05- História de um Homem - Pietro Ubaldi (Revisado e Formatado para impressão e encadernação em folha A4)

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    HISTRIA DE UM HOMEM

    PREFCIO ......................................................... ................................................................. ........................................ 1I. DO SEU DIRIO .................................................................................................................................................... 5II. O PROTAGONISTA E O AMBIENTE ............................................................ ................................................... 6III. O SIGNIFICADO E O MTODO DA VIDA ............................................................ ........................................ 8

    IV. NASCE UM HOMEM E UM DESTINO.......................................................................................................... 10V. A PROCURA DE SI MESMO ............................................................................................................................ 12VI. PRIMEIRAS ESCOLAS E PRIMEIROS PROBLEMAS .......................................................... ................... 15VII. ESTUDOS UNIVERSITRIOS E EXPLORAES INTERIORES.......................................................... 17VIII. OS TRS CAMINHOS DA VIDA ................................................................ ................................................. 19IX. A DOR NA LGICA DO DESTINO ............................................................... ................................................. 21X. O PROBLEMA DA RIQUEZA, DO TRABALHO E DO EVANGELHO ..................................................... 23XI. POBREZA E TRABALHO ............................................................................................................................... 25XII. ATRIBULAES ............................................................ .............................................................. ................... 27XIII. A DIVINA PROVIDNCIA ............................................................... ............................................................ 28XIV. AFIRMAES ESPIRITUAIS .......................................................... ............................................................ 31XV. SOFRIMENTOS E VISES ............................................................................................................................ 33XVI. OS ASSALTOS ................................................................................................................................................ 37XVII. OS CAMINHOS DO MUNDO .......................................................... ............................................................ 38XVIII CONDENADO ............................................................................................................................................... 41XIX. NO INFERNO TERRESTRE ............................................................. ............................................................ 43XX. REVOLTA ......................................................................................................................................................... 45XXI. A TRAIO DE JUDAS ................................................................................................................................ 48XXII. MENTIRAS E JUSTIFICAES ............................................................... ................................................. 50XXIII. O EVANGELHO E O MUNDO .......................................................................................................... ........ 53XXIV. A LUTA PELO IDEAL ................................................................................................................................ 55XXV. RESSURREIO .......................................................................................................................................... 57XXVI. AMA O TEU PRXIMO ................................................................. ............................................................ 60XXVII. ASCENES HUMANAS ............................................................. ............................................................ 63XXVIII. LTIMOS ACORDES ........................................................ .............................................................. ........ 65XXIX. ADEUS IRM DOR ................................................................................................................................. 67XXX. CHEGADA DA IRM MORTE ....................................................... ............................................................ 70

    Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse)....................................................................................pgina de fundo

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    Pietro Ubaldi HISTRIA DE UM HOMEM 1

    HISTRIA DE UM HOMEMA meu filho, morto pela ptria.

    O progresso das comunidades depende do sucesso de rar s-simos sbios, que se esquivam ao contgio da mentalidadecomum.

    JOSEPH JASTROW

    PREFCIO

    Quantos lerem este volume, crendo encontrar nele o mes-mo Ubaldi dos seus livros anteriores, ficaro desiludidos. Acada novo livro ele transforma e renova a sua personalidade.Cada um dos seus volumes um documentrio daquilo que foi,real e espiritualmente, uma fase de sua vida. Intil, portanto,procurar-se nestas pginas as mesmas proposies e atitudesdos seus trabalhos precedentes. necessrio desde logo esteesclarecimento, para que o leitor no seja enganado e porqueos mal-entendidos so detestveis. Nada existe aqui de mediu-nidade, biosofia, espiritualismo e semelhantes. A personalida-de do autor, que nunca fez parte de nenhum grupo nem se li-gou a qualquer escola, permanecendo sempre livre e indepen-dente no seu desenvolvimento, atinge agora, completamenterenovada, outras afirmaes. horrvel repetir-se, permanecer-se estagnado em determinado campo. Somente quem se reno-va, vive. A constante especializao no particular poder sermaterialmente til, mas paralisia do esprito.

    A precedente tetralogia, em que o autor, partindo da matriae chegando ao esprito, percorre o caminho que vai da Terra aoCu, tetralogia representada pelas Mensagens Espirituais1, AGrande Sntese, As Nores eAscese Mstica, um edifcio com-pleto, uma fase superada, um perodo encerrado. Ocorreu de-pois, no esprito do autor, uma crise terrvel, necessria parauma renovao, um completamento e uma continuao, coisas

    que, sem tormentas e crises, no podem acontecer. Aqui, Ubaldireaparece, depois de um silncio em que passou pelos dolorosossofrimentos que esperam os que seguem os caminhos do ideal.Antes, ele era um terico e sonhador, podia dizer-se. Mas, agora,ele j bateu a cabea na realidade da vida humana e no o mais. O golpe foi duro para ele e destruiu aquela f ingnua esimples que lhe fazia dizer tudo com franqueza, sem a astciadas prevenes humanas. Avalie-se, pois, este livro tambm poraquilo que o autor teria podido dizer, mas que preferiu calar.Desencadeou-se naquela alma, partindo do homem, uma grandetempestade, que terminou ante a face de Deus. Ele no se lamen-ta de tudo isso, pois sabe que vislumbrou uma novidade impor-tante, embora atravs da amarga experincia, sabe que aprendeu

    a conhecer o homem, porque fez uma nova e grande descoberta,ou seja, que as conquistas espirituais, como a matria e a vida,so indestrutveis e que as incompreenses, os obstculos e ossofrimentos refinam e purificam o esprito, ao invs de abat-lo.Est satisfeito porque, com o seu ideal, atravessou um perodode morte, ressurgindo mais forte do que antes, e a sua f renas-ceu ainda mais profunda, mais consciente, mais slida. Ele ofe-rece as pginas escritas com o sangue do seu tormento ao mundoctico e sbio, que sabe o que faz porque conhece a vida e nose importa, rindo dessas paixes e afirmaes ideais. Mas eleconhece, por sua vez, as leis que regem esses fenmenos e sabeque o riso, a incompreenso que lhe volta as costas, a indiferen-a e a desaprovao, que no de uma classe social, mas a ex-

    presso do homem comum de hoje, devem naturalmente estar navida de quantos seguem o caminho da redeno humana, indi-cado por Cristo. Sonhos de grandeza, vitalidade expansiva,conquista vitoriosa e, ainda, potncia de gnio e de domnio so-

    1 Ou Grandes Mensagens (N. do T.)

    bre a natureza, todas estas grandes a admirveis coisas no po-dem suprimir aquela lei do sacrifcio individual, que pertence,ela tambm, vida, e que o homem de hoje, perseguindo os ide-ais abraados, teria de fato muita vontade de esquecer. crime,porm, trair o ideal, qualquer que ele seja, quando por ele tantosmrtires se sacrificaram. Chamado trgico e desesperado, masquem sabe compreender; chamado feito numa hora histrica esolene, pleno de sua fora e do seu desejo de dar a quem sofre fe esperana em coisas sempre mais altas.

    Este volume no autobiogrfico. Traduz, entretanto, as

    experincias do autor e reflete estados de esprito reais, por elerealmente sentidos ou, pelo menos, idealmente vividos. Comosempre, atrs de cada palavra h uma real vibrao de vida es-piritual, um verdadeiro tormento de paixes, h freqentementeuma experincia vivida, uma prova enfrentada e superada, umador suportada, talvez ainda um caminho percorrido, um poucodo trgico e doloroso caminho da vida seriamente vivida.

    No obstante esta renovao, os princpios dos volumes pre-cedentes no so aqui negados. Ao contrrio, eles so revigora-dos, porque, desenvolvendo-se agora sob outra viso e com dife-rente estado de esprito, ou seja, com ceticismo demolidor, res-surgem mais belos e mais fortes, com uma f menos ingnua,com menor simplismo, com um senso mais trgico, de angustia-da humanidade. Dessa maneira, o leitor reencontrar nestas p-ginas a personalidade de Ubaldi, mais completa, amadurecidaatravs de novas experincias, levada a uma nova fase que, se a continuao lgica das precedentes, assemelha-se s vezes aoreverso, to violentos foram os golpes e a desordenada tormentaque a envolveu. Aqui, o autor se debrua sobre o abismo infer-nal da vida estpida do mundo que ele descobre. Por um mo-mento, as nuseas o sufocam e o terror o paralisa, mas as forasdo esprito so poderosas, e o equilbrio, por fim, se restabelece.A concepo evanglica, que parecia vacilar, resplandece de no-vo, mais luminosa do que antes, consolidando-se nas provas su-peradas e agora j definitivamente triunfante.

    O tipo de leitor a que estas pginas se dirigem diferente, eos mesmos princpios so apreciados aqui de outro ponto de vis-ta, de maneira a desconcertar, talvez, o observador superficial,ainda apegado s perspectivas anteriores. Este pretende ser umlivro forte, de colorido humano, marcado por violentos contras-tes, um livro real e atual, no mais olimpicamente pensado na pazdo cu, comoA Grande Sntese, mas tragicamente vivido nas lu-tas da Terra. A mesma verdade aqui diversamente observada.Aquele um livro de clara viso da verdade, contemplada na pazserena de um ser tranqilamente situado fora das competiesterrenas. Este , pelo contrrio, um livro escrito por quem vive naTerra, imerso na sua psicologia, fazendo prpria a alma infernaldo mundo, por quem viveu as suas dores e, lutando e sangrando,

    as descreve. natural que a mesma realidade da vida no obser-vada na paz das alturas, mas na luta e no tormento da Terra, eexpressa s vezes com a psicologia do mundo, vista assim de umngulo diverso, oferea-nos diferente quadro. Mas, desta vez, eranecessrio descer ao mundo das realidades humanas e falar tam-bm a outra categoria de pessoas, quelas que vivem plenamentea vida; era necessrio falar com a sua prpria linguagem e segun-do a sua maneira de pensar, mesmo a quantos haviam at agorasorrido e dado de ombros, como se faz ante a ingnua e imprati-cvel utopia de um idealista sonhador. Era necessrio falar, destavez, no somente aos eleitos, capazes de intuir e de crer, j ama-durecidos, videntes, sensveis s provas da razo, s exploses dosentimento, ao fascnio do belo e do bem, j encaminhados e vi-

    dos de maiores ascenses espirituais. Era necessrio, agora, falartambm aos cegos e surdos, colocando-se no seu prprio nvel,para se fazer compreender; falar aos insensveis, ligados mat-ria como a sua nica forma de vida, aos involudos, aos inertes,aos rebeldes, aos negadores sem f e sem esperana. E, para sefazer compreender, era necessrio tornar-se um deles, fazer pr-

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    pria a sua cegueira, a sua revolta, a sua cruz. Esta nova voz nopodia mais descer do cu, lmpida e melodiosa, mas devia, peno-samente, sair do inferno, spera e fatigada, no mais de anjo, esim de condenado. Quando o homem do mundo ouvir esta lin-guagem, mais facilmente abrir ouvidos e compreender. Quan-do, desta vez, ouvir falar algum que mostra conhecer a realidadeda vida, com todas as suas mentiras, maldades e traies, elemais facilmente se persuadir, e no lhe ser mais to fcil sorrircom ceticismo, acusando de ingnua e incongruente utopia o ide-alista sonhador. De resto, natural que assim apaream, na Terra,as coisas vistas do cu. necessrio, ento, v-las na prpria Ter-ra. Questo de perspectiva. E, por fim, tudo se mostra mais realdo que antes. Os mesmos princpios, antes s terica e racional-mente afirmados, atingem aqui diferente potncia, quando, ao in-vs de descer do cu, emergem ensanguentados do inferno terres-tre. E uma verdade que resiste a esta prova humana de lama e desangue, adquire a fora que antes no tinha, ao menos sobre aTerra, e pode ento proclamar-se mais alta, pois tambm aqui,experimentalmente, provou a sua realidade.

    Nesta nova posio, o autor espera ter encontrado outra ma-neira de fazer o bem. E nisto consiste a continuao, o comple-tamento do seu passado, o seu progresso. Talvez fosse necess-rio um livro de verdadeira experincia espiritual, como especialreao a certos romances estrangeiros, livros de inconscientes,feitos para demolir aquilo que de mais elevado o homem pos-sui, conquistado custa do sacrifcio dos mrtires e da runa detantas vidas; feitos para enfear-nos e envenenar-nos a existn-cia, roubando-nos a f no bem e a esperana no futuro; livros,enfim, desapiedadamente demolidores e sutilmente malficos,que o povo avidamente devora. Quem, como esses livros, tudonega, mutila e mata primeiramente a si mesmo. Esta histriade um homem, pelo contrrio, a cada passo diz: Sim! E quemafirma, constri, cria, reencontra a vida que a negao lhe rou-ba. A criao uma afirmao. Deus o Sim; Satans, o No.

    Desta vez, o autor fala a um mundo de estridores infernais e

    deve usar uma linguagem de contrastes e de tormenta, de luta ede revolta. Estamos, agora, no mais no cu, mas verdadeiramen-te na Terra, na dura realidade da vida, numa atmosfera baixa etenebrosa, que a luz custa a rasgar, e onde os seres lutam e so-frem. Uma guerra de todos contra todos impera sem trguas, im-pedindo a serenidade da contemplao superior. Toda energia es-t empenhada nas rivalidades humanas, na necessidade se sobre-por-se. Tentar evadir-se intil. Em tal mundo, o cu, lugar deventura, no pode parecer seno uma utopia. Todos, mais cedoou mais tarde, fazem esta dura experincia. O autor, tambm, de-via e quis faz-la, mas no para se sepultar com ela, e sim pararessuscitar ao final, indicando a todos as vias da ressurreio. Omal no aqui invocado para demolir, mas para construir, com a

    finalidade do bem. Este livro foi escrito numa pausa arrancada aessa incessante tenso infernal, numa trgua brevssima, roubada inquietante necessidade do trabalho e da luta pela vida. O pr-prio autor sofreu a dura lei de todos, a vida humana imersa namatria, o esprito invadido pelas suas impiedosas necessidades.A experincia e a superao que ele nos descreve so as que omundo tambm, seja embora por mil maneiras diversas, deverrealizar. O relato tem, portanto, significado e interesse universais,pois, no seu caso particular, vemos agirem as leis universais davida, que guiam a todos. Trata-se, nestas pginas, de um cu vis-to pelos olhos crticos e positivos do homem que sabe o que aluta da vida e conhece a dor, visto com a mentalidade objetiva dacincia e do bom senso, atravs do critrio prtico e realista, co-

    mo realidade do amanh, em que se conciliam o conceito cient-fico da evoluo biolgica e o conceito religioso da redenocrist, um Cu, enfim, que a prpria razo nos indica como o l-gico e necessrio porvir da humanidade.

    Embora no sendo autobiogrfico, este livro foi, entretanto,realmente lutado e sofrido. Foi escrito, de fato, em quarenta di-

    as, como uma exploso. Qui a vida real se apresente, s ve-zes, mais trgica e desapiedada do que esta imaginada pelo au-tor, e a certos indivduos negue tambm a consolao dos lti-mos anos, que, na sua grande f na vitria final de quem lutapor uma idia, o autor no pode deixar de conced-la ao seuprotagonista. Mas o princpio no abalado, e a tese no resultamenos vlida por isso. Talvez no haja tempo, no presente vo-lume, para se demonstrar tudo aos cticos. H neste livro mui-tas teorias. Sua principal demonstrao ser dada pelo fato deque elas foram vividas e aplicadas, concluindo na prpria vida.Essa demonstrao saltar sempre, igualmente evidente, da lo-gicidade do desenvolvimento do conjunto, da ardente f revela-da pelo autor, da objetividade com que a experimentao conduzida na histria aqui narrada e, por fim, da excelncia dasconcluses. Este um livro escrito numa hora de espasmomundial. verdade que so excelentes e santas as teorias pre-gadas, talvez mesmo com f e convico, no campo religioso ecivil. Mas este livro no se firma em teorias. Quer, pelo contr-rio, ter a coragem de olhar no seu ntimo a realidade biolgica,aquilo que de fato o homem , e no aquilo que acredita ser oudesejaria ser, ou s excepcionalmente o . No verdade, por-ventura, que estamos numa poca construtiva e de grandes au-dcias? Pois bem, ento necessrio termos esta grande cora-gem de olhar tudo face a face, sem nos iludirmos e sem mentir.

    A hora presente, mesmo a despeito de todos os mopes e detodos os fracos que a maldizem, ampla e vigorosa, exigindo-nos largueza de viso e a coragem dos fortes. Esta no a horada tranqila e prazenteira psicologia mozartiana, do anjo que fa-la aos felizes, que so pouqussimos; no a hora dos docesequilbrios da beleza, mas a hora da humana, trgica e potentepsicologia beethoveniana, feita de luta e de tormenta, de fadiga ede dor, que fala aos sedentos de felicidade, que so em maiornmero. a hora dos impetuosos e fortes sentimentos da cria-o. Este o estilo do presente livro, dado pelo esprito de nossotempo, que essencialmente beethoveniano; no rossiniano, mas

    wagneriano; no rafalico, mas miguelangesco; no aristico,mas dantesco; no barroco, mas revolucionrio, napolenico,ferreamente retilneo, novecentista. Tantos, como formiguinhaspresas terra, no vem seno as pequenas coisas vizinhas e, as-sim, se perdem em consideraes de somenos, sem imaginar ogigantesco quadro de conjunto, que torna apocalptica a horapresente. Tantos no sabem, como tantos no sabiam, s vspe-ras da Revoluo Francesa, o que hoje se prepara, e, quando selhes explica, eles no compreendem. Mas quem o sabe, treme,exulta, vive de febre e tambm de esperana. Este livro umgrito lanado, sobretudo, aos psteros e aos que hoje os anteci-pam, o grito de f do novo homem, que espera para poder vi-ver a nova civilizao do Terceiro Milnio, no mais a passada

    civilizao da fora, nem a hodierna civilizao do dinheiro,mas a do esprito. Desta era e sobretudo para ela fala o nosso au-tor, sabendo que s ento poder ser plenamente compreendido.Fala hoje para preparar por enquanto os espritos, para apontarproblemas e solues, para dar a sua contribuio maturaodo homem novo da nova civilizao. Se o autor fala alto e sole-ne, porque sente que nos encontramos, realmente, numa gran-de curva biolgica, em que o homem primitivo, ignaro e feroz,est para sair da sua menoridade e se prepara para novas formasde vida, nas quais, cansado de ser uma inconsciente marionete,guiada por uns poucos instintos, viver na lgica, na potncia di-retora, na conscincia, liberdade, bondade e justia do esprito.

    Este um livro de reao ao mundo atual, ao homem que se

    fez inerte, egosta, falso e bestial, no seio da chamada modernacivilizao, e o seu escopo torn-lo melhor, dando-lhe nova-mente, em primeiro lugar, luz, f e esperana, dando-lhe umadireo ao desencadeamento das foras primordiais. Reao quepode ser talvez brutal, mas a linguagem enrgica pode ser umbem, quando o esprito no escuta mais, habituado as frmulas

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    Pietro Ubaldi HISTRIA DE UM HOMEM 3

    rotineiras de advertncia. Por detrs dessa forma, a substncia evanglica. E o mundo, ao chegar ao fundo da sua atual e trgicaexperincia, ter certamente fome dessa substncia e procurarreencontrar as coisas do esprito, sobrepondo-se sordcie damatria, venerada hoje em particular, e de fato at idolatria.Pobreza e dor sero salutares, por despertarem as almas, e estelivro as prepara, pois nele, mesmo das profundezas do inferno, sempre o cu que se olha. Nele sempre seguido, seja emborapor vias diversas das precedentes, o mesmo objetivo evanglico,que a meta constante e jamais desmentida do autor.

    Se neste livro se fala com energia e se enfrenta corajosamentea realidade humana tal qual , e no como ser ou dever ser, afranqueza no usada somente para condenar, mas tambm paracompreender e para ajudar. Por detrs de uma forma spera esto cumprimento de uma misso de bem. Nele est compreendida atrgica paixo do homem que sofre para se libertar, subir, redi-mir-se da animalidade. O autor a sente e a vive, porque tambmseu aquele afadigado anseio pelo ideal e a humana impotnciapara atingi-lo em cheio. Para convencer e impulsionar em direo sada, ele se apega s verdades biolgicas, que no so questesreligiosas, de filosofia, de classes sociais ou de opinies particu-lares e, portanto, motivos de discrdia, mas verdades aceitas portodos, porque todos as aplicam, no importa se acreditem ou no,se as professem ou no, e no-las atiram ao rosto com a energia dadesesperao, pois a crise do mundo de fato desesperada. Paradespertar e convencer, ele se apega tambm a estas verdadesmais compreensveis, porque tangveis e prximas, que todos tmao alcance da mo, encontrando-as a cada passo, na realidade davida. Nenhuma via despreza para chegar ao seu escopo, que obem. Se por momentos, com spera linguagem, desnuda a huma-na baixeza, logo mais afronta e racionalmente resolve os proble-mas. Com o senso do amor e de uma compreenso profundamen-te humana, aproxima-se fraternalmente do homem, para esten-der-lhe a mo e ombrear-se com ele, sob a mesma cruz e sobre omesmo caminho das ascenses humanas.

    Aqui se trata do esprito. bom esclarecermos logo, paraevitar mal entendidos. Aqui o esprito no concebido no sen-tido materialista, como o por alguns, em determinada msticamoderna. O esprito, para o autor, no um rgo ou uma fun-o da vida animal, posto a servio desta, somente para que elatriunfe nas lutas da existncia terrena. O esprito, para ele, qualquer coisa de muito maior, qualquer coisa que pertence,alm dos limites da vida humana, ao absoluto e eternidade. verdade que o materialismo hoje se requintou a ponto de alcan-ar o campo do esprito. No mais, a no ser para alguns re-tardatrios, o materialismo grosseiro e negativista de cinqentaanos atrs. Mas a sua substncia e os seus resultados podem ser

    os mesmos. A colocao materialista dos problemas do espritono pode ser aceita pelo autor, que sabe muito bem da existn-cia de todo um outro mundo, alm do mundo terreno. Ele o co-nhece to bem, que faz viver nesse mundo o seu protagonista,do princpio ao fim, e no-lo mostra to vivo e operante, queserve de exemplo e de aviso aos que o conheceram e esquece-ram, e de demonstrao aos que o ignoram. Entendamo-nos lo-go. No o esprito o servo da vida terrena e humana, mas esta o meio de que se serve a vida do esprito, que tem outros ob-

    jetivos e outros limites. Este livro o demonstra bem claramente.O esprito qualquer coisa que supera todas as humanas afir-maes utilitrias, e a moral do autor no admite que ele sejareduzido a simples instrumento de conquistas materiais.

    Tudo isso no impediu o autor de compreender o sentido daatual hora histrica e admirar o seu titnico esforo construtivo,que ele sempre sustentou e secundou. Ele quer somente manter-se no equilbrio da verdade universal de todos os tempos, nodesejando limitar-se a um dado ponto de vista, como necess-rio para quem se v arrastado pela fora das circunstncias, em

    todo momento ou situao histrica. E a ao das circunstncias hoje de tal maneira titnica e urgente, que mobiliza tudo, in-clusive o esprito, absorvendo-o em si mesma. Mas o autor nopode olvidar os objetivos distantes e se dirige tambm s gera-es futuras, que, colocadas em condies diversas, por certopensaro diversamente e de outras afirmaes necessitaro. Eleno pode seno completar e antecipar com uma viso que smassas de hoje poder parecer utopia. E aqui est esboado umideal que, hoje, no atual para a maioria, mas talvez o sejaamanh. Entre a concepo que este livro oferece e os tempospresentes no h antagonismo; trata-se apenas de uma posiodiversa no caminho da evoluo. O autor compreende muitobem e admira o esforo dos povos para se organizarem em no-vas ordens sociais, o esforo da cincia para descobrir os segre-dos da natureza, o esforo coletivo do trabalho para domin-la eutiliz-la. Mas roga que se compreenda tambm o esforo dohomem isolado que conquista outro tanto, perigosa e utilmente,pelas vias do esprito. Estas sero hoje, talvez, vias de exceomuito complexas para que a cincia as compreenda e o homemcomum as siga, mas, justamente por isso, tornam-se mais inte-ressantes, pois representam um tipo determinado entre os tantoscaminhos do porvir. Quase sempre o futuro utopia somenteenquanto no se torna presente, e aqui antecipada uma faseque, se hoje pode parecer absurda, amanh poder ser normal.Devemos bem compreender que o autor no destri ou condena,mas apenas previne. A sua atitude no , pois, uma evaso domundo humano, que no seu plano ele deve aceitar, mas umcomplemento do mesmo, com vises mais vastas e longnquas.

    Ele mostra-se, assim, de pleno acordo com a hora presente.Ningum mais do que ele respeita os sacrossantos direitos e tra-balhos do homem sobre a Terra. Mas ele no pode deixar deolhar mais longe e mais alto, de lembrar que h, antes de tudo,outro mundo no cu, que a meta da caminhada neste. Ele nopode, portanto, limitar-se a conceber o esprito como instrumen-to exclusivo da luta terrena, escravizado aos fins da matria, mas

    tem necessidade de lhe traar neste livro os objetivos maiores,que se encontram alm da Terra e da vida terrena. Este comple-mento necessrio e til. Acreditamos ainda que as perspectivasde certas audaciosas e inusitadas superaes, a narrao de cer-tas experincias fora do comum, possam ajudar os espritos, sejapor lhes mostrar a afinidade entre as metas prximas e aquelasmais altas e distantes do porvirque o homem um dia, mais ci-vilizado, dever chegar a compreender e comear a viver sejaporque tudo isso d um senso profundo de orientao vida e,sobre ela, projeta um til e fecundo princpio de ordem, umaconfortante esperana, uma luz que satisfaz e guia a razo, rumoa realizaes sempre mais nobres e boas. A viso daquilo que moralmente mais elevado sempre uma lio de sabedoria e,

    portanto, s pode ser benfica. No poder jamais prejudicar aalgum o relato de uma experincia de vida em que o motivo fe-roz e desapiedado da luta brutal se eleva ao motivo do amorevanglico, o sentido da existncia elevado a plano mais alto, ea ascenso nos rumos do bem individual e coletivo proclamadaatravs do exemplo experimentalmente efetuado.

    Neste livro, o autor no renega a realidade humana. Demons-tra, antes, t-la compreendido e vivido e nem sempre a condena,mas sabe tambm compreend-la e compadecer-se dela, a ela sevoltando para auxili-la, segundo o evanglico ama o teu pr-ximo. Mas no pode deixar de lhe fazer brilhar frente as su-premas finalidades do esprito, que so a chave da redeno. Elese mantm em posio de equilbrio. De um lado, aceita a mo-

    derna concepo biolgica do esprito ( A Grande Sntese) e fazdeste no uma unidade abstrata, isolada, estranha vida, masfundida na realidade humana e na unidade orgnica do todo, sen-tindo a fecunda colaborao entre esprito e matria. De outro,ressalva, entretanto, a finalidade superior daquela fuso e colabo-rao, finalidade que se encontra no esprito, inteiramente acima

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    das menores e contingentes finalidades relativas, filhas do mo-mento e situadas no plano da matria. Este seu livro justamenteuma equilibrada chamada s finalidades ltimas no campo dasfinalidades prximas, compensando assim as concepes unilate-rais, que tudo procuram reduzir ao ponto de vista humano, emfuno da utilidade da vida terrena e transitria e em detrimento esufocamento do ponto de vista super-humano, divino e eterno.

    O mundo atual aspira a dominar, e isso justo no seu plano.Mas, para dominar, precisa tornar-se melhor e, para tornar-semelhor, no lhe basta a simples concepo utilitria do esprito. necessria uma concepo mais vasta e orgnica, que supereos limites deste simples rendimento prtico e imediato sobre oplano humano e terreno. Para vencer na vida, para ter um obje-tivo, uma razo e o direito de vencer, e dar um sentido vitria, necessrio que veja tambm as metas distantes e super-humanas do esprito. Estas no podero tornar-se suscetveis deaplicao imediata, porque o mundo est ainda atrasado. Massomente elas podem dar-lhe uma orientao segura. A concep-o puramente utilitria permanece egoisticamente isolada nofuncionamento orgnico do universo. E, no caminho da evolu-o, como um instrumento quebrado ou um rgo mutilado,ante a viso das grandes linhas e das metas longnquas.

    Por isso, no presente trabalho, mesmo que o protagonista nemsempre seja vitorioso, apresenta-nos o modelo ideal de um ho-mem que busca, num trgico esforo, elevar-se, em clara oposioao tipo normal, com bem diversas qualidades, estaticamente liga-do Terra e desejoso, por si mesmo, somente por fora do nme-ro, de torna-se o modelo da vida. A este tipo biolgico, hoje nor-mal, o autor ope e indica um novo tipo de homem, que luta de-sesperadamente para se tornar superior e melhor, projetando-se in-teiro na direo do futuro. As leis da seleo, j agora atuando noplano psquico, parecem tender justamente para a formao e anormalizao daquele tipo, hoje de exceo. A moderna descober-ta cientfica da energia e o seu domnio, conduzindo o mundo dafase esttica da matria fase dinmica do movimento, introduz o

    homem, desde agora, no limiar daquela nova civilizao do espri-to, de que o irrequieto dinamismo do tipo 900 j um primeiro,embora elementar, degrau. Este tipo de homem novo hoje umaconcepo biolgica aristocrtica e individualista, que, entretanto,no se encontra em antagonismo com as hodiernas concepessocialistas, niveladoras e coletivas, porque justamente ao serviodos demais que o protagonista coloca as suas qualidades e con-quistas. Este livro um desafio ao mundo, mas a favor do mundo,a quem mostra um tipo ideal, ante o qual o melhor que se pode fa-zer voltar-se para ele, e que, se pode ser melhor, faz com issoperdovel a sua superioridade. Ele, se rico em bondade, em te-nacidade, em esprito de altrusmo e sacrifcio, demonstra e utilizaessas qualidades no egoisticamente para si, mas no que elas re-

    presentam de alto valor coletivo, no que elas tm de necessrio formao de mais compactas unidades sociais.Isso poder provocar as fceis acusaes de orgulho. Mas o

    protagonista nos mostra, nestas pginas, o trabalho antes dotriunfo, o martrio antes do sucesso. E este se expande no cu,longe da Terra, da qual, dessa maneira, no prejudica nem per-turba os interesses. Nesta obra se demonstra como o primeiroatributo de toda superioridade so os seus correspondentes deve-res, como tudo conquistado e merecido, o quanto so severas e

    justas as leis do progresso, quo grandes compensaes coroamesses esforos de superao, e que coisa profunda, sria e grande, ainda no caso mais doloroso, a vida. Tudo isso altamentemoral. Este livro quer ser para todos um estmulo no caminho da

    superao. Seja para os menos elevados, aos quais se dirige,assumindo quase sempre a sua forma psicolgica, seja para osmais avanados, atravs de sua substncia e das suas conclusesevanglicas, aos quais deseja guiar como aos primeiros. O livroest, nesse sentido, sobre as linhas da evoluo, constituindouma fora que age segundo as mais poderosas correntes da vida.

    Talvez seja ele uma expresso instintiva e inconsciente, mani-festada atravs da sensibilidade do autor, do impulso biolgicocriador, que prprio da natureza, ora ativa sobretudo no campopsquico-espiritual. O livro encontra-se, portanto, entre as boasforas criadoras, que levam a Deus, e no poder seno desper-tar, no ntimo das conscincias sadias, uma vibrao de aprova-o e de sincera adeso. Embora, em certos momentos, as pala-vras sejam enrgicas e a advertncia possa tornar-se calorosa,no h, contudo, por trs delas, qualquer interesse a ser defendi-do. Com toda a franqueza, trata-se to somente de um ser since-ro, que no se permitiu outra riqueza alm da coragem de dizer averdade. O autor se sentir, por isso mesmo, satisfeito e se con-siderar recompensado do seu trabalho se puder constatar que,com esse livro, ainda melhor atingiu a finalidade dos preceden-tes. Se verificar, enfim, que, instigando a subir rumo a formasmais elevadas de vida, conseguiu fazer um pouco daquele bemque a sua aspirao mais ardente.

    No seu ltimo volume, Ascese Mstica, que precede a este, o

    autor, no ltimo captulo, Paixo, concluiu com estas palavras:(...) A hora intensa para todos. No se pode parar. Preparadapelo tempo, ela se precipita. Tenho medo de olhar. (...) Rasga-seento diante de mim a viso da terra e do cu... A terra tremeconvulsa, no pressentimento de uma catstrofe sem nome. (...)Vejo um turbilho de foras que se projetam sobre a Terra, e vejoa Terra abalada, convulsa, submersa num mar de sangue. Ttrica a hora da paixo do mundo. E parece sem esperanas. O crculose estreita, se estreita e logo estar fechado, e ser tarde para fu-gir ao seu aperto. A mo do Eterno empunha o destino do mun-do, esto prontas a se desencadearem as foras para o choque fa-tal. Avizinha-se a hora das trevas, do mal triunfante, da prova su-prema. Bem-aventurado quem, ento, no estiver vivo sobre aTerra. (...) J disse h tempos: preparai-vos, preparai-vos, masno me ouvistes. Breve, ser tarde demais. O drama est prxi-mo, eu o percebo... Naquele momento, senti tremer a terra... Den-

    tro de mim, est a viso do real. Senti, realmente, a terra tremer.Se esse livro, publicado em 1939, claramente predizia, comoiminente, o atual cataclismo mundial, o presente volume, Hist-ria de um Homem, continuando o caminho seguido em Ascese

    Mstica, conclui, ao invs, da seguinte maneira, no testamentoespiritual do protagonista ( cap. XXX ): Estudai sobre o grandelivro da dor; aprendei a sofrer, se desejais subir. bom que omundo sofra, para que possa corrigir-se e avanar. (...) sem dorno h salvao. A esta lei fundamental no se foge. Mas, depoisda paixo e da cruz, h a ressurreio e o triunfo do esprito.Aceitai, portanto, o batismo da dor, a expiao que purifica, por-que esta a nica via de redeno. Deixo-vos o aviso de que nanecessria paixo do mundo est a aurora da nova civilizao do

    esprito. Este novo volume, publicado em 1942, escrito em meioda j anunciada tormenta, encerra-se, portanto, com o anncio daaurora de um novo dia. Depois da destruio, a reconstruo; de-pois da dor, a alegria de uma vida mais alta; depois da necessriapaixo da guerra, desponta a nova era do esprito.

    este, portanto, o livro da ressurreio, que se anuncia nofinal, porque no pode chegar para um, como para todos, senodepois de percorrido o necessrio caminho da dor purificadora.Se este o livro da prova e do sofrimento, do angustioso apertoentre as garras do mal, tambm o livro da esperana, do triun-fo do esprito e do bem. A trabalhosa elaborao da ascenso aqui impulsionada, para o indivduo, na histria do protagonistae, para o mundo, na conscincia da sua atual e apocalptica

    experincia. Ao contrrio da cena de terror e de paixo com quese encerra Ascese Mstica, o presente volume conclui invocan-do e chamando, das entranhas das maturaes biolgicas, ohomem novo, consciente no esprito, e anunciando e saudandoa alvorada da nova civilizao do Terceiro Milnio.

    Natal, 1941.

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    Pietro Ubaldi HISTRIA DE UM HOMEM 5

    I. DO SEU DIRIO

    O universo ordem, ou caos? O universo ordem. Isto oque me dizem a cincia, a histria e tantos anos de observao ede experincia. Cheguei concluso de que o universo umfuncionamento orgnico em marcha para determinada meta;que todos os fenmenos se encandeiam segundo uma lei, emcujo mago sinto o pensamento e toco com as mos a vontadede Deus, presente e atuante. Assim conclu, com a seguranaque me deram trinta anos de estudo, de experincia e de dor.

    Se desta verdade universal deso a verdades mais particularese mais prximas, mais relativas e mais tangveis, descubro que avida do homem e do planeta que ele agora chamado a reger,correspondem a uma ordem particular e a um funcionamento or-gnico, cuja meta indicada por estados sempre mais perfeitos aatingir, cuja lei o progresso. Verifiquei, afinal, que a lei do nos-so planeta progredir em todas as formas; evoluir sempre, emtodo sentido, a idia dominante. A evoluo uma incessantemarcha ascensional de todos os seres da Terra, do mineral plan-ta, ao animal, ao homem, ao gnio: a marcha em direo a Deus.

    Descendo sempre mais no particular e relativo, sempre maisprximo e tangvel para ns, descobrimos que o homem est frente do movimento. A sua lei a seleo do melhor, conse-guida atravs da luta.

    Homem e mulher, masculino e feminino, so os ministrosdesta lei, que, no particular, se bifurca em dualismo, que tam-bm complementao. Como tudo, tambm esta unidade huma-na dada pela fuso de duas unidades menores e inversas. Emposies e movimentos inversos e complementares, elas fe-cham o mesmo circuito. O homem diz: Eu sou a vontade, afora, a conquista, a vitria. Eu sou o senhor. No h outro se-nhor alm de mim. Submeto a mulher para que me d filhosfortes e vencedores como eu. A mulher diz: Eu sou a beleza,a bondade, o amor, a conservao. Eu sou a esposa e a me.No h nisto outra mulher alm de mim. Escolho o homem for-

    te para que me d filhos fortes e vencedores como ele. Dois so, portanto, os grandes motivos da vida humana: omacho e a fmea. So opostos e se atraem. Embora dividindoentre si o campo da vida, liga-os o recproco fascnio. Bastamestes dois motivos para cantar-se at s ltimas notas a sinfoniada vida, num entrecho e numa compensao contnua. Cada umdesses dois princpios uma afirmao em si mesmo, mas umanegao em frente ao outro, um vcuo que aspira ao oposto, de-sejoso sempre de se encher com a oposta afirmao, e, assim, seprecipitam um no outro, saciando-se apenas ao fechar-se na suasoldadura com a metade oposta do circuito. Nenhum dos dois superior ou inferior. A mulher domina como o homem. No im-porta se a primeira se afirma calando e negando, o segundo gri-

    tando e comandando. O princpio feminino tem tanto o quecompletar, quanto o masculino. Ambos reinam igualmente, masatravs de formas e tarefas contrrias e complementares. Mascada um dos dois se sente isolado no seu reino incompleto e de-seja completar-se, revertendo-se ao seio do oposto. A fragilidadeda bondade e o altrusmo do amor so potentes como a fora daconquista e o egosmo do domnio. Cada qual tem as suas ar-mas; armas opostas e complementares, feitas no para se comba-terem, mas para se abraarem. Entre essas armas no pode exis-tir rivalidade, porque no tendem a se excluir, mas a se ajudar. Oprincpio masculino faz parte do feminino, o pressupe, ocompreende e o completa. Cada ser humano nasce no seio deum desses princpios, carrega-o em si mesmo e o representa.

    Cada um deles existe e tem sentido somente em funo do outro.Opostos apenas para se unirem, eles dividem o trabalho e asopostas funes da vida: criar conservando, acumulando, proli-ferando, e criar destruindo, renovando, selecionando; semprefundidas as opostas posies na mesma funo de criar. A mu-lher, como a terra, conservadora e fecunda, ou seja, apta

    formao e proteo do material primitivo da vida. O homem,tal qual o ar e o sol, ativo e fecundante; como o martelo queforja, como o dinamismo que seleciona e renova. A primeirametade do ciclo, criadora da quantidade, resta intil, se no secompleta com a segunda, criadora da qualidade. A mulher valetanto quanto vale o homem, e este, tanto quanto a mulher. Cadaum dos dois tem a sua funo e misso, de cujo cumprimento sumamente cioso. O homem , assim, invejoso de qualquer ou-tro que tente super-lo na sua tarefa de seleo; sente nele o rivale, cioso de sua funo evolutiva, acusa-o de presuno e velha-caria. A mulher tambm invejosa de qualquer mulher que tentesuper-la na sua tarefa de proteo e conservao; sente nela arival e, ciosa da sua funo de amor e reproduo, acusa-a da-quela desonestidade que atraioa a misso de me. Nenhum dosdois suporta que outros lhes usurpem ou os superem na funoque tm o direito e o dever de realizar, porque nela est o objeti-vo da sua vida e a realizao de si mesmos, porque no obedecerao comando da Lei est a maior alegria, enquanto que no obe-dec-la a maior dor que o ser possa provar.

    Ambos desejam a mesma coisa: a vida; expressam a mesmalei: criar; um dizendo sim, a outra dizendo no. A Lei faz quese unam os contrrios para o seu mesmo objetivo. A satisfaodo indivduo est no cumprimento do instinto, ou seja, na obe-dincia ao comando. E o homem, quanto mais ignaro e primiti-vo, mais cegamente obedece; quanto menos evoludo, menosemancipado do determinismo originrio da matria. Nos mo-mentos histricos do regresso involutivo, o homem canta a li-berdade, acreditando que se liberta. Mas no se livra seno dotrabalho de evoluir, submetido s superiores leis sociais, quelhe impem ordem, disciplina, virtude. No se livra seno paratornar a trabalhar, mais cegamente, a servio das mais elemen-tares e frreas leis da vida, inscritas no instinto.

    Peregrinei pelas longnquas e abstratas filosofias do absolu-to. Mas a que agora me interessa esta filosofia especfica e pr-tica, mais prxima de ns do que os princpios abstratos, relativa

    e pequena, mas traduzida em aes; objetiva e concreta, aquelaque, a cada passo, se encontra na realidade humana vivida, aque-la que cada homem, mesmo sem compreender, pratica.

    Na raiz da vida humana encontra-se este mecanismo. Eleimplica rivalidade, luta e, por fim, seleo. Assim, guerra eamor so as duas funes fundamentais desses dois termos:masculino e feminino. O amor protege e cria, a guerra destri emata. Inversa complementao, mesmo nos efeitos. Nela secumpre, em equilbrio, o ciclo, e se completa o circuito da vidae da morte. Assim, na morte, condio de vida a vida, e, navida, condio de morte a morte.

    intil discutir. A lei biolgica assim ordena, quer e age; nose corrige, no se burla, mas apenas se cumpre. A guerra e o

    amor so o binrio sobre o qual avana a vida. intil perguntar-se: por que assim, e no de outro modo? O fato que assim fun-ciona o nosso mundo. O fato que os objetivos impostos, certa-mente por uma inteligente vontade oculta, so assim atingidos:continuao e seleo. Pois que, com esse fim, garantida pelassupremas defesas a conservao individual assim como a coletivae assegurada a evoluo da espcie. O mundo chegou at aqui,atingindo o estado atual, porque estes objetivos foram atingidos.

    Tudo isto luta, risco, fadiga imensa. E no que resulta? Naseleo, no progresso. A significao do processo est naevoluo. Fazer, pois, um homem, uma nao, uma raa sempremelhor, este o resultado que a lei biolgica quer. O materia-lismo ateu no compreendeu que a sua evoluo significa jus-

    tamente criao no esprito. Assim avana o mundo. Este osignificado do poder de comando que o instinto revela.O nosso mundo social um campo onde se chocam foras

    diversas, que na sua oposio desejam elidir-se e, assim, se corri-gir. necessrio reconhecer que na sua disposio h profundasabedoria, pois desse catico coexistir emerge no destruio ou

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    6 HISTRIA DE UM HOMEM Pietro Ubaldi

    desordem, mas a construo de uma ordem sempre mais perfeita.O progresso verificado no mundo consiste precisamente na pas-sagem da desordem primitiva ao estado de ordem, que progressi-vamente se realiza. O progresso um progresso de harmoniza-o. Assim, o universo caminha para Deus, que harmonia, ouseja, realiza cada vez mais a manifestao do Seu pensamento.

    Assim nascem e renascem, sempre mais perfeitos, por evo-luo orgnica, mas agora sobretudo psquica, os homens, as na-es, os povos, as civilizaes, a humanidade. Assim, povos ecivilizaes, tal como os homens individualmente, crescem, en-velhecem, decaem, morrem e renascem, para completar par-tindo de bases sempre mais elevadas, construdas com os mate-riais precedentemente conquistadosciclos sempre mais altos.

    A luta , portanto, necessria, til; lei da vida, fundamen-tal, criadora, inevitvel. A harmonia divina no se pode realizarna Terra seno atravs desse grande esforo, preo da redenohumana, condio da vinda do reino dos cus para a Terra.

    Desta luta, uma forma, no mais baixo plano humano, aguerra. Nela, sempre nos encontramos, porque a ela est confia-da a evoluo do mundo, com a supresso do involudo, do pa-rasita, do inepto. Ela , por certo, a forma primitiva da luta, pr-pria da fase no evoluda em que o homem dito civilizado aindase encontra. E enquanto, pela evoluo, aquela forma no puderser superada, a luta, que ser sempre necessria, dever subsistirnaquela mesma forma. At hoje, a guerra lei inexorvel, comoparte integrante da zona de determinismo do destino humano, eisso porque ela est no passado biolgico da humanidade. At,portanto, a neutralizao desse passado, pela superao, a guerraser uma fatalidade biolgica. E isso porque a luta o meio deque dispe a natureza para conseguir seleo e progresso. No a luta o que se pode suprimir, mas somente as suas formas maisatrasadas. Mas estas no podem ser superadas enquanto o ho-mem no tiver aprendido por si mesmo, com a sua fadiga, a su-per-las. Cada humanidade tem as leis biolgicas que merece.

    Sob pena de trair o supremo escopo da vida, que o de su-

    bir, a forma de luta que a guerra no pode ser abandonada en-quanto o homem no tiver aprendido a transform-la em formassuperiores de luta, dirigidas a fins superiores. necessrio quea humanidade tenha primeiro a fora de se transportar inteirapara um plano mais alto. Hoje, a guerra e o amor se equilibramno recproco esforo corretivo. Se esta fora do amor, que con-serva e multiplica, no fosse corrigida pela destruio seletiva ereconstrutora da guerra, terminaria igualmente na estagnantepodrido da morte. No basta multiplicar os homens com oamor. necessrio refazer os povos com a guerra. Proteger eprolificar no podem ser mais do que um meio para atingir ofim, a que s a luta conduz: destruir para reedificar.

    A verificao destas leis me levou concluso de que a vida

    e no pode ser seno dura, sria, til; que ela no uma ale-gre excurso de gozadores, mas um trabalho srio, dirigido so-bre o plano orgnico de leis biolgicas, rumo a objetivo elevadoe preciso. Cheguei concluso de que intil tentar evadir-se,na inconscincia e nos prazeres fceis, a este necessrio esforode evolver, a esta lei de progresso que est escrita em nossosangue e em nosso destino humano. Quem tenta evadir-se inexorvel e terrivelmente punido pela invisvel Lei. Quantascoisas invisveis tm tremenda fora!

    Sob tais concluses, estabeleci uma vida dura, sria e til. Autilidade no aquela que comumente se entende, ou seja, a dasvantagens materiais: a conquista dos valores morais, que nose vem, mas que regem o mundo. Estou convencido de que

    cada um pode escolher os prprios objetivos, independente-mente da opinio dominante entre os seus semelhantes. Estouconvencido, tambm, de que a verdadeira verdade simples, aque serve para a vida; que intil o complicado e erudito filo-sofar, pois o que importa viver aquela verdade, antes de pro-fess-la e preg-la. Assim tenho feito e vivido seriamente.

    No pretendo que a minha verdade seja absoluta, nem que sedeva imp-la a algum. Esta a minha experincia. Os outros fa-am, a seu modo, a sua. Cada um recolhe para si o resultado doseu sistema. Uma experincia conduzida honestamente, comconvico, objetividade e seriedade cientfica, sempre merecerespeito. Uma hiptese de trabalho que, aps trinta anos de con-trole, corresponde ainda aos fatos, resolve os problemas e resiste experincia de uma vida, deve conter qualquer coisa de verdi-co. Passei pelas verdades particularesrivais, em luta entre si, fi-losofias e teologias mas o slido, qualquer coisa de objetivo,sempre presente, inderrogvel e convincente, no o encontrei nasconstrues da psique pessoal, que no so mais do que elevaoa sistema do prprio temperamento um caso biolgico masencontrei-o na observao do funcionamento orgnico do univer-so. Na convico de que somente este, na forma em que ele serealiza, nos pode exprimir o pensamento de Deus, segundo oqual, sem dvida, tudo dirigido e guiado, eu o deduzi dos fe-nmenos de todo gnero. E nestes, que esto sempre presentes,eu o vi continuamente em ao, como recndito motor, que pa-ra mim uma realidade objetiva, inegvel, porque sempre funcio-nando. Tudo, a cada momento, dele me fala. Deste pensamento edesta realidade tenho vivido. No caos das concluses humanas,dissonantes at oposio, apeguei-me a esta realidade biolgi-ca, isto , a esta realidade de vida. Deixei-me guiar pela sbia vozda natureza, que nos indica aquela realidade a cada passo. Todo omeu ser, das zonas inferiores s superiores, dela se tem nutrido,como de uma fonte divina. Se me tenho proposto inusitados obje-tivos e tentado experincias a que os outros fogem ou ignoram;se tenho cado e s vezes falhado; se perigosamente tenho vividoe duramente sofrido, tenho, sem dvida, trabalhado em harmoniacom a criao. Se o progresso um processo de harmonizaocom o pensamento de Deus, atuante no mundo, e vai do caos ordem, eu, depois de haver baseado a minha vida numa concep-o universal de ordem absoluta, consegui trazer para o meu des-tino essa harmonia e essa ordem, no obstante tudo. Assim, lutei

    e venci o caos e o mal, que podem aparecer em dado momentoda vida individual e coletiva, mas dos quais triunfa aquele quepossui as bases do equilbrio, a orientao fundamental e a chavedo funcionamento fenomnico. Decidi-me assim a marchar,creio-o, na direo fundamental da vida, que no a de vagabun-dear ou gozar, mas a de lutar para conquistar e ascender.

    II. O PROTAGONISTA E O AMBIENTE

    Quem escrevia assim?O protagonista deste relato, o homem cuja histria narra-

    mos. Com aquelas suas palavras, o individualizamos e apre-sentamos.

    Mas, para melhor compreender, necessrio narrar ainda.A histria desenvolve-se na hora titnica e apocalptica que,como um rasgo no cu, aparece cada vez mais lampejante, sobrea outra metade do sculo XX, prenncio da hora ainda mais gra-ve. Esta histria um pouco a histria de todos os espritos sen-sveis e amadurecidos, que tm uma vida individual profunda eprpria. Neste esprito, espelho refletor de todas as luzes do seutempo, refletem-se em parte as grandes tempestades ideolgicasque o sculo vinha maturando. Nascido nos fins do sculo XIX,ele tinha visto, depois, realizarem-se ao seu redor as maiorestransformaes polticas, sociais, intelectuais, espirituais e cien-tficas. Crescido entre velhas ideologias, em ambiente de pro-vncia, intelectualmente restrito, tinha visto a vitria do autom-

    vel, do aeroplano, do rdio e assistido profundas transformaesno campo cultural. Muitas vezes, fora obrigado a mudar a pr-pria orientao e renovar as suas concluses. Num mundo emevoluo assim to rpida, ele, gil de mente e de corpo, havia-se renovado ainda mais rapidamente. Apreciara o frenesi de di-namismo, o esforo de ascenso. E sentia-se satisfeito de ter

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    Pietro Ubaldi HISTRIA DE UM HOMEM 7

    nascido em hora to intensa e interessante para a sua nsia verti-ginosa de renovao, para as suas tentativas de elevao, tor-mentosas e, ainda que por momentos, frustradas. Lanou-se noturbilho, no para girar como tantos, em torno de si mesmo,num torvelinho intil, mas para compreender o sentido profundodaquele turbilho e dele tirar o mais elevado proveito. Tinha acompleta sensao daquela hora histrica, grave e solene, e a vi-via toda, avanando e fremindo, para realizar-lhe o significadomais real, eterno, ou seja, a trabalhosa ascenso do homem rumoa melhores formas de vida. Ergueu a cabea ante os adormeci-dos, em que tropeava, na sua luta para salvar os valores moraisdo mundo e conquistar entre eles os mais elevados. Foi asfixia-do, desprezado, incompreendido. Vida de fadiga e de desgastes,mas vida de ascenso interior e de conquistas espirituais, pro-fundamente concebida, alm de todas as formas; aderente substncia, vida de laborioso silncio criador, de f e, no raro,de desespero e de sangue. Ele foi, assim, um lutador, e lutadorno mais elevado campo, que o do pensamento e da ascensomoral. Algumas vezes caiu, foi trado pelo ideal e pelos homens,trado at ao desprezo, ao ridculo, desesperao; na solido,viveu horas trgicas, no vistas e no compreendidas. Mas aidia alta e reta no o caminho do sucesso fcil. E, emborapossam rir os gozadores, facilmente triunfantes, ele queria parasi a vida sria, com srio objetivo. E, se ao mundo pareceu fali-do, estava muito satisfeito com a prpria conscincia.

    O nosso protagonista assim um smbolo, uma idia que,vivida, transforma-se em realidade, uma experincia realizada,em cujo seio se atormentam e amadurecem ainda tantos outrosespritos ousados.

    Sobre o fundo longnquo da cena est a multido annima,rumorejam as grandes massas amorfas, instintivas, ignaras,inconscientes, o grande povo, vaga entidade para a qual de-vemos dirigir-nos, obedecendo ao antiqssimo ensinamentoevanglico e ao novssimo ensinamento das mais recentesconcepes sociais. A multido uma das foras que se mo-

    vimentam neste enredo. Aqui, ela um indistinto rumor defundo, imenso como o do mar; um som coletivo, resultante demuitos pequenos sons; um vago som confuso, que no se sabede onde nasce, porque vem de todos os lados, nem de quemprocede, porque provm de todos. Entretanto ela uma foraque toma, s vezes, forma de pensamento definido e de vonta-de decisiva e, em certos momentos, tudo transforma, impon-do-se histria. Aqui, a multido aparece como termo decomparao, como elemento de resistncia, de misonesmo,como inrcia em face da fora, como grande terra, plo nega-tivo, sobre a qual o verdadeiro homem, plo positivo, cami-nha sozinho, rumo aos seus objetivos, to distanciados dasmultides de hoje. Ele uma idia, uma vontade que reage

    psicologia coletiva e contra a qual esta reage. Veremos aqui seformarem os circuitos de ressonncias e o seu dispersar-se emdiscordncias; ouviremos acordes e dissonncias. Observare-mos sintonizaes com outras foras do impondervel.

    Neste trabalho, encontraremos freqentemente citados omundo e o homem comum. O mundo tem aqui o sentido evang-lico de lei humana da Terra, inferior, contraposta s mais altasleis do cu. Por homem comum, ou normal, ou qualquer, enten-demos o tipo dominante, modelo em srie, com a sua psicologiauniforme. Esse, no h dvida, existe na prtica. o homem darua, o que constitui o pblico annimo e amorfo, um tipo a que sereduzem todos os outros, no momento e pelas exigncias danormal convivncia social. o homem da mediana cultura dos

    jornais, simplista, restrito aos elementares impulsos animais, en-vernizado de alguma erudio e educao; o homem que vegeta,luta pela mulher e pelo amor, pelo necessrio e pelo suprfluo,permanecendo no campo material. o homem que pensa por si epelos seus, movido pelos instintos fundamentais da vida, incapazde vibrar ante as altas paixes do esprito. O homem que no sa-

    be caminhar seno em rebanho, que no sabe pensar seno em si,que no sabe fazer seno aquilo que todos fazem. Ele feito demuitos homens diversos, de muitos tipos de gradaes. Ele co-mo a expresso pblica dominante, qual todos se equiparam,pelas necessidades da vida prtica, nas relaes sociais. Homens,at mesmo, de alta percepo, homens de todos os nveis, assu-mem, pela necessidade prtica, a expresso desta psicologia do-minante, que resume os traos do maior nmero prevalecente.Ela um meio de se entenderem, a unidade monetria das tro-cas e contatos comuns, um ponto prtico de referncia. a psico-logia das ruas, comum a todos, como um hbito que todos devemadquirir quando descem rua. a psicologia corrente, que faz aopinio pblica e o uso, a que todos se adaptam para poder exis-tir: a religio, a imprensa e todas as derivaes da vida pblica.

    Mas se ela constituir frequentemente o ponto de referncia, asubstncia deste trabalho situa-se em outro plano. Para os nega-dores do esprito, que, pela sua prpria cegueira, sentem-se auto-rizados a lhe negar a existncia, ser uma prova, muito mais con-vincente do que tantas argumentaes, a narrao desta vida, vi-vida no seu prprio mundo, no meio deles; vida, do princpio aofim, em plano lgico e orgnico, dirigida no s conquistas ef-meras, mas a outras, situadas inteiramente no esprito, dotadas depotncia e lucidez. quele tipo de homem, hoje comum, contra-pe-se aqui um tipo de homem novo, para cuja formao luta es-te livro com toda a energia com que foi concebido. Homem no-vo, no mais inconsciente. Lutador viril do ideal, cujo valor e uti-lidade na senda do progresso ningum, ainda que necessitado deevoluo, pode desconhecer e cuja formao, nesta hora histricaem que alvorece o limiar do Terceiro Milnio, uma necessidadevital, se a civilizao no quiser precipitar-se na morte.

    Assim, no se encontraro neste volume os habituais moti-vos passionais, nem os costumeiros enredos de fico, com ti-pos que se movimentam fisicamente em vrios ambientes e emvrias circunstncias. Se personagens e fatos se apresentarem,isto ser somente para dar forma ao movimento de correntes de

    pensamento e de vontade, dar vida tangvel ao entrechoque deidias e de foras, pois que estes so os verdadeiros persona-gens da narrativa. Esta ser, assim, mais rpida, mais sinttica;os fatos sero reduzidos sua pura substncia. Para isso, deixa-remos de lado os acontecimentos mais comuns da vida do nos-so personagem, aqueles que o fazem assemelhar-se aos demais.No interessante, segundo pensamos, a referncia s coisasque todos fazem, que todos sabem, que todos dizem e que so,at mesmo nas narrativas, sempre repetidas.

    Justamente numa hora em que tudo se torna coletivo e nose pensa nem se age seno em massa, sem esprito prprio, onosso protagonista permanece solitrio, como se estivesse forado seu tempo, talvez por hav-lo compreendido demasiado;

    um rebelde, decidido a viver a todo custo a sua prpria vida.Por certo, alguns temperamentos e alguns destinos no se esco-lhem e esto muito acima da prpria vontade. Ele no quer nempoder aceitar e suportar o pensamento alheio. Quer aceitar asua experincia da vida sozinho, diante das foras csmicas.Quer permanecer sempre ele mesmo, um desenvolvimento l-gico, dirigido a um objetivo prprio, conscientemente escolhi-do, seguido tenazmente at ao fundo. Cheio de disciplina, fer-reamente ligado ao dever, mas observador e rbitro de tudo, e,ao menos no seu ntimo, onde somente l se pode s-lo, livre,independente de tudo e de todos. Assim, coordenou as foras desua tormenta, em meio tormenta do mundo.

    O seu tempo lhe oferecia um pensamento catico. O mundo

    estava abalado pelo entrechoque de tantas verdades diversas,dividido entre o desmoronar de edifcios milenares e a tensoconstrutiva de novos valores, em todos os setores humanos. Oseu tempo era um campo de batalha de grandes maturaes, emque o passado, solidamente firmado, mas, justamente por isso,ossificado, resistia, com grande fora da inrcia, ao novo que,

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    8 HISTRIA DE UM HOMEM Pietro Ubaldi

    fremindo de vida, irrompia da velha casca. O nosso homem en-carou profundamente a grande luta em que a civilizao jogavaa sua cartada suprema e entregou-se todo, de alma e corpo, preparao do advento da nova civilizao do Terceiro Milnio.Assim, o solitrio fundiu a sua vida na substncia do seu tempo,consciente disso como poucos, vidente e atuante, e, como pou-cos, preocupado pelos destinos do mundo. Distante do intilburburinho, ausente da hora fcil dos direitos e da colheita, pre-feriu estar presente no trabalho silencioso, na hora do dever, doesforo obscuro da semeadura. Assim, viveu muito mais ligadoaos seus semelhantes do que podia parecer, pois preferiu envol-ver-se nas suas dores, mais do que nos seus triunfos. Assim, eno de outra maneira, quis ser a qualquer custo, mesmo a preode decepes e de desprezo. Preferiu uma vida de luta, a fim depermanecer sempre coerente consigo mesmo. Quis ser um ver-dadeiro homem, vivendo a srio. Esta nota fundamental de ho-nestidade, qualquer seja o erro que ele tenha podido cometer,nunca o abandonou. No pactuou jamais com o mundo, contraa sua conscincia. Teve de andar contra a corrente, a correntereal, no aparente, antes bem oculta, das aes humanas. Foipor muitos considerado um imbecil. Por isso, no querendonunca reduzir-se vileza de uma traio aos seus princpios deretido, viu-se constrangido a ser um solitrio.

    Se o leitor no ama um ideal, se no tem paixo pelas coisasmais elevadas e santas da vida, se no sabe vibrar nestes dra-mas do esprito, se no tem vivido ascendendo atravs da dor,se no compreendeu a gravidade do nosso tempo, se no sente,enfim, a necessidade de fugir cotidiana misria da vida, nopoder interessar-se por histrias como esta. Aqui, no encon-tramos amor seno por Deus e pelos que sofrem, nem paixoseno pelo bem. Este no um livro de vida fcil, que se rebai-xa, mas o livro da vida dura e severa, que constri e se eleva.Quem aqui procura, para o seu deleite, qualquer vaidade liter-ria, quem gosta somente de curiosidades para distrao, quempensa encontrar aqui, repetidos, os motivos que costumam mo-

    ver os homens e as suas paixes, largue o livro. Quem no tembuscado e seguido, na luta e na dor, as speras vias da ascenso,caminha na vida sobre outros trilhos. Cada um tem os seus e vaipara onde quer. Largue o livro, mas lembre-se de que, em qual-quer posio social ou espiritual em que se encontre, participatambm da narrativa, chamada histria de um homem, mas que,na realidade, a histria de todos os homens.

    III. O SIGNIFICADO E O MTODO DA VIDA

    Ele nasceu como nasce um homem qualquer, num ambientecomum e insignificante. Nascer coisa to simples e natural,que parece de fato no merecer ateno. Em geral, ningum se

    surpreende com as coisas mais maravilhosas da vida. Entretan-to, naquele feto que vem luz, h abismos de sabedoria e demistrio, tanto do ponto de vista orgnico como do espiritual.Aquele organismo humano teve de percorrer longo caminho pa-ra se transformar naquilo que ao nascer. No era, no princ-pio, seno minscula clula, o ovo humano fecundado, e teve derecomear desde a origem a sua existncia, retornando at srazes da rvore genealgica da vida, ou seja, a uma forma uni-celular, como a da alga ou da ameba. Transformou-se depois,lentamente, em pluricelular, em esfera de clulas. S fora demultiplicaes e diferenciaes, tornando-se sempre mais com-plexo, chegou forma humana completa. Em nove meses, re-capitulou toda a escala biolgica evolutiva da qual descende,

    que precedeu e amadureceu a sua forma atual. E, s ento, pdevir completo luz. Esta indiscutvel verificao de fato sur-preendente e nos mostra quo gigantesco trabalho o imensopassado teve de realizar para atingir as formas presentes. Mos-tra-nos que ciclpico feixe de foras faz presso sobre aquelefeto, para que o impulso no se detenha e a vida continue.

    O retorno, a necessidade de se refazer desde o princpio,resumindo o trabalho realizado antes de prosseguir, como parareter o impulso ante a nova tarefa construtiva, corresponde lei universal dos ciclos fenomnicos, da qual no mais queum caso particular. Para que cada fenmeno avance na evolu-o, necessrio a consolidao das suas bases, resultante darepetio e reviso do passado2.

    Tudo isso o ser realizou sem nada saber. Pouco do presente,nada do passado e nada do futuro. Tanto assim, que s por lti-mo chegou formao da conscincia, nica que pode saber ecompreender as coisas. H, portanto, um princpio diretivo e in-teligente, que tudo guiou com lgica, economia e tcnica, quenos aturde e que no se encontra no ser, ignorante de quase tudo.Ora, no se compreende como a cincia darwiniana e haeckelia-na, que descobriu aquela verdade, tenha desembocado no ates-mo, quando o materialismo a mais profunda demonstrao daexistncia de Deus. Demonstrao cientificamente slida, muitomais do que as filosficas, teolgicas, abstratas e racionais.

    A comprovao de que o organismo humano repete a suahistria, o que claramente nos mostra, dos primeiros at aos l-timos graus, o desenvolvimento biolgico, diz-nos ainda outragrande coisa: fala-nos tambm do parentesco e, portanto, da fra-ternidade de todos os seres e da comunho de destino biolgicoentre o indivduo e o gnero humano. O indivduo traz em si, naconstituio celular, na estrutura orgnica, nas diretrizes do seuinstinto, uma experincia e uma sabedoria no somente indivi-duais, mas que pertencem raa. Ele possui em si mesmo quali-dades que so coletivas, patrimnio de todos, e que a economiada natureza o faz encontrar j realizadas ao nascer, com grandepoupana de esforo criador, prontas para a imediata utilizaonas necessidades da vida. O feto insignificante resume e sinteti-za a espcie, traz em si o passado e sobretudo, ainda em germe,o futuro. Aquele ser uma fora csmica, a vida, fora que nose pode deter. Repetiu, no seu desenvolvimento vibratrio, a his-tria genealgica da humanidade; percorreu de novo o caminho

    da formidvel ascenso que, dos unicelulares s amebas, aos in-vertebrados, aos peixes, s feras, aos pitecides, aos antropides,conduz ao homem, sempre pela mesma lei. Esse homem, quetanto caminhou, no se pode deter, e a sua vida presente no po-de ter outro significado seno o da continuao daquele cami-nho. A cegueira imperdovel do materialismo consiste no fatode no perceber o ntimo motor espiritual deste crescimento e,portanto, a diretriz da continuao daquele ilimitado, incessantee irrefrevel vir a ser da espcie. O erro nasceu do desejo de per-sistir na precedente viso unilateral da evoluo puramente or-gnica, que, pelo contrrio, nada mais seno o efeito do desen-volvimento de um princpio espiritual. Que nos indica a histriada civilizao humana com a construo orgnica e, mais espe-

    cialmente, a psquica? Aqui, pois, torna-se evidente, ressalta edomina a psquica, atuante sobretudo no campo nervoso e espiri-tual. E acreditamos seja cientificamente slido e persuasivo con-siderarem-se as conquistas espirituais e morais como constru-es biolgicas. Somente assim elas adquirem um significadoorgnico, em conexo com o desenvolvimento da vida.

    verdade que o moderno materialismo foi constrangido,quisesse ou no, a avanar e orientar-se nos rumos do esprito.Este uma fora to poderosa e evidente na natureza, que nopoderia permanecer perpetuamente sem ser vista. E j grandeprogresso, em face do velho materialismo ateu. Mas, apesardisso, a cincia no v ainda seno os primeiros sinais do esp-rito, ou seja, apenas aquilo que se pode ver do plano material,

    em que a cincia se mantm. E isso no suficiente. Para com-preender a vida e viv-la seriamente, necessrio, ao invs,uma integral concepo do esprito. Mas se dermos tempo para

    2 VerA Grande Sntese, do mesmo autor, Cap. XXVI: Estudo da tra-jetria tpica dos motos fenomnicos. (N. do A.)

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    a cincia materialista ascender segundo aquela lei fatal de evo-luo, por ela mesmo afirmada, ela chegar ao esprito, de ma-neira jamais vista na histria, efetiva, slida e completa. S en-to se podero lanar as bases da nova civilizao do TerceiroMilnio, que, se no quisermos retroceder barbrie, no pode-r ser outra seno a do esprito.

    Seria absurdo que aquele impulso evolutivo, que, do ponto devista orgnico, se faz to evidente no feto, at ao seu nascimento,depois se detivesse, justamente quando comea a vida individual.E, se aquele impulso, que lei da vida, como de todos os fen-menos, no se pode deter, logicamente o seu prosseguimento nopode assumir, como os fatos de resto confirmam, seno a formapsquica. E, assim, ainda aqui notamos que o homem recapitulana infncia, repetindo todos os graus de desenvolvimento, nomais a histria orgnica, mas a evoluo espiritual j feita, que a prpria substncia da histria da vida nesta fase superior que ahumanidade atravessa. E, tal como o feto s se apresenta comple-to na vida orgnica, depois desta repetio do seu passado nesseplano, assim tambm a conscincia do jovem se apresenta ama-durecida, na vida psquica e espiritual, somente depois de idnti-ca repetio desse passado, em plano superior. Concluindo, osignificado biolgico da vida humana, na sua madureza e velhi-ce, no pode ser outro que o da formao de uma personalidadesempre mais completa, atravs de provas, dores, lutas, de todasas experincias teis para o progresso espiritual, individual e co-letivo. Se, organicamente, o homem nasce no ato do parto, espiri-tualmente ele um feto em gestao at sua maturao juvenil,e s ento ele nasce consciente para a vida e se prepara para acontinuao do trabalho criativo e sem fim do seu prprio espri-to. Nascendo, o nosso homem se apresentara, portanto, vida, eeis o que o esperava. Eis em que sentido ele orientar a sua exis-tncia, que apenas comeamos a narrar.

    Trata-se de uma experincia realizada contra a corrente hojeseguida pela maioria. As teorias, os ideais pregados no tmimportncia, a menos que sejam tambm vividos. As simples

    palavras, biologicamente, tm pouco valor. Tratar-se- de umareao e de uma rebelio contra o mundo, em nome dos maisaltos valores do esprito, ao qual se d, aqui, uma slida basebiolgica e, portanto, cientfica, lgica, persuasiva. No maistempo de nos iludirmos. O mtodo corrente de viver e de con-ceber a vida est completamente errado. O mundo est hoje, defato, fora do caminho. Esta afirmao no se encontra apenasna mente de algum vidente isolado, que seria fcil no ouvir oufazer calar, mas est nas prprias leis da vida, a que ningum

    jamais poder fugir. No comum, o homem obedece cegamenteao instinto de crescer. Instinto elementar, que se inicia na clulae exprime a vontade fundamental da criao, que a de evoluir.E atira-se ao crescimento como um louco, egoisticamente, cao-

    ticamente, isoladamente, desesperadamente. O princpio docrescimento justo, mas o homem normal no tem a mnimaidia de um mtodo racional para segui-lo. S um mtodo quenos harmonize com as diretrizes dominantes no funcionamentoorgnico do universo poder ser satisfatrio, ou seja, sem dis-perso de energias, levando-nos a um resultado substancial til.A vida do homem de hoje um convulso agitar-se para se apo-derar do mais que possa, de todos os lados e por qualquer meio,para si e para os seus. uma luta desesperada, sem mtodo,sem critrio diretivo, sem conscincia das leis que, pela vontadedivina, dirigem a vida. Naturalmente, com esse louco sistema,no pode o homem atual seno colher desiluses. H uma desi-luso que quase normal ao fim da vida e depende toda de nos-

    sa posio errada diante dela. Comportamo-nos, freqentemen-te, a este respeito, como verdadeiros inconscientes.A primeira pessoa que encontramos na rua sabe muito bem

    que o problema fundamental da vida consiste no prprio bem-estar material. Sonho supremo, ltimo horizonte, alm do qualse encontra o paradisaco Nirvana do repouso. Da a luta sem

    escrpulos para atingi-lo, egosmo ilimitado, adorao ao su-premo deus dinheiro. Em que coisa se transforma uma socieda-de de tais indivduos? Um campo de batalha, onde quem se dis-trair atropelado; um inferno, e isso do nascimento morte,por toda a vida, sem nenhum descanso. Esta a realidade. Oresto exceo, sonho ou hipocrisia. Assim, o mundo criou avoragem do prprio suicdio, sem ter fora para fugir dele.

    Ningum sabe explicar como, em meio to decantada civili-zao, em meio riqueza e ao bem estar dos povos civilizados, avida contenha ainda tanta dor e to amaras desiluses, a ponto deespantar aquele que no seja um inconsciente. Mas isto se dporque o homem no vive s de po, que no basta para satisfa-z-lo, pois, mesmo tendo saciados os instintos da fome e doamor, ele possui outro instinto, to fundamental como aqueles,que o instinto do progresso. Este menos concreto, mas nempor isso menos poderoso do que os outros, porque preside aocumprimento das mais altas finalidades da vida. Ele , tambm, oinstinto de satisfao mais difcil, e, por isso, o homem procuraeximir-se de cumpri-lo, sem compreender quo profunda a de-siluso que lhe resta, seja embora vagamente, na sua conscincia,por essa recusa ao cumprimento da maior vontade das leis da vi-da. Essa desiluso uma vaga, impalpvel, ntima dor, que eleno compreende, mas tem de suportar, como inevitvel reao daLei, que assim castiga qualquer traio. A sociedade moderna es-t envenenada por esta dor, que no se sabe onde se localiza, masque se encontra em todas as coisas, porque os nossos atos, muitofrequentemente, constituem uma rebelio s leis da vida.

    No obstante o absurdo do arrivista sistema moderno, h al-guns que vencem. E, quando vencem e saciam o ventre, regalam-se nos prazeres sensuais, pavoneiam-se de honra e de poder; jus-tamente ento eles sentem, amarssima, essa desiluso, que noest nas coisas humanas, mas somente na sua maneira de utiliz-las. E espantam-se, ento, de no encontrar pela frente seno umgrande vcuo no esprito; espantam-se de perceber, justamentequando pensavam ter conseguido tudo, que nada conseguiram.

    Nada a invejar-se, portanto, destes esplndidos vencedores, in-ternamente rodos pela desiluso. A sua felicidade s aparente,eles bem o sabem; uma felicidade trada, como justo caberaos traidores das leis biolgicas. No se pode impunemente trairo instinto fundamental da vida, do qual os demais instintos noso mais do que instrumentos. A vida impe o trabalho de evolu-ir. Trabalho que custa to grande esforo, que, preguiosos, dese-

    jaramos esquivar-nos de faz-lo. Para no ouvir a voz da consci-ncia, que nos adverte, tentamos aturdi-la por todos os meios,procuramos no compreender e esquecer os fins supremos paraos quais nascemos, precipitando-nos, assim, de queda em queda,cada vez mais abaixo, at desesperao. intil tentar fugir. intil que a nossa civilizao cientificamente refine a sua sabedo-

    ria na arte do prazer, que envenena; do estupefaciente, que ator-doa; da astcia, que se esquiva; da fora que se rebela. Do pontode vista cientfico como do religioso, a vida deve ser evoluo,ascenso, ou seja, esforo de redeno. No h prazer, estupefa-ciente, esperteza ou fora humana que nos possa subtrair a estalei fatal. Se no nos lanarmos de boa vontade pelo caminho daascenso humana, rumo ao divino, f-lo-emos constrangidos peladesesperao. justamente a isto que o mundo de hoje chegou etem de faz-lo no mais pelo amor, mas pela fora. Ao final dosegundo milnio, para a civilizao europia, esta a nica dire-triz possvel para continuar a viver.

    Este livro deseja expor outro sistema de vida, no qual noimporta enriquecer, conquistar poder, honras, prazeres. No se

    d nenhum valor quela disperso de trabalho para a produode coisas to relativas e aleatrias, mas se d, pelo contrrio,todo o valor construo moral de si mesmo. Este livro desejademonstrar como se pode fazer da vida um grande edifcio semse tocar em dinheiro ou honrarias, e at mesmo combatendo es-tas coisas. Em nosso mundo, pensamos que a felicidade esteja

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    num lugar, quando est noutro, ou seja, no nas vantagens dooportunista, mas na ordem, na harmonia com o prprio vizinhoe com as leis da vida e de todo o cosmos. A verdadeira felici-dade, que nos satisfaz, no est fora, no plano material, masdentro de ns mesmos, no plano moral. No est em nos reves-tirmos de roupagens fictcias e passageiras, mas na construode ns mesmos, na aquisio de qualidades, que so bens impe-recveis, eternamente ligados nossa personalidade. No se po-de negar quantos esforos a Terra se impe, entretanto que ren-dimento eles dariam, se fossem mais bem orientados! verda-de que a vida uma experincia que se tenta. Mas que desper-dcio de energias, quando no se sabe que direo se deve daraos prprios esforos! Passam-se, assim, vidas inteiras comple-tamente desperdiadas, vidas cujo resultado se resume emcompreender que tanto trabalho foi intil, e que a direo deviater sido outra. Assim, os destinos se desenrolam estupidamente,perseguindo quimeras, e no se encerram seno numa triste co-lheita de amarguras. Assim se consomem existncias inteiras,em inauditos esforos para a conquista daquelas coisas que soos produtos secundrios do nosso trabalho, no tendo substan-cialmente outro valor que o de instrumentos transitrios e rela-tivos. intil gritar, depois, que a vida vanitas vanitatum 3,quando todos os princpios estavam errados e foi trado o ins-tinto mais alto, o divino comando a que no se pode fugir.

    Quo diferente a concluso para quem trabalhou satisfa-zendo aquele instinto e obedecendo quele comando! Que ale-gria brilha atravs das necessrias dores da vida, que messe dentimas satisfaes adoa e premia o esforo da ascenso! En-to no se colhem no fim desiluses, mas se compreende agrande utilidade e a potncia construtiva da dor. E, embora so-frendo, louva-se a Deus, porque uma ntima satisfao do esp-rito nos convence que no perdemos tempo e que os verdadei-ros objetivos foram atingidos. Uma sensao interior, que nopode enganar-nos, uma satisfao instintiva, no obstante tudo,assegura-nos que no lutamos e sofremos em vo e que qual-

    quer coisa de impondervel e imperecvel se encontra em ns,conquistada por ns, merecida e, portanto, realmente nossa pa-ra sempre. Contudo, quantas vidas restam tradas pela pregui-a, pela ignorncia, pela teimosia de no querer compreender eseguir os verdadeiros fins da vida!

    A cincia e a razo tm prometido vrios parasos na Terra,mas eles no foram realizados. Dizemos isto no para combaterou subestimar o imenso passado e o atual esforo, heroico e jus-to, do mundo para se colocar numa nova ordem, mas para acres-centar-vos que a nova civilizao, que no pode ser seno a doesprito, no se poder efetivar se, antes, cada qual, individual-mente, no modificar a srio a sua concepo e o seu sistema devida. Se o mundo no se transformar de fato, atravs de cada um

    dos seus componentes; se, no somente em palavras, mas tam-bm na realidade da vida, no se inaugurar em vasta escala umanova tbua de valores, uma nova civilizao no se formar. As-sim como hoje se ri do senso de honra da Idade Mdia, que con-sistia em passar a fio de espada os inimigos, tambm os sculosfuturos havero de rir de alguns dos nossos conceitos de respei-tabilidade e de honra, baseados na riqueza, nos ttulos e nas po-sies sociais, filhos da egosta luta individual. O problema dafelicidade, que logo dever ser compreendido, no se resolvecom o bem-estar material, mas somente atingindo, alm daquele,um elevado grau de conscincia de que aquele no mais doque meio. Enquanto fizermos da riqueza um fim em si mesmo,ela continuar envenenada e envenenar quem a possuir. A feli-

    cidade no uma forma de abastana, mas uma ntima satisfa-o do esprito, um equilbrio moral, uma harmonia individualna harmonia csmica. O homem possui tambm, indiscutive l-mente, um esprito, e este no pode iludir-se e satisfazer-se so-

    3 Vaidade de vaidades.

    mente com vantagens e gozos materiais. Alm destas aquisiesh todo um outro mundo, com mais vastos horizontes. O espritosente, por instinto, a necessidade de orientao conceptual, definalidade das aes, de coordenao dos seus prprios esforospara a meta de si mesmo no todo. Sente a necessidade de reali-zar qualquer coisa de srio e imperecvel para quando tiver che-gado ao fim da vida. Se o homem no possui tambm estas coi-sas imponderveis, sente-se frequentemente, sem saber comoexplicar, insatisfeito, infeliz.

    Enquanto o mundo se ocupar das construes materiais, an-tes das construes espirituais, e no se ocupar destas comocoisas principais, a vida ser desperdiada, as leis biolgicassero tradas e ser insensato, nesse regime de insensatez, pre-tender colher felicidade ao invs de desesperao. Pode-se sor-rir com ceticismo e expulsar o enfadonho pregador dessa ver-dade, mas o dilema hoje tremendo: ou criar uma nova civili-zao, ou retornar barbrie. As leis da vida exigem e fazempresso para resolver dois milnios de preparao e de espera,e no h lugar para a inconscincia dos que dormem ou gozam.Se no houver o esforo para se criar uma nova civilizao, abarbrie de substncia, no importa se envernizada de civiliza-o mecnica, ser uma punio para todos.

    IV. NASCE UM HOMEM E UM DESTINO

    Ele havia nascido na mstica mbria4, em fins do sculoXIX, quase sombra de So Francisco, figura que se agigantouno seu esprito. Penltimo de numerosa srie de filhos, no es-perado, viu-se no mundo como por engano e provocou atenesespeciais. Nascera numa tarde de agosto, na simplicidade, deuma casa simples, num velho bairro de ruas estreitas, enquantoa turma dos irmos, para dar paz casa, tinha sado a passear.E, assim como nascera, viveu longe das vs complicaes dariqueza, livre da escravido de tantas exigncias. Feliz de quemnasce na simplicidade, onde no falta o necessrio, mas no se

    escravo do suprfluo, onde a vida, que em tudo sempre desejacrescer, partindo do humilde, tem espao para subir. Que cami-nho resta a percorrer a quem j nasceu rico e poderoso, senodecair? A vida um vir-a-ser e no se pode par-la. Um cami-nho necessrio. Se no se puder faz-lo em ascenso, termina-se por faz-lo na descida. Essa lei fatal da vida. Haveria umremdio: livrar-se logo o privilegiado da sua posio de privil-gio, da injustia que pesa sobre ele reclamando justia, livrar-selogo do dbito contrado para com os semelhantes ao nascer emposio favorecida, dbito do qual as justas leis da naturezaexigem o pagamento. Mas livrar-se muito difcil, seja para obem nascido, que cresce enfraquecido pelas facilidades da vida,que no lhes ensinam desde cedo a luta, seja pelos pais, que o

    amam. Essa desgraa de haver nascido j feito no merece, por-tanto, como se costuma fazer, a nossa estpida inveja, mas simtem o direito nossa benvola piedade e ao nosso auxlio.

    Feliz, pelo contrrio, quem nasce com a riqueza do esprito,que mais facilmente se encontra e se desenvolve na pobrezadas coisas humanas. Os tesouros da Terra podem ser perdidos,mas no os do cu. Em meio barafunda das incertezas huma-nas, h aquela maneira incrivelmente segura de investirmos asnossas riquezas nos valores imperecveis do esprito. Estasprimeiras referncias so feitas aqui justamente por exprimi-rem o tom fundamental que dominar esta histria em todo oseu desenvolvimento. Desde o princpio, oposio absoluta en-tre esprito e matria, luta dos princpios morais contra o utili-

    tarismo do mundo. Desde o princpio mostrada aqui, bemclara, a inverso evanglica dos valores humanos. Neste relato,veremos desenvolverem-se os speros sucessos dessa trgicabatalha, nem sempre vitoriosa. Essa histria de um homem es-

    4 Foligno, prxima a Assis, cidades da mbria. (N. do T.)

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    t, portanto, em perfeita harmonia com a substncia do cristia-nismo e com a revalorizao das foras do esprito, hoje, sobcertos aspectos, abertamente sustentada.

    Como todos, ele trazia em si as notas da sua raa: a caracte-rstica mbrica, assinalando o tipo geral italiano. Diz-se que osantigos romanos possuam o dom da vontade e do equilbrio, ostoscanos o da expresso, e os umbros o da intuio. Assim olugar do nascimento e o tipo da sua gente, taciturna, sbria, tra-balhadora, j esboavam um pouco o seu destino.

    Tambm a hora, o dia, o ms, o ano, as constelaes, assimdiz a astrologia, influem no destino de um homem. E seria absur-do neg-lo a priori, por simplismo ou ignorncia materialista.A radiestesia, cincia das vibraes que todas as coisas, inclusiveo homem, transmitem e recebem, est apenas nascendo. E j estsria e cientificamente justificada a desconfiana de que existemmuitas coisas sutis, no cu e na terra, inegavelmente reais, embo-ra imponderveis. Certamente, em meio a tudo isso que existe, ohomem transmite e, sobretudo, recebe uma quantidade infinita devibraes, das quais se ressente, mesmo que a sua atual insensibi-lidade no lhe permita perceb-las com clareza.

    No importa saber que nome o protagonista recebeu ao nas-cer. O leitor lhe d um nome qualquer, o que mais lhe agrade.O verdadeiro nome do homem no dado pelos registros soci-ais, mas pelo seu tipo, pelo seu destino, pelas suas obras. Onosso personagem aqui se encontra como um soldado annimoda vida, no qual poder encarnar-se quem o quiser. um tipo aque s se poder dar um nome ao fim do seu caminho terreno.

    Assim, ele se encontrou a viver nesta terra, imenso campode explorao, qual fora progressiva num mar de foras emao. Em torno dele vibraram efeitos de prximas e remotssi-mas causas, de que no tinha conhecimento. Para esse recm-nato, o mundo apareceu como trevas, em que a centelha espiri-tual, concentrada no eu, deve, por si, aprender a ver. A infnciase lhe mostrava incerta e temerria, e cada hora, cada passo,era uma conquista. Indagar, explorar, experimentar, o seu de-

    sejo e a sua tarefa. Ele aprende primeiro as grandes palavras davida: mame, que a gnese, eu, o centro da conscincia;quero, expanso e concentrao no eu; por que, a grandepergunta a que nunca poder dar a ltima resposta, mas quecontm a busca sem fim de Deus. Aprende a caminhar, porque,materialmente e moralmente, caminhar toda a vida. Mas sabechorar desde que veio luz, porque a dor j o tomou em suasgarras e no o largar mais.

    Mal nasce, comea, para a criana, a se desenrolar um fio,inicia-se a marcha que ser batida, at morte, pelo ritmo inexo-rvel do tempo. Mas nem o fio se desenrola, nem a marchaavana ao acaso. A conscincia da criana semente que se de-senvolve e se expande, mas germe que traz em si todas as ca-

    ractersticas fundamentais da futura personalidade. As notascentrais j esto dadas, e no se mudaro mais. Isso acontececom todos os germes vegetais e animais. Vem depois a educa-o a que a criana submetida, qual ela se adapta ou reage,segundo os casos. Intervm depois as foras externas, as exign-cias dos outros seres, as imposies da convivncia social, osfreios morais do dever e da virtude, que se sobrepem ao instin-to. E o tipo originrio, qual o construra a sua histria biolgica,para se adaptar, mais ou menos, enfrenta todas as presses; umpouco se transforma, um pouco aprende a mentir e a esconder oseu verdadeiro eu; algumas foras externas se dobram ante a suavontade, por outras termina dobrado. Com o seu eu originrio,com as qualidades boas e ms, com os recursos e as deficincias,

    ele deve saber chegar at ao fim, abrindo caminho num mar deforas que o circundam e de todos os lados fazem presso parainvadi-lo. Cada uma, sua prpria semelhana, lhe diz: eu equero, e no encontra a paz enquanto no se realiza a si mes-ma. Assim comea a vida, que luta e, da maneira como estbiologicamente implantada