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SAÚDE. 05 MELHORES TRATAMENTOS PARA DIMINUIR O SOFRIMENTO
COMOTRATARA
QUE NÃODESAPARECE
Afeta cerca de 3 milhões de portugueses, a maioria mulheres.A dor crónica que atinge todo o corpo pode ser provocada por doenças
reumáticas e autoimunes: osteoporose, artrite, lúpus, fibromialgia e
espondilite. Mas sabia que pode viver melhor com injeções que atuam nosistema imunitário? Ou que se usa plasma para diminuir as inflamações?A cirurgia aos nervos periféricos e os neuroestimuladores são outros dostratamentos inovadores recentes. Fomos conhecer os casos de doentes
que ganharam qualidade de vida quando já pensavam não ser possível.Por Susana Lúcio
dor tornou-seconstante no dia
W a dia de Catarina
B_^^L Marques desde
que, em 2010, se
baixou para tirarcinto do triciclo
à filha, então com 3 anos. Sentiu
choques elétricos pelo corpo todo
e esteve de baixa médica dois me-ses, mas as dores não desaparece-ram. Recorreu à osteopatia, hidro
ginástica e fisioterapia. Sem resul-tados. 'Ainda me lembro da dorsentida durante alguns toques do
osteopata", conta à SÁBADO. ]imelhor, voltou ao trabalho, numaentidade do Ministério da Educa-
ção, mas começou a arrastar uma
perna ao andar. "Tentava disfarçarque estava cheia de dores e nãome queixava. Receava que os co-
legas pensassem que eu nâo queria trabalhar." Um dia estacionouo carro no parque do local de tra-balho e não conseguiu movimen-tar as pernas para sair. Aguentoua dor e, vários minutos depois,estava em pé. Convenceu se de
que seria capaz de subir a rampado parque, mas foi-lhe impossí-vel. Não havia como disfarçar eencostou-se à parede a chorar.
Só em 2016 é que foi diagnosticada com espondilite anquilosante,uma doença reumática e autoimu-nc que afeta as articulações da co-luna, soldando-as e provocando ri-gidez e dor. Por essa altura, paraalém dos analgésicos, relaxantesmusculares e anti-inflamatórios,tomava medicação para dormir. "A
dado momento, aguentamos o quenão devíamos aguentar", confessaa funcionária pública, de 47 anos.
O alívio surgiu em 2017, depoisde iniciar uma terapia biotecnoló-
gica para controlar a doença. O
tratamento é constituído por anti-corpos monoclonais, produzidosem laboratório e em parte semelhantes aos que o sistema imuni-tário usa para identificar e neutra-lizar bactérias ou vírus. "São fármaços muito caros, específicos e
com formas de gestão muito con-troladas, que bloqueiam algunsmediadores na origem da infla-mação e estabilizam a doença",
explica o presidente da Sociedade
Portuguesa de Reumatologia, LuísCunha Miranda. Cada dose podecustar entre 300 e 1.000 euros.
Nas doenças autoimunes, o siste-ma imunitário está alterado, amplificando a sua ação contra inimigos
que não existem e acaba por atacaro próprio organismo. 'Estes medi
camentos funcionam como imu-nossupressores que reequilibram osistema imunitário." Mas não ê in
dicado para todos os doentes. "Os
riscos incluem um aumento das in-fcções. É preciso ter a certeza de
que o doente não tem neoplasias,nem problemas cardíacos e pulmo-nares", salienta o reumatologista.
Catarina Marques sentiu se bemmelhor ao fim de quatro meses. É
ela que usa em si a caneta de inje-ção de duas em duas semanas.Ainda assim, mantém os analgési-cos c os relaxantes musculares
para situações de crise. E experimentou outras terapias para redu-zir a dor. "Fiz acupuntura e chi
kung [uma terapêutica da medicinachinesa que ajuda a relaxar os
músculos e promove um exercíciomoderado]. Agora faço fisioterapiae pilates terapêutico."
A dor crónica atinge três milhõesde portugueses, a maioria mulhe-res, e o sofrimento é considerável.
Segundo o estudo Chronic Paín Ca-re - prevalência o caracterizaçãoda dor crónica nos cuidados desaúde primários, realizado em 2018c que envolveu 8.480 doentes de
58 unidades de saúde, a média da
SaúdeA dor crónica c
um problemade saúde públi-ca, segundo a
presidente da
Associação Por-
tuguesa para oEstudo da Dor,
Ana Pedro
CATARINAMARQUES
CONSEGUIUREDUZIRA
DOR AOTRATAR ADOENÇA
COM TERA-PIA BIOTEC-NOLÓGICA
OLuís Cunha Miranda
"A questão é o acessoàs especialidades, nomeadamente
à reumatologia"
O presidente da Sociccadc Portuguesacc Reumatologia considera que ná mais
casos de dor crónica porque os doentessão diagnosticados tardiamente
intensidade máxima da dor, avaliada numa escala de 1 a 10, foi de 7.
O As causas mais comuns são as do-res nas costas ou lombalgias, provo-cadas sobretudo por má postura. Mas
há doenças que produzem uma dor
musculoesquelética, resultante do
movimento, e outras, como as doen-
ças reumáticas, nas quais se inclui a
espondilite anquilosante, que são in-flamatórias e que acabam também
por atacar as articulações do corpo.Sentir dor é a forma de o corpo hu-
mano identificar e proteger-se de
perigos. Quando nos queimamos
num tacho quente, as terminaçõesnervosas na pele enviam sinais que
passam por neurúnios sensoriais, si-tuados na espinal medula, c chegamao cérebro. O sistema nervoso cen-tral identifica a localização e intensi-dade do estímulo doloroso e reageem segundos: retiramos a mão do ta-cho de imediato. Depois, o cérebro
envia sinais elétricos pela medula es-
pinal que desencadeiam a libertaçãode endorfinas, as hormonas do bem--estar. Estas bloqueiam o sinal da dor
e o sofrimento sentido abranda.E quando os estímulos dolorosos
não cessam durante mais de três
meses? Nestes casos podem ocorrer
alterações no sistema nervoso cen-tral. Como o sinal da dor é transmitido e retransmitido de neurónio paraneurónio constantemente, o cérebromodifica-o e aumenta a intensidade
c duração da dor. Por isso, c essen-cial que esta seja tratada imediatamente. "A dor crónica deverá ser
identificada e tratada com urgência,uma vez que decorridos três a seis
meses, ultrapassa os bloqueios de
controlo ao nível da medula, do hi-
potálamo e do sistema límbico, atin-
gindo o córtex cerebral ", explica àSÁBADO o professor Abel Nasci-mento, cirurgião ortopédico do Ins-tituto de Cirurgia Reconstrutiva, emCoimbra. "Esta situação leva a quese crie um processo de memória dador que irá, em muitos casos, perpe-tuar o sofrimento c a dor c evitar asua reversão total ou parcial."
Por isso, o cirurgião defende que o
tratamento da dor crónica deve pas-sar pela microcirurgia dos nervos pe-riféricos, que, quando lesionados pordoenças inflamatórias e degenerativas, emitem o sinal da dor até ao cé-rebro. Foi a solução que salvou José
Rodrigues, de 77 anos. Há cinco anos,fazia caminhadas de 10 quilómetrosem Monsanto, Lisboa, todos os dias
sem exceção. Mas de repente as do-res nas costas tornaram o exercício
insuportável. "Sentia dores horroro-
sas na coluna que me afetavam as
pernas. Andava 20 metros e tinha de
me sentar. Deixei de ir buscar o meuneto à escola", recorda.
Descobriu que tinha osteoartrose
nas articulações da coluna. A doença
provoca o desgaste da cartilagem das
articulações, que permite o movi-mento sem atrito. Isto acontece
quando o líquido viscoso que lubrifi-ca a cartilagem deixa de ser produzi-do em tanta quantidade. A osteoar
trose é a mais comum das doençasreumáticas e atinge cerca de um mi-lhão de portugueses - 90% destes
têm mais de 60 anos.
Na altura, um médico ortopedistaprescreveu-lhe anti-inflamatórios e
fisioterapia. Tentou ainda a osteopa-tia c a acupuntura, mas nada reduziuas dores. José Rodrigues não desistiu
e procurou alívio no bloco operató-rio. "A microcirurgia nervosa, feita
com microscópico para ampliaçãodas estruturas, ao nível dos diversos
e pequenos ramos articulares, per-mite efetuar neurotomias [cortes]
ultrasseletivas que vêm resolver,em muitos casos, situações de dores
crónicas articulares", explica o pro-fessor Abel Nascimento. 'Nas dores
crónicas por lesões osteoarticulares
tipo inflamatórias ou degenerativasé necessário efetuar o tratamento
específico da doença de base e, em
associação, efetuar sinovectomias
[remoção do tecido que envolve a
articulaçãol; transferências tendino
sas, para equilíbrio articular, e colo-
cação de próteses quando as articu-
lações estiverem destruídas." O
OAbel Nascimento
"A dor crónica deverá ser identifica-da e tratada com urgência"
O cirurgião do Instituto de CirurgiaReconstrutiva realiza microcirurgia
nervosa para inibir que o sinal
da dor chegue ao cérebro
milhõescc curos ó
quanto Portu-
gal gasta porano com trata-mentos, baixase reformas an-
tecipadas pro-vecadas pela
dor crónica, se-
gundo a Univer-sidade do Porto
ATRAVÉS DADOR O CÉRE-BRO IDENTI-FICA O LO-CAL DA LE-
SÃO E REAGEQUASE DEIMEDIATO,
PROTEGEN-DO O CORPO
O José Rodrigues foi operado, umacirurgia delicada que durou cincohoras. Mas voltou a caminhar. "Não
faço a distância que fazia, porque entretanto passou-me a doer a anca.Mas as dores são mais controláveis."
O Para situações de osteoartrose
diagnosticadas de forma precoce háum tratamento recente que podeevitar a memorização da dor pelocérebro. Demora pouco mais de 15
minutos e é usado o próprio sanguedo doente. Melhor, uma parte do
sangue, mais precisamente o plas-ma que é constituído por plaquetas,o componente sanguíneo que rege-nera tecidos lesados, como uma fe-rida na pele. Quando aplicado nazona afetada pela osteoartrose
pode regenerar parte da cartilagem
A APLICA-ÇÃO DE
PLASMA NOLOCAL DAARTROSE
PODE FAVO-RECER A RE-GENERAÇÃO
DOS TECI-DOS E REDU-
ZIR A DOR
danificada. "É uma regeneração pe-quena, mas ajuda", avisa o aneste-
siologista Armando Barbosa, da Clí-nica Pain Care, em Lisboa.
O processo inicia-se com a colheitade sangue, que é de seguida centrifu-
OArmando Barbosa
"Os resultados são mais eficazesno processo inicial da artrose "
O anestesiologista efetua aplicações de
plasma autólogo, com fatores de cresci-
mento, em doentes com osteoartrose
gado para separar o plasma. "Os re-sultados são mais eficazes no pro-cesso inicial da artrose. Ocorre umaredução da inflamação que induz à
diminuição da dor." O tratamentodeve ser feito de forma regular parase obterem melhores resultados. "A
aplicação é mais recente nas disco-
patias da coluna vertebral, como as
hérnias. Mas são necessários maisestudos para avaliar a sua eficácia."
Na maior parte das vezes, a dorcrónica instala-se devido a diagnós-ticos muito tardios. "A questão é o
acesso às especialidades, nomeada-mente à reumatologia", acusa o reu-matologista, Luís Cunha Miranda. "É
escandaloso que, por exemplo, um
hospital central como o Amadora--Sintra não tenha a especialidade."Mas mesmo depois do diagnóstico,há doentes que não conseguem re-duzir a dor com a medicação pres-crita pelos especialistas e vêem as
suas queixas desvalorizadas. "O con-trolo da dor deve ser feito logo quesurge a doença, não se deve esperardois anos ou mais para ver se melho-ra, como acontece muitas vezes",alerta o anestesiologista José Caseiro,coordenador da Unidade da Dor do
Hospital Lusíadas de Lisboa.
Daniela Lima, de 45 anos, viu o lú-
pus, uma doença reumática e autoi-mune, evoluir durante um ano porter sido diagnosticada de forma erra-da com sífilis. Tinha 24 anos e rapi-damente deixou de andar devido àdor. "Era o meu marido que me davabanho e me vestia", recorda. As
doenças autoimunes provocam a
desregulação do sistema imunitário,
que em vez de proteger o organismode ameaças externas, ataca-o, dani-ficando órgãos e estruturas. O lúpus
provoca inflamação na pele, em ór-
gãos, como os rins, e nas articulaçõese tendões. Quando foi internada e fi-nalmente diagnosticada, tomou cor-tisona para tratar a doença e voltar aandar, mas as dores permaneceram.Nem conseguia pegar ao colo a filhade 2 anos. "Foram os avós maternos
que a criaram." Dois anos depois foi
reformada por invalidez.Os efeitos secundários da cortisona
provocaram-lhe problemas ósseos,
que agudizaram as dores. E, entre-tanto, foi-lhe diagnosticado osteopo-
cm Portugalsofrem de dorcrónica, segun-
do a Associa-
ção Portuguesapara o Estudo
da Dor
rose e artrite reumatolde, outra
doença reumática.Ávida melhorou quando, em 2014,
Danicla Lima iniciou a terapia bio-
tecnológica e o lúpus entrou em re
missão. Mas a dor não desapareceu."Fiz um transplante de rim em 2018
e só posso tomar paracetamol paraas dores. Não resulta", assegura. ]áfez pilates e, quando se sente melhor,faz hidroginãstica. Também faz me
ditação para aliviar o stress e reduzir
a dor. "Em 20 anos não sei o que é
um dia sem dor."
Sofia Rodrigues também sabe o queé viver com dor todos os dias, mas foi
diagnosticada com lúpus mais cedo e
consegue controlar a dor. "Tento abs-
trair-me e não ser negativa." Foi dia-
gnosticada com 18 anos, quando se
preparava para entrar no ensino su-
perior. As articulações das duas mãos
começaram a doer-lhe, de tal forma
que não conseguia escrever. "Pedia
aos colegas para me passarem os
apontamentos das aulas." O pediatrapensou tratar se de stress e indicou
um psiquiatra. Depois surgiram as
manchas na cara em forma de bor-boleta e o diagnóstico.
"A dor crónica está associada a per-turbações do sono e à depressão
"
O neurocirurgtão no Instituto Luso-Cuba-nos do Neurologia usa a estimulação
magnética transcaniana para ativa" par-tes go cérebro e assim reduzir a dor
Alguns doentessao obrigados a
reformar-se porinvalidez ainda
jovens. DaniclaLima recebe
apenas 288 eu-ros de subsídio
QUANDO ADOR É INSU-PORTÁVEL,PODE SER
COLOCADOUM NEU-
ROESTIMU-LADOR NAMEDULAESPINAL
Perdeu muitos meses de aulas do
curso de Jornalismo e Comunicação,na Universidade de Coimbra, pornão conseguir levantar-se da cama.A doença atacou o rim e teve de ini-ciar o tratamento com cortisona.
"Engordei muito, não conseguiadormir, estava sempre com fome."
Conseguiu o estatuto de aluno comnecessidades educativas especiais e,
apesar das dificuldades, conseguiuterminar a licenciatura. Mas umacrise impediu-a de concluir o mes-trado. É nestas alturas que toma an-ti-inflamatórios. Nos outros dias
procura controlar a dor mantendo--se ocupada. "Gosto de ir a jardins.O verde das árvores e a água dos la-
gos faz-me muito bem."
©A persistência torna os doentes
mais resistentes à dor. Mas em casos
em que a dor é insuportável pode sercolocado um neuroestimulador namedula espinal. "É um elétrodo, liga-do a uma pequena bateria, que pro-duz impulsos e que se pode pôr debaixo da pele ou na coluna", explicaa neurocirurgiã do Hospital da Luz,Carla Reizinho. Os médicos estabele-cem um programa que varia na in-tensidade, frequência e largura dos
impulsos elétricos e que é comanda-do pelo paciente para controlar a
dor. "Os mais recentes variam a esti-
mulação consoante o doente está
sentado ou em pé e já não é necessá-
rio mudar a bateria. Esta pode ser re-carregada encostando o carregador à
pele." O estímulo clétrico regula a
transmissão dos sinais entre os neurónios e inibe o sinal doloroso.
Quando a dor se prolonga por maisde seis meses, toma-se crónica e
deixa de ser um sintoma para se tor-nar numa doença que, em algunscasos, pode ser incurável. "A piorcaracterística da dor não é a intensi-
dade, mas a sua persistência. Sentirdor rodos os dias pode ser demoli-dor", salienta o anestesiologista |oséCaseiro, da Unidade da Dor do Hos-
pital Lusíadas de Lisboa. "Por isso,
a dor crónica está associada à de-
pressão c à ansiedade."Nestes casos, pode ser benéfico
estimular o cérebro com impulsos O
O elétricos, mas de forma não invasi-va. É isso que faz a estimulação mag-nética transcraniana, uma terapêuti-ca que implica a colocação de elétro-dos na cabeça. "A dor crónica está
associada a perturbações do sono e
à depressão e os campos magnéticosestimulam a área do cérebro que
processa as emoções", explica o neu-rocirurgião Hasse Ferreira, do Insti
tuto Luso Cubano de Neurologia,Os elétrodos, colocados na cabeça
nas áreas do cérebro que se pretendeestimular, emitem uma corrente elé
trica contínua baixa. "Sente se um
formigueiro inicial que desaparece",
explica ). F., de 39 anos, que já feztrês tratamentos após um acidentede viação que lhe causou lesões nos
maxilares, nariz e num olho e umadepressão. "Realizei o último trata-mento cm novembro do ano passa-do porque senti que precisava. São20 sessões, uma por dia, de 20 mi-nutos de duração. Agora sinto-memelhor." Mas os resultados variam
HÁ DOENTESQUE RESIS-TEM A TO-
MAR FÁRMA-COS, COMOOS OPIOIDES, COM
RECEIO DOSEFEITOS SE-CUNDÁRIOS
muito consoante as zonas do cérebroestimuladas e é necessário mais es
tudos para avaliar a sua eficácia. Foi
o que concluiu o estudo TranscranialDirect Current Stimulation as a The-
rapeutic Tool for Chronlc Pain. reali-zado pela Faculdade de Medicinada Universidade de Harvard e pu-blicado em 2018, que analisou um
conjunto de investigações na áreanos últimos cinco anos.
Os fármacos são o primeiro re-curso no tratamento da dor cróni-ca. Mas há doentes que resistem à
terapêutica devido aos seus efeitossecundários. "Atribui se um caráter
negativo aos fármacos quando são
para tratar a dor e os doentes nãoos querem tomar", diz o anestesio
OJosé Caseiro
"Atribui-se um caráter negativoaosfúrmucos quando são
pura tratar a dor"
O anestesiologista e coordenada da Uni-dade da Dor do Hospital Lusíadas consi-dera que os analgésicos mais fortes são
benéficos, quance bem prescritos
logista José Caseiro. "Mas os medicamentos para o coração tambémtêm efeitos secundários e ninguémdeixa de os tomar."
O receio centra-se nos opioides,compostos químicos psicoativos,
que reduzem a dor mas, em exces-so, podem causar dependência. Jo-sé Caseiro prescreve-os sem receio."Os analgésicos mais poderosos,como os opioides, quando prescri-tos de forma correta podem ser to-
mados uma vida inteira. Não é o
caso dos anti-inflamatórios que, emexcesso, podem causar ulceras gástricas e insuficiência renal."
São prescritos analgésicos, anti-convulsionantes, relaxantes mus-culares em doses e períodos detoma precisos para cada caso es-
pecífico. Mas a relação com o
doente é essencial. "Se precisaremde ajuda, não necessitam de espe-rar pela próxima consulta ou ir às
O CONTAC-TO DIRETO
COMODOENTE
PODE DARTRANQUILIDADE E SE-GURANÇA
E ATENUARA DOR
urgências: têm uma linha direta
para o serviço e podem falar coma enfermeira ou, se necessário,com o médico", explica José Casei-ro. "Isto proporciona tranquilidadee segurança ao doente." Ensinamainda a comparar a dor que sen-tem com aquela que sentiram paraos doentes se aperceberem das
melhorias efetivas. "As pessoascom dor fixam-se no que falta e
não no que ]ã passou." O
Fonte SÁBADO HS
O Cristina Carvalho recusou-se a to-mar opioidcs, como morfina, paracolmatar as dores. "Fui enfermeira,sei bem quais são os seus efeitos se-cundários", diz. E há muito que a dor
a acompanha. Recorda-se em crian-
ça de ficar tensa e contraída quandoestava frio e húmido e ter dificuldadeem sair da cama. "Era como se os os-sos e as articulações não tivessemflexibilidade." Também tinha dores
na boca porque fazia muitas aftas e.
na adolescência, surgiram as dores de
estômago e de intestino. Só em 2012
é que estes sintomas fizeram sentido- tinha síndrome de Sjõgrcn, umadoença reumática e autoimune quese manifesta por secura da boca eolhos. Mas no seu caso, a inflamação
provocada pelo sistema imunitárioalterado atingiu-lhe ainda as articula-
ções, o estômago e o intestino. Na al-tura, os médicos desvalorizaram."Aos 15 anos fui operada de urgência
porque o intestino estava inflamado,mas não foi apurada a causa."
Aos 30 anos surgiram as dores nacoluna, nas ancas e nos cotovelos. Amédica de família atribuía as queixas ao trabalho intenso da então en-fermeira do Instituto Português de
Oncologia de Lisboa. Mas em 2011 avida de Cristina Carvalho tornou-seintolerável. "Perdi capacidades: ti-nha dificuldade em estar em pé e
não conseguia cumprir horários."
Quando foi diagnosticada com sín-drome de Sjogren, receitaram-lhecortisona e um medicamento paratratar a malária, que ajuda a estabili-zar o sistema imunitário.
Mas o corpo de Cristina não reagiu.Entre 2012 e 2017 esteve praticamente quase sempre de baixa médi-ca. "Passei das 40 horas semanais
para as 8 horas num serviço maiscalmo. Mas subia dois degraus e ti-nha de me sentar." Em 2016, umaressonância magnética revelou des-
truição de várias articulações, atri-buído pelos médicos a artrite reuma-toide, outra doença autoimune. Umano depois desistiu e pediu a reforma
por invalidez. Foi-lhe declarada uma
incapacidade de 72%.
Entretanto, em maio de 2017 tam-bém recebeu terapia biotccnológi-
CRISTINACARVALHOCONSEGUIUVOLTAR AMOVIMEN-TAR-SE DE-POIS DE RE-
CEBER TERA-PIA BIOTEC-NOLÓGICA
ca, uma toma por via intravenosa."Em junho já conseguia andar. Alé
marquei um jantar com amigos no
meu aniversário." Os efeitos pro-longaram-se por ano e meio e re-petiu, com sucesso, o tratamentoem novembro do ano passado.
O A terapia biotecnológica também foi a tábua de salvamento de
Marina Correia, 44 anos, diagnosti-cada com artrite reumatoide, a
doença inflamatória que leva à des
truiçâo das articulações, quando ti-
nha 21. Quando já não conseguia le-vantar-se de uma cadeira, foi cha-mada a participar em ensaios clíni-cos. "A primeira vez que fiz o trata-mento, em 2000, pensei que estava
curada." Como reagia bem à terapiaparticipou nos ensaios de todas as
moléculas usadas para tratamentoda doença.
Faz o procedimento semanalmen-te, mas ainda sente dificuldade emlevantar-se da cama de manhã. "A
rigidez matinal é muito grande. Te-nho de me esforçar a levantar-mecom dores e, devagar, ir tomar umduche bem quente." As manhãs são
demoradas, por isso pediu à segura-dora onde trabalha para entrar maistarde, pelas 11 horas.
Quando planeou a primeira gravi-dez deixou de tomar o medicamen-to, mas ficou sem sintomas. "Du-rante a gravidez o nosso sistemaimunitário baixa a guarda e a doen-
ça estabiliza." Na segunda gravidez,a rigidez e a dor nas articulações só
surgiram depois de o filho deixarde mamar, aos 3 anos. "Voltei a fi-car mais doente em 2015, mas só
me tornei elegível para a terapiabiotecnológica em 2019."
A artrite reumatoide deformou-lhea mão direita e no início fez terapiaocupacional para aprender formas
adaptadas às suas limitações de
gestos, tão rotineiras como abriruma torneira ou uma lata. "Fazemosuma reeducação da mão, sem che-
gar à dor", explica Filomena Rocha,
terapeuta ocupacional especialistana mão. São usados dispositivos,
que tornam as canetas e os talheres,
por exemplo, mais grossos e permi-tem escrever e comer sem exercerforça na articulação. Também é
aconselhado o uso de roupas mais
largas que não obriguem à flexão da
articulação do braço.
O O pior que se pode fazer na dorcrónica é ficar parado. "Quando se
tem dor, contrai-se o músculo e au-mentam as contraturas musculares
que também causam dor", explica a
terapeuta Filomena Rocha.
Isso também se aplica nos doentescom osteoartrose. "O pior que fiz foinão fazer exercício físico", admiteAlice Lima, de 68 anos, com os-teoartrose nos dois Joelhos, Todasas semanas desloca-se ao Centrode Saúde de Paço de Arcos, no con-celho de Oeiras, para fazer alonga-mentos e exercícios moderados às
articulações. É uma das sete partici-pantes do Pleno - Programa de Edu-
cação c Exercício na Osteoartrose,desenvolvido por Margarida Espa-nha, professora da Faculdade deMotricidade Humana. "O objetivoé aprender a fazer exercício físico e
OFilomena Rocha
'Fazemos uma reeducação da mão,sem chegar à dor"
A terapeuta ocupacional, especialistana mão, ajuda os doentes com artrite
reumatoide a usar oojetos do dia
a dia sem forçar a articulação
OMargarida Espanha
"O objetivo ê aprender afazer exercicio físico e repeti-ln em casa"
A professora na faculdade de Motricida-de Humana, cm Lisboa, desenvolveu
um programa de exercício para reduzira dor na osteoartrose
repeti-lo em casa após o final do
programa", explica a responsável.Sentadas com os braços cruzados
no peito, as mulheres movimentamo tronco para a frente suavemente.Antes, falaram sobre a dor que cada
uma sente e foram incentivadas afazer um registo diário de manhã e
à noite, bem como do momento nodia em que foi mais intensa. "Serve
para identificarem a causa da dor emudar hábitos: se foi a ida ao super-mercado ou porque passaram horas
no sofá." Ali adquirem estratégias
para não sobrecarregar a articula-
ção, ganham maior flexibilidade e
massa muscular que irá protegera cartilagem desgastada. Também
aprendem sobre os medicamentos
que existem e como descrever os
seus sintomas aos médicos que as
seguem. Os exercícios prolongam--se por uma hora, duas vezes porsemana durante seis meses. O pro-grama tem ainda um componentecognitivo-comportamental. "Levam
para casa exercícios para fazer e
comprometem-se com o grupo."Isto gerou também amizades entreas mulheres, muitas delas deprimi-das por estarem isoladas em casa. O
NO CENTRODE SAÚDE
DE PAÇO DEARCOS ENSI-NAM SE OSDOENTESCOM OS
TEOARTRO-SE A FAZEREXERCÍCIO
PiscinaA hidroterapiaatenua a dor
porque a forçada flutuação re-duz a pressãointra-articular,
segundoum estudo daFaculdade deMotricidade
Humana
com dor cróni-ca têm dificul-dade em reali-
zar tarefas quo-tidianas e 69%sofrem de an-siedade e de-
pressão, segun-do o estudoChronic Pain
Care
74%dos doentes
O Para. além do sofrimento, os
doentes com dor crónica enfrentamainda a desconfiança de terceiros.Além de osteoartrose, Alice Lima so
fre também de uma deformaçãocongénita na coluna, que a impedede realizar tarefas domésticas. "Co
meçou aos 30 anos, tinha dores ardentes inexplicáveis nos pés, nas an
cas c nos braços." Na altura, o médi-co aconselhou-a a não fazer o míni-mo esforço. Não ligou. "Era (ovem,mas fui tendo crises de ciática." Ao
longo dos anos foi aprendendo da
pior maneira o que não podia fazere protegeu se, apesar das criticas.
"Só consigo estar de pé três minutos.Posso dançar a noite toda, porqueme sento ao fim de uma canção. Mas
OS AMIGOSDE ALICE
LIMA ACU-SAM NA DE
SER PREGUICOSA POR
NÃO FAZERTAREFAS
DOMÉSTICASnão consigo estar em pé a aspirar."Muitos não acreditam. "Amigos e
familiares acham que não faço porpreguiça. Já mo disseram."
É pior ainda quando não existemeio de diagnóstico concreto quejustifique a dor. Às vezes nem os
médicos acreditam. É o que acontecc com quem sofre de fibromialgia.Joana Vicente, de 30 anos, viveuessa experiência quando era adoles
cente. "Cheguei a estar numa cadei-ra de rodas nas urgências a chorarcom dores e mandaram-me paracasa", recorda. As dores no corpo,sobretudo nas pernas, começarampor ser diagnosticadas como gripe.Mas não desapareceram. Sentia-setão cansada que havia alturas quenão conseguia andar. Depois nãodormia bem à noite, o que desenca-deava enxaquecas que a obrigavama fechar-se no quarto às escuras.
Tomava analgésicos e anti-infla-matórios para não faltar à escola,mas era difícil concentrar-se nas au-las. Durante um ano procurou per-ceber o que se passava. "Fui a con-
Em investigaçãoAs farmacêuticas estão ainvestir em novos fármacos
Cientistas britânicos reduzi-ram a dor de doentes com ócu-
los de realidade virtual queemitiam vídeos do Ártico. A tec-
nologia distrai e parece interfe-rir no processamento da dor.
Há farmacêuticas a tentaicontrolar com compostos quí-micos a proteína Nav 1.7, locali-zada nos neurónios que sen-tem as lesões e permite queo sina: da dor chegue até à me-dula. Ainda sem êxito.
A Universidade do Colora-do, EUA, testou cm caes um fár-
maco que, injetado no líquido da
espinha dorsal, instrui as célu-
las da glia a aumentar a produ-ção de uma substância anthnfiamatóna, que reduz a dor.
Sabe-se que a cenábis temum efeito positivo na reduçãoda dor, mas ainda não háevidência científica suficiente
para que seja indicada comoprimeira linha de tratamentoda dor.
DepressãoA serotonina e
a noradrenalinasão compostosquímicos impli-cados tanto na
depressãocomo na dor.Por isso, po-
dem ser pres-critos antide-
pressivos
JOANAVICENTE )AFEZ HIDRO-
TERAPIA.REIKI E TE-RAPIA DEBOWEN.
TUDO PARAALIVIARAS
DORES
sultas de ortopedia, medicina inter-na, endocrinologia e mais. Fiz vários
exames, estava tudo normal", contaà SÁBADO. 0 próprio pai desconfioudos sintomas. "Disse-me que eu era
preguiçosa e não queria era estudar.Foi traumático."
A fibromialgia é uma doença reu-mática crónica caracterizada pordores neuromusculares, causada
por uma desregulação de substân-cias do sistema nervoso central
que intensifica os sinais dolorosos.Mas as causas exatas são aindadesconhecidas.
Durante anos, Joana Vicente não
conseguiu escapar à dor e à fadigaextrema c a sua vida parou. Tentouobter o estatuto de aluno com neces-sidades especiais para poder estudar
em casa e ter mais tempo para os
exames, mas a escola recusou. Mu-dou de estabelecimento de ensino
para o conseguir, mas a medicação
para a fibromialgia impedia-a de ter
rendimento. 'Tomava mais de 20
comprimidos por dia entre analgésicos, antidepressivos, para a tensãoarterial e para dormir. Não conseguiamanter uma conversa, sentia-me tão
drogada", conta. Só conseguiu termi-nar o ensino secundário aos 26 anos.
Ainda tentou tirar o curso de Psicolo
gia, mas teve de desistir.
Decidiu parar a medicação e, com
supervisão médica, tentou outras te-rapêuticas. Experimentou hidrotera-
pia, na qual se realizam exercícios
de fisioterapia em piscina aquecida,reiki, uma terapêutica alternativacentrada na alegada transferênciade energia através das mãos, e tera-
pia de Bowen, um tipo de massagemsuave. Agora toma apenas três com-
primidos por dia. Também toma
precauções para não agravar a
doença. "Uso protetor solar no inverno e no verão e, se for à praia, não
posso estar exposta ao sol, porqueeste estimula o sistema imunitário e
pode originar crises." E tem cuidado
com a alimentação, evitando produ-tos com muito teor de sal e de açúcar
para evitar doenças como a diabetes
e o excesso de peso, que poderão
agravar a dor nas articulações. "Nãohá uma terapêutica que seja eficaz
para tudo. Temos de aprender a gerira doença", conclui. O