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Universidade Católica de Pernambuco Centro de Ciências e Tecnologia Engenharia Ambiental Química Orgânica Ambiental [email protected] Previsão de acidez e basicidade Prof. Ed Paschoal Carrazzoni Acidez Um fator de grande importância na determinação da acidez relativa dos ácidos carboxilícos, é o menor ou maior grau de estabilização dos ácidos e bases conjugados envolvidos. Comparando a acidez de um álcool com um ácido carboxílico, a maior acidez dos ácidos deve-se, em grande parte, à estabilização por ressonância do íon carboxílico. R-COOH RCOO - + H + R-OH R-O - + H + Tomemos como exemplo padrão, o ácido fórmico (I) e comparemos com outros ácidos alifáticos substituídos. O C H OH O C H OH - + I II Ao utilizar seus elétrons solitários para suprir a deficiência de elétrons do carbono (II), o oxigênio torna-se, por sua vez, deficiente em elétrons (III), O C H OH - + O C H OH - + II III e, em conseqüência, há o aparecimento da ligação =O-H, resultando na rutura da ligação com formação das espécies IV e V. O C H OH - + O C H - + O + H III IV V Consideremos, no ácido acético VI, uma de suas fórmulas canônicas VII: O C OH O C OH - + CH 3 CH 3 VI VII

08 - Acidez de compostos orgänicos

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Universidade Católica de PernambucoCentro de Ciências e TecnologiaEngenharia AmbientalQuímica Orgânica [email protected]

Previsão de acidez e basicidade

Prof. Ed Paschoal Carrazzoni

AcidezUm fator de grande importância na determinação da acidez relativa dos

ácidos carboxilícos, é o menor ou maior grau de estabilização dos ácidos ebases conjugados envolvidos.

Comparando a acidez de um álcool com um ácido carboxílico, a maioracidez dos ácidos deve-se, em grande parte, à estabilização por ressonânciado íon carboxílico.

R-COOH RCOO- + H+

R-OH R-O- + H+

Tomemos como exemplo padrão, o ácido fórmico (I) e comparemos comoutros ácidos alifáticos substituídos.

OCH

OH

OCH

OH

-+

I II

Ao utilizar seus elétrons solitários para suprir a deficiência de elétrons docarbono (II), o oxigênio torna-se, por sua vez, deficiente em elétrons (III),

OCH

OH

-+ O

CH

OH

-

+

II III

e, em conseqüência, há o aparecimento da ligação =O-H, resultando na ruturada ligação com formação das espécies IV e V.

OCH

OH

-

+

OCH

-+

O+ H

III IV V

Consideremos, no ácido acético VI, uma de suas fórmulas canônicasVII:

OC

OH

OC

OH

-+

CH3 CH3

VI VII

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Essa espécie pode suprir a deficiência em elétrons do carbonocarbonílico, de duas maneiras:

1) na primeira, VII pode estabilizar-se utilizando os elétrons p do oxigêniohidroxílico, resultando uma nova espécie VIII também instável, em virtudeda deficiência em elétrons sobre o oxigênio da hidroxila.

CH3 CO

OH

+-

CH3 CO

OH+

-

Sua estabilização é feita por rutura da ligação O-H, fornecendo assim osprótons responsáveis pela acidez do ácido acético.

CH3 CO

OH+

-

CH3 CO

+-

OH+

b) enquanto que, no ácido fórmico I, foi esse o único caminho para estabilizaro carbono deficiente em elétrons, no ácido acético VI, além do caminho jácitado, o carbono pode ser parcialmente satisfeito pelo efeito indutivo queaproxima o par eletrônico da ligação CH3-C; se isso ocorre, o carbonodeficiente em elétrons necessitará de menos elétrons do que o carbono doácido fórmico e, portanto, requisitará menos os elétrons p do oxigênio parasua estabilização total.

OC

OH

CH3

Haverá, portanto, menor número de espécies dissociáveis VIII e, emconseqüência, o composto será menos ácido do que o ácido fórmico.

Apesar do efeito indutivo diminuir com a distância (mantendo-se,entretanto, sempre maior do que no grupo isolado), suas conseqüências sefazem sentir nos demais ácidos da série, uma vez que diminuirão as espéciesdissociáveis semelhantes a VIII, resultando em menor acidez.

De uma maneira geral, quanto maior a cadeia (até um certo limite),menor será a dissociação do ácido e maior será o pKa.

No caso dos ácidos halogenados, podemos comprovar melhor aimportância dos efeitos indutivos sobre a acidez dos ácidos carboxílicos.

OC

OH

C

H

H

ClO

C

OH

C

H

H

Cl

-+ O

C

OH

C

H

Cl

-

+

OCC

H

H

Cl

-

O

+ H+pKa 2,8

H

pKa 1,2O

C

OH

C

H

ClO

C

OH

C

H

Cl

-+ O

C

OH

C

H

Cl

-

+

OCC

H

Cl

-

O

+ H+

Cl Cl Cl Cl

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OC

OH

CClO

C

OH

CCl

-+ O

C

OH

CCl

-

+

OCCCl

-

O

+ H+

Cl Cl Cl Cl

pKa 0,08

Cl Cl Cl Cl

Nesses casos, os halogênios sendo mais eletronegativos do que ocarbono, puxam os elétrons para si, tornando o carbono muito mais deficiente.Dessa maneira, a deficiência do carbono será neutralizada, apenas, peloselétrons p do oxigênio hidroxílico, formando, portanto, espécies do tipo,

OCR

OH

-

+

que são as espécies responsáveis pela acidez dos ácidos carboxílicos.Nos ácidos dicarboxílicos, a existência de mais um grupo que retira

elétrons, faz aumentar a acidez, principalmente quando comparado com umácido de mesmo número de átomos de carbono.

Composto pKa Composto pKa

CH3-COOH 4,76 HOOC-COOH 2,83

CH3-CH2-COOH 4,88 HOOC-CH2-COOH 4,88

No fenol (e derivados) temos um hidrogênio hidroxílico ativado pelogrupo fenila, mas os efeitos decorrentes das insaturações desse grupo, nãosão tão potentes quanto as do grupo carbonila; daí, ser o fenol fracamenteácido.

Pelas formas canônicas do fenol,

OH OH+

OH+

OH+

O

observa-se que as posições orto e para, possuem maior densidade eletrônica.Se, nessas posições, colocamos os elétrons, terão um maior caminho apercorrer, permanecendo mais tempo nas formas para e orto, que é aresponsável pela acidez.

Quanto mais distante a sua localização (no carbono 4), mais ácido seráo composto.

OH

NOO

+

OH

NOO

+

.... +

NOO

+

O

+ H+

OH

O

O+

....N

OH

O

O+N

+OH

O

O+N

+

H+

+

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Ao colocarmos mais substituíntes em condições vantajosas, a acidezdeverá aumentar, como é o caso do 2,4-dinitrofenol (e 2,4,6-trinitrofenol).

OH

fenol pKa 9,91

OH

NO2

p-nitrofenol pKa 7,14

OHNO2 o-nitrofenol pKa 7,23

OH

NO2

m-nitrofenol pKa 8,02

OHNO2

NO2

2,4-dinitrofenol pKa 4,01

OHNO2

NO2

O2N2,4,6-trinofenol pKa 1,02

Existem muitas estruturas em que, baseado simplesmente nos conceitosapresentados, é praticamente impossível fazer previsões corretas. Nessescasos, é necessário um estudo complementar (por exemplo, inibição estéricade ressonância, hiperconjugação etc.).

Consideremos, agora, os ácidos carboxílicos aromáticos.

CO HO

CO HO+

CO HO

+

CO HO

+

Ácido benzóico (XIX)(pKa 4,17)

XIX a

XIX b

XIX c

Observa-se, que existem duas possibilidades para estabilizar o átomode carbono da espécies XIX a:a) drenando elétrons do núcleo aromático (XIX b);b) utilizando os elétrons do oxigênio hidroxílico (XIX c).

Essa competição acarreta uma diminuição da acidez do ácido benzóico(XIX), quando comparado, por exemplo, com o ácido fórmico (XIV).

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Vejamos a influência do pKa, ao substituir um ou mais hidrogênios doanel aromático.

Em todos os cinco derivados a seguir repesentados, há uma competiçãoentre o carbono da carbonila e o nitrogênio do grupo nitro, na solicitação deelétrons do núcleo aromático.

CO HO

NO

O

+ CO HO

NO

O

+

+

ácido ortonitrobenzóico

CO HO

NO

O

++

CO HO

NO

O

+

+

(XX)(pKa 2,21)

COOH

NO2

pKa 3,46

COOH

NO2

ácido p-nitrobenzóicopKa 3,40

ácido m-nitrobenzóico

COOH

NO2

NO2

ácido 2,4-dinitrobenzóicopKa 2,83

COOH

NO2

ácido 3,5-dinitrobenzóicopKa 2,80

Nessa competição, ganha o nitrogênio em virtude de suaeletronegatividade (uma das razões) e, em conseqüência, o átomo de carbonodeficiente em elétrons, solicitará mais os elétrons do oxigênio hidroxílico,resultando uma maior acidez, quando comparado com a estrutura do ácidobenzóico (XIX).

Ao compararmos o ácido orto-nitrobenzóico (XX) com o ácido p-nitrobenzóico, observa-se que, nesse último, o grupo nitro está mais distantedo átomo de carbono da carboxila: como o efeito indutivo diminui com adistância, o nitrogênio do grupo nitro em para, solicitará menos elétrons do anelaromático do que o derivado nitro em orto.

Em conseqüência, o ácido o-nitrobenzóico é um ácido mais forte doque o ácido p-nitrobenzóico.

Em relação ao ácido m-nitrobenzóico, sabemos, pelas suas fórmulascanônicas, que esse padrão de substituição não é favorável para umadrenagem de elétrons do núcleo aromático, resultando em maior competiçãona drenagem de elétrons do anel aromático, diminuindo o número de fórmulascanônicas do tipo

CO

HO+

R

e, conseqüentemente, diminuindo a acidez de composto.

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Explicações análogas à dos derivados nitro, podem ser estendidas aosdemais derivados, quer se tratem de estruturas que possuem grupos doadoresou retiradores de elétrons, conforme pode ser observado no quadro abaixo.

Posição H Cl Br Ome OH Me

orto 4,17 2,89 2,82 4,09 2,98 3,89

meta 4,20 3,82 3,85 4,09 4,08 4,28

para 4,20 4,03 4,18 4,49 4,58 4,35

BasicidadeUm composto será tanto mais básico quanto maior for a disponibilidade

de elétrons para capturar prótons.Comparemos, inicialmente, a basicidade da metilamina com o amoníaco.

O efeito indutivo do grupo metila, na metilamina, faz com que os elétrons daligação CH3-N se aproximem do nitrogênio, fazendo com que aumente aprobabilidade de haver elétrons para aceitar o próton, em um determinadoinstante. Em outras palavras, o deslocamento de elétrons para o nitrogênioaumenta a sua densidade eletrônica e, conseqüentemente, torna-o mais básico.Assim, a metilamina é mais básica do que o amoníaco.

Na dimetilamina, a basicidade aumenta em virtude do efeito indutivo demais um grupo metila.

Já a trimetilamina (embora tenhamos aproximação de três pareseletrônicos das três ligações CH3-N), é menos básica do que a mono e adimetilamina, apesar de o nitrogênio ser mais básico. Isso se explica em virtudedos volumes dos grupos metilas, que impedem a livre passagem do próton,diminuindo a sua basicidade (esse fenómeno de impedimento devido aovolume dos substituintes, é chamado de impedimento estérico de volume).

CH

HH

NC

CH H

HH

HH

Composto Fórmula pKb

amoníaco NH3 4,75

metilamina CH3NH2 3,36

dimetilamina (CH3)2NH 3,23

trimetilamina (CH3)3N 4,20

etilamina C2H5NH2 3,33

dietilamina (C2H5)2NH 3,07

trietilamina (CH3)3N 4,12

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Observe-se a correspondência de basicidade da mono, di etrimetilamina, com as correspondentes mono, di e trietilamina.

A introdução de grupos retiradores de elétrons diminuirá, logicamente, abasicidade.

CRO

NH2

CRO

NH2+

Nas bases aromáticas, igualmente aos ácidos, temos de verificar adeslocalização dos elétrons do nitrogênio sobre o sistema.

Quanto maior a distância a ser percorrida pelos elétrons, maisescondidos ficarão os mesmos, e menos básico será o composto.

Tomando como estrutura padrão a estrutura da anilina (XXV),

ONH2

XXV(pKb 9,7)

NH2CH3

XXVI(pKb 9,86)

NH2

OCH3

XXVII(pKb 8,82)

observa-se, que, a presença de um substituínte doador de elétrons, como porexemplo, o grupo OCH3, aumentará a basicidade em virtude de uma maiorconcentração de elétrons em torno do nitrogênio, uma vez que há competiçãodos grupos doadores (nitrogênio amínico e oxigênio da metoxila), dificultando adeslocalização dos elétrons do grupo amino no anel aromático.

(

ONH2

XXV(pKb 9,7)

NH2CH3

XXVI(pKb 9,86)

NH2

OCH3

XXVII(pKb 8,82)

Comparando a o-metoxianilina com a p-metoxianilina (XXVI),observa-seque esta última, é menos básica do que a primeira: na o-metoxianilina ooxigênio da metoxila está mais próximo do nitrogênio amínico, aumentando adensidade eletrônica do nitrogênio e, conseqüentemente, sua basicidade.

Nas bases heterocíclicas é possível, também, fazer previsões.Comparando, por exemplo, a piridina (XXVIII) com o pirrol (XXIX), observa-seque, na piridina, o par de elétrons responsável pela sua basicidade ocupa umorbital sp2, não fazendo parte do anel aromático, enquanto que, no pirrol, oselétrons p responsáveis pela basicidade, são solicitados para aromatizar ocomposto. Em consequência, a piridina é mais básica do que o pirrol.

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NNH

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