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1. Aproximação Teórica ao Método Pragmalingüístico O método Pragmalingüístico é uma leitura da Sagrada Escritura que busca analisar o texto Sagrado a partir do seu aspecto sintático, semântico e pragmático. Sua especificidade reside na tese de que um texto não transmite somente um conjunto de informações, mas procura através da estratégia do autor despertar o leitor ou ouvinte para uma ação. A pragmalingüística procura explicitar justamente este aspecto funcional do texto. A importância dada à teoria e prática da comunicação a partir dos anos sessenta (século XX) nos Estados Unidos, Alemanha, França e depois em outros países levou ao desenvolvimento mais sistemático da pragmalingüística. Algumas das primeiras elaborações sistemáticas dos problemas pragmáticos em relação a exegese são os estudos de H. Ritt 1 e E. Arens 2 . Uma importante referência é Fritzleo Lentzen-Deis, a pragmalingüística dos textos bíblicos estava presente na parte central de seus últimos trabalhos 3 . 1.1. Semiótica e Método Pragmalingüístico O método da pragmalingüística tem suas bases teóricas na semiótica. Para compreender a operacionalidade da lingüística pragmática na análise de textos bíblicos é importante conhecer as origens e o desenvolvimento da ciência semiótica. Ainda que seja uma panorâmica por demais reduzida, a aproximação da 1 Cf.: RITT, H., Das Gebet zum Vater. 2 Cf.: ARENS, E., Komunikative Handlungen. 3 Cf.: LENTZEN-DEIS, F., Essegesi della Bibbia oggi, p. 347-359. Id., Passionsberischt als Handlungsmodell?; Id. La ciencia de la exégesesis e la hermenéutica pastoral, p. 13-45. Id., La Biblia en las diversas culturas, p. 1071-1085. Id., Handlungsorientierte Exegese der "Wachstums- Gleichnisse" in Mk 4, 1-34, p. 117-134. Id., Metodi dell’esegesi tra mito storicità e comunicazione: Prospettive “pragma-linguistiche” e conseguenze per la teologia e la pastorale,

1. Aproximação Teórica ao Método Pragmalingüístico · 1. Aproximação Teórica ao Método Pragmalingüístico O método Pragmalingüístico é uma leitura da Sagrada Escritura

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1.

Aproximação Teórica ao Método Pragmalingüístico

O método Pragmalingüístico é uma leitura da Sagrada Escritura que busca

analisar o texto Sagrado a partir do seu aspecto sintático, semântico e pragmático.

Sua especificidade reside na tese de que um texto não transmite somente um

conjunto de informações, mas procura através da estratégia do autor despertar o

leitor ou ouvinte para uma ação. A pragmalingüística procura explicitar

justamente este aspecto funcional do texto. A importância dada à teoria e prática

da comunicação a partir dos anos sessenta (século XX) nos Estados Unidos,

Alemanha, França e depois em outros países levou ao desenvolvimento mais

sistemático da pragmalingüística. Algumas das primeiras elaborações sistemáticas

dos problemas pragmáticos em relação a exegese são os estudos de H. Ritt1 e E.

Arens2. Uma importante referência é Fritzleo Lentzen-Deis, a pragmalingüística

dos textos bíblicos estava presente na parte central de seus últimos trabalhos3.

1.1.

Semiótica e Método Pragmalingüístico

O método da pragmalingüística tem suas bases teóricas na semiótica. Para

compreender a operacionalidade da lingüística pragmática na análise de textos

bíblicos é importante conhecer as origens e o desenvolvimento da ciência

semiótica. Ainda que seja uma panorâmica por demais reduzida, a aproximação da

1 Cf.: RITT, H., Das Gebet zum Vater.2 Cf.: ARENS, E., Komunikative Handlungen.3 Cf.: LENTZEN-DEIS, F., Essegesi della Bibbia oggi, p. 347-359. Id., Passionsberischt alsHandlungsmodell?; Id. La ciencia de la exégesesis e la hermenéutica pastoral, p. 13-45. Id., LaBiblia en las diversas culturas, p. 1071-1085. Id., Handlungsorientierte Exegese der "Wachstums-Gleichnisse" in Mk 4, 1-34, p. 117-134. Id., Metodi dell’esegesi tra mito storicità ecomunicazione: Prospettive “pragma-linguistiche” e conseguenze per la teologia e la pastorale,

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lingüística pragmática via semiótica permitirá um conhecimento das fontes

(autores e obras) desta nova metodologia. Uma introdução geral à semiótica4

começa por sua definição, apresentação dos seus principais expoentes, bem como

de suas principais contribuições.

Semiótica5 é a ciência dos signos, dos processos significativos na natureza e

na cultura. A origem das investigações sobre os signos coincide com a origem da

filosofia. Platão e Aristóteles eram teóricos do signo, eram semioticistas em

sentido lato. A semiótica propriamente dita tem seu início com filósofos como

John Locke6 (1632-1704) ou com Johann Heinrich Lambert (1728-1777)7. A

ciência dos signos foi denominada de diversas formas no decorrer da história da

filosofia8. A etimologia do termo nos remete ao grego shmeivo, on, que significa

"signo", e shvma, ato", que significa "sinal". Shmeivo, on, é a base morfológica

para várias derivações de vocábulos que dão nome às ciências semióticas, como

semiologia, semântica, semantologia.

Certamente seria oportuna uma visão panorâmica da história da semiótica

em sentido lato desde Platão até o século XX. Porém, dada a natureza deste

trabalho e sendo a finalidade deste capítulo apenas indicar os fundamentos

teóricos da Pragmalingüística como metodologia aplicada à Bíblia, serão

apresentados somente alguns dos principais expoentes da semiótica em sentido

estrito a partir do início do século XX9.

p. 731-737. Id., El Evangelio de San Marcos. Id., Avances metodológicos de la exégesesis para lapraxis de hoy.4 Para uma introdução geral a semiótica Cf.: NÖTH, W., Handbook of semiotics; Id., Panorama dasemiótica: De Platão a Peirce. Id., A semiótica no século XX. ECO, U., Tratado geral desemiótica.5 É importante, antes de tudo, uma distinção. O século XX viu nascer e crescer duas ciências dalinguagem. Uma é a lingüística, ciência da linguagem verbal. A outra é a semiótica, ciência detoda e qualquer linguagem.6 Cf.: LOCKE, J., An essay concerninr human understanding.7 Cf.: LANBERT, J. H., Neues Organon oder Gedanken über die Erforschung und Bezeichnungdes Wahren und dessen Unterscheidung vom Irrthum und Schein. NÖTH, W., Panorama dasemiótica, p. 18.8 Para designar a teoria geral dos signos os autores apresentavam, dentre outros, dois termosdiferentes, semiologia e semiótica. A associação Internacional de Semiótica, em 1969, poriniciativa de Roman Jakobson, decidiu adotar semiótica como termo geral no âmbito dasinvestigações da semiologia e da semiótica geral. Cf.: NÖTH, W., Panorama da semiótica, p. 24.

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1.1.1.

Charles Sanders Peirce (1839-1914)

Charles Sanders Peirce é um dos fundadores da moderna semiótica geral. De

sua extensa obra nas mais variadas áreas da filosofia vale destacar, para um estudo

mais condensado, sua visão geral de semiótica universal do mundo, sua definição

e classificação dos signos10.

Peirce tem uma visão pansemiótica do universo. Na sua interpretação,

signos não são uma classe de fenômenos ao lado de outros objetos não-

semióticos. O mundo todo está permeado de signos. A semiótica derivada desta

concepção de signo se reveste de um caráter universal11.

Para Peirce, o signo é uma coisa que representa seu objeto. Ele só pode

funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra

coisa diferente dele. O signo não é uma classe de objetos, mas a função de um

objeto no processo da semiose12. Em tal processo o signo tem um efeito cognitivo

sobre o intérprete. O signo tem sua existência na mente do receptor e não no

mundo exterior. A interpretação de um signo é um processo dinâmico na mente do

receptor.

Para conhecer qualquer coisa a consciência produz um signo. Perceber já é

interpor uma camada interpretativa entre a consciência e o que é percebido. O

homem só conhece o mundo porque o representa e só interpreta essa

representação numa outra representação, que Peirce denomina "interpretante" da

primeira. Por isso, o signo é uma coisa de cujo conhecimento depende o

conhecimento do objeto do signo, isto é, aquilo que é representado pelo signo. A

semiótica para Peirce contém três elementos: o signo é o primeiro, o objeto o

segundo e o interpretante o terceiro. Compreender e interpretar é traduzir um

pensamento em outro pensamento num movimento ininterrupto, pois só se pode

pensar um pensamento em outro pensamento. A ação do signo é bilateral: de um

lado, representa o que está fora dele, seu objeto; de outro lado, dirige-se para

9 A semiótica originou-se em três lugares diferentes quase simultaneamente: nos Estados Unidos,França e Rússia. Nosso estudo estará restrito aos nomes mais significativos da semiótica no séculoXX.10 Sua principal obra é: PEIRCE, C. S., Semiótica.11 Cf.: Ibid., p. 39.

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alguém em cuja mente se processa sua remessa para um outro signo ou

pensamento onde o seu sentido se traduz. Esse sentido, para ser interpretado deve

ser traduzido em outro signo, assim sucessivamente. O verdadeiro objeto de

estudo da semiótica de Peirce não é propriamente o signo, mas a semiose13.

Peirce desenvolveu uma classificação elaborada dos signos com base numa

classificação do signo em si mesmo, do signo como seu objeto e o signo com seu

representante. Considerando as possibilidades de combinar primeiridade,

secundidade e terceiridade14, chegou a um sistema de dez classes de signos15.

12 A semiose é o processo no qual alguma coisa funciona como signo. Mais propriamente é o atoda comunicação realizada através do signo. Cf.: BABOLIN, S., Piccolo Lessico di Semiotica, p.66.13 "[Minha definição de signo é:] um signo é um Cognoscível que, por um lado, é determinado(i.e., especializado, bestimmt) por algo que não ele mesmo, denominado de seu Objeto, enquanto,por outro lado, determina alguma Mente concreta ou potencial, determinação esta que denominode Interpretante criado pelo Signo, de tal forma que essa Mente Interpretante é assim determinadamediatamente pelo objeto." PEIRCE, C. S., Semiótica, p. 160. Em sua definição de signo Peirceafirma que ele, o signo, é um Cognoscível que é determinado e determina. O signo é determinadopelo seu Objeto e determina uma Mente concreta, chamada por ele de Mente Interpretante.14 Os filósofos ao longo da história procuram estabelecer um número limitado de categorias capazde conter a multiplicidade dos fenômenos do mundo. Peirce desenvolveu uma fenomenologia detrês categorias universais: primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade é a categoriado sentimento imediato e presente das coisas, sem nenhuma relação com outros fenômenos domundo. É a categoria do sentimento sem reflexão, a mera possibilidade, do imediato e daindependência. Secundidade começa quando um fenômeno primeiro é relacionado a um segundofenômeno qualquer. É a categoria da comparação, da ação, do fato, da realidade e da experiênciano tempo e no espaço. Terceiridade é categoria que relaciona um fenômeno segundo a um terceiro.É a categoria da mediação, do hábito, da memória, da continuidade e da síntese, da comunicação,da semiose e do signo. A base do signo é uma relação triádica entre três elementos, dos quais umdeve ser o fenômeno da primeiridade, outro da secundidade e o último da terceiridade. Cf.:PEIRCE, C. S., op. cit., p. 51.15 As dez classes de signos: Primeiro - o quali-signo (remático e icônico) é uma qualidade que éum signo, como a sensação de "vermelho". Segundo - o sin-signo icônico (e remático) é um objetoparticular e real que, pelas suas próprias qualidades, evoca a idéia de um outro objeto, como odiagrama dos circuitos eletrônicos numa máquina. Terceiro - o sin-signo indicial remático dirige aatenção a um objeto determinado pela sua própria presença, como um grito espontâneo de dor.Quarto - o sin-signo (indicial) dicente é também um signo afetado diretamente por seu objeto, masé capaz de dar informações sobre esse objeto, como um cata-vento. Quinto - o legi-signo icônico(remático) é um ícone interpretado como lei, como um diagrama. Sexto - o legi-signo indicialremático é uma lei geral que requer que cada um de seus casos seja realmente afetado por seuobjeto, como um pronome. Sétimo - o legi-signo indicial dicente é uma lei geral afetada por umobjeto real, de tal modo que forneça informação definida a respeito desse objeto, como umaordem. Oitavo - o legi-signo símbolo remático é um signo convencional que ainda não tem ocaráter de uma proposição, como um dicionário. Nono - legi-signo símbolo dicente combina

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1.1.2.

Ferdinand de Saussure (1857-1913)

Ferdinand de Saussure é o fundador da lingüistica moderna. Os princípios

básicos de sua teoria lingüística influenciaram o desenvolvimento da semiótica.

Suas principais contribuições são: o projeto de uma teoria geral de sistemas de

signos (a semiologia), o conceito de estrutura e o sistema de linguagem16.

A semiologia17 é o termo criado por Saussure para designar a ciência geral

dos signos. Ela é, no quadro das ciências humanas, juntamente com a lingüística,

um ramo da psicologia geral.

O modelo sígnico bilateral de Saussure compreende três termos, o signo e

seus constituintes, significante e significado. O signo designa o todo, o significado

corresponde ao conceito e o significante à imagem acústica18. Para Sausurre, não

existe nada fora do sistema simiológico de significante e significado. O

pensamento, antes do aparecimento da língua, "é como uma nebulosa onde nada

está necessariamente delimitado"19.

Dentro da semiologia de Saussure a lingüística ocupa um papel especial. A

lingüística é uma parte da semiologia. Ele faz uma importante distinção entre

língua e a fala20. A fala é a manifestação da língua. A língua é o produto que o

indivíduo guarda passivamente. Ao separar a língua da fala, se separa o social do

individual, o essencial do acidental. Existem relações entre língua e fala, mas são

coisas distintas. O objeto da lingüística é só a língua21. A tarefa do lingüista é

definir o que faz da língua um sistema especial no conjunto dos atos semiológicos.

Para tanto, Saussure faz a distinção entre lingüística externa e lingüística interna.

Um dos aspectos importantes da semiologia de Saussure para a pragmalingüística

símbolos remáticos em uma proposição. Décimo - legi-signo simbólico argumento é o signo dodiscurso racional, como o protótipo de um silogismo. Cf.: Ibid., p. 55-58.16 Os principais conceitos de semiótica de Saussure estão em sua obra póstuma, Cours delinguistique génerale, resultado de três cursos de lingüistica ministrados na Universidade deGenebra (1907-1910) reunidos e editados por seus alunos.17 SAUSSURE, F., Curso de lingüística geral, p. 2418 Ibid., p. 81.19 Ibid., p. 130.20 Ibid., p. 22.21 Saussure estabelece a distinção entre lingüística da língua e lingüística da fala. Cf.: Ibid., p. 26-28.

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é o fato de ter despertado, dentro de sua distinção entre lingüística interna e

externa, uma sensibilidade para a lingüística extratextual22.

A lingüística externa compreende as relações entre história, política,

geografia, dialetos e língua, considerando-os como campos distintos. A lingüística

interna procura conhecer as circunstâncias em que uma língua se desenvolveu23.

Os lingüistas modernos acolhem nas ciências lingüisticas a psicolingüística, a

sociolingüística e a pragmalingüística, relacionadas à "lingüística externa"24.

1.1.3.

Estruturalismo

O Estruturalismo começou com a tentativa de Saussure de descobrir e

descrever as estruturas permanentes da língua. Um dos primeiros a utilizar a

análise estruturalista foi o russo Vladimir Propp25. Propp procurou detectar o

conjunto de elementos constantes que abarca os contos de fadas russos. Depois de

analisar cem (100) de tais contos, Propp começou a notar que havia neles

constantes significativas ou invariantes fundamentais. Debaixo da multiplicidade,

parecia haver uma unidade que poderia ser determinada logicamente26. Propp

considerou ter achado uma estrutura de fundo ou gramática de possíveis relações a

que todos os contos de fadas obedecem. Esta estrutura estava composta de um

número limitado de possíveis "ações" que os personagens das histórias executam.

A estas ações Propp chamou de "funções". A característica principal delas era

simplesmente que não mudavam. Ainda que os nomes dos personagens variassem,

a função era essencialmente a mesma. O invariável é a função que um

personagem particular possui no curso da narrativa. A variável é a manifestação

22 Cf.: MORA PAZ, C. Acercamento teórico al método, p. 10-12.23 Cf.: SAUSSURE, F., op. cit., p. 29-32.24 No capítulo V do Curso de lingüística geral, Saussure apresenta os elementos internos e externosda língua. Como lingüística externa ele destaca, por exemplo, a relação entre os costumes de umanação e sua repercussão na língua, a relação entre a língua e a história política, as instituições detoda espécie (Igreja, escola...), a geografia, enfim, com todos aqueles aspectos que não fazem partepropriamente da língua (lingüística interna) mas que a afetam substancialmente. Cf.: SAUSSURE,F., op. cit., p. 29-32. MORA PAZ, C. op. cit., p. 13-14.25 Cf.: PROPP, V. I., Morfologia do Conto Maravilhoso.26 Por exemplo, em uma história um rei dá uma águia a um herói e a águia leva o herói para outroreino. Em outra história, uma princesa dá para um herói um anel do qual surge um mágico para olevar para outro lugar. Em ambas as histórias, os personagens têm nomes diferentes, mas a mesmaação é executada. Cf.: STIBBE, M. W. G., Structuralism, p. 651.

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concreta escolhida para a produção e circunstâncias deste evento. O que conta

então é saber o que um personagem faz e que função possui. Propp descobriu

estas funções invariáveis por uma análise comparativa específica do material

disponível e pela abstração de uma estrutura lógica de muitos casos27.

A segunda aplicação de uma análise estruturalista num gênero narrativo foi

feita por Claude Lévi-Strauss. Ele acreditava que as regras, que regem os mitos e

as que governam o idioma, emergem de estruturas inconscientes idênticas. Tal

estrutura inconsciente atrás dos mitos é a tendência para pensar em termos de

oposição e a de solucionar tais oposições. Lévi-Strauss28 estava interessado na

estrutura permanente atrás das histórias míticas. Esta estrutura permanente se

estabelece pela descoberta de combinações periódicas de características

constantes. Estas combinações obedecem às regras de uma "mitologia universal"

presentes na resolução de coisas que existem em oposições binárias, como por

exemplo: Imortal/Mortal, Macho/Fêmea, Pai/Criança, e assim por diante29.

Outro estruturalista foi Algirdas Julien Greimas. O objetivo de sua pesquisa

semiótica foi o estudo do discurso com base na idéia de que uma estrutura

narrativa se manifesta em qualquer tipo de texto. Seu ponto de partida foi a

tentativa de aplicar métodos de pesquisa da lingüística estrutural à análise de

textos, tais como segmentação, classificação e a busca de operações binárias30.

Greimas é contrário à definição de semiótica como ciência do signo. Na sua

definição, a semiótica deveria ser uma teoria da significação. Propõe uma teoria

semântica cuja base é a estrutura. Na estrutura o importante são as relações entre

os elementos. E as relações fundamentais da teoria semântica de Greimas são as

relações de oposição. Portanto, as significações existem por relações de oposição.

A origem da significação é uma relação constituída pela diferença entre dois

termos semânticos31. A teoria de Greimas é representada por um eixo semântico

27 Cf.: Ibid., p. 650-651.28 Cf.: LÉVI-STRAUSS, C., Strukturale Anthropologie.29 Cf.: STIBBE, M. W. G., op. cit., p. 652.30 Cf.: GREIMAS, A. J., Du Sens - Essais Sémiotiques, p. 160. NÖTH, W., A semiótica no séculoXX, p. 146-147.31 Por exemplo: a diferença entre "filho" e "filha" é devida a uma relação de oposição semânticadescrita pelos traços "masculino" e "feminino". Mas esta estrutura semântica de oposição possuium duplo aspecto: de disjunção e conjunção. Ainda com o exemplo anterior podemos dizer que adiferença entre "masculino" e "feminino" é uma relação de disjunção. Esta por sua vez, pressupõeuma semelhança semântica, chamada "sexo", comum tanto ao "feminino" como ao "masculino".Esta categoria comum constitui uma relação de conjunção. Cf.: NÖTH, W., A semiótica no séculoXX, p. 151-152.

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linear com dois elementos em seus extremos. O eixo representa o traço semântico

comum. Nos pontos extremos estão os termos diferenciais. Estes são definidos

como semas32. O sema é a unidade mínima da semântica, cuja função é a de

diferenciar significações33. Um dos seus instrumentos metodológicos foi o

quadrilátero semiológico34.

Asserção Negação

(Vida) Contrariedade (Morte)

S1 S2

Complementaridade Contradição Complementaridade

-S2 -S1

Não-asserção Não-negação

(Não-Morte) (Não-Vida)

Greimas propôs assim um modelo onde considera a estrutura permanente

que está atrás de toda a narrativa:

eixo de comunicação

remetente ------------------------- objeto ---------------------------- receptor

eixo de volição

oponente --------------------------- assunto ------------------------- colaborador

eixo de poder

32 Cf.: GREIMAS, A. J., Semántica Estrutural, p. 61.33 Cf.: GREIMAS, A. J., Du Sens, p. 159-161. Para uma breve descrição e comentário doquadrilátero semiótico, cf.: BABOLIN, S., Piccolo Lessico di Semiotica, p. 58-59. NÖTH, W., op.cit., p. 147-154.34 Cf. O quadrilátero semiótico é a representação visual da articulação lógica de uma categoriasemântica qualquer. As oposições que constituem eixos semânticos podem representar dois tiposdiferentes de relação lógica. O primeiro tipo, contradição, é a relação que existe entre dois termosda categoria binária asserção/negação. Esta relação é descrita como a oposição entre a presença e aausência de um sema (s). Desta forma, um sema (S1 ), "vida", é oposto a seu não semacontraditório (-S2), "não-vida". O segundo tipo é o da contrariedade. Dois semas de um eixosemântico são contrários se um deles implica o contrário do outro. O contrário de (S1) "vida" é(S2) "morte". Os dois semas pressupõem um ao outro. Além da contradição e da contrariedadeexiste a complementaridade. A complementaridade surge entre os semas (S1) e (-S2) ou (S2) e (-S1), "vida" implica "não-morte" e "morte" implica "não vida". NÖTH, W., op. cit., p. 154.

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O diagrama revela seis elementos de uma narrativa (assunto, objeto,

remetente, receptor, colaborador e oponente) e três eixos funcionais

(comunicação, poder e volição). Uma história normalmente começa quando um

remetente diz para um receptor que realize alguma tarefa. O eixo de volição

representa esta indagação, o eixo de poder representa a luta envolvida em sua

execução35.

1.1.4.

Louis Hjelmslev (1899-1965)

Hjelmslev fundou a escola de lingüística estruturalista. De seus trabalhos,

são importantes para a história da semiótica o seu modelo sígnico, os conceitos de

estrutura, texto e sistema.

O modelo sígnico de Hjelmslev36 retoma a teoria sígnica bilateral de

Saussure de significante e significado. Hjelmslev rebatizou-os como expressão e

conteúdo, denominando estas duas faces como planos do signo. Tanto o plano de

expressão como o plano de conteúdo são estratificados em forma e substância

semiótica. Isto produz quatro estratos do signo: forma de conteúdo, forma de

expressão, substância de conteúdo e substância de expressão. Ainda de acordo

com Saussure, afirmando que a semiótica é a ciência das formas (ou estruturas) e

não das substâncias, Hjelmslev restringiu o uso do termo signo aos estratos da

forma de expressão e forma de conteúdo.

O ponto de partida da análise de Hjelmslev é a linguagem em um sentido

mais amplo. A linguagem é definida como um sistema sígnico. Semiótica e

linguagem quase se confundem. Porém, Hjelmslev atribuiu um lugar especial à

linguagem verbal em relação a outros sistemas semióticos37. Na prática, a

linguagem é uma semiótica na qual todas as outras semióticas podem ser

35 Cf.: NÖTH, W., op. cit., p. 158-160. STIBBE, M. W. G., Structuralism, p. 652.36 Cf.: HJLMSLEV, L. T., Prolegômenos a uma teoria da linguagem, p. 197-203.37 Um sistema semiótico é um conjunto de signos integrados numa mesma situação comunicativa,podendo ser desde os caracteres usados em determinado alfabeto às notas musicais numa partitura,do som emitido pelos animais às expressões do rosto numa peça teatral.

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traduzidas. A pesquisa de Hjelmslev é dedicada às estruturas constantes da língua,

que permanecem válidas em cada uso da língua38.

Seu projeto busca uma análise dos sistemas semióticos a partir do processo

lingüístico da fala. O texto é o resultado desse processo da fala e, ao mesmo

tempo, o ponto de partida da investigação semiótica. O texto é a totalidade na qual

se manifestam as estruturas do sistema semiótico. De acordo com sua visão

estruturalista, o texto é segmentado até seus componentes mínimos. E o processo

analítico consiste em reagrupar esses elementos em classes de acordo com suas

possibilidades combinatórias, procurando estabelecer um cálculo geral, exaustivo

das combinações possíveis39. O estruturalismo lingüístico de Hjelmslev sustenta

que o texto é organizado pelo autor, de tal modo que possa ter diferentes

possibilidades de significado, dependendo da cultura e sensibilidade do leitor.

Esta importância do leitor no estruturalismo lingüístico influencia, entre outros,

Umberto Eco na elaboração da teoria do leitor modelo40.

1.1.5.

Roman Jakobson (1896-1982)

Roman Jakobson influenciou diversas tendências na evolução do

estruturalismo e da lingüística. Os campos centrais da pesquisa de Jakobson foram

a poesia e a lingüística41, estendendo-se a campos semióticos mais amplos42 da

cultura e da estética. Contribuiu para a semiótica aplicada com trabalhos sobre

música, pintura, filme, teatro e folclore. Tratou ainda de temas fundamentais da

semiótica, como os conceitos de signo, sistema, código, estrutura, função,

38 Cf.: HJLMSLEV, L. T., op. cit., p. 186.39 Cf.: NÖTH, W., A semiótica no século XX, p. 54-55.40 Conferir o conceito de Leitor-Modelo em: ECO, U., Lector in fabula, p. 35-50. NÖTH, W., op.cit., p. 51.41 A poesia é um campo de estudo mais específico dentro de uma gama de manifestaçõeslingüísticas. A lingüística oferece instrumentos importantes para o estudo da poética. Existecontudo uma interdependência entre o estudo da linguagem e a criação artística. A poesia é alinguagem em sua função estética (poética). Jakobson iniciou seus estudos de lingüística a partir daanálise de poetas russos. Integrou ainda suas investigações fonológicas, atentas às relações entresom e sentido, com a poesia. A tensão entre som e sentido é indicada como fundamento da poesia.Estas informações estão contidas no prefácio de João Alexandre Barbosa à obra Poética em ação.Cf.: JAKOBSON, R., Poética em Ação, p. XIV-XXI.

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comunicação e história da semiótica. Apesar da universalidade da sua pesquisa,

Jakobson não propôs uma visão pansemiótica das ciências. A lingüística e a

semiótica estão dentro de uma moldura mais ampla dos estudos de comunicação.

Jakobson desenvolveu um modelo das funções da linguagem. Na base dessa

teoria estão seis fatores que constituem os processos de comunicação. O emissor

envia uma mensagem ao receptor. Para ser operativa, a mensagem requer um

contexto referente. Este contexto deve ser acessível ao emissor. Outro fator

requerido é o código, completamente ou parcialmente, comum ao emissor e ao

receptor. Finalmente, um contato é requerido, ou seja, um canal físico e uma

conexão psicológica entre emissor e receptor, capaz de fazer com que ambos

entrem e permaneçam em comunicação43. A cada um dos seis fatores da

comunicação corresponde uma das funções da linguagem. Uma mensagem

orientada para o referente ou contexto tem predominantemente uma função

referencial. Sua informação põe em foco o aspecto cognitivo da linguagem. A

função expressiva focaliza a atitude do próprio falante em relação ao conteúdo da

mensagem. A função apelativa está orientada para o receptor. A função fática

descreve mensagens que servem para estabelecer, prolongar ou interromper a

comunicação. A função metalingüística diz respeito à linguagem que serve para

descrever a própria linguagem. Metalinguagem é, por exemplo, a linguagem

gramatical, da qual se serve o lingüista para descrever o funcionamento da língua,

ou a linguagem lexicográfica, da qual se serve o autor de um dicionário para a

definição da palavra44. A função poética é a orientação da mensagem para si

mesma, a mensagem pela mensagem45. A função poética pode ser melhor

compreendida comparando-a com a poesia. A função poética ou poeticalidade é

diferente do conceito de poesia. A função poética pode ocorrer como função de

qualquer texto. Já a avaliação de um texto como poesia depende das convenções

literárias de uma determinada época. A função poética focaliza o conteúdo da

comunicação, aquilo que de fato foi transmitido pelo emissor ao receptor dentro

42 O interesse de Jakobson foi além da linguagem e das artes verbais, estendeu-se a outras áreas nacultura e na estética como: música, pintura, folclore, teatro, filme e para questões fundamentais dasemiótica, como os conceitos de signo, sistema, código comunicação e história da semiótica.43 Cf.: NÖTH, W., A semiótica no século XX, p. 103-104.44 A metalinguagem é a linguagem que se refere à linguagem e à comunicação. Este texto sobre asfunções da linguagem é um exemplo de metalinguagem. Quando se pergunta "O que você querdizer?" ou "Não entendi o que disse!" são situações verbais onde a metalinguagem é exigida. Cf.:BABOLIN, S., Piccolo Lessico di Semiotica, p. 44-45.45 Cf.: NÖTH, W., op cit., p. 104-105.

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de um contexto usando um código. A poesia pode ser um dos modos de organizar

este conteúdo da comunicação a ser transmitido. Os fatores do processo

comunicativo e as funções da linguagem valorizam os diversos elementos na

decodificação de um texto. Jacobson reconhece que, no processo de interpretação,

a mensagem não é tomada isoladamente, mas dentro de um processo mais amplo,

o processo comunicativo.

1.1.6.

Umberto Eco (nascido em 1932)

Umberto Eco46 é um semioticista que possui obras que vão da filosofia

medieval à cultura popular, tendo a semiótica no centro destes estudos

diversificados. Eco define a semiótica como um programa de pesquisa que estuda

todos os processos culturais como processos de comunicação47.

Uma chave para entender o campo de abrangência da semiótica para Eco é

sua teoria dos códigos. "Código é qualquer sistema de símbolos que, por consenso

prévio entre o destinatário e emissor, é usado para representar e transmitir

qualquer informação"48. A semiótica para Eco é o estudo de códigos e um código

tem sua base numa convenção cultural. Por isso a semiótica é o estudo sígnico da

cultura.

Para a lingüística pragmática são importantes as considerações de Eco em

torno da questão do texto. "Texto é um artifício sintático-semântico-pragmático

cuja interpretação prevista faz parte do próprio projeto gerativo"49. Dentro desta

46 Umberto Eco tornou-se o semioticista mais conhecido na atualidade por causa de seus romancesbest-seller O Nome da Rosa (1980) e O Pêndulo de Foucault (1988). Estes romances são trabalhoscriativos de semiótica aplicada.47 "A semiótica se preocupa com tudo o que pode ser tomado como signo. Um signo é tudo aquiloque pode ser tomado como substituindo significativamente outra coisa. Esta outra coisa nãoprecisa necessariamente existir ou estar realmente em algum lugar no momento em que um signo orepresenta. Assim, a semiótica é, em princípio, a disciplina que estuda tudo que pode ser usadocom o objetivo de mentir". Cf.: ECO, U., Tratado geral de semiótica, p. 4. Com os três critérios:do cultural, do comunicativo e do mentiroso, Eco descreve os limites da semiótica de maneirarestritiva. Conforme o critério cultural, uma semiótica natural, que estuda os signos da natureza,não deveria existir. Conforme o do mentiroso, a semiótica só devia tratar de mensagensintencionais, pois a essência da mentira é ser intencional. O critério da comunicação pressupõeuma mensagem codificada em um código convencionado entre os participantes de umadeterminada cultura.48 Cf.: ECO, U., Tratado geral de semiótica, p. 39.49 Cf.: Id., Lector in fabula, p. 52.

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questão está o que Eco chama de "leitor e autor modelo". "Para organizar a

própria estratégia textual, o autor deve referir-se a uma série de competências (...)

que confiram conteúdo às expressões que usa. (...) Por conseguinte, preverá um

Leitor-Modelo capaz de cooperar para a atualização textual como ele, o autor,

pensava, e de movimentar-se interpretativamente conforme ele se movimentou

gerativamente"50. Ainda em relação ao leitor modelo afirma: “... prever o próprio

Leitor-Modelo não significa somente "esperar" que exista, mas significa também

mover o texto de modo a construí-lo"51. A interpretação consistirá num processo

de identificação do leitor empírico com o leitor modelo52.

1.1.7.

Charles William Morris (1901-1979)

Charles Morris é um clássico da semiótica. A sua ampla definição do âmbito

da semiótica e sua subdivisão em sintática, semântica e pragmática permanecem

entre os fundamentos da ciência dos signos53.

A semiótica, definida como ciência dos signos por C. Morris,54 possui um

campo amplo, englobando, além da linguagem, até a comunicação animal. Ele

pretende desenvolver uma ciência dos signos com uma base biológica e

especialmente dentro da estrutura da ciência do comportamento55. A semiose é um

processo no qual algo é um signo para algum organismo. Ela envolve três fatores

principais: "aquilo que atua como signo, aquilo a que o signo se refere e aquele

efeito em algum intérprete em virtude do qual a coisa em questão é um signo para

aquele intérprete. Estes três componentes na semiótica podem ser chamados

respectivamente de veículo do signo, designatum e interpretante"56. Estes

50 Cf.: Ibid., p. 39.51 Cf.: Ibid., p. 40.52 "Para realizar-se como Leitor-Modelo, o leitor empírico tem naturalmente deveres "filológicos",ou seja, tem o dever de recuperar, com a máxima aproximação possível, os códigos do emitente".Ibid., p. 47.53 Cf.: NÖTH, W., A semiótica no século XX, p. 182.54 Cf.: MORRIS, C., Writings on the general theory of signs, p. 4.55 A semiótica tem como objetivo uma teoria geral dos signos em todas as suas formas emanifestações, tanto em animais quanto em homens, tanto normal como patológica, tantolingüística como não-lingüística, tanto pessoal como social. A semiótica é, portanto, umempreendimento interdisciplinar. Cf.: MORRIS, C., Signification and singnificance, p. 2.56 Cf.: MORRIS, C., Writings on the general theory of signs, p. 4.

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elementos constituem a base para as três dimensões da semiótica: a sintática

estuda a relação entre um signo e outro signo; a semântica estuda a relação entre

signo e seu designatum; e a pragmática estuda a relação entre os veículos dos

signos e seus intérpretes. Dito de outra maneira: a sintática é o estudo das relações

formais dos signos entre si, compreendendo a maior parte dos ramos da

lingüística, incluída a sintaxe, a morfologia e a fonologia. A semântica trata da

relação do signo com seu significado. A pragmática estuda a relação dos signos

com seus intérpretes.

1.1.8.

Conclusão

Cumpre, a título de conclusão, ressaltar algumas das contribuições dos

autores para a pragmalingüística57. Evidentemente a importância do autor não vai

restringir-se ao elemento colocado em destaque. Cada um deles possui uma

extensa obra nas mais diversas áreas. De modo geral, os trabalhos dos diversos

autores contribuíram para aclarar questões fundamentais da semiótica como os

conceitos de signo, sistema, código, estrutura, função e comunicação. A

lingüística pragmática é fruto do longo processo de desenvolvimento da semiótica

em sentido estrito no século XX.

O pragmatismo e a pansemiótica de Peirce deixou as fundações formais para

o desenvolvimento de muitas semióticas especiais, tais como a pragmaligüística.

Saussure despertou, dentro de sua distinção entre lingüística interna e externa,

uma sensibilidade para a lingüística extratextual, possibilitando a acolhida nas

ciências lingüísticas da psicolingüística, da sociolingüística e da pragmalingüística

como disciplinas relacionadas à "lingüística externa". O estruturalismo oferece

57 A apresentação dos autores ligados à semiótica não pretendeu ser exaustiva, indicando todos osnomes e todos os pontos de suas complexas teorias. Muitos importantes nomes ficaram de foracomo Noam Chomsky e seus estudos sobre a sintática [cf.: CHOMSKY, N., Aspects de la théoriesyntaxique] ou Karl-Otto Apel e seu jogo lingüístico transcendental [cf.: APEL, K. O.Transformação da Filosofia]. Bem como autores mais relacionados com a filosofia da linguagem,como por exemplo: Ludwig Wittgenstein. Sobre este último, devido à importância de sua reflexãosobre a questão da linguagem, existe nesta dissertação um apêndice com uma breve exposiçãosobre a segunda fase do seu pensamento.

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algumas contribuições para a análise de textos bíblicos58, mas merece algumas

considerações críticas. O que distingue e o que aproxima o estruturalismo em

geral e a exegese estrutural da narrativa bíblica? Os seguintes pontos são

pertinentes: estruturalismo em geral e análise estrutural bíblica em particular,

ambos estão preocupados com a descoberta e descrição de estruturas permanentes;

a análise estrutural de narrativa bíblica geralmente seguirá ou a aproximação

binária de Lévi-Strauss, ou o modelo mais funcional de Propp e Greimas; a

análise estrutural de narrativa bíblica é agora uma metodologia importante para a

avaliação global da forma final de um texto59.

Quais são as limitações e forças nestas aproximações estruturais para

narrativas bíblicas? Há cinco fraquezas principais no método que merecem

atenção urgente pelos estruturalistas. Primeiro, análise estrutural da Bíblia tem

uma atitude muito ambígua e às vezes até mesmo antagônica para a crítica

histórica. Tendeu a ignorar completamente o histórico ou o aspecto diacrônico das

narrativas bíblicas. Em sua ênfase na forma final, suprime toda a consideração da

transmissão pretextual. Os pós-estruturalistas negligenciaram a dimensão histórica

referente as narrativas. Os estruturalistas precisam perguntar como o método

evolui fora do estudo de mitos e contos de fadas, no contexto de narrativas

históricas como os Evangelhos. Segundo, há uma arbitrariedade e subjetividade

sobre algumas classificações estruturais. Parte do procedimento da exegese

estrutural envolve a identificação e nomeação de oposições binárias e/ou

58 A primeira experiência de análise estrutural bíblica foi no Gênesis, talvez por considerá-lomais semelhante aos gêneros de conto de fadas e mitos. Roland Barthes foi um dos primeiros aaplicar o método derivado de Propp e Greimas em narrativas bíblicas. Ele afirma que todas asnarrativas obedecem a uma gramática narrativa fundamental. Da mesma maneira que uma fraseobedece a um sistema de regras, assim também acontece com as narrativas. As narrativas sãocomo uma longa frase. Na obra intitulada "The Struggle with the Angel" (1971) Barthes testa asimplicações desta aproximação gramatical no contexto de uma narrativa bíblica. Edmund Leachfoi um dos primeiros a aplicar o método que deriva de Lévi-Strauss. Em Gênesis como Mito(1969), Leach usa a análise estrutural de Lévi-Strauss para realçar as estruturas míticaspermanentes atrás do texto Gênesis. Mito tem uma estrutura binária; discrimina primeiro entredeuses e homens, e então preocupa-se com as relações intermediárias que unem os homens edeuses. Em todo sistema de mito, segundo Leach, encontramos uma sucessão persistente dedistinções binárias como entre humano/sobre-humano, mortal/imortal, macho/feminino,legitimo/ilegítimo, bom/ruim..., seguindo assim por uma mediação de categorias emparelhadasdistintas. Deste modo no Gênesis encontramos com opostos comuns: céu/terra, luz/escuridão,homem/jardim, árvore de vida/árvore de morte, Unidade (Éden)/Dualidade (fora do Éden),Jardineiro (Caim)/Pastor (Abel) e assim por diante. Leach conclui dizendo que todo mito é umcomplexo e qualquer padrão que acontece em uma parte mito ocorrerá periodicamente nas mesmasou outras variações, em outras partes do complexo. Há uma estrutura que está comum a todas asvariações. Gênesis, como todos os outros mitos, possui estruturas permanentes do mito. Cf.STIBBE, M. W. G., Structuralism, p. 653.59 STIBBE, M. W. G., op. cit., p. 653.

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componentes de gêneros básicos. É precisamente neste ato de rotular que a análise

estrutural às vezes se quebra. Na análise estrutural, o processo de rotular o evento

requer maior rigor metodológico do que aquele que tem sido utilizado. Em

terceiro lugar, exegetas estruturais não reconheceram as limitações dos modelos

interpretativos que eles empregam. Por exemplo, o quadro de ação modelo de

Greimas para a interpretação de todas as narrativas não foi tão versátil como seu

descobridor desejava. Ainda trabalha muito bem no contexto de unidades

narrativas menores e mais simples; sua utilidade em narrativas mais longas e mais

complexas é altamente questionável. Em quarto lugar, a análise estrutural arruina

os detalhes da narrativa, caraterísticas especiais. Segundo a análise estrutural,

contanto que a estrutura seja preservada, não importa os elementos que estão

envolvidos na mesma. Ela tende a obscurecer a importância das características e

ações narrativas reduzindo-as uma grade quase matemática. Em quinto lugar, a

análise estrutural ignora ou apaga a figura do autor. A obra célebre de Roland

Barthes intitulada "A Morte do Autor" (1968) tipifica esta posição antiautoral

dentro de estruturalismo60.

O Documento da Pontifícia Comissão Bíblica, ao apresentar os novos

métodos de análise literária, tece algumas considerações sobre a análise semiótica,

classificada entre os métodos sincrônicos61. Após uma síntese dos elementos

característicos de tal análise, dando destaque ao estruturalismo, o Documento

apresenta as contribuições e limites deste método. "Estando mais atenta ao fato de

que cada texto bíblico é um todo coerente que obedece a mecanismos lingüísticos

precisos, a semiótica contribui para a nossa compreensão da Bíblia, Palavra de

Deus expressa em linguagem humana"62. Ele afirma que a semiótica pode ser

utilizada no estudo bíblico desde que certos pressupostos da filosofia estruturalista

sejam separados do método, tais como, a "negação dos sujeitos e da referência

extra-textual"63. Segundo o Documento a abordagem semiótica deve estar aberta à

história dos atores dos textos, de seus autores e leitores. "O risco é... de ficar em

um estudo formal do conteúdo e de não liberar a mensagem dos textos"64. Uma

outra crítica é quanto à linguagem complicada utilizada pelos seguidores da

60 Cf.: STIBBE, M. W. G., Structuralism, p. 654.61 Cf.: PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA., A Interpretação da Bíblia na Igreja, p. 54-57.62 Cf.: Ibid., p. 56-57.63 Cf.: Ibid., p. 57.64 Cf.: Ibid., p. 57.

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análise semiótica. O método por outro lado pode se revelar útil no campo pastoral

para uma leitura da Escritura em ambientes não especializados65.

Apesar de suas fraquezas metodológicas, a análise estrutural é capaz de

prover determinados "insights" em narrativa bíblica que outro método não poderia

prover. É possível usar métodos estruturais sem subscrever completamente ou

necessariamente o estruturalismo como uma ideologia. A análise estrutural pode

ser usada como uma ferramenta legítima para interpretação de texto bíblico.

Assim como para aprender uma língua é preciso dominar um sistema lingüístico

de normas e regras, para analisar uma narrativa bíblica é preciso dominar daquele

sistema narrativo que gerou sua composição66.

Do estruturalismo lingüístico de Hjelmslev temos, além da segmentação e a

articulação dos elementos do texto, a importância dada ao leitor na interpretação

do sentido do texto. Jacobson reconhece que, no processo interpretação, a

mensagem não é tomada isoladamente, mas dentro de um processo comunicativo

que contêm diversas funções. As funções da linguagem são importantes para a

lingüística pragmática devido à valorização de diversos elementos na

decodificação de um texto. Para Umberto Eco, a interpretação consistirá num

processo de identificação do leitor empírico com o leitor modelo, sendo este um

elemento de destaque dentro da dimensão pragmática. A divisão estabelecida por

Morris, distiguindo três dimensões, sintática, semântica e pragmática, é seguida

pela pragmalingüística em sua operacionalidade metodológica.

1.2.

Pragmalingüística e Bíblia

Após esta apresentação de alguns dos principais expoentes da semiótica e

dos elementos mais significativos de suas teorias para a pragmalingüística, cabe

estabelecer sua relação com a abordagem de textos bíblicos.

A lingüística pragmática na atualidade tomou corpo como ciência com um

objeto formal próprio. A pragmática é a ciência que trata das relações de um signo

com aquele que o gera, o utiliza e o recebe em uma determinada situação

65 Cf.: Ibid., p. 57.66 Cf.: STIBBE, M. W. G., Structuralism, p. 655.

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comunicativa67. A reflexão pragmática está articulada e dividida em três

momentos: sintática, semântica e pragmática. Não se trata da junção de três

ciências independentes, mas do enfocar o mesmo objeto por três ângulos

diferentes. A sintática considera o texto do ponto de vista formal-estrutural, a

semântica do ponto de vista do objeto significado e a pragmática do ponto de vista

comunicativo-funcional68. A lingüistica pragmática é mais ampla que o método

pragmalingüístico aplicado à abordagem da Sagrada Escritura, uma vez que a

pragmalingüística oferece elementos metodológicos para abordar outros textos

lingüísticos.

A atenção dada à lingüística como uma perspectiva metodologicamente

relevante para o desenvolvimento da teologia e da exegese, de modo particular,

começa a partir dos anos setenta69. Na verdade, a validade pragmática da Sagrada

Escritura não é uma novidade para a própria Bíblia e a Tradição da Igreja. A

Palavra não volta a Deus sem antes ter realizado aquilo para o qual foi enviada

(Cf. Is 55,10-11).

O método pragmaligüístico foi desenvolvido nos estudos bíblicos por uma

dupla razão: uma de ordem exegética e outra, pastoral. Primeiro para averiguar e

detectar a finalidade do texto, levando em conta o leitor originário do mesmo70.

Segundo, para oferecer bases firmes e confiáveis a uma nova hermenêutica

bíblica, oferecendo à pastoral bíblica critérios para decidir se uma aplicação e

atualização do texto bíblico é legítima ou não71.

O método pragmalingüístico analisa o texto a partir de seu aspecto sintático,

semântico e pragmático. A primeira etapa é a análise sintático-gramatical, onde se

estuda a relação dos signos entre si. Sua finalidade é conhecer em profundidade o

texto em seus detalhes. A segunda é a semântica, busca os significados dos signos.

67 Cf.: MORA PAZ, C., Acercamento teórico al método, p. 23.68 CF.: LENTZEN-DEIS, F., Metodi dell’esegesi tra mito storicità e comunicazione, p. 733.GRILLI, M., Autore e lettore, p. 456. MORA PAZ, C., Acercamento teórico al método, p. 25.69 Cf.: RITT, H., Das Gebet zum Vater, 1979. ARENS, E., Kommunikative Handllungen. 1982.FRANKEMÖLLE, H., Biblische Handlungsaweisung, 1983. BERGER, K., Exegese des NeuenTestaments, 1984; EGGER, W., Methodenlehre zum Neuen Testament, 1987. LENTZEN-DEIS,F., Passionsberichte als Handlungsmodell? 1988, p. 191-232. Id., Handllungs orientierte Exegeseder Wachstums-Gleichnisse in Mk 4, 1-34, 1990, p. 117-134. DELORME, J., Sémiotique et lecturedes Évangiles à propos de Mc 14, 1-11, 1992, p. 161-174. GRILLLI, M., Comunità e Missione: ledirettive di Matteo, 1992.70 Cada texto nasce em estreita relação com seus leitores ou ouvintes. O texto torna-se o meioatravés do qual o emissor leva sua mensagem ao receptor. Ele não é só para informar o leitor maspara levá-lo a uma reação. Cada texto tem sua finalidade concreta. Esta finalidade é que éobjetivada pela pragmática. Cf.: BERGES, U. Lectura pragmática de 1 Samuel 12, p. 368

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E a pragmática busca detectar a finalidade do texto, pois quem escreve quer

motivar o leitor a uma certa ação. Estas etapas, entendidas como momentos

específicos, mas articulados da semiótica, são a base do método

pragmalingüístico. Os aspectos sintático, semântico e pragmático dos textos estão

ligados numa relação de continuidade com os métodos históricos críticos e não em

contraposição a eles72.

Estas considerações serão melhor avaliadas na exposição de cada uma das

dimensões do método e na avaliação do final deste trabalho. Apresentaremos,

portanto, a seguir as três dimensões da pragmalingüítica com suas estruturas

operacionais.

1.2.1.

Sintática

1.2.1.1.

Considerações Gerais

Tradicionalmente, a sintática é entendida como o estudo da disposição,

combinação e função dos elementos de uma proposição e das proposições numa

frase. A sintática estuda os morfemas, os lexemas e a proposição como relação

gramatical73.

O morfema é a menor unidade lingüística que tem significado relacional

com outros termos. Morfemas são prefixos, infixos, sufixos que denotam um

tempo, um modo, uma conjugação, uma forma absoluta ou constructa, o singular

ou o plural. São também as preposições, conjugações e indicador do objeto

hebraico.

Lexema é unidade mínima de linguagem que tem significado absoluto:

nomes, adjetivos, advérbios, verbos74.

71 Cf.: BERGES, U., op. cit., p. 369.72 Cf.: MORA PAZ, C., Acercamento teórico al método, p. 10.73 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H. (Org.). Metodologia do Antigo Testamento, p. 95.74 Na analise sintática os lexemas são considerados em seu aspecto morfemático, por exemplo:uma forma verbal em relação ao tempo (indeterminado, pretérito, futuro), ao modo (realidade,possibilidade, impossibilidade), ao aspecto (pontual, durativo, narrativo, exortativo, imperativo).Outro exemplo: o estado absoluto ou constructo de uma forma nominal.

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Uma frase é uma unidade mínima de comunicação dotada de sentido

completo, podendo ser composta de uma ou mais proposições. As diversas

proposições de uma frase são dispostas numa relação de coordenação ou

subordinação. A análise sintática se concentra na estrutura da frase e na função

que os elementos singulares de sua estrutura assumem no conjunto. Estuda as

relações que se estabelecem entre as proposições. Os tipos de relação são:

parataxis e hipotaxis. A parataxis refere-se à coordenação das frases que mantêm

sua autonomia sintática, enquanto a hipotaxis visa a relação de dependência

(subordinação) de uma ou mais proposições em relação à principal75.

1.2.1.2.

Sintática e lingüística textual

A lingüística textual preocupa-se com as relações que se estabelecem no

interior das unidades lingüísticas mais complexas, compostas de diversas

proposições ou frases. Ela afirma que os mesmos critérios que regem as micro-

estruturas valem para as macro-estruturas, visto que a atividade comunicativa não

se compõe de frases isoladas, mas de uma unidade superior chamada texto. O

texto é uma rede de relações lingüísticas com a finalidade comunicativa. Ao

trabalhar-se com um texto deve-se considerar a rede de relações que o constitui

como elemento de comunicação76.

O texto, do ponto de vista semiótico, é qualquer comunicação com signos,

podendo ser oral ou escrito. É uma unidade lingüística estruturada e harmônica

destinada à comunicação. É um conjunto de frases que tem em comum o mesmo

tema, a mesma situação comunicativa. As frases podem estar unidas por meio de

artifícios formais (conjunções, preposições, pronomes...) ou por meio de relações

de tipo semântico ou pragmático77. Os níveis inferiores que compõem a frase são

75 Cf.: GRILLI, M., Consideraciones en torno a la sintáctica, p. 32.76 Cf.: Ibid., p.34.77 Uma primeira dimensão da linguagem humana é a dimensão do agir. Usando a linguagem,agimos. No ato de dizer algo, fazemos também algo. A expressão lingüística pode ser proferidatendo como finalidade produzir determinado efeito, exercer influência sobre as pessoas. Umarelação de tipo pragmático é aquela que visa causar determinado efeito (ação, reação) ao serproferida. Isto será apresentado de modo mais detalhado na análise pragmática.

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os sintagmas78 e as palavras79. Um texto é um tecido80 ou uma rede de relações

lingüísticas com a finalidade de uma interação comunicativa. O texto é um macro

signo com o qual se relacionam todos os outros signos lingüísticos. O importante

em um texto é que tenha organização interna, coesão sintática e coerência

semântica. A lingüística tradicional ao estudar um texto ocupa-se das pequenas

unidades e depois das unidades maiores. Já a lingüística moderna toma o texto

como um todo e, posteriormente, o segmenta em unidades superiores e

inferiores81.

Vejamos as relações da sintática com disciplinas afins: em relação ao

estruturalismo a divisão em pequenas seqüências é comum; em relação à retórica,

a sintática textual compartilha a convicção de que a organização do texto tem

como finalidade o envolvimento do ouvinte/leitor; em relação à análise narrativa,

a sintática textual compartilha a atenção pelo modo como a história vem narrada e

aqueles componentes que constituem a estrutura formal da narração82.

1.2.1.3.

Operacionalidade da análise sintática

A sintática desempenha um importante papel na determinação da semântica

e da pragmática de um texto. A análise sintática do tecido textual é o primeiro

momento para compreender a distribuição e a delimitação da informação.

A análise lexical sintática estuda o texto na sua articulação formal, visando:

delimitar o texto, determinar os vocábulos usados, a estrutura83, a associação das

palavras e frases que o autor usou para dar ao texto uma sistematização orgânica.

Os critérios de organização não são de ordem conceitual, mas gramaticais,

sintáticos e estilísticos.84 Uma vez analisado o texto em seu aspecto formal, busca-

se a divisão do mesmo baseando-se em seus indícios estruturais (repetições de

78 Sintagmas são proposições com conteúdo semântico.79 Cf.: GRILLI, M., Evento Comunicativo e Interpretazione di un texto bíblico, p. 67080 Paul Riccoeur apresenta algumas questões importantes para serem abordadas antes daaproximação de um texto para explicá-lo e/ou compreendê-lo. Cf.: Riccoeur, P., Qu’est-ce q’unTexte? Expliquer et Compreendre, p.180.81 Cf.: GRILLI, M., Consideraciones en torno a la sintáctica, p. 35.82 Cf.: Ibid., p. 39.83 Com a análise sintática objetiva-se também realizar uma divisão do texto com base nos indíciossintáticos.

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palavras, inclusões, mudança de tempo, novos personagens). Vejamos de modo

pormenorizado cada um dos elementos indicados acima85.

Delimitação do texto86: Para a delimitação do texto o critério mais

importante é que a perícope delimitada forme um todo coeso e orgânico, de forma

que seu início e fim sejam identificáveis.

Para a análise lingüístico-sintática87 deve-se fazer um levantamento dos

elementos lingüísticos que mais se destacam no texto a partir das diversas

análises:

1) Análise lexical sintática: examinar a existência de vocábulos, expressões

ou frases de destaque no texto, bem como o emprego de termos característicos ou

não pelo autor.

2) Análise das categorias e formas gramaticais: elencar as categorias e

formas gramaticais em destaque no texto, como substantivos, verbos, advérbios e

preposições.

3) Análise das conexões: examinar como palavras, expressões e frases

encontram-se relacionadas entre si. Para tal, observar de modo especial, as

conjunções empregadas. Conjunções coordenativas: aditivas (e, nem),

adversativas (mas, contudo, porém), alternativas (ou, ora, quer, seja, nem, já...),

conclusivas (logo, pois, portanto, por conseguinte...), explicativas (que, porque,

pois, portanto). Conjunções subordinativas: causais (porque, pois, porquanto,

visto que...), concessivas (embora, conquanto, ainda que, mesmo que, se bem que,

apesar de que...), condicionais (se caso, contanto que, salvo se, desde que, a

menos que, a não ser que), conformativas (conforme, segundo, consoante), finais

(para que, a fim de que...), proporcionais (à medida que, à proporção que...),

temporais (antes que, depois que, até que, logo que...) comparativas (como, assim

como, bem como...) e consecutivas (tal, tanto, tão, tal que, tanto que). Além das

conjunções observar eventuais predileções por determinadas introduções de

84 Cf.: GRILLLI, M., Comunità e Missione: le direttive di Matteo, p. 26.85 O método pragmalingüístico da Bíblia possui pontos de contato como o Método HistóricoCrítico. Assim como o Método Histórico Crítico, pressupõe a tradução e a crítica textual.Compartilha ainda com ele elementos da Crítica da Constituição do texto, Crítica da Forma,Crítica do Gênero Literário e com esta a determinação do Sitz im Leben.86 Para a delimitação do texto valem as indicações da Crítica da Constituição do Texto. Cf.:SIMIAN-YOFRE, H. (Org.)., Metodologia do Antigo Testamento, p. 78-84. EGGER, W.,Metodologia do Novo Testamento, p. 53-56.87 Temos aqui novo ponto de contato com o Método Históco-crítico. Trata-se agora da utilizaçãodos procedimentos metodológicos da Crítica da Forma. Cf.: EGGER, W., op. cit., p. 74-84.SIMIAN-YOFRE, H. (Org.)., op. cit., p. 95.

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frases. Fazer um levantamento dos verbos que ocorrem, suas eventuais repetições.

Bem como, a ordem do sujeito e predicado.

Análise do estilo: examinar o emprego das formas de expressão lingüística

do texto, em especial a incidência de figuras estilísticas (substituição, acréscimo, a

omissão e a disposição) e retóricas, como a antonomásia, ironia, metáfora,

alegoria, metonímia, hipérbole, antítese, pleonasmo...

A análise da estrutura procura segmentar um texto e articular estas

partes. São, portanto, dois momentos: a segmentação divide o texto em partes

diversas e a articulação estabelece a relação entre elas. Uma segmentação a partir

de indícios fonemáticos é mais difícil. Apesar de que alguns elementos

fonemáticos possam ser usados para a segmentação88. Para realizar uma

segmentação em nível sintático é preciso estabelecer uma grade das proposições

do texto, anotando as principais e as subordinadas, cada um dos objetos,

destinatários e circunstâncias que modificam o verbo. Neste sentido, diferencia

partes narrativas de discursivas, atentando para mudanças de pessoa, lugar, tempo,

interlocutores.

A partir destes procedimentos de análise sintática realiza-se um passo

fundamental na interpretação do texto enquanto unidade literária89. A finalidade

desta etapa é conhecer profundamente o texto. Esta análise preserva o intérprete

do perigo de impor ao texto aquilo que quer que ele diga. O texto deve ser

respeitado, pois o exegeta não é seu dono, mas seu servidor90. O fundamento

estrutural da comunicação encontra-se justamente no ordenamento de palavras,

sintágmas, proposições e frases. Cabe agora determinar o significado destes

signos lingüísticos. Isto será apresentado a seguir no segundo passo, a análise

semântica.

88 (...) "uma aliteração pode ser ajuda preciosa, por exemplo para identificar proposiçõesespecialmente carregadas de sentido, de alusões e de pensamentos ou sentimentos que aparecemnum texto lírico. Além disso, a diferença entre prosa e texto rítmico pode estabelecer doismomentos de um texto." SIMIAN-YOFRE, H. (Org.)., Metodologia do Antigo Testamento, p. 98.89 Cf.: LENTZEN-DEIS, F., Metodi dell’esegesi tra mito storicità e comunicazione, p. 735.GRILLI, M., Autore e lettore, p. 456. BERGES, U., Lectura pragmática de 1 Sam 12, p. 370.

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1.2.2.

Semântica

1.2.2.1.

Considerações Gerais

Semântica é a parte da semiótica que analisa as relações entre os signos e os

objetos por eles designados. Dito de outro modo, Semântica é a ciência do

significado das palavras. Por que o autor usou esta palavra e não outra? Como o

significado original de uma palavra mudou para o que existe agora? São algumas

questões da semântica.

Aconteceu no século XX um despertar dos exegetas para importância dos

problemas da semântica91. Foram criados novos métodos e terminologias. Um

primeiro elemento de destaque é a distinção entre semântica diacrônica e

sincrônica. A semântica sincrônica busca descrever o significado de uma palavra

em um determinado contexto. Já a semântica diacrônica está relacionada com a

mudança do significado da palavra ao longo do tempo. As questões que envolvem

a etimologia das palavras são interessantes, porém a relevância está em determinar

o significado da palavra em seu contexto92. Por isso, o primeiro passo para

avaliação semântica de uma palavra é definir seu contexto. Nos textos orais os

indícios paralingüísticos como tom de voz, gestos, expressões do rosto podem

bastar para indicar o significado do texto. Já em textos escritos isto se torna mais

problemático. Existem diferentes contextos. Neste ponto, o conceito de contexto

pode ajudar. Pode-se distinguir alguns contextos: a) o contexto circunstancial

indica a identidade dos interlocutores, lugar e tempo onde ocorre a comunicação.

Emissor e destinatário do texto são influenciados por condicionamentos sociais,

religiosos e culturais em parte comum a ambos permitindo entrarem no processo

comunicativo. b) o contexto situacional refere-se ao lugar ou relação socio-

cultural na qual ocorre a comunicação (uma liturgia, um julgamento...). c) o

contexto interacional refere-se ao encadeamento de atos lingüísticos das partes

90 Cf.: BERGES, U., op. cit., p. 370. GRILLI, M., Comunità e Missione: le direttive di Matteo, p.25.91 A publicação de James Barr, The Semantics of Biblical Language (1961) é um marco naaplicação de métodos científicos para entender o significado das palavras no âmbito bíblico. Cf.:BARR, J., The Semantics of Biblical Language. SAWYER, J. F. A., Semantics, p. 616.

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envolvidas na comunicação (acusação, defesa e sentença num julgamento)93.

Neste ponto, semântica e pragmática interagem.

Um segundo elemento de destaque é a teoria dos campos semânticos. Um

campo semântico é um conjunto de palavras ou frases que podem ser associadas

umas às outras no nível do significado. Este procedimento permite identificar

distinções semânticas sutis entre sinônimos, sem os traduzir em outro idioma onde

associações e distinções podem ser bastante diferentes. O objetivo principal da

semântica aqui é definir e estabelecer distinções precisas ou oposições entre

palavras associadas94.

Um terceiro elemento é a noção de alcance semântico. Este se revela útil

especialmente entre palavras de um idioma e seu equivalente mais próximo em

outro. O alcance semântico trata da especificidade de determinada palavra em

uma língua. Por exemplo: a palavra hebraica V;l+m e seu equivalente mais

comum no português, "paz", possui um alcance semântico distinto. A palavra

V;l+m é associada com palavras que conotam saúde, abundância, em lugar de,

tranqüilidade, como sugere a palavra "paz" no português. E ainda, V;l+m é

contrária a palavras para doença e pobreza, em lugar de guerra95.

Quanto à relação entre semântica e pragmática: a distinção entre semântica e

pragmática é complexa. Não só pela noção de pragmática que é, em si,

problemática, mas pela dificuldade de definir o âmbito semântico. A definição de

"significado" é de competência de várias disciplinas96. A partir desta distinção

pouco clara entre as duas disciplinas podemos destacar três possibilidades para

tratá-las: a) "semanticismo": a pragmática está inserida na semântica; b)

"pragmaticismo": a semântica está inserida na pragmática; c)

"complementarismo": as duas ciências são vistas como complementares97. A

partir da distinção entre língua e fala feita por Saussure98 é possível estabelecer a

devida delimitação e relação entre sintática, semântica e pragmática. A língua é

um sistema de signos que expressam idéias. A fala é a expressão da língua. A

língua é um sistema de símbolos aprendidos por um sujeito individual. A fala é

92 Cf.: SAWYER, J. F. A., op. cit., p. 617.93 SIMIAN-YOFRE, H., Pragmalingüística, p. 89-90.94 Cf.: SAWYER, J. F. A., op. cit., p. 617.95 Cf.: SAWYER, J. F. A., op. cit., p. 618.96 Cf.: GRILLI, M., Autore e lettore, p. 455.96 Cf.: GRILLLI, M., Comunità e Missione: le direttive di Matteo, p. 22.97 GRILLI, M., Evento Comunicativo e Interpretazione di un texto bíblico, p. 667-668.

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um ato individual da vontade e da inteligência humana. Língua e fala se

relacionam, porém são distintas. A sintática e a semântica estão mais na linha da

língua e a pragmática na linha da fala. A semântica estuda as regras da gramática

para interpretação. A pragmática estuda os princípios. As regras são

convencionais e determinadas; os princípios da pragmática são indicadores

genéricos, não são convencionais, nem determinados99.

A semântica moderna não considera o significado como um conceito

autônomo. O significado é sempre o significado numa determinada situação

comunicativa. O contexto no qual está inserido o significado é parte integrante do

significado100. Semântica e pragmática podem ser ciências correlatas, contudo é

importante manter o específico de cada uma. A semântica pergunta: o que isso

quer dizer? E a pragmática pergunta: o que realizo ao dizer isso101?

1.2.2.2.

Operacionalidade da análise semântica

Uma metodologia da semântica ajuda a captar e explicar o significado das

palavras, frases e textos. Embora interligados, é possível tratar separadamente os

vários aspectos: semântica da palavra, semântica do texto e semântica das

estruturas narrativas 102.

1.2.2.2.1.

Semântica da Palavra103

O significado de uma palavra depende geralmente do contexto em que é

usada, sobretudo palavras polissêmicas. As palavras são consideradas como

lexemas. A semântica das palavras se ocupa de cada lexema em particular e do

98 Cf.: SAUSSURE, F., Curso de lingüística geral, p. 22.99 Cf.: MORA PAZ, C., Consideraciones en torno a la semántica, p. 51-53.100 Cf.: GRILLI, M., Evento Comunicativo e Interpretazione di un texto bíblico, p. 668.101 Cf.: Id., Autore e lettore, p.455.102 Cf.: GRILLLI, M., Comunità e Missione: le direttive di Matteo, p. 26. EGGER, W.,Metodologia do Novo Testamento, p. 90.103 Cf.: EGGER, W., op. cit., p. 107-112.

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lexema num determinado contexto. O significado preciso de um lexema é

encontrado a partir das relações nas quais se encontra. As relações podem ser

sintagmáticas ou paradigmáticas.

A relação sintagmática é aquela entre lexemas dentro de um sintagma. Por

sintagma entende-se a relação linear de lexemas numa cadeia significativa de

palavras104.

A relação paradigmática é aquela em que um grupo de expressões em certo

ponto da cadeia de palavras pode ser substituído, produzindo sempre expressões

significativas105.

Para estudar o sentido dos lexemas a partir do contexto específico em que

ocorrem é importante levar em conta os "motivos" e "campos". Os "motivos"

representam certos significados específicos atribuídos a alguns vocábulos, pelo

fato de serem usados com freqüência em contextos iguais ou parecidos. "Campos

semânticos" indicam certos grupos de palavras com significados afins ou certos

contextos que provocam sempre uma associação idêntica de vários vocábulos.

Qualquer lexema adquire o seu significado preciso no contexto em que se

encontra.

Na análise semântica as palavras do texto são selecionadas em grupos

(verbos, substantivos, adjetivos...) e também em campos semânticos. O

significado concreto não depende só das palavras, mas do contexto no qual elas

foram inseridas. É importante também saber qual é a relação de autoridade que

existe entre os interlocutores. Finalmente, um fator determinante na análise

semântica é a identificação do gênero literário106.

Eis alguns procedimentos metodológicos para detectar os componentes

semânticos de uma palavra: elencar as passagens nas quais ocorre a palavra

analisada através de uma concordância; estabelecer em que contexto ocorre a

expressão; agrupar os textos nos quais aparece a palavra segundo os tipos de texto

ou gêneros literários; citar as expressões nas quais a palavra ocorre

freqüentemente; compilar uma lista de palavras que são semanticamente afins ou

104 Exemplo de sintagma: "o homem olha o plano". Para se reconhecer o significado de umapalavra numa relação sintagmática basta analisar as seguintes frases: "ele analisa o plano", "elefica no plano superior". A partir da relação entre as palavras o significado de "plano" torna-se claronas duas frases.105 No sintagma: "ele fica no plano inferior", o lexema "plano" pode ser substituído por "nível","piso", etc.106 Cf.: BERGES, U., Lectura pragmática de 1 Sam 12, p. 370.

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contrárias à palavra a analisar; compilar as características semânticas comuns e

diferentes das palavras confrontadas; apresentar as características semânticas da

palavra analisada e buscar uma palavra portuguesa que possui análoga riqueza de

características semânticas107.

1.2.2.2.2.

Semântica do texto

Eis alguns procedimentos metodológicos para a análise semântica de um

texto no seu conjunto: agrupar os lexemas/vocábulos de significados afins108;

definir as oposições semânticas e reagrupar os eixos semânticos e as oposições em

grupos mais amplos; identificar a unidade semântica que permeia todo o texto e

explica as transformações das quais fala o texto. Para tal sugere-se o uso do

quadrilátero semiótico de A. J. Greimas109.

Quadrilátero semiótico aplicado a Mc 10, 17-31110

Riqueza tesouro no céu

Apego à família adesão a Jesus

e à riqueza seguimento

Não há tesouro no céu não há riqueza

Não há adesão a Jesus desapego da família e da riqueza

107 Cf.: EGGER, W., Metodologia do Novo Testamento, p. 112.108 Um inventário completo de todos os campos semânticos poderia por um lado evitar que selevasse em consideração só alguns elementos, mas por outro lado demanda muito tempo e pode atécriar confusão. Simian-Yofre oferece alguns critérios para reduzir a quantidade de material a seranalisada. O primeiro seria privilegiar as expressões auto-semânticas (que contêm em si umsignificado). Estas contribuem mais decisivamente para o significado do texto que os vocábulos defunção (preposições, conjunções, negações...). Segundo, fazer uma estatística dos vocábulos, parapor em destaque as expressões que aparecem com freqüência também aquelas que aparecem umaúnica vez. Terceiro, levar em consideração os vocábulos característicos de determinado autor.SIMIAN-YOFRE, H. (Org.)., Metodologia do Antigo Testamento, p. 94-95.109 GREIMAS, A. J., Du Sens, p. 159-161. EGGER, W., op. cit., p. 96-97.110 Aqui neste exemplo é tratado apenas um aspecto deste texto do Evangelho de Marcos. Cf.:EGGER, W., op. cit., p. 97.

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Existem também procedimentos mais sintéticos de análise semântica:

reescrever o texto recolhendo numa coluna todas as partes que entram numa

determinada classe gramatical (sujeitos, predicados, objetos, circunstâncias); para

texto mais longos, fazer um índice dos conteúdos (o que acontece, quem age,

quando, porquê...); dar títulos às partes do texto e compará-los; escolher o

versículo mais importante e justificar a escolha; comparar com textos afins111.

1.2.2.2.3.Análise narrativa

Em textos em prosa narrativa a análise narrativa pode dar sua contribuição.

A análise narrativa estuda dois eixos semânticos: as ações e os agentes, bem como

as relações entre eles. Existem muitos modelos para a análise de texto narrativo.

Existem os modelos que consideram as seqüências de ações e os que privilegiam

os vetores (portadores) da ação112.

Segundo o modelo das seqüências de ações, em cada narrativa há pontos

nodais que se abrem, pelo menos em tese, a desenvolvimentos alternativos. Para

compreender a narrativa estes pontos são fundamentais. Na narração, somente

uma das alternativas é desenvolvida, porém a abertura a outras possibilidades

ajuda a evidenciar a importância das alternativas e as conseqüências de uma

decisão. Eis um esquema elementar deste modelo:

• Cura

• O médico vem • Não cura

• chama o

médico

• O médico não

vem

• Situação que

Abre uma

possibilidade:

Alguém doente.

• Não chama o

médico

111 Cf.: Ibid., p. 97-98.112 Para uma panorâmica dos métodos cf.: GÜLICH, E.; RAIBLE, W., Linguistische Textmodelle.

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Segundo o Modelo para a análise nos atores/vetores de ação113, enfoca-se

as relações existentes entre os vários agentes que aparecem nas narrativas. Pode

ser empregado de duas maneiras:

a) O texto como um jogo entre várias funções. Este tipo de análise procura

mostrar o tipo de ação desenvolvida pelos vários atores no texto. Para isto busca-

se responder algumas perguntas: que pessoas agem no texto? Que funções

desempenham? Que relações existem entre elas? Que interesse procuram?

b) Modelo dos atuantes. Greimas propôs um modelo onde considera a estrutura

permanente que está atrás de toda a narrativa, como já foi exposto. Seu diagrama

revela seis elementos de uma narrativa (assunto, objeto, remetente, receptor,

colaborador e oponente) e três eixos funcionais (comunicação, poder e volição).

Podemos exemplificar seu diagrama na narrativa do bom samaritano (cf. Lc

10,30-35).

Remetente ------------------ objeto ------------------------ receptor

(Samaritano) (ajuda e cura) (o viajante)

Colaboradores ------------------ sujeito -------------------- opositores

(Óleo, vinho, hospedeiro) (samaritano) (sacerdote e levita)

Para determinar a oposição de cada agente em particular faz-se necessário

preparar uma lista dos agentes. A relação entre eles pode ser estabelecida por

meio de perguntas como: quem oferece o quê, a quem? Para determinar o

remetente, o objeto e o receptor. Quem colabora com quem? Para determinar o

colaborador e o sujeito. Quem cria obstáculo para quem? Para determinar o

opositor e o sujeito. Quem busca o quê? Para determinar o sujeito e o objeto114.

A análise narrativa limita-se, do ponto de vista metodológico, às ações e aos

agentes; só analisa as estruturas de ação, deixando em suspenso outros elementos.

De um modo geral este recurso metodológico é útil em narrativas breves, onde é

possível considerar todos os elementos narrativos115.

113 Cf.: WEGNER, U., Exegese do Novo Testamento, p. 255.114 Cf.: EGGER, W., Metodologia do Novo Testamento, p. 124.115 Cf.: Ibid., p. 122-123

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Com estes procedimentos metodológicos descortina-se o aspecto semântico

do texto. Esta etapa vem somar-se àquela da análise sintática e será de

fundamental importância para a próxima e decisiva etapa, a pragmática.

1.2.3.

Pragmática

1.2.3.1.

Considerações Gerais

Na semiótica, a pragmática investiga um aspecto importante da linguagem, a

palavra como ação. Ela estuda como se estabelece, se mantém e se modifica a

relação entre os interlocutores116. A pragmática parte do princípio de que o texto

pretende provocar algo em seus ouvintes/leitores. Um texto quase nunca é só para

informar. O autor quer levar o leitor a aceitar sua visão de mundo. Por isso, ele

toma como ponto de partida a situação de seus destinatários e, a partir daí, aplica

sua estratégia para que a opinião ou ação dos receptores se reforce ou se

modifique conforme a sua. Cada texto possui sua pragmática e assim tem sua

finalidade concreta e definida. A leitura pragmática busca averiguar esta

finalidade do texto117.

1.2.3.2.

Concepções de Pragmática

O momento da análise pragmática revela-se problemático por causa da falta

de uma descrição mais ampla da sua teoria, por não evidenciar suas implicações

hermenêuticas, nem apresentar suficientemente seu instrumental metodológico.

As origens destes problemas são: a diversidade de concepções de pragmática, a

falta de delimitação clara entre semântica e pragmática; o fato do ato lingüístico

116 Cf. GRILLI, M., Autore e lettore, p. 450. SIMIAN-YOFRE, H., Pragmalingüística, p. 83.117 Cf.: LENTZEN- DEIS, F., Metodi dell’esegesi tra mito storicità e comunicazione, p.734.BERGES, U., La lingüística pragmática como método de la exégesesis bíblica, p. 82.

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ter validade para uso cotidiano da língua e apresentar dificuldades quando se trata

de textos literários e por causa da mudança de enfoque, proposto pela pragmática,

da diacronia para a sincronia.

Faz-se necessário tornar mais clara a concepção de pragmática. Para isto

apresentamos as principais concepções de pragmática desenvolvidas na

lingüística, enfocando sua importância para a compreensão dos textos bíblicos118.

Uma primeira concepção de pragmática a coloca como o estudo das relações entre

o sistema de signos e seus usuários. Ela leva em consideração os elementos

extralingüísticos que dão origem ao texto como: o tempo e o lugar das expressões,

as condições contextuais e as relações entre os emissores e destinatários. Apesar

de serem elementos importantes, só com eles não é possível avaliar

suficientemente aquilo que o emissor quis objetivar, nem o efeito produzido pelo

texto em quem o escuta. Diante disso surgem os questionamentos: será que não

existe no próprio texto elementos lingüísticos capazes de provocar em seus

ouvintes um determinado efeito? Qual seria o papel do leitor de hoje na leitura e

interpretação do texto? Estes questionamentos são importantes para exegese

bíblica, caso tenha a intenção de usar a pragmática como elemento de sua análise.

Temos conhecimentos insuficientes das condições contextuais da origem dos

textos bíblicos e um dos objetivos da exegese pragmática é justamente abrir o

texto bíblico ao leitor de hoje.

Uma segunda concepção de pragmática a entende como competência

comunicativa. A pragmática estuda os elementos que tornam possível o domínio

da situação comunicativa. Leva em conta os elementos lingüísticos que provocam

nos receptores um determinado efeito. Tal concepção se interessa pelo autor e sua

competência comunicativa. Este modelo pode ser problemático para o estudo de

texto bíblico por dar peso ao autor, já que não conhecemos praticamente nada

sobre a maioria dos autores bíblicos. Podemos chegar a eles quase somente pelos

seus textos. Os dois modelos revelam-se problemáticos também por tratarem a

sintática, a semântica e a pragmática como momentos estanques ou autônomos.

A terceira concepção toma a pragmática no contexto de uma teoria do texto

mais ampla. Ela entende o texto como sendo o resultado da interação de diversos

fatores. Por um lado está o emissor como um indivíduo social concreto em uma

determinada situação, influenciado em sua forma de falar pelas capacidades

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sociais e intelectuais de seus ouvintes/leitores. Do outro lado, estão as diversas

classes de texto e linguagens, as formas de interação social e a competência

comunicativa do emissor. Um tal modelo de pragmática crê que na base da

geração de um texto existe um processo decisório que é guiado por quem o

produz. Leva em conta principalmente o objetivo ou a ação visada pelo produtor

do texto sobre o receptor. Este modelo revela-se útil para a exegese, mas seria

necessário um elemento complementar: levar em conta também o receptor no

processo de construção do texto119.

1.2.3.3.

Teoria do Ato Lingüístico

Em resposta à exigência de uma concepção de pragmática que leve em conta

também o leitor, temos as teorias do ato lingüístico120 e do leitor modelo.

A teoria dos atos lingüísticos é de Austin121. Inicialmente ele fez a distinção

entre atos constatativos e atos performativos. Quando alguém diante do padre

numa cerimônia de casamento diz "sim", não está descrevendo o que faz, mas

torna-se casado dizendo "sim". A este tipo de expressão lingüística Austin chama

de "performativa" (do verbo inglês "to perform") para distinguir das proposições

de constatação122. Com as expressões performativas executa-se a ação. Neste caso,

dizer alguma coisa significa fazer alguma coisa. Diante de tais sentenças não se

pergunta por sua verdade ou falsidade, mas pelas exigências que devem ser

cumpridas para que se realizem. Para que a ação realmente seja executada, é

necessário que um conjunto de fatores esteja em ordem além da expressão

lingüística. Os atos constatativos são verdadeiros ou falsos caso estejam ou não

118 Cf.: DILLMANN, R., Consideraciones en torno a la pragmática, p. 59-61.119 C.: Ibid., p. 61-66.120 Sobre a questão dos atos lingüísticos conferir a obra de Austin, o primeiro, que de modoexplícito, mostrou a importância de uma teoria do ato lingüístico. Cf.: AUSTIN, J. L., How to dothings with words, p. 101-108 .121 Cf.: Ibid., p. 67-93.122 Cf.: Ibid., p. 35.

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em conformidade com a realidade123. Os atos performativos alcançam êxito ou

não, na medida em que as condições para sua realização são cumpridas ou não124.

Diante da dificuldade para estabelecer todas as condições para o êxito dos

atos performativos distinguindo-os dos atos constatativos, Austin propõe a teoria

dos atos de fala ou atos lingüísticos. Permanece no entanto a questão: que

significa afirmar que, dizer algo é realizar algo? Sendo assim, a teoria dos atos de

fala pretende esclarecer a tese de que a significação das expressões lingüísticas

consiste em seu uso. Um ato de fala qualquer é uma realidade complexa, contém

muitas dimensões. Para captar a ação lingüística em sua totalidade é preciso

analisar suas diferentes dimensões. Austin destaca três dimensões: atos locutórios,

atos ilocutórios e atos perlocutivos125. A primeira dimensão da linguagem humana

é a do agir; usando a linguagem agimos. Austin denomina ato locucionário126 à

totalidade da ação lingüística em todas as suas dimensões. Cada processo

lingüístico é um tipo de ação humana, um ato locucionário. Um outro ato da fala é

o ilocucionário. No ato de dizer algo, também se realiza algo. Para determinar o

tipo de ato ilocucionário em questão é preciso perguntar como ele é usado, ou

seja, se para informar, questionar, fazer um juízo, exprimir uma intenção, apelar,

ameaçar, fazer um juízo, etc. O ato ilocucionário é aquele que se executa na

medida em que se diz algo. Executando atos locucionários e ilocucionários

realiza-se a terceira dimensão do ato da fala. Trata-se do ato perlocucionário,

aquele que provoca, por meio de expressões lingüísticas, certos efeitos nos

sentimentos, pensamentos e ações de outras pessoas. A expressão lingüística pode

ser proferida tendo como finalidade produzir determinado efeito em outra pessoa:

convencer, levar a uma decisão, provocar medo, etc. Os três atos são realizados

por meio da mesma expressão lingüística, por isso não são três atos distintos, mas

três dimensões do mesmo ato de fala127.

123 Um exemplo de ato constatativo: se alguém diz - "O rei João morreu". Caso realmente o reiJoão tenha morrido, o ato constatativo é verdadeiro, caso contrário não. Já um ato performativocomo por exemplo o "sim" numa cerimônia de casamento, precisa de uma série de condições parase verificar sua realização ou não.124 Cf.: Ibid., p. 67.125 Cf.: Ibid., p. 101.126 Em alguns artigos ou livros existe uma denominação diferente para os mesmos atoslingüísticos. Assim, visto que a proximidade sonora dos diversos atos lingüísticos e a diferença dedenominações podem causar certa confusão no entendimento dos mesmos, cabe esclarecer: atolocutivo geralmente é tomado como ato proposicional; ato ilocutivo é o mesmo que ato prolacionalou performativo; só o ato perlocutorio permanece idêntico.127 Um exemplo pode ajudar a entender as diversas funções de um mesmo ato de fala (cf. 1 Sm 12,20): que Samuel diga ao povo: "Não temais!" é um ato locucionário; que Samuel, por meio dessa

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O primeiro ato, o locutório, não é muito relevante para a pragmática. Já os

outros dois o são. O terceiro, o ato perlocutório, é a realização eficaz do segundo,

um ato ilocutório. Os atos perlocutivos são ações que causam no ouvinte ou leitor

os efeitos desejados ou calculados. Por um lado, isto não pode ser de todo

aclarado em relação ao texto bíblico. O efeito produzido no leitor permanece em

suspenso e não é seguro que determinado texto de fato realizou o que queria

realizar128. Os textos bíblicos devem ser tratados como atos ilocutivos. Um ato

ilocutivo tem a intenção lingüística, por parte do emissor, de exercer no receptor

uma influência ao comunicar-se. Por outro lado, os textos bíblicos surgiram para

uma determinada situação, mas não exerceram sua influência só nela. Eles podem

ser repetidos em novas situações. O fato de qualificá-los de canônicos implica

justamente torná-los eficientes em outras situações. Existe uma continuidade da

mensagem. Assim, pode-se esperar a eficácia do texto também hoje. O significado

de um enunciado não vem só do conteúdo da frase, mas da funcionalidade que ele

assume na comunicação129.

1.2.3.4.

Teoria do Leitor Modelo

Quanto à teoria do "Leitor Modelo"130, convém destacar que todo autor, ao

escrever seu texto, visa atingir um determinado tipo de leitor, atribuindo a ele

determinadas qualidades e exprimindo-as em forma de linguagem. O autor com

sua estratégia textual tende pois a produzir o seu leitor. Sendo assim, decodificar

expressão lingüística, procure tranqüilizar o povo, isso é o ato ilocutório; que por meio dessaexpressão Samuel consiga afastar alguém do medo, isso é o ato perlocutório.128 Cf.: DILLMANN, R., Consideraciones en torno a la pragmática, p. 67.129 Cf.: BERGES, U., La lingüística pragmática como método de la exégesesis bíblica, p. 87.DILLMANN, R., op. cit., p. 68.130 Vendo o texto como uma comunicação cristalizada entre autor e leitor, poder-se-ia perguntar dequal autor e leitor se está falando. Surgiram diversos termos para responder a esta problemática.Do lado do autor: narrador, narradores semióticos, metanarradores, sujeitos do enunciado. Do ladodo leitor: leitor empírico, leitor virtual, leitor ideal, leitor modelo, metaleitores. Cf.: GRILLI, M.Autore e lettore, p. 450. BERGES, U., La lingüística pragmática como método de la exégesesisbíblica, p. 84. Usaremos a expressão "Leitor Modelo" de Umberto Eco para unificar as expressõesevitando uma ambigüidade na leitura (tratar como conceitos de conteúdo diferente pelo fato de seusar diferentes nomenclaturas) e por ser uma expressão, na nossa opinião, mais fácil de sercompreendida . Cf.: ECO, U., Lector in fabula, p. 39.

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um texto significa compreender a estratégia adotada pelo autor para construir seu

"Leitor Modelo"131.

Diante do texto bíblico convém perguntar: qual é o "Leitor Modelo" que o

texto bíblico apresenta? Qual é a relação que se estabelece entre ele e o leitor real?

Qual é a verdade de um texto bíblico? Para responder a estas questões convém

partir do conceito hebraico de verdade132. Enquanto para o grego a verdade

(alhvqeia) significa conformidade do pensamento com a realidade, para o hebraico

a verdade (un$b$) significa estabilidade, credibilidade e fidelidade. Pode-se dizer

então que a verdade de um texto bíblico, não está especificamente no caráter

"explicativo", mas no "experiencial", no campo da prática. A palavra de verdade

do texto bíblico não é só para ser compreendida, mas para ser obedecida. A

função do leitor modelo será de encarnar essa "verdade" oferecendo ao leitor real

uma exigência de praticá-la. O processo hermenêutico deverá evidenciar esta

instância pragmática do texto bíblico. O leitor real entra em contato com a

verdade do texto bíblico, comunica-se com o Leitor Modelo que encarnou aquela

verdade. Os leitores de todos os tempos, de diversas culturas, classes sociais e

sensibilidade deverão interagir como o Leitor Modelo esboçado no texto e

configurar-se de acordo com o modelo por ele assumido, não copiando-o, mas

reinterpretando-o133.

1.2.3.5.

Operacionalidade da análise pragmática

Os procedimentos metodológicos da análise pragmática não podem ser

aplicados de modo mecânico. São apenas indicações de como por em ação os

recursos da análise pragmática. Cada texto tem sua especificidade e por isso a

ênfase pode ser colocada em um dos pontos da análise pragmática134.

131 O texto é um processo comunicativo dinâmico onde o leitor de um texto se torna também seuautor. Assim sendo, pode-se distinguir entre autor abstrato e autor real, entre leitor modelo e leitorreal. O autor modelo e o leitor modelo são aqueles que estão contidos no texto. Já o autor real eleitor real são os que hoje interagem com o texto. Cf.: DILLMANN, R., Consideraciones en tornoa la pragmática, p. 68.132 Cf.: GRILLI, M., Autore e lettore, p. 455.133 Cf.: Id., Evento Comunicativo e Interpretazione di un texto bíblico, p. 676. GRILLI, M., Autoree lettore, p. 450. DILLMANN, R., op. cit., p. 68-69.134 Cf.: EGGER, W., Metodologia do Novo Testamento, p. 136.

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A análise pragmática indaga sobre as respostas que o texto quer provocar, o

"paradigma" ou "modelo" nos quais os leitores devem se reconhecer. Para realizar

esta tarefa pode-se utilizar os seguintes recursos:

Um modo funcional de aplicação da análise pragmalingüística em texto

bíblico pode ser aquele utilizado por Berges na sua análise do texto de 1 Sm 12135.

Ele utiliza a distinção proposta por Austin entre atos lingüísticos proposicionais

("de que trata o texto?"), prolacionais ("qual é a função do texto?") e perlocutórios

("qual é o efeito ou resultado do texto?"). Em relação aos atos lingüísticos

proposicionais busca-se identificar o que o texto afirma, nega, questiona, propõe...

Já em relação aos atos prolacionais busca-se identificar as expressões no texto que

têm certa força para ordenar, advertir e expressam a função ou finalidade do texto;

Com os atos perlocutórios procura-se identificar o que é provocado ou alcançado

quando se diz algo (convence, intimida, persuade, surpreende, engana) ou seja,

qual é o resultado ou efeito produzido pelo texto136.

Para realizar a identificação de cada um destes três atos, segue a indicação

de algumas análises e procedimentos metodológicos:

1) Analisar os tipos de locuções utilizadas (discurso direto, indireto, locução

assertiva, diretiva, performativa), os indicativos de força, os vários tipos de

introdução, os modos dos verbos, a construção dos enunciados, a posição dos

advérbios e adjetivos, o valor comunicativo dos gêneros literários, das metáforas,

dos elementos retóricos ou a classe dos interlocutores numa narrativa, enfim, tudo

que revele a estratégia do autor para levar o leitor a assumir seu modelo de

ação137.

2) Identificar a finalidade ou intencionalidade do texto. Um procedimento

para perceber a finalidade do texto consiste em classificar os atos lingüísticos

bíblicos a partir de uma lista previamente elaborada onde os atos lingüísticos estão

divididos em grupos, como por exemplo: a) descrever, referir, comunicar, narrar,

contradizer; b) afirmar, assegurar, aprovar, negar, contestar; c) revelar, manifestar,

admitir, simular, negar; d) ordenar, convidar, pedir, exigir, exortar, permitir,

aconselhar, advertir, consolar; e) saudar, felicitar, agradecer138.

135 Cf.: BERGES, U., Lectura pragmática de 1 Sam 12, p. 171.136 Cf.: AUSTIN, J. L., How to do things with words, p. 108.137 Cf.: GRILLI, M., Autore e lettore, p. 458.138 Cf.: EGGER, W., Metodologia do Novo Testamento, p. 132-134.

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3) Analisar os fatores da comunicação. A análise da intencionalidade do

texto pressupõe que ele é parte de um processo comunicativo onde incidem

fatores como: emissor, destinatário, código, canal, contato e contexto. As

finalidades podem ser descobertas a partir do fator mais evidenciado pelo texto. A

cada um dos seis fatores da comunicação corresponde uma das funções da

linguagem. Uma mensagem orientada para o referente ou contexto tem

predominantemente uma função referencial. A função expressiva focaliza a

atitude do próprio emissor em relação ao conteúdo da mensagem. A função

apelativa está orientada para o receptor. A função de contato descreve mensagens

que servem para estabelecer, prolongar ou interromper a comunicação. A função

poética dá ênfase à própria mensagem. A função metalingüística é a linguagem

que se refere à própria linguagem139.

4) Detectar a intencionalidade explícita do texto. A intencionalidade

explícita acontece quando o próprio texto apresenta a intenção do autor em

relação ao leitor, por exemplo: nas cartas, o sentido exortativo fica evidente

quando vem acompanhado por verbos como "rogo-vos" (Rm 12, 1; 16, 17) ou

"exorto-vos" (1 Tm 2, 1; 6, 13). Por isso, na análise pragmática deve-se perguntar:

quais são os dados explícitos do texto acerca da finalidade do autor? Em que

medida o texto explicita a que leitor se dirige? Que instruções diretas para o

pensamento e a ação dos leitores aparecem no texto?

5) Detectar a intencionalidade implícita do texto. A intencionalidade

implícita é o desejo do autor do texto escondido por detrás de suas estratégias

lingüísticas e literárias. Eis alguns exemplos de intencionalidade implícita: o autor

se dirige ao leitor através dos protagonistas do texto ou a história descreve a

solução de um problema levando o leitor a agir em conformidade com ela para

atingir os mesmos resultados; outras vezes, os textos apresentam como proposta

para o leitor, diferentes comportamentos e papéis, podendo induzir o leitor a

identificar-se inconscientemente com um ou mais personagens. A própria

dinâmica do texto pode levar o leitor a interagir com ele140. Neste caso deve-se

perguntar ao texto: (Para textos narrativos) com que pessoas do texto o autor se

simpatiza e com quais não se simpatiza? Quais as soluções propostas pelo texto

para determinados problemas do leitor? (Para textos discursivos) quem escreve, e

139 Cf.: EGGER, W., op. cit., p. 132-134.140 Cf.: Ibid., p. 137-138.

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quanta credibilidade merece? A que normas de comportamento está sujeito o

grupo de destinatários considerado? Que indicações fornecem o texto sobre a

relação de autoridade que existe entre autores e leitores141?

6) Verificar se o texto apresenta indícios de que a finalidade pretendida pelo

autor para o leitor modelo foi alcançada. Apresentar e analisar os valores e

atitudes despertadas no leitor empírico (leitor de hoje) pela leitura do texto.

1.2.4.

Conclusão

No século XX nasceu a semiótica em sentido estrito, ciência de toda e

qualquer linguagem. A partir dela desenvolveu-se a lingüística, ciência da

linguagem verbal. A lingüística entrou em diálogo com outras disciplinas tais

como antropologia, história, sociologia... Os métodos de análise e interpretação

dos textos orais ou escritos foram se aprimorando. A questão da comunicação

recebeu um destaque especial, tornou-se alvo de novas investigações científicas.

Evidenciou-se que uma das instâncias da linguagem é a comunicativa. Ou seja, a

finalidade da palavra oral ou escrita é a comunicação. Esta comunicação foi

considerada de modos diferentes142.

Dentro de um modelo linear de comunicação, a linguagem foi considerada

um canal mediante o qual a mensagem era transmitida do emissor ao receptor. A

comunicação fluía numa direção. O emissor teria a intenção de influir, comunicar,

informar o destinatário. Um tal modelo considerou só a intenção do autor e não

levou em conta a contribuição do receptor.

No modelo interativo o receptor foi considerado um interlocutor ativo,

reagindo e respondendo à mensagem do emissor. Este modelo revelou-se mais

completo que o primeiro, porém não o suficiente. Apesar da inter-relação,

manifestou-se ainda estático. Indicava um tipo de comunicação que ocorria em

momentos diferentes. Onde uma pessoa ou era emissor ou receptor, à mensagem

de um correspondia a resposta do outro.

141 Cf.: Ibid., p. 138-139142 Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., Pragmalingüística, p. 78-81. GRILLI, M., Evento Comunicativo eInterpretazione di un texto bíblico, p. 661-662.

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O modelo dialógico considerou o envio e a recepção da mensagem como

eventos simultâneos. O receptor tornou-se ao mesmo tempo emissor, cooperando

na construção da mensagem. A comunicação não foi mais entendida como algo

que "um faz ao outro", mas como algo "que um faz juntamente com outro".

Neste ponto situa-se a teoria da comunicação consolidada a partir dos anos

sessenta e setenta. Ela sustenta que um texto é analisado não só a partir do

momento em que é gerado, mas também quando é recebido pelo destinatário.

Neste âmbito desenvolve-se a pragmática.

O pressuposto da pragmática é que todo texto não é simplesmente um

sistema fechado de signos funcionando independentemente do emissor e do

receptor, mas sim um importante ponto de contato entre os dois. A pragmática

concentra-se num aspecto essencial da linguagem, a palavra como ação. Ela

estuda um texto do ponto de vista de seus interlocutores: como se estabelece, se

mantém ou se modifica a relação entre eles. O texto não é só um conjunto de

informações passadas do autor ao leitor. É uma mensagem que contém explícita

ou implicitamente a intenção do autor de influenciar seu destinatário e por outro

lado a disposição ou não do receptor de assimilar e responder à mensagem. Dito

em linguagem pragmática: o interesse não é somente pelo conteúdo de um

enunciado (a locução), mas também por sua intencionalidade (elocução) e por seu

efeito (perlocução).

A operacionalidade da pragmalingüística ocorre em três âmbitos já

explorados anteriormente: o sintático, semântico e pragmático. A clássica divisão

da semiótica de Charles Morris afirma: enquanto a sintática analisa o signo em

relação a outro signo, a semântica analisa o signo em relação ao significado e a

pragmática analisa o signo em relação ao uso que dele faz o emissor e o receptor.

O método pragmalingüístico aplicado à Sagrada Escritura não despreza o

trabalho realizado a partir do Método Histórico Crítico. Ao contrário, integra

elementos do referido Método e procura potenciá-los a partir de uma concepção

do texto como parte do processo comunicativo dialógico. Os pontos de contato

entre método Pragmalingüístico e Histórico Crítico já acontecem nas etapas

básicas de aproximação do texto: Tradução e Crítica Textual que estabelecem a

materialidade do texto a ser estudado. Compartilha com ele elementos da Crítica

da Constituição do Texto e Crítica da Forma. A delimitação e a segmentação do

texto é feita com base nos indícios formais sintáticos e semânticos. A Crítica dos

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Gêneros Literários bem como a determinação do "Sitz im Leben" são também

expedientes usados no método pragmalingüístico. Todos estes elementos de

análise concorrem para a etapa que visa explicitar a função e a finalidade do texto,

a etapa pragmática. Nela, o texto é visto como ação, tanto do seu produtor como

dos seus mais diretos interlocutores, os leitores modelo, e também dos atuais

leitores.

1.3.

Resumo dos Passos Metodológicos da Pragmalingüística

Apresentaremos a seguir, de forma sintética, os procedimentos

metodológicos da Pragmalingüística aplicados à Bíblia. Como já foi apresentado

acima, existem pontos de contato com o Método Histórico Crítico que ajudam na

aproximação do texto, sobretudo na sua materialidade, em seu aspecto formal. No

uso dos procedimentos é preciso levar em conta a diversidade e a especificidade

dos textos que poderão exigir maior dedicação em um aspecto do que em outro.

Passos Exegéticos Caracterização

Tradução Realizar uma primeira tradução provisória do texto

como ponto de partida para o estudo.

Crítica Textual Decodificar o aparato crítico e aplicar os critérios de

evidência externa e interna para a avaliação das

variantes.

Análise Sintática: 1) Delimitar o texto (averiguar sua unidade).

2) Analisar sintaticamente as proposições em si

mesmas e em suas relações observando a

utilização dos modos verbais, dos nomes e das

partículas.

3) Analisar a freqüência dos morfemas e lexemas.

4) Identificar e avaliar as figuras de estilo.

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5) Segmentar o texto e analisar a estrutura do texto

a nível sintático.

Análise Semântica 1) Detectar os componentes semânticos de cada

palavra (grupos e campos semânticos).

2) Analisar semanticamente o texto no seu

conjunto.

3) Análise narrativa.

4) Identificar o gênero literário.

Análise Pragmática 1) Estratégias via Atos Lingüísticos:

• Identificar os atos locutivos ou proposicionais:

apresentando e analisando o que o autor afirma,

nega, questiona, propõe....

• Identificar os atos ilocutivos ou prolacionais:

apresentando e analisando os dados explícitos e

implícitos do texto acerca da finalidade do autor.

• Identificar os atos perlocutórios: verificando se o

texto apresenta indícios de que a finalidade

pretendida pelo autor para o leitor modelo foi

alcançada; Identificando e analisando os valores

e atitudes despertadas no leitor empírico (leitor

de hoje) pela leitura do texto.

2) Estratégias via Leitor Modelo

• Identificar o perfil do leitor modelo objetivado

pelo autor. Ou, qual o leitor modelo que

transparece no texto através da estratégia literária

do autor?

• Identificar a estratégia usada pelo autor para

construir seu leitor modelo.

• Identificar a relação de autoridade do autor

modelo em relação a leitor modelo.

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• Identificar e analisar os valores apresentados

pelo autor ao leitor modelo.

• Identificar e analisar as estratégias utilizadas

pelo autor para que o texto possa atingir sua

finalidade.

• Estabelecer a relação entre o leitor modelo e o

leitor empírico.

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