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    OsCadernos IHUdivulgam pesquisas, produzidas por professores/pesquisadores epor alunos de ps-graduao, e trabalhos de concluso de alunos de graduao, nasreas de concentrao tica, trabalho e teologia pblica. A periodicidade bimensal.

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    Curar um mundo feridoRelatrio especial sobre ecologia

    Secretariado de Justia Social e Ecologiada Com panhia de Jesus

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    UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

    ReitorMarcelo Fernandes de Aquino, SJ

    Vice-reitorJos Ivo Follmann, SJ

    Instituto Humanitas Unisinos

    DiretorIncio Neutzling

    Gerente administrativoJacinto Aloisio Schneider

    Cadernos IHU

    Ano 9 N 37 2011

    ISSN: 1806-003X

    EditorProf. Dr. Incio Neutzling Uni sinos

    Conselho editorialProfa. Dra. Cleusa Maria Andreatta UnisinosProf. MS Gilberto Antnio Faggion Unisinos

    Dra. Susana Rocca UnisinosProfa. Dra. Vera Regina Schmitz Uni sinos

    Conselho cientficoProf. Dr. Age mir Bavaresco PUCRS Doutor em Fi losofia

    Profa. Dra. Aitziber Mugarra Universidade de Deusto-Espanha Doutora em Cincias Econmicas e EmpresariaisProf. Dr. Andr Fili pe Z. de Azevedo Unisinos Doutor em Economia

    Prof. Dr. Castor M. M. B. Ruiz Unisinos Doutor em Filo sofiaDr. Daniel Navas Vega Centro Internacional de Formao-OIT-Itlia Doutor em Cincias PolticasProf. Dr. Edison Gastaldo Unisinos Ps-Doutor em Multimeios

    Profa. Dra. lida Hennington Fundao Oswaldo Cruz Doutora em Sade ColetivaProf. Dr. Jaime Jos Zitkosky UFRGS Doutor em EducaoProf. Dr. Jos Ivo Follmann Uni sinos Doutor em Sociologia

    Prof. Dr. Jos Luiz Braga Unisinos Doutor em Cincias da Informao e da Comuni ca oProf. Dr. Juremir Machado da Silva PUCRS Doutor em Sociologia

    Prof. Dr. Werner Altmann Uni sinos Doutor em Histria Eco nmica

    Responsvel tcnicoMarcelo Leandro dos Santos

    TraduoMartinho Lenz

    RevisoIsaque Gomes Correa

    Editorao eletrnicaRafael Tarcsio Forneck

    ImpressoImpressos Porto

    Univer sidade do Vale do Rio dos SinosInstituto Humanitas Unisinos IHU

    Av. Unisinos, 950, 93022-000 So Leopoldo RS BrasilTel.: 51.3590-8223 Fax: 51.3590-8467

    www.ihu.unisinos.br

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    O Secretariado de Justia Social e Ecologia da Cria Geral da Companhia de Jesus publica a PromotioIustitiaeem Espanhol, Fran cs, Ingls e Ita liano no site: .

    Se voc tiver alguns breves comentrios sobre o documento, sem dvida, sero bem recebidos. Da mes -ma for ma, se voc qui ser en viar uma carta para sua incluso em uma fu tura edio da Promotio Iustitiae,utilize o e-mail ou fax in dicados ao final da pre sen te publicao.

    Ns encorajamos a reproduzir o documento, no todo ou em parte, sempre que o considerem oportuno,e agradecemos que incluam a referncia aPromotio Iustitiae e seu endereo, como fonte, e tambm envi-em uma c pia ao Edi tor.

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    Este documento, Curar um mundo ferido,primeiro descreve os motivos que levaram criaoda Fora-Tarefaou grupo de trabalho so bre a misso da Companhia de Jesus e a eco logia; de-pois, oferece a viso geral que incentiva tanto a anlise como as recomendaes finais; tambm seaprofunda nas caractersticas do contexto mundial atual, da Igreja e da Companhia e nas relaesexistentes en tre a re con ciliao com a criao, por um lado, e a f, a justia e o dilogo tan to in-ter-religioso como cultural por outro lado; em concluso, o documento prope um conjunto derecomendaes finais.

    MEMBROS DO GRUPO DE TRABALHO

    A. Joseph, Xavier SJ(MDU)

    Aguilar Posada SJ, Jos Ale jan dro (COL)Chiti SJ, Leonard (ZAM)Garca Jimnez SJ, Jos Ignacio (CAS)Tuchman, Nancy C., Loyola University Chicago (EUA)

    Walpole, Peter W. (Pedro) SJ(PHI)

    Secretariado tcnico:

    Sievers, Uta (SJES)

    Coordenadores:

    Anton SJ, Ronald J. (MAR)Franco F. SJ, Fernando (GUJ)

    Membro convidado:

    lva rez SJ, Patxi (LOY)

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    Sumrio

    Apresentao ................................................................................................................................ 7

    Editorial...................................................................................................................................... 9

    Viso de conjunto ......................................................................................................................... 10

    Ver: Tendncias globais atuais ................................................................................................. 11

    Julgar: A maneira inaciana de ver o mundo ............................................................................. 11Atuar: Recomendaes ............................................................................................................ 12

    1 Introduo................................................................................................................................ 14

    2 Viso........................................................................................................................................ 16

    3 O contexto de nossa resposta apostlica........................................................................................ 18

    3.1 Vivemos em um mundo conturbado ................................................................................. 18

    3.2 Avaliao regional.............................................................................................................. 20frica................................................................................................................................. 20Amrica Latina .................................................................................................................. 21Europa............................................................................................................................... 21

    sia Meridional ................................................................................................................. 22Amrica do Norte .............................................................................................................. 23sia-Pacfico ...................................................................................................................... 23

    3.3 O papel da cincia e da tecnologia..................................................................................... 24

    3.4 Tendncias globais atuais................................................................................................... 25

    4 Entender nossa misso jesuta no contexto da crise ecolgica.......................................................... 284.1 O cuidado da criao: o desenvolvimento de uma nova dimenso da misso jesuta........... 28O perodo 1993-2008........................................................................................................ 28CG 35: um trptico de re laes .......................................................................................... 29

    4.2 A reconciliao com a criao e a dimenso de f de nossa mis so...................................... 30Reflexo bblica: a criao e do mistrio pascal ................................................................... 30

    A resposta da Igreja: a doutrina social catlica.................................................................... 31Espiritualidade inaciana e a solicitude pela criao ............................................................. 31

    4.3 A reconciliao com a criao e a dimenso da justia de nos sa misso............................... 32As ligaes entre reconciliao e justia .............................................................................. 32

    Os diferentes atores da crise ecolgica ................................................................................ 34Mitigao, adaptao e contrato social como programa transformador............................... 35

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    4.4 A reconci lia o com a cria o e o dilogo com a cultura e as religies ................................ 35Cultura e identidade .......................................................................................................... 35Sociedade civil e o movimento verde .............................................................................. 36

    As gran des religies e a eco logia ......................................................................................... 36Os povos indgenas e as sociedades tradicionais.................................................................. 37

    5 Recomendaes.......................................................................................................................... 39

    6 Sugestes concretas..................................................................................................................... 44

    7 Agradecimentos......................................................................................................................... 46

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    Apresentao

    Cria Geral da Companhia de Jesus

    Sobre a ecologia

    2011/16

    A toda companhia

    Queridos irmos:

    Com esta carta quero chamar a ateno detoda Companhia sobre uma preocupao impor-tante expressa pela Congregao Geral 35 (2008),nosso compromisso com a ecologia.

    A Congregao nos recorda que vivemos nummomento de ampla destruio do meio ambien-te, que ameaa o futuro do nos so planeta (Cf.Decreto 3, n. 33). Face a essa situao no pode-mos permanecer indiferentes. Felizmente, emnosso mundo se desenvolve uma crescente to-mada de conscincia ecolgica em muitas pessoas,comunidades e instituies. Em seus escritos, oPapa Bento XVI nos tem urgido a um maior emais profundo respeito pela criao e aplicaode medidas mais fortes para sua proteo.

    J durante o tempo de preparao da CG 34(1995) chegaram alguns postulados sobre ecolo-gia, uma temtica que aquela Congregao nopode abordar em profundidade. Por essa razo, omeu predecessor, o P. Kolvenbach, pediu ao Se-cretariado para a Justia Social a elaborao deum documento sobre a questo, que apareceucom o ttulo: Vivemos em um mundo fragmentado: re-

    flexes sobre a ecologia (Promotio Justitiae, abril de1999, n. 70).

    A CG 35 deu mais um passo em relao eco-logia ao integr-la no Decreto da misso. Assim

    como somos chamados, como jesutas, a promo-ver e restabele cer relaes justas com Deus e comos outros seres humanos, da mesma forma e coma mesma urgncia somos chamados a restaurar ecurar as relaes rompidas com a criao.

    Para dar um impulso prtico a essa preocupa-

    o, convo quei no ano passado um Grupo deTrabalho o Task For ce, como foi chamado emingls composto por jesutas e colaboradoresleigos procedentes de todas as Conferncias que,ao longo de vrios meses de trabalho interdisci-plinar em comum, elaboraram o documento:Curar um mundo ferido, que aparece nestadata na edio digital de Promotio Justitiae(n. 106,em ).

    Nele encontraremos propostas para examinarnossa vida pessoal, nosso estilos comunitrios enossas prticas institucionais. Por isso, esse do-cumento pode ser um instrumento til paraconcretizar as palavras em nossa vida e misso e,deste modo, todos os aspectos de nossa vidacontribuiro para a sustentabilidade do planeta.Podemos fazer muito mais neste terreno a partirdas nossas plataformas apostlicas, tanto educa-tivas, como pastorais e sociais. Trata-se de dotarnovas maneiras de viver, propor prticas, difun-dir conhecimento, favorecer a pesquisa e, dada a

    oportunidade, exercer influncia poltica (Decre-to 3, n. 35).

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    Por outro lado, claro que somente podemosrealizar tudo isso com legitimidade se, de nossaparte, damos sinais de uma maior coerncia e deum compromisso pessoal e institucional maisresponsvel com este aspecto de nossa misso, aqual nos reclama hoje uma mudana de corao, agra-decido a Deus pelo dom da criao e disposto aempreender um caminho de converso.

    Permitam-me concluir expressando um since-ro reconhecimento ao grupo de trabalho antes ci-tado pela valiosa contribuio que nos ofereceu eque nos ajuda a levar o discurso para a prtica.

    Santo Incio nos convi da a contemplar a cria-

    o e a ver nela o Criador: habitando-otodo e traba-lhan do por nsem cada realidade e com toda a his-

    tria (EE., nn. 234-236). Por sua intercessopeo, com palavras do P. Pedro Arrupe, que re-novemos com confiana nossa oblao de maiorestima e valor na imitao e seguimento deste Jesus quequer reconciliar toda humanidade e toda criao para a

    glria do Pai.

    Com afeto, no Senhor,

    Adolfo Nicols, S.J.Prepsito Geral

    Roma, 16 de setembro de 2011.(Original em espanhol)

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    Editorial

    Tenho o prazer de apresentar este trabalhosobre ecologia, fruto da elaborao generosa eentusiasmada de um Grupo de Trabalho For-

    a-Tarefa ou Task Force, como era chamado emIngls, que era a lngua de comunicao, compos-to por especialistas de todas as Conferncias tan-

    to jesutas como um leigos/as entre julho enovembro de 2010.A deteriorao do meio ambiente como resul-

    tado da ao humana tornou-se crtica para o fu-turo do nosso planeta e as condies de vida dasgeraes futuras. H uma crescente conscinciamoral desta realidade.

    A Igreja, e especialmente os dois ltimos Pa-pas, tem insistido na necessidade de nossa cola-borao nos esforos para preservar o meio am-biente e proteger assim a criao e as populaespobres, que so as mais ameaadas pelas conse-quncias da degradao ambiental.

    A Companhia tambm est envolvida nestatarefa. So muitos jesutas e colaboradores que,ao acompanharem comunidades rurais pobres,procuram proteger o meio ambiente e promovero desenvolvimento sustentvel como condioessencial para o seu futuro. As geraes mais jo-

    vens de jesutas mostram uma sensibilidade espe-cial pela questo. Algumas Conferncias identifi-

    caram a questo ecolgica como uma prioridadeapostlica. Em suma, so muitos os esforos quea Companhia realiza nesta rea.

    No admira, portanto, que a ltima Congrega-o Geral 35 fez-nos ver que a reconciliaocom a criao uma dimenso da nossa missohoje, uma expresso necessria de uma f encar-nada e comprometida.

    No entanto, ainda precisamos de uma mu-dana de corao:confrontar nossas resistn-cias interiores, lanar um olhar agradecido para acriao, deixar-nos tocar o corao pela realidadeferida, adquirir um compromisso pessoal e co-munitrio, introduzir mudanas em nosso estilo

    de vida e trabalho com deciso no mbito cultu-ral, institucional e poltico.Este documento pretende ser um auxlio a

    mais neste longo caminho que requer um com-promisso sincero de nossa parte. O texto abordacom rigor um assunto complexo. Ele ajuda acompreender a situao atual, permite-nos apro-fundar na nossa misso e oferece uma srie de re-comendaesvaliosas e ponderadas para que asconsideremos em nossas instituies, comunida-des e provncias.

    No entanto, a mensagem que nos transmite de esperana: est em tempo de proteger estacriao ferida. Cabe-nos contribuir com o nossogrozinho de areia.

    Espero que a leitura e a orao do texto e odilogo sobre esta questo entre os companhei-ros e em nossas comunidades e instituies nosajudem a avanar no nosso caminho de reconci-liao com uma criao ferida.

    Patxi lvarez, SJDiretor

    Secretariado de Justia Social e EcologiaCria Geral da Companhia de JesusRoma, Itlia

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    Viso de conjunto

    O Grupo de Trabalho que preparou este do-cumento tentou avaliar a situao ecolgica domundo de uma forma ampla e honesta, usando asltimas reflexes sobre o meio ambiente dispon-

    veis Companhia para oferecer uma viso geraldo conjunto. O texto, depois de uma breve revi-

    so histrica considera a reconciliao com a

    criao luz, por um lado, da dimenso de f denossa misso, em seguida, da dimenso da justi-a, para considerar a seguir o dilogo com cultu-ras e religies. Termina apresentando oito reco-mendaes para as comunidades, instituies eoutros nveis de governo da Companhia.

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    Ver: Tendncias globais atuais

    O mundo em que vivemos no o paraso quedesejaramos. A maioria dos problemas ambien-tais atuais tem sido gerada pela ao humana. Aavaliao que o captulo 3 apresenta no se desti-na a desencorajar, mas a chamar a ateno para aurgncia dos problemas, para que possamoscomprometer-nos honestamente. Este captulotambm destaca o fato de que so os pobres que

    mais sofrem as consequncias da crise ecolgica,algo que j est acontecendo e que ainda ocorrerde forma mais intensa no futuro. Como jesutas,no podemos fechar os olhos para esta realidade.Depois de examinar as avaliaes regionais da

    frica, sia, Europa, Amrica do Norte e Amri-ca do Sul, o Grupo de Trabalho identificou as se-guintes tendncias:

    Julgar: A maneira inaciana de ver o mundo

    Depois de olhar para a situao em que nsnos encontramos, o Grupo de Trabalho usou di-

    versas fontes para avaliar esta realidade: recentesCongregaes Gerais recentes da Companhia de

    Jesus, a Bblia e a Doutrina Social da Igreja, as

    descobertas das cincias sociais e as percepesprprias de outras religies. Assim, aprofundouo alcance da crise ecolgica, para em seguida tra-tar de responder de forma adequada aos desafios.

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    Atuar: Recomendaes

    As recomendaes, contidas no captulo 5, soum convite para atuar oferecido a todos aquelesque se sentiram interpelados pelos desafios descri-tos nos captulos anteriores. As recomendaesso dirigidas aos diversos apostolados da Compa-

    nhia e aos diferentes nve is de governo. No captu-lo 6 se encontram sugestes prticas para a vidadiria das comunidades e instituies. Como in-troduo ao captulo 5, acrescentamos algumasorientaes que guiaram a reflexo:

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    1 Introduo

    1] Como afir ma a Congrega o Geral 35 (CG35), uma parte da misso da Companhia de Jesusconsiste em responder aos desafios ecolgicos esocioambientais para uma apreciao mais pro-funda da nossa aliana com a criao (D 3, 36).O cuidado do meio ambiente afeta o centro da

    nossa f em Deus e nosso amor por Ele (D 3,32). Afirmando este fato, a CG 35 segue de pertoas orientaes definidas por Bento XVI1.

    2] A implementao da chamada geral do GC35 e da Igreja levou criao de uma Task Force(comisso ou grupo de trabalho) sobre a missodos jesutas e a ecologia, como uma manei ra derefletir sobre formas prticas de respeitar a cria-o. Do ponto de vista histrico, parece aconse-lhvel realizar um aggiornamentode nossa tradi-o jesuta sobre a ecologia2. Estamos plenamen-te conscientes da importncia de refletir tantosobre a nossa misso, como sobre os desafi osambientais, por exemplo, as alteraes climticasou a ausncia de uma gesto adequada dos recur-sos naturais e de minerao. Tal reflexo a cha-

    ve para interpretar os sinais dos tempos, medi-da que enfrentamos um problema que ameaa oprprio futuro da humanidade.

    3] A Fora-Tarefa foi convocada conjunta-mente pelo Secretrio de Justia Social e Ecolo -gia e pela Educao Superior. Ela era constitu-da por cinco jesutas e uma pessoa leiga, escolhi-dos para representar as seis Conferncias daCompanhia. Fora-Tarefafoi dada a misso de

    escrever para o Padre Geral um relatrio sobrea misso dos jesutas e a ecologia. Pediu-se Comisso que, inspirada pelo que foi dito sobrea Igreja e a Companhia3e tendo em conta as ini-ciativas j tomadas por vrias conferncias eprovncias4, apresentasse recomendaes prti-cas para promover a integrao da preocupaoecolgica em todos os nossos ministrios5.

    Tambm se pediu que, no desenvolvimento desuas recomendaes, adotasse uma perspectivaintersetorial ou interdisciplinar, enfatizando osaspectos globais e internacionais das diversasquestes e concentrando-se em questes e me-todologias em que a Companhia pudesse fazeruso de suas capacidades.

    4] A fim de facilitar o caminho da Fora-Tarefa,no dia 10 de maio de 2010 se reuniu na Cria Ge-ral de Roma o Conselho Ampliado, para discutir

    14

    1 O Papa Bento XVI dedica todo o captulo quarto da Caritas in Veritatea esta questo. Em sua ltima mensagem sobre apaz: Se voc quer promover a paz, proteja a criao (01 de janeiro de 2010), faz a relao explcita entre os desafios am-bientais e a paz.

    2 J se passaram dez anos desde a publicao de Vivemos em um mundo quebrado: Reflexes sobre Ecologia (Secre-tariado de Justia Social Promotio Iustitiae, abril de 1999); o do cumento foi elaborado em resposta ao pe dido feito pela CG 34em seu Decreto 20.

    3 Recorde mos os documentos mais importantes dos ltimos 10 anos: CG 34, D. 20; Vivemos em um mundo quebrado,Secretariado de Justia Social Promotio Iustitiae,abril de 1999, GC 35, D. 3; A responsabilidade dos jesutas pelo ambiente(levantamento 2008/2009 sobre o que esto fazendo os jesutas), Secretariado de Justia Social, de 2009; e Plano de SeteAnos para a Mudana de Ge raes na Sociedade de Je sus, apresentado no castelo de Windsor, em novembro de 2009.

    4 Ver Plano de Sete Anos para a Companhia de Jesus elaborado para a reunio no castelo de Windsor (2009).

    5 Os jesutas e... aqueles que compartilham a nossa misso [so convidados] a mostrar uma mais efetiva solidariedadeecolgica em nossa vida espiritual, comunitria e apostlica (P. H. Kolvenbach, citado pela GC 35, D. 3, n. 31). Para ob-ter uma explicao, ver nn. 33-34.

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    a questo da ecologia6. Mais tarde, na primeirareunio da Fora-Tarefa (5-9 julho de 2010), foicombinado o plano de trabalho e a distribuiodas diferentes tarefas. Foi tambm decidido o en-

    vio de questionrios curtos para um seleto grupo

    de pessoas de cada conferncia e representativodos diversos apostolados7. A Fora Tarefarealizouuma ltima reunio em Roma de 15 a 20 de no-

    vembro de 2010 para terminar o relatrio.

    15

    6 Para auxiliar o Grupo de Trabalhopara refletir sobre a questo da ecologia, o Conselho Ampliado (Consiglio Allargato) do Pa-dre Geral dedicou o 17 de maio de 2010 ao meio-dia para discutir o assunto. As recomendaes contidas nas discussesde grupo e na sesso plenria foram compartilhadas com os membros da Fora-Tarefana primeira reunio do grupo, reali-zada em Roma de 5 a 9 de julho de 2010.

    7 Foram elaborados alguns questionrios, que foram enviados aos seguintes setores apostlicos: mdia social, o ensino

    superior, espiritualidade, pastoral indgena, pastoral social, educao secundria; mas tambm a casas de formao e atelogos, assim como a alguns provinciais, presidentes de conferncias e conselheiros. A lista completa est disponvelna seo dos agradecimentos.

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    2 Viso

    5] Aprofundar nossa experincia de f nodom da vida que vem de um Deus criador exigede ns uma mudana na maneira de responder urgente tarefa da reconciliao com a criao. Acriao, dom do Deus da vida, converteu-se hojeem um bem material, que pode ser explorado e

    comercializado. Nosso mundo, cheio de parado-xos, nos confunde e acusa, apresentando, aomesmo tempo, sinais encorajadores. H medo,tumulto, tristeza, desespero, mas tambm ex-presses de esperana e confiana. Somos todosresponsveis, embora alguns mais que outros;todos ns sofremos as consequncias, mas tam-bm alguns sofrem mais que outros. Muitos se-res humanos, apoiados pelo desenvolvimentotecnolgico e estimulados pela ganncia, conti-nuam dominando e pilhando a natureza, avan-ando para o progres so; so poucos, mui topoucos, os que levam em considerao as con-sequncias de suas aes.

    6] Nos atuais desafios fsicos e biolgicos donosso mundo, nossa experincia dominada porrespostas racionais e tcnicas que embotam nos-sa sensibilidade para desvendar o mistrio, a di-

    versidade e a imensido da vida e do universo. Aprofundidade espiritual de comunho com a na-tureza banida de nossa experincia por um ex-

    cesso de racionalidade; se queremos responder sperguntas mais agudas das mulheres e dos ho-mens do nosso tempo, temos de aprofundar e in-tensifi car a co munho com a cri ao. A este respe-ito temos muito a aprender com outras pessoascuja experincia pode mover-nos a alimentarmais profundamente nossa f; devemos estarcientes da esperana e da cura que tantas pessoasprocuram no mundo de hoje, especialmenteaquelas que so jovens ou vulnerveis ou tm ne-

    cessidade de paz.

    7] Agora, mais do que nunca, precisamos re-conhecer Cristo no sofrimento e em lugares sembeleza, tanto na profundidade das coisas comona Pscoa, reconciliando a criao atravs de suapessoa e da renovando a Terra. Apesar de nossaimpotncia, cobramos novas foras graas sua

    presena e experimentamos sentido e amor emnossa dignidade. O ver a Deus em todas as coi-sas nos cha ma a uma relao mstica com todacriao. A sabedoria de Deus e o novo trpticoque explicita a nossa misso de reconciliao8

    nos comunicam fora para ouvir todas as pessoase trabalhar com elas. Ns admitimos que o mun-do est ferido e quebrado e, humildemente, reco-nhecemos nossa parcela de culpa; mas isso umconvite para responder, a transformar-se em umapresena sanadora, plena de cuidado e dignidade,em lugares onde a verdade e a alegria da vidaestejam em franco retrocesso.

    8] A degradao ambiental devido ao consu-mo energtico insustentvel e a ameaa de escas-sez de gua e de alimentos so consequnciassentidas na sociedade global de hoje: o mar de

    Aral, Aceh (Indonsia), Darfur, o furaco Katri-na, Copenhague, Haiti, o Golfo do Mxico... Oconfli to entre bens (por exemplo, entre o de-senvolvimento energtico nacional e o suprimen-

    to da subsistncia local) requerem um discerni-mento profundamente informado. O aumentoexponencial da densidade populacional dos atuais6.800 milhes aos 9.000 milhes previstos para2050, exacerba a demanda por recursos naturais ea gerao de resduos. Tanto o direito ao desen-

    volvimento como a chamada tica para a reduodo consumo representam um enorme desafiopara a humanidade. H poucas respostas fceis;somos instados a examinar a forma como deve-

    mos viver e dar testemunho disso. Contemplan-

    16

    8 3, nn. 12 e 18.

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    do os sinais dos tempos e discernindo a misso,devemos explorar corajosamente novas formasde viver a solidariedade ecolgica.

    9] A luta por uma vida digna se estende atra-vs de um abismo socioeconmico: da privaoabsoluta em uma extremidade, ao consumo abu-sivo na outra. O espectro inclui a povos indge-nas cronicamente empobrecidos e marginaliza-dos, a migrantes e pessoas deslocadas, os quaisesto lutando para satisfazer suas necessidadesbsicas e alcanar um certo grau de segurana;mas tambm aqueles que procuram uma vidamelhor e uma promessa de progresso, bem como

    os que se deixam levar pelo consumismo. Onde amuitos faltam os alimentos, alguns devem redu-zir o consumo. Dig nos, mas humildes, todos nsprecisamos de justia assim como buscamos apaz e tentamos viver o reino.

    10] O nosso carisma e nossa vocao nos im-pelem a renovar relaes, desafiam nossos com-promissos intelectuais e espirituais, assim como aformao contempornea e nos movem a profes-

    sar um compromisso profundo com a criao,aprendendo com o Livro da Natureza a serco-criadores atravs da participao na plenitudeda vida. Devemos buscar colaboradores leigos emovimentos sociais junto aos quais atuar no pla-no local, regional e universal, unin do-nos e par-ticipando na busca mais abrangente de respeitoe responsabilidade com o meio ambiente.

    11] O desafio novo e velho ao mesmo tem-po e diz respeito a todos os nossos ministrios.Este documento leva a srio essa diversidade, falade converso pessoal, apela para a mente e o co-rao, a indivduos e instituies, a conferncias e

    provncias, e dirigido a todos os setores apost-licos: teolgico, espiritual, pastoral, social, educa-cional, intelectual e cientfico. Devemos atuar emdilogo com o mundo, com todas as religies ecom aqueles que se comprometem a promover ajustia ambiental. Este um dilogo crucial naprpria fronteira da sustentabilidade ecolgica detoda a vida.

    17

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    3 O contexto de nossa resposta apostlica

    3.1 Vivemos em um mundo conturbado

    12] A cidade de Copenhague est associada aofracasso da Cpula sobre as Mudanas Climticasde dezembro de 20099. Como possvel que,dada a gravidade dos dados fornecidos por cien-tistas, os lderes polticos fossem incapazes dechegar a um acor do, apesar da terrvel ameaa

    que implica a falta de resposta? Tem-se observa-do que depois do fracasso de Copenhague, esta-mos em um ponto morto climtico para o qualse apontam trs razes principais: o enorme de-safio econmico envolvido na reduo dos gasesde efeito estufa, a complexidade da cincia do cli-ma e as campanhas deliberadas para enganar aopinio pblica e desacreditar a cincia10.

    13] O desafio econmico que constitui a redu-o de gases de efeito es tufa era evi den te em Cope-

    nhague: embora no haja consenso sobre a quanti-dade de dinheiro que seria necessrio para esse fim,as estimativas variam entre 500.000 e 800.000 mi-lhes anuais de dlares11. Ter que discutir tais ci-fras em meio a uma grave crise econmica e fi nan-

    ceira dificultou a costura de um acordo e obtenode recursos financeiros para que os pases pobrestenham acesso tecnologia ou, mais importante,para ajudar a transfor mar os sistemas de produode energia12. Compreender o clima da Terra e ocomponente de origem humana da mudana cli-mtica uma tarefa difcil que envolve milhares decientistas de todo o mundo. O Painel Intergover-

    namental sobre Mudanas Climticas (IPCC porsua sigla em Ingls: Intergovernmental Panel on ClimateChange), apesar de seus erros, um esfor o impres-sionante de colaborao para fornecer aos respon-sveis polticos e ao pblico em geral o melhor co-nhecimento cientfico possvel13. O conhecimen-to cientfico incompleto e persistem incertezasimportantes sobre a magnitude, os tempos e osexatos riscos das mudanas climticas14. Isto le-

    vou a campanhas destrutivas contra a cincia do

    clima impulsionadas por poderosos interesses eideologias, dirigidas ao menos aparentemente acriar uma atmosfera de ignorncia e confuso15.

    14] Embora a resposta pol tica para a mu dan-a climtica esteja num ponto morto, como j ob-

    18

    9 A cpula (cimeira) foi uma das reunies de chefes de Estado e de Governo mais numerosas j realizadas; embora todosos participantes reconhecessem que a mudana climtica representa uma ameaa vida no planeta, foi impossvel conse-guir um acordo suficientemente ambicioso, eficaz e abrangente.

    10 Jeffrey Sachs, Comprender el impase climtico, .11 Este valor comparvel ao oramento de defesa anual nos Estados Unidos, mais de 600.000 milhes de dlares. Esta ,

    inegavelmente, um enorme valor em dinheiro, especialmente quando se pretende consider-lo como dinheiro novo,isto , no desviado do oramento j previsto para metas, tais como a ajuda ao desenvolvimento, mas computando so-mente os compromissos novos e reais das economias mais desenvolvidas.

    12 Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico na Europa [da OCDE] / Agncia Internacional de Energia[IEA] (2009), Como pode a indstria de energia contribuir a um acordo sobre o clima em Copenhague, Agncia Internacional de Energia, Paris.

    13 .14 Ao pblico no especializado custa, naturalmente, saber como lidar com esta complexidade e incerteza, especialmente por-

    que a mudana climtica governada por uma escala de dcadas e sculos, em vez de me ses e anos, .15 As grandes companhias petrolferas e outros grandes interesses corporativos esto envolvidos neste jogo, financiando vergonho-

    sas campanhas de relaes pblicas contra a cincia do clima. Sua estratgia consiste em exagerar as incertezas da cincia climticapara criar a impresso de que os cientistas do clima esto participando de outro tipo de conspirao para assustar a opinio pbli-ca. O Climategate estourou justamente pouco antes da conferncia de Copenhague, quando milhares de e-mails e documentos fo-ram roubados de um servidor do Centro de Pesquisa Climtica da Universidade de East Anglia (Gr-Bretanha) e divulgados na

    Internet. O caso acabou quando se conseguiu mostrar que o escndalo era apenas devido ao uso de uma gria coloquial entre oscientistas e que no havia nenhum sinal de conspirao de qualquer tipo. Ainda assim, o Conselho Inter-Academy foi encarrega-

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    servado, o sofrimento de milhes de pessoas nopode esperar. Nem se deve continuar diminuin-do as chances das geraes futuras. No h dvi-

    da de que nosso planeta est ameaado e que oatual modelo econmico no se sustenta, a me-nos que decidamos agir para reverter o triste epernicioso futuro que aguarda a milhes de pes-soas. Isto coloca a crise ecolgica num contextomais amplo de relaes intergeracionais. At ago -ra, a compreenso dos problemas ambientais ca-usados pelas atividades humanas era referida aocorrncias de carter local: por exemplo, a polui-o dos rios, o desmatamento, o esgotamento

    dos reservas de peixe ou deslizamentos de terrasprovocados pelas intervenes no territrio. Osdanos tinham causas locais e o remdio assimse pensava tambm devia ser aplicado local-mente: tratamento de gua, reflorestamento, etc.

    Agora, no entanto, as alteraes climticas e a re -duo da camada de oznio deixam clara umanova face da crise ecol gica: as aes lo cais tmconsequncias globais. O planeta est ameaadocomo um todo, e apenas uma resposta dada portodos pode ser verdadeiramente eficaz.

    15] A crise ecolgi ca desafia a nossa f. O queest ameaado o sonho de Deus como criador. o mundo, o mundo que Deus colocou nasmos da humanidade para que cuidasse dele e opreservasse, esse mundo corre perigo real de des-truio. Esta no uma mensagem apocalptica,mas uma possibilidade muito real, se nos fecha-mos na pequenez de nossa vida e nos recusamosa agir com convico e firmeza. A primeira vtima a Terra, com os recursos que ela contm, desti-

    nados para as geraes presentes e futuras. A bio-diversidade merece uma meno especial: sua

    perda irreversvel e reduz significativamente ariqueza natural. A prxima posio entre as vti-mas ocupada pelos mais pobres do mundo16.

    16] A cri se ecolgica ameaa a subsistncia vi-tal de todos os povos, especialmente dos maispobres e vulnerveis: aqueles que vivem em con-textos cada vez mais frgeis e caracterizados prin-cipalmente por desastres naturais, mudanas nascondies climticas, poluio, desmatamento,desertificao e o esgotamento do solo. O acessocada vez mais restrito aos recursos natu rais tornamais e mais dif cil a gesto do necessrio para vi-

    ver; os desastres tais como inundaes, incndios

    ou contaminao qumica podem empurrar fam-lias inteiras pobreza extrema. Os pobres, quedependem mais pesadamente sobre os recursosnaturais, so reconhecidamente como mais vul-nerveis a alteraes ambientais. Apesar de seusconhecimentos sobre as peculiaridades de cadaestao, os pobres de poucos recursos devido asua condio socioeconmica no podem pre-parar-se para as consequncias do esgotamentodos recursos naturais, ou responder velocidade

    com que acontecem as mudanas. Condies devida anti-higinicas e ambiente de trabalho defici-ente, sem dvida, contribuem para a falta de sa-de. Nas reas urbanas, a contaminao da guapara o abastecimento, inundaes de casas, a faltade esgoto, guas estagnadas e ausncia de sanea-mento so causas e consequncias da pobreza17. Aligao entre o ambiente e a pobreza inevitvel, eesse o verdadeiro desafio para todos ns18. Aseo seguinte discute brevemente os desafiosambientais de cada regio do mundo e as cone-xes com a pobreza.

    19

    do de exami nar os pro ce dimentos do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change Painel Intergovernamental sobre MudanasClimticas). O Conselho recomendou melhorar a liderana e os procedimentos de avaliao por pares.

    16 Bento XVI, Caritas in Veritate, n 48.17 Mary Ann Brock lesby, Poverty and the Environment: What the Poor Say(Pobreza e Meio Ambiente: o que di zem os po bres),

    Center for Development Studies, University of Wales, Swansea, 2001.18 As imagens das recentes inundaes no Paquisto, afetando mais de 20 milhes de pessoas, ilustram de maneira eloquen-

    te este ponto. A crise ecolgica s pode ser abordada no contexto das mudanas globais necessrias para reverter a situa-

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    3.2 Avaliao regional

    frica

    17] Na frica, as questes ambientais estointrinsecamente relacionadas aos recursos natu-ra is e pobre za. A frica rica em recur sos mi-nerais, mas o continente ainda tem o maior per-centual de pobres no mundo19. Para a ma ior par-

    te da frica, a agricultura a principal atividadeeconmica e proporciona meios de subsistncia ede emprego a at 70% da populao20. Particular-mente nas re gies central e sul da fri ca, as in-dstrias de extrao lideradas por empresas mul-tinacionais esto mais interessadas nos minerais

    do que no bem-estar das pessoas ou no meio am-biente. Comunidades inteiras so muitas vezesdeslocadas para limpar o caminho para as inds-trias mineradoras, deteriorando de forma perma-nente os vnculos culturais e espirituais das pes-soas com a terra de seus ancestrais, em troca deuma compensao inadequada para a destruiode seus meios de subsistncia. Alm disso, os be-nefcios da minerao no chegam s comunida-des onde os minerais so extrados. Algumas em-presas ignoram de forma deliberada as polticasnacionais de proteo ao meio ambiente, outras

    20

    o de extrema pobreza em que vivem milhes e milhes de seres humanos. E a reduo da pobreza s pode ser em pre-endida no contexto da recuperao ambiental.

    19 PNUMA (2006),Africa Environment Outlook 2(Viso do meio ambiente africano), Programa Ambiental das Naes Unidas,Nairobi.

    20 ECA (2004c), Land Tenure Systems and their Impacts on Food Security and Sustainable Development in Africa(Sistemas de posse da ter-ra e seus impactos sobre a segurana alimentar e o desenvolvimento sustentvel na frica), Economic Commission for Africa, AdisAbeba, .

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    subornam funcionrios corruptos do governopara evitar penalidades. A Nigria est sendo de-

    vastada pelas consequncias ecolgicas de cont-nuos derrames de petrleo, a extrao irrespon-svel de combustveis fsseis e por exploses degs que talvez sejam os piores em todo o mundo;o Delta do Nger, por sua vez, tornou-se uma gra-

    ve ameaa no apenas para a seguran a da fri caOcidental, mas tambm para a paz mun dial. Mu -danas no clima afetam a produo de alimentos elimitam drasticamente a sua capacidade econmi -ca da fri ca para reduzir a pobreza. Na Zmbia, aintensidade e a frequncia das secas e inundaes

    tm aumentado. Grande parte do continente espe-cialmente dos pases sem sada para o mar, como oChad, enfrenta desafios significativos associados desertificao, levando a uma crescente preocupa -o com a segu rana da gua.

    Amrica Latina

    18] Na Amrica Latina, a destruio do poten-cial produtivo ocorre atravs do impacto social,cultural e ambiental dos grandes projetos de mi-

    nerao e de energia, a pri vatizao da gua, a in-troduo de modelos de tecnologia inadequada eo ritmo devastador da extrao de recursos natu-rais. A disseminao de padres sociais de consu-mo leva deteriorao dos ecossistemas atravsda eroso do solo e esgotamento dos recursos na-turais. A expanso agrcola nos trpicos lati-no-americanos realizada principalmente porpessoas que foram expulsas de suas terras tradi-cionais pela pobre za, a violncia e a fal ta de ter ras

    agrcolas. A apropriao das melhores terras egrandes reas de trabalho para a agricultura co-mercial e criao de gado deslocou a agriculturade subsistncia para as encostas e montanhas. H

    desequilbrios regionais de desenvolvimento queafetam particularmente os povos indgenas, bemcomo usos irracionais da gua, energia, florestastropicais, minerais e recursos humanos, tudo issocausado pela concentrao urbana e industrial ecentralizao poltica e econmica. A devastaodos recursos naturais e o impacto que isso temsobre os problemas ambientais globais so, emgrande parte, resultado de modelos deficientes deindustrializao. O desenvolvimento e imple-mentao de modelos alternativos no tocomplicado como parece prime ira vista21, masos conhecimentos tcnicos e cientficos tambm

    so necessrios para desenvolver uma produosustentvel de recursos tropicais.

    Europa

    19] Os pases desenvolvidos tm uma res-ponsabilidade comum, mas diferenciada na ges-to dos gases de efeito estufa22. A posio da UE reduzir as emisses futuras em 20% at 2020. A

    Europa tambm ter de se adaptar s novas con-dies climticas. Por um lado, haver uma redu-o drstica do abastecimento de gua, como re-sultado das secas e desertificao nos pases dosul; mas tambm ocorre uma reduo da ofertana regio dos Alpes, dos quais provm 40% dagua doce, causada pelo aumento da temperaturamdia23. Alm disso, grande parte da Europa irsofrer um aumento de precipitaes. A Europanecessita de assegurar um fornecimento e distri-

    buio estvel de energia para todo o continente.A Comisso Europeia indicou um objetivo obri-gatrio: at 2020, 20% de toda energia consumi-da na Europa ter de vir de fontes renovveis

    21

    21 Para PNUMA, os problemas prioritrios na Amrica Latina e no Caribe so o crescimento urbano, ameaas biodiversi-dade, danos costeiros, poluio marinha e vulnerabilidade s mudanas climticas. No entanto, as reas protegidas (tantomartimas como terrestres, como classificadas pela IUCN, Unio Internacional para Conservao da Natureza) j repre-sentam 10,5% do territrio, e a preveno integrada e os programas de controle esto contribuindo para reduzir as taxasanuais de desmatamento na Amaznia. PNUMA, Cuarto Informe: Perspectivas del Medio Ambi ente Mundial,.

    22 Agncia Europeia do Meio Ambiente, Se ales de la AEMA 2009, Copenhague, 2009.23 IPCC (2007), Relatrio do IPCC: Impactos da Mudana do Clima, Adaptao e Vulnerabilidade, abril de 2007. Uma sntese em es-

    panhol pode ser lida em: .

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    (elica, solar, biomassa, das mars, etc.). Atual-mente, a energia renovvel oferece 6,7% do con-sumo de energia na Europa. Um dos principaisproblemas neste continente o tratamento degrandes quantidades de resduos gerados pelaatividade industrial e do consumo. Metais, papel,plsticos e outros resduos produzidos na Europaso enviados principalmente para a sia. A legisla-o da UE favorece a exportao de resduos paraoutros continentes para a reciclagem. Para os pa-ses em desenvolvimento, essa representa umafonte barata de matrias-primas, tais como papelou alumnio, mas as condies de trabalho costu-

    mam ser insalubres e no levam em consideraoas consequncias ambientais dessas atividades24.

    sia Meridional

    20] No sul da sia, as inquietaes ecolgicase as preocupaes ambientais tm sido tradicio-nalmente vistas como problemas prprios doOcidente. Hoje, no entanto, a proteo ambien-

    tal considerada uma das questes mais premen-tes, como evidente nas mudanas climticas,aquecimento global, desastres naturais, perda debiodiversidade, esgotamento dos recursos natu-rais e perda de mei os de subsistncia. Em passa-do recente, muitas reas dos pases do sul da sia

    foram devastadas pelas inundaes25, ciclones26

    e secas, fenmenos de uma magnitude desconhe-cida e assustadoramente frequentes ; e, aomesmo tempo, as populaes pobres e margina-lizadas esto sofrendo crises ambientais mlti-plas e perturbadores que resultam em falta deenergia, gua e meios de subsistncia27. Na ndia,uma srie de movimentos ecologistas de carterpopular desafiou o paradigma desenvolvimentis-ta e conseguiram que as preocupaes ambientaispassem a primeiro plano da cena poltica. Estesmovimentos, tanto os mais conhecidos como osrelativamente menos visveis, esto preocupados

    com questes de misria que as comunidadesmarginalizadas sofrem como resultado de teremsido privadas de seus meios de subsistncia28. A

    vontade poltica de resolver esta crise ecolgicaholstica prima pela ausncia29. Nos ltimosanos, o governo indiano, ao invs de trabalhar nosentido de reformas agrcolas e garantir uma dis-tribuio equitativa dos recursos, tem proporcio-nado a terra livre e recursos naturais gratuitamen-te para empresas estrangeiras. Como resultado

    das polticas neoliberais, a situao socioecon-mica piorou recentemente, especialmente para ospobres, os aborgenes e os dalits30. A expanso domovimento Chipkooferece lies valiosas sobre aincidncia poltica por parte de organizaes de

    22

    24 , conferir tambm Agncia Europeia do Meio Ambiente, Seales de la AEMA2009, Copenhague, 2009.

    25 Mais de 20 milhes de pessoas foram afetadas pelas repentinas inunda es no Paquisto, em Julho e Agosto de 2010, su-perando o nmero total de indivduos afetados pelo tsunami do Oceano ndico em 2004, o terremoto da Caxemira em

    2005 e o terremoto no Haiti em 2010.26 O ciclone Sidr, que devastou Bangladesh em 2007, foi considerado um grande sinal de alarme, foi conside rado como um efei-

    to colateral do aquecimento global, .27 De acordo com um novo estudo da Universidade de Oxford que usa o ndice de Pobreza Multidimensional (MPI), 55%

    dos 1.100 milhes de pessoas na ndia (ou seja, 645 milhes) vivem na pobreza. Embora muitas vezes se enfatiza a po-breza na frica, a pesquisa de Oxford constatou que existe mais pobreza extrema na ndia do que no conjunto de um n-mero considervel de pases africanos. A pobreza em oito estados da ndia Bihar, Chhattisgarh, Jharkhand, Madhya Pradesh,Orissa, Rajastn, Uttar Pradesh e Bengala Ocidental superava a dos 26 pases africanos mais pobres. (La mitad de la po-blacin de la India vive por debajo del umbral de la pobreza: Arun Kumar in ) Emcontrapartida, esses oito estados contm grandes reservas de recursos minerais; alm disso, como um resultado da inten-sa explorao destes recursos minerais, grandes setores da populao indgena esto sendo deslocados.

    28 Smitu Kothari, A Million Mutinies, Humanscapes, Setembro de 2001.

    29 Lawrence Surendra. Posturing as policy, Frontline, vol. 27, 2010.30 Pinto Ambrose, Manmohan Singh and Naxal-Maoist Upsurge: Clash of Models of Development,Mainstream, Vol.

    XLVII, n. 37, 2009.

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    base31. Alm da proibio total da exploraomadeireira no Himalaia, as pessoas exigem maiorcontrole local das florestas para uso prprio.

    Amrica do Norte

    21] A dependncia dos combustveis fsseis uma questo ambiental bsica na Amrica doNorte. Historicamente, os Estados Unidos tmsido o maior emissor mundi al de gases de efeitoestufa (perdendo apenas para a China nesta dca-da); o Canad, por sua vez, ficou em stimo lugar.

    Para que a ao internacional frente mudanaclimtica seja eficaz, ela precisa da cooperaodos Estados Unidos. As novas tecnologias de-senvolvidas para extrair combustveis fsseis an-teriormente inacessveis causam danos imensos agrandes espaos naturais (por exemplo, extraode areias de alcatro, em Alberta, a minerao decar vo a cu aber to nos Apalaches, de extra ode leo de xisto betuminoso no Canad e nosEstados Unidos e prospeco de petrleo no

    fundo do mar). Outros desafios ambientais naAmrica do Norte so causados por tecnologiasindustriais na agricultura. A produo de alimen-tos maior do que em qualquer outro momentoda histria, a agricultura industrial envolve custosambientais externos generalizados, incluindo odesmatamento massivo, perda de solo, o esgota-mento dos aquferos, o acmulo de herbicidas epesticidas, a poluio dos rios, a existncia de zo-nas costeiras mortas e a liberao no meio am -

    biente de organismos geneticamente modifica-dos que no tenham sofrido controles suficien-tes. Um tercei ro ele mento, ou seja, o consumo

    excessivo, um catalisador do esgotamento dosrecursos naturais, da economia de bens descart-

    veis e da acumulao de resduos. O nascentemovimento ambiental est respondendo comcampanhas de conscientizao, de pesquisa so-bre energias limpas, de inovadoras empresasverdes, de produo ecolgica em pequena es-cala, de pontos de venda de produtos usados eum consumo mais responsvel.

    sia-Pacfico

    22] No que diz respeito ao meio ambiente, asituao na regio sia-Pacfico est piorando. Oar urbano se deteriora, agrava-se a poluio dagua, a ero so e a escassez de gua aumentam ra-pidamente, os habitats naturais se degradam e seunmero diminui32. verdade que na ltima dca-da cerca de 270 milhes de pessoas saram da po-breza na regio, mas o crescimento econmicoindustrial e agrcola implicou num alto preo. Ospovos indgenas sofrem intensamente como re-

    sultado da expanso tecnolgica e explorao derecursos em lugares onde seus direitos so viola-dos pelo esforo desenvolvimentista. Os res-duos gerados pelas residncias e indstrias, taiscomo resduos slidos, poluentes atmosfricos egases de efeito estufa ameaam a prosperidade daregio e minam as conquistas alcanadas na redu-o da pobreza. A corrida pelo controle da ener-gia hidrulica como acontece, por exemplo, como Mekong ou outras fontes de energia na regio,

    passa por cima de preocupaes bsicas com osmeios de subsistncia e sustentabilidade dosecossistemas. Quinze dos 24 principais ecossiste-

    23

    31 O movimento Chipko ou Chipko Andolan(chipko um termo hindi que literalmente significa aferrar-se a) um movi-mento socioecolgico que praticava os mtodos de satyagrahae de resistncia no violenta de Gandhi, abraando rvorespara impedir que fossem cortadas, .

    32 Banco de Desenvolvimento Asitico (ADB, 2009), Preparation of the 2010 Asian Environment Outlook (AEO), Rela-trio de Assistncia Tcnica, Nmero do Projeto: 41273-01, Research and Development Technical Assistence (RDTA),maio de 2009. Discusses recentes entre o ADB, a UNESCAP (Comissariado Econmico e Social das Naes Unidas para asia e o Pa cfi co) e UNEP tm enfatizado a necessidade de o relatrio sobre o estado do meio ambiente seja uma publica-o menos descritiva e cientfica, tornando-se mais em um relatrio analtico que seja til para os debates polticos, o pla-

    nejamento e a tomada de decises. Em consequncia, em vez de dar imprensa duas publicaes independentes em2010, as trs organizaes decidiram elaborar conjuntamente o AEO 2010. Acessvel em: .

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    mas esto sendo degradados ou sendo usados deforma insustentvel33, e a elevada biodiversidadee o alto nmero de espcies endmicas34na re-gio comeam a manifestar perdas. As extrapola-es das mudanas climticas indicam que pre-ciso contar com uma maior frequncia de pa-dres climticos extremos e de riscoshidrolgicos, tais como inundaes e secas.Embora a regio esteja ganhando importnciapor causa de seu crescimento econmico, as ta-xas de desemprego ainda so altas. As migra-es, os deslocamentos forados e pobreza con-tinuam sendo fenmenos generalizados, e de-

    sastres relacionados ao clima esto aumentando.Entretanto, h ainda muitas necessidades queesperam resposta, pois o crescimento econmi-co no beneficiou todos os setores da populaonem ao meio ambiente35.

    3.3 O papel da cincia e da tecnologia

    23] Ao consi derar o contexto de nossa respos-

    ta apostlica aos desafios ambientais, no pode-mos deixar de mencionar o papel da cincia e tec-nologia. Os avanos nas tecnologias que impli-cam custos elevados para o meio ambi ente ou sade humana (por exemplo, culturas genetica-mente modificadas, uso de hormnios de cresci-mento na produo de carne, a extrao destruti-

    va de recursos naturais, etc.) tm importantes im-plicaes ticas. Uma perspectiva tica, que nosfal ta hoje em dia, deveria sempre desempenhar

    um papel rigoroso nesta crescente indstria.24] Por outro lado, o conhecimento cientficoe da tecnologia pode gerar um potencial benvo-lo de inovao. Os avanos tecnolgicos em reascomo a produo de ener gia limpa, um projetoarquitetnico energeticamente eficiente, a reci-clagem de gua, a degradao microbiana de con-

    taminantes e agricultura sustentvel abrigam pro-messas de mitigao das mudanas climticas.Nosso conhecimento da natureza pode estar di-recionado para o desenvolvimento de novos re-cursos naturais e tecnolgicos. crucial reco-nhecer que a cincia e a tecno lo gia tm aberto apossibilidade de organizar um processo de de-senvolvimento econmico sustentvel. Um pro-cesso de produo baseado na criao de uma es-trutura tecnolgica mais complexa, dinmica eflexvel, integrada no processo ecolgico globalde produo e reproduo de recursos naturais,oferece opes para sustentabilidade mais vers-

    teis do que as resultantes da valorizao dos re-cursos atravs de indicadores de mercado e doplanejamento econmico setorial. Ademais, per-mite uma melhor distribuio espacial dos recur-sos produtivos e um acesso mais equitativo ri-queza social.

    25] A gesto integrada dos recursos exige umapoltica que combine o conhecimento tanto dacincia como das diferentes disciplinas que inte-ragem nestes processos. O desenvolvimento sus-

    tentvel coloca um desafio mais profundo e maisfundamental do que muitos pesquisadores, profis-sionais e polticos tm assumido at agora. Requermais do que novas tecnologias e prticas: exigeprofissionais dispostos e capazes de aprender comaqueles que trabalham no campo, os agricultores ediaristas; exige instituies externas que dem seuapoio, exige grupos locais e instituies capazes degerir os recursos de forma eficaz; e, sobretudo, re-quer polticas que sustentem estas aes. Ele tam-

    bm nos obriga a examinar criticamente a naturezade nossa conceituao de que seja sustentabilidadee o caminho para al can-la.

    26] As estratgias de gesto abrangente de re-cursos levam a investigar sobre as propriedades eo uso potencial dos recursos. Fazem isso atravsda introduo de processos mais eficientes de fo-

    24

    33 (Avaliao do Ecossistema para o Milnio (2005): Ecossistemas e bem-estar humano. Sntese). .

    34 Espcies prprias de vegetais ou animais, exclusivamente de determinada rea geogrfica.

    35 UNESCAP (2010), Economic and Social Survey of Asia and the Pacific 2010: Sustaining Recovery and Dynamism forInclusive Development, Naes Unidas, Bangkok, Tailndia. Acessvel em: .

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    3.4 Tendncias globais atuais

    27] A anlise das principais tendncias devecomear por reconhecer os esforos em favor dasolidariedade, da justia, da paz e da equidadeecolgica realizados em muitas partes do mundo.

    A solidariedade, tambm no campo da ecologia, uma fora real, impulsionada por milhares de

    movimentos sociais, iniciativas cidads e com-promissos polticos em todo mundo. A Compa-nhia de Jesus e outras congregaes religiosas daIgreja Catlica no esto alheias a este compro-

    misso em favor da solidariedade com o meio am-biente; na verdade, em diversos lugares esto en-

    25

    tossntese e de transformao fitoqumica e bio-qumica, assim como de novas tecnologias demateriais e novas fontes energticas. Essa pers-pectiva de desenvolvimento nos obriga tambm

    a reavaliar, restaurar e melhorar um conjunto detcnicas tradicionais e a desenvolver novas com-petncias cientficas e prticas.

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    volvidos em projetos especficos em busca de al-ternativas que contribuam para a sustentabilidadeambiental, agrcola ou energtica, pensando es-pecialmente nos mais desfavorecidos. Tambmse prestou apoio a sobreviventes de diversas ca-tstrofes naturais e s pessoas por elas desaloja-das; igualmente, intensificou-se o esforo parapromover a tomada de conscincia ecolgica e are fle xo tica e teolgica.

    28] Enquanto o Brasil, ndia, fri ca do Sul eChina esto emergindo como novas e influentespotncias econmicas, a riqueza tende a se con-centrar em uma pequena porcentagem da popu-

    lao desses pases. Do ponto de vista ecolgico,isso se reflete em um baixo acesso per capita a re-cursos que atendem necessidades bsicas comogua e energia. As fa chadas das grandes cidadesmascaram o fato de que centenas de milhes depessoas enfrentam as mesmas dificuldades so-ciais. Estes problemas sociais podem ser resu-midos como segue:

    Presso contnua sobre os recursos naturaisdevido ao aumento da populao humana.

    Progressiva degradao ambiental causadapor sistemas inadequados de produoagrcola e pela explorao insustentvel dosrecursos naturais.

    Enormes disparidades de renda entre ricose pobres.

    Acesso inadequado aos recursos bsicos,como educao, sade, etc.

    A rpida urbanizao, associada a um n-mero crescente de famlias urbanas po-

    bres e desabrigadas.

    Crescente consumismo no contexto de umparadigma econmico que cobre os custosecolgicos.

    Os interesses empresariais, muitas vezes tmprecedncia sobre os interesses pblicos empolticas nacionais de meio ambiente.

    Intensificao dos conflitos inter-religiosose intertnicos, muitas vezes catalisados pelocontexto socioeconmico.

    29] A crise econmica e financeira global psem evidncia a ligao intrnseca entre a degrada-o ambiental, as consequncias de novos deslo-

    camentos ocorridos na ordem geopoltica e osconflitos culturais que ocorrem no mundo. Umasoluo duradoura para essa crise complexa exigeque se leve em conta estes trs aspectos.

    30] Destas tendncias globais se deduz o inte-resse pela rpida recuperao das comunidadesdepois de experincias de conflito e de catstro-fes, uma re cuperao que uma par te cru cial daresposta que visa a reduo da pobreza e a sus-tentabilidade ambiental. As comunidades devemser resistentes e flexveis, isto , capazes de retor -

    nar sua situao original, de restabelecer rapida-mente a rotina diria. Empresas adequadamenteorganizadas podem criar resilincia econmica,social e ambiental para amortecer os impactosdas mudanas climticas e contribuir para a esta-bilidade social bsica36. Isso s ocorre quando asfamlias pobres podem se beneficiar de uma boagesto dos seus ecossis temas. Uma melhor go-

    vernana, que pode ser favorecida atravs de umareforma agrria, tambm poderia despertar o in-

    teresse prprio que conduza a uma melhora debase de recursos naturais, seja na agricultura, sil-

    26

    36 A resilincia no contexto rural informa o contexto global e pode ser categorizada em trs dimenses: (i) A dimenso ecol-gica da resilincia o grau de alterao que um ecossistema pode absorver sem cruzar a fronteira rumo a uma estrutura ouestado de ecossistema diferente. (ii) A dimenso social da resilincia a capacidade de gerenciar crises internas ou externas,e resolv-los de forma eficiente. No melhor dos casos, permite que os grupos no s resolvam as crises, mas tambm apren-der com eles e sair mais fortes da experincia. Ele inclui a capacidade de for talecer a unida de da comunidade e resolver pro-blemas em conjunto, apesar das diferenas no grupo. O capital social e a conscincia partilhada de identidade e de ter umobjetivo comum refora este aspecto da resilincia. (iii) A dimenso econmica refere-se capacidade de recuperao decondies econmicas adversas. Significa ter diferentes opes econmicas abertas em caso de falha de uma determinadaatividade econmica, ou ser capaz de criar novas opes, se necessrio. Beneficia-se da capacidade de usar uma grande varie-

    dade de conjuntos de habilidades e contatos. World Resources Institute [WRI], Banco Mundial [WB], e Programa das Na-es Unidas para o Desenvolvimento [PNUD] (2008), World Resource: Roots of Resilience: Growing the Wealth of thePoor, WRI, Washington, DC. Acessvel em: .

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    vicultura ou pesca. Muitos dos nossos ecossiste-mas e de nossas comunidades mais pobres sofre-ro os extremos da mudana climtica e, dadosseus atuais sistemas naturais e sociais, uns e ou-tros s dispem de uma capacidade limitada de

    recuperao; para regenerar-se, eles necessitamde socorro por parte da sociedade. A adaptaodas comunidades pode ser facilitada adicional-mente por um desenvolvimento adequado emcincia e tecnologia.

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    4 Entender nossa misso jesuta no

    contexto da crise ecolgica

    31] Nesta seo vamos examinar os vrios as-pectos da relao entre a nossa misso jesuta e achamada para reconciliar-nos com a criao. Nasltimas trs congregaes gerais, a misso jesutafoi defini da como o servio da f e a promooda justia, indissoluvelmente unidos. Tambmtem sido afirmado que o dilogo com pessoasdiferentes de ns em cultura e religio... umaparte integrante de nosso servio misso deCristo37.

    32] Comeamos analisando o desenvolvimen-to da preocupao ecolgica na Companhia de

    Jesus ao longo dos ltimos 20 anos. Neste con-texto histrico, examinamos em primeiro lugar arelao entre a chamada para a reconciliao com

    a criao e a dimenso de f da nossa misso. Emseguida, passamos a estudar a relao entre a pro-moo da justia e da crise ecolgica; conclumosiluminando, no contexto do dilogo com diferen-tes culturas e religies, alguns aspectos de nossasnovas relaes com a criao.

    4.1 O cuidado da criao: o desenvol-vimento de uma nova dimen so da

    misso jesuta

    O perodo 1993-2008

    33] O interesse pela ecologia tem crescido naCompanhia de Jesus ao longo dos l timos 15

    anos. Em resposta ao decreto 20 da CG 34, o pa-dre Peter-Hans Kolvenbach encarregou o Secre-tariado de Justia Social a elaborao do docu-mento Vivemos em um mundo fragmentado: reflexessobre ecologia38. Na introduo a esse documento, opadre Kolvenbach reconheceu que a CG 33 (1984)foi o primeiro a dar expresso autoritativa para aspreocupaes ambientais na Companhia39. Em1993-1994, algumas congregaes provinciaisaprovaram postula dos sobre ecologia, que a CG34, embora os tenha assumido, no pode tratarem profundidade40.

    34] O estudo encomendado pelo padre Kol-venbach foi um convite para continuar o inter-cmbio e fortalecer a cooperao, assim como

    uma chamada para desenvolver na Companhiade Jesus maneiras de proceder ecolgicas. Enco-rajava a adotar maneiras cada vez mais eficientesde solidariedade ecolgica em nossas vidas, emsua dimenso espiritual, comunitria e apostlica.

    As reflexes que fizemos mostraram que h pes-soas que realmente vivem com essa fragmenta-o, enquanto a maioria nas vrias regies domundo ainda tem pouca conscincia partilhadadesta realidade.

    35] Durante a CG 34 e os anos anteriores GC 35, a excluso social e desastres ecolgicosso experimentados como sendo estreitamenterelacionadas. O imediatismo dos dados e anlisesobre o sofrimento humano em catstrofes natu-rais tocou os coraes de muitos de forma per-

    28

    37 GC 35, D.2, n.15.38 Promotio Iustitiae, abril de 1999, n. 70.39 A falta de respeito por um Criador solcito leva a negar a dignidade da pessoa humana e destruio desenfreada do

    meio ambiente (CG 33, D.1, n. 35).

    40 Como reconhece o P. Kolvenbach, o tema era muito amplo e teriam sido necessrios estudos anteriores e bons especia-listas na rea, alm disso; alm disso, a Comisso de Justia teve que abordar outras questes muito complexas; finalmen-te, o tempo era limitado (Promotio Iustitiae, ibid, p. 7).

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    turbadora e com uma frequncia crescente. Fo -ram formulados os Objetivos de Desenvolvi-mento do Milnio, mas a resistncia do sistemaatual restringiu a adoo dos esperados novos pa-radigmas de desenvolvimento inclusivo, enquan-to em alguns lugares ficou claro o crculo viciosoentre a degradao ambiental e a marginalizaosocial. Os efeitos da mudana climtica se torna-ram amplamente conhecidos e aumentaram aspolticas globais que exigiam novas respostas.

    36] Duran te a CG 35 se recebeu uma srie depostulados sobre o ambiente e houve um reco-nhecimento honesto de que todos ns comparti-

    lhamos o problema e devemos agir. Para ajudaros membros da Congregao a compreender asquestes envolvidas, se preparou uma srie de fi-chas informativas que resumiam conceitos eimpactos decisivos sobre o meio ambiente.

    37] A questo da ecologia e do meio ambientefoi selecionada na CG 35 como um dos temasapostlicos sobre os quais um grupo de trabalhodeveria refletir, para, em seguida, apresentar assuas concluses para a Congregao. Foram dis-

    cutidas vrias maneiras de abordar as questesecolgicas. O grupo apresentou suas considera-es para a Congregao sugerindo que, em vezde dedicar um decreto especfico para a ecologia,o assunto fosse tratado como parte do decretosobre a Misso41, que estava sendo preparadopor um pequeno grupo de trabalho. Esta suges-to foi aceita. Como resultado, o decreto 3 namisso jesuta incorpora a ecologia dentro dotema mais amplo da reconci liao em sua tr -

    plice dimenso: a reconciliao com Deus, comos outros e com a criao.

    CG 35: um trptico de relaes

    38] pergunta frequente para saber se o CG35 diz algo novo sobre a relao entre a ecologia enosso carisma fundamental, tal como definidopela CG 34, a res posta certamente deve sersim. H duas mudanas claras na forma em

    que se abordava a questo da ecolo gia antes doCG 35. Primeiro, a CG 35 faz uma comparaoentre reconciliao e as relaes justas, ou seja,introduz a ideia de reconciliao na dade f-justi-a; e, segundo, postula uma unidade intrnseca eindissolvel entre os trs tipos de relacionamen-tos (com Deus, com os outros e com a criao).

    39] Sobre a base de um novo entendimentodo que uma relao equitativa ou jus ta, o de-creto 3 apresenta um resumo da misso jesutacomo um chamado a estabelecer relaes justascom Deus, com outros seres humanos e com acriao (D 3, n. 18). Nosso interesse pela ecologiae pela criao deve ser visto principalmente nocontexto de dois outros conjuntos de relaciona-mentos: com Deus e com os outros. Em outras

    palavras, o estabelecimento de uma nova relaocom a criao deve ser entendi do como um resul-tado do nosso compromisso de estabelecer umrelaciona mento correto com Deus (compromis-so de f) e com outros seres humanos (compro-misso com a justi a). O de creto deixa bem claroque o cumprimento de nossa misso exige que aequidade (o elemento de justia) se realize aomesmo tempo nos trs tipos de relacionamentos.

    29

    41 As razes para incluir a questo da ecologia no Decreto 3 (n. 34) foram: (i) o clamor daqueles que sofrem as consequncias

    da destruio meioambiental, (ii) os numerosos postulados recebidos (23, procedentes de 22 provncias, alguns delespraticamente idnticos), e (iii) o ensino recente do Santo Padre e de muitas conferncias episcopais sobre esta questo(Bento XVI,Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 01 de ja ne iro de 2010).

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    4.2 A reconciliao com a criao e adi menso de f de nos sa misso

    Reflexo bblica: a criao e do mistriopascal

    40] De acordo com a tradio do Antigo Testa-mento, a criao sempre um objeto de louvor (Sl104, 24), porque a natureza, fruto da ao criadora deDeus, era muito boa (Gn 1, 4.10. 12.18.21.25). Acriao dom de Deus para os seres humanos42;mas, ferido pelo pecado, o mundo inteiro chamadoa experimen tar uma purificao radical (2 Pe 3, 10).O mistrio da Encarnao, a entrada de Jesus Cristo

    na histria do mundo, culmina no mistrio pascal,no qual Cristo renova o relacionamento entre Deus,os seres humanos e o mundo criado43. Nem a pre-tenso de exercer um domnio incondicional sobreas coisas,44nem uma ideologia reducionista e utili-tarista45que v o mundo natural como um objeto deconsumo interminvel46, nem uma concepo domeio ambiente baseada na supresso da diferenaontolgica e axiolgica entre o homem e os outrosseres vivos47pode ser acei tada.

    41] O fato, no entanto, que muitas pessoas,em todos os nveis, continuaram a abusar da na-tureza e destruindo o mundo maravilhoso de

    Deus... Ns estamos testemunhando uma irres-ponsvel degradao e uma absurda destruioda Terra, que nossa me.48Contemplar os si-nais dos tempos uma maneira de experimentara necessidade desta reconciliao. Em ltimaanlise, atravs da nossa f que sentimos umaprofunda tristeza ao verificar a destruio dodom de Deus e o sofrimento das pessoas. Somoslevados a perguntar-nos: No poderamos teragido de forma diferente?

    42] Ainda que a cosmologia bblica seja umafonte constante de inspirao em relao cria-o, sendo inclusive um imperativo moral reco-

    nhecido, por si s no suficiente para sustentaro esforo humano para cuidar do mundo criado.Reconhecer a integridade da criao e sua exis -tncia como dom de Deus, reconhecer as in-ter-relaes entre Deus, os seres humanos e ou-tras criaturas como boas e valorizadas por Deus,no suficiente para contrabalanar o papel quedesempenhamos na destruio generalizada decriao. Esses so os limites da vontade huma-na, de sua mente e memria. Estamos conscien-

    tes de que precisamos algo mais: o que neces-srio uma metanoia,uma mudana do corao.Queixamo-nos, buscando a ao adequada que

    30

    42 Os dois relatos da criao em Gnesis 1 e 2 mostram-nos que Deus destinou a terra como um lar adequado para que todaa criao vivesse nele. No primeiro relato da criao, Deus declara bom tudo o que ele criou. Na segunda narrativa parececomo se Deus escolhesse a espcie humana para uma responsabilidade especial. Pode-se dizer que a criao da espciehumana representa o pice do ato criativo de Deus. Alm disso, o relato d a impresso de que Deus confia espcie hu-mana o cuidado do resto da criao (Gn 1, 28). Essa responsabilidade no implica a explorao gananciosa e arbitrriados recursos da terra. Alguns projetam neste mandato a idia de que Deus deu licena para os seres humanos de desfru-tar e usar o meio ambiente. Alguns autores crticos desta compreenso errnea do texto bblico sugerem que a Bbliadeve ser responsabilizada, em parte, pela atitude exploradora e destrutiva do homem em relao ao meio ambiente

    (Engel, D., Elementos de uma teologia do Meio Ambiente Zygon, 05/05, 1970, p. 216). A noo de admi nistrao oude gesto (stewardship) forma parte do papel dos seres humanos a respeito do resto da criao, um papel que lhes foiconfiado por Deus. claro que a perspectiva dos relatos da criao promove o respeito pelo resto da criao. Em conse-quncia, urge para recuperar a natureza relacional dos seres humanos uns aos outros, mas tambm com a natureza e ocosmos (Arockiasamy, Vidyajyothi, Delhi, questionrio sobre ecologia, se tembro de 2010).

    43 Toda a criao participa do mistrio pascal; enquanto aguardamos a plena libertao e reconciliao (Rm 8,19-23), espe-ramos um novo cu e uma nova terra (Ap 21.1).

    44 Conselho Pontifcio Justia e Paz, Compndio da Doutrina Social da Igreja, BAC, Madrid 2009, n. 461 (disponvel em:).

    45 Dizer que o mundo natural um sujeito implica que a criao tem um carter dinmico, pessoal, relacional, um valorintrnseco independente de todo valor prtico que possa ter para os seres humanos (Jim Profit, Promotio Iustitiae, 82,2002/1, p. 6).

    46 Compndio da Doutrina Social, 462.47 Compndio da Doutrina Social, 463.48 Segundo Snodo Africano, Roma, Outubro de 2009, a Proposio 22.

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    transcenda nosso egosmo e nossa pecaminosi-dade; olhamos para Cristo, no qual sentido e po-der convergem49.

    43] A crena no Deus do cosmos, no Cris tosofredor e obediente at morte e no Espri toque habita na realidade nos impele a fazer a expe-rincia da metanoiae a nos conver ter em agentesde mudana50. Da bondade da natureza e da vi-so tica de relaes justas obtemos a fora espi-ritual necessria para viver uma vida de reconcili-ao entre Deus, suas criaturas e ns mesmos.

    A resposta da Igreja:

    a doutrina social catlica44] O cuidado com o meio ambiente basea-

    do, em primeiro lugar, no reconhecimento delecomo um verdadeiro bem. O Salmo 104, umhino sustentado s maravilhas da criao, leva aolouvar do Criador (Cantarei ao Senhor enquan-to viver...). Nossa principal resposta humana aum bem consis te em apreci-lo; esta uma res -posta contemplativa. Sem essa apreciao, quais-quer obrigaes ticas atribudas a ns poderiam

    parecer secundrias ou at mesmo opressivas.Em segun do lugar, este bem intrnseco um bemcomum. Os bens da criao pertencem huma-nidade em seu conjunto51. Assim, o princpio desolidariedade vale no campo do meio ambientena mesma medida que no campo social52j que odano ambi ental tambm um mal social; afe ta es-pecialmente os pobres que tm menos oportuni-dades de escapar de suas consequncias, enquan-to os produtos da explorao do meio ambiente

    vo em sua grande maioria para os pases e povosmais ricos. Caritas in Veritate53, refletindo sobre adoutrina social da Igreja Catlica como um todo,insiste em que a justia e o servio ao bem co-

    mum constituem o ncleo do que significa amar.A encclica aplica ao meio ambiente o princpioda destinao universal dos bens da criao s di-ferentes dimenses da vida humana: o comrcio,a ordem poltica internacional e as opes decada pessoa, que se expressam muitas vezesatravs da sociedade civil.

    45] A apreciao e a aten o a este bem noschamam responsabilidade. lcito ao homemexercer um governo responsvel sobre a naturezapara guard-la, fazer frutificar e cultivar inclusivecom formas novas e tecnologias avanadas, paraque possa acolher condignamente a populao

    que o habita... Devemos, porm, sentir como gra-vssimo o dever de entregar a terra s novas gera-es num estado tal que tambm elas possam dig-namente habit-la e continuar a cultiv-la54. Deuma perspectiva judaico-crist, h uma parceriaentre o ser humano e o ambiente, que deve ser re-flexo do amor criador de Deus. Em outras pala-

    vras, assumimos uma obrigao, decorrente da f,de preservar a criao e inclusive de melhor-la.

    Espiritualidade inaciana e a solicitude pelacriao

    46] A espiritualidade inaciana e, mais especifi-camente, os Exerccios Espirituais (EE) ofere-cem uma fonte profunda de inspirao para de-senvolver ideias e novas relaes no que diz res-peito criao55. A primeira consideraoproposta por S. Incio de Loyola o princpio efundamento (EE, 23). Hoje entendemos que acriao tanto um recurso de que procede de

    Deus como um caminho que leva a Deus, quepermite aos seres humanos a comunicao56.Somos convidados a discernir cuidadosamente anossa relao com a criao e que sejamos indife-

    31

    49 Tillich, Paul, Teologia Sistemtica, vol. 3, Sgueme, Salamanca 2001.50 Gulick, Walter B., The Bible and Ecological Spirituality: Theology Today, vol 48.2, 1991.51 Bento XVI,Mensagem para o Dia Mundial da Paz2010, 7.52 Compndio da Doutrina Social, 475-76.53 Caritas in Veritate, 6-7.54 Caritas in Veritate, 50.55 H muitos exemplos de pessoas que descobriram a preocupao com a criao nos exerccios espirituais. O texto segue

    algumas ideias desenvolvidas por Joseph Carver SJ, Ignatian Espirituality and Ecology: Entering into Conversation with the Earth(2010) (Espiritualidade inaciana e Ecologia: entrando em dilogo com a terra); agora publicado em Promotio Iustitia105, 2011 / 1).

    56 Joseph Carver SJ, ibid.

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    rentes, ou seja, que desenvolvamos uma liberda-de interior para com as coisas criadas na sua rela-o com Deus e seus planos para o bem comumda humanidade57. Uma compreenso nova emais profunda da teologia da criao nos leva aperceber que a criao a primeira grande obrada redeno e do ato salvfico fundacional deDeus. A redeno acontece, ento, no contextoda criao, quando a humanidade cresce e ama-durece em seu relacionamento com Deus e emseu prprio seio58.

    47] A contemplao da Encarnao (EE,101-109) e nascimento (EE, 110-117) mostram

    que o mundo criado o lugar para se ter a expe-rincia de Deus. Enquanto Jesus nasce em um lo-cal especfico (Nazar), compartilha conoscouma conexo profunda com a criao, a vida, anatureza e o ar que respiramos. De uma perspec-tiva trinitria que mantm essa contemplao, so-mos chamados a viver em afinidade e comunica-o com a criao59.

    48] A meditao das duas bandeiras (EE, 136)nos ajuda a lidar com as artimanhas de riquezas...

    honra... e orgulho. difcil no ver a si mesmotambm questionado pelas implicaes da avarezae do consumo excessivo, pelo uso (e abuso) dosrecursos naturais e da terra e pela incrvel geraode resduos. O convite para se juntar bandeira deCristo uma chamada para a simplicidade e a hu-mildade, a descobrir Deus na criao. Na contem-

    plao para alcanar amor (EE, 230-237), Inciopede ao exercitante que considere de que modoDeus habita e opera na criao. Seguindo a indica-o de Incio de que o amor expresso mais ematos do que em palavras (EE, 230), oferecemos ans mesmos generosamente para curar nossa rela-o com a cri ao60.

    49] Em suma, encontrar a Deus em todas ascoisas est intimamente relacionado com a ex-perincia de Incio no rio Cardoner no sentidoda criao e do mundo, em vez de rejeitadoscomo ruins, devem ser abraados como bons. Apartir da perspectiva da ressurreio, do ponto de

    vista do mistrio pascal, somos sempre levados aexperimentar o amor de Deus que permeia to-das as coisas e todas as pessoas e, portanto, umamor que fortalece estes trs conjuntos de rela-es com Deus, com os outros e com a criao.

    4.3 A reconciliao com a criao e adimenso da justia de nossamisso

    As ligaes entre reconciliao e justia

    50] Nos ltimos tempos, o conceito de recon-ciliao se tornou mais importante no campo daresoluo de conflitos61. Comeamos por colo-car a seguinte pergunta: possvel ter justia sema reconciliao? Em outras palavras, em um pro-

    32

    57 Esta considerao deve fornecer orientaes para o exercitante (Moore, John SJ, em uma palestra proferida no CentroJesuta de Reflexo Teolgica em Lusaka, em Agosto de 2010).

    58 Jim Profit SJ, Exerccios Espirituais e Ecologia, de Promotio Iustitiae, 82, 2004 / 1. O P. Profit tambm salienta que aconcepo da criao de Sallie McFague concorda com a de Incio: a criao o lugar da salvao, no apenas um panode fundo ou cenrio desta (The Body of God, Augsburg Fortress Press, Minneapolis 1993, 180-182).

    59 Esta maneira de definir a relao entre a humanidade e o restante da criao mui to diferente do modelo da realeza,que sustenta que os seres humanos devem dominar a terra, como modelo de gesto (stewardship) que perpetua um dualis-mo hierrquico (Johnson, Elizabeth, Women, Eartth, and Creator Spirit(A Mulher, a Terra e o Esprito Criador). Paulist Press,New York 1993).

    60 Jim Profit: Oferecemo-nos a ns mesmos como parte de uma relao de aliana com Deus, e isso ns expressamos naorao: Tomai, Senhor, e recebei. O que poderamos fa zer de melhor que refletir sobre a trplice relao de nossas vidas,restaurar as relaes eqitativas e ser parte da cura da Terra? (ibid., p. 10).

    61 Acordos temporrios de paz em uma situao de guerra no tm produzido os resultados desejados, devido a que emmuitas ocasies esses acordos no incluem disposies intrnsecas para a reconciliao. Os acordos de paz em muitos ca-sos permanecem rfos (Fen Osler Hampson,Nurtering Peace: Why Peace Settlements Succeed or Fall(Alimentando a paz: porque

    acordos de paz dom certo ou do errado), United States Institute of Peace, Washington, 1996); isto , as partes em conflito che-guem a acordo para suspender as hostilidades, mas pouco ajuda a tra zer as faces em luta com o que Kenneth Bouldingchama paz estvel, algo que s possvel quando os problemas que inicialmente de ram origem ao conflito so abordados

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    cesso de reconciliao, como devemos abordaras injustias do passado, para que elas no sejamesquecidas nem se inflamem?

    51] O termo reconciliao significa literal-mente uma chamada para estar juntos novamen-te; uma chamada dirigida para ambos os lados deum confli to, a dois inimigos, para que entrem emuma nova re lao62. A reconciliao, teologica-mente considerada, o restabelecimento das re -laes rompidas entre Deus e seu povo63. Deusinicia o processo de restaurao, os seres huma-nos respondem iniciativa divina mediante a f eo resultado a reconstruo da comunidade hu-

    mana como uma nova criao64. Para os cristos,portanto, a esperana de reconciliao est inti-mamente ligada f na obra salvfi ca de Cris toentre ns65. Note-se que a interpretao espiri -tualista de reconciliao com Deus muitas vezestem levado a uma forma individualista e subjetivade encarar a vida66.

    52] A expresso estabelecer relaes equitati-vas equivalente a estabelecer relaes baseadasna justia67. Para enten der a rela o entre os ter-mos reconciliao e justia, este ltimo deveser entendido em seu sentido mais amplo. A pala-

    vra Jus tia inclui as trs dimenses de justia:comutativa, que requer que relaes recprocasentre indivduos ou grupos privados se estabele-am com base na igualdade; a retributiva, o queexige compensao pelas injustias cometidas; efinalmente, a restaurativa.

    53] Ampliar a relao entre reconciliao ejustia significa que a reconciliao no pode ser

    reduzida estritamente a uma realidade espiritualque no envolve qualquer alterao na dura reali-dade dos fatos. A reconciliao vai alm das rela-es interpessoais de iguais para o mbito polti-co, na medida em que comea a justia restaurati-

    va ou reparadora. Este olhar para frente opera apartir da perspectiva da justia antecipatria.Olha para a futura reconstruo de uma comuni-dade por meio da reparao de relaes e da rein-tegrao na vida civil de pessoas injustamente ex-

    cludas. Garante que todos os membros da socie-dade possam participar ativamente da vida social,contribuindo para o bem comum e participandodela na medida necessria para proteger sua dig-nidade humana68. Reconciliao, portanto, demodo algum sugere uma perda de compromissocom a justia. Nem advoga por um perdo pre-

    33

    com satisfao de todos (Stable Peace[Paz estvel], University of Texas Press, Austin 1978). Por outro lado, alguns argu-mentam que entre os lados desiguais no possvel nem desejvel a reconciliao. Teme-se que em tais situaes exista o

    perigo po tencial que o forte prevalea sobre o fraco e determine o curso da ao futura sem entender as reais preocupa-es do fraco, agravando assim os conflitos.

    62 Tanto a tradio bblica como a tradio inaciana nos recordam permanentemente que estas novas relaes? estes atos de re-conciliao? devem ser estabelecidas com quem diferente de ns, com quem est distante de ns, ou seja, com estrangeiros.

    63 Deus estava por meio do Messias, reconciliando o mun do consigo, no apontando os crimes, e nos confiou a men sa-gem da reconciliao (2 Cor 5,19).

    64 Robert J. Schreiter, O Ministrio da Reconciliao: Espiritualidade e estratgias, Sal Terrae, Santander, 2000.65 De acordo com Charles Hauss, a reconciliao inclui quatro elementos-chave, identificados por Joo Paulo Lederach como

    verdade, justia, misericrdia e paz (Reconciliation, ).66 David Hollenbach SJ, Reconciliao e justia: guia tico para um mundo fragmentado, Promotio Iustitiae, 103, 2009/3.67 esclarecedor comparar a forma como foi traduzida para o italiano, francs e espanhol, entre outros idiomas, a expresso re-

    lao justa, usada no Act 3. Por exemplo, a frase quando ouo a chamada para restaurar relaes justas com a criao, foi

    traduzida ao espanhol como: para ouvir novamente o chamado para promover relaes justascom a criao (D. 3, n. 34).68 Recordando o exemplo da Comisso para a Verdade e Reconciliao na frica do Sul, Hollenbach enfatiza que o traba-

    lho de restaurao s tem podido comear quando se ps fim s graves injustias do apartheid atravs da proteo dos di-

  • 7/24/2019 037cadernosihu Curar Um Mundo Ferido. Relatrio Especial Sobre Ecologia

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    maturo. A reconciliao requer justia, mas podeir alm desta, atravs da concesso de perdo69.

    Os diferentes atores da crise ecolgica54] Os fatos mostram que, em diferentes par-

    tes do mundo, particularmente nos pases em de-senvolvimento, o direito vida de muitas comu-nidades pobres e marginalizadas corre risco. Se oobjetivo ltimo da reconciliao construir umanova relao de aliana com a criao com baseno princpio da justia restaurativa, mas sem per-der de vista a justia retributiva, ento devemospergun tar-nos: quais so os desafios aqui e agora?

    Como podemos proteger, sustentar e promovera ligao recproca de terra, espcies, seres huma-nos, planeta e universo como matriz de proces-sos de vida dinmicos e transformadores? Aconstatao bsica que a criao sofre a pilha-gem dos ecossis temas, razo pela qual tem sidochamada de nova pobre, que grita pedindo nos-sa ateno70. necessrio distinguir o papel dos

    vrios atores nesta crise ecolgica.55] Comeamos com o grupo de pessoas que

    vivem margem, os pobres. No sculo XXI,existem dois grandes desafios: erradicar a pobre-za e administrar as mudanas climticas, aspectosque no so autnomos, mas interdependentes71.Os mecanismos que, em ltima anlise, vinculamo desenvolvimento humano e a reduo da po-

    breza com as mudanas climticas so agora maisevidentes, mostrando as ligaes para o emprego,os meios de vida, sade, gnero e segurana. Para

    mencionar apenas um exemplo: nas reas rurais,as mulheres dependem em grande medida domeio ambiente para sua subsistncia, que dire-tamente afetado pela degradao ou escassez derecursos naturais por razes climticas.

    56] O segundo tipo de pessoas inclui os quevivem no centro, os ricos. Estes contribuem paraa crise ecolgica por meio do consumo excessivoe da enorme produo de resduos. A demandafebril de alimentos e outros recursos naturais le-

    vou a mudanas dramticas. O mundo est rapi-damente transformando a natureza em lavourasagrcolas, a fim de aten der crescente de man da,esvaziando os rios para produzir alimentos e con-taminando a gua com pesticidas e fertilizantes72.

    57] O terceiro grupo de pessoas formadopela classe mdia cada vez maior, os novos ri cos.

    A liberalizao da economia ampliou o horizontede oportunidades e foi o preldio de uma melhorqualidade de vida para aqueles que podiam pagar.Na ndia, por exemplo, mudanas sociais e polti-cas das dcadas de 1980 e 1990, em que as classesmdias tiveram um papel importante, foramacompanhadas por uma transformao de valo-res73. O crescimento espetacular da classe mdia,com seu clamor por maiores demandas, pode ser

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    reitos fundamentais, garantidos pela nova Constituio da frica do Sul, e foram criadas as instituies democrticaspara garantir que a injustia no retornaria.

    69 A partir de uma perspectiva poltica mais ampla preciso afirmar claramente desde logo que a justia restaurativa, isto ,o restabelecimento ou a renovao de unidade social, no o resultado meramente de anistias que permitam aos perpe-tradores continuar a oprimir, nem de uma chamada para suprimir a verdade do que aconteceu. A reconciliao s podeocorrer quando cessa a injustia e se diz a verdade.

    70 Leonardo Boff,Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Trotta / Dabar, Madrid / Mxico 1996.71 (2010). Grer les changements climatiques, promou