilo que nos foi confiado, seja para Deus ou para os homens, deve ter preferência à nossa alimentação mesmo sendo tão necessária: esta era a comida e a bebida do nosso Salvador, -João 4.34.

2. Quão hábil ele foi na condução cla sua missão. Ele provou ser, neste assunto, um homem prudente e tam­bém um homem íntegro, fiel ao seu senhor, de quem ti­nha recebido a missão, e justo com aqueles com quem tratava agora.

(1) Ele faz uma curta demonstração das proprieda­des da família do seu senhor, w. 34-36. Ele era bem vindo antes, mas podemos supor que foi duplamente bem vin­do quando disse: “Eu sou o servo de Abraão”. O nome de Abraão, sem dúvida, era muito conhecido e respeitado entre eles, e podemos supor que eles não fossem com­pletamente ignorantes dos seus bens, pois Abraão co­nhecia os deles, cap. 22.20-24. Ele menciona duas coisas, para recomendar a sua proposta: [1] Que o seu senhor, Abraão, pela bênção de Deus, tinha boas propriedades. E: [2] Que Abraão tinha dado tudo o que tinha a Isaque, em cujo nome ele vinha cortejar.

(2) Ele lhes conta da incumbência que o seu senhor lhe tinha dado, de conseguir uma esposa para o filho en­tre os seus parentes, e a razão disto, w. 37,38. Desta ma­neira, ele faz uma insinuação agradável, de que, embora Abraão tivesse ido para uma região tão distante, ainda conservava a lembrança dos seus parentes que tinha deixado para trás, e um respeito por eles. Os mais altos graus de afeto divino não devem nos desviar do afeto na­tural. Da mesma maneira ele evita uma objeção, de que, se Isaque fosse merecedor, ele não precisaria buscar tão longe uma esposa: por que não se casava com alguém mais próximo da sua casa? “Por uma boa razão”, diz o servo; “o filho do meu senhor não deve casar-se com uma cananéia”. Ele ainda recomenda a sua proposta: [1] Pela fé que o seu senhor tinha de que seria bem sucedida, v. 40. Abraão foi encorajado pelo testemunho da sua cons­ciência de que andava diante de Deus em um curso regu­lar de uma vida santificada, e conseqüentemente deduziu que Deus o faria prosperar. Provavelmente ele se refere àquele concerto que Deus tinha feito com ele (cap. 17.1): “Eu sou o Deus Todo-poderoso. Anda em minha presen­ça e sê perfeito”. Portanto, diz ele, “o Senhor, em cuja presença tenho andado, enviará o seu Anjo”. Observe que enquanto temos consciência da nossa participação no concerto, podemos aceitar os consolos da participação de Deus nele. E devemos aprender a aplicar as promessas gerais aos casos particulares, conforme houver ocasião.[2] Pelo cuidado que ele mesmo tinha tido de preservar a liberdade de que dessem ou recusassem o seu consenti­mento, conforme vissem motivos, sem incorrer no crime de perjúrio (w. 39-41). Isto mostrou que ele era um ho­mem prudente, de maneira geral, e agiu com um cuidado particular para que o consentimento deles não fosse for­çado, mas livre, ou que então não o consentissem.

(•3) Ele lhes conta da prodigiosa ajuda das providên­cias, para permitir e incentivar a proposta, mostrando claramente o dedo de Deus no assunto. [1] Ele lhes con­ta como tinha orado pedindo a orientação por um sinal, w. 42-44. Observe que é bom lidar com aqueles que, em oração, levam Deus consigo ao tratarem dos assuntos referentes à sua vida. [2] Como Deus tinha atendido à sua oração, literalmente. Embora ele somente falasse no seu coração (v. 45), o que ele talvez mencione para que não se pudesse suspeitar que Rebeca tivesse ouvido a sua oração, e tentado agradá-lo. “Não”, diz ele, “eu falei no meu coração, de modo que ninguém me ouviu, exceto Deus, para quem os pensamentos são palavras, e dele veio a resposta” w. 46,47. [3] Como ele tinha reconhecido imediatamente a bondade de Deus para com ele, condu­zindo, encaminhando-o, como aqui ele expressa, no cami­nho correto. Observe que o caminho de Deus é sempre o caminho direito (SI 107.7), e são bem conduzidos aqueles a quem Ele conduz.

(4) Ele se refere adequadamente ao assunto da con­sideração deles, e espera a sua decisão (v. 49): “Se vocês desejarem lidar gentilmente e honestamente com o meu senhor, muito bem. Se desejarem ser sinceramente ge­nerosos, vocês aceitarão a proposta, e eu terei sido bem sucedido naquilo por que vim aqui. Se não, não me dei­xem sem sabê-lo”. Observe que aqueles que tratam com honestidade têm razões para esperar que sejam tratados com honestidade.

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w. 54-61 GÊNESIS 24 130(5) Livremente e alegremente, eles aceitam a pro­

posta com base em um princípio muito bom (v. 50): “Do Senhor procedeu este negócio”, a Providência sorriu para ele, e não temos nada a dizer em oposição a ele. Eles não objetam quanto à distância, ou ao fato de que Abraão os tinha deixado, nem ao fato de que ele não possuísse terras, mas somente bens pessoais: eles não questionam a veracidade daquilo que este homem dizia. Mas: [1] Eles confiam muito na sua integridade. Seria bom se a honestidade prevalecesse universalmente en­tre os homens, a ponto de que aceitar a palavra de um homem fosse tanto um ato de prudência quanto de boa índole. [2] Eles confiam ainda mais na providência de Deus, e, por isto, sem dizer nada, dão o consentimento, porque isto parece ser orientado e disposto pela Sabe­doria Infinita. Observe que um casamento terá maiores probabilidades de ser confortável quando tudo indicar que ele procede do Senhor.

(6) O servo de Abraão faz um reconhecimento agra­decido do sucesso que alcançou: [1] A Deus: Ele adorou o Senhor, v. 52. Observe, em primeiro lugar, que, como o seu sucesso continuava, ele continuou bendizendo a Deus. Aqueles que oram sem cessar devem, em todas as coisas, dar graças, e reconhecer a Deus em cada estágio da misericórdia. Em segundo lugar, que Deus enviou o seu anjo diante dele, e assim deu-lhe sucesso, v. 7,40. Mas quando ele tem o sucesso desejado, ele adora a Deus, e não ao anjo. Seja qual for o benefício que tivermos, pelo ministério dos anjos, toda a glória deve ser dada ao Se­nhor dos anjos, Apocalipse 22.9. [2] Ele também presta os seus respeitos à família, e particularmente à esposa, v. 53. Ele presenteou-a, e à sua mãe, e ao seu irmão, com muitas coisas preciosas, tanto para dar uma prova real das riquezas do seu senhor, e da sua generosidade, como por gratidão pela cortesia que dispensaram para com ele, e também para agradá-los.

A Partida de Rebecaw. 54-61

Aqui Rebeca está deixando a casa do seu pai. E:1. O servo de Abraão insiste que o deixem ir. Embora ele e o seu grupo tivessem sido muito bem recebidos, e estivessem muito felizes ali, ele disse: “Deixai-me ir a meu senhor” (v. 54), e novamente, v. 56. Ele sabia que o seu senhor o esperava em casa com alguma impaciên­cia. Ele tinha tarefas para realizar em casa, que preci­savam da sua presença, e, portanto, como alguém que dá prioridade ao seu trabalho acima do seu prazer, ele desejava apressar-se e voltar para casa. Observe que demorar-se e tardar não convém a um homem prudente e bom. Quando tivermos concluído os nossos negócios fora, não devemos tardar em retornar aos nossos negó­cios em casa, nem nos afastarmos mais do que seja ne­cessário. Pois qual ave que vagueia longe do seu ninho, tal é o homem que anda vagueando longe do seu lugar, Provérbios 27.8. 2. Os parentes de Rebeca, por afeto natural, e de acordo com as usuais expressões de gen­tileza nestes casos, pedem que ela fique algum tempo entre eles, v. 55. Eles não podiam pensar em se separar dela repentinamente, especialmente porque ela estava

prestes a ir para tão longe, e não era provável que eles voltassem a se ver outra vez: “Fique a donzela conos­co alguns dias ou pelo menos dez dias”. Este era um pedido aparentemente razoável. Porém algumas ver­sões da Bíblia Sagrada trazem uma interpretação que sugere que se tratasse de dez meses ou um ano, algo que parece torná-lo impossível. Eles tinham consentido no casamento, mas estavam relutantes em se separar dela. Observe que há um fato que é um exemplo da fu­tilidade deste mundo: nele não há nada tão agradável, mas, mesmo assim, ele conserva as suas ligações. Nulla est sincera voluptas - New existe prazer que não este­ja, ligado a nada. Eles estavam satisfeitos por terem casado tão bem uma filha da sua família, mas, quando a negociação chegou ao fim, foi com grande relutância que a enviaram. 3. A própria Rebeca decidiu a questão. Eles apelaram a ela, como era adequado que fizessem (v. 57): “Chamemos a donzela (que tinha se retirado aos seus aposentos, com modesto silêncio) e perguntemos- lho”. Observe que da mesma maneira como os filhos não devem se casar sem o consentimento dos seus pais, também os pais não devem casá-los sem o seu próprio consentimento de cada um deles. Antes que a questão seja decidida, “perguntemos à donzela”. Ela é a parte mais interessada no assunto, e por isto deve ser prin­cipalmente consultada. Rebeca consentiu, não somente em ir, mas em ir imediatamente: “Irei”, v. 58. Podemos imaginar que aquilo que ela tinha observado da pieda­de e da devoção do servo lhe tivessem dado tal idéia da prioridade da religião e da santidade na família à qual ela deveria ir, que isto a fez desejosa de apressar a sua ida, e de se esquecer do seu próprio povo e da casa do seu pai, onde a religião não tinha tanta importân­cia. 4. Conseqüentemente ela é enviada com o servo de Abraão. Podemos supor que isto não tenha acontecido no dia seguinte, mas muito prontamente: suas amigas viram que ela estava decidida, e despediram-na: (1) Com acompanhantes adequados - sua ama (v. 59), suas moças, v. 61. Parece, então, que quando foi ao poço para buscar água, não foi porque não tivesse servos sob seu comando, mas porque tinha prazer em trabalhos de hu­milde aplicação. Agora que ela estava viajando entre estranhos, era adequado que levasse consigo aqueles com quem tinha familiaridade. Aqui, nada é dito sobreo seu dote. O mérito pessoal de Rebeca já era um dote. E assim, o servo de Abraão não precisava levar junta­mente com ela nenhum outro dote. Por esta razão, este assunto não fez parte do acordo de casamento. (2) Com desejos bons e sinceros: Eles “abençoaram Rebeca”, v. 60. Observe que quando nossos parentes estão ini­ciando uma nova condição, nós devemos, pela oração, recomendá-los à bênção e graça de Deus. Agora que ela iria ser uma esposa, eles oraram para que pudesse ser mãe de uma prole numerosa e vitoriosa. Talvez o servo de Abraão lhes tivesse contado sobre a promessa que Deus tinha feito recentemente ao seu senhor, pois é provável que Abraão a desse a conhecer à sua casa - que Deus iria multiplicar a sua semente como as estre­las do céu, e que eles possuiriam a porta dos seus inimi­gos (cap. 22.17) - e assim entenderam que esta bênção fazia parte da promessa que estavam aguardando: Que Rebeca fosse a mãe de tal semente.

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131 GÊNESIS 25 w. 62-670 Casamento de Isaque

w. 62-67Isaque e Rebeoa. finalmente se unem. Observe que:

I Isaque estava ocupado quando encontrou Rebeca: “Isaque safra a orar no campo, sobre a tarde”, w.

62,63. Alguns pensam que ele esperava o retorno dos seus servos, a esta hora, e saiu com o objetivo de encon­trá-los. Mas, aparentemente, ele saiu com outra missão, aproveitar o benefício de uma tarde silenciosa e de um campo solitário para meditação e oração, estes exercícios divinos pelos quais conversamos com Deus e com o nosso próprio coração. Observe que: 1. As almas santas amam os retiros. Nos fará bem ficarmos freqüentemente sozi­nhos, caminhar sozinhos, e estar sozinhos. E, se tiver­mos a habilidade de aprimorar a solidão, descobriremos que nunca estamos menos a sós do que quando estamos a sós. 2. A meditação e a oração devem ser os nossos inte­resses, e também os nossos deleites, quando estivermos sozinhos. Enquanto tivermos um Deus, um Cristo e um céu com que nos relacionarmos, e junto aos quais dese­jemos assegurar os nossos interesses, não sentiremos falta de assunto nem para meditar nem para orar. Estas são atividades que, se andarem juntas, se favorecerão mutuamente. 3. Nossos passeios no campo são verdadei­ramente agradáveis quando neles nos dedicamos à medi­tação e à oração. No campo temos uma perspectiva livre e aberta dos céus que estão acima de nós, da terra que está ao nosso redor, e da hospitalidade e das riquezas de ambos, cuja vista deve nos levar à contemplação do Criador e Senhor de tudo e de todos. 4. O exercício da nossa devoção deveria ser o alívio e o prazer da tarde, para nos aliviar da fadiga causada pelas preocupações e atividades do dia, e para nos preparar para o repouso e para o sono da noite. 5. As providências misericordiosas são duplamente confortáveis quando nos encontram bem empregados e no caminho do nosso dever. Alguns pen­sam que Isaque estava orando pelo sucesso desta ques­tão que estava pendente, e meditando sobre o que era adequado para incentivar a sua esperança em Deus, a este respeito. E agora, quando se coloca, por assim dizer, sobre a sua fortaleza, para ver o que Deus lhe respon­deria, como o profeta (Hc 2.1), ele vê os camelos que se aproximavam. Muitas vezes Deus envia imediatamente a misericórdia solicitada em oração, Atos 12.12.

n Rebeca se comportou de uma maneira muito ade­quada, quando viu Isaque: compreendendo quem

ele era, ela se lançou do camelo (v. 64), tomou um véu e cobriu-se (v. 65) como sinal de humildade, modéstia e submissão. Ela não repreendeu a Isaque por não ter vin­do pessoalmente buscá-la, ou, pelo menos, encontrá-la a um dia ou dois de viagem. Não reclamou da monotonia da sua viagem, nem da dificuldade de deixar os seus pa­rentes para vir a um lugar estranho. Mas, tendo visto a Providência andando diante dela no assunto, ela se adapta com alegria ao seu novo relacionamento. Aque­les que, pela fé, estão casados com Cristo, e desejam ser apresentados a Ele como virgens puras, devem agir de conformidade com o exemplo que foi dado pelo próprio Senhor. Eles também devem se humilhar como Rebeca,

que, quando viu Isaque, saltou e seguiu a pé, e devem se sujeitar Aquele que é a sua Cabeça (Ef 5.24), como Rebeca, que indicou esta submissão pelo véu com que se cobriu, 1 Coríntios 11.10.

Eles se uniram (provavelmente depois de al­gum conhecimento mútuo) para sua mútua

consolação, v. 67. Observe aqui: 1. O afeto que Isaque sentia pela sua mãe: haviam se passado aproximadamen­te três anos desde a morte de Sara, e ele ainda não tinha se consolado. A ferida que aquele sofrimento causou ao seu espírito terno sangrou por muito tempo, e nunca foi curada, até que Deus o trouxe a este novo relacionamen­to. Desta maneira, as cruzes e os consolos se equilibram (Ec 7.14), e ajudam a manter a balança nivelada. 2. O marido afetuoso que ele foi para a sua esposa. Observe que se pode esperar que aqueles que tiveram um bom relacionamento, terão outro: Ela foi-lhe por mulher, e ele a amou. Havia todas as razões no mundo pelas quais ele deveria amá-la, pois o homem deve amar a sua esposa como a si mesmo. O dever do relacionamento no casa­mento estará assim cumprido, e o consolo deste relacio­namento poderá ser aproveitado quando o amor mútuo governar. Pois então o Senhor ordenará a bênção.

Capítulo 25O historiador sagrado, neste capítulo: I. Despede- se de Abraão, com um relato, 1. Sobre os seus fi­lhos com outra esposa, w. 1-4.2. Sobre o seu último desejo e o seu testamento, w. 5,6. 3. Sobre a sua idade, a sua morte e o seu sepultamento, w. 7-10.II. Ele se despede de Ismael, com um curto rela­to, 1. Sobre os seus filhos, w. 12-16. 2. Sobre a sua idade e morte, w. 17,18. III. Ele inicia a história de Isaque. 1. A sua prosperidade, v. 11.2. A concepção e o nascimento dos seus dois filhos, com o oráculo de Deus a respeito deles, w. 19-26. 3. As diferentes personalidades de seus filhos, w. 27,28. 4. A venda de Esaú da sua primogenitura a Jacó, w. 29-34.

A Morte de Abraãow. 1-10

Abraão viveu, depois do casamento de Isaque, trin­ta e cinco anos, e tudo o que está registrado, a respeito dele, durante este período, está apresentado aqui, em alguns poucos versículos. Não lemos de outras aparições extraordinárias, nem provações, de Deus a ele. Pois to­dos os dias, até mesmo os dias dos melhores e maiores santos, não são dias eminentes. Alguns deslizam silen­ciosamente, e nem a sua chegada nem a sua partida são observados. Assim foram os últimos dias de Abraão. Aqui temos:

I Um relato sobre os seus filhos com Quetura, outra mulher com quem se casou depois da morte de Sara.

Ele tinha sepultado Sara e casado Isaque, os dois queri­dos eompanhemos da sua vida, e agora estava solitário.

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w. 11-18 GÊNESIS 25 132Ele precisava de uma enfermeira, a sua família preci­sava de uma governanta, e não era bom que ele ficasse sozinho. Portanto, ele se casa com Quetura, provavel­mente a mais importante das suas servas, nascida na sua casa, ou comprada com dinheiro. O casamento não é proibido na idade avançada. Com ela, Abraão ele teve seis filhos, em quem se cumpriu parcialmente a promes­sa feita a Abraão a respeito do grande aumento da sua descendência, coisa que, provavelmente, ele visava, com este casamento. A força que ele recebeu pela promessa ainda permanecia nele, para mostrar o quanto a virtude da promessa excede o poder da natureza.

A maneira como Abraão dispôs dos seus bens, w.5,6. Depois do nascimento destes filhos, ele coloca

a sua casa em ordem, com prudência e justiça. 1. Ele fez de Isaque seu herdeiro, como devia fazer, em justiça a Sara, sua primeira e principal esposa, e também a Re- beca, que se casou com Isaque com a certeza disto, cap. 24.36. Incluídas neste “tudo” que ele deu a Isaque, estão talvez a promessa da terra de Canaã e a transmissão do concerto. Ou, já tendo Deus feito de Isaque o herdeiro da promessa, Abraão fez dele o herdeiro dos seus bens. Nossos afetos e dons devem acompanhar os de Deus. 2. Ele deu presentes aos seus demais filhos, tanto a Isma­el, embora a princípio ele tivesse sido mandado embora sem nada, como também aos seus filhos com Quetura. E ra justo prover para eles. Os pais que não o imitam são piores que os infiéis. E ra prudente estabelecê-los em lugares distantes de Isaque, para que não tivessem pretensões de dividir com ele a herança, nem fossem, de maneira alguma, uma preocupação ou uma despesa para ele. Observe que ele fez isto enquanto vivia, para que isto não fosse feito, ou não fosse tão bem feito, posterior­mente. Observe que em muitos casos é prudente que os homens façam os seus testamentos com as suas próprias mãos, enquanto viverem, enquanto puderem. Estes fi­lhos das concubinas foram enviados à região que está a leste de Canaã, e os seus descendentes foram chama­dos de filhos do Oriente, tornando-se famosos pelo seu grande número, Juizes 6.5,33. Seu grande crescimento foi o resultado da promessa feita a Abraão, de que Deus multiplicaria a sua semente. Deus, ao dispensar as suas bênçãos, faz como Abraão. As bênçãos comuns, Ele dá aos filhos deste mundo, como ao filhos da serva, mas as bênçãos do concerto Ele reserva para os herdeiros da promessa. Tudo o que Ele tem é deles, pois eles são os seus “Isaques”, de quem todo o resto estará separado para sempre.T 1 T A idade e a morte de Abraão, w. 7,8. Ele viveu X .i JL cento e setenta e cinco anos, exatamente cem anos depois que veio a Canaã. Durante tanto tempo, ele foi um peregrino em terra estranha. Embora ele vivesse muito e vivesse bem, embora ele fizesse o bem e pudesse ser poupado, ainda assim ele morreu, por fim. Observe como a sua morte é aqui descrita, 1. Ele expirou. A sua vida não foi extorquida dele, mas alegremente ele a en­tregou. Nas mãos do Pai dos espíritos ele entregou o seu espírito. 2. Ele morreu em boa velhice, um velho. Pois isto Deus lhe tinha prometido. A sua morte foi a sua li­bertação das cargas da sua idade: um homem velho não

deve viver para sempre. Foi também a coroa da glória da sua velhice. 3. Ele estava farto de dias, ou farto de vida (assim pode ser interpretado), incluindo todas as conveniências e os consolos da vida. Ele não viveu até que o mundo estivesse cansado dele, mas até que ele fi­casse cansado do mundo. Ele já tinha estado no mundo o suficiente, e não desejava mais. Vixi quantum satis est - E u já vivi tempo suficiente. Um bom homem, ainda que não morra velho, morre farto de dias, satisfeito por viver aqui, e desejando viver em um lugar melhor. 4. Ele foi congregado ao seu povo. Seu corpo uniu-se à congrega­ção dos mortos, e a sua alma, à congregação dos abenço­ados. Observe que a morte nos congrega ao nosso povo. Aqueles que são o nosso povo enquanto vivemos, sejam o povo de Deus ou os filhos deste mundo, são o povo ao qual a morte nos irá congregar.

Seu sepultamento, w. 9,10. Nada está registra­do aqui sobre a pompa ou a cerimônia do seu

sepultamento. Somente lemos: 1. Quem o sepultou: Seus filhos, Isaque e Ismael. Foi o último ato de respeito que tinham que prestar ao seu bom pai. Tinha havido alguma distância antigamente, entre Isaque e Ismael. Mas pare­ce que Abraão os tinha reunido pessoalmente enquanto vivia, ou que pelo menos a sua morte os reconciliou. 2. Onde o sepultaram: no seu próprio sepulcro, que ele ti­nha comprado, e onde tinha sepultado a Sara. Observe que aqueles que, na vida, foram muito queridos, uns aos outros, podem não somente de modo inocente, mas lou­vável, desejar ser sepultados juntos, para que nas suas mortes não sejam separados, e como sinal da sua espe­rança de ressuscitar juntos.

A Genealogia de Ismaelw. 11-18

Imediatamente depois do relato da morte de Abraão, Moisés dá início à história de Isaque (v. 11), e nos conta onde ele habitava, e quão admiravelmente Deus o aben­çoou. Observe que a bênção de Abraão não morreu com ele, mas sobreviveu para passar para todos os filhos da promessa. Mas ele imediatamente se desvia da história de Isaque, para falar brevemente sobre Ismael, tendo em vista que ele também era filho de Abraão, e Deus tinha fei­to algumas promessas a seu respeito, cujo cumprimento é necessário que saibamos. Observe aqui o que está escrito:1. A respeito dos seus filhos. Ele tinha doze filhos, que são chamados de doze príncipes (v. 16), chefes cle famílias, que no decorrer do tempo tornaram-se nações, tribos distin­tas, numerosas e muito consideráveis. Eles habitavam em uma região muito grande, que ficava entre o Egito e a As­síria, chamada Arábia. Os nomes de seus doze filhos estão registrados. A respeito de Midiã e Quedar lemos freqüen­temente nas Escrituras. E alguns excelentes comentaris­tas observaram o significado destes três nomes que foram colocados juntos (v. 14), como contendo um bom conselho a todos nós, Misma, Dumá, e Massá, isto é, ouça, man­tenha silêncio, e tolere. Nós os temos juntos, na mesma ordem, em Tiago 1.19, Seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar. A descendência de Ismael não tinha somente tendas nos campos, onde enriqueciam em

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133 GÊNESIS 25 w. 19-28tempos de paz. Mas tinham vilas e castelos (v. 16), onde se fortificavam em tempos de guerra. O número e a força desta família eram fruto da promessa feita a Agar, a res­peito de Ismael (cap. 16.10), e a Abraão, cap. 17.20 e 21.13. Observe que muitos dos que são estrangeiros ao concer­to da promessa são, ainda assim, abençoados com pros­peridade exterior, por causa dos seus santos ancestrais. Fortuna e riquezas estarão nas suas casas. 2. A respeito do próprio Ismael. Aqui está um relato sobre a sua ida­de: Ele viveu cento e trinta e sete anos (v. 17), o que está registrado para mostrar a eficiência da oração de Abraão por ele (cap. 17.18): “Tomara que viva Ismael diante de teu rosto!” Aqui também há um relado sobre a sua mor­te. Também ele foi congregado ao seu povo. Mas não está escrito que ele fosse farto de dias, embora vivesse até tão avançada idade: ele não estava tão cansado deste mundo, nem tão desejoso de deixá-lo, como estava o seu bom pai. As palavras “Ismael fez o seu assento diante da face de todos os seus irmãos”, quer signifiquem, como as inter­pretamos, que ele morreu, ou, segundo outros, que “a sua sorte caiu”, têm a função de mostrar o cumprimento das palavras ditas a Agar (cap. 16.12): ele “habitará diante da face de todos os seus irmãos”, isto é, florescerá e será emi­nente entre eles, e estará com os seus até o fim. Ou que ele morreu com seus amigos à sua volta, o que é consolador.

O Nascimento de Esaú e Jaców. 19-28

Aqui temos o relato no nascimento de Esaú e Jacó, os filhos gêmeos de Isaque e Rebeca: a sua entrada no mundo foi (o que não é usual) uma das partes mais consi­deráveis da sua história. Mas não há muita informação a respeito de Isaque, exceto no tocante ao que tivesse re­ferência ao seu pai enquanto viveu, e os seus filhos, pos­teriormente. Pois Isaque não parece ter sido um homem de ação, nem um homem muito tentado, mas parece ter passado os seus dias em quietude e silêncio. A respeito de Esaú e Jacó, aqui lemos:T Que eles foram pedidos em oração. Seus pais, depois X de terem ficado sem filhos por muito tempo, os recebe­ram por meio de orações, w. 20,21. Isaque tinha quarenta anos de idade quando se casou. Embora fosse filho único e a pessoa de quem deveria vir a semente prometida, ainda assim ele não teve pressa em casar-se. Ele tinha sessen­ta anos de idade quando seus filhos nasceram (v. 26), de modo que, depois de casar-se, não teve filhos durante vin­te anos. Observe que embora o cumprimento da promessa de Deus seja sempre garantido, freqüentemente é lento e parece ser contradito pela Providência, para que a fé dos crentes possa ser testada, a sua paciência exercitada e as graças esperadas durante muito tempo possam ser mais bem vindas quando chegarem. Enquanto esta graça tardava, Isaque não se aproximou do leito de uma serva, como tinha feito Abraão, e como fez Jacó posteriormente. Pois ele amava Rebeca, cap. 24.67. Mas: 1. Ele orou: Ele “orou instantemente ao Senhor” por sua mulher. Embora Deus tivesse prometido multiplicar a sua família, ele ro­gou por isto. Pois as promessas de Deus não devem substi­tuir, mas incentivar, as nossas orações, e serem aproveita­

das como a base da nossa fé. Embora ele rogasse por esta graça com muita freqüência, e continuasse com as suas súplicas por muitos anos, e ela não fosse concedida, ainda assim ele não deixou de rogar por isto. Pois os homens devem orar sempre e nunca desfalecer (Lc 17.1), orar sem cessar, e bater até que a porta seja aberta. Ele orou por sua mulher. Alguns entendem que ele orou com sua mu­lher. Observe que maridos e esposas devem orar juntos, o que é sugerido na advertência do apóstolo, Para que não sejam impedidas as suas orações, 1 Pedro 3.7. Os judeus têm uma tradição que diz que Isaque, por fim, levou a sua esposa consigo ao monte Moriá, onde Deus tinha prome­tido multiplicar a semente de Abraão (cap. 22.17), e ali, em oração com ela, e por ela, implorou o cumprimento da promessa feita naquele mesmo lugar. 2. Deus ouviu a sua oração, e recebeu a sua súplica. Observe que os filhos são presentes de Deus. Aqueles que permanecem constantes em oração, como Isaque, descobrirão, por fim, que não buscaram em vão, Isaías 45.19.

n Que eles tinham sido profetizados antes de nasce­rem, e grandes mistérios estavam envolvidos nas profecias que vieram antes deles, w. 22,23. Isaque tinha rogado por muito tempo, por um filho. E agora a sua mu­lher está esperando dois filhos, para recompensá-lo pela

sua longa espera. Assim, Deus freqüentemente supera as nossas orações e nos dá mais do que somos capazes de pedir ou pensai-. Estando Rebeca esperando estes dois filhos, observe aqui:

1. Como ela se sentia confusa quanto à sua condição atual: “Os filhos lutavam dentro dela”. A comoção que ela sentia era completamente extraordinária e a deixava muito desconfortável. Quer ela estivesse apreensiva por pensar que o nascimento destes filhos ocasionaria a sua morte, ou cansada do tumulto no seu interior, ou suspei­tando de que este fosse um mau presságio, parece que ela estava pronta a desejar que não estivesse grávida, ou que pudesse morrer imediatamente, sem dar pros­seguimento àquela geração tão combativa: “Se assim é, por que sou eu assim?” Antes, a falta de filhos era um problema para ela. Agora, a luta dos filhos não é muito diferente. Observe que: (1) Os consolos que mais dese­jamos às vezes revelam trazer com eles mais causa de problemas e desconforto do que tínhamos pensado. Es­tando a vaidade escrita sobre todas as coisas debaixo do sol, Deus nos ensina, assim, a lê-la. (2) Nós somos muito capazes de ficar insatisfeitos com os nossos confortos, por causa da intranqüilidade que os acompanha. Nós não sabemos quando estamos satisfeitos. Não sabemos como sentir falta, nem como ter abundância, Esta luta entre Jacó e Esaú, no útero, representa a luta que se mantém entre o reino de Deus e o reino de Satanás: [1] No mun­do. A semente da mulher e a semente da serpente têm estado brigando desde que surgiu a inimizade entre elas (cap. 3.15), e isto tem ocasionado uma constante intran­qüilidade entre os homens. O próprio Cristo veio para lançar fogo na terra, e esta dissensão, Lucas 12.49,51. Mas isto não deve ser ofensa para nós. Uma guerra san­ta é melhor do que a paz do palácio do diabo. [2] Nos corações dos crentes. Tão logo Cristo é formado na alma, imediatamente tem início ali um conflito entre a carne e o espírito, Gálatas 5.17. Não se reverte a tendência sem

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w. 29-34 GÊNESIS 25 134uma luta poderosa, o que não deve nos desencorajar. É melhor ter um conflito com o pecado do que mansamente submeter-se a ele.

2. O caminho que ela tomou, para buscar o seu alívio: “Foi-se a perguntar ao Senhor”. Alguns pensam que Mel- quisedeque era agora consultado como um oráculo, ou tal­vez algum Urim ou Terafim fosse usado agora para per­guntar a Deus, como posteriormente, no peitoral do juízo. Observe que a palavra e a oração, por meio das quais nós agora perguntamos ao Senhor, dão grande alívio àqueles que por alguma razão estão confusos. E um grande alívio à mente expor o nosso caso diante do Senhor, e pedir o conselho da sua boca. Entre no santuário, Salmos 73.17.

3. A informação dada a ela, em resposta à sua pergunta foi uma informação que explicou o mistério: “Duas nações há no teu ventre”, v. 23. Ela estava grávida, não somente de dois filhos, mas de duas nações, que não deveriam, nas suas maneiras e disposições, ser muito diferentes entre si, mas nos seus interesses colidiriam e brigariam entre si. E o resultado da briga seria que o maior serviria ao menor, o que se cumpriu na submissão dos edomitas, por muitas gerações, à casa de Davi, até que se revoltaram,2 Crônicas 21.8. Observe aqui que: (1) Deus é um agente livre na dispensação da sua graça; é sua prerrogativa criar uma diferença entre aqueles que ainda não fizeram, por si mesmos, nem bem nem mal. Foi isto que o apóstolo con­cluiu, Romanos 9.12. (2) Na luta que ocorre na alma, entre a graça e a corrupção, a graça, que parece ser a menor, certamente prevalecerá no final.T T T Que quando eles nasceram, eram muito di- l i l ferentes, o que serviu para confirmar o que tinha sido predito (v. 23) - serviu como presságio para o seu cumprimento, e serviu enormemente para exem­plificar o tipo.

1. Havia uma grande diferença entre os seus corpos, v. 25. Esaú, ao nascer, era bruto e cabeludo, como se já fosse um adulto, motivo pelo qual seu nome foi Esaú, fei­to, já criado. Isto indicava uma constituição muito forte, e dava motivos para suspeitar que ele seria um homem muito robusto, ousado e ativo. Mas Jacó era suave e te r­no, como as outras crianças. Observe que: (1) A diferen­ça entre as capacidades dos homens, e, conseqüentemen­te, entre as suas condições no mundo, surge, em grande parte, na diferença da sua constituição natural. Alguns são claramente designados, pela natureza, à atividade e à honra, e outros são claramente marcados para a obs­curidade. Este exemplo da soberania divina no reino da providência pode, talvez, nos ajudar a conciliar-nos com a doutrina da soberania divina no reino da graça. (2) É o método usual de Deus escolher as coisas fracas do mun­do, e desconsiderar as poderosas, 1 Coríntios 1.26,27.

2. Houve uma disputa evidente nos seus nascimen­tos. Esaú, o mais forte, nasceu em primeiro lugar. Mas Jacó segurou o seu calcanhar, v. 26. Isto significava: (1) A busca de Jacó da primogenitura e da bênção. Desdeo início, ele procurou tomá-las e, se possível, evitar que seu irmão as tomasse. (2) A sua vitória no final, pois, no decorrer do tempo, ele conseguiu minar seu irmão, e alcançar o seu intento. Esta passagem é mencionada (Os 12.8) e conseqüentemente ele ganhou o seu nome, Jacó, suplantador.

3. Eles eram muito diferentes nos seus temperamen­tos, e na maneira de viver que escolheram, v. 27. Logo demonstraram ter disposições muito diferentes. (1) Esaú era um homem adequado a este mundo. Ele era um ho­mem interessado na sua diversão, pois era um caçador. E um homem que sabia como viver segundo a sua habi­lidade, pois era um caçador perito. A diversão era o seu interesse. Ele estudou a sua arte, e passava todo o seu tempo fazendo isto. Ele nunca gostou de um livro, nem se preocupou em ficar dentro de casa. Mas era um homem do campo, como Ninrode e Ismael. Todo o seu interesse esta­va voltado ao jogo, e somente estava bem quando estava buscando isto: em resumo, ele estava entoe um cavalheiro e um soldado. (2) Jacó era um homem voltado às coisas do outro mundo. Ele não tinha talento para ser um estadis­ta, nem pretendia parecer grandioso, mas era um varão simples, habitando em tendas, e um homem honesto que sempre queria o bem, e agia com justiça, que preferia as delícias da solidão e do isolamento a todo o falso prazer dos esportes ruidosos. Ele habitava em tendas: [1] Como um pastor. Ele se interessava por aquela atividade segura e silenciosa de guardar as ovelhas, para a qual ele também educou seus filhos, cap. 46.34. Ou: [2] Como um aluno. Ele freqüentava as tendas de Melquisedeque, ou Éber, segun­do a interpretação de alguns, para que o ensinassem as coisas divinas. E este foi aquele filho de Isaque a quem foi transmitido o concerto.

4. Seu interesse pelos afetos dos seus pais era, da mesma maneira, diferente. Eles tiveram somente estes dois filhos e, aparentemente, um era o preferido do pai, e o outro era o favorito da mãe, v. 28. (1) Isaque, embora não fosse um homem ativo (pois quando ia aos campos, era com a finalidade de meditar e orar, não caçar), amava ter seu filho ativo. Esaú sabia como agradá-lo, e mostrava um grande respeito por ele, presenteando-o freqüentemente com carne de caça, o que ganhava o afeto do bom velho, e0 conquistava mais do que se podia imaginar. (2) Rebeca tinha em mente o oráculo de Deus, que tinha dado a pre­ferência a Jacó, e por isto ela o preferia, no seu amor. Se é lícito que os pais façam uma diferença entre seus filhos, por qualquer motivo, sem dúvida Rebeca estava certa, pois ela amava aquele a quem Deus amava.

Esaú Vende o seu Direito de Primogenituraw. 29-34

Aqui temos a barganha feita entre Jacó e Esaú, sobre a primogenitura, que pertencia a Esaú, pela providência, mas a Jacó, pela promessa. E ra um privilégio espiritual, que incluía a excelência da dignidade e a excelência do poder, assim como a porção dobrada, cap. 49.3. Parecia ser uma primogenitura que tinha, então, a bênção anexa a ela, e a transmissão da promessa. Veja:T O desejo piedoso de Jacó de te r a primogenitura,1 que, no entanto, ele procurou obter por caminhos indiretos, que não estavam de acordo com o seu cará­ter como um homem simples. Não era por orgulho nem ambição que ele cobiçava a primogenitura, mas visando as bênçãos espirituais, com as quais ele tinha se fami­liarizado nas suas tendas, ao passo que Esaú tinha dei-

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135 GÉNESIS 25 w. 29-34xado de senti-las, no campo. Ele deve ser elogiado por cobiçai’ fervorosamente as melhores dádivas. Mas, ainda assim, ele não pode ser justificado, por ter se aprovei­tado da necessidade do seu irmão para propor-lhe uma barganha muito dura (v. 31): “Vende-me, hoje, a tua pri- mogenitura”. Provavelmente já teria havido alguma con­versa anterior entre eles, a este respeito, e por isto não foi uma surpresa tão grande a Esaú como aqui parece te r sido. E, pode ser que Esaú tivesse, algumas vezes, menosprezado a sua primogenitura, e os seus direitos, o que incentivou Jacó a fazer-lhe esta proposta. E, se fos­se este o caso, Jacó é, até certo ponto, desculpável pelo que fez para conseguir o seu intento. Observe que os ho­mens simples, que vivem com simplicidade e santa sin­ceridade, e sem a sabedoria do mundo, freqüentemente revelam ser mais sábios do que todos, principalmente no que diz respeito às suas almas e à eternidade. São ver­dadeiramente sábios aqueles que são sábios em relação à eternidade. A sabedoria de Jacó fica evidenciada em dois aspectos: 1. Ele escolheu o momento mais adequa­do, aproveitou a oportunidade quando ela se ofereceu, e não a deixou escapar. 2. Tendo feito a barganha, Jacó a garantiu, confirmando-a pelo juramento de Esaú: “Jura- me hoje”, v. 33. Ele surpreendeu Esaú quando este ainda estava pensando nisto, e não lhe deu o poder de revo­gação. Em um caso desta natureza, é bom ter a certeza daquilo que se está fazendo.

n O desprezo profano de Esaú pela primogenitura, e como ele a vendeu tolamente. Ele é chamado de profano, por causa disto (Hb 12.16), por ter vendido a sua primogenitura por um bocado de comida, um bocado tão querido como jamais houve desde o fruto proibido. E

Esaú viveu para se arrepender disto, mas já era tarde demais. Nunca houve barganha tão tola como esta que Esaú fez agora. E ele se valorizava pela sua política, e tinha a reputação de um homem astuto, e talvez tivesse sempre zombado de seu irmão Jacó por ser um homem simples e aparentemente fraco. Observe que há aqueles que são inteligentes em coisas tolas, e tolos em coisas importantes. Caçadores peritos que podem ser mais es­pertos que os outros e armar-lhes ciladas, e ainda assim são subjugados pelas manobras de Satanás e ficam sujei­tos à sua vontade. Outra vez, Deus freqüentemente esco­lhe as coisas loucas do mundo para confundir as sábias. O simples Jacó fez do astuto Esaú um tolo. Observe os exemplos da tolice de Esaú.

1. Seu apetite era muito forte, w. 29,30. O pobre Jacó tinha um pouco de pão e um guisado (v. 29) para seu jantar, e estava sentado satisfeito com isto, sem carne de cervo, quando chegou Esaú da sua caçada, faminto e cansado, e talvez não tivesse caçado nada. E agora o guisado de Jacó era mais agradável aos olhos de Esaú do que as suas caças jamais tinham sido. Dê-me (diz ele) um pouco desta coisa vermelha, “desse guisado vermelho” - este vermelho, como está no original, combinava com a sua própria cor (v. 25), e, como censura por causa disto, ele foi, a partir de então, chamado de Edom, vermelho. Ou melhor, aparentemente, ele estava tão fraco que não podia alimentar-se, nem tinha um servo à mão para aju- dá-lo, mas pede que seu irmão o alimente. Observe que:(1) Aqueles que se acostumam ao esporte se cansam pela

vaidade, Habacuque 2.13. Eles podem realizar os traba­lhos mais necessários, e obter as maiores vantagens, com metade do esforço e correndo metade dos perigos, para buscar seus prazeres tolos. (2) Aqueles que trabalham em silêncio são providos mais constantemente e confor­tavelmente do que aqueles que caçam com estardalhaço: o pão não é sempre para os sábios, mas aqueles que con­fiam no Senhor e fazem o bem, em verdade serão ali­mentados, alimentados com pão diário. Não como Esaú, às vezes banqueteando-se, e às vezes desmaiando. (3) A satisfação do apetite sensual é o que destrói milhares de almas preciosas: certamente, se Esaú estava faminto e fraco, poderia ter conseguido uma refeição mais barata do que às custas da sua primogenitura. Mas ele estava inexplicavelmente atraído pela cor deste guisado, e não conseguiu negar-se a satisfação de tê-lo em uma refei­ção, não importando o que isto lhe custasse. Nada bom pode resultar, quando os corações dos homens seguem seus olhos (Jó 31.7), e quando eles obedecem aos seus próprios estômagos: Portanto, não olhes para o vinho - ou, como Esaú, para o guisado - quando se mostra ver­melho, quando resplandece no copo, o que é mais con­vidativo, Provérbios 23.31. Se nos acostumarmos a não satisfazermos a nós mesmos, romperemos as forças da maioria das tentações.

2. Seu argumento foi muito fraco (v. 32): “Eis que estou a ponto de m orrer”. E, se estivesse, nada poderia mantê-lo vivo, a não ser este guisado? Se houvesse, nes­ta ocasião, fome sobre a terra (cap. 26.1), como o Dr. Li- ghtfoot conjetura, não podemos supor que Isaque fosse tão pobre, ou Rebeca fosse uma dona de casa tão inefi­ciente, mas que ele pudesse ter tido alimento conveniente, de outras maneiras, e pudesse ter salvado a sua primo­genitura: mas o apetite tem o domínio sobre ele. Ele está em uma situação de desejo, nada o satisfará, exceto este vermelho, este guisado vermelho, e, para apaziguar este desejo, ele finge que está a ponto de morrer. Se fosse as­sim, não teria sido melhor para ele morrer com honra do que viver em desgraça, morrer debaixo de uma bênção do que viver debaixo de uma maldição? A primogenitura era típica de privilégios espirituais, os da igreja dos pri­mogênitos. Esaú agora era testado quanto ao valor que atribuía a esta bênção, e só se mostra sensível às dificulda­des atuais. Se ele puder conseguir apenas o alívio de tais dificuldades, não se preocupará com a sua primogenitura. Nabote tinha melhores princípios, pois preferiu perder a sua vida a vendê-la, porque a sua parte na Canaã terrena representava a sua parte na Canaã celestial, 1 Reis 21.3.(1) Se considerarmos a primogenitura de Esaú como so­mente uma vantagem temporal, aquilo que ele dizia tinha alguma verdade, especificamente, que os nossos prazeres terrenos, até mesmo aqueles que nos são mais queridos, não nos servirão na hora da morte (SI 49.6-8). Eles não afastarão o golpe da morte, nem diminuirão as dores, nem removerão o aguilhão: ainda assim, Esaú, que parecia ser um cavalheiro, deveria ter tido um espírito melhor e mais nobre para não vender tal honra a um preço tão baixo - na realidade, jamais devemos vender as bênçãos que recebe­mos do Senhor. (2) Mas, sendo de uma natureza espiritual, o fato de que ele a subestimasse, era a maior profanação imaginável. Observe que é uma tolice flagrante trocar o nosso interesse em Deus, e em Cristo, e no céu, pelas

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w. 1-5 GÊNESIS 26 136riquezas, honras e prazeres deste mundo, uma barganha tão ruim como a daquele que vendeu a sua piimogemtura por um prato de guisado.

•3. O arrependimento estava oculto dos seus olhos (v. 34): “Ele comeu e bebeu”, satisfez o seu paladar, sa­tisfez os seus desejos, parabenizou-se pela boa refeição que tinha tido, e então, descuidadamente, levantou-se e seguiu o seu caminho, sem nenhuma reflexão séria sobre o mau negócio que tinha feito, sem nenhuma demonstração de arrependimento. “Assim, desprezou Esaú a sua primogenitura”. Ele não usou de nenhum meio para conseguir revogar a troca, não fez nenhum apelo ao seu pai, a este respeito, nem propôs a seu ir­mão que acertasse a questão: mas a barganha, que a sua necessidade tinha causado (supondo que assim fos­se), a sua profanação confirmou, ex post facto - depois de feita. E pela sua negligência e pelo seu desprezo pos­teriores, ele, por assim dizer, reconheceu a penalidade, e justificando-se no que tinha feito, deixou a barganha incontestável. Observe que as pessoas se arrumam, não tanto por fazerem o que é errado, mas por fazê-lo e não se arrependerem de tê-lo feito. Ou seja, por fazê-lo e manterem o seu ponto de vista.

C a p í t u l o 2 6Neste capítulo, temos: I. Isaque, na adversidade, devido a uma fome na terra, que, 1. Obrigou-o a mudar seu local de residência, v. 1. Mas, 2. Deus o visita, com orientação e consolo, w. 2-5. 3. To­lamente, ele nega que Rebeca é sua esposa, por estar em perigo, e é repreendido por isto por Abi- meleque, w. 6-11. II. Isaque em prosperidade, pela bênção de Deus, w. 12-14. E, 1. Os filisteus o invejavam, w. 14-17. 2. Ele continuava habilidoso em seu trabalho, w. 18-23. 3. Deus manifestou-se a ele, e o incentivou, e devotamente ele reconhe­ceu a Deus, w. 24,25.4. Os filisteus, por fim, o pro­curam e fazem um concerto com ele, w. 26-33.5.0 casamento do seu filho Esaú, contra a vontade de seus pais, se misturou com o consolo da sua pros­peridade, w. 34,35.

A Ida de Isaque a Gerarw. 1--5

Aqui:T Deus provou Isaque pela sua providência. Ele havia .IL sido treinado em uma santa dependência da conces­são divina da terra de Canaã, tanto a ele como aos seus herdeiros. Mas agora há “fome na terra”, v. 1 .0 que pen­sará ele da promessa, quando a terra prometida não lhe der pão? Será esta concessão merecedora de aceitação, em tais termos, e depois de tanto tempo? Sim, Isaque ainda se apega ao concerto. E quanto menos valiosa pa­rece ser Canaã propriamente dita, melhor ele é ensina­do a valorizá-la: 1. Como um sinal da eterna bondade de Deus a ele. E: 2. Como um tipo da bênçáo eterna do céu.

Observe que o valor intrínseco das promessas de Deus não pode ser diminuído, aos olhos de um crente, por ne­nhuma providência que o contradiga.

n Deus o orientou nesta tentação, pela sua palavra. Isaque se encontra em dificuldades, pela escassez

de provisões. Ele deve ir a algum lugar, para conseguir alimento. Aparentemente, ele saiu rumo ao Egito, para onde seu pai tinha ido ao enfrentar uma dificuldade se­melhante. Mas no caminho estava Gerar, e ele estava, sem dúvida, cheio de pensamentos sobre qual rumo de­veria tomar, até que Deus graciosamente lhe apareceu e lhe orientou, para sua abundante satisfação. 1. Deus lhe ordenou que ficasse onde estava, e não descesse ao Egito: “Peregrina nesta terra”, w. 2,3. Houve uma fome nos dias de Jacó, e Deus lhe ordenou que descesse ao Egito (cap. 46.3,4). Uma fome nos dias de Isaque, e Deus lhe ordenou que não descesse. Uma fome nos dias de Abraão, e Deus o deixou livre, não lhe indicando nenhum caminho. Esta diversidade nos procedimentos divinos (considerando que o Egito sempre era um lugar de ten­tação e exercícios para o povo de Deus) baseia-se, se­gundo alguns, nas diferentes características destes três patriarcas. Abraão era um homem de muitos e grandes talentos, e íntima comunhão com Deus. E, para ele, to­dos os lugares e condições eram semelhantes. Isaque era um homem muito bom, mas não estava preparado para enfrentar as dificuldades. Por isto foi proibido de ir ao Egito. Jacó estava acostumado às dificuldades, era forte e paciente. Por isto ele deve descer ao Egito, para que a prova da sua fé possa ser para louvor, e honra, e glória. Assim Deus se mostra absolutamente fiel, só permitindo as tentações que o seu povo possa suportar. 2. Deus pro­meteu estar com ele, e abençoá-lo, v. 3. Da mesma manei­ra como podemos ir a qualquer lugar com consolo, quan­do a bênção de Deus vai conosco, também podemos ficar em qualquer lugar, satisfeitos, se esta bênção permane­cer sobre nós. 3. O Senhor renovou o concerto com ele, o que tinha tão freqüentemente feito com Abraão, repe­tindo e ratificando as promessas da terra de Canaã, uma prole numerosa, e o Messias, w. 3,4. Observe que aque­les que devem viver pela fé têm necessidade freqüente de rever e repetir para si mesmos, as promessas pelas quais devem viver, especialmente quando são chamados a alguma situação de sofrimento ou de auto-negação. 4. Deus lhe recomendou o bom exemplo da obediência do seu pai, como aquilo que tinha preservado a transmis­são do concerto na sua família (v. 5): “Abraão obedeceu à minha voz”. Faça isto você também, e a promessa lhe estará garantida. A obediência de Abraão aqui é celebra­da, para sua honra. Pois graças a ela, ele obteve um bom conceito, junto a Deus e também junto aos homens. Uma grande variedade de palavras é usada aqui para expres­sar a vontade divina, à qual Abraão tinha sido obediente (minha voz, meu mandado, meus preceitos, meus estatu­tos e minhas leis), o que pode indicar que a obediência de Abraão era universal. Ele obedeceu as leis naturais da natureza, as leis reveladas de adoração divina, particu­larmente a da circuncisão, e todos os preceitos extraor­dinários que Deus lhe tinha dado, como aquele de deixar a sua terra, e (que alguns pensam que tem referência especial aqui) o de oferecer o seu filho, que o próprio Isa-

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137 GÊNESIS 26 w. 6-11que tinha razões suficientes para lembrar. Observe que somente terão o benefício e os consolos do concerto de Deus com seus santos pais aqueles que trilham os passos da obediência deles.

Isaque Nega que Sara E sua Esposaw. 6-11

Agora Isaque tinha abandonado todos os pensa­mentos de ir ao Egito, e, em obediência à visão celestial, estabelece-se em Gerar, região na qual ele tinha nascido (v. 6). Mas ainda assim ele cai em tentação, na mesma tentação que tinha surpreendido e vencido o seu bom pai, especificamente a de negar a sua esposa, e de dar a entender que ela era sua irmã. Observe:1" Como ele pecou, v. 7. Pelo fato de sua esposa ser for- JL mosa, ele imaginou que os filisteus iriam encontrar um meio de eliminá-lo, para que um deles pudesse casar- se com ela. E por isto ela deve passar-se por sua irmã. É algo inexplicável que estes dois grandes e bons homens tenham sido culpados de tão estranha dissimulação, pela qual eles expuseram a sua reputação, como também a de suas esposas. Mas nós vemos: 1. Que homens muito bons às vezes são culpados de crimes e tolices muito grandes. Portanto, aqueles que estão em pé, devem tomar cuidado para não cair, e aqueles que caíram, não devem perder as esperanças de serem auxiliados a erguer-se outra vez. 2. Que existe uma aptidão em nós para imitar até mesmo as fraquezas e defeitos daqueles a quem apreciamos. Por­tanto, devemos observar nossos pés, para que, enquanto tentamos trilhar os passos dos homens bons, não trilhe­mos às vezes os seus desvios.T T Como o seu erro foi detectado, e o engano deseo- X X berto, pelo próprio rei. Abimeleque (não o mes­mo dos tempos de Abraão, cap. 20, pois isto acontecia aproximadamente cem anos depois daquele evento, mas este era o nome comum dos reis filisteus, assim como César para os imperadores romanos) viu Isaque mais fa­miliarizado e satisfeito com Rebeca do que ele sabia que Isaque estaria com a sua irmã (v. 8): ele o viu brincando com ela, ou rindo. A palavra usada aqui é a mesma de que se origina o nome de Isaque. Ele se alegrava com a mulher da sua mocidade, Provérbios 5.18. Convém que aqueles que têm este relacionamento sejam agradáveis, uns aos outros, como aqueles que se comprazem uns nos outros. Em nenhuma situação um homem pode permitir- se ser mais inocentemente feliz do que com a sua própria esposa e filhos. Abimeleque acusou-o do engano (v. 9), mostrou-lhe quão frívola era a sua desculpa, e quais po­deriam ter sido as más conseqüências de seu ato (v. 10). E então, para convencê-lo de que o seu temor era infun­dado e injusto, tomou-o, como também a sua família, sob a sua proteção particular, proibindo que qualquer mal fosse feito a ele ou à sua esposa, sob pena de morte, v. 11. Observe que: 1. Uma língua mentirosa só se mantém por alguns momentos. A verdade é a filha do tempo. E, como tempo, esta virá à tona. 2. Um único pecado freqüen­temente é a entrada para muitos, e por isto os inícios de pecado devem ser evitados. 3. Os pecados daqueles

que professam a fé os envergonham diante daqueles que são de fora. 4. Deus pode fazer com que aqueles que se incitam contra o seu povo, embora possa haver alguma causa para isto, saibam que correm riscos se lhes fize­rem algum mal. Veja Salmos 105.14,15.

A Mudança de Isaque para Bersebaw. 12-25

Aqui, temos:

I Os sinais da boa vontade de Deus para com Isaque. Ele o abençoou, e o fez prosperar, e fez com que

tudo o que era dele prosperasse sob as suas mãos. 1. Seu grão multiplicou-se estranhamente, v. 12. Ele não tinha terra de sua propriedade, mas tomou uma terra dos filisteus, e semeou nela. E (deve-se observar, para o incentivo dos pobres arrendatários, que ocupam as terras de outras pessoas, e são honestos e empenhados) Deus o abençoou com um grande aumento. Ele colheu cem medidas. E aqui parece haver ênfase sobre a épo­ca: foi naquele mesmo ano em que havia fome na terra. Enquanto outros colhiam escassamente, ele colheu com abundância. Veja Isaías 65.13: “Eis que os meus servos comerão, mas vós padecereis”; Salmos 37.19: “Nos dias de fome se fartarão”. 2. Seu gado também aumentou, v. 14. E então: 3. Ele tinha grande quantidade de servos, a quem empregava e sustentava. Observe que “onde a fazenda se multiplica, aí se multiplicam também os que a comem”, Eclesiastes 5.11.T T Os sinais da má vontade dos filisteus para com jL JL ele. Eles o invejavam, v. 14. Isto é um exemplo:1. Da futilidade do mundo - quanto mais os homens pos­suem dele, mais são invejados, e expostos à censura e ofensas. “Quem parará perante a inveja?”, Provérbios27.4. Veja Eclesiastes 4.4. 2. Da corrupção da natureza- é realmente um mau princípio o que faz que os homens lamentem o bem dos outros, como se fosse necessário que as coisas estivessem mal comigo porque estão bem com o meu vizinho. (1) Eles já lhe tinham demonstrado a sua má vontade para com a sua família, entulhando os poços que o seu pai tinha cavado, v. 15. Isto foi feito como vingança. Por não terem seus próprios rebanhos aos quais pudessem dar de beber nestes poços, eles não os deixariam para o uso de outros. A iniqüidade é assim tão absurda. E isto foi perversamente feito, contrariando o concerto de amizade que tinham feito com Abraão, cap. 21.31,32. Nenhum laço será capaz de deter a índole má.(2) Eles o expulsaram da sua terra, w. 16,17. O rei de Gerar começou a te r inveja dele. A casa de Isaque era como uma corte, e as suas riquezas e os seus seguido­res eclipsavam os de Abimeleque. E por isto ele devia partir. Eles estavam cansados de tê-lo na vizinhança, porque viam que o Senhor o abençoava. Embora, por esta mesma razão, devessem ter insistido na sua perma­nência, para que também pudessem ser abençoados, por causa dele. Isaque não insiste no negócio que tinha feito com eles, pelas terras que estava ocupando, nem na sua ocupação e melhoria delas, nem se oferece para disputá- las com eles pela força, embora tivesse se tornado muito

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w. 26-33 GÊNESIS 26 138grandioso, mas ele parte, de maneira muito pacífica, da cidade real, e talvez dirigindo-se a uma região menos produtiva. Observe que devemos negar a nós mesmos os nossos direitos e as nossas conveniências, em vez de dis­cutir. Um homem bom e sábio se retirará à obscuridade, como Isaque aqui se retirou a um vale, em vez de perma­necer para ser motivo de inveja e má vontade.T T T A sua constância e perseverança nas suas i l l atividades.

1. Ele prosseguiu com a sua agricultura, e continuou habilidoso para encontrar poços de água, e para adequá- los ao seu uso, v. 18ss. Embora ele tivesse enriquecido muito, ainda assim continuava tão atento como sempre à condição dos seus rebanhos, e ainda cuidava bem deles. Quando os homens se engrandecem, devem tomar cuida­do para não se julgarem grandes e elevados demais para o seu negócio. Embora ele fosse expulso das conveniên­cias que tinha tido, e não pudesse prosseguir com a sua agricultura com a mesma facilidade e com os mesmos benefícios de antes, ainda assim ele se dispôs a aprovei­tar, da melhor maneira possível, a região em que tinha entrado. Esta é uma atitude prudente que todo homem deve demonstrar. Observe que:

(1) Ele abriu os poços que o seu pai tinha cavado (v. 18), e por respeito a seu pai chamou-os pelos nomes que seu pai os chamara. Observe que nas nossas buscas pela verdade - esta fonte de água viva - é bom fazermos uso das descobertas de gerações anteriores que foram cobertas pela corrupção de épocas posteriores. Procure o caminho antigo, os poços que os nossos pais cavaram, e que os adversários da verdade taparam: pergunta aos teus anciãos, e eles to dirão.

(2) Seus servos cavaram novos poços, v. 19. Observe que embora devamos usar a luz das gerações anterio­res, isto não significa que devemos nos limitar a ela, e não progredir. Nós ainda devemos edificar sobre a sua fundação, correndo de uma parte para outra, para que a ciência se multiplique, Daniel 12.4.

(3) Ao cavar os seus poços, ele encontrou muita opo­sição, w. 20,21. Aqueles que abrem as fontes da verdade devem esperar contradição. Os dois primeiros poços que cavaram foram chamados de Eseque e Sitna, contenda e inimizade. Veja aqui: [1] Qual é a natureza das coisas mundanas. Elas são grandes instigadoras e provocadoras de brigas. [2] Qual é, freqüentemente, a sorte dos homens mais quietos e pacíficos deste mundo. Aqueles que evitam as lutas não podem evitar ser combatidos, Salmos 120.7. Neste sentido, Jeremias era um homem de contenda (Jr 15.10), e o próprio Cristo também, embora Ele seja o Príncipe da paz. [3] A graça que é ter abundância de água, tê-la sem lutar por ela. Quanto mais comum for esta gra­ça, mais razões teremos para ser agradecidos por ela.

(4) Depois de muito tempo, ele retirou-se a um lu­gar tranqüilo, conservando o seu princípio pacífico, preferindo fugir a lutar, e sem disposição para habitar junto àqueles que detestavam a paz, Salmos 120.6. Ele preferiu a quietude à vitória. Ele “cavou outro poço. E não porfiaram sobre ele”, v. 22. Observe que aqueles que procuram a paz, mais cedo ou mais tarde, encontrarão a paz. Aqueles que procuram estar tranqüilos raramente deixam de conseguir isto. Quão diferente era Isaque do

seu irmão Ismael, que, certo ou errado, conservaria o que tinha, contra todo o mundo, cap. 16.12. E nós desejamos ser encontrados seguindo a qual deles? Este poço eles chamaram de Reobote, alargamento, espaço suficiente. Nos dois poços anteriores, podemos ver o que é a terra, dificuldades e lutas. Os homens não podem prosperar por causa do aglomerado dos seus vizinhos. Este poço nos mostra bem o que é o céu; é alargamento e paz, ali há espaço suficiente, pois há muitas moradas.

2. Ele permaneceu firme na sua fé, e conservou a sua comunhão com Deus. (1) Deus graciosamente manifestou- se a ele, v. 24. Quando os filisteus o expulsaram, forçaram- no a mudar de um lugar a outro, e o perturbaram con­tinuamente, então Deus o visitou, e deu-lhe renovadas garantias do seu favor. Observe que quando os homens se revelam falsos e cruéis, nós podemos nos consolar porque Deus é fiel e gracioso. E o seu momento para manifestar- se é quando nós estamos mais desapontados nas nossas expectativas dos homens. Quando chegou a Berseba (v.23), é provável que Isaque se perturbasse ao pensar na sua condição itinerante, e no fato de que não lhe era per­mitido permanecer em um lugar por muito tempo. E, em meio à multidão de pensamentos semelhantes dentro dele, naquela mesma noite em que chegou, cansado e intran- qüilo a Berseba, Deus lhe trouxe os seus consolos, para alegrar a sua alma. Provavelmente ele estava apreensi­vo, pensando que os filisteus não o deixariam descansar ali: “Não temas, porque eu sou contigo, e abençoar-te-ei”. Aqueles que têm certeza da presença de Deus consigo podem se mudar com consolo, onde quer que estejam, e para onde quer que vão. (2) Ele não deixou de cumprir o seu dever com Deus: pois “edificou ali um altar, e invocouo nome do Senhor”, v. 25. Observe que: [1] Não importa para onde vamos, devemos levar a nossa religião conosco. Provavelmente os altares de Isaque, e a sua adoração reli­giosa ofendiam os filisteus, e os provocavam, para que lhe causassem ainda mais problemas. Ainda assim ele pros­seguiu com o seu dever, não se importando com qualquer má vontade a que pudesse estar exposto, por causa da sua fé. [2] Os consolos e incentivos que Deus nos dá, pela sua palavra, devem nos incitar e estimular a praticar todos os exercícios devocionais pelos quais Deus possa ser honra­do, e a nossa relação com o céu possa ser mantida.

A Aliança de Isaque com Abimelequew. 26-33

Aqui temos as contendas que haviam ocorrido entre Isaque e os filisteus, resultando em uma paz feliz, e em uma reconciliação.

Abimeleque faz uma visita amistosa a Isaque, como sinal do respeito que tinha por ele, v. 26. Observe que

sendo os caminhos do homem agradáveis ao Senhor, até a seus inimigos faz que tenham paz com ele, Provérbios16.7. Os corações dos reis estão nas mãos de Deus, e quando Ele assim o desejar, pode voltá-los para favore­cer ao seu povo.

n Isaque prudentemente e cautelosamente ques­tiona a sinceridade de Abimeleque nesta visita, v.

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139 GÊNESIS 27 w. 34,3527. Observe que no estabelecimento de amizades e cor­respondências, é necessário ter a prudência da serpente, além da inocência da pomba. Não representa nenhuma transgressão da lei da mansidão e do amor dar a enten­der claramente a nossa forte percepção de danos recebi­dos, e permanecer em guarda ao lidar com aqueles que agiram de modo injusto para conosco.

Abimeleque professa a sua sinceridade, ao diri- gir-se a Isaque, e fervorosamente solicita a sua

amizade, w. 28,29. Alguns sugerem que Abimeleque insis­tiu nesta aliança porque temia que Isaque, enriquecendo, em uma ou outra ocasião, se vingasse dele pelas ofensas que tinha recebido. No entanto, ele professa o desejo de celebrar esta aliança com base em um princípio de amor.1. Ele apresenta o bom comportamento dos seus com re­lação a Isaque. Isaque se queixou de que o tinham odiado e o tinham mandado embora. Não, diz Abimeleque, “te deixamos ir em paz”. Eles o mandaram embora da sua terra, que ele ocupava. Mas permitiram que levasse consi­go seus rebanhos, e todos os seus bens. Observe que a di­minuição e até mesmo a retirada das ofensas é necessária para a preservação da amizade. Pois agravá-las exaspera e amplia as diferenças. A grosseria feita contra alguém pode piorar as situações. 2. Ele reconhece o sinal do favor de Deus a Isaque, e faz disto a base do seu desejo de es­ta r aliado a ele: “O Senhor é contigo”, e “tu és o bendito do Senhor”. Como se ele tivesse dito: “Permita-me per­suadi-lo a esquecer as ofensas que lhe foram feitas. Pois Deus abundantemente compensou-lhe os danos que você recebeu”. Observe que aqueles a quem Deus abençoa e favorece têm razões suficientes para perdoar aqueles que os odeiam, uma vez que o pior inimigo que possuem não pode lhes causar nenhum dano real. Ou: “Uma vez que Deus é contigo, desejamos a tua amizade”. Observe que é bom estar em concerto e comunhão com aqueles que estão em concerto e comunhão com Deus, 1 João 1.3. Es­tas palavras dirigidas a Isaque eram o resultado de uma deliberação madura: “Haja, agora, juramento entre nós”. Mesmo que alguns dos seus súditos invejosos e irados pu­dessem ter um desejo contrário a isto, ele e seus ministros de estado, que ele tinha trazido consigo, não desejavam nada mais que uma amizade cordial. Talvez Abimeleque tivesse recebido, por tradição, o aviso que Deus fez ao seu predecessor de não ferir Abraão (cap. 20.7), e isto o fez ter este respeito por Isaque, que parecia ser tão favorito do céu quanto Abraão.

Isaque o recepciona, e ao seu grupo, e inicia um concerto de amizade com ele, w. 30,31. Veja

quão generoso era o bom homem: 1. Em dar: Ele “lhes fez um banquete”, e lhes deu as boas vindas. 2. Em per­doar. Ele não insiste na descortesia que lhe tinham feito, mas inicia livremente o concerto de amizade com eles, e se compromete a nunca fazer-lhes nenhum mal. Observe que a religião nos ensina a ser amistosos com os vizinhos, e, em tudo o que depender de nós, devemos viver pacifi­camente com todos os homens.

V A providência sorriu ao que Isaque fez. Pois no mesmo dia em que ele fez este concerto com Abi­meleque, seus servos lhe trouxeram a notícia de um poço

de água que tinham encontrado, w. 32,33. Ele não insis­tiu na restituição dos poços que os filisteus lhe tinham tirado injustamente, para que isto não rompesse o trata­do, mas calou-se quanto à ofensa. E, para recompensá-lo por isto, ele é imediatamente enriquecido com um novo poço, que, por adequar-se tão bem aos acontecimentos do dia, Isaque chamou por um nome antigo, Berseba, o poço do juramento.

O Tolo Casamento de Esaúw. 34,35

Aqui temos: 1. O tolo casamento de Esaú - tolo, se­gundo alguns, por tomar duas esposas simultaneamente, e talvez por este motivo ele seja chamado de fornicador (Hb 12.16), ou talvez por ter se casado com cananéias, que eram estranhas à bênção de Abraão, e sujeitas à maldição de Noé, motivo pelo qual ele é chamado de profano. Pois com isto ele evidenciou que não desejava a bênção de Deus, nem temia a sua maldição. 2. A tristeza e as dificuldades que isto causou aos seus queridos pais.(1) Entristeceu-os que ele se casasse sem pedir, ou pelo menos sem receber o seu conselho e seu consentimen­to: veja os passos que dão os filhos para desprezar ou contradizer a disposição que seus pais fazem deles. (2) Entristeceu-os que Esaú se casasse com as filhas dos he- teus, que não tinham a mesma religião deles. Pois Isaque se lembrou do cuidado que o seu pai teve a respeito dele, para que de modo algum se casasse com uma mulher cananéia. (3) Aparentemente, as esposas que ele tomou provocavam Isaque e Rebeca. Os filhos que fazem aquilo que é uma amargura de espírito para seus bons pais têm poucos motivos para esperar a bênção de Deus.

Capítulo 27Neste capítulo, retornamos à história típica da luta entre Esaú e Jacó. Esaú tinha vendido de modo profano a primogenitura a Jacó. Mas Esaú espe­ra não ficar mais pobre, nem Jacó mais rico por esta barganha, enquanto preservarem o afeto do seu pai, garantindo desta maneira a bênção. Aqui, portanto, nós vemos como ele foi apropriadamen­te punido pelo seu desprezo à primogenitura (da qual ele se privou tolamente) com a perda da bên­ção, da qual Jacó, de modo fraudulento, o priva. Assim esta história é explicada, Hebreus 12.16,17: Por te r vendido o seu direito de primogenitura, querendo ele ainda depois herdar a bênção, foi rejeitado. Pois aqueles que desprezam o nome da religião e a profissão de fé, e se desfazem delas por uma ninharia, perdem, desta maneira, os seus poderes e privilégios. Aqui temos: I. O propósito de Isaque de transferir a bênção a Esaú, w. 1-5.II. O plano de Rebeca de consegui-la para Jacó, w. 6-17. III. A condução bem sucedida do plano, por Jacó, e a sua obtenção da bênção, w. 18-29. IVO ressentimento de Esaú por causa disto, em que vemos, 1. A sua grande insistência com seu pai,

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w. 1-5 GÊNESIS 27 140para obter uma bênção, w. 30-40. 2. A sua grande inimizade pelo seu irmão, por tê-lo privado da pri­meira bênção, v. 41ss.

O Plano de Rebecaw. 1-5

Aqui temos:

I O desejo de Isaque de fazer o seu testamento, e decla­rar Esaú como seu herdeiro. A promessa do Messias

e da terra de Canaã era um grande depósito, confiado primeiramente a Abraão, incluindo bênçãos espirituais e eternas. Isto, por orientação divina, ele tinha transmiti­do a Isaque. Isaque, estando já velho, e não conhecendo, ou não compreendendo, ou não compreendendo devida­mente, o oráculo divino a respeito de seus dois filhos, de que o maior serviria ao menor, decide transmitir toda a honra e o poder que havia na promessa a Esaú, seu filho mais velho. Nesta questão, ele foi governado mais pelo afeto natural, e o método comum de acertar estas coisas, do que deveiia ter sido, se tivesse conhecido (como é pro­vável que conhecesse) as indicações que Deus tinha dado da sua vontade nesta questão. Observe que nós somos muito capazes de tomar nossas próprias medidas, com base no nosso próprio entendimento e não na revelação divina, e por isto freqüentemente nos desviamos do nos­so caminho. Nós pensamos que os sábios e instruídos, os poderosos e nobres, devem herdar a promessa. Mas Deus não vê como vê o homem. Veja 1 Samuel 16.6,7.

n As instruções que ele deu a Esaú, dando pros­seguimento a este desígnio. Ele o chamou, v. 1. Pois Esaú, embora casado, ainda não tinha se mudado. E, embora tivesse amargurado enormemente os seus pais pelo seu casamento, ainda assim eles não o tinham

expulsado, mas pareciam bem reconciliados com ele, ten­tando tornar a situação a melhor possível. Observe que os pais que são ofendidos pelos seus filhos não devem ser implacáveis com relação a eles.

1. Ele lhe fala quais foram as considerações que o le­varam a decidir fazer isto agora (v. 2): “Eis que já agora estou velho - portanto devo morrer em breve - “e não sei o dia da minha morte” - nem quando devo morrer. Portanto, devo fazer agora o que deve ser feito algum dia. Observe que: (1) Os velhos devem ser lembrados, pelas crescentes fraquezas da idade, e fazer logo, e com toda a pouca força que têm, o que as suas mãos encon­trarem para fazer. Veja Josué 13.1. (2) A consideração da incerteza sobre o momento da nossa partida deste mun­do (sobre a qual Deus, sabiamente, nos deixa às escuras), deve nos estimulai- a fazer o trabalho do dia no mesmo dia. O coração e a casa devem estar ambos estabelecidos, e guardados, em ordem, porque em um momento em que não pensamos nisto, o Filho do homem pode vir. Por não conhecermos o dia da nossa morte, devemos nos preocu­par com os assuntos da vida.

2. Ele lhe pede que arrume as coisas para a soleni­dade da execução da sua última vontade e do seu tes­tamento, pelo qual ele deseja torná-lo seu herdeiro, w.3,4. Esaú deve sair para caçar, e trazer alguma caça, da

qual seu pai comerá, e então o abençoará. Com isto ele tinha em mente, não tanto revigorar o seu próprio espí­rito, para que pudesse dar a bênção de uma maneira ví­vida, como se interpreta normalmente, mas receber uma nova demonstração do dever filial do seu filho, e do seu afeto, antes de conceder a ele este favor. Talvez Esaú, desde que tinha se casado, tivesse trazido a sua caça às suas esposas, e raramente ao seu pai, como antigamente (cap. 25.28), e por isto Isaque, antes de abençoá-lo, de­sejava que ele lhe mostrasse este respeito. Observe que é adequado, se o menor for abençoado pelo maior, que o maior seja servido e honrado pelo menor. Ele diz: “Para que minha alma te abençoe, antes que morra”. Observe que: (1) A oração é uma obra da alma, e não somente dos lábios. Assim como a alma deve ocupar-se em ben­dizer a Deus (SI 103.1), também assim deve ocupar-se, para abençoar a nós mesmos, e a outros: a bênção não chegará ao coração, se não vier do coração. (2) A obra da vida deve ser realizada antes de morrermos, pois não pode ser realizada depois (Ec 9.10). E é muito desejável, quando viermos a morrer, não termos nada mais a fazer, a não ser morrer. Isaque ainda viveu aproximadamente quarenta anos depois disto. Que ninguém, portanto, pen­se que morrerá mais cedo por fazer seus testamentos e preparar-se para a morte.

w. 6-17Aqui Rebeca contribui para obter para Jacó a bên­

ção que estava designada a Esaú. E aqui,

I A finalidade era boa, pois ela era orientada, nesta intenção, pelo oráculo de Deus, pelo qual ela tinha sido governada ao repartir o seu afeto. Deus tinha dito

que assim deveria ser, que o maior serviria ao menor. Por isto Rebeca decide que assim será, e não consegue suportar ver o seu marido desejoso de distorcer o plano de Deus. Mas:

n Os meios não eram bons, e de nenhuma maneira podiam ser justificáveis. Se não era um mal para Esaú privá-lo da bênção (ele mesmo tinha perdido o di­reito a ela, ao vender o direito da primogenitura), ain­da assim era um mal a Isaque, aproveitando-se da sua

fraqueza, enganá-lo assim. E ra também um mal a Jacó, a quem ela ensinou a enganar, colocando uma mentira na sua boca, ou pelo menos colocando uma na sua mão direita. Além disto, isto o exporia a infindáveis escrúpu­los sobre a bênção, ao obtê-la desta maneira fraudulenta, se ela o sustentaria, ou aos seus, em qualquer situação, especialmente se o seu pai a revogasse, ao descobrir a trapaça, e alegasse, como poderia, que a anulava por um error personae - um erro da pessoa. Ele mesmo esta­va ciente do perigo (v. 12), não desejando, se perdesse a bênção, o que provavelmente aconteceria, trazer sobre si a maldição do seu pai, o que ele temia acima de qualquer outra coisa. Além disto, ele se abria àquela maldição di­vina que é proferida sobre aqueles que fazem com que os cegos errem o caminho, Deuteronômio 27.18. Se Rebeca, ao ouvir Isaque prometendo a bênção a Esaú, tivesse ido falar com Isaque - e, com humildade e seriedade fizesse

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141 GÊNESIS 27 w. 18-29com que ele se lembrasse daquilo que Deus tinha dito so­bre os seus filhos, se ela tivesse lhe mostrado como Esaú tinha perdido a bênção, tanto por vender o seu direito de primogenitura quanto por se casar com estrangeiras - é provável que Isaque tivesse sido convencido a conceder a bênção a -Jacó, intencionalmente e conscientemente, e não fosse necessário enganá-lo. Isto teria sido honroso e louvável, e teria sido bom para a história. Mas Deus permitiu que ela tomasse este caminho indireto, para que Ele pudesse ter a glória de fazer o mal produzir o bem, e para servir aos seus próprios objetivos pelos pe­cados e tolices dos homens. Assim, nós podemos ter a satisfação de saber que, embora haja tanta iniqüidade e tanto engano no mundo, Deus governa de acordo com a sua vontade, para o seu próprio louvor. Veja Jó 12.16: “Com ele está a força e a sabedoria. Seu é o que erra e o que faz errar”. Isaque tinha perdido o sentido da visão. E nem mesmo neste caso ele poderia ser enganado, pois a Providência organizou tão admiravelmente a diferen­ça de características, que não há dois rostos exatamen­te iguais. A convivência e o comércio mal poderiam ser mantidos se não houvesse tal variedade. Por isto Rebeca se esforça para enganar: 1. Seu paladar, temperando al­guns pedaços de carne de cabrito, condimentando-os, e servindo-os de modo a fazer Isaque crer que eram carne de caça: isto não era algo difícil de fazer. Veja a tolice daqueles que são detalhistas e curiosos no seu apetite, e têm orgulho de satisfazê-lo. É fácil enganá-los com aquilo que dizem desprezar e não apreciar, por diferir tão pouco daquilo que eles decididamente preferem. Salomão nos diz que os manjares gostosos são pão de mentiras. Pois é possível que sejamos enganados por eles de mais de uma maneira, Provérbios 23.32. 2. Seu sentido do olfato. Ela vestiu as roupas de Esaú em Jacó, as suas melhores roupas, que, pode-se supor, Esaú iria vestir, como sinal de alegria e respeito por seu pai, quando fosse receber a bênção. Isaque sabia que estas roupas, pelo tecido, forma e cheiro, eram de Esaú. Se desejamos obter uma bênção do nosso Pai celestial, devemos nos apresentar nas roupas no nosso irmão mais velho, vestidos com a sua justiça, a justiça daquele que é o primogênito entre muitos irmãos. Para que a brandura e suavidade das mãos e do pescoço de Isaque não o traíssem, ela os co­briu, e também provavelmente parte do seu rosto, com as peles dos cabritos que tinham sido mortos, v. 16. Esaú era realmente rude, e nada menos que estas coisas ser­viriam para tornar Jacó parecido com ele. Aqueles que pretendem parecer grosseiros e rudes na sua apresen­tação colocam o animal acima do homem, e realmente se envergonham disfarçando-se desta maneira. E, final­mente, foi uma palavra muito áspera a que Rebeca pro­nunciou, quando Jacó objetou quanto ao perigo de uma maldição: “Meu filho, sobre mim seja a tua maldição”, v. 13. Cristo, que tem o poder de salvar, porque tem o poder de tolerar, realmente disse: “Sobre mim seja a tua maldição. Somente obedece à minha voz”. Ele suportou o peso da cruz, a maldição da lei, por todos aqueles que estiverem dispostos a assumir o jugo do mandamento,o mandamento do Evangelho. Mas é muito ousado que qualquer criatura diga: “Sobre mim seja a tua maldição”, a menos que seja uma maldição sem causa que nós temos a certeza de que não virá, Provérbios 26.2.

A Fraude de Jaców . 18-29

Observe aqui:

I A arte e a segurança com que Jacó conduziu esta tra ­ma. Quem teria imaginado que este homem simples teria interpretado tão bem o seu papel em um desígnio

desta natureza? Tendo sido instruído e incentivado pela sua mãe para realizar esta trama, habilmente ele em­pregou estes métodos aos quais não estava acostumado, mas sempre tinha detestado. Observe que a mentira se aprende logo. O salmista fala daqueles que, tão logo nas­ceram, dizem mentiras, Salmos 58.3; Jeremias 9.5. Eu me pergunto como o honesto Jacó conseguiu, tão rapi­damente, fazer que sua língua dissesse (v. 19): “Eu sou Esaú, teu primogênito”. Eu não vejo como o esforço de alguns comentaristas, de isentá-lo deste equívoco, com “Eu sou feito teu primogênito, nomeado pela compra”, lhe tem alguma utilidade. Pois quando o seu pai lhe perguntou (v. 24): “És tu meu filho Esaú mesmo?”, ele respondeu: “Eu sou”. Como pôde ele dizer: “Tenho feito como me disseste”, quando não tinha recebido nenhuma ordem do seu pai, mas fez como a sua mãe lhe tinha dito? Como pôde ele dizer: “Come da minha caça”, quando ele sabia que não tinha vindo do campo, mas do rebanho? Mas eu me pergunto especialmente como ele conseguiu garantir as suas palavras ao pai usando o nome de Deus na sua trapaça (v. 20): “O Senhor, teu Deus, a mandou ao meu encontro”. Este é Jacó? Este é realmente Israel, sem trapaça? Certamente isto está escrito, não para nos­sa imitação, mas para nossa admoestação. “Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe que não caia”. Os bons ho­mens às vezes falham no exercício daquelas graças pelas quais teriam se tornado os mais eminentes.

n O sucesso desta busca. Jacó, com alguma dificulda­de, conseguiu o seu objetivo, e obteve a bênção.

1. Isaque, a princípio, ficou insatisfeito, e teria desco­berto a fraude se tivesse confiado em seus ouvidos. Pois a voz era “a voz de Jacó”, v. 22. A Providência ordenou uma estranha variedade de vozes, assim como de rostos,o que também é útil para evitar que sejamos enganados. E a voz é uma coisa não tão fácil de disfarçar ou dissimu­lar. Isto pode ser uma alusão para exemplificar o caráter de um hipócrita. “A voz é a voz de Jacó, porém as mãos são as mãos de Esaú”. Ele usa a linguagem de um santo, mas faz as obras de um pecador. Mas o julgamento será, como aqui, pelas mãos.

2. Por fim, Isaque se rende ao poder da trapaça, por­que as mãos estavam cabeludas (v. 23), sem considerar como era fácil simular esta circunstância. E agora Jacó prossegue habilmente, coloca a sua caça diante do seu pai, e o serve muito oficiosamente, até que a refeição esteja terminada, e a bênção é pronunciada no encer­ramento deste banquete solene. Aquilo que, até certo ponto, atenua o crime de Rebeca e Jacó é o fato de que a fraude se destinava, não tanto a apressar o cumpri­mento, mas a evitar a anulação, do oráculo de Deus: a bênção estava prestes a ser concedida à cabeça errada, e eles pensaram que era o momento de apressar-se. Veja­mos como Isaque deu a sua bênção a Jacó, w. 26-29. (1)

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w. 30-40 GÉNESIS 27 142Ele o abraçou, como sinal de um afeto especial por ele. Aqueles que são abençoados por Deus são beijados com os beijos da sua boca, e eles realmente, por amor e leal­dade, beijam ao Filho, Salmos 2.12. (2) Ele o louvou. Ele sentiu o cheiro das suas vestes e disse: “Eis que o cheiro do meu filho é como o cheiro do campo, que o Senhor abençoou”, isto é, como aquele das mais perfumadas flo­res e especiarias. Parecia que Deus o tinha abençoado, e por isto Isaque o abençoaria. (3) Ele orou por ele, e profetizou a respeito dele. É dever dos pais orar pelos seus filhos, e abençoá-los em nome do Senhor. E desta maneira, assim como pelo batismo, fazer tudo o que pu­derem para preservar e perpetuar a transmissão do con­certo nas suas famílias. Mas esta foi uma bênção extra­ordinária. E a Providência assim ordenou que Isaque a concedesse sobre Jacó, inadvertidamente e por engano, para que pudesse parecer que ele estava em dívida com Deus, e não com Isaque. Aqui Jacó é abençoado com três coisas: [1] Abundância (v. 28), o céu e a terra contribuin­do para enriquecê-lo. [2] Poder (v. 29), particularmente o domínio sobre os seus irmãos, especificamente, Esaú e seus descendentes. [3] Acesso à presença de Deus, e um grande interesse no céu: “Malditos sejam os que te amal­diçoarem, e benditos sejam os que te abençoarem”. Que Deus seja um amigo de todos os teus amigos, e um ini­migo de todos os teus inimigos. Há mais coisas contidas nesta bênção do que aparecem prima fa d e - à primeira vista. Ela deve significar uma transmissão da promessa do Messias, e da igreja. Isto era, no dialeto patriarcal, a bênção. Alguma coisa espiritual, sem dúvida, está incluí­da nela. Em primeiro lugar, que dele viria o Messias, que teria o domínio soberano sobre a terra. E ra a este ramo da sua família que os povos deveriam servir e as nações deveriam curvar-se. Veja Números 24.19: Dominará um de Jacó, aquele que terá a estrela e o cetro, Números24.17. O domínio de Jacó sobre Esaú seria somente uma tipificação disto, cap. 49.10. Em segundo lugar, que dele viria a igreja, o que seria particularmente reconhecido e favorecido pelo céu. Isto era parte da bênção de Abraão, quando foi chamado para ser o pai dos fiéis (cap. 12.3): “Abençoarei os que te abençoarem”. Portanto, quando Isaque confirmou a bênção a Jacó, ele a chamou de bên­ção de Abraão, cap. 28.4. Balaão também explica isto. Números 24.9. Observe que é a melhor e mais desejável bênção permanecer em um relacionamento correto com Cristo e com a sua igreja, e interessar-se pelo poder de Cristo e pelos favores da igreja.

A Bênção É Pronunciada sobre Jacó e Esaúw. 30-40

Aqui temos:T A bênção do concerto, negada a Esaú. Aquele que jL menosprezou o direito de primogenitura, queren­do ainda depois herdar a bênção, foi rejeitado, porque não achou lugar de arrependimento, ainda que, com lágrimas, o buscou, Hebreus 12.17. Observe: 1. Quão cuidadosamente ele a buscou. Ele preparou a refeição temperada, como seu pai lhe tinha instruído, e então implorou a bênção que o seu pai lhe tinha incentivado

a esperar, v. 31. Quando compreendeu que Jacó a tinha obtido de uma foram sub-reptícia, “bradou com grande e mui amargo brado”, v. 34. Ninguém poderia ter expres­sado mais sinceramente o desapontamento do que ele. Ele fez a tenda do seu pai encher-se com a sua dor, e, outra vez (v. 38) levantou a sua voz e chorou. Observe que se aproxima o dia em que aqueles que agora menos­prezam as bênçãos do concerto, e vendem o seu direito a elas por algo insignificante, tentarão importunar ao Senhor para obtê-las, porém isto será em vão. Aqueles que não desejam perguntar e procurar agora, baterão à porta, e clamarão: Senhor, Senhor. Aqueles que hoje desprezam a Cristo, naquele dia o cortejarão humilde­mente. 2. Como ele foi rejeitado. Isaque, quando perce­beu o engano que havia ocorrido, estremeceu “de um es­tremecimento muito grande”, v. 33. Aqueles que seguem a escolha dos seus próprios afetos, em vez dos ditados da vontade divina, se envolvem em perplexidades como estas. Mas ele logo se recupera, e ratifica a bênção que tinha dado a Jacó: “Abençoei-o. Também será bendito”. Ele poderia, com razões muito plausíveis, ter cancelado a bênção, mas agora, finalmente, ele percebe que estava errado quando a designou a Esaú. Seja lembrando-se do oráculo divino, ou tendo percebido que estava mais cheio do Espírito Santo do que normalmente costumava estar, quando deu a bênção a Jacó, Isaque deu-se conta de que Deus, por assim dizer, disse Amém a isto. Bem: (1) Jacó foi, conseqüentemente, confirmado na posse da bênção, e abundantemente satisfeito com a sua validação, embo­ra a obtivesse de modo fraudulento. Conseqüentemente, também, tinha razão para esperar que Deus graciosa­mente ignorasse e perdoasse o seu mau comportamento.(2) Isaque, portanto, concordou com a vontade de Deus, embora ela contradissesse as suas próprias expectativas e afeições. Ele tinha intenção de dar a bênção a Esaú, mas quando percebeu que era outra a vontade de Deus, submeteu-se a ela. E isto ele fez pela fé (Hb 11.20), assim como Abraão antes dele, quando rogou por Ismael. Deus não poderá, então, fazer o que desejar, com os seus? (3) Esaú, conseqüentemente, foi arrancado da expectativa daquela bênção especial que ele pensava ter preservado para si mesmo quando vendeu seu direito de primogeni­tura. Nós, com este exemplo, somos ensinados: [1] Que “isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece”, Romanos 9.16. O apóstolo pa­rece aludir a esta história. Esaú tinha boa vontade para obter a bênção, e correu para recebê-la. Mas Deus que se compadece, designou-a a Jacó, para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, Romanos 9.11. Os judeus, como Esaú, caçaram pela lei da justiça (v. 31), mas perderam a bênção da justiça, porque a buscaram através das obras da lei (v. 32). Ao passo que os gentios, que, como Jacó, a buscaram pela fé no oráculo de Deus, a obtiveram pela força, por aquela violência que o reino do céu permite. Veja Mateus 11.12. [2] Que aqueles que subestimam o seu direito de primogenitura espiritual, e que podem permitir-se vendê-lo por um pouco de comi­da, perdem as bênçãos espirituais e é justo que Deus lhes negue aqueles favores com os quais não se preocuparam. Aqueles que se separam da sua sabedoria e da sua graça, da sua fé e de uma boa consciência, para ter as honras, a riqueza ou os prazeres deste mundo, ainda que possam

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143 GÊNESIS 27 w. 41-46ter pretensões de zelar pela bênção, já se provaram in­dignos dela, e tal será o seu destino. [3] Que aqueles que levantam as mãos com ira as levantam em vão. Esaú, em vez de arrepender-se da sua própria loucura, criticou seu irmão, acusando-o injustamente de tomar o direito de primogenitura que ele lhe tinha vendido (v. 36), e plane­jou maldades contra ele, por causa do que tinha acabado de acontecer, v. 41. Provavelmente não serão bem suce­didos na oração aqueles que voltam sobre seus irmãos aqueles ressentimentos que devem voltar sobre si mes­mos, e colocam a culpa dos seus insucessos em outros, quando deveriam se envergonhar. [4] Que aqueles que não buscam até que seja tarde demais, serão rejeitados. Esta foi a ruína de Esaú, ele não veio a tempo. Assim como existe um tempo aceitável, um tempo em que Deus será encontrado, também existe um tempo quando Ele não responderá àqueles que o invocam, porque negligen­ciaram a época oportuna. Veja Provérbios 1.28. O tempo da paciência de Deus e da nossa experiência não durará para sempre. O dia da graça chegará ao fim, e a porta será fechada. Então muitos que agora desprezam a bên­ção a procurarão cuidadosamente. Pois então saberão como valorizá-la, e verão a sua destruição, para sempre, sem ela, mas não sem propósito, Lucas 13.25,27. Oh, que possamos, então, neste nosso dia, conhecer as coisas que pertencem à nossa paz!

n Aqui está uma bênção comum, concedida sobre Esaú.

1. Isto ele desejava: “Abençoa-me também a mim, meu pai”, v. 34. “Não reservaste, pois, para mim bênção alguma?”, v. 36. Observe que: (1) O pior dos homens não sabe como esperar o bem para si mesmo. E mesmo aqueles que vendem profanamente o seu direito de pri­mogenitura parecem, piedosamente, desejar a bênção. Fracos desejos de felicidade, sem uma escolha correta do objetivo e o uso correto dos meios, levam a muitos à sua própria ruína. Multidões vão para o inferno com suas bocas cheias de bons desejos. O desejo do pregui­çoso e do incrédulo os mata. Muitos procurarão entrar, como Esaú, e não poderão, porque não se dedicam a lutar, Lucas 13.24. (2) A loucura da maioria dos homens é o fato de estarem muito dispostos a contentar-se com qualquer bem (SI 4.6), como Esaú, aqui, que desejava somente uma bênção de segunda classe, uma bênção se­parada do direito de primogenitura. Os corações profa­nos pensam que qualquer bênção é tão boa quanto a do oráculo de Deus: “Não reservaste... bênção alguma?” Como se tivesse dito: “Eu me contentarei com qualquer uma: ainda que eu não tenha a bênção da igreja, deixe- me ter alguma bênção”.

2. Isto ele tinha: e que a aproveitasse ao máximo, w . 39,40.

(1) Era uma coisa boa, e melhor do que ele merecia. Foi-lhe prometido: [1] Que teria o sustento necessário - embora não estivesse próximo das gorduras da terra e do orvalho dos céus. Observe que aqueles que não con­seguem as bênçãos do concerto ainda podem conseguir uma boa quantidade de bênçãos externas. O bondoso Deus dá boa terra e bom clima a muitos que rejeitam o seu concerto, e que não têm nenhuma participação nele.[2] Que, gradualmente, ele recuperaria a sua liberdade.

Se Jacó deve governar (v. 29), então Esaú deve servir. Mas ele tem este consolo: “Pela tua espada viverás”. Ele servirá, mas não passará fome. E, depois de muito tempo, depois de muito lutar, ele sacudirá o seu jugo da servidão, e usará marcas de liberdade. Isto se cumpriu (2 Rs 8.20,22) quando os edomitas se rebelaram.

(2) Mas isto ainda estava muito longe da bênção de Jacó. Pois a ele. Deus tinha reservado coisas melhores.[1] Na bênção de Jacó, o orvalho dos céus é colocado em primeiro lugar, como aquilo que ele mais valorizasse, de­sejasse, e de que dependesse. Na de Esaú, a gordura da terra é colocada em primeiro lugar, pois era isto que ele mais valorizava. [2] Esaú tem estas coisas, mas Jacó as tem concedidas pela mão de Deus: “Assim, pois, te dê Deus do orvalho dos céus”, v. 28. E ra suficiente para Esaú te r a posse. Mas Jacó desejava isto pela promessa, e desejava ter estas coisas pelo amor do concerto. [3] Jacó terá domínio sobre os seus irmãos: por isto os israelitas freqüentemente governavam os edomitas. Esaú terá o domínio, isto é, conseguirá algum poder e interesse, mas nunca terá o domínio sobre o seu irmão: não lemos que os judeus tivessem sido vendidos às mãos dos edomitas, ou que fossem oprimidos por eles. Mas a grande diferen­ça é que não existe nada, na bênção de Esaú, que aponte para Cristo, nada que o traga, ou aos seus, à igreja e ao concerto de Deus, sem os quais a gordura da terra, e os despojos do campo, não lhe dariam boa posição. Desta maneira Isaque, pela fé, abençoou a ambos, em confor­midade aos seus destinos. Alguns observam que Jacó foi abençoado com um beijo (v. 27), e Esaú, não.

Esaú Ameaça a Vida de Jaców. 41-46

Aqui temos:

I A má intenção que Esaú nutriu por Jacó por causa da bênção que ele tinha obtido, v. 41. Desta maneira ele seguiu o caminho de Caim, que assassinou seu irmão porque ele tinha obtido aquela aceitação de Deus, da

qual Caim tinha se mostrado indigno. O ódio de Esaú por Jacó era: 1. Um ódio infundado. Ele o odiava, por um único motivo: o seu pai o abençoou, e Deus o amava. Ob­serve que a felicidade dos santos é a inveja dos pecado­res. Aquele a quem o céu abençoa, o inferno amaldiçoa. 2. E ra um ódio cruel, desprovido de uma causa justa. Nada o satisfaria, exceto assassinar ao seu irmão. É do sangue dos santos que os perseguidores têm sede: “Matarei a Jacó, meu irmão”. Como ele podia dizer estas palavras sem horror? Como ele podia chamá-lo de irmão, e ainda assim jurar a sua morte? Observe que o ódio dos per­seguidores não se deterá por nenhum laço, não, nem o mais forte e mais sagrado. 3. E ra um ódio político. Esaú esperava que o seu pai morresse logo, e então os títulos seriam examinados e seriam contestados os interesses entre os irmãos, o que lhe daria uma boa oportunidade para vingança. Ele não julga suficiente viver pela sua es­pada (v. 40), a menos que o seu irmão morra por ela. Ele reluta em amargurar a seu pai, enquanto este viver, e por isto adia o assassinato intencional para depois da sua morte, sem se importar com o quanto isto amarguraria

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w. 1-5 GÊNESIS 28 144a sua mãe. Observe que: (1) São maus filhos aqueles que são um peso para seus bons pais, e que, por qualquer motivo, desejam os dias de luto por eles. (2) Os homens maus são impedidos por muito tempo, por restrições ex­ternas, de fazer o mal que desejariam fazer, e assim os seus propósitos malignos resultam em nada. (3) Aqueles que pensam em derrotar os propósitos de Deus, sem dú­vida ficarão desapontados. Esaú planejava impedir que Jacó, ou a sua semente, tivesse o domínio, tirando a sua vida antes que ele se casasse: mas quem pode anular aquilo que Deus decretou? Os homens podem se irritar com os conselhos de Deus, mas não podem alterá-los.

O método que Rebec-a usou para evitar o dano.1. Ela avisou Jacó sobre este perigo, e aconse­

lhou-o a se afastar por algum tempo, mudar-se para a sua própria segurança. Ela lhe conta o que ouviu sobre os desígnios de Esaú - que ele se consolava com a espe­rança de uma oportunidade de matar a seu irmão, v. 42. Alguém poderia imaginar que um pensamento bárbaro como este pudesse ser um consolo para um homem? Se Esaú tivesse conseguido guardar consigo este desígnio, sua mãe não teria suspeitado. Mas o atrevimento dos homens no pecado freqüentemente é sua ilusão. E eles não conseguem realizar suas iniqüidades porque a sua ira é violenta demais para ser ocultada, e um pássaro do ar a transmite. Observe aqui: (1) O que Rebec-a temia - ser privada de ambos num mesmo dia (v. 45), privada, não somente do assassinado, mas também do assassi­no, que fosse pelo magistrado ou pela mão imediata de Deus seria sacrificado à justiça, com o que ela mesma deveria concordar, e não obstruir. Ou ainda, se isto não acontecesse, a partir daquele momento ela seria privada de toda alegria e de todo consolo que tinha. Aqueles que estão perdidos para a virtude estão, de certa maneira, perdidos para todos os seus amigos. Com que prazer al­guém poderia olhar para um filho que não pode ser con­siderado de outro modo senão como um filho do diabo?(2) O que Rebeca esperava - que, se Jacó se mantivesse sem ser visto por algum tempo, a afronta da qual seu irmão se ressentia tão violentamente iria, gradualmente, deixar a sua mente. A força das paixões é enfraquecida e diminuída pelas distâncias, tanto de tempo como de lu­gar. Ela se prometeu que a ira de Esaú seria desviada. Observe que ceder pacifica grandes ofensas. E mesmo aqueles que têm uma boa causa, e têm Deus do seu lado, ainda assim devem usar isto com outros expedientes prudentes, para a sua própria preservação.

2. Ela inculcou em Isaque uma apreensão da neces­sidade da ida de Jacó para junto dos seus parentes, com outra explicação, que era a de tomar uma esposa, v. 46. Ela não desejava contar-lhe sobre os maus desígnios de Esaú contra a vida de Jacó, para não perturbá-lo. Mas prudentemente tomou outro caminho para conseguir o seu intento. Isaque estava tão descontente quanto ela com o fato de Esaú prencler-se a um jugo desigual com heteus. E por isto, com muito bom pretexto, ela se em­penha para ver Jacó casado com alguém com melhores princípios. Observe que um insucesso deve servir como aviso, para evitar outro. São verdadeiramente descuida­dos aqueles que tropeçam duas vezes na mesma pedra. Mas Rebeca parece ter se expressado de forma um pou­

co calorosa demais sobre o assunto, quando disse: “Se Jacó tomar mulher das filhas de Hete, como estas são das filhas desta terra, para que me será a vida?” Graças a Deus, todo o nosso consolo não se concentra somente em uma mão. Nós podemos fazer o trabalho da vida, e desfrutar dos consolos da vida, embora nem tudo acon­teça de acordo com a nossa vontade, e embora os nossos parentes possam não nos ser agradáveis em todos os aspectos. Talvez Rebeca falasse com esta preocupação porque ela via que era necessário, para motivar Isaque, dar ordens urgentes neste sentido. Observe que emborao próprio -Jacó fosse muito promissor, e estivesse bem estabelecido na sua religião, ainda assim ele tinha a ne­cessidade de ser removido do caminho da tentação. Ele até mesmo corria o risco de seguir o mau exemplo do seu irmão, e de ser atraído para uma cilada, devido a esta atitude. Ao pressupor sobre a sabedoria e a determina­ção, nós não devemos ir longe demais, nem mesmo em se tratando daqueles filhos que são mais promissores, daqueles em quem temos as maiores esperanças. Deve­mos tomar todos os cuidados possíveis para mantê-los afastados do mal.

C a p í t u l o 2 8Aqui temos: I. Jacó separando-se dos seus pais, para ir a Padã-Arã. A incumbência que seu pai lhe deu (w. 1,2), a bênção com que seu pai o enviou (w. 3,4), a sua obediência às ordens que lhe foram dadas (w. 5,10), e a influência disto sobre Esaú, w. 6-9. II. O encontro de Jacó com Deus, e a sua comunhão com Ele pelo caminho. E ali, 1. A sua vi­são da escada, w. 11,12.2. As graciosas promessas que Deus fez a ele, w. 13-15. 3. A impressão que isto teve sobre ele, w. 16-19.4. O voto que ele fez a Deus, nesta ocasião, v. 20ss.

Jacó É Enviado com uma Bênção w. 1-5

Tão logo Jacó obteve a bênção, imediatamente foi for­çado a fugir da sua região. E, como se não bastasse o fato de que ali ele era um estrangeiro e peregrino, ele devia sê-lo ainda mais, e em um exílio, em outra região. Agora, “Jacó fugiu para o campo da Síria”, Oséias 12.12. Ele ti­nha sido abençoado com abundância de trigo e de mosto, mas ainda assim foi embora pobre. Tinha sido abençoado com governo, e ainda assim, saiu para servir, um serviço árduo. Isto aconteceu: 1. Talvez para puni-lo e corrigi-lo pelo seu comportamento fraudulento com seu pai. A bên­ção será confirmada a ele, mas assim ele deve sofrer pelo curso indireto que tomou para obtê-la. Se existir algum pecado nos nossos deveres, devemos esperar que haja problemas nos nossos consolos. No entanto: 2. Para nos ensinar que aqueles que são herdeiros da bênção devem esperar perseguição. Aqueles que têm a paz em Cristo terão aflições no mundo, João 16.33. Sabendo disto de antemão, não devemos achar nada estranho, e, tendo certeza de uma recompensa futura, não devemos consi­

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145 GÊNESIS 28 w. 6-9derar nada difícil demais. Da mesma maneira, podemos observar que as providências de Deus freqüentemente parecem contradizer as Suas promessas, e interceptá- las. E ainda assim, quando o mistério de Deus estiver concluído, veremos que tudo foi para o melhor, e que as providências contrárias apenas tornaram as promessas e o seu cumprimento ainda mais gloriosos. Jacó aqui é enviado pelo seu pai,

I Com uma incumbência solene: Isaque “abençoou-o, e ordenou-lhe”, w. 1,2. Observe que aqueles que têm

a bênção devem guardar a incumbência anexa a ela, e não pensar em separar o que Deus uniu. A incumbência é igual àquela de 2 Coríntios 6.14: “Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis”. E todos os que her­dam as promessas da remissão dos pecados, e o dom do Espírito Santo, devem guardar esta incumbência, que acompanha estas promessas: “Salvai-vos desta geração perversa”, Atos 2.38-40. Aqueles que têm direito a fa­vores peculiares devem ser um povo peculiar. Se Jacó é um herdeiro da promessa, ele não deve tomar por esposa uma das filhas de Canaã. Aqueles que professam a fé não devem se casar com aqueles que não se preocupam com o dever de servir ao Senhor.

n Com uma bênção solene, w. 3,4. Ele já o tinha abençoado antes, inadvertidamente. Agora ele o

faz intencionalmente, para maior encorajamento de Jacó naquela melancólica condição na qual agora ele entrava. A bênção é mais expressa e plena do que a anterior; é uma transmissão da bênção de Abraão, aquela bênção que foi derramada sobre a cabeça de Abraão, como o azeite da unção, e conseqüentemente para ser passada para a sua semente escolhida, como as orlas das suas vestes. E uma bênção do Evangelho, a bênção dos privilégios da igreja, que é a bênção de Abraão, que aos gentios chegou pela fé, Gálatas 3.14. E uma bênção do Deus Todo-poderoso, nome pelo qual Deus aparecia aos patriarcas, Êxodo 6.3. São verdadeiramente abençoados aqueles a quem o Deus Todo-poderoso abençoa. Pois Ele ordena e efetiva a bênção. Abraão foi abençoado com duas grandes pro­messas, e Isaque aqui transmite ambas a Jacó.

1. A promessa de herdeiros: “Deus Todo-poderoso te abençoe, e te faça frutificar, e te multiplique”, v. 3. (1) Através dos seus lombos deveria descender de Abraão aquele povo que seria numeroso como as estrelas do céu, como a areia que está na praia do mar, e que deve­ria crescer mais do que o resto das nações. Deste modo, este povo seria uma assembléia de pessoas, como diz a anotação à margem de algumas versões da Bíblia Sagrada. E nunca houve, em época alguma, um ajun­tamento tão grande como este: uma grande multidão de pessoas tão freqüentemente congregada em uma assembléia - este ajuntamento eram as tribos de Israel no deserto. (2) Através dos seus lombos deveria descen­der de Abraão aquela Pessoa em quem todas as famílias da terra seriam abençoadas, e aquele que deveria ser o motivo desta congregação de pessoas. Jacó realmente tinha em si uma multidão de povos, pois todas as coisas do céu e da te rra se congregam em Cristo (Ef 1.10), todas se centram nele, aquele grão de trigo que, caindo na terra, dá muito fruto, João 12.24.

2. A promessa de uma herança a estes herdeiros: “Para que em herança possuas a terra de tuas peregri­nações", v. 4. Canaã foi transmitida, então, à semente de ■Jacó, excluindo a semente de Esaú. Isaque agora envia­va Jacó a um lugar distante, para assentar-se ali durante algum tempo. E, para que com isto não parecesse queo estava deserdando, aqui ele confirma a herança a ele, para que ele pudesse estar seguro de que a descontinui- dade da sua posse não prejudicaria o seu direito. Obser­ve que aqui ele ouve que ele iria herdar a terra na qual peregrinava. Aqueles que são peregrinos agora serão herdeiros para sempre: e, mesmo agora, devem herdar a terra (embora não herdem a maior parte dela) aqueles que são principalmente peregrinos nela. Têm o melhor benefício das coisas atuais aqueles que menos se apegam a elas. Esta promessa visa tão alto como o céu, do qual Canaã era um tipo. Esta era a terra melhor, em que Jacó, com os outros patriarcas, tinha os olhos, quando se con­fessou um estrangeiro e peregrino nela, Hebreus 11.13.

Jacó, tendo se despedido de seu pai, saiu apressa­damente, para que seu irmão não encontrasse oportu­nidade de fazer-lhe mal, e foi para Padã-Arã, v. 5. Como foi diferente a sua busca de uma esposa, da do seu pai! Isaque tinha servos e camelos enviados para obter a es­posa; Jacó devia ir pessoalmente, sozinho e a pé, para obtê-la: Ele deve também sair assustado da casa do seu pai, sem saber quando poderá retornar. Observe que se Deus, na sua providência, nos priva de algo, devemos fi­car satisfeitos, ainda que não possamos manter a pompa e a grandeza dos nossos ancestrais. Nós devemos nos preocupar mais em conservar a piedade deles do que manter a dignidade deles, e em sermos tão bons quan­to eles eram, em vez de procurarmos ser tão grandes quanto eles. Rebeca aqui é chamada de mãe de Jacó e Esaú. Jacó é mencionado em primeiro lugar, não somen­te porque sempre tinha sido o predileto da sua mãe, mas porque agora tinha sido feito herdeiro de seu pai, e Esaú, neste sentido, tinha sido deixado de lado. Observe que chegará o momento em que a piedade terá a prioridade, não importando como ela está agora.

w. 6-9Esta passagem a respeito de Esaú surge no meio da

história de Jacó, ou: 1. Para mostrar a influência de um bom exemplo. Esaú, embora fosse o mais velho, agora começa a considerar Jacó o melhor homem, e não desde­nha tomá-lo como exemplo neste caso particular do ca­samento com uma filha de Abraão. Os filhos mais velhos devem dar aos mais jovens um exemplo de afabilidade e obediência. Não será bom, se não o fizerem. Mas se eles tomarem o exemplo dos mais jovens, como Esaú aqui tomou o exemplo de Jacó, isto será um alívio. Ou:2. Para mostrar a tolice de uma percepção tardia. Esaú agiu bem, mas o fez quando já era tarde demais. Ele viu “que as filhas de Canaã eram más aos olhos de Isaque, seu pai”, e poderia ter visto isto há muito tempo, se ti­vesse se preocupado com o julgamento de seu pai, tanto quanto se preocupava com o seu paladar. E como agora ele repara a situação? Ora, na verdade, de modo a torná- la pior. (1) Ele casou-se com uma filha de Ismael, o filho

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w. 10-15 GÊNESIS 28 146da serva, que foi expulso, e não herdaria eom Isaque e a sua semente, unindo-se, desta forma, com uma família à qual Deus tinha rejeitado, e procurando fortalecer as suas próprias pretensões com a ajuda de outro preten­dente. (2) Ele tomou uma terceira esposa, enquanto, ao que parece, as suas outras esposas não tinham morrido, nem tinha se divorciado delas. (3) Ele somente fez isto para agradar ao seu pai, não para agradar a Deus. Agora que Jacó havia sido enviado a um lugar distante, Esaú fi­caria completamente tranqüilo, e esperava agradar a seu pai de modo a persuadi-lo a fazer um novo testamento, e transmitir a promessa a ele, revogando a transmissão recentemente feita a Jacó. Assim: [1] Ele foi prudente quando já era tarde demais, como Israel que desejou aventurar-se quando o mandado já tinha sido decretado contra eles (Nm 14.40), e as virgens loucas, Mateus 25.11.[2] Ele se acomodou em uma transformação parcial, e pensava que, agradando aos seus pais em um aspecto, poderia compensar todos os seus outros enganos. Não está escrito que, quando viu o quão obediente era Jacó, e o quanto se dispunha a agradar aos seus pais, Esaú tenha se arrependido do seu desígnio maligno contra ele. Não. Posteriormente leremos que ele persistia com esta idéia, e conservava a sua maldade. Observe que os corações carnais são capazes de julgar que são tão bons quanto deveriam ser, porque talvez, em algum instante particular, não tenham sido tão maus como poderiam ter sido. Assim Mica conserva seus ídolos, mas se considera feliz por ter um levita como seu sacerdote, Juizes 17.13.

A Visão de Jacó em Betei w. 10-15

Aqui temos Jacó na sua jornada a caminho da Síria, em uma condição completamente desolada, como alguém que era enviado para buscar a sua sorte. Mas descobri­mos que, embora estivesse só, ainda assim não estava só, pois o Pai estava eom ele, João 16.32. Entendendo o que está registrado aqui como tendo aparentemente aconte­cido na primeira noite, ele tinha feito uma longa viagem de um dia, de Berseba a Betei, de aproximadamente 40 milhas (ou 64 quilômetros). A Providência o trouxe a um local conveniente, provavelmente sombreado com árvo­res, para descansar naquela noite. E aqui:

I Ele teve um alojamento rústico (v. 11), tendo pedras como seus travesseiros, e os céus como cobertura e

cortinas. De acordo com o costume da época, talvez isto não fosse tão ruim como nos parece hoje. Mas podemos pensar que: 1. Ele passou muito frio, tendo o chão frio como cama, e, o que supostamente teria piorado as coi­sas, uma pedra dura como travesseiro, e estava exposto ao ar frio. 2. Ele teve um repouso muito desconfortável. Se os seus ossos estivessem doloridos devido à jornada deste dia, o seu descanso noturno somente os faria ainda mais doloridos. 3. Ele ficou muito exposto. Ele se esque­ceu de que estava fugindo para preservar a sua própria vida. Se o seu irmão, na sua fúria, o tivesse perseguido, ou tivesse enviado um assassino para segui-lo, aqui ele estava pronto para ser sacrificado, e privado de abrigo e defesa. Não devemos pensar que foi por causa da sua

pobreza que ele ficou tão mal acomodado, mas: (1) Isto se devia à simplicidade daqueles tempos, quando os ho­mens não tinham muita pompa, nem se preocupavam tanto com o seu conforto, como o fazem nestes tempos de suavidade e efeminação. (2) Jacó estava particularmente acostumado às dificuldades, sendo um homem simples que habitava em tendas. E, designado agora a ir para servir, ele estava mais disposto a acostumar-se a elas. E, como foi provado, isto foi bom, cap. 31.40. (3) Seu consolo na bênção divina, e a sua confiança na proteção divina, fizeram com que ele se sentisse confortável, mesmo es­tando assim exposto. Tendo a certeza de que o seu Deus determinou que ele habitasse em segurança, ele pôde se deitar e dormir sobre uma pedra.

Neste alojamento tão rústico ele teve um sonho X x agradável. Qualquer israelita estaria, na verda­de, disposto a contentar-se com o travesseiro de Jacó, desde que apenas pudesse ter o sonho de Jacó. Naquela ocasião, e naquele local, ele ouviu as palavras de Deus, e teve as visões do Todo-poderoso. Foi a melhor noite de sono que ele teve na sua vida. Observe que o momento de Deus visitar o seu povo com os seus consolos é quando eles estão mais destituídos dos demais consolos, e outros confortadores. Quando, podemos dizer, abundam as afli­ções no caminho do dever, então os consolos abundarão ainda mais. Observe aqui:

1. A visão encorajadora que Jacó teve, v. 12. Ele viu uma escada, que subia da terra ao céu, e os anjos de Deus subiam e desciam por ela, e o próprio Deus em cima dela. Isto representa as duas coisas que são muito eonsolado- ras a todas as boas pessoas, em todos os tempos, e em todas as condições: (1) A providência de Deus, pela qual existe uma correspondência constante, entre o céu e a terra. Os conselhos do céu são executados na terra, e os atos e assuntos desta terra, todos conhecidos no céu, são realizados na terra, e os atos e assuntos desta te rra são todos conhecidos no céu e ali são julgados. A providência faz o seu trabalho gradualmente, e passo a passo. Os an­jos são empregados como espíritos ministradores, para servir a todos os propósitos e desígnios da Providência, e a sabedoria de Deus está na extremidade superior da igreja, orientando todas as causas secundárias em direção à glória da Causa principal. Os anjos são espí­ritos ativos, continuamente subindo ou descendo. Eles não descansam, noite e dia, do serviço, de acordo com as posições a eles designadas. Eles sobem, para prestar contas do que fizeram, e para receber ordens. E então descem, para executar as ordens que receberam. Assim devemos ser sempre abundantes na obra do Senhor, para que possamos realizá-la como os anjos a realizam, Salmos 103.20,21. Esta visão trouxe um consolo muito oportuno a Jacó, dando-lhe a entender que ele tinha um bom guia e também um bom guardião, na sua saída e entrada - isto é, embora ele fosse forçado a peregrinar saindo da casa do seu pai, ainda estava sob os cuidados da benigna Providência, e a cargo dos santos anjos. Isto é consolo suficiente, e jamais devemos aceitar a inter­pretação de alguns, de que os “anjos tutelares” de Canaã estivessem subindo, tendo protegido Jacó na saída da sua terra, e os anjos da Síria descendo, para tomá-lo sob a sua custódia. Jacó agora tipificava e representava toda

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147 GÊXESIS 28 w. 16-22a igreja, e os anjos estavam encarregados de protegê-lo. (2) A mediação de Cristo. Ele é esta escada, o pé na terra, na sua natureza humana, e o topo no céu, na sua natureza divina: ou, na primeira, na sua humilhação, e na última, na sua exaltação. Todo o relacionamento entreo céu e a terra, desde a queda, é feito por esta escada. Cristo é o caminho. Todos os favores de Deus vêm a nós, e todos os nossos serviços vão até Ele, por Cristo. Se Deus habita conosco, e nós com Ele, é por intermédio de Cristo. Nós não temos outro caminho para chegai' ao céu, exceto por esta escada. Se subirmos por outra parte, seremos ladrões e salteadores. A esta visão alude o nosso Salvador quando fala sobre os anjos de Deus, subindo e descendo sobre o Filho do homem (Jo 1.51). Pois os bons serviços que os anjos nos fazem, e os benefícios que re­cebemos pelo seu ministério, são todos devidos a Cristo, que reconciliou as coisas na terra e as coisas no céu (Cl1.20), e as congregou em si mesmo, Efésios 1.10.

2. As palavras encorajadoras que Jacó ouviu. Ago­ra Deus o levava ao deserto, e falava com ele de modo consolador, falava do topo da escada: pois todas as boas notícias que nós recebemos do céu, nos vêm por meio de Jesus Cristo.

(1) As promessas anteriores, feitas ao seu pai, foram repetidas e ratificadas a ele, w. 13,14. De modo geral, Deus indicou a Jacó que seria, para ele, o mesmo Deus que tinha sido para Abraão e para Isaque. Aqueles que trilham os passos dos seus santos pais têm interesse no seu concerto, e têm direito aos seus privilégios. Particu­larmente: [1] A terra de Canaã é concedida a ele: “Esta terra em que estás deitado”. Como se por deitar-se tão satisfeito sobre o chão duro ele tivesse tomado posse cle toda a terra. [2] E prometido a ele que a sua posteridade se multiplicaria enormemente, como o pó da terra - que, embora ele parecesse agora ter sido arrancado, como um galho seco, ainda assim ele se tornaria uma árvore florescente, que estenderia seus ramos até o mar. Estas foram as bênçãos com as quais seu pai o tinha abençoa­do (w. 3,4), e aqui Deus diz Amém a elas, para que ele pudesse ser mais fortemente consolado. [3] Aqui é acres­centado que o Messias deveria vir dos seus lombos, em quem serão benditas todas as famílias da terra. Cristo é a grande bênção do mundo. Todos os que são abençoados, qualquer que seja a sua família, são abençoados nele. E ninguém, de nenhuma família, está excluído da bênção nele, exceto aqueles que se excluem a si mesmos.

(2) Novas promessas lhe foram feitas, adaptadas à sua condição atual, v. 15. [1] Jacó estava apreensivo quanto ao perigo do seu irmão Esaú. Mas Deus promete protegê-lo. Observe que aqueles a quem Deus protege estão a salvo, não importando quem os persiga, [2] Agora ele tinha uma longa viagem à sua frente, tinha que via­ja r sozinho, em um caminho desconhecido, a uma terra desconhecida. Mas, “eis que estou contigo”, diz Deus. Observe que onde quer que estejamos, estaremos a sal­vo, e podemos ficar tranqüilos, se tivermos a presença favorável de Deus conosco. [3] Ele não conhecia, mas Deus sabia das dificuldades que iria encontrar a serviço do seu tio. E, portanto, havia promessas de preservá-lo em todos os lugares. Observe que Deus sabe como dar graça e consolos ao seu povo, adaptados aos eventos fu­turos e também aos eventos do presente. [4] Agora ele

se dirigia a um exílio em um lugar muito distante, mas Deus promete trazê-lo de volta à sua terra outra vez. Observe que aquele que preserva a saída do seu povo, também preservará a sua entrada, Salmos 121.8. [5] Ele parecia ter sido abandonado por todos os seus amigos, mas Deus aqui lhe dá esta garantia: “Te não deixarei”. Observe que aqueles a quem Deus ama, Ele nunca aban­dona. Esta promessa está garantida a toda a semente, Hebreus 13.5. [6] A providência parecia contradizer as promessas. Por isto ele recebe a certeza do cumprimento delas, na ocasião oportuna: “Até que te haja feito o que te tenho dito”. Observe que dizer e fazer não são duas coisas diferentes com Deus, independentemente do que são para nós.

O Voto de Jacó w. 16-22

Deus manifestou tanto a si mesmo como o seu favor a Jacó, quando ele estava dormindo e completamente passivo. Pois o espírito, como o vento, sopra onde - e quando - quer, e a graça de Deus, como o orvalho, não “aguarda filhos de homens”, Miquéias 5.7. Mas Jacó, de­pois de despertar, dedicou-se a aproveitar a visita que Deus lhe tinha feito. E podemos crer que ele despertou, como o profeta (Jr 31.26), e olhou, e o seu sono foi doce para ele. Podemos ver vários detalhes da devoção de Jacó nesta ocasião.

I Ele expressou uma grande surpresa com os sinais que teve da presença especial de Deus com ele, na­

quele lugar: “O Senhor está neste lugar, e eu não o sabia”, v. 16. Observe que: 1. As manifestações de Deus ao seu povo trazem a sua própria evidência consigo. Deus pode dar inegáveis demonstrações da sua presença, e também dar abundante satisfação às almas dos fiéis de que está com eles realmente, uma satisfação que não pode ser transmitida a outros, mas que os convence. 2. As vezes nos encontramos com Deus quando menos pensávamos em nos encontrarmos com Ele. Ele está onde não pen­samos que Ele tivesse estado, e é encontrado quando não o buscamos. Nenhum lugar exclui as visitas divinas (cap. 16.13, e também aqui). Onde quer que estejamos, na cidade ou no deserto, na casa ou no campo, na loja ou na rua, podemos conservar o nosso relacionamento com o céu, que só será interrompido por nossa própria culpa.

I T A visão lhe provocou temor (v. 17): “Temeu”. Tão X longe estava ele de orgulhar-se e sentir exaltado além da medida, com a abundância das revelações (2 Co

12.7), que temeu. Observe que quanto mais vemos de Deus, mais causas temos para sentir um santo temor e corarmos diante dele. Aqueles a quem Deus se compraz em manifestar-se, portanto, são apresentados, e manti­dos, muito humildes, aos seus próprios olhos, e vêm cau­sa para temor até mesmo ao Senhor e à sua bondade, Oséias 3.5. Ele disse: “Quão terrível é este lugar!” Isto é: “A aparição de Deus neste lugar nunca seria imagi­nada, exceto com um respeito e uma reverência santos. Eu terei um respeito por este lugar, e o recordarei por este sinal, enquanto eu viver”, não que ele julgasse aque­

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w. 16-22 GÊNESIS 28 148le lugar mais próximo das visões divinas do que outros lugares. Mas o que ele viu ali, nesta ocasião, foi, de certa forma, a casa de Deus, a residência da Majestade divina, e a porta do céu, isto é, a reunião geral dos habitantes do mundo superior, assim como as reuniões de uma cidade eram feitas às suas portas. Ou os anjos subindo e des­cendo eram como viajantes passando e voltando a passar pelas portas de uma cidade. Observe que: 1. Deus está, de uma maneira especial, presente onde a sua graça é re­velada - e onde os seus concertos são divulgados e sela­dos, assim como antigamente, pelo ministério dos anjos, também agora por ordenanças instituídas, Mateus 28.20.2. Onde Deus nos encontra com a sua presença especial, nós devemos encontrá-lo com a mais humilde reverência, recordando a sua justiça e santidade, e a nossa própria sordidez e vilania.

m Ele tomou cuidado para preservar o memorial da visão de duas maneiras: 1. Ele tomou a pe­

dra e a pôs por coluna (v. 18). Não como se pensasse que as visões da sua cabeça se devessem, de alguma maneira, à pedra sobre a qual tinha pousado a cabeça, mas desta maneira ele desejava assinalar o lugar até a sua volta, e erigir um monumento duradouro ao favor de Deus a ele, e porque agora não tinha tempo de edificar ali um altar, como fazia Abraão nos lugares onde Deus aparecia a ele, cap. 12.7. Por isto ele derramou azeite sobre esta pedra, o que provavelmente era a cerimônia então usada na dedicação dos seus altares, como um penhor da sua edificação de um altar quando tivesse conveniência para isto, como posteriormente o fez, em gratidão a Deus por esta visão, cap. 35.7. Observe que as concessões de mise­ricórdia pedem retribuições de dever, e a doce comunhão que temos com Deus deve ser sempre lembrada. 2. Ele deu um novo nome ao lugar, v. 19. Ele se chamava Luz, que significa amendoeira. Mas ele deseja que, a partir desta ocasião, ele fosse chamado Betei, a casa de Deus. Esta graciosa aparição que Deus fez a ele honrou muito o lugar, e o tornou mais notável, do que todas as amendo­eiras que floresciam ali. Esta é aquela Betei onde, muito tempo depois, está escrito que Deus achou a Jacó, e ali (no que disse a ele) falou conosco, Oséias 12.4. Com o passar do tempo, esta Betei, a casa de Deus, tornou-se Bete-Aven, um lugar de futilidade e iniqüidade, quando Jeroboão ali instalou um dos seus bezerros.

W Ele fez um voto solene nesta ocasião, w. 20-22. Através dos votos religiosos, nós damos glória a

Deus, reconhecemos a nossa dependência dele, e estabe­lecemos uma obrigação às nossas almas para envolver e motivar a nossa obediência a Ele. Jacó agora estava com medo e em aflição. E é oportuno fazer votos em tempos de aflição, ou quando buscamos alguma graça especial, Jonas 1.16; Salmos 66.13,14; 1 Samuel 1.11; Números 21.1-3. Agora Jacó tinha tido uma graciosa visita do céu. Deus tinha renovado o seu concerto com ele, e o concerto é mútuo. Quando Deus ratifica as suas promessas a nós, é adequado que nós repitamos as nossas promessas a Ele. Neste voto, observe: 1. A fé de Jacó. Deus tinha dito (v. 15): “Eis que estou contigo, e te guardarei”. Jacó se apega a isto, e deduz: “Uma vez que Deus estará comigo, e me guardará, como disse, e (o que está implícito na pro­

messa) proverá confortavelmente para mim - e uma vez que Ele prometeu trazer-me de volta a esta terra, isto é, à casa do meu pai, a quem espero encontrar vivo quando retornar em paz (.Jacó era tão diferente de Esaú, que ansiava pelos dias de luto do seu pai), eu confio nisto”. Observe que as promessas de Deus devem ser o guia e a medida dos nossos desejos e expectativas. 2. A modéstia de Jacó, e a sua grande moderação nos seus desejos. Ele se contentará, alegremente, tendo pão para comer, e ves­tes para vestir. E, embora a promessa de Deus o tivesse feito herdeiro de uma grande propriedade, ainda assim ele não deseja roupas macias e alimentos delicados. Este é o desejo de Agur: “Mantém-me do pão da minha por­ção acostumada”, Provérbios 30.8. Veja 1 Timóteo 6.8. A natureza se contenta com pouco. E a graça, com me­nos ainda. Aqueles que mais têm, na verdade, não têm mais do que alimento e vestes. O excesso, eles somente guardam ou dão, mas não aproveitam. Se Deus nos der mais, nós devemos ser agradecidos, e usá-lo para Ele. Se Ele nos der somente o necessário, nós devemos ficai’ satisfeitos, e desfrutar alegremente a presença dele em tudo o que tivermos. 3. A piedade de Jacó, e a sua con­sideração por Deus, que aparece aqui: (1) Naquilo que ele desejava - que Deus estivesse com ele, e o guardas­se. Observe que para ficarmos tranqüilos e felizes onde quer que estivermos, não precisamos desejar nada além de ter a presença de Deus conosco, e estar sob a sua pro­teção. É consolador, em uma jornada, ter um guia por um caminho desconhecido, um guarda em um caminho perigoso, para sermos bem conduzidos, bem providos, e te r boa companhia em qualquer caminho. E aqueles que têm a Deus consigo têm tudo isto, da melhor maneira.(2) Naquilo que decidiu. A sua resolução é: [1] De ma­neira geral, apegar-se ao Senhor, como o seu Deus, com quem ele está em um concerto: então “o Senhor será o meu Deus”. Não como se ele o desonrasse e expulsasse, se lhe faltasse alimento e vestes. Não, embora Ele nos destrua, nós devemos apegar-nos a Ele. Devemos dizer: Então, eu exultarei nele, como meu Deus. Então eu me decidirei, mais intensamente, a habitar com Ele. Obser­ve que cada misericórdia que recebemos de Deus deve ser aproveitada como uma obrigação adicional sobre nós, de andarmos intimamente com Ele, como nosso Deus.[2] Em particular, que ele realizaria alguns atos especiais de devoção, como sinal da sua gratidão. Em primeiro lu­gar: “Esta pedra, que tenho posto por coluna” - até que eu retorne, em paz, tomará posse desta terra, e então- “será Casa de Deus”. Isto é: “Um altar será erigido aqui, para a honra de Deus”. Em segundo lugar: ‘A Casa de Deus não será mobiliada, nem o seu altar ficará sem um sacrifício: “De tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo” - para ser gasto nos altares de Deus, ou para ser distribuído para os seus pobres”, pois ambos são os destinatários de Suas bênçãos neste mundo. Pro­vavelmente era de acordo com alguma instrução geral, recebida do céu, que Abraão e Jacó ofereciam a Deus a décima parte dos seus rendimentos. Observe que: 1. Deus deve ser honrado com os nossos bens, e deve rece­ber os seus direitos sobre eles. Quando recebemos mais do que a misericórdia normal de Deus, devemos nos em­penhar para dar alguns exemplos de gratidão a Ele. 2. O dízimo é uma proporção muito adequada a ser dedicada

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149 GÊNESIS 29 w. 1-8a Deus, e empregada nos interesses dele. O montante que entregamos ao Senhor certamente varia conforme a prosperidade que recebemos dele, porém sempre entre­gamos a décima parte acrescida de ofertas voluntárias, 1 Coríntios 16.2; 2 Coríntios 9.7.

Capítulo 29Este capítulo nos apresenta um relato das provi­dências de Deus a respeito de Jacó, de acordo com as promessas feitas a este no capítulo anterior. I. Como ele foi trazido em segurança ao final da sua jornada, e levado aos seus parentes que lhe deram as boas vindas, w. 1-14. II. Como ele se deu con­fortavelmente em casamento, w. 15-30. III. Como a sua família foi edificada, com o nascimento de quatro filhos, w. 31-35. Os assuntos dos príncipes e poderosas nações que havia então não estão re­gistrados no livro de Deus, mas são deixados para serem enterrados no esquecimento. Ao passo que estas pequenas preocupações domésticas do santo Jacó são detalhadamente registradas nas suas mí­nimas circunstâncias, para que possam permane­cer em eterna lembrança. Pois “bem-aventurada é a lembrança do justo”.

A Chegada de Jacó a Padã-Arã w. 1-8

Todas as etapas da marcha de Israel a Canaã são re­gistradas distintamente, mas nenhum registro especial é mantido da viagem de Jacó depois de Betei. Não, ele não teve mais uma noite feliz como a que teve em Be­tei, não teve mais visões do Todo-poderoso. Tudo aquilo era como um banquete. Ele não deve esperar que seja o seu pão de cada dia. Mas: 1. Aqui lemos com que alegria ele prosseguiu na sua jornada, depois da doce comunhão que teve com Deus, em Betei: Então Jacó ergueu seus pés. Segundo a anotação de margem de algumas tradu­ções da Bíblia Sagrada, v. 1. Então ele prosseguiu, com alegria e vivacidade, sem sobrecarregar-se com suas preocupações, nem limitado pelos seus temores, tendo a certeza da graciosa presença de Deus consigo. Observe que depois das visões que tivemos de Deus, e dos votos que fizemos a Ele, em solenes ordenanças, devemos correr, com paciência, a carreira que nos está proposta, Hebreus 12.1.2. Com que felicidade ele chegou ao fim da sua jornada. A Providência o levou ao mesmo lugar onde os rebanhos do seu tio deviam beber água, e ali ele se encontrou com Raquel, que viria a ser a sua esposa. Ob­serve: (1) A Providência divina deve ser reconhecida em todas as pequenas circunstâncias que contribuem para tornar uma jornada, ou qualquer outra empreitada, con­fortável e bem sucedida. Se, quando estivermos confu­sos, tivermos encontros oportunos com aqueles que po­dem nos orientar - se nos depararmos com um desastre, e aqueles que estão à mão nos ajudarem - não devemos dizer que foi por acaso, nem que a sorte nos favoreceu, mas que foi pela Providência, e que Deus, com isto, nos

favoreceu. Nossos caminhos serão caminhos de confor­to se nós reconhecermos, continuamente, a presença de Deus neles. (2) Aqueles que têm rebanhos devem cuidar bem deles, e ser diligentes em conhecer o seu estado, Provérbios 27.23. Aquilo que está escrito aqui, sobre o cuidado constante dos pastores para com as suas ovelhas (w. 2,3,7,8) pode servir para exemplificar a terna preo­cupação que o nosso Senhor Jesus, o Grande Pastor das ovelhas, tem pelo seu rebanho, a igreja. Pois Ele é o bom Pastor, que conhece as Suas ovelhas, e delas é conhecido, João 10.14. A pedra na boca do poço, que é tão freqüen­temente mencionada aqui, tinha a função de proteger a sua propriedade (pois a água era escassa, não era usus communis aquarum -paru o uso de todos), ou para pro­teger o poço de danos causados pelo calor do sol, ou de alguma mão perversa, ou para evitar que os cordeiros do rebanho se afogassem nele. (3) Interesses separados não devem impedir que nos ajudemos mutuamente. Quan­do todos os pastores vinham juntos com seus rebanhos, então, como vizinhos afetuosos, na hora da água, davam de beber juntos aos seus rebanhos. (4) Convém que fale­mos com cortesia e respeito com os estranhos. Embora Jacó não fosse um cortesão, mas um homem simples, que habitava em tendas, e um estranho aos cumprimentos, ainda assim ele se dirige de maneira muito cortês às pes­soas que encontra, e as chama de seus irmãos, v. 4. A lei da beneficência na língua tem poder de mandamento, Provérbios 31.26. Alguns pensam que ele os chama de irmãos porque tinham todos a mesma profissão. Eram pastores, como ele. Embora ele tivesse sido agora pro­movido, não se envergonhava da sua profissão. (5) Aque­les que demonstram respeito, normalmente também são respeitados. Assim como Jacó foi cortês com estes estranhos, também descobriu que eram corteses com ele. Quando ele começou a ensiná-los como conduzir as suas atividades (v. 7), eles não lhe pediram que cuidasse da sua própria vida, e os deixasse em paz. Mas, embora fosse estrangeiro, eles lhe explicaram o motivo da sua demora, v. 8. Aqueles que forem amistosos e prestativos terão um tratamento amistoso e prestativo.

A Humildade e Dedicação de Raquelw. 9-14

Aqui temos: 1. A humildade e dedicação de Raquel: Ela cuidava das ovelhas do seu pai (v. 9), isto é, ela toma­va conta delas, tendo servos, subordinados a ela, que se ocupavam das ovelhas. O nome Raquel significa ovelha. Observe que o trabalho honesto e útil é aquele de que ninguém precisa se envergonhar, e tampouco deve ser um obstáculo à honra de alguém. 2. A ternura e o afeto de Jacó. Quando compreendeu que esta era sua parenta (provavelmente já tinha ouvido antes o seu nome), sa­bendo qual era a sua missão nesta região, podemos su­por que imediatamente passou pela sua mente que esta deveria ser a sua esposa. Tendo já ficado impressionado pelo seu rosto ingênuo e belo (embora provavelmente es­tivesse queimado de sol, e ela usasse um vestido caseiro de uma pastora), ele fica assombrosamente obsequioso, e ansioso por servi-la (v. 10), e se dirige a ela, com lá­grimas de alegria e beijos de amor, v. 11. Ela corre com

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w. 15-30 GÊNESIS 29 150toda pressa para contar ao seu pai. Pois de maneira ne­nhuma ela tencionava receber as atenções deste parente sem o conhecimento e a aprovação do seu pai, v. 12. Este respeito mútuo, no seu primeiro encontro, era um bom presságio de que seriam um casal feliz. 3. A Providência tinha feito aquilo que parecia casual e fortuito para dar uma satisfação imediata à mente de Jacó, tão logo che­gou ao lugar ao qual se destinava. O servo de Abraão, quando chegou em uma missão semelhante, encontrou um encorajamento semelhante. Assim Deus guia o seu povo com os seus olhos, Salmos 32.8. É uma idéia infun­dada que alguns dos autores judeus têm, de que Jacó, ao beijar Raquel, chorou porque tinha sido atacado, na sua viagem, por Elifaz, o filho mais velho de Esaú, por ordem do seu pai, que lhe tinha roubado todo o seu dinheiro e as suas jóias, que sua mãe lhe tinha dado quando o enviou nesta jornada. Está claro que foi a sua paixão por Raquel, e a surpresa deste feliz encontro que fizeram brotar estas lágrimas de seus olhos. 4. Labão, embora não fosse dos homens mais bem humorados, recebeu-o bem, satisfeito com a descrição que fez de si mesmo, e a explicação da ra­zão da sua vinda em circunstâncias tão pobres. Enquanto evitamos o extremo, por um lado, de sermos tolamente crédulos, devemos tomar cuidado para não cair no outro extremo, tornando-nos ciumentos e suspeitosos, sem cari­dade. Labão o reconheceu como seu parente: Verdadeira­mente és tu o meu osso e a minha carne, v. 14. Observe que são realmente insensíveis aqueles que não são gentis com seus parentes, e que se escondem daqueles que são da sua própria carne, Isaías 58.7.

O Casamento de Jacó w. 15-30

Aqui temos:O justo contrato celebrado entre Labão e Jacó, du­rante o mês que Jacó ali passou, como hóspede, v. 14.

Parece que ele não ficou ocioso, nem passou seu tempo divertindo-se. Mas como um homem de negócios, embora não possuísse um rebanho, dedicou-se a servir ao seu tio, como tinha começado a fazer (v. 10), quando deu de beber ao rebanho dele. Observe que onde quer que estejamos, é bom que nos dediquemos a alguma atividade útil, que fará com que os outros formem uma boa opinião a nosso respeito. Aparentemente Labão apreciava tanto a inge­nuidade e a dedicação de Jacó, com seus rebanhos, que desejava que ele pudesse permanecer com ele, e assim argumenta, muito apropriadamente: Porque tu és meu ir­mão, hás de servir-me de graça?, v. 15. Não, e veja a razão para isto - Se Jacó era tão respeitoso com seu tio, a ponto de prestar-lhe serviços sem exigir nenhuma compensa­ção, ainda assim Labão não seria tão injusto com seu so­brinho, para aproveitar-se, quer da sua necessidade, quer da sua boa índole. Observe que os parentes inferiores não devem ser coagidos. Se o seu dever é nos servil', o nosso dever é recompensá-los. Agora Jacó tinha uma boa opor­tunidade para informar Labão sobre o afeto que sentia pela sua filha, Raquel. E, não tendo nenhum bem material em sua mão com o qual pudesse comprar o seu dote, ele promete a Labão sete anos de serviço, com a condição de

que, no final cios sete anos, este lhe concedesse Raquel como esposa. Alguns entendem que, pelos cálculos, pare­ce que Jacó tinha setenta e sete anos de idade quando se propôs a servir por amor a uma mulher, e por uma mu­lher guardou o gado. Oséias 12.12. Seus descendentes são lembrados disto muito tempo depois, como um exemplo da humildade da sua origem: provavelmente Raquel fosse jovem, e dificilmente se casaria, quando Jacó apareceu, o que o tornou mais desejoso de permanecer, por ela, até que terminassem os seus sete anos de serviço.

O cumprimento honesto de Jacó da sua parte do acordo, v. 20. Assim, serviu .Jacó sete anos por Ra­

quel. Se Raquel ainda continuasse a guardar o rebanho cio seu pai (como realmente fazia, v. 9), a sua convivência inocente e religiosa com ela, enquanto guardavam os re­banhos, não podia evitar que a sua familiaridade e o seu afeto mútuo crescessem (o cântico de amor de Salomão é uma pastoral). Se ela agora deixasse de fazê-lo, o alívio que ele lhe daria desta preocupação seria muito grati- ficante. Jacó serviu honestamente durante sete anos, e não negligenciou seu contrato, embora já fosse velho. Ele serviu alegremente, pois estes sete anos foram aos seus olhos como poucos dias, pelo amor que sentia por ela, como se o seu desejo fosse mais consegui-la do que tê-la. Observe que o amor torna curtos e fáceis os servi­ços longos e difíceis. Por isto, lemos sobre o trabalho cla caridade, Hebreus 6.10. Se soubermos como valorizar a felicidade do céu, os sofrimentos deste tempo presente não serão nada para nós, em comparação com aquela fe­licidade tão grande. Para aqueles que amarem a Deus e aguardarem ansiosamente a volta de Cristo, um século de trabalho será como apenas alguns poucos dias.

A vil trapaça que Labão lhe fez, quando con­cluiu o seu tempo: ele colocou Léia nos seus

braços, em vez de Raquel, v. 23. Este foi o pecado de La­bão. Ele prejudicou tanto Jacó quanto Raquel, cujos afe­tos, sem dúvida, estavam comprometidos mutuamente. E se (como dizem alguns), com isto, Léia não se tornou nada além de uma adúltera, o dano para ela também não foi pequeno. Mas este foi um sofrimento para Jacó, um desalento para a alegria do casamento, quando, pela ma­nhã, viu que era Léia, v. 25. É fácil observar aqui como Jacó foi pago na sua própria moeda. Ele tinha enganado o seu próprio pai, quando fingiu ser Esaú, e agora o seu sogro o enganava. Com isto, embora Labão fosse injusto,o Senhor era justo. Como em Juizes 1.7. Até mesmo os justos, se derem um passo em falso, poderão ser assim recompensados na terra. Muitos que não ficam, como Jacó, desapontados com as atitudes de alguma pessoa, logo percebem, para sua grande tristeza, que se sentem desapontados com o seu caráter. A escolha deste relacio­namento, portanto, por ambas as partes, deve ser feito com bom conselho e consideração, para que, se houver um desapontamento, ele não seja agravado pela consci­ência de uma má administração.

A desculpa e a reparação que Labão ofereceu pelo engano. 1. A desculpa foi frívola: Não se faz

assim no nosso lugar, v. 26. Temos razões para pensar que não houvesse tal costume na sua terra, como ele ale­

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151 GÊNESIS 29 w. 31-35ga. Porém ele somente frustra Jacó com isto. e ri, do seu engano. Observe que aqueles que agem de forma ímpia, e pensam que podem disfarçar isto com uma brincadeira, mesmo que possam enganar a si mesmos e aos outros, no final descobrirão que Deus não achou nada divertido. Mas se houvesse tal costume, e Labão tivesse decidido observá-lo, ele deveria tê-lo dito a Jacó quando este deci­diu servi-lo pela sua filha mais jovem. Observe o que diz o provérbio dos antigos: Dos ímpios procede a impiedade,1 Samuel 24.13. Aqueles que lidam com homens ímpios e traiçoeiros devem esperar ser tratados com impiedade e traição. 2. A compensação da questão só piorou aquilo que já estava mal: nós te daremos também a outra, v. 27. Aqui ele atraiu Jacó ao pecado, à cilada, e à inquietação de multiplicar as suas esposas, o que é uma mancha na sua reputação, que permanecerá até o fim do mundo. O honesto Jacó não desejava isto, mas só queria ser tão fiel a Raquel quanto seu pai tinha sido a Rebeca. Aquele que tinha vivido sem uma esposa até a idade de oitenta e qua­tro anos, poderia, então, ter ficado satisfeito com uma. Mas Labão, para entregar as suas duas filhas, sem dotes, e para conseguir mais sete anos de serviço de Jacó, o coage desta maneira, e o leva a pensar, através de sua fraude (não tendo sido ainda decidida a questão, como foi posteriormente pela lei divina, Levítico 18.IS, e de ma­neira mais completa, pelo nosso Salvador, Mateus 19.5), que ele tinha algumas razões plausíveis para se casar com ambas. Ele não podia recusar Raquel, pois a tinha pedido. Mas também não podia recusar Léia, pois tinha se casado com ela. Portanto, Jacó deve ficar satisfeito, e tomar dois talentos, 2 Reis 5.23. Observe que um pecado normalmente é o início de outro. Aqueles que entram por uma porta de iniqüidade dificilmente encontram a saída, mas entram em outra transgressão. A poligamia dos pa­triarcas era, até certo ponto, desculpável a eles, porque, embora houvesse uma razão contra isto, tão antiga comoo casamento de Adão (Ml 2.15), ainda assim não havia nenhum mandamento expresso contra tal prática. Era um pecado cometido por ignorância. Não era o produto de alguma luxúria pecaminosa, mas destinava-se à edifi­cação da igreja, o que foi o bem que a Providência obteve disto. Mas isto jamais poderia justificar alguma prática semelhante hoje em dia, quando a vontade de Deus é cla­ramente conhecida, de que um homem e uma mulher se unam, 1 Coríntios 7.2. O casamento com muitas esposas combina bem com o espírito carnal e sensual da impostu­ra maometana, que o permite. Mas nós não aprendemos isto de Cristo. O Dr. Lightfoot opina que Léia e Raquel são símbolos das duas igrejas, a dos judeus, sob a lei, e a dos gentios, sob o Evangelho. A jovem, mais bela, e mais presente nos pensamentos de Cristo, quando Ele veio, sob a forma de servo. Mas a outra, como Léia, é acei­ta em primeiro lugar. Porém há um detalhe importante em que a alegoria não se sustenta: pois os gentios, sendo mais jovens, foram mais férteis, Gálatas 4.27.

O Aumento da Família de Jaców. 31-35

Aqui temos o nascimento de quatro dos filhos de Jacó, todos gerados por Léia. Observe: 1. Que Léia, que

era menos amada, foi abençoada com filhos, ao passo que a Raquel esta benção foi negada, v. 31. Veja como a Providência, ao repartir as suas dádivas, observa uma proporção, para manter o equilíbrio, distribuindo cruzes e consolos, um contra o outro, para que ninguém possa ser muito elevado, nem muito diminuído. Raquel deseja filhos, mas é abençoada com o amor do seu esposo. Léia não tem este amor, mas é fértil, A mesma coisa aconte­ceu com as duas esposas de Elcana (1 Sm 1.5). Pois o Senhor é sábio e justo. Quando o Senhor viu que Léia era aborrecida, isto é, menos amada do que Raquel, no sentido que se exige que amemos menos nosso pai e nos­sa mãe, em comparação com Cristo (Lc 14.26), então o Senhor concedeu-lhe um filho. Este fato foi uma repre­ensão a .Jacó, por criar uma diferença tão grande entre aquelas com as quais tinha um relacionamento igual - uma repreensão a Raquel, que talvez insultasse sua irmã por causa disto - e um consolo para Léia, para que não se deixasse dominar pelo desprezo que lhe era dirigido: assim Deus dá muito mais honra ao que tem falta dela,1 Coríntios 12.24. 2. Os nomes que ela dá aos seus filhos expressavam a sua respeitosa consideração, tanto por Deus quanto pelo seu marido. (1) Ela parece ambicio­nar muito o amor do seu marido: ela admite que a falta dele é a sua aflição (v. 32). Ela não está censurando-o com isto, como se fosse culpa dele, nem repreendendo-o por isto, tornando-se incómoda para ele, mas guardando isto como sua tristeza, embora ela tivesse mais razões para suportar isto, com mais paciência, porque ela mesma ti­nha consentido na fraude pela qual tornou-se sua esposa. Além disto, podemos e devemos suportar com paciência aquele problema que causamos a nós mesmos, pelo nos­so próprio pecado e tolice. Léia prometeu a si mesma que os filhos que ela desse a Jacó lhe trariam o interesse e o afeto que ela desejava. Ela chamou o seu primogênito de Rúben (Vejam, Um Filho), com este agradável pensa­mento: Por isso, agora me amará o meu marido. E com a chegada do seu terceiro filho, Levi (Unido), ela tinha esta expectativa: Agora, esta vez se ajuntará meu mari­do comigo, v. 34. O afeto mútuo é o dever e o consolo des­te relacionamento. E os companheiros de jugo devem se empenhar para agradar um ao outro, 1 Coríntios 7.33,34.(2) Léia reconhece, com gratidão, a gentil providência de Deus neste caso: O Senhor atendeu à minha aflição, v. 32. “O Senhor ouviu, isto é, percebeu, que eu era abor­recida (pois as nossas aflições, assim como estão diante dos olhos de Deus, também levam um clamor aos seus ouvidos), por isto Ele me deu este filho”. Observe que Deus deve ser reconhecido em tudo aquilo que contribuir para o nosso suporte e consolo em meio às nossas afli­ções, ou para o nosso alívio delas. Devemos reconhecer especialmente a sua piedade e a sua terna misericórdia. Ao quarto filho ela chamou de Judá (Louvor), dizendo: Esta vez louvarei ao Senhor, v. 35. E este foi aquele de quem, segundo a carne, veio Cristo. Observe: [1] Qual­quer que seja o motivo da nossa alegria, este deve ser o motivo da nossa gratidão. Os novos favores devem nos estimular a louvar a Deus pelos antigos. “Esta vez louva­rei ao Senhor”, mais e melhor do que tenho feito. [2] To­dos os nossos louvores devem estar centrados em Cristo.O Senhor Jesus Cristo deve ser tanto a causa como o Mediador deles. Ele descendeu daquele cujo nome era

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w. 1-13 GÊNESIS 30 152louvor, pois Ele é o nosso louvor. Cristo está formado no meu coração? Agora louvarei ao Senhor.

C a p í t u l o 3 0Neste capítulo, temos uma narrativa do aumento:I. Da família de Jacó. Encontramos outros oito filhos registrados neste capítulo. Dã e Naftali, ge­rados por Bila, serva de Raquel, w. 1-8. Gade e Asei-, gerados por Zilpa, serva de Léia, w. 9-1-3. Issacar, Zebulom e Diná, gerados por Léia, w. 14- 21. E, o último, José, gerado por Raquel, w. 22-24.II. Dos bens de Jacó. Ele faz um novo acordo com Labão, w. 25-34. E nos seis anos de serviço adi­cional que ele prestou a Labão, Deus o abençoou maravilhosamente, de modo que o seu rebanho tornou-se muito considerável, w. 35-43. Aqui se cumpria a benção com a qual Isaque se despe­diu dele (cap. 28.3): “Deus te faça frutificar, e te multiplique”. Mesmo estes pequenos detalhes, a respeito da casa e do campo de Jacó, embora pare­çam secundários, podem melhorar o nosso apren­dizado. Pois as Escrituras foram redigidas, não para os príncipes e estadistas, para educá-los em política. Mas para todas as pessoas, até mesmo as mais humildes, para orientá-las, nas suas famílias e vocações: mas algumas coisas aqui estão regis­tradas a respeito de Jacó, não para imitação, mas para advertência.

O Aumento da Família de Jacó w. 1-13

Aqui temos as más conseqüências daquele estranho casamento que Jacó fez com as duas irmãs. Podemos ob­servar:T Uma desavença infeliz entre ele e Raquel (w. 1,2),X ocasionada não tanto pela sua própria esterilidade como pela fertilidade da sua irmã. Rebeca, a única espo­sa de Isaque, durante muito tempo foi estéril, mas ain­da assim não vemos desavenças entre ela e Isaque. Mas aqui, pelo fato de Léia gerar filhos, Raquel não consegue viver pacificamente com Jacó.

1. Raquel se irrita. Ela invejou a sua irmã, v. 1. Ter inveja é se sentir triste ou incomodado por causa do bem dos outros, e nenhum pecado é mais ofensivo a Deus, nem mais prejudicial ao nosso próximo e a nós mesmos. Ela não considerou que foi Deus quem fez a diferença, e que embora nesta única questão a sua irmã tivesse a primazia sobre ela, ainda assim, em outras coisas, ela, Raquel, tinha vantagens. Sejamos cuidadosamente vigi­lantes contra o surgimento e a operação desta paixão em nossas mentes. Que os nossos olhos não sejam maus em relação a algum dos nossos companheiros servos, porque os olhos do nosso senhor são bons. Mas isto não era tudo. Ela disse a Jacó, Dá-me filhos, senão morro. Observe que somos muito capazes de nos enganar nos nossos de­sejos de graças temporais, como aconteceu com Raquel,

aqui. (1) Um filho não a deixaria satisfeita. Mas, como Léia tem mais de um, ela pensava que deveria ter mais, também. E assim Raquel disse: Dá-me filhos. (2) Seu co­ração estava desregradamente preocupado com isto, e, se não tivesse o que desejava ter, ela tiraria a própria vida, e todos os seus consolos. “Dá-me filhos, senão mor­ro”, isto é: “Eu me entristecerei até morrer. A falta desta satisfação irá encurtar os meus dias”. Alguns entendem que ela estava ameaçando Jacó, e que faria algum tipo de violência a si mesma, se não pudesse obter esta graça.(3) Ela não se dirigiu a Deus em oração, mas somente a Jacó, esquecendo-se de que os filhos são herança do Senhor, Salmos 127.3. Nós fazemos mal a Deus e a nós mesmos quando o nosso olho se dirige mais aos homens, os instrumentos das nossas cruzes e confortos, do que a Deus, que foi quem os permitiu. Observe uma diferença, entre o pedido de Raquel por esta graça, e o de Ana, 1 Samuel l.lOss. Raquel invejava. Ana chorava. Raquel exigiu ter filhos, e morreu ao ter o segundo. Ana chorou por um filho, e teve quatro além dele. Raquel é impor­tuna e peremptória, Ana é submissa e devota, Se à tua serva deres um filho varão, ao Senhor o darei por todos os dias da sua vida. Que Ana seja imitada, e não Raquel. E que os nossos desejos estejam sempre sob a direção eo controle da razão e da religião.

2. Jacó a repreende, e com muita razão. Ele ama­va Raquel, e por isto a reprovaria no que ela fizesse de errado, v. 2. Observe que as reprovações fiéis são pro­dutos e exemplos de um afeto verdadeiro, Salmos 141.5; Provérbios 27.5,6. Jó reprovou a sua esposa quando ela falou como uma tola, Jó 2.10. Veja 1 Coríntios 7.16. Ele se zangou não com a pessoa, mas com o pecado. Ele se expressou de modo a mostrar o seu desagrado. Observe que às vezes é necessário que uma repreensão seja aca­lorada, como uma poção medicinal. Não quente demais, para não queimar o paciente. Mas não fria, para não se mostrar ineficiente. Foi uma resposta muito grave e te­mente a que Jacó deu à ordem irada de Raquel: Estou eu no lugar de Deus? Os caldeus parafraseiam bem: “A mim você pede filhos? Você não deveria pedi-los diante do Senhor?” O texto árabe apresenta: “Estou eu acima de Deus?”; “Posso eu dar-lhe aquilo que Deus lhe nega?” Isto foi dito na condição de um simples homem. Obser­ve: (1) Jacó reconhece a mão de Deus na aflição que ele compartilhava com a sua esposa: Ele te impediu o fruto de teu ventre. Observe que seja o que for que nos falte, é Deus que o impede. O Senhor é o Soberano, a Fonte de toda a sabedoria, Santo e Justo, que pode fazer o que desejar com os seus, e não deve nada a nenhum homem. Ele é absolutamente Puro, e nunca fez, e nunca fará, ne­nhum mal a nenhuma das Suas criaturas. As chaves das nuvens, do coração, do sepulcro, e do útero, são quatro chaves que Deus tem na sua mão, e que Ele não con­fia (diz o rabino) nem aos anjos nem aos serafins. Veja Apocalipse 3.7; Jó 11.10; 12.14. (2) Jacó reconhece a sua própria incapacidade de alterar o que Deus havia deter­minado: Estou eu no lugar de Deus? O quê? Você faz de mim um deus? Deos qui rogai ille facit - Aquele ci quem oferecemos súplicas e, para nós, um deus. Observe: [1] Não existe criatura que esteja, ou possa estar, para nós, no lugar de Deus. Deus pode estar, para nós, no lugar de qualquer criatura, assim como o sol, no lugar da lua e das

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153 GÊNESIS 30 w. 14-24estrelas. Mas a lua e todas as estrelas não estarão, para nós, no lugar do sol. Nenhuma sabedoria, nenhum poder e nenhum amor estarão, para nós, no lugar que pertence exclusivamente a Deus. [2] Portanto, é nosso pecado e to­lice colocar qualquer criatura no lugar de Deus, e depo­sitar em qualquer criatura aquela confiança que só deve ser depositada em Deus.

Um acordo infeliz entre Jacó e as duas servas:1. Persuadido por Raquel, ele tomou Bila, a serva

dela, como esposa, para que, de acordo com os costumes daqueles tempos, os filhos dele com a serva pudessem ser adotados e reconhecidos como filhos da sua senhora, v. 3ss. Ela preferia te r filhos nominais, a não ter nenhum. Filhos que ela pudesse pensar que eram seus, e chamá- los de seus, embora não o fossem. Poderíamos pensar que os filhos da sua própria irmã eram seus parentes mais próximos clo que os da sua serva, e que ela poderia, com mais satisfação, tê-los feito seus, se assim tivesse desejado. Mas (como é natural para todos nós, gostar de poder) os filhos sobre os quais ela tinha 11111 direito de governar eram mais desejáveis a ela do que aqueles que ela tinha mais razões para amar. E, como um exem­plo precoce do seu domínio sobre os filhos nascidos nos seus aposentos, ela se satisfaz em dar-lhes nomes que não significam nada além de sinais de competição com a sua irmã, como se a tivesse superado: (1) Na lei. Ela cha­ma 0 primeiro filho da sua serva de Dã (juízo), dizendo: “Julgou-me Deus” (v. 6), isto é, “proferiu uma sentença a meu favor”. (2) Na batalha. Ao seguinte, ela chama de Naftali (lutas), dizendo: “Tenho lutado com minha irmã, e tenho prevalecido” (v. 8). Como se todos os filhos de Jacó devessem ser homens de disputas, desde 0 nasci­mento. Veja como são as raízes da inveja amarga e da disputa, e os males que provocam aos relacionamentos.

2. Persuadido por Léia, -Jacó também tomou a Zilpa, sua serva, por esposa, v. 9. Raquel tinha feito aquela coi­sa absurda e ridícula de dar a sua serva ao seu esposo, competindo com Léia, E agora Léia (porque tinha ficado um ano sem ter filhos), faz a mesma coisa, para igualar- se a ela, ou melhor, para continuar à sua frente. Veja 0 poder da inveja e da rivalidade, e admire a sabedoria da legislação divina, que une 11111 homem a apenas uma mulher. Pois Deus chamou-nos para a paz, e a pureza,1 Coríntios 7.15. Zilpa deu dois filhos a Jacó, aos quais Léia considerou que tinha direito, e como sinal disto cha­mou a um deles Gade (v. 11), prometendo a si mesma um pequeno exército de crianças. E os filhos são a milícia de uma família, eles enchem a aljava, Salmos 127.4,5. Ao ou­tro, ela chamou de Aser (feliz), julgando-se feliz por ele, e prometendo-se que os seus vizinhos assim a julgariam: as filhas me terão por bem-aventurada, v. 13. Observe que é um exemplo da futilidade do mundo, e da tolice que se acumula em nossos corações, 0 fato de que a maioria das pessoas se valorize e se governe mais pela reputa­ção do que pela razão, ou pela religião. Elas se julgam abençoadas se as filhas apenas as chamarem assim. Ha­via muita coisa errada na disputa e na competição entre estas duas irmãs, mas ainda assim Deus produziu 0 bem a partir deste mal. Pois, como era chegado 0 tempo em que a semente de Abraão deveria começar a crescer e se multiplicar, a família de Jacó cresceu, passando a ser

formada por doze filhos, chefes de milhares de Israel, de quem as famosas doze tribos descenderam, e cujos nomes receberam.

w. 14-24Aqui temos:

I Léia fértil outra vez, depois de ter, por algum tempo, ficado sem engravidar. Aparentemente, Jacó tinha

mais relações com Raquel do que com Léia. A lei de Moi­sés considera este um caso comum: quando um homem tivesse duas mulheres, uma seria amada e a outra aborre­cida, Deuteronômio 21.15. Mas com 0 tempo, as fortes pai­xões de Raquel a levaram a uma barganha com Léia, que restituiria Jacó aos seus aposentos. Rúben, um menino de cinco ou seis anos, brincando no campo, encontrou man- drágoras, dudoÀm. Não se sabe ao certo 0 que eram as mandrágoras, e os críticos não chegam a um acordo sobre elas. Nós estamos certos de que eram algumas raridades, talvez frutos ou flores com cheiro agradável, Cantares 7.13. Observe que 0 Deus da natureza proveu não so­mente para as nossas necessidades, mas também para os nossos prazeres. Existem produtos da terra expostos nos campos e também protegidos nos jardins, que são muito valiosos e úteis. Com que abundância a casa da natureza é provida, e a sua mesa, posta! Seus frutos preciosos se ofe­recem para serem colhidos pelas mãos dos pequeninos. É um costume louvável dos judeus devotos, quando encon­tram prazer, digamos, por exemplo, ao comer uma maçã, elevar seus corações e dizer: “Bendito seja aquele que fez esta fruta tão agradável!”, ou, ao sentir 0 perfume de uma flor: “Bendito seja aquele que fez esta flor tão agradável”. Alguns pensam que estas mandrágoras eram jasmins.O que quer que elas fossem, Raquel não pôde suportar vê-las nas mãos de Léia, onde a criança as tinha deixa­do, mas as cobiçou. Ela não pôde suportar a falta destas flores agradáveis, mas desejou comprá-las a qualquer preço. Observe que pode haver grande pecado e tolice no desejo desenfreado por alguma coisa pequena. Léia usa esta vantagem (assim como Jacó se aproveitou de Esaú cobiçando seu guisado vermelho) para obter aquilo que lhe era devido, algo que Raquel não consentiria, de outra maneira. Observe que as paixões fortes freqüentemente atrapalham umas às outras, e aqueles que se apressam por elas ficam constantemente inquietos. Léia está ra­diante porque terá outra vez a companhia do seu marido, para que a sua família possa crescer ainda mais, que é a benção que ela deseja e pela qual ora devotamente, como está indicado no versículo 17, onde lemos que 0 Senhor Deus ouviu Léia. O erudito bispo Patrick sugere, muito apropriadamente, que a verdadeira razão desta disputa das esposas de Jacó pela sua companhia, e 0 fato de que lhe entregassem suas servas como esposas, era o fervo­roso desejo que tinham de cumprir a promessa feita a Abraão (e recentemente renovada a Jacó), de que a sua semente seria como as estrelas do céu, pelo seu número, e que em um de seus descendentes, 0 Messias, todas as na­ções da terra seriam benditas. E ele acredita que estaria abaixo da dignidade desta história sagrada observar estas coisas, sem considerá-las de forma detalhada e cuidadosa. Léia agora foi abençoada com dois filhos. Ao primeiro, ela

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w. 25-36 GÊNESIS 30 154deu o nome de Issacar (um pagamento), reconhecendo que tinha sido paga pelas suas mandrágoras, ou melhor (o que é uma estranha interpretação da providência) que ti­nha sido recompensada por dar a sua serva ao seu marido. Observe que usamos mal a misericórdia de Deus quando julgamos que os seus favores estimulam e beneficiam as nossas tolices. Ao outro, deu o nome de Zebulom (habita­ção), reconhecendo a generosidade de Deus para com ela: Deus me deu a mim uma boa dádiva, v. 20. Jacó não tinha lhe comprado dote quando se casou com ela, nem tinha os recursos necessários. Mas ela não considera uma família de filhos como uma lista de contas a pagar, mas como um bom dote, Salmos 113.9. Ela promete a si mesma que teria mais a companhia do seu esposo, agora que lhe tinha dado seis filhos, e que, pelo menos por amor aos seus filhos, ele iria visitar os seus aposentos freqüentemente. É mencio­nado (v. 21) o nascimento de uma filha, Diná, por causa da história a seguir, que fala a respeito dela, cap. 84. Talvez Jacó tenha tido outras filhas, embora os seus nomes não estejam registrados.

n Finalmente, Raquel engravida (v. 22): Lembrou- se Deus de Raquel - da quem parecia ter se es­

quecido, e ouviu àquela cujas orações tinham recebido uma resposta negativa por tanto tempo. E ela teve um filho. Observe que assim como Deus, com razão, nega a misericórdia que nós desejamos de forma desenfreada, ás vezes Ele também por fim concede graciosamente aquilo que tanto esperamos. O Senhor pune a nossa to­lice, mas ainda assim considera a nossa estrutura, e não contende para sempre. Raquel chamou ao seu filho de José, que em hebraico é semelhante a duas palavras de significado contrário, Asafe (abstulit): Ele retirou a mi­nha vergonha, como se a maior misericórdia que tivesse tido através do seu filho fosse o fato de que tinha sal­vado a sua credibilidade. E Jasaph (aâdidit): O Senhor me acrescente outro filho, o que pode ser considerado como a expressão do seu desejo desenfreado (ela mal sabia como agradecer por um filho, até que pudesse ter a certeza de outro), ou da sua fé - ela interpreta esta mi­sericórdia como um penhor de outra misericórdia. “Deus me deu a sua graça? Então posso chamá-lo de José, e dizer que o Senhor me dará mais graça! O Senhor me deu a sua alegria? posso chamá-lo de José, e dizer que o Senhor me dará mais alegria. Ele começou esta obra, e não a terminará?”

O Acordo de Jacó com Labãow. 25-36

Aqui temos:

I Os pensamentos de Jacó sobre a sua terra. Ele tinha servido fielmente a Labão durante o tempo acorda­

do, mesmo em seu segundo aprendizado, embora fosse um homem velho, tivesse uma grande família para sus­tentar, e já fosse hora de se estabelecer de forma inde­pendente. Embora o serviço a Labão fosse árduo, e este tivesse enganado Jacó no primeiro acordo que tinham feito, ainda assim Jacó cumpriu os seus compromissos honestamente. Observe que um homem bom, ainda que

jure com dano próprio, não mudará. E embora outros nos tenham enganado, não seremos justificados se os enganarmos. A nossa regra é agir como gostaríamos que agissem conosco, e não como agirem conosco. Tendo expirado o período de Jacó, ele pede permissão para ir embora, v. 25. Observe: 1. Jacó conserva o seu afeto pela terra de Canaã, não somente porque era a terra do seu nascimento, e o seu pai e a sua mãe estavam ali, e ele de­sejava muito vé-los, mas porque era a terra da promessa. E, como sinal da sua confiança na promessa, embora pe­regrine em Harã, ele não pode, de maneira alguma, pen­sar em se estabelecer ali. Assim nós devemos nos sentir com relação à nossa pátria celestial, considerando-nos como peregrinos aqui, considerando a pátria celestial como a nossa pátria, e desejando ardentemente estar ali, tão logo os dias do nosso serviço na terra estejam con­tados e concluídos. Não devemos pensar em criar raízes aqui, pois este não é o nosso lugar, nem a nossa terra, Hebreus 13.14. 2. Ele estava desejoso de ir a Canaã, embora tivesse uma grande família para levar consigo, e ainda não tivesse feito nenhuma provisão para esta. Ele tinha esposas e filhos vivendo com Labão, mas nada além disto. Mas ainda assim ele não pede que Labão lhe dê algo, seja um dote para as suas esposas, seja um susten­to para os seus filhos. Não, tudo o que ele pede é: Dá-me os meus filhos e as minhas mulheres, e ir-me-ei, w. 25,26. Observe que aqueles que confiam em Deus, na sua pro­vidência e promessa, embora tenham famílias grandes e rendas baixas, podem alegremente esperar que aquele que envia as bocas enviará o alimento necessário. Aquele que alimenta os filhos dos corvos não deixará que a se­mente dos justos passe fome.T T O desejo de Labão, de que Jacó fique, v. 27. Por JL1 amor a si mesmo, e não a Jacó ou às suas esposas ou aos seus filhos, Labão se esforça para persuadi-lo a continuar sendo o seu principal pastor, suplicando, pela consideração que lhe tinha, que não lhe deixasse: Se, agora, tenho achado graça a teus olhos, fica comigo. Ob­serve que os homens avarentos e egoístas sabem como usar boas palavras quando se trata se servir aos seus próprios interesses. Labão descobriu que o seu rebanho tinha crescido de forma assombrosa através da boa ad­ministração de Jacó, e ele reconhece isto com excelen­tes expressões de respeito, tanto por Deus quanto por Jacó: Tenho experimentado que o Senhor me abençoou por amor de ti. Observe: 1. Como Labão aprendeu: Te­nho experimentado. Observe que existem muitas lições boas e proveitosas para serem aprendidas por experiên­cia. Seremos alunos muito inaptos se não aprendermos por experiência quão mal é o pecado, quão traiçoeiro é o nosso próprio coração, quão fútil é este mundo, quão grande é a bondade de Deus, as vantagens da santida­de, e assuntos semelhantes. 2. A lição que ele aprendeu. Labão reconhece: (1) Que a sua prosperidade se devia à benção de Deus: O Senhor me abençoou. Observe que os homens mundanos, que escolhem a sua porção nesta vida, são freqüentemente abençoados com uma abun­dância dos bens deste mundo. As bênçãos comuns são dadas abundantemente a muitos que não têm direito às bênçãos do concerto. (2) Que a piedade de Jacó tinha trazido esta benção à vida de Labão: O Senhor me aben-

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155 GÉNESIS 30 w. 37-43çoou, não por amor a mim (um homem como Labão, que vive sem Deus no mundo, não deve pensar que receberá do Senhor alguma coisa, Tiago 1.7), mas por amor de ti. Observe: [1] Os homens bons são bênçãos para os luga­res onde vivem, mesmo quando vivem de maneira mise­rável e obscura, como Jacó no campo, e José na prisão, cap. 39.23. [2] Deus freqüentemente abençoa os homens ímpios com misericórdias externas, por causa dos seus parentes que são fiéis ao Senhor, embora raramente te­nham a inteligência necessária para enxergar isto, ou a graça para reconhecer isto, como Labão enxergou e re­conheceu aqui.

O novo concerto que eles fizeram. A astúcia e cobiça de Labão se aproveitaram da simplicida­

de, honestidade e boa índole de Jacó. E, percebendo que Jacó começava a se render pelas suas palavras bonitas, em vez de fazer-lhe uma generosa e elevada oferta, como deveria ter feito, considerando tudo, ele deixa a cargo de Jacó que faça as suas exigências (v. 28): Determina-me o teu salário, sabendo que ele seria muito modesto, e pedi­ria menos do que Labão se envergonharia por oferecer. Conseqüentemente, Jacó lhe faz uma proposta, em que:

1. Ele mostra as razões que tinha para insistir no que pediu, considerando: (1) Que Labão era obrigado, por gratidão, a fazer-lhe o bem, porque ele não somen­te o tinha servido fielmente, mas de uma forma muito bem sucedida, v. 30. Ainda assim, observe como ele fala, de si mesmo, com muita modéstia. Labão tinha dito, O Senhor me abençoou por amor de ti; .Jacó não dirá isto, mas, o Senhor te tem abençoado por meu trabalho. Ob­serve que as almas humildes sentem mais satisfação em fazer o bem do que em ouvir sobre o evento outra vez. (2) Que o próprio Jacó era obrigado, por dever, a cuidar da sua própria família: Agora, pois, quando hei de trabalhar também por minha casa? Observe que a fé e a caridade, embora sejam coisas excelentes, não devem nos impedir de fazer as provisões necessárias para o nosso próprio sustento, e das nossas famílias. Nós devemos - como Jacó- confiar no Senhor e fazer o bem. E também devemos, como ele, prover para as nossas próprias casas. Aquele que não o faz é pior do que o infiel, 1 Timóteo 5.8.

2. Jacó está disposto a se entregar à providência de Deus, que - ele sabe - se estende às menores coisas, até mesmo à cor do gado. E ficará satisfeito em ter, como salário, os cordeiros e as cabras de determinadas cores, salpicados, malhados e morenos, que daí por diante deve­riam nascer, w. 32,33. Esta, pensa Jacó, será uma maneira eficaz de impedir que Labão o engane, e de se proteger de que alguém suspeite que ele estivesse enganando Labão. Alguns pensam que ele escolheu estas cores porque em Canaã eram as mais desejadas e apreciadas. Seus pasto­res em Canaã são chamados Nekohim (Am 1.1), a pala­vra aqui usada para salpicados. Labão estava disposto a concordar com este concerto porque pensava que se os poucos que ele tinha agora, que eram salpicados e malha­dos, fossem separados dos demais - algo que pelo acordo deveria ser feito imediatamente - o rebanho de que Jacó iria se ocupar, sendo de uma única cor, ou todo preto ou todo branco, produziria poucos ou nenhum exemplar com as cores misturadas, e assim ele teria o serviço de Jacó por nada, ou quase nada. Conforme este acordo, aqueles

poucos que tinham cores misturadas foram separados, e colocados nas mãos dos filhos de Labão, e enviados em uma viagem de três dias. Tão grande era a inveja de La­bão, para que nenhum destes animais se misturasse com os demais do rebanho, o que favoreceria Jacó. E que belo acordo -Jacó tinha conseguido para si mesmo! Esta é a sua provisão pela sua própria casa, colocar-se em tal incer­teza? Se estes animais produzirem - como normalmente acontece com o gado - filhotes das mesmas cores que eles mesmos, .Jacó serviria Labão por nada, e seria um escravo e um mendigo durante todos os dias da sua vida. Mas ele sabia em quem estava confiando, e o resultado mostrou: (1) Que Jacó tomou o melhor caminho que poderia ser tomado com Labão, que, de outra maneira, certamente teria sido muito duro com ele. E: (2) Que não foi em vão que Jacó confiou na providência divina, que reconhece e abençoa o trabalho honesto e humilde. Aqueles que jul­gam injustos e cruéis os homens com quem negociam, não pensarão isto a respeito de Deus, mas, de uma maneira ou de outra, Ele irá recompensar os prejudicados, e será sempre o Senhor que paga bem àqueles que entregam a sua causa a Ele.

A Política Ingênua de Jaców. 37-43

Aqui está a política honesta de Jacó, de fazer este acordo mais vantajoso para si mesmo do que provavel­mente o seria. Se ele não tivesse tomado algum cami­nho para ajudar a si mesmo, teria realmente sido um mau acordo. Ele sabia que Labão jamais consideraria, ou melhor, ficaria muito satisfeito por ver que Jacó saía perdendo com este acordo. Labão jamais se importaria com os interesses de qualquer pessoa, exceto com os seus próprios. Os detalhes do plano de Jacó foram os seguintes: 1. Colocar varas descascadas diante do gado, onde eles bebiam água, para que, olhando para estas va­ras incomuns, de duas cores, pelo poder da imaginação, pudessem gerar filhotes igualmente com duas cores, vv. 37-39. Este provavelmente fosse um método usado pelos pastores de Canaã, que procuravam ter o seu gado desta cor diversificada. Observe que convém que um homem domine o seu negócio, qualquer que seja, e que ele seja não somente trabalhador, mas inventivo nele. Este deve ser versado em todas as suas artes e mistérios, desde que lícitos. Pois o que é um homem, senão o seu negó­cio? Existe uma sabedoria e um discernimento que Deus dá ao lavrador (que desempenha um trabalho essencial para a humanidade), e que este deve sempre aproveitar, Isaías 28.26. 2. Quando .Jacó começou a ter um rebanho de animais malhados, salpicados e morenos, ele planejou separá-los, e colocar as faces dos demais voltadas para estes, com o mesmo objetivo da idéia anterior. Mas não colocou os seus, que eram de uma cor, v. 40. Fortes im­pressões, aparentemente, são causadas pelos olhos. Por­tanto, devemos fazer um concerto com os nossos olhos.3. Quando percebeu que o seu projeto estava sendo bem sucedido, pela benção especial de Deus, Jacó planejou, usando somente o gado mais forte, guardar para si mes­mo aqueles que eram mais valiosos, deixando os mais fracos para Labão, w. 41,42. Desta maneira Jacó cresceu

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w. 1-16 GÊNESIS 31 156em grande medida (v. 43), e enriqueceu em pouco tempo. Este sucesso de seu método, é verdade, não seria sufi­ciente para justificá-lo, se houvesse algo fraudulento ou injusto em si. Porém temos a certeza de que não havia, pois ele o fez por orientação divina (cap. 31.12). Também não havia nada nos fatos em si, exceto o aproveitamen­to honesto de um bom acordo, que a providência divina fez prosperar de um modo maravilhoso. Este resultado seria tanto uma justiça para Jacó - a quem Labão tinha prejudicado, e a quem tinha tratado de um modo injusto e mau - como também o prosseguimento das promessas particulares que foram feitas a Jacó, e que eram os sinais do favor divino. Observe que aqueles que, embora tendo um início pequeno são trabalhadores, humildes, hones­tos, e satisfeitos, terão uma grande probabilidade de ver um enorme crescimento em seu final. Aquele que for fiel naquilo que pertencer a outra pessoa, será abençoado: ser-lhe-ão confiados bens que serão seus. Jacó, que tinha sido um servo justo, tornou-se um rico senhor.

LAPÍTULO 3 IJacó era um homem muito honesto e bom, um homem de grande devoção e integridade. No en­tanto, ele teve mais dificuldades e problemas do que qualquer dos patriarcas. Ele deixou a casa de seu pai em uma briga, foi para a casa de seu tio em aflição, ali enfrentou um costume muito difí­cil, e agora está voltando cercado de medos. Aqui está: I. A sua decisáo de voltar, w. 1-16. II. A sua saída clandestina, w. 17-21. III. A perseguição de Labão a ele em desagravo, w. 22-25. IV As pala­vras quentes entre eles, w. 26-42. V Finalmente, o acordo amigável deles, v. 4-3ss.

A Partida de Jaców. 1-16

•Jacó estava aqui tomando uma decisão imediata de abandonar o serviço de seu tio, pegar o que possuía e vol­ta r para Canaã. Esta decisão ele tomou por um motivo justo, por direção divina, e com o conselho e consenti­mento de suas mulheres.T Por um motivo justo. Porque Labão e seus filhos ha- JL viam se tornado rabugentos e mal-humorados com relação a ele, de forma que ele não podia permanecer entre eles com segurança e satisfação.

1. Os filhos de Labão mostraram a sua má vonta­de no que disseram, v. 1. Parece que eles disseram isto para que Jacó ouvisse, com o propósito de atormentá-lo. 0 último capítulo começou com a inveja de Raquel por Léia. Este começa com a inveja dos filhos de Labão por Jacó. Observe: (1) Como eles enaltecem grandemente a prosperidade de Jacó: Ele alcançou toda esta glória. E que glória era esta sobre a qual eles faziam tanto alarde? Era um bando de ovelhas malhadas e bodes salpicados (e talvez as belas cores os fizessem parecer mais glorio­sos), e alguns camelos e jumentos, e alguns negócios. E

isto era “toda esta glória.” Observe que as riquezas são coisas gloriosas aos olhos das pessoas carnais, enquanto aqueles que são conhecedores das coisas celestiais não possuem nenhuma glória em comparação com a glória que se destaca. A riqueza terrena e supervalorizada dos homens é o erro fundamental que é a raiz da cobiça, da inveja e de todos os males. (2) Como eles lançam dúvidas de modo desprezível sobre a fidelidade de Jacó, como se o que ele tinha não tivesse sido adquirido honestamen­te: Jacó tem tomado tudo o que era de nosso pai. Não tudo, com certeza. 0 que aconteceu com o gado que foi entregue aos cuidados dos filhos de Labão, que estavam há três dias de caminho de distância? cap. 30.35,36. Eles querem dizer tudo o que foi confiado a Jacó. Mas, falando odiosamente, eles se expressam, assim, de um modo ge­ral. Observe: [1] Aqueles que sempre se preocupam em manter uma boa consciência nem sempre conseguem ter a certeza de um bom nome. [2] Esta é uma das futilidades e aborrecimentos que advém da prosperidade exterior, que fazem um homem ser invejado por seus vizinhos (Ec 4.4), e quem poderá parar perante a inveja? Provérbios27.4. Aquele a quem o céu abençoa o inferno amaldiçoa, juntamente com todos os seus filhos na terra.

2. O próprio Labão disse pouco, mas o seu semblante, em relação a Jacó, já não era como costumava ser. E Jacó não podia deixar de notar isso, w. 2,5. Labão era, na me­lhor hipótese, apenas um camponês rude. Mas agora ele se mostrava mais grosseiro do que antes. Observe que a inveja é um pecado que freqüentemente aparece no semblante. Por isso lemos sobre o olho mau, Provérbios23.6. Olhares ranzinzas contribuem muito para a ruína da paz e do amor em uma família, e para a perturbação daqueles com quem devemos ser carinhosos, buscando o seu conforto. O semblante raivoso de Labão fez com que ele perdesse a maior bênção que a sua família já teve, e com um motivo justo.T i| Por direção divina e sob a proteção de uma pro- JL A. messa: E disse o Senhor a Jacó: Torna à terra dos teus pais e à tua parentela, e eu serei contigo, v. 3. Embora Jacó tenha enfrentado um costume muito difícil aqui, ele não abandonaria o seu lugar até que Deus lhe ordenasse. Ele chegou ali por ordens vindas do céu, a ali ele permaneceria até que recebesse ordem para voltar. Observe que é o nosso devei' nos colocarmos de pron­tidão, e será o nosso consolo vermos a nós mesmos sob a direção de Deus, tanto na nossa saída como na nossa entrada. A instrução que Jacó teve do céu é mais plena­mente narrada no relato que ele apresenta, a esse res­peito, às suas mulheres (v. 10-13), onde lhes conta sobre um sonho que havia tido sobre um gado, e do extraordi­nário aumento dele em função de sua cor. E como o anjo de Deus, neste sonho (pois acredito que o sonho men­cionado no versículo 10 seja o mesmo do versículo 11), notou as operações de sua imaginação em seu sono, e o instruiu, de forma que não foi por acaso, ou por sua pró­pria esperteza, que ele obteve aquela grande vantagem. Mas: 1. Pela providência de Deus, que havia notado as dificuldades que Labão colocava para Jacó, e usou esta maneira para recompensá-lo: “Porque tenho visto tudo o que Labão te fez, e aqui a isso observo”. Observe que há mais igualdade nas distribuições da providência divi­

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157 GÊNESIS 31 w. 17-24na do que estamos cientes, e por elas os ofendidos são realmente recompensados, embora não se perceba isso. Também não foi apenas pela justiça da providência que Jacó enriqueceu, mas: 2. Xo cumprimento da promessa sugerida nas palavras do versículo 13: Eu sou o Deus de Betei. Este foi o lugar onde a aliança foi renovada com ele. Observe que a prosperidade e o sucesso terrenos são duplamente doces e confortáveis quando as vemos fluin­do, não da providência comum, mas da aliança de amor, para trazer a misericórdia prometida - quando a temos da parte de Deus, como o Deus de Betei, das promessas da vida que agora pertencem à piedade. Mesmo tendo esta perspectiva esperançosa de se tornar rico com La- bão, Jacó tinha que pensar em voltar. Quando o mundo começa a sorrir para nós devemos nos lembrar de que este não é o nosso lar. Levanta-te agora (v. 13) e sai-te desta terra: (1) Em direção às tuas devoções em Canaã. às solenidades que talvez tivessem estado em boa parte interrompidas enquanto Jacó esteve com Labão. É como se Deus tivesse feito “vistas grossas” a este período de servidão. Mas agora: “Volta para o lugar onde tu ungiste o pilar e fizeste o voto. Agora que começaste a enrique­cei; é hora de pensar novamente em um altar e sacrifí­cios.” (2) Aos teus confortos em Canaã: Torna-te à terra da tua parentela. Jacó estava aqui entre os seus paren­tes mais próximos. Mas ele só poderia considerar como seus parentes, no melhor sentido, aqueles com quem ele deveria viver e morrer, aqueles que pertenciam à alian­ça. Observe que os herdeiros de Canaã jamais devem se considerar em casa até chegarem ali, embora possam parecer fincar raízes aqui.

nT Com o conhecimento e consentimento de suas JL mulheres. Note:

1. Enviou -Jacó e chamou a Raquel e a Léia ao campo (v. 4), para que pudesse conversar com elas em particular. Porque uma não iria aos aposentos da outra, e ele queria conversar com as duas juntas, ou porque ele tinha muito trabalho a fazer no campo e não poderia sair. Observe que os maridos que amam as suas esposas transmitirão a elas os seus objetivos e intenções. Onde houver um afeto mútuo haverá uma confiança mútua. E a prudência da esposa fará com que o coração do seu marido confie nela. Provérbios 31.11. Jacó disse às suas esposas: (1)0 quanto ele havia servido fielmente ao pai delas, v. 6. Observe que mesmo que outros não cumpram as obrigações que têm para conosco, nós teremos o conforto de ter cumprido as nossas obrigações em relação a eles. (2) De que modo infiel o pai delas havia tratado Jacó, v. 7. Labão nunca se manteve fiel a nenhum acordo feito com ele, mas, depois do primeiro ano, mesmo vendo a Providência favorecer Jacó com a cor combinada no trato, cada meio ano dos cinco restantes ele mudava para alguma outra cor, o que aconteceu por dez vezes. Como se pensasse não só em enganar Jacó, mas à Providência divina, que manifesta- damente sorria a favor de Jacó. Observe que aqueles que agem honestamente nem sempre são tratados da mesma forma. (3) Como Deus havia guardado Jacó. Ele o havia protegido da má vontade de Labão: Porém Deus não lhe permitiu que me fizesse mal. Observe que aqueles que permanecem perto de Deus serão mantidos em seguran­ça por Ele. Deus também havia suprido abundantemen­

te as necessidades de Jacó, apesar do plano de Labão de prejudicá-lo: Deus tirou o gado de vosso pai e mo deu a mim, v. 9. Assim, o Deus justo pagou Jacó por seu trabalho árduo na propriedade de Labão da mesma for­ma como, mais tarde, Ele pagou a semente de Jacó por servir aos egípcios, entregando-lhes os seus despojos. Lembre-se de que Deus não é injusto para se esquecer do trabalho e do serviço amoroso do seu povo, embora os homens se esqueçam, Hebreus 6.10. A Providência tem meios de tornar honestos aqueles que não sáo assim em seus propósitos. Observe, além disso, que a riqueza do pecador é depositada para o justo, Provérbios 13.22. (4) Jacó lhes contou sobre a ordem que Deus lhe havia dado, em um sonho, para voltar para a sua própria terra (v. 13). Assim elas não deveriam suspeitar que a sua decisão se originasse da inconstância, ou de qualquer desafeto em relação à sua terra ou família, mas que pudessem ver esta atitude como procedente de um princípio de obedi­ência ao seu Deus, e de dependência dele.

2. As mulheres de Jacó alegremente consentiram com a sua decisão. Elas também apresentaram as suas queixas, reclamando que seu pai não só havia sido maldo­so, mas injusto com elas (w. 14-16), que ele olhava para elas como estranhas, e que não tinha nenhum afeto na­tural por elas. E, como Jacó havia considerado a rique­za que Deus havia transferido de Labão para ele como seu salário, elas a consideravam a sua parte na herança. De forma que, em ambos os casos, Deus forçou Labão a pagar as suas dívidas, tanto ao seu servo como às suas filhas. Sendo assim, pareceu que: (1) Elas estavam far­tas de seu próprio povo e da casa de seu pai, e poderiam facilmente se esquecer deles. Observe que devemos fa­zer um bom uso da maldade que encontramos no mundo. Devemos nos desprender do mundo, estando dispostos a deixá-lo e desejosos de estar em nosso lar eterno. (2) Elas estavam dispostas a acompanhar o seu marido, colocando-se sob a direção divina: Agora, pois, faze tudoo que Deus te tem dito. Observe que as esposas que são auxiliadoras de seus maridos jamais serão obstáculos para a chamada do Senhor na vida deles.

w. 17-24Aqui está:

Y Jacó fugindo de Labão. Podemos supor que por1 muito tempo ele havia pensado e planejado este as­sunto. Mas agora que finalmente Deus lhe havia dado ordens positivas para ir, ele não se demoraria, nem seria desobediente à visão celestial. Ele agarrou a primeira oportunidade que lhe foi oferecida, quando Labão es­tava tosquiando as ovelhas (v. 19), aquela parte de seu rebanho que estava nas mãos de seus filhos há três dias de caminho de distância. Agora: 1. É certo que era líci­to para Jacó deixar o seu serviço repentinamente, sem dar aviso prévio. Não só era justificado pelas instruções específicas que Deus lhe deu, mas garantido pela lei fundamental da auto-preservação que nos guia quando estamos em perigo, pela qual podemos e devemos nos mudar em benefício da nossa própria segurança, desde que possamos fazer isso sem causar danos às nossas

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w. 25-35 GÊNESIS 31 158consciências. 2. Foi sua prudência sair às escondidas sem que Labão o soubesse, para que. se Labão ficas­se sabendo, não o impedisse nem o roubasse. 3. Jacó agiu honestamente ao levar consigo não mais do que lhe pertencia, ou seja, o seu gado e toda a sua fazenda que havia adquirido, v. 18. Ele levou aquilo que a Provi­dência lhe deu, e estava satisfeito com isso, e não queria tomar a reparação de seus prejuízos em suas próprias mãos. No entanto, Raquel não era tão honesta quanto o seu marido. Ela furtou os ídolos que seu pai tinha (v. 19) e os levou consigo. Em hebraico, estes são chama­dos de terafins. Alguns entendem que eles eram apenas pequenas representações dos antepassados da família, em estatuetas ou figuras, e que Raquel tinha por estes objetos um apego particular e desejava possuí-los, ago­ra que estava indo para uma outra terra. Mas parece que se tratava de imagens utilizadas para fins religio­sos, penates, deuses caseiros, adorados ou consultados como oráculos. E estamos inclinados a esperar (como o bispo Patrick) que ela os levou embora não devido a cobiça pelo metal valioso de que eles eram feitos, muito menos para o seu uso pessoal, ou por qualquer temor supersticioso de que Labão, consultando os seus tera­fins, pudesse saber por qual caminho eles haviam par­tido (Jacó, sem dúvida, convivia com suas esposas como um homem que conhecia a Deus, e elas recebiam este conhecimento através da vida dele), mas com o propósi­to de convencer o seu pai da loucura que era o respeito que ele tinha por estes deuses, que sequei' poderiam proteger a si mesmos, Isaías 46.1,2.*|.. r A perseguição de Labão a Jacó. Notícias foramX I levadas a ele, no terceiro dia, de que Jacó havia fugido. Ele imediatamente convoca toda a família, toma seus irmãos, isto é, os parentes de sua família, que ti­nham interesse por ele, e persegue Jacó (como Faraó e seus egípcios mais tarde perseguiram a semente de Jacó), para levá-lo de volta em servidão outra vez, ou pretendendo tirar o que ele possuía. Em uma jornada de sete dias Labão marchou em perseguição a Jacó, v. 23. Labão certamente não teria dedicado a metade des­te trabalho para visitar os seus melhores amigos. Mas a verdade é que os homens maus farão mais para servir às suas paixões pecaminosas, do que os homens bons farão para servir às suas justas afeições, e são mais veementes em sua ira do que em seu amor. Bem, por fim Labão o al­cançou, e na noite que antecedeu o encontro Deus se in­terpôs na discussão, repreendeu Labão e protegeu Jacó, ordenando a Labão que não falasse a Jacó nem bem nem mal (v. 24), isto é, para não dizer nada contra a sua par­tida e viagem, pois isto procedia do Senhor. Aqui temos um hebraísmo conhecido, cap. 24.50. Labão, durante a sua marcha de sete dias, tinha estado cheio de ira con­tra Jacó, e estava agora cheio de esperança de que o seu desejo ardente fosse satisfeito nele (Êx 15.9). Mas Deus vem até ele, e com uma só palavra ata-lhe as mãos, embo­ra ele não converta o seu coração. Note: 1. Em um sonho, e em cochilos na cama, Deus tem maneiras de abrir os ouvidos dos homens, impedindo os planos que eles têm, Jó 33.15,16. Assim Ele admoesta os homens através de suas consciências, e de sussurros secretos, aos quais o homem que tem sabedoria ouvirá e dará atenção. 2. A

segurança dos homens bons se deve, e muito, ao domínio que Deus tem sobre as consciências dos homens maus e ao acesso que o Senhor tem à vida deles. 3. Deus sempre se manifesta de forma maravilhosa para livrar o seu povo quando eles estão à margem da ruína. Os judeus foram salvos do plano de Hamã quando o decreto do rei se fez ornar, e estava prestes a ser executado, Ester 9.1.

A Perseguição de Labão a Jaców. 25-35

Temos aqui a argumentação, para não dizer a grande reunião que ocorreu entre Labão e Jacó em seu encon­tro, naquela montanha que mais tarde foi chamada de Gileade, v. 25. Aqui está:"|f A elevada acusação que Labão apresentou contra X Jacó. Ele o acusa:

1. Como um renegado que havia, injustamente, de­sertado o seu serviço. Para representar Jacó como um criminoso, ele faria com que pensassem que a sua in­tenção era demonstrar bondade em favor de suas filhas (w. 27,28), que ele queria se despedir delas com todas as demonstrações de amor e honra possíveis, que ele queria fazer disso algo solene, que ele queria beijar os seus netos pequenos (e isto seria tudo o que ele teria lhes dado). E, de acordo com o tolo costume daquele país, os teria despedido com alegria, e com cânticos, e com tam­boril, e harpa. E não como Rebeca foi enviada saindo da mesma família, mais de 120 anos antes, com orações e bênçãos (cap. 24.60), mas com festa e alegria, o que era um sinal de que a religião havia se deteriorado, e muito, na família, e que eles haviam perdido a sua seriedade. No entanto, ele finge que elas teriam sido tratadas com respeito na partida. Observe que é comum aos homens maus, quando estão desapontados com os seus projetos perversos, fingir que a sua intenção não iria além daquilo que seria bom e justo. Quando eles não conseguem fazer o mal que pretendiam, relutam em expor o que sempre tencionaram. Quando não fazem o que deveriam ter fei­to, eles apresentam alguma desculpa, tentando dizer que teriam feito isto. Assim, os homens podem ser engana­dos, mas ninguém pode enganar a Deus. Ele igualmente sugere que Jacó teve alguma má intenção ao fugir desta forma (v. 26), e que levou as suas esposas como cativas. Observe que aqueles que tencionam o mal são os que mais tendem a dar a pior interpretação àquilo que os ou­tros fazem inocentemente. A insinuação e o agravo dire­cionado a supostos erros são os artifícios de uma malícia planejada, e devem ser representados como um desejo injusto de que o mal sobrevenha àquele a quem o mal foi desejado desde o princípio. Quanto à questão como um todo: (1) Labão se vangloria de seu próprio poder (v. 29): Poder havia em minha mão para vos fazer mal. Ele supu­nha que tinha tanto o direito ao seu lado (uma boa ação, como dizemos, contra Jacó) e a força ao seu lado, tanto para vingar o erro como para recuperar o direito. Note que as pessoas más geralmente se consideram como ten­do poder para fazer o mal, enquanto que o poder para fazer o bem é muito mais valioso. Aqueles que não fazem nada para se tornarem amistosos, adoram sei1 considera­

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159 GÊNESIS 31 w. 36-42dos temíveis. Mas, no entanto: (2) Ele se reconhece como estando sob a censura e a coibição do poder de Deus. E. embora isto redunde muito para o crédito e o conforto de Jacó, ele não consegue evitar lhe contar sobre o aviso que Deus havia lhe dado na noite anterior em um sonho: Guarda-te, que não fales a Jacó nem bem nem mal. Ob­serve que assim como Deus tem todos os instrumentos maus sob seu controle, Ele também pode, quando quer, torná-los cientes disso, e forçá-los a reconhecer isto para o seu louvor, como protetor dos bons, como fez Balaão. Também podemos considerar isso como um exemplo de algum respeito consciencioso sentido por Labão pela expressa proibição de Deus. Mesmo sendo mau, ele não ousaria fazer mal a alguém que ele via ser motivo do cuidado particular do céu. Note que muitas más ações seriam evitadas se os homens tão somente dessem ouvi­dos aos avisos que as suas próprias consciências lhes dão enquanto dormem em suas camas, e levassem em consi­deração a voz de Deus contida nestas advertências.

2. Como u.m ladrão, v. 30. Em vez de reconhecer que tinha dado a Jacó motivos justos para a sua partida, La­bão quer lhe imputar um tolo apego pela casa de seu pai, que fez com que ele precisasse partir. Mas então (Labão diz) por que furtaste os meus deuses? Homem tolo! Cha­mar de seus deuses aquilo que pode ser roubado! Ele poderia por acaso esperar proteção daqueles que não po­diam resistir nem revelar os seus invasores? Felizes são aqueles que têm ao Senhor como seu Deus, pois eles têm um Deus que não pode ser roubado. Os inimigos podem roubar os nossos objetos, mas não o nosso Deus. Aqui Labão acusa Jacó de coisas que ele não conhecia. Esta é a aflição comum da inocência oprimida,T T A defesa de Jacó de si mesmo. Aqueles que en­

tregam a sua causa a Deus, não são proibidos de defendê-la com mansidão e temor. 1. Quanto à acusação de ter fugido com as suas próprias esposas ele esclarece apresentando a verdadeira razão por ter saído escondido de Labão, v. 31. Jacó temia que Labão levasse à força as suas filhas, e assim o obrigasse pelos laços de seu afeto às suas mulheres, a continuar a seu serviço. Note que se pode suspeitar que aqueles que são injustos no pouco, também serão injustos no muito, Lucas 16.10. Se Labão enganou Jacó em seu salário, é provável que ele não te­ria problemas de consciência em roubar as suas esposas, separando aqueles a quem Deus uniu. O que não poderá ser temido da parte dos homens que não têm um princí­pio de honestidade? 2. Quanto à acusação de ter roubado os deuses de Labão, ele alega inocência, v. 32. Jacó não só não os roubou (ele não gostava deles), como também não sabia que eles foram roubados. No entanto, talvez ele te­nha falado precipitadamente e sem pensar quando disse: “Com quem achares os teus deuses, esse não viva”. So­bre isto ele poderia refletir com alguma amargura quan­do, não muito tempo depois, Raquel que os havia furtado morreu de repente em trabalho de parto. Não importa o quanto nos consideremos justos, é melhor evitarmos as maldições, para que elas não se tornem realidade, e de uma forma mais pesada do que imaginamos.

A busca diligente que Labão fez pelos seus deuses (w. 33-35), em parte por ódio a Jacó,

com quem ele alegremente teria uma oportunidade de discutir, em parte por amor aos seus ídolos, com os quais ele estava relutante de se separar. Não achamos que La­bão tenha procurado gado roubado no rebanho de Jacó. Mas ele procurou os seus deuses roubados em seus mó­veis. Labão tinha o pensamento de Mica, Os meus deu­ses tomastes. Que mais me fica agora?, Juizes 18.24. Os adoradores de deuses falsos são tão solícitos em relação aos seus ídolos? Eles andam no nome de seus deuses? E não seremos nós tão determinados em nossa busca pelo Deus verdadeiro? Quando o Senhor justamente se afasta de nós. como devemos cuidadosamente perguntar, Onde está Deus, o meu Criador? Ali! Se eu soubesse que o poderia achar!, Jó 23.3. Labão, depois de todas as suas buscas, não conseguiu encontrar os seus deuses, e foi frustrado em sua investigação com uma falsidade. Maso nosso Deus não só será achado por aqueles que o bus­carem, mas aqueles que o buscarem o encontrarão como seu abundante galardoador.

w. 36-42 Veja nestes versículos:

I O poder da provocação. O temperamento natural de Jacó era sereno e calmo, e a graça o havia me­

lhorado. Ele era um homem tranqüilo, e simples. No entanto, as maneiras irracionais de Labão em relação a ele o levaram a uma exasperação que o transportou a alguma veemência, w. 36,37. Embora a sua atitude para com Labão possa merecer algum tipo de aprovação, ela não era justificável, nem foi escrita para que a imitemos. Palavras cruéis fomentam a ira, e geralmente apenas pioram aquilo que já é ruim. E uma grande afronta para alguém que possui uma mente honesta ser acusado de desonestidade, e até mesmo nisto devemos aprender a ser pacientes, entregando a nossa causa a Deus.; p O conforto de uma boa consciência. Esta era a

alegria de Jacó, que quando Labão o acusou, a sua própria consciência o absolveu, e testemunhou a seu favor de que ele com disposição e cuidado vivia ho­nestamente, Hebreus 13.18. Note que aqueles que em qualquer atividade têm agido fielmente, mesmo que não consigam obter o crédito disso por parte dos homens, te­rão o conforto disso em seu próprio íntimo.

O caráter de um servo bom, e particularmen- X JL X te de um pastor fiel. Jacó já havia provado ser assim, w. 38-40. 1. Ele era muito cuidadoso, de forma que, devido à sua supervisão, as ovelhas não abortavam. A sua piedade também obteve uma bênção sobre os bens de seu senhor, que estavam sob os seus cuidados. Ob­serve que os servos devem cuidar daquilo que lhes foi confiado por seus senhores da mesma forma que cuida­riam se tudo fosse sen. 2. Ele era muito honesto, e não tomou para a sua própria alimentação nada do que não havia sido autorizado. Ele se contentava com um alimen­to simples, e não cobiçava os banquetes com os carneiros do rebanho. Note que os servos não devem ser exigentes no que se refere à sua comida, nem cobiçar o que lhes é

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w. 43-55 GÊNESIS 31 160proibido. Mas neste, e em outros casos, devem demons­tra r toda a sua boa fidelidade. 3. Ele era muito trabalha­dor, v. 40. Ele se dedicava ao seu trabalho, em qualquer condição de tempo. E suportou tanto o calor como o frio com uma paciência invencível. Observe que os homens de negócio, que tiverem a intenção de prosperar, deverão decidir suportar as dificuldades. Jacó é aqui um exem­plo aos ministros. Eles também são pastores, de quem é exigido que sejam leais e verdadeiros à confiança neles depositada, mantendo a disposição para sofrer.

O caráter de um senhor severo. Labão tinha sido assim para Jacó. São maus senhores aque­

les: 1. Que exigem de seus servos aquilo qu.e é injusto, obrigando-os a ressarcir aquilo que não foi danificado por culpa deles. Labão fez isto, v. 39. Se houve negligên­cia, é injusto punir acima da proporção do erro. Este pode ser um prejuízo insignificante para o senhor, mas que para o servo pobre seria quase a ruína. 2. São tam­bém senhores maus aqueles que negam aos seus servos aquilo que é justo e merecido. Isto Labão fez, v. 41. Foi irracional da parte dele fazer Jacó servir por suas filhas, quando ele tinha por direito tão grandes bens garantidos pela promessa do próprio Deus. Também foi irracional dar-lhe as suas filhas sem as partilhas, quando estava no poder de suas mãos fazer o bem por elas. Assim ele roubou o pobre porque ele era pobre, como também fez mudando o seu salário.

V O cuidado da providência para a proteção da ino­cência ferida, v. 42. Deus reconheceu a injustiça feita a Jacó, e lhe fez uma compensação. De outra forma

Labão teria despedido Jacó vazio. O Senhor também re­preendeu a Labão, que de outra forma teria destruído Jacó. Observe que Deus é o protetor dos oprimidos. E aqueles que são injustiçados porém não são arruinados, abatidos porém não destruídos, devem reconhecê-lo em sua preservação e dar-lhe glória por isto. Observe: 1. Jacó fala de Deus como o Deus de seu pai, sugerindo que ele se considerava indigno de ser assim tratado, mas era amado por causa do pai. 2. Ele chama o Senhor de Deus de Abraão, e de Temor de Isaque. Porque Abraão estava morto, e havia ido para o mundo onde o amor perfeito lança fora o medo. Mas Isaque ainda estava vivo, santifi­cando ao Senhor em seu coração, como seu temor.

A Aliança de Jacó com Labãow. 43-55

Temos aqui a solução do problema entre Labão e .Jacó. Labão não tinha nada a dizer em resposta ao protesto de •Jacó. Ele não poderia justificar a si mesmo nem condenar Jacó, mas foi convencido pela sua própria consciência da injustiça que lhe havia feito. Portanto, não queria ouvir mais nada a respeito do assunto. Labão não está disposto a reconhecer o seu erro, nem pedir perdão a Jacó, e dar- lhe esta satisfação, como deveria ter feito. Mas:

I Labão evita isso fazendo uma profissão de bondade pelas mulheres e filhos de Jacó (v. 43): Estas filhas

são minhas filhas. Não se desculpando pelo que havia fei­

to, Labão, na prática, reconhece o que deveria ter feito. Ele deveria tê-las tratado como suas, mas ele as havia tratado como estranhas, v. 15. Note que é comum para aqueles que estão desprovidos de afeto natural fingirem que se importam quando lhes convém. Ou talvez Labão tenha dito isto por vaidade, como alguém que gostava de se expressar com grandeza, usando grandes palavras de vanglória: “Tudo o que vês, meu é”. Não era assim. Era tudo de Jacó, e ele havia pago caro por isso. No entanto Jacó permitiu que ele falasse, percebendo que o seu hu­mor estava se tornando melhor. Observe que o desejo de propriedade mora perto do coração das pessoas te r­renas. Elas adoram se vangloriar: “Isto é meu, e aquilo outro também é meu”, como Nabal, 1 Samuel 25.11, o meu pão, e a minha água.

n Ele propõe uma aliança de amizade entre eles, com a qual Jacó prontamente concorda, sem in­sistir na submissão de Labão, muito menos a sua repara­ção. Note que quando as discussões acontecem, devemos estar dispostos a reatar a nossa amizade em quaisquer

termos: a paz e o amor são jóias tão valiosas que mal podemos comprá-las. É melhor parecer que estamos derrotados, do que darmos prosseguimento a alguma discussão. Agora observe aqui:

1. A essência desta aliança. Jacó deixou que Labão a estabelecesse totalmente. O teor dela era: (1) Que Jacó deveria ser um bom marido para as suas esposas, que ele não deveria afligi-las, nem se casar com outras mulheres além delas, v. 50. Jacó jamais havia lhe dado qualquer motivo para suspeitar que ele não seria um bom marido. No entanto, ele estava disposto a se colocar sob este com­promisso como se tivesse dado motivos para tal. Embo­ra o próprio Labão as tenha afligido, ele exige que Jacó não as aflija. Note que aqueles que são injuriosos são os que geralmente têm mais inveja dos outros. E aqueles que não cumprem os seus próprios deveres são os que se mostram mais autoritários ao exigir que os outros cum­pram os seus. (2) Que Jacó jamais deveria ser um mau vizinho para Labão, v. 52. Ficou acertado que nenhum ato de hostilidade deveria ocorrer entre eles, que Jacó deveria perdoar e esquecer todas as injustiças que havia sofrido e não se lembrar delas contra Labão ou contra a sua família no futuro. Observe que podemos nos ressen­tir de alguma injúria, mas não podemos nos vingar.

2. A cerimônia desta aliança. Ela foi estabelecida e ratificada com grande solenidade, de acordo com os costumes daquela época. (1) Uma coluna foi erigida (v. 45), e um montão de pedras foi levantado (v. 46), para perpetuar a memória ou o pacto, sendo que a maneira de registrar acordos pela escrita não era conhecida ou não era usada na época. (2) Um sacrifício foi oferecido (v. 54), um sacrifício de ofertas pacíficas. Observe que a nossa paz com Deus é aquela que coloca o verdadeiro conforto na paz que temos com os nossos amigos. Se as partes contenderem, a reconciliação de ambas com o Senhor facilitará a reconciliação entre ambas, uma com a outra.(3) Eles comeram pão juntos (v. 46), compartilhando a ceia do sacrifício, v. 54. Este era o sinal de uma reconci­liação sincera. Pactos de amizade eram antigamente ra­tificados pelas partes comendo e bebendo juntas. E ra a celebração de uma refeição em um clima de ceia de amor.

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161 GÊNESIS 32 w. 1,2(4) Eles solenemente invocaram a Deus a respeito de sua sinceridade aqui: [1] Como uma testemunha (v. 49): Atente o Senhor entre mim e ti, isto é: “Que o Senhor reconheça todas as coisas que forem feitas em qualquer dos lados, em violação a este acordo. Quando estivermos fora da vista um do outro, que a vista de Deus seja um freio sobre nós, para que onde quer que estivermos es­tejamos sob o olhar de Deus”. Este apelo pode ser con­vertido em uma oração. Os amigos, estando longe um do outro, podem ter este conforto. De que quando não pu­derem saber notícias um do outro, ou socorrer um ao ou­tro, Deus tomará conta de ambos, e vigiará a ambos. [2] Como um Juiz, v. 53. 0 Deus de Abraão (de quem -Jacó descendia), e o Deus de Naor (de quem Labão descen­dia), o Deus de seu pai (o antepassado comum, de quem os dois descendiam), julgue entre eles. A relação de Deus com eles é assim expressada para sugerir que adoravam ao mesmo e único Deus, e entendiam que não deveria haver inimizade entre eles. Note que aqueles que têm um único Deus devem ter um único coração. Aqueles que concordam na religião devem se esforçar para concordar em todas as outras coisas. Deus é o Juiz entre as partes em litígio, e Ele julgará com justiça. Qualquer que trans­gredir, arcará com as conseqüências. (5) Eles deram um novo nome ao lugar, v. 47,48. Labão o chamou em siríaco, e Jacó em hebraico, o monte do testemunho. E (v. 49) foi chamado de Mispa, uma torre de vigia. Como a posteri­dade estava incluída no pacto, foi tomado o cuidado para que assim a memória dela fosse preservada. Estes nomes são aplicáveis aos selos da aliança do Evangelho, que são testemunhas favoráveis a nós se formos fiéis, mas teste­munhas contra nós se formos infiéis. O nome que Jacó deu a este monte (Galeede) permaneceu, e não o nome que Labão lhe deu. Em todos os seus encontros casuais, Labão foi barulhento e cheio de palavras, fingindo dizer muito; Jacó era silencioso, e falava pouco. Quando Labão invocou a Deus sob muitos títulos, Jacó somente jurou pelo Temor de seu pai Isaque, isto é, o Deus a quem o seu pai Isaque temia. E Isaque nunca serviu a outros deu­ses, como Abraão e Naor haviam feito. Duas palavras de Jacó foram mais memoráveis do que todos os discursos e vãs repetições de Labão: As palavras do sábio devem ser ouvidas em silêncio, mais do que o clamor daquele que domina sobre os tolos, Eclesiastes 9.17.

Finalmente, depois de toda esta conferência irada, eles partem como amigos, v. 5-5. Labão beijou suas filhas muito afetuosamente, e abençoou-as, e então partiu em paz. Observe que Deus é freqüentemente melhor para nós do que os nossos temores, e estranhamente sujei­ta as intenções dos homens a nosso favor, além do que poderíamos ter esperado. Porque não é em vão que con­fiamos nele.

C a p í t u l o 3 2

Temos aqui Jacó ainda em sua jornada para Ca- naã. Jamais tantas coisas memoráveis ocorreram em qualquer marcha como na desta da pequena família de Jacó. Pelo caminho ele se depara: I. Com boas notícias de seu Deus, w. 1,2. II. Com

más notícias de seu irmão, a quem ele enviou uma mensagem para notificar de seu retorno, w. 3-6. Em sua aflição, 1. Ele divide o seu grupo, w. 7,8.2. Ele faz a sua oração a Deus, w. 9-12. 3. Ele envia presentes ao seu irmão, w. 13-23. Ele luta com o anjo, w. 24-32.

Jacó Prossegue em sua Jornadaw. 1,2

Jacó, tendo se livrado de Labão, prossegue em sua jornada para casa em Canaã. Quando Deus nos ajuda a atravessarmos as dificuldades, devemos continuar no nosso caminho para o céu com muito mais alegria e re­solução. Agora: 1. Aqui está o comboio de Jacó em sua jornada (v. 1): Encontraram-no os anjos de Deus, porém não sabemos ao certo se em uma aparição visível, se em uma visão de dia ou em um sonho de noite, como quando ele os viu em uma escada (cap. 28.12). Note que aqueles que se mantém em um bom caminho sempre têm uma boa guarda. Os anjos são espíritos ministradores para a sua segurança, Hebreus 1.14. Onde Jacó armou as suas tendas, eles armaram as suas ao redor dele, Salmos 34.7. Eles o encontraram, para dar-lhe boas vindas a Canaã outra vez. Esta foi uma recepção mais honrada do que qualquer outro príncipe já teve, mesmo que tenha sido recebido pelos magistrados de uma cidade com todas as suas formalidades. Eles o encontraram para felicitá-lo em sua chegada, assim como em sua fuga de Labão. Por­que os anjos têm prazer na prosperidade dos servos de Deus. Eles o haviam servido de forma invisível o tempo todo, mas agora apareceram a Jacó, porque ele tinha, pela frente, perigos maiores do que aqueles que havia enfrentado até aquele momento. Note que quando Deus permite que o seu povo passe por provações extraordi­nárias, Ele o prepara para consolações extraordinárias. Poderíamos pensar que teria sido mais oportuno que es­tes anjos aparecessem a ele em meio à perplexidade e agitação provocadas primeiro por Labão, e depois por Esaú, do que neste intervalo calmo e tranqüilo, quando ele não se via em nenhum perigo iminente. Mas o Deus bendito vem à nossa vida quando estamos em paz, para suprir as nossas necessidades quando estivermos em di­ficuldades. Assim, quando a dificuldade vier, poderemos viver segundo as observações e experiências anteriores. Porque andamos por fé, e não por vista. O povo de Deus, na morte, está voltando para Canaã, para a casa de seu Pai. E então os anjos de Deus irão ao seu encontro, para felicitá-los pelo término feliz de sua servidão, levando- os para o seu descanso. 2. O aviso confortável que Jacó recebeu deste comboio, v. 2. Este é o exército de Deus, e, portanto: (1) É um exército poderoso. Muito grande é aquele que é assim servido, e muito seguro aquele que é assim guardado. (2) Deus deve ter o louvor por esta pro­teção: “Isto eu devo agradecer a Deus, porque este é o seu exército”. Um homem bom pode com um olhar de fé ver a mesma coisa que Jacó viu com os seus olhos físicos, crendo nesta promessa (SI 91.11): Aos seus anjos dará ordem a teu respeito. Que necessidade temos de discu­tir se cada santo em particular tem um anjo da guarda, quanto temos a certeza de que ele tem uma guarda de

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w. 3-8 GÊNESIS 32 162anjos a seu favor? Para preservar a lembrança deste fa­vor, Jacó deu um nome ao lugar a partir disso, Maanaim, dois exércitos, ou dois acampamentos. Isto é, dizem al­guns dos rabinos, um exército dos anjos da guarda da Mesopotâmia, que guiou Jacó a partir daquele lugar, e o entregou em segurança para o outro exército de anjos de Canaã, que o encontrou na fronteira onde ele estava ago­ra. Antes, eles lhe apareceram em dois exércitos, um em cada lado, ou um em frente e outro na retaguarda, para protegê-lo de Labão atrás e de Esaú em frente, para que eles pudessem formar uma guarda completa. Assim ele é cercado pelo favor de Deus. Talvez em alusão a isto a igreja seja chamada de Maanaim, dois exércitos, Canta­res 6.13. Aqui estava a família de Jacó, que formava um exército, representando a igreja militante e itinerante na terra. E os anjos, um outro exército, representando a igreja triunfante e em descanso no céu.

w. 3-8Agora que Jacó estava entrando novamente em Ca­

naã, Deus, pela visão de anjos, fez com que ele se lem­brasse dos amigos que tinha quando partiu dali, e dali ele aproveita a ocasião para lembrai' a si mesmo dos ini­migos que tinha, particularmente Esaú. É provável que Rebeca tenha lhe informado sobre o paradeiro de Esaú em Seir, e da continuidade de sua inimizade com ele. O que o pobre Jacó fará? Ele deseja ver o seu pai. No en­tanto, ele teme ver o seu irmão. Ele se alegra por ver Canaã novamente, mas só pode se alegrar com tremor por causa de Esaú.

Jacó envia uma mensagem muito gentil e humilde a Esaú. Não parece que o seu caminho passava pelo

campo de Esaú, ou que ele precisasse pedir a sua licença, para passar. Mas o seu caminho era perto dali, e Jacó não se aproximaria de Esaú sem lhe prestar o respeito devi­do a um irmão, a um irmão gémeo, ao seu único irmão, a um irmão mais velho, a um irmão ofendido. Note: 1. Mes­mo que os nossos parentes falhem em seus deveres para conosco, devemos ter consciência para cumprir os nossos deveres para com eles. 2. E um exemplo de amizade e amor fraterno informar aos nossos amigos a nossa condi­ção, e perguntar sobre a deles. Atos de civilidade podem ajudar a eliminar as inimizades. A mensagem de Jacó a Esaú é muito amável, w. 4,5. (1) Ele chama Esaú de seu senhor, e a si mesmo de seu servo, para sugerir que ele não insistia nas prerrogativas do direito da primogeni- tura e da bênção que havia obtido para si mesmo, mas deixou que o Senhor Deus cumprisse o seu próprio pro­pósito em sua semente. Note que o acordo é um remé­dio que aquieta grandes pecados, Eelesiastes 10.4. Não devemos nos recusar falar de uma maneira respeitosa e submissa com aqueles que são sempre tão injustamen­te exasperados contra qualquer tipo de acordo. (2) Jacó dá a Esaú um breve relato de si mesmo, de que ele não era um fugitivo e um vagabundo, mas, embora estivesse ausente há muito tempo, havia tido um lugar certo de moradia, com seus próprios parentes: Morei com Labão e me detive lá até agora. E que ele não era um mendigo, nem que havia voltado para casa como um filho pródi­go, destituído de produtos de primeira necessidade para

ser, provavelmente, um peso para os seus parentes. Não. Eu tenho bois, e jumentos. Jacó sabia que isto provavel­mente o recomendaria à boa opinião de Esaú. E: (3) Jacó tenta conseguir o favor de Esaú: Enviei para o anunciar a meu senhor, para que ache graça a teus olhos. Note que não é nenhuma desonra que aqueles que possuam uma boa causa, se tornem suplicantes por uma reconciliação, e roguem a paz, como também o direito.

Ele recebe um relato muito temeroso sobre as preparações de Esaú como se fossem de guerra

contra ele (v. 6), não uma palavra, mas um golpe, um re­torno muito grosseiro à sua mensagem bondosa, e uma triste recepção de boas vindas ao lar para um pobre ir­mão: Ele vem a encontrar-te, e quatrocentos varões com ele. Parecia que Esaú estava agora cansado de esperar pelos dias de luto por seu bom pai, e mesmo antes deles chegarem ele decide matar seu irmão. 1. Talvez Esaú se lembrasse da antiga discussão, e agora seria vingado pelo direito da primogenitura e pela bênção, e, se possí­vel, eliminaria as expectativas de Jacó quanto às duas coisas. Observe que a mágoa guardada durará muito tempo, e achará uma ocasião para irromper com violên­cia, muito tempo depois da provocação. Os homens ira­dos geralmente possuem uma boa memória. 2. Ele inveja Jacó pelos poucos bens que possuía, e, embora ele mes­mo agora possuísse muito mais, nada lhe servirá além de alimentar os seus olhos com a ruína de Jacó, e encher os seus campos com os despojos de Jacó. Talvez o relato que Jacó lhe enviou sobre a sua riqueza apenas o tenha provocado ainda mais. 3. Esaú conclui que é fácil destruí- lo, agora que ele estava na estrada, um pobre viajante cansado, sem uma situação fixa, e (talvez Esaú tenha pensado) desprotegido. Aqueles que têm o veneno da serpente têm geralmente a astúcia da serpente, aprovei­tando a primeira e melhor oportunidade que se ofereça para a vingança. 4. Ele resolve fazê-lo de repente, e an­tes que Jacó tivesse chegado a seu pai, para que este não interferisse e mediasse entre eles. Esaú era um daqueles que odiavam a paz. Quando Jacó fala, fala pacificamente, porém Esaú é a favor da guerra, Salmos 120.6,7. Para lá ele marcha, estimulado pela ira, e com a intenção de san­gue e homicídios. Quatrocentos homens ele tinha consi­go, provavelmente aqueles que costumavam caçar com ele, armados, sem dúvida, brutos e cruéis como o seu líder, prontos para executar a ordem de comando apesar de bárbara, e agora respirando nada além de ameaças e matança. A décima parte destas coisas seriam suficien­tes para acabar com o pobre Jacó, e com a sua família inocente e indefesa. Com a raiz e o ramo. Não é de se admirar, portanto, com o que se segue (v. 7). Então, Jacó temeu muito e angustiou-se, talvez mais por mal ter se recuperado do medo que lhe havia sido infligido por La­bão. Observe que muitas são as dificuldades dos justos neste mundo, e às vezes o fim de uma é apenas o início de outra. As nuvens voltam depois da chuva. Jacó, embora fosse um homem de grande fé, estava agora com muito medo. Observe que uma viva apreensão de perigo, e um temor inspirador surgindo a partir disso, podem muito bem condizer com uma humilde confiança no poder e na promessa de Deus. O próprio Cristo, em meio à sua te r­rível agonia, estava dolorosamente assombrado.

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163 GÉNESIS 32 w. 9-12T T T Ele se coloca na melhor postura de defesa A J t JL que as suas circunstâncias atuais admitiam. E ra um absurdo pensar em fazer resistência. Todo o seu plano é fazer uma fuga, w. 7,8. Ele acha prudente não arriscar tudo em um único centro de resistência, e, portanto, divide o que tinha em dois grupos, de modo que se um fosse abatido, o outro poderia escapar. Como um terno e cuidadoso chefe de uma família, ele é mais solícito pela segurança deles do que pela sua própria. Ele dividiu o seu grupo, não como Abraão (cap. 14.15), para lutar, mas para fugir.

A Oração de iaeó w. 9-12

A nossa regra é invocar a Deus nos momentos de dificuldade. Temos aqui um exemplo desta regra, e o su­cesso nos encoraja a seguirmos este exemplo. Era agora o momento da dificuldade de Jacó, mas ele será salvo em meio a tudo isso. E aqui o temos orando por esta salva­ção, Jeremias 30.7. Em sua aflição ele buscou ao Senhor, e foi ouvido. Note que os momentos de temor devem ser os momentos de oração. O que quer que nos assuste deve nos levar aos nossos joelhos, à santa presença do nosso Deus. Jacó havia recentemente visto a sua guarda de anjos, mas, nesta aflição, ele rogou a Deus, e não a eles. Ele sabia que os anjos eram seus conservos, Apo­calipse 22.9. Jacó também não consultou os terafins de Labão. Ele julgava suficiente recorrer ao Deus Criador dos céus e da terra. A Ele Jacó se dirige com toda so­lenidade possível, correndo para o nome do Senhor em busca de segurança, como uma torre forte, Provérbios18.10. Esta oração é ainda mais notável porque lhe deu a honra de ser um Israel, um príncipe com Deus, e o pai do remanescente que orava, que são por isso chamados de “A semente de Jacó”, a quem o bondoso Senhor jamais disse: Me buscais em vão. Agora vale a pena perguntar o houve de tão extraordinário nesta oração, que fez com que o solicitante ganhasse toda esta honra.T O pedido em si é único, e muito claro: Livra-me, peço- jL te, da mão de meu irmão, v. 11. Embora não houvesse nenhuma probabilidade humana a seu lado, Jacó cria que o poder de Deus poderia salvá-lo como um cordeiro das mandíbulas sangrentas de um leão. Observe: 1. Temos li­cença para ser específicos quando nos dirigirmos a Deus, para mencionarmos os apuros e dificuldades específicos em que nos encontramos. Porque o Deus com quem trata­mos é um Deus com quem podemos ter toda a liberdade: temos liberdade de expressão (parresia) diante do trono da graça, 2. Se algum dos nossos irmãos planejar nos des­truir, temos como consolação o fato de termos um Pai a quem podemos rogar, como o nosso libertador.

n As súplicas são muitas, e muito poderosas. Jamais alguma causa foi melhor ordenada, Jó 23.4. Jacó apresenta o seu pedido com grande fé, fervor, e humilda­de. Com que sinceridade ele suplica! Livra-me, peço-te, v. 11. Seu temor o tornou insistente. Com que lógica san­

ta ele argumenta! Com que eloqüência divina ele suplica! Aqui está um excelente modelo a seguir.

1. Jacó se dirige a Deus como o Deus de seus pais, v. 9. Era tal o senso de humildade e de renúncia que ele possuía em relação à sua própria indignidade, que não chamou a Deus como o seu próprio Deus, mas como o Deus que tinha uma aliança com os seus ancestrais: Deus de meu pai Abraão e Deus de meu pai Isaque. E esta era a melhor maneira pela qual ele poderia rogar, porque a aliança, por designação divina, lhe foi transmi­tida. Observe que a aliança de Deus com os nossos pais pode ser um conforto para nós quando estivermos em aflição. Tem sido freqüentemente assim com o povo do Senhor, Salmos 22.4,5. Nascidos na casa de Deus, esta­mos sob a sua proteção especial.

2. .Jacó produz a sua própria garantia: Tu me disses­te: Torna à tua terra. Ele não deixou o seu lugar com Labão precipitadamente, nem iniciou a sua jornada por causa de um capricho momentâneo, ou um apego tolo à sua terra natal, mas agiu em obediência à ordem de Deus. Note: (1) Podemos estar no caminho do nosso de­ver, e ainda assim podemos enfrentar dificuldades e afli­ções neste caminho. Assim como a prosperidade não pro­va que estamos no caminho certo, os eventos adversos também não provam que estamos no caminho errado. Podemos estar indo para onde Deus nos chama, e, mes­mo assim, podemos ter que trilhar um caminho cercado de espinhos. (2) Podemos confortavelmente confiar em Deus no que diz respeito à nossa segurança, enquanto cumprimos cuidadosamente o nosso dever. Se Deus for o nosso guia, Ele será, sem dúvida, o nosso guarda.

3. Jacó reconhece humildemente a sua própria indig­nidade para receber qualquer favor de Deus (v. 10): Me­nor sou eu que todas as beneficências. Este é um pedido incomum. Alguns pensam que ele deveria ter pleiteado pelo que agora estava em perigo: tudo o que era seu, tudo aquilo pelo que havia lutado contra o mundo todo, e que havia lhe custado muito para ganhar. Mas não. Ele roga: Senhor, não sou digno disto. Observe que a renún­cia e a humildade são convenientes todas as vezes que nos dirigirmos ao trono da graça. Cristo nunca elogiou tanto a qualquer um de seus suplicantes quanto aquele que disse: Senhor, não sou digno (Mt 8.S), e aquela que disse, Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores, Ma­teus 15.27. Agora, observe aqui: (1) Como ele fala mag­nificamente e honradamente das beneficências que o Deus precioso lhe concedeu. Temos aqui o termo benefi­cências, no plural, pois é uma fonte inesgotável, que tem correntes inumeráveis. Beneficências e fidelidade, isto é, beneficências passadas dadas de acordo com a promessa, e beneficências posteriores asseguradas pela promessa. Note que aquilo que é acumulado na fidelidade a Deus, bem como aquilo que é gasto nas beneficências de Deus, dizem respeito às consolações e louvores dos crentes ati­vos. Observe que todas são beneficências e verdade. O modo de expressão é abundante, e sugere que o coração de Jacó estava cheio da bondade de Deus. (2) Como ele fala cle forma insignificante e humilde sobre si mesmo, renunciando todo pensamento que possa indicar algum mérito próprio: “Menor sou eu que todas as beneficên­cias, muito menos sou digno de tão grande favor como este que agora estou suplicando”. Jacó era um homem respeitável, e, em muitos relatos, muito merecedor. Por

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w. 13-23 GÊNESIS 32 164exemplo, ao tra tar com Labão, Jacó tinha, com motivo justo, insistido em seus méritos, mas não diante de Deus. Menor sou eu que todas as beneflcências. Assim é esta palavra. Observe que o melhor e o maior dos homens é totalmente indigno do menor dos favores de Deus, e é muito justo reconhecer isto em todas as ocasiões. O exce­lente lema do Sr. Herbert foi: Indigno da menor de todas as beneflcências de Deus. Aqueles que estão melhor pre­parados para as maiores beneflcências são aqueles que se julgam indignos dos menores favores do Senhor.

4. Jacó reconhece com gratidão a bondade de Deus a ele em seu banimento, e como isso havia ultrapassado as suas expectativas: “Com meu cajado passei este -Jor­dão, pobre e desolado, como um peregrino desesperado e desprezado”. Ele não tinha guias, nenhum companhei­ro, nenhum assistente, nenhum conforto material para a viagem, mas apenas o seu cajado, e nada mais em que se apoiar; “e agora, me tornei em dois bandos, agora es­tou cercado por uma comitiva numerosa e confortável de filhos e servos”. Embora a aflição o tivesse, agora, obri­gado a dividir a sua família em dois grupos, Jacó usa isto para a glória da misericórdia que lhe trouxe um grande crescimento. Observe: (1) O aumento das nossas famí­lias é realmente confortável para nós quando vemos nele as beneflcências de Deus, e a sua fidelidade. (2) Aqueles cujo estado final aumenta grandemente deveriam, com humildade e gratidão, se lembrar de como o seu estado inicial era pequeno. Jacó roga: “Senhor, tu me sustentas­te quando saí somente com o meu cajado, e tinha apenas uma vida a perder. Não me sustentarás agora que tantos estão comigo?”

5. Ele faz advertências sobre a extremidade do pe­rigo em que se encontra: Senhor, livra-me da mão de Esaú, porque o temo, v. 11. O povo de Deus não tem sido tímido de contar a Deus os seus temores. Porque eles sabem que Ele os reconhece, e os estima. O medo que estimula a oração é justificável. Não era de um ladrão, mas de um assassino que ele tinha medo. Nem era a sua própria vida que ele colocava em jogo, mas das mães e de seus filhos, que tinham deixado a sua terra natal para acompanhá-lo. Note que o afeto natural pode nos suprir com súplicas permissíveis e aceitáveis em oração.

6. Jacó insiste especialmente na promessa que Deus lhe havia feito (v. 9): Me disseste: Far-te-ei bem, e outra vez, no encerramento (v. 12): Tu o disseste: Certamente te farei bem. Observe: (1) O melhor que podemos dizer a Deus em oração é o que Ele nos disse. As promessas de Deus, assim como são o guia mais seguro dos nossos de­sejos em oração, e nos suprem com as melhores petições, também são as bases mais firmes das nossas esperanças, e nos suprem com as melhores súplicas. “Senhor, tu dis­seste assim e assim. E não serás tu tão bom quanto a tua palavra, a palavra na qual me fizeste esperar?”, Salmos 119.49. (2) As promessas mais gerais são aplicáveis nes­tes casos específicos. “Tu disseste: Far-te-ei bem. Senhor, faze-me o bem neste caso”. Jacó também roga por uma promessa em particular, a promessa da multiplicação da sua semente. “Senhor, o que será desta promessa, se to­dos forem mortos?” Note: [1] Há promessas a famílias de pessoas boas, que podem ser ampliadas através da oração pedindo as beneflcências do Senhor a favor da família. Estas bênçãos são tanto comuns como também extraordi­

nárias, cap. 17.7; Salmos 112.2; 102.28. [2] As ameaças do mundo devem nos conduzir às promessas de Deus.

O Presente de Jacó a Esaúw. 13-23

Jacó, tendo ganho a amizade do Deus precioso atra­vés de uma oração, está aqui prudentemente tentando fazer de Esaú seu amigo através de um presente. Ele havia orado a Deus para livrá-lo da mão de Esaú, porque o temia. Mas nem o seu medo mergulha em desespero, quando desencoraja o uso dos meios, nem a sua oração o fez presumir que já tivesse recebido a beneficência de Deus, sem o uso dos meios. Note que quando oramos a Deus pedindo qualquer beneficência, devemos apoiar as nossas orações com as nossas tentativas. Senão, em vez de confiar em Deus, nós o tentamos. Devemos en­tão depender da providência de Deus para fazermos uso da nossa própria prudência. “Ajude a ti mesmo, e Deus te ajudará”. Deus responde as nossas orações nos ensi­nando a ordenar os nossos assuntos com discrição. Para pacificar Esaú:

Jacó lhe enviou um presente muito nobre, não de jóias ou roupas finas (ele não as possuía), mas de

gado, 580 cabeças ao todo, w. 13-15. Agora: 1. Esta era uma evidência do grande aumento com o qual Deus havia abençoado Jacó: o fato de poder dispor de um número tão elevado de cabeças do seu rebanho. 2. E ra uma evi­dência de sua sabedoria o fato dele estar disposto a se desfazer de alguns para garantir o restante. A cobiça de alguns homens faz com que percam mais do que ganhem, e, tendo uma má vontade em ceder um pouco daquilo que possuem, eles se expõem a um grande prejuízo. Pele por pele, e tudo que um homem possui, se for um homem sábio, ele dará pela sua vida. 3. E ra um presente que Jacó pensava ser aceitável a Esaú. Talvez Esaú tivesse se ocupado tanto em caçar animais selvagens que pro­vavelmente estivesse mal provido de gado domesticado com o qual estocar as suas novas conquistas. E podemos supor que as cores misturadas do gado de Jacó, malha­dos, salpicados e morenos, agradariam ao gosto de Esaú.4. Jacó prometeu a si mesmo que deveria ganhar o favor de Esaú através deste presente. Porque um presente é geralmente proveitoso, para onde quer que se volte (Pv 17.8), e alarga o caminho do homem (Pv 18.16). E abate a ira, Provérbios 21.14. Note: [1] Não devermos nos deses­perar para nos reconciliar, nem mesmo com aqueles que têm sido mais exasperados contra nós. Não devemos jul­gar que os homens sejam implacáveis até que tenhamos tentado aplacá-los. [2] A paz e o amor, mesmo que com­prados por um preço alto, serão sempre uma excelente aquisição. Muitos homens rabugentos e anti-sociáveis teriam dito, no caso e Jacó: “Esaú jurou a minha morte sem motivo, e ele nunca valerá nada para mim. Eu o ve­rei de longe antes de lhe enviar um presente”. Mas Jacó é capaz de perdoar e se esquecer.

Jacó enviou uma mensagem muito humilde a Esaú, ordenando aos seus servos que a entregas­

sem da melhor maneira possível, w. 17,18. Eles devem

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165 GÊNESIS 32 w. 24-32chamar Esaú de seu senhor, e Jacó de seu servo. Eles devem dizer a ele que o gado que tinham era um pequeno presente que Jacó havia lhe enviado, como uma amostra das suas aquisições enquanto esteve fora. O gado que ele enviou deveria ser disposto em várias manadas, e os ser­vos que cuidavam de cada manada deveriam entregar a mesma mensagem, para que o presente pudesse parecero mais valioso possível, e a sua submissão, freqüentemen­te repetida, pudesse influenciar Esaú. Eles deveriam to­mar o cuidado especial de dizer a Esaú que Jacó estaria vindo depois (w. 18-20), para que Esaú não suspeitasse que Jacó tivesse fugido por medo. Observe que uma con­fiança amistosa na bondade dos homens pode ajudar a evitar o mal que nos foi planejado pela maldade deles. Se Jacó parecer não te r medo de Esaú, pode se esperar que Esaú não venha a ser um terror para Jacó.

Jacó Luta com um Anjow. 24-32

Temos aqui a extraordinária história de Jacó lutando com o anjo e prevalecendo, e a referência a este episódio em Oséias 12.4. Bem cedo pela manhã, muito antes do dia amanhecer, Jacó havia ajudado suas esposas e seus filhos a atravessar o rio, e ele desejava te r alguma priva­cidade. Assim, ele foi deixado sozinho, para que pudesse uma vez mais contar todas as suas preocupações e medos a Deus em oração. Note que devemos perseverar conti­nuamente em oração, orando sempre sem desfalecer. A freqüência e a insistência na oração nos preparam para a misericórdia. Enquanto Jacó estava em fervorosa ora­ção, buscando a Deus, um anjo o segurou. Alguns enten­dem que este era um anjo criado, o anjo de sua presença (Is 63.9), um daqueles que sempre vêem a face do nosso Pai e que contemplam a shekinah, ou a Majestade divina, a qual provavelmente Jacó também tinha em vista. Ou­tros pensam que era Miguel, o nosso príncipe. Há ainda outros que entendem que este anjo era a Palavra eterna, o Anjo da Aliança, que é na verdade o Senhor dos anjos, que freqüentemente aparecia em uma forma humana antes de assumir a natureza humana, deixando a eterni­dade. A despeito de quem tenha sido, temos a certeza de que o nome de Deus estava nele, Êxodo 23.21. Observe:

I Como Jacó e este anjo lutaram, v. 24. Foi um comba­te único, corpo a corpo. Nenhum deles tinha outro

rival. Jacó estava agora cheio de preocupações e temores sobre o encontro que estava aguardando, no dia seguin­te, com seu irmão. E, para agravar a situação, o próprio Deus parecia se apresentar contra ele como um inimigo, para se opor à sua entrada na terra da promessa, e para disputar a passagem com ele, não permitindo que Jacó seguisse as suas esposas e filhos, a quem ele havia envia­do antes de si. Note que os crentes fortes devem esperar diversas tentações, que também serão fortes. Somos in­formados pelo profeta (Os 12.4) como Jacó lutou: ele cho­rou e suplicou. Orações e lágrimas foram as suas armas. Não era apenas uma luta física, mas espiritual, travada através de atos vigorosos de fé e desejo santo. E assim toda a semente espiritual de Jacó, que busca ao Senhor em oração, ainda luta com Deus.

n Qual foi o sucesso da luta. 1. Jacó manteve o seu terreno. Embora a luta tenha durado pouco, o anjo não prevaleceu contra ele (v. 25). Isto é, este deses- tímulo não abalou a sua fé, nem calou a sua súplica. Não foi por sua própria força que ele lutou, nem por sua pró­

pria força que ele prevaleceu, mas ele confiou na força e agiu pela força proveniente do céu. Jó ilustra isto (Jó 23.6): Porventura, segundo a grandeza de seu poder con­tenderia comigo? Não (se o anjo tivesse feito isso, Jacó teria sido esmagado), antes, cuidaria de mim me dando força. E por esta força Jacó teve algum poder sobre o anjo, Oséias 12.4. Observe que jamais conseguiríamos prevalecer com Deus exceto por sua própria força. É o seu Espírito que intercede por nós, e nos ajuda nas nos­sas fraquezas, Romanos 8.26. 2. O anjo deslocou a coxa de Jacó, para mostrar o que ele poderia fazer, e que ele estava lutando com Deus, porque nenhum homem pode­ria deslocar a juntura da sua coxa com um toque. Alguns pensam que Jacó sentiu pouca ou nenhuma dor por este ferimento; é provável que não, pois ele não parou até que a luta estivesse terminada (v. 31). E, se foi assim, esta foi uma evidência real de um toque divino, que feriu e curou ao mesmo tempo. Jacó prevaleceu, mas teve a sua coxa deslocada. Observe que os crentes lutadores podem ob­ter vitórias gloriosas, mas podem sair com algum osso quebrado. Porque quando são fracos então são fortes - ou seja, fracos em si mesmos, porém fortes em Cristo, 2 Coríntios 12.10. As nossas honras e confortos neste mun­do têm as suas mesclas. 3. O anjo, por uma admirável condescendência, pede serenamente que Jacó o deixe partir (v. 26), da mesma forma que o precioso Deus disse a Moisés (Éx 32.10): Deixa-me. Não poderia um anjo po­deroso livrar-se da luta de Jacó? Ele poderia. Mas assim ele colocaria honra sobre a fé e a oração de Jacó. E, além disso, ele poderia testar a sua constância. O rei está pre­so pelas suas tranças (Ct 7.5). Achei-o (diz a esposa) e não o deixaria ir, Cantares 3.4. O motivo que o anjo apre­senta para querer partir é que a alva já subia, e, portan­to, ele não deteria Jacó por mais tempo. Jacó tinha algo a fazer. Uma jornada a percorrer, e uma família para cui­dar. E especialmente neste momento crítico, esta família precisava da sua presença. Observe que todas as coisas são belas a seu tempo. Até mesmo a questão da religião, e os confortos da comunhão com Deus, devem, às vezes, dar passagem para os assuntos necessários desta vida: Deus quer misericórdia, e não sacrifícios. 4. Jacó insiste em sua santa importunação: Não te deixarei ir, se me não abençoares. A despeito daquilo que possa acontecer com a sua família e jornada, Jacó resolve fazer o melhor que pode desta oportunidade, sem perder a vantagem de sua vitória. Ele não pretende lutar a noite toda por nada, mas humildemente resolve que terá a bênção, e prefere que todos os seus ossos sejam deslocados de suas juntas do que ficar sem ela. O crédito de uma conquista não lhe servirá de nada sem a consolação de uma bênção. Ao su­plicar esta bênção ele reconhece a sua inferioridade, em­bora pareça ter o domínio da luta. Quanto mais o menor for abençoado, melhor. Note que aqueles que querem ter a bênção de Cristo devem estar convictos, e insistir nis­so, como aqueles que resolvem não receber uma negati­va. A oração fervorosa é que é a oração eficaz, o. O anjo coloca uma marca de honra perpétua sobre ele, mudando

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w. 1-4 GÊNESIS 33 1660 seu nome (w. 27,28): “Tu és um combatente corajoso” (diz 0 anjo), “um homem de resolução heróica. Qual é 0 teu nome?” “Jacó”, ele diz, um suplantador. Este é 0 sig­nificado de Jacó. “Bem”, diz 0 anjo, “mas nunca mais se­rás chamado assim. De agora em diante tu serás celebra­do, não por arte ou habilidade astuta, mas por valor verdadeiro. Tu serás chamado Israel, um príncipe com Deus, um nome maior do que aqueles dos grandes ho­mens da terra. É um verdadeiro príncipe aquele que é um príncipe com Deus, e são verdadeiramente honrados aqueles que são poderosos na oração. Israel, e certamen­te os israelitas. Jacó é aqui homenageado no campo, por assim dizer, e recebe um título de honra Daquele que é a fonte da honra. Este título permanecerá, para 0 seu lou­vor, até 0 fim dos tempos. No entanto, isto não era tudo. Tendo poder com Deus, ele terá poder com os homens também. Tendo prevalecido por uma bênção do céu, ele, sem dúvida, prevalecerá no tocante ao favor de Esaú. Observe que sejam quais forem os inimigos que tiver­mos, se pudermos ter a Deus como nosso amigo, estare­mos em uma ótima situação. Aqueles que pela fé têm poder no céu, terão, sem dúvida, muitas bênçãos na te r­ra. 6. O anjo despede Jacó com uma bênção, v. 29. Jacó desejou saber 0 nome do anjo, para que ele pudesse, de acordo com a sua capacidade, honrá-lo, Juizes 13.17. Mas este pedido foi negado, para que ele não ficasse orgulho­so demais por sua conquista, nem que pensasse que ti­nha um anjo como vantagem a ponto de obrigá-lo a fazer 0 que lhe agradasse. Não: “Por que perguntas pelo meu nome? Que proveito terás em saber isto?” A descoberta disso foi reservada para 0 seu leito de morte, sobre 0 qual ele foi instruído a chamá-lo de Siló. Mas, em vez de dizer-lhe 0 seu nome, ele lhe deu a sua bênção, aquilo pelo que Jacó lutou: E abençoou-o ali, repetindo e ratifi­cando a bênção que lhe fora dada anteriormente. Note que as bênçãos espirituais, que asseguram a nossa felici­dade, são melhores e muito mais desejáveis do que as noções boas que satisfazem a nossa curiosidade. Um in­teresse pela bênção do anjo é melhor do que conhecer 0 seu nome. A árvore da vida é melhor do que a árvore do conhecimento. Assim Jacó conseguiu 0 que queria. Ele lutou por uma bênção, e uma bênção ele teve. Ninguém da sua semente de oração buscou ao Senhor em vão. Veja como Deus aprova e coroa maravilhosamente a oração persistente. Aqueles que decidem confiar em Deus, mes­mo que Ele os mate, serão, no final, mais do que vence­dores. 7. Jacó dá um novo nome ao lugar. Ele 0 chama de Peniel, a face de Deus (v. 30), porque ali ele tinha visto uma aparição de Deus, e obteve 0 seu favor. Observe que 0 nome que ele dá ao lugar preserva e perpetua não a honra do seu valor ou vitória, mas apenas a honra da gra­ça gratuita de Deus. Ele não diz: “Neste lugar eu lutei com Deus, e prevaleci”. Mas: “Neste lugar eu vi Deus face a face, e a minha vida foi preservada”. Jacó não dis­se: “Foi 0 meu louvor que me tornou um vencedor, mas foi pela misericórdia de Deus que eu escapei daquele epi­sódio com a minha vida”. Note que convém àqueles a quem Deus honra se envergonhar de si mesmos, e admi­rar a condescendência de sua graça para eles. Assim fez Davi, depois que Deus lhe enviou uma mensagem mise­ricordiosa (2 Sm 7.18), Quem sou eu, Senhor Jeová? 8. A lembrança que Jacó carregava disto em seus ossos: Ele

manquejava da sua coxa (v. 31). Alguns pensam que ele continuou a manquejar até 0 dia de sua morte. E, se foi assim, ele não tinha motivos para se queixar, porque a honra e 0 conforto que ele obteve por esta luta foram abundantemente suficientes para compensar 0 dano, apesar dele ter ido mancando para a sua sepultura. Ele não tinha motivos para considerar isto como sua repro­vação, porque levava no seu corpo as marcas do Senhor Jesus (G1 6.17). No entanto, isto poderia servir, como 0 espinho na carne de Paulo, para impedir que Jacó se exaltasse pela abundância das revelações. É mencionado que saiu-lhe 0 sol quando passou por Peniel. Porque a alma que tem comunhão com Deus contempla sempre 0 nascer do sol. O escritor inspirado menciona um costume tradicional que a semente de Jacó tinha, em memória disso, de nunca comer do nervo encolhido, ou 0 músculo de qualquer animal, pelo qual 0 osso no quadril está fixa­do. Assim eles preservavam a memória desta história, uma atitude que dava ocasião para que os seus filhos per­guntassem a esse respeito. Eles também honravam a memória de Jacó. E este uso ainda podemos fazer deste episódio, para reconhecermos a misericórdia de Deus e as nossas obrigações para com 0 Senhor Jesus Cristo. Assim poderemos agora manter a nossa comunhão com0 precioso e bendito Senhor, através da fé, da esperança e do amor, sem colocar a nossa vida em perigo.

C a p í t u l o 3 3Nós lemos no capítulo anterior, sobre como Jacó tinha poder com Deus, e era bem sucedido. Aqui nós percebemos que poder ele tinha também com os homens, e como seu irmão Esaú foi acalmado, e, repentinamente, reconciliado com ele. Pois as­sim está escrito, Provérbios 16.7: “Sendo os cami­nhos do homem agradáveis ao Senhor, até a seus inimigos faz que tenham paz com ele”. Eis aqui: I. Um encontro muito amistoso entre Jacó e Esaú, w. 1-4. II. O debate destes em sua reunião, na qual competem entre si com declarações civilizadas e amáveis. Os assuntos da conversa: 1. Sobre a fa­mília de Jacó, w. 5-7. 2. Sobre o presente que ele havia enviado w. 8-11. 3. Sobre o andamento de sua viagem, w. 12-15. III. O estabelecimento de Jacó em Canaã, sua casa, terra e altar, w. 16-20.

O Encontro de Jacó com Esaú w. 1-4

Aqui:

I Jacó percebeu a aproximação de Esaú, v. 1. Alguns acham que seu levantar de olhos denota sua alegria e

sua confiança, em contraste com um semblante abatido. Tendo submetido o seu caso a Deus através da oração, ele seguiu o seu caminho, e o seu semblante já não era mais triste, 1 Samuel 1.18. Note que aqueles que entre­garam as suas preocupações a Deus podem olhar para o que os espera com satisfação e paz de espírito, aguar­

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167 GÊNESIS 33 w. 5-15dando alegremente o resultado, seja ele qual for. Venha o que vier, nada pode dar errado para aquele cujo coraçáo está firme e confiante em Deus. Jacó se coloca sobre a sua torre de vigia para ver que resposta Deus dará às suas orações, Habacuqne 2.1.

f Jacó distribuiu a família da melhor maneira que J L ± podia para receber o seu irmão Esaú, viesse ele como amigo ou como inimigo, considerando o que seria adequado se ele viesse como amigo, e a segurança deles se viesse como inimigo, w. 1,2. Observe como esses dois irmãos eram diferentes. Esaú está assistido por uma guarda de 400 homens, e parece grande. Jacó é segui­do por um inconveniente séqüito de mulheres e crianças que estão sob seus cuidados, e ele parece carinhoso e preocupado com a segurança deles. Mesmo assim Jacó tinha o direito de primogenitura, e tinha a autoridade, e era em todos os aspectos o melhor homem. Note que não é depreciativo para os homens bons e muito importan­tes prestarem uma assistência pessoal às suas famílias, e aos seus assuntos familiares. Jacó, à testa de sua casa, deu um exemplo melhor do que o de Esaú à frente de seu regimento.

No encontro que tiveram, as manifestações de bondade foram trocadas da melhor maneira

possível entre eles.1. Jacó se curvou a Esaú, v. 3. Embora ele temesse

Esaú como a um inimigo, ainda assim o reverenciou como a um irmão mais velho, sabendo e talvez se lembrando de que quando Abel foi preferido em relação a Caim, seu irmão mais velho, quanto à aceitação de Deus, mesmo assim Deus o incumbiu de não faltar com as obrigações e o respeito devidos por um irmão mais novo. Para ti será o seu desejo, e sobre ele dominarás cap 4.7. Note: (1) A maneira de restabelecer a paz onde ela foi quebrada é cumprir o nosso dever, e apresentar os nossos cumpri­mentos, em todas as ocasiões, como se ela nunca tivesse sido rompida. É o ato de relembrar e repetir as ques­tões que separa amigos e perpetua a separação. (2) Um comportamento humilde e dócil leva a uma boa distância da ira. Muitos se preservam se humilhando: a bala voa acima daquele que se curva,

2. Esaú abraçou Jacó (v 4): Ele correu ao seu encon­tro, não com ira, mas com amor. E, como alguém sincera­mente reconciliado com Jacó, Esaú o recebeu com todos os gestos de afeto imagináveis, abraçou-o, lançou-se so­bre o seu pescoço e o beijou. Alguns acham que quando Esaú saiu para encontrar Jacó não foi com nenhuma má intenção, mas que ele trouxe seus 400 homens apenas por pompa, para que pudesse demonstrar ainda mais respei­to por seu irmão que voltava. E certo que Jacó entendeuo relatório de seus mensageiros de maneira diferente, cap. 32.5,6. Jacó era um homem prudente e corajoso, e não podemos supor que ele admitisse um medo infunda­do a tal nível como alguns entendem que ele demonstrou nesta situação, nem que o Espírito de Deus o encorajaria a fazer uma oração tal como a que ele fez, para salvar-se de um perigo meramente imaginário. E, se não houvesse uma maravilhosa mudança operada no espírito de Esaú nesse momento, não vejo como Jacó, o lutador, poderia conquistar tamanha autoridade junto aos homens, a pon­

to de chamarem-no de príncipe. Observe: (1) Deus tem os corações de todos os homens em suas mãos, e pode transformá-los quando e como desejar, através de um poder misterioso e silencioso, porém irresistível. Ele pode, de repente, converter inimigos em amigos, como fez com Saul e com Saulo. Com um Ele restringiu a graça (1 Sm 26.21,25), porém com o outro o Senhor renovou a graça, Atos 9.21,22. (2) Não é em vão confiar em Deus e clamar a Ele nos dias de dificuldade. Aqueles que assimo fazem, freqüentemente obtêm resultados melhores do que esperam.

3. Ambos choraram. Jacó chorou de alegria, por ser recebido tão gentilmente por seu irmão a quem ele havia temido. E Esaú talvez tenha chorado por pesar e vergo­nha, ao pensar nos planos perversos que ele havia con­cebido contra o seu irmão, os quais ele se viu estranha e inexplicavelmente impedido de executar.

w. 5-15Temos aqui a conversa dos dois irmãos em seu en­

contro, que é muito franca e amigável, sem a menor in­sinuação da velha disputa. O melhor era não falar nada sobre isso. Eles conversam:

I Sobre a comitiva de Jacó, w. 5-7. Onze ou doze crian­ças - a mais velha delas não tinha quatorze anos -

seguiam Jacó de perto: Quem são estes? Diz Esaú. Jacó havia lhe enviado um relato do aumento de seus bens (cap. 32.5), porém não fizera nenhuma menção sobre seus filhos. Talvez porque não os exporia à ira de Esaú se este o encontrasse como inimigo, ou o agradaria com uma visão inesperada se o encontrasse como amigo: Esaú, consequentemente, tinha razões para perguntar: Quem são estes contigo? A essa pergunta simples, Jacó retorna uma resposta séria, como era característico de sua parte: Eles são os filhos que Deus graciosamente tem dado a teu servo. Teria sido uma resposta suficiente para a questão, e adequada o bastante para ser dada ao ímpio Esaú, se Jacó tivesse dito apenas: '‘Eles são meus filhos”. Mas então Jacó não teria falado como ele mesmo, como um homem cujos olhos estavam sempre voltados ao Senhor. Note que cabe a nós não apenas realizar ações comuns, mas falar delas como tendo um caráter divino, 3 João 6. Jacó fala de seus filhos: 1. Como dádivas de Deus. Eles são uma herança do Senhor, Salmos 128.3; 112.9; 107.41. 2. Como presentes escolhidos. O Senhor os tinha dado generosamente. Embora fossem muitos, e no momento a sua grande preocupação, e até agora mal tivesse como mantê-los, ainda assim Jacó os considera como grandes bênçãos. Depois disso, suas esposas e filhos chegaram, em ordem, e prestaram suas homena­gens a Esaú, como Jacó havia feito diante deles (w. 6,7). Pois cabe à família demonstrar respeito por aqueles a quem o chefe da família demonstra respeito.

IT Sobre o presente que Jacó havia enviado a Esaú. X 1. Esaú o recusou humildemente porque tinha o bastante e não precisava dele, v. 9. Note que aqueles que

desejam ser considerados homens de honra não parece­rão ser mercenários em suas amizades: seja qual for a

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w. 5-15 GÊNESIS 33 168verdadeira influência que o presente de Jacó teve sobre Esaú para apaziguá-lo, Esaú considerou que este não teve nenhuma influência, e por isso o recusou, seu motivo é: Eu tenho o bastante, Eu tenho muito (assim é a frase), tanto, que ele não estava desejando tomar qualquer coi­sa que fosse de seu irmão. Note: (1) Muitos que não al­cançam as bênçãos espirituais, e estão fora do concerto, ainda assim têm muitas riquezas terrenas. Esaú tinha o que lhe fora prometido: as gorduras da terra e o sustento através de sua espada. (2) É uma coisa boa, para aqueles que têm muitos recursos, considerar que possuem o su­ficiente, embora não tenham tanto quanto alguns outros. Até mesmo Esaú pode dizer: Eu tenho o bastante. (3) Aqueles que estão satisfeitos com o que possuem, de­vem demonstrar isso não cobiçando o que os outros têm. Esaú manda .Jacó guardar para si mesmo o que tinha, crendo que ele tivesse mais necessidade daqueles bens. Esaú, por sua vez, não precisa daquilo para supri-lo, pois ele já era rico. Ele também não precisava daqueles bens para que se acalmasse, pois estava reconciliado. Deve­mos tomar cuidado para que a qualquer momento a nos­sa cobiça não se aproveite da cortesia dos outros, tirando partido da generosidade deles de uma forma vil.

2. Jacó insiste afetuosamente para que Esaú aceite o presente, e o convence w. 10,11. Jacó o enviou, por medo (cap. 32.20), mas, havendo o medo passado, ele agora o importuna até que o aceite por amor, para mostrar que desejava a amizade de seu irmão, e não, meramente, que temia a sua ira. Duas coisas ele afirma: (1) A satisfação que ele teve na generosidade de seu irmão, pela qual ele se achava obrigado a fazer este reconhecimento agrade­cido. É um grande elogio que ele lhe faz: Eu vi o teu ros­to, como se eu tivesse visto o rosto de Deus, isto é: “Eu te vi reconciliado comigo, e em paz comigo, da mesma forma como desejo ver Deus reconciliado”. Ou o signifi­cado é que Jacó percebeu a generosidade de Deus para consigo através de Esaú: este seria, para Jacó, um sinal definitivo de que Deus aceitara as suas orações. Note que os confortos materiais são confortos efetivos para nós quando são concedidos como respostas à oração, e são símbolos de nossa aceitação por parte de Deus. Por outro lado, é um motivo de grande alegria para aqueles que são de um temperamento pacifico e afetuoso recupe­rar a amizade daqueles parentes e amigos com os quais estavam em desacordo. (2) A competência que ele tive­ra com os seus bens terrenos: Deus tem sido bom para mim. Note que se aquilo que temos sob as nossas mãos neste mundo aumentar, deveremos prestar atenção a isso com gratidão, para a glória de Deus, reconhecendo que nisso o bondoso Senhor tratou generosamente co­nosco, de uma forma muito melhor do que merecemos. É o precioso Senhor que concede poder para adquirirmos bens e riquezas, Deuteronômio 8.18. Ele acrescenta: “E eu tenho o bastante”; “Eu tenho tudo”, assim é a palavra. O bastante de Esaú era muito, mas o bastante de Jacó era tudo. Note que um homem religioso, mesmo que te­nha pouco no mundo, ainda assim pode verdadeiramen­te dizer: “Eu tenho tudo”: [1] Porque Jacó tinha o Deus que é o dono de tudo e de todos, e tinha tudo nele. Tudo é vosso se fores de Cristo, 1 Coríntios 3.22. [2] Porque Jacó tinha o conforto de tudo. Eu tenho tudo, e tenho abundância, Filipenses 4.18. Aquele que tem muito de­

sejaria ter mais. Mas é certo que aquele que pensa que tem tudo entenda que já tenha o suficiente. Ele tem tudo em perspectiva. Mas, brevemente, terá tudo literalmen­te, quando for para o céu: com base nesse princípio, Jacó insistiu com Esaú, e ele aceitou o seu presente. Note que é excelente quando a religião dos homens os torna ge­nerosos e sinceros, de uma forma que jamais venham a fazer algo que seja torpe e vil.

Sobre o andamento de sua viagem. 1. Esaú se oferece para ser o seu guia e companheiro,

como prova de uma sincera reconciliação, v. 12. Nunca soubemos que Jacó e Esaú fossem tão sociáveis e tão afe­tuosos um ao outro como eram agora. Note que a obra de Deus é perfeita. O Senhor tornou Esaú não apenas alguém que não fosse um inimigo, mas um amigo. Esse osso que havia sido quebrado, estando bem solidifica­do, tornou-se mais forte do que nunca. Esaú se tornou afeiçoado à companhia de Jacó, e convidou-o para ir ao Monte Seir. Nunca deixemos de ter esperança, nem per­camos a confiança no Deus em cujas mãos estão todos os corações. Mesmo assim, Jacó viu, humildemente, razões para recusar essa oferta (w. 13,14), e é neste ponto que ele demonstra uma carinhosa preocupação com a sua própria família e com os seus rebanhos, como um bom pastor e um bom pai. Ele tem que considerar as crian­ças, e as manadas com crias, e não conduzir um ou outro rápido demais. Essa prudência e essa ternura de Jacó deveriam ser imitadas por aqueles que têm a preocupa­ção e a responsabilidade sobre os jovens nas coisas de Deus. Não se deve exigir demais deles, a princípio, por meio de tarefas cansativas em serviços religiosos. Mas eles devem ser conduzidos conforme conseguirem su­portar. Os líderes devem fazer com que a jornada dos mais jovens seja a mais cômoda possível. Cristo, o Bom Pastor, assim o faz, Isaías 40.11. Agora, Jacó não dese­jará que Esaú modere o seu passo, nem force a sua fa­mília a acelerar o dela, nem os abandonará para fazer companhia ao seu irmão, como muitos que amam qual­quer associação mais do que a sua própria casa, teriam feito. Mas Jacó deseja que Esaú caminhe na frente, e promete segui-lo devagar, na medida do possível. Note que é uma coisa irracional condicionar outros ao nosso ritmo. Nós podemos chegar com tranqüilidade, enfim, ao final da mesma jornada, embora não viajemos juntos, nem no mesmo passo. Pode haver aqueles a quem não possamos acompanhar e mesmo assim não precisemos nos separar ao longo do caminho. Jacó sugere a Esaú que era seu desígnio atual ir com ele para o Monte Seir. E nós podemos presumir que ele tenha ido, depois de haver estabelecido a sua família e os seus negócios em outro lugar, embora essa visita não esteja registrada. Note que quando restabelecemos a paz com os nossos amigos, de uma forma feliz, devemos nos preocupar em cultivá-la, sem atrasá-los com meras cortesias. 2. Esaú oferece alguns de seus homens para serem seus guardas e escolta v. 15. Ele percebeu que Jacó contava com pouca assistência, nenhum ciiado a não ser seus lavradores e pastores, nenhuma pajem ou lacaio. E então, pensando que Jacó estivesse tão desejoso quanto ele próprio (se tivesse condições) de mostrar que estava em condições superiores às que tinha, e parecer importante, Esaú ne­

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169 GÊNESIS 34 w. 16-20cessariamente lhe emprestaria alguns do seu séqüito para acompanhá-lo, para que Jacó pudesse se parecer com um irmão de Esaú. Mas Jacó humildemente recusa a sua oferta, apenas desejando que ele não levasse a mal esta recusa: Para que é isso? (1) Jacó é humilde, e não precisa disso para se mostrar. Ele não deseja mostrar uma aparência exuberante na carne, sobrecarregando- se com uma escolta desnecessária. Note que é a vaidade da ostentação e da grandeza estar acompanhado de uma grande quantidade de algo sobre o que pode ser dito: Para que é isso? (2) Jacó está sob a proteção divina, e não precisa disso por segurança. Note que aqueles que têm a Deus como sua sentinela estão suficientemente protegi­dos por uma escolta de suas hostes, como Jacó. Aqueles que têm a Deus como o seu braço, todas as manhãs, não precisam estar em dívida com um braço de carne. Jacó acrescenta: “Que eu ache graça aos olhos do meu senhor. Tendo o teu favor, terei tudo de que preciso, tudo o que desejo de ti”. Se Jacó assim avaliou a boa vontade de um irmão, muito mais razões nós temos para reconhecer que temos o bastante se tivermos, a nosso favor, a boa vonta­de do nosso precioso Deus.

w. 16-20Aqui: 1. Jacó chega a Sucote. Tendo - de uma maneira

amigável - se separado de Esaú, que havia ido para a sua própria terra (v. 16), Jacó chega a um lugar onde, ao que parece, ele descansou durante algum tempo, fez cabanas para o seu gado, e outras comodidades para si mesmo e para a sua família. Mais tarde este lugar ficou conhecido pelo nome de Sucote, uma cidade na tribo de Gade, no ou­tro lado do Jordão (este nome significa tendas), para que quando mais tarde os seus descendentes residissem em casas de pedra, eles pudessem se lembrar de que o ara- meu prestes a perecer era seu pai, um homem que se con­tentava com tendas (Dt 26.5). Tal era a rocha de onde eles foram cortados. 2. Jacó chega a Siquém. Nós interpreta­mos isso como em Salém, uma cidade de Siquém. Os crí­ticos geralmente tendem a interpretar isso literalmente: ele chegou a salvo, ou em paz, à cidade de Siquém. Depois de uma viagem perigosa durante a qual havia se depara­do com muitas dificuldades, ele chegou a salvo, afinal, a Canaã. Note que as enfermidades e perigos deveriam nos ensinar a valorizar a saúde e a segurança, ajudando a au­mentar a gratidão em nossos corações quando nossas idas e vindas são claramente protegidas. Aqui: (1) Jacó compra um campo, v. 19. Embora a terra de Canaã fosse dele por promessa, todavia, não tendo chegado ainda o momento de tomar posse, ele se contenta em pagar pela sua posse pai*a evitar brigas com os atuais ocupantes. Note que a posse (ou o domínio) não é fundamentada na graça. Aque­les que têm o céu de graça não devem esperar obter a ter­ra assim. (2) Jacó edifica um altar, v. 20. [1] Por gratidão a Deus, pela boa mão de sua providência que estava sobre Jacó. Ele não se contentou com agradecimentos verbais pela generosidade de Deus para consigo, mas desejou ofe­recer algo palpável. [2] Para que pudesse conservar a re­ligião e a adoração a Deus em sua família. Note que onde quer que tenhamos uma tenda, Deus deve ter um altar. Onde tivermos uma casa, Ele deve ter uma igreja em seu

interior. Jacó dedicou esse altar à honra de El-elohe-Isra- el - Deus, o Deus cie Israel, para a honra de Deus, o único Deus vivo e verdadeiro, o melhor dos seres e o princípio de todas as coisas. E para a honra do Deus de Israel, como o Deus que fez um concerto com ele. Note que em nossa adoração a Deus devemos sei1 orientados e regidos pelas descobertas simultâneas tanto da religião natural quanto da religião revelada. Deus o havia chamado recentemente pelo nome de Israel. E agora Jacó chama a Deus de Deus de Israel. Embora ele seja intitulado como um príncipe com Deus, Deus ainda será um príncipe com ele, o seu Se­nhor e o seu Deus. Note que as nossas honras se tornam, de fato, honras para nós quando são consagradas à honra de Deus. O Deus de Israel é a glória de Israel.

C a p í t u l o 3 4Neste capítulo começa a história das aflições de Jacó com os filhos - que foram imensos - e que são registrados para mostrar: 1. A vaidade deste mundo. Aquele que nos é mais querido pode aca­bar sendo o nosso maior tormento, e nós podemos nos deparar com os maiores revezes naquelas coi­sas das quais dissemos: “Isto nos consolará”. 2. As aflições habituais das pessoas boas. Os filhos de Jacó foram circuncidados, foram bem educados, e se orou muito por eles. Eles tinham exemplos muito bons incutidos em si mesmos. Mesmo assim alguns deles se mostraram muito rebeldes. “Não é dos ligeiros a carreira, nem dos valentes, a pele­ja”. A graça não corre no sangue, e também a sus­pensão da herança da graça não elimina a herança da fé e os privilégios da igreja visível: mais ainda, os filhos de -Jacó, embora fossem o seu tormento em algumas coisas, ainda assim faziam parte do concerto com Deus. Neste capítulo temos: I. Diná é desonrada, w. 1-5. II. Um contrato de matrimô­nio entre ela e Siquém, que a havia maculado, w. 6-19. III. A circuncisão dos siquemitas, de acordo com aquele contrato, w. 20-24. IV A pérfida e san­grenta vingança que Simeão e Levi perpetraram contra eles, w. 25-31.

Diná É Desonradaw. 1-5

Diná era, ao que parece, a única filha de Jacó, e nós podemos deduzir então que ela era a favorita da mãe e a predileta da família. Mesmo assim, ela mostra não ser mo­tivo de alegria ou de honra para eles. Pois aqueles filhos que são mais mimados quase nunca se mostram os melho­res ou os mais promissores. Calcula-se que ela tivesse, en­tão, quinze ou dezesseis anos, quando ocasionou tanto mal. Observe: 1. A vã curiosidade que a expôs. Ela saiu, talvez sem o conhecimento de seu pai, mas com a conivência da mãe, para ver as filhas da terra (v. 1). Diná provavelmente foi a um baile, ou a algum dia de solenidade pública. Sendo uma filha única, ela se sentia solitária em casa, não tendo ninguém de sua idade e do mesmo sexo para conversar.

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w. 6-17 GÊNESIS 34 170E então ela teve a necessidade de sair para se divertir, para evitar a melancolia, e para se completar através de uma conversa melhor do que aquela que encontraria nas tendas de seu pai. Note que amar o seu lar é uma coisa muito boa para os filhos; é sábio por parte dos pais facili­tarem isso a eles, e o dever dos filhos é se sentirem bem com isso. Seu pretexto era encontrar as filhas da terra, para ver como elas se vestiam, como dançavam, e o que estava na moda entre elas. Ela foi ver, mas isso não era tudo, ela foi para ser vista também. Ela foi para ver as filhas da terra, mas, pode sei' que também tivesse alguns pensamentos sobre os filhos da terra. Eu duvido que ela tivesse a intenção de se familiarizar com os cananeus, e aprender os seus costumes. Note que o orgulho e a vaida­de dos jovens os induzem a cair em muitas armadilhas. 2. A perda de sua honra através destes meios (v. 2). Siquém,o príncipe da terra, mas um escravo de sua própria lu­xúria, a tomou, e deitou-se com ela, ao que parece, não tanto pela força quanto pela surpresa. Note que homens importantes acreditam que podem fazer qualquer coisa. E o que é mais nocivo do que uma juventude mal educada e descontrolada? Veja o que adveio do passeio de Diná. Mulheres jovens devem aprender a ser castas, a ficar em casa. Esses atributos andam juntos, Tito 2.5, pois aquelas que não ficam em casa expõem a sua castidade. Diná saiu para olhar ao seu redor. Mas, se ela tivesse olhado ao re­dor como deveria, não teria caído nessa armadilha. Note que o começo do pecado é como o soltar das águas. Quão grande bosque um pequeno fogo incendeia! Nós devemos evitar, a todo custo, e cuidadosamente, todas as situações de pecado, bem como a proximidade do pecado. 3. A corte que Siquém fez a ela, depois que a tinha desonrado. Isso era justo e recomendável, e assim ele fez o melhor daquilo que era ruim. Ele a amou (não como Amnom, 2 Samuel 13.15), e encarregou seu pai de pedi-la em casamento por ele, v. 4. 4. As notícias trazidas ao pobre Jacó, v. 5. Tão logo seus filhos cresceram, começaram a ser um tormento para ele. Que os pais religiosos que estão lamentando os fracassos de seus filhos, não considerem seu caso singu­lar ou sem precedente. O bom homem mantinha a calma como alguém perplexo, que não sabe o que dizer. Ou ele não disse nada, por medo de dizer algo impróprio, como Davi (SI 39.1,2). Jacó reprimiu os seus ressentimentos, para que, se permitisse que eles irrompessem, estes nãoo levassem a cometer qualquer algum desvario. Outra possibilidade é que ele tenha deixado excessivamente (e disso eu duvido muito) a administração de seus negócios a cargo de seus filhos, e ele não faria nada sem eles. Ou, no mínimo, ele sabia que eles o deixariam constrangido, caso agisse, tendo eles se mostrado, ultimamente, em todas as ocasiões, ousados, entusiasmados e arrogantes. Note que as coisas nunca vão bem quando a autoridade de um pai diminui na família. Que todo homem exerça autoridade em sua própria casa, e tenha seus filhos em sujeição, com toda seriedade.

A Traição dos Irmãos de Dináw. 6-17

Os filhos de Jacó, quando ouviram falar do mal feito a Diná, demonstraram um ressentimento muito grande

por isso, influenciados talvez mais propriamente por zelo pela honra de sua família, do que por um senso de virtu­de. Muitos estão tão preocupados com a indecência do pe­cado que nunca consideram profundamente a iniqüidade deste. O pecado é, aqui, chamado de “doidice em Israel” (v. 7), de acordo com a linguagem moderna. Pois Israel ainda não era uma nação, mas apenas uma família. Note que: 1. A sordidez é loucura. Pois ela sacrifica - a um desejo desprezível e brutal - a generosidade de Deus, a paz de consciência, e tudo aquilo que é sagrado e nobre a que a alma pode aspirar. 2. Essa loucura é extremamente vergonhosa em Israel, na família de Israel, onde Deus é conhecido e adorado, como era nas tendas de Jacó, pelo nome de Deus de Israel. A loucura em Israel é realmente escandalosa. 3. É uma boa coisa ter o pecado marcado com um nome mau: a sordidez é aqui proverbialmente chamada de loucura em Israel, 2 Samuel 13.12. Diná é aqui chamada de filha de Jacó, como advertência a todas as filhas de Israel, para que elas não sejam induzidas a essa loucura.

Hamor veio para tratar com o próprio Jacó, mas ele o encaminhou aos seus filhos. E aqui nós temos um rela­to detalhado do acordo, no qual, é uma vergonha dizer, os cananeus foram mais honestos do que os israelitas.

I Hamor e Siquém propõem corretamente esse casa­mento, com vistas a uma aliança comercial. Siquém

está profundamente apaixonado por Diná. Ele a terá sob qualquer condição, w. 11,12. Seu pai não apenas consen­te, mas pede por ele, e seriamente insiste nas vantagens que adviriam da união das famílias, w. 9,10. Ele não mos­tra nenhuma desconfiança em relação a Jacó, embora fosse um estrangeiro. Em vez disso, um desejo sincero de estabelecer um acordo com ele e sua família, fazendo- lhe aquela generosa oferta: A terra estará diante da vos­sa face, negociai nela.

IT Os filhos de Jacó fingem, de forma vil, insistir em JL uma união religiosa, quando na verdade o que eles

planejaram nada tinha a ver com isso. Se Jacó tivesse to­mado a condução deste assunto em suas próprias mãos, é provável que ele e Hamor logo o tivessem concluído. Mas os filhos de Jacó cogitam apenas vingança, e um es­tranho projeto que eles têm para a sua realização - os siquemitas devem ser circuncidados. Não para torná-los sagrados (eles nunca tiveram essa intenção), mas para causar-lhes dor, para que eles pudessem se tornar uma presa fácil para as suas espadas. 1. A exigência parecia plausível. “É uma honra para família de Jacó que eles carreguem em si o símbolo do seu concerto com Deus. Além disto, seria uma vergonha para aqueles que são assim dignificados e distinguidos associarem-se em uma aliança estrita com aqueles que não eram circuncidados (v. 14). E assim, se forem circuncidados, então seremos um só povo”, w. 15,16. Se eles tivessem sido sinceros na proposta dessas condições, ela teria tido em si alguma coisa elogiável. Pois israelitas não deveriam se casar com cananeus. O povo fiel ao Senhor não poderia se casar com profanos. Os casamentos mistos, por assim dizer, são grandes pecados, ou, no mínimo, a origem e a porta de entrada de muitos pecados. Suas conseqüências têm sido, freqüentemente, danosas. O interesse que temos

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171 GÊNESIS 34 w. 18-24por quaisquer pessoas, e o controle que temos sobre elas deveria ser sabiamente aproveitado por nós, para trazê-las para o amor e a prática da religião (aquele que ganha almas sábio é). Entretanto, nós não devemos, como os filhos de Jacó, pensar que isso seja o bastante para persuadi-los a se submeterem a ritos externos da religião, mas devemos nos esforçar para convencê-los de sua racionalidade, e fazei' com que se familiarizem com o poder da fé. 2. O objetivo era maligno, como parece pela seqüência da história. Tudo o que eles visavam era prepará-los para o dia do massacre. Note que os objeti­vos sangrentos têm sido frequentemente disfarçados e levados a cabo sob um pretexto religioso. Desse modo eles têm sido consumados de uma forma aparentemente bastante plausível e segura: mas essa religiosidade dis­simulada é, sem dúvida, uma iniqüidade em dobro. A re­ligião nunca é mais prejudicada, nem os sacramentos de Deus mais profanados, do que quando eles são usados, desta forma, como um disfarce para a maldade. Além disso, se os filhos de Jacó não tivessem esse propósito sangrento, eu não vejo como eles poderiam justificar a sua oferta do símbolo sagrado da circuncisão, o selo do concerto de Deus, àqueles devotos cananeus, que não ti­nham nem obrigação nem parte no assunto. Aqueles que não tinham direito à promessa não tinham direito ao selo da promessa. Não convém tomar o pão dos filhos e lançá- lo aos cães. Mas os filhos de Jacó não davam importância a isso, conquanto pudessem usar as coisas de Deus para alcançar os seus objetivos.

w. 18-24Aqui: 1. Hanior e Siquém consentiram em ser cir­

cuncidados, w. 18,19. Talvez eles tenham sido movidos a isso, não apenas pelo forte desejo que sentiam de viabili­zar este casamento, mas pelo que eles poderiam ter ouvi­do falar dos sagrados e honrosos significados desse sinal na família de Abraão. É provável que tivessem algumas noções confusas tanto da circuncisão quanto das promes­sas confirmadas por este selo, o que os tornou ainda mais desejosos de fazer parte da família de Jacó, Zacarias 8.23. Note que muitos que conhecem pouco a respeito de religião, mesmo assim sabem o suficiente sobre ela, a ponto de desejarem se unir àqueles que são religiosos. Por outro lado, se um homem toma para si uma forma de religião visando conquistar uma boa esposa, muito mais nós deveríamos adotar o seu poder para alcançar a generosidade do Deus bondoso, chegando até mesmo a circuncidar os nossos corações para amá-lo. E, como Si­quém, não devemos demorar a fazê-lo. 2. Eles obtiveramo consentimento dos homens de sua cidade, quanto à exi­gência dos filhos de .Jacó de que eles também fossem cir­cuncidados. (1) Eles próprios tinham grande influência sobre os demais devido à sua autoridade e exemplo. Note que a religião seria muito bem sucedida se aqueles que têm autoridade - e que, como Siquém, são mais decentes do que os seus vizinhos - se mostrassem entusiasmados e zelosos a respeito dela. (2) Eles insistem em um argu­mento que era muito convincente (v. 23). Seu gado, e as suas possessões, não serão nossos? Eles perceberam que os filhos de Jacó eram pessoas prósperas e laboriosas, e prometiam vantagens a eles e aos seus vizinhos através

de uma aliança. Isso melhoraria a terra e o comércio, e traria dinheiro para a sua comunidade. Neste ponto: [1] Era ruim o bastante casar-se sob esse princípio: mes­mo assim vemos a cobiça como a maior casamenteira do mundo, e nada motivava tanto a tantos, como juntar casa com casa e campo com campo, sem respeito a qual­quer outra consideração. [2] Era pior ser circuncidado sob este princípio. Os siquemitas adotarão a religião da família de Jacó apenas com esperanças de, por meio dis­so, ter parte nas riquezas daquela família. Desse modo, existem muitos para quem o lucro é um deus, e que são mais dirigidos e influenciados por seu interesse secular do que por qualquer princípio de sua religião.

O Assassinato dos Siquemitasw. 25-81

Aqui temos Simeão e Levi, dois dos filhos de Jacó, rapazes que não tinham muito mais de vinte anos de idade, cortando as gargantas dos siquemitas, e com isso partindo o coração de seu bom pai.

I Aqui está o bárbaro assassinato dos siquemitas. O próprio Jacó estava acostumado a usar ganchos para

prender ovelhas, mas seus filhos, por sua vez, tinham espadas, como se eles fossem da semente de Esaú, que vivia pela sua espada. Nós os temos aqui:

1. Assassinando os habitantes de Siquém - todos os habitantes do sexo masculino, especialmente Hamor e Siquém, com quem eles haviam estado tratando de uma maneira amigável há apenas poucos dias, já com um mau propósito relativo à vida deles. Alguns pensam que todos os filhos de Jacó, quando induziram os siquemitas a serem circuncidados, planejavam tirar proveito do fato deles estarem em meio a uma grande dor, e resgatar Diná de dentre eles. Mas que Simeão e Levi, não contentes com isso, se vingariam da ofensa - e eles o fizeram mediante um testemunho. Assim sendo: (1) Não se pode negar que Deus tenha sido justo em tudo isso, mais especificamente por não proteger os siquemitas. Se os siquemitas tives­sem sido circuncidados em obediência a qualquer ordem de Deus, a sua circuncisão teria sido a sua proteção. Mas quando eles se submeteram àquele ritual sagrado apenas para servil* a um objetivo material, para agradar a seu príncipe e para se enriquecer, era justo que Deus os casti­gasse dessa forma. Note que assim como nada nos dá mais segurança do que a verdadeira religião, nada nos expõe mais do que uma religião que é apenas aparente, e até fin­gida. (2) Mas Simeão e Levi foram muito injustos. [1] Era verdade que Siquém havia cometido uma loucura contra Israel ao deflorar Diná. Mas deveria ter sido considerado até que ponto a própria Diná havia sido cúmplice nisso. Se Siquém tivesse abusado de Diná na tenda da própria mãe dela, seria outra situação. Mas ela foi ao terreno dele, e talvez através de seu compoitamento indecente tivesse provocado a faísca que desencadeou o fogo. Ao sermos severos com o pecador, devemos considerar quem foi o se­dutor. [2] Era verdade que Siquém havia feito o mal. Mas ele estava se esforçando para repará-lo, e era tão honesto e correto, e.v post fcicto - depois do feito, quanto o caso permitia. Não era o caso da concubina do levita que so­

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w. 1-5 GÊNESIS 35 172freu abusos até à morte. Siquém não procurou justificai’ o que fez, mas buscou uma reconciliação sob quaisquer condições. [3] Era verdade que Siquém havia feito o mal. Mas o que isso tinha a ver com todos os siquemitas? Um homem peca, e ficarão eles enfurecidos contra toda a ci­dade? Deve o inocente cair com o culpado? Isso era real­mente bárbaro. [4] Mas o que, acima de tudo, exacerbou a crueldade foi a mais pérfida traição que havia nisso. Os siquemitas haviam se submetido às condições deles, e tinham feito aquilo por haverem prometido se tornar um só povo com eles (v. 16). Ainda assim, eles agem como inimigos jurados com aqueles de quem eles haviam re­centemente se tornado amigos jurados, não levando a sério o seu acordo, assim como haviam feito com as leis da humanidade. E são estes os filhos de Israel? Amal­diçoada seja a sua fúria, pois esta era cruel. [5] Havia algo que aumentava o crime, o fato de terem utilizado um mandamento sagrado de Deus para servir aos seus propósitos, tornando-o assim odioso. Como se não fosse suficiente para eles envergonharem a si e à sua família, eles trazem uma mancha sobre aquele honroso símbolo de sua religião. De forma justa este seria denominado um mandamento sangrento.

2. Agarrando a presa de Siquém, e saqueando a ci­dade. Eles resgataram Diná (v. 26), e, se isso fosse tudo pelo que eles vieram, eles poderiam tê-lo alcançado sem sangue, como se vê por suas próprias palavras (v. 17). Mas eles visavam o espólio. E, embora apenas Simeão e Levi fossem os assassinos, ainda assim é sugerido que outros dos filhos de Jac-ó vieram aos mortos e saquea­ram a cidade (v. 27). E assim tornaram-se cúmplices do assassinato. Neles a injustiça é evidente. Até aqui pode­mos observar a justiça de Deus. Os siquemitas estavam dispostos a agradar aos filhos de Jacó submetendo-se à penitência da circuncisão, sob esta premissa: Seu gado e as suas possessões, não serão nossos? (v. 23), e veja qual era o problema. Ao invés de se tornarem senhores da riqueza da família de Jacó, a família de Jacó tornou- se dona da riqueza deles. Note que aqueles que desejam se apossar injustamente daquilo que pertence a outros, perdem, merecidamente, o que é seu.

n Eis aqui a indignação de Jacó contra essa ação sangrenta de Simeão e Levi, v. 30. Ele reclama amargamente de duas coisas: 1. A desgraça que eles através disso haviam trazido sobre ele: Tendes-me tur­bado, colocando-me em uma situação difícil, fazendo-me

cheirar mal entre os moradores desta terra, isto é: “Vós tornastes odiosos entre eles a mim e à minha família. O que falarão de nós e de nossa religião? Nós seremos con­siderados o povo mais bárbaro e traiçoeiro”. Note que uma conduta completamente indecente de filhos maus é a tristeza e a vergonha dos pais devotos. Os filhos deve­riam ser a alegria de seus pais. Mas os filhos maus são o seu tormento, entristecem os seus corações, quebrantam o seu ânimo, e fazem com que se lamentem dia após dia. Os filhos devem ser como um ornamento para os seus pais. Mas os filhos iníquos e maus são a sua vergonha, e são como moscas mortas em um pote de ungüento. Mas que tais filhos saibam que, se não se arrependerem, a tristeza que causaram aos seus pais, e o detrimento à reputação da religião será incluído em sua prestação de

contas, e cobrado com todo o rigor. 2. A decadência a que eles o haviam exposto. O que se poderia esperar, exceto que os cananeus, que eram numerosos e formidáveis, se unissem contra Jacó, e que este, junto com a sua peque­na família, se tornasse uma presa fácil para eles? Ficarei destruído, eu e a minha casa. Se todos os siquemitas de­vem ser destruídos pelo pecado de um, por que não todos os israelitas pelo pecado de dois? Jacó sabia, com certeza, que Deus havia prometido preservar e perpetuar a sua casa. Mas ele deveria temer, legitimamente, que as práti­cas abomináveis de seus filhos resultassem no confisco e colocassem um fim à herança. Note que quando o pecado está na casa, há razão para temer que a destruição esteja à porta. Os pais carinhosos antevêem as conseqüências ruins do pecado, que os filhos maus não temem. Seria de se pensar que isto deveria fazê-los ter piedade e se humi­lharem perante o seu pai virtuoso, e que assim pedissemo seu perdão. Mas, em vez disso, eles tentam se justifi­car, e respondem a Jacó com insolência. Faria, pois, ele, à nossa irmã como a uma prostituta? Não, ele não faria. Mas, se ele o fizer, será que eles devem ser os seus pró­prios vingadores? Nada menos do que tantas vidas e a destruição de uma cidade servirão para reparar o dano cometido contra uma garota tola e imprudente? Através de sua pergunta, eles tacitamente consideraram que o pai deles estivesse satisfeito por permitir que tratassem a sua irmã como uma prostituta. Note que é comum que aqueles que estão em um extremo, reprovem e censurem aos que se mantêm em uma posição equilibrada como se estes estivessem no extremo oposto. Aqueles que conde­nassem a severidade da vingança seriam mal interpreta­dos, como se eles tolerassem e justificassem a ofensa.

C a p ítu lo 3 5Neste capítulo, temos três comunhões e três fu­nerais. I. Três comunhões entre Deus e Jacó. 1. Deus ordenou a Jacó que fosse até Betei. E, em obediência a essa ordem, ele expurgou os ídolos de sua casa e se preparou para essa jornada, w. 1-5.2. Jacó construiu um altar em Betei, em honra a Deus, que lhe havia aparecido, e em cumprimen­to ao seu voto, w. 6,7. 3. Deus apareceu-lhe mais uma vez e confirmou a mudança de seu nome eo concerto com ele (w. 9-13). Jacó expressou um grato reconhecimento por essa visita, w. 14,15. II. Três funerais. 1. O de Débora, v. 8. 2. O de Raquel, w. 16-20. 3. O de Isaque, w. 27-29. Aqui também se encontra o incesto de Rúben (v. 22), e um relato sobre os filhos de Jacó, w. 23-26.

Jacó É Convocado para Ir a Betei. A Jornada de Jacó rumo a Beteiw. 1-5

Aqui:T Deus lembra Jacó de sua promessa em Betei, e o JL manda para lá, para cumpri-la, v. 1. Jacó havia dito

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173 GÊNESIS 35 w. 1-5no dia de sua angústia: Se eu voltar em paz, esta pedra será a casa de Deus, cap. 28.22. Deus havia cumprido a sua parte do acordo, e havia dado a Jacó mais do que pão para comer e roupas para vestir - ele tinha posses e havia se dividido em dois grupos. Porém, ao que parece, ele havia se esquecido de seu voto, ou pelo menos havia demorado muito para cumpri-lo. Agora já fazia sete ou oito anos que ele tinha vindo para Canaã. Ali, ele havia comprado terras, e construíra um altar em recordação da última aparição de Deus a si, quando Deus o chamou de Israel (cap. 33.19,20). Mas Betei ainda permanecia no esquecimento. Note que o tempo é capaz de apagar o sig­nificado das graças e as impressões que estas causam em nós. Não deveria ser assim, mas assim é. O Senhor Deus havia permitido que Jacó tivesse um desgosto muito do­lorido em sua família (cap. 34). Alguns entendem que o objetivo seria ver se isto traria o seu voto à lembrança, e faria com que ele o cumprisse. Mas não houve este efei­to. Por isso, o próprio Deus vem e faz com que Jacó se lembre do voto: Levanta-te, sobe a Betei. Note que: 1. Deus lembrará todos aqueles a quem ama das obriga­ções negligenciadas, de um modo ou de outro, através do despertamento da consciência, ou de orientações especí­ficas. 2. Se fizemos algum voto a Deus, é melhor não nos demorarmos a pagá-lo (Ec 5.4). Ainda assim, melhor ta r­de do que nunca. Deus lhe ordenou que subisse a Betei e habitasse ali. Quer dizer, não apenas ir ele próprio, mas levar a sua família consigo, para que ela pudesse se unir a ele em suas devoções. Note que em Betei, a casa de Deus, devemos desejar habitar, Salmos 27.4. Betei deve ser o nosso lar, e não a nossa pousada. Deus não lembra Jacó expressamente do seu voto, mas do acontecimento em que ele foi feito: Quando fugiste de diante da face de Esaú. Note que a recordação de antigas angústias de­veriam trazer à mente as decisões que as nossas almas tomaram sob tais circunstâncias, Salmos 66.13,14.

n Jacó ordena à sua casa que se prepare para este ato solene. Não apenas para a jornada e a mu­dança, mas também para os serviços religiosos que se­riam realizados, w. 2,3. Note que: 1. Antes dos rituais solenes, deve haver uma preparação solene. Lavai-vos,

purificai-vos e vinde então, e argüi-me, Isaías 1.16-18. 2. Os pais de família devem utilizar a sua autoridade para estimular a religião em suas famílias. Não apenas nós, mas também as nossas casas devem servir ao Senhor, Josué 24.15. Observe as ordens que ele dá à sua casa, como Abraão, cap. 18.19. (1) Eles devem remover os deu­ses estranhos. Deuses estranhos na família de Jacó! Algo estranho, sem dúvida! Podia uma família como aquela, a quem foi ensinado o bom conhecimento sobre o Senhor, aceitá-los? Podia um pai, a quem Deus havia aparecido duas vezes e ainda outras vezes, ser conivente com tama­nhos pecados? Sem dúvida, esta era a sua fraqueza. Note que aqueles que são virtuosos nem sempre conseguem ter, à sua volta, pessoas tão boas quanto deveriam ser. Nas famílias em que há uma aparência religiosa e um altar para Deus, muitas vezes há muita coisa errada e mais deuses estranhos do que se poderia suspeitar. Na família de Jacó, Raquel tinha o seu ídolo, um terafim. É de se temer que ela fizesse algum uso supersticioso da­quele ídolo. Os cativos de Siquém trouxeram consigo os

seus deuses, e talvez os filhos de Jacó tenham trazido alguns destes entre os produtos do saque. A despeito da maneira como os tenham obtido, agora eles tinham que se desfazer de todos os ídolos. (2) Eles deveriam estar limpos e trocar as suas vestes. Eles deveriam observar o devido decoro, e apresentar a melhor aparência possível. Simeão e Levi tinham as suas mãos cheias de sangue. Lavar e trocar as suas vestes tão manchadas se referia particularmente a eles. Estas eram apenas formalidades e cerimônias que estavam representando a purificação e a mudança do coração. O que são roupas limpas e novas, sem um coração limpo e novo? O Dr. Lightfoot entende a menção a estarem eles limpos ou a se lavarem, como a admissão por Jacó dos prosélitos de Siquém e da Síria em sua religião através do batismo, pois a circuncisão se tornara abominável. 3. Eles deveriam ir com Jacó a Be­tei, v 3. Note que os pais de família, ao subirem à casa de Deus, devem levar as suas família consigo.

IT T A família de Jacó entregou tudo o que tinha JL J l que pudesse ser considerado idolatria ou su­perstição, v. 4. Talvez, se Jacó os tivesse exigido antes,

eles tivessem se separado deles mais cedo, convencidos pelas suas próprias consciências da sua inutilidade. Note que às vezes as tentativas de reforma têm maior sucesso do que se poderia esperar, e as pessoas não são tão obsti­nadamente contrárias como nós temíamos. Os servos de Jacó, e até mesmo os empregados de sua família, lhe de­ram todos os deuses estranhos e os brincos que usavam, fosse como amuletos ou em homenagem a seus deuses. Eles se desfizeram de tudo. Observe que a reforma não será considerada sincera se não for completa. Espera­mos que eles tenham se desfeito deles com alegria e sem relutância, como fizera Efraim, quando disse: Que mais tenho eu com os ídolos? (Os 14.8). Ou que tenham agido como aquele povo que disse aos seus ídolos: Fora daqui, Isaías 30.22. Jacó cuidou de enterrar as suas imagens, podemos supor em algum lugar desconhecido deles, para que não pudessem, depois, encontrá-los e retor­nar a eles. Note que nós devemos estar completamente afastados dos nossos pecados, como se eles estivessem mortos e sepultados bem longe da nossa vista: lança-os às toupeiras e aos morcegos, Isaías 2.20.

Ele se muda, sem problemas, de Siquém para Betei, v 5. O terror de Deus foi sobre as cidades.

Embora os cananeus estivessem muito irritados com os filhos de Jacó pelo tratamento cruel que deram aos se- quenitas, ainda assim eles se encontravam tão contidos por um poder divino que não conseguiam aproveitar esta clara oportunidade, que agora se oferecia para se vinga­rem de seus vizinhos, enquanto estavam em sua marcha. Note que o caminho do dever é o caminho da segurança. Enquanto havia pecado na casa de Jacó, ele tinha medo de seus vizinhos. Mas agora que os deuses estranhos foram deixados de lado, e estavam indo todos juntos para Betei, os seus vizinhos é que o temiam. Quando estamos cuidan­do da obra de Deus, estamos sob uma proteção especial. Deus estará conosco enquanto estivermos com Ele. E, se Ele é por nós, quem será contra nós? Veja Êxodo 34.24: Ninguém cobiçará a tua terra, quando subires para apare­cer três vezes no ano diante do Senhor, teu Deus. O Deus

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w. 6-15 GÊNESIS 35 174glorioso dirige o mundo através dos terrores secretos que estão na mente dos homens. Nós sequer temos idéia da­quilo que se passa na mente de cada um.

A Chegada de Jacó a Beteiw. 6-15

Tendo Jacó e seus acompanhantes chegado em segu­rança a Betei, aqui nos é dito o que se passou ali.

I Ali ele construiu um altar (v 7) e, sem dúvida, ofe­receram sacrifícios neste, talvez de um décimo de

seu gado, conforme a sua promessa: Te darei o dízimo de tudo. Através destes sacrifícios, Jacó ofereceu louvores pelas graças anteriores, em particular por aquela que a vista do lugar trazia mais uma vez à sua lembrança. E Jacó acrescentou orações pela continuidade da genero­sidade de Deus para com ele e sua família. E Jacó cha­mou o lugar (ou melhor, o altar), de El-betel, o Deus cle Betei. Quando ele fez um grato reconhecimento da honra que Deus lhe havia concedido, recentemente, ao chamá-lo de Israel, ele adorou a Deus chamando-o pelo nome de El-elohe Isrciel. Agora, da mesma forma, Jacó estava expressando um agradecimento ao Senhor em reconhe­cimento ao ato anterior de generosidade que Deus lhe concedera em Betei. Ele adora a Deus, chamando-o pelo nome de El-betel, o Deus de Betei, ou o Deus da casa, porque ali Deus lhe aparecera. Note que o consolo que os santos têm em rituais sagrados não vêm tanto de Betei, a casa de Deus, quanto de El-betel, o Deus da casa. Os rituais nada mais serão do que coisas vazias, se nós não encontrarmos a Deus neles.

n Ali, ele sepultou Débora, a ama de Kebeca, v. 8. Temos motivos para pensar que Jacó, depois

que veio para Canaã, enquanto sua família habitava nas proximidades de Siquém, foi ele próprio (possivelmente muitas vezes) visitar seu pai Isaque em Hebrom. Rebeca provavelmente já morrera, porém sua velha ama (que é mencionada no capítulo 24.59) viveu mais do que ela, e que Jacó a incluiu em sua família, para fazer companhia às suas esposas, suas compatriotas, e ser professora para seus filhos. Enquanto eles estavam em Betei, ela morreu, e a sua morte foi lamentada, tão lamentada que o carvalho debaixo do qual ela foi sepultada foi chamado deAlom-Bacute, o carvalho da lamentação. Note que: 1. Antigos servos de uma família, que durante o seu tempo de serviço foram confiáveis e úteis, devem ser respeita­dos. Um grande respeito foi prestado a esta ama, em sua morte, pela família de Jacó, embora ela não fosse paren­te deles e fosse uma mulher de idade avançada. Antigos serviços prestados devem ser relembrados, em casos como este. 2. Não sabemos quando a morte pode nos apanhar. Talvez em Betei, a casa de Deus. Por isso, es­tejamos sempre prontos. 3. As angústias podem atingir uma família, mesmo quando a reforma da família estiver em andamento e a religião estiver sendo praticada de co­ração. Por isso, regozije-se com tremor.

Ali Deus apareceu a Jacó (v 9), para reconhe­cer o recebimento de seu altar, para que cor­

respondesse ao nome pelo qual ele o havia chamado, O Deus de Betei (v. 7), e para consolá-lo em sua angústia, v. 8. Note que Deus aparecerá, em forma de graça, para aqueles que se dedicarem a Ele em suas obrigações. Nes­te ponto: 1. Ele confirmou a mudança de seu nome, v. 10. Isto havia sido feito antes pelo anjo que lutara com Jacó (cap. 32.28), e é ratificado agora pela divina Majestade ou Shekinah, que lhe apareceu. Antes, fora para encorajá-lo contra o medo de Esaú. Porém agora, contra o medo dos cananeus. Quem pode ser forte demais para Israel, um príncipe acompanhado de Deus? É indigno daqueles que são dignificados dessa maneira, abater-se e desesperar- se. 2. O Deus bendito renovou e ratificou o concerto com Jacó, através do nome El-shaddai. Eu sou o Deus Todo- Poderoso, o Deus onipotente (v. 11), capaz de cumprir a promessa no tempo devido, de te sustentai* e prover a tua subsistência até que chegue a hora. Duas coisas lhe são prometidas, e nós nos deparamos com elas muitas vezes anteriormente: (1) Que ele seria o pai de uma grande na­ção, grande em número - uma multidão de nações sairá de ti (cada tribo de Israel era uma nação, e todas as doze formavam uma multidão de nações), grande em glória e em poder - reis procederão dos teus lombos. (2) Que ele seria o senhor de uma terra boa (v. 12), descrita por aqueles que receberam a promessa antes dele, Abraão e Isaque, e não pelos ocupantes, os cananeus, em cuja posse ela agora estava. A terra que foi dada a Abraão e a Isaque é, aqui, transmitida por herança a Jacó e à sua semente. Ele não deve te r filhos sem propriedades, o que é muitas vezes o caso dos pobres. Nem ter propriedades sem ter filhos, o que é geralmente a tristeza dos ricos. Mas Jacó deve ter ambos. Estas duas promessas possuí­am um significado espiritual, a respeito do qual podemos supor que o próprio Jacó tivesse alguma noção, embora não tão clara e precisa como nós temos agora. Pois, sem dúvida, Cristo é a semente prometida, e o céu é a terra prometida. O primeiro é a base, e o último é o topo de to­das as benevolências de Deus. 3. O Senhor Deus, então, subiu dele, ou por sobre ele, em alguma exposição visível de glória, que pairava sobre Jacó, enquanto o Senhor fa­lava com ele, v. 13. Note que a mais doce comunicação que os santos têm com Deus neste mundo são curtas e transitórias, e logo têm fim. Porém, no céu, veremos o Senhor nosso Deus perpetuamente. Lá estaremos sem­pre com o Senhor. Mas aqui não é assim.

Ali, Jacó edificou um memorial, v. 14.1. Ele edi­ficou uma coluna. Quando ia para Padã-Arã, ele

transformou aquela pedra em que deitara a sua cabeça em uma coluna. Isto estava de acordo com a sua humil­de condição e a sua passagem apressada. Mas agora ele despendeu algum tempo para edificar algo mais grandio­so, mais imponente e durável, provavelmente colocando aquela pedra em seu interior. Em sinal de sua intenção de fazer daquele monumento uma celebração de sua co­munhão com Deus, ele deitou azeite e outros ingredien­tes de uma oferta líquida sobre ela. A sua promessa fora: Esta pedra será casa de Deus, ou seja, será estabelecida em sua honra, assim como as casas são edificadas em louvor aos seus construtores. E aqui ele cumpre o que prometeu, transferindo-a para Deus ao ungi-la. 2. Ele confirmou o nome que havia, anteriormente, dado ao

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175 GÊNESIS 35 w. 16-20lugar (v. 15): Betei, a casa de Deu s. Mesmo assim, pos­teriormente, este mesmo lugar perdeu a glória de seu nome, e se tornou Bete-Áven, uma casa de iniqüidade. Pois foi aqui que Jeroboão estabeleceu um de seus be­zerros. É impossível para o melhor dos homens impor a um lugar algo tão importante como ser a manifestação e o modelo da religião.

A Morte de Raquelw. 16-20

Temos aqui a história da morte de Raquel, a amada esposa de Jacó. 1. Ela morreu em trabalho de parto pelo caminho, não sendo capaz de chegar a Belém, a próxima cidade, embora eles estivessem próximos a ela; às vezes, uma dor tão grande surpreende tão subitamente uma mulher em trabalho de parto, que ela não consegue esca­par ou afastar-se desta. Podemos supor que Jacó tivesse, em pouco tempo, preparado uma tenda suficientemente adequada para acolhê-la. 2. As dores dela foram violen­tas. Ela teve um parto trabalhoso, mais penoso do que o habitual: este era o efeito do pecado, cap. 3.16. Note que a vida humana começa com sofrimento, e as rosas de sua alegria são cercadas por espinhos. 3. A parteira a encorajou, v. 17. Sem dúvida, ela tinha a sua parteira consigo, perto e de prontidão. Mesmo assim, isso não lhe dava segurança. Raquel havia dito, quando deu a luz a José: O Senhor me acrescente outro filho, o que a par­teira neste momento recorda, dizendo-lhe que as suas palavras foram aceitas. Ainda assim, isto não foi provei­toso para preservar o seu ânimo. Se Deus não expulsar o medo, ninguém mais o fará. Ele fala simplesmente como alguém que tem autoridade: Não temas. Nós temos a tendência, no caso de perigos extremos, de nos conso­larmos - como também aos nossos amigos - com a es­perança de uma libertação terrena, com a qual podemos nos desapontar; é melhor procurarmos o nosso consolo naquilo que não pode nos desapontar: a esperança da rida eterna. 4. Aquela situação trouxe a vida de seu filho, porém a morte de Raquel. Note que embora as dores e os perigos do parto tenham sido introduzidos pelo peca­do, mesmo assim, estes, às vezes, têm sido fatais para mulheres santas, que embora não sejam salvas durante o parto, são salvas através dele, com uma salvação eterna. Raquel havia dito com veemência: Dá-me filhos, se não morro. E agora que ela tivera filhos (pois este era o seu segundo), morreu. Há aqui uma referência à sua morte como sendo a partida da sua alma. Note que a morte do corpo nada mais é do que a partida da alma para o mundo dos espíritos. 5. Seus lábios moribundos chamaram seu filho recém-nascido de Ben-oni, O filho da minha an­gústia , ou tristeza. E muitos filhos, não nascidos em tais dificuldades de parto, ainda assim se mostram filhos da angústia de seus pais, e a aflição daquela que lhes deu a luz. Os filhos já causam bastante angústia às suas pobres mães na geração, gravidez e em sua criação. Por esta ra­zão, ao se tornarem adultos eles devem se preocupar em ser a alegria delas. E, dessa maneira, se possível, devem lhes fazer alguma reparação. Todavia, Jacó, para que não revivesse a penosa lembrança da morte de Raquel a cada vez que chamasse o filho por seu nome, mudou-lhe

o nome e o chamou de Benjam im, O filho do minha mão direita. Quer dizer: “Muito querido por mim, sentado à minha destra como uma bênção, o sustento da minha velhice como um cajado na minha mão direita”. 6. Jacó a sepultou nas proximidades do lugar onde ela morrera. Como ela morreu dando a luz, era conveniente sepultá- la prontamente. E, por esta razão, ele não a levou até o cemitério da família dele. Se a alma estiver em descanso após a morte, pouco importa onde o corpo repousará. Onde a árvore cair, que ali fique. Nenhuma menção é fei­ta da lamentação que ocorreu por ocasião da morte dela, pois isso podia ser facilmente considerado como certo. Sem dúvida, Jacó era um verdadeiro pranteador. Note que grandes atribulações, às vezes, se abatem sobre nós, logo após grandes consolos. Para que Jacó não se exaltasse com as visões do Todo-Poderoso com as quais ele fora dignificado, isto foi permitido como um espinho na carne, para humilhá-lo. Todos os que desfrutam a ge­nerosidade destinada aos filhos de Deus devem, mesmo assim, contar com as inquietações que são habituais aos filhos dos homens. Débora, que cuidara dela, e que te­ria sido um consolo para Raquel em seu fim, morrera apenas um pouco antes. Note que quando a morte atin­ge uma família, ela muitas vezes ataca em dobro. Deus através dela fala uma vez, e até mesmo duas. Há auto­res judeus que dizem: “As mortes de Débora e Raquel serviram para reparar o assassinato dos siquemitas, motivado por Diná, uma filha da família”. 7. Jacó colocou uma coluna sobre a sua cova, para que assim pudesse ser reconhecida muito tempo depois, como sendo o sepulcro de Raquel (1 Sm 10.2), e a Providência assim ordenou que este lugar, mais tarde, se localizasse nos termos de Benjamin. Jacó pusera uma coluna, em memória de suas alegrias (v. 14), e aqui, ele coloca outra em memória de suas angústias. Pois, assim como pode ser útil para nós, que mantenhamos ambos em mente, da mesma forma pode ser litil a outros que transmitam as lembranças de ambos: a igreja, muito tempo depois, reconheceu que o que Deus disse a Jacó, em Betei, tanto através de sua palavra quanto de sua punição, eram destinados à ins­trução (Os 12.4): Ali falou conosco.

A Desgraça de Rúbenw. 21-29

Aqui temos: 1. A mudança de Jacó, v. 21. Ele tam­bém, assim como seus pais, morou por pouco tempo na terra da promessa, como em um território estrangeiro, e não permanecia por muito tempo em um lugar. Logo depois do episódio da morte de Raquel, ele é chamado de Israel (v. 21,22), e não tão freqüentemente, posterior­mente. Dizem os judeus: “O historiador lhe presta, aqui, esta honra por ter suportado aquela atribulação com ta­manha paciência e submissão à Providência”. Note que são de fato Israel, príncipes com Deus, aqueles que têm controle sobre as suas próprias paixões. Aquele que tem este controle sobre a sua própria pessoa é melhor do que o poderoso. Israel é um príncipe com Deus, porém ainda assim habita em tendas. A cidade está guardada para ele, no outro mundo. 2. O pecado de Rúben. Ele foi culpado de uma obra abominável e iníqiia (v. 22), daquele

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w. 1-8 GÊNESIS 36 176pecado específico que o apóstolo diz (1 Co 5.1) não haver entre os gentios, que é abusar da mulher de seu pai. Foi dito que isto aconteceu quando Israel habitava naquela terra. Ele pode ter se ausentado de sua família em algu­ma viagem, e esta pode ter sido a infeliz ocasião dessas perturbações. Embora Bilha possa ter sido a grande cri­minosa, e seja provável que tenha sido abandonada por Jacó, por causa disso, ainda assim, o crime de Rúben foi tão insultante que, por causa disso, ele perdeu o seu di­reito de primogenitura e a bênção, cap. 49.4. O primogê­nito nem sempre é o melhor, nem o mais promissor. Este foi o pecado de Rúben, e a aflição de Jacó. Esta aflição foi extremamente dolorosa por ter sido uma desgraça ocor­rida em um âmbito tão íntimo da família do patriarca. Israel ouviu isso. Nada mais é dito - isso é suficiente. Ele o ouviu com pesar e vergonha, espanto e desgosto supremos. Rúben acreditou que ocultaria este pecado, que seu pai nunca ouviria falar sobre isso. Mas aqueles que se comprometem com o sigilo no pecado, geralmente ficam desapontados. Um pássaro conta o que aconteceu.3. Uma lista completa dos filhos de Jacó, agora que Ben­jamim, o mais novo, havia nascido. Esta é a primeira vez que temos os nomes dos cabeças das doze tribos juntos. Mais tarde, nós os encontramos muitas vezes mencio­nados e relacionados, até o final da Bíblia, Apocalipse 7.4; 21.12. 4. A visita que Jacó fez a seu pai, Isaque, em Hebrom. Podemos supor que ele o visitara antes, desde o seu retorno, pois ele desejava muito ir à casa de seu pai. Mas nunca, até este momento, havia levado a sua família para se instalar com ele, ou próximo a ele, v. 27. É provável que ele o tenha feito agora, por conta da morte de Rebeca, que deixara Isaque solitário, e não estava dis­posto a se casar outra vez. 5. A idade e a morte de Isaque são registradas aqui, embora pareça, pelos cálculos, que ele morreu muitos anos após José ter sido vendido para o Egito, e quase próximo ao tempo em que foi honrado ali. Isaque, um homem brando e calado, foi o que viveu mais dentre todos os patriarcas, pois chegou a 180 anos de idade. Abraão chegou a 175. Isaque viveu cerca de quarenta anos após ter feito o seu testamento, cap. 27.2. Não morreremos uma hora mais cedo, mas na que for abundamente melhor para colocarmos o nosso coração e a nossa casa em ordem. Uma atenção especial é dada ao acordo amigável de Esaú e Jacó, na solenidade do fune­ral de seu pai (v. 29), para mostrar de que forma maravi­lhosa Deus havia mudado o pensamento de Esaú desde que ele prometera assassinar o seu irmão logo após a morte de seu pai, cap. 27.41. Note que Deus tem muitos modos de evitar que homens maus realizem o mal que pretendem. O Senhor pode tanto am arrar as mãos como mudar os corações.

Ca p ít u l o 3 6Neste capítulo, temos um relato dos descendentes de Esaú, que, por causa dele, foram chamados de edomitas, pois Esaú vendera a sua primogenitura, perdera a sua bênção, e não era amado por Deus, como era Jacó. Neste ponto, encontra-se um bre­ve registro de algumas gerações de sua família.

1. Porque ele era filho de Isaque, por cujo motivo esta honra é colocada sobre ele. 2. Porque os edo­mitas eram vizinhos de Israel, e a genealogia deles seria útil para esclarecer as futuras histórias do que se passou entre eles. 3. Para mostrar o cum­primento da promessa feita a Abraão, de que ele seria “o pai de uma multidão de nações”. E tam­bém a resposta que Rebeca tivera do oráculo que ela consultou: “ Duas nações há no teu ventre”, e a bênção de Isaque: “Tua habitação será nas gorduras da te rra”. Aqui temos: I. As esposas de Esaú, w. 1-5. II. Sua retirada para o monte Seir, w. 6-8. III. Os nomes de seus filhos, w. 9-14. IV Os príncipes que descenderam de seus filhos, w. 15-19. V Os príncipes dos horeus, w. 20-30. VI. Os reis e príncipes de Edom, w. 31-43. Pouco mais é registrado do que os seus nomes, pois a histó­ria daqueles que estavam fora da igreja (mesmo tendo sido útil na política) seria de pouca utilidade para a teologia. É na igreja que se encontram as ocorrências memoráveis de graça, e as providên­cias excepcionais. A igreja é o recinto que interes­sa. O restante são banalidades. Este capítulo está resumido em 1 Crônicas 1.35ss.

As Gerações de Esaú w. 1-8

Observe aqui: 1. Quanto ao próprio Esaú, v. 1. Ele é chamado Edom (e novamente, v. 8), o nome pelo qual é perpetuada a lembrança do insensato acordo que ele fez, quando vendeu o seu direito de primogenitura por um guisado, um guisado vermelho. A simples menção des­se nome já basta para implicar a razão pela qual a sua família é posta de lado, após um breve relato. Note que se os homens fizerem algo de errado, eles deverão agra­decer a si mesmos, quando, muito tempo depois, isto for relembrado contra eles mesmos, para sua repreensão. 2. Quanto às suas esposas e aos filhos que elas lhe deram na terra de Canaã. Ele teve três esposas, e, através de­las, apenas cinco filhos: a maioria tem mais do que isso, com uma única esposa. Deus, em sua providência, muitas vezes desaponta aqueles que seguem caminhos desones­tos para constituir uma família. Já aqui, a promessa pre­valeceu, e a família de Esaú foi formada. 3. Quanto à sua mudança para o monte Seir, que era a área que Deus lhe

dera como propriedade, quando guardou Canaã para a semente de Jacó. Deus reconhece isso, muito tempo de­pois: A Esaú dei am ontaha de Seir (Dt 2.5; Js 24.4), que era o motivo pelo qual os edomitas não deveriam ser in­comodados em sua posse. Aqueles que não têm o direito pela promessa, como Jacó tinha em relação a Canaã, po­dem ter um bom documento de direito de posse de seus bens, através da providência, como Esaú teve em relação ao monte Seir. Esaú havia começado a se estabelecer en­tre os parentes de suas esposas, em Seir, antes que Jacó viesse de Padã-Arã, cap. 32.3. É provável que Isaque o tenha enviado para lá (assim como Abraão que, durante a sua vida, tinha enviado os filhos das suas concubinas para a terra oriental, para bem longe de seu filho Isa­que, cap. 25.6), para que Jacó pudesse te r o seu caminho

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177 GÊNESIS 36 w. 9-19mais livre para a posse da terra prometida. Entretanto, durante a vida de Isaque, Esaú provavelemente ainda ti­nha alguma influência remanescente em Canaã. Porém, após a sua morte, ele se recolheu por completo para o monte Seir, levou consigo o que lhe cabia das proprie­dades pessoais de seu pai, deixando Canaã para Jacó, não apenas porque ele a tinha por promessa, mas porque Esaú percebera que se eles continuassem a prosperar como haviam começado a fazer, não haveria espaço para ambos. Portanto, habitou Esaú no Monte Seir, v. 8. Note que qualquer que seja o obstáculo colocado, a palavra de Deus será cumprida, e mesmo aqueles que se opuseram a ela, mais cedo ou mais tarde, se verão obrigados a se submeter e a concordar com ela. Esaú havia lutado por Canaã, mas agora ele se retira para o monte Seir de uma forma submissa. Pois as deliberações de Deus, relativas aos tempos anteriormente estabelecidos e às fronteiras de nossa habitação, certamente se manterão.

Os Príncipes de Edomw. 9-19

Observe aqui: 1. Que apenas os nomes dos filhos e netos de Esaú são relacionados, e somente os seus no­mes, não as suas histórias. Pois Moisés preserva os re­gistros da igreja de Deus, e não o registro daqueles que estão fora dela. Aqueles anciãos que viveram apenas da fé, alcançaram uma boa reputação. É Sião que produz os homens de bom nome, não Seir, Salmos 87.5. A gene­alogia também não se estende além da terceira e quarta gerações. Os nomes exatos daqueles que se seguiram estão sepultados no esquecimento. Ela contém apenas a genealogia dos israelitas, que seriam os herdeiros de Canaã, e de quem deveria surgir a semente prometi­da e a semente santa, e é estendida até qualquer grau, desde que haja motivos para isso, até mesmo de todas as tribos, até o ponto em que Canaã foi dividida entre elas, e na linhagem real até que chegue a Cristo. 2. Que esses filhos e netos de Esaú são chamados de príncipes, w. 15-19. Provavelmente, eles eram comandantes milita­res, príncipes ou capitães, que tinham soldados sob o seu comando. Pois Esaú e a sua família viviam pela espada, eap. 27.40. Note que os títulos de honra têm se mantido por mais tempo fora da igreja do que dentro dela. Os fi­lhos de Esaú eram príncipes, enquanto os filhos de Jacó nada mais eram do que simples pastores, eap. 47. 3. Este não é um motivo para que tais títulos não sejam usados entre os cristãos. Mas é um motivo para que os homens não valorizem em demasia a si mesmos ou a outros, por causa destes títulos. Há uma honra que vem de Deus, e um nome em sua casa que é infinitamente mais valioso. Os edomitas podem ser príncipes entre os homens, mas os israelitas, com certeza, se tornam, para o nosso Deus, reis e sacerdotes. 4. Podemos supor que esses príncipes possuíam famílias numerosas de filhos e servos, que eram os seus principados. Deus prometeu multiplicar Jacó e enriquecê-lo. Ainda assim, Esaú se multiplica e se enriquece primeiro. Note que não é novidade para os homens deste mundo estarem cheios de filhos e terem os seus ventres cheios demais com tesouros ocultos, Salmos 17.14. A promessa de Deus para Jacó começou a funcio­

nar tarde, mas o seu efeito permaneceu por mais tempo, e teve a sua completa consumação no Israel espiritual.

w. 20-30No meio desta genealogia dos Edomitas, é inserida

a genealogia dos horeus, cananeus ou hititas (compare com cap. 26.34), que eram os nativos do monte Seir. É feita menção deles, cap. 14.6, e ao interesse que tinham pelo Monte Seir, antes dos edomitas tomarem posse dele, Deuteronômio 2.12,22. Isto vem à tona aqui, não apenas para dar detalhes da história, mas para ser uma censu­ra permanente aos edomitas por se casarem com estes povos, através do que é provável que tenham conhecido os seus costumes e se corrompido. Tendo Esaú vendido o seu direito de primogenitura, perdendo assim a sua bênção, e se aliado com os hititas, os seus descendentes e os filhos de Seir, são aqui avaliados em conjunto. Note que aqueles que traiçoeiramente abandonam a igreja de Deus, são, de forma justa, contados com aqueles que nunca fizeram parte dela. Os edomitas apóstatas estão no mesmo nível que os amaldiçoados horeus. Uma aten­ção especial é dada a Aná, que alimentava os jumentos de Zibeão, seu pai (v. 24), e, além disso, é chamado de príncipe Aná, v. 29. Note que aqueles que pensam em atingir uma posição elevada, devem começar por baixo. Uma origem ilustre e honorável não deve afastar os ho­mens de uma atividade honesta. Da mesma forma, um emprego aparentemente inferior não deve prejudicar a ascensáo de qualquer homem. Este Aná não era apenas diligente em sua profissão, mas também engenhoso e bem sucedido. Pois ele encontrou mulas, ou (como alguns interpretam) águas, fontes termais, no deserto. Aqueles que são aplicados em seu trabalho encontram, às vezes, mais benefícios do que esperam.

w. 31-43Aos poucos, ao que parece, os edomitas expulsaram

os horeus, obtendo a posse total da área, e tiveram o seu próprio governo. 1. Eles eram governados por reis, que governaram toda a área e parece terem chegado ao trono por meio de eleição e não através de hereditarie­dade. Assim comenta o bispo Patrick. Esses monarcas governaram em Edom antes que ali reinasse qualquer rei sobre os filhos de Israel, isto é, antes da época de Moisés, pois ele foi rei em Jesurum, Deuteronômio33.5. Deus havia recentemente prometido a Jacó que reis procederiam de seus lombos (cap. 35.11), e ainda assim, o sangue de Esaú se torna nobre, muito antes do de qualquer descendente de Jacó. Note que no que se refere à glória e prosperidade material, os filhos do concerto, muitas vezes, ficam para trás e os que não fazem parte do concerto saem na frente. O triunfo dos ímpios pode ser rápido, mas é de curta duração. Ama­durece rapidamente, porém logo apodrece: porém os frutos da promessa, embora sejam vagarosos, são certos e duradouros. Até ao fim falará e não mentirá. Podemos supor que foi uma grande provação para a fé do Israel de Deus, saber do esplendor e do poder dos reis de Edom enquanto eles eram escravos algemados no Egito. Porém aqueles que esperam grandes coisas

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w. 1-4 GÊNESIS 37 178da parte de Deus devem se contentar em esperá-las. A hora de Deus é a melhor hora. 2. Eles foram posterior­mente governados por príncipes, novamente aqui cita­dos, que eu suponho que governaram, todos ao mesmo tempo, em vários lugares da região. Eles estabelece­ram essa forma de governo em conformidade com os horeus, que a haviam utilizado (v. 29), ou a providência de Deus os fizera retornar a essa condição, como alguns presumem, para puni-los por sua falta de bondade para com Israel, ao se recusarem a permitir que passassem por seu território, Números 20.18. Note que quando o poder é mal utilizado, é justo que Deus o enfraqueça, repartindo-o em várias partes. Por causa da transgres­são da terra, muitos são os seus príncipes. O pecado levou Edom dos reis aos duques, de coroas a diademas. Lemos a respeito dos príncipes (ou duques) de Edom (Êx 15.15), e, muito tempo depois lemos, novamente, a respeito de seus reis. 3. O monte Seir é chamado de a terra de sua possessão, v. 43. Enquanto os israelitas habitavam na casa da servidão e a sua Canaã era ape­nas a terra prometida, os edomitas habitavam em suas próprias moradias e Seir estava em sua posse. Note que os filhos deste mundo têm os seus bens em mãos, e nada em esperança (Lc 16.25). Enquanto os filhos de Deus têm os seus bens na esperança e quase nada em mãos. Porém, levando-se todas as coisas em consideração, é melhor te r Canaã em promessa do que a posse provisó­ria do monte Seir.

C a p í t u l o 37Neste capítulo tem início a história de José, que, até 0 final deste livro, em todos os capítulos ex­ceto um, é 0 personagem principal. Ele era o fi­lho mais velho de Jacó com a sua amada esposa Raquel, nascido, como muitos homens eminentes, de uma mulher que tinha sido estéril por muito tempo. A sua história é tão notavelmente dividi­da entre a sua humilhação e a sua exaltação, que podemos ver nela alguma semelhança com Cristo, que primeiro foi humilhado e depois exaltado. Em muitos casos, José tipificou o Senhor Jesus. Ela também mostra a sorte dos cristãos, que devem, passando por muitas tribulações, entrar no Reino de Deus. Neste capítulo, temos: I. A má intenção que os irmãos de José tinham com relação a ele. Eles 0 odiavam, 1. Porque ele informava ao pai so­bre a perversidade deles, w. 1,2. 2. Por que o pai o amava, w. 3,4. 3. Porque ele sonhou com o seu domínio sobre eles, w. 5-11. II. As maldades que seus irmãos planejavam e realizaram, contra ele.1. A gentil visita que José lhes fez lhes deu uma oportunidade, w. 12-17. 2. Eles pretendiam matá-lo, mas decidiram fazê-lo passar fome, w. 18-24.3. Eles alteraram seu objetivo, e o venderam como escravo, w. 25-28. 4. Eles fizeram o seu pai crer que José tinha sido despedaçado, devorado, w. 29-35. 5. Ele foi vendido no Egito a Potifar, v. 36. E todas estas coisas estavam trabalhando juntas para o bem.

A História de Joséw. 1-4

Moisés não tem mais nada a dizer sobre os edo­mitas, a menos que eles cruzem o caminho de Israel novamente. Mas agora ele se dedica atentamente à história da família de Jacó: “Estas são as gerações de Jacó”. A árvore genealógica de Jacó não é estéril como a de Esaú (cap. 36.1), mas uma história memorável e útil. Aqui temos: 1. Jacó, um peregrino, com seu pai Isaque, que ainda era vivo, v. 1. Nós nunca estaremos em casa, até chegarmos ao céu. 2. José, um pastor, apascentando o rebanho com seus irmãos, v. 2. Embo­ra ele fosse o favorito do seu pai, ainda assim não foi criado em ociosidade ou regalias. Não amam verdadei­ram ente a seus filhos aqueles que não os acostumam aos negócios, e ao trabalho, e à mortificação da carne pecaminosa. Mimar os filhos é, com justa razão, cha­mado de estragá-los. Aqueles que não são treinados para fazer nada, não servirão para nada. 3. José era amado do seu pai (v. 3) parcialmente por causa de sua querida mãe, que estava morta, e parcialmente por sua própria causa, porque ele era o maior consolo na sua velhice. Ele provavelmente o servia, e o obedecia mais do que os outros filhos. José era o filho queri­do, um filho maduro, segundo alguns. Isto é, quando era criança, era tão grave e discreto como se fosse mais velho. Mesmo sendo uma criança, não era infan­til. Jacó proclamou o seu afeto por ele, vestindo-o de maneira mais elegante do que os seus outros filhos: Ele lhe fez “uma túnica de várias cores”, que prova­velmente representava as honras futuras destinadas a ele. Observe que embora sejam felizes aqueles filhos que possuem o que, com razão, os recomenda ao amor especial dos seus pais, ainda assim é prudente que os pais não façam diferença entre um filho e outro, a me­nos que haja uma causa grande e manifesta, dada pela obediência ou desobediência dos filhos - o governo pa­terno deve ser imparcial, e controlado com mão firme.4. José foi odiado pelos seus irmãos: (1) Porque o seu pai o amava. Quando os pais fazem diferença, os filhos logo percebem, e isto freqüentemente ocasiona rixas e brigas nas famílias. (2) Porque ele “trazia uma má fama deles a seu pai”. Os filhos de Jacó, quando não estavam sob a sua vigilância, faziam o que não teriam feito, se estivessem em casa com ele. Mas José fazia ao seu pai um relato do seu mau comportamento, para que ele pudesse repreendê-los e reprimi-los. Não como um maldoso mexeriqueiro, para semear discórdia, mas como um irmão fiel, que, não ousando ele mesmo admoestá-los, apresentava os seus erros a alguém que tinha autoridade para fazê-lo. Observe que: [1] E co­mum que observadores amistosos sejam considerados como inimigos. Aqueles que odeiam ser transform a­dos, odeiam aqueles que desejam transformá-los, Pro­vérbios 9.8. [2] É comum que aqueles que são amados por Deus sejam odiados pelo mundo. Aquele a quemo Céu abençoa, o inferno amaldiçoa. Aqueles a quem Deus fala de modo consolador, os homens ímpios não irão falar pacificamente. Aqui está escrito que José es­tava com os filhos de Bila. Alguns interpretam que ele era servo deles, eles o tornaram seu escravo.

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179 GÊNESIS 37 w. 5-11w. 5-11

Aqui:T José conta os sonhos proféticos que teve, w. 6,7,9,10. X Embora fosse muito jovem (aproximadamente dezes­sete anos), ainda assim era piedoso e devoto, e tinha boa índole, e isto o adequava para as graciosas revelações de Deus a ele, sobre si mesmo. José tinha muitos problemas à sua frente, e por isto Deus logo lhe deu esta perspecti­va do seu progresso, para apoiá-lo e consolá-lo durante os longos e dolorosos problemas com os quais ele seria pos­to à prova. Da mesma maneira, Cristo teve uma alegria apresentada à sua frente, e também a têm os cristãos. Observe que Deus tem maneiras de preparar antecipa­damente o seu povo para as tentações que eles não podem prever - mas que fazem parte do seu objetivo - através dos consolos que Ele lhes concede. Seus sonhos foram:1. Que os molhos dos seus irmãos, todos, se inclinavam ao dele, indicando a ocasião em que eles seriam levados a prestar-lhe homenagem, especificamente, procurá-lo para obter trigo. Seus molhos vazios se curvariam ao seu, cheio. 2. Que o sol, e a lua, e onze estrelas, se inclinavam a ele, v. 9. José era mais um profeta do que um político, caso contrário ele teria feito segredo dos sonhos, pois ele não podia deixar de saber que os seus irmãos já o odiavam, e que isto iria exasperá-los ainda mais. Mas, mesmo dizen­do isto na sua simplicidade, ainda assim Deus o destinou à admiração dos seus irmãos. Observe que José sonhou com a sua honra, mas não sonhou com a sua prisão. Assim muitos jovens, quando estão partindo para o mundo, não pensam em nada, a não ser prosperidade e prazer, e nunca sonham com problemas.T 1" Seus irmãos não gostaram dos sonhos, e ficavam X JL cada vez mais enfurecidos com ele (v. 8): “Tu deve­ras terás domínio sobre nós?” Veja aqui: 1. Quão correta­mente eles interpretaram este sonho, de que ele reinaria sobre eles. Aqueles que eram inimigos à realização destes sonhos, foram os seus intérpretes, como na história de Gi- deão (Jz 7.13,14). Entenderam que falava deles, Mateus 21.45. O evento correspondia com exatidão a esta inter­pretação, cap. 42.6ss. 2. Quão zombeteiramente eles rea­giram: “Tu deveras” - somente um - “terás domínio sobre nós” - que somos muitos? Tu, o mais jovem, sobre nós, que somos os mais velhos. Observe que o reino e o domínio de Jesus Cristo, o nosso José, têm sido, e são, desprezados e combatidos por um mundo carnal e incrédulo, que não pode suportar pensar que este homem deva reinar sobre eles. Também o domínio dos justos, na manhã da ressur­reição, é considerado com o maior desprezo.1 T T Seu pai lhe faz uma gentil repreensão por isto, X X X mas observa as palavras, w. 10,11. Provavel­mente Jacó o repreendeu, para diminuir a ofensa que os seus irmãos poderiam sentir. Mas ele observou as pa­lavras, mais do que pareceu fazer: ele insinuou que era apenas um sonho sem valor, porque a sua mãe estava no sonho, mas ela estava morta há algum tempo. Porém o sol, a lua e onze estrelas significavam toda a família que viria a depender dele, e deveria ficar satisfeita por estar em dívida com ele. Observe que a fé do povo de Deus nas

promessas de Deus é freqüentemente e tristemente aba­lada pela má interpretação que é feita das promessas, e pela lembrança das improbabilidades que acompanhamo seu cumprimento. Mas Deus está realizando o seu pró­prio trabalho, e o fará, quer nós o interpretemos corre­tamente, quer não. Jacó, como Maria (Lc 2.51), guardava no coração todas essas coisas, e sem dúvida lembrou-se delas muito tempo depois, quando os acontecimentos corresponderam à predição.

w. 12-22Aqui temos:

I A gentil visita que José, obedecendo à ordem de seu pai, fez a seus irmãos, que estavam apascentando o rebanho junto de Siquém, a muitos quilômetros dali. Al­guns sugerem que eles foram para lá propositadamente,

esperando que José fosse enviado para visitá-los, quando teriam uma oportunidade de prejudicá-lo. No entanto, José e seu pai tinham, ambos, mais da inocência e simpli­cidade da pomba do que da prudência da serpente, caso contrário ele nunca teria caído desta maneira nas mãos daqueles que o odiavam: mas Deus destinou tudo isto para o bem. Veja em José um exemplo: 1. De obediência ao seu pai. Embora fosse o favorito do seu pai, ainda as­sim ele era, e estava disposto a ser, um servo do seu pai. Com que prontidão ele espera as ordens de seu pai! “Eis- me aqui”, v. 13. Observe que os filhos que são amados por seus pais devem ser obedientes a eles. E então este amor estará sendo bem concedido, e bem retribuído. 2. De bondade com seus irmãos. Embora soubesse que eles o odiavam e invejavam, ainda assim ele não fez qualquer objeção às ordens do seu pai, fosse pela distância do lu­gar, ou pelo perigo da jornada, mas alegremente aceitou a oportunidade de mostrar seu respeito a seus irmãos. Observe que é uma lição muito boa, embora aprendida com dificuldade, e raramente praticada, a de amar àque­les que nos odeiam. Se nos nossos parentes não cumprem o seu dever para conosco, ainda assim não devemos estar em falta no nosso dever para com eles. Isto é digno de gratidão. José foi enviado por seu pai a Siquém, para ver se seus irmãos estavam bem ali, e se a região não tinha se revoltado contra eles, destruindo-os, como vingança por terem assassinado barbaramente os siquemitas, al­guns anos antes. Mas José, não os encontrando ali, foi para Dotã, o que mostrava que ele havia empreendido esta viagem não somente em obediência ao seu pai (pois então poderia ter retornado quando não os encontrou em Siquém, tendo feito aquilo que seu pai tinha lhe dito), mas por amor a seus irmãos, e por isto os procurou dili­gentemente até que os encontrou. Que o amor fraternal seja contínuo, e que possamos dar provas dele.

n A trama sangrenta e maldosa dos seus irmãos contra ele, retribuindo o bem com o mal - em paga do seu amor, eles eram seus adversários. Obser­ve: 1. Quão deliberados eles foram na elaboração deste plano: vendo-o, de longe, “conspiraram contra ele”, v. 18.

Não foi por uma provocação acalorada ou repentina, que planejaram matá-lo, mas por maldade premeditada, e a

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w. 23-30 GÊNESIS 37 180sangue frio. Observe que qualquer que aborrece a seu irmão é homicida. Pois o será, se tiver a oportunidade, 1 João 3.15. A maldade é algo muito prejudicial, e pode re­alizar obras sangrentas quando é alimentada e tolerada. Quanto mais planejamento existir em um pecado, pior ele será; é ruim fazer o mal, mas pior ainda é planejá-lo.2. Quão cruéis eles foram no seu plano. Nada menos do que o seu sangue os contentaria: “Vinde, pois, agora, e matemo-lo”, v. 20. Observe que a antiga inimizade procu­ra a vida preciosa. Os homens sanguinários aborrecem aquele que é sincero (Pv 29.10), e a grande prostituta se embriaga do sangue dos santos. 3. Com que escárnio eles o censuraram pelos seus sonhos (v. 19): “Eis lá vem o sonhador-mor!”, e (v. 20): “veremos que será dos seus sonhos”. Isto mostra o que era que os irritava e enfure­cia. Eles não podiam suportar o pensamento de prestar- lhe homenagem. Isto era o que eles planejavam impedir, com o assassinato dele. Observe que os homens que se irritam e enfurecem com os conselhos de Deus, estão, im­piamente, procurando derrotá-los. Mas imaginam coisas vãs. Salmos 2.1-3. Os conselhos de Deus permanecerão.4. Como eles concordaram em manter um único discur­so, e encobrir o assassinato com uma mentira: “Diremos: Uma besta-fera o comeu”. Embora assim, planejando destruí-lo, eles provassem ser piores do que as piores bestas-feras. Pois as bestas-feras não atacam animais da mesma espécie, mas aqueles homens estavam rasgando uma parte de si mesmos.

A idéia de Rúben para salvar José, w. 21,22. Observe que Deus pode fazer surgir amigos

para o seu povo, até mesmo entre os seus inimigos. Pois Ele tem todos os corações nas suas mãos. Rúben, de todos os irmãos, era o que tinha mais razões para ter ciúme de José, pois ele era o primogênito, tendo, portan­to, direito a estes favores distintos que Jacó conferia a José. No entanto, provou sei1 seu melhor amigo. O tem­peramento de Rúben parece ter sido dócil, o que alguns pensam que talvez o tenha levado a consentir que come­tessem este pecado. Ao passo que o temperamento dos dois irmãos seguintes, Simeão e Levi, era cruel, o que os levou ao pecado do assassinato. Só de pensar neste pecado, Rúben se assustava. Observe que a nossa consti­tuição natural deve ser protegida dos pecados aos quais ela mais se inclina, e deve ser aperfeiçoada (como a de Rúben, aqui) contra os pecados aos quais ela é mais con­trária. Rúben fez uma proposta que eles julgaram que efetivamente atendia ao seu objetivo de destruir José, mas ele desejava que atendesse à sua intenção de salvar José das mãos deles, devolvendo-o ao seu pai, provavel­mente esperando, com isto recuperar a apreciação do seu pai, que recentemente ele tinha perdido. Mas Deus predominou sobre todos, para servir ao seu próprio obje­tivo de fazer de José um instrumento para salvar muitas pessoas. José, aqui, foi um tipo de Cristo. Embora ele fosse o Filho amado de seu Pai, e odiado por um mundo ímpio, ainda assim o Pai o enviou, do seu seio, para nos visitar, com grande humildade e amor. Ele veio do céu à terra, para nos buscar e salvar. No entanto, tramas mal­dosas foram feitas contra Ele, Ele Veio para o que era seu, e os seus não o receberam, mas tramaram contra Ele: Este é o herdeiro. Vinde, matemo-lo; Crucifica-o!

Crucifica-o! A isto Ele se submeteu, para realizar o seu desígnio de nos redimir e salvar.

w. 23-30Aqui temos a execução do seu plano, contra José. 1.

Eles o despiram, cada um deles procurando apoderar-se da invejada túnica de várias cores, v. 23. Na sua imagina­ção, assim eles o privavam do direito de primogenitura, do qual talvez esta túnica fosse o emblema, causando- lhe sofrimento, ofendendo a seu pai, e divertindo-se enquanto o insultavam. ‘Agora, José, onde está a fina túnica...” Da mesma maneira, o nosso Senhor Jesus foi despido da sua túnica sem costura, e da mesma maneira os seus santos sofredores foram, em primeiro lugar, per­sistentemente despidos dos seus privilégios e das suas honras, e depois, tornados a escória de todas as coisas. 2. Eles prosseguiram, fazendo-o passar fome, lançando-o em uma cova sem água, para perecer ali de fome e frio, tão cruel era o tratamento que lhe dispensaram, v. 24. Observe que onde reina a inveja, a piedade é expulsa, e a própria humanidade é esquecida, Provérbios 27.4. Tão cheia de veneno mortal é a maldade, que, quanto mais bárbara a coisa for, mais satisfatória será. Agora José implorava pela sua vida, na angústia da sua alma (cap. 42.21), convencido, por todo o carinho imaginável, que eles ficariam satisfeitos com a sua túnica e poupa­riam a sua vida. Ele apela à inocência, ao parentesco, ao afeto, à submissão. Ele chora e suplica, mas é tudo em vão. Somente Rúben demonstra piedade, e interce­de por ele, cap. 42.22. Mas ele não consegue salvar José da horrível cova na qual eles decidiram que ele morre­ria gradualmente, e seria enterrado vivo. É este a quem os seus irmãos devem prestar honras? Observe que as providências de Deus freqüentemente parecem contra­dizer os seus propósitos, até mesmo quando os servem, e trabalham, à distância, contribuindo para cumpri-los.3. Eles o desprezaram quando ele estava em aflição, e não se emocionaram pelo seu sofrimento. Pois enquan­to ele estava desfalecendo na cova, lamentando a sua própria infelicidade e com um clamor débil implorando a sua piedade, eles “assentaram-se a comer pão”, v. 25.(1) Eles não sentiam nenhuma dor de consciência pelo pecado. Se sentissem, isto teria arruinado o seu apeti­te e o sabor da refeição. Observe que uma grande força sobre a consciência normalmente a deixa estupefata, e, durante algum tempo, remove os seus sentidos e a sua fala. Os pecadores ousados são seguros. Mas as consci­ências dos irmãos de José, embora adormecidas agora, despertaram muito tempo depois, cap. 42.21. (2) Agora eles se alegravam ao pensar como tinham se libertado do medo do domínio do seu irmão sobre eles, e que, ao contrário, tinham girado a sorte contra ele. Eles se rego­zijaram sobre ele, como os perseguidores sobre as duas testemunhas que os tinham atormentado, Apocalipse11.10. Observe que aqueles que se opõem aos conselhos de Deus possivelmente podem vencer até o ponto de pensar que alcançaram o seu objetivo, e ainda assim es­tarão enganados. 4. Eles o venderam. Uma caravana de comerciantes muito oportunamente passou por ali (algo que foi preparado pela Providência divina), e Judá pro­

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181 GÊNESIS 37 w. 31-36pôs que eles vendessem José aos comerciantes, para que fosse levado até o Egito, onde, com toda probabilidade, ele se perderia, e nunca mais se ouviria falar dele. (1) Judá propôs isto por compaixão por José (v. 26): “Que proveito haverá em que matemos a nosso irmão?” A cul­pa será menor, e teremos mais vantagens, se o vender­mos. Observe que quando somos tentados a pecar, deve­mos considerar o pouco proveito que o pecado nos trará. Não se consegue nada de bom e duradouro através do pecado. (2) Eles concordaram, porque pensaram que se ele fosse vendido como escravo, nunca seria um senhor, e se fosse vendido ao Egito, nunca seria o seu senhor. Mas tudo se encaminhava em direção a isto. Observe que a cólera do homem redundará em louvor a Deus, eo restante da cólera, Ele o restringirá, Salmos 76.10. Os irmãos de José foram maravilhosamente impedidos de matá-lo, e o fato de que o vendessem voltava-se maravi­lhosamente ao louvor de Deus. Assim como José foi ven­dido graças à idéia de Judá, por vinte moedas de prata, também o nosso Senhor Jesus foi vendido por trinta, e por alguém do mesmo nome, Judas. Rúben (aparente­mente) tinha se afastado dos seus irmãos, quando eles venderam José, pretendendo chegar à cova de alguma outra maneira, para ajudar José a sair dali, e devolvê-lo em segurança ao seu pai. Este era um bom plano, mas, se tivesse sido realizado, o que teria sido do propósito de Deus sobre a primazia de José no Egito? Observe que existem muitos planos, no coração do homem, muitos planos nos inimigos do povo de Deus, para destruí-los e nos corações dos seus amigos, para ajudá-los, que talvez sejam todos desapontados, como foram estes. Mas o con­selho do Senhor prevalecerá. Rúben julgou-se perdido, porque o rapaz tinha sido vendido: “E, eu, aonde irei?”, v. 30. Sendo ele o mais velho, seu pai esperaria dele alguma notícia de José. Mas, como foi provado, todos eles teriam sido destruídos, se ele não tivesse sido vendido.

w. 31-36

I Logo que sentiram falta de José, grandes buscas foram feitas com a finalidade de encontrá-lo. Seus

irmãos tinham outro objetivo, o de fazer o mundo crer que José tinha sido despedaçado por uma besta-fera. E isto eles fizeram: 1. Para isentar-se, para que não fos­sem suspeitos de lhe terem feito nenhum mal. Observe que todos nós aprendemos com Adão a encobrir nossas transgressões, Jó 31.33. Quando o diabo ensina os ho­mens a cometerem um pecado, ele os ensina, então, a escondê-lo com outro. Roubo e assassinato, escondidos com mentira e perjúrio. Mas aquele que encobre o seu pecado não prosperará por muito tempo. Os irmãos de José mantiveram o combinado por algum tempo, mas a sua vilania veio à luz, afinal, e aqui é divulgada ao mundo, e a sua lembrança é transmitida a todas as gerações. 2. Para amargurar o seu bom pai. Isto parece te r sito pla­nejado por eles com o propósito de vingar-se dele pelo seu amor distinto por José. Foi planejado propositada­mente para criar-lhe a maior aflição. Eles enviaram a ele a túnica de várias cores de José, com uma cor a mais do que ela tinha tido, uma cor de sangue, v. 32. Eles fingi­ram tê-la encontrado nos campos, e devem ter pergunta­

do, zombeteiramente, ao próprio Jacó: Esta é a túnica do teu filho? Agora o emblema da sua honra é a descoberta do seu destino. E apressadamente se deduz, com base na túnica ensangüentada, que José, sem dúvida, foi des­pedaçado. O amor está sempre pronto a temer o pior, a respeito da pessoa amada. Existe um amor que supera o nosso medo, mas este é um amor perfeito. Que aqueles que conhecem o coração de um pai imaginem as agonias do pobre Jacó, e coloquem suas almas no lugar da sua alma. Com que força ele descreve, para si mesmo, a ter­rível idéia da desgraça de José! Dormindo ou caminhan­do, ele imagina que vê a besta-fera atacando José, pensa que ouve os seus gritos queixosos quando a fera urrou para ele, treme e estremece, muitas vezes, quando ima­gina como a besta sugou o seu sangue, rasgou-o, membro por membro, e não deixou nenhum resto dele, a não ser a túnica de várias cores, para trazer as notícias. E sem dúvida não lhe acrescentou pouco pesar o fato de que ele o tinha exposto, ao enviá-lo, e enviá-lo completamente sozinho, nesta perigosa jornada, que provou ser fatal para ele. Isto lhe atinge o coração, e ele está pronto a se considerar o responsável pela morte do seu filho. Bem:(1) Foram feitos esforços para consolá-lo. Seus filhos, de maneira imoral, fingiram fazê-lo (v. 35). Mas todos eram consoladores miseráveis e hipócritas. Se tivessem real­mente desejado consolá-lo, poderiam facilmente tê-lo feito, contando-lhe a verdade: “José está vivo, é verdade que ele foi vendido e está no Egito, mas será fácil enviar alguém para lá para resgatá-lo”. Isto teria eliminado seu pano de saco, e o teria cingido de felicidade imediata. Eu me pergunto se seus rostos não traíam a sua culpa, e com que cara eles podiam fingir lamentar com Jacó a morte de José, quando sabiam que ele estava vivo. Observe que o coração é estranhamento endurecido pelo engano do pecado. Mas: (2) Tudo foi em vão: Jacó recusou-se a ser consolado, v. 35. Ele era um pranteador obstinado, e de­cidido a chorar até descer à sepultura. A sua tristeza não era um súbito arrebatamento de paixão, como o de Davi: Quem me dera que eu morrera por ti... meu filho, meu filho! Mas, como Jó, ele se endureceu na tristeza. Obser­ve: [1] O grande afeto por qualquer criatura não serve como uma preparação para a maior aflição. O afeto não nos consola quando chega a separação ou a amargura. O amor desordenado normalmente acaba em tristeza exa­gerada. O pêndulo oscilará para um lado e para o outro na mesma medida. [2] Não se importam com o consolo da sua alma nem com a credibilidade da sua religião aque­les que estão determinados, na sua tristeza, em qualquer que seja a ocasião. Nunca devemos dizer: “com choro hei de descer... à sepultura”, porque não conhecemos os dias alegres que a Providência divina pode ter reservado para nós, e é nossa sabedoria e dever adaptarmo-nos a ela. [3] Nós freqüentemente nos confundimos com pro­blemas imaginários. Nós imaginamos as coisas piores do que são, e nos afligimos mais do que necessitamos. Às vezes não é tão necessário consolar-nos quanto apontar o nosso erro. Devemos sempre esperar o melhor.T T Como os ismaelitas e midianitas tinham comprado X JL José somente para negociá-lo, aqui nós o vemos vendido novamente (sem dúvida, com suficiente lucro para os comerciantes) a Potifar, v. 36. Jacó estava lamen­

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w. 1-11 GÊNESIS 38 182tando a perda da sua vida, Se ele tivesse sabido tudo, ele teria lamentado, embora não tão apaixonadamente, a perda de liberdade. O filho nascido livre de Jacó trocará o melhor manto da sua família pelo uniforme de um se­nhor egípcio, e todas as marcas de servidão? Tão cedo a terra do Egito tornou-se uma casa de escravidão para a semente de Jacó! Observe que é sabedoria dos pais não criar seus filhos com excessiva delicadeza, porque não sabem a quais dificuldades e mortificações a Providên­cia poderá reduzi-los durante a sua vida na terra. Jacó jamais pensou que o seu amado filho José seria assim comprado e vendido como servo.

Ca p ít u l o 38

Este capítulo nos apresenta uma narrativa de Judá e sua família, e esta é uma narrativa tal que é de se admirar que, de todos os filhos de Jacó, o nosso Senhor procedesse de Judá, Hebreus 7.14. Se fôssemos delinear o seu caráter a partir desta história, não diríamos: “Judá, a ti te louvarão os teus irmãos”, cap. 49.8. Mas Deus irá mostrar que a sua escolha é pela graça, e não por méritos, e que Cristo veio ao mundo para salvar os pecado­res, até mesmo os maiores, e não se envergonha, pelo arrependimento deles, de relacionar-se com eles. E também que o valor e o mérito de Jesus Cristo são pessoais, vêm de si mesmo, e não deri­vam dos seus ancestrais. Humilhando-se para ser feito “na semelhança da carne do pecado”, Ele se alegrou em ser descendente de alguns que eram infames. Que pouca razão tinham os judeus, que assim eram chamados devido a este Judá, de van­gloriar-se, como faziam, de que não eram nascidos da prostituição! João 8.41. Neste capítulo, temos:I. O casamento e a descendência de Judá, e a mor­te prematura dos seus dois filhos mais velhos, w.1-11. II. O incesto de Judá com sua nora Tamar, sem que ele soubesse disto, w. 12-23. III. A sua confusão, quando isto foi descoberto, w. 24-26. IV O nascimento dos seus filhos gêmeos, através dos quais a sua família se edificou, v. 27ss.

A Devassidão de Judá w. 1-11

Aqui temos: 1. A tola amizade de Judá com um cana- neu. “Judá desceu de entre seus irmãos” - retirando-se durante algum tempo da sua sociedade e da família do seu pai - “e entrou na casa de um varão de Adulão, cujo nome era Hira”, v. 1. Calcula-se que agora ele não tivesse muito mais do que quinze ou dezesseis anos de idade, uma presa fácil para o tentador. Observe que quando jovens que foram bem educados começam a ter outras companhias, logo mudam seus modos e perdem sua boa educação. Aqueles que descem de entre seus irmãos, que desprezam e abandonam a sociedade da semente de Is­rael, e tomam cananeus como seus companheiros, estão descendo a colina rapidamente. É muito importante que

os jovens escolham companhias adequadas. Pois estas eles irão imitar, a estas procurarão se recomendar, e, pela opinião que elas têm deles, se valorizarão: um erro nesta escolha é sempre fatal. 2. Seu tolo casamento com uma cananéia, uma união feita não pelo seu pai, que, aparen­temente, nem foi consultado, mas pelo seu novo amigo, Hira, v 2. Muitos são levados a casamentos ofensivos e perniciosos a si mesmos e às suas famílias por terem más companhias, e por se familiarizarem com pessoas más: uma união iníqua leva os homens a outras associações deste tipo. Que os jovens sejam aconselhados, por isto, a tomar seus bons pais como seus melhores amigos, e a serem aconselhados por eles, e não por aduladores que os lisonjeiam com a finalidade de torná-los suas presas.3. Seus filhos com esta cananéia, e como ele dispôs deles. Ele teve três filhos com ela, Er, Onã e Selá. É provável que ela aceitasse a adoração ao Deus de Israel, pelo me­nos em sua profissão de fé. Mas, pelo que parece, havia pouco temor a Deus nesta família. Judá casou-se muito jovem, e muito precipitadamente. Ele também casou os seus filhos muito jovens, quando ainda não tinham habi­lidade nem graça para se controlar, e as conseqüências foram muito ruins. (1) Seu primogênito, Er, era noto­riamente mau. Ele era mau aos olhos do Senhor, isto é, desafiante a Deus e à sua lei. Ou, se talvez ele não fosse mau aos olhos do mundo, certamente o era aos olhos de Deus, que conhece toda a iniqüidade dos homens. E o que resultou disto? Ora, Deus o eliminou imediatamente (v. 7): “o Senhor o matou”. Observe que às vezes Deus trabalha rapidamente com os pecadores, e os elimina, na sua ira, quando estão apenas iniciando um caminho de vida de iniqüidade. (2) O filho seguinte, Onã, foi, de acordo com o costume antigo, casado com a viúva, para preservar o nome do seu falecido irmão que morreu sem filhos. Embora Deus tivesse tirado a sua vida pela sua iniqüidade, ainda assim eles se preocuparam em preser­var a sua memória. E o seu desapontamento, pelo pecado de Onã, era uma punição adicional pela iniqüidade de Er.O costume de casar a viúva do irmão foi, posteriormen­te, convertido em uma das leis de Moisés, Deuteronômio25.5. Embora Onã concordasse em se casar com a viúva, ele errou em relação ao seu próprio corpo, em relação à esposa que tinha tomado, e em relação à memória do seu irmão falecido. Pois ele se recusou a suscitar semen­te a seu irmão, como era seu dever. Há algo ainda pior, porque o Messias deveria proceder de Judá. Se Onã não tivesse sido culpado desta iniqüidade, poderia ter tido a honra de ser um dos seus ancestrais. Observe que aqueles pecados que desonram o corpo e o contaminam desagradam profundamente a Deus e são evidências de afetos vis. (3) Selá, o terceiro filho, foi reservado à viú­va (v.ll), mas com o desígnio de que não se casasse tão jovem quanto seus irmãos, para que não morresse tam­bém. Alguns pensam que Judá nunca teve a intenção de casar Selá com Tamar, mas injustamente suspeitava que ela tinha sido a causa da morte dos seus dois primeiros maridos (embora tenha sido a iniqüidade de ambos os filhos que os levou à morte), e então enviou-a à casa do seu pai, com a ordem de permanecer viúva. Se foi este o caso, ele foi culpado de uma imperdoável prevaricação. No entanto, Tamar concordou, naquele momento, e es­perou o resultado.

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183 GÊNESIS 38 w. 12-23w. 12-23

A história aqui contada acerca de Judá é muito desa­gradável. Não se poderia esperar tal loucura em Israel. Judá tinha sepultado sua mulher. E os viúvos devem es­tar sempre vigilantes, com o máximo cuidado e resolução, contra todas as luxurias carnais. Ele tinha sido injusto com a sua nora, por negligência ou desígnio, ao não dar a ela o seu filho sobrevivente, e isto a expôs à tentação.

I Tamar impiamente se prostituiu como uma meretriz, com Judá, para que, se o filho não pudesse fazê-lo, o pai i3udesse suscitar semente a seu irmão. Alguns justi­ficam isto, sugerindo que, embora ela fosse uma cana-

néia, ainda assim tinha abraçado a verdadeira religião, e cria na promessa feita a Abraão e sua semente, par­ticularmente aquela do Messias, que deveria proceder dos lombos de Judá. E que ela estava, portanto, fervo­rosamente desejosa de ter um filho com alguém daque­la família, para que pudesse ter a honra, ou pelo menos te r esperanças da honra de ser a mãe do Messias. E, se este era realmente o seu desejo, teve sucesso. Ela é uma das quatro mulheres mencionadas de maneira especial na árvore genealógica de Cristo, Mateus 1.3. Seu pro­cedimento pecaminoso foi perdoado, e a sua boa inten­ção, aceita, o que engrandece a graça de Deus, mas não pode, de nenhuma maneira, ser aceito para justificar ou incentivar nada semelhante. O bispo Patrick julga pro­vável que ela esperasse que Selá, que era, por direito, seu marido, pudesse ter vindo com seu pai, e que ele pu­desse ter se sentido atraído aos seus abraços. Havia uma grande dose de trama e planejamento no pecado de Ta- mar. 1. Ela aproveitou a oportunidade quando Judá teve uma ocasião de júbilo e festejos com seus tosquiadores. Observe que os tempos de regozijo freqüentemente pro­vam ser tempos de tentação, particularmente ao pecado da impureza. Quando os homens estão completamente alimentados, as rédeas geralmente estão prestes a ser soltas. 2. Ela se apresentou como uma prostituta, em um lugar aberto, v. 14. Aquelas que são, e desejam ser, cas­tas, devem ser donas de casa, Tito 2.5. Aparentemente, era o costume das prostitutas naqueles tempos cobrir o rosto para que, embora não se envergonhassem, pudes­sem parecer envergonhadas. O pecado da impureza não era tão descarado como agora.

n Judá caiu na armadilha, e embora fosse inadver­tidamente culpado de incesto com sua nora (sem saber que era ela), ainda assim foi voluntariamente cul­pado de fornicação: a despeito de quem quer que ela fosse, ele sabia que ela não era sua esposa, e por isto

não deveria ser tocada. Seu pecado também não pode ser justificado através de alguma desculpa caridosa, como alguns tentam fazer em relação a Tamar. Estes querem transmitir a falsa mensagem de que, embora a ação fosse má, a intenção teria sido boa. Observe que: 1. O pecado de Judá teve início nos olhos (v. 15): Ele a viu. Observe que têm olhos, e também corações, cheios de adultério (como em 2 Pe 2.14) aqueles que agarram cada isca que se apresenta a eles, e são como um estopim para cada fa­ísca. Precisamos fazer um concerto com os nossos olhos, e desviá-los da contemplação da futilidade, para que os

olhos não contaminem o coração. 2. Piorou a ofensa o fato de que o pagamento de uma prostituta (nada é mais infame do que isto) foi exigido, oferecido e aceito - um cabrito do rebanho, uma avaliação baixa da sua castidade e da sua honra! Na verdade, se a proposta tivesse sido de milhares de carneiros, e dez mil rios de azeite, não teria sido uma proposta digna. O favor de Deus, a pureza da alma, a paz da consciência, e a esperança do céu, são preciosos demais para serem expostos em vendas com tais tarifas. Não se lhes igualará o topázio da Etiópia: o que lucraram aqueles que perderam a sua alma para ganhar o mundo? 3. Tornou-se acusação para Judá o fato de que ele deixou suas jóias como penhor de um cabrito. Observe que as luxúrias carnais não somente são brutas, mas embriagadas, e arruinam os interesses seculares dos homens. Está claro que a prostituição, assim comoo vinho, e o vinho novo, tomam primeiro o coração, caso contrário nunca poderiam tomar o selo e o lenço.

Ele perdeu as suas jóias na barganha. Ele en­viou o cabrito, em conformidade com a promes­

sa, para resgatar o seu penhor, mas a suposta prostituta não pôde ser encontrada. Ele o enviou por intermédio do seu amigo (que na verdade era um inimigo secreto, porque era cúmplice das suas más obras), o adulamita, que voltou sem o penhor. O que ali foi dito (se for ver­dadeiro) é uma boa descrição de qualquer lugar: “Aqui não esteve prostituta alguma”. Pois tais pecadoras são os escândalos e as pragas de qualquer lugar. Judá se con­tenta em perder seu selo e seu lenço, e proíbe seu amigo de procurá-la ainda mais, dando a seguinte razão: “Para que porventura não venhamos a cair em desprezo”, v. 23. Ou: 1. Para que o seu pecado não viesse a ser conheci­do publicamente, e comentado. A fornicação e a impu­reza sempre foram consideradas coisas escandalosas e a reprovação e vergonha daqueles que são condenados por estes atos. Nada fará enrubescer aqueles que não se envergonham destas coisas. 2. Para que ele não fosse motivo de risos, como um tolo, por confiar a uma mere­triz o seu selo e o seu lenço. Ele não se preocupa com o pecado, para ser perdoado, mas somente com a vergo­nha, desejando evitá-la. Observe que há muitos que se preocupam mais em preservar a sua reputação com os homens do que em assegurar o favor de Deus e uma boa consciência. Não vá mais longe com estas pessoas “para que não sejamos envergonhados”. E não “para que não sejamos condenados”.

O Nascimento de Perez e Zeráw. 24-30

Aqui temos:T O rigor de Judá contra Tamar, quando soube que ela1 era uma adúltera. Ela era, aos olhos da lei, mulher de Selá, e, portanto, o fato de que estivesse grávida de outro homem era considerado uma injúria e uma ofensa à fa­mília de Judá: “Tirai-a fora”, diz Judá, o chefe da família, “para que seja queimada”. Não queimada até à morte, mas queimada na face ou na testa, marcada como uma prostituta. Isto parece provável, v. 24. Observe que é co-

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w. 1-6 GÊNESIS 39 184mum os homens serem muito severos quanto aos pecados que vêm nos outros. No entanto, geralmente permitem a si a prática dos mesmos pecados. E assim, ao julgarem a outros, condenam a si mesmos, Romanos 2.1; 14.22. Ago­ra, se ele desejasse que ela fosse queimada até à morte, talvez sob o pretexto de zelar contra o pecado, ele estaria utilizando esta situação para se livrar desta nora, não de­sejando casar Selá com ela. Observe que é comum, porém muito ruim, disfarçar a maldade contra os homens com uma demonstração de zelo contra os seus vícios.

n A vergonha de Judá, quando foi revelado que ele era o adúltero. Ela apresentou o selo e o lenço no tribunal, o que justificava a paternidade da criança a Judá, w. 25,26. Observe que a iniqüidade que foi co­metida mais secretamente, e mais habilmente escondida,

às vezes é estranhamente trazida à luz, para vergonha e confusão daqueles que disseram: Não me verá olho ne­nhum. Uma ave no ar pode levar a notícia. No entanto, há um dia de destruição que se aproxima, quando tudo será revelado. Alguns dos autores judeus observam aquilo que Judá tinha dito a seu pai: Conhece se esta será a túnica de teu filho (cap. 37.32), como o que agora foi dito a ele: “Conhece... de quem é este selo, e estes lenços, e este cajado?” Judá, sendo condenado pela sua própria consciência: 1. Confessa o seu pecado: “Mais jus­ta é ela do que eu”. Ele reconhece que uma marca perpé­tua de infâmia se fixaria sobre a sua vida, pois ele havia contribuído muito para este resultado. Observe que os criminosos que foram levados, de alguma maneira, a co­meter algum crime, devem ser tratados com justiça. Os senhores que retêm de seus servos os pagamentos que lhes são devidos, devem perdoá-los. 2. Ele nunca voltou a fazer isto: E nunca mais a conheceu. Observe que não se arrependem verdadeiramente dos seus pecados aqueles que não os abandonam.

m A edificação da família de Judá, apesar disto, no nascimento de Perez e Zerá, de quem descen­

deram as mais consideráveis famílias da famosa tribo de Judá. Aparentemente, o nascimento foi difícil para a sua mãe, que com isto foi punida pelo seu pecado. As crian­ças, como Esaú e Jacó, também brigavam pelo direito de primogenitura, e Perez o obteve, sendo sempre mencio­nado em primeiro lugar. E dele descendeu o Cristo. Ele deve o seu nome ao fato de ter saído do ventre antes do seu irmão: “Sobre ti é a rotura”. Esta mesma expressão se aplica àqueles que semeiam a discórdia, e criam se­parações entre irmãos. Os judeus, como Zerá, prezavam o direito de primogenitura. Assim sendo, os primogêni­tos eram marcados com um fio roxo, como aqueles que saíam primeiro. Mas os gentios - como Perez, como os filhos da violência - os ultrapassaram utilizando aquela violência que o reino do céu sofre, e alcançaram a jus­tiça que falta aos judeus. Mas, ainda assim, quando for chegada a plenitude dos tempos, entendemos que todo o Israel será salvo. Estes dois filhos são mencionados na árvore genealógica do nosso Salvador (Mt 1.3), para perpetuar a história, como um exemplo da humilhação do nosso Senhor Jesus. Alguns observam que os quatro filhos mais velhos de Jacó caíram sob uma culpa muito vil: Rúben e Judá sob a culpa do incesto, Simeão e Levi

sob a do assassinato. Mas, ainda assim, foram patriarcas. De Levi descenderam os sacerdotes, enquanto de Judá descenderam os reis e o Messias. Desta maneira eles se tornaram exemplos de arrependimento, e monumentos da misericórdia e do perdão.

C a p í t u l o 3 9

Neste capítulo, nós retornamos à história de José. Aqui o vemos: I. Como um servo, um escravo na casa de Potifar (v. 1), e ainda assim muito honrado e favorecido: 1. Pela providência de Deus, que fez dele, na verdade, um senhor, w. 2-6. 2. Pela graça de Deus, que fez dele mais do que um vencedor sobre uma forte tentação de impureza, w. 7-12. II.Nós o vemos como um sofredor, falsamente acu­sado (w. 13-18), aprisionado (w. 19,20), e, ainda assim, a sua prisão foi tornada honrosa e também consoladora pelos sinais da presença especial de Deus com ele, w. 21-23. E aqui José foi um tipo de Cristo, “que tomou a forma de servo”, e ainda assim fez aquilo que evidenciava que “Deus es­tava com Ele”, que foi tentado por Satanás, mas venceu a tentação, que foi falsamente acusado e preso, mas ainda assim tinha todas as coisas en­tregues nas Suas mãos.

A História de Joséw. 1-6

Aqui temos:T José comprado (v. 1), e aquele que o comprou, inde- JL pendentemente do que tenha dado por ele, fez um bom negócio. Foi melhor do que o comércio de prata. Os judeus têm um ditado: “Se o mundo somente conhecesse o valor dos homens bons, o cercariam de pérolas”. Ele foi vendido a um funcionário do Faraó, com quem ele podia conhecer pessoas públicas e negócios, adequando- se, desta maneira, à honra para a qual estava designado. Observe que: 1. Deus com certeza qualificará os homens- de uma maneira ou de outra - para o plano que Ele tem para cada um deles. 2. A Providência deve ser reconheci­da na disposição até mesmo de pobres servos e os paga­mentos por eles, e nisto pode, talvez, estar trabalhando em direção a algo grandioso e importante.

n José foi abençoado, e maravilhosamente abençoa­do, mesmo na casa da sua servidão.

1. Deus o fez prosperar, w. 2,3. Talvez os negócios da família de Potifar tivessem retrocedido antes. Mas, com a chegada de José, uma mudança perceptível ocor­reu, e a aparência e postura da família foram alteradas subitamente. Embora, a princípio, possamos supor que a sua mão foi colocada nos mais inferiores serviços, mesmo neles apareciam a sua inteligência e o seu trabalho. Uma bênção particular do Céu o acompanhou, bênção esta que, à medida que ele crescia no seu trabalho, tornou-se cada vez mais perceptível. Observe que: (1) Aqueles que

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185 GÊNESIS 39 w. 7-12têm sabedoria e graça, tèm aquilo que não pode ser tira­do deles, não importando quais outras coisas lhes sejam roubadas. Os irmãos de José o tinham despido da sua túnica de várias cores, mas não puderam despi-lo da sua virtude e prudência. (2) Aqueles que podem nos separar de todos os nossos amigos, ainda assim não podem nos privar da graciosa presença do nosso Deus. Quando José não tinha nenhum dos seus parentes consigo, ele teve o seu Deus com ele, mesmo na casa de um egípcio. José foi separado de seus irmãos, mas não do seu Deus. Banido da casa do seu pai, mas o Senhor estava com ele, e isto o consolava. (3) É a presença de Deus conosco que tor­na próspero tudo o que fazemos. Aqueles que desejam prosperar devem, portanto, fazer de Deus seu amigo. E aqueles que prosperam devem dar a Deus o louvor.

2. Seu senhor o promoveu, gradualmente, tornando-o administrador da sua casa, v. 4. Observe que: (1) O esforço e a honestidade são o caminho mais seguro e garantido, tanto de crescer como de prosperar: Viste um homem di­ligente - e prudente, e fiel - na sua obra? Perante reis será posto. Não será posto perante os de baixa sorte. (2) É sabedoria daqueles que estão em qualquer tipo de auto­ridade estimular e empregar aqueles com quem aparen­temente a presença de Deus está, Salmos 101.6. Potifar sabia o que estava fazendo quando colocou tudo nas mãos de José. Pois ele sabia que, nas mãos de José, tudo prospe­raria mais do que nas suas próprias mãos. (3) Aquele que é fiel em poucas coisas pode ter a esperança de controlar muitas coisas, Mateus 25.21. Cristo segue esta regra com seus servos. (4) É uma grande tranqüilidade para um se­nhor ter subordinados que são de confiança. Potifar es­tava tão satisfeito com a conduta de José que nada sabia do que estava com ele, a não ser do pão que comia, v. 6. O servo tinha todo o cuidado e toda a preocupação com os bens. O senhor tinha somente o aproveitamento disto: um exemplo que não deve ser imitado por nenhum senhor, a menos que possa ter certeza de que tem um servo, em todos os aspectos, como José.

3. Deus favoreceu o seu senhor, por causa dele (v. 5): O Senhor abençoou a casa do egípcio - embora fosse um egípcio, um estranho ao verdadeiro Deus - por amor de José. E ele mesmo, como Labão, logo aprendeu com a experiência, cap. 30.27. Observe que: (1) Os homens bons são as bênçãos dos lugares onde vivem. Até mesmo os bons servos podem sê-lo, embora humildes e pouco estimados. (2) A prosperidade dos ímpios é, de uma ma­neira ou de outra, fruto da bênção do Senhor que está na vida daqueles que são fiéis, e que estão junto com estes ímpios. Aqui uma família ímpia foi abençoada por causa de um bom servo que nela havia.

w. 7-12Aqui temos:

T Um exemplo muito vergonhoso de atrevimento e JL falta de decoro da senhora de José, a vergonha e o escândalo para o seu sexo, uma mulher que perdeu completamente toda virtude e honra. A sua atitude vil não deve ser mencionada e nem mesmo pensada, sem a máxima indignação. Ainda bem que ela era uma egípcia.

Pois teríamos compartilhado da confusão se tal loucura tivesse sido encontrada em Israel. Observe que:

1. Seu pecado começou nos olhos: Ela “pôs os olhos em José” (v. 7), que era um homem santo, formoso de aparência e formoso à vista, v. 6. Observe que: (1) A bele­za notável, seja dos homens ou das mulheres, freqüente­mente prova ser uma armadilha perigosa tanto para eles mesmos, quanto para outros, o que portanto proíbe o or­gulho, e exige uma constante vigilância contra a tentação que a acompanha. O favor que é concedido por causa da beleza é enganoso. (2) Nós temos grande necessidade de fazer um concerto com os nossos olhos (Jó 31.1), para que eles não infectem o coração. A senhora de José tinha um marido que deveria ter sido, para ela, como um véu sobre os olhos, para todos os outros, cap. 20.16.

2. Ela foi ousada e desavergonhada no pecado. Com um rosto atrevido, e a testa de uma prostituta, ela dis­se: “Deita-te comigo”, tendo já, pelos seus olhares de­vassos e seus desejos impuros, cometido adultério com ele, no seu coração. Observe que quando um espírito impuro consegue a posse e o domínio de uma alma, a situação é parecida com a daqueles que são possessos de demônios (Lc 8.27,29), as roupas do recato são jo­gadas fora e os grilhões e as cadeias da vergonha são quebrados. Quando a luxúria consegue a liderança, ela não será detida por nada, não enrubescerá por nada. A decência, a reputação, e a consciência, todas são sacrifi­cadas a este Baal-Peor.

3. Ela foi insistente e violenta na tentação. Ela re­cebia negativas com os motivos mais fortes, e sempre renovava as suas vis solicitações. Ele falava com ele to­dos os dias, v. 10. Isto era: (1) Uma grande iniqüidade nela, e mostra o seu coração completamente disposto a fazer o mal. (2) Uma grande tentação a José. A mão de Satanás, sem dúvida, estava nisto. Quando ele percebeu que não podia vencê-lo com problemas e dificuldades do mundo (pois mesmo em meio a estes, José ainda con­servou a sua integridade), atacou-o com prazeres sua­ves e charmosos, que arruinaram muitos antes dele, e mataram milhares de homens.T T f Aqui está um exemplo ilustre de virtude e castida- JL1 de deliberada em José, que, pela graça de Deus, foi capacitado para resistir e vencer esta tentação. E, considerando tudo, a sua fuga foi, pelo que eu entendo, um exemplo tão grande de poder divino quanto a liberta­ção dos três homens fiéis da fornalha de fogo ardente.

1. A tentação que o atacou foi muito forte. Nunca houve um ataque mais violento ao forte da castidade do que este que está registrado aqui. (1) O pecado ao qual ele foi tentado era a impureza, o que, considerando a sua juventude, a sua beleza, a sua condição de solteiro e a sua vida plena à mesa de um governante, era um pecado que, poderíamos pensar, podia facilmente importuná-lo e traí-lo. (2) A tentadora era a sua senhora, uma pessoa de alto nível, cuja posição demandava a obediência e a satisfação de seus interesses. Talvez o favor dela pudes­se contribuir, mais do que qualquer outra coisa, para a promoção de José. É provável que ela tivesse meios de ajudá-lo a alcançar as mais altas honras da corte. Por ou­tro lado, José corria um grande risco ao desprezá-la, e ao fazer dela sua inimiga. (-3) A oportunidade faz o ladrão,

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w. 13-18 GÊNESIS 39 186faz o adúltero, e favorece a tentação. A tentadora estava na casa com ele. Suas tarefas o levaram, sem nenhuma suspeita, a estar onde ela estava. Nenhum dos da casa estava ali (v. 11). Parecia não haver perigo de que isto fosse descoberto, ou, caso houvesse alguma suspeita, a sua senhora o protegeria. (4) A tudo isto foi acrescenta­da a insistência, freqüente e constante, a tal ponto que, finalmente, ela colocou as mãos nele com violência.

2. A resistência de José à tentação foi muito valente, e a vitória verdadeiramente honrosa. A poderosa graça de Deus capacitou-o a vencer este ataque do inimigo:

(1) Pela força da razão. E onde quer que a razão pos­sa ser ouvida, a religião, sem dúvida, será vitoriosa. José argumenta com base no respeito que devia tanto a Deus quanto ao seu senhor, w. 8,9. [1] Éle não iria prejudicar o seu senhor, nem cometer uma ofensa tão irreparável à sua honra. Ele considera, e insiste, como o seu senhor tinha sido bondoso com ele, quanta confiança tinha de­positado nele, em quantas ocasiões o tinha auxiliado, e por isto ele odiava o pensamento de fazer-lhe uma re­tribuição tão ingrata. Observe que nós somos forçados pela honra, assim como pela justiça e gratidão, a de nenhuma maneira ofender aqueles que têm boa opinião sobre nós e depositam confiança em nós, por mais secre­tamente que esta ofensa possa ser feita. Veja como ele argumenta (v. 9): “Ninguém há maior do que eu nesta casa” - portanto não o farei. Observe que aqueles que ocupam posições elevadas, em vez de se orgulharem pela sua grandeza, devem usá-la como um forte argumento contra o pecado. “Ninguém é maior do que eu? Então desdenharei o ímpeto de cometer uma iniqüidade e me manterei afastado de toda a tentação. Está abaixo de mim ser um instrumento para uma luxúria vil. Eu não me rebaixarei a tal ponto”. [2] Ele não desejava ofender ao seu Deus. Este é o argumento principal com o qual ele fortalece a sua aversão ao pecado. Como poderia fa­zer isto? não somente, Como farei?, nem Como ousarei?, mas, Como posso? IA possumus, quodjure possumus - Nós poderemos fazer tudo o que pudermos fazer de uma form a lícita. É bom trancarmos o pecado do lado de fora da nossa vida, usando os ferrolhos mais fortes, mesmo que isto pareça impossível. “Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado”, 1 João 3.9. José destaca três argumentos a seu respeito. Em primeiro lugar, ele con­sidera quem era aquele que era tentado. “Eu. Outros talvez pudessem tomar esta liberdade, mas eu não pos­so. Eu, que sou um israelita em concerto com Deus, que professo a religião e um relacionamento com Ele, para mim é impossível fazer isto”. Em segundo lugar, qual era o pecado ao qual ele era tentado: “Este tamanho mal”. Outros poderiam considerá-lo como uma questão pe­quena, um pecado leve, um erro da juventude. Mas José tinha outra idéia sobre isto. De maneira geral, quando, em qualquer ocasião, formos tentados a pecar, devemos levar em consideração a grande iniqüidade que existe no pecado, devemos permitir que o pecado se mostre peca­do (Rm 7.13), chamá-lo pelo seu próprio nome e nunca procurar diminuí-lo. Particularmente, é necessário que o pecado da impureza seja sempre considerado como

uma grande iniqüidade, como um pecado excessivamen­te pecaminoso, que guerreia contra a alma tanto quanto qualquer outro. Em terceiro lugar, contra quem ele era tentado a pecar: contra Deus. Não somente: “Como eu faria isto, e pecaria contra o meu senhor, a minha senho­ra, contra mim mesmo, contra o meu próprio corpo e a minha alma. Mas, acima de tudo, como eu pecaria contra Deus?” Observe que as almas graciosas consideram isto como a pior coisa em relação ao pecado: o fato de que o pecado é contra Deus, contra a sua natureza e o seu domínio, contra o seu amor e o seu desígnio. Aqueles que amam a Deus, por esta razão, odeiam o pecado.

(2) Por firmeza de decisão. A graça de Deus o capa­citou a vencer a tentação, evitando a tentadora. [1] Èle não deu ouvidos a ela, para estar com ela, v. 10. Observe que aqueles que desejam ser mantidos afastados do mal devem manter-se fora do caminho do mal. Evite-o, não passe ao lado dele. Na verdade: [2] Quando ela o pegou, ele deixou a sua veste na mão dela, v. 12. Ele não ficou para negociar com a tentação, mas fugiu dela com a maior repulsa. Ele deixou a sua veste, como alguém que foge para salvar a sua vida. Observe que é melhor perder uma boa veste do que uma boa consciência.

w. 13-18A senhora de José, tendo tentado em vão fazer dele

um criminoso, agora se empenha em descrevê-lo como um criminoso. Assim ela desejava se vingar dele, pela virtude que José demonstrou. Agora o seu amor se con­vertia na máxima fúria e maldade, e ela finge que não pode suportar sequer ver aquele que há pouco tempo de­sejava ter tão junto a si. A castidade e o santo amor irão continuar, ainda que sejam desprezados. Mas o amor pecaminoso, como o de Amnom por Tamar, é facilmente transformado em ódio pecaminoso. 1. Ela o acusou peran­te os outros servos (vv. 13-15), e divulgou uma má fama de José entre eles. Provavelmente eles lhe invejavam o interesse no favor do seu senhor, e a sua autoridade na casa. E talvez se encontrassem perturbados, às vezes, pela sua fidelidade, que impedia que eles roubassem. E, portanto, estavam felizes de ouvir qualquer coisa que pudesse levar à sua desgraça, e, se houve oportunidade para isto, incitaram a sua senhora ainda mais contra ele. Observe que quando ela fala do seu marido, ela não o chama de seu marido, nem de seu senhor, mas somen­te “ele”3’. Pois ela tinha se esquecido do concerto do seu Deus, que estava entre eles. Desta maneira, a adúltera (Pv 7.19) chama o seu marido de “o bom homem” (versão inglesa KJV). Observe que a inocência por si só não pode garantir a reputação de um homem. Nem todos os que mantêm uma boa consciência podem manter um bom nome. 2. Ela o acusou ao seu senhor, que tinha poder nas mãos para puni-lo, algo que os demais servos não tinham w. 17,18. Observe: (1)A história que ela conta é imprová­vel. Ela apresenta as vestes de José como uma evidência de que ele tinha sido violento com ela. O que era uma clara indicação de que ela tinha sido violenta com ele -

N ota do editor: O pronom e pessoal “ele” aparece n a King Jam es Version ÍKJY ou Versão do Rei Tiago, ou Versão Autorizada), a versão bíblica inglesa publicada em 1611 e usada por M atthew H enry como base de sua E xposição . N a versão R evista e Corrigida (RC) de Almeida, a versão bíblica padrão desta edição do comentário de M atthew Henry, “ele” está subentendido no verbo “trouxe-nos” (v. 14).

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187 GÊNESIS 40 w. 19-23mas se isto tivesse ocorrido, entendemos que José teria prevalecido, pois deveria ser fisicamente mais forte do que ela. Observe que aqueles que romperam os laços do decoro nunca serão detidos pelos laços da verdade. Não é de admirar que ela, que tinha atrevimento suficiente para dizer: “Deita-te comigo”, tivesse coragem suficien­te para dizer, Quis deitar-se comigo. Se a mentira tivesse sido contada para esconder o seu próprio crime, já teria sido suficientemente ruim, mas, até certo ponto, descul­pável. Mas foi contada para vingar-se da virtude de José, e assim se mostra como uma mentira muito maldosa. E, ainda assim: (2) Ela maneja a situação de modo a incitar o seu marido contra José, culpando-o por ter trazido este servo hebreu para junto deles, talvez a princípio contra a sua vontade, porque era um hebreu. Observe que não é novidade que os melhores homens sejam acusados dos piores crimes, por aqueles que são, eles mesmos, os pio­res criminosos. Da maneira como a situação é descrita, alguém poderia pensar que o casto José era um homem muito mau, e gue a sua corrupta senhora era uma mu­lher virtuosa. É bom que haja um dia marcado para a re­velação de todas as coisas. Este dia está se aproximando. Ali serão mostradas as verdadeiras características de cada pessoa - todos estarão presentes. Ninguém poderá faltar. E sta não era a primeira vez que uma veste de José era usada como um falso testemunho a respeito dele. Seu pai tinha sido enganado desta forma, anteriormente, e agora o seu senhor estava sendo enganado.

w. 19-23Aqui temos: 1. José prejudicado pelo seu senhor.

Ele acreditou na acusação e, ou José não fez a sua de­fesa, dizendo a verdade (porque isto refletiria muito sobre a sua senhora), ou o seu mestre não a ouviu, ou não acreditou nela, e não há remédio, ele é condenado à prisão perpétua, w. 19,20. Deus deteve a sua ira, caso contrário ele teria mandado matá-lo. E esta ira que o aprisionou, Deus converteu em seu louvor, e para isto a Providência dispôs que ele fosse encerrado entre os presos do rei, os prisioneiros de estado. Potifar, prova­velmente, escolheu esta prisão porque era a pior. Pois ali o ferro penetrava na alma (SI 105.18), mas Deus pre­tendia preparar o terreno para o seu engrandecimento. Ele foi entregue à prisão do rei, para que dali pudesse ser levado à pessoa do rei. Observe que muitos falsos aprisionamentos irão, no grande dia, revelar-se uma mentira contra os inimigos e perseguidores do povo de Deus. Nosso Senhor Jesus, como José aqui, foi preso, e contado entre os transgressores. 2. O reconhecimen­to e a reparação feita pelo seu Deus, que é, e será, o justo e poderoso patrono da inocência oprimida. José estava longe de todos os seus amigos e parentes, não os tinha com ele para consolá-lo, ou servi-lo, ou mediar por ele. Mas o Senhor estava com José, e lhe mostrou misericórdia, v. 21. Observe que: (1) Deus não despreza os seus cativos, Salmos 69.33. Nenhuma porta ou grade pode afastar a sua graciosa presença do seu povo. Pois Ele prometeu que jamais os deixará. (2) Aqueles que têm uma boa consciência na prisão, têm um bom Deus ali. A integridade e a honestidade nos qualificam para o

favor divino, onde quer que estejamos. José não é pri­sioneiro durante muito tempo antes que se torne um pequeno governante, mesmo na prisão. Isto deve ser atribuído, sob a influência de Deus: [1] Ao favor do car­cereiro. Deus “deu-lhe graça aos olhos do carcereiro- mor”. Observe que Deus pode fazer surgir amigos para o seu povo onde eles pouco esperam encontrá-los, e pode fazê-los alvos de misericórdia até mesmo daqueles dos quais são cativos, Salmos 106.46. [2] Ao talento de José para os negócios. O carcereiro-mor viu que Deus estava com ele, e que tudo prosperava na mão dele. E por isto confiou-lhe a administração dos assuntos da prisão, w. 22,23. Observe que a sabedoria e a virtude irão brilhar nas esferas mais estreitas. Um homem bom irá fazer o bem onde quer que esteja, e será uma bênção até mesmo se estiver preso e exilado. Pois o Espírito do Senhor não está preso nem exilado, testemunha o apóstolo Paulo, Filipenses 1.12,13.

C a p ít u lo 4 0Neste capítulo as coisas estão acontecendo, embo­ra lentamente, em direção à promoção de José. I. Dois dos servos de Faraó são colocados na prisão, e sob os cuidados de José, e assim tornaram-se testemunhas do seu extraordinário comportamen­to, w. 1-4. II. Cada um deles teve um sonho, que José interpretou (w. 5-19), e os acontecimentos comprovaram a interpretação (w. 20-22), e assim eles se tornaram testemunhas do seu talento ex­traordinário. III. José recomenda o seu caso a um deles, cuja nomeação ele previu (w. 14,15), mas em vão, v. 23.

A História de Joséw. 1-4

Não teríamos esta história do copeiro e do padeiro de Faraó registrada nas Escrituras, se ela não tivesse sido útil para a promoção de José. O mundo permane­ce por causa da igreja, e é governado para o seu bem. Observe que: 1. Dois dos altos funcionários da corte de Faraó, tendo ofendido o rei, são mandados para a pri­são. Note que os cargos elevados são cargos escorrega­dios. Nada é mais incerto do que o favor dos príncipes. Aqueles que fazem do favor de Deus a sua felicidade, e do serviço a Ele o seu trabalho, irão descobrir que Ele é um Senhor muito melhor do que era Faraó, e não tão rigoroso para destacar o que fazem de errado. Existem muitas conjeturas a respeito da ofensa destes servos de Faraó. Alguns acreditam que não foi nada menos do que um atentado contra a sua vida, outros que não foi nada além de uma mosca pousada na sua xícara e ou pouco de areia no seu pão. Qualquer que tenha sido a ofensa, a Providência, por estes meios, os levou à prisão onde esta­va José. 2. O próprio capitão da guarda, que era Potifar, pô-los a cargo de José (v. 4), o que indica que agora ele começava a reconciliar-se com ele, e talvez a convencer- se da sua inocência, embora não o soltasse por medo de

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w. 5-19 GÊNESIS 40 188contrariar a sua esposa. João Batista teve que perder a sua cabeça para que Herodias fosse satisfeita.

w. 5-19Observe:

T A providência especial de Deus, que encheu a mente X destes dois prisioneiros com sonhos incomuns, que lhes causaram impressões extraordinárias, e traziam evidências de uma origem divina, ambos na mesma noite. Observe que Deus tem acesso imediato ao espírito dos ho­mens, que Ele pode tornar útil aos seus próprios objetivos quando assim o desejar, muito além da intenção dos envol­vidos. A Ele todos os corações estão abertos, e antigamen­te Ele costumava falar, não somente ao seu próprio povo, mas a outros, em sonhos, Jó 33.15. As coisas futuras eram assim preditas, mas de maneira muito obscura.T T A impressão que os sonhos causaram sobre estes _£ JL prisioneiros (v. 6): Eles estavam turbados. Não era a prisão que lhes provocava este sentimento (eles es­tavam acostumados a isto, e talvez vivessem alegremen­te ali), mas o sonho. Observe que Deus tem mais do que um caminho para turbar o espírito daqueles que devem ser entristecidos. Há pecadores que são suficientemente corajosos quando estão enfrentando problemas exter­nos, e não se rendem a eles. Mesmo assim, Deus conse­gue encontrar uma maneira de puni-los. O Senhor pode tirar as suas rodas, ferindo seus espíritos, e colocando cargas sobre eles.T T T A grande ternura e compaixão de José por eles. i l l Ele perguntou preocupado: “Por que estão, hoje, tristes os vossos semblantes?”, v. 7. José era seu guardião, e desempenhava este trabalho com mansidão. Observe que convém que reconheçamos as tristezas até mesmo daqueles que estão sob a nossa supervisão. José era seu companheiro de tribulação. Agora ele era um prisioneiro, como eles, e também tinha sido um sonha­dor. Observe que a comunhão no sofrimento nos ajuda a exercer compaixão por aqueles que realmente sofrem. Devemos aprendei', aqui: 1. Anos preocuparmos com as tristezas e os problemas dos outros, e a investigar a ra­zão da tristeza nos semblantes dos nossos irmãos. Deve­mos freqüentemente considerar as lágrimas dos oprimi­dos, Eclesiastes 4.1. Aqueles que estão em dificuldades sentem algum alívio quando são notados. 2. A investigar as causas da nossa própria tristeza: “Porque estou triste hoje? Há alguma razão? É uma boa razão? Não há uma razão para consolo, suficiente para contrabalançar isto, seja o que for? Por que estás abatida, ó minha alma?”

Os sonhos propriamente ditos, e a sua interpre­tação. O que perturbava estes prisioneiros era

o fato de que, estando confinados, não podiam recorrer aos adivinhos do Egito, que fingiam interpretar sonhos: na prisão “ninguém há que o interprete”, v. 8. Observe que existem intérpretes com quem deveriam desejar estar aqueles que estão na prisão, para instruí-los no significado e nos desígnios da Providência (Eliú faz

alusão a isto, quando diz: “Se... houver um mensageiro, um intérprete, um entre milhares para declarar ao ho­mem a sua retidão...”, Jó 33.23), intérpretes para guiar as suas consciências e não satisfazer a sua curiosidade. José mostrou-lhes para onde deviam olhar: “Não são de Deus as interpretações?” Ele se refere ao Deus que ele adorava, tencionando levá-los ao conhecimento dele. Observe que é prerrogativa de Deus predizer as coisas futuras, Isaías 46.10. Portanto, o bondoso Senhor deve ser louvado por todos os dons de previsão que os homens possam ter, quer sejam naturais ou extraordinários. José toma como premissa uma advertência contra o seu louvor a si próprio, e é cuidadoso em transmitir a glória a Deus, como Daniel, em Daniel 2.30. José sugere: “Se as interpretações são de Deus, Ele é um agente livre, e pode transmitir o poder a quem Ele desejar. E, por isto, contem-me os seus sonhos”. Bem: 1. O sonho do copeiro- mor era um feliz presságio da sua libertação, e recoloca- ção, dentro de três dias. E assim José lhe explicou, w. 12,13. Provavelmente era usual que ele pressionasse as uvas maduras diretamente no copo de Faraó, uma vez que a simplicidade daquela época não estava familiari­zada com as artes modernas de produção de vinho fino. Observe que José predisse a libertação do copeiro-mor, mas não previu a sua própria. Muito tempo antes, ele ti­nha sonhado com a sua própria honra, e a obediência que os seus irmãos teriam a ele. E ra com esta lembrança que ele agora deveria se sustentar, sem nenhuma revelação nova. As visões que se destinam ao consolo dos santos de Deus não são de acontecimento imediato, e se relacio­nam a coisas que estão muito distantes, ao passo que as visões sobre outros, como esta, registrada aqui, estavam somente três dias à sua frente. 2. O sonho do padeiro- mor anunciava a sua morte desonrosa, w. 18,19. A feliz interpretação do sonho do outro, o incentivou a contar o seu. Assim também os hipócritas, quando ouvem boas coisas prometidas a bons cristãos, desejam compartilhar delas, embora não lhes caiba nenhuma participação na questão. Não era culpa de José o fato de não lhe trazer notícias melhores. Os ministros são apenas intérpretes, e eles não podem tornar as coisas diferentes daquilo que já são. Se, portanto, agirem fielmente, e a sua mensagem for desagradável, não será culpa deles. Sonhos maus não podem causar a expectativa de boas interpretações.17 A maneira como José aproveitou esta oportuni-

f dade de conseguir um amigo na corte, w. 14,15. Ele solicitou modestamente o favor do copeiro-mor, cuja promoção ele predisse: “Lembra-te de mim, quando te for bem”. Embora o respeito prestado a José tornasse a prisão tão confortável para ele quanto uma prisão pode­ria ser, ainda assim ninguém pode culpá-lo por desejar a sua liberdade. Veja aqui: 1. A modesta apresentação que ele faz do seu próprio caso, v. 15. Ele não fala dos seus irmãos que o venderam. Ele somente diz: “fui roubado da terra dos hebreus”, isto é, ele foi injustamente reti­rado daquele lugar, sem se importar sobre onde estava a culpa por tamanho pecado. Nem fala sobre o mal que lhe havia sido feito no seu aprisionamento, pela sua senho­ra, que foi a sua acusadora, e pelo seu senhor, que foi o seu juiz. Mas docemente afirma a sua inocência: “Nada tenho feito, para que me pusessem nesta cova”. Observe

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189 GÊNESIS 41 w. 20-23que quando somos chamados a nos inocentar, devemos cuidadosamente evitar, tanto quanto possível, falar mal dos outros. Devemos ficar satisfeitos por provar a nossa inocência, sem desejar censurai- a outros em relação à sua culpa. 2. O modesto pedido que ele faz ao copeiro- mor: Somente “lembra-te te mim”. Por favor, faça-me uma gentileza, se estiver no seu caminho. E o seu pedi­do em particular é, faze-me sair desta casa. Ele não diz: “Leve-me à casa do Faraó, consiga-me um lugar na cor­te”. Não. Ele pede libertação, e não promoção. Observe que a Providência, às vezes, designa as maiores honras para aqueles que menos as cobiçam ou esperam.

w. 20-23Aqui temos: 1. A comprovação da interpretação que

José fez dos sonhos, do dia pré-fixado. O copeiro-mor e o padeiro-mor fora, ambos levados, um ao seu cargo, e o outro à forca, ambos no final do prazo de três dias. Observe que mudanças muito grandes - tanto para me­lhor quanto para pior - freqüentemente acontecem em muito pouco tempo, pois as voltas da roda da natureza são assim repentinas. O motivo do julgamento separado dos seus casos foi a celebração do aniversário do Faraó, em que, como eram obrigados todos os seus servos, por costume, apresentar-se a ele, estes dois vieram para ser interrogados, e para que fosse investigada a causa do seu aprisionamento. A comemoração do aniversário de prín­cipes era uma antiga cerimônia em que se demonstrava o respeito que lhes era prestado. E, se não for mal utili­zada, como a de Jeroboão (Os 7.5), e a de Herodes (Mc6.21), pode ser classificada como um costume suficien­temente inocente. E nós podemos observar de maneira proveitosa os nossos aniversários, com gratidão pelas graças do nosso nascimento, com tristeza pelos nossos pecados, e uma expectativa do dia da nossa morte como sendo melhor do que o dia do nosso nascimento. No dia do aniversário do Faraó, ele levantou a cabeça destes dois prisioneiros, isto é, julgou-os (quando Nabote foi julgado, ele foi colocado acima do povo, 1 Reis 21.9), e devolveu ao cargo o copeiro-mor, e enforcou o padeiro- mor. Se o copeiro era inocente e o padeiro culpado, nós devemos reconhecer a justiça da Providência em escla­recer a inocência do inocente, e revelar o pecado do cul­pado. Independentemente de ambos serem igualmente inocentes, ou igualmente culpados, este é um exemplo da arbitrariedade de tais grandes príncipes que se or­gulham de te r este poder que Nabucodonosor instituiu (Dn 5.19, a quem queria matava e a quem queria dava a vida), esquecendo-se de que existe Alguém acima deles, a quem deverão prestar contas. 2. O desapontamento da expectativa de José em relação ao copeiro-mor: “O copeiro-mor, porém, não se lembrou de José. Antes, se esqueceu dele”, v. 23. (1) Veja aqui um exemplo da vil ingratidão. José tinha merecido o bem das mãos dele. José o tinha servido, tinha simpatizado com ele, tinha-o ajudado com uma interpretação favorável do seu sonho, tinha se recomendado a ele, como uma pessoa extraordi­nária, em todos os aspectos. E ainda assim, o copeiro o esqueceu. Não devemos julgar estranho se neste mun­do recebermos ódio em troca do nosso amor, e desprezo

pelo nosso respeito. (2) Veja com que facilidade aqueles que estão vivendo confortavelmente se esquecem daque­les que estão em aflição. Talvez o profeta Amós esteja fazendo uma alusão a esta história na passagem em que fala daqueles que bebem vinho em taças e não se afligem pela aflição de José, Amós 6.6. Aprendamos, aqui, a não depender dos homens. José talvez confiasse muito no in­teresse que o copeiro-mor tivesse por ele, e esperasse muito da parte dele. Entretanto ele aprendeu, com o seu desapontamento, a confiar somente em Deus. Não pode­mos esperar muito da parte dos homens, nem pouco da parte de Deus.

Alguns observam a semelhança entre José e Cristo nesta história. Os companheiros de sofrimento de José eram como os dois salteadores que foram crucificados ao lado de Cristo - um foi salvo, enquanto o outro foi condenado. (Esta é uma observação do Dr. Lightfoot, por parte do Sr. Broughton). Um destes, quando José lhe disse: “Lembra-te de mim, quando te for bem”, es­queceu-se dele. Mas um daqueles, quando disse a Cristo: “Lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino”, não foi esquecido. Nós culpamos, com razão, a ingratidão do copeiro-mor para com José, mas ainda assim nos com­portamos de uma maneira muito mais falsa para com o nosso Senhor Jesus. José tinha apenas predito a liberta­ção do copeiro-mor, mas Cristo realizou a nossa. Ele fez a mediação junto ao Grande Rei por nós. Mas ainda assim nós nos esquecemos dele, embora sejamos freqüente­mente lembrados de que prometemos jamais esquecê-lo. Assim, nós retribuímos tão mal os benefícios que recebe­mos, como pessoas tolas e imprudentes.

C a p í t u l o 41Aqui a Providência ocasiona duas coisas: I. A li­bertação de José. II. O sustento de Jacó e da sua família, em uma época de fome. Pois os olhos do Senhor percorrem a terra, e orientam os assuntos dos filhos dos homens para o benefício daqueles cujos corações são corretos com Ele. Para isto, temos aqui: 1. Os sonhos de Faraó, w. 1-8. 2. A recomendação que lhe fizeram de José como in­térprete, w. 9-13. 3. A interpretação dos sonhos, e a predição de sete anos de abundância e sete anos de fome no Egito, com o prudente conselho dado a Faraó em vista disto, w. 14-36. 4. A nomeação de José para uma posição do mais elevado poder e confiança no Egito, w. 37-45.5. O cumprimento da predição de José, e a sua fidelidade ao que lhe era confiado, v. 46ss.

O Sonho de Maus Presságios de Faraó w. 1-8

Observe: 1. A demora na libertação de José. Não aconteceu antes de “dois anos inteiros” (v. 1). Este tem­po ele tinha esperado, depois de confiar o seu caso ao copeiro-mor, e começar a te r alguma perspectiva de libertação. Observe que nós temos necessidade de pa­

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w. 9-16 GÊNESIS 41 190ciência, não somente paciência que tolera, mas também paciência que espera. José permaneceu na prisão até o tempo em que chegou a sua palavra, Salmos 105.19. Existe um tempo definido para a libertação do povo de Deus. Este tempo chegará, embora pareça tardar. E, quando chegar, parecerá ter sido o melhor momento, e por isto nós devemos esperar por ele (He 2.3) e não pensar que dois anos inteiros sejam tempo demais para continuar esperando. 2. Os meios da libertação de José, que foram os sonhos de Faraó, aqui relatados. Se fôs­semos considerá-los como sonhos comuns, poderíamos observar neles as tolices e os absurdos de uma fantasia errante, através da apresentação de vacas mansas como animais caçadores (ou melhor, mais devoradores do que quaisquer outros, devorando animais da sua própria espécie), e espigas que devoram umas às outras. Certa­mente na multidão de sonhos, ou melhor, até mesmo em um único sonho, existem muitas vaidades, Eclesiastes5.7. Agora que Deus já fala conosco de outras manei­ras (principalmente através da sua Palavra), penso que não precisamos nos importar tanto com os sonhos, nem devemos contá-los. Os sonhos tolos relatados não são melhores do que a conversa tola. Mas estes sonhos que Faraó sonhou traziam consigo a sua própria evidência de que eram enviados por Deus. E, por isto, quando ele despertou, “o seu espírito perturbou-se”, v. 8. Não pode deixar de nos preocupar o fato de que nós, como pecadores, recebamos uma mensagem extraordinária do céu, porque estamos conscientes de que não temos motivos para esperar nenhuma boa notícia dali, devido às nossas próprias transgressões. Seus adivinhadores ficaram perplexos, pois os preceitos da sua arte lhes falharam: estes sonhos de Faraó aparentemente não se encaixavam nos conhecimentos que eles dominavam, de modo que não podiam oferecer a sua interpretação. Isto se destinava a tornar o desempenho de Jacó, pelo Espí­rito de Deus, ainda mais admirável. A razão, prudência e previsão humanas devem ser confundidas, para que a revelação divina possa parecer mais gloriosa no plane­jamento da nossa redenção, 1 Coríntios 2.13,14. Com­pare esta história com Daniel 2.27; 4.7; 5.8. Os sonhos do próprio José tinham sido o motivo dos seus proble­mas. Mas agora os sonhos de Faraó eram o motivo da sua libertação e bênção.

José É Trazido à Presença do Faraów. 9-16

Aqui temos: 1. A recomendação de José a Faraó, como intérprete. O copeiro-mor fez isto mais por consi­deração a Faraó, para agradá-lo, do que por gratidão a José, ou por compaixão pela sua situação. Ele faz uma confissão justa (v. 9): “Dos meus pecados me lembro hoje - ao esquecer-me de José. Observe que é melhor lembrarmos do nosso dever, e realizá-lo na ocasião devi­da. Mas, se negligenciarmos isto, será melhor lembrar as nossas faltas, e arrependermo-nos delas, e fazer o nosso dever, por fim. Antes tarde do que nunca. Alguns pensam que o copeiro se refere aos seus pecados contra Faraó, pelos quais tinha sido aprisionado. E então ele desejava insinuar que, embora Faraó o tivesse perdo­

ado, ele não conseguia perdoar-se. A história que ele tinha a dizer era, em resumo, que havia um jovem obs­curo na prisão do rei, que tinha interpretado de modo muito adequado o seu sonho, e o do padeiro-mor (tendo os acontecimentos confirmado cada interpretação), e que ele desejava recomendá-lo ao rei, seu senhor, como intérprete. Observe que o momento de Deus para a libertação do seu povo parecerá, afinal, ser o melhor momento. Se o copeiro-mor tivesse usado a princípio o seu prestígio em benefício da libertação de José, e a tivesse obtido, é provável que depois da sua libertação ele tivesse retornado à terra dos hebreus, da qual fala­va com tanta saudade (cap. 40.15), e nunca teria sido tão abençoado, nem teria sido tal bênção para a sua família, como posteriormente provou ser. Mas permanecendo mais dois anos, e saindo nesta ocasião, por fim, para interpretar os sonhos do rei, o caminho estava aberto para a sua grande nomeação. Aqueles que esperam pa­cientemente por Deus serão recompensados pela sua espera, de uma forma muito maior do que jamais pode­riam imaginar, Lamentações 3.26. 2. A apresentação de José a Faraó. Os assuntos do rei exigem pressa. José é retirado da prisão com toda rapidez. A ordem de Faraó libertou-o tanto da sua prisão quanto da sua servidão, e fez dele um candidato a alguns dos cargos de maior confiança da corte. O rei mal consegue dar-lhe algum tempo, exceto aquele exigido pelo decoro, para que se barbeasse e mudasse as suas vestes, v. 14. Isto é feito com a máxima rapidez possível, e José é trazido, talvez quase tão surpreso como estava Pedro, Atos 12.9. Tão repentinamente ele deixa o cativeiro, que ele está como aquele que sonha, Salmos 126.1. Imediatamente, Faraó, sem perguntar quem ele era, ou de onde era, conta-lheo que desejava dele, que esperava que ele pudesse in­terpretar o seu sonho, v. 15. A isto, José dá uma respos­ta muito modesta (v. 16), na qual: (1) Ele honra a Deus. “Isso não está em mim. Deus dará resposta”. Observe que os grandes dons parecem mais graciosos e ilustres quando aqueles que os têm os usam de maneira humil­de, e atribuem o louvor não a si mesmos, mas a Deus. A estes, Deus concede ainda mais graça. (2) Ele mostra respeito a Faraó, e uma boa vontade sincera para com ele e seu governo, supondo que a interpretação seria uma res]DOsta de paz. Observe que aqueles que consul­tam os oráculos de Deus devem esperar uma resposta de paz. Se José for o intérprete, espere o melhor.

José Interpreta o Sonho de Faraów. 17-32

Aqui:T Faraó conta o seu sonho. Ele sonhou que estava J , em pé na praia do rio Nilo, e viu as vacas, tanto as gordas como as magras, saindo do rio. Pois o reino do Egito, aparentemente (Zc 14.17) não tinha chuvas, mas a abundância do ano dependia da enchente do rio - em determinada época do ano ele transbordava. Se ele su­bisse quinze ou dezesseis côvados (algo entre sete e oito metros), haveria abundância. Se somente cinco ou seis, ou menos que isto, havia escassez de alimentos. Veja

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191 GÊNESIS 41 w. 33-45quantas maneiras a Providência tem para dispensar os seus dons. Mas, quaisquer que sejam as causas secun­dárias, continuamos dependendo da primeira Causa, que torna cada criação para nós aquilo que ela é, sejam chuvas ou rios.

n josé interpreta o sonho do Faraó, e lhe diz que ele significava sete anos de abundância, que co­meçariam imediatamente, e que seriam sucedidos por igual número de anos de fome. Observe que: 1. Os dois sonhos significavam a mesma coisa, mas a repetição

pretendia indicar a certeza, a proximidade e a impor­tância do evento, v. 32. Assim Deus freqüentemente mostrava a imutabilidade dos seus conselhos, por meio de duas coisas mutáveis, Hebreus 6.17,18. O concerto é selado com dois sacramentos, e em um deles há pão e também vinho. O sonho é um só, embora duplicado, e a sua mensagem com certeza se cumprirá. 2. Mas os dois sonhos tinham uma referência distinta às duas coi­sas com que experimentamos abundância e escassez, ou seja, erva e trigo. A abundância e escassez de erva para o gado foram representadas pelas vacas gordas e magras, respectivamente. E a abundância e escassez

• de alimento a serviço do homem, pelas espigas cheias e secas. 3. Veja a quais mudanças os confortos desta vida estão sujeitos. Depois de grande abundância, pode vir grande escassez. Por mais forte que julguemos que está o nosso monte, se Deus disser uma palavra ele se moverá. Não podemos ter certeza de que amanhã será como hoje, que o próximo ano será como este, e muito mais abundante, Isaías 56.12. Devemos aprender tanto a te r abundância como a padecer necessidade. 4. Veja a bondade de Deus, ao enviar os sete anos de abundância antes dos anos de fome, para que provisões pudessem ser feitas. Desta maneira, Ele fez este em oposição àquele, Eclesiastes 7.14. Com que maravilhosa sabedo­ria a Providência, esta grande administradora, ordenou os assuntos desta numerosa família, deste o início até hoje! Há grande variedade de estações, e a produção da terra é algumas vezes, maior, e outras vezes, me­nor. Mas, comparando uma época com outra, aquilo que era milagroso, acerca do maná, é comumente observa­do no curso comum da Providência: “Não sobejava ao que colhera muito, nem faltava ao que colhera pouco”, Êxodo 16.18. 5. Veja como é perecível a natureza dos nossos prazeres terrenos. A grande fartura dos anos de abundância seria praticamente perdida e engolida nos anos de fome. E a sobra, que parecia ser muita, apenas serviria para manter vivos os homens, w . 29- 31. Os manjares são para o ventre, e o ventre, para os manjares. Deus, porém, aniquilará tanto um como os outros, 1 Coríntios 6.13. Existe uma comida que per­manece para a vida eterna, que não será esquecida, e que será merecida, enquanto trabalharmos por ela, João 6.27. Aqueles que fazem das coisas deste mundo os seus bens, descobrirão que terão pouco prazer ao se lembrarem de que as receberam, Lucas 16.25.6. Obser­ve que Deus revelou isto de antemão a Faraó, que, como rei do Egito, devia ser um pai para o seu país, e fazer provisões prudentes para seu povo. Os magistrados são chamados de pastores, pois a sua preocupação deve ser, não somente governar, mas também alimentar.

A Exaltação de Joséw. 33-45

Aqui temos:

I O bom conselho que José deu ao Faraó: 1. Que nos anos de fartura ele armazenasse para os anos da

fome, comprasse trigo quando fosse barato, para que ele pudesse enriquecer e ao mesmo tempo abastecer o país quando o alimento fosse precioso e escasso. Observe que as advertências justas devem sempre ser seguidas por bons conselhos. Por isto, o homem prudente prevê o mal, que ele mesmo pode esconder. Deus, na sua palavra, nos falou de um dia de provação e exigência à nossa frente, quando precisaremos de toda a graça que pudermos con­seguir, e não será suficiente: “Agora, portanto, abasteça adequadamente”. Observe, além disto, que a época de acumular deve ser diligentemente aproveitada, porque virá uma época de gastos. Devemos ir te r com a formi­ga, e aprender com a sua sabedoria, Provérbios 6.6-8.2. Como aquilo que se diz que “é o trabalho de todos” normalmente não é feito por ninguém devido à falta de um responsável nomeado, ele aconselha ao Faraó que nomeie encarregados que deverão se ocupar disto, e es­colha uma pessoa que seja líder, nesta questão, v. 33. Pro­vavelmente, se José não tivesse dado este conselho, isto não teria sido feito. Os conselheiros do Faraó não podiam aproveitar o sonho, assim como os seus adivinhadores não podiam interpretá-lo. Por isto, sobre José está escri­to (SI 105.22), que ele instruiu os anciãos. Disto, podemos com razão deduzir, com Salomão (Ec 4.13): “Melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato”.

n A grande honra que Faraó concedeu a José. 1. Ele lhe deu um testemunho honroso: Este é um varão em quem está o Espírito de Deus. E isto acrescenta uma grande excelência a qualquer homem. Homens como ele devem ser valorizados, v. 38. A sua prudência não tem

rival: “Ninguém há tão inteligente e sábio como tu”, v. 39. Agora, ele é abundantemente recompensado pela desgraça que lhe tinha sido feita - a sua justiça sobres­saiu como a luz, Salmos 37.6. 2. Ele o nomeia a um cargo honroso. Não somente o empregou para comprar trigo, mas fez dele primeiro ministro de estado, controlador da casa - “Tu estarás sobre a minha casa”, será o presiden­te da corte suprema do reino - “e por tua boca se gover­nará todo o meu povo”, ou, como alguns interpretam, “se armará...”, e então isto indica que ele seria general das forças armadas. A sua comissão era muito ampla: “Vês aqui te tenho posto sobre toda a terra do Egito” (v. 41); “sem ti ninguém levantará a sua mão ou o seu pé em toda a terra do Egito” (v. 44). Todos os assuntos do reino deve­riam passar por ele. Na verdade (v. 40), “somente no tro­no eu serei maior que tu”. Observe que é a sabedoria dos príncipes nomear, e a felicidade do povo ter nomeados, para posições de poder e confiança, aqueles em quem está o Espírito de Deus. É provável que houvesse pesso­as, na corte, que se opunham à nomeação de José, o que ocasionou que Faraó tantas vezes repetisse a nomeação, e com a solene sanção (v. 44): “Eu sou Faraó”. Quando foi feita a proposta de que deveria ser nomeado um general encarregado do trigo (v. 37), os servos de Faraó ficaram

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w. 46-57 GÉNESIS 41 192satisfeitos com a proposta, todos esperando obter este cargo. Mas quando Faraó lhes disse: “José será este ho­mem”, não lemos que tenham lhe respondido qualquer coisa, tendo ficado inquietos com isto, e concordando somente porque não podiam evitá-lo. José, sem dúvida, tinha inimigos, flecheiros que o flecharam, e o aborre­ceram (cap. 49.23), como Daniel, Daniel 6.4. S. Faraó o investiu de todos os sinais imagináveis de honra, para re­comendá-lo à estima e respeito do povo, como favorito do rei, e alguém que ele se alegrava por honrar. (1) Ele lhe deu o seu próprio anel, como ratificação da comissão, e como símbolo do favor peculiar. E ra como entregar a eleo grande selo. (2) Ele o fez vestir de vestes de linho fino, em vez das suas vestes da prisão. Aqueles que estão nos palácios dos reis, devem usar vestes finas. Aquele que, pela manhã, estava arrastando suas correntes de ferro, antes do anoitecer era adornado com um colar de ouro. (-3) Ele o fez subir no segundo carro que tinha, e ordenou que todos lhe prestassem homenagem: “Ajoelhai, como para o próprio Faraó”. (4) Ele lhe deu um novo nome, para mostrar a sua autoridade sobre José, e mesmo este nome evidenciava o valor que José tinha para o Faraó: Zafenate-Panéia - revelador de segredos. (5) O Faraó o casou honrosamente com a filha de uma princesa. Faraó não poupou honras àquele a quem Deus tinha sido libe­ral, dando-lhe sabedoria e outros méritos. Esta nomea­ção de José foi: [1] Uma abundante recompensa pelo seu inocente e paciente sofrimento, um exemplo duradouro da justiça e bondade cia Providência, e um encorajamen­to a todas as pessoas boas, para que confiem no Deus bom. [2] Um tipo da exaltação de Cristo, aquele grande Revelador de segredos (Jo 1.18), ou, como alguns tradu­zem o novo nome de José, o Salvador do mundo. As mais esplendorosas glórias do mundo superior são concedidas a Ele, a maior confiança está depositada na sua mão, e todo o poder lhe é dado, tanto no céu quanto na terra. Ele acumula, guarda e dispõe de todos os armazéns da graça divina, e é o principal governante do reino de Deus entre os homens. O trabalho dos ministros é clamar dian­te dele: “Ajoelhai. Beijai ao Filho”.

A Fome no Egito e em Canaãw. 46-57

Observe aqui:

I A edificação da família de José, com o nascimento de dois filhos, Manassés, e Efraim, w. 50-52. Nos no­mes que lhes deu, José reconheceu a divina Providência

dando esta feliz reviravolta na sua situação: 1. Ele se es­queceu de todo o seu trabalho, Jó 11.16. Nós devemos su­portar as nossas aflições quando estão presentes, como aqueles que sabem que somente a Providência pode compensá-los com consolações posteriores. Deste modo poderemos até mesmo esquecer estas aflições, depois de terminadas. Mas poderia ele ser tão pouco natural, a ponto de esquecer completamente a casa de seu pai? Ele se refere à crueldade que recebeu de seus irmãos, ou tal­vez à riqueza e honra que esperava de seu pai, através do direito de primogenitura. As vestes que ele agora usava, fizeram com que ele se esquecesse da túnica de várias co­

res que usava na casa de seu pai. 2. Ele cresceu na terra da sua aflição. Esta tinha sido a terra da sua aflição, e de certa maneira ainda o era, pois não era Canaã, a terra da promessa. A distância do seu pai ainda era sua aflição. Observe que a luz às vezes é semeada para os justos em uma terra estéril e improvável. E ainda assim, se Deus a semear, e regar, ela frutificará outra vez. As aflições dos santos promovem o seu crescimento. Efraim quer dizer produtividade (ou fruta em dobro, ou ainda fertilidade dobrada), e Manassés, esquecimento, pois estas duas coisas freqüentemente andam juntas. Quando Jesurum engordou, esqueceu-se de Deus, seu Criador.

O cumprimento das predições de José. Faraó ti­nha grande confiança na verdade das predições,

talvez encontrando na sua própria mente, além do que poderia qualquer outra pessoa, uma correspondência exata entre elas e os seus sonhos, como entre a chave e a fechadura. E os acontecimentos mostraram que ele não estava enganado. Os sete anos de fartura vieram (v. 47), e, por fim, se acabaram, v. 53. Observe que nós de­vemos prever a chegada do final dos dias, tanto da nossa prosperidade quanto da nossa oportunidade, e não deve­mos, portanto, sentir-nos seguros desfrutando da nossa prosperidade, nem ser preguiçosos no aproveitamento da nossa oportunidade. Os anos de fartura se acabarão, por isto: “Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o”. E colhe-o, na colheita. Vem a manhã, e, também, a noite (Is 21.12), a fartura e também a fome. Começaram a vir os sete anos de fome, v. 54. Veja a quantas mudanças de condição estamos sujeitos neste mundo, e quanta neces­sidade temos de, no dia da prosperidade, gozar do bem, mas, no dia da adversidade, considerar, Eclesiastes 7.14. Esta fome, aparentemente, não se abateu somente sobreo Egito, mas sobre outras terras, todas as terras, isto é, todas as regiões vizinhas. A terra frutífera se converte em terreno salgado, pela maldade dos que nela habitam, Salmos 107.34. Aqui está escrito que na terra do Egito havia pão, o que provavelmente significa não somente aquilo que José tinha comprado para o rei, mas aquilo que outras pessoas, seguindo o seu exemplo, e com o co­nhecimento público da sua predição, assim como as re­gras da prudência comum, tinham juntado.I T T O desempenho de José, com o que lhe havia X JL1 sido confiado. Ele foi julgado fiel ao que lhe tinha sido confiado, como deve ser um administrador. 1. José foi diligente em acumular, enquanto durou a fartu­ra, w. 48,49. Aquele que assim ajunta, é um filho pru­dente. 2. José foi prudente e cauteloso na distribuição, quando veio a fome, e mantinha os mercados a preços baixos e controlados, abastecendo-os a partir dos seus armazéns, a preços razoáveis. O povo aflito clamava a Faraó, como aquela mulher, ao rei de Israel (2 Rs 6.26): “Acode-me, ó rei, meu senhor”. Ele os enviava ao seu tesoureiro, Ide a José. Da mesma maneira, Deus, no Evangelho, orienta àqueles que o procuram, pedindo mi­sericórdia e graça, que vão ao Senhor Jesus, em quem habita toda a plenitude. E, que façam o que Ele disser. Sem dúvida, José, com sabedoria e justiça, fixava o preço do trigo que ele vendia, de modo que o Faraó, que o havia comprado, pudesse ter um grande lucro, e ainda assim

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193 GÉNESIS 42 w. 1-6a nação não fosse oprimida, e ninguém se aproveitasse da sua necessidade reinante. Aquele que retém o trigo quando este é necessário, esperando que fique ainda mais valorizado, embora as pessoas pereçam pela falta dele, é muito amaldiçoado por agir deste modo (e esta não é uma maldição infundada). “Bênção haverá sobre a cabeça do vendedor”, Provérbios 11.26. Os preços devem ser determinados por aquela regra áurea da justiça: de­vemos agir como gostaríamos que agissem conosco.

Capítulo 42No capítulo anterior, tivemos a realização dos so­nhos que José tinha interpretado. Neste capítulo, e nos seguinte, teremos a realização dos sonhos que o próprio José tinha sonhado, de que a família do seu pai lhe prestaria reverência e homenagens. A história, de maneira muito detalhada e particular, conta o que aconteceu entre José e os seus irmãos, não somente porque é uma história interessante, e provavelmente foi muito comentada, tanto entre os israelitas quanto entre os egípcios, mas porque é muito instrutiva, e possibilitou a ida da família de Jacó ao Egito, fato de que dependeram tantos eventos grandiosos. Neste capítulo, temos: I. Os filhos de Jacó, dirigindo-se humildemente a José, para comprar trigo, w. 1-6. II. O medo que José lhes infundiu, para testá-los, w. 7-20. III. A culpa que eles tinham agora, do seu pecado contra José, há tanto tempo, 21-24. IV Seu retorno a Canaã, com o trigo, e a grande aflição que seu pai sentiu ao ouvir o relato da sua expedição, v. 25ss.

Jacó Envia seus Filhos ao Egito para Comprar Trigow. 1-6

Embora todos os filhos de Jacó fossem casados, e tivessem suas próprias famílias, ainda assim, aparente­mente, estavam incorporados em uma sociedade, sob a condução o presidência do seu pai Jacó. Aqui temos,I As ordens que ele lhes deu, de que fossem comprar1 trigo no Egito, w. 1,2. Observe que: 1. A fome era terrível na terra de Canaã. É digno de nota o fato de que todos os três patriarcas, para os quais Canaã era a terra da promessa, se depararam com a fome nesta terra. Isto tinha não somente a finalidade de pôr à prova a sua fé, se eles conseguiam confiar em Deus, ainda que Ele os matasse, ainda que Ele os fizesse passar fome, mas tam­bém iria ensiná-los a procurar a pátria melhor, isto é, a celestial. Hebreus 11.14-16. Nós precisamos de algo que nos desacostume deste mundo, e nos faça ansiar por um mundo melhor. 2. Entretanto, quando havia fome em Ca­naã, havia trigo no Egito. Desta maneira a Providência ordena, para que um lugar possa socorrer e abastecer a outro. Pois somos todos irmãos. Os egípcios, a semente do amaldiçoado Cam, tinha abundância, quando o ben­dito Israel de Deus tinha necessidade: assim Deus, ao

repartir os favores comuns, freqüentemente faz com que as mãos se encontrem. Mas, observe que a fartura que o Egito tinha agora era devida, sob a disposição de Deus, à prudência e aos cuidados de José. Se seus irmãos não o tivessem vendido ao Egito, mas o tivessem respeitado de acordo com os seus méritos, quem sabe se ele poderia ter feito, pela família de Jacó, a mesma coisa que tinha feito por Faraó, e os egípcios poderiam, então, ter vindo até eles para comprar trigo? Mas aqueles que expulsam do seu meio a homens bons e sábios não sabem o que fazem.3. Jacó viu que havia trigo no Egito. Ele viu o trigo que os seus vizinhos tinham comprado ali e trazido para casa. É um incentivo ao empenho, ver onde há falta de comida, e ver outros que a têm. Os outros terão alimentos para a sua alma, e nós teremos fome, enquanto este nos falta?4. Ele repreendeu seus filhos por tardar em obter trigo para suas famílias. “Por que estais olhando uns para os outros?” Observe que quando estamos em dificuldade e necessidade, é tolice ficar olhando uns para os ou­tros, isto é, ficar desanimados e desesperados, como se não houvesse esperança, nem auxílio - ficar discutindo quem terá a honra de ir em primeiro lugar, ou quem terá a segurança de ir por último - ficar deliberando e debatendo o que faremos, sem fazer nada - ficai' so­nhando sob um estado de sonolência, como se não ti­véssemos nada para fazer, e ficar postergando, como se tivéssemos tempo à nossa disposição. Que nunca seja dito: “Nós deixamos para fazer amanhã o que pode­ríamos te r feito hoje”. 5. Ele os incentivou a irem ao Egito: “Descei até lá”. Os chefes de família devem não somente orar pelo pão de cada dia para as suas famílias, e por alimento conveniente, mas devem dedicar-se, com preocupação e aplicação, para obtê-lo.

n A obediência deles a estas ordens, v. 3. “Desce­ram... para comprar trigo”. Eles não enviaram seus servos, mas, muito prudentemente, foram pessoal­mente, para empregar o seu próprio dinheiro. Que nin­guém pense que eles eram grandes demais, nem bons

demais para se esforçarem. Os chefes de famílias pro­curavam ver as coisas com seus próprios olhos, tomando o cuidado de não deixar muita coisa a cargo dos servos. Somente Benjamim não foi com eles, pois era o favorito do seu pai. Ao Egito eles foram, entre outras pessoas, e, tendo um carregamento considerável de trigo para comprar, foram trazidos diante do próprio José, que pro­vavelmente estava esperando que viessem. E, de acordo com as leis de cortesia, vieram e inclinaram-se ante ele com a face em terra, v. 6. Agora seus molhos secos faziam reverência ao seu, que estava cheio. Compare com Isaías 40.14 e Apocalipse 3.9.

José Fala asperamente aos seus Irmãos w. 7-20

Nós bem podemos imaginar que José, durante os vin­te anos que agora tinha estado no Egito, especialmente durante os sete últimos anos, em que tinha estado no po­der ali, nunca mandou avisar a seu pai das suas circuns­tâncias. Na verdade, é estranho que ele, que com tanta freqüência saía por toda a terra do Egito (cap. 41.45,46),

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w. 21-28 GÉNESIS 42 194nunca tivesse feito uma viagem a Canaã para visitar o seu pai idoso, quando estava junto às fronteiras do Egi­to limítrofes com Canaã. Talvez isto não levasse mais do que três ou quatro dias de viagem para ele, no seu carro. É uma conjetura provável que todo o seu comportamen­to, neste assunto, tivesse a orientação especial do Céu, para que o objetivo de Deus, a respeito de Jacó e sua fa­mília, pudesse cumprir-se. Quando vieram os irmãos de José, ele os conheceu por muitos sinais satisfatórios, mas eles não o conheceram, não esperando encontrá-lo ali, v. 8. Ele lembrava-se dos sonhos (v. 9), mas eles os tinham esquecido. Guardar os oráculos de Deus em nossos cora­ções será extremamente útil para nós, em todo o nosso comportamento. José pensava nos seus sonhos, que ele sabia que eram divinos, no seu comportamento com seus irmãos, e desejava o cumprimento deles, além de trazer seus irmãos ao arrependimento pelos seus pecados anti­gos. E ele conseguiu cumprir estes objetivos.T Ele se mostrou muito rigoroso e rude com eles. Até JL a maneira como ele falou, considerando a posição em que se encontrava, era suficiente para amedrontá-los. Pois “falou com eles asperamente”, v. 7. Ele os acusou de terem maus desígnios contra o governo (v. 9), tratou-os como pessoas perigosas, dizendo: “Vós sois espias”, e de­clarando pela vida de Faraó que eles o eram, v. 16. Muitos entendem isto como um juramento, outros o interpretam como nada além de uma afirmação veemente, como esta: “Vive a tua alma”. No entanto, era mais do que sim, sim, e não, náo, e, portanto, era de procedência maligna. Ob­serve que as palavras feias ou inconvenientes logo são aprendidas pela convivência com aqueles que as usam, mas náo são desaprendidas tão depressa. José, por estar sempre na corte, tomou o juramento dos cortesãos: “Pela vida de Faraó”, talvez desejando, com isto, confirmar em seus irmãos a crença de que ele era um egípcio, e não um israelita. Eles sabiam que esta não era a maneira de fa­lar de um filho de Abraão. Quando Pedro desejou provar que não era discípulo de Cristo, amaldiçoou e jurou. Mas, por que José foi tão rude com os seus irmãos? Podemos ter a certeza de que não foi com um espírito de vingança, para poder agora pisotear aqueles que antes o tinham maltratado. Ele não era um homem desta índole. Mas: 1. Foi para aprimorar os seus próprios sonhos, e completar a sua realização. 2. Foi para levá-los ao arrependimento.3. Foi para extrair deles uma narrativa da situação da sua família, que ele ansiava por conhecer. Eles o teriam descoberto se ele tivesse pedido como amigo, por isto ele lhes pede como juiz. Não vendo a seu irmão Benjamim com eles, talvez começasse a suspeitar que eles também o tivessem eliminado, e por isto dá-lhes a oportunidade de falar sobre o seu pai e irmão. Observe que Deus, na sua providência, às vezes parece rude com aqueles a quem ama, e fala asperamente com aqueles a quem ain­da tem grandes misericórdias reservadas.

Como resultado, eles foram muito submissos. Eles falaram com ele com todo o respeito imaginável:

“Não, senhor meu” (v. 10) - uma grande transformação desde que tinham dito: “Eis lá vem o sonhador-mor!”. Muito modestamente, eles negam a acusação: “Os teus servos não são espias”. Eles lhe contam o motivo da sua

vinda - que tinham vindo para comprar alimento, uma missão justificável, e a mesma que provocava a vinda de muitos estrangeiros ao Egito nesta época. Eles passam a falar de si mesmos e da sua família (v. 13), e o que eles queriam.

José os colocou na prisão por três dias, v. 17. Assim Deus lida com as almas que Ele destina

para consolo e honra especiais. Em primeiro lugar, Ele os humilha, e aterroriza, e os traz a um espírito de servidão, e depois cura suas feridas com o Espírito de adoção.

Ele lhes disse, por fim, que um deles ficaria preso, e os demais deveriam ir para casa e tra ­

zer a Benjamim. As palavras que ele lhes diz são muito encorajadoras (v. 18): “Eu temo a Deus”. Como se ele tivesse dito: “Podem ter certeza de que não lhes causarei nenhum mal. Eu não ouso fazer isto, pois eu sei que, por mais elevada que seja a minha posição, há alguém mais elevado do que eu”. Observe que daqueles que temem a Deus, temos motivos para esperar um bom tratamen­to. O temor a Deus será uma restrição para aqueles que estão no poder, para impedir que abusem do seu poder para a opressão e tirania. Aqueles que não têm ninguém para respeitar, devem respeitar as suas próprias consci­ências. Veja Neemias 5.15: “Eu assim não fiz, por causa do temor de Deus”.

As Reflexões dos Irmãos de Joséw. 21-28

Aqui temos:T A reflexão penitente que os irmãos de José fazemi i sobre o mal que lhe tinham feito, v. 21. Eles falam sobre o assunto na língua hebraica, sem suspeitar que José, que julgavam nativo do Egito, os compreendia, e muito menos que ele era a pessoa de quem falavam.

1. Eles se lembraram, com arrependimento, da bár­bara crueldade com que o perseguiram: “Somos culpa­dos acerca de nosso irmão”. Nós não lemos que tivessem dito isto durante os três dias da sua prisão. Mas agora, quando a questão tinha tido algum resultado e se viam ainda embaraçados, agora começavam a ceder. Talvez a menção de José ao temor a Deus (v. 18), os fizesse considerar e extraísse esta reflexão. Agora, veja aqui:(1) A função da consciência; é recordar, trazer à mente coisas ditas ou feitas há muito tempo, mostrar-nos onde erramos, ainda que seja há muito tempo, assim como a reflexão aqui mencionada tinha ocorrido mais de vin­te anos depois que o pecado foi cometido. De mesma maneira como o tempo não esgota a culpa do pecado, também não apaga os registros da consciência. Quando a culpa deste pecado dos irmãos de José era recente, eles fizeram pouco dela, e se assentaram para comer pão. Mas agora, muito tempo depois, as suas consciên­cias os lembraram daquele pecado. (2) O benefício dos sofrimentos. Eles freqüentemente provam ser os meios felizes e eficazes de despertar a consciência, e trazer o pecado à nossa lembrança, Jó 13.26. (3) O mal da culpa a respeito dos nossos irmãos. De todos os pecados dos

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195 GÊNESIS 42 w. 29-38irmãos de José, era por este que a sua consciência os repreendia agora. Sempre que pensarmos que algum mal nos foi feito, devemos nos lembrar do mal que fize­mos a outros, Eclesiastes 7.21,22.

2. Somente Rúben lembrou-se, com consolo, que ele tinha defendido seu irmão, e tinha feito tudo o que po­dia para evitar o mal que lhe fizeram (v. 22): “Não vo-lo dizia eu, dizendo: Não pequeis contra o moço?” Obser­ve que: (1) Agrava qualquer pecado o fato de que seja cometido apesar de avisos e advertências. (2) Quando compartilharmos as calamidades dos outros, será um consolo para nós se tivermos o testemunho das nossas consciências de que não compartilhamos as suas ini- qüidades, mas que permanecemos nos nossos lugares. Este é um testemunho contra eles. Este será o nosso regozijo no dia do mal, e eliminará qualquer acusação que tente tirar a nossa paz.

n A ternura de José para com eles nesta ocasião. Ele se afastou deles para chorar, v. 24. Embora a sua razão o orientasse a ainda comportar-se como um estranho para eles, porque ainda não tinham se humilha­do o suficiente, ainda assim a afeição natural não podia

deixar de existir, pois ele era um homem de natureza terna. Isto representa as graças de Deus para os peca­dores que se arrependem. Veja Jeremias 31.20: “Depois que falo contra ele, ainda me lembro dele solicitamente”. Veja Juizes 10.16.

O aprisionamento de Simeão, v. 24. José deci­diu mantei' Simeão como refém provavelmen­

te porque se lembrava de que ele tinha sido o seu mais amargo inimigo, ou porque agora observava que ele era o menos humilhado e preocupado. Ele amarrou-o peran­te os olhos de seus irmãos, para afetar a todos eles. Ou talvez isto queira dizer que, embora o tivesse amarrado com alguma severidade diante deles, mais tarde o desa­marrou, quando já tinham partido.

Os demais são mandados embora. Eles vieram buscar trigo, e tinham conseguido trigo. E não

apenas isto, mas cada homem teve o seu dinheiro de­volvido, na boca do seu saco. Da mesma maneira Cris­to, o nosso José, distribui suprimentos sem dinheiro e sem preço. Por esta razão, os pobres são convidados a comprar, Apocalipse 3.17,18. Isto lhes causou grande consternação (v. 28): “Então, lhes desfaleceu o coração, e pasmavam, dizendo um ao outro: Que é isto que Deus nos tem feito?”

1. Aquele era realmente um acontecimento miseri­cordioso. Pois entendo que não lhes foi feito nenhum mal quando o seu dinheiro lhes foi devolvido, mas sim uma gentileza. Mas ainda assim eles ficaram muito aterrori­zados com isto. Observe que: (1) As consciências culpadas estão prontas a interpretar as boas providências como se tivessem um mau significado, e a interpretar mal até mesmo as coisas boas que lhes são feitas. Elas fogem, sem que ninguém as persiga. (2) A riqueza muitas vezes traz tanta preocupação quanto a necessidade, e às vezes, até mais. Se o seu dinheiro lhes tivesse sido roubado, eles não poderiam ter ficado mais assustados do que estavam agora, ao encontrar o seu dinheiro nos seus sacos. Da

mesma maneira aquele cuja terra produziu abundante­mente perguntou: “Que farei?”, Lucas 12.17.

2. Mas, nas suas circunstâncias, isto era muito sur­preendente. Eles sabiam que os egípcios odiavam qual­quer hebreu (cap. 43.32), e, portanto, como não podiam esperar receber nenhuma gentileza deles, concluíram que isto havia sido feito com o desígnio de iniciar uma briga com eles, e ainda mais porque o homem, o senhor da terra, os tinha acusado de espiões. Suas próprias consciências também despertaram, e os seus pecados foram colocados, em ordem, diante deles. E isto os dei­xou confusos. Observe que: (1) Quando os espíritos dos homens estão afundando, qualquer coisa ajuda a afundá- los ainda mais. (2) Quando os eventos da Providência a nosso respeito são surpreendentes, é bom investigar o que Deus fez, e está fazendo, conosco, e considerar a ope­ração das Suas mãos.

O Relato Apresentado a Jaców. 29-38

Aqui temos: 1. O relato que os filhos de Jacó fizeram ao seu pai, sobre a grande aflição que tinham sofrido no Egito. Como tinham sido alvos de suspeitas, e ameaça­dos, e obrigados a deixar Simeão como prisioneiro ali, até que trouxessem Benjamim com eles. Quem teria pen­sado nisto quando eles deixaram as suas casas? Quando nós vamos a outros lugares, devemos levar em conside­ração quantos tristes acidentes, que sequer esperamos, podem nos acontecer antes que voltemos para casa. Não sabemos o que um dia pode nos trazer. Devemos, portan­to, estar sempre preparados para enfrentar o pior. 2. A profunda impressão que este relato causou no bom ho­mem. As mesmas trouxinhas de dinheiro que José devol­veu, em gentileza ao seu pai, o fizeram temer (v. 35). Pois ele concluiu que isto era feito com alguma má intenção, ou talvez suspeitasse que os seus próprios filhos tives­sem cometido um crime, desta maneira arriscando-se a uma penalidade, o que está implícito no que ele diz (v. 36): “Tendes-me desfilhado”. Ele parece atribuir a eles a culpa. Conhecendo as suas personalidades, ele temia que eles tivessem provocado os egípcios, e, talvez à força, ou de modo fraudulento, trouxeram de volta o seu dinheiro. Jacó aqui está fora de si. (1) Ele tem pressentimentos muito melancólicos a respeito da situação atual da sua família: “José já não existe, e Simeão não está aqui”. Pois para ele José já estava na glória, e Simeão estava se dirigindo para lá. Observe que freqüentemente nos confundimos com os nossos próprios enganos, até mes­mo em questões de fé. As verdadeiras tristezas podem nascer de falsos conhecimentos e suposições, 2 Samuel 13.31. Jacó considera José morto, e Simeão e Benjamim correndo perigo. E conclui: “Todas estas coisas vieram sobre mim”. Mas as coisas provaram ser diferentes, pois todas eram a seu favor, estavam trabalhando juntas para o seu bem e o bem da sua família - mas aqui ele pensa que todas estão contra ele. Observe que pela nossa igno­rância e pelos nossos enganos, e também pela fraqueza da nossa fé, nós freqüentemente interpretamos que está contra nós aquilo que, na realidade, é a nosso favor. Nós sofremos em corpo, na situação social, no nome e nos re­

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w. 1-10 GÊNESIS 43 196

lacionamentos. E pensamos que todas estas coisas estão contra nós, quando elas, na realidade, estão obtendo para nós um peso da glória. (2) Ele imediatamente decide que Benjamim não descerá ao Egito. Rúben encarrega-se de trazê-lo de volta em segurança (v. 37), não expressando algo como: Se o Senhor assim o desejar, nem esperando os desastres comuns aos viajantes. Mas tolamente pede que Jacó mate seus dois filhos (dos quais, é provável, ele se orgulhasse muito) se não trouxesse de volta a Benja­mim. Como se a morte de dois netos pudesse compensar a Jacó a morte de um filho. Não. Os pensamentos de Jacó são, Não descerá meu filho convosco. Ele claramente in­dica uma desconfiança deles, lembrando-se de que nun­ca mais viu a José depois que ele tinha estado com eles. Por isto, Benjamim não descerá convosco, pois “se lhe acontecer algum desastre, fareis descer as minhas cãs com dor à sepultura”. Observe que não é bom para uma família quando os filhos se comportam tão mal que os seus pais não possam confiar neles.

C a p í t u l o 4 3Aqui prossegue a história dos irmãos de José, mi­nuciosamente relatada. I. A sua melancólica sepa­ração do seu pai Jacó, em Canaã, w. 1-14. II. Seu agradável encontro com José no Egito, v. 15ss. Nesta oportunidade, nada acontece, exceto o que é agradável e satisfatório.

Jacó não se Mostra Disposto a Separar-se de Benjamimw. 1-10

Aqui: 1. Jacó insiste com seus filhos, para que vão e comprem mais trigo no Egito, w. 1,2. A fome continuava. E o trigo que tinham comprado tinha se acabado, pois é alimento perecível. Jacó, como um bom chefe de família, preocupa-se em obter alimento conveniente para os da sua própria casa. E Deus não proverá para os seus filhos, para a família da fé? Jacó lhes ordena que vão novamen­te e comprem “um pouco de alimento”. Em tempos de escassez, um pouco deve bastar, pois a natureza se sa­tisfaz com pouco. 2. Judá insiste para que Jacó consinta na ida de Benjamim com eles, por mais que isto fosse contrário aos seus sentimentos e determinação prévia. Observe que não é, de maneira nenhuma, incoerente com a honra e o dever que os filhos devem aos seus pais, humildemente e modestamente aconselhá-los, e, se hou­ver oportunidade, argumentar com eles. “Contendei com vossa mãe”, Oséias 2.2. (1) Ele insiste na absoluta neces­sidade que têm de levar a Benjamim com eles, neces­sidade esta que ele, que tinha sido uma testemunha de tudo o que lhes havia acontecido no Egito, podia julgar de maneira mais competente do que Jacó. Os protestos de José podem ser mencionados (v. 3) para mostrar em que termos nós devemos nos aproximar de Deus. A me­nos que levemos a Cristo conosco, nos braços da nossa fé, não podemos ver com consolo o rosto de Deus. (2) Ele se empenha para cuidar de Benjamim da melhor maneira

possível, e para fazer o máximo pela sua segurança, w. 8,9. A consciência de Judá o tinha ferido recentemente, lembrando-o do que ele tinha feito, há muito tempo, con­tra José (cap. 42.21). E, como evidência da verdade do seu arrependimento, ele está pronto a empenhar-se, tan­to quanto um homem pudesse fazê-lo, pela segurança de Benjamim. Ele não somente não lhe fará mal, mas fará tudo o que puder para protegê-lo. Isto é retribuição, e a sua intensidade dependerá do quanto a situação o per­mitir. Não sabendo como poderia trazer de volta a José, tentaria compensar a injúria irreparável que lhe tinha feito, dobrando os seus cuidados com Benjamim.

Os Irmãos de José São Enviados Outra Vez ao Egitow . 11-14

Observe aqui:T A capacidade de Jacó de ser persuadido. Ele era X governado pela razão, embora os seus inferiores o levassem a isto. Ele viu a necessidade do caso. E, uma vez que não havia remédio, ele consentiu em render-se à necessidade (v. 11): “Se é necessário que seja assim, levem, então, a seu irmão. Se nenhum trigo pode ser ob­tido, a não ser nestes termos, nós tanto podemos expô-lo aos perigos cla jornada quanto a sofrer - nós mesmos e as nossas famílias, e Benjamim junto com todos - por fal­ta de alimento”. “Pele por pele, e tudo quanto o homem tem - até mesmo um Benjamim - dará pela sua vida”. Nenhuma morte é tão terrível como aquela causada pela fome, Lamentações 4.9. Jacó tinha dito (cap. 42.38): “Não descerá meu filho convosco”. Mas agora ele é persuadi­do a consentir. Observe que não é erro, mas sabedoria e dever, alterar nossos propósitos e resoluções quando há uma boa razão para que façamos isto. A constância é uma virtude, mas a obstinação não o é. É prerrogativa de Deus não se arrepender, e tomar decisões imutáveis.

n A prudência e a justiça de Jacó, que ficam eviden­ciadas em três coisas: 1. Ele enviou de volta o di­nheiro que tinham encontrado nas bocas dos sacos, com esta discreta explicação: “Bem pode ser que fosse erro”. Observe que a honestidade nos obriga a restituir, não so­

mente aquilo que nos vem por nossa própria culpa, mas também aquilo que nos vem pelos enganos de outros. Embora nós o recebamos por engano, se o conservarmos quando o engano for descoberto, será mantido de modo fraudulento. Na prestação de contas devemos estar isen­tos de erros, sejam estes a nosso favor ou contra nós. As palavras de Jacó nos fornecem uma interpretação favo­rável que devemos aplicar àquilo que somos tentados a julgar como uma ofensa e afronta. Devemos deixar isto de lado, e dizer: “Bem pode ser que fosse erro”. 2. Ele enviou dinheiro dobrado, duas vezes o que tinham levado na primeira vez, com a suposição de que o preço do trigo poderia ter subido - ou que pudesse haver a insistência no pagamento de um resgate por Simeão, ou das despesas da prisão - ou para mostrar um espírito generoso, para que pudessem ter uma probabilidade maior de encontrar um tratamento generoso por parte do homem, o senhor

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197 GÊNESIS 43 w. 1-5-25da terra. 3. Ele enviou um presente com as coisas que a sua terra fornecia, e que eram escassas no Egito - bál­samo e mel, etc. (v. 11), coisas que Canaã exportava, cap. 37.25. Observe que: (1) A Providência reparte as suas dá­divas de maneira variada. Alguns lugares produzem uma coisa, outros produzem outra, para que o comércio possa ser preservado. (2) O mel e as especiarias nunca poderão compensar a falta de trigo. A fome era amarga em Ca­naã e, ainda assim, eles tinham bálsamo e mirra, etc. Nós podemos viver suficientemente bem com comida simples, sem guloseimas. Mas não podemos viver de guloseimas, sem comida simples. Devemos agradecer a Deus, por­que aquilo que é mais necessário e útil é, em geral, mais barato e comum. (3) “O presente que se dá em segredo abate a ira”, Provérbios 21.14. Os filhos de Jacó foram in­justamente acusados de serem espiões, mas, ainda assim, Jacó estava disposto a enviar um presente para pacificar o acusador. As vezes não devemos pensar que seja errado tentar comprar a paz, mesmo onde possamos exigi-la com justiça, e insistir nela como nosso direito.

m A piedade de Jacó, que se torna patente em sua oração: “Deus Todo-poderoso vos dê misericór­dia diante do varão”! (v. 14). Jacó tinha, anteriormente, convertido um irmão irado em alguém bondoso, com um presente e uma oração. E aqui ele recorre ao mesmo mé­

todo, e é bem sucedido. Observe que aqueles que dese­jam encontrar misericórdia por parte dos homens devem procurá-la em Deus, que tem todos os corações nas suas mãos, e os maneja como desejar.

A paciência de Jacó. Ele conclui: “Se for desfi- Ihado, desfilhado ficarei”. Se eu precisar me se­

parar deles, um depois do outro, devo aquiescer e dizer, Faça-se a vontade do Senhor! Observe que é sábio de nossa parte que enfrentemos as mais amargas aflições, e as aproveitemos ao máximo. Pois não se consegue nada, lutando contra o nosso Criador, 2 Samuel 15.25,26.

José Recebe os seus Irmãosw. 15-2-5

Tendo obtido permissão para levarem Benjamim con­sigo, os filhos de Jacó obedeceram as ordens que seu pai lhes tinha dado, e desceram pela segunda vez ao Egito para comprar trigo. Se nós viermos a saber o que signifi­ca uma fome no mundo, não pensemos que é muita coisa viajar por alimento espiritual para tão longe como eles foram, em busca do alimento corporal. Aqui temos um relato do que aconteceu entre eles e o mordomo de José, que, conjeturam alguns, sabia do segredo, e sabia que eles eram irmãos de José, e ajudou no acontecimento das coi­sas. Mas eu não penso assim, porque não foi permitida a presença de nenhum varão quando, mais tarde, José deu- se a conhecer a eles, cap. 45.1. Observe que: 1. O mordomo de José recebe ordens do seu senhor (que estava ocupado vendendo trigo e recebendo dinheiro) para levá-los à sua casa, e preparar as suas acomodações. Embora José visse Benjamim ali, não desejava interromper o seu trabalho em horário de trabalho, nem confiá-lo a outra pessoa. Observe que o trabalho deve tomai' o lugar da cortesia, quando isto

é necessário. As nossas ocupações necessárias não devem ser negligenciadas, nem para prestar respeito a nossos amigos. 2. Mesmo isto os atemorizou: “Então, temeram aqueles varões, porquanto foram levados à casa de José”, v. IS. Os justos desafios de suas próprias consciências, e as violentas suspeitas de José sobre eles, os proibiam de esperai- qualquer favor, e lhes sugeriam que isto lhes era feito com más intenções. Observe que aqueles que são culpados e sentem-se temerosos são capazes de pensar o pior de qualquer coisa. Agora eles pensavam que teriam que prestar contas sobre o dinheiro nas bocas dos sacos, e seriam acusados de trapaceiros, e homens com quem não se deveria fazer negócio, que tinham se aproveitado da pressa do mercado para levar o seu trigo sem pagar por ele. Portanto, apresentam a situação diante do mordomo, para que ele, conhecendo este fato, pudesse colocar-se entre eles e o perigo. E, como prova substancial da sua honestidade, antes que fossem acusados de levar de voltao seu dinheiro, eles o apresentam. Observe que a integri­dade e a honestidade irão nos preservar, e se esclarecerão, como a luz da manhã. 3. O mordomo os encorajou (v. 23): “Paz seja convosco, não temais”. Embora ele não soubes­se o que o seu senhor desejava, ele estava ciente de que estes eram homens aos quais ele não queria nenhum mal, uma vez que os tratava assim. E por isto ele os orienta a atribuir à divina Providência a devolução do seu dinheiro: “O vosso Deus, e o Deus de vosso pai, vos tem dado um tesouro nos vossos sacos”. Observe que: (1) Com isto, ele mostra que não tinha nenhuma suspeita de desonestidade em relação a eles - pois, daquilo que conseguimos por tra­paça, ou fraude, não podemos dizer: “Deus nos deu isto”.(2) Com isto ele silencia as suas próximas perguntas a este respeito. “Não perguntem como o dinheiro chegou lá. A Providência o levou a vocês, e que isto vos satisfaça”. (3) Fica evidente, pelo que ele disse que, pelas instruções do seu bom senhor, ele tinha sido levado a conhecer o Deus verdadeiro, o Deus dos hebreus. Deve-se, com razão, es­perar que aqueles que são servos em famílias religiosas aproveitem todas as ocasiões apropriadas para falar de Deus e da sua providência com reverência e seriedade. (4) Ele os orienta para que ergam os olhos para Deus, e re­conheçam a sua providência no bom negócio que fizeram. Nós devemos ser agradecidos a Deus, como nosso Deus e o Deus dos nossos pais (um Deus em concerto conosco e com eles) por todos os nossos sucessos e benefícios, e pelas bondades dos nossos amigos para conosco. Pois cada criatura é, para nós, aquilo que Deus a faz ser, e nada mais do que isto. O mordomo os encorajou, não somente com palavras, mas com obras. Pois os tratou muito bem, até a chegada do seu senhor, v. 24.

w. 26-34Aqui temos:

I O grande respeito que os irmãos de José lhe presta­ram. Quando lhe trouxeram o presente, “inclinaram-se

a ele até à terra” (v. 26). E outra vez, quando lhe falaram sobre a saúde de seu pai, inclinaram-se e se referiram a ele como “teu servo, nosso pai”, v. 28. Desta maneira, os so­nhos de José se realizavam cada vez mais - e mesmo o pai,

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w. 1-17 GÊNESIS 44 198por meio dos filhos, se inclinou diante dele, de acordo com o sonho, cap. 37.10. Provavelmente Jacó lhes tinha dito, que se tivessem oportunidade de falar sobre ele com o varão, o senhor da terra, se referissem a ele como seu servo.

n A grande bondade que José demonstrou a eles, embora eles não soubessem que era uma bondade fraternal. Aqui temos:

1. A sua gentil pergunta a respeito de Jacó: Ain­da vive? - uma pergunta muito adequada a ser feita, a respeito de qualquer pessoa, especialmente a respeito de pessoas idosas. Pois todos morremos diariamente. Muitas vezes podemos pensar que é estranho que ainda estejamos vivos. Jacó tinha dito muitos anos antes disto: “Hei de descer o meu filho até à sepultura”. Mas ele ain­da está vivo - nós não morremos quando desejamos.

2. A maneira bondosa como ele recebeu a Benjamim, seu próprio irmão. (1) Ele fez uma oração por ele: “Deus te abençoe, meu filho”, v. 29. O favor de José, embora ele fosse o senhor da terra, poderia fazer-lhe pouco bem, a menos que Deus fosse gracioso a ele. Muitos procuram o favor do governante, mas José lhe diz que procure o favor do governante dos governantes. (2) Ele derramou algumas lágrimas por seu irmão, v. 30. Seu afeto natu­ral por seu irmão, a sua alegria por vê-lo, a sua preocu­pação por vê-lo, e aos demais, aflitos por alimento, e a lembrança das suas próprias tristezas desde que o tinha visto pela última vez, produziram uma grande agitação interna nele, que talvez tenha sido muito desconfortável, porque ele se esforçou para reprimi-la. Ele foi forçado a retirar-se para a sua câmara, onde deu vazão aos seus sentimentos, pelas lágrimas. Observe que: [1] As lágri­mas de ternura e afeto não são nenhum menosprezo, nem mesmo para homens grandiosos e sábios. [2] Os que choram, com graça, não o fazem em público. “Aa minha alma chorará em lugares ocultos”, Jeremias 13.17. Pedro foi para fora e chorou amargamente. Veja Mateus 26.75.

3. A maneira gentil como recebeu a todos eles. Quan­do o seu choro tinha diminuído e ele pôde se controlar, assentou-se para comer com eles, tratou-os de maneira nobre, e ainda fez de tudo para distraí-los.

(1) Ele ordenou que fossem postas três mesas, uma para seus irmãos, outra para os egípcios que comiam com ele (pois os seus costumes eram tão diferentes que não se interessavam em comer juntos), e outra para si mesmo, que não se considerava um hebreu, mas não se sentaria com os egípcios. Veja aqui um exemplo: [1] De hospitalidade e boa administração da casa, que são coisas muito elogiáveis, conforme as possibilidades que se tenha. [2] De respeito pelos costumes das pessoas, até mesmo por aqueles que possam nos parecer esqui­sitos, que é como o bispo Patrick chama este costume dos egípcios de não comer com os hebreus. Embora José fosse o senhor da terra, e houvesse ordens de que todos obedecessem a ele, ele não desejava forçar os egípcios a comer com os hebreus, contra as suas vontades, mas deixava que satisfizessem os seus costumes. Os espíritos verdadeiramente generosos odeiam ter que se impor. [3] Da distância que tão cedo se estabeleceu entre judeus e gentios. Eles não se sentavam à mesma mesa.

(2) Ele assentou os seus irmãos de acordo com a sua idade (v. 33), como se ele pudesse adivinhar Alguns pen­

sam que eles se assentaram desta maneira, segundo seu costume. Mas, se fosse assim, eu não vejo porque isto se­ria especialmente mencionado, especialmente como algo de que eles se maravilhassem.

(3) Ele lhes ofereceu uma refeição muito abundante, enviando-lhes porções da sua própria mesa, v. 34. Isto era extremamente generoso da parte de José, e ainda mais cortês com eles, devido à escassez atual de provisões. Em dias de fome, é suficiente ser alimentado. Mas aqui eles tiveram um banquete. Talvez eles não tivessem tido uma refeição tão boa em muitos meses. Está escrito: “Eles be­beram e se regalaram”. Suas preocupações e os seus temo­res agora estavam terminados, e eles comeram o seu pão com alegria, concluindo que agora tinham boas relações com o varão, o senhor da terra. Se Deus aceitar as nos­sas obras, os nossos presentes, teremos razões para nos alegrar. Mas, ainda assim, quando nos sentarmos, como eles aqui, para comer com um governante, nós devemos considerar o que está diante de nós, e não satisfazer o nos­so apetite, nem desejar manjares, Provérbios 23.1-3. José deu-lhes a entender que Benjamim era o seu favorito. Pois a sua porção era cinco vezes maior do que a de qualquer outro deles, como se ele desejasse que ele comesse muito mais do que os demais. Mas José não desejava que ele comesse mais do que aquilo que lhe faria bem (pois isto não seria um ato de amizade, mas sim uma ofensa e uma falta de cortesia, forçar alguém a comer ou a beber ex­cessivamente). Mas desta maneira José deseja testificar o seu respeito particular por Benjamim, para que pudesse verificar se os seus irmãos iriam invejá-lo devido às suas grandes porções, como anteriormente tinham invejado a túnica tão elegante de José. E a nossa regra, em tais ca­sos, deve ser satisfazermo-nos com o que tivermos, sem nos lamentar por aquilo que os outros tenham.

C a p í t u l o 4 4José, tendo recebido os seus irmãos, os despediu. Mas aqui nós os vemos em um temor maior do que qualquer temor que já tivessem sentido. Observe:I. O método que ele usou, tanto para humilhá-los ainda mais, como para pôr à prova o afeto deles pelo seu irmão Benjamim, pois com isto ele seria capaz de julgar a sinceridade do seu arrependimen­to pelo que tinham feito contra ele mesmo, e com este ele desejava dar-se por satisfeito antes de ma­nifestar a sua reconciliação com eles. Ele planejou isto, trazendo uma aflição a Benjamim, w. 1-17. II. O sucesso da experiência. Ele descobriu que todos eles estavam sinceramente preocupados, e Judá em particular, tanto pela segurança de Benjamim quanto pelo consolo do seu velho pai, v. 18ss.

O Procedimento de Joséw. 1-17

José ainda faz mais gentilezas a seus irmãos, enche os seus sacos, devolve o seu dinheiro, e os manda embora cheios de alegria. Mas ele também os põe à prova com

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w. 18-34 GÊNESIS 45 200ao nos dirigirmos àqueles que têm direito a estes títulos.2. Ele descreveu Benjamim como alguém muito digno em sua consideração misericordiosa (v. 20). Ele era um pequenino, comparado com os demais. O mais jovem, não familiarizado com o mundo, nunca acostumado às dificuldades, tendo sempre sido criado com ternura junto ao seu pai. O caso era mais digno de piedade, por­que somente ele tinha ficado de sua mãe, e o seu irmão estava morto, especificamente, José. Mal sabia Judá em que ponto sensível ele tinha tocado agora. .Judá sa­bia que José tinha sido vendido, e, portanto, havia ra­zões suficientes para pensar que ele estivesse vivo. Ao menos, ele não podia ter certeza de que José estivesse morto - mas eles tinham levado seu pai a crer que José estivesse morto. E agora tinham contado esta mentira há tanto tempo que tinham se esquecido da verdade, e tinham começado a crer eles mesmos na mentira. 3. Ele insiste que José pessoalmente os tinha obrigado a trazer Benjamim consigo, tinha expressado o desejo de vê-lo (v. 21), e tinha proibido que comparecessem à sua presença se Benjamim não estivesse com eles (v. 23,26), tudo in­dicando que ele desejava fazer-lhe alguma gentileza. E será que ele deveria ser trazido, com tanta dificuldade, para a primazia de uma escravidão eterna? Ele não tinha sido trazido ao Egito em obediência, puramente em obe­diência à ordem de José? E José não lhe demonstraria alguma compaixão? Alguns observam que os filhos de Jacó, quando argumentavam com seu pai, tinham dito: “Se não o enviares [a Benjamim], não desceremos” (cap. 43.5). Mas que quando Judá se apresenta para relatar a história, ele expressa isto de maneira mais adequada: “Não poderemos descer com alguma expectativa de ser­mos bem sucedidos”. As palavras desonestas ou equivo­cadas, proferidas de forma apressada aos nossos supe­riores, devem ser lembradas e corrigidas. 4. O grande argumento em que ele insiste é a dor insuportável que se abateria sobre o seu velho pai, se Benjamim ficasse para trás, em servidão: “Seu pai o ama”, v. 20. Eles tinham alegado quando José insistiu em que ele descesse (v. 22): “Se deixar a seu pai, este morrerá”. Muito mais agora, se for deixado para trás, para nunca mais retornar para junto dele. O velho, de quem eles falavam, tinha alegado contra a sua descida: “Se... lhe acontecer algum desas­tre, fareis descer as minhas cãs com dor à sepultura”, v. 29. Portanto, Judá enfatiza com muito fervor: “A sua alma está atada com a alma dele” (v. 30); “vendo ele queo moço ali não está, morrerá” - imediatamente (v. 31), ou se abandonará a tamanha tristeza que, em poucos dias, dará cabo dele. E, por fim, Judá alega que, por sua parte, ele não poderia suportar ver isto: “Que não veja eu o mal que sobrevirá a meu pai”, v. 34. Observe que é devei1 dos filhos serem muito ternos com o conforto de seus pais, e temer tudo o que possa ser motivo de tristeza para eles. Assim o amor que primeiro descendeu, deve novamente ascender, e alguma coisa deve ser feita para recompen­sar o cuidado e a preocupação dos pais. 5. Judá, em hon­ra à justiça da sentença de José, e para mostrar a sua sinceridade neste apelo, se oferece como servo no lugar de Benjamim, v. 33. Assim a lei seria cumprida. José não sairia perdendo (pois podemos supor que Judá tivesse um corpo mais capaz que o de Benjamim, mais adequado para o serviço). E Jacó preferiria suportar a sua perda

à de Benjamim. Mas tão longe ele estava de lamentar-se pelo carinho especial de seu pai por Benjamim, que esta­va disposto a tornar-se servo, para contentá-lo.

Se José fosse, como Judá o imaginava, um completo estranho à família, ainda assim, até mesmo o sentimento comum de humanidade não poderia deixar de manifestar- se com tais poderosos argumentos como estes. Pois nada mais poderia ser dito, que fosse mais comovedor. Isto era suficiente para derreter um coração de pedra. Mas para José, que era um parente mais próximo de Benjamim do que o próprio Judá, e que, nesta ocasião, sentia um afeto maior por ele e pelo seu idoso pai do que sentia Judá, nada poderia ser dito, de maneira mais agradável ou mais feliz. Nem Jacó nem Benjamim precisavam de um intercessor diante de José. Pois ele os amava.

n Com respeito a toda a questão, observemos: 1. Com que prudência Judá suprimiu qualquer

menção ao crime de que Benjamim era acusado. Se Judá tivesse dito qualquer coisa que reconhecesse o crime, ele teria colocado a honestidade de Benjamim em dúvida, o que levantaria ainda mais suspeitas. Porém se tivesse dito qualquer coisa que negasse o crime, ele teria colo­cado a justiça de José em dúvida, bem como a sentença que ele havia proferido - por isto ele evita este caminho, e apela à piedade de José. Compare isto com o que disse Jó, ao humilhar-se diante de Deus (Jó 9.15): “A ele, ainda que eu fosse justo, lhe não responderia. Antes, ao meu juiz pediria misericórdia”. 2. A boa razão que Jacó, ao morrer, teria para dizer: “Judá, a ti te louvarão os teus irmãos” (cap. 49.8), pois ele superou todos em coragem, sabedoria, eloqüência e carinho especial por seu pai e pela sua família. 3. O apego fiel de Judá a Benjamim, agora em aflição, foi recompensado muito tempo depois, pelo apego constante da tribo de Benjamim à tribo de Judá, quando todas as outras dez tribos a abandonaram.4. Quão adequadamente o apóstolo, quando está falan­do da mediação de Cristo, observa que o nosso Senhor procedeu de Judá (Hb 7.14). Pois, como seu pai, Judá, Ele não somente fez intercessões pelos transgressores, mas tornou-se uma garantia a favor deles, como vemos ali (Hb 7.22), testificando que tinha uma grande preocu­pação tanto por seu pai como por seus irmãos.

C a p í t u l o 4 5É uma pena que este capítulo e o anterior sejam separados, e lidos separadamente. Ali tivemos a intercessão de Judá por Benjamim, com a qual, podemos supor, os demais irmãos indicaram que estavam de acordo. José o deixou falar sem inter­rupções, ouviu tudo o que ele tinha a dizer, e então respondeu a tudo com uma única frase: “Eu sou José”. Agora ele via seus irmãos humilhados pe­los seus pecados, lembrando-se dele mesmo (pois Judá o tinha mencionado duas vezes no seu discur­so), respeitosos a seu pai, e muito ternos com seu irmão Benjamim. Agora eles estavam maduros para o consolo que ele lhes designava, dando-se a conhecer aos seus irmãos. Esta é a história que

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201 GÊNESIS 45 w. 1-15lemos neste capítulo. Para os irmãos de José, isto era tão claro como o sol brilhando depois da chu­va, era para eles como a vida voltando da morte. Aqui temos: I. A revelação de José a seus irmãos, e as suas palavras a eles nesta ocasião, w. 1-15.II. As ordens que Faraó deu, de mandar descer a Jacó e à sua família, ao Egito, e José enviando a seus irmãos, conseqüentemente, de volta a seu pai, com estas ordens, w. 16-24. III. As alegres notícias trazidas a Jacó, v. 25ss.

José Revela-se a seus Irmãosw. 1-15

Judá e seus irmãos estavam esperando uma respos­ta, e não puderam deixar de maravilhar-se ao descobrir, em vez da seriedade de um juiz, o afeto natural de um pai ou irmão.

I José ordenou que todos os seus servos se retiras­sem, v. 1. As conversas particulares entre amigos

são as que têm mais liberdade. Quando José vestiu o seu amor, ele despiu a sua pompa, e não era adequado que os seus servos fossem testemunhas disto. Desta maneira Cristo se manifesta graciosamente, a si mesmo e à sua ternura amorosa, ao seu povo, longe dos olhos e dos ouvidos do mundo.

n As lágrimas foram o prefácio, ou a introdução do seu discurso, v. 2. Ele tinha estancado esta torren­te por muito tempo, e com muito esforço. Mas agora as lágrimas eram tantas que ele não podia mais contê-las, mas chorou em voz alta, de modo que aqueles que ele

tinha proibido que o vissem, não podiam deixar de ouvi-lo. Estas eram lágrimas de ternura e forte afeição, e com estas ele se despiu daquela autoridade com a qual tinha se comportado, até então, com seus irmãos. Pois já não mais podia suportar. Isto representa a compaixão divina com os penitentes que retornam, como a do pai do filho pródigo, Lucas 15.20; Oséias 14.8,9.

De maneira abrupta (como alguém inquieto, até conseguir falar) ele lhes diz quem era: “Eu sou

José”. Eles o conheciam somente pelo seu nome egípcio, Zafenate-Panéia, tendo o seu nome hebreu sido perdido e esquecido no Egito. Mas agora ele os ensina a chamá- lo por este nome: “Eu sou José”. Na verdade, para que eles não pudessem suspeitar de que era outra pessoa com o mesmo nome, ele se explica melhor (v. 4): “Eu sou José, vosso irmão”. Isto os humilharia ainda mais, pelo seu pecado ao vendê-lo, e ao mesmo tempo os encoraja­ria a ter esperanças de melhor tratamento. Deste modo, quando Cristo quis convencer Paulo, Ele disse: “Eu sou Jesus”. Mas quando desejou consolar os seus discípulos, Ele disse: “Sou Eu. Não temais”. Estas palavras, a prin­cípio, assombraram os irmãos de José. Eles começaram a recuar, com medo, ou pelo menos, permaneceram pa­rados, atônitos. Mas José os chamou gentilmente e fa­miliarmente: “Peço-vos, chegai-vos a mim”. Da mesma maneira, quando Cristo se manifesta ao seu povo, Ele os encoraja para que se aproximem dele, com um coração

sincero. Talvez, estando prestes a falar de quando eleso tinham vendido, ele não desejasse falar alto, para que os egípcios não o ouvissem, pois isto faria com que os hebreus fossem uma abominação ainda maior para eles. Por isto ele desejou que eles se aproximassem - para que pudesse sussurrar a eles, o que, agora que a maré da sua paixão tinha diminuído um pouco, ele conseguia fazei; ao passo que a princípio ele só conseguia clamar.

Ele se esforça para acalmar a tristeza deles, pelo mal que lhe tinham feito, mostrando-lhes

que independentemente de qual fosse o seu desígnio, Deus o destinou para o bem, e que um grande bem pro­vinha disto (v. 5): “Não vos entristeçais, nem vos pese aos vossos olhos”. Os pecadores devem se entristecer e ficar irados consigo mesmos, por causa dos seus pecados. Sim, embora Deus, pelo seu poder traga deles o bem, pois nenhum agradecimento deve ser feito ao pecador, por causa disto. Mas os verdadeiros penitentes devem se sentir muito afetados quando vêm que Deus extrai o bem do mal, e a comida daquele que come. Embora não devamos, com esta consideração, atenuar os nossos pró­prios pecados, e assim suavizar o nosso arrependimento, ainda assim pode ser bom atenuar os pecados de outros, e desta maneira suavizar os nossos ressentimentos. É isto o que José faz aqui: seus irmãos não precisavam ter medo de que ele se vingasse deles por uma ofensa que a providência de Deus tinha tornado tanto para o seu benefício quanto para o da sua família. Agora ele lhes conta quanto tempo a fome iria durar - cinco anos. Mas (v. 6), que capacidade ele tinha de ser generoso com seus parentes e amigos, o que é a maior satisfação que a riqueza e o poder podem dar a um homem bom, v. 8. Veja que aparência favorável ele dá à ofensa que eles lhe tinham feito: “Deus me enviou diante da vossa face”, w.5,7. Observe que: 1. O Israel de Deus é a principal pre­ocupação da providência de Deus. José reconheceu que a sua nomeação não se destinava tanto a salvai’ todo um reino de egípcios como a preservar uma pequena família de israelitas: pois a porção do Senhor é o seu povo. Não importa o que aconteça com os outros povos, o seu povo será preservado. 2. A Providência olha muito à frente, e tem um longo alcance. Muito antes dos anos de fartura, a Providência estava fazendo preparativos para o susten­to da casa de Jacó durante os anos de fome. O salmista louva a Deus por isto (SI 105.17): “Mandou adiante deles um varão: José”. Deus vê a sua obra desde o princípio até ao fim, mas nós, não a podemos ver assim, Eclesias- tes 3.11. Quão admiráveis são os projetos da providên­cia! Que alcance remoto têm as suas ações! Que rodas há dentro das rodas, e todas elas são dirigidas pelos olhos que estão nas rodas, e pelo espírito da criatura viva! Por­tanto, não julguemos nada antes do tempo certo. 3. Deus freqüentemente trabalha de maneiras diferentes, que chegam a parecer contraditórias. A inveja e a rivalida­de dos irmãos ameaçam as famílias de destruição, mas, neste caso, provam sei' o que possibilitou a preservação da família de Jacó. José nunca poderia ter sido o Pastor e a Pedra de Israel, se seus irmãos não tivessem tramado contra ele, e não o tivessem odiado. Mesmo aqueles que tinham vendido José perversamente ao Egito, consegui­ram se beneficiar do bem que Deus produziu a partir

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w. 16-24 GÊNESIS 45 202disto. Assim como muitos daqueles que levaram Cristo à morte foram salvos através da sua morte. 4. Deus deve receber toda a glória pelas oportunas preservações do seu povo, sejam quais forem os meios através dos quais isto seja realizado. “Não fostes vós que me enviastes para cá, senão Deus”, v. 8. Assim como, por um lado, eles não devem se preocupar com isto, porque tudo terminou tão bem, por outro lado não devem se orgulhar disto, porque foi obra de Deus, e não deles. Eles pretendiam, ao vendê- lo ao Egito, derrotar os seus sonhos. Mas Deus, com isto, pretendeu concretizá-los. Isaías 10.7: “Ainda que ele não cuide assim”.

V Ele promete cuidar do seu pai e de toda a família durante os anos restantes de fome. 1. Ele deseja que seu pai possa rapidamente alegrar-se com as notí­

cias da sua vida e dignidade. Seus irmãos devem correr a Canaã, e devem informar a Jac-ó que o seu filho José era senhor em toda a terra do Egito (v. 9): eles devem contar a ele de toda a sua glória ali, v. 13. Ele sabia que isto seria um azeite refrescante para a sua cabeça embran­quecida, e um estimulante poderoso para o seu espírito. Se alguma coisa pudesse torná-lo jovem outra vez, seria isto. Ele deseja que eles tenham, e levem ao seu pai, toda a satisfação possível da verdade destas notícias surpre­endentes: “Vossos olhos vêem... que é minha boca que vos fala”, v. 12. Se eles se lembrassem, poderiam recor­dai- algumas das suas características, modo de falar, etc., e ficariam satisfeitos. 2. Ele deseja fortemente que seu pai e toda a sua família possam vir te r com ele no Egi­to: “Desce a mim e não te demores”, v. 9. Ele designa a sua residência em Gósen, aquela parte do Egito que fica em direção a Canaã, para que eles possam se lembrar da terra da qual deviam sair, v. 10. Ele promete prover por ele: “Ali te sustentarei”, v. 11. Observe que é o dever dos filhos, se as necessidades dos seus pais, a qualquer tem­po o exigirem, sustentá-los e prover por eles, com toda a sua capacidade. E o “Corbã” jamais os dispensará desta obrigação, Marcos 7.11. Isto é exercer a piedade em casa,1 Timóteo 5.4. Sendo o nosso Senhor Jesus, como José, exaltado às mais altas honras e aos mais altos poderes do mundo superior, é a sua vontade que todos os que são seus estejam com Ele, onde Ele estiver, João 17.24. Este é o seu mandamento, que possamos estar com Ele agora através da fé e da esperança, e em uma convivência ce­lestial. E esta é a sua promessa, que estaremos com Ele para sempre.T 7 T Demonstrações de afeto foram trocadas entre

% JL ele e seus irmãos. Ele começou com o mais jo­vem, seu próprio irmão Benjamim, que tinha apenas um ano de idade quando José foi separado de seus irmãos. Eles choraram, um ao pescoço do outro (v. 14), talvez pensando em sua mãe Raquel, que morreu durante o parto de Benjamim. Jacó tinha estado chorando recente­mente por seus filhos, porque na sua percepção eles não voltariam mais - José havia partindo, e Benjamim estava partindo. E agora José e Benjamim choravam por Ra­quel, porque ela havia partido. Depois de abraçar Benja­mim, José, da mesma maneira, transmitiu seu carinho a todos (v. 15). E então seus irmãos conversaram com ele, livremente e familiarmente, sobre todas as questões da

casa do seu pai. Depois dos sinais de verdadeira reconci­liação, vêm os exemplos de uma doce comunhão.

A Bondade de Faraó para com Joséw. 16-24

Aqui temos:T A bondade de Faraó para com José, e seus paren- JL tes, por causa de José: Ele deu as boas vindas aos seus irmãos (v. 16), embora fosse um tempo de escassez de alimentos, e provavelmente todos eles viessem a ser uma carga para ele. Na verdade, porque pareceu bem aos olhos de Faraó, isto também pareceu bem aos olhos de seus servos, ou pelo menos eles fingiram estar sa­tisfeitos, porque Faraó estava. Ele encarregou José de mandar descer o seu pai ao Egito, e prometeu conceder- lhe tudo o que fosse necessário, tanto para a sua vinda ao Egito quanto para o seu estabelecimento ali. Se o melhor de toda a terra do Egito (que estava mais bem estocado do que qualquer outra terra, graças a José, sob a orien­tação de Deus) lhe fosse suficiente, então ele seria bem vindo a tudo isto, seria tudo seu, inclusive a fartura da terra (v. 18), de modo que eles não precisariam se pre­ocupar com as suas coisas, v. 20. Aquilo que eles tinham em Canaã, ele considerava somente coisas, em compara­ção com o que ele teria para eles no Egito. Portanto, se eles ficassem constrangidos em deixar algumas destas coisas para trás, que não ficassem descontentes. O Egito lhes daria o suficiente para compensar as perdas da sua mudança. Aqueles que Cristo deseja que compartilhem a sua glória celestial também não devem considerar as coisas deste mundo: os melhores destes prazeres podem ser considerados apenas “coisas”, apenas sucata. Não podemos garanti-las enquanto vivermos aqui, nem po­demos levá-las no caminho conosco. Portanto, não nos prendamos a elas, nem lhes dediquemos o nosso olhar ou os nossos corações. Há coisas melhores reservadas para nós naquela terra abençoada para onde o nosso José foi, para nos preparar lugar.

A bondade de José com seu pai e seus irmãos. Fa­raó era respeitoso com José, por gratidão, porque

José tinha sido um instrumento de muito bem, a ele e ao seu reino, não somente preservando-os da calamida­de comum, mas ajudando-o a tornar o reino considerável entre as nações. Pois todos os vizinhos iriam dizer: “Cer­tamente os egípcios são um povo prudente e inteligente, que têm tão bom estoque em tempos de tal escassez”. Por este motivo, Faraó nunca julgava excessivo nada que pudesse fazer por José. Observe que existe uma gratidão que é devida até mesmo aos inferiores. E quando qual­quer um deles nos mostra bondade, nós devemos nos empenhar para recompensar isto, não somente a eles, mas aos seus parentes. E José, da mesma maneira, era respeitoso a seu pai e a seus irmãos, por dever, porque eram seus parentes próximos, embora seus irmãos tives­sem sido seus inimigos, e seu pai, um estranho por muito tempo. 1. Ele lhes deu o que era necessário, v. 21. Ele lhes deu carros e provisões para o caminho, tanto para ida como para volta. Pois nós nunca lemos que Jacó fosse

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203 GÊNESIS 46 w. 25-28muito rico, e, nesta época, em que a fome predomina­va, podemos supor que fosse bastante pobre. 2. Ele lhes deu adornos e deleite. A seus irmãos ele deu duas mudas de vestes, e a Benjamim, cinco mudas, além de dinheiro no bolso, v. 22. Ao seu pai ele enviou um presente mui­to agradável com o melhor do Egito, v. 23. Observe que aqueles que são ricos devem ser generosos, e planejar coisas generosas. Para que serve a abundância, a não ser para fazer o bem com ela? 3. Ele os despediu com uma advertência oportuna: “Não contendais pelo caminho”, v. 24. Ele sabia que eles eram muito propensos à discussão. E tudo o que tinha acontecido recentemente, que reviveu a lembrança do que tinham feito a seu irmão no passado, poderia lhes dar motivos para discussão. José os tinha visto discutindo sobre isto, cap. 42.22. A u.m deles, eles diriam: “Foi você quem primeiro o ridicularizou sobre os sonhos”. A outro: “Foi você que disse: ‘Vinde, matemo- lo’”. A outro: “Foi você quem o despiu da sua elegante túnica”. A outro: “Foi você quem o atirou na cova” etc. Agora, José, tendo perdoado a todos eles, os incumbe desta obrigação, de que não se repreendessem uns aos outros. Esta incumbência o nosso Senhor Jesus nos deu, de que amemos uns aos outros, de que vivamos em paz, de que aconteça o que acontecer, ou sejam quais forem as circunstâncias anteriores de que nos lembrarmos, não contendamos. Pois: (1) Somos todos irmãos, temos o mesmo Pai. (2) Somos seus irmãos. E, se contendermos, envergonharemos o nosso parentesco com aquele que é a nossa paz. (3) Nós somos culpados, muito culpados. E, em vez de discutirmos uns com os outros, cada um de nós tem motivos de sobra para discutir consigo mesmo.(4) Nós somos, ou esperamos ser, perdoados por Deus, a quem todos nós ofendemos, e, portanto, devemos estar prontos para perdoar-nos uns aos outros. (5) Nós esta­mos no caminho, um caminho que passa pela terra do Egito, onde temos muitos olhos postos sobre nós, procu­rando oportunidades e vantagens contra nós. Mas este é o caminho que leva a Canaã, onde temos a esperança de viver para sempre em perfeita paz.

A História de Joséw. 25-28

Aqui temos as boas notícias transmitidas a Jacó. 1. O relato que lhe deram, a princípio, abateu o seu espíri­to. Quando, sem nenhum preâmbulo, seis filhos entra­ram, gritando, José ainda vive, todos disputando para ver quem proclamaria isto em primeiro lugar, ele tal­vez tenha pensado que eles estivessem brincando com ele, e a afronta o entristeceu. Ou a simples menção do nome de José fez com que o seu sofrimento revivesse, de modo que “o seu coração desmaiou”, v. 26. Passou- se algum tempo antes que ele voltasse a si. Ele estava tão preocupado e amedrontado pelo resto deles, que a esta altura teria sido alegria suficiente para ele ouvir que Simeão tinha sido libertado e que Benjamim tinha voltado a salvo para casa (pois ele tinha estado pron­to a perder as esperanças sobre estes dois). Mas ouvir que José está vivo é bom demais para ser verdade. Ele desmaia, porque não acredita nisto. Observe que nós desmaiamos porque não acreditamos. O próprio Davi

teria desmaiado se não tivesse crido, Salmos 27.13. 2. A confirmação gradual da notícia fez com que o seu espí­rito revivesse. Jacó tinha acreditado com facilidade nos seus filhos antes, quando lhe disseram, José está morto. Mas é difícil crer neles agora que lhe dizem: “José ain­da vive”. Os espíritos fracos e ternos são influenciados mais pelo medo do que pela esperança, e são mais ap­tos a receber as impressões que são desencorajadoras do que as que são encorajadoras. Mas, por fim, Jacó se convence da verdade da história, especialmente quando vê os carros que foram enviados para levá-lo (pois ver é crer), então seu espírito reviveu. A morte é como os carros que são enviados para nos levar a Cristo: a mera visão da sua aproximação deveria nos fazer reviver. Agora Jacó é chamado de Israel (v. 28), porque ele co­meça a recuperar o seu vigor habitual. (1) É agradável para ele pensar que José ainda vive. Ele não fala nada sobre a glória de José, sobre a qual lhe contaram. Era suficiente, para ele, saber que José estava vivo. Obser­ve que aqueles que se satisfazem com um grau menor de consolo, estão mais preparados para os maiores graus de consolo. (2) É agradável para ele pensai' em ir vê-lo. Embora ele fosse velho, e a viagem longa, ainda assim ele deseja ir para ver José, porque o trabalho de José não lhe permitiria vir vê-lo. Observe que ele diz: “Eu irei e o verei”, e não: “Eu irei e o verei antes que eu m orra”. Jacó era velho, e não esperava viver muito tempo. “Eu irei e o verei antes que eu m orra”, e então deixem-me partir em paz. Que meus olhos se revigorem com a visão dele, antes que se fechem, e então será su­ficiente. Eu não precisarei mais ser feliz neste mundo. Observe que é bom que a morte nos seja familiar, e que falemos dela como estando próxima, para que possamos pensar no pouco que temos que fazer antes de morrer, e para que possamos fazê-lo com todas as nossas forças. Assim poderemos desfrutar dos nossos consolos como aqueles que devem m orrer rapidamente, e deixá-los.

Capítulo 46Aqui Jacó é levado ao Egito, na sua velhice, força­do a ir para lá devido a uma fome, e convidado por um filho a ir para lá. Aqui: I. Deus o envia para lá, w . 1-4. II. Toda a sua família o acompanha, w. 5-27. III. José o recebe, w. 28-34.

Jacó Oferece Sacrifícios em Berseba w. 1-4

O preceito divino é: “Reconhece-o [a Deus] em todos os teus caminhos”. E a promessa anexa a isto é: “Ele endireitará as tuas veredas”. Jacó aqui tem uma gran­de preocupação à sua frente, não somente uma viagem, mas uma mudança, para estabelecer-se em outra terra, uma mudança que foi muito surpreendente para ele (pois nunca tinha tido qualquer outro pensamento, exceto o de viver e morrer em Canaã), e que teria grandes conseqü­ências para a sua família por um longo período de tempo, no futuro. Aqui lemos:

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w. 1-4 GÊNESIS 46 204

I Como ele reconheceu a Deus neste caminho. Ele veio a Berseba, tendo saído de Hebrom, onde agora

habitava. E ali ele “ofereceu sacrifícios ao Deus de Isa- que, seu pai”, v. 1. Ele escolheu este lugar, em memória da comunhão que o seu pai e o seu avó tiveram com Deus neste lugar. Ali Abraão invocou a Deus (cap. 21.33), a mesma coisa fez Isaque (cap. 26.25), e por isto Jacó o usa como lugar da sua devoção, mais do que simplesmente porque estava no seu caminho. Na sua devoção: 1. Ele pensava em Deus, como o Deus do seu pai Isaque, isto é, um Deus em concerto com ele. Pois por intermédio de Isaque o concerto tinha sido transmitido a ele. Deus ti­nha proibido Isaque de descer ao Egito quando houve uma fome em Canaã (cap. 26.2), fato de que talvez Jacó se lembre, quando consulta Deus como o Deus do seu pai Isaque, com este pensamento: “Senhor, ainda que eu esteja muito desejoso de ver a José, ainda assim, se Tu me proibires de descer ao Egito, como proibiste ao meu pai Isaque, eu obedecerei, e muito satisfeito permane­cerei onde estou”. 2. Ele ofereceu sacrifícios, sacrifícios extraordinários, além do costume desta época. Estes sacrifícios foram oferecidos: (1) Como forma de agrade­cimento pela recente e abençoada transformação da sua família, pelas boas notícias que tinha recebido, a respeito de José, e pelas esperanças que ele tinha de vê-lo. Ob­serve que nós devemos dar graças a Deus pelo início da graça, embora ela ainda não esteja concluída. E este é um modo conveniente e respeitável de implorar por mais graças. (2) Solicitando a presença de Deus com ele na sua viagem. Ele desejava, com estes sacrifícios, recon­ciliar-se com Deus, obter o perdão dos seus pecados, para que nenhuma culpa o acompanhasse nesta viagem, pois a culpa é uma má companhia. Por meio de Cristo, o grande sacrifício, devemos nos reconciliar com Deus, e oferecer os nossos pedidos a Ele. (3) Como consulta. Os pagãos consultavam seus oráculos pelos sacrifícios. Jacó não partiria, até ter pedido a permissão de Deus: “Devo descer ao Egito, ou voltar a Hebrom” - assim devem ser as nossas perguntas em caso de dúvidas. E, embora não possamos esperar respostas imediatas do céu, ainda as­sim, se diligentemente obedecermos as orientações da Palavra, consciência e providência, descobriremos que não é inútil pedir conselho a Deus.

n Como Deus endireitou as suas veredas: “Em vi­sões, de noite” (provavelmente a mesma noite depois que ele tinha oferecido seus sacrifícios, como em

2 Crônicas 1.7), Deus falou com ele, v. 2. Observe que aqueles que desejam manter uma comunhão com Deus irão descobrir que ela nunca deixa de existir, por parte dele. Se falarmos com Ele como devemos, Ele não dei­xará de falar conosco. Deus o chamou pelo nome, pelo seu antigo nome: “Jacó! Jacó!”, para lembrá-lo da sua condição humilde. Seus temores atuais dificilmente con­viriam à nação de Israel. Jacó, como alguém bastante fa­miliarizado com as visões do Todo-Poderoso, e disposto a obedecer a elas, responde: “Eis-me aqui” - pronto para receber ordens. E o que é que Deus tem a dizer a ele?

1. Deus renova o concerto com ele: “Eu sou Deus, o Deus de teu pai” (v. 3). Isto é: “Eu sou o que você re­conhece que Eu sou: você descobrirá que eu sou Deus, a sabedoria e o poder divinos, dedicados a você. E des­

cobrirá que Eu sou o Deus do seu pai, fiel ao concerto celebrado com ele”.

2. Ele o encoraja a fazer esta mudança da sua famí­lia: “Não temas descer ao Egito”. Aparentemente, em­bora Jacó, tão logo tomou conhecimento da vida e glória de .José no Egito, resolvesse, sem nenhuma hesitação: “Eu irei e o verei”. Ainda assim, depois de pensar duas vezes, ele percebeu que havia algumas dificuldades nesta viagem, que ele não sabia bem como superar. Ob­serve que até mesmo aquelas mudanças que parecem trazer as maiores alegrias e esperanças, têm a sua par­ticipação de preocupação e temores: Nulla est sincera voluptas - Não existe prazer sem mesclas. Sempre de­vemos nos alegrar com temor. Jacó tinha muitas pre­ocupações sobre esta viagem, e Deus as percebeu. (1) Ele era velho, tinha 130 anos de idade. E é mencionado, como uma das fraquezas das pessoas idosas, o fato de que têm medo do que está no alto, e os espantos que há pelo caminho, Eclesiastes 12.5. E ra uma longa via­gem, e Jacó não estava capacitado para viajar, e talvez se lembrasse de que a sua amada Raquel tinha morrido em uma viagem. (2) Ele temia que os seus filhos fossem corrompidos pela idolatria do Egito, e se esquecessem do Deus dos seus pais, ou se enamorassem dos praze- res do Egito, e se esquecessem da te rra da promessa.(3) Provavelmente, ele pensava naquilo que Deus tinha dito a Abraão, a respeito da servidão e da aflição da sua semente (cap. 15.13), e estava apreensivo de que a sua ida ao Egito resultasse naquilo. As satisfações presen­tes não devem nos impedir de considerar e examinar as inconveniências futuras, que possivelmente possam surgir daquilo que agora parece extremamente promis­sor. (4) Ele não podia pensar em sepultar seus ossos no Egito. Mas, quaisquer que fossem os motivos que o desencorajavam, isto foi suficiente para responder a todos eles: “Não temas descer ao Egito”.

3. Deus lhe promete conforto na mudança. (1) O Senhor promete que ele se multiplicaria no Egito: “Eu te farei ali - onde temes que a tua família naufrague e se perca - uma grande nação”. Ali é o lugar que a Sa­bedoria Infinita escolheu para o cumprimento daquela promessa”. (2) Que ele teria a presença de Deus com ele: “Descerei contigo ao Egito”. Observe que aqueles que vão para onde Deus os envia certamente terão a Deus com eles, e isto é suficiente para protegê-los, onde quer que estejam, e silenciar seus temores. Nós podemos nos arriscar a ir até mesmo ao Egito, se Deus for conosco. (3) Que nem ele, nem os seus, se perderiam no Egito: “Cer­tamente te farei tornar a subir”. Embora Jacó tenha morrido no Egito, ainda assim esta promessa foi cum­prida: [1] Quando o seu corpo foi trazido para ser sepul­tado em Canaã, algo que, aparentemente, ele desejava muito, cap. 49.29. [2] Quando a sua semente subiu para instalar-se em Canaã. Não importa a qual vale baixo ou escuro nós formos chamados em alguma ocasião, pode­mos estar confiantes de que, se Deus descer conosco até lá, certamente nos fará subir outra vez. Se Ele descer conosco para a morte, certamente nos fará subir outra vez, para a glória. (4) Que na sua vida e na sua morte, o seu amado José seria um consolo para ele: “José porá a sua mão sobre os teus olhos”. Esta é uma promessa de que José viveria tanto quanto ele, de que ele estaria com

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205 GÊNESIS 46 w. 5-27o pai na sua morte, e fecharia os seus olhos com a maior ternura e o maior respeito possíveis, como costumavam fazer os parentes mais queridos. Provavelmente Jacó, na multidão dos seus pensamentos, tinha estado desejando que José pudesse realizar este último ato de amor por ele: Ille meos oculos comprimat - Que ele possa fechar meus olhos. E Deus assim lhe responde, na expressão do seu desejo. Assim Deus, às vezes, satisfaz os inocentes desejos do seu povo, e não somente torna feliz a sua mor­te, mas as suas circunstâncias agradáveis.

A Ida de Jacó ao Egitow . 5-27

O velho Jacó aqui está de mudança. Ele nunca tinha pensado em deixar Canaã. Ele esperava, sem dúvida, m orrer no seu “ninho”, e deixar a sua semente na pos­se da terra prometida: mas a Providência ordenou as coisas de outra maneira. Observe que aqueles que se julgam bem estabelecidos podem ter que se deslocar em pouco tempo. Até mesmo as pessoas idosas, que não pensam em ir para outro lugar que não seja a sepultura (coisa em que Jacó pensava muito, cap. 37.35; 42.38) às vezes vivem o suficiente para presenciar grandes mu­danças na sua família. É bom estar preparado, não so­mente para a sepultura, mas para o que quer que acon­teça entre nós e a sepultura. Observe: 1. Como Jacó foi transportado. Não em uma carruagem, embora as car­ruagens fossem usadas na época, mas em um carro, v. 5. Jacó tinha a personalidade de um homem simples, que não se importava com nada pomposo nem magnificente. Seu filho andava em uma carruagem (cap. 41.43), mas um carro serviria ao pai. 2. A remoção de tudo o que ele tinha consigo. (1) Tudo o que ele tinha (v. 6), gado e bens. Estas coisas ele levou consigo, para que pudesse não estar completamente em dívida com Faraó pelo seu sus­tento, e para que depois não dissessem deles: “Vieram como mendigos ao Egito”. (2) A sua família, toda a sua semente, v. 7. É provável que eles continuassem a viver juntos, juntamente com seu pai. E, portanto, quando ele foi, todos foram, o que talvez estivessem bastante dispostos a fazê-lo, porque, embora soubessem que a terra de Canaã lhes havia sido prometida, ainda assim, até este dia, eles não tinham a posse dela. Temos aqui uma relação particular dos nomes da família de Jacó, os filhos de seus filhos, muitos dos quais são posterior­mente mencionados como chefes das casas nas diversas tribos. Veja Números 31.5ss. O bispo Patrick observa que Issacar deu ao seu filho mais velho o nome de Tola, que significa verme, provavelmente porque quando ele nasceu era uma criança muito fraca, um verme, e não um homem, que provavelmente não viveria. E ainda assim, dele descendeu uma prole numerosa, 1 Crôni­cas 7.2. Observe que viver e m orrer não obedecem as probabilidades. O número total de pessoas que desceu para o Egito foi de sessenta e seis (v. 26), aos quais so­mamos José e seus dois filhos, que estavam ali antes, e o próprio Jacó, o chefe da família, e teremos o número de setenta, v. 27. A Septuaginta traz o número de seten­ta e cinco, e Estevão a acompanha (At 7.14), e a razão disto deixamos para as conjeturas dos críticos. Mas,

observemos: [1] Os chefes das famílias devem cuidar de todos aqueles que estiverem sob a sua responsabilidade, provendo para os da sua própria casa o alimento conve­niente, tanto para o corpo quanto para a alma. Quandoo próprio Jacó mudou-se para uma terra de fartura, ele não deixou para trás nenhum dos seus filhos, para passar fome em uma terra improdutiva. [2] Embora o cumpri­mento das promessas seja sempre garantido, ainda as­sim freqüentemente é lento. Agora tinham se passado 215 anos desde que Deus tinha prometido a Abraão fazer dele uma grande nação (cap. 12.2). E apesar disto, este ramo da sua semente ao qual tinha sido transmitida a promessa, tinha crescido somente a setenta pessoas, das quais temos este registro particular, para que o poder de Deus, ao multiplicar estes setenta para chegar a uma multidão tão grande, mesmo no Egito, pudesse se mos­trar ainda mais notável. Quando Deus assim o deseja, o menor virá a ser mil, Isaías 60.22.

O Encontro de Jacó e Joséw . 28-34

Aqui temos:

I O alegre encontro entre Jacó e seu filho José, no qual podemos observar:1. A prudência de Jacó, ao enviar Judá diante dele

a José, para avisá-lo da sua chegada a Gósen. Isto era um ato de respeito devido ao governo, sob cuja proteção estes estrangeiros tinham vindo colocar-se, v. 28. Nós de­vemos sei' muito cuidadosos para não ofender a ninguém, especialmente nas esferas mais elevadas do poder.

2. O respeito filial de José pelo pai. Ele tomou seu carro e foi encontrá-lo e, no encontro, demonstrou: (1) O quanto ele honrava ao pai: Ele se apresentou diante dele. Observe que é dever dos filhos reverenciar a seus pais, sim, ainda que a Providência, como condição exterior, os tenha promovido a uma posição superior à de seus pais.(2) O quanto ele o amava. O tempo não desgastou o sen­timento das suas obrigações, mas as suas lágrimas, que ele derramou copiosamente sobre o pescoço de seu pai, de pura alegria por vê-lo, foram indicações verdadeiras do afeto sincero e forte que sentia por ele. Veja o quanto a alegria e a tristeza são próximas neste mundo, quando as lágrimas servem para expressar ambas. No outro mun­do, o choro se limitará somente à tristeza. No céu, existe alegria perfeita, mas não lágrimas de alegria: todas as lágrimas, até mesmo estas, serão enxugadas, porque as alegrias ali são, diferentemente das daqui, sem nenhum acompanhamento. Quando José abraçou a Benjamim, ele chorou sobre o seu pescoço, mas quando abraçou a seu pai, ele chorou longo tempo sobre o seu pescoço. Seu irmão Benjamim era querido, mas seu pai Jacó lhe era muito mais querido.

3. A grande satisfação de Jacó com este encontro: “Morra eu agora”, v. 30. Isto não significa que ele não de­sejava viver com José, e ver a sua honra e o seu trabalho. Mas que ele teve tanto prazer e tanta satisfação com este primeiro encontro, que julgou que seria excessivo desejar ou esperar qualquer outra coisa deste mundo, onde os nos­sos consolos sempre devem ser imperfeitos. Jacó desejou

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w. 1-12 GÊNESIS 47 206morrer imediatamente, mas ainda viveu dezessete anos. Ele alcançou uma idade que - da maneira como é a nossa vida agora - é considerável para um homem. Observe que a morte não vem sempre que nós a chamamos, seja em meio à tristeza ou à alegria. Nosso tempo está nas mãos de Deus, e não nas nossas. Nós devemos morrer somente quando Deus assim o desejar, e não quando estivermos saciados dos prazeres da vida, ou quando estivermos so­brecarregados com as suas tristezas.

n O cuidado prudente de José, a respeito da ins­talação dos seus irmãos. E ra justo com Faraó informá-lo de que tal grupo tinha chegado para esta­belecer-se nos seus domínios. Observe que se outros depositam confiança em nós, não devemos ser tão vis e

falsos a ponto de abusar desta confiança, aproveitando- nos dela. Se .Jacó e a sua família deviam vir para ser uma carga para os egípcios, que nunca fosse dito que tinham vindo viver entre eles de modo clandestino e furtivo. Sendo assim, José tomou cuidados para prestar seus respeitos a Faraó, v. 31. Mas o que ele fará com seus irmãos? Houve uma época quando eles planeja­vam livrar-se dele. Agora ele fazia planos para instalá- los, para sua satisfação e seu benefício: isto é retribuir o mal com o bem. Observe: 1. José desejava que eles vivessem isolados, o mais separados possível dos egíp­cios, na terra de Gósen, que é a mais próxima de Canaã, e que talvez fosse menos habitada por egípcios, e bem dotada de pastagens para o gado. Ele desejava que eles pudessem viver separados, para que tivessem o menor perigo possível, tanto de serem contaminados pelos vícios dos egípcios, quanto de serem insultados, pela maldade dos egípcios. Os pastores, aparentemente, eram uma abominação para os egípcios, isto é, eles os consideravam com desprezo, e desdenhavam conviver com eles. E José não desejava transferir seus irmãos para o Egito para que ali fossem maltratados. E, ainda assim: 2. José desejava que eles continuassem sendo pastores, e não se envergonhassem de reconhecer que esta era a sua profissão, diante de Faraó. Ele poderia tê-los empregado, subordinados a si mesmo, no negó­cio do trigo, ou talvez, em benefício do rei, pudesse ter procurado posições para eles na corte ou no exército, e alguns deles sem dúvida eram suficientemente merece­dores. Mas tais posições os teriam exposto à inveja dos egípcios, e os teriam tentado a se esquecer de Canaã e da promessa feita aos seus pais. Por isto, José planeja que eles continuem na sua antiga profissão. Observe que: (1) Uma vocação honesta não representa nenhum menosprezo, nem devemos nós considerá-la assim, seja com relação a nós mesmos, ou a nossos parentes, mas devemos reconhecer que é uma vergonha permanecer­mos ociosos, ou não termos nada para fazer. (2) Em ge­ral, é melhor que as pessoas obedeçam às vocações às quais foram criadas, e acostumadas, 1 Coríntios 7.24. Qualquer que seja o trabalho ou a condição a que Deus na sua providência nos tenha destinado, devemos nos adaptar à situação. Devemos estar satisfeitos com tudoo que o nosso bondoso Senhor nos designou, sem nos preocuparmos com coisas elevadas. É melhor te r credi­bilidade em uma posição humilde, do que passar vergo­nha em uma posição elevada.

CAPÍTULO 47

Neste capítulo, temos exemplos: I. Da bondade e do afeto de José por seus parentes, apresentados, em primeiro lugar, a seus irmãos, e depois a seu pai, a Faraó (w. 1-10), instalando-os em Gósen, e sustentando-os ali (w. 11,12), e prestando seu respeito a seu pai quando ele mandou chamá-lo, w. 27-31. II. Da justiça de José, tanto para com o príncipe quanto para com o povo, em uma questão muito crítica, vendendo o trigo de Faraó a seus súditos, com lucros razoáveis a Faraó, e sem pre­judicar ao povo, v. 13ss. Desta maneira, ele provou ser sábio e bom, tanto na sua habilidade pessoal quanto na pública.

A Generosidade de Faraó. Jacó E Apresentado a Faraów. 1-12

Aqui temos:

I O respeito que José, como súdito, mostrou ter pelo seu príncipe. Embora ele fosse seu favorito, e pri­

meiro ministro de estado, e tivesse recebido ordens par­ticulares de Faraó para mandar trazer seu pai ao Egito, ainda assim ele não permitiria qu.e o seu pai se instalas­se até que tivesse avisado ao Faraó, v. 1. Cristo, o nosso José, coloca os seus seguidores no seu reino, da maneira como foi preparado pelo seu Pai, dizendo: “Não me per­tence dá-lo”, Mateus 20.28.

n O respeito que José, como irmão, mostrou ter por seus irmãos, apesar de toda a crueldade que tinha anteriormente recebido deles.

1. Embora ele fosse um grande homem, e eles fos­sem comparativamente humildes e desprezíveis, parti­cularmente no Egito, ainda assim ele os reconheceu. Que aqueles que são grandes e ricos no mundo aprendam, com isto, a não ignorar nem desprezar seus parentes po­bres. Não são todos os ramos da árvore que são ramos superiores. Mas, porque é um ramo inferior, não per­tence, então, à árvore? Nosso Senhor Jesus, como José aqui, não se envergonha de nos chamar de irmãos.

2. Sendo eles estrangeiros, e não cortesãos, ele apre­sentou alguns deles ao Faraó, para beijar-lhe a mão, como dizemos, pretendendo, com isto, honrá-los entre os egíp­cios. Da mesma maneira Cristo apresenta os seus irmãos na corte do céu, e aprimora o sen interesse por eles, em­bora sejam, por si mesmos, indignos e abomináveis. De­pois de apresentados a Faraó, segundo as instruções que José lhes tinha dado, eles lhe dizem: (1) Qual era a sua profissão - que eles eram pastores, v. 3. Faraó perguntou a eles (e José sabia que esta seria uma das suas primei­ras perguntas, cap. 46.33): “Qual é o vosso negócio?” Ele imagina que eles tivessem alguma coisa para fazer, caso contrário o Egito não seria lugar para eles, não seria um abrigo para ociosos errantes. Se eles não trabalhassem, não comeriam do seu pão, principalmente naquela época de escassez. Observe que todos os que têm um lugar no

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207 GÉNESIS 47 w. 13-26mundo devem ter uma ocupação nele, de acordo com a sua capacidade, alguma profissão, mental ou manual. Aque­les que não precisam trabalhar pelo seu pão, ainda assim devem ter alguma coisa para fazer, para não ficar na ocio­sidade. Os magistrados devem investigar a profissão de seus súditos, como alguém que tem o cuidado com o bem estar público. Pois as pessoas ociosas são como os zangões na colméia, cargas inúteis para a comunidade. (2) Qual era a sua ocupação no Egito? Peregrinai- nesta terra (v. 4), não se instalar ali para sempre, somente peregrinar ali, por algum tempo. Ele ficaria ali enquanto a fome fosse predo­minante em Canaã, que era uma região mais alta. Canaã não era habitável para os pastores, pois as pastagens se queimavam muito mais do que no Egito, que estava em um nível mais baixo. O trigo não brotava tanto em Canaã, ao passo que ali, no Egito, havia pastagens muito boas.

3. José obteve de Faraó a concessão de um assenta­mento na terra de Gósen, w. 5,6. Este foi um exemplo da gratidão de Faraó por José. Por te r ele sido tal bên­ção, para ele e seu reino, Faraó seria generoso com seus parentes, puramente por causa dele. Ele se ofereceu para colocá-los como pastores do seu gado, desde que fossem homens trabalhadores. Pois são os homens di­ligentes no seu trabalho que se apresentarão diante de reis. E qualquer que seja a nossa profissão ou trabalho, devemos desejar sei' excelentes, e provar que somos trabalhadores e habilidosos.

O respeito que José, como filho, demonstrou ter por seu pai.

1. Ele o apresentou a Faraó, v. 7. E aqui:(1) Faraó faz a Jacó uma pergunta comum: “Quantos

são os dias dos anos de tua vida?”, v. 8. Uma pergunta normalmente feita a homens velhos, pois é natural que nos admiremos da velhice, e a reverenciemos (Lv 19.32), assim como é muito pouco natural, e inadequado, despre­zá-la, Isaías 3.5. A aparência de Jacó, sem dúvida, mos­trava que ele era muito idoso, pois tinha sido um homem de trabalhos e tristezas. No Egito, as pessoas não viviam tanto tempo como em Canaã, e por isto Faraó olha para Jacó com assombro. Ele era um espetáculo na sua corte. Quando refletimos sobre nós mesmos, isto deve sei' con­siderado: Quantos são os dias da nossa vida?

(2) Jacó dá a Faraó uma resposta incomum, v. 9. Ele fala como convém a um patriarca, com um ar de serieda­de, devido à instrução de Faraó. Embora as nossas pala­vras não sejam sempre de graça, devem ser ditas sem­pre com graça. Observe aqui: [1] Ele chama a sua vida de peregrinação, considerando-se um estrangeiro neste mundo, e um viajante, rumo a outro mundo: esta terra é a sua hospedaria, não o seu lar. A isto o apóstolo se refere quando diz: “confessaram que eram estrangeiros e pere­grinos na te rra” (Hb 11.13). Ele não somente reconheceu que era um peregrino, agora que estava no Egito, uma terra estranha na qual nunca tinha estado antes. Mas a sua vida, mesmo na terra do seu nascimento, era uma peregrinação, e aqueles que assim a reconhecem podem suportar melhor a inconveniência de serem afastados da sua terra natal. Eles são apenas peregrinos, e sempre o serão. [2] Ele calcula a sua vida em dias. Pois, ainda as­sim, ela é rapidamente calculada, e não temos a certeza da sua continuidade sequer por um dia, até um final. Ela

pode ser removida deste tabernáculo com menos de uma hora de aviso prévio. Por isto, contemos os nossos dias (SI 90.12) e conheçamos a sua medida, Salmos 39.4. [3] A maneira como Jacó descreve os seus dias é, em pri­meiro lugar, que eram poucos. Embora agora ele tivesse vivido 130 anos, para ele pareciam alguns poucos dias, em comparação com os dias da eternidade, com o Deus eterno e a condição eterna, na qual mil anos (mais tempo do que qualquer homem jamais viveu) são apenas como um dia. Em segundo lugar, que haviam sido maus. Isto é verdade, a respeito do homem em geral, ele é de bem poucos dias e cheio de inquietação (Jó 14.1). E, como seus dias são maus, é bom que sejam poucos. A vida de Jacó, particularmente, tinha sido cheia de maus dias. E os dias agradáveis da sua vida ainda estavam à sua fren­te. Em terceiro lugar, que eram menos do que os dias dos seus pais, não tantos, e não tão agradáveis como os seus dias. A velhice veio encontrá-lo mais cedo do que tinha feito com alguns de seus ancestrais. Assim como o jovem não deve se orgulhar da sua força ou beleza, também o velho não deve se orgulhar da sua idade, nem da coroa que é representada pelos seus cabelos brancos, embora outros, com razão, os reverenciem. Pois aqueles que são considerados muito velhos, não chegam à. idade dos pa­triarcas. As cãs são uma coroa de glória, somente quando se encontram no caminho da justiça.

(3) Jacó se apresenta a Faraó e se despede dele com uma bênção (v. 7): “Jacó abençoou a Faraó”, e novamen­te, v. 10, o que não somente foi um ato de cortesia (ele lhe prestou respeitos e lhe retribuiu com agradecimentos pela sua bondade), mas um ato de piedade - Jacó orou pelo Faraó como alguém que tem a autoridade de um profeta e de um patriarca. Embora na riqueza terrena Faraó fosse maior, na presença de Deus Jacó era o maior. Ele era um ungido de Deus, Salmos 105.15. E a bênção de um patriarca não era algo a ser desprezado, não, nem por um príncipe poderoso. Dario valorizou as orações da igreja, por si mesmo e por seus filhos, Esdras 6.10. Faraó gentilmente recebeu Jacó, e, fosse em nome de profeta ou não, ele teve a recompensa de um profeta, o que lhe representou a restituição suficiente, não somente pela sua conversa cortês com Jacó, mas por todas as outras gentilezas que demonstrou por Jacó e pelos seus.

2. José cuidou bem de Jacó e dos seus, instalou-os em Gósen (v. 11), e alimentou a ele e a todos os seus, com alimento conveniente para eles, v. 12. Isto evidencia, não somente que José era um bom homem, que cuidou des­ta maneira generosa dos seus parentes pobres, mas que Deus é um bom Deus, que o promoveu com este propó­sito, e o colocou em uma posição em que pudesse fazer isto, da mesma maneira como E ster veio ao reino em uma ocasião como esta. O que Deus aqui fez por Jacó, na verdade, Ele prometeu fazer por todos os seus, que o servem e que confiam nele. Salmos 37.19: “Nos dias de fome se fartarão”.

A Aflição Causada pela Fomew. 13-26

Tendo sido tomadas medidas para cuidar de Jacó e sua família, cuja preservação era especialmente designa-

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w. 13-26 GÊNESIS 47 208da pela Providência, na nomeação de José, agora é apre­sentado um relato da salvação do reino do Egito, tam­bém, da destruição. Pois Deus é Rei das nações, assim como Rei de santos, e fornece alimento para toda a car­ne. Agora José retorna à administração daquilo que Fa­raó tinha colocado na sua mão, em confiança. Teria sido suficientemente agradável para ele ter ido vivei' com seu pai e seus irmãos em Gósen. Mas o seu trabalho não o permitia. Depois de ter visto a seu pai, e tê-lo visto bem instalado, ele dedicou-se, tão atentamente como sempre, à execução do seu trabalho. Observe que até mesmo o afeto natural deve dar lugar aos trabalhos necessários. Os pais e filhos devem contentar-se em separar-se, uns dos outros, quando necessário, para o serviço de Deus ou para a sua geração. Nas transações de José com os egípcios, observe:

I A grande necessidade a que o Egito e as regiões vi­zinhas estavam reduzidos, por causa da fome. “Não havia pão”, e eles desfaleciam (v. 13), estavam à beira da morte, w. 15,19.1. Veja aqui a dependência que temos da

providência de Deus. Se os seus favores usuais são sus­pensos, apenas por algum tempo, nós morremos, nós pe­recemos, todos nós perecemos. Toda a nossa riqueza não nos impedirá de passar fome se a chuva do céu for retida por dois ou três anos. Veja o quanto estamos à mercê de Deus. E sempre nos mantenhamos no seu amor. 2. Veja o quanto nós sofremos pela nossa própria imprudência. Se todos os egípcios tivessem feito por si mesmos, nos sete anos de fartura, o que José fez por Faraó, eles não esta­riam agora nestas dificuldades. Mas eles não prestaram atenção ao aviso que tinham tido, sobre os anos de fome, concluindo que o amanhã seria como hoje, o próximo ano seria como este, e muito mais abundante. Observe que pelo fato do homem não conhecer o seu tempo (o seu tempo de juntar, quando tem condições de fazê-lo), o seu mal é grande quando chega o tempo de usar aquilo que ele deveria ter poupado, Eclesiastes 8.6,7. 3. Veja como Deus, desde cedo, faz uma diferença entre os egípcios e os israelitas, como posteriormente, nas pragas, Êxodo 8.22; 9.4,26; 10.23. Jacó e sua família, embora estrangei­ros, foram abundantemente alimentados, gratuitamen­te, enquanto os egípcios morriam, por necessidade. Veja Isaías 65.13: “Eis que os meus servos comerão, mas vós padecereis fome”. Deuteronômio 33.29: “Bem-aventura- do és tu, ó Israel!”; Salmos 34.10: “Aqueles que buscam ao Senhor de nada têm falta”.

n O preço que tiveram que pagar, para o seu sus­tento, nesta necessidade. 1. Eles se separaram de todo o dinheiro que tinham amontoado, v. 14. Ouro e p rata não podiam alimentá-los. Eles precisavam de tri­go. Todo o dinheiro do reino foi, por estes meios, trazido

ao tesouro público. 2. Quando o dinheiro acabou, eles se separaram de todo o seu gado, o gado usado para o tra ­balho, assim como dos cavalos e jumentos, e também do gado que se destinava à alimentação, como também dos rebanhos, v. 17. Com base nisto, poderia parecer que nós podemos viver melhor de pão, sem carne, do que de carne, sem pão. Podemos supor que eles se separassem com mais facilidade do seu gado, porque havia pouca ou nenhuma pastagem para ele. E agora Faraó via, na re­

alidade, o que tinha visto antes, em visão: nada além de vacas magras. 3. Depois de terem entregado seu gado, foi fácil persuadi-los a entregar também as suas terras (melhor do que passar fome). Pois de que lhes serviria a terra, quando não tinham trigo para semear nela, nem gado para alimentar-se dela? Portanto, a seguir eles venderam as suas terras por uma porção adicional de trigo. 4. Depois de vendidas as suas terras, de modo que não tinham nada do que viver, eles precisaram, na­turalmente, vender a si mesmos, para que pudessem viver simplesmente do seu trabalho, e manter as terras que haviam sido suas. Esta era uma vil condição de ser­vos, como cortesia da coroa. Observe que pele por pele, e tudo quanto o homem tem - até mesmo a liberdade e a propriedade (estes gêmeos queridos) - ele dará pela sua vida. Pois a vida é doce. Existem poucos (embora talvez existam alguns) que até mesmo ousariam m orrer a viver em servidão, dependendo de um poder arbitrá­rio. E talvez existam aqueles que, neste caso, poderiam morrer pela espada, com violência, mas não poderiam morrer de fome, o que é muito pior, Lamentações 4.9. Entretanto, foi uma grande misericórdia para com os egípcios, o fato de que, nesta aflição, pudessem te r trigo a qualquer preço. Se todos eles tivessem morrido de fome, as suas terras talvez teriam sido confiscadas pela coroa, naturalmente, por falta de herdeiros. Portanto, eles decidiram aproveitar ao máximo o bem que pode­ria vir de uma situação tão má.T T T O método que José usou para acomodar a situ- JL J l X ação, entre o príncipe e o povo, de modo que o príncipe pudesse ter a sua justa vantagem, e o povo não ficasse completamente arruinado. 1. Pelas suas terras, ele não precisou fazer nenhum acordo com eles, enquanto duraram os anos de fome. Mas quando estes anos acaba­ram (pois Deus não irá contender para sempre, não ficará furioso para sempre), ele fez um acordo, com o qual apa­rentemente os dois lados ficaram satisfeitos. O povo pode­ria ocupar e usufruir as terras como julgasse adequado, e teria sementes para semeá-las, dos armazéns do rei, para o seu próprio uso e lucro, produzindo e pagando somente uma quinta parte dos lucros anuais, como renda principal à coroa. Isto se tornou uma lei permanente, v. 26. E foi um excelente negócio para obter alimento pelas suas terras, quando, de outra maneira, eles e os seus teriam passado fome, e assim tiveram suas terras de volta, sob tão cômo­das condições. Observe que são merecedores de dupla honra, tanto pela sabedoria quanto pela integridade, os ministros de estado que mantêm o equilíbrio entre prínci­pe e povo, de modo que a liberdade e a propriedade não se estabeleçam acima da prerrogativa, nem a prerrogativa suporte com dificuldade a liberdade e a propriedade: na multidão de tais conselheiros, existe segurança. Se, pos­teriormente, os egípcios julgassem difícil pagar um valor tão alto ao rei, pelas suas terras, deveriam lembrar-se, não somente quão justa, mas também quão generosa, foi a primeira oferta deste acordo. Eles podiam, com gratidão, pagar um quinto de tudo o que era produzido. É admirá­vel o quanto José era fiel àquele que o nomeou. Ele não guardou o dinheiro no seu próprio bolso, nem transferiu as terras à sua própria família. Mas converteu-as integral­mente para o uso de Faraó. E, por isto, nós não lemos que

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209 GÊNESIS 48 w. 27-31a sua descendência tenha saído do Egito mais rica do que o resto dos seus pobres irmãos. Aqueles que ocupam cargos públicos, se acumularem grandes bens, devem tomar cui­dado para que não seja às custas de uma boa consciência, que é muito mais valiosa. 2. Quanto ao povo, fê-lo passar às cidades, v. 21. Ele os transplantou, para mostrar o poder soberano de Faraó sobre eles, e para que pudessem, no devido tempo, esquecer os seus direitos às suas terras, e se adaptarem mais facilmente à sua nova condição de ser­vidão. Há autores judeus que escrevem: “Ele os removeu de suas habitações anteriores, porque consideravam seus irmãos como estrangeiros. Para silenciar estas críticas, todos eles se tornaram, na verdade, estrangeiros”. Veja as mudanças que um pouco de tempo pode causar a um povo, e com que rapidez Deus pode mudar, “de vasilha para va­silha”, aqueles que se acomodam sobre os seus sedimen­tos. Por mais difícil que isto pareça ter sido para eles, eles mesmos ficaram sensibilizados nesta ocasião, como tendo sido uma grande generosidade, e ficaram agradecidos por não terem sido tratados de um modo pior: “A vida nos tens dado”, v. 25. Observe que existe uma boa razão para que o Salvador das nossas ridas seja o Senhor das nossas ridas. “Tu nos salvaste. Faze o que quiseres conosco”.

A reserva que José fez, a favor dos sacerdotes. Eles foram sustentados sem custos, de modo

que não precisaram vender suas terras, v. 22. Todo o povo, assim, irá andar no nome do seu Deus. Eles serão gentis com aqueles que freqüentarem a adoração públi­ca do seu Deus, e que lhes ministrarem coisas santas. E nós devemos, de igual maneira, honrar ao nosso Deus, dedicando aos seus ministros grande amor, por causa do seu trabalho.

As Instruções de Jacó a respeito do seu Sepultamentow. 27-31

Observe: 1. O conforto em que Jacó riria (w. 27,28). Enquanto os egípcios empobreciam na sua própria terra, Jacó se abastecia em terra estrangeira. Ele viveu ainda dezessete anos depois da sua vinda ao Egito, muito além das suas próprias expectativas. Dezessete anos ele tinha sustentado a José (pois esta era a idade que ele tinha quando foi vendido e afastado dele, cap. 37.2), e agora, como retribuição, dezessete anos José o sustentou. Obser­ve quão gentilmente a Providência ordenou aquilo que es­tava relacionado à vida de Jacó, para que quando ele fosse velho, e menos capaz de suportar preocupações ou fadiga, tivesse menos necessidade de enfrentar tantos obstáculos, sendo bem sustentado pelo seu filho, sem utilizar os seus próprios recursos. Assim Deus considera a estrutura do seu povo. 2. Os cuidados em meio aos quais Jacó morreu. Chegou, “pois, o tempo da morte de Israel”, v. 29. Israel, um príncipe na presença de Deus, que tinha tido poder sobre o anjo, e tinha prevalecido, ainda assim precisou se render à morte. Não há remédio, ele deve morrer: isto é indicado a todos os homens, e, portanto, também a ele. E não há dispensas nesta guerra. José o sustentou com pão, para que ele não morresse de fome. Mas isto não o im­pediu de morrer por doenças, ou pela idade. Ele morreu

gradualmente. A sua vela não se apagou, mas lentamente queimou até o castiçal, de modo que ele ria, a alguma dis­tância, o tempo que chegava. Observe que é uma vanta­gem improvável ver a aproximação da morte antes que sintamos a sua prisão, para que possamos ser motivados a fazer o que nossas mãos encontrarem para fazer, com toda a nossa força: no entanto, isto não está longe de nenhum de nós. Os cuidados de Jacó, ao ver que chegava o dia, eram referentes ao seu sepultamento, não quanto à sua pompa (ele não se preocupava com isto), mas quanto ao seu local. (1) Ele desejava ser sepultado em Canaã. Isto ele decidiu, não por puro prazer, por ser Canaã a terra do seu nascimento, mas pela fé, porque era a terra da promessa (da qual ele desejava, assim, de certa maneira, manter a posse, até que chegasse o tempo quando a sua descendência pudesse possuí-la), e porque era um tipo de céu, aquela pátria melhor, que aquele que tinha dito estas coisas declarava claramente que esperava, Hebreus 11.14. Ele desejava uma boa terra, que fosse o seu descanso, e bênção no outro lado da morte. (2) Ele desejou que José jurasse levá-lo para lá, para ser sepultado (w. 29,31). Que José, sob uma obrigação solene de fazê-lo, pudesse ter este juramento como resposta às objeções que pudessem ser feitas em contrário. Isto também traria uma satisfação maior a Jacó, agora em seus últimos minutos. Não existe nada melhor para consolar um moribundo do que a es­perança garantida de um descanso em Canaã depois da morte. (3) Quando isto tinha sido feito, Israel inclinou-se sobre a cabeceira da cama, entregando-se, de certa ma­neira, ao abraço da morte (“Que venha agora, e será bem vinda”), ou adorando a Deus, como está explicado (Hb11.21), dando graças a Deus por todos os seus favores, e particularmente por este, de que José estivesse disposto não somente a colocar a sua mão sobre os seus olhos, para fechá-los, mas debaixo da sua coxa, para dar-lhe a satisfa­ção que ele desejava, acerca do seu sepultamento. Assim aqueles que descem ao pó devem, com gratidão humilde, inclinar-se diante de Deus, o Deus das suas misericórdias, Salmos 22.29.

C a p ítu lo 48

Aproximava-se o tempo em que Israel deveria morrer. Tendo, no capítulo anterior, dado instru­ções sobre o seu sepultamento, neste ele se des­pede de seus netos, filhos de José, e, no seguinte, de todos os seus filhos. Assim, as últimas palavras de Jacó são registradas, porque então ele falou com um espírito profético. As últimas palavras de Abraão e de Isaque não estão registradas. Os dons e as graças de Deus brilham mais em alguns santos, do que em outros, nos seus leitos de morte.O Espírito, como o vento, sopra onde quer. Neste capítulo: I. José, informado da doença de seu pai, vai visitá-lo, e leva seus dois filhos consigo, w. 1,2.II. Jacó solenemente adota estes dois netos, e os considera seus filhos, w. 3-7. III. Ele os abençoa, w. 8-16. IV Ele explica justifica o cruzar das suas mãos, ao abençoá-los, w. 17-20. V Ele deixa um legado particular a José, w. 21,22.

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w. 1-7 GÊNESIS 48 210A Última Enfermidade de Jacó

w. 1-7Aqui:

I José, ao ser informado da doença de seu pai, vai vê-lo. Embora ele fosse um homem de honra e ocupado, ain­

da assim não iria deixar de mostrar este devido respeito pelo seu idoso pai, v. 1. É nosso dever visitar os doentes, com os quais temos obrigações, ou aos quais podemos ter a oportunidade de fazer o bem, seja para o corpo ou para a alma. O leito da enfermidade é um lugar apropriado, tan­to para dar consolo e conselhos a outros, como também para se receber instruções. José levou consigo seus dois filhos, para que pudessem receber uma bênção de seu avô moribundo, e para que aquilo que pudessem ver nele, e ouvir dele, pudesse provocar uma impressão permanente na vida deles. Observe: 1. É bom familiarizar os jovens que estão chegando ao mundo com os idosos servos de Deus, que estão saindo dele, e cujo último testemunho à bondade de Deus, e à abundância dos caminhos da sabe­doria, pode ser um grande encorajamento para a geração futura. Manassés e Efraim (eu me atrevo a dizer) nun­ca se esqueceriam do que aconteceu nesta ocasião. 2. Os pais piedosos desejam uma bênção, não somente para si mesmos, mas para seus filhos. “Oh, para que possam viver diante de Deus!” José tinha sido bom para seu pai, mais do que todos os seus irmãos, e por isto tinha razões para esperar um favor especial dele.

n Jacó, com a notícia da visita de seu filho, prepa­rou-se tão bem quanto pôde para recebê-lo, v. 2. Ele fez o que pôde para reavivar o seu espírito, e para despertar o dom que nele havia. Do pouco de força física que lhe havia sobrado, ele extraiu o máximo, e se sentou

na cama. Observe que é muito bom que as pessoas idosas e doentes sejam tão vivazes e alegres quanto puderem, para que não desfaleçam no dia da adversidade. Fortale­ce-te, como Jacó aqui, e Deus irá fortalecer-te. Encoraja- te e ajuda-te, e Deus irá ajudar-te e incentivar-te. Que o espírito te sustente em meio à enfermidade.

Em recompensa a José, por todas as suas aten­ções a ele, Jacó adotou seus dois filhos. Nesta

carta de adoção, temos: 1. Uma exposição particular da promessa de Deus a ele, à qual foi feita uma importante referência: Deus me abençoou (v. 3), e que esta bênção seja transmitida a eles. Deus lhe tinha prometido duas coisas: uma prole numerosa, e Canaã, como herança (v. 4). E os filhos de José, de acordo com isto, deveriam, cada um deles, se multiplicar em uma tribo, e cada um deles teria uma parte distinta de Canaã, igual à dos filhos do próprio Jacó. Veja como ele os abençoou, pela fé naquilo que Deus lhe tinha dito, Hebreus 11.21. Observe que em todas as nossas orações, tanto por nós mesmos quanto pelos nossos filhos, nós devemos ter em vista, e em nossa lembrança, as promessas que o Deus precioso nos fez. 2. Uma acolhida expressa dos filhos de José na sua família: “Os teus dois filhos... são meus” (v. 5), não somente como meus netos, mas como meus próprios filhos. Embora nascidos no Egito, e o seu pai estivesse, então, separado de seus irmãos, o que poderia parecer tê-los arrancado

da herança do Senhor, ainda assim Jacó os recebe, e os reconhece como membros visíveis da igreja. Ele explica isto no versículo 16: “Seja chamado neles o meu nome e o nome de meus pais”. Como se ele tivesse dito: “Que não sucedam a seu pai, no seu podei1 e grandeza, aqui no Egito, mas que sucedam a mim, na herança daquela promessa feita a Abraão”, que Jacó considerava muito mais valiosa e honrosa, e desejava que eles valorizassem e ambicionassem adequadamente. Assim, este idoso e moribundo patriarca ensina estes jovens, agora que já eram adultos (tendo aproximadamente vinte e um anos de idade), a não considerarem o Egito como o seu lar, e a não se associarem aos egípcios, mas a aceitarem a sua sorte com o povo de Deus. Esta foi a atitude de Moisés, posteriormente, que viveu uma tentação semelhante, Hebreus 11.24-26. E, para incentivá-los, porque seria uma renúncia para eles, que tinham tal preferência no Egito, unir-se aos desprezados hebreus, Jacó constitui, a cada um deles, como chefe de uma tribo. Observe que são merecedores de dupla graça aqueles que, pela graça de Deus, superam as tentações da riqueza terrena e da pro­moção terrena, para aceitar a religião, mesmo que esta venha em desprezo e pobreza. Jacó desejava que Efraim e Manassés cressem que é melhor ser humilde e estar na igreja, do que ser nobre e estar fora dela, é melhor ser chamado pelo nome do pobre Jacó do que pelo nome do rico José. 3. Uma condição inserida a respeito dos filhos que ele pudesse ter, posteriormente. Eles não seriam considerados chefes de tribos, como seriam Efraim e Manassés, mas se envolveriam com um ou outro de seus irmãos, v. 6. Não parece que José teria outros filhos. No entanto, era prudente que Jacó desse esta orientação, para evitar disputas e má administração. Observe que ao fazer arranjos, é bom pedir conselhos, e prover para tudo o que possa acontecer, embora não possamos pre­ver o que irá acontecer. A nossa prudência deve servir à providência de Deus. 4. É feita menção à morte e ao sepultamento de Raquel, a mãe de José, e a esposa mais amada de Jacó (v. 7), com a lembrança daquela história, cap. 35.19. Observe que: (1) Quando estivermos prestes a morrer, é bom que nos lembremos da morte de nossos parentes e amigos queridos, que morreram antes de nós, para que a morte e a sepultura se tornem mais familiares a nós. Veja Números 27.13. Aqueles que foram para nós, como as nossas próprias almas, estão mortos e enterra­dos. E nós julgaremos que é demais, segui-los no mesmo caminho? (2) A separação dos parentes queridos é uma aflição, cuja recordação não pode deixar de permanecer em nós por muito tempo. A lembrança dos fortes afe­tos que desfrutamos juntos, causam longos sofrimentos quando os perdemos.

Jacó Abençoa os Filhos de José. A Profecia de Jacó à beira da Mortew. 8-22

Aqui temos:T A bênção com a qual Jacó abençoou os dois filhos X de José, que é ainda mais notável porque o apóstolo faz menção particular a ela (Hb 11.21), ao passo que ele

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211 GÊNESIS 48 w. 8-22nada diz a respeito da bênção que Jacó proferiu sobre os seus demais filhos, embora também fosse feita em fé. Observe aqui:

1. Jacó estava cego pela idade, v. 10. Esta é uma das doenças comuns da velhice: “Se escurecerem os que olham pelas janelas”, Eclesiastes 12.3. E tolice andar na visão dos nossos olhos, e permitir que nossos corações os acompanhem, quando nós sabemos que a morte em bre­ve os fechará, e não sabemos que incidente entre nós e a morte, pode vir a escurecê-los. Jacó, como seu pai antes dele, quando estava velho, enxergava mal. Observe que:(1) Aqueles que têm a honra da velhice devem contentar- se em carregar o peso dela. (2) Os olhos da fé podem ser muito claros, mesmo quando os olhos do corpo estão muito enevoados.

2. Jacó tinha muito carinho pelos filhos de José: Ele “beijou-os e abraçou-os”, v. 10. É comum que as pessoas de idade tenham um afeto especial por seus netos, talvez maior do que tiveram por seus próprios filhos, quando eram pequenos, fato para o qual Salomão fornece uma razão (Pv 17.6): “Coroa dos velhos são os filhos dos fi­lhos”. Com que satisfação Jacó diz aqui (v. 11): “Eu não cuidara ver o teu rosto (tendo, por muitos anos, conside­rado que José tivesse perecido). E eis que Deus me fez ver a tua semente também”. Veja aqui: (1) Como estes dois bons homens reconhecem a Deus em seus consolos. José diz (v. 9): “Eles são meus filhos, que Deus me tem dado - e, para engrandecer a graça, acrescenta - aqui”, neste lugar do meu exílio, da minha servidão e da minha prisão. Aqui Jacó diz, Deus me fez ver a tua semente. Nossos consolos são duplamente doces para nós, quando os vemos como vindos das mãos de Deus. (2) Com que freqüência Deus, nas Suas misericordiosas providências, supera as nossas expectativas, desta maneira engrande­cendo enormemente as Suas graças. Ele não somente impede os nossos temores, mas supera as nossas expec­tativas. Podemos aplicar isto à promessa que é feita a nós, e aos nossos filhos. Não poderíamos ter pensado que deveríamos, nós mesmos, ter sido levados ao con­certo com Deus, considerando quão culpados e corruptos somos. E ainda assim, eis que Deus nos mostrou a nossa semente também em uma aliança com Ele.

3. Antes de transmitir a sua bênção, Jacó conta as suas experiências da bondade de Deus para com ele. Ele tinha falado (v. 3) da aparição de Deus a ele. Estas visitas particulares da graça divina, e a comunhão especial que às vezes tivemos com Deus, nunca devem ser esquecidas. Mas (w. 15,16), ele menciona o cuidado constante que a divina Providência teve com ele, todos os seus dias. (1) O precioso Deus o sustentou, durante toda a sua longa vida, até este dia, v. 15. Observe que enquanto vivermos neste mundo, teremos a contínua experiência da bondade de Deus para conosco, fornecendo o sustento para a nossa vida natural. Nossos corpos pedem o alimento cotidiano, e não nos é dado pouco. Nunca nos falta o alimento de que precisamos. Aquele que nos alimenta durante toda a nossa vida, certamente não nos abandonará no final. (2) O Senhor, por intermédio do seu Anjo, o havia redimi­do de todo o mal, v. 16. Ele tinha conhecido uma grande quantidade de dificuldades em seus dias, mas Deus gra­ciosamente o tinha livrado do mal dos seus problemas. Agora que estava morrendo, ele se considerava redimido

de todo o mal, e dava um último adeus ao pecado e à tris­teza. Cristo, o Anjo do concerto, é aquele que nos livra de todo o mal, 2 Timóteo 4.18. Observe que: [1] Convém aos servos de Deus, quando estiverem velhos e próximos da morte, testemunhar a favor do Senhor nosso Deus, mostrando que o consideram gracioso. [2] As nossas experiências relativas à bondade de Deus por nós são aprimoráveis, tanto para o incentivo de outros, para que sirvam a Deus, quanto para o nosso encorajamento. As­sim devemos abençoá-los e orar por eles.

4. Quando ele concede a bênção e o nome de Abraão e Isaque aos filhos de José, ele lhes recomenda o padrão e o exemplo de Abraão e Isaque, v. 15. Ele chama o Senhor Deus de “Deus em cuja presença andaram os seus pais Abraão e Isaque”, isto é, o Deus em quem eles creram, a quem eles observaram e obedeceram, e com quem man­tiveram comunhão em ordenanças instituídas, segundo a condição do concerto. “Anda em minha presença”, cap. 17.1. Observe: (1) Aqueles que desejam herdar a bênção de seus santos ancestrais, e te r o benefício do concerto de Deus com eles, devem trilhar os passos da sua piedade.(2) O fato de Deus ser o Deus dos nossos pais deve nos recomendar a religião e o serviço a Deus. Além disso, os nossos pais se sentiam satisfeitos por andar na preciosa presença do Senhor.

5. Ao abençoá-los, Jacó cruza as mãos. José os posi­cionou de modo que a mão direita de Jacó fosse colocada sobre a cabeça de Manassés, o mais velho, w. 12,13. Mas Jacó desejou colocá-la sobre a cabeça de Efraim, o mais jovem, v. 14. Isto desagradou a José, que desejava man­ter a reputação do seu primogênito, e por tanto tentou remover as mãos de seu pai, w. 17,18. Mas Jacó lhe deu a entender que sabia o que estava fazendo, e que não o fazia por engano, nem por capricho, nem por um afe­to parcial a um, mais que a outro, mas pelo Espírito de profecia, de acordo com os conselhos divinos. Manassés seria grande, mas, na verdade, Efraim seria ainda maior. Quando as tribos foram contadas no deserto, a de Efraim era mais numerosa que a de Manassés, e recebeu o es­tandarte daquele esquadrão (Nm 1.32,33,35; 2.18,20), e é mencionado em primeiro lugar, Salmos 80.2. Josué per­tenceu àquela tribo, e também Jeroboão. A tribo de Ma­nassés foi dividida, uma parte de um lado do rio Jordão, e a outra parte do outro lado, o que a fez menos poderosa e considerável. Prevendo isto, Jacó cruzou suas mãos. Observe que: (1) Deus, ao conceder as suas bênçãos ao seu povo, dá mais a uns que a outros, mais dons, graças e consolos, e mais das boas coisas desta vida. (2) Ele fre­qüentemente dá mais àqueles que têm menos probabili­dades. Ele escolhe as coisas fracas do mundo. Levanta os pobres do pó. A graça não observa a ordem da natu­reza, nem Deus prefere aqueles que nós julgamos mais adequados para serem preferidos, mas Ele faz como lhe compraz. Devemos observar a freqüência com que Deus, pelos favores distintos do seu concerto, promoveu o mais jovem acima do mais velho, Abel acima de Caim. Sem acima de Jafé. Abraão acima de Naor e Harã. Isa­que acima de Ismael. Jacó acima de Esaú. Judá e José tiveram preferência acima de Rúben, Moisés acima de Arão, Davi e Salomão acima de seus irmãos mais velhos. Veja 1 Samuel 16.7. Ele obrigou os judeus a observaremo direito da primogenitura (Dt 21.17), mas Ele nunca se

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w. 1-4 GÊNESIS 49 212obrigou a observá-lo. Alguns entendem que isto é típico da preferência dada aos gentios, acima dos judeus. Os convertidos gentios foram muito mais numerosos que os dos judeus. Veja Gálatas 4.27. Assim, a graç-a livre torna- se mais admirável.

n Os sinais particulares do seu favor a José. 1. Ele o deixou com a promessa da sua saída do Egito, como algo sagrado que lhe era confiado: “Eis que eu morro, mas Deus será convosco e vos fará tornar”, v. 21. Da mesma maneira, José, ao morrer, deixou a mesma palavra com

seus irmãos, cap. 50.24. Esta certeza lhe foi dada, e cuida­dosamente preservada entre eles, para que não amassem demais o Egito quando ele os favorecia, nem o temessem demais quando ele os censurasse. Estas palavras de Jacó nos fornecem consolo com referência à morte de nossos amigos: Eles morrem. Mas Deus será conosco, e a sua gra­ciosa presença é suficiente para compensar a perda: eles nos deixam, mas Ele nunca nos deixará. Além disto, Ele nos trará à terra dos nossos pais, a Canaã celestial, para onde os nossos santos pais foram antes de nós. Se Deus estiver conosco enquanto permanecermos neste mundo, e nos receber, em breve, para estarmos com aqueles que foram antes de nós a um mundo melhor, não devemos la­mentar como aqueles que não têm esperança. 2. Ele lhe deu um pedaço de terra maior do que o dos seus irmãos, v. 22. As terras legadas são descritas como sendo as que ele tirou da mão dos amorreus com sua espada, e com seu arco. Ele as comprou primeiro (Js 24.32), e, aparentemen­te, viu-se destituído delas pelos amorreus, mas as retomou pela espada, repelindo a força pela força, e recuperando o seu direito pela violência, quando não poderia recuperá-lo de outra maneira. Estas terras ele concedeu a José: esta concessão é mencionada em João 4.5. Em conseqüência, esta parte de terra foi dada à tribo de Efraim como seu di­reito, e nunca se lançaram sortes sobre ela. E nela foram enterrados os ossos de José, o que talvez José desejasse mais do que qualquer outra coisa. Observe que, pode, às vezes, ser tanto justo como prudente, dar a alguns filhos uma herança maior que a dos outros. Mas uma sepultura é aquilo que mais podemos considerar como algo nosso, nesta terra.

C a p ítu lo 49Este capítulo é uma profecia. Semelhante a ela foi a de Noé, cap. 9.25, dentre outras. Jacó aqui está sobre seu leito de morte, fazendo seu testamento. Ele adiou isto até agora, porque as palavras dos homens que estão à beira da morte podem pro­vocar profundas impressões, e ser lembradas por muito tempo: o que ele disse aqui, não pôde dizer quando desejava, mas quando o Espírito lhe deu as palavras. Foi o Espírito que escolheu esta ocasião, para que a força divina pudesse ser aperfeiçoada na sua fraqueza. Os doze filhos de Jacó eram, naquela época, homens de renome, mas as doze tribos de Israel, que descenderam deles e tiveram seus no­mes, foram muito mais conhecidas. Nós lemos os seus nomes acima das portas da Nova Jerusalém,

Apocalipse 21.12. Na perspectiva disto, o seu pai, à morte, diz alguma coisa notável, sobre cada filho, ou sobre a tribo que teria o nome de cada um deles. Aqui temos: I. O prefácio, w. 1,2. II. A predição a respeito de cada tribo, w. 3-28. III. A repetição da recomendação a respeito de seu sepultamento, w. 29-32. IV A sua morte, v. 33.

A Profecia de Jacó a respeito de seus Filhosw. 1-4

Aqui temos:

I O prefácio à profecia, em que: 1. A congregação se reúne (v. 2): “Ajuntai-vos”. Que todos sejam cha­

mados, de suas diversas ocupações, para ver a seu pai morrer, e ouvir as suas últimas palavras. E ra um consolo para Jacó, agora que estava morrendo, ver todos os seus filhos à sua volta, e nenhum deles faltando, embora ele tivesse, algumas vezes, se julgado desfilhado. E ra bené­fico para eles que estivessem com ele nos seus últimos momentos, para que pudessem aprender com ele como morrer, além de como viver. O que ele disse a cada um deles, disse diante de todos os demais. Pois nós podemos nos beneficiar com as repreensões, os conselhos e os con­solos que se destinam, principalmente, a outros. O fato de que ele os chame, repetidas vezes, para que se ajun­tem, indicava tanto um preceito, para que se unissem em amor (para que ficassem juntos, não se misturassem com os egípcios, não abandonassem as suas reuniões) e também uma predição de que eles não deviam ser sepa­rados, uns dos outros, como foram os filhos de Abraão e de Isaque, mas deviam unir-se, e formar um único povo.2. Uma idéia geral é dada, sobre o discurso pretendido (v. 1): “Anunciar-vos-ei o que vos há de acontecer (não às suas pessoas, mas às suas descendências) nos derradei­ros dias”. Esta predição seria útil para os que viessem depois deles, para a confirmação da sua fé e a orientação no seu caminho, no seu retorno a Canaã e no seu assen­tamento ali. Não podemos dizer aos nossos filhos o que lhes acontecerá, ou às suas famílias, neste mundo. Mas podemos dizer-lhes, com base na Palavra de Deus, o que lhes irá acontecer no derradeiro dia, conforme se condu­zirem neste mundo. 3. Ele pede atenção (v. 2): “Ouvi a Is­rael, vosso pai”. Permitam que Israel, que prevaleceu na presença do grande Deus, convença vocês. Observe que os filhos devem ouvir diligentemente o que seus santos pais lhes dizem, particularmente quando estão morren­do. “Ouvi, filhos, a correção do pai”, que traz com ela a autoridade e o afeto, Provérbios 4.1.

n A profecia a respeito de Rúben. Ele começa com Rúben (w. 3,4), porque era o primogênito. Mas, por cometer impurezas com a esposa de seu pai, para grande censura da família, à qual ele devia ter sido um exemplo, ele tinha perdido as prerrogativas do direito da primoge-

nitura. E o seu pai moribundo aqui solenemente o rebaixa, embora não o renegue nem o deserde - ele terá todos os privilégios de um filho, mas não os de um primogênito. Nós temos razões para pensar que Rúben tinha se arre­pendido do seu pecado, e tinha sido perdoado. No entanto,

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213 GÊNESIS 49 w. 5-7era necessário fazer justiça, por abominação à vilania, e como advertência a outros, e colocar este sinal de desgra­ça sobre ele. Em conformidade com o método de rebai­xamento: 1. Jacó aqui coloca sobre ele os ornamentos da primogenitura (v. 3), para que ele e todos os seus irmãos pudessem ver o que ele tinha perdido e, nisto, pudessem ver o mal do pecado: sendo o primogênito, ele era a alegria do seu pai, quase o seu orgulho, uma vez que era o princí­pio do seu vigor. Seu nome indica como ele foi bem vindo a seus pais, Rúben - Vejam, um filho. A ele pertencia a excelência da dignidade acima de seus irmãos, além de al­gum poder sobre eles. Cristo Jesus é o primogênito entre muitos irmãos, e a Ele, por direito, pertencem o poder e a dignidade mais excelentes: a sua igreja, também, por meio dele, é uma igreja de primogênitos. 2. Então ele o despe destes ornamentos (v. 4), levanta-o, para poder derrubá- lo, com uma única frase: “Não serás o mais excelente”. Você terá uma existência, como uma tribo, mas não uma excelência. Nenhum juiz, nem profeta, nem príncipe, é en­contrado entre os daquela tribo, nem nenhuma pessoa de renome, exceto Datã e Abirão, que foram conhecidos pela sua ímpia rebelião contra Moisés. Esta tribo, como não visava a excelência, simplesmente escolheu um assenta­mento do outro lado do Jordão. O próprio Rúben parecia ter perdido toda aquela influência sobre os seus irmãos, que o seu direito de primogenitura lhe dava. Pois quando ele falava com eles, eles não o ouviam, cap. 42.22. Aqueles que não têm conhecimento nem uma atitude digna para suportar as honras e os privilégios do seu nascimento, logo os perderão, e conservarão somente os seus nomes. A característica atribuída a Rúben, motivo pelo qual ele estava sob esta marca de infâmia, era o fato de que ele era inconstante como a água. (1) A sua virtude era instável. Ele não tinha o controle de si mesmo, e dos seus próprios desejos: algumas vezes ele conseguia ser muito regular e ordenado, mas em outras ocasiões tomava os caminhos mais loucos. Observe que a inconstância é a ruína da ex­celência dos homens. Os homens não têm sucesso porque não são constantes. (2) A sua honra, conseqüentemente, era instável. Ela se afastava dele, desaparecia na fumaça, e tornava-se como a água derramada no solo. Observe que aqueles que desperdiçam a sua virtude não devem esperar salvar a sua reputação. Jacó o acusa, particularmente, do pecado pelo qual ele se destruiu desta maneira: “Subiste ao leito de teu pai”. Fazia quarenta anos que ele tinha sido culpado deste pecado, no entanto, agora isto é lembrado contra ele. Observe que assim como o tempo não apaga por si só a culpa de nenhum pecado da consciência, tam­bém existem alguns pecados cujas manchas ninguém po­derá apagar do seu bom nome, especialmente os pecados conta o sétimo mandamento. O pecado de Rúben deixou uma marca indelével de infâmia sobre sua família, uma desonra que era uma ferida que não poderia ser curada sem deixar uma cicatriz, Provérbios 6.32,33. Que nunca façamos o mal, e nunca precisaremos temer ouvir nada a este respeito.

w. 5-7Estes eram os seguintes em idade, depois de Rúben,

e também tinham sido uma tristeza e uma vergonha para Jacó, quando de modo traiçoeiro e bárbaro destruíram os

siquemitas, e aqui ele os lembra disto. Os filhos devem temer incorrer no desprazer de seus pais, para que não recebem o pior por isto, muito tempo depois, e, para que, quando deviam herdar a bênção, não sejam rejeitados. Observe: 1. A personalidade de Simeão e Levi: Eles eram irmãos, em disposição. Mas, diferentemente de seu pai, eram apaixonados e vingativos, violentos e incontroláveis. Suas espadas, que deveriam ter sido somente armas de defesa, eram (como lemos na anotação de margem de al­gumas versões da Bíblia Sagrada em inglês, v. 5) “instru­mentos de violência”, para causar o mal a outros, e não para salvá-los do mal. Observe que não é novidade que o temperamento dos filhos seja muito diferente do dos seus pais. Não devemos achar isto estranho: assim era na famí­lia de Jacó. Os pais não têm o poder, nem pela educação, de formar as disposições de seus filhos. Jacó criou os seus filhos para tudo o que era manso e tranqüilo, mas ainda assim eles se mostraram tão furiosos. 2. Uma prova disto é o assassinato dos siquemitas, de que Jacó se ressentiu profundamente naquela época (cap. 34.30), e aqui ainda se ressente. Eles mataram um homem, o próprio Siquém, e muitos outros. E, para fazer isto, derrubaram um muro, invadiram casas para saqueá-las, e assassinaram todos os varões. Observe que os melhores governantes nem sem­pre conseguem impedir os que estão subordinados a eles de cometer as piores vilanias. E quando dois, em uma fa­mília, têm más intenções, normalmente um torna ao outro pior, e seria sábio separá-los. Simeão e Levi provavelmen­te foram os mais ativos no mal feito a José, fato a que al­guns pensam que Jacó se refere aqui. Pois na sua ira, eles poderiam ter assassinado aquele homem. Observe quão prejudicial é a obstinação nos jovens: Simeão e Levi não aceitaram ser aconselhados pelo seu pai idoso e experien­te. Não. Eles preferiram ser governados pela sua própria paixão, e não pela prudência de seu pai. Os jovens deve­riam se preocupar mais com os seus próprios interesses, e menos com a satisfação da sua própria vontade. 3. Os protestos de Jacó contra este bárbaro ato dos dois filhos: “No seu secreto conselho, não entre minha alma”. Aqui ele declara não somente a sua aversão a tais práticas, de modo geral, mas também a sua inocência particularmente nesta questão. Talvez ele tivesse sido alvo de suspeitas, como cúmplice secreto. Por isto ele aqui expressa solene­mente a abominação que tem pelo fato, pois ele não po­deria morrer sob tal suspeita. Observe que a nossa alma é nossa honra. Pelos seus poderes e faculdades nós nos diferenciamos, e somos dignificados acima dos animais que perecem. Observe, além disto, que nós devemos, do fundo do nosso coração, detestar e abominar toda asso­ciação e união com homens sanguinários e perversos. Não devemos ter ambições de compartilhar de seus segredos, nem de conhecer as profundezas de Satanás. 4. Seu ódio a estes desejos sensuais que os levaram a esta perversida­de: “Maldito seja o seu furor”. Ele não amaldiçoa as suas pessoas, mas os seus desejos. Observe que: (1) A ira é a causa e a origem de uma grande quantidade de pecado, e nos deixa expostos à maldição de Deus e ao seu julgamen­to, Mateus 5.22. (2) Devemos, sempre, nas expressões do nosso zelo, cuidadosamente distinguir entre o pecado e o pecador, de modo a não amai- nem abençoar o pecado por causa da pessoa, e nem odiar nem amaldiçoar a pessoa, por causa do pecado. 5. Um sinal de desagrado ao qual

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w. 8-12 GÊNESIS 49 214ele prediz que as suas descendências serão submetidas, por causa disto: “Eu os dividirei”. Os levitas dispersaram- se por todas as tribos. As terras de Simeão não ficavam próximas, e eram tão pequenas que muitos da tribo foram forçados a se dispersar, buscando um local para viver e as condições de subsistência. Esta maldição, posteriormen­te, transformou-se em uma bênção para os levitas. Mas a maldição dos simeonitas, pelo pecado de Zinri (Nm 25.14), permaneceu. Observe que dispersões vergonhosas são a justa punição por uniões pecaminosas.

w. 8-12Coisas gloriosas são ditas aqui sobre Judá. A men­

ção dos crimes dos seus três filhos mais velhos não ti­nha tirado o bom humor do patriarca à morte, a ponto de que ele não tivesse uma bênção preparada para Judá, a quem pertenciam as bênçãos. O nome Judá significa louvor, e aludindo a isto Jacó diz: “A ti te louvarão os teus irmãos”, v. 8. Deus foi louvado por causa dele (cap. 29.35), louvado por ele, e louvado nele. E por isto seus irmãos iriam louvá-lo. Observe que aqueles que são um louvor para Deus deverão ser o louvor de seus irmãos. Aqui está profetizado que: 1. A tribo de Judá seria vito­riosa e bem sucedida na guerra: “A tua mão será sobre o pescoço de seus inimigos”. Isto se cumpriu em Davi, Salmos 18.40.2. Ela seria superior às demais tribos. Não somente por ser, por si só, mais numerosa e ilustre, mas por ter um domínio sobre as outras: “Os filhos de teu pai a ti se inclinarão”. Judá era o legislador, Salmos 60.7. Aquela tribo liderou a caravana pelo deserto, e na con­quista de Canaã, Juizes 1.2. As prerrogativas do direito de primogenitura, que Rúben tinha perdido, a excelência de dignidade e poder, foram, deste modo, conferidas a Judá. seus irmãos se inclinarão diante de você, e ainda irão louvar você, considerando-se felizes por terem um comandante tão sábio e corajoso. Observe que a honra e o poder são, então, uma bênção para aqueles que os possuem, quando não são alvos de ressentimentos e in­veja, mas sim louvados e aplaudidos, tendo a submissão voluntária dos demais. 3. Seria uma tribo forte e corajo­sa, qualificada, deste modo, para comandar e conquistar: “Judá é um leãozinho”, v. 9. O leão é o rei dos animais, o terror da floresta quando ruge. Quando domina a sua presa, não é possível resistir a ele. Quando se levanta da presa, ninguém ousa persegui-lo para vingá-la. Com isto, está predito que a tribo de Judá se tornaria formidável, e não somente obteria grandes vitórias, mas pacificamen­te e tranqüilamente aproveitaria o que fosse obtido com tais vitórias - eles fariam a guerra, não por amor à guer­ra, mas em benefício da paz. Judá não é comparado a um leão descontrolado, sempre violento, sempre enfurecido, sempre vagando. Mas a um leão deitado, que desfruta a satisfação do seu poder e sucesso, sem causar irritação a outros: isto é ser verdadeiramente grande. 4. Ela seria a tribo real, e a tribo da qual descenderia o Messias, o Príncipe: “O cetro não se arredará de Judá... até que ve­nha Süó”, v. 10. Jacó aqui prevê e prediz: (1) Que o cetro viria da tribo de Judá, o que se cumpriu em Davi, em cuja família a coroa foi estabelecida. (2) Que Siló seria desta tribo - a sua semente, aquela semente prometida, em quem a terra seria abençoada. Aquela pessoa pací­

fica e próspera, ou o Salvador, como traduzem outros, virá de Judá. Desta maneira, Jacó, à morte, a uma gran­de distância, viu o dia de Cristo, e isto foi seu consolo e apoio no seu leito de morte. (3) Que depois da vinda do cetro à tribo de Judá, ele permaneceria naquela tribo, pelo menos para governar à própria tribo, até a vinda do Messias, a quem - como o Rei da igreja, e o Grande Sumo Sacerdote - seria adequado que tanto o sacerdócio quanto a realeza convergissem. Até o cativeiro, durante todo o tempo, desde o tempo de Davi, o cetro esteve em Judá, e conseqüentemente os governadores da Judéia pertenciam àquela tribo, ou à dos levitas que se uniram a ela (o que era equivalente), até que a Judéia se tor­nasse uma província do império romano, justamente à época do nascimento do nosso Salvador, e nesta época fosse alistada como uma das províncias, Lucas 2.1. E por ocasião da morte de Cristo, os judeus reconheceram expressamente: “Não temos rei, senão o César”. Conse­qüentemente, aqui está a dedução inevitável, contra os judeus, de que o nosso Senhor Jesus é aquele que viria, e que assim sendo não devemos procurar nenhum outro. Pois Ele veio exatamente na ocasião indicada. Muitos escritores excelentes foram admiravelmente bem suce­didos na explicação e exemplificação desta famosa pro­fecia a respeito de Cristo. 5. Esta tribo seria uma tribo muito produtiva, especialmente porque teria abundância de leite para os bebês, e vinho para alegrar o coração dos homens fortes (w. 11,12) - vinhas tão comuns nas sebes, e tão fortes, que eles poderiam am arrar seus jumentos a elas, e tão frutíferas que eles poderiam carregá-los a partir delas - um vinho tão abundante quanto a água, de modo que os homens daquela tribo seriam muito sau­dáveis e joviais, seus olhos seriam vivazes e brilhantes, e seus dentes seriam brancos. Muito do que aqui está escrito, a respeito de Judá, deve ser aplicado ao nosso Senhor Jesus. (1) Ele é o governante de todos os filhos do seu Pai, e aquele que derrota todos os inimigos de seu Pai. E Ele é aquele que é o louvor de todos os santos.(2) Ele é o Leão da tribo de Judá, como é chamado, com referência a esta profecia (Ap .5.5), que, tendo despojado os principados e as potestades, subiu como um vencedor, e deitou-se de modo que ninguém pode movê-lo, quando se assentou à direita do Pai. (3) A Ele pertence o cetro. Ele é o legislador, e a Ele se congregarão os povos, comoo Desejado de todas as nações (Ag 2.7), que, sendo levan­tado da terra, atrairá todos os homens a si mesmo (Jo 12.32), e em quem os filhos de Deus que estão dispersos se reunirão, como o Centro da sua união, João 11.52. (4) Nele há abundância de tudo aquilo que alimenta e revi­gora a alma, e que preserva e alegra a vida divina que está na alma. Nele podemos ter vinho e leite, as riquezas da tribo de Judá, sem dinheiro e sem preço, Isaías 55.1.

w. 13-21Aqui temos a profecia de Jacó a respeito de seis dos

seus filhos.

I A respeito de Zebulom (v. 13), que sua descendência habitaria junto ao mar, e seriam comerciantes, e ma­rinheiros no mar. Esta promessa se cumpriu quando, du­

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215 GÊNESIS 49 w. 13-21zentos ou trezentos anos mais tarde, a terra de Canaã foi dividida por sorteio, e a fronteira de Zebulom alcançouo mar, Josué 19.11. Se eles tivessem escolhido os seus lotes, ou se Josué os tivesse indicado, poderíamos supor que isto tivesse sido feito com o propósito de cumprir as palavras de Jacó. Mas tendo sido feito por sorteio, fica evidente que a divisão tinha sido ordenada divinamente, e Jacó tinha sido divinamente inspirado. Observe que o sorteio da providência de Deus está em perfeito acordo com o plano do conselho de Deus, como uma cópia exata do original. Se a profecia diz: “Zebulom... será como por­to dos navios”, a Providência assim o instalará. Observe que: 1. Deus determina os limites da nossa habitação.2. É sábio, e é nosso dever, nos adaptarmos às nossas terras e aproveitá-las. Se Zebulom habitar no porto dos mares, que ele seja um porto de navios.

n A respeito de Issacar, w. 14,15.1. Que os homens desta tribo seriam fortes e trabalhadores, ade­

quados para o trabalho, e desejosos de trabalhar, par­ticularmente no ofício de lavrador, como o jumento, que pacientemente carrega a sua carga e, acostumando-se a isto, a torna mais fácil. Issacar se submeteria a dois fardos, a lavoura e os tributos. E ra uma tribo que se es­forçava, e, como conseqüência, prosperando, tinha que pagar arrendamentos e impostos. 2. Que eles seriam in­centivados, no seu trabalho, pela generosidade da terra que lhes caberia por sorteio. (1) “Viu ele que o descanso era bom”. Observe que o trabalho do lavrador realmen­te é um descanso, em comparação com o dos soldados e marinheiros. As pressões e os perigos nesta ativida­de são tais que aqueles que esperam em casa, mesmo que trabalhando incansavelmente, não têm motivos para invejá-los. (2) Ele viu “que a terra era deliciosa”, agradá­vel, fornecendo não somente paisagens agradáveis para encantar os olhos dos curiosos, mas frutos agradáveis para recompensar seus esforços. Muitos são os prazeres de uma vida no campo, abundantemente suficientes para compensar os seus inconvenientes, se apenas pudermos nos condicionar a pensar assim. Issacar, em vista dos benefícios, curvou seus ombros, para a carga: Nós de­vemos, com os olhos da fé, ver que o descanso celestial é bom, e que a terra da promessa é agradável. E isto tor­nará fáceis os nossos trabalhos atuais, e nos incentivará a curvarmos nossos ombros para eles.

A respeito de Dã, w. 16,17. O que é dito a res­peito de Dã, tem referência: 1. Àquela tribo,

de modo geral, pois embora Dã fosse um dos filhos das concubinas, ainda assim seria uma tribo governada por juizes da sua própria tribo, assim como de outras, e iria, com habilidade, e política, e surpresa, obter vantagens contra seus inimigos, como uma serpente que de repente morde os calcanhares do viajante. Observe que na Israel espiritual de Deus, não existe distinção entre servos ou livres, Colossenses 3.11. Dã será incluído, por um direi­to tão legítimo quanto o de qualquer das outras tribos. Observe, além disto, que alguns, como Dã, podem ser excelentes na sutileza da serpente, assim como outros, como Judá, na coragem do leão. E ambos podem prestar bons serviços à causa de Deus contra os cananeus. Ou, isto pode referir-se: 2. A Sansão, que pertencia a esta

tribo, e julgou Israel, isto é, libertou-a das mãos dos filis­teus, não como os demais juizes, combatendo-os no cam­po, mas por meio das irritações e aborrecimentos que ele lhes provocou, sorrateiramente: Quando ele fez ruir a casa sobre cujo telhado estavam os filisteus, ele fez com que o tiro saísse pela culatra.

Desta maneira, Jacó prosseguia com seu discurso. Mas agora, estando quase exausto de falar, e prestes a desfalecer e morrer, ele se alivia com estas palavras, que estão registradas como em um parêntesis (v. 18): “A tua salvação espero, ó Senhor!” - como aqueles que estão desfalecendo são socorridos, tomando uma colherada de remédio, ou cheirando um frasco de perfume. Ou, se ele precisasse partir aqui, e o seu fôlego não lhe fosse sufi­ciente para concluir o que pretendia, com estas palavras ele entrega a sua alma no seio do seu Deus, e expira. Observe que as emissões piedosas de uma forte e vívida devoção, embora às vezes possam parecer incoerentes, nem por isto devem ser criticadas, como impertinentes. Aqui se expressa com sentimentos aquilo que não surge metodicamente. Não é absurdo, quando estamos falan­do com os homens, erguer nossos corações a Deus. A salvação pela qual ele esperava, era Cristo, a semente prometida, de quem ele tinha falado, v. 10. Agora que ele iria ser reunido ao seu povo, ele espera aquele em torno de quem este povo será congregado. A salvação pela qual ele esperava também era o céu, a pátria melhor, que ele declarou buscar repetidas vezes (Hb 11.13,14), e continu­ava procurando, agora que estava no Egito. Agora que ele vai desfrutar da sua salvação, ele se consola com o fato de ter esperado pela salvação. Observe que é carac­terístico de um santo que está vivo, que ele espere pela salvação do Senhor. Cristo, como nosso caminho para o céu, deve ser servido. E o céu, como o nosso descanso em Cristo, deve ser esperado. É o consolo de um santo à morte ter esperado, desta maneira, pela salvação do Se­nhor. Pois então ele receberá aquilo que estava esperan­do - aquilo que foi esperado por tanto tempo, chegará,

A respeito de Gade, v. 19. Jacó faz alusão ao seu nome, que significa exército ou tropa, preven­

do o caráter desta tribo, que seria uma tribo guerreira, e lemos que assim foi (1 Cr 12.8). Os gaditas eram ho­mens de guerra, preparados para a batalha. Ele prevê que a localização desta tribo, do outro lado do Jordão, iria expô-la às incursões dos seus vizinhos, os moabitas e amonitas. E, para que não se orgulhassem da sua força e coragem, ele prediz que as tropas dos inimigos iriam derrotá-los em muitos conflitos. Mas ainda assim, para que não desanimassem pelas derrotas, ele lhes garante que venceriam no final, o que seria cumprido no tempo de Saul e Davi, quando os moabitas e amonitas foram completamente subjugados. Veja 1 Crônicas 5.18ss. Ob­serve que a causa de Deus e do seu povo, embora possa parecer, por algum tempo, frustrada e destruída, ainda assim será vitoriosa, no final. Vincimur in praelio, sed «o» in bello - Ser derrotado em uma batalha, vão signi­fica ser derrotado na guerra. A graça que está na alma freqüentemente combate contra os seus conflitos. As tro­pas da corrupção muitas vezes a derrotam, mas como a causa é de Deus, a graça surgirá, no final, vencedora. Na verdade, ela será mais que vencedora, Romanos 8.37.

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w. 22-27 GÉNESIS 49 216

V A respeito de Aser (v. 20), que seria uma tribo mui­to rica, abastecida não somente com o pão neces­sário, mas com abundância, guloseimas, “delícias reais”

(pois até o rei se serve do campo, Eelesiastes 5.9), e estes produtos seriam exportados de Aser a outras tribos, tal­vez a outras terras. Observe que o Deus da natureza nos fornece não somente o que é necessário, mas também delícias, para que possamos chamá-lo de um benfeitor generoso. Mas, embora todos os lugares sejam compe­tentemente abastecidos com o que é necessário, somente alguns lugares produzem delícias. O trigo é mais comum do que as especiarias. Se o que sustenta a luxúria fosse tão universal como o que sustenta a vida, o mundo seria pior do que é, e não precisa ser assim.

VT A respeito de Naftali (v. 21), uma tribo que traz Jt lutas no seu nome. Significa luta, e a bênção a ele transmitida significa vitória; “é uma cerva solta”.

Embora não encontremos esta predição tão plenamen­te cumprida nos acontecimentos, como algumas das de­mais, ainda assim, sem dúvida, provou ser verdadeira, pois os membros desta tribo eram: 1. Como a cerva amo­rosa (pois este é o seu epíteto, Provérbios 5.19), amistosa e cortês, uns com os outros, e com as demais tribos. A sua convivência é admiravelmente gentil e carinhosa. 2. Como cerva solta, zelosa pela sua liberdade. 3. Como a cerva veloz (SI 18.33), rápida na realização dos trabalhos. E talvez: 4. Como a cerva trêmula, temerosa em tempos de perigo público. É raro que aqueles que são mais cor­diais com os seus amigos sejam mais formidáveis com os seus inimigos. 5. Que eles seriam afáveis e educados, com linguagem refinada e simpática, com palavras agradá­veis. Observe que na Israel de Deus existe uma grande variedade de temperamentos, contrários entre si, mas todos contribuindo para a beleza e a força do corpo, Judá como um leão, Issacar como um jumento, Dã como uma serpente, Naftali como uma cerva. Que aqueles que têm dons e temperamentos diferentes não censurem uns aos outros, não invejem uns aos outros, entendendo que to­dos podem ter posições e aspectos diferentes.

w. 22-27Jacó conclui com as bênçãos aos seus filhos mais

amados, José e Benjamim. Então, ele dará o seu úl­timo suspiro.

I A bênção de José, que é muito longa e abrangente. Ele é comparado (v. 22) a um ramo frutífero, ou uma árvore jovem. Pois Deus o fez frutífero na terra da sua

aflição. Ele reconhecia isto, cap. 41.52. Seus dois filhos eram como os ramos de uma vinha, ou outra planta que se espalha correndo sobre o muro. Observe que Deus pode tornar frutíferos - além de grandes consolos a si mesmos e a outros - aqueles que foram considerados se­cos e murchos. Há mais registros na história, a respeito de José, do que a respeito de qualquer outro dos filhos de Jacó. E por isto o que Jacó diz sobre ele é histórico, além de profético. Observe:

1. As providências de Deus, a respeito de José, w.2-3,24. Estas são mencionadas para a glória de Deus,

e para o incentivo da fé e da esperança de Jacó, de que Deus tinha bênçãos reservadas para a sua semente. Ob­serve aqui: (1) As dificuldades e os problemas de José, v. 23. Embora agora ele vivesse tranqüilamente e com hon­ra, Jacó o lembra das dificuldades que ele tinha atraves­sado anteriormente. Ele tinha tido muitos inimigos, aqui chamados de flecheiros, homens talentosos para fazer o mal, mestres na sua arte de perseguição. Eles o odiavam- assim começa a perseguição. Eles atiraram seus dardos venenosos sobre ele, e assim o feriram amargamente. Seus irmãos, na casa de seu pai, foram muito rancorosos contra ele, zombaram dele, despiram-no, ameaçaram-no, venderam-no, julgaram que o tinham matado. A sua se­nhora, na casa de Potifar, o entristeceu amargamente, e o feriu, quando, atrevidamente, atacou a sua castidade (as tentações são como dardos ardentes, espinhos na carne, sofrimentos amargos para as almas graciosas). Vendo que não teve sucesso nisto, ela o odiou, e o feriu com suas fal­sas acusações, flechas contra as quais há pouca proteção, exceto o controle que Deus tem sobre as consciências dos piores homens. Sem dúvida, ele tinha inimigos na corte de Faraó, cjue invejavam a sua posição, e procuravam miná-lo. (2) A força e o sustento de José, sob todas estas dificuldades (v. 24): “Seu arco... susteve-se no forte”, isto é, a sua fé não fracassou, mas ele conservou seu terreno e saiu vencedor. “Os braços de suas mãos foram fortaleci­dos”, isto é, as suas outras graças fizeram a sua parte, a sua sabedoria, a sua coragem e a sua paciência, que são melhores do que armas de guerra. Em resumo, ele con­servou tanto a sua integridade quando o seu consolo, em meio a todas as suas tentações. Ele suportou todas as suas cargas, com uma resolução invencível, e não afundou sob o peso delas, nem fez qualquer coisa inadequada a ele. (3) A origem e a fonte da sua força: As mãos do Deus Todo- poderoso, as “mãos do Valente de Jacó”, que foram capa­zes de fortalecê-lo. O Deus de Jacó tinha uma aliança com ele, e, portanto, estava preocupado em ajudá-lo. Toda a nossa força para resistir às tentações, e suportar as afli­ções, vem de Deus: a sua graça é suficiente, e a sua força é aperfeiçoada na nossa fraqueza. (4) A posição de honra e proveito à qual ele foi, posteriormente, promovido: Des­de então (deste estranho método da providência), ele se tornou o pastor e a pedra, aquele que alimenta e sustenta, o Israel de Deus, Jacó e a sua família. Nisto, José foi um tipo: [1] De Cristo. Ele foi ferido e odiado, mas suportou todos os seus sofrimentos (Is 50.7-9), e posteriormente foi promovido para ser o pastor e a pedra. [2] Da igreja em geral, e dos crentes, em particular. O inferno atira suas flechas contra os santos, mas o Céu os protege e fortalece, e irá coroá-los.

2. As promessas de Deus a José. Veja como elas se relacionam com o que lemos antes: “Pelo Deus de teu pai, o qual te ajudará”, v. 25. Observe que as nossas experi­ências do poder e da bondade de Deus, ao nos fortalecer, até agora, são o nosso encorajamento para ainda termos esperança de recebermos a ajuda dele. Aquele que nos ajudou, irá nos ajudar. Nós podemos edificar muitas coi­sas sobre os nossos “Ebenézers”. Veja o que José podia esperar do Todo-poderoso, o Deus de seu pai. (1) Ele te ajudará, nas dificuldades e nos perigos que ainda pos­sam estar diante de ti, e ajudará a tua semente nas suas guerras. Dele descendeu Josué, que foi comandante nas

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217 GÊNESIS 49 w. 28-33guerras de Canaã. (2) Ele te abençoará. E Ele só aben­çoa de verdade. Jaeó pede uma bênção para José, mas o Deus de Jacó ordena a bênção. Observe as bênçãos con­feridas sobre José. [1] Bênçãos variadas e abundantes: As “bênçãos dos céus de cima” (a chuva, na sua época, eo tempo bom, na sua época, e as influências benignas dos seres celestiais conforme as ordens de Deus); “bênçãos do abismo que está debaixo” desta terra, que, compara­do com o mundo superior, é apenas um grande abismo, com minas e nascentes subterrâneas. As bênçãos espiri­tuais são as bênçãos dos céus de cima, que nós devemos desejar e buscar em primeiro lugar, e às quais devemos dar a preferência. Ao passo que as bênçãos temporais, as desta terra, devem ser estimadas, porém não devem estar em primeiro lugar. As “bênçãos dos peitos e da ma­dre” são dadas quando os filhos nascem em segurança e são confortavelmente alimentados. Na Palavra de Deus, pela qual nós nascemos de novo e somos criados de novo (1 Pe 1.23; 2.2), há, para o novo homem, bênçãos dos pei­tos e da madre. [2] Bênçãos eminentes e transcendentes, que excederão as bênçãos dos meus pais, v. 26. Seu pai Isaque tinha uma única bênção, e, depois de dá-la a Jacó, não tinha uma bênção para conceder a Esaú. Mas Jacó tem uma bênção para cada um de seus doze filhos, e ago­ra, no final, uma bênção copiosa para José. A grande bên­ção transmitida sobre aquela família era o crescimento. Esta grande bênção não acompanhou - de maneira tão imediata e tão notável - as bênçãos que Abraão e Isaque deram aos seus filhos, como acompanhou a bênção que Jacó deu aos seus filhos. Pois, logo depois da sua morte, eles se multiplicaram muito. [3] Bênçãos duradouras e extensas: ‘Até à extremidade dos outeiros eternos”, in­cluindo toda a produção dos outeiros mais frutíferos, e tão duradouras quanto eles, Isaías 54.10. Observe que as bênçãos do Deus eterno incluem as riquezas dos ou­teiros eternos, e muito mais. Bem, sobre estas bênçãos, aqui está escrito: Elas estarão. Então fica claro que se trata de uma promessa. Talvez o significado seja o de um desejo que aqui está sendo expressado: que elas este­jam. Deste modo, esta pode ser considerada uma oração a favor de José, para que as bênçãos sejam como uma coroa para adornar a sua cabeça, e um elmo para prote­gê-la. José foi separado de seus irmãos (esta é a nossa interpretação) durante algum tempo. Mas, segundo a interpretação de outros, ele era um nazireu entre seus irmãos, melhor e mais excelente que eles. Observe que não é novidade que os melhores homens encontrem os piores tratamentos, como os nazireus, entre seus irmãos, para serem expulsos e separados de seus irmãos. Mas a bênção de Deus fará a compensação para eles.

n A bênção de Benjamim (v. 27): Ele “é lobo que despedaça”. Fica claro que Jaeó era orientado, no que dizia, por um espírito profético, e não pelo afeto natural. Caso contrário, ele teria se referido com mais ternura ao seu amado filho Benjamim, a cujo respeito

ele somente prevê e prediz que a sua descendência seria uma tribo guerreira, forte e ousada, e que eles enrique­ceriam com os despojos dos inimigos - que eles seriam ativos e ocupados no mundo, e uma tribo mais temida pelos seus vizinhos do que qualquer outra: “Pela manhã, comerá a presa e, à tarde, repartirá o despojo”. Ou, nos

primeiros tempos de Israel, eles seriam famosos pela sua atividade, embora muitos deles fossem canhotos, Juizes 3.15; 20.16. Eúde, o segundo juiz, e Saul, o primei­ro rei, pertenciam a esta tribo. E também nos últimos tempos, Ester e Mardoqueu, que destruíram os inimigos dos judeus, pertenciam a esta tribo. Os benjamitas fo­ram como lobos, quando abraçaram desesperadamente a causa dos homens de Gibeá, aqueles homens de Belial, Juizes 20.14. O abençoado Paulo pertencia a esta tribo (Rm 11.1; Fp 3.5). E, na manhã do seu dia, ele devorou a presa, como um perseguidor, mas, à tarde, dividiu os despojos, como um pregador. Observe que Deus pode servir aos seus próprios objetivos, pelos diferentes tem­peramentos dos homens. Aquele que engana, e aquele que é enganado, são seus.

A Morte de Jaców. 28-33

Aqui temos:

I O resumo das bênçãos sobre os filhos de Jacó, v. 28. Embora Rúben, Simeão e Levi estivessem sob as

marcas do descontentamento do seu pai, ainda assim está escrito que Jacó abençoou a cada um deles segundo a sua bênção. Pois nenhum deles foi rejeitado, como foi Esaú. Observe que quaisquer que sejam as censuras da Palavra ou da providência de Deus sob as quais nos encontrarmos- em qualquer ocasião, enquanto estivermos interessados no concerto de Deus, em ter um lugar e um nome entre o seu povo, e boas esperanças de uma participação na Ca­naã celestial - devemos nos considerar abençoados.

n A solene incumbência que Jacó lhes deu, a res­peito do seu sepultamento, que é uma repetição daquilo que tinha dito anteriormente a José. Veja como ele fala da morte, agora que está morrendo: “Eu me con­grego ao meu povo”, v. 29. Observe que é bom descrever

a morte, a nós mesmos, com imagens desejáveis, para que o terror dela possa ser removido. Embora ela nos separe dos nossos filhos, e do nosso povo neste mundo, ela nos une aos nossos pais, e ao nosso povo, no outro mundo. Talvez Jacó utilize esta expressão a respeito da morte, como um motivo pelo qual seus filhos deveriam sepultá-lo em Canaã. Pois, diz ele: “Eu me congrego ao meu povo”, a minha alma deve ir para junto dos espíritos dos homens justos, aperfeiçoados: portanto, sepultai-me, com meus pais, Abraão e Isaque, e suas esposas”, v. 31. Observe que: 1. Seu coração desejava muito isto, não tanto por um afeto natural à sua terra natal, quanto por um princípio de fé na promessa de Deus, de que Canaã seria a herança da sua semente, no devido tempo. Desta maneira, ele conservaria em seus filhos uma lembrança da terra prometida, e não somente manteriam renovado o conhecimento que tinham dela, através de uma viagem para lá, nesta ocasião, mas o seu desejo e a sua expecta­tiva quanto à terra prometida seriam preservados. 2. Ele é muito detalhista, ao descrever o lugar, tanto pela sua localização, quanto pela compra que Abraão tinha feito, como sepulcro, w. 30,32. Ele teme que os seus filhos, de­pois de dezessete anos peregrinando no Egito, tivessem

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w. 1-6 GÊNESIS 50 218se esquecido de Canaã, e também do sepulcro de seus ancestrais ali, ou que os cananeus disputassem o seu tí­tulo de direito ao sepulcro. Por isto ele especifica a sua localização, desta maneira tão minuciosa, e a sua compra, mesmo quando está à beira da morte, não somente para evitar enganos, mas também para mostrar o quanto ele tinha em mente aquela região. Observe que é, e deve ser, um grande prazer aos santos moribundos, fixai' os seus pensamentos na Canaã celestial, e no descanso que espe­ram ter ali, depois da morte.

A morte de Jacó, v. 33. Depois de ter termina­do, tanto a sua bênção quanto a sua incumbên­

cia (ambas estão incluídas na ordem aos seus filhos), e ter concluído assim seu testemunho, ele começou a ex­pirar. 1. Ele se colocou em posição para morrer. Tendo estado, antes, sentado ao lado da cama, para abençoar a seus filhos (o Espírito de profecia trazendo azeite fresco à sua lâmpada que se apagava, Daniel 10.19), depois de concluído o trabalho, ele encolheu os seus pés na cama, para que pudesse estar deitado, não somente como al­guém que se submete pacientemente ao golpe, mas como alguém que se prepara alegremente para descansar, ago­ra que estava tão cansado. “Em paz também me deitarei e dormirei”. 2. Ele entregou, livremente, o seu espírito nas mãos de Deus, o Pai dos espíritos: Jacó expirou. 3. A sua alma, agora separada do corpo físico, foi para a assembléia das almas dos fiéis, que, depois de libertados do peso da carne, estão em alegria e felicidade: Ele foi congregado ao seu povo. Observe que se o povo de Deus for o nosso povo, a morte nos congregará a eles.

Ca p ít u l o 50

Aqui temos: I. Os preparativos para o sepulta- mento de Jacó, w. 1-6. II. O sepultamento pro­priamente dito, w. 7-14. III. O início de um bom entendimento entre José e seus irmãos, depois da morte de Jacó, w. 15-21. IV A velhice e a morte de José, w. 22-26. Desta maneira, o livro do Gê­nesis, que começou com a origem da luz e da vida, termina somente com morte e trevas. Que triste mudança o pecado provocou.

O Sepultamento de Jaców. 1-6

Aqui José está prestando seus últimos respeitos ao seu falecido pai. 1. Com lágrimas e beijos, e todas as ex­pressões ternas de um afeto filial, ele se despede do corpo abandonado, v. 1. Embora Jacó fosse muito velho, e deves­se morrer conforme o curso da natureza (embora ele fosse relativamente pobre, e uma carga constante para seu filho José), ainda assim tal era o afeto que José sentia por seu pai amoroso, e tão sensibilizado estava com a morte de um pai prudente, piedoso e que orava, que não conseguiu se despedir dele sem copiosas lágrimas. Observe que assim como é uma honra morrer sendo lamentado, também é o dever dos sobreviventes lamentar a morte daqueles que

foram úteis nos seus dias, mesmo que algum deles possa ter vivido sem ser tão útil nos anos finais de sua vida. A alma que parte está fora do alcance das nossas lágrimas e dos nossos beijos, mas com elas é apropriado mostrar o nosso respeito ao pobre corpo, do qual esperamos uma gloriosa e alegre ressurreição. Assim José mostrava sua fé em Deus, e seu amor por seu pai, beijando seu rosto pálido e frio, e dando-lhe um adeus tão afetuoso. Prova­velmente os outros filhos de Jacó fizeram a mesma coisa, muito comovidos, sem dúvida, pelas suas últimas palavras.2. Ele ordenou que o corpo de Jacó fosse embalsamado (v. 2), não somente porque ele tinha morrido no Egito, e este era o costume dos egípcios, mas também porque ele deve­ria ser levado a Canaã, o que levaria tempo, e por isto era necessário que o corpo fosse preservado tão bem quanto possível da putrefação. Veja quão desprezíveis são os nos­sos corpos, quando a alma os deixa. Sem grande trabalho, e esforços, e preocupações, eles, em pouco tempo, se tor­nam fétidos. Estando morto por quatro dias, o corpo já é ofensivo. 3. Ele observou a cerimônia de luto solene por Jacó, v. 3. Quarenta dias foram despendidos para embal­samar o corpo, que os egípcios (assim dizem eles) tinham uma arte de realizar de maneira tão curiosa a ponto de preservar intactas as características do rosto. Durante todo este tempo, e mais trinta dias, setenta no total, eles ficaram confinados e isolados ou, quando saíam, tinham a aparência de pranteadores, de acordo com o decoro do país. Mesmo os egípcios (muitos deles), pelo grande res­peito que tinham por José (cujos bons trabalhos realizados pelo rei e pela nação estavam vívidos na lembrança), se dedicaram a prantear o seu pai. Como acontece conosco, quando a corte pranteia, aqueles mais nobres também o fazem. A corte do Egito esteve enlutada por Jacó durante aproximadamente dez semanas. Observe que o que eles faziam em pompa, nós devemos fazer com sinceridade. Chorar com aqueles que choram, e lamentai' com aqueles que lamentam, participando de sua dor. 4. José pediu e obteve permissão de Faraó para ir a Canaã, para realizar o sepultamento de seu pai, w. 4-6. (1) Era um ato de res­peito necessário a Faraó, que José não saísse sem permis­são. Pois podemos supor que, embora o seu trabalho com o trigo estivesse terminado há muito tempo, ainda assim ele continuava sendo primeiro-ministro de estado, e não poderia, portanto, ausentar-se durante tanto tempo do seu trabalho, sem permissão. (2) José observou o decoro em empregar algumas pessoas da família real, ou alguns dos funcionários da casa, para interceder pela sua licença, porque não era adequado que ele, nos seus dias de luto, se apresentasse na câmara, ou porque não presumiria exces­sivamente a respeito de seus próprios interesses. Observe que a modéstia é um grande ornamento à dignidade. (3) Ele alegou a obrigação que seu pai lhe tinha imposto, por juramento, de sepultá-lo em Canaã, v. 5. Não era por orgu­lho ou por capricho, mas pela sua consideração a um dever indispensável, que ele desejava ir. Todas as nações reco­nhecem que os juramentos devem ser cumpridos, e que a vontade do morto deve ser realizada. (4) Ele prometeu retornar: “Voltarei”. Quando nós retornamos às nossas próprias casas, depois de sepultar os corpos de nossos pa­rentes, dizemos: “Nós os deixamos para trás”. Mas, se as almas foram para a casa do nosso Pai celestial, podemos dizer, com mais razão: “Eles nos deixaram para trás”. (5)

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219 GÊNESIS 50 w. 7-14Ele obteve a permissão (v. 6): “Sobe e sepulta o teu pai”. Faraó desejava que José continuasse o seu trabalho. Maso serviço de Cristo é mais necessário, e por isto Ele não permitiria que alguém que tivesse trabalho para realizar para Ele, que primeiro fosse sepultar seu pai. Não. “Deixa aos mortos sepultar os seus mortos”, Mateus 8.22.

w. 7-14Aqui temos um relato do sepultamento de -Jacó. A

respeito dos sepultamentos dos reis de Judá, normal­mente, nada mais se diz, além disto: “Dormiu com seus pais e foi sepultado com seus pais na Cidade de Davi”. Mas o sepultamento do patriarca Jacó é mais detalhada­mente descrito, para mostrar o quanto Deus foi melhor com ele, do que ele esperava (ele tinha falado, mais de uma vez em morrer de tristeza, e ir para o sepulcro des- filhado, mas, eis que ele morre em honra, e é seguido ao sepulcro por todos os seus filhos). E também porque suas ordens a respeito de seu sepultamento foram da­das e obedecidas em fé e em expectativa, tanto da Canaã terrena quanto da celestial. Bem: 1. Foi um funeral de estado. Ele foi acompanhado ao sepulcro, não somente pela sua família, mas pelos cortesãos, e todos os grandes homens do reino que, em sinal de sua gratidão a José, mostravam este respeito a seu pai, por causa dele, e o honravam na sua morte. Embora os egípcios tivessem tido uma antipatia pelos hebreus, e os tivessem consi­derado com desdém (cap. 43.32), agora, que já os conhe­ciam melhor, começavam a sentir respeito por eles. O bom Jacó tinha se comportado tão bem entre eles, a pon­to de conseguir estima universal. Observe que aqueles que professam a religião de Deus devem se empenhar com sabedoria e amor para remover os preconceitos que muitos podem ter alimentado contra eles, por não os co­nhecerem. Houve abundância de carros e gente a cavalo, não somente para acompanhá-los durante parte do cami­nho, mas para fazer toda a viagem com eles. Observe que as solenidades decentes dos funerais, conforme a situa­ção do morto, são muito elogiáveis. E não devemos dizer, sobre elas: “Para que se fez este desperdício?” Veja Atos 8.2; Lucas 7.12. 2. Foi um sepultamento pesaroso (w. 10,11). Os espectadores o observaram como um grande pranto. Observe que a morte dos homens bons é uma grande perda, a qualquer lugar, e deve ser muito lamen­tada. Estêvão morreu como um mártir, e ainda assim os homens devotos lamentaram muito por ele. O pranto solene por Jacó deu um nome ao lugar, Abel-Mizraim,o pranto dos egípcios, que serviu como um testemunho contra a geração seguinte dos egípcios, que oprimiram a descendência deste Jacó a quem seus antepassados mos­traram tanto respeito.

José Consola os seus Irmãosw. 15-21

Aqui temos o início de um bom entendimento entre José e seus irmãos, agora que seu pai estava morto. José estava na corte, na cidade real. Seus irmãos estavam em Gósen, distante, no interior. Mas a preservação de um

bom entendimento e do afeto entre eles seria tanto uma honra para ele, quanto do interesse deles. Observe que quando a Providência leva os pais, pela morte, devem ser usados os melhores métodos, não somente para evitar as brigas entre os filhos (o que sempre acontece, a respeito da divisão dos bens), mas também para a preservação da amizade e do amor, para que a união possa permanecer mesmo quando o centro de união é removido.

I Os irmãos de José cortejam humildemente o seu favor. 1. Eles começaram a sentir inveja de José -

não que ele lhes tivesse dado alguma causa para que sentissem isto, mas a consciência da sua culpa, e a pró­pria incapacidade que teriam, neste caso, de perdoar e esquecer, faziam com que suspeitassem da sinceridade e da constância do favor de José (v. 15): “Porventura, nos aborrecerá José”. Enquanto seu pai vivia, eles se julga­vam seguros, sob a sua sombra. Mas agora que ele esta­va morto, eles temiam o pior de José. Observe que uma consciência culpada expõe os homens a sustos constan­tes, mesmo quando não há o que temer, e os faz suspeitar de todos, como Caim, cap. 4.14. Aqueles que desejam ser destemidos devem conservar-se sem culpas. Se o nosso coração não nos condena, então podemos ter confiança, tanto em Deus quanto nos homens. 2. Eles se humilha­ram diante dele, confessaram seu crime e imploraram seu perdão. Eles o fizeram por procuração (v. 17). E o fi­zeram pessoalmente, v. 18. Agora que o sol e a lua tinham se posto, as onze estrelas prestavam homenagem a José, para a completa concretização do seu sonho. Eles falam do seu crime antigo com arrependimento recente: “Per­doa a transgressão”. Eles se prostraram diante de seus pés, e se colocaram à sua mercê: “Eis-nos aqui por teus servos”. Assim devemos lamentar os pecados que come­temos há muito tempo, mesmo aqueles que sabemos que, pela graça, estão perdoados. E, quando pedirmos perdão a Deus, devemos prometer que seremos seus servos. 3. Eles falaram da sua relação com Jacó, e com o Deus de Jacó. (1) Com Jacó, dizendo que ele lhes tinha orienta­do para que apresentassem esta submissão, talvez mais porque ele questionava se eles cumpririam o seu dever, humilhando-se, do que porque ele questionasse se José cumpriria o seu dever, perdoando-os. Jacó também não poderia esperar a bondade de José para com eles, a me­nos que eles se qualificassem para ela (v. 16): “Teu pai mandou”. Assim, ao nos humilharmos a Cristo, pela fé e pelo arrependimento, podemos alegar que é o manda­mento do seu Pai, e nosso Pai, que façamos isto. (2) Ao Deus de Jacó. Eles alegam (v. 17), somos “servos do Deus de teu pai”. Não somente filhos do mesmo Jacó, mas ado­radores do mesmo Jeová. Observe que embora devamos estar preparados para perdoar a todos os que, de alguma maneira, nos ofendem, devemos evitar ter más intenções com os que forem servos do Deus do nosso pai: devemos tra tar a estas pessoas com ternura peculiar. Pois nós e eles temos o mesmo Mestre.

n José, com muita compaixão, confirma a sua re­conciliação com eles, e o seu afeto por eles. A sua compaixão é evidente, v. 17. “José chorou quando eles lhe falavam”. Estas eram lágrimas de tristeza, por suspeita­rem dele, e lágrimas de ternura, pela sua submissão. Na

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w. 22-26 GÊNESIS 50 220sua resposta: 1. José lhes diz que levantem seus olhos para Deus, no seu arrependimento (v. 19): “Porventura, estou eu em lugar de Deus?” Na sua grande humilda­de, ele pensou que eles lhe mostravam grande respeito, como se toda a sua felicidade dependesse do seu favor, e lhes disse, na verdade, como Pedro a Cornélio: “Levan­ta-te, que eu também sou homem”. Fiquem em paz com Deus, e então encontrarão uma maneira fácil de ficar em paz comigo. Observe que quando pedimos o perdão da­queles a quem ofendemos, nós devemos evitar colocá-los no lugar de Deus, temendo a sua ira e solicitando seu favor mais do que o de Deus. Estou eu em lugar de Deus, a quem a vingança pertence? Não, eu os deixo à mercê dele. Aqueles que se vingam agem como se estivessem tomando o lugar de Deus, Romanos 12.19. 2. Ele atenuao crime deles, com a consideração do grande bem que Deus maravilhosamente fez surgir dele, que, embora não os faça lamentar menos o seu pecado, pode fazê-los mais dispostos a perdoá-lo (v. 20): “Vós bem intentastes mal contra mim (para decepcionar meus sonhos), “porém Deus o tornou em bem”, para concretizar os sonhos - e para tornar José uma bênção maior para sua familia do que teria sido, de outra forma. Observe que quando Deus usa os homens como instrumentos para cumprir os seus conselhos, é comum que Ele pretenda uma coisa, e eles outra, possivelmente opostas, mas o conselho de Deus prevalecerá. Veja Isaías 10.7. Além disso, Deus freqüen­temente produz o bem do mal, e promove os desígnios da sua providência, até mesmo pelos pecados dos homens. Não que Ele seja o autor do pecado, longe de nós pensar isto. Mas a sua infinita sabedoria controla os eventos, e orienta a sua seqüência, para que, no final, resulte em seu louvor aquilo que na sua própria natureza pretendia a sua desonra. Como levar Cristo à morte, Atos 2.23. Isto não torna o pecado menos pecaminoso, nem os pecado­res menos merecedores de punição, mas resulta enor­memente para a glória da sabedoria de Deus. 3. Ele lhes assegura a continuidade da sua bondade para com eles: “Não temais. Eu vos sustentarei”, v. 21. Veja que exce­lente índole tinha José, e aprenda com ele a retribuir o mal com o bem. Ele não lhes diz que dependiam do bom comportamento que viessem a demonstrar, e que seria generoso para com eles se visse que se comportavam bem. Não. Ele não os deixa em suspense, nem parece invejá-los, embora eles tivessem suspeitado dele. Ele os consolou, e, para eliminar todos os seus temores, falou gentilmente com eles. Observe que aqueles de espírito quebrantado devem ser abraçados e incentivados. Aque­les aos quais amamos e perdoamos, devemos não somen­te fazer o bem, mas também falar gentilmente.

A Morte de Joséw. 22-26

Aqui temos:

I A continuação e o prolongamento da vida de José no Egito: Ele viveu até os cento e dez anos de idade, v. 22. Tendo honrado a seu pai, seus dias foram longos na

terra que Deus lhe havia dado naquele tempo. E foi uma grande graça para os seus parentes que Deus o preser­

vasse, por tanto tempo, pois José foi um sustento e um consolo para eles.

IT A edificação da família de José: Ele viveu para X ver seus bisnetos, descendentes de seus dois fi­lhos (v. 23), e provavelmente viu estes dois filhos sole­

nemente reconhecidos como chefes de tribos distintas, iguais a cada um dos seus irmãos. Contribui muito para o consolo dos pais idosos, se virem a sua descendência florescendo, especialmente se com ela virem a paz so­bre Israel, Salmos 128.6.I T T A última vontade e o testamento de José, divul- l l l gados na presença de seus irmãos, quando ele riu que a sua morte se aproximava. Daqueles que eram realmente seus irmãos, provavelmente alguns já teriam morrido antes dele, pois diversos eram mais velhos que ele. Mas àqueles que ainda viviam, e aos filhos daqueles que tinham morrido, que ficaram no lugar de seus pais, José disse isto. 1. Ele os consolou com a certeza do seu retorno a Canaã, no devido tempo: “Eu morro, mas Deus certamente vos visitará”, v. 24. Com este mesmo objeti­vo, Jacó tinha conversado com ele, cap. 48.21. Assim nós devemos consolar a outros, com os mesmos consolos com os quais nós mesmos fomos consolados por Deus, e in­centivá-los a descansar naquelas promessas que foram o nosso sustento. José era, por indicação de Deus, o prote­tor e o benfeitor de seus irmãos. E o que aconteceria com eles, agora que ele estava morrendo? Ora, que este seja o seu consolo. Deus certamente os visitará. Observe que as visitas graciosas de Deus servirão para compensar a falta dos nossos melhores amigos. Eles morrem. Mas nós podemos viver, e viver com consolos, se tivermos o favor e a presença de Deus conosco. Ele lhes pede que tenham confiança: Deus “vos fará subir desta terra”, e por isto: (1) Eles não devem ter esperanças de fixar-se ali, nem considerar o Egito como seu descanso para sempre. Eles devem concentrar seus corações na terra da promessa, e chamá-la de seu lar. (2) Eles não devem temer afundar e ver a destruição ali. Provavelmente José previa o mau tratamento que receberiam ali, depois da sua morte, e por isto lhes diz estas palavras de incentivo: “Por fim Deus os tirará, em triunfo, desta te rra”. Aqui ele se re­fere à promessa, cap. 15.13,14, e, em nome de Deus, lhes garante o seu cumprimento. 2. Como uma confissão da sua própria fé, e uma confirmação da deles, José lhes pe­diu que não o sepultassem até que chegasse aquele dia, aquele dia glorioso em que se estabeleceriam na terra da promessa, v. 25. Ele os faz prometer-lhe, com um jura­mento, que o sepultarão em Canaã. No Egito, eles sepul­tavam a seus grandes homens com muita honra e pompa abundante. Mas José prefere um sepultamento signifi­cativo em Canaã, e que tardaria quase duzentos anos, a um sepultamento magnífico no Egito. Assim José, pela fé na doutrina da ressurreição, e na promessa de Canaã, dá as instruções acerca dos seus ossos, Hebreus 11.22. Ele morre no Egito. Mas deixa os seus próprios ossos na dependência da visita de Deus ao povo de Israel, que ocorreria com toda a certeza, para levá-los a Canaã.

A morte de José, e a preparação e reserva do seu corpo para o sepultamento em Canaã, v. 26. Ele

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221 GÊNESIS 50 w. 22-26foi colocado em um caixão no Egito, mas não foi sepultado até que os seus filhos tivessem recebido a sua herança em Canaã, Josué 24.32. Observe que: 1. Se a alma separada, na morte, apenas retornar ao seu descanso com Deus, o problema não é grande, ainda que o corpo abandonado

não encontre, de maneira nenhuma, ou pelo menos, não rapidamente, o seu descanso na sepultura. 2. Devemos cuidar dos corpos dos santos, crendo na sua ressurreição. Pois há um concerto com o pó, que deve ser lembrado. E há uma ordem do Senhor Deus a respeito dos ossos.