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Estrutura Conceituai da Contabilidade 2.1 Introdução O Brasil teve, durante muitos anos, dois documen- tos sobre a estrutura conceituai da Contabilidade. Um deles, elaborado em 1986 pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Ipecafi) sob as mãos do Prof. Sérgio de Iudícibus, Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Esse do- cumento foi aprovado e divulgado pelo Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) (antigo Instituto Brasileiro de Contadores) como Pronuncia- mento desse Instituto e referendado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por sua Deliberação n v 29/86. Com isso foi tomado obrigatório para as com- panhias abertas brasileiras desde então. Tem o título de Estrutura Conceituai Básica da Contabilidade. Esse documento discorria sobre os postulados, os princípios e as convenções contábeis, denominando-os genericamente de Princípios Fundamentais da Conta- bilidade. O outro documento foi emitido pelo Conselho Fe- deral de Contabilidade, pela sua Resolução n B 750 em 1993, Princípios Fundamentais de Contabilidade, se- guida de um apêndice introduzido pela Resolução CFC n « 774/94 e da Resolução CFC n B 785/95, esta sobre as Características da Informação Contábil. Ambos os conjuntos descreviam basicamente o que à época se denominava de Princípios Fundamentais de Contabilidade, bem como as características básicas que precisavam estar contidas na informação contábil. Eram muito convergentes entre si, com diferenciações em poucos pontos bem específicos. Com o advento da Lei n a 11.638/07 e a decisão pela convergência da Contabilidade brasileira às Nor- mas Internacionais de Contabilidade emitidas pelo IASB, o CPC adotou integralmente o documento da- quele órgão denominado Framework for the Prepara- tion and Presentation of Financial Statements e emitiu seu Pronunciamento Conceituai Básico - Estrutura Conceituai para a Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis (informalmente denomi- nado, às vezes, de CPC "00"). O que este documento contém basicamente es- tava de alguma forma contido nos dois conjuntos de documentos conceituais brasileiros atrás referidos, mas apresenta o que aqueles não tinham: as definições dos principais elementos contábeis: ativo, passivo, receita e despesa. Não utiliza a denominação de princípios fundamentais, ou de princípios contábeis geralmente aceitos etc, e sim a de Características Qualitativas da Informação Contábil. Do ponto de vista de efetivo conteúdo, a grande diferença nesse documento do CPC reside na sua muito maior aderência ao conceito da Primazia da Essência Sobre a Forma, bandeira essa levada praticamente ao extremo pelo IASB, principalmente no IAS 1, represen- tado no Brasil pelo Pronunciamento Técnico CPC 26 - Apresentação das Demonstrações Contábeis (vejam-se principalmente seus itens 15 a 20).

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Estrutura Conceituai da Contabilidade

2.1 Introdução

O Brasil teve, durante muitos anos, dois documentos sobre a estrutura conceituai da Contabilidade. Um deles, elaborado em 1986 pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Ipecafi) sob as mãos do Prof. Sérgio de Iudícibus, Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Esse documento foi aprovado e divulgado pelo Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) (antigo Instituto Brasileiro de Contadores) como Pronunciamento desse Instituto e referendado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por sua Deliberação nv

29/86. Com isso foi tomado obrigatório para as companhias abertas brasileiras desde então. Tem o título de Estrutura Conceituai Básica da Contabilidade.

Esse documento discorria sobre os postulados, os princípios e as convenções contábeis, denominando-os genericamente de Princípios Fundamentais da Contabilidade.

O outro documento foi emitido pelo Conselho Federal de Contabilidade, pela sua Resolução nB 750 em 1993, Princípios Fundamentais de Contabilidade, seguida de um apêndice introduzido pela Resolução CFC n« 774/94 e da Resolução CFC nB 785/95, esta sobre as Características da Informação Contábil.

Ambos os conjuntos descreviam basicamente o que à época se denominava de Princípios Fundamentais de Contabilidade, bem como as características básicas

que precisavam estar contidas na informação contábil. Eram muito convergentes entre si, com diferenciações em poucos pontos bem específicos.

Com o advento da Lei na 11.638/07 e a decisão pela convergência da Contabilidade brasileira às Normas Internacionais de Contabilidade emitidas pelo IASB, o CPC adotou integralmente o documento daquele órgão denominado Framework for the Prepara-tion and Presentation of Financial Statements e emitiu seu Pronunciamento Conceituai Básico - Estrutura Conceituai para a Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis (informalmente denominado, às vezes, de CPC "00").

O que este documento contém basicamente estava de alguma forma contido nos dois conjuntos de documentos conceituais brasileiros atrás referidos, mas apresenta o que aqueles não tinham: as definições dos principais elementos contábeis: ativo, passivo, receita e despesa. Não utiliza a denominação de princípios fundamentais, ou de princípios contábeis geralmente aceitos etc, e sim a de Características Qualitativas da Informação Contábil.

Do ponto de vista de efetivo conteúdo, a grande diferença nesse documento do CPC reside na sua muito maior aderência ao conceito da Primazia da Essência Sobre a Forma, bandeira essa levada praticamente ao extremo pelo IASB, principalmente no IAS 1, representado no Brasil pelo Pronunciamento Técnico CPC 26 -Apresentação das Demonstrações Contábeis (vejam-se principalmente seus itens 15 a 20).

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32 Manual de Contabilidade Societária • Iudícibus, Martins, Gelbcke e Santos

É de se notar, todavia, que diversos aspectos tratados pelos documentos brasileiros estavam melhor descritos e considerados do que nesse documento do CPC. Há diversos pontos, mais com relação ao da CVM, que deverão dar ensejo, inclusive, a um documento complementar do CPC a fim de não se perder conceituações tão importantes.

Um documento como esse tem a característica de não significar uma norma, uma regra, mas sim um conjunto básico de princípios a serem seguidos na elaboração dos Pronunciamentos e das Normas propriamente

ditas, bem como na sua aplicação; consequentemente, também na análise e na interpretação das informações contábeis. É fundamental conhecer e entender essa estrutura conceituai, porque dela derivam todos os procedimentos e sobre ela se assenta toda a elaboração das demonstrações contábeis.

Por isso recomendamos, fortemente, a sua leitura.

Vamos, pois, a esse documento que, pela sua importância, reproduzimos na íntegra. Foi ele aprovado pela Deliberação CVM ne 539/08 e pela Resolução CFC nc 1.121/08.

2.2 O pronunciamento conceituai básico: estrutura conceituai para a elaboração e apresentação das demonstrações contábeis

COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS (CPC)

PRONUNCIAMENTO CONCEITUAL BÁSICO ESTRUTURA CONCEITUAL PARA A ELABORAÇÃO E

APRESENTAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

Correlação às Normas Internacionais de Contabilidade - "Estrutura para a Preparação e a Apresentação das Demonstrações Contábeis" (Framework for the Preparation and Presentation of Financial Statements) - (IASB)

PRONUNCIAMENTO

Conteúdo

PREFÁCIO

INTRODUÇÃO

FINALIDADE

ALCANCE

USUÁRIOS E SUAS NECESSIDADES DE INFORMAÇÃO

O OBJETIVO DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

Posição patrimonial e financeira, desempenho e mutações na posição financeira

Notas explicativas e demonstrações suplementares

PRESSUPOSTOS BÁSICOS

Regime de competência

Continuidade

CARACTERÍSTICAS QUALITATIVAS DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

Compreensibil idade

Relevância

Materialidade

Confiabilidade

Representação adequada

Primazia da essência sobre a forma

Neutralidade

Prudência

Integridade

Item

1 - 4

5 - 8

9 - 1 1

12-14

15-20

21

22

23

24

25

26 -28

2 9 - 3 0

31 -32

33-34

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37

38

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Estrutura Conceituai da Contabilidade 3 3

Conteúdo

Comparabilidade

Limitações na relevância e na confiabilidade das informações

Tempestividade

Equilíbrio entre custo e benefício

Equilíbrio entre características qualitativas

Visão verdadeira e apropriada

ELEMENTOS DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

Posição patrimonial e financeira

Ativos

Passivos

Patrimônio Líquido

Desempenho

Receitas

Despesas

Ajustes para manutenção do capital

RECONHECIMENTO DOS ELEMENTOS DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

Probabilidade de realização de benefício econômico futuro

Confiabilidade da mensuração

Reconhecimento de ativos

Reconhecimento de passivos

Reconhecimento de receitas

Reconhecimento de despesas

MENSURAÇÃO DOS ELEMENTOS DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

CONCEITOS DE CAPITAL E MANUTENÇÃO DE CAPITAL

Conceitos de capital

Conceitos de manutenção do capital e determinação do lucro

Item

39-42

43

44

45

46

47-48

49-52

53-59

60-64

65-68

69-73

74-77

78-80

81

82-84

85

86-88

89-90

91

92-93

94-98

99-101

102-103

104-110

PREFACIO

As demonstrações contábeis são preparadas e apresentadas para usuários externos em geral, tendo em vista suas finalidades distintas e necessidades diversas. Governos, órgãos reguladores ou autoridades fiscais, por exemplo, podem especificamente determinar exigências para atender a seus próprios fins. Essas exigências, no entanto, não devem afetar as demonstrações contábeis preparadas segundo esta Estrutura Conceituai.

Demonstrações contábeis preparadas sob a égide desta Estrutura Conceituai objetivam fornecer informações que sejam úteis na tomada de decisões e avaliações por parte dos usuários em geral, não tendo o propósito de atender finalidade ou necessidade específica de determinados grupos de usuários.

As demonstrações contábeis preparadas com tal finalidade satisfazem as necessidades comuns da maio

ria dos seus usuários, uma vez que quase todos eles utilizam essas demonstrações contábeis para a tomada de decisões econômicas, tais como:

a) decidir quando comprar, manter ou vender um investimento em ações;

b) avaliar a Administração quanto à responsabilidade que lhe tenha sido conferida, qualidade de seu desempenho e prestação de contas;

c) avaliar a capacidade da entidade de pagar seus empregados e proporcionar-lhes outros benefícios;

d) avaliar a segurança quanto à recuperação dos recursos financeiros emprestados à entidade;

e) determinar políticas tributárias;

f) determinar a distribuição de lucros e dividendos;

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3 4 Manual de Contabilidade Societária • ludícibus, Martins, Gelbcke e Santos

g) preparar e usar estatísticas da renda nacional; ou

h) regulamentar as atividades das entidades.

As demonstrações contábeis são mais comumente preparadas segundo modelo contábil baseado no custo histórico recuperável e no conceito da manutenção do capital financeiro nominal.

Outros modelos e conceitos podem ser considerados mais apropriados para atingir o objetivo de proporcionar informações que sejam úteis para tomada de decisões econômicas, embora não haja presentemente consenso nesse sentido.

Esta Estrutura Conceituai foi desenvolvida de forma a ser aplicável a uma gama de modelos contábeis e conceitos de capital e sua manutenção.

Pronunciamentos Conceituais Complementares serão emitidos.

INTRODUÇÃO

FINALIDADE

1. Esta Estrutura Conceituai estabelece os conceitos que fundamentam a preparação e a apresentação de demonstrações contábeis destinadas a usuários externos. A finalidade desta Estrutura Conceituai é:

a) dar suporte ao desenvolvimento de novos Pronunciamentos Técnicos e à revisão de Pronunciamentos existentes quando necessário;

b) dar suporte aos responsáveis pela elaboração das demonstrações contábeis na aplicação dos Pronunciamentos Técnicos e no tratamento de assuntos que ainda não tiverem sido objeto de Pronunciamentos Técnicos;

c) auxiliar os auditores independentes a formar sua opinião sobre a conformidade das demonstrações contábeis com os Pronunciamentos Técnicos;

d) apoiar os usuários das demonstrações contábeis na interpretação de informações nelas contidas, preparadas em conformidade com os Pronunciamentos Técnicos; e

e) proporcionar, àqueles interessados, informações sobre o enfoque adotado na formulação dos Pronunciamentos Técnicos.

2. Esta Estrutura Conceituai não define normas ou procedimentos para qualquer questão particular sobre aspectos de mensuração ou divulgação.

3. Não deverá haver conflito entre o estabelecido nesta Estrutura Conceituai e qualquer Pronunciamento Técnico.

4. Esta Estrutura Conceituai será revisada de tempos em tempos com base na experiência decorrente de sua utilização.

ALCANCE

5. Esta Estrutura Conceituai aborda:

a) o objetivo das demonstrações contábeis;

b) as características qualitativas que determinam a utilidade das informações contidas nas demonstrações contábeis;

c) a definição, o reconhecimento e a mensuração dos elementos que compõem as demonstrações contábeis; e

d) os conceitos de capital e de manutenção do capital.

6. Esta Estrutura Conceituai trata das demonstrações contábeis para fins gerais (daqui por diante designadas como "demonstrações contábeis"), inclusive das demonstrações contábeis consolidadas. Tais demonstrações contábeis são preparadas e apresentadas pelo menos anualmente e visam atender às necessidades comuns de informações de um grande número de usuários. Alguns desses usuários talvez necessitem de informações, e tenham o poder de obtê-las, além daquelas contidas nas demonstrações contábeis. Muitos usuários, todavia, têm de confiar nas demonstrações contábeis como a principal fonte de informações financeiras. Tais demonstrações, portanto, devem ser preparadas e apresentadas tendo em vista essas necessidades. Estão fora do alcance desta Estrutura Conceituai informações financeiras elaboradas para fins especiais, como, por exemplo, aquelas incluídas em prospectos para lançamentos de ações no mercado e/ou elaboradas exclusivamente para fins fiscais. Não obstante, esta Estrutura Conceituai pode ser aplicada na preparação dessas demonstrações para fins especiais, quando as exigências de tais demonstrações o permitirem.

7. As demonstrações contábeis são parte integrante das informações financeiras divulgadas por uma entidade. O conjunto completo de demonstrações contábeis inclui, normalmente, o balanço patrimonial, a demonstração do resultado, a demonstração das mutações na posição financeira (demonstração dos fluxos de caixa, de origens e aplicações de recursos ou alternativa reconhecida e aceitável), a demonstração das mutações do patrimônio líquido, notas explicativas e outras demonstrações e material explicativo que são parte integrante dessas demonstrações contábeis. Podem também incluir quadros e informações suplementares ba-

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Estrutura Conceituai da Contabilidade 35

seados ou originados de demonstrações contábeis que se espera sejam lidos em conjunto com tais demonstrações. Tais quadros e informações suplementares podem conter, por exemplo, informações financeiras sobre segmentos ou divisões industriais ou divisões situadas em diferentes locais e divulgações sobre os efeitos das mudanças de preços. As demonstrações contábeis não incluem, entretanto, itens como relatórios da administração, relatórios do presidente da entidade, comentários e análises gerenciais e itens semelhantes que possam ser incluídos em um relatório anual ou financeiro.

8. Esta Estrutura Conceituai se aplica às demonstrações contábeis de todas as entidades comerciais, industriais e outras de negócios que reportam, sejam no setor público ou no setor privado. Entidade que reporta é aquela para a qual existem usuários que se apoiam em suas demonstrações contábeis como fonte principal de informações patrimoniais e financeiras sobre a entidade.

USUÁRIOS E SUAS NECESSIDADES DE INFORMAÇÃO

9. Entre os usuários das demonstrações contábeis incluem-se investidores atuais e potenciais, empregados, credores por empréstimos, fornecedores e outros credores comerciais, clientes, governos e suas agências e o público. Eles usam as demonstrações contábeis para satisfazer algumas das suas diversas necessidades de informação. Essas necessidades incluem:

a) Investidores. Os provedores de capital de risco e seus analistas que se preocupam com o risco inerente ao investimento e o retorno que ele produz. Eles necessitam de informações para ajudá-los a decidir se devem comprar, manter ou vender investimentos. Os acionistas também estão interessados em informações que os habilitem a avaliar se a entidade tem capacidade de pagar dividendos.

b) Empregados. Os empregados e seus representantes estão interessados em informações sobre a estabilidade e a lucratividade de seus empregadores. Também se interessam por informações que lhes permitam avaliar a capacidade que tem a entidade de prover sua remuneração, seus benefícios de aposentadoria e suas oportunidades de emprego.

c) Credores por empréstimos. Estes estão interessados em informações que lhes permitam determinar a capacidade da entidade em pagar seus empréstimos e os correspondentes juros no vencimento.

d) Fornecedores e outros credores comerciais. Os fornecedores e outros credores estão interessados em informações que lhes permitam avaliar se as importâncias que lhes são devidas serão pagas nos respectivos vencimentos. Os credores comerciais provavelmente estarão interessados em uma entidade por um período menor do que os credores por empréstimos, a não ser que dependam da continuidade da entidade como um cliente importante.

e) Clientes. Os clientes têm interesse em informações sobre a continuidade operacional da entidade, especialmente quando têm um relacionamento a longo prazo com ela, ou dela dependem como fornecedor importante.

f) Governo e suas agências. Os governos e suas agências estão interessados na destinação de recursos e, portanto, nas atividades das entidades. Necessitam também de informações a fim de regulamentar as atividades das entidades, estabelecer políticas fiscais e servir de base para determinar a renda nacional e estatísticas semelhantes.

g) Público. As entidades afetam o público de diversas maneiras. Elas podem, por exemplo, fazer contribuição substancial à economia local de vários modos, inclusive empregando pessoas e utilizando fornecedores locais. As demonstrações contábeis podem ajudar o público fornecendo informações sobre a evolução do desempenho da entidade e os desenvolvimentos recentes.

10. Embora nem todas as necessidades de informações desses usuários possam ser satisfeitas pelas demonstrações contábeis, há necessidades que são comuns a todos os usuários. Como os investidores contribuem com o capital de risco para a entidade, o fornecimento de demonstrações contábeis que atendam às suas necessidades também atenderá à maior parte das necessidades de informação de outros usuários.

11 A Administração da entidade tem a responsabilidade primária pela preparação e apresentação das suas demonstrações contábeis. A Administração também está interessada nas informações contidas nas demonstrações contábeis, embora tenha acesso a informações adicionais que contribuem para o desempenho das suas responsabilidades de planejamento, tomada de decisões e controle. A Administração tem o poder de estabelecer a forma e o conteúdo de tais informações adicionais a fim de atender às suas próprias necessidades. A forma de divulgação de tais informações, entretanto, está fora do alcance desta Estrutura Conceituai. Não

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obstante, as demonstrações contábeis divulgadas são baseadas em informações utilizadas pela Administração sobre a posição patrimonial e financeira, o desempenho e as mutações na posição financeira da entidade.

O OBJETIVO DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

12. O objetivo das demonstrações contábeis é fornecer informações sobre a posição patrimonial e financeira, o desempenho e as mudanças na posição financeira da entidade, que sejam úteis a um grande número de usuários em suas avaliações e tomadas de decisão econômica.

13. Demonstrações contábeis preparadas de acordo com o item 12 atendem às necessidades comuns da maioria dos usuários. Entretanto, as demonstrações contábeis não fornecem todas as informações que os usuários possam necessitar, uma vez que elas retratam os efeitos financeiros de acontecimentos passados e não incluem, necessariamente, informações não financeiras.

14. Demonstrações contábeis também objetivam apresentar os resultados da atuação da Administração na gestão da entidade e sua capacitação na prestação de contas quanto aos recursos que lhe foram confiados. Aqueles usuários que desejam avaliar a atuação ou prestação de contas da Administração fazem-no com a finalidade de estar em condições de tomar decisões econômicas que podem incluir, por exemplo, manter ou vender seus investimentos na entidade ou reeleger ou substituir a Administração.

Posição patrimonial e financeira, desempenho e mutações na posição financeira

15. As decisões econômicas que são tomadas pelos usuários das demonstrações contábeis requerem uma avaliação da capacidade que a entidade tem para gerar caixa e equivalentes de caixa, e da época e grau de certeza dessa geração. Em última análise, essa capacidade determina, por exemplo, se a entidade poderá pagar seus empregados e fornecedores, os juros e amortizações dos seus empréstimos e fazer distribuições de lucros aos seus acionistas. Os usuários poderão melhor avaliar essa capacidade de gerar caixa e equivalentes de caixa se lhes forem fornecidas informações que focalizem a posição patrimonial e financeira, o resultado e as mutações na posição financeira da entidade.

16. A posição patrimonial e financeira da entidade é afetada pelos recursos econômicos que ela controla, sua estrutura financeira, sua liquidez e solvência e sua capacidade de adaptação às mudanças no

ambiente em que opera. As informações sobre os recursos econômicos controlados pela entidade e a sua capacidade, no passado, de modificar esses recursos são úteis para prever a capacidade que a entidade tem de gerar caixa e equivalentes de caixa no futuro. Informações sobre a estrutura financeira são úteis para prever as futuras necessidades de financiamento e como os lucros futuros e os fluxos de caixa serão distribuídos entre aqueles que têm participação na entidade; são também úteis para ajudar a avaliar a probabilidade de que a entidade seja bem-sucedida no levantamento de financiamentos adicionais. As informações sobre liquidez e solvência são úteis para prever a capacidade que a entidade tem de cumprir com seus compromissos financeiros nos respectivos vencimentos. Liquidez se refere à disponibilidade de caixa no futuro próximo, após considerar os compromissos financeiros do respectivo período. Solvência se refere à disponibilidade de caixa no longo prazo para cumprir os compromissos financeiros nos respectivos vencimentos.

17. As informações referentes ao desempenho da entidade, especialmente a sua rentabilidade, são requeridas com a finalidade de avaliar possíveis mudanças necessárias na composição dos recursos econômicos que provavelmente serão controlados pela entidade. As informações sobre as variações nos resultados são importantes nesse sentido. As informações sobre os resultados são úteis para prever a capacidade que a entidade tem de gerar fluxos de caixa a partir dos recursos atualmente controlados por ela. Também é útil para a avaliação da eficácia com que a entidade poderia usar recursos adicionais.

18. As informações referentes às mutações na posição financeira da entidade são úteis para avaliar as suas atividades de investimento, de financiamento e operacionais durante o período abrangido pelas demonstrações contábeis. Essas informações são úteis para fornecer ao usuário uma base para avaliar a capacidade que a entidade tem de gerar caixa e equivalentes de caixa e as suas necessidades de utilização desses recursos. Na elaboração de uma demonstração das mutações na posição financeira, os fundos podem ser definidos de várias maneiras, tais como recursos financeiros totais, capital circulante líquido, ativos líquidos ou caixa. Nesta Estrutura Conceituai não foi feita nenhuma tentativa de especificar uma definição de fundos.

19. As informações sobre a posição patrimonial e financeira são principalmente fornecidas pelo balanço patrimonial. As informações sobre o desempenho são basicamente fornecidas na demonstração do resultado. As informações sobre as mutações na

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Estrutura Conceituai da Contabilidade 3 7

posição financeira são fornecidas nas demonstrações contábeis por meio de uma demonstração em separado, tal como a de fluxos de caixa, de origens e aplicações de recursos etc.

20. As partes componentes das demonstrações contábeis se inter-relacionam porque refletem diferentes aspectos das mesmas transações ou outros eventos. Embora cada demonstração apresente informações que são diferentes das outras, nenhuma provavelmente se presta a um único propósito, nem fornece todas as informações necessárias para necessidades específicas dos usuários. Por exemplo, uma demonstração do resultado fornece um retrato incompleto do desempenho da entidade, a não ser que seja usada em conjunto com o balanço patrimonial e a demonstração das mutações na posição financeira.

Notas explicativas e demonstrações suplementares

21. As demonstrações contábeis também englobam notas explicativas, quadros suplementares e outras informações. Por exemplo, poderão conter informações adicionais que sejam relevantes às necessidades dos usuários sobre itens constantes do balanço patrimonial e da demonstração do resultado. Poderão incluir divulgações sobre os riscos e incertezas que afetem a entidade e quaisquer recursos e/ou obrigações para os quais não exista obrigatoriedade de serem reconhecidos no balanço patrimonial (tais como reservas minerais). Informações sobre segmentos industriais ou geográficos e o efeito de mudanças de preços sobre a entidade podem também ser fornecidas sob a forma de informações suplementares.

PRESSUPOSTOS BÁSICOS

Regime de Competência

22. A fim de atingir seus objetivos, demonstrações contábeis são preparadas conforme o regime contábil de competência. Segundo esse regime, os efeitos das transações e outros eventos são reconhecidos quando ocorrem (e não quando caixa ou outros recursos financeiros são recebidos ou pagos) e são lançados nos registros contábeis e reportados nas demonstrações contábeis dos períodos a que se referem. As demonstrações contábeis preparadas pelo regime de competência informam aos usuários não somente sobre transações passadas envolvendo o pagamento e recebimento de caixa ou outros recursos financeiros, mas também sobre obrigações de pagamento no futuro e sobre recursos que serão recebidos no futuro. Dessa forma, apresentam informações sobre transações passadas

e outros eventos que sejam as mais úteis aos usuários na tomada de decisões econômicas. O regime de competência pressupõe a confrontação entre receitas e despesas que é destacada nos itens 95 e 96.

Continuidade

23. As demonstrações contábeis são normalmente preparadas no pressuposto de que a entidade continuará em operação no futuro previsível. Dessa forma, presume-se que a entidade não tem a intenção nem a necessidade de entrar em liquidação, nem reduzir materialmente a escala das suas operações; se tal intenção ou necessidade existir, as demonstrações contábeis terão que ser preparadas numa base diferente e, nesse caso, tal base deverá ser divulgada.

CARACTERÍSTICAS QUALITATIVAS DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

24. As características qualitativas são os atributos que tornam as demonstrações contábeis úteis para os usuários. As quatro principais características qualitativas são: compreensibilidade, relevância, confiabilidade e comparabilidade.

Compreensibilidade

25. Uma qualidade essencial das informações apresentadas nas demonstrações contábeis é que elas sejam prontamente entendidas pelos usuários. Para esse fim, presume-se que os usuários tenham um conhecimento razoável dos negócios, atividades econômicas e contabilidade e a disposição de estudar as informações com razoável diligência. Todavia, informações sobre assuntos complexos que devam ser incluídas nas demonstrações contábeis por causa da sua relevância para as necessidades de tomada de decisão pelos usuários não devem ser excluídas em nenhuma hipótese, inclusive sob o pretexto de que seria difícil para certos usuários entendê-las.

Relevância

26. Para serem úteis, as informações devem ser relevantes às necessidades dos usuários na tomada de decisões. As informações são relevantes quando podem influenciar as decisões econômicas dos usuários, ajudando-os a avaliar o impacto de eventos passados, presentes ou futuros ou confirmando ou corrigindo as suas avaliações anteriores.

27. As funções de previsão e confirmação das informações são inter-relacionadas. Por exemplo, informações sobre o nível atual e a estrutura dos ativos têm valor para os usuários na tentativa de

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3 8 Manual de Contabilidade Societária * Iudícibus, Martins, Gelbcke e Santos

prever a capacidade que a entidade tenha de aproveitar oportunidades e a sua capacidade de reagir a situações adversas. As mesmas informações têm o papel de confirmar as previsões passadas sobre, por exemplo, a forma na qual a entidade seria estruturada ou o resultado de operações planejadas.

28. Informações sobre a posição patrimonial e financeira e o desempenho passado são freqüentemente utilizadas como base para projetar a posição e o desempenho futuros, assim como outros assuntos nos quais os usuários estejam diretamente interessados, tais como pagamento de dividendos e salários, alterações no preço das ações e a capacidade que a entidade tenha de atender seus compromissos à medida que se tornem devidos. Para terem valor como previsão, as informações não precisam estar em forma de projeção explícita. A capacidade de fazer previsões com base nas demonstrações contábeis pode ser ampliada, entretanto, pela forma como as informações sobre transações e eventos anteriores são apresentadas. Por exemplo, o valor da demonstração do resultado como elemento de previsão é ampliado quando itens incomuns, anormais e esporádicos de receita ou despesa são divulgados separadamente.

Materialidade

29. A relevância das informações é afetada pela sua natureza e materialidade. Em alguns casos, a natureza das informações, por si só, é suficiente para determinar a sua relevância. Por exemplo, reportar um novo segmento em que a entidade tenha passado a operar poderá afetar a avaliação dos riscos e oportunidades com que a entidade se depara, independentemente da materialidade dos resultados atingidos pelo novo segmento no período abrangido pelas demonstrações contábeis. Em outros casos, tanto a natureza quanto a materialidade são importantes; por exemplo: os valores dos estoques existentes em cada uma das suas principais classes, conforme a classificação apropriada ao negócio.

30. Uma informação é material se a sua omissão ou distorção puder influenciar as decisões econômicas dos usuários, tomadas com base nas demonstrações contábeis. A materialidade depende do tamanho do item ou do erro, julgado nas circunstâncias específicas de sua omissão ou distorção. Assim, materialidade proporciona um patamar ou ponto de corte ao invés de ser uma característica qualitativa primária que a informação necessita ter para ser útil.

Confiabilidade

31. Para ser útil, a informação deve ser confiável, ou seja, deve estar livre de erros ou vieses relevantes e

representar adequadamente aquilo que se propõe a representar.

32. Uma informação pode ser relevante, mas a tal ponto não confiável em sua natureza ou divulgação que o seu reconhecimento pode potencialmente distorcer as demonstrações contábeis. Por exemplo, se a validade legal e o valor de uma reclamação por danos em uma ação judicial movida contra a entidade são questionados, pode ser inadequado reconhecer o valor total da reclamação no balanço patrimonial, embora possa ser apropriado divulgar o valor e as circunstâncias da reclamação.

Representação Adequada

33. Para ser confiável, a informação deve representar adequadamente as transações e outros eventos que ela diz representar. Assim, por exemplo, o balanço patrimonial numa determinada data deve representar adequadamente as transações e outros eventos que resultam em ativos, passivos e patrimônio líquido da entidade e que atendam aos critérios de reconhecimento.

34. A maioria das informações contábeis está sujeita a algum risco de ser menos do que uma representação fiel daquilo que se propõe a retratar. Isso pode decorrer de dificuldades inerentes à identificação das transações ou outros eventos a serem avaliados ou à identificação e aplicação de técnicas de mensuração e apresentação que possam transmitir, adequadamente, informações que correspondam a tais transações e eventos. Em certos casos, a mensuração dos efeitos financeiros dos itens pode ser tão incerta que não é apropriado o seu reconhecimento nas demonstrações contábeis; por exemplo, embora muitas entidades gerem, internamente, ágio decorrente de expectativa de rentabilidade futura ao longo do tempo (goodwill), é usualmente difícil identificar ou mensurar esse ágio com confiabilidade. Em outros casos, entretanto, pode ser relevante reconhecer itens e divulgar o risco de erro envolvendo o seu reconhecimento e mensuração.

Primazia da Essência sobre a Forma

35. Para que a informação represente adequadamente as transações e outros eventos que ela se propõe a representar, é necessário que essas transações e eventos sejam contabilizados e apresentados de acordo com a sua substância e realidade econômica, e não meramente sua forma legal. A essência das transações ou outros eventos nem sempre é consistente com o que aparenta ser com base na sua forma legal ou artificialmente produzida. Por exemplo, uma entidade pode vender um ativo a

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um terceiro de tal maneira que a documentação indique a transferência legal da propriedade a esse terceiro; entretanto, poderão existir acordos que assegurem que a entidade continuará a usufruir os futuros benefícios econômicos gerados pelo ativo e o recomprará depois de um certo tempo por um montante que se aproxima do valor original de venda acrescido de juros de mercado durante esse período. Em tais circunstâncias, reportar a venda não representaria adequadamente a transação formalizada.

Neutralidade

36. Para ser confiável, a informação contida nas demonstrações contábeis deve ser neutra, isto é, imparcial. As demonstrações contábeis não são neutras se, pela escolha ou apresentação da informação, elas induzirem a tomada de decisão ou um julgamento, visando atingir um resultado ou desfecho predeterminado.

Prudência

37. Os preparadores de demonstrações contábeis se deparam com incertezas que inevitavelmente envolvem certos eventos e circunstâncias, tais como a possibilidade de recebimento de contas a receber de liquidação duvidosa, a vida útil provável das máquinas e equipamentos e o número de reclamações cobertas por garantias que possam ocorrer. Tais incertezas são reconhecidas pela divulgação da sua natureza e extensão e pelo exercício de prudência na preparação das demonstrações contábeis. Prudência consiste no emprego de um certo grau de precaução no exercício dos julgamentos necessários às estimativas em certas condições de incerteza, no sentido de que ativos ou receitas não sejam superestimados e que passivos ou despesas não sejam subestimados. Entretanto, o exercício da prudência não permite, por exemplo, a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas, a subava-liação deliberada de ativos ou receitas, a superava-liação deliberada de passivos ou despesas, pois as demonstrações contábeis deixariam de ser neutras e, portanto, não seriam confiáveis.

Integridade

38. Para ser confiável, a informação constante das demonstrações contábeis deve ser completa, dentro dos limites de materialidade e custo. Uma omissão pode tornar a informação falsa ou distorcida e, portanto, não confiável e deficiente em termos de sua relevância.

Comparabilidade

39. Os usuários devem poder comparar as demonstrações contábeis de uma entidade ao longo do tempo, a fim de identificar tendências na sua posição patrimonial e financeira e no seu desempenho. Os usuários devem também ser capazes de comparar as demonstrações contábeis de diferentes entidades a fim de avaliar, em termos relativos, a sua posição patrimonial e financeira, o desempenho e as mutações na posição financeira. Consequentemente, a mensuração e apresentação dos efeitos financeiros de transações semelhantes e outros eventos devem ser feitas de modo consistente pela entidade, ao longo dos diversos períodos, e também por entidades diferentes.

40. Uma importante implicação da característica qualitativa da comparabilidade é que os usuários devem ser informados das práticas contábeis seguidas na elaboração das demonstrações contábeis, de quaisquer mudanças nessas práticas e também o efeito de tais mudanças. Os usuários precisam ter informações suficientes que lhes permitam identificar diferenças entre as práticas contábeis aplicadas a transações e eventos semelhantes, usadas pela mesma entidade de um período a outro e por diferentes entidades. A observância dos Pronunciamentos Técnicos, inclusive a divulgação das práticas contábeis utilizadas pela entidade, ajudam a atingir a comparabilidade.

41. A necessidade de comparabilidade não deve ser confundida com mera uniformidade e não se deve permitir que se torne um impedimento à introdução de normas contábeis aperfeiçoadas. Não é apropriado que uma entidade continue contabilizando da mesma maneira uma transação ou evento se a prática contábil adotada não está em conformidade com as características qualitativas de relevância e confiabilidade. Também é inapropriado manter práticas contábeis quando existem alternativas mais relevantes e confiáveis.

42. Tendo em vista que os usuários desejam comparar a posição patrimonial e financeira, o desempenho e as mutações na posição financeira ao longo do tempo, é importante que as demonstrações contábeis apresentem as correspondentes informações de períodos anteriores.

Limitações na Relevância e na Confiabilidade das Informações

Tempestividade

43. Quando há demora indevida na divulgação de uma informação, é possível que ela perca a relevância.

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A Administração da entidade necessita ponderar os méritos relativos entre a tempestividade da divulgação e a confiabilidade da informação fornecida. Para fornecer uma informação na época oportuna pode ser necessário divulgá-la antes que todos os aspectos de uma transação ou evento sejam conhecidos, prejudicando assim a sua confiabilidade. Por outro lado, se para divulgar a informação a entidade aguardar até que todos os aspectos se tornem conhecidos, a informação pode ser altamente confiável, porém de pouca utilidade para os usuários que tenham tido necessidade de tomar decisões nesse ínterim. Para atingir o adequado equilíbrio entre a relevância e a confiabilidade, o princípio básico consiste em identificar qual a melhor forma para atender as necessidades do processo de decisão econômica dos usuários.

Equilíbrio entre Custo e Benefício

44. O equilíbrio entre o custo e o benefício é uma limitação de ordem prática, ao invés de uma característica qualitativa. Os benefícios decorrentes da informação devem exceder o custo de produzi-la. A avaliação dos custos e benefícios é, entretanto, em essência, um exercício de julgamento. Além disso, os custos não recaem, necessariamente, sobre aqueles usuários que usufruem os benefícios. Os benefícios podem também ser aproveitados por outros usuários, além daqueles para os quais as informações foram preparadas; por exemplo, o fornecimento de maiores informações aos credores por empréstimos pode reduzir os custos financeiros da entidade. Por essas razões, é difícil aplicar o teste de custo-benefício em qualquer caso específico. Não obstante, os órgãos normativos em especial, assim como os elaboradores e usuários das demonstrações contábeis, devem estar conscientes dessa limitação.

Equilíbrio entre Características Qualitativas

45. Na prática, é freqüentemente necessário um balanceamento entre as características qualitativas. Geralmente, o objetivo é atingir um equilíbrio apropriado entre as características, a fim de satisfazer aos objetivos das demonstrações contábeis. A importância relativa das características em diferentes casos é uma questão de julgamento profissional.

Visão Verdadeira e Apropriada

46. Demonstrações contábeis são freqüentemente descritas como apresentando uma visão verdadeira e apropriada (rrue andfair view) da posição patrimonial e financeira, do desempenho e das mutações

na posição financeira de uma entidade. Embora esta Estrutura Conceituai não trate diretamente de tais conceitos, a aplicação das principais características qualitativas e de normas e práticas de contabilidade apropriadas normalmente resultam em demonstrações contábeis que refletem aquilo que geralmente se entende como apresentação verdadeira e apropriada das referidas informações.

ELEMENTOS DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

47. Demonstrações contábeis retratam os efeitos patrimoniais e financeiros das transações e outros eventos, agrupando-os em classes de acordo com as suas características econômicas. Essas classes são chamadas de elementos das demonstrações contábeis. Os elementos diretamente relacionados à mensuração da posição patrimonial e financeira no balanço são os ativos, os passivos e o patrimônio líquido. Os elementos diretamente relacionados com a mensuração do desempenho na demonstração do resultado são as receitas e as despesas. A demonstração das mutações na posição financeira usualmente reflete os elementos da demonstração do resultado e as mutações nos elementos do balanço patrimonial; assim, esta Estrutura Conceituai não identifica nenhum elemento que seja exclusivo dessa demonstração.

48. A apresentação desses elementos no balanço patrimonial e na demonstração do resultado envolve um processo de subclassificação. Por exemplo, ativos e passivos podem ser classificados por sua natureza ou função nos negócios da entidade, a fim de mostrar as informações da maneira mais útil aos usuários para fins de tomada de decisões econômicas.

Posição Patrimonial e Financeira

49. Os elementos diretamente relacionados com a mensuração da posição patrimonial financeira são ativos, passivos e patrimônio líquido. Estes são definidos como segue:

a) Ativo é um recurso controlado pela entidade como resultado de eventos passados e do qual se espera que resultem futuros benefícios econômicos para a entidade;

b) Passivo é uma obrigação presente da entidade, derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação se espera que resulte em saída de recursos capazes de gerar benefícios econômicos;

c) Patrimônio Líquido é o valor residual dos ativos da entidade depois de deduzidos todos os seus passivos.

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50. As definições de ativo e passivo identificam os seus aspectos essenciais, mas não tentam especificar os critérios que precisam ser atendidos para que possam ser reconhecidos no balanço patrimonial. Assim, as definições abrangem itens que não são reconhecidos como ativos ou passivos no balanço porque não satisfazem aos critérios de reconhecimento discutidos nos itens 82 a 98. Especificamente, a expectativa de que futuros benefícios econômicos fluam para a entidade ou deixem a entidade deve ser suficientemente certa para que seja atendido o critério de probabilidade do item 83, antes que um ativo ou um passivo seja reconhecido.

51. Ao avaliar se um item se enquadra na definição de ativo, passivo ou patrimônio líquido, deve-se atentar para a sua essência e realidade econômica e não apenas sua forma legal. Assim, por exemplo, no caso do arrendamento financeiro, a essência e a realidade econômica são que o arrendatário adquire os benefícios econômicos do uso do ativo arrendado pela maior parte da sua vida útil, como contraprestação de aceitar a obrigação de pagar por esse direito um valor próximo do valor justo do ativo e o respectivo encargo financeiro. Dessa forma, o arrendamento financeiro dá origem a itens que atendem a definição de um ativo e um passivo e, portanto, são reconhecidos como tais no balanço patrimonial do arrendatário.

52. Balanços patrimoniais elaborados de acordo com os Pronunciamentos Técnicos devem incluir como ativo ou passivo itens que satisfaçam a essas definições.

Ativos

53. O benefício econômico futuro embutido em um ativo é o seu potencial em contribuir, direta ou indiretamente, para o fluxo de caixa ou equivalentes de caixa para a entidade. Tal potencial poderá ser produtivo, quando o recurso for parte integrante das atividades operacionais da entidade. Poderá também ter a forma de conversibilidade em caixa ou equivalentes de caixa ou poderá ainda ser capaz de reduzir as saídas de caixa, como no caso de um processo industrial alternativo que reduza os custos de produção.

54. A entidade geralmente usa os seus ativos na produção de mercadorias ou prestação de serviços capazes de satisfazer os desejos e necessidades dos clientes. Tendo em vista que essas mercadorias ou serviços podem atender aos seus desejos ou necessidades, os clientes se dispõem a pagar por eles e contribuir assim para o fluxo de caixa da entidade.

55. Os benefícios econômicos futuros de um ativo podem fluir para a entidade de diversas maneiras. Por exemplo, um ativo pode ser:

a) usado isoladamente ou em conjunto com outros ativos na produção de mercadorias e serviços a serem vendidos pela entidade;

b) trocado por outros ativos;

c) usado para liquidar um passivo; ou

d) distribuído aos proprietários da entidade.

56. Muitos ativos, por exemplo, máquinas e equipamentos industriais, têm uma substância física. Entretanto, substância física não é essencial à existência de um ativo; dessa forma, as patentes e direitos autorais, por exemplo, são ativos, desde que deles sejam esperados benefícios econômicos futuros para a entidade e que eles sejam por ela controlados.

57. Muitos ativos, por exemplo, contas a receber e imóveis, estão ligados a direitos legais, inclusive o direito de propriedade. Ao determinar a existência de um ativo, o direito de propriedade não é essencial; assim, por exemplo, um imóvel objeto de arrendamento é um ativo, desde que a entidade controle os benefícios econômicos provenientes da propriedade. Embora a capacidade de uma entidade controlar os benefícios econômicos normalmente seja proveniente da existência de direitos legais, um item pode satisfazer a definição de um ativo mesmo quando não há controle legal. Por exemplo, o know-how obtido por meio de uma atividade de desenvolvimento de produto pode atender a definição de ativo quando, mantendo o know-how em segredo, a entidade controla os benefícios econômicos provenientes desse ativo.

58. Os ativos de uma entidade resultam de transações passadas ou outros eventos passados. As entidades normalmente obtêm ativos comprando-os ou produzindo-os, mas outras transações ou eventos podem gerar ativos; por exemplo: um imóvel recebido do governo como parte de um programa para fomentar o crescimento econômico da região onde se localiza a entidade ou a descoberta de jazidas minerais. Transações ou eventos previstos para ocorrer no futuro não podem resultar, por si mesmos, no reconhecimento de ativos; por isso, por exemplo, a intenção de adquirir estoques não atende, por si só, à definição de um ativo.

59. Há uma forte associação entre incorrer em gastos e gerar ativos, mas ambas as atividades não necessariamente coincidem entre si. Assim, o fato de uma entidade ter incorrido num gasto pode fornecer evidência da sua busca por futuros benefícios econômicos, mas não é prova conclusiva de que

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a definição de ativo tenha sido obtida. Da mesma forma, a ausência de um gasto não impede que um item atenda a definição de ativo e se qualifique para reconhecimento no balanço patrimonial; por exemplo, itens que foram doados à entidade podem atender a definição de ativo.

Passivos

60. Uma característica essencial para a existência de um passivo é que a entidade tenha uma obrigação presente. Uma obrigação é um dever ou responsabilidade de agir ou fazer de uma certa maneira. As obrigações podem ser legalmente exigíveis em conseqüência de um contrato ou de requisitos estatutários. Esse é normalmente o caso, por exemplo, das contas a pagar por mercadorias e serviços recebidos. Obrigações surgem também de práticas usuais de negócios, usos e costumes e o desejo de manter boas relações comerciais ou agir de maneira equitativa. Se, por exemplo, uma entidade decide, por uma questão de política mercadológica ou de imagem, retificar defeitos em seus produtos, mesmo quando tais defeitos tenham se tornado conhecidos depois que expirou o período da garantia, as importâncias que espera gastar com os produtos já vendidos constituem-se em passivos.

61. Deve-se fazer uma distinção entre uma obrigação presente e um compromisso futuro. A decisão da Administração de uma entidade de adquirir ativos no futuro não constitui, por si só, uma obrigação presente. A obrigação normalmente surge somente quando o ativo é recebido ou a entidade assina um acordo irrevogável de aquisição do ativo. Neste último caso, a natureza irrevogável do acordo significa que as conseqüências econômicas de deixar de cumprir a obrigação, por exemplo, por causa da existência de uma penalidade significativa, deixem a entidade com pouca ou nenhuma alternativa para evitar o desembolso de recursos em favor da outra parte.

62. A liquidação de uma obrigação presente geralmente implica na utilização, pela entidade, de recursos capazes de gerar benefícios econômicos a fim de atender o direito da outra parte. A extinção de uma obrigação presente pode ocorrer de diversas maneiras, por exemplo, por meio de:

a) pagamento em dinheiro;

b) transferência de outros ativos;

c) prestação de serviços;

d) substituição da obrigação por outra; ou

e) conversão da obrigação em capital.

Uma obrigação pode também ser extinta por outros meios, tais como pela renúncia do credor ou pela perda dos seus direitos creditícios.

63. Passivos resultam de transações ou outros eventos passados. Assim, por exemplo, a aquisição de mercadorias e o uso de serviços resultam em contas a pagar (a não ser que pagos adiantadamente ou na entrega) e o recebimento de um empréstimo resulta na obrigação de liquidá-lo. Ou uma entidade pode ter a necessidade de reconhecer como passivo futuros abatimentos baseados no volume das compras anuais dos clientes; nesse caso, a venda das mercadorias no passado é a transação da qual deriva o passivo.

64. Alguns passivos somente podem ser mensurados com o emprego de um elevado grau de estimativa. No Brasil esses passivos são descritos como provisões. A definição de passivo, constante do item 49, tem um enfoque amplo e assim, se a provisão envolve uma obrigação presente e satisfaz os demais critérios da definição, ela é um passivo, ainda que seu valor tenha que ser estimado. Exemplos incluem provisões por pagamentos a serem feitos para atender acordos com garantias em vigor e provisões para fazer face a obrigações de aposentadoria.

Patrimônio Líquido

65. Embora o patrimônio líquido seja definido no item 49 como um valor residual, ele pode ter subclassifi-cações no balanço patrimonial. Por exemplo, recursos aportados pelos sócios, reservas resultantes de apropriações de lucros e reservas para manutenção do capital podem ser demonstrados separadamente. Tais classificações podem ser importantes para a tomada de decisão dos usuários das demonstrações contábeis quando indicarem restrições legais ou de outra natureza sobre a capacidade que a entidade tem de distribuir ou aplicar de outra forma os seus recursos patrimoniais. Podem também refletir o fato de que acionistas de uma entidade tenham direitos diferentes em relação ao recebimento de dividendos ou reembolso de capital.

66. A constituição de reservas é, às vezes, exigida pelo estatuto ou por lei para dar à entidade e seus credores uma margem maior de proteção contra os efeitos de prejuízos. Outras reservas podem ser constituídas em atendimento a leis que concedem isenções ou reduções nos impostos a pagar quando são feitas transferências para tais reservas. A existência e o valor de tais reservas legais, estatutárias e fiscais representam informações que podem ser importantes para a tomada de decisão dos usuá-

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rios. As transferências para tais reservas são apropriações de lucros acumulados, portanto não constituem despesas.

67. O valor pelo qual o patrimônio líquido é apresentado no balanço patrimonial depende da mensuração dos ativos e passivos. Normalmente, o valor do patrimônio líquido somente por coincidência é igual ao valor de mercado das ações da entidade ou da soma que poderia ser obtida pela venda dos seus ativos e liquidação de seus passivos numa base de item por item, ou da entidade como um todo, numa base de continuidade operacional.

68. Atividades comerciais e industriais bem como outros negócios são freqüentemente exercidos por meio de firmas individuais, sociedades limitadas, entidades estatais e outras organizações cuja estrutura legal e regulamentar pode ser diferente daquela aplicável às sociedades por ações. Por exemplo, pode haver poucas restrições, ou nenhuma, sobre a distribuição aos proprietários ou outros beneficiários de importâncias incluídas no patrimônio líquido. Independentemente desses fatos, a definição de patrimônio líquido e os outros aspectos desta Estrutura Conceituai que tratam do patrimônio líquido são igualmente aplicáveis a tais entidades.

Desempenho

69. O resultado é freqüentemente usado como medida de desempenho ou como base para outras avaliações, tais como o retorno do investimento ou resultado por ação. Os elementos diretamente relacionados com a mensuração do resultado são as receitas e as despesas. O reconhecimento e mensuração das receitas e despesas e, consequentemente, do resultado, dependem em parte dos conceitos de capital e de manutenção do capital usados pela entidade na preparação de suas demonstrações contábeis. Esses conceitos são discutidos nos itens 102 a 110.

70. Receitas e despesas são definidas como segue:

a) Receitas são aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil sob a forma de entrada de recursos ou aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido e que não sejam provenientes de aporte dos proprietários da entidade; e

b) Despesas são decréscimos nos benefícios econômicos durante o período contábil sob a forma de saída de recursos ou redução de ativos ou incrementos em passivos, que resultam em decréscimo do patrimônio líquido e que não sejam provenientes de distribuição aos proprietários da entidade.

71. As definições de receitas e despesas identificam os seus aspectos essenciais, mas não especificam os critérios que precisam ser satisfeitos para que sejam reconhecidas na demonstração do resultado. Os critérios para o reconhecimento das receitas e despesas são comentados nos itens 82 a 98.

72. As receitas e despesas podem ser apresentadas na demonstração do resultado de diferentes maneiras, de modo que prestem informações relevantes para a tomada de decisões. Por exemplo, é prática comum distinguir entre receitas e despesas que surgem no curso das atividades usuais da entidade e as demais. Essa distinção é feita porque a fonte de uma receita é relevante na avaliação da capacidade que a entidade tenha de gerar caixa ou equivalentes de caixa no futuro; por exemplo, receitas oriundas de atividades eventuais como a venda de um investimento de longo prazo normalmente não se repetem numa base regular. Nessa distinção, deve-se levar em conta a natureza da entidade e suas operações. Itens que resultam das atividades ordinárias de uma entidade podem ser incomuns em outras entidades.

73. A distinção entre itens de receitas e de despesas e a sua combinação de diferentes maneiras também permitem demonstrar várias formas de medir o desempenho da entidade, com maior ou menor abrangência de itens. Por exemplo, a demonstração do resultado pode apresentar a margem bruta, o lucro ou prejuízo das atividades ordinárias antes dos tributos sobre o resultado, o lucro ou o prejuízo das atividades ordinárias depois desses tributos e o lucro ou prejuízo líquido.

Receitas

74. A definição de receita abrange tanto receitas propriamente ditas como ganhos. A receita surge no curso das atividades ordinárias de uma entidade e é designada por uma variedade de nomes, tais como vendas, honorários, juros, dividendos, royalties e aluguéis.

75. Ganhos representam outros itens que se enquadram na definição de receita e podem ou não surgir no curso das atividades ordinárias da entidade, representando aumentos nos benefícios econômicos e, como tal, não diferem, em natureza, das receitas. Consequentemente, não são considerados como um elemento separado nesta Estrutura Conceituai.

76. Ganhos incluem, por exemplo, aqueles que resultam da venda de ativos não correntes. A definição de receita também inclui ganhos não realizados; por exemplo, os que resultam da reavaliação de ti-

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tulos negociáveis e os que resultam de aumentos no valor de ativos a longo prazo. Quando esses ganhos são reconhecidos na demonstração do resultado, eles são usualmente apresentados separadamente, porque sua divulgação é útil para fins de tomada de decisões econômicas. Esses ganhos são, na maioria das vezes, mostrados líquidos das respectivas despesas.

77. Vários tipos de ativos podem ser recebidos ou aumentados por meio da receita; exemplos incluem caixa, contas a receber, mercadorias e serviços recebidos em troca de mercadorias e serviços fornecidos. A receita também pode resultar da liquidação de passivos. Por exemplo, a entidade pode fornecer mercadorias e serviços a um credor em liquidação da obrigação de pagar um empréstimo.

Despesas

78. A definição de despesas abrange perdas assim como as despesas que surgem no curso das atividades ordinárias da entidade. As despesas que surgem no curso das atividades ordinárias da entidade incluem, por exemplo, o custo das vendas, salários e depreciação. Geralmente, tomam a forma de um desembolso ou redução de ativos como caixa e equivalentes de caixa, estoques e ativo imobilizado.

79. Perdas representam outros itens que se enquadram na definição de despesas e podem ou não surgir no curso das atividades ordinárias da entidade, representando decréscimos nos benefícios econômicos e, como tal, não são de natureza diferente das demais despesas. Assim, não são consideradas como um elemento à parte nesta Estrutura Conceituai.

80. Perdas incluem, por exemplo, as que resultam de sinistros como incêndio e inundações, assim como as que decorrem da venda de ativos não correntes. A definição de despesas também inclui as perdas não realizadas, por exemplo as que surgem dos efeitos dos aumentos na taxa de câmbio de uma moeda estrangeira com relação aos empréstimos a pagar em tal moeda. Quando as perdas são reconhecidas na demonstração do resultado, elas são geralmente demonstradas separadamente, pois sua divulgação é útil para fins de tomada de decisões econômicas. As perdas são geralmente demonstradas líquidas das respectivas receitas.

Ajustes para Manutenção do Capital

81. A reavaliação ou a atualização de ativos e passivos dão margem a aumentos ou diminuições do patrimônio líquido. Embora tais aumentos ou diminuições se enquadrem na definição de receitas e de despesas, sob certos conceitos de manutenção do

capital eles não são incluídos na demonstração do resultado. Em vez disso, tais itens são incluídos no patrimônio líquido como ajustes para manutenção do capital ou reservas de reavaliação. Esses conceitos de manutenção do capital são comentados nos itens 102 a 110 desta Estrutura Conceituai.

RECONHECIMENTO DOS ELEMENTOS DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

82. Reconhecimento é o processo que consiste em incorporar ao balanço patrimonial ou à demonstração do resultado um item que se enquadre na definição de um elemento e que satisfaça os critérios de reconhecimento mencionados no item 83. Envolve a descrição do item, a atribuição do seu valor e a sua inclusão no balanço patrimonial ou na demonstração do resultado. Os itens que satisfazem os critérios de reconhecimento devem ser registrados no balanço ou na demonstração do resultado. A falta de reconhecimento de tais itens não é corrigida pela divulgação das práticas contábeis adotadas nem pelas notas ou material explicativo.

83. Um item que se enquadre na definição de ativo ou passivo deve ser reconhecido nas demonstrações contábeis se:

a) for provável que algum benefício econômico futuro referente ao item venha a ser recebido ou entregue pela entidade; e

b) ele tiver um custo ou valor que possa ser medido em bases confiáveis.

84. Ao avaliar se um item se enquadra nesses critérios e, portanto, se qualifica para fins de reconhecimento nas demonstrações contábeis, é necessário considerar as observações sobre materialidade comentadas nos itens 29 e 30. O inter-relacionamento entre os elementos significa que um item que se enquadra na definição e nos critérios de reconhecimento de um determinado elemento, por exemplo, um ativo, requer automaticamente o reconhecimento de outro elemento, por exemplo, uma receita ou um passivo.

Probabilidade de Realização de Benefício Econômico Futuro

85. O conceito de probabilidade é usado nos critérios de reconhecimento para determinar o grau de incerteza com que os benefícios econômicos futuros referentes ao item venham a ser recebidos ou entregues pela entidade. O conceito está em conformidade com a incerteza que caracteriza o ambiente em que a entidade opera. As avaliações do grau de incerteza ligado ao fluxo de futuros benefícios

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Estrutura Conceituai da Contabilidade 4 5

econômicos são feitas com base na evidência disponível quando as demonstrações contábeis são preparadas. Por exemplo, quando é provável que uma conta a receber devida à entidade seja paga, é então justificável, na ausência de qualquer evidência em contrário, reconhecer a conta a receber como um ativo. Para uma grande quantidade de contas a receber, entretanto, algum grau de inadimplência é normalmente considerado provável; dessa forma, reconhece-se como uma despesa a esperada redução nos benefícios econômicos.

Confiabilidade da Mensuração

86. O segundo critério para reconhecimento de um item é que ele possua um custo ou valor que possa ser determinado em bases confiáveis, conforme comentado nos itens 31 a 38 desta Estrutura Conceituai. Em muitos casos, o custo ou valor precisa ser estimado; o uso de estimativas razoáveis é uma parte essencial da preparação das demonstrações contábeis e não prejudica a sua confiabilidade. Quando, entretanto, não puder ser feita uma estimativa razoável, o item não deve ser reconhecido no balanço patrimonial ou na demonstração do resultado. Por exemplo, o valor que se espera receber de uma ação judicial pode enquadrar-se nas definições tanto de um ativo como de uma receita, assim como nos critérios exigidos para reconhecimento; todavia, se não é possível determinar, em bases confiáveis, o valor que será recebido, ele não deve ser reconhecido como um ativo ou uma receita; a existência da reclamação deverá ser, entretanto, divulgada nas notas explicativas ou demonstrações suplementares.

87. Um item que, em determinado momento, deixe de se enquadrar nos critérios de reconhecimento constantes do item 83 poderá qualificar-se para reconhecimento em data posterior como resultado de circunstâncias ou eventos subsequentes.

88. Um item que possui as características de ativo, passivo, receita ou despesa, mas não atende aos critérios para reconhecimento, pode, entretanto, requerer divulgação nas notas e material explicativos ou em demonstrações suplementares. Isso será apropriado quando a divulgação do item for considerada relevante para a avaliação da posição patrimonial e financeira, do desempenho e das mutações na posição financeira da entidade por parte dos usuários das demonstrações contábeis.

Reconhecimento de Ativos

89. Um ativo é reconhecido no balanço patrimonial quando for provável que benefícios econômicos fu

turos dele provenientes fluirão para a entidade e seu custo ou valor puder ser determinado em bases confiáveis.

90. Um ativo não é reconhecido no balanço patrimonial quando desembolsos tiverem sido incorridos ou comprometidos, dos quais seja improvável a geração de benefícios econômicos para a entidade após o período contábil corrente. Ao invés, tal transação é reconhecida como despesa na demonstração do resultado. Esse tratamento não implica dizer que a intenção da Administração ao incorrer na despesa não tenha sido a de gerar benefícios econômicos futuros para a entidade ou que a Administração tenha sido mal conduzida. A única implicação é que o grau de certeza quanto à geração de benefícios econômicos para a entidade, após o período contábil corrente, é insuficiente para justificar o reconhecimento de um ativo.

Reconhecimento de Passivos

91. Um passivo é reconhecido no balanço patrimonial quando for provável que uma saída de recursos envolvendo benefícios econômicos seja exigida em liquidação de uma obrigação presente e o valor pelo qual essa liquidação se dará possa ser determinado em bases confiáveis. Na prática, as obrigações contratuais ainda não integralmente cumpridas de forma proporcional (por exemplo, obrigações decorrentes de pedidos de compra de produtos e mercadorias, mas ainda não recebidos) não são geralmente reconhecidas como passivos nas demonstrações contábeis. Contudo, tais obrigações podem enquadrar-se na definição de passivos e, desde que sejam atendidos os critérios de reconhecimento nas circunstâncias específicas, poderão qualificar-se para reconhecimento. Nesses casos, o reconhecimento do passivo exige o reconhecimento dos correspondentes ativo ou despesa.

Reconhecimento de Receitas

92. A receita é reconhecida na demonstração do resultado quando resulta em um aumento, que possa ser determinado em bases confiáveis, nos benefícios econômicos futuros provenientes do aumento de um ativo ou da diminuição de um passivo. Isso significa, de fato, que o reconhecimento da receita ocorre simultaneamente com o reconhecimento de aumento de ativo ou de diminuição de passivo. Mas isso não significa que todo aumento de ativo ou redução de passivo corresponda a uma receita.

93. Os procedimentos normalmente adotados na prática para reconhecimento da receita, como por exemplo o requisito de que a receita deve ter sido

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ganha, são aplicações dos critérios de reconhecimento definidos nesta Estrutura Conceituai. Tais procedimentos são geralmente orientados para restringir o reconhecimento como receita àqueles itens que possam ser determinados em bases confiáveis e tenham um grau suficiente de certeza.

Reconhecimento de Despesas

94. As despesas são reconhecidas na demonstração do resultado quando surge um decréscimo, que possa ser determinado em bases confiáveis, nos futuros benefícios econômicos provenientes da diminuição de um ativo ou do aumento de um passivo. Isso significa, de fato, que o reconhecimento de despesa ocorre simultaneamente com o reconhecimento do aumento do passivo ou da diminuição do ativo (por exemplo, a provisão para obrigações trabalhistas ou a depreciação de um equipamento).

95. As despesas são reconhecidas na demonstração do resultado com base na associação direta entre elas e os correspondentes itens de receita. Esse processo, usualmente chamado de confrontação entre despesas e receitas (Regime de Competência), envolve o reconhecimento simultâneo ou combinado das receitas e despesas que resultem diretamente das mesmas transações ou outros eventos; por exemplo, os vários componentes de despesas que integram o custo das mercadorias vendidas devem ser reconhecidos na mesma data em que a receita derivada da venda das mercadorias é reconhecida. Entretanto, a aplicação do conceito de confrontação da receita e despesa de acordo com esta Estrutura Conceituai não autoriza o reconhecimento de itens no balanço patrimonial que não satisfaçam à definição de ativos ou passivos.

96. Quando se espera que os benefícios econômicos sejam gerados ao longo de vários períodos contábeis, e a confrontação com a correspondente receita somente possa ser feita de modo geral e indireto, as despesas são reconhecidas na demonstração do resultado com base em procedimentos de alocação sistemática e racional. Muitas vezes isso é necessário ao reconhecer despesas associadas com o uso ou desgaste de ativos, tais como imobilizado, ágio, marcas e patentes; em tais casos, a despesa é designada como depreciação ou amortização. Esses procedimentos de alocação destinam-se a reconhecer despesas nos períodos contábeis em que os benefícios econômicos associados a tais itens sejam consumidos ou expirem.

97. Uma despesa é reconhecida imediatamente na demonstração do resultado quando um gasto não produz benefícios econômicos futuros ou quando, e na extensão em que os benefícios econômicos fu

turos não se qualificam, ou deixam de se qualificar, para reconhecimento no balanço patrimonial como um ativo.

98. Uma despesa é também reconhecida na demonstração do resultado quando um passivo é incorrido sem o correspondente reconhecimento de um ativo, como no caso de um passivo decorrente de garantia de produto.

MENSURAÇÃO DOS ELEMENTOS DAS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

99. Mensuração é o processo que consiste em determinar os valores pelos quais os elementos das demonstrações contábeis devem ser reconhecidos e apresentados no balanço patrimonial e na demonstração do resultado. Esse processo envolve a seleção de uma base específica de mensuração.

100. Diversas bases de mensuração são empregadas em diferentes graus e em variadas combinações nas demonstrações contábeis. Essas bases incluem o seguinte:

a) Custo histórico. Os ativos são registrados pelos valores pagos ou a serem pagos em caixa ou equivalentes de caixa ou pelo valor justo dos recursos que são entregues para adquiri-los na data da aquisição, podendo ou não ser atualizados pela variação na capacidade geral de compra da moeda. Os passivos são registrados pelos valores dos recursos que foram recebidos em troca da obrigação ou, em algumas circunstâncias (por exemplo, imposto de renda), pelos valores em caixa ou equivalentes de caixa que serão necessários para liquidar o passivo no curso normal das operações, podendo, também, em certas circunstâncias, ser atualizados monetariamente.

b) Custo corrente. Os ativos são reconhecidos pelos valores em caixa ou equivalentes de caixa que teriam de ser pagos se esses ativos ou ativos equivalentes fossem adquiridos na data do balanço. Os passivos são reconhecidos pelos valores em caixa ou equivalentes de caixa, não descontados, que seriam necessários para liquidar a obrigação na data do balanço.

c) Valor realizável (yalor de realização ou de liquidação). Os ativos são mantidos pelos valores em caixa ou equivalentes de caixa que poderiam ser obtidos pela venda numa forma ordenada. Os passivos são mantidos pelos seus valores de liquidação, isto é, pelos valores em caixa e equivalentes de caixa, não descontados, que se espera seriam pagos para liquidar as correspondentes obrigações no curso normal das operações da entidade.

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Estrutura Conceituai da Contabilidade 47

d) Valor presente. Os ativos são mantidos pelo valor presente, descontado, do fluxo futuro de entrada líquida de caixa que se espera seja gerado pelo item no curso normal das operações da entidade. Os passivos são mantidos pelo valor presente, descontado, do fluxo futuro de saída líquida de caixa que se espera seja necessário para liquidar o passivo no curso normal das operações da entidade.

101. A base de mensuração mais comumente adotada pelas entidades na preparação de suas demonstrações contábeis é o custo histórico. Ele é normalmente combinado com outras bases de avaliação. Por exemplo, os estoques são geralmente mantidos pelo menor valor entre o custo e o valor líquido de realização, os títulos e ações negociáveis podem em determinadas circunstâncias ser mantidos a valor de mercado e os passivos decorrentes de pensões são mantidos pelo valor presente de tais benefícios no futuro. Além disso, em algumas circunstâncias entidades usam a base de custo corrente como uma resposta à incapacidade do modelo contábil de custo histórico em enfrentar os efeitos das mudanças de preços dos ativos não monetários.

CONCEITOS DE CAPITAL E MANUTENÇÃO DE CAPITAL

Conceitos de Capital

102. O conceito financeiro de capital é adotado pela maioria das entidades na preparação de suas demonstrações contábeis. De acordo com o conceito financeiro de capital, tal como o dinheiro investido ou o seu poder de compra investido, o capital é sinônimo de ativo líquido ou patrimônio líquido da entidade. Por outro lado, segundo o conceito físico de capital, o capital é considerado como a capacidade produtiva da entidade baseada, por exemplo, nas unidades de produção diária.

103. A seleção do conceito de capital apropriado para a entidade deve ser baseada nas necessidades dos usuários das demonstrações contábeis. Assim, o conceito financeiro de capital deve ser adotado se os usuários das demonstrações contábeis estão principalmente interessados na manutenção do capital nominal investido ou no poder de compra do capital investido. Se, entretanto, a principal preocupação dos usuários é com a capacidade operacional da entidade, o conceito físico de capital deve ser usado. O conceito escolhido indica a meta a ser atingida na determinação do lucro, embora possa haver dificuldades de mensuração em se tornar operacional esse conceito.

Conceitos de Manutenção do Capital e Determinação do Lucro

104. Os conceitos de capital mencionados no item 102 dão origem aos seguintes conceitos de manutenção de capital:

a) Manutenção do capital financeiro. De acordo com esse conceito, o lucro é auferido somente se o montante financeiro (ou dinheiro) dos ativos líquidos no fim do período excede o seu montante financeiro (ou dinheiro) no começo do período, depois de excluídas quaisquer distribuições aos proprietários e seus aportes de capital durante o período. A manutenção do capital financeiro pode ser medida em qualquer unidade monetária nominal ou em unidades de poder aquisitivo constante.

b) Manutenção do capital físico. De acordo com esse conceito, o lucro é auferido somente se a capacidade física produtiva (ou capacidade operacional) da entidade (ou os recursos ou fundos necessários para atingir essa capacidade) no fim do período excede a capacidade física produtiva no início do período, depois de excluídas quaisquer distribuições aos proprietários e seus aportes de capital durante o período.

105. O conceito de manutenção do capital está relacionado à forma como a entidade define o capital que ela procura manter. Ele representa um elo entre os conceitos de capital e os conceitos de lucro, pois fornece um ponto de referência para medição do lucro; é uma condição essencial para distinguir entre o retorno sobre o capital da entidade e a recuperação do capital; somente os ingressos de ativos que excedem os valores necessários para manutenção do capital podem ser considerados como lucro e, portanto, como retorno sobre o capital. Portanto, o lucro é o valor remanescente depois que as despesas (inclusive os ajustes de manutenção do capital, quando for apropriado) tiverem sido deduzidas do resultado. Se as despesas excederem a receita, o saldo será um prejuízo.

106. O conceito físico de manutenção de capital requer a adoção do custo corrente como base de avaliação. O conceito financeiro de manutenção do capital, entretanto, não requer o uso de uma base específica de mensuração. A escolha da base conforme este conceito depende do tipo de capital financeiro que a entidade está procurando manter.

107. A principal diferença entre os dois conceitos de manutenção do capital está no tratamento dos efeitos das mudanças nos preços dos ativos e passivos da entidade. Em termos gerais, uma enti-

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4 8 Manual de Contabilidade Societária * ludícibus, Martins, Gelbcke e Santos

dade terá mantido seu capital se ela tiver tanto capital no fim do período como tinha no início, computados os efeitos das distribuições aos proprietários e seus aportes para o capital durante esse período. Qualquer valor além daquele necessário para manter o capital do início do período é lucro.

108. De acordo com o conceito financeiro de manutenção do capital, no qual o capital é definido em termos de unidades monetárias nominais, o lucro representa o aumento do capital monetário nominal no período. Assim, os aumentos nos preços de ativos mantidos no período, convencionalmente designados como ganhos de estocagem, são, conceitualmente, lucros. Poderão eles não ser reconhecidos como tais, entretanto, até que os ativos sejam vendidos mediante uma transação com terceiros. Quando o conceito financeiro de manutenção de capital é definido em termos de unidades de poder aquisitivo constante, o lucro representa o aumento do poder aquisitivo, no período, do capital investido. Assim, somente a parcela do aumento nos preços dos ativos que exceder o aumento no nível geral de preços é considerada como lucro. O restante do aumento é tratado como um ajuste para manutenção do capital e, consequentemente, como parte integrante do patrimônio líquido.

109. De acordo com o conceito físico de manutenção do capital, quando o capital é definido em termos de capacidade física produtiva, o lucro representa

o aumento desse capital no período. Todas as mudanças de preços afetando ativos e passivos da entidade são vistas, nesse conceito, como mudanças na mensuração da capacidade física produtiva da entidade; dessa forma, devem ser tratadas como ajustes para manutenção do capital, que são parte do patrimônio líquido, e não como lucro.

110. A seleção das bases de mensuração e o conceito de manutenção do capital determinarão o modelo contábil usado na preparação das demonstrações contábeis. Diferentes modelos contábeis apresentam diferentes graus de relevância e confiabilidade e, como em outras áreas, a Administração deve procurar um equilíbrio entre a relevância e a confiabilidade, considerando também o consenso entre os agentes econômicos. Esta Estrutura Conceituai é aplicável a um elenco de modelos contábeis e orienta na preparação e apresentação das demonstrações contábeis elaboradas conforme o modelo escolhido.

2.3 Tratamento para as pequenas e médias empresas

Os conceitos abordados neste capítulo também são aplicáveis às entidades de pequeno e médio porte. Para maior detalhamento, consultar o Pronunciamento Técnico PME - Contabilidade para Pequenas e Médias Empresas.

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3 « i Disponibilidades - Caixa e

Equivalentes de Caixa

3.1 Introdução

A Lei das Sociedades por Ações (Lei nü 6.404/76) estabelece, em seu art. 178, que no Ativo as contas serão dispostas em ordem decrescente de grau de liquidez e, dentro desse conceito, as contas de Disponibilidades são as primeiras a serem apresentadas no Balanço e, como também definido pelo art. 179, dentro do Ativo Circulante.

A intitulação Disponibilidades, dada pela Lei nQ

6.404, é usada para designar dinheiro em caixa e em bancos, bem como valores equivalentes, como cheques em mãos e em trânsito que representam recursos com livre movimentação para aplicação nas operações da empresa e para os quais não haja restrições para uso imediato.

Mas as normas internacionais trabalham muito mais com o conceito de Caixa e Equivalentes de Caixa, o que engloba, além das disponibilidades propriamente ditas, valores que possam ser convertidos, a curto prazo, em dinheiro, sem riscos. Os equivalentes de caixa são mantidos com a finalidade de atender a compromissos de caixa de curto prazo e não para investimento ou outros fins e devem ter conversibilidade imediata em um montante conhecido de caixa e estar sujeitos a um insignificante risco de mudança de valor. Por conseguinte, um investimento, normalmente, se

qualifica como equivalente de caixa quando tem vencimento de curto prazo, por exemplo três meses ou menos, a contar da data da contratação. Os investimentos em ações de outras entidades são excluídos dos equivalentes de caixa a menos que eles sejam, em essência, um equivalente de caixa, como por exemplo nos casos de ações preferenciais resgatáveis que tenham prazo definido de resgate e cujo prazo atenda à definição de curto prazo.

Dentro desse conceito, as aplicações em títulos de liquidez imediata e aplicações financeiras resgatáveis aproximadamente no prazo de 90 dias da data do balanço são também classificáveis como Equivalentes de Caixa, devendo, todavia, ser mostradas em conta à parte.

Em função desse conteúdo básico das Disponibilidades, no Modelo de Plano de Contas apresentado neste Manual, temos as seguintes contas:

I - ATIVO CIRCULANTE

1. DISPONÍVEL

Caixa

Depósitos bancários a vista

Numerário em trânsito

Equivalentes de Caixa - Aplicações de liquidez imediata

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5 0 Manual de Contabilidade Societária * Iudícibus, Martins, Gelbcke e Santos

3.2 Conteúdo e classificação

3.2.1 Caixa

Inclui dinheiro, bem como cheques em mãos, recebidos e ainda não depositados, pagáveis irrestrita e imediatamente.

Normalmente, o saldo de caixa pode estar registrado na empresa em uma ou diversas contas, dependendo de suas necessidades operacionais e locais de funcionamento.

Além disso, há, basicamente, dois tipos de controles da conta Caixa, sendo eles fundo fixo e caixa flutuante.

a) FUNDO FIXO

No sistema de fundo fixo, não há, normalmente, problemas de classificação de valores. Nesse sistema, define-se uma quantia fixa que é fornecida ao responsável pelo fundo, suficiente para os pagamentos de diversos dias e, periodicamente, efetua-se a prestação de contas do valor total desembolsado, repondo-se o valor do fundo fixo, por meio de cheque nominal, a seu responsável.

A contabilização de tais desembolsos é feita a crédito de bancos e a débito das despesas, ou seja, depois de constituído o fundo fixo, a conta respectiva não recebe mais contabilizações (a não ser por aumento ou redução do valor do fundo). Dessa forma, todos os pagamentos não efetuados pelo fundo fixo são feitos por cheques creditados diretamente em Bancos e todos os recebimentos, em dinheiro ou cheques, são depositados diretamente nas contas bancárias sem, portanto, transitar contabilmente pela conta Caixa.

É necessário que, na data do balanço, nesse fundo só haja realmente dinheiro, ou seja, que os comprovantes de despesas tenham sido contabilizados.

b) CAIXA FLUTUANTE

No sistema de caixa flutuante, transitam pela conta Caixa os recebimentos e os pagamentos em dinheiro.

Nesse sistema, podem ocorrer maiores problemas de ordem de classificação contábil de valores, pois o saldo da conta Caixa muitas vezes apresenta não só o dinheiro propriamente dito, mas, também, vales, adiantamentos para despesas de viagens e outras despesas, cheques recebidos a depositar, valores pendentes e outros. Como já mencionado, no saldo da conta Caixa, para fins de Balanço, deve figurar tão somente o saldo em dinheiro, já que os vales e adiantamentos devem constar do Balanço em conta própria de realizável como Adiantamentos, conforme o Modelo do Plano de

Contas apresentado. (Veja itens 4.3.7 e 4.3.8 do Capítulo 4, Contas a Receber.)

Há empresas que ainda efetuam toda a contabilização por meio da conta Caixa, incluindo todos os recebimentos e todos os pagamentos em cheques, gerando um grande e desnecessário volume de débitos e créditos.

Os cheques em mãos, oriundos de recebimentos ainda não depositados, podem figurar no Disponível, se representarem cheques normais pagáveis imediatamente. Por outro lado, os cheques de terceiros em mãos, mas só recebíveis posteriormente, não devem ser classificados como Disponível. Veja conta própria de cheques em cobrança no subgrupo Outros Créditos, no Modelo de Plano de Contas, e descrição no item 4.3.3 do Capítulo 4, Contas a Receber.

3.2.2 Depósitos bancários a vista

a) CONTAS DE LIVRE MOVIMENTAÇÃO

São representados normalmente pelas contas de livre movimentação mantidas pela empresa em bancos. Tais contas podem ser dos seguintes tipos:

a) conta movimento ou depósitos sem limite;

b) contas especiais para pagamentos específicos, tais como contas para folha de pagamento do pessoal, dividendos a pagar a acionistas, desembolsos de filiais ou fábricas. Essas contas normalmente são mantidas mais como medida interna da empresa para facilidade de operação e controle desses pagamentos, e a tendência é de que, ao final dos períodos, seus saldos estejam zerados. Normalmente, essas contas podem ser livremente movimentadas pela empresa por meio de cheques, sendo, portanto, disponibilidades, já que sua abertura é feita mais como medida interna de controle;

c) contas especiais de cobrança. Esse tipo de conta é aberto por inúmeras empresas para ampliar a rede de cobrança bancaria de suas duplicatas ou contas, por ter grande área geográfica de atuação, visando facilitar o pagamento por seus clientes, ou mesmo para que suas filiais ou agentes de cobrança depositem os recebimentos efetuados. Muitas vezes, tais contas só podem ser movimentadas por transferência periódica ou automática de seu saldo para a conta movimento mantida pela empresa no referido banco. Esse tipo de conta também representa disponibilidade normal.

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Disponibilidades - Caixa e Equivalentes de Caixa 51

b) CONTAS BANCÁRIAS NEGATIVAS

Contas bancárias negativas (credoras) ou saldos a favor de bancos não devem ser demonstrados como redução dos demais saldos bancários, mas, separadamente, como um item do Passivo Circulante. Exceção é feita aos casos em que tais saldos devedores e credores estejam no mesmo banco e desde que a empresa tenha o direito de compensá-los.

Nesse sentido, o Pronunciamento Técnico CPC 03 - Demonstração dos Fluxos de Caixa, em seu item 9, definiu o tratamento desses saldos quando estabeleceu sua inclusão na atividade de financiamento:

Empréstimos bancários são geralmente considerados como atividades de financiamento. Entretanto, em determinadas circunstâncias, saldos bancários a descoberto, decorrentes de empréstimos obtidos por meio de instrumentos como cheques especiais ou contas-cor-rentes garantidas são liquidados automaticamente de forma a integrarem a gestão das disponibilidades da entidade. Uma característica de tais contas correntes é que freqüentemente os saldos flutuam de devedor para credor. Nessas circunstâncias, esses saldos bancários a descoberto devem ser incluídos como um componente do caixa e equivalentes de caixa. A parcela não utilizada do limite dessas linhas de crédito não deverá compor os equivalentes de caixa.

c) DATA DE CONTABILIZAÇÃO DE CHEQUES

Os cheques devem ser contabilizados por sua emissão quando isso corresponder aproximadamente à data da entrega aos beneficiários, ou seja, os cheques emitidos até a data do balanço estarão deduzidos dos saldos bancários. Todavia, nos casos em que tais cheques ainda não tenham sido entregues aos favorecidos, e se forem de valores substanciais, deverão ser adicionados aos saldos bancários e às contas correspondentes do Passivo Circulante.

d) CONCILIAÇÕES BANCÁRIAS

Para todas as contas bancárias, um aspecto de controle muito importante (que muitas vezes afeta o saldo respectivo no balanço) é que devem ser feitas conciliações bancárias periodicamente, particularmente na data do Balanço. Essas conciliações entre os saldos da contabilidade com os dos extratos bancários permitem a identificação das pendências existentes para sua contabilização ainda dentro do período. Isso ocorre normalmente com avisos bancários de despesas debitadas pelo banco, mas ainda não registradas pela empresa, com avisos de cobranças efetuadas pelo banco e ainda não contabilizadas, e com outros itens.

e) SITUAÇÕES ESPECIAIS

Contas em Bancos em Liquidação

Os saldos de contas mantidas em bancos que estejam em liquidação ou sob intervenção devem ser classificados como Contas a Receber no Ativo Circulante ou Realizável a Longo Prazo, dentro do Ativo Não Circulante, dependendo da situação específica, e, também, deverá ser feita uma estimativa adequada para possíveis perdas. Caso sejam valores significativos, deverá ser feita uma nota explicativa a esse respeito.

Depósitos Bancários Vinculados

Há diversas situações que requerem de uma empresa a aplicação ou manutenção de recursos em depósitos vinculados em bancos, tais como:

• depósitos vinculados para liquidação de contratos de câmbio ou para liquidação de importações;

• depósitos vinculados à liquidação de empréstimos;

• depósitos vinculados à substituição ou reposição de garantias de empréstimos;

• depósitos bloqueados ou com restrição de movimentação por força de cláusula contratual de financiamento ou para obtenção de linhas especiais de crédito etc.

Pela própria natureza de tais contas bancárias especiais, seus saldos não estão imediatamente disponíveis para os pagamentos normais da empresa, já que estão sujeitos a restrições quanto à retirada ou a outras condições. Dessa forma, tais Depósitos Bancários Vinculados não devem fazer parte integrante das Disponibilidades, e sua classificação no Balanço deve levar em conta suas características específicas e as restrições existentes.

Assim, em conformidade com o Pronunciamento Técnico CPC 03, a entidade deve divulgar, em nota explicativa, acompanhada de um comentário da administração, os saldos de caixa e equivalentes de caixa que não estejam disponíveis para uso pelo grupo.

Usualmente, tais depósitos serão classificáveis fora das Disponibilidades em conta à parte no Ativo Circulante ou Realizável a Longo Prazo, motivo pelo qual o Modelo de Plano de Contas apresenta a conta Depósitos Bancários Vinculados nesses dois grupos. Outra consideração que deve ser feita é que, nos casos em que tais depósitos sejam recursos vinculados à liquidação de determinado empréstimo ou financiamento, sua classificação no Balanço poderia ser como conta redu-tora do passivo correspondente ou, se mantida a classificação no Ativo, o saldo deverá ser segregado entre

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5 2 Manual de Contabilidade Societária • Iudícibus, Martins, Gelbcke e Santos

circulante e longo prazo, acompanhando a classificação no Passivo do empréstimo correspondente.

3.2.3 Numerário em trânsito

A empresa pode ter também, como disponibilidade, numerário em trânsito decorrente de:

• remessas para filiais, depósitos ou semelhantes, por meio de cheques, ordem de pagamento etc;

• recebimentos dessa mesma espécie, ou ainda de clientes ou terceiros, quando conhecidos até a data do balanço.

Tal dinheiro em trânsito representa também um disponível classificável juntamente com os saldos em bancos.

Poderia, também, conforme as necessidades de cada empresa, ser criada no Plano de Contas uma conta específica para registrar o Numerário em Trânsito dentro do subgrupo Disponível.

3.2.4 Aplicações de liquidez imediata

As aplicações de curtíssimo prazo no mercado financeiro também são consideradas como disponível. De acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 03, as aplicações financeiras de curto prazo, de alta liquidez, que são prontamente conversíveis em um montante conhecido de caixa e que estão sujeitas a um insignificante risco de mudança de valor, são consideradas equivalentes de caixa, os quais são mantidos com a finalidade de atender a compromissos de caixa de curto prazo e não para investimento ou outros fins. Insignificante mudança de risco de valor tem, como conseqüência, que aplicações em moeda estrangeira, sujeitas a mudanças significativas de valor, não podem ser aqui consideradas se não forem imediatamente resgatáveis. Assim, valem os depósitos em moeda estrangeira a vista, mas não títulos em moeda estrangeira a vencerem mesmo que a 60 dias, por exemplo. Também não são incluídos nesse subgrupo aplicações em moeda nacional sujeitas a alguma oscilação por variação de preços de commodities, mas podem se forem de liquidez alta e indexadas a um índice de custo de vida, por exemplo, se a condição da estabilidade da moeda estiver sendo observada e não se previr qualquer oscilação significativa até o vencimento.

De qualquer forma, as atualizações desses valores só podem, obviamente, estar feitas até a data do balanço.

3.3 Critérios de avaliação

3.3.1 Geral

Exceto quanto às aplicações temporárias de caixa, analisadas à parte no Capítulo 8, Instrumentos Financeiros, as demais contas do Disponível não apresentam problemas de avaliação. De fato, tais contas são registradas pelo valor nominal constante dos documentos correspondentes às respectivas transações, tais como dinheiro, cheques, avisos bancários, recibos autenticados de depósitos etc, não havendo o menor problema de avaliação, desde que satisfeitas as condições de classificação já descritas, exceto apenas quanto aos valores em moeda estrangeira, a seguir comentados.

3.3.2 Saldos em moeda estrangeira

Se a empresa tiver valores de disponibilidades em moeda estrangeira, os mesmos devem ser registrados em subcontas à parte e seu saldo em moeda nacional deve ser o ajustado, correspondente ao valor em moeda estrangeira convertido para moeda nacional pela taxa cambial de compra corrente na data do Balanço.

Isso poderia ocorrer caso a empresa tivesse dinheiro em caixa em moeda estrangeira ou depósitos bancários em outros países. Nesse caso, devem ser também analisadas as eventuais restrições a que possam estar sujeitos tais valores, seja pela legislação local, seja pela do outro país. As referidas restrições devem ser claramente mencionadas nas demonstrações contábeis, por meio da descrição do título da conta no balanço, ou de nota explicativa.

A variação cambial correspondente ao ajuste do saldo em moeda nacional à nova taxa de câmbio deverá ser lançada, em resultado do exercício, no grupo de Despesas e Receitas Financeiras, nas subcontas à parte de Variações Monetárias, conforme previsto no Modelo de Plano de Contas. (Veja a esse respeito a letra b do item 30.3.2 e a letra a do item 30.3.3.) O ajuste da conta pela variação cambial é coberto pelo Pronunciamento Técnico CPC 02 - Efeitos das Mudanças nas Taxas de Câmbio e Conversão de Demonstrações Contábeis, aprovado e tornado obrigatório, para as companhias abertas, pela Deliberação CVM nB 534/08, e pela Resolução CFC nB 1.120/08 para os profissionais de contabilidade das entidades não sujeitas a alguma regulação contábil específica. De acordo com o referido Pronunciamento, na data de cada balanço, os itens monetários em moeda estrangeira devem ser convertidos usando-se a taxa de fechamento, sendo que as variações cambiais devem ser reconhecidas como receita ou despesa no período em que surgirem. Como regra, para a conversão em moeda nacional, a taxa de compra

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Disponibilidades - Caixa e Equivalentes de Caixa 53

utilizada pela instituição financeira é a que deverá ser adotada. Quando houver evidência de que os recursos serão utilizados no exterior para pagamentos de despesas, compras de ativo etc, os saldos em moeda estrangeira poderão ser convertidos pela taxa de venda da instituição financeira na data do Balanço.

3.4 Tratamento para pequenas e médias empresas

Os conceitos abordados neste capítulo relativos à Caixa e Equivalentes de Caixa, bem como sua mensura-ção e reconhecimento, também são aplicáveis a entidades de pequeno e médio porte.

De acordo com o Pronunciamento Técnico PME - Contabilidade para Pequenas e Médias Empresas, essas entidades distinguem-se por não possuírem responsabilidade pública e, se publicarem demonstrações

contábeis de finalidade geral para os usuários externos (como credores atuais e potenciais, agências de avaliação de crédito etc), não terem quaisquer ações, de-bêntures ou outros valores mobiliários negociados em alguma bolsa organizada.

Ressalta-se que uma entidade possui responsabilidade pública se arquivar, ou estiver no processo de arquivar, as suas demonstrações contábeis em uma comissão de valores mobiliários ou outra organização reguladora com o objetivo de emitir qualquer classe de instrumentos em um mercado público; ou se uma de suas atividades principais é sua função fiduciária de manutenção de ativos para um vasto grupo de pessoas de fora da entidade. Esse é o caso típico de bancos, cooperativas de crédito, companhias de seguro, corretora de títulos e valores mobiliários, fundos mútuos e bancos de investimento.

Para mais detalhes, consultar Pronunciamento Técnico PME - Contabilidade para Pequenas e Médias Empresas.

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4 Contas a Receber

4.1 Conceito e conteúdo

As contas a receber representam, normalmente, um dos mais importantes ativos das empresas. São valores a receber decorrentes de vendas a prazo de mercadorias e serviços a clientes, ou oriundos de outras transações. Essas outras transações não representam o objeto principal da empresa, mas são normais e inerentes a suas atividades.

Por esse motivo, é importante a segregação dos valores a receber, relativos a seu objeto principal (clientes), das demais contas. As contas a receber são desmembradas em montantes a receber de clientes comerciais, contas a receber de partes relacionadas, pré-pagamentos e outros montantes, que podemos denominar OUTROS CRÉDITOS. Essas contas são normalmente realizáveis no decurso do exercício seguinte à data do balanço e fazem parte, portanto, do ATIVO CIRCULANTE. Todavia, podem também ter vencimentos a longo prazo, em casos especiais de vendas a prestação etc, quando, então, as parcelas recebíveis após o exercício seguinte devem ser classificadas no ATIVO NÃO CIRCULANTE. A partir da Lei nB 11.638/07 é também previsto o ajuste a valor presente dos valores a receber, que será tratado em tópico específico deste capítulo.

4.2 Clientes

4.2.1 As contas e sua classificação

O agrupamento das contas representativas dos clientes, que deve estar destacado no Balanço e no Plano de Contas, apresenta-se como segue:

CLIENTES

Duplicatas a receber

a) Clientes b) Controladas e coligadas - transações ope

racionais

Perdas estimadas em créditos de liquidação duvidosa (conta credora)

Ajuste a valor presente (conta credora)

Faturamento para entrega futura (conta credora)

Saques de exportação

c) Serviços executados a faturar

A conta Duplicatas a Receber está segregada nas subcontas de Clientes e Controladas e Coligadas. Essa subdivisão é útil para facilitar o destaque no Balanço das Duplicatas a receber de coligadas e controladas para sua menção na nota explicativa de INVESTIMENTOS ou TRANSAÇÕES ENTRE PARTES RELACIONADAS e elaboração de demonstrações consolidadas. Essas contas, todavia, devem referir-se somente às contas a receber oriundas de transações operacionais normais, ou seja, das vendas ou serviços prestados às coligadas e controladas, como se fossem qualquer outro cliente, pois os demais créditos contra coligadas e controladas, não oriundos dessas operações, são classificados destacada-mente no Ativo Não Circulante, subgrupo Realizável a Longo Prazo, independentemente de seu vencimento.

A conta credora Perdas Estimadas em Créditos de Liquidação Duvidosa deve ser apresentada no Balanço

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Contas a Receber 55

como dedução das duplicatas a receber a que se referem, motivo pelo qual o Plano de Contas já as apresenta nesse agrupamento.

Sobre a conta Ajuste a Valor Presente, "os valores do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante" (Incluído pela Lei nB

11.638, de 2007), veja item 4.4.

Quando houver faturamento antecipado (não confundir com recebimento antecipado), deve-se utilizar a conta Faturamento para Entrega Futura como redutora das duplicatas a receber, pois ainda não existe o direito de recebimento.

É ainda prevista a conta a receber oriunda de exportações pela conta Saques de Exportação, Sua segregação em conta específica é importante, pois são valores recebíveis em moeda estrangeira e devem ter seus saldos em moeda nacional atualizados às taxas cambiais vigentes na data do Balanço.

4,2.2 Duplicatas a receber

a) ORIGEM

As duplicatas a receber originam-se no curso normal das operações da empresa pela venda a prazo de mercadorias ou serviços, representando um direito a cobrar de seus clientes.

Normalmente, tais contas a receber de clientes são representadas por faturas ou duplicatas em aberto na data do Balanço. Porém, podem existir valores a receber, ainda não faturados, oriundos de diversas operações, particularmente no ramo de construção, produção de equipamentos sob encomenda e de serviços profissionais. Assim, nesses casos deve-se ter a conta Serviços Executados a Faturar, relativa a:

a) serviços já executados até a data do Balanço, mas cujo faturamento ainda não foi efetuado;

b) materiais já entregues aguardando sua montagem ou aplicação a determinada obra (de terceiros) ou produto (também de terceiros) em andamento.

b) CRITÉRIOS CONTÁBEIS

As duplicatas e contas a receber de clientes estão diretamente relacionadas com as receitas da empresa, devendo ser contabilmente reconhecidas somente por mercadorias vendidas ou por serviços executados até a data do balanço, de acordo com o princípio contábil de realização da receita. Devem ser creditadas (baixadas) somente pelas cobranças feitas, mercadorias devolvi

das ou descontos comerciais e abatimentos concedidos e perdas reconhecidas até aquela data.

As duplicatas a receber referentes a vendas de mercadorias são geradas pelo ato de transferência do direito de propriedade das mesmas, podendo variar em função das condições de venda, tais como:

a) os produtos são entregues na fábrica ou em outras dependências do cliente, permanecendo sob a responsabilidade do vendedor até então;

b) os produtos são entregues ao cliente na própria fábrica ou em dependências do vendedor, sendo que o cliente assume responsabilidade pelos mesmos a partir desse momento.

É prática comum, entretanto, registrar contabilmente as vendas e as contas a receber delas decorrentes na ocasião da emissão das notas fiscais de vendas, que é praticamente simultânea à entrega (embarque ou despacho) das mercadorias. Paralelamente, há a baixa das contas de estoques com débito respectivo em custo das vendas. Veja a esse respeito o Capítulo 28, item 28.1.3, Receitas de Vendas, e, ainda, a seção 4.4 do presente capítulo, a respeito do ajuste a valor presente das contas a receber.

Os faturamentos antecipados, por conta de futuros fornecimentos, são registrados contabilmente, mas ainda não geram, de fato, nenhum direito, sendo por isso necessária a utilização de conta redutora em valor equivalente "Faturamento para Entrega Futura". Além disso, pode-se realizar registros extracontábeis para controle interno da sociedade.

O registro de uma conta a receber pressupõe que o princípio da realização da receita esteja satisfeito e que contra tal receita estejam registrados o custo das vendas, pela baixa dos estoques e despesas a ela atinentes.

Assim, para se reconhecer a receita que gere contas a receber, deve-se atentar se: (i) as partes mais importantes no processo de ganhá-la estão completadas; (ii) existe um preço atribuído pelo mercado; (iii) há liquidez estimada com relação ao seu recebimento; e (iv) todas as despesas já foram incorridas ou as a incorrer são estimáveis.

A mera emissão de títulos não fundamentados em transações reais e legítimas não permite o registro contábil das contas a receber. A eventual emissão e utilização de títulos sem a fundamentação prevista aqui, visando à obtenção de recursos via desconto, gera somente a criação de exigibilidades, além de se constituir em prática ilegal.

Por outro lado, também não se deve deixar de registrar a venda e a conta a receber respectiva, em virtude da existência de certas condições técnicas ou

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5 6 Manual de Contabilidade Societária • Iudícibus, Martins, Gelbcke e Santos

legais sobre a transferência do direito de propriedade das mercadorias, como, por exemplo, a existência de cláusula de reserva de domínio no caso de vendas a prazo em prestações. Fundamentalmente, nesses casos predomina a saída física da mercadoria que fica sob a responsabilidade do cliente.

Da mesma forma, a incerteza quanto ao recebimento de determinada venda normalmente não é motivo para postergar o registro contábil da receita para o momento em que é recebida. A existência de riscos ou incerteza quanto à realização das duplicatas ou contas a receber é problema de outra natureza, a ser devidamente coberto mediante a constituição de adequado ajuste por perda estimada em créditos de liquidação duvidosa, tratada no item 4.2.3.

As duplicatas a receber de clientes são geralmente contabilizadas em conta sintética, mas com controle individualizado auxiliar, totalizado por cliente, cujo saldo deve ser mensalmente conciliado e confirmado com a conta sintética. As eventuais divergências devem ser analisadas quanto às suas origem e natureza e com a realização de ajustes se necessários. Ao menos na data do balanço da empresa, é necessária não só a conciliação com a identificação das divergências, mas também seu efetivo registro na própria data do balanço, eliminando quaisquer discrepâncias.

Há inúmeras formas e sistemas para adequado controle analítico das contas a receber que variam conforme o ramo de negócio, o grau de sofisticação requerido, o volume e o uso gerencial dessas informações. Assim, podem-se ter desde controles manuais até complexos sistemas ou subsistemas computacionais que permitem registro e controle para consulta on Une, com disponibilidade em diversos locais e com diversas possibilidades de parametrização na criação de relatórios contábeis e gerenciais. O ideal é que sejam subsistemas integrados à contabilidade geral e que não só reflitam adequadamente todas as transações nas datas corretas, mas também que os controles analíticos estejam conciliados com os controles sintéticos. Diante do avanço e facilidade de acesso a sistemas computacionais e o próprio avanço dos meios de divulgação de informações contábeis para os agentes econômicos interessados, é atualmente bem disseminada a utilização de sistemas para esse fim.

c) CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

As contas a receber devem ser avaliadas por seu Valor Líquido de Realização, ou seja, pelo produto final em dinheiro ou equivalente que se espera obter e com o devido ajuste a valor presente (AVP). Para tanto, devem ser constituídos ajustes relativos a Perdas Estimadas em Crédito de Liquidação Duvidosa para cobertura dos valores que se estima não receber, sendo esse ajuste

uma conta redutora das contas a receber, resultando no valor líquido realizável. A conta de ajuste a valor presente também se apresenta como uma conta redutora de contas a receber.

O inciso I, alínea "b'\ do art. 183 da Lei na 6.404/76, modificado pela Lei n° 11.638/07, estabelece os critérios de avaliação desse ativo, indicando que os ativos nesse caso serão avaliados pelo "valor de emissão, atualizado conforme disposições legais ou contratuais, ajustado ao valor provável de realização". O inciso VIII do mesmo artigo prevê que "os elementos dos ativos decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante".

Em decorrência do ajuste a valor presente, os juros "embutidos" ou contratados na transação são reconhecidos pro rata temporis, debitando-se a conta de ajuste a valor presente (redutora do ativo) e creditando-se a conta de receita financeira comercial pelo valor dos juros já transcorridos. Essa forma de contabilização faz com que a informação contábil reflita melhor a real natureza da receita gerada, que não foi em virtude da transação de venda, mais fruto do prazo dado para pagamento da transação no qual a empresa cobra juros, mesmo que não esteja explicitamente contratado.

Se a empresa tiver contas a receber em moeda estrangeira ou com cláusula de correção monetária, tais contas devem ser atualizadas às taxas de câmbio ou coeficiente de correção até a data do Balanço, debitando-se as próprias contas a receber e creditando-se a conta de Variações Monetárias (conta de Resultados).

4.2.3 Perdas estimadas em créditos de liquidação duvidosa

a) CONCEITO

Como já visto, deve ser feita a estimativa de perdas em contas a receber, valor que representa a incerteza no recebimento dos valores. As despesas provenientes dessa estimativa não são dedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social (ver Capítulo 30 item 30.2.3, letra i). A partir do ano-ca-lendário 1997, a legislação fiscal não mais permite a dedutibilidade dessa despesa (Lei nu 9.430/96 e IN SRF ne 93/97), possibilitando, em vez disso, às empresas deduzir as perdas efetivas no recebimento de créditos, na forma e nos prazos previstos na referida legislação fiscal, conforme será discutido no tópico d deste item.

No passado, a legislação fiscal permitia que se usasse um percentual (numa época foi 3%, noutra 1,5%) sobre o saldo de duplicatas a receber para inserir a expectativa dessas perdas. Todavia, embora a legislação

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Contas a Receber 5 7

fiscal tenha criado grandes restrições para o reconhecimento da perda antes de sua efetiva concretização, princípios contábeis e a legislação societária mantêm sua posição de que a empresa deve constituir a conta redutora com base na expectativa de perda. Ao final do exercício social, deve ser computado o valor da referida perda entre as inclusões do LALUR (Livro de Apuração do Lucro Real), para apuração da base de cálculo do Imposto de Renda e Contribuição Social.

A importância de se fazer essa estimativa vai ao encontro do que é previsto nas normas internacionais e do processo de harmonização internacional da contabilidade. O conceito é inerente à estimativa do valor recuperável do ativo, onde é valorizada a informação ao usuário da contabilidade sobre o real valor que se espera no ativo, ou seja, os benefícios econômicos futuros devem ser ajustados àquilo que realmente se tem a expectativa de ser recebido.

b) FORMAS DE APURAÇÃO DA PERDA ESTIMADA

i) A visão que tradicionalmente o Brasil vinha adotando

Primeiramente, vamos discutir o que vem sendo a prática brasileira quanto a essa matéria nos últimos anos. A seguir, no subitem (ii) discutiremos outros pontos e a situação normativa brasileira para a partir de 2010.

A apuração do valor da perda estimada vem variando, pois cada empresa pode ter aspectos peculiares a respeito de seus clientes, ramo de negócios, situação do crédito em geral e a própria conjuntura econômica do momento.

É, portanto, importante serem considerados todos esses fatores conhecidos na estimativa do risco e na expectativa de perdas com as contas a receber, que devem estar cobertas pela estimativa. No Brasil, tradicionalmente, algumas considerações importantes quanto aos critérios para sua apuração vêm sendo feitas: (atenção para as considerações constantes no item (ii) à frente.

a) deve ser baseada na análise individual do saldo de cada cliente. Esse trabalho deve ser feito com base na posição analítica por duplicata dos clientes na data do balanço e em conjunto com os responsáveis pelos setores de vendas e crédito e cobrança, de forma a exercer um julgamento adequado sobre a probabilidade de recebimento dos saldos;

b) deve ser devidamente considerada a experiência anterior da empresa com relação a prejuízos com contas a receber. Essa análise pode ser feita por meio da comparação dos saldos totais de clientes ou de volumes de

faturamento com os prejuízos reais ocorridos em anos anteriores na própria empresa. Complementando essa análise, é importante a contribuição dos elementos ligados aos setores de vendas e crédito e cobrança, com sua experiência e conhecimento dos clientes;

c) devem ser também consideradas as condições de venda. Obviamente, a existência de garantias reais anula ou reduz as perspectivas de perdas; e

d) atenção especial deve ser dada às contas atrasadas e a clientes que tenham parte de seus títulos em atraso. Nesses casos, é importante a preparação de uma análise das contas a receber vencidas, preferencialmente comparativa com períodos anteriores. As contas são agrupadas em função de seus vencimentos, como vencidas há mais de um ano, entre 180 dias e um ano, entre 90 e 180 dias etc. (por meio dessa, pode-se medir a tendência dos clientes em atraso e a probabilidade de perdas, além da eficiência do sistema de crédito utilizado e do próprio serviço de cobrança).

O objetivo é sempre chegar a um dimensionamen-to adequado da estimativa. Essa análise por "idade" de vencimento é particularmente importante nos casos em que há quantidade muito grande de clientes, em que o risco está pulverizado.

Tem sido prática comum e adequada:

a) determinar o valor das perdas já conhecidas com base nos clientes atrasados, em concordata, falência ou com dificuldades financeiras; e

b) estabelecer um valor adicional de perdas estimadas para cobrir perdas prováveis, mesmo que ainda não conhecidas por se referirem a contas a vencer, mas comuns de ocorrer, com base na experiência da empresa, tipo de clientes etc.

As instituições financeiras são as entidades que possuem maior exposição ao risco de crédito por causa de suas atividades operacionais. A Resolução ns

2.682/99 do Banco Central do Brasil (BACEN), que dispõe sobre critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição das perdas estimadas para créditos de liquidação duvidosa, apesar de ser direcionada para adoção pelas instituições financeiras no Brasil, é uma boa fonte de princípios e conceitos importantes na análise da estimativa de recebimento de um crédito. No artigo 2Ô da Resolução está previsto que todos os créditos (vencidos e a vencer) devem ser

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classificados em níveis distintos de risco, e de acordo com a seguinte orientação: "A classificação da operação no nível de risco correspondente é de responsabilidade da instituição detentora do crédito e deve ser efetuada com base em critérios consistentes e verificáveis, amparada por informações internas e externas...". Na classificação dos títulos nas nove classes de risco contempladas na Resolução, vários aspectos devem ser observados, destacando-se os seguintes:

"I - em relação ao devedor e seus garantidores: a) situação econômico-financeira; b) grau de endividamento; c) capacidade de geração de resultados; d) fluxo de caixa; e) administração e qualidade de controles; 0 pontualidade e atrasos nos pagamentos; g) contingências; h) setor de atividade econômica; i) limite de crédito;

II - em relação à operação: a) natureza e finalidade da transação; b) características das garantias, particularmente quanto à suficiência de liquidez; c) valor... e situações de renda e de patrimônio bem como outras informações cadastrais do devedor...".

Esses aspectos previstos somente exemplificam alguns a serem considerados na classificação do risco de crédito. Além disso, também devem ser observadas:

a) as revisões periódicas das classificações de risco;

b) análises de risco feitas não coletivamente, mas individualmente por devedor, e em cada devedor os créditos devem ser ainda segre-gados por vencimentos (títulos vencidos e vincendos), por garantias, por natureza do crédito etc.

Em suma, a estimativa de perda deve ser feita perante uma análise detalhada e criteriosa, independente de regras fiscais. Apesar de ser uma resolução a ser obrigatoriamente observada por instituições financeiras, tais critérios são boa base para quaisquer sociedades com valores relevantes de contas a receber em seus ativos. Com a classificação dos créditos nas classes de risco, a cada classe de risco é atribuído um percentual para a constituição da perda estimada.

ii) O Problema das Perdas Estimadas versus Perdas Incorridas

Essas práticas brasileiras mostradas no item (i) precedente estão muito firmadas no conceito conhecido por Perdas Estimadas. Ou seja, são levantados valores relativos a ajustes por perdas em função de situações específicas de determinados clientes já em inadimplência, prestes a entrar em inadimplência e ainda se adi

cionam aspectos relativos a probabilidades de não recebimentos em decorrência de expectativas originadas de diversos fatores, experiências passadas, estimativas quanto a mudanças de cenários etc.

O outro critério para registro das estimativas de perdas em créditos de liquidação duvidosa é o denominado como Perdas Incorridas. Sob essa alternativa são só reconhecidos como despesas os valores de perdas já de conhecimento da investidora detentora dos créditos. Assim, somente inadimplências já existentes, atrasos fora do normal já ocorridos, notícias já veiculadas de falências, recuperação judicial, inadimplência junto a outras entidades etc. são fatos originadores do reconhecimento de despesas. No máximo são aceitas despesas por conta de previsões de inadimplências futuras quando os fatos originadores são bem conhecidos, estão presentes e já se conhece razoavelmente bem seus efeitos. Por exemplo, entram nesta última categoria problemas de níveis de desemprego crescentes já conhecidos, mas abrangendo exatamente os clientes da entidade, e não a economia em geral; ou então crises de liquidez com conseqüências em outras instituições do mesmo ramo econômico que a detentora de créditos em análise que já sejam verificáveis e mensuráveis etc.

As normas internacionais e o Pronunciamento CPG 38 - Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração só reconhecem a possibilidade de registro contábil das Perdas Incorridas, não aceitando reconhecimento de Perdas simplesmente Esperadas.

Assim, a viger esse Pronunciamento para a partir de 2010, estariam todas as empresas brasileiras sujeitas a ele impedidas de reconhecer perdas por expectativas, médias passadas, crises de liquidez gerais e não aplicáveis especificamente aos clientes da entidade etc, ou seja, não poderiam continuar trabalhando à base das Perdas Esperadas.

O que se espera é uma modificação nas normas internacionais. Espera-se que o IASB passe a aceitar o conceito de Perdas Estimadas já a partir de 2010, e que o CPC adote essa nova postura também (bem como CVM, CFC e outros órgãos reguladores brasileiros), o que poderá fazer com que possamos manter as práticas anteriores. Caso isso não ocorra, ter-se-á uma modificação muito forte nessas práticas de reconhecimento das despesas com perdas dessa natureza. Se não ocorrer essa mudança, teremos que passai; a partir de 2010, do conceito de Perdas Estimadas para Perdas Incorridas. E isso abrangerá também as instituições financeiras obrigadas a apresentar demonstrações consolidadas conforme as normas do IASB.

c) CONTABILIZAÇÃO

A constituição da perda estimada tem como contrapartida contas de despesas operacionais (Despesas com \fendas). Quando um saldo se torna efetivamente

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Contas a Receber 59

incobrável, ou seja, quando se esgotaram sem sucesso os meios possíveis de cobrança, sua baixa da conta de clientes deve ser feita tendo como contrapartida a própria conta redutora. \fejamos um caso prático de contabilização, inclusive para recuperações de contas já baixadas.

Suponhamos que os saldos iniciais de contas a receber e da PECLD de determinado período sejam se-gregados por classe de risco e sejam assim compostos:

Classe de devedor

Classe A Classe B Classe C Classe D

TOTAL

A receber

50.000 70.000 60.000 80.000

260.000

PECLD

(750) (1.400) (1.800) (3.200)

(7.150)

Líquido

49.250 68.600 58.200 76.800

252.850

%de PECLD

1,5% 2,0% 3,0% 4,0%

2,8%

Percebe-se que a análise do risco de crédito foi feita individualmente por devedor, pois os percentuais de

PECLD são distintos para cada classe de risco. Durante o período, ocorreram os seguintes eventos:

a) Clientes da classe A pagaram $ 49.250 dos $ 50.000 que deviam. A PECLD dessa classe era de $ 750 e o saldo líquido a receber era de $ 49.250, igual ao valor recebido. Portanto, a PECLD foi exata para amortecer a perda ocorrida, tendo sido realizada integralmente, não havendo efeito posterior à constituição da PECLD no resultado. Os lançamentos contábeis e a movimentação em forma de tabela desse evento são os seguintes:

Recebimento de clientes classe A

D - Caixa C - Contas a receber classe A

Realização da PCLD

D - PECLD classe A C - Contas a receber classe A

$ 49.250 $ 49.250

$750 $750

Contas de Ativo

Classe A PECLD classe A

TOTAL

CONTAS DE RESULTADO

Saldo inicial

50.000 (750)

49.250

Recebimento

(49.250)

(49.250)

Saldo intermediário

750 (750)

0

Realização PECLD

(750) 750

0

Saldo final

0 0

0

b) Clientes classe B pagaram $ 65.000 dos $ 70.000 que deviam. A PECLD desse cliente era de $ 1.400, resultando em um saldo líquido a receber de $ 68.600, superior ao valor efetivamente recebido. Portanto, a PECLD foi insuficiente em relação à perda ocorrida. A perda estimada foi realizada integralmente e também ocorre efeito no resultado pelo registro da perda ocorrida no período em virtude da insuficiência da PECLD ($ 3.600). Os lançamentos contábeis e a movimentação em forma de tabela desse evento são os seguintes:

Recebimento de clientes classe B

D - Caixa

C - Contas a receber classe B

Realização da PECLD

D - PECLD classe B

C - Contas a receber classe B

Reconhecimento das perdas dos clientes classe B

D - Perdas com incobráveis

C - Contas a receber classe B

$ 65.000

$ 65.000

$1.400

$1.400

$ 3.600

$3.600

Contas de ativo

Classe B PCLD classe B

TOTAL

Contas de resultado

Perdas com incobráveis

Saldo inicial

70.000 (1.400)

68.600

Recebimento

(65.000)

(65.000)

Saldo intermediário

5.000 (1.400)

3.600

Realização PECLD

(1.400) 1.400

0

Saldo intermediário

3.600 0

3.600

Reconhecimento das perdas

(3.600)

(3.600)

(3.600)

Saldo final

0 0

0

(3.600)

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c) Clientes classe C pagaram integralmente os $ 60.000 que deviam, não havendo perda alguma. Como havia a PECLD de $ 1.800 e esta não foi utilizada, deve-se reverter seu saldo com reconhecimento no resultado. Os lançamentos contábeis e a movimentação em forma de tabela desse evento são os seguintes:

Recebimento de clientes classe C

D - Caixa $ 60.000 C - Contas a receber classe C $ 60.000

Reversão da PECLD

D - PECLD classe C $ 1.800 C - Outras receitas operacionais

(ou recuperação de despesas) $ 1.800

Contas de ativo

Classe C PECLD classe C

TOTAL

Contas de resultado

Outras receitas operacionais ou recuperação de despesas

Saldo inicial

60.000 {1.800)

58.200

Recebimento

(60.000)

(60.000)

Saldo intermediário

0 (1.800)

(1.800)

Reversão PECLD

0 1.800

0

1.800

Saldo final

0 0

0

1.800

d) Clientes classe D pagaram $ 60.000 dos $ 80.000 que deviam, e entraram em processo de falência, não havendo qualquer expectativa de receber o saldo remanescente. Portanto, a PECLD deve ser integralmente realizada e o saldo a receber remanescente deve ser lançado como perda com incobráveis. Os lançamentos contábeis e a movimentação em forma de tabela desse evento são os seguintes:

Recebimento de clientes classe D D - Caixa C - Contas a receber classe D

Realização da PECLD

D - PECLD classe D C - Contas a receber classe D

Reconhecimento das perdas dos clientes classe D D - Perdas com incobráveis C - Contas a receber classe D

$ 60.000 $ 60.000

$3.200 $3.200

$ 16.800 $ 16.800

Contas de ativo

Classe D PECLD classe D

TOTAL

Contas de resultado

Perdas com incobráveis

Saldo inicial

80.000 (3.200)

76.800

Recebimento

(60.000)

(60.000)

Saldo intermediário

20.000 (3.200)

16.800

Realização PECLD

(3.200) 3.200

0

Saldo intermediário

16.800 0

16.800

Reconhecimento das perdas

(16.800)

(16.800)

(16.800)

Saldo final

0 0

0

(16.800)

e) Um antigo Cliente F pagou o valor de $ 15.000 de dívidas que já haviam sido consideradas incobráveis em períodos anteriores. Nesse caso houve uma recuperação de crédito, e esta deve ser registrada na conta de resultado Outras Receitas Operacionais. Os lançamentos contábeis são os seguintes:

Recebimento do Cliente F

D - Caixa $ 15.000

C - Outras Receitas Operacionais

(Recuperação de Créditos) $ 15.000

f) No período, foram feitas vendas a prazo, sendo esses os saldos finais antes da constituição da PECLD. A classificação é feita com base na análise individual de cada cliente (similar aos critérios da Resolução Bacen n° 2.682/99 já mencionada):

Classe de devedor

Classe A Classe B Classe C Classe D

TOTAL

A receber

100.000 120.000 130.000

0

350.000

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Contas a Receber 61

g) Aplicando-se um percentual diferenciado para cada nível individual de risco de crédito, que é determinado com base nas características e probabilidades de recebimento para cada nível de risco, a entidade teve como base os seguintes percentuais para a constituição da nova PECLD:

Cliente

Classe A Classe B Classe C Classe D

% de PCLD

2,0% 2,5% 3,0% 4,0%

Com base nesses percentuais, a constituição da nova PECLD é feita. Os lançamentos contábeis e os saldos finais são os seguintes:

Constituição da nova PECLD D - Despesa com PECLD

(Despesa de Vendas) Classe A $ 2.000 Classe B $ 3.000 Classe C $ 3.900

$ 8.900

C - PECLD Classe A

Classe B

Classe C

$ 2.000

$3.000

$ 3.900

$ 8.900

Devedor

Classe A Classe B Classe C Classe D

TOTAL

A receber

100.000 120.000 130.000

0

350.000

PCLD

(2.000) (3.000) (3.900)

0

(8.900)

Líquido a receber

98.000 117.000 126.100

0

341.100

%de PCLD

2,0% 2,5% 3,0% 4,0%

2,5%

Com relação ao item c anterior, o saldo não utilizado da PECLD de $ 1.800 foi revertido contra o resultado, sendo este o procedimento mais correto. Entretanto, pode-se manter esse saldo não utilizado da PECLD até a constituição da nova PECLD. Caso não tivesse sido revertido o saldo não utilizado da PECLD, a situação antes da constituição da nova PECLD seria a seguinte:

Devedor

Classe A Classe B Classe C Classe D

TOTAL

A receber

100.000 120.000 130.000

0

350.000

PECLD

0 0

(1.800) 0

(1.800)

Nesse caso, como a PECLD final dos clientes classe C é de $ 3.900, deve haver a complementação de $ 2.100. Assim, o lançamento da constituição da PECLD final seria o seguinte:

Constituição da nova PECLD

D - Despesa com PCLD

(Despesa de Vendas)

Classe A

Classe B

Classe C

C - PECLD

Classe A

Classe B

Classe C

$ 2.000

$ 3.000

$ 2.100

$ 2.000

$ 3.000

$ 2.100

$7.100

$7.100

O efeito líquido no resultado pelos dois procedimentos é o mesmo, mas o primeiro procedimento evidencia melhor os efeitos do risco de crédito da entidade e a efetividade das estimativas realizadas. Indica com isso o quanto da PECLD foi revertida para o resultado (indicando conservadorismo nas estimativas contábeis) e a efetiva despesa do período com a constituição da nova PECLD. Comparando essas duas situações para os clientes Classe C, tem-se:

Contas de resultado

Outras receitas com reversão Despesa com nova PCLD

Efeito líquido

Caso da reversão

1.800 (3.900)

(2.100)

Caso do complemento

0 (2.100)

(2.100)

Quando a perda estimada é inferior ao saldo atual da conta no final do período anterior, no caso de não haver a reversão do saldo não utilizado da PECLD, o ajuste contábil é efetuado de forma semelhante, rever-tendo-se o excesso como receita (operacional).

d) ASPECTOS FISCAIS

O aspecto contábil e a estimativa adequada com relação à perda estimada em créditos de liquidação duvidosa independe da legislação fiscal, e compreende: (i) constituição da perda estimada, conforme os níveis adequados de risco de crédito, no período em que os créditos foram originados (regime de competência) e com a atualização desse risco periodicamente; (ii) realização da perda estimada pela absorção dos créditos não recebidos, quando a administração os considerar incobráveis; (iii) reversão da perda estimada quando constituída em excesso ao valor efetivamente perdido; e (iv) a baixa dos créditos como perdas efetivas do período quando a estimativa for constituída em valor inferior às perdas efetivamente ocorridas.

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Como mencionado em item anterior, a PECLD tem a finalidade de ajustar as contas a receber (créditos) para seu provável valor de realização, tendo como contrapartida uma despesa (de vendas) no resultado do período em que o crédito foi gerado. Entretanto, a legislação fiscal não reconhece essas despesas para efeitos de dedutibilidade fiscal. As normas fiscais não adotam e não reconhecem o objetivo essencial da PECLD deixando de adotar um adequado regime de competência para uma espécie de "regime fiscal", que nem pode ser considerado regime de competência de fato e nem regime de caixa.

A regulamentação fiscal exige tratamento contábil específico para possibilitar a dedutibilidade das perdas (art. 341 do RIR/99). Se fosse permitido o controle extracontábil das parcelas da PECLD que são dedutí-veis, assim como permitido e recomendado para outras despesas e receitas que são controladas na parte B do LALUR, a informação contábil poderia permanecer com seu caráter relevante, com menos trabalho e custo.

De acordo com a regulamentação fiscal, somente serão dedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social os registros contábeis relativos a perdas (despesas, contabilmente) de créditos referentes aos casos em que (art. 340 do RIR/99):

I - já exista declaração de insolvência do devedor, por meio de sentença do Poder Judiciário;

II - não exista garantia de valor para os créditos de até R$ 5.000,00, por operação, vencidos há mais de seis meses; não exista garantia de valor para os créditos entre R$ 5.000,00 e R$ 30.000,00 por operação e vencidos há mais de um ano e que estejam em processo de cobrança administrativa (como o protesto do título em cartório) e, finalmente, não exista garantia para os créditos de valor superior a R$ 30.000,00 e vencidos há mais de um ano, cujos procedimentos judiciais para recebimento já estejam em andamento (como execução judicial, por exemplo);

III - haja garantia para os valores a receber já vencidos há mais de dois anos e que já estejam contemplados em procedimentos judiciais para recebimento ou arresto das garantias em andamento. Consideram-se créditos com garantia aqueles decorrentes de vendas a prazo com reserva de domínio, de alienação fiduciária em garantia ou de operações com outras garantias reais;

IV - haja declaração de falência ou concordata do devedor, em relação à parcela incobrá-vel, observando-se que a dedução da perda

será admitida a partir da data da decretação da falência ou da concessão da concordata, desde que a credora tenha adotado os procedimentos judiciais necessários para o recebimento do crédito, tais como a sua devida habilitação.

Assim, se a empresa for contribuinte do Imposto de Renda com base no Lucro Real, deverá manter o controle individualizado dos títulos representativos de seus créditos fiscalmente contabilizados como "perdas estimadas".

Fiscalmente, o reconhecimento das perdas decorrentes da inadimplência dos devedores (perdas conforme os critérios fiscais mencionados anteriormente) é útil, exclusivamente, para atender a exigência da legislação fiscal (Lei n° 9.430/96 e IN SRF na 93/97), com a finalidade de deduzi-las na base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social.

O art. 341 do RIR/99, que trata do registro contábil das perdas, obriga que as entidades façam dois tipos distintos de contabilização para que possa haver a dedutibilidade fiscal. No primeiro caso, que se refere exclusivamente aos créditos vencidos há mais de seis meses e cujo valor seja de até $ 5.000,00 (§ 1Q, inciso II, alínea a do art. 341 do RIR/99), os registros contábeis das perdas (perdas conforme os critérios fiscais) devem ser feitos "a débito de conta de resultado e a crédito da conta que registra o crédito", ou seja, nesse caso, quando os critérios fiscais que caracterizam a perda forem observados, deve haver o lançamento dessa perda a débito no resultado e a crédito diretamente na respectiva conta a receber do ativo. Não há a realização da PECLD contábil, já que os créditos perdidos são lançados diretamente para o resultado.

Para todos os outros casos, também quando os critérios fiscais que caracterizam a perda forem observados, deve-se lançar o valor dos créditos considerados perdidos a débito do resultado e a contrapartida a crédito "de conta redutora do crédito". Esse é um lançamento análogo à constituição da PECLD, só que este é uma perda fiscal. Isso implica que também não há a realização da PECLD contábil, já que os valores originais das contas a receber permanecem escriturados no ativo (o valor das contas a receber líquido da provisão é igual a zero). A conseqüência desse tratamento contábil obrigatório fiscalmente é a permanência da perda fiscal como redutora de ativo por prazo estipulado também fiscalmente (5 anos, conforme § 4° do art. 341 do RIR/99). Esse procedimento também implica que mesmo os créditos sendo gerencialmente considerados perdidos devam ficar indevidamente escriturados no ativo da entidade.

Ressalta-se que, para a publicação das demonstrações contábeis, esses procedimentos não devem ter

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Contas a Receber 63

efeito em termos de evidenciação, já que o saldo das contas a receber e da perda fiscal devem aparecer líquidos (não há a evidenciação do valor a receber e sua respectiva provisão integral).

Buscando deixar claro o procedimento contábil que a legislação fiscal requer, comenta-se a seguir os procedimentos contábeis que podem ser adotados para que os efeitos distorcivos da legislação fiscal possam ser sanados. Para tal, duas subcontas redutoras podem ser criadas no ativo e no resultado, conforme tabela a seguir:

ATIVO

PECLD (conta retificadora do contas a receber) PECLD não dedutível (ou contábil) Perda dedutível (ou fiscal)

PECLD TOTAL

RESULTADO

PCLD Despesa com PECLD não dedutível (ou contábil) Despesa com perda dedutível (ou fiscal) Receita de reversão de PECLD não tributável (ou contábil) Receita de reversão de perda tributável (ou fiscal)

Despesa (ou Receita) Líquida com PECLD

Conforme já comentado, o registro das perdas relativas a títulos sem garantia cujo valor seja de até $ 5.000,00 por operação, e vencido há mais de seis meses, deverá ser creditado na própria conta representativa do direito (Contas a Receber). Nos demais casos, o registro poderá ser efetuado a crédito da subconta da PECLD dedutível fiscalmente, para poder haver segregação da PECLD não dedutível (esta última com efeitos corretos da contabilidade feita pelo regime de competência e de acordo com estimativas adequadas). Além da subconta da PECLD no ativo, a Perda dedutível do resultado tem a finalidade de receber os registros das perdas fiscais, não havendo confusão entre a despesa com PECLD pelo regime de competência e o registro fiscal.

Vejamos um exemplo contemplando a contabilização da Perda estimada em Créditos de Liquidação Duvidosa e as Perdas conforme os critérios fiscais. Suponhamos que a Cia. ABC apresente no Balanço Patrimonial de abertura de certo exercício os seguintes saldos referentes à conta de Contas a Receber de Clientes:

Conta

Duplicatas a receber (-) PECLD não dedutíveis (-) Perdas dedutíveis

(-) PECLD total

Créditos Líquidos

Saldo inicial ($)

500.000 (70.000)

0

(70.000)

430.000

Durante o exercício, ocorreram os seguintes fatos:

a) Homologação da concordata do cliente X que se compromete a pagar 75% de sua dívida de $ 20.000, tendo a Cia. ABC adotado os procedimentos judiciais necessários para o recebimento de seus créditos. Conforme a legislação fiscal, a entidade credora pode tomar a dedutibilidade fiscal da parcela que efetivamente não será recebida (25% x $ 20.000 = $ 5.000). A parcela remanescente de $ 15.000 ainda pode ser recebida no futuro, mas a entidade considera prudente manter integralmente a estimativa de perda para esses créditos. O procedimento contábil alternativo, para que haja a possibilidade da dedutibilidade fiscal dessa parcela dos créditos considerada como perda, é o seguinte:

i) Reversão de parcela da PECLD não dedutível para o resultado

D - PECLD não dedutível (conta retificadora de ativo) $ 5.000

C - Reversão da PECLD não tributável (conta de resultado) $ 5.000

ii) Registro fiscal da perda

D - Perda dedutível (conta de resultado) $ 5.000

C - Perda dedutível (conta retificadora de ativo) $ 5.000

Com esse procedimento alternativo de contabilização, substitui-se a realização da PECLD pela reversão da PECLD não tributável mais a constituição da Perda dedutível. Contabümente, o efeito é o mesmo que o da realização da PECLD, pois não deve haver efeito no resultado. Entretanto, os valores que efetivamente não serão recebidos ainda permanecem indevidamente no ativo, retificados pela Perda dedutível. Os lançamentos anteriores podem ser assim visualizados:

ATIVO

Conta

Duplicatas a receber

(-) PECLD não dedutíveis (-) Perdas dedutíveis

(-) PECLD total

Créditos Líquidos

Saldo inicial (R$)

500.000

(70.000) 0

(70.000)

430.000

Reversão e lançamento

fiscal

5.000 a) (5.000) b)

0

0

Saldo

500.000

(65.000) (5.000)

(70.000)

430.000

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6 4 Manual de Contabilidade Societária • ludfcibus, Martins, Gelbcke e Santos

RESULTADO

Demonstração do Resultado Reversão de PECLD - não

tributáveis Constituição de Perda -

dedutíveis Efeito líquido

5.000 a)

(5.000) b) 0

É de reparar que esse procedimento implica a manutenção do valor do crédito de $ 2.000 no ativo e a eliminação do efeito da Perda dedutível no resultado.

A Perda dedutível retifícadora deve ser mantida no ativo junto com os respectivos créditos por pelo menos cinco anos. Caso haja o estorno desse lançamento ou a baixa das contas a receber contra essa conta antes desse prazo, o fisco desconsidera o lançamento inicial da perda fiscal, e esse valor inicialmente deduzido da base de cálculo do imposto deve ser tributado.

b) Um título de $ 2.000 completa 6 meses de vencido, sem que tenha sido pago, e é considerado de difícil recebimento pela empresa, e já existe a PECLD não dedutível integral para esse crédito. Conforme a legislação fiscal, a entidade credora pode tomar a dedu-tibilidade fiscal desses créditos somente se der baixa dele diretamente contra o resultado. Ainda com relação a esse crédito, a entidade considera que esse valor pode ainda não ser uma perda efetiva, existindo a possibilidade de recuperação, o que contabilmente implica a manutenção do crédito no ativo junto com uma conta retifícadora desse valor. É de reparar que se o correto procedimento contábil for feito (manutenção da PECLD não dedutível e dos créditos no ativo), não existe a possibilidade da tomada da dedutibilidade fiscal. Portanto, há um problema: descobrir uma forma de contabilização que amenize os efeitos distorci-vos da norma do fisco, caso contrário, estará isso obrigando a contabilidade a ficar errada, já que é obrigatória a baixa dos créditos no resultado para efeito da dedutibilidade.

Para sanar esse efeito, poderia então haver um lançamento adicional oposto ao lançamento contábil.

iii) Registro fiscal da perda

D - Perda dedutível (conta de resultado) $ 2.000

C - Contas a receber (baixa do título) $ 2.000

iv) Registro restaurador do ativo

D - Contas a receber (reversão da baixa do título) $ 2.000

C - PECLD não tributável (acerto da Perda dedutível conta de resultado) $ 2.000

ATIVO

Conta

Duplicatas a receber

(-) PECLD não dedutíveis

(-) Perdas dedutíveis

(-) PECLD total

Créditos Líquidos

Saldo anterior

500.000

(65.000) (5.000)

(70.000)

430.000

Baixa do crédito e reversão de

PECLD

(2.000) + 2.000 c)ed)

0

Saldo

500.000

(65.000) (5.000)

(70.000)

430.000

RESULTADO

Demonstração do Resultado PECLD - não tributáveis

Perda dedutível

Efeito líquido

2.000 d)

(2.000) c)

0

Contabilmente, não deve haver efeito no resultado, pois já existe a PECLD para esses créditos.

c) Um título de $ 9.000,00 completa 1 ano de vencido, sem que tenha sido pago, e a ABC inicia o processo administrativo de cobrança. Conforme a legislação fiscal, a entidade credora pode tomar a dedutibilidade fiscal desses créditos registrando a perda fiscal no resultado e a contrapartida na conta de Perda dedutível (retificadora). A entidade ABC considera impossível a recuperação desses créditos, o que contabilmente deveria implicar a baixa desses créditos contra sua PECLD, que já existia integralmente. Entretanto, se isso for feito, não existe a possibilidade da tomada da dedutibilidade fiscal. Portanto, a escrituração fica errada, mostrando os créditos no ativo retificados pela Perda dedutível. Os lançamentos são os seguintes:

v) Registro fiscal da perda

D - Perda dedutível (conta de resultado) $ 9.000

C - Perda dedutível (conta retificadora de ativo) $ 9.000

vi) Reversão da PECLD não dedutível para eliminar o efeito fiscal errado no resultado

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Contas a Receber 6 5

D - PECLD não dedutível (conta retificadora de ativo) $ 9.000

C - Reversão da PECLD não tributável (conta de resultado) $ 9.000

Com esse procedimento de contabilização, substitui-se a realização da PECLD pela reversão da PECLD não dedutível mais a constituição da Perda dedutível. Contabümente, o efeito é um erro, já que os créditos considerados como perda pela administração não são baixados contabümente. Nesse caso, o adequado seria, para correta elaboração do balanço, considerar o ativo pelo valor líquido, e não o registro do crédito e de sua perda dedutível.

Os lançamentos anteriores podem ser assim visualizados:

ATIVO

Conta

Duplicatas a receber

(-) PECLD não dedutíveis (-) Perdas dedutíveis

(-) PECLD total

Créditos Líquidos

Saldo anterior

500.000

(65.000) (5.000)

(70.000)

430.000

Reversão e lançamento

fiscal

(9.000) f) (9.000) e)

0

0

Saldo

500.000

(56.000) (14.000)

(70.000)

430.000

RESULTADO

Demonstração do Resultado Reversão de PECLD não

tributável 9.000 f) Constituição de Perda

dedutível (9.000) e) Efeito líquido no resultado 0

d) Um título de $ 55.000,00 completa 1 ano de vencido, sem que tenha sido pago, e a empresa inicia o processo judicial de cobrança. Conforme a legislação fiscal, a entidade credora pode tomar a dedutíbüidade fiscal desses créditos. A entidade ainda considera que esses créditos serão recuperáveis. Os $ 55.000 da PECLD não dedutível são revertidos para o resultado. Os lançamentos são os seguintes:

vü) Reversão da PECLD não dedutível

D - PECLD não dedutível (conta retificadora de ativo) $ 55.000

C - Reversão da PECLD não tributável (conta de

viii) Constituição da Perda dedutível

D - Perda dedutível (conta de resultado) $ 55.000

C - Constituição da Perda dedutível (conta retificadora de ativo) $ 55.000

Esses lançamentos não resultam em efeito líquido no resultado. Os lançamentos anteriores podem ser assim visualizados:

ATIVO

Conta

Duplicatas a receber

(-) PECLD não dedutíveis (-) Perdas dedutíveis

(-) PECLD total

Créditos Líquidos

Saldo anterior

500.000

(56.000) (14.000)

(70.000)

430.000

Reversão e lançamento

fiscal

(55.000) g) (55.000) h)

0

Saldo

500.000

(1.000) (69.000)

(70.000)

430.000

RESULTADO

Demonstração do Resultado Reversão de PECLD não tributável 55.000 g) Constituição de Perda dedutível (55.000) h) Efeito líquido no resultado 0

e) A ABC recebe $ 300.000,00 relativos a duplicatas a receber que estavam em aberto no fim do exercício anterior. O lançamento é trivial:

D - Caixa (ou Bancos) $ 300.000

C - Duplicatas a receber $ 300.000

Ou em forma de tabela:

Conta

Duplicatas a receber

(-) PECLD não dedutíveis (-) Perdas dedutíveis

(-) PECLD total

Créditos Líquidos

Saldo anterior

500.000

(1.000) (69.000)

(70.000)

430.000

Recebimento

(300.000)

(300.000)

Saldo

200.000

(1.000) (69.000)

(70.000)

130.000

resultado) $ 55.000

f) Neste exercício, vende a prazo $ 600.000,00. O lançamento é trivial, sem ainda considerar ajuste a valor presente que será discutido no tópico 6.4:

D - Duplicatas a receber $ 600.000 C - Receita de Vendas $ 600.000

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6 6 Manual de Contabilidade Societária * ludícibus, Martins, Gelbcke e Santos

A movimentação do ativo em forma de tabela:

Conta

Duplicatas a receber

{-) PECLD não dedutíveis (-) Perdas dedutíveis

(-) PECLD total

Créditos Líquidos

Saldo anterior

200.000

(1.000) (69.000)

(70.000)

130.000

Vendas a prazo

600.000

600.000

Saldo

800.000

(1.000) (69.000)

(70.000)

730.000

g) O saldo de duplicatas a receber em aberto é de $ 800.000, e este deve ser analisado. A composição desses créditos é a seguinte:

Vendas a prazo do período

Créditos anteriores em aberto

Créditos considerados como perda fiscal

Créditos considerados como perda fiscal

Créditos considerados como perda fiscal

600.000

130.000

5.000 a)

9.000 c)

55.000 d)

Créditos não considerados como perda fiscal (PECLD)

Total do contas a receber

1.000

800.000

O saldo total em aberto é de $ 800.000 que, após a exclusão dos valores de perdas dedutíveis de $ 69.000 (soma de a, c e d), seria pelo critério do fisco de $ 731.000. Considerando que foi feita nova análise dos valores a receber e a PECDL resulte no seu total (somente para simplificação do exemplo) em 10% do saldo dos valores a receber contabilizados, ou seja, tem-se que o valor da nova PECLD não dedutível deve ser de $ 80.000. Entretanto, parte já está contabilizada como perda dedutível ($ 69.000) e parte como PECLD ($ 1.000). Como já existe esse saldo remanescente que incorpora os critérios do fisco e possibilita a dedutibilidade, a contabilização agora pode ser feita pelos acréscimos adequados para a correta apresentação do ativo:

D - Despesa com PECLD não dedutível (conta de resultado) $ 10.000

C - PECLD não dedutível (conta retificadora de ativo) $ 10.000

Conta

Duplicatas a receber

(-) PECLD não dedutíveis (-) Perdas dedutíveis

(-) PECLD total

Créditos Líquidos

Saldo anterior

800.000

(1.000) (69.000)

(70.000)

730.000

Nova PECLD não dedutível

(10.000)

(10.000)

(10.000)

Saldo

800.000

(11.000) (69.000)

(80.000)

720.000

RESULTADO

Demonstração do Resultado

Constituição de PECLD não dedutível (10.000) i)

Os lançamentos anteriores podem ser assim visualizados:

Pode-se perceber por meio dos exemplos que a norma fiscal acabou por tornar o uso da PECLD complicado, levando a que muitos profissionais interpretem de forma errada seu efetivo objetivo, e considerem apenas a tomada da dedutibilidade fiscal. Novamente, o uso da PECLD tem o objetivo de ajustar as contas a receber para seu provável valor de realização, além de proporcionar um ajuste adequado ao regime de competência na receita de vendas, para que também reflita de forma mais real os fluxos de caixa futuros esperados. A legislação fiscal não considera adequadamente esse objetivo e tem critérios diferentes, fazendo com que os créditos a receber sejam ajustados apenas por "Perdas dedutíveis", conforme os critérios fiscais, e não reflitam adequadamente o valor provável de realização desses ativos. A conciliação dos procedimentos que permitem dedutibilidade fiscal com o real objetivo da PECLD pode requerer um complexo processo de controle e contabilização, conforme visto anteriormente.

e) ASPECTOS COMPLEMENTARES

Normalmente a perda estimada é constituída para cobrir os casos de contas que não se espera sejam recebidas dos clientes respectivos. Entretanto, em certos casos, pode-se incluir no cálculo das perdas estimadas as despesas complementares, além do valor que se espera não receber relativo aos próprios títulos. Esse procedimento justifica-se e deve ser adotado nos casos a seguir:

I - Despesas de cobrança

Conforme os tipos de operação, as despesas de cobrança devem ser estimadas, particularmente quando forem significativas, o que ocorre em determinados ramos, como o de vendas para grande quantidade de clientes a prestação, e que são de pequeno valor individual. Se a empresa mantém equipes de cobradores,

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Contas a Receber 6 7

seus gastos podem ser a base para tal estimativa. Logicamente, não deve abranger a despesa de cobrança de vendas futuras.

n - Descontos, ajustes de preço e abatimentos

Para os descontos, abatimentos ou ajustes de preços significativos, conhecidos e calculáveis na data do Balanço, relativos às contas a receber na mesma data, a empresa deve também constituir estimativa adequada.

4.2.4 Securítização de recebíveis*

Com o intuito de obter recursos a taxas mais competitivas, as empresas têm se utilizado de operações estruturadas de maneira a transferir o controle e o risco para outros investidores. A securítização é uma operação financeira que faz a conversão de ativos a receber da empresa em títulos negociáveis - as secundes (que em inglês se refere aos valores mobiliários e aos títulos de crédito). Esses títulos são vendidos a investidores que passam a ser os novos beneficiários dos fluxos gerados pelos ativos. Entretanto, para viabilizar essa operação, existe a intermediação de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) ou de um fundo de investimento, de maneira que o risco do título é transferido para a SPE ou para o fundo. Os recursos, para o repasse à empresa, são levantados junto ao investidor que adquire "cotas" (emitidas pela SPE ou Fundo) específicas da operação. Normalmente os recebíveis utilizados neste tipo de transação são de uma carteira de clientes da empresa, ou seja, enquanto o risco de uma concessão de "empréstimo" à empresa não tem diversificação, o risco dos recebíveis é diversificado, o que diminui consideravelmente a exposição ao risco de crédito. Pela cessão (venda) desses títulos para a SPE ou para o fundo, a empresa obtém os recursos para o financiamento das suas operações ou de projetos de investimento. Dessa forma, no contexto brasileiro, "securitizar" tem o significado de converter determinados ativos em lastro para títulos ou valores mobiliários a serem emitidos. O objetivo é a emissão de títulos ou valores mobiliários lastreados pelos recebíveis da empresa ou outros ativos. A forma mais tradicional de securítização utiliza os recebíveis da empresa como lastro para a operação (securítização de recebíveis). Entretanto, há outros tipos de ativos que podem ser securitizados, como os créditos imobiliários, os créditos financeiros (tais como empréstimos e financiamentos no caso de instituições financeiras), faturas de cartão de crédito, mensalidades escolares, contas a receber dos setores comercial, industrial e de prestação

1 Parte deste material foi extraído de GALDI, F. C. et ai. Securitiza-ção. In: UMA, I. S. et ai. (Ed.).

de serviços, fluxos de caixa esperados de vendas e serviços futuros, fluxos internacionais de caixa derivados de exportação ou de remessa de recursos para o país, entre outros. A securítização de recebíveis pode ser feita, basicamente, via SPE, via Companhia Securitizado-ra ou pela utilização de um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC).

A normatização sobre securítização é regulada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pelo Banco Central do Brasil (Bacen) e pela legislação comercial e societária.

Para maiores detalhes sobre a contabilização desses ativos consulte o Capítulo 8 de Instrumentos Financeiros deste Manual.

4.3 Outros créditos

4.3.1 Conceito e critérios contábeis

O agrupamento de Outros Créditos pode ser genericamente analisado como sendo composto pelos demais títulos, valores e outras contas a receber, normalmente não originadas do objeto principal da sociedade.

Os critérios de avaliação são os mesmos, isto é, devem ser demonstrados por seus valores líquidos de realização, ou seja, por valores que se espera sejam recuperados, reconhecendo-se as perdas estimadas apresentadas como contas redutoras.

Quanto à classificação, as regras são também as mesmas. São classificadas no Ativo Circulante todas as contas realizáveis em circunstâncias normais dentro do prazo de um ano; as que tiverem vencimento além do exercício seguinte constituem Ativo Não Circulante.

Em termos de apresentação no Balanço, os Outros Créditos podem ser agrupados e apresentados em um só título, se seu total não for significativo, comparativamente com os demais subgrupos. Deverão, porém, ser segregados por espécie, com destaque para as contas importantes, quando forem de valor relevante. Nesse caso, as contas devem ser descritas por título indicativo de sua natureza e origem. Esse subgrupo pode ser, portanto, composto de diversas contas, sendo as mais comuns as relacionadas a seguir, conforme o Modelo do Plano de Contas. Outras contas da natureza de "Outros Créditos" poderão surgir, todavia, o tratamento contábil de tais contas, em termos de avaliação e classificação, é semelhante ao exposto adiante.

OUTROS CRÉDITOS

Títulos a receber

a) Clientes - Renegociação de contas a receber b) Devedores mobiliários

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6 8 Manual de Contabilidade Societária • Iudícibus, Martins, Gelbcke e Santos

c) Empréstimos a receber de terceiros d) Receitas financeiras a transcorrer (conta credora)

Cheques em cobrança

Dividendos propostos a receber

Bancos - Contas vinculadas

Juros a receber

Adiantamento a terceiros

Créditos de funcionários

a) Adiantamentos para viagens b) Adiantamentos para despesas c) Antecipação de salários e ordenados

d) Empréstimos a funcionários

e) Antecipação de 13g salário 0 Antecipação de férias

Tributos a compensar e recuperar

a) IPI a compensar b) ICMS a recuperar

c) IRRF a compensar d) IR e CS a restituir/compensar

e) IR e CS diferidos f) PIS a recuperar g) Outros tributos a recuperar h) Cofins a recuperar

Operações em Bolsa

a) Depósitos para garantia de operação a termo b) Prêmios pagos - mercado de opções

Depósitos restituíveis e valores vinculados

Perdas estimadas em créditos de liquidação duvidosa (conta credora)

Perdas estimadas (conta credora)

Ajuste a valor presente (conta credora)

4,3.2 Títulos a receber

Podem originar-se das próprias contas normais a receber de clientes, as quais, quando vencidas e não pagas, são passíveis de renegociação mediante troca por Títulos a Receber (Notas Promissórias), com novos prazos de vencimento, normalmente acrescidos de juros.

Podem também ser oriundos de vendas não ligadas às operações normais da empresa, tais como vendas de investimentos ou bens do imobilizado, como imóveis, equipamentos, veículos etc.

Outro tipo de operação aqui classificável é a de títulos a receber por empréstimo feito a terceiros (pessoas jurídicas ou físicas). Se a empresa tiver títulos a receber de origem variada como a acima exemplificada, poderá criar subcontas, como segue:

Títulos a Receber

a) Clientes - Renegociação de contas a receber

b) Devedores por venda de ativo permanente

c) Empréstimos a receber de terceiros

e) Receitas financeiras a transcorrer (conta credora)

As parcelas vencíveis dentro do prazo de um ano são classificadas no Circulante, e no "Não circulante", especificamente no subgrupo Realizável a Longo Prazo em rubricas similares, quando o vencimento superar um ano. Devemos relembrar aqui o mencionado no item 4.2.1, sobre a necessidade de segregar os eventuais títulos a receber de controladas e coligadas.

4.3.3 Cheques em cobrança

Essa conta engloba os cheques recebidos até a data do balanço, mas não cobráveis imediatamente, por serem pagáveis em outras praças ou por outras restrições de seu recebimento a vista. Podem originar-se, também, de cheques recebidos anteriormente e devolvidos por falta de fundos, que se encontrem em processo normal ou judicial de cobrança.

Já vimos, por outro lado, no Capítulo 3, Disponibilidades - Caixa e Equivalentes de Caixa (item 3.2.1, letra 6), que os cheques em mãos, oriundos de recebimentos ainda não depositados na data do Balanço, figurarão no Disponível, se representarem cheques normais pagáveis imediatamente.

4.3.4 Dividendos a receber

Essa conta destina-se a registrar os dividendos a que a empresa tenha direito, em função de participações em outras empresas, quando tais empresas já tenham registrado no Passivo a parcela de Dividendos a Distribuir. Posteriormente, dá-se baixa nessa conta, quando do efetivo recebimento desses dividendos. (Veja Capítulo 9, Investimentos - Introdução, item 9.3.2, letra c, II, Dividendos a receber.)

É interessante notar que esses valores só podem ser agora registrados se forem os dividendos mínimos obrigatórios reconhecidos pelas investidas, sem que se preveja qualquer hipótese de não recebimento, e também

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Contas a Receber 6 9

aqueles efetivamente aprovados pelas investidas pelos órgãos que tenham o poder dessa decisão. Assim, dividendos simplesmente propostos, adicionais ao mínimo obrigatório, não podem ser mais classificados como Passivo na distribuidora desses dividendos e muito menos ainda como Dividendo a Receber na investidora.

4,3.5 Bancos - Contas vinculadas

Veja Capítulo 3, Disponibilidades - Caixa e Equivalentes de Caixa, item 3.2.2, letra e, Depósitos bancários vinculados.

4.3.6 Juros a receber

O objetivo dessa conta é o de registrar os juros a receber de terceiros relativos a diversas operações, tais como de empréstimos feitos a terceiros, juros das aplicações em títulos de emissão do governo e outras operações nas quais os juros não sejam agregados aos próprios títulos.

Sua contabilização deve seguir o regime de competência, ou seja, pro rata temporis calculado pela taxa dos juros em função do tempo já transcorrido. A contrapartida é registrada em Receita Financeira.

4.3.7 Adiantamentos a terceiros

Essa conta engloba o numerário entregue a terceiros, mas sem vinculação específica ao fornecimento de bens, produtos ou serviços contratuais predeterminados. Veja o item 7.2.2, letra e, do Capítulo 7, Realizável a Longo Prazo, (Não Circulante), onde esta conta é melhor analisada.

4.3.8 Créditos de funcionários

a) CONTEÚDO E SUBCONTAS POR NATUREZA

Esse agrupamento deve englobar todas as operações de créditos de funcionários por adiantamentos concedidos por conta de salários, por conta de despesas, empréstimos e outros. Por esse motivo, essa conta deve ter subcontas em função dessa variedade de crédito, que pode ser:

Créditos de funcionários

a) Adiantamentos para viagens

b) Adiantamentos para despesas

c) Antecipações de salários e ordenados

d) Empréstimos a funcionários

e) Antecipação de 13° salário

f) Antecipação de férias

b) CONTROLES ANALÍTICOS

Cada conta deve ter controles analíticos por funcionário, cujos saldos devem ser periodicamente totalizados e confrontados com os saldos das contas respectivas.

c) ADIANTAMENTOS PARA VIAGENS E DESPESAS

Essas duas contas destinam-se a registrar os recursos fornecidos a funcionário para custear suas despesas de viagens a serviço ou outras despesas. São debitadas por ocasião do pagamento, em cheque ou dinheiro, ao funcionário, segundo documento assinado por ele. A baixa (crédito) nessas contas é feita pelas prestações de contas ou relatórios de despesas apresentados.

a) Pelo adiantamento feito Adiantamentos para viagem a Caixa ou Bancos

b) Pela prestação de contas Despesas de viagens -Caixa ou Bancos {pelo saldo devolvido) a Adiantamentos para viagens

Débito

X

X X

Crédito

X

X

d) ANTECIPAÇÕES DE SALÁRIOS E ORDENADOS

Essa conta registra os adiantamentos feitos a funcionários por conta de salário. Inúmeras empresas adotam o procedimento de pagar o salário em duas parcelas. A primeira representa o adiantamento feito, que é registrado nessa conta, sendo baixado na folha de pagamento mensal, quando o adiantamento é descontado do salário total a pagar.

e) EMPRÉSTIMOS A FUNCIONÁRIOS

Os valores a receber por empréstimos feitos pela empresa a seus funcionários são registrados nessa conta quando da concessão do empréstimo. A conta é baixada pelos recebimentos efetuados diretamente do funcionário ou por meio de desconto em folha de pagamento ou, ainda, na rescisão contratual nos casos de desligamento.

f) ANTECIPAÇÃO DE 13» SALÁRIO

Conforme legislação trabalhista vigente, é concedida pela empresa uma antecipação do 13° salário no

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7 0 Manual de Contabilidade Societária • ludfcibus, Martins, Gelbcke e Santos

período de fevereiro a outubro, por ocasião de férias ou por liberalidade da empresa no atendimento de uma necessidade do funcionário. Tal antecipação é registrada nessa conta quando de seu pagamento, sendo a baixa registrada quando do pagamento da primeira parcela do 13a salário (novembro), de cujo valor a antecipação é descontada.

g) ANTECIPAÇÃO DE FÉRIAS

Quando se efetivarem pagamentos aos funcionários a título de antecipação sobre as férias, tais valores devem ser registrados nessa conta. A baixa correspondente ocorrerá quando da saída de férias do funcionário, por meio do desconto em folha de pagamento daquele período, ou na rescisão contratual, em caso de desligamento.

h) CLASSIFICAÇÃO DAS CONTAS

Deve-se notar que algumas das contas apresentadas estão estreitamente ligadas a certas contas do passivo contra as quais serão recuperadas. A conta Antecipação do 13a Salário terá seu saldo recuperado mediante desconto quando do pagamento do 13a salário. Por seu turno, a despesa do 13° salário é registrada mensalmente por meio da constituição de uma "provisão derivada de apropriação por competência" para 13° salário a pagar, classificada como obrigação no passivo. Uma vez que tal evidenciação é feita pelo valor total já transcorrido sem deduzir as parcelas de adiantamentos realizados, é correto classificar as contas de antecipação como contas redutoras do passivo. Se o valor se tornar devedor, deve ser transferido para o Ativo.

Raciocínio similar é válido para as contas:

Antecipações de salários e ordenados

Antecipação de férias

4.3.9 Tributos a compensar e recuperar

a) CONTEÚDO E NATUREZA

Há diversas operações que podem gerar valores a recuperar de impostos, tais como saldos devedores (credores, na linguagem fiscal) de ICMS, IPI, PIS, Cofins, IRRF e outros. Tais impostos devem ser registrados nessa conta que, em face da natureza variada dessas operações, deve ter segregação em subcontas, inclusive para melhoria e facilidade de controle. Assim, teremos:

Tributos a compensar e recuperar

a) IPI a recuperar

b) ICMS a recuperar

c) IRRF a compensar

d) IR e CS a restituir/compensar

e) IR e CS diferidos

f) PIS a recuperar

g) Cofins a recuperar

h) Outros tributos a recuperar

Destaca-se que "tributo a compensar/restituir" é o crédito que constitui moeda de pagamento de tributos da mesma espécie ou não e que, se não houver débito com o qual compensar, pode gerar solicitação de restituição em dinheiro. Como exemplo, pode ser citado o saldo credor do IR e da CS apurados no ajuste anual pelas pessoas jurídicas optantes pela apuração anual. Já a expressão "tributo a recuperar" identifica o tributo pago na aquisição de bens, embutido no preço, que poderá ser deduzido do tributo devido sobre vendas ou prestação de serviços, sendo essa normalmente a única forma possível de sua recuperação (exemplo: ICMS, PIS e Cofins não cumulativos pagos na compra de bens para revenda, de insumos da produção ou de bens destinados ao ativo imobilizado). Cabe ressaltar que é legalmente assegurada a possibilidade de utilização dos créditos do PIS e da Cofins para compensar débitos relativos a outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal ou o ressarcimento em dinheiro dos créditos não compensados dentro de cada trimestre, nos casos excepcionais de empresas exportadoras de mercadorias ou serviços para o exterior ou que realizem vendas de bens para empresas comerciais exportadoras com o fim específico de exportação (arts. 5a da Lei n° 10.637/02 e 6a da Lei n° 10.833/03), sendo essas formas excepcionais de utilização estendidas aos créditos, não recuperados em cada trimestre, nas empresas que realizam vendas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência das contribuições (art. 16 da Lei n° 11.116/05).

b) IPI, ICMS, PIS E COFINS A RECUPERAR

Essas contas destinam-se a abrigar, respectivamente, o saldo devedor de ICMS (Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação), do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Pela própria sistemática fiscal desses impostos, mensalmente os débitos fiscais pelas vendas são compensados pelos créditos fiscais das compras, remanescendo um saldo a recolher ou a recuperar, dependendo do volume de tais compras e vendas. O normal é que tais saldos sejam a recolher, quando figuram no Passivo Circulante, mas às vezes ocorrem saldos a recuperar, quando então deverão figurar nessa conta do Ativo Circulante.

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Contas a Receber 7 1

Seus saldos devem ser periodicamente conciliados com os dos livros fiscais respectivos e feitos os ajustes contábeis aplicáveis.

c) IRRF A COMPENSAR

Essa conta destina-se a registrar o IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte) nas operações previstas na legislação em que será recuperado mediante compensação com o imposto de renda quando da apresentação da Declaração de Rendimentos ou de outra forma.

A conta é debitada pela retenção quando do registro da operação que a originou e creditada quando o valor do imposto retido for compensado mediante sua inclusão na declaração de rendimentos e/ou utilização na guia de recolhimento, conforme a sistemática fiscal determinar.

d) IR E CS A RESTITUIR/COMPENSAR

Essa conta destina-se a registrar o Imposto de Renda e a Contribuição Social a restituir/compensar apurados no encerramento do período fiscal, decorrente de retenções na fonte e/ou antecipações superiores ao valor devido no exercício.

A conta é debitada quando da apuração do valor, bem como pelo valor do acréscimo de juros (SELIC) definido pelo governo para essas restituições. O crédito será feito quando do efetivo recebimento de parcelas ou do valor total, ou da compensação do imposto.

e) IR e CS DIFERIDO

Nessa conta, será registrada a parcela do Imposto de Renda e Contribuição Social que representa diferenças entre os valores de lucro apurados segundo as normas fiscais e o regime de competência, quando estes forem menores e as diferenças forem temporárias.

f) OUTROS TRIBUTOS A RECUPERAR

Nessa conta, são registrados outros casos de impostos a recuperar pela empresa. Exemplificando, temos:

• impostos (ICMS e IPI) são destacados na saída de bens (mercadorias) em demonstração, consignação etc, que deverão retornar ao estabelecimento;

• impostos a recuperar por pagamentos efetuados indevidamente a maior etc.

4.3.10 Depósitos restituíveis e valores vinculados

Nessa conta, devem ser registrados os depósitos e cauções efetuados pela empresa para garantia de con

tratos, como os de aluguel, bem como para direito de uso ou exploração temporária de bens, ou, ainda, os de natureza judicial. Para qualquer dessas operações, a classificação nessa conta deve abranger somente os valores a serem recuperados no curto prazo, pois os de realização superior a um ano da data do balanço devem figurar em conta similar do Ativo Não Circulante.

Serão ainda registrados nessa conta eventuais depósitos compulsórios que a empresa tenha que efetuar por força de legislação para certas operações, como ocorreu no caso dos depósitos compulsórios sobre importação, sobre combustíveis, ou sobre compra de veículos etc.

Quando houver saldos em operações de naturezas diversas, poderão ser criadas subcontas para seu controle e, na hipótese de alguma dessas contas assumir valor elevado, deve ser apresentada destacadamente no Balanço.

4.3.11 Perdas estimadas

Temos ainda no grupo de Outros Créditos as seguintes contas credoras:

Perdas Estimadas em Créditos de Liquidação Duvidosa

Perdas Estimadas - Outras

Essas rubricas devem ser contabilizadas pelas estimativas de valores que cubram a expectativa de perdas nas diversas contas desse subgrupo. Os critérios de sua constituição e contabilização são similares aos do subgrupo Clientes. Deve-se, na data do Balanço, efetuar uma análise da composição de cada uma das contas, realizando a estimava de prováveis perdas e reduzir o saldo a receber pelo valor provável de realização. As contas mais suscetíveis de perdas estimadas em crédito de liquidação duvidosa são as de título a receber, cheques em cobrança, adiantamentos a terceiros e a funcionários.

A segregação em duas contas destina-se a separar as perdas conforme sua origem, diferenciando aquelas que a estimativa seja em virtude de inadimplência de terceiros e daquelas perdas por outras razões (como no caso de perda do direito de recuperar imposto por falta ou extravio de documentação hábil etc).

4.4 Tratamento para as pequenas e médias empresas

Os conceitos abordados neste capítulo também são aplicáveis às entidades de pequeno e médio porte. Para maior detalhamento, consultar o Pronunciamento Técnico PME - Contabilidade para Pequenas e Médias Empresas.

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5 Estoques

5.1 Introdução

Os estoques estão intimamente ligados às principais áreas de operação das companhias e envolvem problemas de administração, controle, contabilização e, principalmente, avaliação.

No caso de companhias industriais e comerciais, os estoques representam um dos ativos mais importantes do capital circulante e da posição financeira, de forma que sua correta determinação no início e no fim do período contábil é essencial para uma apuração adequada do lucro líquido do exercício.

Com a mudança da estrutura das organizações e a maior relevância da participação das empresas de serviços na economia, seus estoques - que, além de ativos tangíveis, também são compostos por ativos intangíveis - merecem atenção especial. Esses estoques de intangíveis podem ser adquiridos de terceiros (direitos) ou produzidos pela própria entidade. Veja Capítulo 6, sobre Ativos Especiais e Despesas Antecipadas, item 6.1.

Cabe mencionar que o presente capítulo aplica-se a todos os estoques, com exceção de produção em andamento proveniente de Contratos de Construção (ver Capítulo 22 - Contratos de Construção).

5.2 Conteúdo e plano de contas

5,2.1 Conceito e classificação

Os estoques são bens tangíveis ou intangíveis adquiridos ou produzidos pela empresa com o objetivo

de venda ou utilização própria no curso normal de suas atividades. Segundo o Pronunciamento Técnico CPC 16 - Estoques, os estoques são ativos:

a) mantidos para venda no curso normal dos negócios;

b) em processo de produção para venda; ou

c) na forma de materiais ou suprimentos a serem consumidos ou transformados no processo de produção ou na prestação de serviços.

O problema da avaliação ou atribuição de custos aos estoques é muito extenso e complexo e será analisado detalhadamente mais adiante; por enquanto, vamos verificar o que usualmente é incluído nesse subgrupo.

O momento da contabilização de compras de itens do estoque, assim como o das vendas a terceiros, em geral, coincide com o da transmissão do direito de propriedade dos mesmos, embora o conceito de ativo esteja ligado não só ao aspecto legal, mas principalmente à transferência de riscos e benefícios futuros. Dessa forma, na determinação sobre se os itens integram ou não a conta de estoques, o importante não é sua posse física, mas o direito de sua propriedade; em seguida, há também que se discutir a figura do controle e ainda as dos riscos e benefícios. Assim, deve ser feita uma análise caso a caso visando identificar potenciais eventos onde haja transferência dos principais benefícios e riscos. Feitas essas considerações, normalmente, os estoques estão representados por: