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    O ambientalismo em trs escalas de anlise

    Environmentalism in three scales of analysis

    Fabiano Quadros Rckert

    Resumo

    A possibilidade de avanarmos na compreenso do ambientalismo demanda uma disposio para pensarmos

    a complexidade dos fenmenos sociais e implica uma abertura para a discusso sobre as suas diferentes escalas de

    atuao. Procuro explorar esta possibilidade de compreenso do ambientalismo, revisando a bibliograa sobre osurgimento da crtica degradao ambiental e construindo trs escalas de anlise para o tema: a primeira escala

    focada na dimenso cientca do ambientalismo, a segunda aborda as interpretaes sobre o ambientalismo

    no Brasil e a terceira destaca o movimento ambientalista no Vale do Rio dos Sinos. Penso que a subdiviso do

    ambientalismo em trs escalas de anlise necessria para a articulao entre questes de mbito global como

    a percepo da crise ambiental com o desenvolvimento da Poltica Nacional do Meio Ambiente e a degradao

    do Rio dos Sinos. Neste sentido, pretendo explorar a polissemia do ambientalismo, identicando pontos de liga-

    o entre as trs escalas de anlise usadas no artigo.

    Palavras-chave: ambientalismo, histria, Vale do Rio dos Sinos.

    Abstract

    The ability to advance the understanding of environmentalism requires willingness to think about the com-

    plexity of social phenomena and implies openness to discuss about their different scales of operation. I try to

    explore that possibility to understand environmentalism, through the literature about emergencies of critical en-

    vironmental degradation and building three scales of analysis to the subject: the rst scale is focused on scientic

    dimension of environmentalism, the second addresses the interpretations of environmentalism in Brazil and the

    third highlights the environmental movement in Vale do Rio dos Sinos. I think the subdivision of environmen-

    talism in three scales of analysis is required for the links between global issues - such as the perceived environ-

    mental crisis - with the development of the National Environmental Policy Act and the degradation of the Sinos

    River. In this sense, I intend to explore the polysemy of environmentalism, identifying points of connection

    between the three scales of analysis used in the article.Keywords: environmentalism, history, Rio dos Sinos valley.

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    O ambientalismo

    em trs escalas de anlise

    Fabiano Quadros Rckert

    UNISINOS

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    Cadernos IHU uma publicao mensal impressa e digital do Instituto Humanitas Unisinos IHU, apresenta artigos que abordam temas con-cernentes tica, sociedade sustentvel, trabalho, mulheres e novos sujeitos socioculturais, teologia pblica, que correspondem s reas de trabalho doInstituto. Divulga artigos provenientes de pesquisas produzidas por professores, pesquisadores e alunos de ps-graduao, assim como trabalhos deconcluso de cursos de graduao. Seguindo a herana dos Cadernos CEDOPE, esse peridico publica artigos com maior espao de laudas, permitindoassim aos autores mais espao para a exposio de suas teorias.

    UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNISINOSReitor:Marcelo Fernandes de Aquino, SJ

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    Cadernos IHUAno XIII N 51 2015ISSN 1806-003X (impresso)

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    Irregular, 2003-2012 ; Mensal, 2013-.Fuso de: Cadernos CEDOPE: srie cooperativismo e desenvolvimento rural e urbano; com Cadernos CEDOPE: srie populao e famlia;com Cadernos CEDOPE: srie movimentos sociais e cultura; e, Cadernos CEDOPE: srie religies e sociedade.

    Publicado tambm on-line: .Descrio baseada em: [Ano 1, n. 1 (2003)] ; ltima edio consultada: Ano 12, n. 46 (2014).ISSN 1806-003X1.Sociologia. 2.Religio. 3.Trabalho. I.Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Instituto Humanitas Unisinos.

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    Sumrio

    Introduo ............................................................................................................................... 5

    1. A dimenso cientca do ambientalismo....................................................................... 6

    2. Leituras do ambientalismo no Brasil .............................................................................. 14

    3. A construo textual do ambientalismo no Vale do Rio dos Sinos........................... 23

    Consideraes nais.............................................................................................................. 40

    Referncias Bibliogrcas..................................................................................................... 42

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    Introduo

    Do que falamos quando falamos em ambientalismo?Esta a questo central proposta pelotexto, que foi escrito para um pblico de leitores consciente da importncia de uma ree-xo sobre a histria do ambientalismo. E, como toda histria, ela pode ser narrada a partirde mltiplas perspectivas. Na bibliograa produzida por autores de diferentes formaesacadmicas, encontramos uma pluralidade de interpretaes indicando a existncia de

    dvidas e explicaes incompletas sobre o que provocou o surgimento de movimentossociais voltados para a preservao da natureza. A bibliograa tambm potencializa dvi-das sobre as relaes do ambientalismo com as instituies polticas tradicionais e exploraas mudanas sociais decorrentes da problemtica ambiental e das suas diferentes formasde percepo.

    Aceitar a existncia de dvidas e de uma pluralidade de interpretaes uma condi-o necessria para os interessados no estudo das interaes entre o ser humano e o meioambiente. Neste campo de estudo, cada conceito comporta um determinado nmero depossibilidades para interpretar um tema e, no caso especco do ambientalismo, importa

    ressaltar que, antes mesmo da sua construo conceitual, o antropocentrismo, a lgicacartesiana e a racionalidade econmica j estavam congurados como elementos funda-mentais do comportamento humano. Neste sentido, proponho interpretar o ambientalis-mo como um pensamento dissidente e pretendo explorar os sinais da sua dissidncia nabibliograa existente sobre o tema.

    O contedo do texto foi organizado em trs tpicos que sinalizam variaes naescala de abordagem do tema: (1) o primeiro destaca a dimenso cientca do ambienta-lismo explorando os seus vnculos epistemolgicos com a Economia Ecolgica e com aEcologia Poltica; (2) o segundo contempla estudos que apresentam interpretaes sobre

    o ambientalismo no Brasil; (3) o terceiro tpico apresenta um histrico do movimentoambientalista no Vale do Rio dos Sinos.

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    1. A dimenso cientca do ambientalismo

    O conhecimento sobre os recursos naturais disponveis em um determinado lugare sobre as tcnicas necessrias para us-lo condio indispensvel para a sobrevivnciada espcie humana. Isto signica dizer que a nossa espcie sempre esteve envolvida com aobservao e a manipulao da gua, do solo e dos demais seres vivos que formam a cha-mada Biosfera. O envolvimento sempre existiu, mas os seus objetivos e resultados foram

    modicados ao longo do tempo.Nos ltimos sculos da histria humana, o ritmo e a intensidade da explorao dosrecursos naturais foram intensicados a partir de uma conuncia de fatores, dentre osquais podemos destacar o predomnio da lgica cartesiana no saber cientco e a difusode uma racionalidade econmica voltada para a capitalizao da natureza.

    O saldo deste modelo de relaes entre o ser humano e os demais elementos danatureza produziu efeitos colaterais, tanto no plano ambiental quanto no plano social. Noplano ambiental, os efeitos colaterais foram (e ainda so) a contaminao dos recursoshdricos, a degradao da qualidade do ar, o desgaste do solo, o efeito estufa, o assorea-

    mento de rios e lagos e a destruio parcial ou completa de determinados ecossistemas.No plano social, os efeitos colaterais se manifestam na distribuio desigual dos recursosnaturais e das riquezas obtidas pela explorao destes recursos. Foi a partir da percepoe das discusses sobre os efeitos colaterais do modelo que a crtica ambientalista ganhouforma mais consistente, sobretudo nas dcadas nais do sculo XX.

    Um dos pontos fortes do pensamento dissidente construdo pelo ambientalismoestava no uso de argumentos cientcos para comprovar a existncia de problemas nomodelo de explorao dos recursos naturais oferecido pela modernidade. A relao doambientalismo com a Cincia foi abordada por Manuels Castells no texto O verdejar do

    ser: o movimento ambientalista. Segundo Castells:Embora critiquem a dominao da vida pela cincia, os ecologistas valem-se da cincia parafazer frente a esta em nome da vida. O princpio defendido no a negao do conhecimento,mas sim o conhecimento superior: a sabedoria de uma viso holstica, capaz de ir alm das abor-dagens e estratgias de viso restritas, direcionadas mera satisfao das necessidades bsicas.(CASTELLS, 1999, p. 155).

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    Castells estava correto na sua observao sobre o uso da cincia para legitimar oambientalismo. Mais antes dele, outros autores sinalizaram nesta direo. Em 1977, ohistoriador norte-americano Donald Worster publicou o livroNatures Economy: A Historyof Ecological Idease dedicou uma parte do seu estudo para explorar o desenvolvimento daCincia da Ecologia na primeira metade do sculo XX.1Naquele contexto, existiam duascorrentes no interior da Ecologia, uma delas seguia a perspectiva utilitarista da cincia conhecer para explorar melhor e outra enfocava a dimenso holstica, promovendo ummovimento de restaurao de valores morais na cincia, uma tica da interdependncia(PEREIRA, 2013, p. 207). Cada uma destas correntes ofereceu contribuies para que omovimento ambientalista formulasse as suas crticas degradao da natureza.

    As crticas foram intensicadas no perodo que Worster chamou deIdade da Ecologia(WORSTER, 1994). Este perodo iniciou-se aps a Segunda Guerra Mundial, quando umgrupo de cientistas dentre os quais estavam os bilogos Garrett Hardin, Barry Commo-

    ner, Rachel Carson e Paul Ehrlich decidiu usar argumentos cientcos para alertar a so-ciedade dos riscos que o planeta enfrentava diante da degradao ambiental e do elevadocrescimento populacional. O trabalho desses autores foi fundamental para que o ambien-talismo alcanasse um expressivo espao nas discusses acadmicas dos anos 1960 e 70.

    A biloga Rachel Carson certamente um dos maiores expoentes de uma crti-ca ambientalista pautada em critrios cientcos. Carson foi autora da clssica obraSilent Print, publicada nos Estados Unidos em 1962 e traduzida para a Lngua Portuguesaem 1964. Pesquisadora com especializao no estudo de ambientes martimos, Carsonusou seus conhecimentos de Biologia e sua habilidade como escritora para denunciar os

    problemas ambientais decorrentes do uso de agrotxicos nos Estados Unidos. Sua obradifundiu-se rapidamente pelo mundo e fomentou discusses sobre os riscos decorrentesda Revoluo Verde, dentro e fora das universidades.

    As preocupaes de Rachel Carson com os efeitos negativos das novas tecnologiasencontraram adeptos na comunidade acadmica norte-americana, sobretudo na rea dasCincias Naturais. Em um artigo intitulado The Tragedy of the Commons, publicado em 1968,o bilogo norte-americano Garrett Hardin relacionou o problema da presso sobre osrecursos naturais ao crescimento da populao humana e posicionou-se contra o aumentopopulacional descontrolado. Sua posio apresentava certa semelhana com o pensamen-

    1 Existem duas formas de pensarmos a Ecologia: podemos consider-la como um segmento especco daBiologia focado no estudo dos ecossistemas e dos ciclos de energia da natureza; ou podemos pens-la, deforma mais abrangente, como a Cincia da Biosfera. Em ambos os casos, existe uma concepo de natu-reza que contesta a fragmentao entre as partes do ambiente construda pelo racionalismo cartesiano eaponta para a valorizao das interaes entre o conjunto de seres vivos e os demais elementos naturaisde um determinado ecossistema.

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    to de Thomas Malthus e, consequentemente, ele foi considerado um dos intelectuais doneomalthusianismo (CORAZZA, 2000). Outro bilogo norte-americano que se posicio-nou contra o crescimento demogrco foi Paul Ehrlich, autor do livroThe Population Bomb,publicado pela primeira vez em 1968. Ehrlich fez previses catastrcas para o futuro dahumanidade e props o uso de medidas radicais para conter o crescimento populacional,sobretudo nos pases que na poca pertenciam ao chamado Terceiro Mundo.

    O radicalismo de Paul Ehrlich foi criticado por diversos intelectuais da sua poca, eum dos seus principais crticos foi o bilogo Barry Commoner, autor do livroThe ClosingCircle: nature, man and technology, publicado em 1971. Commoner tambm estava preocupa-do com a degradao ambiental, intensicada no perodo ps-Segunda Guerra Mundial,mas discordava da nfase na questo demogrca e considerava o uso de tecnologiasdefeituosas o principal motivo da poluio do ambiente (CORAZZA, 2000).

    No nal dos anos 1960, Paul Ehrlich e Barry Commoner protagonizaram um in-

    teressante debate sobre o processo de degradao ambiental e sobre as possibilidades decombat-lo a partir do controle demogrco e da criao de tecnologias mais ecientes(HOLDEN, 1972). Ehrlich manteve seu pessimismo e insistiu na necessidade de controleda natalidade, enquanto Commoner expressou otimismo com a possibilidade de reduzir adegradao ambiental a partir de novas tecnologias.

    O debate acadmico fomentado pelos bilogos norte-americanos interessava di-retamente aos economistas de diferentes nacionalidades, pois se os neomalthusianos es-tivessem corretos nas suas previses, o colapso do sistema econmico era uma questode tempo. Ciente da importncia do assunto, o grupo de cientistas reunidos no Clube de

    Roma buscou o auxlio do Massachusetts Institute of Technology (MIT)para elaboraruma pesquisa ampla e sistemtica sobre os problemas ambientais que afetavam o planeta(Mc COMICK, 1992). Em 1972 o Clube Roma publica um relatrio intitulado Limits toGrowth, divulgando os estudos elaborados pela equipe do MITcoordenada por DennisMeadows. O contedo do relatrio, baseado em um modelo de clculos matemticos,armava que seria invivel para o planeta suportar o crescimento populacional e a inten-sicao no consumo de energia e de recursos naturais.

    As previses feitas pela equipe de Dennis Meadows provocaram polmica no mun-do acadmico, e alguns cientistas apontaram problemas tericos e metodolgicos nas

    pesquisas feitas pelo MIT.2Mas, apesar de ser contestado por membros da comunidadeacadmica, o relatrio Limits to Growth foi incorporado ao discurso ambientalista, quepode us-lo para reforar o seu repertrio de crtica degradao dos recursos naturais.

    2 Para os interessados nas crticas que a obra Limits to Growth recebeu, recomenda-se o estudo dos seguintesautores: John Maddox (1974); Herrera (1974); ORiordan (1977).

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    No plano epistemolgico, as dcadas de 1960 e 70 potencializaram uma aproxima-o entre as Cincias Naturais e as Cincias Exatas e envolveram cientistas de diferentesnacionalidades no debate sobre os problemas decorrentes do crescimento demogrcoe econmico. A existncia deste debate foi um dos componentes da Idade da Ecologiaecontribuiu para o surgimento de disciplinas acadmicas como a Economia Ecolgica,a Ecologia Poltica e a Histria Ambiental. Cada uma destas disciplinas possui algumasparticularidades e todas surgiram marcadas pela proposta de interdisciplinaridade e pelapreocupao com os problemas ambientais discutidos nos anos 1960 e 70.

    A Economia Ecolgica surgiu propondo a interpretao da Economia como umsubsistema de conhecimentos inserido no sistema mais amplo dos fenmenos naturais edos ciclos biolgicos de produo e circulao de energia. Segundo Joan Martnez Alier:

    Los economistas ecolgicos cuestionan la sustentabilidad de la economia debido a sus impactosambientales y a sus demandas energticas y de materialies, y tambin debido al crescimiento de

    la poblacin. Los intentos de asignar valores monetrios a los servicios y las perdidas ambienta-les, y los intentos de corregir la contabilidad macro econmica, formam parte de la EconomaEcolgica, pero su aportacin y eje principal es, ms bien, el desarrollo de indicadores e ndicesfsicos de (in)sustentabilidad, examinando la economa en trminos del metabolismo social.(ALIER, 2004, p. 37).

    Um dos principais expoentes da Economia Ecolgica foi Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994). Coube a ele comprovar que o sistema econmico no contemplavaas externalidades ambientais, pois exclua dos seus clculos o custo dos recursos naturais edesconsiderava a perspectiva de gradual reduo destes recursos. Ele tambm alertou para

    o problema da supervalorizao da energia como indicativo de ecincia econmica. Nodecorrer dos anos 1980 e 90, a difuso dos trabalhos de Georgescu-Roegen entre a co-munidade cientca internacional contribuiu para que os economistas dedicassem maiorateno s externalidades ambientais e ao problema dos uxos de energia.3

    A Ecologia Poltica tambm surgiu na dcada de 1970, no contexto das previsespessimistas defendidas pelo Clube de Roma e das mudanas que estavam em curso nacincia da Economia. Durante a sua fase inicial, ela foi inuenciada por estudos de ge-

    3 Joan Martnez Alier sintetizou o problema dos uxos de energia da seguinte forma: A economia eco -lgica v o planeta Terra como um sistema aberto entrada de energia solar. A economia necessita deentradas de energia e de materiais. A economia produz dois tipos de resduos: o calor dissipado (pelaSegunda Lei da Termodinmica) e os resduos materiais, que, mediante a reciclagem, podem voltar a serparcialmente utilizados. O funcionamento da economia tanto exige um fornecimento adequado de ener-gia e materiais (e a manuteno da biodiversidade) quanto exige poder dispor dos resduos de maneirano contaminante. Os servios que a natureza presta economia humana no esto bem valorizados nosistema de contabilidade crematstica prprio da economia neoclssica. (ALIER, 1998, p. 55).

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    grafos sobre temas ambientais e pela tradio da antropologia anglo-saxnica de valo-rizao das diversidades tnicas e culturais. Com o tempo, a Ecologia Poltica tornou-seum campo especco de estudos interdisciplinares marcados pela preocupao com osconictos ecolgicos distributivos e com as mltiplas formas de interao entre os gru-pos humanos e os recursos naturais (ALIMONDA, 2011, p. 42). E, para desenvolver seuprograma de estudos, a Ecologia Poltica precisou contemplar uma srie de fatores queperpassam os conitos distributivos ambientais, dentre os quais destacamos as diferentesconcepes de natureza culturalmente construdas, a divergncia entre interesses locais einteresses internacionais no uso dos recursos naturais e o papel do Estado como regula-dor dos conitos.4

    Na Amrica Latina, autores como Arturo Escobar, Hctor Alimonda e EnriqueLeff produziram estudos sobre a Ecologia Poltica e defenderam a necessidade de umareexo sobre as particularidades das relaes entre os grupos humanos e o ambiente

    no contexto latino-americano. O colombiano Arturo Escobar criou o conceito de regi-mes de natureza para valorizar aspectos culturais e tnicos no processo de apropriaodos recursos naturais latino-americanos (ESCOBAR, 2005). Hctor Alimonda abordou oprocesso de colonialidad de la naturaleza criado pelos europeus na Amrica Latina eapontou, como consequncias negativas deste processo, a degradao da biodiversidade,a implantao de monocultivos voltados para o abastecimento do mercado europeu, aintroduo de tcnicas de minerao com alto impacto destrutivo, o genocdio de povosnativos e a perda parcial de conhecimentos e prticas indgenas de interao com a natu-reza (ALIMONDA, 2011).

    O mexicano Enrique Leff dedicou-se ao estudo das relaes entre a produo desaberes sobre a natureza e a congurao dos problemas ambientais contemporneos. NaobraEcologa y Capital, escrita na primeira fase da sua carreira acadmica, Leff considerouo subdesarrollo da Amrica Latina como um efeito da prolongada dependncia coloniallatino-americana.5

    4 Sobre o papel do Estado como regulador dos conitos ecolgicos distributivos, Alimonda arma que:El Estado, sin embargo, a travs de sus multiples mecanismos (el Derecho, para empezar), de sus ins -tituciones, de sus polticas visibles e invisibles, de sus rutinas, es el gran Distribuidor originrio que

    fundamenta los actuales conictos de distribuicin. y es tambin quin estabelece las lneas generalesmacropolticas de la gestin ambiental de los territrios que le estn subordinados. (ALIMONDA, 2011,p. 45).

    5 Segundo Leff: El subdesarrollo es el efecto de la prdida del potencial productivo de una nacin, devidoa un proceso de explotacin y expoliacin que rompe los mecanismos ecolgicos y culturales de los cualesdepende la productividad sostenible de sus fuerzas productivas y la regeneracin de sus recursos natura-les [...] Una de las transformaciones de mayor trascendencia consisti en eliminar las practicas agrcolastradicionales, fundadas en una diversidad de cultivos y adaptadas a las estructuras ecolgicas del trpico,

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    El subdesarrollo es el efecto de la prdida del potencial productivo de una nacin, devido a unproceso de explotacin y expoliacin que rompe los mecanismos ecolgicos y culturales de loscuales depende la productividad sostenible de sus fuerzas productivas y la regeneracin de susrecursos naturales [...] Una de las transformaciones de mayor trascendencia consisti en eliminarlas practicas agrcolas tradicionales, fundadas en una diversidad de cultivos y adaptadas a las es-tructuras ecolgicas del trpico, para incluir prcticas de monocultivos destinadas a satisfacer lademanda del mercado externo. (LEFF, 1986, p. 156-157).

    A preocupao com o subdesarrollo da Amrica Latina perdeu importncia nodebate acadmico ao longo das ltimas dcadas, mas os efeitos colaterais de uma agricul-tura voltada para a exportao, baseada na mecanizao intensiva e no uso de insumos in-dustrializados, continua relevante. Conter estes efeitos colaterais tem sido um dos grandesdesaos do ambientalismo latino-americano.6

    No comeo dos anos 1990, Enrique Leff continuou estudando as questes ambien-tais numa perspectiva sociolgica e direcionou sua ateno para as mudanas epistemo-

    lgicas decorrentes dos problemas ambientais contemporneos. Focado na dinmica daproduo e circulao de saberes sobre o ambiente, ele construiu o conceito de raciona-lidade ambiental (LEFF, 1993). Com este conceito, o autor explorou as diferenas entrea concepo de natureza existente na racionalidade capitalista (baseada nos dogmas daCincia e na supervalorizao do mercado) e o surgimento de uma racionalidade alterna-tiva uma racionalidade ambiental marcada por novas formas de signicao cultural danatureza, por novos hbitos de consumo e pela busca de tecnologias com baixo impactoambiental.

    Leff considerou a emergncia desta racionalidade ambientalcomo uma experinciapositiva, na medida em que ela potencializa o fortalecimento do discurso ambientalista eoferece subsdios para a crtica racionalidade capitalista. Neste sentido, considero opor-tuno destacar a seguinte passagem da sua clssica obra, intitulada Racionalidade ambiental: areapropriao social da natureza.

    [...] as contradies entre a ecologia e o capital vo alm de uma simples oposio de duas lgicasabstratas contrapostas; sua soluo no consiste em submeter a racionalidade econmica lgicados sistemas vivos ou em internalizar um sistema de normas e condies ecolgicas na dinmicado capital. A diferena entre a racionalidade ambiental e a racionalidade capitalista se expres-sa na confrontao de interesses sociais arraigados em estruturas institucionais, paradigmas de

    para incluir prcticas de monocultivos destinadas a satisfacer la demanda del mercado externo. (LEFF,1986, p. 156-157).

    6 No caso especco do Brasil, a contnua expanso da fronteira agrcola no Cerrado e na Amaznia, feitacom o consentimento do poder pblico, tem provocado a rpida degradao da biodiversidade e dicul-tado a manuteno das prticas tradicionais de manejo dos recursos naturais.

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    conhecimento, formas de compreenso do mundo e processos de legitimao, que enfrentamdiferentes agentes, classes e grupos sociais. (LEFF, 2006, p. 249-250).

    Nesta citao, a coexistncia de dois modelos de racionalidade (a capitalista e a am-biental) nos remete ao plano do cotidiano social. Um cotidiano permeado de problemas

    decorrentes da degradao da natureza e, ao mesmo tempo, solo frtil para o pensamentodissidente proposto e difundido pelo ambientalismo.O conceito de racionalidade ambiental construdo por Enrique Leff coloca este au-

    tor no grupo dos intelectuais que acreditam na possibilidade de a crise ambiental produzirrespostas positivas nos diferentes segmentos da realidade social. Esta perspectiva mereceser ressaltada, na medida em que ela se ope ao pessimismo que marcou as discussesambientais nas dcadas de 1960 e 70. E aqui estamos diante de uma mudana de grandeimportncia para a construo e a representao social do ambientalismo. Num primeiromomento, a Cincia forneceu os subsdios para a crtica ambiental; posteriormente, esta

    mesma Cincia fomentou debates sobre a viabilidade de conciliao entre crescimentoeconmico e preservao ambiental e props alternativas para reduzir a degradao dosrecursos naturais.

    E, no decorrer deste processo de mudana, permeado de interaes entre o sabercientco e as prticas sociais, as chamadas Cincias Humanas construram conceitos emodelos tericos para interpretar o ambientalismo e explicar o seu desenvolvimento his-trico. As principais interpretaes podem ser agrupadas em trs correntes tericas: (1) ateoria da mobilizao de recursos ligada aos valores individuais ou coletivos e estratgiasque encontrariam ressonncia com o sistema poltico; (2) a teoria dos novos movimentos

    sociais que associa o movimento ambientalista ao aumento qualitativo das condiesmateriais de vida e s novas demandas decorrentes dessa situao; (3) a teoria do mo-

    vimento histrico, complexo e multissetorial dentro da qual uma corrente procurademonstrar que o ativismo ambientalista surgiu de demandas por melhores condies de

    vida, enquanto outra interpreta o fato como efeito da contraprodutividade (o empregode tecnologias pesadas altamente poluentes) que veio a sensibilizar os cidados a deman-darem por valores ps-materiais (ALEXANDRE, 2000, p. 45).

    Cada uma dessas correntes tericas produziu estudos importantes e, apesar dasdiferenas, elas compartilhavam da inteno de explicar cienticamente o ambientalismoa partir da conjuntura de intensas transformaes sociais e polticas que marcaram o naldos anos 1970 e a dcada de 1980. Naquela conjuntura, a interpretao do ambientalismocomo movimento social portador de um potencial de transformao das prticas polticasfoi compartilhada por diversos intelectuais, dentre os quais estavam Alain Touraine, Jr-gen Habermas e Claus Offe (FERREIRA, 1999). Sob a inuncia de intelectuais interessa-dos na construo de novas identidades, na emergncia de uma sociedade ps-industrial

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    e na valorizao da cultura como elemento de articulao poltica, o ambientalismo foisubmetido ao div das Cincias Humanas e surpreendeu seus interlocutores.

    Os primeiros estudos sobre o ambientalismo (chamado por diversos autores dosanos 1980 de ecologismo) classicavam o movimento ambientalista como reformistae associavam suas aes aos interesses da classe mdia urbana. Eles tambm consideraramo movimento como um produto tpico de pases ricos, desenvolvidos e democrticos.Com o tempo, estas ideias foram revisadas e as Cincias Humanas foram gradualmenteincorporando no seu dilogo sobre o ambientalismo questes como as mltiplas signi-caes culturais da natureza, os problemas ambientais rurais, a construo das territoria-lidades tnicas e as experincias classicadas por Joan Martnez Alier como ecologismodos pobres.7

    7 Joan Martnez Alier defendeu a existncia de um ecologismo dos pobres produzido a partir da distribui-o desigual dos custos ambientais e da mobilizao de segmentos mais pobres da sociedade interessadosem obter justia ambiental (ALIER, 1998 e 2004).

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    2. Leituras do ambientalismo no Brasil

    Propor uma genealogia para o ambientalismo no Brasil no est nos objetivos destetexto, e acredito que seria difcil construir uma narrativa histrica capaz de articular pre-ocupaes com a natureza procedentes de diferentes pocas e locais do pas. Uma nar-rativa deste tipo teria de enfrentar o risco do anacronismo, na medida em que o conceitode ambientalismo e as mltiplas interpretaes que ele comporta pertence ao sculo

    XX. Mas a histria da preocupao com a preservao dos recursos naturais no Brasil anterior ao surgimento do conceito e, consequentemente, seria um equvoco pensar queo tema no pode ser localizado em outro contexto histrico.8

    A preocupao com o uso dos recursos naturais no Brasil, no perodo anterior aosculo XX, foi abordada por Jos Augusto Pdua no seu livro Um sopro de destruio. Pen-samento poltico e crtica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). O livro analisa uma srie detextos contendo o que o autor chamou de tradio crtica ambiental e discute, a par-tir de fontes documentais, problemas decorrentes da explorao comercial da natureza,implantada pelo sistema colonial lusitano e aprimorada no perodo imperial da histria

    brasileira. O trabalho de Pdua uma referncia para a compreenso das relaes entrea sociedade e a natureza no Brasil dos sculos XVIIIe XIX, mas, apesar da sua qualidadeenquanto pesquisa histrica, ele no pode ser considerado como um estudo sobre o am-bientalismo brasileiro.

    A bibliograa existente entende que o ambientalismo ganhou forma na segundametade do sculo XX, na mesma poca em que os problemas ambientais passaram areceber maior ateno da comunidade cientca. No Brasil, um dos pioneiros no estu-do do ambientalismo foi o socilogo Eduardo Viola. Em um texto publicado em 1987,

    Viola interpretou o ambientalismo brasileiro como um movimento histrico, complexo

    8 A preocupao com o uso dos recursos naturais no Brasil, no perodo anterior ao sculo XX, foi aborda-da por Jos Augusto Pdua no seu livro Um sopro de destruio. Pensamento poltico e crtica ambiental no Brasilescravista (1786-1888). O livro analisa uma srie de textos contendo elementos do que Pdua chamoude crtica ambiental e discute, a partir de fontes documentais, problemas decorrentes da exploraocomercial da natureza, implantada pelo sistema colonial lusitano e aprimorada no perodo imperial dahistria brasileira.

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    e multissetorial produzido a partir de iniciativas procedentes de diferentes setores dasociedade civil em uma conjuntura histrica internacional.9Segundo Viola, a combinaode problemas ambientais com desigualdades sociais mais acentuadas, caracteriza o desen-

    volvimento dos movimentos ecolgicos em pases como o Brasil, marcados pelo seguinteproblema:

    Existe uma complexa tenso entre justia social (que pode implicar, valorizar a distribuio sobrea ecologia) e o ecologismo (que pode implicar, valorizar a ecologia sobre a distribuio).(VIOLA,1987, p. 73).

    A tenso seria o produto de diferentes concepes de Ecologia e teria reexos nasdivises do movimento ecolgico e nas suas divergncias quanto ao correto funciona-mento da Ecologia Poltica. Na concepo de Viola, a histria do movimento ecolgicobrasileiro pode ser dividida em trs fases a partir do seu surgimento. Na primeira (1974-1981), predominam denncias e iniciativas de degradao ambiental nas cidades e o sur-gimento de comunidades alternativas rurais; na segunda (1982-1985), h uma experinciade politizao progressiva e de institucionalizao dos movimentos; e na terceira fase acriao do Partido Verde (1986) considerada pelo autor como marco na redenio daideia de Ecologia Poltica no Brasil.

    Em 1991, um ano antes da Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Am-biente e Desenvolvimento, Jos Augusto de Pdua publicou o artigo O nascimento daPoltica Verde no Brasil: fatores exgenos e endgenos. Pdua dedicou uma ateno especial aosfatores que determinaram o surgimento e o perl do Partido Verde no Brasil dos anos

    1980 e considerou a possibilidade da Teoria de Inglehart ser vlida para a experinciabrasileira.10Propondo a distino entre fatores endgenos e exgenos para explicara expressiva receptividade do ambientalismo no Brasil, o autor aponta como possvel

    9 Com base no modelo de classicao dos pases que estava em uso nos anos 1980, Viola abordou assemelhanas e diferenas entre o ecologismo do Primeiro Mundo (existente nos pases mais ricosdo Hemisfrio Norte), o do Segundo Mundo (composto pelos pases socialistas) e o ecologismo doTerceiro Mundo (grupo no qual o Brasil estaria inserido). Ele tambm procurou identicar divises no

    movimento ecolgico mundial a partir de quatro correntes: ecologistas fundamentalistas, ecologistasrealistas, ecossocialistas e ecocapitalistas.10 A Teoria de Inglehart baseada nos estudos de Ronald Inglehart. Este autor exerceu grande inuncia

    nos debates sobre a modernizao nos anos 1970 e 80, quando relacionou o surgimento de valoresps-materialistas ao desenvolvimento econmico de uma determinada sociedade ou nao. SegundoInglehart, a segurana existencial decorrente do crescimento econmico potencializa maior dispo-sio para mudanas no comportamento social e abre espao para questes ps-materialistas como apreservao da natureza (RIBEIRO, 2008).

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    fator endgeno a existncia de uma tradio imaginria de valorizao da natureza nacultura e na poltica brasileira.

    Vindo de cronistas e da arte colonial, passando pelo romantismo do sculo XIX, sob cuja in-uncia se formaram representaes simblicas da independncia nacional, existe uma fortetradio que identica o Brasil pela grandeza da sua natureza. Os principais smbolos nacionaisse relacionam com as matas, os cus, os metais, a fauna e a ora. Essa tradio encontra fortepresena tambm na cultura popular. Apesar de ser um fator dicilmente mensurvel em termosobjetivos e tratar-se de um dualismo bastante esquizofrnico, tendo em vista a histria real dadevastao , essa tradio pode ser apontada como relevante na criao de uma predisposiono universo mental brasileiro para o discurso ecologista. (PDUA, 1991, p. 146).

    Pdua estava correto na sua percepo sobre a existncia de um imaginrio popularque exalta a fauna e a ora do Brasil, mas considerar este imaginrio como um fator depredisposio para o discurso ambientalista uma opo discutvel, pois as relaes

    entre a sociedade e a natureza so complexas e excedem o plano das simbologias e dosdiscursos. Neste sentido, devemos ter em conta que a exaltao da natureza no Brasil coe-xistiu com um desejo de modernidade e de submisso do mundo natural aos interessesda sociedade. Neste caso, seria mais correto falarmos da existncia de ambiguidades nasrepresentaes da natureza construdas no Brasil em diferentes perodos da sua histria.11

    Um aspecto original no artigo de Pdua foi a sua referncia aos intelectuais queretornavam do exterior inuenciados por ideias ecolgicas discutidas nas universidadesda Europa e da Amrica do Norte e simpatizantes do ativismo ambientalista que estavaem curso no Hemisfrio Norte. Jos Lutzenberger e Fernando Gabeira seriam exemplos

    ilustrativos de intelectuais que se dedicaram ao fomento do ambientalismo brasileiro apartir de experincias adquiridas no exterior. Dentro desta perspectiva, o ambientalismobrasileiro dos anos 1970 e 80 incorporou temas e demandas difundidas no Brasil por in-telectuais que estabeleceram contato com o movimento no exterior.

    No comeo dos anos 1990, Eduardo Viola apresentou uma reformulao no seuestudo sobre o movimento ecolgico brasileiro, efetuando importantes mudanas. Os li-mites cronolgicos foram redenidos para destacar o perodo entre 1971 e 1991, e o en-foque do movimento histrico usado em 1987 recebeu uma denio mais elaborada pa-ra contemplar a diversidade de atores sociais envolvidos com o ambientalismo brasileiro.

    No enfoque do movimento histrico, as organizaes no governamentais e grupos comunit-rios dedicados proteo ambiental so parte de um movimento mais amplo que inclui: setores

    11 Para os interessados no estudo das ambiguidades na representao da natureza brasileira, recomendo asobrasNatureza e Cultura no Brasil (1870-1922), de Luciana Murari, e Proteo Natureza e Identidade Nacio-nal, anos 1920-1940, de Jos Luiz de Andrade Franco e Jos Augusto Drumond.

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    do empresariado cujos sistemas produtivos preenchem em medida signicativa o critrio desustentabilidade, grupos e instituies cientcos cujo esforo de pesquisa coloca-se no rumoda sustentabilidade, setores da estrutura estatal (particularmente agncias ambientais) que con-sideram a proteo ambiental como uma dimenso fundamental da ao do governo, agnciasintergovernamentais orientadas para a sustentabilidade planetria. (VIOLA, 1992, p. 51-52).

    Outra mudana importante foi a valorizao das discusses sobre o desenvolvi-mento sustentvel no Brasil. Tratando deste assunto, Viola refere-se fase fundacionaldo ambientalismo brasileiro (1971-1987) como um perodo de ingenuidade e ignornciasobre o desenvolvimento sustentvel. Mas na fase seguinte (1988-1991) a dicotomia entredesenvolvimento econmico e preservao ambiental vai cedendo espao para aproxima-es entre ecologistas, cientistas, economistas e polticos.

    At meados da dcada de 1980, a grande maioria dos ambientalistas brasileiros era externa aoproblema do desenvolvimento; ecologia e economia eram percebidas como duas realidades an-

    tagnicas. Predominava uma viso ingnua e simplista, segundo a qual uma mudana de valorese comportamentos na sociedade (que seria o produto fundamental da prdica ambientalista),associada a uma nebulosa ideia de acesso ao poder por parte dos representantes das classes maispobres da populao, teria como consequncia uma mudana radical da poltica econmica (ede todas as polticas pblicas) na direo de uma sociedade ecologizada. (VIOLA, 1992, p. 66).

    As relaes entre o Estado e o movimento ambientalista tambm foram abordadasno texto que Viola publicou em 1992. Na interpretao proposta pelo autor, a capacidadedo sistema poltico de interferir nas aes ambientalistas apontava em duas direes: osetor mais moderado era canalizado pelo Estado, enquanto o setor mais radical desaava

    o sistema poltico. E, para contemplar estes dois setores do movimento ambientalista, osistema poltico foi gradualmente incorporando a proteo ambiental como parte funda-mental do contedo normativo da democracia.

    Em 1995, em um artigo escrito com Hctor Leis, Viola rearma a sua interpretaodo ambientalismo brasileiro como um movimento histrico de redes complexas e mul-tissetoriais que teria comeado com grupos comunitrios integrados por ambientalistasprossionais e amadores e com as primeiras agncias estatais ligadas questo ambientale, posteriormente, teria se expandido e alcanado outros segmentos sociais. Viola e Leisno explicam como foi o processo de expanso do movimento ambientalista brasileiro,

    mas, em contrapartida, apontam as seguintes decincias apresentadas pelo movimento:[...] carncia de uma agenda estruturada e concreta da questo da sustentabilidade para a socieda-de brasileira; falta de elementos tericos e analticos a respeito de como construir-se uma coali-zosociopoltica sustentabilista no Brasil [...]; bases organizativas ainda precrias com tendnciasa sobredimensionar as superestruturas; comunicao ainda parcial e decitria intersetores (do

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    ambientalismo); produo limitada e baixa circulao de informao; [...]. (VIOLA; LEIS,1995,p. 144-145).

    Nos anos seguintes, Eduardo Viola produziu outros dois artigos, dando continuida-de aos seus estudos sobre o ambientalismo brasileiro.Em 1996, publicou um texto abor-

    dando a transnacionalizao da poltica ambiental brasileira12

    ; no ano seguinte, publicouum trabalho destacando o papel dos nanciamentos internacionais no ambientalismo doBrasil.

    Longe de esgotar as possibilidades de estudo sobre ambientalismo brasileiro, ostextos de Eduardo Viola revelam a complexidade desse tema e apontam as diculdadesda Sociologia para explicar o surgimento e atuao dos movimentos de preservao am-biental no cenrio brasileiro. Nos trabalhos de Viola, percebe-se uma dupla estratgia paratraduzir uma realidade social em cdigos cientcos: o estudo emprico e a teorizao. Ametodologia usada indica a inteno de enquadrar o tema em um macromodelo de inter-

    pretao sociolgica. Neste macromodelo, existe um predomnio da ordenao causa/efeito (via cronologia ou fatos de grande projeo) e uma carncia de aprofundamentona multiplicidade de ideias, valores, motivaes, estratgias e experincias presentes nosatores sociais que construram o movimento ambientalista brasileiro.

    O trabalho de Agripa Faria Alexandre, intituladoA perda da radicalidade do movimentoambientalista brasileiro, contm uma crtica ao enfoque usado por Viola e apresenta outraspossibilidades de interpretao para o mesmo tema. O ponto central da crtica que Ale-xandre dirige Viola reside na supervalorizao do papel das instituies estatais e dalegislao no desenvolvimento do ambientalismo no Brasil. O autor tambm discorda da

    interpretao evolucionista que acompanha o enfoque histrico multissetorial propos-to nos estudos de Eduardo Viola por entender que ela encobre o problema da perda daradicalidade do ambientalismo brasileiro. A perda seria consequncia de uma combinaode fatores, dentre os quais o autor destaca a banalizao do discurso ambientalista naimprensa, a crescente absoro da questo ambiental pelo aparelho estatal, o marketingecolgico adotado pelas empresas e a diculdade do Estado para produzir e implantarpolticas ambientais ecientes. Diante desta conjuntura de fatores, o ambientalismo brasi-leiro enfraqueceu. Segundo Alexandre, ao longo dos anos 1990:

    12 O autor aponta alguns vetores que promoveram a transnacionalizao da poltica ambiental brasileirae destaca os seguintes: o consenso mundial sobre a importncia decisiva da Amaznia, em termos declima regional e biodiversidade global, [...], a inuncia de padres internacionais de proteo ambientalsobre setores exportadores brasileiros, [...] a mudana na disponibilidade de fundos dos bancos para oBrasil, em 1980-1990, para [...] o saneamento bsico e proteo ambiental, o processo de modernizaoecolgica, [...].(VIOLA, 1996, p. 61-63).

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    O movimento passa a perder a sua espontaneidade, o seu ativismo poltico-crtico, e ganhafora enquanto bandeira oportunista para empresrios, publicitrios, agncias setoriais de go-verno. Perdem as minorias, mesmo aquelas que na esperana de poderem pressionar o governoe empresrios nas arenas polticas criadas teoricamente para a discusso dos problemas socio-ambientais (leia-se, por exemplo, os conselhos setoriais do meio ambiente no nvel federal, esta-dual e municipal), acabam sendo literalmente engolidas pelas foras burocrticas do sistema.(ALEXANDRE, 2003, p. 94-95).

    As mudanas ocorridas no movimento ambientalista brasileiro, ao longo dos anos1990, foram interpretadas por Agripa Faria Alexandre como uma perda da radicalidadee como resultado da absoro/institucionalizao/normatizao das questes ambien-tais pelo aparelho estatal. A interpretao proposta por Alexandre apresenta semelhanascom o conceito deparadigma da adequao ambiental, usado por Andra Zhouri para discutira crescente valorizao do saber tcnico e do desenvolvimento sustentvel na percepoe discusso dos problemas ambientais brasileiros (ZHOURI, 2005). Inserido no contexto

    de retrao do Estado e de adoo de polticas neoliberais que marcaram os anos 1990, oparadigma da adequao ambiental foi acompanhado pela crena na capacidade de soluestcnicas e burocrticas para reduzir a degradao do ambiente e conter os conitos gera-dos pela divergncia de interesses em torno do uso dos recursos naturais. Seguindo estacrena e apostando na viabilidade do desenvolvimento sustentvel13, o governo procurouresponder as diferentes demandas do movimento criando leis e normas tcnicas voltadaspara preservao ambiental e implantando prticas de gesto ambiental.

    Diferenciando-se de Viola, Alexandre e Pdua, que concentraram suas atenesno desenvolvimento histrico do ambientalismo no Brasil, o trabalho de Selene Carva-lho Herculano sobre o Frum das ONGsque antecedeu a Rio-92 apresenta um recorteespecco na atuao do movimento do ambientalista.14 Depois de produzir e coletarum vasto conjunto de informaes, Herculano procurou interpretar o Frum como umaexperincia de construo de um posicionamento do movimento ambientalista brasileirosobre o meio ambiente e o desenvolvimento sustentvel e enfatizou quatro questes: (1)a concepo dos ecologistas como uma elite; (2) as circunstncias adversas em que os

    13 O conceito de desenvolvimento sustentvel complexo e polmico. Ele surgiu no contexto das discusses

    acadmicas sobre os problemas ambientais decorrentes do crescimento econmico (discusses queincluam adeptos e crticos do neomalthusianismo). Incorporado no programa poltico da Organizaodas Naes Unidas a partir do Relatrio Nosso Futuro Comum entregue Assembleia Geral da ONUem 31 de dezembro de 1987 ele apresentou uma construo terica fraca, mas, em contrapartida,marcou uma forte rejeio da ONUao pessimismo dos neomalthusianistas. (RIBEIRO, 1992).

    14 HERCULANO, Selene C. O campo do ecologismo no Brasil: o Frum das ONGs. In: Poltica e Cultura vises do passado e perspectivas contemporneas. REIS, Elisa; FRY, Peter;ALMEIDA, Maria Hermnia Tavaresde. (Orgs). So Paulo: Hucitec/ANPOCS, 1996, p. 91-127.

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    ecologistas atuavam; (3) os resultados do Frum; (4) as relaes dos membros do eventocom o governo. A primeira questo o elitismo destaca o elevado grau de escolaridadee a mdia salarial dos ecologistas presentes no Frum ou consultados via questionrio; asegunda diz respeito fora do comodismo na sociedade brasileira e s precrias condi-es materiais e nanceiras da maioria das ONGs15; a terceira aponta as diculdades defuncionamento do Frum, que concedeu igualdade no direito de voto para ONGsdiversi-cadas em tamanho, estrutura e poder de ao; e a ltima trata da expressiva presena deecologistas vinculados ao servio pblico e do papel do Estado na rea ambiental.

    A proposta do Frum das ONGsera representar a sociedade civil brasileira nas dis-cusses ambientais, mas, na prtica, a realizao do evento foi marcada pelo envolvimentoprossional e institucional dos ambientalistas com o Estado. Situao contraditria, arespeito da qual Herculano fez a seguinte observao:

    O campo ecologista aqui analisado atravs da histria do Frum parece buscar a poltica cul-

    tural e a transformao do Estado, (...), enquanto sua representao na arena poltica formal pequena, pois os movimentos ambientalistas e sociais padecem de falta de representatividadeem relao ao total da populao brasileira. Assim, o campo do Ecologismo cou marcado peladependncia ao Estado e solidariedade internacional e por alianas frgeis entre grupos quecompetem por capital simblico, social e cultural, gerando suspeies mtuas.16

    Na opinio de Herculano, a dependncia do Estado e da solidariedade interna-cional, assim como as suspeies mtuas entre os grupos interessados na preserva-o da natureza, seriam aspectos negativos do ambientalismo brasileiro. A interpretaoproposta pela autora est fundamentada em um amplo e qualicado trabalho de pesquisa

    e, neste sentido, ela merece considerao. Mas se observarmos com ateno o enfoqueusado pela pesquisadora, podemos encontrar duas limitaes decorrentes da pesquisa: oreduzido recorte cronolgico da anlise e a supervalorizao do Frum das ONGscomoexperincia de mobilizao dos ambientalistas brasileiros.

    Grandes eventos internacionais certamente oferecem pistas importantes para umahistria do ambientalismo no Brasil, todavia preciso disposio para explorar eventosde impacto regional; ou, dito de outra forma, preciso pensar com mais ateno as par-ticularidades e a complexidade das mobilizaes ambientalistas em diferentes regies dopas. A bibliograa nacional contm interessantes exemplos de estudos que abordam o

    15 nessa parte do seu estudo que Herculano compara o ecologista brasileiro com a gura mitolgica doheri que enfrenta as adversidades com bravura e luta por uma causa nobre e engrandecedora.

    16 Ibid., p. 122.

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    ambientalismo com enfoques regionais, com um predomnio de estudos focados nas re-gies Sul e Sudeste do Brasil.17

    Valorizar questes regionais uma opo para avanarmos no entendimento doambientalismo brasileiro, e explorar a temtica da Educao Ambiental no Brasil outraopo. E, neste nicho especco da bibliograa, importa destacarmos a Tese de IsabelCristina de Moura Carvalho, publicada com o ttulo de A Inveno Ecolgica Narrativas eTrajetrias de Educao Ambiental no Brasil,na qual encontramos subsdios para explorar asconexes entre o ambientalismo brasileiro e a Educao Ambiental. Carvalho trabalhoucom a narrativa da trajetria de vida de 18 personalidades (16 educadores ambientais edois lderes ecolgicos) e, a partir destas narrativas, props uma interpretao do cam-po ambiental como um espao social de sentidos e experincias atravs das quais surgea gura do sujeito ecolgico um sujeito capaz de assumir uma ao educativa com-prometida com o meio ambiente. Tomando os estudos de Viola, Herculano, Crespo18,

    e Reigota19

    como testemunhos da produo do sujeito ecolgico no Brasil, Carvalhoapresenta a imagem desse sujeito construda pelos autores.

    Um sujeito que pode ser visto em sua verso grandiosa como um sujeito heroico, herdeiro detradies polticas de esquerda, mas protagonista de um novo paradigma poltico-existencial; emsua verso new age visto como alternativo, integral, equilibrado, harmnico, planetrio, holista;e tambm em sua verso ortodoxa, na qual suposto aderir a um conjunto de crenas bsicas, umaespcie de cartilha ou ortodoxia epistemolgica e poltica da crise ambiental e dos caminhospara enfrent-la. (CARVALHO, 2002, p. 74).

    Propondo outra leitura do sujeito ecolgico, Carvalho procura recompor a his-

    toricidade do campo ambiental destacando a importncia de experincias como o natu-ralismo ingls do sculo XVII; a ideia iluminista de uma natureza controlada pela razo;as sensibilidades burguesas do sculo XVIII; o romantismo europeu dos sculos XVIIIeXIX; o imaginrio ednico que acompanhou a colonizao da Amrica; e a contraculturados anos 60. A percepo de que a contracultura foi um marco histrico importante nacongurao do campo ambiental uma contribuio importante oferecida pelo estudode Carvalho.

    17 Este predomnio pode ser explicado por dois fatores: (1) nas dcadas de 1980 e 90 o ativismo ambien-talista brasileiro manifestou um perl predominantemente urbano e, consequentemente, ele foi maisintenso nos estados do Sul e Sudeste; (2) existem instituies de Ensino Superior que fomentam aproduo de estudos relacionados ao ambientalismo e aos problemas ambientais nos estados do Sul eSudeste.

    18 CRESPO, Samyra. O que o brasileiro pensa sobre meio ambiente, desenvolvimento e sustentabilidade. Rio de Janeiro:MMA/MAST/ISER, 1997.

    19 REIGOTA, Marcos.Meio ambiente e representao social. So Paulo: Cortez, 1995.

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    Pela caracterstica geracional daqueles que hoje esto entre os 40 e 60 anos e constituem agerao ps-fundadores no campo ambiental, momentos importantes de sua juventude e so-cializao graduao universitria, primeiras experincias de ao poltica, associao gremial,liao partidria, denies das anidades ideolgicas, entrada no mundo prossional estodatados nos anos 60 e 70. Para muitos das geraes mais novas, o clima contracultural faz parteuma memria que, mesmo no vivida, adquirida pela insero no campo e/ou convivncia comamigos, irmos e primos mais velhos [...]. (CARVALHO, 2002, p. 94).

    Na reconstruo histrica feita por Carvalho, o encontro de antigas sensibilidadesdiante da natureza naturalismo e romantismo com a contracultura dos anos 60 in-uenciou nas principais caractersticas do ambientalismo: a ressignicao da naturezacom o reconhecimento de seu estatuto de sujeito jurdico, e a dimenso poltica com acrtica social e a insero da questo ambiental na esfera pblica.

    O conjunto de trabalhos de Viola, Alexandre, Pdua, Herculano e Carvalho, ana-lisado nesta parte do texto, no contempla a totalidade de leituras sobre ambientalismo

    brasileiro disponvel na bibliograa, mas, em contrapartida, destaca uma srie de temasde grande importncia e complexidade temas que continuam instigando a produo denovos estudos. A amostra de trabalhos selecionada indica uma predominncia de estudosque interpretam o ambientalismo na macroescala geogrca, e, apesar das contribuiesque esse tipo de abordagem oferece para a composio de um panorama do movimentoambientalista no mbito nacional, entendo que ela comporta o risco de uma leitura gene-ralizada das experincias de proteo natureza ocorridas no Brasil. Para evitarmos esterisco, proponho pensarmos o ativismo ambientalista em escalas geogrcas mais reduzi-das, explorando com maior profundidade as suas estratgias de Educao Ambiental e oseu envolvimento com associaes comunitrias e partidos polticos a partir de problemasregionais. Procedendo desta forma, evitamos interpretaes generalizadas e criamos apossibilidade de valorizar a dimenso cultural do ativismo ambientalista.

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    3. A construo textual do ambientalismo

    no Vale do Rio dos Sinos

    O ambientalismo no Vale do Rio dos Sinos foi o objeto da minha dissertaode Mestrado, concluda e apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria daUNISINOSno ano de 2007.20Produto de uma pesquisa baseada em fontes documentaisdiversas (imprensa, documentos do poder pblico, acervo de entidades ambientalistas erelatos orais), a dissertao procurou explorar a historicidade do ambientalismo no Valedo Rio dos Sinos, valorizando particularidades regionais, dentre as quais destaquei o tra-balho pioneiro de Henrique Luiz Roessler21, atuao de ONGsambientalistas nas cidadesde Novo Hamburgo e So Leopoldo, a construo e difuso textual do ambientalismo no

    Vale dos Sinos e a memria que os ambientalistas possuem sobre as suas experincias dededicao preservao ambiental.

    Nesta seo especca do artigo, pretendo construir um exerccio interpretativofocado na produo textual do ambientalismo no Vale do Rio dos Sinos e, mais especi-

    camente, focado na sua dimenso cientca e no pensamento de Carlos Aveline e ArnoKayser, dois importantes lderes do ativismo ambiental na regio. Trata-se ento de umrecorte no conjunto de temas contemplados pela dissertao de Mestrado recorte ne-cessrio para que se possa reduzir a escala de abordagem do ambientalismo e concluir aproposta inicial do texto.

    O ponto de partida do exerccio interpretativo proposto est no livro do Padre Bal-duno Rambo, S.J., publicado pela primeira vez em 1942, com o ttuloA Fisionomia do RioGrande do Sul.Nele, Rambo articulou conhecimentos de Geologia, Paleontologia, Geo-graa e Botnica para compor um panorama amplo da natureza no extremo Sul do Brasil.

    20 RCKERT, Fabiano Quadros. Histria e Memria do ambientalismo no Vale do Rio dos Sinos. Dissertao(Mestrado em Histria). Programa de Ps-Graduao em Histria. So Leopoldo: UNISINOS, 2007.

    21Existe uma biograa sobre Henrique Luiz Roessler que merece ser consultada pelos interessados nahistria da preservao ambiental no Rio Grande do Sul. A bibliograa foi produto da Dissertao deMestrado em Histria de Elenita Malta Pereira e recentemente foi publicada no formato de livro, como ttulo Roessler O Homem que Amava a Natureza(So Leopoldo: OIKOS, 2013).

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    Considerado um estudo de referncia pela comunidade cientca da poca,A Fisionomiado Rio Grande do Sul contm um captulo de encerramento com o ttulo Proteo Natu-reza; nesta parte especca da obra, Rambo advertiu para a necessidade de preservaoda natureza e registrou sua preocupao com a degradao dos ambientes naturais no RioGrande do Sul.

    Baseado em suas observaes e no seu conhecimento cientco e inuenciado pelasua formao religiosa, que considerava a preservao da natureza como um princpiotico, Rambo aderiu ao grupo de intelectuais que defendia a criao de Parques Nacionaisno Brasil. Ele entendia que era responsabilidade do governo reservar espaos para que asdiversas espcies da fauna e da ora pudessem ser protegidas do avano da agricultura eda urbanizao.22

    O trabalho de Balduno Rambo difundiu-se pelo incipiente meio acadmico do RioGrande do Sul e atingiu um pblico amplo atravs da imprensa e da sua rede de interlo-

    cutores.23

    Desta forma, as ideias de Rambo sobre a preservao da natureza, registradasna sua clssica obraA Fisionomia do Rio Grande do Sul, inuenciaram na criao de polticasambientais e inuenciaram na articulao do movimento ambientalista gacho.

    Seguindo nosso roteiro para mapear a dimenso cientca do ambientalismo noVale do Rio dos Sinos, passamos da obra do Padre Balduno Rambo, S.J., para a obra doPadre Pedro Calderan Beltro, S.J., um dos pioneiros no estudo da Ecologia Humana naregio. A lista de publicaes do Padre Pedro Calderan Beltro contm dezenas de obraspublicadas em diversos idiomas, e aqui fao referncia a uma pequena parcela dessa lista,destacando textos que a UNISINOSpublicou em seus peridicos cientcos.

    O primeiro artigo de Beltro publicado pela UNISINOS intitula-se A evoluo dopensamento marxista sobre a populao.24O artigo data de 1973 e aborda as relaes entre de-

    22 Segundo Daniel Porciuncula Prado: Para o RS, Rambo entendia existirem dois aspectos que favoreciama criao de um parque nacional, sendo o primeiro a riqueza das formas naturais, e a segunda premis-sa, o perigo da destruio incessante da lavoura. [...] Em sua viso, os locais mais privilegiados paraa criao de reservas naturais seriam as orestas em torno do curso do Rio Uruguai e os Aparados daSerra. (PRADO, 2011, p. 62).

    23 importante lembrarmos que, alm de lecionar na Faculdade de Filosoa, Cincias e Letras de

    So Leopoldo e no Colgio Anchieta, Rambo exerceu docncia na UFRGS e nesta instituio foi oresponsvel pela criao da Ctedra de Antropologia e Etnograa. Ele tambm foi o responsvel pelaorganizao do Museu Rio-Grandense de Cincias Naturais; foi o criador do acervo de plantas do atualInstituto Anchietano e fundou a Revista Iherngia, dedicada publicao de pesquisas na rea das Cin-cias Naturais. Para os interessados na obra deste importante cientista brasileiro, recomendo a leitura dolivro Pe. Balduno Rambo. A pluralidade na unidade. Memria, religio, cultura e cincia.

    24 BELTRO, Pedro Calderan. A evoluo do pensamento marxista sobre a populao.Vale do Rio dos Sinos,n 8.So Leopoldo: UNISINOS, 1973, p. 6-29.

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    mograa e desenvolvimento econmico, revisando interpretaes a respeito do assunto,procedentes da Unio Sovitica. Seguindo um caminho oposto ao da maioria dos pasesdo mundo no perodo ps-guerra, os soviticos reduziram suas taxas de natalidade e, pormeio de demgrafos e economistas, passaram a defender o planejamento familiar comouma condio para o equilbrio entre economia e populao. Inseridas no antigo debateentre o malthusianismo e o marxismo, algumas posies defendidas pelos soviticos aler-tavam para a degradao do meio ambiente gerada pela exploso demogrca e para oproblema que esse fenmeno representava na meta de aumento da qualidade de vida daspopulaes humanas.

    Em 1974, a mesma revista publica outro texto de Beltro intituladoExploso demo-grca: um pesadelo para o futuro da humanidade.25Nesse artigo, Beltro analisa a experinciacontempornea de transio de uma acelerao demogrca para uma desaceleraodemogrca, ressalta as diferenas entre a demograa urbana e a rural e aponta algumas

    tendncias para o futuro, prevendo o crescente desgaste dos recursos naturais.Entretanto, embora desacelerado, o crescimento da populao mundial acarretar inevitavel-mente, nos primeiros decnios do sculo XXI, um volume demogrco tal que multiplicado peloaumento dos nveis de consumo necessrios para uma vida ainda que mediocremente confortvel para toda a hu-manidade,poderia levar a um desgaste tal dos recursos, especialmente dos recursos minerais norenovados, e a uma contaminao tal do meio ambiente (ar, gua, solo, etc.) que soaria a hora docolapso de tantos sonhos nossos de progresso, material e outro. o aspecto ecolgico, pois, eno propriamente o demogrco, que constitui hoje um pesadelo para a humanidade, ao menospara as naes mais desenvolvidas, particularmente nos Estados Unidos da Amrica. [...] a criseecolgica no tem seu fator determinante no crescimento demogrco, mas na incapacidade

    das autoridades pblicas em coibir os efeitos nocivos da economia industrial e da urbanizao.26

    Acompanhando a valorizao mundial da temtica ambiental, em 1975, a UNISINOSpublica outros dois textos do padre Beltro, um intitulado aEcologia Humana27e o outrointitulado ONU 1974 ano mundial da populao. A conferncia e tribuna mundial de Bucarest.28O primeiro foi apresentado na aula inaugural do curso de Especializao em EcologiaHumana oferecido pela instituio, e o segundo foi um relato da organizao e do fun-cionamento da Conferncia Mundial da Populao realizada pela ONU, em Bucareste.

    25 BELTRO, Pedro Calderan. Exploso demogrca: um pesadelo para o futuro da humanidade. Vale doRio dos Sinos, n 9. So Leopoldo: UNISINOS, 1974, p. 39-51.

    26 Ibid., p. 49-50.27 BELTRO, Pedro Calderan. Ecologia Humana. Vale do Rio dos Sinos, n 11.So Leopoldo: UNISINOS,

    1975, p. 39-54.28 BELTRO, Pedro Calderan. ONU 1974 ano mundial da populao. A conferncia e tribuna mundial

    de Bucarest. Vale do rio dos Sinos, n 11. So Leopoldo: UNISINOS, 1975, p. 55-62.

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    Na aula inaugural proferida pelo Padre Beltro, encontramos consideraes a respeito decomo a questo ambiental estava sendo pensada no mbito mundial e informaes sobreo Plano Mundial de Ao Populacional da ONUe sobre os estudos do Clube de Roma.Do texto usado na aula inaugural, importa destacarmos o trecho em que o padre Beltroapresenta a justicativa da interdisciplinaridade no estudo da Ecologia Humana.

    A fase de intensa industrializao que atravessamos, junto com a acelerao do crescimento ur-bano, sobretudo nas metrpoles, nos coloca hoje ante a urgente tarefa de replanejar a ocupaoracional do habitat humano.

    A interveno inconsiderada no meio ambiente pela devastao da fauna e da ora, a poluiodescontrolada do solo e do ar, o desperdcio de recursos naturais, provocam desequilbrios queameaam a meta de um desenvolvimento continuado e harmonioso. Os mais conscientes re-clamam, com urgncia, da adoo de uma poltica de restaurao e conservao do equilbrioecolgico e uso racional de recursos naturais.

    O homem passou a exercer um papel cada vez mais importante e decisivo na determinao do

    meio ambiente. A exploso populacional transformou-se recentemente em exploso urbana. Aanlise desse fenmeno, nos seus determinantes e consequncias, objeto das cincias demogr-cas, constitui-se em conhecimento fundamental para o planejamento urbano e a ao sobre omeio ambiente.

    A Ecologia e a Demograa constituem-se, assim, em duas cincias intimamente relacionadascom a anlise dos problemas do controle do meio ambiente e do estabelecimento de polticasracionalizadoras para o mesmo.

    Parece conveniente, por isso, que o curso sobre os problemas do meio ambiente, que aqui seprope, procure oferecer disciplinas de ambas estas cincias enfocadas, conjugadas para os ob-jetivos propostos.

    Uma razo forte para a UNISINOSmontar um curso de especializao nesta rea est no fato deque ela j possui uma infraestrutura bsica neste setor. Primeiramente, um corpo de professoresque no campo da Sociologia tm trs doutores e cinco mestres, alm de trs em curso de mestra-do no exterior [...]. Alm disso, possui tambm o CEDOPE, com pesquisas realizadas no campoespecco da Demograa.

    No setor da Ecologia, a Universidade tambm possui pessoal preparado e longa tradio depesquisa. O antigo curso de Histria Natural j sobejamente conhecido pelo alto nvel deensino, a elevada qualicao do seu corpo docente e por pesquisas originais ligadas a questesecolgicas.29

    Beltro acreditava na possibilidade de compreenso dos problemas ambientais dasociedade contempornea a partir do estudo da Demograa e da Ecologia e argumentavaque a existncia de um corpo docente qualicado para a pesquisa justicava a iniciativada UNISINOSem oferecer o curso de Especializao em Ecologia Humana. A iniciativa

    29 BELTRO, Pedro Calderan. Ecologia Humana. Vale do rio dos Sinos,n 11, 1975, p. 51-52.

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    reforou o envolvimento da entidade com a questo ambiental no Vale do Rio dos Sinos um envolvimento mediado pela produo e socializao do saber cientco.

    Este envolvimento da UNISINOScom o ambientalismo local iniciou-se nos anos1960 e foi intensicado nas dcadas seguintes. Em 1979, durante a realizao do I Ciclode Debates sobre a Poluio do Rio dos Sinos30, a pesquisadora Crista Knper fez uma refern-cia aos estudos que a UNISINOSrealizava para acompanhar as questes ambientais daregio.31 Durante a sua comunicao, Knper recordou sua experincia pesquisando apoluio no rio dos Sinos.

    Hoje, voltamos em especial mais uma vez s margens do rio dos Sinos. Estas mereceram e aindamerecem a nossa ateno desde os idos tempos de estudante, quando recebamos material pe-dofaunstico ora coletado pelo Prof. Pe. Clemente Steffen, ora pelo bilogo Renato Petri Leal,ora por estudantes excursionistas. Em 1968, o Prof. Dr. Pedro Ernesto Heser e ns zemos umlevantamento de 15 em 15 dias nas margens do rio dos Sinos, durante um ano. A partir do tr-mino desse trabalho, analisamos oligoquetos terrestres semanalmente, a m de acompanharmos

    a evoluo de alguns pontos das margens do rio dos Sinos, mais ou menos nas proximidadesda Universidade. A seguir, foram projetados 81 slides obtidos no Rio dos Sinos e de materialcoletado em suas margens, em que foram constatadas no somente alteraes ambientais, mas,sobretudo, a degradao que leva a uma involuo ambiental, que comprometer a perpetuaoda vida e sobrevivncia no somente da fauna e da ora, mas tambm do ser humano que vivemais ou menos prximo da margem e at mesmo no centro urbano.32

    Os estudos com oligoquetos33realizados ainda nos 1960 j comprovavam o elevadondice de degradao ambiental que atingia o rio dos Sinos e levantavam, nos pesquisado-res, preocupaes quanto sobrevivncia da fauna e da ora nas suas margens. A distn-

    cia temporal aparentemente pequena entre as pesquisas lembradas por Christa Knper eo evento que estava debatendo o problema da poluio hdrica no deve ser diminuda emseu valor histrico. Ela expressa a memria de uma tradio local de pesquisas e faz umajusta referncia a nomes que realizaram um importante trabalho na formao de estudan-

    30 CMARA DE VEREADORES; UNISINOS.I Ciclo de Debates sobre a Poluio do Rio dos Sinos. So Leopoldo:Rotermund, 1979.

    31 Produzido numa parceria entre a Prefeitura de So Leopoldo e a UNISINOS, o I Ciclo de Debates sobre

    a Poluio do Rio dos Sinosfoi realizado diante de um contexto de sensibilizao da sociedade pela mor-tandade de peixes ocorrida no Rio dos Sinos, no vero de 1979. O evento realizou-se no auditrio daBiblioteca Municipal Olavo Bilac, nos dias 26 e 27 de abril de 1979. (HARRES; RCKERT, 2011).

    32 CMARA DE VEREADORES; UNISINOS. I Ciclo de Debates sobre a Poluio do Rio dos Sinos. So Leopoldo:Rotermund, 1979, p. 12-13.

    33 Os oligoquetos so animais terrestres genericamente conhecidos como minhocas. O estudo da presenae do comportamento dos oligoquetos em uma determinada regio oferece parmetros para avaliarvariaes na composio e na fertilidade do solo.

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    tes em Cincias Naturais e no incentivo do envolvimento e do comprometimento com apreservao da natureza.

    A ideia de que a Cincia deveria ajudar na compreenso e soluo dos problemasambientais no estava restrita ao espao acadmico da UNISINOS. Ela tambm encon-trou espao na Educao Bsica e no Ensino Mdio da regio. No caso especco de SoLeopoldo, importa destacarmos o trabalho de Joo Igncio Daudt, professor de Cinciase membro da AGAPAN-NL. Nos anos 1970, Daudt lecionou no Colgio So Jos e naEscola Tcnica Pedro Schneider e organizou Clubes de Cincia voltados para estudo dapoluio do rio dos Sinos. Nos Clubes de Cincia, alunos do professor Daudt coletavamamostras de gua do rio dos Sinos e examinavam no laboratrio a composio qumica eorgnica destas guas (RCKERT, 2007). Os resultados dos exames foram divulgados naRevista Rua Grande, peridico que colaborou para ampliar o ciclo de produo e socializa-o de um saber cientco sobre o ambiente local.34

    A participao da imprensa local na socializao do ambientalismo um aspectoque merece a nossa ateno. Durante a pesquisa, foi possvel observar que o movimentoambientalista ganhou um expressivo espao nas pginas de revistas e jornais publicadosno Vale dos Sinos. Na Revista Rua Grande as aes do movimento ambientalista foramnoticiadas com certa regularidade ao longo dos anos 1970, perodo em que os jornais Valedos Sinos eNHtambm demonstraram interesse pelo ativismo ambientalista.

    O espao concedido pela imprensa nas cidades de Novo Hamburgo e So Leopol-do foi ocupado por diversos membros do movimento ambientalista local e, dentre estesmembros, estavam Carlos Aveline e Arno Kayser.

    Carlos Aveline contribuiu para a criao do Comit de Proteo, Pesquisa e Geren-ciamento da Bacia Hidrogrca do Rio dos Sinos (COMITESINOS), criado em 1988; eletambm foi um dos representantes das ONGsda regio sul do pas no Conselho Nacionaldo Meio Ambiente (CONAMA)35e no FNMAe participou ativamente da organizao doFrum das ONGsna Rio-92. Arno Kayser desenvolveu diversos projetos de Educao

    Ambiental para a Prefeitura de Novo Hamburgo, foi presidente do Movimento Roesslerpela Proteo da Natureza, exerceu uma participao importante na criao do ParqueMunicipal Henrique Luiz Roessler o Parco de Novo Hamburgo e colaborou para osurgimento do COMITESINOS.

    34 Revista Rua Grande.So Leopoldo, 06/09/1973. Sinos: a anlise microscpica da gua, p. 20-23. RevistaRua Grande.So Leopoldo, 14/10/1974. A poluda gua do Sinos, p. 18-20. Revista Rua Grande.SoLeopoldo, 06/12/1974. A contaminada gua do Sinos, p. 36-38.

    35 O Conselho Nacional do Meio Ambiente foi criado a partir da Lei N 6.938/81 e na sua composioestava assegurada a participao de dois representantes de entidades ambientalistas para cada regiogeogrca do Brasil.

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    Da produo textual de Aveline, importa destacarmos o livroAqui e agora. Para viverat o sculoXXI,36e, da produo textual de Kayser, importa destacarmos o livro Signos daRenovao por um agir ecolgico.37Ligadas pela valorizao das relaes entre o ser humanoe a natureza e publicadas pela mesma editora, as obras diferem na sua origem e estruturatextual, e, embora no tenham sido escritas com a pretenso de caracterizar o ambienta-lismo no Vale dos Sinos dos anos 1980, elas oferecem um panorama bsico de como aquesto ambiental era observada e interpretada textualmente por dois dos mais expressi-

    vos pensadores e ativistas do ambientalismo no Vale.O livro de Aveline foi um produto encomendado pela Editora Sinodal e, de certa

    forma, reete a valorizao do seu trabalho anterior De cima para baixo: a utopia no Brasil lanado pela Editora Abril, em 1981, enquanto o livro de Kayser rene textos que elepublicou no Jornal NH, na coluna Ecologia, no perodo entre 1984 e 1991. Produzidosem diferentes pocas e em circunstncias distintas, os dois livros abordam o ambientalis-

    mo com perspectivas prprias. Aveline buscou na histria explicaes para a necessidadede mudanas na conduta humana e usou de diversos autores para construir o seu texto.Seguindo um caminho diferente, Kayser encontrou, na observao da natureza e de fatosdo cotidiano urbano, a matria-prima para a produo dos seus textos.

    A formao prossional de cada um dos autores tambm inuenciou nas obras. Jor-nalista por prosso, Aveline escreveu compondo um macrorretrato da questo ambientalda sua poca, usando um volume expressivo de informaes, exercitando possibilidadesde interpretao e acrescentando na sua escrita uma ampla bagagem de envolvimentocom movimentos sociais e com a espiritualidade oriental, enquanto Kayser diluiu nos seus

    textos um pouco do conhecimento tcnico que ele adquiriu ao longo dos seus estudos emAgronomia38e das suas experincias na rea de Educao Ambiental.Feitas essas consideraes, acredito que podemos avanar na compreenso das

    obras e da sua insero no quadro histrico do ambientalismo no Vale dos Sinos. Comoponto de partida para esse avano, proponho interpretar a obra Aqui e Agora como umretrato textual de uma sociedade em transio e como um registro de ideias e expectati-

    vas do autor. O primeiro aspecto que destaco no livro que o autor apresenta algumasleituras que inuenciaram na formao do seu pensamento e concede um lugar especialpara a obra O Apoio Mtuo, de Piotr Kropotkin, publicada pela primeira vez em 1907,

    36 AVELINE, Carlos Cardoso,Aqui e agora. Para viver at o sculoXXI So Leopoldo: Editora Sinodal, 1985.37 KAYSER, Arno. Signos da Renovao por um agir ecolgico. Novo Hamburgo: Editora Sinodal/OTOMIT,

    1991.38 Arno Kayser graduou-se em Agronomia pela UFRGSe fez Especializao em Agricultura Orgnica pela

    Universidade de Kassel, na Alemanha.

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    reconhecendo nela a existncia de um princpio bsico de relao entre os seres vivos ecomentando o seu valor nos seguintes termos.

    Escrevendo com clareza intelectual e uma emoo elevada, Kropotkin consegue desmisticaro papel da luta competitiva na evoluo das espcies (e do indivduo), que foi exagerado apenaspara legitimar ideologicamente o capitalismo.

    Por outro lado, lembra Kropotkin, alm da luta competitiva, h outro fator na evoluo: a socia-bilidade ou ajuda mtua. Naturalmente seria difcil determinar, ainda que aproximadamente, aimportncia relativa dessas duas ordens de fenmenos. Mas se perguntarmos natureza quemso os mais aptos, se aqueles que constantemente lutam entre si, veremos que os animais queadquiriram o costume da ajuda mtua so, sem dvidas os mais aptos.39

    Defendendo para o princpio da ajuda mtua um reconhecimento que foi abafadopelo capitalismo e pelo darwinismo social, Aveline props o resgate desse princpio eapontou a presena dele em temas como as mudanas nos padres de comportamento se-

    xual e de relaes familiares40

    e na crescente democratizao do comeo dos anos 1980.41

    Ensaiando uma (re)interpretao de fatos histricos determinantes para o mundocontemporneo, Aveline menciona o esforo da revoluo industrial para apagar a im-portncia das instituies medievais de ajuda mtua e aponta a permanncia de exrcitoscomo uma herana cultural que no gura entre aquelas que devem ser preservadas. Nocaptulo 9 do livro com o sugestivo ttulo de Generais em excesso , Aveline apresentauma leitura crtica do poder militar e defende uma utopia pacca, cuja compreenso exce-de o ambientalismo e deve ser buscada nos princpios religiosos do budismo.

    O surgimento de novas formas de vida e de organizao social far com que os exrcitos e as ar-mas passem gradualmente a serem vistos como peas inteis de um museu que ningum visitar.

    39 AVELINE, Carlos Cardoso,Aqui e agora. Para viver at o sculoXXISo Leopoldo: Editora Sinodal, 1985,p. 25.

    40 Sobre as mudanas culturais da segunda metade do sculo, o autor escreveu: E j vivemos o processode libertao, mesmo em meio aos evidentes exageros e desequilbrios que so mero resultado da repres-so patriarcal anterior. As formas de se viver o amor e o sexo no Brasil esto renascendo livres, e pas-sando por uma transformao radical. [...]. Dos anos sessenta para c, houve um sensvel relaxamentonos costumes sexuais. A famlia fechada, como parceira econmica indissolvel em meio ao capitalismo

    selvagem, no se desfez, mas mais exvel. O casamento no a priso de antes. Especialmente asmulheres esto podendo experimentar a sexualidade mais livremente. (AVELINE, 1985, p. 32-33).41 Fazendo previses otimistas sobre a democratizao e escrevendo sobre forte inuncia da participao

    popular no Movimento Diretas J, Aveline previa: A democratizao representativa, com polticosmais ou menos demagogos decidindo tudo pela populao, ir para o museu da histria. Os grandesgrupos populacionais tero acesso democracia participativa. Gente comum decidir todos os dias osrumos da vida coletiva e por isso mesmo estar estimulada a colocar, mesmo, em prtica o que sedecidiu. Ibid., p. 47-48.

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    Assim os exrcitos no sero um cncer devorador, mas a casca de sangue coagulado quereveste ainda uma ferida recm cicatrizada a ferida da violncia humana. Tal como a casca consequncia de um ferimento prvio, o exrcito resultado de uma sociedade cega para oprincpio de ajuda mtua.42

    Mais do que criticar o exrcito e defender uma utopia pacista, a inteno do autor atacar as ideias que sustentam a existncia da fora militar, incluindo entre elas o inte-resse dos governantes em controlar e reprimir a energia da juventude. Tratando especi-camente do exrcito brasileiro, Aveline prope uma interessante reviso da funo socialdesse exrcito:

    O exrcito tambm controla dezenas de milhares de hectares de terra em todo territrio nacio-nal. um crime manter essas terras inativas quando dois teros dos brasileiros, segundo a IgrejaCatlica, passam fome.

    Se queremos pensar em termos de segurana nacional, preciso que cheguemos a um conceito

    sucientemente humano de segurana nacional para perceber que algo est errado quando maisda metade do pas passa fome. Por que no mobilizar o exrcito para tarefas urgentes comoa defesa do meio ambiente e a recuperao da populao excluda do resto do pas pela fomeendmica?43

    Dedicando um espao especial para o problema da degradao do meio ambiente, aobra contm relatos de reaes a esse problema procedentes de diferentes partes do mun-do. H no livro referncias produo e troca de conhecimentos entre ambientalistas dediversas nacionalidades e informaes sobre simpsios e publicaes de pesquisas de ins-titutos particulares, universidades e rgos governamentais;44e h tambm referncias a

    prticas de organizao comunitrias adequadas ao princpio da ajuda mtua. Retomandoo assunto que foi o centro do seu livro anterior a participao comunitria na conduodas mudanas sociais , ele destacou a importncia da sociedade civil na transformaoda realidade e apontou como exemplo a crescente produo descentralizada de alimentose as iniciativas de agricultura natural. Aveline entendia que essas duas prticas, ainda quecoexistindo com o modelo tradicional de produo de alimentos e concentrao de renda,poderiam resolver trs graves problemas da sociedade contempornea: o da fome, decor-rente da excluso social provocada pelo capitalismo, o da contaminao do corpo huma-no, da fauna e da ora, decorrente do uso dos agrotxicos, e o da perda da conscincia de

    que h em cada indivduo um potencial natural de transformao do mundo.

    42 Ibid., p. 103.43 Ibid., p. 108.44 Interessado nas discusses que estavam em curso sobre as mudanas climticas do planeta, Aveline

    incluiu no seu livro duas previses de alterao no clima decorrentes do excesso de gs carbnico naatmosfera: a do superaquecimento e a do resfriamento do planeta.

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    Os exemplos da produo descentralizada de alimentos poderiam ser citados por muito tempo,o importante a respeito deles o seu potencial multiplicador e o efeito psicolgico no sentidode conectar as pessoas realidade concreta que as rodeia, devolvendo-lhes a opo da atividadee da criatividade.

    Mesmo que muitas decises do poder central possam reetir, com claridade crescente, a ten -

    dncia descentralizao e socializao das decises, o surgimento desta nova economia no o resultado de nem uma poltica decidida nos gabinetes. A transio para a sociedade participa-tiva ocorre fundamentalmente de baixo para cima e planetria no respeita fronteiras nemescolhe instituies.45

    Associando a realizao do ser humano ao princpio da ajuda mtua, o livroAqui eagora. Para viver at o sculoXXIcontm uma forte crtica ao capitalismo, ao modelo polticotradicional centrado no governo, ao militarismo e cultura patriarcal. Conhecedor de di-

    versos assuntos e isso se pode constatar pela bibliograa apresentada , Aveline tambmconseguiu apresentar experincias de rejeio cultura predominante e defendeu possi-

    bilidades de reformulao da imagem do ser humano e das suas relaes com a natureza.E, no nal do livro, ele pergunta:

    Estar sendo suciente nosso atual esforo para construir o novo? Quanto tempo teremos ainda?

    Este livro ter cumprido seu objetivo se o leitor vincular a viso que ele coloca com as mltiplaspossibilidades de ao prtica, no quintal da casa, na escola, na universidade, no bairro e no localde trabalho.46

    O envolvimento da sociedade civil com a transformao da realidade a meta apon-tada por Aveline. Para tornar essa meta vivel, no ano seguinte ao da publicao do livro

    Aqui e Agora, ele assume a liderana da AGAPAN-NL, que, atravs de uma reformulaono estatuto, passou a ser chamada de Unio Protetora do Ambiente Natural (UPAN). Naatuao de Aveline como ambientalista e lder da UPAN, o discurso e a prtica conviviamlado a lado, e as suas ideias continuaram gerando novos textos que circularam entre ONGsambientalistas, rgos do governo e pginas da imprensa.

    No trabalho de Aveline, a vontade de compreenso e transformao da realidadepelo texto alimentava o poder criador da escrita, corretamente interpretada por Michelde Certeau como uma prtica mtica moderna (CERTEAU, 1996). Essa interpretaoabre caminho para ensaiarmos uma analogia entre o mito e a escrita: (1) o entendimento

    de ambos envolve sempre a existncia de meios de comunicao (e isso excede a questoda linguagem e da distino entre o texto e oralidade, a comunicao antes de tudo umproduto humano e depende da vontade humana para acontecer); (2) o valor deles est

    45 Ibid., p. 98.46 Ibid., p. 139.

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    diretamente ligado a uma funcionalidade que pode ser mais ou menos exvel s mu-danas na conjuntura sociocultural e, consequentemente, o contedo de um mito ou deum texto permanece sempre passvel de novas signicaes; (3) e, para nalizar, emborase reconhea que tanto o mito quanto a escrita possuem um sentido educativo, no sepode dimensionar com exatido a inuncia de um ou de outro no comportamento daspessoas, uma vez que as apropriaes sociais e aplicaes prticas do que eles transmitemno podem ser controladas pelo seu contedo ou estruturas comunicativas. Certamente,essa analogia nos afasta um pouco dos textos que fazem parte do discurso ambientalista,mas, em contrapartida, ela mantm aberta a possibilidade de pensarmos a experincia daescrita como um esforo intelectual de criao e signicao do mundo dentro dos limitese da tenso entre a realidade existente e a realidade desejada.

    No decorrer dos anos 1980, o desejo de construir e divulgar o ambientalismo atra-vs da escrita encontrou espao para se materializar nos jornais NH e VS, ambos do

    Grupo Editorial Sinos, e na Revista Rua Grande, tradicional peridico de So Leopoldo.Em 1984, Kayser publica pela primeira vez um artigo sobre questes ambientais no JornalNH; nos anos seguintes, os seus textos ganham um espao crescente na coluna Ecologiae tornam-se um dos mais importantes instrumentos de divulgao do pensamento am-bientalista na regio.47

    O volume do conjunto de textos que Kayser escreveu no jornal NHentre 1984 e1991 bastante expressivo, e no pretendo aqui abordar esse conjunto na sua totalidade.O que proponho destacarmos uma amostra de 32 dos seus textos, publicados origi-nalmente na coluna Ecologia e posteriormente reunidos no livro Signos da Renovao: Por

    um agir Ecolgico.A obra apresenta, entre outras coisas, a identicao de problemas damodernidade e a valorizao de prticas coerentes com princpios ecolgicos. A crtica sociedade de consumo tambm uma das marcas mais fortes na escrita de Arno Kayser.Um exemplo dessa crtica est no texto Uma reexo que no pode ser descartada, em que oautor explora a associao entre a palavra descartvel e o progresso e ressalta a dife-rena entre