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Reflexões sobre a Ciência na Sociedade Fernando M.S. Silva Fernandes
Centro de Ciências Moleculares e Materiais
Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa
A propósito de alguns pensamentos do estadista e dramaturgo Václav Havel
sobre ciência e tecnologia, discute-se o papel da ciência na sociedade.
Construtivismo social, relativismo e pós-modernismo.
É, ou não, a ciência um vector legítimo e indispensável da cultura?
Qual a influência da ciência nas teorias económico-financeiras?
Contribuiu a ciência para o advento de tiranias políticas?
Crise da objectividade? O que significa?
São a racionalidade e a ordem prisões do espírito? Desprezam a intuição e o humanismo?
No "olho do furacão" da presente viragem entrópico-energética,
prevista e descrita pelo economista Jeremy Rifkin,
não dá a ciência contribuições fundamentais para a resolução dos problemas?
Iliteracia científica versus iliteracia noutros vectores da cultura.
Como se avalia a ignorância?
Resumo
1 de Fevereiro de 201218 horas - Sala 5.1
Faculdade de Letras
Reflexões sobre a Ciência na Sociedade
Fernando M.S. Silva FernandesCentro de Ciências Moleculares e Materiais
Departamento de Química e BioquímicaFaculdade de Ciências, Universidade de Lisboa
Cátedra A Razão
Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa
1 de Fevereiro 2012
Renascimento e Iluminismo
Bacon (1561-1626) Newton (1642-1727)
Descartes (1596-1650) Lavoisier (1743-1794)
Renascimento e Iluminismo
• A ciência, exaltada no século XVIII com o Iluminismo, foi precursora da revolução industrial (substituição da madeira pelo carvão), iniciada no memso século, e das revoluções científicas e tecnológicas do século XX.
• Entrou-se no que se designa vulgarmente por Era Moderna• O método científico, a matemática entendida como linguagem da Natureza, o
aparente determinismo dos fenómenos físicos, com as suas leis, racionalidade e objectividade, a construção dos mais variados instrumentos, a implementação da química quantitativa, etc., afirmaram a ciência e a tecnologia como vectores culturais e civilizacionais orientados para o progresso e bem-estar das sociedades.
• Nem sempre é devidamente sublinhado que a visão mecânica do universo estabelecida pela ciência do século XVII (também designada por visão newtoniana) que é, em última instância, a base da época actual da máquina-indústria-economia, diz respeito à parte material da Natureza, ou seja, à dinâmica da matéria e da energia, e respectivas relações. Considerações sobre o espírito, alma, religião e percepção individual (consciência) foram, de início, considerados assuntos metafísicos, embora não menosprezados pela maioria dos cientistas e filósofos.
Ciência e Objectividade
• Um dos meios de aquisição, tratamento e transmissão do conhecimento caracterizado por um método racional (o método científico) e instrumentação específica.
• Como produto da actividade intelectual humana é, necessariamente, um dos vectores da Cultura.
• Os fenómenos e entidades existem independentemente de preconceitos e opções pessoais, sociais ou políticas, devendo os resultados, modelos e teorias científicas ser comprovados com rigor lógico e experimental, e divulgados publicamente.
Construtivismo social
• Logo que um corpo de resultados científicos seja comprovado e generalizado, conduzindo a modelos e teorias, estabelece-se um consenso a seu respeito entre os cientistas da mesma geração e, eventualmente, de outras gerações posteriores, ou seja, esses modelos, teorias e interpretações consequentes, passam a constituir o que o filósofo americano Thomas Kuhn (1922-1996) designou por paradigma.
• Advogou que a verdade científica num determinado momento não pode ser estabelecida apenas por critérios objectivos, mas é definida também pelo consenso de uma comunidade científica.
• Tal é a base do construtivismo social, uma corrente filosófica que, na sua interpretação mais fundamentalista, leva os movimentos anti-ciência a declarar a ciência como meras convenções sociais da comunidade científica, por vezes ominosas, sem a objectividade e o valor que, pretensiosamente, os cientistas lhe atribuem.
• Daqui, ao que chamam crise da objectividade, e às tentativas de ilegitimação da ciência, é um pequeno passo.
Relativismo
Todos os pontos de vista são igualmente válidos!
Movimentos românticos
• Desde o iluminismo, pelo menos, surgiram os chamados movimentos românticos, defendendo uma visão do mundo contrária ao racionalismo e objectividade da ciência, ou seja, uma visão baseada na subjectividade, no lirismo, na emoção e no culto do “eu”.
• Em plena revolução industrial surgiram os luditas, bandos de artesãos britânicos que se revoltaram contra a mecanização, destruindo as maquinarias emergentes (1811-1816).
• Estes movimentos estão na génese da filosofia do pós- modernismo, que na sua expressão mais radical tem uma atitude claramente anti-ciência.
A visão mecânica do mundo
• A visão mecânica (ou paradigma newtoniano) do mundo foi irresistível: simples, previsível, aparentemente unificadora de uma ordem universal, traduzida por equações matemáticas e confirmada por observações científicas. As leis de Newton explicavam quer as famosas experiências de Galileu sobre a queda dos corpos, quer o movimento dos astros, prevendo com rigor diferentes fenómenos, e a química, por exemplo, começou a ter uma ordem racional com base na hipótese atómico-molecular
• Como interpretar, então, a confusão e o caos social? Entram destacados filósofos sociais em acção: John Locke (1632-1704) e Adam Smith (1723-1790), ambos britânicos, com a sua “mecânica” da sociedade, fundamento das diferentes versões do capitalismo.
A “mecânica” da sociedade de Lock e Smith
• Indivíduos assumidos como uma espécie de “átomos sociais”, e da mesma forma que qualquer corpo não pode evitar a lei universal da gravidade, assim os indivíduos não podem escapar às leis naturais (“the invisible hand”). O caos social foi entendido como uma não- obediência à ordem natural traduzida pela visão mecânica do mundo. Então, para atenuar o caos, e conduzir ao progresso social, o remédio seria o “lessez faire”, ou seja, o modo mais eficiente de organização social, política e económica seria deixar as coisas entregues a essas leis universais, permitindo que as pessoas (os tais “átomos”) se movessem sem constrangimentos (dos estados e respectivos governos) à acção das leis naturais.
• Numa sociedade baseada na razão, onde a moeda existe como meio de troca, não deve impedir-se uma ilimitada acumulação de propriedade. Claro que algumas pessoas acumulam mais propriedade do que outras, mas dado que o mundo foi entregue ao “uso dos industriosos e racionais” trata-se duma coisa natural.
Os Pais do Liberalismo e Economia Política
“Aquele que, pelo seu trabalho, se apropria da terra, não reduz antes aumenta o património comum da humanidade. As provisões que suportam a vida humana, produzidas num acre de terra vedada e cultivada, são...dez vezes superiores às que produz um acre de terra de igual riqueza mas abandonado e a todos pertencente. Consequentemente, aquele que veda uma terra e extrai de dez acres maior volume de benefícios do que extrairia de cem acres, entregues à natureza, dele se pode dizer que deu à humanidade noventa acres”
(John Locke)
“Todo o indivíduo se esforça continuamente por descobrir o emprego mais vantajoso para qualquer capital que lhe pertença. O que realmente tem em mente é a sua própria vantagem e não a da sociedade. Todavia, o estudo da sua própria vantagem conduz naturalmente, ou mesmo necessariamente, a preferir aquela aplicação que é mais vantajosa para a sociedade”
(Adam Smith)
A “mecânica” da sociedade de Marx e Engels
• Os alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) apresentaram o marxismo (ou socialismo científico)
• As ideias filosóficas e politico-sociais fundamentais traduzem uma concepção essencialmente materialista e dialéctica da História aplicada à análise, assumida como científica, da dinâmica da produção de riqueza das sociedades e da implícita luta de classes entre patronato e proletariado: concentração progressiva dos capitais e dos instrumentos de trabalho nas mãos dos proprietários; aumento do proletariado e tendência de diminuição de salários quando a ciência começava a possibilitar o domínio das leis da natureza e, como tal, uma maior riqueza para a sociedade; obrigação dos proletários de trabalharem ao serviço e para proveito dos patrões; empobrecimento relativo dos primeiros e enriquecimento dos segundos, etc.
• O marxismo defende um conjunto de princípios orientadores e de acções que se consubstanciaram nas diferentes versões da ideologia comunista: marxismo-leninismo, marxismo-maoismo, etc.
A Ciência
• Influenciou, e influencia, as filososofias políticas e os modelos económico- financeiros associados a qualquer ideologia, desde o capitalismo ao comunismo, passando pelo socialismo democrático e outros “ismos” não socialistas
• Como vector da cultura, evolui livremente, essencialmente caracterizada pela racionalidade e objectividade (com o significado já referido), independentemente de quaisquer “ismos” políticos e respectivos modelos económico-financeiros.
• Quanto à tecnologia e suas aplicações industriais, descendentes directas da ciência, o caso é diferente. Estas podem ser fortemente dependentes da política e da economia, mas confundir ciência com tecnologia e indústria é um erro, infelizmente cada vez mais repetido (razões do erro?)
• As interacções entre tecnologia-indústria e ciência têm conduzido a consideráveis avanços quer na ciência, que alimenta a tecnologia, quer na educação. Exemplos: a termodinâmica (séc. XIX) mercê a máquina a vapor; alteração dos curriculos em escolas e universidades dos EUA (década de 1960) mercê a competição com a União Soviética pela conquista do espaço.
A Termodinâmica na Economia e Política
• 1ª lei: A energia do Universo é constante. Por outras palavras, pode converter-se um tipo de energia noutro, mas o total mantem-se invariante.
• 2ª lei: A entropia do Universo aumenta. Por outras palavras, embora a energia do Universo seja constante, é impossível converter, na totalidade, uma dada quantidade de energia em trabalho útil (organização, produção industrial, etc.) pois uma parte é sempre degradada ficando irreversivelmente indisponível para a obtenção de mais trabalho útil. Isto é, uma dada quantidade de energia possui sempre uma componente útil (energia livre) e uma componente inútil (energia não-livre). A medida da degradação energética designa-se por entropia. Consequentemente, um transformador de energia (máquina industrial, célula biológica, etc.) aumenta sempre a entropia do universo, a despeito de localmente conduzir, via trabalho, a estruturas organizadas (produtos consumíveis e não consumíveis, seres vivos, etc.), mas estas pagam-se inexoravelmente com o aumento de entropia, algures no universo. Em contraste com a ordem obtida pelo trabalho, surge a “desordem” causada pelo aumento de entropia. Isto significa, também, que todos os processos naturais são irreversíveis, ou seja, após uma dada transformação é impossível reconduzir o universo ao seu estado antes da transformação
• Quanto mais rapidamente se consumir a energia livre do universo, maior será o aumento da desordem e do emprobecimento energético, com as respectivas consequências sociais que se têm agravado, também, com o crescimento exponencial da população mundial
A Termodinâmica na Economia e Política
• O aumento de entropia traduz, de modo abrangente, o que se designa por poluição (lixo doméstico e industrial, efeito de estufa, destruição da camada de ozono, etc.). Reciclagem? Certamente, mas contabilizando-a devidamente, conclui-se que apenas tem cerca de 30-40% de eficiência, uma vez que a reordenação implícita causa inevitavelmente aumento de entropia
• Se a 2ª lei não fosse válida, viveriamos num paraíso. De facto, a energia do universo é constante de acordo com a 1ª lei e toda ela, então, estaria completamente livre! Ora a presente e grave situação mundial, económica, financeira e social é, como mostra o economista americano Jeremy Rifkin, o que designa por crise entrópico-energética, cuja resolução só pode encontrar-se por uma viragem definitiva da actual época (baseada na exaustão cada vez mais acelerada dos recursos não-renováveis e na visão newtoniana) para o que chama a idade solar, baseada na lei da entropia e na utilização racional de recursos renováveis. Para isso, no entanto, é indispensável uma mudança da mentalidade económica, política e social, com as contribuições da ciência que há muito estabeleceu e utiliza as leis da termodinâmica
Jeremy Rifkin (1945- )
Jeremy Rifkin e a 3ª Revolução Industrial
• A crise económico-finaceira que se tem vindo a agravar, especialmente desde 1970, não é remediável enquanto a economia e política não aceitarem o que designa paradigma ou visão entrópica do universo, via uma economia baseda maioritariamente em recursos renováveis
• É certo que muitos já advogam esta via, embora tentando enxertá-la nas políticas de altas tecnologias, indústrias e produtividade que têm resultado na emergência de outras ainda mais consumidoras de recursos não-renováveis, no aumento do empobrecimento e desemprego, e consequentes conflitos sociais
• Atente-se, por exemplo, à presente e reveladora controvérsia sobre a energia solar. De acordo com a lei da entropia, torna-se evidente que se com a energia solar é pretendido manter o mesmo estilo de vida consumista, os mesmos automóveis e TGV’s de altas velocidades, os mesmos gigantestos complexos de cimento, a mesma excessiva produção de bens e consumo de energia, que tipificam algumas zonas restritas do mundo, então a via solar será um fracasso
• Em suma, os paradigmas newtoniano e entrópico não são exactamente compatíveis, o que dá razão a Thomas Kuhn quando afirmou que paradigmas competitivos são frequentemente incomensuráveis, ou seja, nem sempre se podem reconciliar coerentemente
Isaac Newton
• Foi, indubitavelmente, um grande físico e matemático cujas contribuições científicas, particularmente na mecânica e na óptica, são de excepcional importância. A sua mecânica continua a ser aplicada proficuamente, certamente dentro dos limites em que é válida e que vieram a ser identificados, posteriormente, pela termodinâmica, teoria da relatividade, mecânica quântica e teoria do caos. Julgamos que Newton, pessoalmente, nunca vislumbrou que o seu nome ficasse ligado a interpretações e a “paradigmas” que se revelaram incorrectos ou inadequados. É curioso citar uma dessas interpretações produzidas pelo matemático e astónomo francês Pierre Laplace (1749-1827):
• “Uma inteligência que, num dado instante, conhecesse todas as forças de que a natureza está animada, e a situação respectiva dos seres que a compõem, se além disso fosse suficientemente vasta para submeter estes dados à análise, abarcaria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do mais leve átomo: nada seria incerto para ela, e o futuro, tal como o passado, estariam presentes a seus olhos. O espírito humano oferece, na perfeição que soube dar à astronomia, um pálido esboço de uma tal inteligência”
• Repare-se na crença absoluta no determinismo e reversibilidade dos fenómenos, resultante da interpretação de Laplace sobre a mecânica de Newton. Ora, como vimos, a lei da entropia mostra que todos os processos naturais são irreversíveis.
Isaac Newton
• Será que Laplace entendia “essa tal inteligência” como Deus? De modo algum. De facto, quando apresentou a 1ª edição da Mécanique Céleste, Napoleão disse-lhe:
“Senhor Laplace, dizem-me que escreveu este longo livro acerca do sistema do universo e nem sequer mencionou o seu Criador”, ao que Laplace respondeu:“Não tive necessidade dessa hipótese”
• Interpretações semelhantes à de Laplace parecem ter tido Locke e Smith ao traçarem os seus modelos sócio-económicos. E, também, alguns pensadores recentes como, por exemplo, Václav Havel ao afirmar que a ciência moderna “matou Deus”
• Newton não fez afirmações como as de Laplace nem se assumiu, ao que se sabe, como deicida. Aliás, interrogou-se constantemente sobre a natureza intrínseca da “misteriosa” acção à distância (força da gravidade) cuja existência assumiu, como hipótese, e quantificou, para explicar as observações experimentais
• Por outro lado, dedicou-se activamente a estudos esotéricos e místicos sobre alquimia, tendo as notas que escreveu sobre o assunto sido compradas, dois séculos depois, pelo célebre economista John Keynes que, após o seu estudo, declarou Newton mais um “mágico” do que um cientista. Uma interessante sentença vinda dum economista!
Václav Havel em “O Fim da Era Moderna”• “A era moderna tem sido dominada pela crença maior, expressa de diferentes
formas, de que o mundo – e o ser, do mesmo modo – é um sistema completamente cognoscível governado por um número finito de leis universais que o homem pode aprender e orientar racionalmente para seu próprio bem. Esta era, que começou na Renascença e se desenvolveu do iluminismo ao socialismo, do positivismo ao cientismo, da revolução industrial à revolução na informação, foi caracterizada por rápidos progressos no conhecimento racional, congnitivo. Isto, por sua vez, deu origem à orgulhosa crença de que o homem, situado no topo de tudo o que existe, era capaz de, objectivamente, descrever, explicar e controlar tudo o que existe, de possuir a única verdade sobre o mundo. Foi uma era em que reinou o culto da objectividade despersonalizada, uma era em que se amontoou e explorou tecnologicamente o conhecimento objectivo, uma era de sistemas, instituições, mecanismos e médias estatísticas. Foi uma era de livre circulação de informação não existencialmente justificada. Foi uma era de ideologias, doutrinas e interpretações da realidade, uma era em que o objectivo foi encontrar uma teoria universal do mundo e, assim, uma chave universal para lhe abrir as portas da prosperidade.
• O comunismo foi o extremo perverso desta tendência […]. A queda do comunismo pode ser encarada como um sinal de que o pensamento moderno – baseado na premissa de que o mundo é objectivamente cognoscível e de que o conhecimento assim obtido pode ser absolutamente generalizado – chegou à crise final. Esta era criou a primeira civilização tecnológica global, ou planetária, mas atingiu o limite das suas potencialidades, o ponto para além do qual o abismo começa.
• A ciência tradicional, com a sua costumada frieza, pode descrever as diferentes vias passíveis de levar à nossa autodestruição, mas não nos pode oferecer instruções verdadeiramente efectivas e praticáveis para nos afastar dessas vias.”
Considerações
• O primeiro parágrafo caracteriza de certo modo (?) a era moderna, embora com exageros injustificados. De facto, a maioria da comunidade científica não tem a crença de que o mundo e os seres sejam completamente cognoscíveis e governado por um número finito de leis universais. Ou seja, a maioria dos cientistas não defendeu, nem defende, o “cientismo” (Havel parece sugeri-lo) como a História da Ciência mostra claramente.
• Os dois últimos parágrafos deixam-nos perplexos. Tanto o comunismo como o capitalismo são baseados numa visão mecânica do mundo, contribuindo ambos, apesar dos seus diferentes modelos económicos e políticos, para a actual civilização tecnológica. Relativamente à conexão entre o comunismo e ciência moderna, implicando o fim desta com a queda do comunismo, vale a pena considerar as palavras do americano Loren Graham, especialista em história e filosofia da ciência soviética.
Será ciência?
• “Terá sido a formação dada ao maior batalhão de engenheiros que o mundo jamais viu – gente que viria a dominar toda a burocracia soviética – em moldes tais que esses engenheiros não sabiam praticamente nada da economia e política modernas, um triunfo da ciência? E mesmo muito depois da morte de Stalin, já nos anos 80, o que era a insistência soviética em manter unidades agrícolas estatais ineficientes e gigantescas fábricas estatais se não uma expressão do dogmatismo obstinado que se esfumou em face de uma montanha de dados empíricos?” (Loren Graham)
• E sobre a decisão de Mao Tse-Tung, o Grande Timoneiro Chinês, no que respeita à matança dos pássaros por comerem os cereais?
• Em contraponto, o que dizer do capitalismo, também de inspiração científica, que nos assalta diariamente em nome de figuras, aparentemente abstractas, como “O Mercado” e “As agências de rating” que hipotecam o futuro das gerações futuras?
Mais questões
• A ciência não é boa nem má, não é dura nem mole, não é tradicional ou moderna, política ou apolítica, fria ou quente, apenas um vector da cultura, um meio de adquirir conhecimento que perdurá, ajustando os seus modelos e teorias de acordo com a lógica de raciocínio e a experimentação. Ao contrário de algumas tecnologias e indústrias associadas, que podem ser fortemente dependentes das políticas e respectivos pressupostos ideológicos.
• Mas, afinal, não nos oferece a ciência e algumas tecnologias “instruções verdadeiramente efectivas e praticáveis para nos afastar dessas vias”, da auto-destruição clamada por Havel? Parece-nos que nos oferecem, e cada vez mais à medida que a crise entrópico-energética se agrava. Dois exemplos, bem recentes: os semi-condutores de papel e a refrigeração acelerada desenvolvidos, aliás, por cientistas portugueses. E a química- verde?
• O fim da era moderna e a entrada no “pós-modernismo” (que é de certo modo um ressurgimento dos movimentos românticos), preconizado por Havel, não parece, contudo, poder ser compreendida como sugerindo um compromisso entre concepções rivais dado o expresso, sem ambiguidade, noutro excerto dos seus ensaios.
Não oferece a ciência instruções?
Václav Havel em “O Fim da Era Moderna”
• “[A nossa época] é uma época que nega a importância irrecusável da experiência pessoal – incluindo a experiência do mistério e do absoluto – e substitui o absoluto vivenciado pessoalmente como medida do mundo por um absoluto, forjado pelo homem, despido de mistério, livre dos «caprichos» da subjectividade e, como tal, impessoal e desumano. É o absoluto da chamada objectividade: a cognição objectiva e racional do modelo científico do mundo.
• A ciência moderna, ao construir a sua imagem universalmente válida do mundo rompe as barreiras do mundo natural, do qual só pode ter a imagem de uma prisão feita de preconceitos da qual devemos sair para ter acesso à luz da verdade objectivamente verificada […]. Deste modo, é claro, procede à abolição, como mera ficção, até do mais íntimo fundamento do nosso mundo natural. Mata Deus e ocupa o seu lugar no trono deixado vazio, de modo que, daí em diante, seria a ciência a deter a ordem dos seres nas suas mãos como a sua única legítima guardiã, tal como seria o único árbitro legítimo de todas as verdades relevantes. Pois, no fim de contas, apenas a ciência se eleva acima de todas as verdades subjectivas individuais e as substitui por uma verdade superior, transubjectiva e transpessoal, que é verdadeiramente objectiva e universal.
• O racionalismo moderno e a ciência moderna, através do trabalho do homem, que, como qualquer trabalho humano se desenvolve no interior do nosso mundo natural, põe-o agora sistematicamente de parte, nega-o, degrada-o e difama-o – e, claro, ao mesmo tempo coloniza-o”
Questão: Como é que os protagonistas da ciência moderna (de facto só eles o podem eventualmente fazer, não a ciência em si) mataram Deus? Não admitem e discutem todos os cientistas o conceito de Deus, independentemente de serem deistas, monoteistas, politeistas, agnósticos, budistas, ateus, etc.?
Anti-ciência
• O ressurgimento dos movimentos românticos nas últimas décadas do século passado, que estão sujacentes à filosofia do pós- modernismo, têm implícita uma atitude anti-ciência, embora em diferentes graus e manifestações
• Entre os fundamentos dessa atitude destacamos:- Confusões sobre o que significa objectividade da ciência- Reducionismo- Financiamentos a projectos científicos e tecnológicos, em detrimento de outros vectores da cultura- Aspectos ecológicos, guerras e conexões com tiranias políticas- Deficiente divulgação da ciência para não-profissionais e sociedade em geral
Hitler e Declaração de Erice
• Hitler (1940): “Estamos no final da era da razão [...] Um novo período de explicação mágica do mundo está a nascer, uma explicação baseada mais na vontade do que no conhecimento. Não há verdade, nem no sentido moral nem no científico [...] A ciência é um fenómeno social e, como tal, é delimitada pelos benefícios ou malefícios que possa causar. Com o slogan de ciência objectiva, o professorado apenas se queria libertar da indispensável supervisão do estado. Aquilo a que se chama crise da ciência não é mais do que esses senhores estarem a começar a ver por si mesmos o caminho errado a que foram conduzidos pela sua objectividade e pela sua autonomia”
• Erice (1982): “Technology can be for peace or for war. The choice between peace and war is not a scientific choice. It is a cultural one: the culture of love produces peaceful technology. The culture of hatred produces instruments of war. Love and hatred have existed forever. In the Bronze and Iron Ages, notoriously pre-scientific, mankind invented and built tools for peace and instruments of war. In the so-called 'modern era' it is imperative that the culture of love wins” (Paul Dirac e outros)
Como se avalia a ignorância?
• Longe vão os tempos em que as demonstações científicas eram objecto de culto em salões nobres, serões animados com ciência, música e poesia, bem como em exposições mundiais (como a de Colúmbia, Chicago, 1893) onde se agregaram ciência, indústria, arquitectura, arte e diferentes comunidades religiosas, num uníssono cultural que exaltava o conhecimento e humanismo universais.
• Actualmente, quando se fala em cultura é típico excluir-se a ciência. É frequente ouvir-se “de ciência não percebo nada”, por vezes com certo gáudio, e bonómica contemplação por quem se “atreveu” a invocar semelhante nome.
• Por outro lado, há a tendência da comunicação social desfechar perguntas “relâmpago” aos cidadãos desprevenidos, porventura para se avaliar a ignorância, especialmente da juventude.
Miss Carolina do Sul
Fulerenos
Diálogo na Câmara dos Lordes, Londres!
Que medidas tem o governo tomado para estimular o uso do buckminsterfulereno na ciência e na indústia?
• Baronesa Seare: “Meus senhores, perdoem-me a ignorância, mas poderá o nobre senhor dizer se esta coisa é animal, vegetal ou mineral?”
• Lord Renton: “Meus senhores, referem-se realmente a uma bola de futebol ou a uma bola de râguebi?
• Lorde Reay: “Meus senhores, supõe-se que possa ter várias utilizações: no fabrico de baterias, como lubrificante ou como semi-condutor. No entanto, tudo isto não passa ainda de especulação. Poderá vir a demonstrar-se que não serve para nada.
• Lord Russel: “Meus senhores, poderemos então afirmar que, não servindo para nada, o faz muito bem?
Clara Ferreira Alaves com António Nogueira Leite Revista Única, Expresso, 29/10/2011
Boaventura de Sousa Santos, “Um Discurso sobre as Ciências” Johannes Kepler, “Harmonices Mundi”
• “A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia”
• “Para não irmos mais longe, quer a teoria das estruturas dissipativas de Prigogine, quer a teoria sinergética de Haken explicam o comportamento das partículas através dos conceitos de revolução social, violência, escravatura, dominação, democracia nuclear, todos eles das ciências sociais (da sociologia, da ciência política, da história,etc.)”
• E, Kepler: “...Saturno e Júpiter cantam como baixos, Marte como tenor, Vénus e a Terra como contraltos e Mercúrio como soprano”
Hipótese de Gaia? (James Lovelock)
Gaia, a suprema Deusa grega da Terra!
“A Ciência começa na Filosofiae terminana Arte”
Crescimento da população mundial
Global World Population
Os países mais populados
Liberalismo, Economia Política, Macroeconomia
Macroeconomia versus Microeconomia
Cartaz_FFPágina 1
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