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02 5 die for her (morrer por ela)

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Capítulo 1

A primeira vez que eu a vi, eu a interpretei como um salto arriscado.

Vince e eu estávamos caminhando pelo cais e lá estava ela: cabelos longos e

escuros esvoaçando ao redor de sua face enquanto ela ficava em pé na borda da

calçada de paralelepípedos olhando para a água, alguns metros acima das ondas. O

Sena estava cheio por causa das chuvas de inverso, então mesmo que o salto

parecesse inofensivo daquela altura, a superfície irregular mal conseguia esconder

as correntes perigosas.

Nós caminhamos em direção a ela, minha mão já estendida para tocar em seu

braço. Para passar minha calma para ela, um de nossos reais “superpoderes” como

revenants (ou, como Ambrose gosta de nos chamar, “anjos guardiões não mortos

com um grave caso de TOC”). Mas antes que pudéssemos alcançá-la, ela se virou e

caminhou para longe, indo para um dos bancos de pedra do cais, onde ela sobrou

suas pernas até seu peito e segurou seus joelhos com seus braços. Ela permaneceu

daquele jeito, abraçando a si mesma, balançando para frente e para trás, e olhando

cegamente para o rio com lágrimas escorrendo pelas bochechas, enquanto

passávamos despercebidos.

— O que você acha? — Eu perguntei a Vincent, que puxou seu cachecol para

cima sobre seu nariz e sua boca, escondendo a si mesmo do frio vento de Janeiro.

— Eu não acho que ela vai pular — Ele disse — Mas vamos circular para baixo

da ponte para garantir.

Nós caminhamos lado a lado, até chegar à Ponte Carrousel. Até mesmo os

indigentes que regularmente dormiam embaixo de seus arcos tinham

desaparecido. Era um dos dias mais frios que eu me lembrava... Pelo menos desde

que mudei para Paris um século atrás.

Nós, os bons revenants, chamados de bardia, estamos destinados a cuidar dos

humanos, salvando-os da morte prematura pelo suicídio, pelo assassinato, ou pelos

acidentes. Nosso trabalho é definitivamente mais fácil em tempos como esse, com

todo o mundo ficando dentro de casa. Mas até mesmo os membros de corpos

reanimados podem sentir o frio.

A maior parte de nosso trabalho nos últimos dias tinha sido fazer rondas pelas

poucas pessoas que moravam nas ruas e levá-las para os centros de cuidados antes

que elas fossem congeladas ou morressem por exposição. Julgando por suas

roupas e higiene, esta garota definitivamente não é uma sem-teto. Em vez disso, ela

é bonita o bastante para que eu a adicione à minha lista de “garotas para chamar

para sair”. Ainda assim, tentar a chance com alguém que está chorando não é meu

estilo.

Então se ela não é uma sem-teto, por que está aqui, dando um solitário passeio

perto do rio no frio congelante?

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Nós confirmamos que não havia retardatários embaixo da ponte, e depois nos

viramos para voltar para o banco. Quando chegamos lá, ele estava vazio. Alguns

metros para frente, eu vi a garota subindo as escadas para chegar à rua. Já que ao

havia ninguém ao redor, nos a seguimos a uma distância segura, prontos para

correr se ela caminhasse em direção à ponte — Ambrose, use sua capacidade de

previsão... Você a vê pulando? — Eu perguntei.

Não. A palavra entrou em meus ouvidos e foi diretamente para minha mente

na voz profunda de barítono de Ambrose. Mas ela está prestes a ir para a Rue du

Bac.

— Nós deveríamos segui-la — Eu disse para Vincent — Ela está agindo de um

jeito estranho o suficiente para que nós gastemos mais uns minutos de vigilância.

— Eu concordo. Ela ainda pode se jogar na frente de um carro — Ele disse,

preocupado — Alguma coisa está obviamente errada com ela.

— Eu aposto que isso deve ser o resultado de um mau rompimento — Eu disse

— Isso é o que acontece quando o relacionamento das pessoas fica muito sério. Os

sentimentos ficam feridos. Os corações se partem. Algumas pessoas nunca

aprendem. Não deixe as coisas ficarem sérias. Esta é a minha regra número um —

Eu esfreguei as minhas mãos juntas e assoprei nelas, tentando forçar o hálito

quente pelas minhas luvas de lã — Meus dedos estão parecendo gelo. E as ruas

estão vazias. Vamos voltar para La Maison.

Banana, provocou Ambrose.

— Ei, se você não estivesse sem corpo, estaria concordando comigo, garoto

fantasma — Eu disse e o ouvi cacarejando. Vincent não está prestando atenção e

começa a caminhar. Eu olho além de nós e vejo que a garota começou a correr.

Nós a seguimos, deixando meio quarteirão de distância entre nós: não há

tráfico para que ela se jogue na frente de um carro, e nós não queremos chamar

atenção desnecessária para nós mesmos. Ela corre para Rue du Bac, cruza a

avenida Saint-Germain, e finalmente vira à esquerda em um quarteirão onde

imponentes e velhos prédios de apartamentos estão agrupados em volta de um

pequeno parque.

Ela caminha até um, e enquanto abre a porta, vira e dá uma olhada rápido atrás

dela. Vincent e eu abaixamos nossas cabeças e caminhamos pela Rue du Bac sem

que ela veja nossos rostos.

Mas eu vi o dela. E sua expressão é uma que eu reconheço — eu a vi muitas

vezes durante a minha existência. Especialmente na linha de “trabalho” em que me

encontro. A garota está sofrendo de um terrível luto.

Vincent e eu trocamos olhares e eu inclinei minha cabeça para a esquerda. Em

direção a casa. Ele entende e nós caminhamos até o final no quarteirão, virando à

lesta em direção a La Maison. Não é como se pudéssemos ler a mente um do outro.

Mas quando você é o melhor amigo de uma pessoa por quase um século, você

começa a reconhecer cada gesto. Nós somos como um casal velho. Palavras são

quase desnecessárias.

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Nós caminhamos por um tempo em silêncio, mantendo os olhos atentos para

qualquer coisa errada. Ambrose não aponta para nenhuma atividade na vizinhança

e está cantando uma música de Louis Armstrong diretamente em meu cérebro,

provavelmente para me irritar — Quem é a garota de sorte de hoje à noite? —

Vincent pergunta enquanto digita o código no painel de segurança. O portão se

abre.

— Quintana — Eu respondo.

— De?

— Nova York, algum lugar ao norte do estado. Está aqui fazendo um curso de

arte.

— Loira — Ele pergunta.

— Negativo — Eu respondo — Cabelo escuro com pontas azuis. Chique

alternativa.

— Parece o seu tipo — Ele brinca. Nós dois sabemos que eu não tenho um tipo.

“Fêmea” é o meu tipo.

Como eu disse. Nós somos um casal velho — precisamos de poucas palavras.

Mas nós não poderíamos ser mais diferentes. Vincent parou de namorar há

décadas, não que ele tivesse feito muito isso antes. — Qual é a razão? — Ele tinha

dito. Isso foi por volta de 1980, e a gama de parisienses daquele ano era de tirar o

fôlego.

— Qual é a razão? — Eu exclamei — Elas são lindas. E meigas. E elas cheiram

bem. O que você quer dizer com “qual é a razão”?

— Nós podemos ir até certo ponto, depois temos que desaparecer de suas

vidas. Não vale à pena se não podemos nos aproximar — Ele suspirou.

— Desculpa, mas eu tenho um hábito regular de “chegar mais perto”.

— Eu não estou dizendo desta forma — Ele respondeu — Estou falando de

intimidade emocional. E porque arriscar expor nossa tribo inteira por uma garota

com quem você vai passar apenas algumas noites? — Sua expressão era monótona.

Indiferente. Mas eu sabia que havia um oceano de dor borbulhando dentro dele.

— Cara, nenhuma vai se comparar à Hélène. Faz setenta anos desde que você a

viu ser assassinada por aqueles nazistas e você ainda está pensando nisso. Você

apenas tem que aceitar que o seu primeiro amor é o melhor, e que tudo o mais está

fadado a ser o segundo melhor. Mas o segundo melhor ainda é melhor do que nada.

Meus argumentos caíam em ouvidos surdos com Vincent. Se ele não vai se

divertir com humanas, a única outra escolha é tentar com revenants. E nós

conhecemos a maioria das mulheres de nossa espécie na França. Elas são como

irmãs para nós. Revenants ocasionalmente se apaixonam um pelo outro. Isso

acontece. Mas isso apenas não aconteceu comigo ou com Vincent. E até a próxima

convocação global, nós provavelmente não vamos conhecer nenhuma beldade

bardia.

O que está tudo bem para mim. Por que se assentar com uma garota se você

pode ter várias delas? É um bom lema, eu acho. Isso funciona para bebidas, amigos,

e mulheres. Não muito para os inimigos. Mas nossa situação na França está estável.

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Números similares de numa e bardia. A balança entre o bem e o mal chegou a um

equilíbrio nos últimos anos.

O que significa que eu tenho tempo para brincar.

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Capítulo 2

— Garota triste às duas horas.

Eu olhei na direção em que Ambrose apontava, e vi a garota sentada no banco,

abraçando seus joelhos e olhando para a água.

— Quantas vezes isso aconteceu esta semana? — Eu perguntei.

— Bem, nós a vimos na última Quarta-feira quando você e Vin estavam agindo

como bebês em relação ao frio. Duas noites depois ela estava de volta. Nada por um

dia, depois três dias seguidos. Está é a sexta vez que nós a vemos em duas semanas

— Ambrose calculou.

— E nós nunca a vimos na vizinhança antes. Pela sua idade, ela deve estar

visitando parentes, ou se mudou para cá. Ela definitivamente não é uma turista...

Não com aquele olhar catastrófico em sua face e o fato de que ela visita o mesmo

lugar entediante todos os dias em vez de ir até a Torre Eiffel — Eu disse.

Nós ficamos em silêncio quando chegamos perto do banco e passamos sem que

ela nos notasse. A garota nunca nos via. Ela nunca via nada. Ela era como um

fantasma flutuando pela Terra sem deixar rastro.

— Ninguém está aqui — Ambrose disse enquanto nos abaixávamos embaixo

da ponte. Está menos frio do que a última semana, mas ainda assim, o número de

pobres almas que se atreviam a dormir no ambiente brusco tinha diminuído.

Ambrose estala os dedos e movimenta os braços em círculos antes de começar a

sua rotina de boxe... Saltando para cima e para baixo de um lado para o outro e

desferindo socos em um adversário invisível.

Eu começo a falar, e depois paro.

— O quê? — Ambrose pergunta, executando um poderoso gancho.

Eu suspiro — É sobre a Garota Triste. Não parece que Vincent...

— Sim. Vin a está perseguindo — Ambrose finalizou para mim.

Eu não queria ser tão direto. Eu apenas estava pensando se Ambrose tinha

notado a mudança em Vincent também. Mas eu sei que ele está certo. Nossas

caminhadas de vigilância parecem acontecer sempre da Rue du Bac, cada vez mais.

E cada vez que nós avistamos a Garota Triste, Vincent insiste em esperar até que

“vejamos que ela está em segurança em casa”.

— Nós não somos Garotos de Escolta — Eu o lembrei pela terceira vez — Nós

não estamos aqui na Terra para ajudar jovens damas a atravessar a rua. Ninguém

está tentando machucá-la, e ela não vai cometer suicídio.

— Eu sei — Ele replicou — Mas tem alguma coisa diferente sobre ela. Alguma

coisa errada.

— Bem, não é nada que você será capaz de consertar.

Vincent assentiu, aceitando o que eu disse, mas não gostando daquilo. Ele

olhou para o lado do prédio até que uma luz se acendesse numa janela do terceiro

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andar, e depois relaxou visivelmente, sabendo que ela estava de volta à segurança

de seu quarto.

— Quem mais vive no prédio? — Eu perguntei, testando-o.

Sem pensar duas vezes, Vincent disse — Primeiro andar: família com duas

crianças pequenas e um cachorro. Segundo andar: casal idoso, três pequenos

terriers. Terceiro andar: nossa garota misteriosa, outra garota adolescente um

pouco mais velha que ela, e duas pessoas idosas. Quarto andar: família com bebê e

um basset hound. O quinto andar está vazio. E o último andar tem as luzes acesas

durante o dia. Alguém no prédio provavelmente trabalha lá.

— Você tem observado as pessoas entrarem e saírem — Eu disse.

Ele assentiu, parecendo culpado.

— Este não é o nosso trabalho.

Ele passou a mão pelo cabelo, parando no meio para tirar as mãos, frustrado

— Não diga a ninguém — Ele disse.

— Eu não vou dizer. Mas, cara, você tem que parar. Você nem mesmo salvou a

garota e está ficando obcecado. Luz âmbar piscando, cara.

Ele encolheu os ombros, parecendo miserável — Ela é um mistério.

— Que pode ficar sem ser resolvido — Eu adicionei.

Mas o problema está resolvido para nós, porque uma semana depois, ela parte.

Desaparece da noite para o dia. E parte de Vincent vai com ela. Pelos dois dias no

mês em que ele é volante, ele continua desaparecendo. Eu tenho uma ideia de onde

ele está. Assombrando o terceiro andar vazio de certo apartamento no prédio. Mas

ele nunca diz nada e eu não pergunto. Ele apenas continua ficando mais e mais

distante, se fechando em si mesmo.

Março e Abril são meses agitados. Nós intervimos em muitas tentativas de

suicídio (e infelizmente falhamos em uma delas), evitamos algumas batidas de

carro antes que elas acontecessem, e resgatamos várias vítimas de nossos inimigos

(nem todos os revenants são bons como os bardia — nossos gêmeos malvados são

chamados de “numa”). Mesmo com tudo isso, Vincent tem uma espécie de ar vago,

e você sabe que ele está pensando na Garota Triste.

Então eu sei que alguma coisa aconteceu quando, no começo de Junho, Vincent

retorna depois de caminhar com Charlotte com a face iluminada como a Torre

Eiffel — O que aconteceu? — Eu sussurro para Charlotte enquanto Vincent passa

rapidamente pela cozinha como se tivessem brotado asas nele.

— Uma garota. Humana — Ela disse.

— Cabelos longos e escuros, pele pálida, olhos azul-esverdeados? — Eu

pergunto.

— Esta mesmo — Charlotte confirma, lançando um olhar para Vincent, que

coloca uma montanha de açúcar alegremente em seu café.

No dia seguinte, eu estou patrulhando com Vincent quando nós a avistamos, e

acabamos seguindo-a de seu prédio até o cinema na Rue Champollion que está

exibindo Les 400 Coups. Ela tinha mudado desde a última vez em que eu a tinha

visto. Sua pele parecia mais bronzeada e ela não tinha mais a aparência

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esquelética. Ela tinha andado comendo, obviamente, e isso parecia ter feito bem a

ela. Ela ainda estava triste, mas definitivamente parecia mais forte.

— Tudo bem, cara, ela está segura no cinema. Podemos ir agora?

— Você já assistiu Les 400 Coups? — Vincent pergunta, sua face totalmente

inocente.

— Umas cinquenta vezes. Se você se recordar, nós fomos à premier juntos em

1959. E não, nós não vamos segui-la no cinema apenas para ver a parte de trás de

sua cabeça por uma hora e meia.

Uma hora e meia depois, nós caminhamos para fora do cinema, pestanejando

na luz do sol, enquanto a garota caminhava à nossa frente, tomando o caminho

para casa.

— Quer saber? — Eu disse, nem tentando mascarar meu sarcasmo — Este

filme não mudou nem um pouco nos últimos vinte anos.

Vincent enfia as mãos nos bolsos e caminha arqueado enquanto seguimos a

Garota Triste pela avenida Saint-Michel. Eu pego seu braço e o puxo para que pare

— Vince. Cara. Chega. Isso está ficando doentio. Eu não vou dizer nada sobre isso

para os outros, mas cara... Você precisa se controlar. Ou eu terei que falar com

Jean-Baptiste.

Ele olha fixamente para mim com seu olhar emotivo, como se estivesse

morrendo por dentro — Jules. Eu não posso evitar isso.

Eu exalei — Está tudo bem, Vince. Mas nós não vamos segui-la para casa. Ela

está bem. Vamos checar o parque — E ele me segue pela avenida em direção ao

Jardim Luxembourg parecendo um garoto que tinha sido punido, mas estava

tentando parecer forte em relação a isso.

Pelas próximas semanas, ele parou de segui-la, pelo menos quando eu estava

por perto. Eu não quero perguntar para o Charles ou para Charlotte ou até mesmo

para Ambrose para onde eles vão quando estão com ele. Eu não quero chamar

atenção para tudo isso. Jean-Baptiste ficaria respirando em seu pescoço se

descobrisse, e todos nós sabemos o quão desagradável isso pode ser.

E então tudo aconteceu. Estamos no Café Sainte-Lucie com Ambrose, sentados

à nossa mesa regular, quando os lábios de Vincent se curvaram num lento sorriso.

Eu me virei para ver o que ele estava olhando, e lá estava ela, a Garota Triste,

sentada no canto de uma mesa, lendo. Ela tem esta expressão extasiada quando lê,

como se não houvesse nada que ela amasse mais do que sentar para fora de casa,

virando páginas. Seus lábios vermelhos como morangos estavam curvados em um

sorriso inconsciente.

— Ótimo — Eu gemi, virando de volta. Ambrose seguiu nosso olhar e

descobrindo onde estávamos olhando, exclamou — Ei, está não é...

— É a garota — Vincent disse — Mas ela não está mais tão triste quanto antes.

— Bem, bem, bem — Ambrose disse, cruzando os braços em seu amplo peito

— Por que você não vai até lá e fala com ela?

— E vou dizer o quê? — Vincent zombou.

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— Ela parece gostar de ler. Diga a ela que faz parte de um clube do livro e a

convide para participar.

— Um clube do livro com um membro. Boa, Ambrose. Ela realmente vai

acreditar nisso — Vincent observou secamente.

— Não. Jules e eu podemos fingir que lemos também — Ambrose disse com

uma pitada de humor.

— Eu não preciso fingir que leio — Eu interrompi.

— Cara, os filmes superam os livros a cada dia — Ambrose se opôs, inclinando-

se de volta em sua cadeira.

— Nós não estamos tendo esta conversa de novo — Eu disse, mas olhando

para Vince, percebi que ele não estava ouvindo. Ele estava perdido na garota. E

Ambrose me irritava parecendo se divertir com a situação.

A Garota Triste começou a frequentar o local regularmente, na mesma mesa no

canto mais afastado da varanda do café. O que, obviamente, significa que o que

costumava ser nossa saída ocasional algumas vezes na semana, tornou-se um ritual

de todo o dia. Às vezes, duas vezes ao dia, pelo que eu consegui reunir do que

Charlotte e Charles diziam. Mas eu tinha coisas mais importantes para me

preocupar do que Vincent e suas obsessões. Lucien, o líder dos numa, e sua horda

tinham provocado pequenas catástrofes ao redor da cidade. Pelos últimos meses,

os numa tinham ficado mais e mais ativos, e JB e Vincent estavam se perguntando

qual era o trunfo que o chefe dos numa tinha nas mangas.

Nós tínhamos salvado uma suicida em potencial dele poucas semanas atrás.

Ela tinha catorze anos e estava grávida, e Lucien a tinha convencido de que a vida

não valia à pena. Como sempre, ele e sua equipe acompanharam tudo para verem a

ação sendo realizada. Para deleitarem-se de alegria repulsiva por terem

conseguido levar mais um humano à sua condenação.

Eu estava volante, andando com Charlotte e Charles, e tive a visão do que

aconteceria. Eu voei para buscar Vincent e Ambrose como reforços assim que

Charlotte e Charles começaram a lutar contra os capangas de Lucien. Vincent não

chegou até a garota a tempo de tocá-la — para passar sua calma — mas mergulhou

no rio logo depois que ela pulou e a salvou. Charlotte e Charles mataram dois numa

embaixo da ponte, mas Lucien e outro deles fugiram enquanto Ambrose estava

rechaçando alguns passantes curiosos.

Depois deste incidente, Lucien pareceu sossegar. Algumas semanas se

passaram sem que nós não avistássemos seus homens ou ele em lugar algum.

Mesmo que tudo o que eu quisesse fosse escapar para o meu estúdio e pintar, eu

me encontrei gastando a maior parte do meu tempo como babá de Charles, que

está novamente em uma de suas crises existenciais: Por que estamos aqui? Por que

ele não poderia apenas ter morrido e continuado morto? Por que ele é forçado a

viver esta existência pela qual não teve escolha? A Garota Triste está

completamente fora do meu radar.

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Então eu estou despreparado quando Vince e eu passamos pelo Café em uma

manhã e a vemos sentada em sua mesa habitual — Eu poderia ter um pouco de

cafeína agora, e você? — Vincent disse, olhos grudados na face dela.

É inútil resistir. Eu o sigo até a varanda, onde ele pega uma mesa há poucas

fileiras da dela em um corredor que ela terá que passar quando for embora. Eu

passo a próxima meia hora tentando ignorar o fato de que Vincent está escutando

apenas uma parte das histórias que eu estou contando. Então eu aumento a intriga,

contando-lhe uma história que eu tenho certeza que ele não conhece.

Era por volta de 1910 e Juan Gris e eu estávamos saindo do Bateau-Lavoir,

aquele hediondo prédio de madeira onde todos nós vivíamos e trabalhávamos. Se

fosse possível, parecia que dentro do prédio era mais frio do que fora. Estávamos

tão congelados que, mesmo com luvas, não conseguíamos controlar as mãos para

pintar, então nosso plano era sentar em um café até que nossos dedos

descongelassem, e então voltassem a trabalhar. Entre nós dois, tínhamos dinheiro

o suficiente para dois cafés, e eu acho que nós estávamos parecendo realmente

toscos — mas quem não estava naqueles dias?

De qualquer forma, no nosso caminho de volta para o Bateau, Juan e eu fomos

apanhados pela polícia. Fomos algemados e levados para a delegacia. Nós sabíamos

que já estávamos na lista da polícia com suspeita de sermos anarquistas agitadores

(o que não éramos). Mas esta não era uma ronda regular pelos indigentes. Não —

estes policiais confundiram Juan com um dos ladrões do banco da Rue Ordener.

Eles tinham certeza que era ele, mesmo que jurássemos que éramos artistas

inocentes.

— Prove — um dos policiais disse. Então eu peguei uma caneta e um papel da

escrivaninha e desenhei uma figura das garotas da Chat Noir, que dançavam can-

can. Mas em meu esboço, ela tinha esquecido sua fantasia, tudo exceto o arranjo de

plumas da cabeça. Com muitas gargalhadas e tapinhas nas costas, fomos liberados.

Estou terminando minha história quando percebo que Vincent nem está

ouvindo. Ele fica em pé e corre até a mesa da garota. Eu me viro para ver a Garota

Triste parada entre duas mulheres que estão no meio de um zilhão de sacolas de

compras, esperando para passar por elas e ir embora. Mas ela esqueceu sua bolsa

— está pendurada atrás da cadeira na qual ela estava sentada — e foi isso que

Vincent foi pegar. Ele volta com a bolsa nas mãos, e acabou de se sentar quando ela

se cansa de esperar para sair naquela direção, vira-se, e caminha em direção a nós,

para a outra saída.

— Não está se esquecendo de alguma coisa? — Ele pergunta quando ela passa

a poucos centímetros dele. Ela se vira e olha para ele inquisitivamente — Sua bolsa

— Ele diz, e segura ela para cima com dois dedos. Ela agradece e levanta a mão

para pegá-la, mas ele a afasta para trás. E eles fazem este tipo de dança estranha

onde ela tenta pegar a bolsa e ele a puxa para longe, insistindo que ela diga seu

nome antes de ele devolver a bolsa. A cantada clássica que ele estava

descaradamente roubando de seu melhor amigo.

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É claro que, diferente de mim, ele estraga a coisa toda. Em um movimento

catastrófico, ela consegue agarrar a bolsa, ele desiste, e todo o conteúdo de sua

bolsa se espalha pela varanda. Sua escova de cabelos veio parar em meus pés,

enquanto Vincent pega sua carteira de motorista e a estuda como se fosse Rosetta

Stone.

Recuperando seu livro debaixo de uma das mesas vizinhas, ele o segura — O

Sol é para Todos, em inglês — ele diz, e depois lança em seu inglês quase perfeito,

tentando iniciar uma conversa — Ótimo livro. Já viu o filme... Kate?

Sua expressão muda de extremamente irritada para aturdida — Como você

sabe o meu nome? — Ela pergunta. Vincent segura sua licença de motorista, e ela

fica vermelha. Ela não vai nem olhar para ele e ele continua se desculpando, e eu

finalmente aponto para o óbvio — Ajude a garota, Vincent, e pare de se exibir.

Vincent estende a mão em direção a ela, mas ela ignora, esforça-se para ficar

em pé e pega a escova de cabelo que eu estou segurando para ela. Vincent a

entrega seu livro, e com um olhar que combina humilhação com ódio profundo, ela

vai para fora do lugar.

— Bom, isso, meu amigo, foi ótimo — Eu digo enquanto Vince e eu a vemos

caminhar para a rua e depois olhar de volta para nós. Seu rosto agora está tão

vermelho, mas Vincent parece não notar. Ele flutua de volta para sua cadeira.

— Ei, homem do espaço, é hora de voltar para a Terra — Eu digo, balançando a

mão na frente de seu rosto.

Ele sai de seu transe e olha em meus olhos — Kate Mercier. Americana,

endereço do Brooklyn, nascida em nove de dezembro — Ele diz, em uma voz

admirada, como se ele tivesse acabado de descobrir a fórmula para transformar

barro em ouro.

Eu balanço minha cabeça em desânimo — Cara, você entendeu mal. Você sabe

que não pode fazer nada sobre isso — Eu bato em seu ombro — Amélie e eu vamos

sair esta noite. Venha conosco. Eu digo a ela para levar uma amiga. É só o que você

precisa para tirar sua cabeça da seja lá qual foi o nome.

Ele balança a cabeça — Não, obrigado. E o nome dela é Kate.

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Capítulo 3

Estou subindo as escadas para o meu quarto depois de uma hora inteira de

trabalho da sala de armas. Gaspard sai da sala de estar e, me vendo, para bem

embaixo do lustre — Você tem que insistir em andar pela casa nu, Jules? Isso me

faz sentir como se eu vivesse em uma sórdida casa de fraternidade.

— Não estou nu — Eu digo, apontando para a toalha ao redor da minha

cintura.

— Uma toalha não conta como roupa — Gaspard me repreende.

— Se é o que você diz — Eu respondo e, tirando a toalha, coloco-a sobre meus

ombros como um cachecol.

Gaspard balança a cabeça pesarosamente e caminha em direção à cozinha,

resmungando — Estou vivendo com cretinos.

Neste momento, Charles e Charlotte entram correndo e sem fôlego pela porta

da frente como se uma multidão os estivesse perseguindo com forquilhas.

Charlotte olha para mim e começa a rir. Eu volto a colocar a toalha em minha

cintura e pergunto — O que está acontecendo?

— Lembra aquela garota que Vincent estava perseguindo — Charlotte deixa

escapar.

— Aquela com quem ele conversou no Café semana passada? Qual era o seu

nome... Kate? — Eu perguntei.

— Sim, bem, agora ele a salvou.

— Onde está ele? — Eu perguntei, sentindo uma pontinha de pânico.

— Ele está volante, então provavelmente a está seguindo para casa. Uma

grande pedra caiu do prédio em cima do Café Sainte-Lucie e quase a esmagou.

Vincent previu o que aconteceria e me disse. Eu gesticulei para que ela viesse à

nossa mesa para que saísse do caminho bem na hora. A pedra esmagou a cadeira

na qual ela estava sentada. Ela teria sido morta com o impacto.

— Então na verdade foi você quem fez o resgate — Charles interrompeu —

Talvez Vincent não receba a energia transferida.

— Eu definitivamente peguei um pouco. Eu senti. Olhe, eu aparei minhas

unhas até os dedos esta manhã — Charlotte segurou suas mãos para o alto,

mostrando unhas que já tinha crescido — Mas eu não peguei toda a energia. Só um

pouco. Uma parte de sua energia foi definitivamente para ele.

— Merda — Eu digo — Quaisquer forças místicas que tenham criado os

revenants, certamente fizeram as coisas muito mais complicadas tornando-nos

obcecados pelas pessoas que salvamos. Isso é tudo o que Vincent precisa. Mais um

motivo para segui-la por aí.

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Então eu senti uma presença entrando na sala. Apenas um de nós está volante

esta semana, então eu sei exatamente quem é — Vince, cara, você é tão

absurdamente estúpido — Eu digo.

O que eu deveria fazer? Deixá-la morrer? — Eu responde.

— É claro que não — Eu admito — Mas você sabe o que isso significa. Você

está brincando com fogo, cara. E eu não quero estar por perto quando você vier

para casa com queimaduras de terceiro grau.

Eu sei o que estou fazendo — Ele insiste.

— O inferno que você sabe — Eu digo. Eu quero sacudi-lo e lembrá-lo do

quanto Charles sofreu quando se apaixonou por uma humana. Mas Charles está

parado ali provavelmente pensando a mesma coisa, então eu apenas pego meu

casaco e saio de casa para ir ao único lugar onde eu estou completamente no

controle: eu vou para meu estúdio e me perco nas pinturas.

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Capítulo 4

Ah, os Marais. Minha vizinhança favorita em Paris. Os vestígios da história de

seus dois arrondissements abrangem tudo, desde os restos de uma muralha até as

galerias de arte ultra-modernas. Onde quer que eu alguém me convide para

caminha no Marais, pode ter certeza de que eu estarei dentro.

Então quando um Ambrose volante menciona sobre patrulhar do rio até a Rue

Saint-Denis, eu aproveito a chance. É fácil convencer Vincent a vir conosco porque

ele ainda está suspirando pelo encontro que teve com a garota americana dois dias

atrás. Eu sei disso, porque toda vez que ele pensa sobre ela, ele fica com esse

sorriso estúpido na face, e ele está assim agora mesmo.

Nós começamos em minha galeria, onde eu mostro para Vince e Ambrose

algumas novas pinturas nas quais estou trabalhando, então caminhamos para

baixo da Rue des Rosiers pelo distrito judeu, para cima da Rue Vieille du Temple

passando por todas as lojas de roupas, restaurantes, e bares, e entramos na Rue

des Francs-Bourgeois com suas belas mansões do século dezesseis, pontuadas por

fileiras de lojas de roupas e cosméticos.

Nós caminhamos para o norte em direção a lugares vizinhos, especificamente a

Rue Saint-Denis, onde nossos inimigos estão envolvidos com o crescimento da

prostituição e os shows de strip-tease. E quando estamos passando pelo Museu

Picasso, Vincent diz — Desculpe, mas não estou interessado.

— O que Ambrose quer? — Eu perguntei.

Eu estava apenas sugerindo para Vin que entrássemos no museu para algumas

lições de Cubismo — Ele disse.

Normalmente eu rejeitaria. Eu vi todas as pinturas lá milhões de vezes. Eu vi

muitas delas antes que a tinta estivesse seca, já que o estúdio de Pablo era próximo

ao meu no Bateau-Lavoir. Mas eu estava pensando sobre a qualidade linear de um

dos seus autorretratos ultimamente — que tinha similaridades suspeitas de um

dos meus próprios trabalhos daquele ano. E verdade seja dita, eu não me

importaria de inspecionar mais de perto.

Dentro de minutos, estávamos lá dentro do museu, parados na frente de uma

das obras cubistas analíticas de Pablo café-com-mesa-com-jornal-e-garrafa-e-

natureza-morta.

Parece uma grande bagunça para mim — Diz Ambrose.

— Não, veja, ele pega cada item individual: o jornal, a garrafa, o copo — eu

aponto para cada um deles — depois ele as achata e as rearranja em formas

bidimensionais sobre a tela. É genial, realmente, mas a questão é que não foi sua

ideia. Foi de Braque. E os dois entraram nesta competição de “quão cubistas

podemos ser?” até que chegamos a telas cheias de objetos que mal podem ser

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reconhecidos. Mas Pablo deu a George o crédito por criar a ideia primeiro? É claro

que não. Porque ele era um megalomaníaco narcisista.

— Não olhe — Disse Vincent.

— O que você quer dizer com não olhe? Quanto mais você olhar, mais você

verá que eu estou totalmente certo e...

— Não, não olhe para trás de nós — Ele disse.

Então é claro que eu olhei. E lá estava ela: a não tão triste garota, sentada

espaçosamente na frente de um dos abstratos de Pablo. Eu não posso acreditar

nisso.

Não, na verdade, eu posso — Que incrível coincidência, Ambrose — Eu

murmurei — que no mesmo momento em que você propões uma aula de Cubismo,

a obsessão de Vincent esteja sentada exatamente aqui no Museu do Picasso. Boa.

Eu ouvi Ambrose cacarejar, e soube que ele planejou a coisa toda — Isso não

está sendo útil, Ambrose — Eu rugi — Está sendo nocivo.

Vincent não parece pensar assim — Ele replicou.

Eu virei para Vincent — Não vá falar com ela. Estou avisando a você. Está é a

última coisa que você precisa. Você está muito a fim dela para ter apenas uma noite

ao seu lado, e ter uma namorada mortal é a pior coisa que você pode fazer. Apenas

finja que não a viu, e vamos caminhar. Veja, ela está olhando para baixo. Ela não vai

ver você.

Vincent apenas ficou parado lá como se estivesse hipnotizado ou algo parecido.

— Estou indo embora em cinco segundos, Vince, e você virá comigo. Quatro.

Três. Dois. Estamos no um, cara — Eu saí de lá. Não queria ficar para ver o desastre

acontecendo.

Eu senti a presença de Ambrose próximo a mim, acompanhando-me — Só um

aviso — Eu disse a ele — Eu vou fazer você pagar por isso quando estiver volante e

você me pedir para sair com você. Vai ser a maior série de derrotas da sua vida,

cara.

Vincent poderia ter um pouco de distração — Ambrose disse — Ele não sai com

uma garota há anos.

— Eu acho que você concordará comigo que existe uma diferença entre uma

garota e esta garota. E se Vincent já está tão obcecado por ela, isso o fará se

apaixonar. Profundamente. E então teremos outro Charles em nossas mãos.

Ressentido pelo que é, e fazendo todos nós sofrermos por isso com sua atitude

furiosa.

Mas Geneviève... — Ambrose começou.

— Geneviève já estava casada com um humano quando morreu e foi

reanimada. É um caso totalmente diferente. Falando nisso, você ainda está

definhando por causa dela, esperando que Philippe morra?

Ei, eu gosto de Philippe — Ambrose rebateu — Ele é bom para Geneviève.

— Mas você ainda quer que ele morra.

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Não é que eu quero que ele morra neste instante. É só que ele terá que morrer

algum dia em breve. O cara é velho. Eu apenas preciso estar pronto quando isso

acontecer.

— É a mesma coisa — Eu disse. Um guarda me observa cautelosamente

enquanto eu “falo comigo mesmo”, saindo do museu. Provavelmente pensa que eu

sou algum tipo de louco, que veio para espalhar tinta por todas as telas de Picasso.

Não que isso não fosse melhoras algumas delas.

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Capítulo 5

Eu aliso a tinta óleo em minha paleta: uma mistura de Lustre de Zinco e

Laranja Montserrat para sua pene levemente bronzeada, Marrom Vandyke para

seus longos e grossos cabelos, Vermelho Veneziano para seus lábios suculentos, e

Preto Perylene para seus olhos como oceanos.

Valérie está deitada em meu antigo sofá verde, usando nada além do que seus

atributos de nascença. Eu estava em pé há três metros de distância, perto da janela

de meu estúdio, deixando que a luz natural iluminasse minha tela.

Estou pintando Valérie em um nu reclinado, ao estilo de Modigliani. Eu sinto

falta do cara, mesmo que ele fosse desagradável. Sempre bêbado e procurando

brigas. Fazendo coisas ultrajantes para que ninguém notasse o fato de que ele

estava morrendo de tuberculose e o evitasse como... Bem, como a praga.

Teve aquela vez que estávamos num bar perto do Bateau-Lavoire, e ele fez um

strip-tease em frente à mesa de “senhoras de certa idade”. Tirou cada peça de sua

roupa. Quase fez com que as senhoras tivessem um ataque do coração — Eu as

estava servindo bem por estarem passando um tempo em Montmartre — Ele disse

ao policial que apareceu. Aqueles foram dias malucos, e ele era o mais maluco de

todos nós. Mas se dessem a ele um pincel, ele pintaria como ninguém pintava ou

nunca pintará. Tocado por anjos. Soprado por Deus. E inspirado pelo demônio.

Eu uso uma pincelada para definir a curva superior do corpo de Valérie, do

ombro até o pé. Ela está lendo uma brochura, claramente entediada. Eu apenas

preciso que ela olhe para mim no final da composição, quando estiver pintando sua

face, então eu permito a ela este descanso — Tudo bem, vamos fazer um intervalo

— Eu digo, e ela fica em pé, seu corpo suave e curvilíneo tão requintado quando a

da Venus de Milo, tão viçoso quanto um pêssego maduro.

Eu nunca me cansarei de olhar para as mulheres. Apreciar sua beleza. Revelar

o charme individual de cada garota. Não há nada mais bonito na Terra. E ainda

mais tentadoras são aquelas que você não pode tocar, como Valérie: eu nunca

misturo negócios com prazer. E não apenas por segurança (amantes não são

permitidas em nossas residências permanentes). Não, esta foi uma lição

duramente aprendida por alguns catastróficos encontros. Tudo o que você precisa

é que uma modelo veja outra pintada em uma posa sugestiva, e voilá — você terá

uma briga de mulheres no meio de sua exposição de pintura.

Valérie apanha um roupão e o colocar lentamente em volta de seu corpo antes

de pegar seu livro de volta e deitar de bruços para ler. Eu vou até o banheiro para

lavar os pincéis, e escuto a porta da frente abrindo e fechando e Valérie

conversando com alguém. É o Vincent. Bom — Eu tenho tentado falar com ele esta

tarde.

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Eu caminho para fora do banheiro escuro para o estúdio inundado de luz solar

para ver a Garota Triste — Kate — parada na frente da janela, iluminada por trás

pelo sol daquela tarde de verão. Ela parece uma santa de uma pintura medieval:

pura, bonita, gloriosa, coroada com raios de luz dourada.

Mas ela não é uma santa. Ela é cem por cento humana, e cai totalmente na

categoria de “amantes”. Ela não deveria estar aqui com Vincent. Eu me obrigo a

tirar os olhos dela para ver Vincent parado ao seu lado, parecendo como se sua

cabeça fosse explodir.

— Kate, este é Jules. Jules, Kate — Ele fala o mais rápido que sua boca

consegue — Escute, Jules, Kate e eu estávamos caminhando ao redor da Village

Saint-Paul e eu vi alguém lá — Ele disse, levantando as sobrancelhas. Eu podia

dizer pelo seu tom que alguém não é qualquer um e que um numa deveria estar a

poucos quarteirões de distância.

— Lá fora — Eu ordenei, franzindo a testa para Kate enquanto acompanhava

Vincent até a escada e fechava a porta atrás de nós. Antes que eu pudesse dizer

qualquer coisa, Vincent começou a contar a história. Lucien e um dos seus guardas

estavam sentados em um café com algum humano sem sorte. Um homem de

negócios, pela sua aparência. E pelo olhar lamentável em seu rosto, os numa

provavelmente o tinham arruinado financeiramente e estavam lá para chantageá-

lo ou algo do tipo.

— E você apenas o deixou lá? — Eu perguntei.

— Eu tive que fazer isso — Vincent respondeu — Não é como se eu pudesse

lutar com dois numa sozinho, em público. Eu não posso fazer nada sem ajuda —

Ele está chateado. Lá estava seu arqui-inimigo fazendo suas maldades com um

humano que não suspeitava de nada, e Vincent estava sem poderes para intervir.

— Estou com você agora — Eu reassegurei a ele — E Ambrose pode ser nosso

terceiro.

Vince puxa seu telefone e disca para Gaspard, dizendo a ele para mandar

Ambrose para meu estúdio — Ele está vindo — Ele confirma.

— Bom. Agora você pode me dizer... Por que infernos você a trouxe com você?

— Eu cruzei meus braços para me controlar; estou tão tentado a estrangulá-lo.

— Eu não estou trabalhando vinte e quatro horas por dia, nos sete dias da

semana. Ela está comigo porque estamos num encontro.

— E este é exatamente o motivo pelo qual ela não deveria estar aqui

— JB só disse que não poderíamos levar as pessoas para casa — Vincent disse

— Eu não vejo por que ela não pode vir até aqui.

— Cara, qualquer lugar onde tenhamos um endereço permanente está fora dos

limites para... “encontros”. Ou o que quer que seja. Você conhece as regras.

— Valérie está aqui — Vincent protestou.

— Eu não estou saindo com Valérie, senão ela não estaria aqui. De qualquer

forma, seu encontro acabou.

Ele fez uma carranca como se quisesse me socar na cara. E depois ele suspirou

e seus ombros despencaram. Ele sabe que eu estou certo. Ele leva Kate para baixo

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para o pátio e se despede dela. Ela parece desapontada, mas isto não é problema

meu. Assim que ela vai embora, Vincent corre escada acima.

— Ambrose está aqui. Ele viu Lucien e Nicolas — Ele disse — Eles estão

caminhando por esta direção. Mas mais importante que isso, Ambrose teve uma

visão do humano que estava com eles se jogando em frente ao metrô daqui a três

minutos. Temos que ir agora!

— A sessão acabou, Valérie — Eu digo. Pego meu casaco e jogo as chaves para

ela — Você poderia fechar quando sair? Apenas coloque as chaves na minha caixa

de correio quando for embora.

— Mas eu estive aqui somente por meia hora — Ela diz, sentando-se. Ela

parece incerta.

— Não se preocupe. Eu pagarei por todas as três horas — Eu digo. Ela assente,

satisfeita, e começa a se vestir enquanto eu sigo Vincent. Nós caminhamos

rapidamente em direção à estação de metrô de Saint-Paul.

Vocês têm exatamente um minuto e meio — Ambrose diz enquanto descemos as

escadas.

— De quem é a vez? — Eu pergunto a Vincent.

— Bem, era a vez de Ambrose morrer, mas ele salvou aquelas crianças dois

dias atrás — Vincent replicou.

— Quanto tempo faz para você? Um ano? — Eu pergunto.

Vincent assente.

— Minha última foi em Março. Então você pode ficar com esta — Eu ofereci.

Ninguém vai ficar com nada se vocês não levarem esses traseiros até o local certo

— Diz Ambrose enquanto saímos do corredor para a área das plataformas.

— Lá está ele. O cara que estava com Lucien — Vincent diz, e aponta para um

homem que veste um casaco e está flagrantemente chorando.

É o nosso “pulador” — Verifica Ambrose.

O homem coloca sua pasta na plataforma e pula nos trilhos — Agora! — Eu

digo, e Vincent se preparada para correr. Mas antes que ele possa, nós ouvimos

uma garota gritar atrás de nós. Alguém mais notou o homem nos trilhos. Eu estou

aturdido ao ver que é Kate. Ela está apontando para o cara e ficando maluca.

Vincent olha para mim. Eu sei o que ele está pensando — Vamos lá — Eu digo.

Vincent corre para Kate, e eu pulo para os trilhos. O homem está soluçando,

segurando a cabeça com as mãos quando a velocidade do vento anunciando o trem

que está por vir me empurra para trás. O trem faz uma curva e corre em direção ao

homem. Eu corro entre os trilhos para chegar até ele. Ele está meia plataforma

distante: não tenho certeza se posso alcançá-lo a tempo.

O trem aparece, e para mim é como um dragão, sólido, brilhante, e enorme: as

luzes amarelas são seus olhos e barulho dos trilhos é o seu grito de batalha. É como

São George contra o dragão, eu penso, mas desta vez o dragão vence.

O homem solta um balido assustado, e sem tempo para perder, eu o empurro

para o outro lado dos trilhos — para a segurança. E em minha segundo final, eu me

viro para ver Vincent tentando proteger Kate para que ela não me veja morrer. O

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trem está em cima de mim, faíscas voando, freios gritando enquanto o condutor

tenta evitar o inevitável.

Não há tempo para sair da trajetória. Este é o caminho para a minha espécie, eu

penso. A morte é uma amante bem vinda, mas droga, ela é brutal.

Eu me abraço pela fração de segundo que eu experimentarei quando o impacto

tira a minha vida. Os olhos de Vincent encontram os meus. Eu toco meus dedos em

minha testa para saudar meu parente, e então eu morro.

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Capítulo 6

Quando minha mente acorda, a casa está quieta. Eu me arrasto pelo chão, vejo

que está por perto, e paro quando vejo Vincent sozinho em seu quarto. Ele está

esticado no chão jogando migalhas de pão na lareira e os vendo queimar. Uma

bandeja intocada de comida está em frente a ele. Ele deve ter pulado o jantar, se

Jeanne tinha lhe trazido a comida no quarto.

Qual é o problema? — Eu pergunto, sabendo que a resposta tem alguma coisa a

ver com ela.

— Jules. Você está de volta. Aquela batida de metrô pareceu realmente

dolorosa. Espero que você tenha alguns bônus por isso — Sua voz era lúgubre. Eu

sei que ele está feliz em me “ver”, mas alguma coisa deve estar definitivamente

errada.

Eu fico em silêncio e finalmente ele diz — Kate disse que nunca mais quer me

ver de novo — Ele esmaga um pedaço de pão em uma minúscula bola antes de

abandoná-lo nas chamas — Ela pensou que alguma coisa estava errada comigo já

que eu não pareci chateado com a sua morte.

Uma reação completamente normal, visto que ela é humana e nós somos

imortais — Eu repliquei.

— Mas Jules — Ele diz, rolando para deitar de costas e olhar para o teto — Ela

é diferente de qualquer outra pessoa que eu conheci. Eu nunca senti isso por uma

garota desde que Hél...

Opa, opa, opa — Eu digo, cortando-o — Você oficialmente entrou na zona

perigosa. Você deveria estar agradecendo às suas estrelas da sorte por Kate ter te

dado um fora. E se ela tivesse se apaixonado por você, e você tivesse que rejeitá-la?

Isso seria rude, cara. A regra número um com as garotas é não magoá-las. Faça com

que elas achem que foram elas que terminaram com você. E no seu caso, isso

realmente aconteceu. O que te salva de ter que ser um babaca mais tarde.

— Mas e se tivesse um jeito — Ele começa, rasgando migalhas da baguete

mutilada em sua mão.

Não existe um jeito — Eu digo — Tudo bem, existem raros exemplos que você

pode ouvir de tempos em tempos na convocação. Um punhado de histórias de quando

em quando. Mas cara, quem iria querer isso? Elas envelhecem enquanto você fica

jovem? Isso não é natural.

— Nós não somos naturais — Vincent disse com uma voz morta.

Eu o ignoro e continuo — Além do mais, Jean-Baptiste proibiu isso para a nossa

tribo Francesa. Você é apenas o seu segundo: até que você tome o seu lugar, ele é o

chefe.

Vincent não diz nada depois disso, mas eu sei que não o fiz mudar de ideia.

Pelas próximas semanas, ele caminha por aí, uma bola de nervos, observando Kate

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à distância. Nunca chegando próximo o bastante para que ela o veja, e sendo

cuidadoso acerca do restante de nós para que não soubéssemos que ele a estava

seguindo. Mas eu posso dizer que ele está morrendo para ver o rosto dela. E

quando ele a vê no Café ou caminhando para casa da estação de metrô, ele parece

tranquilo. Como se ele ficasse bem apenas em saber que ela está segura. Isso está

me deixando louco. Eu tenho um sentimento de que isso vai terminar mal, mas não

há nada mais que eu possa dizer. E de qualquer forma, minha mente está em outras

coisas.

Quando eu morro, eu fico mal-humorado por várias semanas. Pensativo. Eu

penso sobre minhas mortes, faço buscas no Google para saber se as pessoas que eu

resgatei ainda estão vivas, vejo como todos estão passando. Mas o resgate mais

importante da vida de um revenant é sempre o primeiro. Aquele que o transforma

de humano em bardia. A primeira pessoa que eu salvei já se foi — ele morreu há

um século. Mas ainda há vestígios dele em museus ao redor do mundo, e me

conforta ver as peças de arte que ele criou depois que eu morri. Metade da obra de

Fernand Léger não existiria se eu não tivesse entregado a ele minha máscara de

oxigênio e morrido em seu lugar.

Há uma pintura particular dele, O Jogo de Cartas, que eu amo visitar,

principalmente porque eu estou nela — Eu admito. Mas também porque ela está

exposta do outro lado da cidade no Musée de Art Moderne. E já que eu passei um

mês da minha reanimação, eu faço minha peregrinação regular para vê-la.

A pintura retrata um grupo de soldados jogando cartas — soldados que Léger

dizia serem de seu próprio batalhão. Eu reconheci meu cachimbo, mas ele me fez

parecer com um esqueleto de robô. Ele me pintou como a imagem da morte, logo

depois que eu morri salvando sua vida. A cena me leva de volta àquela noite sem

fim em que jogávamos cartas enquanto esperávamos por nossos inimigos irmos

para as trincheiras. Cartas eram as únicas coisas que podiam nos distrair de nossa

mente focada na mortalidade.

E agora a morte não é mais uma preocupação para mim. É alguma coisa pela

qual eu imploro. Que é bem vinda. Que eu preciso para conseguir permanecer

imortal. Mesmo que Léger tenha representado seus soldados como robôs —

facilmente dispensáveis, facilmente substituídos — a armadura de metal que ele

usou para representar a nossa pele parece como uma forma póstuma de proteger a

nós todos. Tornando-nos menos destrutíveis. Eu sei que as guerras afetaram Léger

profundamente, assim como afetaram a todos na Europa. Mas ele deixou muitas

lembranças de seus ferimentos de batalha.

É o suficiente. Eu já me preenchi de O Jogo de Cartas — pelo menos por este

ciclo de vida. Eu me viro para sair da sala, e congelo no lugar. Meu coração está

batendo como um tambor.

É a situação que todo revenant teme, e a razão para os bardia que vivem em

cidades pequenas terem que se mudar toda vez que morrem. Não deve acontecer

numa cidade de dois milhões e quatrocentos mil habitantes! Nós evitamos

conhecer os numa em nossa vizinhança. Nós evitamos fazer amizade com humanos

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em geral (tudo bem — namoradas temporárias, mas isso é diferente porque elas

são... Temporárias). Porque se um humano nos vê morrer e depois nos reconhece

depois que somos reanimados, nós estamos num riacho de merda.

Mas Vincent tinha uma amiga. Uma amiga que me viu morrer. E ela está

sentada do outro lado da sala, olhando diretamente par Amim, sua boca aberta em

incredulidade. Ela se levanta de seu banco e caminha em minha direção — Jules! —

Ela diz, e sua voz é um guincho porque ela não consegue acreditar em seus olhos.

Eu tenho um segundo de choque antes de ser capaz de empurrar a máscara para

minha face.

— Olá — Eu digo, e inclino a cabeça levemente para o lado — Eu conheço

você?

— Jules, sou eu, Kate. Eu visitei seu estúdio com o Vincent, lembra? E eu vi

você na estação de metrô no dia da batida.

Eu dou a ele o sorriso gentil que você dá a alguém por quem você lamenta —

Eu temo que você tenha me confundido com alguém. Meu nome é Thomas, e eu não

conheço ninguém que se chame Vincent.

Kate dá um passo em minha direção, e o ódio brilha por seus olhos — Jules, eu

sei que é você. Você estava naquele acidente horrível há... Apenas um mês atrás?

Eu encolho os ombros e balanço a cabeça.

— Jules, você tem que me dizer o que está acontecendo — Ela insiste.

As pessoas estão começando a olhar para nós, e eu preciso acabar com aquela

situação antes que Kate comece o acerto de contas bem no meio de um lugar

público. Mas o que eu posso fazer? Eu não posso dizer a verdade. E ela não vai

engolir meu disfarce óbvio. Eu a pego gentilmente pelo cotovelo e a levo de volta

para o banco — Deixe-me ajudá-la a se sentar. Você deve estar muito agitada. Ou

muito cansada.

Kate tira os braços de mim — Eu sei que é você. Eu não sou louca. E eu não sei

o que está acontecendo. Mas eu acusei Vincent de ser sem coração quando ele

correu para longe de sua morte. E agora você está vivo.

Kate está praticamente gritando agora, e eu sinto gotas de suor se formando

em minha testa. Todos na sala estão olhando para nós. Um guarda caminha

vivamente da mesa da frente até nossa direção — Tem algum problema

acontecendo aqui?

— Nenhum problema, senhor. A senhorita deve estar me confundindo com

outra pessoa.

— Eu não estou! — Kate sibila, fechando os punhos e batendo os pés como

uma colegial zangada. Ela sai xingando para fora do museu, e eu dou de ombros

para o guarda, que perdeu o interesse agora que a tempestade passou. Assim que

ela vai embora, eu também saio, descendo as escadas, voltando para o carro que eu

estacionei na Rue Rambuteau. Eu sei para onde ela está indo: Vincent teve a ideia

idiota de levá-la para a mansão depois que eu morri, para “acalmá-la”. Se ela pegar

o metrô, eu terei que bater o recorde para chegar antes dela a La Maison.

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O pior que pode acontecer é JB mandá-la embora, eu pensei, mas eu tinha um

verdadeiro mau sentimento sobre toda essa coisa. Vincent está volante. Se ela

insistir em vê-lo, nós não seríamos capazes de produzir um Vincent que falasse e

caminhasse até a tarde do dia seguinte. E Kate parecia malditamente determinada

enquanto marchava para longe de mim. Ela não é o tipo de garota que facilmente

desiste.

O tráfico de Paris está conspirando contra mim em toda essa ocasião crucial, e

enquanto eu corro para a porta da frente, Jeanne está discutindo com JB sobre uma

jovem visitante que ele disse que estava esperando na sala de estar com um bilhete

para Vincent.

A sala de estar estava vazia, exceto pela carta escrita à mão, assinada por Kate.

Então eu caminhei diretamente para o quarto de Vincent, e lá estava ela, parada ao

lado de seu corpo morto e frio e enlouquecendo como uma atriz de um filme de

terror em preto e branco.

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Capítulo 7

A iniciação de Kate na La Maison acontece na manhã seguinte quando ela vê

Vincent reanimado e nós dizemos a ela o que somos. Ela lida com isso muito

melhor do que eu poderia esperar. Não que eu esperasse que ela saísse correndo e

gritando da casa. Mas descobrir que existe um mundo inteiro de super-heróis não

mortos que existe lado a lado ao mundo humano regular poderia deixar a maioria

das pessoas louca. Kate aceita isso com um tranco. É apenas uma adolescente, e ela

aceita o que nós a dissemos com coragem e graça. Estou oficialmente maravilhado.

Em contrapartida, Jean-Baptiste está furioso por uma humana que não tinha

sido pré-aprovada ter entrado em sua casa e descoberto seus segredos. E enquanto

ele está brigando com Vincent, Kate vem até a cozinha e toma o café da manhã com

a gente — não apenas uma multidão de pessoas que ela acabou de conhecer, mas

pessoas que ela acabou de descobrir que são basicamente monstros. Ela fica

parada na porta olhando incerta até que Ambrose a convida com um “Entre,

humana”, e rindo, ela entra e se senta perto de mim.

Ela conhece Jeanne e eu posso dizer que saber que existe outro humano na

casa a conforta. E quando ela começa a comer o pão e o café que Jeanne serve a ela,

ela está conversando com o grupo como se nos conhecesse por toda a vida.

Quando Gaspard coloca a cabeça para dentro da cozinha e diz a Kate que ela

pode ir, eu salto com a oportunidade de levá-la para fora. Depois que ela diz adeus

a Vincent, eu me coloco em meus melhores modos do século dezenove, faço uma

reverência, e coloco sua mão em meu braço enquanto a escolto para a porta da

frente. E quando chegamos lá, eu faço o que estive querendo fazer durante toda a

manhã: peço desculpas.

— Eu sinto muito se fui rude antes, você sabe... Eu meu estúdio e no museu. Eu

juro que não foi nada pessoal. Eu estava apenas tentando proteger Vincent e você...

E todos nós. Agora que é muito tarde para isso, bem, por favor aceite as minhas

desculpas.

Ela me observa questionadoramente, como se estivesse tentando decidir se eu

estava falando sério ou não. E então ela pega sua bolsa e a coloca em seu ombro —

Eu entendo totalmente — Ela diz. E me dá um sorriso de boca fechada com um

brilho provocante nos olhos — Eu sou uma mera mortal. O que mais você poderia

fazer?

Esta garota derrama um gracioso carisma, como uma Aurey Hepburn

adolescente, e eu percebo totalmente o que Vincent viu nela. Sabendo que ela

estará por perto por bastante tempo, eu me jogo no charme.

Eu pressiono minha mão em meu peito — Bem... Ela me perdoou — E dou um

passo em direção a ela para que apenas alguns centímetros de espaço nos separem

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— Você tem certeza de que não precisa que eu te leve para casa? — Eu digo,

levantando uma sobrancelha e dando a ela meu sorriso mais paquerador.

Ela não aceita, mas fica profundamente corada — rosa intenso se espalhando

por suas bochechas. Como sempre, eu sinto uma onda selvagem de sucesso. Eu

amo flertar mais do que amo comer. Ou mesmo lutar. E fazer alguém corar é um

dos resultados mais satisfatórios que eu posso esperar.

Eu gosto desta garota, eu me encontro pensando. Eu estou, na verdade, ansioso

para ficar ao lado dela.

Na próxima semana Vincent volta para casa, dois dias seguidos, com aquele

sorriso no rosto, o que significa que ele estava com Kate.

— Então você está pensando em pegá-la para você — Eu brinquei com ele

enquanto descíamos as escadas da sala de armas — Finalmente fomos autorizados

a ter uma garota bonita na casa e você a está monopolizando.

— Não, eu não estou — Ele insistiu — Ambrose sairá com nós neste Sábado

como par para a irmã de Kate.

— Hum, perdão? — Eu disse, pegando um par de punhais da parede — Melhor

amigo aqui? O cara que está sempre se oferecendo para te apresentar as garotas, e

você me deixa de fora?

— Jules. Sábado. Você estará volante — Ele me lembra enquanto escolhe sua

própria arma: uma katana japonesa.

— Oh, certo — Eu admito — Mas isso não significa que eu não posso ir. Vocês

poderiam precisar de um fantasma se vão sair à noite com duas lindas senhoritas

em seus braços.

Vincent riu e me encarou em uma posição de assalto com as duas mãos — Eu

sabia que você iria querer vir. Eu estava apenas esperando para que você pedisse.

Você sabe... Rastejar um pouco depois de ter tratado Kate tão rudemente.

Eu levantei meus punhais — Cara, eu já parei de rastejar, e a justa Kate

concordou em me perdoar pelos meus crimes.

— Ela perdoou? — Vincent perguntou, parecendo divertido — Eu apenas

posso imaginar a forma como você pediu desculpas — E ele investe em minha

direção, balançando sua espada para bater em minhas lâminas cruzadas. Eu

separou os dois punhais, empurrando-os para cima, e fazendo com que Vincent dê

um passo para trás.

— Ei, jogar charme é o que eu faço de melhor — Eu digo entre as minhas

respirações, e arrumando a minha posição para a próxima estocada — O que posso

fazer? As garotas não resistem a mim.

Quando encontramos Kate e Georgia na estação de metrô, eu imediatamente

vejo um amigável espírito de flerte na irmã de Kate enquanto ela brinca com

Vincent e Ambrose. As irmãs não podiam ser mais diferentes na aparência, mas

ainda havia alguma coisa que dizia: Nós compartilhamos genes. Ainda assim, é Kate

que chama a minha atenção. Ela está brilhando. Radiante. Não resta nenhum traço

da Garota Triste.

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Georgia atende ao telefone, e Vince e Ambrose começam a conversar sobre se

deveriam ou não ir ao local que Georgia tinha sugerido, que acabou sendo em uma

vizinhança frequentada pelos numa.

Ei, Ambrose — Eu digo, interrompendo — Diga “Oi, linda” à Kate de seu

conquistador fantasma — Ele riu e disse a Kate o que eu tinha falado, fazendo com

que eu ganhasse seu rosto corado pela segunda vez na semana.

— Ei, veja isso — Vincent brincou.

Diga a ela que é uma pena que ela tenha se apaixonado por alguém tão

entediante quanto você. Sendo um homem mais velho e experiente, eu sei como tratar

uma dama — Vincent ruge com uma risada.

— Parece que alguém tem uma queda por você — Ele diz, e depois transmite

minha mensagem.

Kate sorriu lisonjeada enquanto Vincent me lembrava que, mesmo que eu

fosse tecnicamente vinte e sete anos mais velho do que ele, no momento ambos

tínhamos dezenove anos.

Pegamos o metrô para Denfert, depois caminhamos alguns minutos por uma

rua de pedestres para o restaurante de Georgia, apenas para encontrar uma grande

multidão para fora esperando por mesas. Enquanto Georgia entra para tentar

convencer um de seus amigos a nos deixar entrar, eu decido dar uma olhada rápida

pela vizinhança. E dentro de segundos eu sinto aquela coisa perturbante de como

se eu estivesse sendo sugado por um buraco negro, que sempre sinto quando há

um numa por perto. Eu me movo em direção à fonte de minhas sensações para ver

o líder numa em pessoa — Lucien — caminhando com dois de seus homens apenas

alguns quarteirões de onde Vince e companhia estavam parados. Eu corro de volta

para alertar a eles sobre a situação.

Eu vou voltar e ver para onde eles estão indo, eu ofereci. Quando retornei,

Ambrose estava no chão, e Kate está abaixada ao lado dele tentando fazer com que

ele respondesse.

Eu vejo dois numa com uma faca saindo rapidamente da cena, em direção à

Lucien. Em alguns minutos, eles estariam de volta com reforços. Eu me aproximo

de Ambrose e percebo que ele está morto. Não existe um jeito de Vincent o

levantar e levar daqui, então eu faço a única coisa que posso: possuo o corpo dele.

Falando em coisas pesadas... Ambrose pesa uma tonelada. Por sorte ele tem os

músculos para caminhar com toda essa massa. Mas eu me sinto como se estivesse

usando um daqueles trajes de sumô — preso dentro de um terno de gordura. Kate

e Vincent me ajudam a levar o corpo de Ambrose até um táxi.

E é nesse momento que eu me dou conta do quão especial ela é. Ela é corajosa

o suficiente para ficar com Vincent, mesmo sabendo o que ele é. Mas aceitar um

dos mais bizarros detalhes de nossa existência com apenas um nariz franzido e não

pirando completamente — bem, isso era impressionante. Fazia muito tempo desde

que não havia a adição de ninguém ao nosso clã, então sague novo, mesmo que

humano, é um sopro de ar fresco. Estou ansioso para conhecer melhor este

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espécime único de garota. Se ela não fosse namorada de Vincent... Mas eu não vou

pensar nisso.

Mas uma coisa acontece para impedir que nós passemos um tempo com ela.

Charles salva uma criança que cai de um barco. Fica mutilado no impulso. E Kate

decide que ver Vincent ir para casa em pedaços é insuportável. Isso a faz lembrar

demais de seus pais. Ela diz a Vincent que se ser um bardia significa isso, ela não

consegue suportar ser testemunha de suas mortes violentas.

Ela termina com ele. Ele, é claro, fica devastado. Para de comer. Começa a agir

como ele mesmo antes de Kate: roboticamente, sem emoções. Ele tenta construir

uma parede em volta de seu coração, mas o olhar vazio em seus olhos diz a

verdade. Seu coração nem mesmo estava lá para protegê-lo. Estava com Kate, e ela

tinha partido.

Ela deixa um buraco vazio atrás dela. Havia aquele sentimento de otimismo e

divertimento na casa quando ela estava por perto e que agora tinha se

transformado em vazio. Como Vincent, eu me sentia oco. Triste. E à medida que os

dias passavam, eu comecei a perceber que tinha desenvolvido aquele sentimento

de cuidar de Kate. Não como a namorada de meu melhor amigo, mas como ela

mesma. E eu percebi que sentia falta dela.

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Capítulo 8

Eu não sei o que está errado comigo. É o Vincent que perdeu a namorada, não

eu. Mas eu sinto um senso de perda da mesma forma. Não é como se Kate estivesse

por perto o tempo todo, mas as vezes em que eu a vi, deixaram uma marca em

mim.

Longe dos olhos, longe do coração, eu digo a mim mesmo. E então eu faço a

coisa que faz mais sentido — eu ligo para uma garota. Nada como uma linda

mulher para envolver com os seus braços e mandar a tristeza embora. Mas até

mesmo uma noite com a adorável portuguesa Carli termina comigo andando para

casa e deitando para olhar para o teto, sentindo-me estranhamente fora do lugar

até a manhã seguinte.

Vincent está punindo a si mesmo. Ele mal come. Porém nos treinamentos ou,

em algumas ocasiões, quando estava encarando os numa, ele lutava como um

homem louco. Ele não se permitia olhar para cima quando passávamos perto de

sua casa. Uma vez Charlotte, volante, disse a ele que viu Kate há alguns quarteirões

de distância vindo em nossa direção, e ele se virou para a direção oposta da

anterior.

Uma noite nós estamos caminhando em volta de Belleville, fazendo a vigilância

na vizinhança de Geneviève, e eu pergunto a ele como está indo. Pensando que ele

poderia querer falar sobre isso. Ele vira para mim com os olhos vazios e diz —

Você estava certo antes. Foi estúpido de minha parte até mesmo tentar ficar com

Kate. A única coisa que me faz sentir melhor é saber que ela está melhor sem mim.

Ela conhecerá algum cara humano e se apaixonará por ele e terá uma vida feliz e

normal. É o que ela merece — As palavras passaram por seus lábios, mas era como

se um espectro estivesse falado. Vincent mal estava lá.

Eu agradeci aos deuses por nunca ter me apaixonado por alguém da mesma

forma que ele tinha se apaixonado por Kate. Mas mesmo que eu aplaudisse meu

bom senso ao cuidar de minha vida amorosa, alguma coisa em mim estava quase

com inveja do sentimento que Vincent nutria por ela. Apesar da lealdade feroz que

eu tinha por Vincent e minha tribo, eu nunca senti tanta emoção por outra pessoa.

E secretamente, eu estava feliz por Kate não estar mais por perto porque alguma

coisa em mim temia que eu também me tornaria mais ligado à ela.

Eu não sei o que fazer por meu amigo, então eu apenas me certifico de estar o

mais presente possível. Não que ele notasse que eu, ou qualquer outra pessoa,

estivesse por perto. Mas eu queria estar lá para o caso de ele decidir que precisa de

mim.

A única coisa que quebrava a névoa de tristeza que pairava por La Maison era

o comportamento errático de Charles. Ele desaparecia por longos períodos de

tempo, e nem mesmo sua irmã gêmea sabia o que ele estava fazendo.

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Então Charlotte e eu o seguimos e descobrimos que ele estava perseguindo

uma humana. Por horas todos os dias, seguindo aquela mulher que era a mãe da

criança que morreu no acidente de barco. Aquela que ele não conseguiu salvar. Ele

observa para onde ela vai, e entra em seu prédio para deixar flores anônimas e

presentes em frente à sua porta.

Seu senso de culpa superava seu autocontrole, e mesmo que Charlotte e

Ambrose, e eu falássemos com ele individualmente — tentando levar um pouco de

senso a ele — ele está descendo por uma ladeira escorregadia, prestes a se chocar

de frente com o perigo.

A gota d’água para Charlotte foi quando Charles compareceu ao funeral. Ela

disse a JB. Depois de JB colocá-lo em liberdade vigiada, Charles enlouqueceu. Ele

grita com todo o mundo que já teve o bastante e que quer ir embora. E então ele

some. Nós procuramos por ele pelos próximos poucos dias, mas não conseguimos

localizá-lo, mesmo com a ajuda do resto da tribo de Paris.

É nessa época que Charlotte escuta a conversa da irmã de Kate e sua avó no

café e descobre que Kate está aparentemente levando o rompimento tão mal

quanto Vincent está, e sua família está preocupada.

Ela está sentada em meu sofá verde no meu estúdio, bebendo cuidadosamente

a fumegante caneca de chá que eu fiz para ela — Georgia até mencionou sobre

voltar para Nova York — ela resume.

Por que o meu coração para de bater quando ela diz isso? Kate a um oceano

inteiro de distância? Isso vai matar Vincent, eu penso. E então eu percebo que não é

só a preocupação com meu amigo o que eu estou sentindo. Eu não quero que Kate

vá embora. Eu quero que ela volte para nós, mesmo que isso signifique que estará

sempre a uma distância de mim — amigos, nada mais que isso, eu lembro a mim

mesmo. Mas eu me preocupo com ela. Eu até mesmo... Eu empurro o próximo

pensamento para o lado e digo:

— Temos que dizer a Vincent.

— Bem, isso foi o que eu pensei inicialmente. Mas o que ele pode fazer sobre

isso? — Ela diz, preocupação franzindo sua testa.

— Ele tem que fazer alguma coisa — Eu replico — A única razão pela qual ele

não está lutando para tê-la de volta é que ele tem a visão distorcida de que ela está

melhor sem ele. O que, na realidade, pode ser verdade. Mas ele tem o direito de

saber que ela está sofrendo tanto quanto ele.

Nós deixamos meu estúdio em ziguezague até um labirinto de ruas de

paralelepípedos, passamos pelos edifícios medievais feitos de madeira e gesso, que

são tão antigos que estão se inclinando. Charlotte desliza seu braço pelo meu e nós

caminhamos em direção ao rio, com companheirismo.

— Onde você acha que ele poderia estar? — Charlotte pergunta para mim

depois de momentos de silêncio. Eu sei automaticamente a quem ela está se

referindo.

— Eu acho que Charles está aqui. Em Paris. Escondendo-se. Precisando de um

tempo para si mesmo.

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Charlotte assentiu — Gostaria que tivéssemos conhecido Madeleine — Ela

murmura — Mas ele não se apaixonou de novo desde que se apaixonou por ela, e

faz sessenta anos. Eu sei que é estúpido pensar que existe apenas um garoto ou

garota certa para cada um de nós, mas não parece que... — Ela continua

caminhando, deixando a sua questão sem fim.

— Você ainda ama Ambrose — Eu digo, sabendo a resposta.

Charlotte morde seu lábio. Seus olhos verdes-esmeralda combinam com os

labirintos de árvores em diversos formatos do jardim do Hôtel de Sens. Quando

passamos, Charlotte olha para o palácio medieval bem cuidado e suspira.

— Você já se apaixonou, Jules? Quero dizer, eu sei que você nunca esteve

apaixonado desde que eu te conheço. Mas você já teve alguém antes disso?

Eu balancei a cabeça — Não — Eu digo. E quando eu digo, a face de Kate vem à

minha mente, sua pele linda pálida e com textura de pétalas de rosa e seus olhos

azuis tão profundos como o mar. Eu empurro a imagem para fora de minha mente

e levanto a mão para desarrumar os cabelos loiros e curtos de Charlotte, então eu

coloco meu braço ao redor de seu ombro para um abraço lateral — Não, Char, eu

nunca estive apaixonado.

Vincent abre a porta de seu quarto e Charlotte para antes de cuidadosamente

passar seus braços pelo seu pescoço, dando a ele um abraço de apoio — Vincent,

você não pode ficar enterrado no seu quarto deste jeito. Você precisa comer. Você

está parecendo péssimo.

Ela está certa. O rosto de Vincent está deformado. Ele parece abatido. Nas

últimas duas semanas ele tinha perdido peso, e havia círculos escuros abaixo de

seus olhos.

— Vincent, temos uma coisa para dizer a você — Charlotte disse, e conta para

ele a conversa que tinha ouvido.

A mudança em Vincent é imediata. Foi como jogar um palito de fósforo em uma

piscina de querosene — a vida chamejou de volta para ele, fazendo com que ele se

transformasse em um homem com uma missão.

— Ela precisa de mim — É tudo o que ele diz. Ele vai até Gaspard e pede ajuda,

pedindo para que ele procure por cada possibilidade reportada sobre as relações

entre humanos e bardia dos arquivos antigos dos revenants. Vincent está

determinado a encontrar uma solução. Uma maneira de fazer as coisas

funcionarem. Já que Kate não pode suportar vê-lo morrer, eles decidem explorar a

solução mais óbvia: Vincent precisa encontrar uma maneira de resistir a morrer.

— O que eu posso fazer para ajudar? — Eu perguntei a Vincent.

— Ajude-me a ter certeza de que ela está segura — Ele replica.

Eu converso com Ambrose e Charlotte, e nós concordamos de que quem quer

que estivesse fora, passaria pelo prédio de seus avós, ou teria certeza de estar

perto do metrô da Rue du Bac quando ela fosse para a escola e voltasse para casa. E

toda noite perto de dez e meia, Vincent deixa o que quer que ele estivesse fazendo

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e vai para a rua dela, ficando parado lá, observando sua janela do chão até que ela

acende a luz e ele sabe que ela está — por mais uma noite — salva em sua cama.

Não é como se ela estivesse em perigo. Vincent apenas quer qualquer notícia

dela que nós possamos lhe dar. E a única coisa que nós podemos dizer a ele é que

ela voltou a ser a Garota Triste. Eu odeio vê-la deste jeito, indo para a escola e

voltando para casa roboticamente, com um olhar vazio. Eu quero ver o brilho

retornar aos seus olhos. Quero ver a alegre cor voltando para suas bochechas.

É óbvio o quanto ela sente falta de Vincent. E eu sei que ela só ficará feliz de

novo se ele encontrar algum jeito de fazer com que eles fiquem juntos de novo. Eu

me encontro desejado poder fazer aquela mágica por ela. Que eu pudesse trazer de

volta o sorriso para sua face. Mas eu esmago estes pensamentos como e eles

fossem mosquitos. O que eu estou fazendo, importando-me tanto com a amada do

meu melhor amigo? Eu nego meus sentimentos por ela porque eles não deveriam

existir.

Eu começo a passar mais tempo sozinho, desenhando e pintando.

Desconectando meus pensamentos, e deixando minha pintura expressar o que eu

estou sentindo. Uma noite eu estou em meu quarto trabalhando em um esboço de

uma mulher que parece extraordinariamente como Kate, quando Vincent entra

agitada em minha porta, em pânico. Eu viro o pape e coloco o lápis em cima dele.

— Ela me viu com Geneviève e... Jules, você deveria ver sua face — Ele

suspirou.

— Quem? Kate? — Eu pergunto.

— Quem mais poderia ser? Sim, Kate! — Ele respira e começa de novo — Eu

estava tomando café no La Palette com Geneviève, perguntando a ela o que ela e

Philippe fizeram para fazer com que seu casamento de revenant e humano dessem

certo. Falar sobre isso fez com que Gen ficasse chateada, então eu a estava

confortando. Foi totalmente inocente. Você sabe como me sinto em relação...

— Você se sente como seu irmão. Continue — Eu o encorajei. Ele se joga em

meu sofá e cobre os olhos com as palmas da mão — Kate nos viu. E pela sua

expressão... Jules, ela deve pensar que eu e Geneviève estamos juntos.

Eu paro — Isso é uma coisa ruim?

Vincent deixa as mãos caírem — Sim, é uma coisa ruim, Jules. Uma coisa muito

ruim. Ela está magoada. Eu magoei a Kate.

— Tudo bem — Eu encolhi os ombros, sem saber o que ele queria de mim.

— Jules, você tem que conversar para ela por mim. Você tem que deixá-la

saber que estou tentando encontrar uma solução. E que nada está acontecendo

com Geneviève.

Não, eu penso. Você não pode me pedir para fazer isso. As últimas duas semanas

foram duras o suficiente, vendo-a de longe. A última coisa que eu preciso é ficar

face a face com ela. Para me lembrar do quanto eu me preocupo com ela — E você

não pode fazer isso por si mesmo porque... — Eu incito.

— Eu não tenho certeza se ela vai pelo menos falar comigo agora — Ele diz. Ele

pressiona os dedos em suas têmporas — Você deveria ter visto seu rosto.

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Vincent é a personificação da dor. Eu não posso me recusar a ajudar meu

amigo, mesmo que isso seja conflitante com o que eu sinto. Um olhar para a

desolação na face de Vincent e eu concordo.

— Eu vou me encontrar com ela amanhã — Eu prometo.

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Capítulo 9

O parque na frente do prédio de Kate está silencioso nas manhãs dos fins de

semana. Todos devem estar dormindo, eu penso. Por uma hora são apenas os

pombos, um casal de corvos, e eu aproveitando o espectro das cores do outono, das

folhas que caem na fria manhã de Sábado. Depois de um bom tempo, o cheiro

morno de fermento vindo da padaria do outro lado da rua me tirou do meu refúgio,

e eu tirei uma folga para comprar um pain au chocolat, saboreando a massa

folhando enquanto o chocolate do recheio derretia em minha boca.

Eu espero outra hora antes de vê-la saindo pela porta da frente, e depois a sigo

para — surpresa, surpresa — o Café Sainte-Lucie. O dono do café a cumprimenta e

lhe dá uma mesa em frente à janela. Para eliminar a aparência de perseguidos, eu

ando em volta da vizinhança por meia hora antes de retornar ao café. Eu caminho

silenciosamente para sua mesa e deslizo em uma cadeira, encarando-a. Ela está tão

entretida por O Apanhador no Campo de Centeio que nem me nota. Eu espero até

que ela vire a página e olhe em volta da sala, e quando seu olhar finalmente cai

sobre mim, ela pula.

Meu coração dá uma sacudida em meu peito. Agora que estou olhando dentro

destes incríveis olhos azuis esverdeados, eu acho difícil resistir a tocar sua mão. Eu

escolho entre minhas várias máscaras, seleciono um sorriso torto, e o fixo em

minha face — Então, Miss América — Eu digo — Você pensou que poderia

desaparecer e apenas abandonar a nós todos? Não teria tanta sorte assim.

Eu posso dizer pela sua expressão que ela está feliz — aliviada, até — em me

ver, e minha pulsação aumenta em dez pontos. Eu corro minha mão pelos meus

cabelos e tento acalmar a mim mesmo. Eu me sinto quase nervoso. O que diabos há

de errado comigo?

— Qual é o problema com vocês caras mortos? — Ela provoca — Estão me

seguindo ou o quê? Na noite passada foi Charles, e agora você!

Espera, o quê? — Você viu Charles? — Eu pergunto, atônito

— Sim, ele estava em um clube para o qual eu fui, perto de Oberkampf — Ela

diz, seus olhos se estreitando enquanto via minha surpresa.

— Qual clube? — Eu pergunto.

— Honestamente, eu nem sei como se chama. Não havia uma placa ou alguma

coisa assim. Georgia me arrastou com ela e seus amigos.

Eu tenho um mau pressentimento na boca do meu estômago sabendo que

Charles ainda está em Paris, mas está evitando nossa tribo — Ele disse alguma

coisa para você? — Eu pergunto.

— Não, eu estava indo embora quando eu o vi parado lá fora. Por quê?

Ela pareceu confusa. Eu decidi mudar o rumo da conversa de volta para a razão

pela qual eu estava lá — Então... Quando você vai voltar? — Eu pergunto.

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Sua face cai — Eu não posso, Jules.

— Você não pode o quê? — Eu a incito. Não estou deixando que ela saia do

gancho.

— Eu não posso voltar. Eu não posso me deixar ficar com Vincent.

— E quanto a ficar comigo, então? — As palavras saem de minha boca antes

que eu possa pará-las. De onde este pensamento veio? Eu me puni, e disfarcei

piscando sugestivamente, e ela riu. Eu decidi empurrar aquilo o mais longe que eu

pudesse. Tirar vantagem do buraco em que eu me enfiei.

Pegando sua mão, eu entrelacei meus dedos aos dela — Você não pode me

culpar por tentar — Eu digo, e vejo suas bochechas ficarem escarlates enquanto os

batimentos do meu coração aceleram.

Sua pele é tão macia. Quente. E eu a estou tocando pela primeira vez — nossa

primeira conexão — e parece que os nervos do final dos meus dedos estão

lançando faíscas.

— Você é incorrigível — Ela me repreende, mas não me empurra para longe.

— E você está corando — Eu respondo. Eu continuo flertando por alguns

momentos, aproveitando suas reações antes de me forçar a voltar ao ponto que me

trouxe até aqui. Eu digo a ela que Vincent está definhando por causa dela.

Ela olha para baixo brevemente, quebrando o contato visual. E depois, olhando

de volta para mim com os olhos brilhando pelas lágrimas reprimidas, ela diz — Eu

sinto muito. Eu queria dar uma chance a ele, mas depois de ver Charles carregado

para casa em uma bolsa para corpos...

Eu removo minha mão rapidamente, e olho de volta para ela, sem emoção. Eu

não sou mais o Jules paquerador. Eu tenho que persuadi-la a dar uma nova chance

para ele. Uma voz dentro de minha cabeça sussurra: Você está fazendo isso por ele?

Ou por você?

— Eu não posso me deixar ficar apaixonada por Vincent se isso significa ter um

lembrete constante da morte — Ela continua — Eu já tive muito disso para lidar no

último ano.

— Eu sinto muito sobre seus pais — Eu tento reverter meu embaraço, pesco

um lápis em meu bolso e começo a desenhá-la. Assim eu não tenho que olhar para

ela. Para ser arruinado por aqueles olhos quentes e que me passavam tanta

confiança.

Mas com apenas algumas linhas, eu transferi sua beleza em uma versão

bidimensional da garota dos meus sonhos. Kate tem toda a graça e dignidade da

Venus de Botticelli, e é assim que eu a retrato. Meus dedos frouxos no lápis,

deixando que a imagem flua pela minha mente para o papel, e eu olho para cima

para ver sua face real em relação àquela que eu desenhei para ela, e no segundo

que meus olhos se fixam nos dela, eu sinto uma facada em meu coração e sei que

estou perdido.

Eu estou me apaixonando por Kate. Como eu pude? Meu melhor amigo é

apaixonado por ela. E ela por ele. Você nunca deve deixar que eles saibam — as

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palavras chiaram em minha mente, e eu me senti como se estivesse sangrando

internamente.

Kate me arrasta de volta para o “aqui e agora” — Eu vi o Vincent ontem

compartilhando um momento bem terno com uma loira maravilhosa.

Eu ignoro suas palavras e continuo desenhando. Eu não posso a olhar nos

olhos agora. Ela perceberá. Ela saberá o que eu sinto — Vince queria que eu

checasse você — Eu digo finalmente — Ele não ousa se aproximar de você. Ele

disse que não quer te causar mais nenhuma agonia. Depois de ver você correndo

para fora do La Palette ontem, ele estava com medo que você pudesse ter chegado

a uma conclusão equivocada. O que você obviamente fez.

Eu me atrevo a olhar para cima e vejo um brilho de raiva em seus olhos —

Jules, eu vi o que eu vi. Poderia ter sido mais óbvio do que foi?

Parte de mim queria concordar com ela. Deixar que ela acreditasse que

Vincent e Geneviève eram um casal. Ela estava em um ponto fraco — ferida e

confusa. Com décadas de experiência, eu sei que este é o momento perfeito para

provocar uma mudança — logo depois de uma garota ser magoada por alguém. Eu

passo os próximos poucos meses construindo sua confiança de volta, dando a elas

bons momentos.

E depois, antes que elas possam se apaixonar completamente por mim, eu

apareço com alguma coisa que as faz querer terminar. Eu planto uma semente de

dúvida, faço com que elas pensem que é ideia delas que nós paremos de nos ver. Eu

ajo como se estivesse triste, mas quisesse deixar que elas sigam o seu caminho, e

nós terminamos com um sorriso no rosto, e nossos corações um pouco mais

aquecidos que antes.

Kate está logo ali, pronta para ser pega e amada. E eu estou tão tentando. Ela é

tão bonita: não apenas sua face — todo o seu ser é adorável. Eu vejo por que

Vincent está caído por ela. Eu me encontro imaginando que a estou abraçando, e

isso me faz sentir sujo. Se eu seguir meu desejo, estarei traindo a pessoa mais

próxima de mim no mundo. Meu melhor amigo. Meu irmão. E mesmo que eu

derreta um pouco mais a cada vez que olho para ela, eu fixo seu olhar no meu e

digo a ela o que Vincent quer que eu diga — Geneviève faz parte da tribo. Ela é uma

velha amiga que é como uma irmã para nós. Vincent está apaixonado, mas não por

ela.

Kate está com a respiração afiada, e eu olho de volta para meu desenho,

quebrando o magnetismo dela que me segura — Ele está tentando entender as

coisas — Eu continuei — Encontrar um jeito de melhorar a situação. Ele me pediu

para te dizer isso.

Eu estudo o desenho que fiz de Kate, e depois tiro a folha do meu bloco e

entrego a ela.

— Eu pareço bonita — Ela diz atônita.

— Você é bonita — Eu digo, e me inclinando para frente, permito a mim

mesmo beijar sua testa. Sua pele quente e suave como a de um bebê. Saia daqui

agora, antes que você faça alguma coisa idiota, minha consciência me diz, e eu me

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levanto e saio do café. Eu inspiro o ar frio do inverno, e meus pensamentos

imediatamente se acalmam.

Não olhe para trás, eu penso e caminho mais rápido. Eu não sei o que está

errado comigo. Eu não posso estar me apaixonando por Kate, não importa como eu

me senti no café. Não importa como eu estou me sentindo agora. Eu não posso

deixar isso acontecer.

Vincent está esperando por mim no hall de entrada com quando chego em casa

— O que ela disse? — Ele pergunta, quando Jean-Baptiste sai da sala de estar.

— A mesma coisa — Eu digo — Ela não pode suportar ver você — Vincent

assente sombriamente. Ele olha para JB, que parou perto de nós e está

descaradamente ouvindo nossa conversa — Mas eu passei a ela sua mensagem —

Eu digo. Eu viro para JB — Tenho notícias importantes. Kate viu Charles.

— O quê? Onde? — Jean-Baptiste pergunta, de repente alerta.

— Ela o viu na noite passada em um clube perto de Oberkampf. Disse que ele

estava parado lá fora. Ela não conseguia lembrar o nome do clube. Mas pelo menos

sabemos que ele ainda está vivo e ainda está livre para voltar para casa... Se ele

quiser.

— Você perguntou com quem ele estava? — JB pergunta.

Eu balanço minha cabeça.

— Nós precisamos pegar mais informações com ela — Ele olha solenemente

para Vincent — Você parece horrível — Ele afirma.

Vincent encolhe os ombros, e virando, caminha em direção ao seu quarto.

JB cruza os braços e observa Vincent sair — Eu acho que está na hora de fazer

uma visita para os avós de Kate.

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Capítulo 10

— Por que isso cheira como uma fossa? — Eu pergunto, segurando um velho e

enrugado pergaminho coberto com rabiscos em latim. Gaspard, Vincent e eu

estamos na biblioteca vasculhando documentos antigos que cheiram como se

tivessem sido deixados na chuva e depois fechados numa caixa hermética.

— Porque eles não foram cuidados de forma correta antes de chegarem à

minha coleção — Gaspard replica secamente — Apenas procures pelas palavras

“tenebris via”. Você não tem que ler a coisa toda — Ele está mais irritado do que

geralmente, provavelmente porque ele tinha dois principiantes mexendo em seus

preciosos documentos.

Neste momento, JB cambaleia pela porta, e Gaspard praticamente salta de sua

cadeira em surpresa. JB calmamente caminha até nós, pega o papel que Gaspard

deixou cair, e o devolve para ele, depois olha para Vincent com uma expressão

preocupada — Tive uma conversa com sua jovem garota e sua avó, Vincent. E eu

cheguei à conclusão de que, como família, elas são confiáveis o suficiente e podem

saber sobre a gente caso seja necessário.

Vincent ficou em pé, caminhou até o revenant mais velho, e se inclinando para

baixo, passou seus braços ao redor dele, dando-lhe um abraço sincero, mas que

obviamente não era algo a que JB estava acostumado. Ele dá tapinhas nas costas de

Vincent, desconfortavelmente — Tudo bem, tudo bem. Eu fiz isso por todos nós,

não somente por você.

— Eu sei — Vincent diz, sua voz embargada de emoção — Mas obrigado. Isso

significa muito para mim.

— É claro — JB diz, se arrancando dos braços de Vincent.

— Como ela está? — Vincent pergunta a ele.

— Tão mal-humorada como nunca — JB diz, parecendo confuso — Ela me deu

um verdadeiro fora.

Mesmo que Gaspard pareça chocado, eu não posso evitar que um grande

sorriso se espalhe por minha face. É claro que ela lhe deu um fora. Eu posso até

imaginar JB mostrando atitude a ela e ela devolvendo na mesma moeda. Esta é a

minha Kate! Eu penso com orgulho, e depois faço uma rápida autocorreção. Ela não

é minha. Ela ama Vincent. E me lembrar disso faz com que eu me sinta como se

alguém tivesse jogado um balde de água fria em mim. Eu tenho que parar de

pensar nela.

Mas isso é um pouco difícil quando Vincent me recruta para ir com ele naquela

noite para sua rotina diária de “luzes apagadas no quarto de Kate” — Preciso do

seu apoio.

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— Vincent, eu apoio você. Eu apenas não estou com vontade de sair e ficar

parando na chuva torrencial — Mas um olhar em sua face caída e os círculos

escuros abaixo dos seus olhos, e eu pego meu casaco — Vamos.

Parece que nunca chove tanto em Paris. Você geralmente vê apenas uma névoa

com uma garoa ocasional. Mas esta noite está ocorrendo uma tempestade. Nós

paramos para fora do prédio de Kate, Vincent olhando para sua janela, tomando

toda a chuva no rosto, e eu me encaixando o máximo possível na soleira da porta,

mas ainda ficando encharcado.

— Oh, meu Deus, Jules — Vincent chama. Sua voz mal pode ser ouvida com

aquela chuva toda — Ela está na janela. Está olhando para o céu, para a tempestade

— E então ele fica em silêncio absoluto. Ele olha atentamente para cima por dez

segundos inteiros, e depois abaixa lentamente a face até que nossos olhos se

encontram — Jules, ela olhou em minha direção — Ele diz.

— Isso é ótimo. Podemos ir agora? — Eu digo, passando meus braços pelo meu

próprio corpo. A não ser que eu esteja nadando ou tomando banho, eu odeio ficar

molhado.

— Não, eu quero dizer que ela realmente me viu. E eu acho que ela está

descendo! — Ele diz.

— O que é minha deixa para ir embora. Boa sorte, mon ami — Eu digo, saindo

correndo na chuva e batendo a mão em seu ombro antes de me virar para ir

embora. Mas alguma coisa dentro de mim dá um pequeno salto, e em vez de sair,

eu caminho para a esquina e espero para ver se ela realmente vem.

E então lá está ela, face radiante enquanto corre para fora da porta, deixa seu

guarda-chuva cair e se joga nos braços de Vincent. Ele a levanta do chão e a aperta

tão fortemente q eu estou surpreso por ela conseguir respirar.

De repente, eu estou me imaginando no lugar de Vincent, segurando seu corpo

quente junto ao meu, enfiando o nariz em seu cabelo. E um solavanco de emoção

faz com que eu retroceda um passo. Uma olhada para sua felicidade e meu coração

parece ter sido arrancado do peito. Por que estou tão confuso? Eu amo Vincent

como a um irmão. Ficar sem a garota que ele ama o deixou fisicamente doente.

Então por que a reunião deles dói tanto?

Naquela noite, Kate ficou em La Maison. Passou a noite no quarto de Vincent.

Dormiu em seus braços.

E uma coisa que nunca tinha acontecido comigo, ocorreu. Eu senti o ácido do

ciúme e isso me soterrou. Eu deixei a casa, corri por meia hora para chegar ao meu

estúdio e me perdi em minha pintura.

Ela quer ficar com ele, não comigo. Ela acha que eu sou uma piada. Um flerte. É

claro — é isso que eu a fiz acreditar. Mas ela não enxerga além disso, como se

alguma coisa em mim esperasse que ela enxergasse.

Meus sentimentos por ela são ridículos. Ineficazes. Nunca deveriam ter

acontecido. Então por que eu estou amaldiçoado com eles? Por que não posso

esquecê-la? Eu sacrifiquei toda a minha existência para os caprichos e desejos do

destino. Eu sou escravo do destino, e mesmo assim ele está zombando de mim.

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Eu olho desesperado para a bagunça que eu fiz em minhas telas, e me sento no

chão, minha cabeça em minhas mãos. Eu preciso me controlar. Se as coisas

continuarem como estão, esta garota será parte da minha vida. Uma parte da vida

do nosso clã. E eu tenho que aprender a lidar com isso sem mostrar meus

sentimentos. Eu tenho que superá-la. Eu tiro o meu telefone do bolso e ligo para o

primeiro número que aparece: Evelynn.

— Olá, bella. Eu sei que já faz muito tempo, mas você não teria um pouco de

chá para um pobre e solitário artista?

Eu vou para a única coisa que eu sei que vai me fazer sentir melhor. Os braços

de outra mulher.

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Capítulo 11

— Charles estava com Lucien! — Vincent diz quando irrompe na cozinha, onde

JB e Gaspard estão tendo um raro jantar com o resto de nós em vez de comerem

sozinhos. Jeanne escolheu a boa porcelana para a ocasião, e nos deixou com um

banquete de cochon de lait, todo um leitão assado que normalmente alimentaria

uma dúzia de pessoas, mas que com Ambrose comendo por seis, durará apenas

esta noite.

Todos param de comer e olham para Vincent — O que você disse? — JB

pergunta em uma voz tensa.

— Eu acabei de chegar de um jantar que tive com a família de Kate. E ela viu

Charles com Lucien naquela noite. Eles estavam conversando fora de uma casa

noturna.

Charlotte levanta a mão para sua boca, e geme — Oh, não — Eu me aproximo

dela e coloco meu braço ao seu redor. Mas eu sei o que ela está pensando: Charles

finalmente fez isso. Ele pediu para que os numa o destruíssem. Eu estou

sobrecarregado pela tristeza de que a depressão de Charles o tenha levado tão

longe, e o ódio por pensar em um numa cortando seu pescoço.

— Mas não é só isso — Vincent disse — A irmã de Kate está aparentemente

saindo com Lucien. Romanticamente, eu quero dizer.

— O quê? — Ambrose ruge, batendo o punho da faca em cima da mesa.

— É claro que ela não sabe quem ele é. Ou o que ele é — Vincent diz — E ele

obviamente descobriu a nossa conexão com a família de Kate.

Charlotte começa a chorar, e eu a puxo em direção a mim para que ela fique

soluçando em meu peito. Meus olhos encontram os de JB.

— Estou ordenando um alerta geral imediato — Ele diz, limpando a boca com

um guardanapo de linho e levantando de sua cadeira — Nós teremos toda a nossa

tribo de Paris nas ruas procurando por ele. Eu prometo, Charlotte. Nós

encontraremos seu irmão.

Mas nós não encontramos nenhum rastro de Charles ou dos numa, e dois dias

depois Lucien liga com um ultimato. Ele matou Charles e deixou seu corpo nas

Catacumbas. Se nós não fôssemos buscá-lo naquela noite, ele esperaria até que

Charles estivesse volante e destruiria seu corpo, amaldiçoando Charles à

eternidade sem corpo.

Nós sabemos que isso é uma armadilha. Mas vamos mesmo assim. E mesmo

que nós consigamos matar alguns numa e resgatar o corpo de Charles, Lucien usa

nossa atitude para agir com um esquema ainda mais diabólico. Ele usa a irmã de

Kate para entrar em La Maison, e arrasta as garotas para onde o corpo de Vincent

jaz dormente e vazio — seu espírito está volante nas Catacumbas com a gente.

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O que não está nos planos de Lucien é Kate. Kate, que supera seu medo e

horror para lutar contra ele. Kate, que deixa Vincent possuir seu corpo para que ele

possa juntar sua força à dela, e matar o líder dos numa. Quando Ambrose e eu

chegamos lá, Lucien está sem cabeça e a ponto de ser carbonizado na própria

lareira de Vincent.

Kate é adotada na casa. Ela finalmente ganhou não somente a aprovação total

de JB, mas suas boas vindas, e o que eu mais esperava e temia se tornou realidade.

Meu medo de Kate ser machucada pelos numa é substituído pelo medo de como eu

reagirei vendo Kate praticamente todos os dias.

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Capítulo 12

— Ela tem um talento natural! — Gaspard diz enquanto assiste Kate flutuar

pelas portas duplas do salão de baile usando um vestido longo, cor de chumbo que

a fazia parecer como uma princesa da época de JB. E cara, o século dezoito não caía

muito bem nela?

— Um talento natural para quê? — Eu pergunto a ele, incapaz de tirar meus

olhos dela.

— Lutar — Ele replica — Ela começou a treinar comigo há apenas algumas

semanas, e ela já superou todas as partes básicas. Eu a mostrei um movimento

duas vezes, e ela já o dominou. O ritmo da luta está em seu sangue.

— Isso não me surpreende nenhum pouco — Eu digo, e caminho pelo salão de

baile em direção a ela. Sou atraído para ela como uma abelha pela planta em plena

floração. Ambrose colocou Louis Armstrong para tocar, e os casais se dirigem para

o meio do salão para aproveitar a batida dançante.

Kate está tão perdida com o cenário que nem me vê quando estou me

aproximando. Eu estive nos bailes de Jean-Baptiste por vários anos, e ainda os acho

de tirar o fôlego. Neste ano ele decorou a sala em prata e branco, e o espaço inteiro

está iluminado por velas — candelabros cintilam nas mesas laterais e os prismas

do lustre brilham como diamantes.

Eu fico parado logo atrás dela sem que ela me note, e nossa proximidade faz

com que minha pulsação acelere — Como está o seu cartão de dança? — Eu

murmuro de trás dela.

Ela pula, e me vendo, se quebra em uma grande risada — Não estamos mais

em seu século, Jules. Não existem cartões de dança.

Eu a arrasto pelo chão, dobrando-a em meus braços sob o brilho dos lustres,

permitindo-me total liberdade. Eu não me preocupo com nada, sabendo que ela

não vai me levar a sério — Kate, minha querida, a luz das velas combina tanto com

você — Ela cora e eu saboreio minha recompensa, alisando sua bochecha com as

pontas de meus dedos. Sua pele é uma pétala suave, e ondas de choque pelo toque

ilícito correm pelo meu corpo. Ela olha para mim, questionadoramente, mas eu dou

a ela uma piscadela enorme e ela apenas ri.

Eu pego a mão dela na minha e coloco a outra mão em suas costas, puxando-a

para mim até que nossos corpos se tocam. Eu me sinto mais vivo do que nunca

estive — como eu mesmo dez vezes. Com Kate em meus braços eu me sinto uma

pessoa melhor. Capaz de qualquer coisa.

Ela está próxima o bastante para que eu sinta sua respiração em meu pescoço,

e fechando meus olhos, eu deixo meus lábios se esfregarem no topo de sua cabeça.

Seus cabelos cheiram como coco, e de repente este é o meu aroma favorito. Eu a

aperto e ela ri e olha para mim — Jules, seu incorrigível libertino — Ela me

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repreende, e depois me dá um sorriso que faz com que eu me sinta como se

estivéssemos na gravidade zero. Flutuando centímetros acima do chão. Sem peso e

sem tempo, e eu gostaria que essa música durasse para sempre.

Eu sei o quão ineficazes são as minhas ações, mas eu as faço de propósito —

para punir a mim mesmo. Eu mereço a dor que a proximidade dela me traz. Eu

quero abraçá-la assim todos os dias. Eu quero ser o foco de seu sorriso radiante. Eu

me deixo fingir durante a duração da música, e quando ela acaba, eu toco sua face

de novo e imagino que estamos juntos.

Meu passatempo — falando apenas a verdade — é tão conhecido que, mesmo

depois de pressioná-la de encontro a mim, apertando-a tão perto, sussurrando em

seu ouvido, Vincent apenas sorri para mim e Geneviève faz um sinal para Kate de

que eu sou inofensivo.

É com um sentimento de desespero que eu a devolvo para seus braços. Eu

quero que ele fique bravo. Eu quero que ele me desafie. Porque aí a verdade

poderá sair e eu não terei mais que esconder os meus sentimentos. Mas ele confia

em mim demais para suspeitar de mim. E eu o amo demais para machucá-lo.

Jean-Baptiste convoca uma reunião na biblioteca alguns dias depois. Charles e

Charlotte partiram no dia do Ano Novo para o sul da França, e Violette e Arthur já

chegaram para substituí-los. Mas eles saíram para confortar Geneviève depois da

morte de seu marido, então somos apenas cinco: Gaspard está sentado incômodo

ao lado de JB, e Vincent, Ambrose e eu estamos nos aquecendo perto da lareira.

Jean-Baptiste toma um gole de vinho, coloca sua taça em uma mesa e se dirige

a nós — Como eu já mencionei, eu estou convencido de que os numa têm um novo

líder. Violette tem fontes entre seus contatos que tentarão descobrir sua

identidade. Mas neste meio tempo, eu quero falar sobre um plano que Gaspard e

Vincent inventaram, que pode permitir que Vincent resista à morte.

— Como todos vocês sabem, estamos num cessar-fogos com os numa que nos

impede de atacar uns aos outros a menos que sejamos provocados. Porém, a

proposta de Gaspard e Vincent necessitaria de mortes dos numa sem que eles

sejam provocados. Eu estou considerando fortemente cancelar esta regra do

cessar-fogo já que Lucien já a quebrou atacando pessoalmente a nós dentro de

nossas próprias paredes.

— Oba! — Ambrose comemorou, e pulou para ficar em pé com antecipação —

Está convocando voluntários?

— Calma, por favor, Ambrose — JB diz — Eu ainda não tomei uma decisão

definitiva. Mas eu pediria para que Vincent explicasse para você o que está

envolvido.

Vincent puxa sua cadeira na frente do fogo e se inclina em nossa direção,

cotovelos nos joelhos e mãos apertadas juntas.

— O plano que nós temos pode ser perigoso, e eu quero pedir a ajuda de vocês

— Ele diz — Algumas semanas atrás, Gaspard e eu encontramos a informação que

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estávamos procurando, sobre uma coisa chamada “Caminho da Escuridão”. Ela

envolve matar os numa para absorver sua força.

— Isso não é nada novo — Ambrose diz — A corrida da energia que ocorre

quando você bate em um destes desgraçados é metade da diversão de fazê-lo.

— Correto — Interpõe Gaspard — mas o Caminha da Escuridão é um

assassinato sistematizado de nossos inimigos. Isso potencialmente dará a Vincent a

força necessária para resistir à morte para que ele possa cumprir a promessa que

fez a Kate. Não era nem uma possibilidade antes, com o cessar-fogo.

Eu tenho um mau pressentimento sobre isso. Eu entendo que Vincent fará

qualquer coisa para acalmar os medos de Kate. Eu faria isso também se fosse ele, eu

penso, e sentindo uma picada de ciúme, empurro aquele pensamento para o lado.

Vincent está pedindo por minha ajuda, mas isso parece perigoso em diversos níveis

— Se você tem apenas alguns exemplos antigos, como sabe que isso vai funcionar?

— Eu pergunto — Eu quero dizer, se não funcionar, nós teremos enfurecido os

numa e arriscado precipitar um ataque retaliatório.

— Violette verificou a autenticidade das histórias do Caminho da Escuridão —

Gaspard diz — Ela está convencida de que funciona. Além do mais, suas fontes a

alertaram sobre um possível aumento na atividade dos numa começando por hoje.

Já que Vincent encenará uma ofensiva contra nossos inimigos, precisaremos

considerar uma estratégia de defesa para proteger aqueles que entram e saem de

La Maison, não apenas nós, mas Jeanne, Kate e qualquer outra pessoa.

— Estou pronto para começar — Vincent diz, e seu tom decisivo não permite

questionamentos sobre sua determinação em fazer com que o Caminho da

Escuridão funcione — Posso contar com vocês três para me ajudarem?

— Você sabe que pode contar comigo se isso tiver a ver com assassinato de

zumbis — Ambrose diz, esfregando as mãos juntas, em expectativa.

— Seu desejo é uma ordem — Eu digo.

— Ótimo. Obrigado. Mas, por favor, não falem sobre isso com Kate. Eu quero

ter certeza de que isso funciona antes de dizer a ela o que eu estou fazendo.

— Você quer dizer que ela iria pirar se soubesse o que você está fazendo — Eu

afirmo. Vincent corre sua mão por sua cabeça preocupadamente, e assente.

— Meus lábios estão selados — Promete Ambrose.

Vincent nos agradece e passamos diretamente para a estratégia — Tudo bem,

a fonte de Violette está atenta a um grupo de numa operando no Quartier de

l’Horloge. Ambrose pode vir comigo. Nós vamos alcançá-los e descobrir se

podemos provocar um confronto sem que os humanos percebam.

— Gaspard, Kate está programada para treinar com você esta manhã. Você

pode prosseguir com isso como se nada tivesse mudado? — Gaspard assente — E

Jules, JB pediu para que um de nós acompanhe Jeanne quando ela sair e voltar para

seu apartamento hoje. Você pode fazer o mesmo por Kate?

Eu confirmo. Vincent se inclina para frente e aperta meu braço — Eu confio a

você a vida dela, Jules — Ele diz em uma voz baixa — Você sabe o quanto ela

significa para mim.

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Idem, eu penso, mas tudo o que eu faço é assentir.

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Capítulo 13

A próxima semana é uma aula de massacre.

No primeiro dia fora com Ambrose, Vincent mata dois numa. Na próxima noite,

Vincent chega em casa por volta de meia-noite depois de levar Kate para a ópera, e

troca seu smoking pelos equipamentos de luta em minutos. Estamos flexionando

um pouco as regras, os três de nós caminhando sem um espírito volante. Mas

Vincent quer manter o “experimento” o mais secreto possível até que ele saiba se

vai funcionar, e envolverá apenas os membros de La Maison.

Nós vamos direto para Pigalle, onde um grande número de bares e clubes de

strip-tease pertencem aos numa ou seus subordinados. Geralmente — a menos que

estejamos salvando um humano — nós evitamos as moradias dos numa. Como

Ambrose diz, é muito tentador enfiar a faca por eles, e até agora, livrar Paris dos

numa não tinha sido o nosso objetivo. Assim como nós não esperamos um numa

tocando nossa campainha em La Maison, eles não antecipam que um grupo de

bardia invadirão seu território. O que os faz alvos fáceis.

Aparentemente a notícia sobre os dois caras que Vincent matou ontem não se

espalhou pelos círculos dos numa, porque nós entramos em Le Boudoir Nightclub

na hora em que ele estava para fechar e tem um numa parado bem na entrada. Ele

é grande o bastante para ser um fanfarrão em um dos clubes mais modernos de

Paris, mas o terno sob medida faz com que ele pareça o dono do clube. Nossas

mãos todas tocam as espadas embaixo de nossos casacos — como se

precisássemos de apresentação. Ele sabe o que nós somos. Olhando para os três de

nós como se nós fôssemos os fantasmas dos humanos que ele matou, ele vira e

corre para trás do bar, trancando-se no escritório.

— Com licença, senhoritas — Ambrose diz para as duas dançarinas seminuas

que estão sentadas em banquetas, fumando. O lugar cheira a cigarro e rum

adulterado, e as luzes são tão fracas que leva alguns segundos até que eu perceba

que o bar está vazio.

— Não parece que vocês têm mais trabalho por aqui numa noite de Domingo

— Eu digo e dou a cada uma delas uma quantia de cem euros — Isso é o suficiente

para que vocês peguem seus casacos e vão para casa? — Elas riem abertamente,

desaparecem numa sala, e dentro de um minuto, estão correndo, completamente

vestidas, para fora da porta frontal. Eu a tranco atrás delas.

— Você quer vir para fora ou nós devemos entrar? — Ambrose grita para a

porta do escritório. Ele olha em volta para mim e Vince e dá de ombros.

— Arrombe — Diz Vincent enquanto nós pegamos as espadas. Mas antes que

Ambrose possa se mover, o numa vem para fora, balançando um machado de

batalha do tamanho de uma pedra de túmulo.

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Ambrose assobia enquanto pula para trás — Isso sim é um machado! — Ele diz,

inclinando-se para trás para evitar a lâmina.

Vincent não precisa de minha ajuda, mas eu avanço e deixo que o gigante me

dê uma pancada forte. Seu trunfo é sua grande massa, o poder descomunal que ele

pode colocar em sua oscilação. Por sorte, eu sou muito mais rápido que ele é, ou eu

teria perdido um braço.

Eu balanço minha espada, e ele uiva quando minha lâmina corta seu tórax. Ele

levanta seu machado com ambas as mãos, pronto para atacar, quando Vincent

investe para frente e lhe apunhala no peito.

O numa parece surpreso enquanto o metal penetra sua caixa torácica, e

quando ela encontra seu coração, ele deixa a arma cair e cai de joelhos. Segurando

a lâmina com ambas as mãos, ele tenta puxá-la para fora, mas de repente despenca

para os lados, deitado inclinado em uma piscina crescente de sangue.

— Ótimo jeito, rapazes — Diz Ambrose de onde ele está pegando o machado.

Ele corre o dedo pelas bordas, testando o quão afiado ele é — Que bom que ele não

te pegou primeiro; está coisa tiraria nota A em máquinas assassinas — Ele diz — E

agora é minha, toda minha — Ele murmura, como se aquilo fosse um bebê em vez

de uma arma mortal.

Vincent deixa sua espada cair, e suas mãos se fecham em punhos enquanto ele

absorve a energia do numa. Ele olha para mim, e eu posso ver o efeito que isso está

tendo nele — a mancha escura nos olhos e o olhar malvado de sua carranca

enquanto a força o atinge e mergulha em seu ser. Depois de um segundo, ele parece

como um bardia normal de novo, mas um que virou algumas latas de Red Bull.

— Ha! — Ele ri, e pega meu braço um pouco firmemente demais — Isso vai

funcionar, Jules. Eu posso sentir.

— Ah, tudo bem — Eu digo, imaginando se este plano do Caminho da

Escuridão é realmente a melhor ideia. Não é como se Vincent fosse virar um numa

delirante para cima de nós, mas os efeitos imediatos da absorção da força escura

depois de alguns dias em seguida são um pouco assustadores, para dizer o mínimo

— Quantos destes caras você tem que matar? — Eu pergunto, desembaraçando-me

de suas mãos.

— Apenas tenho que fazer isso por alguns meses, um a cada poucos dias — Ele

respondeu — Pelo menos, isso foi o que Violette e Gaspard calcularam.

Ele junta as mãos em expectativa, e depois puxa o telefone — Sim, Gaspard.

Precisamos de uma ambulância no Le Boudoir, Avenida Clichy. Para o crematório

— Ele desliga e olha para Ambrose e para mim com uma expressão selvagem nos

olhos. Baseado em minha experiência de matar os numa, demorará uma hora ou

mais para que o zumbido passe — Montmartre está a apenas alguns quarteirões

daqui — Ele diz — Quem está a fim de correr alguns degraus?

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Capítulo 14

Na próxima semana, quando eu acordo da dormência, Kate é a primeira coisa

em minha mente. A tarefa regular de guarda-costas que Vincent me pediu para

fazer enquanto ele mata os numa tem tornado impossível para mim realizar meu

objetivo de esquecer meus sentimentos por ela. Eu tenho um estímulo enorme de

vê-la. De ir até a sua casa. De segui-la enquanto ela cuida de suas atividades diárias.

Eu na realidade fiz isso uma vez. Eu sentei em seu quarto, observando-a

deitada na cama fazendo a tarefa da escola. Mastigando o final do lápis enquanto

pensava no que tinha escrito. Escreveu notas em um manuscrito bagunçado que

era completamente ilegível, pelo menos para mim. Em um dado momento, ela

dentou sobre suas costas e olhou para o teto, e uma expressão de pura felicidade

cruzou suas feições. Como se ela tivesse um bonito segredo. E eu sabia que ela

estava pensando nele. Eu me senti sujo e manchado por estar espiando-a neste

momento íntimo e a deixei imediatamente. Eu nunca mais a visitei quando estava

volante depois disso.

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Capítulo 15

— Vince, parece que aquele zumbi acabou com você tanto quanto você acabou

com ele — Eu sigo, apontando para a marca roxa do tamanho de um punho logo

abaixo de suas costelas. Vincent olha para baixo, pressiona a contusão, e recua com

dor.

— Merda, isso dói — Ele diz, sugando o ar afiadamente por entre seus dentes

— Isso é estranho: eu não me lembro de ele ter me tocado. Eu devo ter batido em

alguma coisa quando descemos as escadas dos esgotos.

Depois de duas semanas de assassinatos de numa, Vincent está parecendo pior

do que desgastado. Violette confirma que tudo isso faz parte. Ela diz que as coisas

têm que piorar para melhorarem depois.

Então eu confirmo com a cabeça e seguro minha língua. Eu fico encorajado

quando Vincent se reanima parecendo como ele mesmo. Mesmo que eu tenha um

mau pressentimento sobre toda essa coisa do Caminho da Escuridão, quem sou eu

para ir contra Gaspard e Violette, o time do cérebro dos sonhos?

Mas eu estou começando a perder a minha boa vontade de ajudá-lo a atingir

seu objetivo. Quanto mais Kate entra em nossas vidas, mais eu fico apaixonado por

ela. Quanto mais eu a vejo, mais eu a quero por perto. É um ciclo vicioso, e isso está

me deixando louco. Eu comecei a ficar longe de La Maison e passar mais tempo em

meu estúdio, apenas para evitar que nossos caminhos se cruzem mais do que

necessário.

Eu tomo banho e deslizo para dentro de jeans velhos e uma camiseta — Para

onde você está indo? — Vincent pergunta, esfregando uma toalha por seu cabelo

molhado.

— Estúdio — Eu digo.

— Você tem passado muito tempo lá — Ele comenta, jogando sua toalha

molhada em cima de uma cadeira — Está planejando uma exposição ou algo do

tipo?

— Não — Eu digo, e o sigo escada acima para o corredor de trás — Só um

projeto especial no qual estou trabalhando.

— Você tem que me dizer quando estiver pronto para ser visto — Ele diz, e

batendo no meu ombro, desaparece para seu quarto.

Jogando meu casaco para cima de mim, eu vou em direção à porta, passo pelo

portão e pelo rio. Este é um projeto que nunca ficará pronto para o público. Ou

para qualquer um da tribo, aliás.

Vinte minutos depois, eu caminho em meu estúdio e ligo as luzes. O cômodo

brilha com a iluminação que se aquece, mostrando dezenas de formas femininas.

Suas poses são todas diferentes, mas sua face é a mesma. Pintadas de memória em

cena após cena é a beleza pura de sua face. Kate.

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É a barganha que eu fiz comigo mesmo. Se eu não posso acariciar seu corpo

com minhas mãos, eu o pinto com meus pincéis. Uso meus dedos para traçar suas

linhas.

Eu tiro o meu casaco e vou direto para as telas em meu cavalete. Aperto as

tintas em minha paleta. E cuidadosamente... Ternamente... Tomando meu tempo

com cada pincelada, eu esboço a curva de seu pescoço, aplico o carmesim de seus

lábios, formo sua face em um tributo bidimensional para sua beleza. Misturo

minhas tintas para adquirir o exato tom de sua pele, e o esfrego na tela com minha

espátula.

Ela é a minha inspiração. Minha musa. Minha obsessão.

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Capítulo 16

Uma semana depois, Georgia nos compromete a ir para o show de seu

namorado. Já que Arthur e Violette participarão, eu me considero fora de escala e

levo uma mulher. Giulianna. Italiana. Bellissima. Olhos felinos e atitude felina. É

uma garota acostumada a ser mimada. E ela está lá por uma razão. Para desviar

minha mente de Kate.

Nós começamos em Le Meurice, onde com o champanhe e o vinho envelhecido,

eu desembolso euros o suficiente para pagar o aluguel de seu apartamento por um

mês. Então quando caminhamos para o local boêmio chique onde acontecerá o

show, seu sorriso esmorece — Por que mergulhamos aqui? — Ela pergunta,

olhando em volta para as paredes vermelhas e as cortinas de pele de leopardo do

palco.

— Vamos encontrar amigos aqui, vamos ver o show e depois vamos embora —

Eu assegurei a ela, e depois me afoguei com minha bebida quando vi Kate cruzar o

salão em nossa direção. Ela está usando botas, jeans skinny pretos, e uma blusinha

de seda cor vinho. E ela está esplêndida de um jeito que Giulianna nunca estará;

seu sorriso natural ilumina seu rosto mais efetivamente que a maquiagem de

marca de luxo e os caros cremes faciais que a minha ficante compra com o dinheiro

de seu pai.

Eu apresento as duas garotas. Kate se inclina e sussurra — Ela é maravilhosa!

E eu respondo com a verdade — Ela não tem nada de você, Kate. É só que você

está tão... Comprometida — Ela me dá um olhar de “que flerte”, e eu encolho os

ombros. Eu falo a verdade e nada além da verdade. E ainda assim...

A banda é boa, mas eu nem noto. Meus olhos estão colados em Kate pela noite

inteira. Enquanto ela dança com sua irmã em frente ao palco, eu me sinto como se

pudesse fazer isso — observar Kate se mover, girar, jogar suas mãos para o alto, e

pular — pelo resto da eternidade.

Giulianna está pronta para ir embora no segundo em que o show acaba. Nós

aproveitamos o tempo, caminhando de braços dados pelas ruas iluminadas até

chegarmos ao seu prédio na Rue Saint-Honoré. Ela me convida para entrar, e eu

aceito.

O ar em seu pequeno apartamento está pesado pelo cheiro de perfume.

Giulianna pendura seu casaco em uma cadeira e depois vira o rosto para me olhar.

Eu levanto seu queixo com as pontas de meus dedos e toco meus lábios nos dela.

Ela é macia e quente. Eu a puxo para mais perto, sentindo meu pulso acelerar

enquanto ela pressiona o peito contra o meu. Ela desliza uma mão pelos meus

cabelos e traça círculos atrás de minha orelha com seus dedos. Nosso beijo se

aprofunda.

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Giulianna começa a se atrapalhar com os botões de minha camisa, e em

segundos, eu a rasgo e estou abraçando-a em meus braços nus e nós estamos

cambaleando em direção à sua cama, incapazes de parar os beijos até mesmo

quando estamos nos puxando para baixo para deitar sobre os travesseiros.

Eu sei o que virá depois. Eu olho para a face maravilhosamente maquiada de

Giulianna, mergulho em sua beleza felina, e depois fecho meus olhos e estou

beijando Kate. Eu nem tento mais parar isso — isso acontece toda vez. Com

qualquer garota.

No começo, eu lutei contra isso. Parecia errado. Agora eu apenas deixo que

aconteça, deixo Kate tomar o lugar de Evelynn, Olivia, Quintana, Giulianna. E

mesmo que cada uma destas garotas tenha algo especial que chama a minha

atenção inicialmente — algo que me faz rir ou sorrir ou sentir desejo antes —

nenhuma delas chega nem perto dela. Com Kate em minha vida, vendo-a

diariamente, nenhuma mulher jamais se comparará.

Meu telefone toca no bolso de minha jaqueta. Eu ignoro por um segundo, e

depois, rolando na cama para ficar ao lado de Giulianna, eu atendo — Seu timing

está péssimo, Vince — Eu digo, incapaz de disfarçar a respiração ofegante.

O tom de Vincent é urgente — Jules, acabamos de ser atacados por três numa

fora do clube. Matamos todos, mas Arthur está machucado, e eu acabei de colocar

Kate e Georgia em um táxi. Você pode encontrá-las em sua casa? Assegure-se de

que elas entrem em segurança.

Eu fico em pé e começo a colocar minha camisa em uma fração de segundo.

Com a segurança de Kate em questão, eu não tenho escolha. Eu me movo

rapidamente em direção à porta — Sinto muito, eu tenho que ir — Eu digo para

Giulianna.

— Não vá — Ela diz, caminhando em seu apartamento para a minha direção. O

beicinho desapontado em seus lábios quase me faz me arrepender de minha

partida apressada. Eu a puxo comigo até a porta e saio, parando na soleira.

— Desculpa. Emergência — Eu digo, e me inclino para dar a ela um último

beijo — Eu ligo para você amanhã, Kate.

Ela cruza os braços e me lança uma carranca — É Giulianna — Ela diz, e bate a

porta na minha cara.

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Capítulo 17

As “atividades extracurriculares” de Vincent continuam, com Arthur, Gaspard,

Ambrose e eu revezando como seus assistentes de assassinos de numa. E

finalmente, depois de reduzir seu número para mais do que algumas dezenas, os

numa reagiram. Mas não da forma como esperávamos.

Uma tarde Geneviève liga, dizendo que enquanto ela estava fora, alguém

quebrou a fechadura, forçou sua porta, e virou o local de ponta cabeça. Gen não

conseguiu perceber nada faltando, mas JB e Vincent vão checar.

A primeira coisa com a qual Vincent se preocupa é Kate — Se esse é o início do

contra-ataque dos numa, eles podem ir atrás dela. Desde que Lucien saiu com

Georgia, eles sabem que Kate é a minha namorada.

— Por que eles o tornariam o alvo? — Eu pergunto — Ninguém sabe que é

você quem os está matando. Você nunca deixa um sobrevivente.

— Eu sou o inimigo numa número dois, depois de JB, e sua amada é imortal.

Acredite em mim: Kate é um alvo fácil. Você poderia, por favor, pegá-la na escola e

ficar com ela até que eu esteja de volta?

Eu não posso discutir com ele em relação a isso. E eu realmente não quero. Ele

está pedindo, e eu não vou dizer não para passar um tempo com Kate. Uma ideia

me vem à cabeça, e quando saio com a BMW de La Maison, eu paro rapidamente

em meu estúdio, arrumando-o.

Preciso de um pouco de bajulação para que Kate aceite posar para um retrato,

mas no final ela diz que sim. Nós estacionamos o carro e subimos as escadas para

meu estúdio onde uma hora antes eu guardei todos os quadros de Kate na antiga

banheira, puxando a cortina do chuveiro para esconder todas as evidências. Eu

tinha substituído os espaços em branco das paredes por outras telas, e sorri para

mim mesmo quando vi o êxtase na face de Kate enquanto ela caminhava por uma

sala cheia de pinturas.

Eu fecho a porta atrás dela e ligo o interruptor — Estas paisagens estarão em

uma exposição de grupo no próximo mês — Eu começo a dizer, quando um

barulho vem da sala adjacente. Eu pego uma espada de dentro do guarda-chuva

que estava perto da porta vou em direção ao barulho.

— O que você está fazendo aqui? — Eu grito para um numa de cabelos com de

areia que está agachado perto de minha mesa. Enquanto ele se arremessa para

cima de mim, eu mergulho minha lâmina em seu tórax. Eu apontei muito para

baixo para ter acertado seu coração, infelizmente. Mas antes que eu tenha a chance

de atacar mais uma vez, ele faz uma pausa e corre, dando um salto e quebrando

minha janela quando bate contra ela.

Kate corre para a abertura irregular e olha para baixo.

— Ele... — Eu começo, tentando regularizar minha respiração.

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— Ele caiu em pé e fugiu — Ela diz — Ele estava segurando a lateral do corpo,

onde você o atingiu, quando ele fugiu.

— O que um numa estava fazendo em meu estúdio? — Eu penso em voz alta e

depois vejo que minha escrivaninha tinha sido revirada, e livros e papéis estão

espalhados pelo chão. Kate se abaixa e pega um conjunto de ferramentas para

destrancar portas dentre os cacos de vidro. O que quer que os numa estivessem

procurando na casa de Geneviève, eles não tinham encontrado. E meu estúdio foi o

próximo lugar no qual eles pensaram em procurar.

Eu ligo para Vincent e digo a ele o que aconteceu. Enquanto entrego o telefone

para Kate e escuto sua voz frenética, eu de repente percebo: apenas um golpe do

numa e ela poderia estar morta. Se ele tivesse tido tempo de pegar sua própria

arma, aquele poderia ser o fim de Kate. Eu poderia tê-la perdido.

Permanentemente.

Ela desliga o telefone, e eu atravesso a sala em um segundo, segurando-a pelos

ombros — Kate, você está bem? Não se cortou em nenhum lugar? — Eu pergunto,

apertando-a de encontro a mim com meu alívio.

Nós ficamos no meio da pilha de vidro quebrado. Kate está em meus braços, e

os batimentos de seu coração estão agitados contra meu peito. E as coisas, pelo

menos uma vez, parecem certas. É aqui onde eu devo estar. Com esta garota em

meus braços. Eu não quero soltá-la, mas eu diminuo meu aperto quando ela se

afasta de mim — Jules? — Ela diz, uma pergunta em sua voz. Ela leu meus

pensamentos?

Eu deixo minhas mãos caírem, mas não me mexo. Estamos a centímetros de

distância. Eu sinto seu cheiro — ela cheira como amêndoas e capim-limão — e

sinto seu hálito quente em meus lábios enquanto ela olha para mim. E eu percebo

que, em um segundo meu segredo será exposto. Eu ou beijá-la.

Eu me viro abruptamente, saio de meu estúdio e caminho pelo ar frio de

Fevereiro, esperando até Vincent chegar.

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Capítulo 18

No dia seguinte, Vincent parte para Berlim para procurar por Charles, e eu sou

mais uma vez incumbido de cuidar de Kate. Mas em vez de me deixar leva-la para a

escola, ela me pede para que eu a leve para Saint-Ouen, para uma loja louca de

relíquias que parece ter sido aberta desde que os próprios santos estavam

caminhando pela Terra.

Kate insiste em ir sozinha. Eu digo a ela que ela tem quinze minutos, então

depois de quase meia hora sem Kate, eu fico alarmado o bastante para entrar lá,

com a espada na mão. A única pessoa que eu vejo é um espantalho de um homem,

que se encolhe e se diz inocente.

Kate entra rapidamente pela porta de trás, gritando para que eu pare, e depois

começa a me apresentar para a mãe e o filho que são curandeiros que dizem ter

ligações com os revenants. Como... Todos os revenants — estamos falando de numa

e bardia.

Eu estou tão bravo com Kate que mal posso falar. Não somente ela se colocou

em perigo de se machucar entrando em contato com aqueles espertalhões, como

me fez quebrar a promessa que fiz a Vincent de mantê-la longe do perigo. Ela

poderia ter sido machucada — ela ainda pode ser machucada — por causa disso.

Quem sabem quais laços estes curandeiros têm com os numa?

Depois de ter uma discussão acalorada com ela no carro, ela ainda não entende

porque eu estou tão chateado. E eu quase digo para ela. Eu poderia culpar as

emoções alteradas, mas a verdade é que eu estou cansado de esconder meus

sentimentos.

— Kate, eu me preocupo com você. Você nem sabe o quanto...

Seu olhar me faz parar. É um olhar assustado, como se ela estivesse com medo

de que eu inclinasse a balança e acabasse com essa ordem de equilíbrio tão

cuidadosamente adquirida. Ela sabe, eu penso.

Eu coloco minha mão na dela. O olhar desaparece de sua face, e de repente ela

está de volta ao humor de sempre. E se ela sabe o que eu iria dizer, ela empurrou o

conhecimento para tão longe que tudo está seguro de novo.

Eu a faço prometer que não se colocará em perigo de novo, e depois vou

embora, apenas a casca de um homem. Uma casca vazia.

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Capítulo 19

Na semana seguinte, o inferno quebra solto. Eu estou dormente, apenas para

acordar volante e encontrar La Maison em caos.

Vincent descobriu em Berlim que alguém de nossa classe está trabalhando

para os numa, e a visita de alguns numa à galeria do avô de Kate confirma esse

vazamento de informações. Como estou volante, Jean-Baptiste e Vincent pedem

para que eu os acompanhe. Nós questionamos os bardia de Paris por toda a noite,

mas pela manhã nós não fomos mais longe na descoberta do vazamento. JB

finalmente para de fazer perguntas e pede para que todos se reúnam em casa.

Em minha volta para La Maison, eu vejo Kate e Georgia no final da nossa rua,

escondendo-se e olhando para o nosso portão da frente. Eu me aproximo para

investigar, apenas para vê-las montar em uma scooter depois que Violette saiu, em

um taxi. O que não parece errado — Vi não sabe dirigir — mas quando eu vejo

Arthur seguindo-a com a motocicleta, com as irmãs humanas o seguindo, eu sei

que alguma coisa está acontecendo.

Eu sigo Kate e Georgia até que elas estacionam no começo da escadaria de

Montmartre e seguem Arthur que está subindo os degraus. Eu perdi o caminho de

Violette agora, mas decidi alertar Vincent para o fato de que sua namorada está

matando aula e dando uma de agente secreto com sua irmã.

Pensei que você gostaria de saber que sua namorada está dando uma de oficial

sem licença e está seguindo Arthur e Violette para cima de Montmartre — Eu digo

quando o encontro no pátio de La Maison.

Vincent bate a mão na testa e geme — Não me diga isso.

O que foi? — Eu pergunto.

— Kate enfiou na cabeça que Arthur é o informante dos numa, e conhecendo-a,

ela está tentando provar sua teoria. Eu não acredito nisso — Ele ruge com raiva em

uma das motocicletas.

Assim que ele parte, Ambrose sai da 4X4. Quando eu o informo da situação, ele

explode em uma risada — Cara, Vin deve estar bravo! Acha que é melhor eu dar

uma ajuda? Ajudá-lo a levar as matadoras de aula de volta à escola?

Apenas se você quiser ser envolvido em uma briga de casais — Eu respondo —

Nós provavelmente seremos capazes de ouvi-los gritando daqui.

Eu o acompanho para a cozinha, onde ele começa a comer um café da manhã

monstruoso e me atualiza sobre os bardia que ele interrogou nos subúrbios de

Paris. Ele não comeu nem metade do seu lanche quando o telefone toca — Katie-

Lou? Você ainda está em Montmartre? — Ele diz ates que ela tenha tempo de falar

— Vin já chegou aí?

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Eu me movo para mais perto da cabeça de Ambrose para poder ouvir, e escuto

Kate falando freneticamente — Ambrose, Vincent se foi. Violette e um numa o

mataram e levaram seu corpo. Eles o pegaram, Ambrose!

Por um segundo eu não entendo sobre o que ela está falando. E depois eu de

repente percebo, e me sinto doente de horror. Violette nos traiu. Ela é a

informante. A que está trabalhando com os numa. E eu penso no quanto ela sabe e

em quanto poder ela realmente tem; estou inundado de pânico.

Ambrose ordena que Kate volta para La Maison com Arthur e sua irmã. Ele

desliga e diz — Jules. Você pode chegar lá mais rápido. Você tem que ir. Violette

está em uma van branca de entrega com o corpo de Vincent. Saiu do começo da

Sacré-Coeur há dois minutos. Se você encontrá-los, siga-os até que descubra para

onde eles estão indo. Eu vou mobilizar todo o mundo, e nós estaremos prontos

para partir quando você voltar para cá.

Eu voo o mais rápido que nunca, estimulado pelo meu pânico. Eu chego em

Montmartre em apenas três minutos, mas já estou atrasado. A van de entrega não

está em nenhum lugar para ser vista. Eu procuro freneticamente pela vizinhança

por algum sinal deles, mas não encontro. E finalmente, eu tenho que desistir e vou

em direção para casa para dar as notícias.

Eu estou em um estado de descrença e choque. Como isso pode ter acontecido?

Por que Violette teria matado Vincent? E ela está agindo para ajudar os numa? É

tudo muito difícil de acreditar.

Em La Maison, JB divide a tribo de Paris em grupos de busca, despachando-nos

para vasculhar as ruas por sinais de Violette — ou qualquer numa.

Gaspard e eu nos dirigimos para o sul, e voltamos horas depois com notícias

devastadoras. Um numa que encontramos em Denfert confessou que tinha ouvido

que Violette levou o corpo de Vincent para fora da cidade, e estava se dirigindo ao

sul. Ela poderia estar em qualquer lugar agora.

Depois de reportar o que sabíamos para JB, eu saio para encontrar Kate. Eu

preciso ter certeza de que ela está com alguém que pode cuidar dela. Eu tenho que

encorajá-la. Tenho que dizer a ela que ainda há esperança, enquanto sei que a

esperança é muito pequena. Eu nem posso imaginar como ela está lidando com

tudo isso.

Eu a encontro no pátio, sentada na fonte do anjo conversando com Ambrose.

Ela tinha chorado, mas não tinha perdido a esperança. Eu queria pegá-la em meus

braços. Para consolá-la e ser consolado por ela.

— O que você acha que ela vai fazer? — Ela pergunta para Ambrose.

— Katie-Lou, em relação à Violette, eu não sei mais o que pensar.

— Se ela queimar o corpo dele hoje... — Kate começa.

— Ele estará morto — Ambrose responde sinceramente.

A expressão fúnebre em sua face toca meu coração. Ela ama Vincent de corpo e

alma. Ele é o seu amor verdadeiro. Ela nunca sentirá por mim o que sente por ele.

Mas eu nunca vou parar de amá-la. E eu tenho que aprender a viver com isso.

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Beije a Kate por mim — Eu peço a Ambrose — Diga a ela para ter coragem;

vamos encontrar Vincent.

Ele coloca seu grande braço ao redor dela, puxa-a em sua direção, e planta um

beijo em sua bochecha — Isto é de Jules. Ele disse para você “Coragem, Kate.

Vamos encontrar seu homem”.

Eu saio de lá. Eu não suporto ver a dor em seus olhos e não poder tocá-la.

Consolá-la. Eu me junto a JB, Gaspard e Arthur na biblioteca, onde eles estão

criando uma estratégia — encontrando um plano que pudesse resolver todas as

eventualidades.

Nós esperamos a noite toda, mas não temos notícia nenhuma. Violette não

entrou em contato com a gente. Os ânimos estão começando a cair quando, logo

antes da meia-noite, acontece.

Estou descendo as escadas com Gaspard e Arthur quando Kate irrompe pela

porta da frente. Seus olhos estão ferozes, e ela está arfando como se tivesse

correndo quilômetros.

Ele diz a nós que Vincent veio a ela volante dizer adeus. Ele disse a ela que seu

corpo estava no castelo de Loire Valley de Violette sendo preparado para ser

jogado ao fogo. Então ele foi cortado no meio da frase quando seu corpo foi

sacrificado.

A face de Kate está em estado de choque. O corpo de seu verdadeiro amor foi

destruído, e nós não sabemos o que aconteceu com seu espírito. E ainda assim, ela

está forte. A maioria estaria destruída com tais notícias, mas ela correu de volta

para nós. Para a tribo de Vincent. Estou admirado pela sua coragem.

Enquanto Gaspard leva Kate para a sala de reuniões, eu sei o que o meu antigo

amigo iria querer. Os anos completando as frases um do outro — as décadas de

comunicação sem palavras — permitiu que sua voz viesse até mim tão alta como se

ele estivesse falando em meu ouvido.

Kate é minha responsabilidade agora. Eu devo guarda-la com minha vida.