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39 REVISORES AUDITORES JULHO_SETEMBRO 2014 7. Também a prudência, sob a designação de princípio do conser - vantismo, era descrita em termos muito diretos: “implica que a contabilidade deve registar todas as perdas de valor e não aten- der aos ganhos potenciais” (cf. Cap. XII – Valorimetria - 1 – Prin- cípios contabilísticos adotados”). 8. Daí que a mensuração das imobilizações corpóreas devessem ser “valorizadas a preço de aquisição, que inclui o valor de fatu- ra e ainda todos os gastos adicionais necessários à sua entrada em funcionamento” e que, quando construídas pela própria em- presa o seu valor fosse o resultante do sistema de custeio nela utilizado (cf. Cap. XII – Valorimetria - 2 – Critérios e métodos es- pecíficos – 2.5 – Imobilizações corpóreas, versão de 1977). 9. É certo que aquele POC 77 mostrava uma conta de “Reserva de reavaliação de imobilizações”, que apenas serviria para reavalia- ções efetuadas em desacordo com o POC ou para as realizadas nos termos da Portaria 20 258, de 28 de dezembro de 1963. 10. Quando o CSC entrou em vigor era este o regime contabilístico e a alínea a) do n.º 2 do seu Art.º 295.º dispunha – como ainda dispõe – a sujeição ao regime da reserva legal dos “saldos posi- tivos de reavaliações monetárias que forem consentidos por lei, na medida em que não forem necessários para cobrir prejuízos já acusados no balanço”. 11. Aquele regime, segundo a disposição do Art.º 296.º do mesmo código, impossibilita a distribuição da reserva aos sócios, uma vez que esta só pode ser utilizada para cobrir a parte do prejuízo acusado no balanço do exercício que não possa ser coberto pela utilização de outras reservas, para cobrir a parte dos prejuízos transitados do exercício anterior que não possa ser coberto pelo lucro do exercício nem pela utilização de outras reservas e para incorporação no capital. 12. Já antes, porém, mediante o Decreto-Lei n.,º 126/77, de 2 de abril, havia sido permitida a reavaliação dos bens do imobiliza- do corpóreo de empresas privadas de demonstrada viabilidade 1. Com este artigo pretende-se uma revisão do ordenamento jurí - dico-contabilístico dos, agora, designados excedentes de revalo- rização de ativos fixos tangíveis, que antes tinham a tradicional denominação de reservas de reavaliação. 2. Há, fundamentalmente, três ordens de questões: a distribuição do seu valor aos sócios, a incorporação no capital social e a apli- cação na cobertura de prejuízos. 3. No Código das Sociedades Comerciais (CSC), que entrou em vigor em 1 de novembro de 1986, não se encontra definido o lucro, e a delimitação de bens aos sócios, designadamente por distribuição de resultados, é efetuada de modo genérico na alí - nea a) no 1.º do Art.º 21.º (direito a quinhoar nos lucros) e nos Art.ºs 217.º (Direito aos lucros do exercício nas sociedades por quotas) e 294.º (Direito aos lucros do exercício nas sociedades anónimas) e, de modo negativo ou restritivo, no Art.º 33.º (Lu- cros e reservas não distribuíveis). 4. Julga-se que, no passado, sempre terá sido intenção dos agen- tes económicos e do legislador que as quantias suscetíveis de distribuição aos sócios, antes da liquidação final da empresa, seriam, de forma contida, apenas os lucros decorrentes das ope- rações do exercício, fundados no custo histórico nominal e sem intervenção de qualquer reavaliação de ativos, especialmente dos imobilizados. 5. A esta conceção estão inerentes os princípios da prudência e da realização, ligados, até, entre si, que, aliás, se manifestam já em momento anterior ao da distribuição – de facto, com referência à própria conceção do, estrito, lucro contabilístico. 6. No Plano Oficial de Contabilidade de 1977 (POC 77), estabelecia- -se o princípio de valorimetria do “custo histórico” de uma forma pesada: “determina que os registos se efetuem com base numa realidade objetiva (como, por exemplo, o preço de fatura), em contraste com valores aleatórios ou subjetivos” (cf. Cap. XII – Valorimetria - 1 – Princípios contabilísticos adotados”).

1. Com este artigo pretende-se uma revisão do ordenamento jurí · avaliação com base na variação do poder aquisitivo da moeda como a reavaliação com base no justo valor. 21

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Page 1: 1. Com este artigo pretende-se uma revisão do ordenamento jurí · avaliação com base na variação do poder aquisitivo da moeda como a reavaliação com base no justo valor. 21

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7. Também a prudência, sob a designação de princípio do conser-vantismo, era descrita em termos muito diretos: “implica que a contabilidade deve registar todas as perdas de valor e não aten-der aos ganhos potenciais” (cf. Cap. XII – Valorimetria - 1 – Prin-cípios contabilísticos adotados”).

8. Daí que a mensuração das imobilizações corpóreas devessem ser “valorizadas a preço de aquisição, que inclui o valor de fatu-ra e ainda todos os gastos adicionais necessários à sua entrada em funcionamento” e que, quando construídas pela própria em-presa o seu valor fosse o resultante do sistema de custeio nela utilizado (cf. Cap. XII – Valorimetria - 2 – Critérios e métodos es-pecíficos – 2.5 – Imobilizações corpóreas, versão de 1977).

9. É certo que aquele POC 77 mostrava uma conta de “Reserva de reavaliação de imobilizações”, que apenas serviria para reavalia-ções efetuadas em desacordo com o POC ou para as realizadas nos termos da Portaria 20 258, de 28 de dezembro de 1963.

10. Quando o CSC entrou em vigor era este o regime contabilístico e a alínea a) do n.º 2 do seu Art.º 295.º dispunha – como ainda dispõe – a sujeição ao regime da reserva legal dos “saldos posi-tivos de reavaliações monetárias que forem consentidos por lei, na medida em que não forem necessários para cobrir prejuízos já acusados no balanço”.

11. Aquele regime, segundo a disposição do Art.º 296.º do mesmo código, impossibilita a distribuição da reserva aos sócios, uma vez que esta só pode ser utilizada para cobrir a parte do prejuízo acusado no balanço do exercício que não possa ser coberto pela utilização de outras reservas, para cobrir a parte dos prejuízos transitados do exercício anterior que não possa ser coberto pelo lucro do exercício nem pela utilização de outras reservas e para incorporação no capital.

12. Já antes, porém, mediante o Decreto-Lei n.,º 126/77, de 2 de abril, havia sido permitida a reavaliação dos bens do imobiliza-do corpóreo de empresas privadas de demonstrada viabilidade

1. Com este artigo pretende-se uma revisão do ordenamento jurí-dico-contabilístico dos, agora, designados excedentes de revalo-rização de ativos fixos tangíveis, que antes tinham a tradicional denominação de reservas de reavaliação.

2. Há, fundamentalmente, três ordens de questões: a distribuição do seu valor aos sócios, a incorporação no capital social e a apli-cação na cobertura de prejuízos.

3. No Código das Sociedades Comerciais (CSC), que entrou em vigor em 1 de novembro de 1986, não se encontra definido o lucro, e a delimitação de bens aos sócios, designadamente por distribuição de resultados, é efetuada de modo genérico na alí-nea a) no 1.º do Art.º 21.º (direito a quinhoar nos lucros) e nos Art.ºs 217.º (Direito aos lucros do exercício nas sociedades por quotas) e 294.º (Direito aos lucros do exercício nas sociedades anónimas) e, de modo negativo ou restritivo, no Art.º 33.º (Lu-cros e reservas não distribuíveis).

4. Julga-se que, no passado, sempre terá sido intenção dos agen-tes económicos e do legislador que as quantias suscetíveis de distribuição aos sócios, antes da liquidação final da empresa, seriam, de forma contida, apenas os lucros decorrentes das ope-rações do exercício, fundados no custo histórico nominal e sem intervenção de qualquer reavaliação de ativos, especialmente dos imobilizados.

5. A esta conceção estão inerentes os princípios da prudência e da realização, ligados, até, entre si, que, aliás, se manifestam já em momento anterior ao da distribuição – de facto, com referência à própria conceção do, estrito, lucro contabilístico.

6. No Plano Oficial de Contabilidade de 1977 (POC 77), estabelecia--se o princípio de valorimetria do “custo histórico” de uma forma pesada: “determina que os registos se efetuem com base numa realidade objetiva (como, por exemplo, o preço de fatura), em contraste com valores aleatórios ou subjetivos” (cf. Cap. XII – Valorimetria - 1 – Princípios contabilísticos adotados”).

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Direito

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ao estabelecerem o destino a dar à reserva de reavaliação – a saber, a cobertura de prejuízos acumulados até à data a que se reporta a reavaliação, inclusive, e a incorporação no capital so-cial da parte remanescente” (segundo parágrafo do número 1.2).

19. Depois (primeiro parágrafo do número 1.3) afirma-se na diretriz que algumas empresas procediam à revalorização contabilís-tica, nomeadamente de imóveis, constituindo as chamadas “reavaliações livres” (também designadas extraordinárias ou económicas), utilizando seguidamente a “reserva” criada quer na cobertura de prejuízos, quer no reforço do capital social.

20. Aquela diretriz veio reordenar a questão, admitindo tanto a re-avaliação com base na variação do poder aquisitivo da moeda como a reavaliação com base no justo valor.

21. Além disso, e muito importante, a diretriz passou a incluir no ordenamento contabilístico a figura da realização da reserva de reavaliação – o excedente obtido do processo de reavaliação só se considera realizado pelo uso (traduzido na depreciação) ou alienação (expressa na mais-valia) dos bens a que respeita (cf. número 2.4).

22. Assevera, todavia, a diretriz que a utilização do excedente, antes da sua realização, é inadmissível para cobrir prejuízos ou para aumentar o capital, sustentando-se nos princípios geralmente aceites e determina que só a realização total ou parcial do exce-dente poderá permitir as aplicações referias ou outras, implican-do a transferência da parte realizada do excedente.

23. É neste contexto que no último diploma legal dedicado à rea-valiação fiscal – o Decreto-Lei n.º 31/98, de 11 de fevereiro, já não se permitiu que a totalidade da reserva fosse destinada à cobertura de prejuízos ou à incorporação no capital social, mas apenas a sua parte realizada.

24. A diretriz, sem o explicitar, radica na Norma Internacional de Contabilidade 16 (NIC 16), nascida em 1982 (Accounting for Property, Plant and Equipment) e revista fundamentalmente em 1993 (Property, Plant and Equipment), que deu origem à Norma de Contabilidade e Relato Financeiro 7 (NCRF 7), onde, precisa-mente, podemos encontrar o processo de realização da reserva: por transferência para “resultados retidos” (no n.º 41 da NIC 16, na versão em português de “retained earnings”) ou para “resul-tados transitados” na NCRF 7.

25. Ora, a interpretação corrente de “resultados transitados” ou “re-sultados retidos” é a de que estes podem ser distribuídos aos sócios – o que justifica o termo “outras” na mencionada diretriz a propósito da aplicação das reservas realizadas (“aplicações re-feridas” - cobertura de prejuízos e incorporação no capital social – “ou outras”).

26. Assim, os excedentes de revalorização (com esta ou outra de-signação) começaram, nesta evolução, por não serem suscetí-veis de distribuição aos sócios, mas poderem ser aplicados, e por inteiro, na cobertura de prejuízos ou na incorporação no capital social, viram-se limitados nesta função apenas à parte realiza-da e conseguiram passar a ser distribuíveis também na fração realizada.

27. A Estrutura Conceptual do IASB e a Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística dispõem de um ca-

económica e que fossem objeto de saneamento económico--financeiro, diretamente acompanhado pelo Estado ou por en-tidade por este designada para o efeito (Art.º 1.º), com efeitos na determinação da matéria coletável pelo incremento das depre-ciações, tendo as empresas, no caso de venderem bens depois de reavaliados, a obrigação de investir o preço da venda no pra-zo de um ano, a partir da alienação (Art.º 6.º).

13. Este diploma legal, que depois foi estendido às empresas públi-cas mediante o Decreto-Lei n.º 353-B/77, de 29 de Agosto, não prescrevia a impossibilidade de distribuição das reservas de re-avaliação, mas, pensa-se, que ninguém interpretaria o texto no sentido de o permitir.

14. Com o Decreto-Lei n.º 430/78, de 27 de dezembro, iniciou-se uma série de autorizações de reavaliações, igualmente com efeitos fiscais pela adoção parcial das novas quotas de depre-ciação, que implicavam a utilização de uma conta de reserva de reavaliação especificamente nominada com a identificação do respetivo diploma legal, que só poderia ser utilizada para a cobertura de prejuízos passados (ou compensação de certos gastos passados) e para incorporação no capital social - àquele decreto-lei seguiram-se, ainda antes da entrada em vigor do Plano Oficial de Contabilidade de 1989 (POC 89), aproximada-mente com a mesma estrutura, os Decretos-Leis n.º 23/82, de 30 de janeiro, n.º 219/82, de 2 de junho, n.º 399-G/84, de 28 de dezembro, n.º 118/86, de 27 de maio, e 111/88, de 2 de abril, e, já depois, mas antes de 1995, os Decretos-Leis n.º 49/91, de 15 de janeiro, n.º 22/92, de 24 de fevereiro e n.º 264/92, de 14 de Novembro.

15. No POC 89 o princípio do custo histórico apareceu muito mais aberto, estabelecendo, a par do habitual nominalismo monetá-rio, a hipótese de atualizações mediante índices que contem-plassem a inflação: “os registos contabilísticos devem basear--se em custos de aquisição ou de produção, quer a escudos nominais, quer a escudos constantes” (Capítulo 4 – Princípios contabilísticos – alínea d) – Do custo histórico).

16. Também o princípio da prudência mereceu um mais arejado texto: “significa que é possível integrar nas contas um grau de precaução ao fazer as estimativas exigidas em condições de in-certeza sem, contudo, permitir a criação de reservas ocultas ou provisões excessivas ou a deliberada quantificação de ativos e proveitos por defeito ou de passivos por excesso” (Capítulo 4 – Princípios contabilísticos – alínea e) – Da prudência).

17. É certo que no capítulo da valorimetria não se alude à reavaliação do imobilizado, mas é também verdade que no Anexo, há uma coluna no quadro da nota 10 para a reavaliação e que na nota 12 se exige a indicação dos diplomas legais em que baseou a rea-valiação de imobilizações e a explicitação dos métodos de trata-mento da inflação adotados quando a reavaliação não tiver tido origem em meras disposições legais.

18. Foi, entretanto, publicada a Diretriz Contabilística 16/95, em 5 de maio de 1995, onde se refere que, nas demonstrações finan-ceiras, os efeitos da inflação tinham sido parcialmente tratados, em regra, através de ajustamentos monetários ocasionais do imobilizado, nos termos dos citados diplomas legais (cf. primeiro parágrafo do número 1.2) e se acrescenta o seguinte: “os diplo-mas que têm permitido as denominadas reavaliações fiscais ex-travasam o âmbito fiscal e intrometeram-se na área societária,