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Ensino Superior no Século XXI: Direito de Aprender Pedro Demo 23/4/2004 Conferência Bento Gonçalves / RS

04 Ensino Superior No Seculo XXI Pedro Demo

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Ensino Superior no Século XXI: Direito de Aprender

Pedro Demo

23/4/2004 Conferência

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Por ser o conhecimento a fonte das inovações mais relevantes na história humana, parece algo óbvio que o mundo do conhecimento esteja envolvido em infindáveis polêmicas teóricas, metodológicas e práticas. O mais recente abalo foi o que se tem chamado de “pós-modernismo”, incluindo-se alhos e bugalhos: de um lado, propostas alternativas circunspetas e promissoras, a exemplo dos trabalhos de Prigogine sobre o fim das certezas (Prigogine, 1996. Prigogine/Stengers, 1997. Demo, 2000. Salomon, 2000), de outro, balbúrdia irresponsável de relativismos inconseqüentes (Sokal/Bricmont, 1999. Dawkins, 2003). No fundo do conhecimento está a rebeldia eterna de um ser relativo, incompleto e sempre insatisfeito. O conhecimento, entretanto, por vezes prega a lógica para encobrir sua falta de lógica, recaindo no que Habermas e Appel chamam de “contradição performativa” (fazer um discurso que se invalida a si mesmo, como questionar e não permitir ser questionado) (Habermas, 1989). Quem sabe pensar nem sempre aprecia que outros também saibam pensar. Conhecimento jamais foi apenas questão de lógica. É sobretudo questão de poder (Foucault 1971; 2000). Podemos inovar para o bem comum, ou para o bem privado, para sociedades mais igualitárias ou para o mercado neoliberal (Kim, 2000) .

Neste texto busco discutir alternativas de universidade à luz de polêmicas atuais sobre conhecimento e aprendizagem, no intuito de desenhar perspectivas que poderiam melhor favorecer a formação do aluno, bem como contribuir para o desenvolvimento adequado da sociedade, à medida que se lhe ofereça conhecimento inovador e ético (Demo, 1999). Aproveito a noção mais contemporânea de conhecimento que o tem por dinâmica disruptiva, que precisa de método não só para realizar movimentos lógicos, mas igualmente para os explodir (Demo, 2002). Afinal, lógica é composta basicamente de dinâmicas repetitivas, que, se bem olhadas, nada possuem de dinâmico, já que sua sina é reproduzir-se. Se aí permanecêssemos, não teríamos saído do lugar. A história humana, todavia, assinala capacidade exuberante de inovação, em particular no âmbito tecnológico, deixando claro que se acomodar não é sua única aventura. A universidade, entre outras qualidades, precisa colocar-se como signo desta rebeldia indomável e eticamente bem plantada. Ademais, como a universidade forma elites, é crucial que tais elites, ao manejar conhecimento criativo, não se contentem em privilegiar-se.

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1. Conhecimento e Complexidade Não é nem de longe pacífica a discussão em torno da desconstrução do paradigma

modernista de conhecimento. Assim como há os entusiasmados de um lado, com suas teses construcionistas, relatividade do conhecimento, fragmentação cultural, etc. (Corcuff, 2001. Mcnamee/Gergen, 1998. Demo, 2000a. Harding, 1998. Giere, 1999), há resistências enormes sobretudo das assim ditas ciências duras, que continuam acreditando em verdades empiricamente evidenciadas, superioridade inconteste do método científico, teoria final de estilo algorítmico (Holland, 1998; 1998a. Greene, 1999. Dawkins, 2003. Pinker, 2002. Casti, 2000). Menos ainda posso pretender resolver esta polêmica. Entretanto, parece cada vez mais claro que a realidade é dinâmica, complexa ao extremo, não sendo viável devassá-la com métodos lineares, não só porque todo método parametriza realidades também não paramétricas, mas, principalmente, porque são absurdamente reducionistas. Aceita-se igualmente que a ciência é reducionista até certo ponto (Gardner, 2003), pois teoria e método sempre tendem a “modelar” a realidade, nunca representá-la de modo direto. Para entender a realidade é mister reconstruí-la hermeneuticamente, já que não temos acesso direto a ela, mas mediado pelos sentidos e o cérebro. Maturana (2001), mais que ninguém, acentuou a auto-referência da compreensão do ser vivo, insistindo em que não sabemos distinguir acuradamente entre realidade e ilusão, já que somos nós mesmos os garantes do processo reconstrutivo da realidade. Exagerou certamente neste “fechamento estrutural” do ser vivo (Varela, 1997. Demo, 2002), deixando de lado que a auto-referência se dá em sociedade, servindo a referência social como aceno geralmente suficiente de acerto entre realidade e ilusão. Na prática, a ciência não produz conhecimento certo, verdadeiro, mas metodicamente controlado, o que já indica reducionismo próprio: entende, no fundo, apenas o que o método permite entender. Já não é o método que é instrumento de captação da realidade, devendo-se adaptar a esta, mas o contrário.

Não se pode, entretanto, negar o traço também linear da realidade, sobre o qual o conhecimento fez sua maior aventura tecnológica. Nossas tecnologias funcionam porque presumem que a realidade se comporta de modo recorrente, comportando-se sempre do mesmo modo. Voamos no avião por conta desta expectativa – se fosse não linear, imprevisível, maleável não teríamos coragem de embarcar. Esforços atuais de salvar a face algorítmica da realidade, em particular o resgate da “natureza humana” como equipamento dado e circunscrito em leis e regularidades estáveis (Pinker, 2002. Alcock, 2001), baseiam-se em premissas muito questionáveis, primeiro porque seguem a “máquina de Touring”, no sentido de que tudo seria computável (digitalizável em seqüências recorrentes), deixando de lado que o computador não é máquina complexa, mas linear digital. Segundo, porque ignoram o teorema da incompletude de

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Gödel (Hofstadter, 2001), para o qual a própria matemática, a partir de um nível mais elevado de elaboração, mostra-se não linear, o que acabou gerando a “lógica difusa” (Kosko, 1999. Kaku, 2000). De fato, não se pode dizer à queima-roupa que a realidade é construída, não só porque ela não precisa desta construção para existir de modo independente, mas mormente porque não é verdade que construímos ao bel-prazer. Nosso cérebro é máquina resultante de processo evolucionário bilionário, não faz qualquer coisa, mas aquilo que este processo até ao momento faculta. Embora possa nos parecer que, ao pensarmos, pensamos o que bem queremos, não é bem assim, já que depende da constituição física do cérebro. Por exemplo, nossos olhos não vêem o que bem entendem, mas o que lhes é possível na trajetória evolucionária. Isto não leva ao determinismo necessariamente, como se fôssemos apenas entidades replicativas, mas lembra que a tese construcionista pode ser exagerada. Por outro lado, está claro que a insistência nas recorrências físicas ainda é resultado do modernismo mal digerido, que sempre prefigurou a realidade como expressão matemática linear por conta da expectativa do método lógico-experimental. Ficou célebre a polêmica entre Dawkins e Gould (Dawkins, 1998; 2003. Gould, 2002): de um lado, a tentativa de entender a seleção natural como algoritmo, de outro, a noção de relativa maleabilidade da natureza (Sterelny, 2001). A sociobiologia desempenhou o papel de pomo da discórdia, para desgosto de Wilson (1998), seu fundador: para alguns já é vitoriosa (Alcock, 2001), para outros, estaria imersa em positivismo clássico (Levins/Levontin, 1985). Foi notável também a polêmica exacerbada por Harris (1998) em torno do conceito de “nurture”, contra “nature”: o primeiro designa o papel da educação e geralmente tende a exagerar sua potencialidade, como é uso nas teses sobre “transformação social” na pedagogia; o segundo designa o papel da natureza tomada como equipamento dado e circunscrito. Embora a análise de Harris seja frontalmente positivista (tem como critério de cientificidade estritamente o que o método lógico-experimental garante), nos lembra que não fazemos de nossos filhos o que bem entendemos, como qualquer mãe naturalmente sabe. Existe, sim, uma “natureza humana” dada, resultado do processo evolucionário, da seleção natural, suficientemente maleável para permitir liberdade de intervenção e criatividade, mas até certo ponto. Nossa liberdade é limitada, não só porque somos seres muito dependentes, mas também porque não dispomos de nosso equipamento à vontade.

Evitar o positivismo modernista não deveria incidir em dialéticas exacerbadas, freqüentemente encontradas nas pesquisas qualitativas (Turato, 2003. Haak, 2003). Estas possuem o mérito memorável de privilegiar a realidade acima do método (Demo, 2001), mas também formalizam a realidade para poder captá-la, ou seja, ao preferir métodos mais maleáveis e jeitosos não dispensam “método”. A dialética tem saído bastante vitoriosa nesta polêmica, em primeiro lugar porque Prigogine restaurou, para espanto geral, a “dialética da natureza”

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(Prigogine/Stengers, 1997. De Landa, 1997), mas sobretudo porque se coaduna melhor com a complexidade e a intensidade da realidade (Demo, 2002), para além de sua característica extensa. A “consiliência” (unificação das ciências), como quer Wilson (1998), está longe de ocorrer ainda, embora os reclamos da interdisciplinaridade tenham aumentado enormemente (Demo, 2002). O relativismo pós-modernista não se sustenta, primeiro porque é incongruente logicamente (não é lógico afirmar que tudo é relativo, já que esta afirmação não é relativa), mas também porque, em sociedade, vivemos, não de forma relativista, mas relativa. As instituições possuem sua validade, ainda que sempre relativa. De um lado, a ciência clássica espera excesso de ordem, já meramente reprodutiva com base em leis inamovíveis, enquanto de outro lado, as aventuras pós-modernistas exacerbam subjetividade, desconstrução, fragmentação cultural, multiculturalidade, já num ambiente de “vale-tudo”. A ciência mantém critérios de cientificidade (Demo, 2000a), ainda que não mais como fórmulas feitas e definitivas, acrescentando aos formais, também os políticos. A verdade, como diz Habermas (1989), é “pretensão de validade”, não coisa pétrea. Isto não dispensa cuidados metodológicos. Ao contrário, os torna tanto mais exigentes, já que só se mantém de pé em ciência o que for discutível irrestritamente, no sentido de ser elaborado de tal maneira a permitir sua contestação porque quem queira. O teste empírico continua válido, mas não é prova cabal da verdade, primeiro porque é também construto, e, segundo, porque a assim dita “evidência empírica” não passa de indicação pertinente de uma realidade apanhada apenas em sua face mensurável e linear.

Esta polêmica, todavia, tem seu lado alvissareiro: mostra que, mesmo não sendo nossa liberdade a que gostaríamos que fosse, pode ser ampliada, se soubermos pensar, produzir e usar conhecimento disruptivo. Pelo menos em parte, podemos fazer história própria, se soubermos aprender a aprender. Conhecimento e aprendizagem são duas categorias vitais para nossa autonomia, pois facultam não nos render a um destino predeterminado, mas procurar alçar vôos cada vez mais elevados. Pode isto desandar em execrável soberba, quando lançamos mão do conhecimento para dominar, explorar, maltratar e imbecilizar os outros. Mas isto é parte de uma dinâmica tão complexa, que não pode ser exarada em linearidades simples e definitivas. Podemos nos destruir – a espécie humana é certamente descartável evolucionariamente falando – mas podemos também construir sociedades mais igualitárias e democráticas, que se orientem basicamente pelo bem comum, não pelo mercado neoliberal. A universidade deveria ser lugar privilegiado deste exercício de autonomia. A história do conhecimento revela forte ambigüidade (Burke, 2003. Collins, 1998), mas ao lado dos grandes massacres, existem igualmente as fantásticas generosidades e abnegações, porque, ainda sendo animal particularmente predador, o ser humano não pode deixar de se preocupar com a ética. Em sua complexidade, marcada, como diz Morin (2002), por ser homo sapiens demens, a demência pode aparentar ser a marca

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preponderante da história conhecida, mas nunca o ser humano deixou de ser capaz de conhecer e aprender, o que tem mudado profundamente seu destino. O lado disruptivo do conhecimento, certamente também ambíguo, acena para a habilidade praticamente ilimitada de interferir na realidade, à medida que a cultura se emparelha com a evolução biológica e, em algum sentido, se sobrepõe (Klein, 2002. Wright, 2000. Gardner, 2003). Não podemos tudo, nem de longe, porque somos seres limitados, incompletos, frágeis e freqüentemente muito infelizes (Demo, 2001a). É certamente ilusão, por exemplo, imaginar extirpar o lado violento de ser humano, não só porque é traço evolucionário reconhecido, mas também porque, para a sobrevivência, precisamos da capacidade de enfrentar desafios e contratempos, por vezes com violência. Assim, também é ilusão imaginar que conhecimento se oriente apenas pelo benefício de todos. Sendo força formidável de inovação, conhecimento serve mais facilmente ao poder, tanto mais quando se traveste de neutro e objetivo. Obviamente, algo tão importante para a sociedade não lhe pode ser indiferente. A universidade é, de fato, excepcionalmente importante, quando representa este cenário crucial da saga humana: conhecer e aprender.

2. Sondando Alternativas A universidade sempre foi lugar privilegiado de educação e conhecimento, resumindo-se

nisso seu mandato central. No mandato educativo, sobressai o compromisso em formar gente para posições de comando ou destaque na sociedade e na economia, o que tem sido freqüentemente reduzido ao estereótipo neoliberal de “preparar recursos humanos”, geralmente em ambiente de instrucionismo ostensivo (Aronowitz, 2000. Tommasi/Warde/Haddad, 2000). Nesta visão ainda comum, ressalta-se a relação de mercado, que, não podendo, em absoluto, ser descartada ou diminuída, de modo algum pode ser o centro das atenções. No centro deve estar o processo tipicamente formativo, tomando-se “formação” como “aquilo que resta, depois que se esqueceu tudo”1. O que se reproduz na universidade de modo instrucionista não é formativo, mas apenas funcional e subserviente ao mercado. No mandato do conhecimento, sobressai o compromisso com a fonte mais potente de inovação e intervenção na realidade, realizando a expectativa da habilidade disruptiva. A sociedade, inclusive o mercado, esperam da universidade que garanta acesso ao melhor conhecimento possível e disponível, em particular a formação de gente capaz de construir e reconstruir conhecimento. Em nossa história, que é ainda muito recente (Sobrinho, 2000), da universidade, esta foi cunhada, ao estilo norte-americano, como entidade de “ensino, pesquisa e extensão”. De modo geral, todas as instituições de educação superior se organizam sob este teto. Embora haja aí grandes congruências, emergem também

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outras tantas incongruências. Se é importante, por exemplo, ligar teoria e prática, comprometer-se com a comunidade, região, sociedade, abrir as portas para pessoas não matriculadas, o que é feito pela vida “extensão”, este tipo de atividade jamais saiu da penumbra e, em grande parte, é apenas “faz-de-conta”. Freqüentemente também destina-se a captar recursos financeiros, desdobrando-se na maioria das universidades em “fundações” que agem de maneira paralela e já sequer se definem como “extensão”.

“Extensão” contém idéia preciosa, ao lado de autocrítica relevante de uma história universitária no mundo da lua (Botomé, 1996). Na prática, porém, mantém-se fora do currículo, disputa espaços com os departamentos, substitui iniciativas que deveriam ser curriculares, amontoa ações de toda espécie, dificilmente faz pesquisa, sobretudo permanece cidadania da mera e eventual boa vontade. Embora fazendo parte do dístico da universidade, extensão continua atividade eventual. Em algumas universidades, esta percepção já mudou muito, porque se percebeu ser este tipo de extensão “má consciência” social, e não oportunidade propriamente formativa e geradora de conhecimento. Por outro lado, existe o termo “ensino”, que, sem incidir em briga fátua por palavras, geralmente aponta para um dos vícios mais deletérios da sala de aula: o instrucionismo reprodutivo. As aulas, geralmente oferecidas por professores que apenas dão aula, reproduzem, neste gesto ordinário, alunos que, em vez de aprenderem a reconstruir conhecimento com devida autonomia, sucumbem à cópia da cópia. Os estudantes chegam ao fim do curso muito despreparados até mesmo para serem “recursos humanos”, porque não atendem às expectativas de inovação e mudança da sociedade e também da economia. Ao fundo, mantém-se a idéia de um profissional que apenas executa tarefas predeterminadas, sempre as mesmas e do mesmo jeito, enquanto o mundo mudou substancialmente nesta direção: ser profissional, em primeiro lugar, não é só exercer uma profissão, mas saber renová-la de maneira permanente. É fundamental ser “mentor” de sua profissão, não somente serviçal. Ainda, o termo “pesquisa” geralmente aparece como enfeite, não só porque nos falta tradição, mas principalmente porque não se tem noção adequada da dinâmica não linear, complexa, disruptiva do conhecimento. Tem-se chamado de pesquisa qualquer soluço reprodutivo, até mesmo copiar dados da Internet ou “fichar livro” (Gatti, 2002).

Por conta de tais críticas, creio que a trilogia “ensino, pesquisa, extensão” faz parte de época passada. Assim como não se pode comparecer a uma guerra atômica com estilingue, não vale enfrentar este mundo de maneira tão bisonha. É preciso urgentemente reforçar os mandatos da educação e do conhecimento, seguindo nisto as próprias descobertas mais recentes da pesquisa acadêmica. Não se pode ignorar, por exemplo, a obra de Piaget sobre o construtivismo, por mais que ela sofra hoje inúmeros reparos, naturalmente (Freitag, 1997). Os avanços na biologia, inteligência artificial e tecnologias em educação (Demo, 2002. Maturana, 2001.

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Edelman/Tononi, 2000. Tapscott, 1998. Moraes, 2002) recomendam vivamente superar o instrucionismo que ainda nos avassala, porque a grande maioria das atividades em sala de aula não é “formativa”. A aula reprodutiva é disparate sem nome, porque representa, de maneira nua e crua, o cultivo da mediocridade. Não aparecem o saber pensar, a autonomia crítica e autocrítica, a autoridade do argumento, a habilidade de forjar alternativas, a capacidade de ler a realidade. De acordo com as teorias mais recentes, aprendizagem exige comportamento reconstrutivo político, com realce para iniciativas de pesquisa e elaboração própria. Ainda que não seja, como regra, o caso formar pesquisadores profissionais, mas certamente profissionais pesquisadores, pesquisa não representa apenas o gesto de reconstrução do conhecimento, mas é sobretudo expediente formativo. Programas oficiais como o de iniciação científica do CNPq, descobriram que sua importância não está apenas na rota da reconstrução do conhecimento, mas são profundamente “educativos” (Calazans, 1999. Moraes/Lima, 2002).

A aprendizagem constitui-se, em sua profundeza mais complexa não linear, de dinâmicas reconstrutivas e políticas. De um lado, é mister lidar com conhecimento disruptivo de maneira disruptiva, aprender teoria e método, elaborar com elegância textos próprios, dominar conteúdos e sobretudo saber renová-los. De outro, é fundamental cuidar da face política, porque se trata da habilidade de forjar gente capaz de história própria, plantar processos de gestação de autonomia, formar cidadania crítica e autocrítica, preparar para inovar e mudar a sociedade e a economia. Esta “politicidade” (Freire, 1997. Demo, 2002) da aprendizagem é fundamental, porque toca em especial o lado humano da formação universitária, equivocadamente entendida quase sempre como “extensão”. A politicidade não pode ser buscada em atividades extracurriculares (estas podem certamente existir), mas no próprio processo reconstrutivo, porque conhecimento também é dinâmica política. Quando o aluno aprende a reconstruir conhecimento de maneira profunda e adequada, não aprende apenas a lidar com as técnicas de reconstrução, mas, à medida que argumenta e contra-argumenta, escuta crítica e responde com inteligência e elegância, prefere a autoridade do argumento ao argumento de autoridade, alia crítica à autocrítica, está construindo a cidadania tipicamente autônoma. Esta é a cidadania mais relevante em sociedade, porque dispõe de instrumentação potente para intervir e inovar que são conhecimento e aprendizagem. É a cidadania que eclode como habilidade de ler alternativamente a realidade, detém conhecimento de causa para cada intervenção, sabe fazer seu planejamento estratégico, muda a realidade porque sabe mudar-se (Sanders, 1998). A politicidade não pode fazer de conhecimento uma politicagem, porque não cabe desvirtuar as características da cientificidade do conhecimento, mas seria no mínimo arcaico imaginar que conhecimento não seja, em seu âmago, também fenômeno político. Na verdade, é o maior fenômeno político de que

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dispõe a humanidade, porque é através dele que ela mudou seu percurso histórico e mesmo evolucionário.

Podemos resumir estas idéias no “processo formativo”, muito além do instrucionismo. Formação contém, num nível, a habilidade disruptiva do conhecimento, para saber pensar, mas contém também, em outro nível conjugado, a habilidade política, para saber intervir. É por esta porta tipicamente curricular que entra a cidadania na universidade, menos pela porta da extensão. Este processo deve ser intrínseco ao currículo, sem jamais passar a impressão de que cidadania provém de fora, de atividades eventuais e apenas voluntárias. De modo geral, quando se fala de cidadania na universidade, tem-se dela a noção de algo que sai pelo ladrão, mera decorrência eventual de atividades didáticas ou de extensão. Para que a universidade possa comparecer como farol das alternativas de cada sociedade, precisa inventar cidadãos, não apenas “recursos humanos”. Por contingência história muito compreensível, nossas instituições universitárias se ligam a procedimentos arcaicos de “ensino”, refletindo aí marcantemente carências da primeira hora de seu surgimento: os professores não eram figuras capazes de construir conhecimento com autonomia, como regra. Até hoje persiste a noção de “professor horista”, contratado apenas para “dar aula”. Assume-se que “dar aula” reduz-se a diatribes reprodutivas: o professor repassa para o aluno o que ele mesmo absorveu de maneira reprodutiva de outros autores. Como ele não é “autor”, não é possível fazer do aluno “autor”. Não cabe, todavia, insistir nesta crítica, porque isto faz parte também das contingências históricas: nossa universidade não tem sequer cem anos de existência, e, se fôssemos exigentes, os interiores não poderiam arquitetar uma universidade. É por isso que hoje temos discrepâncias astronômicas, como é a distância entre uma USP, considerada universidade de excelência reconhecida, e tantas universidades pelo Brasil afora que, em si, nada têm a ver com a USP. Para agravar o quadro, inventou-se o “centro universitário”, cuja pecha maior é não precisar desenvolver pesquisa. Basta “ensinar”. Por certo, nem todos os centros universitários cultivam esta mediocridade, mas a própria noção oficial denota que ainda não amadurecemos para o mundo do conhecimento e da aprendizagem de modo reconstrutivo político (Demo, 1997).

A universidade, se bem entendida, liga-se a um dos patrimônios mais decisivos e profundos da humanidade, que é a habilidade de manejar conhecimento, de um lado, e de formar novas gerações, de outro. Desde sempre, conhecer e aprender foram desideratos entranhados nos seres humanos, porque vê-se neles a oportunidade de fazer e fazer-se oportunidade. Por isso, na atual discussão sobre “desenvolvimento humano” lastreada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (1990/2003), o ponto crucial é o desfio de conhecer e aprender, porque são as categorias que melhor fundam a forja da autonomia das pessoas e sociedades. Não se trata de fazer disso panacéia, nem de ignorar os laivos neoliberais da ONU,

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mas é fundamental este reconhecimento do que mais profundamente perfaz a noção de desenvolvimento (Sachs, 2000). Aí reside a rebeldia que precisamos inventar na sociedade, para que possa mover-se rumo a configurações mais igualitárias, democráticas e humanas. Ao contrário do mercado, a universidade está amarrada, desde sempre, a objetivos também éticos, que colocam o bem comum acima de qualquer apropriação privada. Ao mesmo tempo que a universidade deve ser a fronteira do conhecimento, precisa saber lidar com sua ambigüidade intrínseca. Um dos horizontes mais importantes é “democratizar” o conhecimento, não no sentido vulgar de considerar conhecimento qualquer discurso popular, mas no sentido crucial de acesso de todos, porque todos têm o direito de emancipar-se pela via da construção da própria autonomia. O conhecimento especializado dificilmente pode popularizar-se, porque sua linguagem é naturalmente sofisticada, supondo grande tirocínio teórico e metodológico para a dominar. Não se trata de prejudicar este horizonte, mas de fazer da universidade o palco privilegiado da formação da cidadania que melhor sabe fincar-se na habilidade de conhecer e aprender. Quando menos, a universidade precisa assumir a qualidade da formação dos professores básicos, para que a sociedade, principalmente nas escolas públicas, possa aprender a aprender, saber pensar e rebelar-se (Hooks, 1994. Santo, 2001. Becker, 2001; 2003). Disto decorre que a universidade não pode ser o lugar do argumento de autoridade, instrucionista e reprodutivo, mas da autoridade do argumento, fundado no saber pensar (Demo, 2000b). A autoridade do argumento não é apenas um argumento melhor fundamentado, é sobretudo o argumento da cidadania (Hecht, 2003).

Para o ser humano é decisivo saber monitorar a inovação, seja para não descambar em soberba irrefreável, mas antes de tudo para a humanizar. Os avanços no mundo da informática e da cibercultura prometem coisas do arco da velha e não seria ajuizado deixar isso acontecer à solta, não para “censurar”, mas para lhe aplicar devida ética social (Clark, 2003). No campo da educação, isto tem sido uma aflição permanente: enquanto os meios andam à velocidade da luz, a pedagogia anda a passos de cágado (Nolte, 2001. Kurzweil, 1999). Se na educação a distância costuma haver mais distância que educação, não se deve, em princípio, aos meios, mas, em alguma medida, aos profissionais da educação (também, é claro, às diatribes do mercado mercantilista), pois não entendem nem manipulam os meios, o que não lhes permite monitorá-los. Se a liberdade também “evolui”, como insinua Dennett (2003), é fatal para a sociedade cuidar que o acréscimo de liberdade seja liberdade em favor do bem comum. Isto a universidade, mais que tudo na sociedade, deveria saber garantir.

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3. Universidade e Ética do Conhecimento Busco traçar nesta parte preliminares da discussão sobre ética de estilo “pós-moderno”,

cultivada por ambientes acadêmicos orientados pela autoridade do argumento, em particular na surpreendente obra de Connolly (2002) sobre “neuropolítica” no mundo do pensamento, cultura e velocidade. Ética tem sido tema cada vez mais solicitado, seja porque as fronteiras do conhecimento apontam para desafios preocupantes (Clotet, 2003), seja porque conhecimento sempre andou de mãos dadas com censura e dominação (Harding, 1998). Dificilmente se escapa da constatação de que as pessoas que mais e melhor conhecem são também mais privilegiadas, como é o caso notório do mundo dos cientistas de ponta e seus prêmios Nobel. A elitização do conhecimento é quase intestina, porque conhecer facilmente implica impedir que outros conheçam, com o objetivo de fazer dele vantagem exclusiva (Demo, 1999). “Ciência com consciência”, no dizer de Morin (1996), não parece ser a regra, pois a “ordem do discurso” é outra (Foucault, 2000). Ao lado disso, entretanto, preocupam as fronteiras do conhecimento (Gribbin, 2001. Gardner, 2003), e, em particular, o entendimento de uma ética que possa caber na academia, sem necessário apelo à transcendência. Em parte esta discussão é inspirada em propostas de Habermas (1999; 2002; 2002a; 2003), quando tentou armar um tipo de discurso que permite participação pública de todos, do modo mais desimpedido possível. Embora sua obra seja hoje também intensamente criticada, a crítica acaba assinalando menos seus vazios, do que sua importância e pertinência. Na prática, a questão que se coloca, com todos os riscos e desafios, é como fundar uma ética que se alimente da autoridade do argumento, sem apelos transcendentais ao estilo de Kant, muito menos ao estilo religioso. É uso no Ocidente europeu pendurar a ética em algum cabide transcendental. Além do cristianismo, é bem conhecida a versão kantiana do princípio categórico, tipicamente universal, válida acima do espaço e tempo. Neste mesmo pano de fundo está a idéia corrente de que o ser humano precisa de referência divina, transcendente, para impor sentido à vida. E isto justificaria a necessidade de “religião”, que, no Ocidente europeu, é cristã. A dependência do ser humano é tão flagrante, que também serviu de argumento em favor da existência de Deus, em particular na versão franciscana de Scotus (o ser dependente implica um ser independente). Embora argumentos lógicos sejam circulares e nisto não provem a existência ou não existência de nada, são freqüentes neste tipo de discussão, como é o caso da arquitetura do universo que implicaria um Arquiteto divino. É sempre muito controversa a noção de ética laica, mundana ou imanente, já que o ser humano, como figura possivelmente eventual do processo evolucionário2, não pode ser a medida de si mesmo. A ciência, porém, admite-se como medida de si mesma, e, ao falar de ética, naturalmente propende a estatuir uma ética imanente. Não preciso insistir em quanto isto é polêmico. Mesmo assim, trata-se de discussão pertinente, que não cabe descartar, além de trazer para a academia a preocupação saudável da ética do conhecimento.

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Na disputa entre evolucionários e criacionistas (em particular nos Estados Unidos), já é comum a noção de que o desenho do universo poderia sugerir a hipótese contrária: tendo em vista tamanho e universalidade do sofrimento, frieza do universo, traços predatórios da evolução biológica, não seria menos coerente, logicamente, postular um anti-deus, especialmente perverso (Gardner, 2003). Conforme estudiosos atuais da “religião”, como Shermer (1997; 1999; 2001), o ser humano é “máquina de crença” – tem embutido em seu cérebro a compulsão da credulidade, acreditando em coisas muito estranhas, por boas ou más razões. É um dos fatos antropológicos mais comuns que os seres humanos, desde sempre, forjaram deuses e entidades transcendentes, de início muitos (politeísmo) e depois, com o tempo, passaram para religiões monoteístas, pelo menos em parte. Dentro de discussões biológicas, assenta-se a noção de que tais necessidades são processos e produtos tipicamente humanos, tendo como sua sede corporal principal o cérebro. Este órgão (que não pode ser visto isoladamente) (Gershon, 1998) é composto de matéria especialmente organizada (ainda assim, é matéria como qualquer outra matéria), detendo habilidades complexas não lineares que pareceriam ir muito além das condições iniciais. Como apontam Edelman/Tononi (2000), no cérebro a matéria se torna imaginação, verificando-se salto de criatividade estupenda. Trata-se de base material que produz dimensões espirituais. Assim, sugere-se que a matéria já contém o espírito, bem como todo espírito supõe base material, precisamente como é nosso corpo humano: somos matéria espiritualizada, ou somos espírito materializado. Dentro desta perspectiva, a ética também é floração material do cérebro, e significa que o ser humano é capaz de desenvolver referências de compromisso igualitário e respeitoso para com os outros e a natureza. Ética sempre surge quando entra em cena o outro, já que este outro tanto nos influencia, quanto o influenciamos, estabelecendo-se linhas de força que facilmente podem degenerar em exploração ou, pelo menos, unilateralidade, ao invés de cultivar a convivência igualitária. Este senso ético não precisa ser postulado como “lei divina”, dada ao ser humano por Deus através de intermediário especial, como teria sido Moisés, ao receber as tábuas da lei. Isto, para a ciência, é metáfora, para valorizar as leis como se fossem inquebrantáveis, sendo seu não cumprimento não só ofensa humana, mas divina.

Esta visão alimenta-se em grande parte da crença evolucionária que foi, a rigor, a primeira a dispensar a hipótese divina: o universo explica-se por dinâmica interna própria, sendo ocioso postular um criador. Esta hipótese, é claro, é “hipótese”, já que ninguém sabe explicar o que teria ocorrido antes do Big Bang. É apenas a maneira “mais científica” de postular começo natural. A partir dele, porém, tudo evolui naturalmente, inclusive o surgimento da consciência e da ética. Já não se pode mais chamar a isto de “materialismo”, pois não se reduz tudo à matéria: a ciência reconhece que o mundo não é feito apenas de “res extensa” como queria Descartes (Damásio, 1996), ocorrendo outras dimensões que podemos chamar de virtuais, espirituais, imateriais, como se pode perceber da atividade cerebral: forja sonhos, desejos, imaginação, fantasia, deuses e demônios, que precisam de base material, mas a esta não se reduzem. Sua marca maior talvez seja o “imanentismo”, no sentido de que são processos e produtos imanentes,

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que ocorrem dentro da complexidade não linear do universo como tal. Não seria mister postular poderes superiores, no âmbito de metodologia científica.

Autor que trabalha este horizonte de modo surpreendente é Connolly (2002), ao analisar a “neuropolítica”, dentro da hipótese da cultura e do cérebro estratificados ao longo do processo evolucionário. Partindo de indagações pós-modernas da ciência que, reconhecendo a realidade como indevassável por conta de sua complexidade não linear, curva-se à sua incompletude intrínseca, o problema mais ético da ética seria como fundar ética que não fosse fundamentalista, ou seja, se mantivesse contestável. O problema das éticas transcendentais é que não admitem discussão: nelas se crê ou não se crê. Para quem crê, segue a subserviência, o que seria, do ponto de vista ético, pouco ético. Por outro lado, mantendo a ética como necessariamente contestável, para ser igualitária, poderia incorrer no risco de relativismo. O risco de relativismo é, porém, superestimado, pois a sociedade humana, embora seja fenômeno claramente relativo, não consegue constituir-se no relativismo, sem falar que, logicamente falando, não cabe proferir que “tudo é relativo”. Em sociedade, a vida é organizada de maneira normativa, e, apesar das infrações sempre possíveis, a validade das normas é comum. A idéia de Connolly, a rigor, apenas relativiza a ética, não a torna necessariamente relativista.

Para ser coerente, Connolly mantém-se contestável – sua posição não pode ser peremptória, porque induziria a tipo subserviente de convivência. Postula, então, dois horizontes que poderiam ser argumentos palatáveis para a ética imanente: i) a idéia do plularismo profundo, segundo o qual a posição que melhor se sustenta é aquela aberta, que admite ser contestada, permitindo a convivência de todos; ii) a riqueza abundante do ser e da vida, que instila o senso de generosidade. Admite que são idéias pertinentes, não cogentes, o que exige sempre negociação conjunta para se chegar a qualquer acordo, sendo este, de novo, e sempre, relativo. Desiste, pois, de demonstrações finais, porque a noção modernista de leis estáveis e perenes do universo não se sustenta, a não ser nos planos lineares (como nossas tecnologias). Não havendo leis estritas na complexidade não linear, não é viável imaginar ética única para todos, porque se destrói neste ato a possibilidade de convivência ética. Ao mesmo tempo, não se pode fazer da ética uma lógica racional, porque em nosso cérebro os níveis mais e menos racionais se misturam em suas várias camadas evolucionárias, o que não faculta, ainda, ética totalmente consciente. Somos relativamente conscientes. Funcionamos em grande parte de modo inconsciente.

Ética imanente, também por coerência, não peleja necessariamente contra outras éticas, porque a diversidade é tão natural quanto a igualdade na natureza, embora espere que não prejudique a convivência de todos. Como numa democracia, a pluralidade é a única unidade possível, supondo a arte suprema da negociação sem fim. Implica também reconhecer que nem sempre é possível acordo, já que desacordo é intrínseco a todo acordo e vice-versa. Connolly não busca soluções finais de nada, pois no universo relativo, complexo não linear, o que existe são

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processos também imprevisíveis e não podemos imaginar que um dia surgiria, não se sabe onde, nem como, nem por que, um céu. A ética não é catecismo de soluções, mas estratégia democrática da boa convivência. Continua de pé a indagação incômoda se é possível ética apenas imanente, mas parece claro que, no mundo da ciência, a ética teria que ser apenas imanente, para caber em seus métodos. Esta expectativa é tipicamente reducionista, mas, até certo ponto, pelo menos, é assim que procede a ciência conhecida. A ética haveria de condenar apenas a “falta de ética”, que, neste caso, seriam tipos obrigatórios (fundamentalistas) de ética.

Não pretendo, nem posso aqui validar este tipo de ética, porque é polêmica que vai além de minhas forças. Pretendo apenas indicar que este tipo de discussão poderia ser pertinente na universidade. Horkheimer, prócer da Escola de Frankfurt, disse, ao voltar ao judaísmo antes de morrer, que “política, sem teologia, é puro negócio”, alegando que, sem referência transcendental, não se pode privilegiar o bem. O pós-modernismo acredita que não é necessário este apelo transcendental, porque seria mais adequado bastar-se com a autoridade do argumento. Todo apelo transcendental, do ponto de vista do método científico, detém laivos fundamentalistas que fogem à discussão. Em vez de apostar em “religião”, que é sempre plural (há religiões, não uma religião), a ciência pode apostar na “religiosidade”, reconhecida como necessidade humana essencial, entre outras. Por que nosso cérebro desenvolve a religiosidade de maneira natural, é ainda enigma, mas é fato inconteste na história humana. Enquanto nas religiões as pessoas e histórias se dividem e, por vezes, se matam, na religiosidade poderiam encontrar-se em convivência aberta. A convivência aberta não nega a dominação, mas acredita que, administrando a dominação a partir do bem comum, é possível algum nível, sempre relativo, de convivência. Este tipo de convivência nutre-se, em grande parte, da autoridade do argumento. Primeiro, está fora de questão o argumento de autoridade, porque supõe alinhamento ou atrelamento, apequenando o outro. Não se consegue extirpar o argumento de autoridade, porque a relação humana o implica naturalmente (Boehm, 1999. Demo, 2002a), mas é possível cultivar ambiente aberto, se houver cidadania adequada e concepções de autonomia que não excluam sumariamente os outros. Trata-se de monitorar o conhecimento de tal forma que não incida de maneira tão constante em processos colonizadores, mas seja fundamento do bem comum. Por isso, ao lado do rigor metodológico que lhe é constitutivo, é mister conclamar sua politicidade e encaixá-la em condições democráticas. A democracia caracteriza-se precisamente por nunca ser a última palavra, mas apenas uma palavra dotada de bom argumento (Goyard-Fabre, 2003). Este procedimento constrói consensos frágeis, mas esta fragilidade é sua força: precisa convencer, sem vencer.

Apesar do fundo polêmico destas propostas, parece claro o quanto poderiam ser importantes e apropriadas para a formação universitária. Primeiro, por ser conhecimento a estratégia mais decisiva e constante de intervenção na realidade e na sociedade, a preocupação ética precisa ser não menos constante. Temos responsabilidade por aquilo que pretendemos

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mudar, porque impacta o outro também. Segundo, por ser conhecimento tão envolvido com processos colonizadores, é essencial preocupar-se com seu acesso excessivamente privilegiado. Terceiro, por ser conhecimento fundamento crucial da autonomia das pessoas e sociedades, é decisivo preocupar-se com autonomias que eliminam a autonomia dos outros. Quarto, por ser conhecimento referência central da formação universitária, é fundamental preocupar-se com processos formativos que sejam capazes de gerar cidadania convivente, não se orientando apenas pelo mercado. Quinto, por ser conhecimento mandato crucial da universidade, esta precisa não só reconstruí-lo sistematicamente, mas, para além disso, colocá-lo a serviço do bem comum. É preciso inventar aquele conhecimento que seja fundamento da dignidade das pessoas e sociedades, não apenas aquele que se pode comprar e vender como mercadoria. Para realizar tais desafios, pelo menos de modo aproximativo como sugere Clotet (2003), a estratégia propriamente acadêmica seria cultivar a autoridade do argumento que sabe convencer, sem vencer. Conhecimento não pode apenas ser gerado e solto. Precisa ser domesticado a serviço do bem comum. É preciso enfrentar desafios como o de rejeitar os fundamentalismos sem ser fundamentalista. Como é próprio do conhecimento aberto manejar hipóteses abertas, qualquer proposta ética será relativa, ainda que não necessariamente relativista. Isto não elimina o direito à fé. Mas, por precaução, ou para não a reduzir a imposições do método científico, a deixamos de fora, no foro íntimo das pessoas. Entretanto, vale também para a pessoa de fé não ser fundamentalista.

1 Aforismo usado no mundo anglo-saxão.

2 Há hoje literatura crescente que reconhece o “desenho” do universo, no sentido evolucionário de incluir o surgimento da consciência e seus fenômenos correlatos, inclusive ética (Wright, 2000. Gardner, 2003). Não se trata de teleologia como queria Chardin, mas de resultados naturais de processos naturais, em crescente complexidade, até surgir um animal capaz de pensar com autonomia, usando esta autonomia para o bem e para o mal.

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