05 Rocha Pereira

Embed Size (px)

DESCRIPTION

tese

Citation preview

  • SOBRE A IMPORTNCIA DAS INFORMAES DE PAUSNIAS PARA A HISTRIA DA LNGUA GREGA

    A ITEQi^yfjai; Trj fE?.?.o ou Descrio cia Grcia um dos livros mais curiosos e mais teis que nos legou a Antiguidade. Sem ir aos extremos de um W. J. Woodhousc (1), que s na Odisseia lhe encontrava par no interesse, temos, no entanto, de reconhecer que os dez livros que a compem so um repositrio de incomparvel riqueza de informaes de toda a ordem no s as geogrficas, artsticas ou arqueolgicas que o ttulo pressupe, como tambm histricas, lingusticas, literrias, religiosas. Dentre estas, alcanam um singular valor as de ordem lingustica, por iluminarem um pouco uma fase bastante obscura da evoluo do idioma grego.

    Efectivamente, embora no possamos datar com rigor a obra de Pausnias, sabido que inmeras referncias, umas vagas, outras con-cretas (2), a vinculam ao tempo do imperador Adriano, nomeadamente a de V. 1.2, quando declara que os habitantes de Corinto (cidade cuja populao os Romanos haviam substitudo) eram os mais recentes moradores do Peloponeso, pois s l estavam havia duzentos e setenta anos, no momento da composio do livro:

    KoovOoi (xv yo oi vvv veczarot IlEhjTtovvipwv eia, xa ocpioiv, d?' oi xi)v yfjv Tiao fiaoiXcD e%ovoiv, exootv err] xal iaxaia rocov ovra fjv i/j.

    (1) The Composition of Homer's Odyssey. Oxford, at the Clarendon Press. 1930, p. 7.

    (2) Entre as primeiras, podem apontar-se 1.1.2.; 1.2.5; 1.19.3; 1.23.3; 1.29.2; 1.29.16; 1.34.1; 1.34.3; T.39.3; 1.43.4; IT.1.3; IlJ.ft; If.38.5; 1II.22.6: IV.1.1 ; V.15.2;

  • PAUSANIAS SOBRb A LNGUA GREGA 181

    Esta declarao situa-nos em 174 da era crist. Uma informao no menos curiosa, e que nos d uma ideia do

    lapso de tempo que exigiu a composio do livro, a que figura no Livro VTI.20.6, quando explica que no fizera meno do Odion de Herodes tico superior mesmo ao de Patras ao descrever os monu-mentos de Atenas, no Livro T, porque o edifcio no estava ainda come-ado nessa altura:

    KEXGfirjrai xal XXa T 'Qtetov tjioo ytraza r>v v "EkX-qrn, nh'jV ye ?) TO ^ A0t'\vr\iav rovro y jusyOEi TE xai xi]v naxsav v7iofjQxe xaxaoxEvrjV, vi\Q 'AOrjvalo izorjosv 'Hwrj ~ fivrjix7}v noBavavarii ywaix. fiol v riji ^AxOi ovyyqa(f\i T TOVTO TtOQedt] T 'QlsToV, OTL TTQOTEQOV ETt ^ElyaCTtO fiOl r "'Adrp'aiov rj vnfjQxro cHo?]c tov oixooptt'jjuaxo.

    Este texto, combinado com as informaes de Filstrato (Vit. Soph. If. 1.8), da Suda e a data da morte de Regilla, a mulher que Hero-des tico quis honrar, cm 160 ou 161, tem feito propor o ano de 162 p.C. para essa parte da obra (1).

    Todos estes dados convergem para situar linguisticamente o livro de Pausnias no s no perodo da xoivt) alexandrina, como mais preci-samente naquele em que se reavivou o interesse pelas formas dialectais em vias de desaparecer, conforme o testemunho de inscries. Alguns dos melhores especialistas de dialectos gregos, como C. D. Buck (2), declaram simplesmente impossvel determinar, para cada caso, se se tratava de um renascimento completamente artificial de um dialecto que havia muito deixara de ser falado, se de uma elevao, tambm artificial, ao uso da escrita de um dialecto que sobrevivera sempre (exemplo do lacnico).

    X.34.5. Entre as segundas, 1.3.2.; 1.18.6; 1.18.9; 1.24.7; 1.36.3; 1.42.5; 1.44.6; IU7.6; V.12.6; V.16.4; VI.19.9; VIU.8.12; V1II.9.7; V1II.10.2: VIII.11.8; V1I1.19.1 ; VIII.22.3; X.35.4; X.35.6.

    (1) Cf. D. S. Robertson, A Handbook of Greek and Roman Architecture. Cambridge University Press, repr. 1959, p. 344; Ida Thai Ion Hill, The Ancient City of Athens. London, Melhuen, 1953, pp. I l l e 235; e, sobretudo o comentrio de Frazer sua traduo de Pausnias, London, 1898, vol. II, pp. 241-242 e vol. IV, p. 149.

    (2) The Greek Dialects. The University of Chicago Press, *1955, p. 180. Cf. tambm E. Schwyzer, Griechische Grammatik, I. Band. Munchen, 1939, p. 121, e, de um modo geral, os pargrafos 6 e 7 todos (pp. 116-131) e respectiva bibliografia.

  • 182 MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA

    Anteriormente, A. Meillct apontara os nomes de Estrabo, Suetnio e Pausnias, como testemunhas do uso do drico, sobretudo em Rodes e na Messnia, nos dois primeiros sculos da era crist (1).

    Porm, no se tem extrado das informaes de Pausnias todo o interesse que elas contm. o que nos propomos fazer, mas, antes disso, procuraremos situ-lo na linha de tradio do interesse e cons-cincia do fenmeno da diferenciao lingustica entre os escritores gregos.

    Esta comea, naturalmente, com Homero, que, para alm da dife-rena vocabular entre homens e deuses (2), por quatro vezes alude, na Ilada, diversidade de idiomas dos aliados de Pramo (B 802-806; B 867-869; r 1-9; A 422-438). Assim, no princpio do canto ill' da Ilada, contrasta-se o alarido dos arraiais troianos com o silncio grego. Este silncio, sinal de obedincia e compreenso, novamente contra-posto ao linguajar confuso e desordenado da faco oposta no duplo smile que, no canto seguinte (A 422-438), descreve o avano para o combate das duas hostes, comparando a primeira ao movimento amplo das vagas marinhas encrespadas pelo Zfiro, a segunda ao balir das ovelhas no redil de um homem abastado, quando se lhes vai mungir o leite, e elas ouvem a voz dos cordeiros.

    um dos raros passos se no o nico em que pode notar-se uma certa parcialidade a favor dos Gregos, e em que aflora, pela pri-

    (1) Aperu d'une Histoire de la Langue Grecque. Paris, Hachette, 1948 [l 1913]. pp. 307-308.

    (2) A 403-404; B 813-814; =" 291; Y 74; * 305; /* 59-61. O facto c dis-cutido por Plato, Criilo, 391d-392a. Hoje a divergncia interpreta-sc geralmente como um sinal de mais antiguidade da palavra dada como divina (o que tem a seu favor o facto de, em seis casos, quatro serem referentes a nomes prprios). No entanto, o nome divino de E 291, tanto como o humano, devem ser originrios da sia Menor (cf., respectivamente, os dicionrios etimolgicos de Hofmann e Frisk, s.u.u.). Quanto a fi>?.v, em *. 305, Frisk, depois de pr em dvida as etimologias propostas (de que uma, a relao com o antigo irnico nadam, fora dada como plausvel por Hofmann), etiqueta-o de Fremdvvort unbekannter Herkunft. Mais prudente ser, portanto, concluir como A. J. Beattie: ...A language ousted from common use by another sometimes retains currency as a sacral or learned language. It is, therefore, tempting to see in these Homeric expressions a memory of non-Greek speech sur-viving through religious sanction. Even if this was the origin of the distinction, however, it is not possible to identify the language in question; for either the divine name or the mortal name, or both or neither, appear to be good Indo-European Greek or non-Greek at random (Aegean Languages of the Heroic Age in A Com-panion to Homer ed. by Wace and Stubbings. London, MacMillan, 1962, p. 318).

  • PAUSANIAS SOBRF A UNGUA GREGA 183

    meira vez, a noo da importncia da unidade da lingua, que mais tarde Herdoto h-de tomar como um dos grandes traos de unio entre os Helenos (VnL144):

    Ari r 'EXhrpwcv, v fiaifiv ts xal fiyAcooowf y.ui decov tQV/iar T? y.otv xai Qvoai JOE TE fiTOOTra, rtor TtOGra yvaOai 'AOijvatovc vx v ev tyoi.

    Deve observar-se, de resto, que, geralmente, ou por conveno literria, ou porque era essa a realidade lingustica. Gregos e Troianos no precisam de intrpretes para se entenderem, quer quando proclamam os seus juramentos solenes (canto III), quer quando Pramo vai tenda de Aquiles pedir-lhe a devoluo do cadver de Heitor (canto XXTV), ou quando um heri interpela outro antes de combater {e.g., Glauco e Diomcdes, no canto Vf). A segunda hiptese, a da origem comum de ambos os povos, tem sido proposta, com base em importante funda-mentao arqueolgica, por autores como G. S. Kirk (1) e C. M. Ble-gen (2).

    Tambm na Ilada, os Crios so apelidados de fiaofioiQrpuyvoi (B 867) (3), o que no andar muito longe da noo, expressa na Odisseia, de que os Sntios so yoicfcovoi (6 294) (4). Este mesmo poema tambm refere, mais de uma vez, os XXoOqoi vOgcoTioi (a 183 ; o 453) (5) e, num passo alis suspeito (6), a diversidade de idiomas que concorre em Creta.

    Mais curiosa ainda e certamente no muito distanciada no tempo,

    (1) The Songs of Homer. Cambridge University Press, 1962, pp. 18-19 e 389-390. (2) Troy. London, Thames and Hudson, 1963, pp. 145-146. (3) Cf. Hans Schwabl, Das Bild der fremden Welt bei den friihen Griechen

    in Grecs et Barbares, Entretiens Hardt sur l'Antiquit Classique, Tome VIII. Genve, 1962, p. 5 e discusso da p. 24. Sobre a linguagem dos Crios vide Herdoto 1.172. M. Lejeune, La curiosit linguistique dans l'antiquit classique, Confrences de l'institut de Linguistique de i'Universit de Paris, VIII. Paris. 1949,45-61, hesita, a p. 59, entre a hiptese de o epteto significar cujas inflexes de voz evocam o chilreio dos pssaros ou a de ter j o sentido post-homrico de estrangeiro.

    (4) Cf. Grecs et Barbares, p. 5, n. 2. (5) Cf. Grecs et Barbares, pp. 5-6. (6) T 175-177. Vide o aparato da edio de P. Von der Niihll (Editiones Hel-

    veticae, Basileae, 1946) e Wace and Stubbings, edd., A Companion to Homer, pp. 299-300 e 318. A razo principal da suspeio ser a nica meno dos Drios nos Poemas.

  • 184 MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA

    pois se trata da primeira parte do Hino Homrico a Apolo datvel do sculo viu a.C. a referencia glossolalia das jovens de Delos. servidoras daquele deus, que sabem imitar as vozes de todos os homens (156-164). provvel que. como sugerem Allen-Halliday--Sikes no seu comentrio (1), se tratasse de variedades dialectais.

    De resto, a noo da diferenciao dialectal transparece com fre-quncia em autores ticos do sculo vi e v a .C. Um dos exemplos mais clebres o fr. 24 Diehl de Slon, em que o estadista, ao fazer a apologia da sua legislao, nomeadamente da ano%Qtiy 'Afra jMRgttir' ig dsxxnop ii)yayov xoaOnaz, U/MJV ixfatCO, a/./jov atatm, m ypayxairj ?'JO XQftov; qvyvxaz y/.oxroav CNW'T' \4rn> WtOf (>: w no/.hxy^i 7T?.(tvo)/nrov.. .

    Esta deteriorao da pureza do tico tanto mais digna de nota. quanto c certo que lamentada pelo que foi, cronologicamente, o pri-meiro escritor ateniense. O contexto no nos permite decidir se se trata de influncia de lnguas brbaras ou simplesmente de outros dialec-tos. O confronto com um passo como Seplem 166-170, em que Esquilo, ao opor Becios e Argivos, diz que o exrcito destes ltimos de fala diferente (reoo

  • PAUSNIAS SOBRfc A LNGUA GREGA 185

    Inversamente, a incapacidade ou dificuldade de se fazer compreen-der em grego acentuada nas Suplicantes (1):

    'IXo/nat ftp "Anav (iovnv y.afiva tfavbr et!, y, now?!:;

    Neste texto surge xagfiv (ou xfiapo), sinnimo de (iQfiao, que, segundo H. Hommel, deve ter entrado na lngua pela via das relaes comerciais com as Fencios (2).

    Na mesma pea, so de notar os traos exticos da fala do arauto dos Egpcios, traos esses obtidos, sobretudo, por cacofonias (3).

    certamente este sentido da incomprecnsibilidade que deve pro-curar-se para interpretar o discutido fragmento 22 B 107 Diels de Heraclito:

    y.axoi fttVQe vOoinoi pQajuoi xo coxa, fiaqjiaQov-

    Mas voltemos a Esquilo. Nas Coforas 563-564, Orestes anuncia o seu plano de se apresentar no palcio, juntamente com Plades, como

    de expresso naturalmente drica, incitava os discpulos a manterem o seu dialecto.

    No passo de Esquilo em causa, B. Snell, Aischylos und das Handeln im Drama. 1928, 78 e n. 114, apud Helen Bacon, Barbariam in Greek Tragedy. New Haven, 1961, pp. 17-18, explica o facto alvitrando que os Argivos eram considerados menos civi-lizados do que os Tebanos, por conseguinte, uma espcie de brbaros. Helen Bacon contesta, tal como ns, esta interpretao.

    (1) Vv. 117-119 = 127-129. Cf. w . 68-71. Quando se quer ofender algum quanto sua maneira de se exprimir, diz-se que fala uma linguagem brbara (Sfocles Ajax, 1263, 1289 citado por H. Diller em Grecs et Barbares, p. 40). Porem em Traqunias 1060, falar brbaro c sinal de mudez. Nota ainda o mesmo autor que em Aristfanes, Nuvens 492 e Aves 1573, brbaro sinnimo de inculto. Os diversos sentidos da palavra BoBuooz e respectiva bibliografia podem ver-se na obra citada de Helen Bacon, Barbarians in Greek Tragedy, pp. 9 a 14.

    (2) Atti del VIII. Congresso Internationale di Studi Bizantini. Roma, 1953, 1, 300 seqq. (apud Dihle in Grecs et Barbares, p. 35).

    (3) Helen Bacon, Barbarians in Greek Tragedy, p. 15 en . 1, refere a hiptese de Schmidt e Oberdick, retomada por Krausse, de que as graves corrupes deste passo so devidas ao emprego de palavras egpcias.

  • 186 MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA

    um Foccnsc, falando maneira da gente do Parnasso. Como estamos na tragdia, o motivo, uma vez enunciado, aceite como uma con-veno dramtica que no necessita explicitar-se. E, quando o filho de Agammnon bate porta da casa dos reis de Micenas, o discurso que profere no acusa caractersticas dialectais. Tal motivo, efecti-vamente, podia ser explorado com muito mais vantagem na com-dia (1), como o fez Aristfanes repetidamente, ao imitar o falar espar-tano na Lysistrata, o megrico e o becio (e o persa) nos A chmeuses, o ctico nas Themosphoriazusae. Transposto para o plano divino, encontramos ainda o falar incompreensvel do deus Tribalo no final das Aves.

    A noo de que um idioma ininteligvel comparvel ao dos ps-saros, nomeadamente da andorinha, , alis, comum tragdia e comdia, e tanto nos aparece no Agammnon (1050-1052) (2) ou no fr. 728 Mette de Esquilo (%efaw(&v) como nas Rs (679-682). No prodo das Aves, o seu canto em onomatopeias que, aos poucos, passa do ininteligvel ao inteligvel, ou seja, ao humano, que igual a grego, como notou Schadewaldt (3).

    Porque o grego a linguagem que se compreende, e ao mesmo tempo smbolo da nacionalidade e de todos os valores afectivos a ela ligados, que Filoctetes, na sua ilha deserta, sada primeiro os sons melodiosos que ouve aos viajantes acabados de chegar (4):

    TQ cpiXzarov y-vri/U.' tpev r xa afiev TtQGpOey/na Toiov

  • PAUSNIAS SOBRE A LNGUA GREGA 187

    guagem dos Pelasgos, a qual lhe parece brbara (1), e nos fornece dados de importncia, alis no completamente explicados, sobre os quatro grupos de falares da dodecpole inica (2), ou nos ensina que os Atenienses, sendo autctones, tiveram, depois da invaso drica, de aprender uma linguagem nova, o grego (3), ao passo que os Espar-tanos eram de origem helnica (4).

    Entretanto, j os pensadores tinham comeado a preocupar-se com o fenmeno da linguagem. Tal preocupao esboa-se no fr. 19 Diels de Parmnides c ocupa um lugar de importncia em Heraclito, onde o ?.6yo parece ter, alm de outros valores, o de veculo de expres-so do real. Sabe-se que, na parte da sua obra consagrada msica, Demcrito estudava conjuntamente a lngua c a literatura. Mas a primeira tentativa de filosofia da linguagem , como sabido, o Crilo de Plato, onde se debatem duas teses: a de Crtilo, que supe os nomes justos por natureza (

  • 188 MARIA HtLI.NA DA ROCHA PKREIRA

    partes do discurso, a elaborao do vocabulrio adequado a esse efeito, obra de Aristteles e dos seus discpulos, como todos sabem.

    Os estudos da linguagem progridem na poca helenstica. por um lado sob a gide da nova escola filosfica do Prtico, e por outro sob o impulso dos gramticos alexandrinos. E o ano de 130 a.C. v apa-recer o primeiro compndio sistemtico, o de Dionsio Trcio, modelo de quantos se lhe seguiram.

    No interessaram a esse estudioso as informaes de carcter dialectal. Estava-se j em plena xoivtj alexandrina. Por esse motivo, t an to mais precioso se to rna este dilogo do Idlio XV de Tecrito, em que o poeta nos apresenta as duas Siracusanas a serem criticadas por um transeunte que. alis, por um curioso convencionalismo literrio, se exprime do mesmo m o d o por falarem com as vogais mui to longas (1):

    ziavoaod-1, > varavou vvvxa xtor?.?joiaai, TQvyve' xxvaiaevvn TcXazsiaotaai navra.

    ix, jtQev (")v0oco7zo^; ri rv, ei xoytiXcu efi, TiaofAevoQ hdxaooe. Zvgaxooai- mraoei. w ETJL xal rovro, KogivOiai SI/ vcodsv, ch xal 6 Bt/./.eoo

  • PAUSANAS SOBRE A LINGUA GREGA 189

    -somente apontar, tanto quanto possvel, as linhas mestras um perodo de revitalizao artificial dos dialectos, visvel em numerosas inscries. Literariamente, pelo contrrio, o movimento chamado da Segunda Sofstica pugnava pelo regresso ao tico puro. Dessas tendncias c exageros se fez eco Luciano, sobretudo cm quatro dos seus dilogos: De uocalium indicio, Pseudologista, Rhetorum Praecepta e Lexiphanes. Por eles sabemos da preocupao geral de se tornar {mtoarrixo (1), de atingir rf/ xTiyJeae; xoov (2).

    O primeiro destes escritos precioso para o conhecimento da pro-nncia da poca, nomeadamente do que o autor chama a invaso dos domnios do o pelo T, e consequentes fenmenos de hipercorreco.

    Atravs das ironias constantes de Luciano contra o mestre de ret-rica, que, para o ser, apenas precisa de escolher vinte palavras ticas, inventar termos e no cometer solecismos nem barbarismos, e, em geral, contra todas as afectaes de linguagem do seu tempo, colhemos infor-maes de grande interesse sobre a maneira de falar urbana e a dialectal.

    O De uocalium indicio, nomeadamente, d-nos a certeza de que o becio da poca era ainda de pronncia bem distinta.

    As crticas de Luciano situam-nos no mundo literrio ou pseudo--literrio da poca. As do seu contemporneo Pausnias tm uma amplitude muito maior, como passaremos a demonstrar.

    Um grupo de observaes diz respeito histria ou mesmo pr-histria da lngua grega. o caso da informao, dada em TL37.3, de que, antes do Regresso dos Heraclidas, os Argivos e os Atenienses falavam o mesmo dialecto:

    IQIV c Jaxsla xaxsXdsv U&7jo7tjwrpov7 XTJV avx?)v rj

  • 190 MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA

    Limitando-nos s principais, diremos apenas que Chadwick, Risch, Porzig, Lejeune e outros sustentam que do micnico do norte viria o elico, e do do sul o arcado-cipriota e o inico-tico. Palmer entende que j no sculo xin o arcado-cipriota e o inico-tico eram dis-tintos, e que o primeiro destes dialectos est mais directamente aparen-tado com o elico (1). Mas a verdade que, como se tem notado nestes ltimos anos, o inicoe o arcdico tm notrios pontos de encontro (2), e a informao de Pausnias quadra melhor com a primeira hiptese.

    No principio do Livro V (1.1), ao delimitar as diversas regies do Peloponeso e raas que o habitam, no se esquece de notar que os Arcdios e Aqueus so aborigines, facto, alis, j referido anteriormente por outros autores (3).

    Mais curioso o fenmeno da mudana de dialecto, que regista em mais de uma cidade grega, mudana essa que se acompanha de uma evoluo nos hbitos, a ponto de quase se constituir uma frmula para exprimir o facto.

    o que ns notamos, se compararmos a afirmao de T.39.5, a respeito dos Megricos(4):

    MeyoQS fikv OVXOK $t) xo rp> f./,erafia?.vTe AcoQiet yeyvai.

    (1) Leia-se a discusso de Palmer na introduo ao seu livro The Interpre-tation of Mycenaean Greek Texts. Oxford, Clarendon Press, 1963, pp. 60-64. Para outras hipteses, no mencionadas aqui, leia-se V. Gcorgiev, Mycenaean among the other Greek dialects, Mycenaean Studies, Wingspread, 1961, ed. Emmett L. Bennett, Jr.. Madison, The University of Wisconsin Press, 1964, pp. 125-139.

    (2) Cf. E. Risch, Caractre et position du dialecte mycnien, tudes Mycniennes. Gif-sur-Yvette, publ. par M. Lejeune. Paris, 1956, p. 253. Exemplos so o facto de serem os nicos dialectos a usarem a partcula v (e no xe, xev, do lsb.jtess., cipr., ou y.a do bec. e gr. oc.) e a condicional si (ao passo que o gr. oc. e o el. dizem al e cipr. = ^ ) e a sua concordncia no tratamento dos grupos cons-titudos por sibilante + sibilante, dental sibilante e dental surda ou aspirada * y. Para uma enumerao completa, leia-se o importante artigo do mesmo autor, Die GHederung der griechschcn Dialekte in neur Sicht, Museum Helveticum, 12 (1955), 61-76. A validade da primeira destas isoglossas foi contestada, e.g., por L. R. Palmer, The Language of Homer in A Companion to Homer, pp. 90-92, que pretende reduzir as duas partculas ao mesmo timo, diferenciado a partir de um falso corte, no gnero de ov nv xi dividido em ovx. v TZ.

    Ci) Citados por Hitzig e Bluemner no comentrio ad locum da sua edio de Pausnias. Lipsiae, 1901, vol. II, p. 282.

    (4) A informao concorda com a de Estrabo, IX, p. 393, como notam Hitzig e Bluemner, op. cit., I, p. 360, que citam tambm o artigo de Wilamowitz in

  • PAUSNIAS SOBRE A LNGUA GREGA 191

    com a de 11.29.5, relativa ao estabelecimento, pelos Argivos, do falar drico em Egina (1):

    r AOJQICOV edr] xai q>oyvi]v xaTeonjoavro v x?\i vjaan.

    Uma^pequena variante nos surge em TV.34.8, onde se refere que a cidade de Corona , na Messnia, era de origem tica, mas, com o tempo, adoptou o dialecto e os costumes dos Dr ios (2 ) :

    ?fjieX)x)V ou diXexTv TF v yovov xai Or] (.tera/uadtf-oeoOat r Acogicnv.

    inversamente, out ro passo informa-nos (V.27.11) que os Mess-nios, apesar de terem emigrado, haviam conservado o seu dialecto.

    precisamente neste ponto que se insere uma das afirmaes de maior interesse, por dois motivos: um a presena da noo de pureza dialectal (3), outro , a permanncia desse falar at ao sculo n p . C :

    Msaayjvioi xT ile/jOTZowijoov TQiaxoia StTI fihcrca t)ko)vro, v ol ovxe Owv elai fj/joi Tiaoa/.vaavr TI TWV oxoOtv oike TYjv iexTOv TT}V AcoQa fiETeiyQ^aav, XX xai fjixQ hl r xgifi; amy; I7s/X)7iorv)]a(o)v [iXutta yvaooor.

    Hermes, IX, 324, no qual se considera impossvel que os Drios tenham encontrado na Megrida uma populao inica.

    (1) Hitzig e Blueniner, op. cit., I, p. 622, comparam esta afirmao com a de Herdoto VIII.46 e V.82, 83.

    (2) Hitzig e Bluemner, op. cit., II, p. 185, pem em dvida esta assero, pelo facto de no estar documentada em mais nenhum autor. Por isso pensam, como Tpffer, Attische Geneahgieiu 217, 4, que a lenda assenta numa etimologia popular do nome, a partir de xo?.a>v. A noo de que hbitos, traje e nome denun-ciam a origem est expressa tambm, a respeito dos Lacedemnios, em VII.14.2. E em V.29.3, os Macednios so reconhecidos pela fala ((fiovij) e pelas armas. Em X.23.8, apresentado como prova evidente do pnico dos Gauleses o facto de com-baterem uns contra os outros, sem distinguirem se a lngua a mesma, se grego.

    (3) A noo inversa, ou seja, de mistura dialectal, era um facto de que os Gregos cedo se aperceberam, como, por exemplo, Tucidides (VI.5.1), ao afirmar que o falar de Himera ficava entre o da Calcdica e o dos Drios, e ps.-Xenofonte, Ath. Resp. II.8, a respeito de elementos estranhos no tico. Sobre o assunto, veja-se Thumb-Kieckers, Handbuch der griechischen Dialekte, I. Heidelberg, 1932, pp. 60-61 (que referem estes dois exemplos) e bibliografia a citada.

  • 192 MARTA HELENA DA ROCHA PEREIRA

    Uma outra noo, a de musicalidade alis em plena concor-dncia com o passo das Siracusanas que citmos atrs evidencia-se em III. 15.2, quando, ao referir-se ao sepulcro de lcman, declara que os seus carmes em nada foram prejudicados pelo uso do dialecto lacnico, fytvoxa -lanzyofivr] t ev

  • PAUSNIAS SOBRl \ I INGUA GREGA 193

    Dois outros exemplos dizem respeito ao falar da Elide. So os de V.3.2 e V.21.2. Refere aquele que as mulheres c homens dessa regido nomearam um local e o rio que o banha fiod, rm/ogco farifo em memria do deleite que sentiram quando, aps uma grande devastao na populao masculina da regio, Atcna lhes concedeu uma unio fecunda. fcil depreender do prprio sentido do con-texto que este termo o equivalente do tico yV\ e que o (it o resultado do digamma desaparecido (o qual, por sua vez, provinha da simpli-ficao, cm posio inicial, de *\\\\-

  • 194 MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA

    serviu de modelo. Efectivamente, como lembram, entre outros, How e Wells (1), as moedas de Cpscla da Trcia apresentam uma grande jarra cilndrica, e a arca que se mostrava no templo de Hera em Olmpia. a avaliar pelos seus relevos e inscries, no seria anterior a 600 a .C. E no repugna aceitar, cem Legrand (2), que a explicao de Pausnias fosse inventada em Olmpia, para responder a qualquer objeco for-mulada por quem achasse estranho que aquela arca tivesse ocultado Cpselos.

    No entanto, no devemos pr totalmente de parte a hiptese, dubi-tativamente apresentada por Frisk no seu dicionrio etimolgico (3). de uma relao com o aoristo xvyai, o que daria a esperada noo de esconderijo.

    No Livro VITf, encontram-sc duas palavras dialectais da Arcdia. A primeira, em 23.3, de pouco interesse, por se tratar de um top-nimo (Kaqfv), que deriva de Kepheus, por forma, alis, discordante de Dionsio de Halicarnasso, 1.49.1. de Estrabo, XIIT.608, e de Estevo de Bizncio, A.M. Kuq.vai(4). A segur.da. em 25.6, contm a explicao da razo pela qual Demtcr recebeu nessa regio o sobrenome de Erinia. Srt r 9vu

  • PAUSNIAS SOBRE A LNGUA GREGA 195

    inultos, ou associadas Ate (T 87), mas a origem do seu nome no est satisfatoriamente esclarecida (1). Por outro lado, a Arcdia distin-gue-se por muitas particularidades cultuais, entre as quais avultam as referentes a Demtex (2). Portanto, apenas podemos concluir que, ao contrrio do que Pausnias sugere, oivveiv que deriva do substantivo. Para confirmar o facto, aduziremos ainda a presena de e-ri-nu numa tabunha em Linear B, de Cnossos, includa numa lista de divindades s quais se fazem oferendas de azeite (3).

    Por conseguinte, de sete palavras dialectais citadas (4), uma a suposta etimologia de um topnimo a partir de um nome prprio, quatro respeitam ao lxico, duas fontica. Dentre todas, s uma, a de V.17.5, referente ao passado (TOT). AS demais mantm-se ainda no tempo do autor, como alis sucedia com outras informaes anteriormente mencionadas.

    De resto, esta noo do arcaico e actual e, ipso facto, da evo-luo da lngua, est patente noutros casos, como aquele em que se faz referncia ao fenmeno, que denomina de transposio do o, n rcov "/.qmmmv para xgveiov, na invocao de Karneios, dada a Apolo pelos Lacnios, y.ax tj ri o%aov (Iff. 13.5).

    As mesmas observaes se estendem escrita, quer na referncia boustrophedon da arca dos Cipslidas (V.17.6), que Hitzig e Bluemner supem ser em letras corntias (5), quer nas letras antigas de V.22.3 e VJII.25.1, nas letras ticas antigas de VI.19.6, ou ainda na escrita da direita para a esquerda, em V.25.9.

    De outras inscries, como as citadas em II.27.3 e II.37.3, refere-se apenas que esto gravadas em drico.

    Passando por alto as etimologias propostas para topnimos (para Altis em V.10.1; Lymax em VIII.41.2; Nomia em VIII.38.11 ; Palatium

    (1) Frisk, ibidem. (2) M. P. Nilsson, Geschichte der griechischen Religion, I, 21955, pp. 477-481.

    Sobre o assunto, veja-se tambm Wilamowitz, Der Glaube der Hellenen, I. Basel, 21956, pp. 391-400.

    (3) John Chadwick and Lydia Baumbach, The Mycenaean Greek Vocabulary Glotta, XLI, 3/4 (1963), 194.

    (4) A este grupo poderia acrescentar-se o inico

  • 196 MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA

    em V1TT.43.2) ou etnnimos (Ozolai em X.38.1-3) ou para nomes pr-prios (Daidafos em IX.3.3 e Pytho em X.6.5), por naturalmente suspeitas, temos ainda a notar as referncias a diversas palavras brbaras, como o celta XQifxaQKioa em X.19.11, o corso (iaXaQ em X.17.9, o cario "OaoyJa em VIII. 10.4 (nome que se encontra tambm em inscries, cf. Hitzig e Bluemner, op. cit., TI, p. 145), o gauls v em X.36.1. Este ltimo passo tem especial importncia, porque nos mostra que os Gauleses asiticos (acima da Frigia) ou Glatas ainda se exprimiam em celta no sculo n p .C, conforme notam Hitzig e Bluemner, op. cit., Ill, pp. 826-827 (1). Ainda a propsito do cario, afirma-se em IX.23.6 que certo orculo foi dado, no em grego, mas naquela lngua. Para explicar o facto, Hitzig e Bluemner, op. cit., HI, p. 460, citam a hiptese de Stein, de que os sons do Promantis seriam to inarticulados, que o consulente estrangeiro podia tambm arrogar-se o direito de os interpretar na sua lngua.

    Em concluso, podemos dizer que ao esprito curioso e vido de tudo consignar por escrito de Pausnias no escaparam grandes e pequenos factos de ordem lingustica. Entre estes, revestem particular interesse aqueles que testemunham, para alm de uma simples sobre-vivncia vocabular, a manuteno de todo um sistema de caractersticas que individualizam um dialecto. o que nos sugere um passo como IX.34.2, quando, depois de narrar o mito da petrificao de lodama. diz que todos os dias uma mulher acende fogo no seu altar, ao mesmo tempo que repete em becio (2) que lodama est viva, c pede esse fogo. o que nos afirma, de maneira insofismvel, o passo de IV.27.11, ao referir que os Messnios, a despeito da sua ausncia de trezentos anos do Peloponeso, mantm o mais puro dialecto drico xai tj/n hi. Quer isto dizer que podemos, sem receio, pr de parte a hiptese em curso de que s o lacnico sobrevivia ainda na poca imperial,

    (1) A respeito da sobrevivncia do gaiata, A. Meillet, Introduction l'tude comparative des langues indo-europennes. Paris, Hachette, s1937, p. 69, apenas observa vagamente que o gaules foi eliminado em toda a parte desde os primeiros sculos da era crist. C. E. Stevens, no Oxford Classical Dictionary, s. u. Celts, afirma que, segundo S. Jernimo, ainda era falado na Galcia no sculo v. (Devo esta ltima referncia ao Professor Doutor A. Costa Ramalho).

    (2) De resto, o becio um dos dialectos que se conservaram mais tempo. Der Einfluss der xotvr) macht sich nicht so stark wie sonst geltend, como dizem Thumb-Scherer, Handbuch der griechischen Dialekte, TI. Heidelberg, 1959, p. 16.

  • PAUSNIAS SOBRE A LNGUA GREGA 197

    e que as inscries dialectais que ento se gravavam no passariam de um reavivar artificial dos antigos falares. E que, portanto, a KOIVT] alexandrina representa um padro de unidade lingustica de amplitude muito mais restrita do que as obras literrias c os dados epigrficos deixam entrever.

    MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA