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Departamento de Letras 1 ADAPTAÇÕES DE PEÇAS DE SHAKESPEARE PARA O PÚBLICO JOVEM Aluna: Lorena Moraes de Vasconcellos Orientadora: Marcia Amaral Peixoto Martins 1. Introdução e objetivos Esta pesquisa, que dá continuidade ao trabalho desenvolvido no período 2013.2- 2014.1, busca mapear e analisar adaptações das peças de William Shakespeare para jovens e neoleitores sob forma de quadrinhos e romances em prosa. Para fins deste estudo, o conceito de adaptação empregado é o de Julie Sanders (2006, p. 18-19), que assim resume suas definições: (i) transposição de um gênero para outro (como da literatura para o cinema, ou do teatro para a ficção em prosa); (ii) intervenção nos textos por meio de cortes e omissões (similar à editoração), acréscimos, expansões ou interpolações (que podem, inclusive, ser sob a forma de comentário, dando voz aos silenciados no texto de origem ou explicitando razões hipotéticas para as ações dos personagens); (iii) tentativa de tornar os textos “relevantes” ou facilmente compreensíveis para novos leitores e espectadores por meio de aproximações e atualizações (motivação de inúmeras adaptações dos chamados “clássicos” para a televisão e o cinema). A definição de público jovem é a da editora Galera Record, que estipula duas faixas dentro do segmento: (i) público juvenil: leitores entre 10 e 14 anos; (ii) público jovem adulto: leitores com mais de 14 anos. As adaptações em mangá são voltadas para a segunda faixa. Além disso, trabalhamos com o conceito de neoleitores de Tiepolo (2009, p.126), público alvo de algumas adaptações de Shakespeare sob forma de romances em prosa: jovens além de adultos e idosos também , com variados níveis de escolarização, iniciando-se na prática de leitura. Diante do grande impulso ganho pelas publicações de clássicos em quadrinhos/novelas gráficas no mercado editorial brasileiro nos últimos anos, assim como do aumento nas políticas de incentivo à produção e publicação de obras voltadas para leitores jovens e neoleitores, consideramos importante examinar: (i) os aspectos gerais dessas adaptações; (ii) o grau de manutenção das principais características da

1. Introdução e objetivos - PUC-Rio · as falas, processo necessário para a adaptação ao formato em quadrinhos. O exemplo a seguir ilustra bem a estratégia mencionada2: PEÇA

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1

ADAPTAÇÕES DE PEÇAS DE SHAKESPEARE

PARA O PÚBLICO JOVEM

Aluna: Lorena Moraes de Vasconcellos

Orientadora: Marcia Amaral Peixoto Martins

1. Introdução e objetivos

Esta pesquisa, que dá continuidade ao trabalho desenvolvido no período 2013.2-

2014.1, busca mapear e analisar adaptações das peças de William Shakespeare para

jovens e neoleitores sob forma de quadrinhos e romances em prosa.

Para fins deste estudo, o conceito de adaptação empregado é o de Julie Sanders

(2006, p. 18-19), que assim resume suas definições: (i) transposição de um gênero para

outro (como da literatura para o cinema, ou do teatro para a ficção em prosa); (ii)

intervenção nos textos por meio de cortes e omissões (similar à editoração), acréscimos,

expansões ou interpolações (que podem, inclusive, ser sob a forma de comentário,

dando voz aos silenciados no texto de origem ou explicitando razões hipotéticas para as

ações dos personagens); (iii) tentativa de tornar os textos “relevantes” ou facilmente

compreensíveis para novos leitores e espectadores por meio de aproximações e

atualizações (motivação de inúmeras adaptações dos chamados “clássicos” para a

televisão e o cinema).

A definição de público jovem é a da editora Galera Record, que estipula duas

faixas dentro do segmento: (i) público juvenil: leitores entre 10 e 14 anos; (ii) público

jovem adulto: leitores com mais de 14 anos. As adaptações em mangá são voltadas para

a segunda faixa. Além disso, trabalhamos com o conceito de neoleitores de

Tiepolo (2009, p.126), público alvo de algumas adaptações de Shakespeare sob forma

de romances em prosa: jovens – além de adultos e idosos também –, com variados

níveis de escolarização, iniciando-se na prática de leitura.

Diante do grande impulso ganho pelas publicações de clássicos em

quadrinhos/novelas gráficas no mercado editorial brasileiro nos últimos anos, assim

como do aumento nas políticas de incentivo à produção e publicação de obras voltadas

para leitores jovens e neoleitores, consideramos importante examinar: (i) os aspectos

gerais dessas adaptações; (ii) o grau de manutenção das principais características da

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obra com respeito a tema, trama, desenho dos personagens e linguagem; e (iii) a

imagem do autor e da obra que resulta do trabalho de reescrita. A intenção do estudo é

que os resultados desta pesquisa contribuam para avaliação e seleção dessas obras por

parte dos educadores e dos órgãos responsáveis pela elaboração e revisão das listas de

títulos a serem adquiridos para/por bibliotecas e escolas.

Foram examinadas minuciosamente as adaptações para o português do Brasil das

seguintes peças: A tempestade, da série Manga Shakespeare da editora inglesa

SelfMadeHero, publicada pela Galera Record; Rei Lear e Hamlet, da série Manga

Dokuha da japonesa East Press, adaptados respectivamente pelas editoras JBC como

parte da coleção Clássicos em Mangá e L&PM na série Mangás; e o Hamlet em prosa

da coleção É só o começo, também da editora L&PM.

O estudo seguiu a seguinte metodologia: cada peça foi lida primeiro no original e,

em seguida, na versão adaptada para o português. A adaptação em língua inglesa

também foi analisada, sempre que disponível. Nesses casos, a comparação foi realizada

em três etapas.

Apresentamos, a seguir, as análises das peças.

2. Análise dos dados

2.1 Mangá Shakespeare

2.1.1 The Tempest (adaptação em inglês)

Como nas adaptações da mesma coleção analisadas na pesquisa de 2013.2-2014.11,

a adaptação da peça The Tempest ao mesmo tempo que aproxima a peça do leitor jovem

por meio de novidades – o formato em mangá, com suas ilustrações inspiradas na arte

típica do gênero –, se mantém inteiramente fiel ao texto original no que se refere à

linguagem – mesmo com recortes que, por vezes, reduzem drasticamente e simplificam

as falas, processo necessário para a adaptação ao formato em quadrinhos. O exemplo a

seguir ilustra bem a estratégia mencionada2:

PEÇA (Ato 1, Cena 2)

Miranda: If by your art, my dearest father, you have

Put the wild waters in this roar, allay them.

The sky, it seems, would pour down stinking pitch,

1 Romeo e Julieta e Ricardo III.

2 Os trechos de peças originais de Shakespeare foram extraídos de SHAKESPEARE, William. The

Oxford Shakespeare: The Complete Works. Oxford, 2005: Oxford University Press; 2nd edition.

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But that the sea, mounting to the welkin's cheek,

Dashes the fire out. O, I have suffered

With those that I saw suffer: a brave vessel,

Who had, no doubt, some noble creature in her,

Dash'd all to pieces. O, the cry did knock

Against my very heart. Poor souls, they perish'd.

Had I been any god of power, I would

Have sunk the sea within the earth or ere

It should the good ship so have swallow'd and

The fraughting souls within her.

MANGÁ (p.17)

Miranda: If by your art, my dearest father,

you have put the wild waters in this roar, allay them.

A brave vessel, dashed all to pieces.

O! The cry did knock against my heart!

Poor souls, they perished.

A simbiose entre as falas selecionadas por Richard Appignanesi e as ilustrações de

Paul Duffield sugere um trabalho de intensa parceria durante a produção da adaptação.

Nenhuma cena foi excluída, elas foram apenas reduzidas sem perder o necessário para o

fluxo da história ou influenciar o enredo e a construção dos personagens

shakespearianos.

Quanto à ambientação, assim como a peça original, a história se passa em uma ilha

sem localização especifica, mas presumidamente em algum lugar do Mar Mediterrâneo

– já que o navio, tendo saído da de Tunis na África, naufraga a caminho de Nápoles na

Itália. Entretanto, diferente do original, que não tem um momento definido no tempo, o

mangá traz a história para um período cronológico mais recente, a partir da década de

50, ao colocar Próspero em uma ilha com uma refinaria abandonada como estrutura

principal, onde se localiza a cela, e velhos campos de extração de petróleo. A adaptação

apresenta também um mapa da ilha, no qual os caminhos percorridos por cada

personagem até a cela de Próspero são traçados em diferentes cores para que o leitor

possa acompanhar o progresso dos personagens ao longo da história e cria nomes para

cada área da ilha.

Outro fato interessante que pode ter a intenção de abranger um público mais amplo e

de não distrair da leitura da obra de Shakespeare o leitor desacostumado com mangás

onde a história é apresentada na direção de leitura ocidental (da direita para a esquerda)

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e, apesar das ilustrações apresentarem traços característicos da arte tradicional japonesa,

não faz uso das expressões exageradas encontradas no gênero.

Como as outras peças da série, The Tempest adaptada para mangá é bem sucedida

no desafio de adaptar a peça shakespeariana para o público jovem, empregando uma

linguagem familiar a esse público sem abrir mão das principais características do texto-

base em termos de trama, de linguagem e de falas emblemáticas.

Para facilitar ainda mais o que pode ser o primeiro contato do leitor com uma peça

shakespeariana, nas últimas páginas, o mangá oferece um breve resumo do enredo em

prosa que esclarece qualquer dúvida que o jovem leitor possa ter após o fim da leitura.

Logo em seguida, oferece uma curta biografia de William Shakespeare para o leitor

curioso se familiarizar com a trajetória do bardo. Dessa forma, a adaptação analisada

aproxima e torna mais acessível a obra de Shakespeare ao público jovem.

2.1.2 A tempestade (tradução para o português)

Seguindo o padrão dos outros mangás da coleção, já que a adaptação em inglês

apresenta recortes diretos da peça original, o trabalho de Alexei Bueno continuou sendo

o de traduzir Shakespeare, e não uma versão simplificada da obra do bardo. Um desafio

para poucos, mas que o tradutor enfrentou procurando respeitar a forma de expressão

shakespeariana, como avisa na nota do tradutor que acompanha todos os livros da

coleção: “o que é verso foi traduzido em verso, os trechos em prosa foram traduzidos

em prosa, e quando havia rima esta sempre foi mantida” (Bueno, 2011). Alguns claros

exemplos podem ser observados nos seguintes trechos:

Trecho em verso:

PEÇA (Ato 5, Cena1)

Epilogue - Spoken By Prospero

Now my charms are all o'erthrown,

And what strength I have's mine own,

Which is most faint: now, 'tis true,

I must be here confined by you,

Or sent to Naples. Let me not,

Since I have my dukedom got

And pardon'd the deceiver, dwell

In this bare island by your spell;

But release me from my bands

With the help of your good hands:

Gentle breath of yours my sails

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Must fill, or else my project fails,

Which was to please. Now I want

Spirits to enforce, art to enchant,

And my ending is despair,

Unless I be relieved by prayer,

Which pierces so that it assaults

Mercy itself and frees all faults.

As you from crimes would pardon'd be,

Let your indulgence set me free.

MANGÁ – Inglês (p. 204-205)

Prospero: Now my charms are all o'erthrown,

And what strength I have's mine own,

Which is most faint.

Now, 'tis true I must be here confined by you,

Or sent to Naples.

Let me not, since I have my dukedom got,

And pardon'd the deceiver, dwell

In this bare island by your spell

But release me from my bands

With the help of your good hands.

Gentle breath of yours my sails

Must fill, or else my project fails…

…Which was to please. Now I want

Spirits to enforce, art to enchant,

And my ending is despair

Unless I be relieved by prayer,

Which pierces so that it assaults

Mercy itself and frees all faults.

As you from crimes would pardon'd be,

Let your indulgence…

...Set me free.

MANGÁ – Português (p. 208-209)

Próspero: Meu encanto terminado,

Voltei a meu próprio estado

Que é frágil, hei de o afirmar.

Cá podes me confinar,

Ou Nápoles atingir

Caso o queiras permitir.

Se retomei meu ducado

E perdoei muito pecado,

Nesta ilha não me deixeis.

Antes, vossas mãos fiéis

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Libertem-me destes laços.

Vosso hálito nos espaços

Minhas velas enfunai

Ou meu projeto se esvai,

Pois em vão sonho com a arte

Que as almas une ou reparte.

E ou de tudo desespero,

Ou vossas preces espero

Que têm força e ao alto vão

Trazendo a paz e o perdão.

Como quereis indulgência

Comigo usai de clemência,

O que desejais, decerto,

Deixando-me enfim liberto.

Trecho em prosa:

PEÇA (Ato 2, Cena 2)

Trinculo: I shall laugh myself to death at this puppy-headed

monster. A most scurvy monster! I could find in my heart to

beat him,-- [...]

A most ridiculous monster, to make a wonder of a

Poor drunkard!

MANGÁ – Inglês (p.108-109)

Trinculo: I shall laugh myself to death at this puppy-headed mosnter. […]

A most ridiculous monster, to make a wonder of a poor drunkard!

MANGÁ – Português (p.112-113)

Trinculo: Morrerei de rir com este monstro de cabeça de cachorro. [...]

Que monstro ridículo, fazer de um pobre bêbado um portento!

A escolha de manter a linguagem shakespeariana desta adaptação, tanto em inglês

quanto em português, faz dela a mais desafiadora para os leitores que nunca antes

tiveram contato com as obras do autor e também a que mais se aproxima do que seria a

leitura do original.

2.2 Manga Dokuha

A série Manga de Dokuha – que segundo Alexandre Boid (blog Editores L&PM,

2003), responsável pela Coleção L&PM Pocket Mangá, pode ser traduzido livremente

como “Aprendendo em mangá” – foi originalmente elaborada e lançada pela editora

japonesa East Press com a intenção de expor obras clássicas da literatura mundial aos

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jovens japoneses; aproximá-los de importantes obras literárias que, de outra forma, não

conheceriam ou teriam vontade de ler. Os roteiros da série são resultado de um trabalho

coletivo centrado na figura do editor, Kasuke Maruo, e a arte – que traz todas as

características tradicionais dos mangás, porém com traços mais ocidentalizados – foi

feita pelo estúdio Variety Artworks; não há créditos de roteirista e desenhista

responsáveis pela adaptação, apenas o nome do autor do original (Ishikawa, 2009).

Apesar de serem traduções da mesma coleção japonesa, as editoras brasileiras

abordaram as adaptações de forma diferente: (i) a adaptação de Rei Lear da editora

nipo-brasileira JBC apresenta o mangá ao publico brasileiro em seu formato tradicional

– lido da direita para a esquerda –, ao passo que a L&PM Pocket apresenta Hamlet em

formato ocidental – da esquerda para a direita; (ii) a JBC apresenta uma lista de

colaboradores que inclui o tradutor-chefe Arnaldo Massato Oka na última folha,

enquanto a L&PM dá o tradicional destaque ao tradutor, Drik Sada, na folha de rosto.

Rei Lear e Hamlet foram traduzidas direto do japonês para o português. Desta

forma, a análise se baseou na comparação do texto traduzido com o texto original da

peça.

2.2.1 Rei Lear

Esta adaptação de Rei Lear se distancia um pouco do texto original no que se refere

à linguagem, pois apesar de manter um registro formal, não se preocupa em preservar os

versos, e o uso da 3ª pessoa do singular é predominante; interessante notar também que,

com certa frequência, apresenta interjeições como marca de oralidade que

complementam as imagens, dando ênfase às reações dos personagens:

PEÇA (Ato 1, Cena1)

King Lea: To thee and thine hereditary ever

Remain this ample third of our fair kingdom;

No less in space, validity, and pleasure,

Than that conferr'd on Goneril. Now, our joy,

Although the last, not least; to whose young love

The vines of France and milk of Burgundy

Strive to be interess'd; what can you say to draw

A third more opulent than your sisters? Speak.

Cordelia: Nothing, my lord.

King Lear: Nothing!

Cordelia: Nothing.

King Lear: Nothing will come of nothing: speak again.

Cordelia: Unhappy that I am, I cannot heave

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My heart into my mouth: I love your majesty

According to my bond; nor more nor less.

King Lear: How, how, Cordelia! mend your speech a little,

Lest it may mar your fortunes.

Cordelia: Good my lord,

You have begot me, bred me, loved me: I

Return those duties back as are right fit,

Obey you, love you, and most honour you.

Why have my sisters husbands, if they say

They love you all? Haply, when I shall wed,

That lord whose hand must take my plight shall carry

Half my love with him, half my care and duty:

Sure, I shall never marry like my sisters,

To love my father all.

King Lear: But goes thy heart with this?

Cordelia: Ay, good my lord.

MANGÁ (p.15-18)

Rei Lear: É a sua vez Cordélia, a minha alegria.

O que você, conquanto a última, não a menor, tem a me dizer?

Cordélia: Meu senhor, nada.

Rei Lear: Hã? Você disse nada?

Cordélia: Nada...

Rei Lear: De nada sairá nada. Pense bem e diga alguma coisa, Cordélia.

Cordélia: Eu amo o senhor, pai. Mas como o dever de filha me impõe. Nem

mais, nem menos. Por que minhas irmãs dizem que amam o senhor acima de

todas as coisas se elas têm maridos? Casadas, metade do amor e das obrigações

serão dedicadas ao marido. Não é verdade?

Para amar tão a meu pai de tal forma certeza é nunca vir a casar-me.

Rei Lear: Do coração veio o que disse?

Cordélia: Sim, meu senhor.

Além dos recortes que reduzem drasticamente e simplificam as falas – um processo

necessário para a adaptação ao formato mangá também encontrada na coleção Manga

Shakespeare –, traz algumas modificações à organização temporal da história e adições

de cenas que na peça original ficariam apenas no imaginário do público.

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Outro aspecto notável desta adaptação foi a escolha de manter tanto as

onomatopeias tão características ao mangá e essenciais a este gênero de narrativa, como

as expressões faciais exageradas nas ilustrações. Ao longo de toda a obra os caracteres

japoneses e suas traduções para o português aparecem juntos, ajudando a dar o tom de

cada cena.

Apesar de ser uma adaptação que sofre muitas intervenções por meio de cortes,

omissões, acréscimos e que toma bastante liberdade com a linguagem e organização

temporal das cenas, mantém outros aspectos importantes da narrativa, como: tema,

trama e desenho dos personagens.

Em geral, a construção dos personagens se manteve próxima à da peça original.

Apenas uma alteração de cena interferiu de forma mais evidente: na peça, Regan sai de

cena acudindo o marido quando este é mortalmente ferido em um duelo com um dos

servos do conde Gloster, contudo, no mangá, ela se recusa a lhe estender a mão e o

deixa morrer sozinho:

PEÇA (Ato 3, Cena 7)

Cornwall: I have received a hurt: follow me, lady.

Turn out that eyeless villain; throw this slave

Figura 1: Uma cena de sexo entre Edmundo e Regan e Edmundo avançando para liderar a

batalha, mostrando desdém pela disputa das irmãs: livremente baseada em um solilóquio

de Edmundo no fim do Ato 5, Cena 1. (p.122-123)

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Upon the dunghill. Regan, I bleed apace:

Untimely comes this hurt: give me your arm.

Exit CORNWALL, led by REGAN

MANGÁ (p. 111)

Cornualha: O sangue... Não quer parar. Dê-me... Uma mão...

Regan? V-você... Vai abandonar até a mim?

Esta mudança na cena entre Regan e o Duque de Cornualha parece ter sido criada

para intensificar a caracterização de Regan como vilã, acelerar a compreensão do leitor

de que, mesmo tendo em seu marido um aliado, seu real interesse era ter Edmundo.

Por fim, apesar de os traços da maioria dos personagens, com exceção apenas de

Cordélia e Edmundo, serem ocidentalizados e não seguirem o padrão da arte tradicional

encontrada neste tipo de quadrinhos, a característica dos mangás de exagerar expressões

faciais, intensificando as reações e emoções, transparece nas imagens e, também, na

adaptação textual, como podemos ver na forma em que os vilões – neste caso, Goneril –

são retratados:

Figura 2: Goneril ordena que Lear dispense

seus soldados e servos. Adaptação do Ato 1,

Cena 4. (p. 57.)

Figura 3: Goneril e Albânia em diálogo

adaptado do Ato 4, Cena 2. (p. 116.)

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2.2.2 Hamlet

Nesta adaptação de Hamlet não há nenhuma mudança na ambientação da história.

Bem como na peça original, se passa no reino da Dinamarca, Castelo de Elsinor, e seus

personagens continuam desempenhando as mesmas funções. No entanto, se distancia do

texto original no que se refere a linguagem e forma, apresenta algumas alterações não

relevantes na organização temporal da história e cortes em cenas chave na peça original

– que podem alterar a percepção do leitor em relação a alguns personagens. Tal como

observado nas outras adaptações para mangá, são feitos recortes que reduzem

drasticamente e simplificam as falas.

Assim como na adaptação de Rei Lear da JBC, a adaptação da L&PM preservou as

onomatopeias características ao mangá e as traduziu para o português. Entretanto,

diferente da estratégia adotada pela JBC, na versão da L&PM os caracteres japoneses

aparecem acompanhados de asteriscos que direcionam o leitor à tradução equivalente

localizada no espaço entre os quadrinhos. A imagem abaixo ilustra bem o mencionado:

Uma curiosidade desta adaptação é ter a história contada em flashback. As três

primeiras páginas do capítulo “Abrem-se as cortinas” funcionam como um prólogo e

exibem Horácio na ensanguentada sala do trono anunciando que contará a história de

Hamlet para o príncipe Fortinbrás. Essa é baseada na ultima cena da peça, mas a real

fala do Ato 5, Cena 2 aparece somente em “E as cortinas se fecham”, último capítulo do

mangá – que desempenha função de epílogo.

Como mencionado anteriormente, alguns dos cortes e alterações nas falas dos

personagens nesta adaptação que interferem na interpretação dos mesmos pelo leitor do

mangá. Tradicionalmente, não há nada de duvidoso na vilania do rei Cláudio, mas a

adaptação traz um padrasto mais moderado. Um momento particularmente crucial para

o personagem de Cláudio na peça e que teve parte da fala cortada no mangá é quando

ele se põe de joelhos ao pé de um altar (secretamente observado por Hamlet) e tenta

rezar – pedindo perdão pelo pecado de ter assassinado o irmão. No original, logo após

Hamlet decidir não matar Cláudio naquele momento e se retirar, o rei declara que suas

palavras são vazias. Contudo, essa pequena revelação não aparece na adaptação para o

mangá, dando a impressão de que o rei estava realmente arrependido e pedindo perdão,

podendo influenciar de maneira significativa a visão do leitor sobre esse personagem.

O mesmo acontece com o personagem de Gertrudes. No caso da rainha, a

ambiguidade do personagem é apagada pelos cortes e alterações de fala, pelas

supressões da sua participação em certas cenas e por suas expressões nos desenhos.

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Gertrudes é retratada como inocente, com um grande sentimento de culpa e, em

momentos, até ingênua. Quando Hamlet pergunta a sua mãe o que está achando da

encenação e a rainha Gertrudes responde com a célebre frase:

PEÇA (Ato 3. Cena 2)

Hamlet: Madam, how like you this play?

Queen Gertrude: The lady doth protest too much, methinks.

Hamlet: O, but she'll keep her word.

MANGÁ (p. 108)

Hamlet: O que está achando dessa peça, senhora minha mãe?

Gertrudes: Hamlet... Acho que a atriz promete demais...

Hamlet: Mas o que é prometido deve ser cumprido, não concorda?

A fala emblemática de Gertrudes perde o tom mais seco da peça original – por

“methinks” vir apenas depois de sua declaração –, já que a tradução começa com o

verbo “achar” – ou seja, expressando modalidade logo de início – e as imagens do

mangá que acompanham o diálogo retratam a rainha abatida com o questionamento do

filho ou mesmo sentindo-se culpada, quase que se justificando:

Figura 6: Adaptação de diálogo entre Hamlet e Gertrudes no Ato 3 Cena 2. (p. 108)

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Na peça, Shakespeare mais uma vez brinca com os sentidos: a rainha fala que

Hamlet ofendeu o pai, referindo-se a Cláudio, e Hamlet responde que ela quem o

ofendeu, referindo-se ao falecido rei Hamlet. Todavia, no mangá essas declarações

perdem claramente qualquer ambiguidade originalmente pretendida ao fazer uso do

futuro do pretérito:

PEÇA (Ato 3. Cena 4)

Queen Gertrude: Hamlet, thou hast thy father much offended.

Hamlet: Mother, you have my father much offended.

MANGÁ (p. 124)

Gertrudes: Hamlet... Sobre a peça de hoje à noite...

Seu pai ficaria muito desapontado com você.

Hamlet: Com seu perdão, minha mãe.

Não tão desapontado como ele está com a senhora, de dentro do seu túmulo.

É importante notar que, apesar de ser uma alteração pequena e aparentemente

irrelevante no panorama geral da leitura desta adaptação, na verdade, mais uma vez

demostra uma escolha interpretativa, pois na tradução, Gertrudes parece ainda estar

pensando no falecido Rei Hamlet. Neste caso em particular, sem ter acesso ao mangá

em japonês, é impossível dizer se o tradutor manteve a alteração da adaptação japonesa

ou se foi uma escolha dele. De qualquer maneira, está em sincronia com a posição

tomada pela adaptação de modo geral.

Uma última observação sobre a adaptação desta mesma cena se faz necessária:

como na adaptação não aparece que Gertrudes sabe sobre o exílio que Cláudio tentará

impor a Hamlet e o príncipe testando a lealdade de sua mãe ao fim da cena – somados

ao fato de que durante todo o mangá suas falas e feições foram docilizadas –, mais uma

vez, os leitores podem sair com interpretações completamente diferentes de um dos

personagens, em oposição à leitura da peça original.

A adaptação de Hamlet para mangá da L&PM Pocket – originalmente em japonês

na série Mangás de Dokuha –, como a de Rei Lear, pela editora JBC, apesar de manter

um registro formal não é totalmente rebuscada ou antiquada; faz uso predominante da 3ª

pessoa e não reproduz os versos.

Por ser umas das peças mais emblemáticas de Shakespeare e também uma das mais

complexas – seus personagens carregados de mistério e ambiguidade não são simples de

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transpor para outro gênero e língua –, a adaptação de Hamlet será resultado ainda maior

da interpretação de seu adaptador. As diversas passagens que foram cortadas limitam e

direcionam a interpretação e conclusões à que poderiam chegar os leitores caso tivessem

lido o original.

2.3 Coleção É só o começo

A coleção da L&PM tem como proposta adaptar clássicos da literatura brasileira e

internacional para neoleitores: jovens – além de adultos e idosos – com variados níveis

de escolarização, iniciando sua caminhada de leitor. O professor Luís Augusto Fischer

(2010), coordenador da coleção, a classifica como a “chave de entrada efetiva para o

mundo da grande literatura”.

As adaptações da coleção procuram, portanto, ser fieis ao texto original (enredo,

personagens e ambientação), sem muitas modificações na organização temporal, e evitar

sub-enredos. A linguagem é bastante simplificada: foge de estruturas frasais muito

complexas e emprega vocabulário adaptado ao nível do leitor iniciante – fazendo uso de

notas explicativas para as palavras indispensáveis à narrativa. Os livros da coleção ainda

apresentam um material para professores que incluí sugestões de temas e

questionamentos para debates, outras leituras, filmes e websites que contribuiriam para

o enriquecimento da experiência de leitura.

2.3.1 Hamlet

Seguindo as diretrizes da coleção, a adaptação de Hamlet para neoleitores – feita a

partir do original em inglês – simplifica significativamente o texto e expõe todo o

enredo em prosa. Desta forma, se distancia completamente da peça original no que

tange a linguagem e forma:

PEÇA (Ato 1, Cena 4)

Hamlet: Angels and ministers of grace defend us!

Be thou a spirit of health or goblin damn'd,

Bring with thee airs from heaven or blasts from hell,

Be thy intents wicked or charitable,

Thou comest in such a questionable shape

That I will speak to thee: I'll call thee Hamlet,

King, father, royal Dane: O, answer me!

Let me not burst in ignorance; but tell

Why thy canonized bones, hearsed in death,

Have burst their cerements; why the sepulchre,

Wherein we saw thee quietly inurn'd,

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Hath oped his ponderous and marble jaws,

To cast thee up again. What may this mean,

That thou, dead corse, again in complete steel

Revisit'st thus the glimpses of the moon,

Making night hideous; and we fools of nature

So horridly to shake our disposition

With thoughts beyond the reaches of our souls?

Say, why is this? wherefore? what should we do?

PROSA (p. 18)

“Hamlet se adiantou e disse:

— Que os anjos de Deus nos defendam! Espírito, não importa se você

vem do céu ou do inferno, se tem boas ou más intenções. Eu vou falar com

você, Hamlet rei, pai, soberano dinamarquês. Me responda! Por que os seus

ossos rasgaram a mortalha e a sepultura se abriu para que o seu cadáver viesse

nos visitar vestindo a armadura completa? O que é que você quer de nós?”

Neste segundo exemplo, fica ainda mais clara a simplificação da linguagem e a

desconsideração dos diferentes registros:

PEÇA (Ato 2, Cena 2)

Lord Polonius: You know, sometimes he walks four hours together

Here in the lobby.

Queen Gertrude: So he does indeed.

Lord Polonius: At such a time I'll loose my daughter to him:

Be you and I behind an arras then;

Mark the encounter: if he love her not

And be not from his reason fall'n thereon,

Let me be no assistant for a state,

But keep a farm and carters.

PROSA (p. 25)

“— Majestade – propôs Polônio –, vamos deixar a minha filha num dos

corredores do castelo por onde o príncipe costuma passear. A gente pode ficar

escondido atrás das tapeçarias que decoram as paredes e assim a gente escuta

tudo. Se Hamlet não ama Ofélia, e não é por causa dela que está se

comportando como louco, vocês podem me demitir do Conselho Real, que eu

vou cuidar de animais numa fazenda qualquer.”

Na nota editorial, somos lembrados de que Shakespeare escreveu a história para o

palco e, assim, o texto praticamente só tem diálogos entre os personagens e que a

adaptação, mesmo em prosa, procurou manter uma grande quantidade de diálogos. Ao

longo da leitura podemos verificar essa afirmação, porém, a narrativa é tão simplificada

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que se limita a um resumo seco da trama em andamento, muitas vezes não passando de

explicações contextuais para os diálogos que a interrompem.

PEÇA (Ato 1, Cena 1)

Horatio: A mote it is to trouble the mind's eye.

In the most high and palmy state of Rome,

A little ere the mightiest Julius fell,

The graves stood tenantless and the sheeted dead

Did squeak and gibber in the Roman streets:

As stars with trains of fire and dews of blood,

Disasters in the sun; and the moist star

Upon whose influence Neptune's empire stands

Was sick almost to doomsday with eclipse:

And even the like precurse of fierce events,

As harbingers preceding still the fates

And prologue to the omen coming on,

Have heaven and earth together demonstrated

Unto our climatures and countrymen.--

But soft, behold! lo, where it comes again!

Re-enter Ghost

I'll cross it, though it blast me. Stay, illusion!

If thou hast any sound, or use of voice,

Speak to me:

If there be any good thing to be done,

That may to thee do ease and grace to me,

Speak to me:

Cock crows

If thou art privy to thy country's fate,

Which, happily, foreknowing may avoid, O, speak!

Or if thou hast uphoarded in thy life

Extorted treasure in the womb of earth,

For which, they say, you spirits oft walk in death,

Speak of it: stay, and speak! Stop it, Marcellus.

Marcellus: Shall I strike at it with my partisan?

Horatio: Do, if it will not stand.

Bernardo: 'Tis here!

Horatio: 'Tis here!

Marcellus: 'Tis gone!

Exit Ghost

PROSA (p. 12)

“Mas Horácio não estava satisfeito e comentou com os amigos que

estavam aparecendo na Dinamarca os mesmos sinais sobrenaturais que tinham

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aparecido na Roma Antiga pouco antes da morte de Júlio César, e um desses

sinais eram que os mortos saíam dos túmulos e andavam entre os vivos.

Ele ainda estava falando sobre isso quando o fantasma voltou. Horácio se

levantou num pulo e chamou o fantasma, que passou reto por ele. Os três

amigos pegaram as espadas e lanças e tentaram parar o fantasma, mas as armas

foram inúteis.

O fantasma parou e pareceu que ia falar, quando um galo cantou. O

fantasma tremeu e desapareceu da vista dos soldados.”

O responsável pela adaptação de Hamlet a partir do original é o escritor Paulo

Seben, entretanto os elementos pré e pós-textuais foram elaborados por Fisher. Isso fica

extremamente claro na seção chamada “Ser ou não ser um intelectual”, que alega que a

frase emblemática “Tem algo de podre no reino da Dinamarca” foi dita por Hamlet,

enquanto na narrativa encontrada na adaptação ela é corretamente atribuída a Marcelo:

PEÇA (Ato 1, Cena 4)

Marcellus: Let's follow; 'tis not fit thus to obey him.

Horatio: Have after. To what issue will this come?

Marcellus: Something is rotten in the state of Denmark.

PROSA (p. 18)

“— Vamos atrás dele, não podemos obedecer o príncipe nesta hora.

— Eu vou com você – disse Horácio. — O que será que isso tudo quer

dizer?

— Não sei. Tem algo de podre no reino da Dinamarca. Vamos!”

A informação incorreta, especialmente quando em desarmonia com o que é

encontrado no texto, pode causar bastante confusão no leitor que está começando sua

jornada e tendo seu primeiro encontro com a obra. Outro aspecto negativo do material

elaborado por Fisher aparece na simples decisão de colocar um resumo de uma página

que conta toda a história, incluindo sua resolução, antes de começar a narrativa. Que

estímulo teriam esses leitores, que ainda não têm o hábito de ler, a começar uma história

da qual já sabem o final?

Seguindo o tema da simplificação, Seben e Fisher decidiram retirar toda e

qualquer ambiguidade do personagem de Gertrudes, sem deixar espaço para o leitor

fazer seu próprio julgamento. Tanto nos elementos pré e pós-textuais – elaborados por

Fisher – quanto ao longo da narrativa, fica clara sua interpretação da rainha como vilã.

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Chega ao ponto de ser dito no resumo, a seção chamada “Sobre Hamlet”, que Gertrudes

tramou com Cláudio o assassinato do rei Hamlet.

Outros questionamentos originalmente presentes na história e que foram

removidos por completo na adaptação são os reais sentimentos de Hamlet por Ofélia, se

a amava ou não, e se a loucura de Hamlet chegou a ser real ou fora sempre parte de seu

plano. A narrativa faz adições que não deixam dúvida sobre o amor de Hamlet e ao

mesmo tempo garantem sua sanidade mental:

PROSA (p. 29)

“Hamlet não queria que Ofélia percebesse que ele só estava se fingindo de

louco e depois fosse contar a verdade para Polônio e o rei. Ao mesmo tempo,

como ele era muito apaixonado pela moça e não conseguia ficar longe dela,

estava desesperado, porque Ofélia andava fugindo dele, e até tinha devolvido

cartas e presentes.”

Um aspecto bastante interessante e positivo desta adaptação, especialmente para o

leitor inexperiente, são as notas explicativas. Elas contêm diversas informações

relacionadas à trama ou apenas de cunho vocabular. Um bom exemplo é a cena

emblemática entre Hamlet e Ofélia, onde o príncipe fala para a moça: “Get thee to a

nunnery”. Na maioria das traduções para o português a ambiguidade do termo nunnery

do inglês da época não encontra equivalência e, portanto, segue desconhecida pelo

leitor. A adaptação traz esta informação em uma de suas notas explicativas. O lado

negativo das notas é que o objetivo da coleção de oferecer uma narrativa fluente – como

anunciado na nota editorial – acaba sendo prejudicado. As notas, por vezes, chegam a

três em uma página e podem acabar sendo uma distração no momento de leitura.

3. Conclusões

Embora as três adaptações para mangá trabalhem com a mesma linguagem

(quadrinhos), as adaptações brasileiras da série japonesa Manga de Dokuha, tanto a

versão da editora JBC quanto a da L&PM, apresentaram propostas similares, enquanto

diferem da série inglesa Manga Shakespeare.

As traduções da série japonesa têm como estratégia contar a história com uma

linguagem formal, porém menos rígida e despreocupada com os versos, com muitos

cortes e reordenação de cenas, sem introduzir mudanças na época ou na ambientação.

Ambas trazem as ilustrações mais europeizadas com expressões de mangá (devemos

levar em consideração a ambientação das histórias: Inglaterra e Dinamarca), embora

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divirjam na manutenção ou não da direção japonesa de leitura das obras, que é da direita

para a esquerda.

A adaptação em inglês e a tradução para o português da série inglesa se

caracterizam por: (i) reproduzir o texto shakespeariano original, preocupando-se em

manter as falas mais emblemáticas; (ii) trazer ilustrações com expressões mais serenas

encontradas na arte tradicional japonesa, mas fortemente baseada na arte típica do

mangá e disponibilizar a leitura na direção ocidental; e (iii) promover, em algumas

peças, a transposição para uma outra época, cultura e lugar geográfico.

A adaptação em prosa de Hamlet apresenta uma proposta bastante diferente das

anteriores: (i) simplifica significativamente a linguagem; (ii) exibe notas explicativas

que abordam vocabulário e curiosidades históricas, geográficas e culturais; (iii) utiliza-

se de elementos pré e pós-textuais direcionados a professores para complementar a

leitura (como resumo, sugestões de temas e questionamentos para debate, outras

leituras, filmes e websites).

De maneira geral as adaptações foram fieis às histórias originais e se propõe a

ser o primeiro contato com o clássico, mas com propostas bem diferentes. Desta forma,

a escolha de qual adaptação adotar dependerá muito do objetivo da leitura e nível de

escolaridade do leitor. Nos mangás, os recortes das falas são complementados pela

envolvente apresentação ilustrativa da história de forma coesa e compreensível; temos

uma maior aproximação com o formato original de apresentação da história, a peça,

onde o visual (as ações e expressões dos atores) complementa o texto; e ainda há a

opção de ler uma linguagem mais ou menos próxima da linguagem shakespeariana, um

pouco mais rebuscada. Na prosa, a narrativa simplificada e fluida oferecida pode

facilitar a compreensão da trama, as notas explicativas elucidar particularidades da

história e os materiais pós-leitura contribuir para o desenvolvimento do senso crítico do

leitor e instigar o amor pela leitura.

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Referências Bibliográficas

[1] SANDERS, Julie. Adaptation and Appropriation. London/New York: Routledge,

2006.

[2] TIEPOLO, Elisiani Vitória. Uma política de leitura para todos: leitores e

neoleitores. MACHADO, Maria Margarida. Educação de jovens e adultos. Brasília:

INEP/MEC (2009).

[3] BUENO, Alexei. Nota do tradutor. In: SHAKESPEARE, William. A tempestade:

mangá Shakespeare. Adaptação de Richard Appignanesi, ilustrações de Paul Duffield,

tradução de Alexei Bueno. Galera Record, Rio de Janeiro 2011, [p. 5].

[4] Ishikawa, Tomoya. Manga 'Mein Kampf' gives Hitler a new audience. 30 Set.

2009. Artigo para a publicação The Asahi Shimbun. Disponível em

<http://wayback.archive.org/web/20091002224341/http://www.asahi.com/english/Heral

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[5] BOID, Alexandre. Novos territórios em mangás. 29 Ago. 2013. Entrevista ao

blog L&PM Editores. Disponível em <http://www.lpm-blog.com.br/?p=21987> Acesso

em: 27 Jul. 2015.

[6] FISCHER, Luís Augusto. Professor Luís Augusto Fischer fala sobre projeto para

neoleitores. 06 Abr. 2010. Entrevista ao blog L&PM Editores. Disponível em

<http://www.lpm.com.br/site/default.asp?TroncoID=805133&SecaoID=500709&Subse

caoID=0&Template=../artigosnoticias/user_exibir.asp&ID=516263> Acesso em: 17 Jul.

2015.

[7] SelfMadeHero (http://www.mangashakespeare.com/)

[8] Galera Record (http://www.galerarecord.com.br/)

[9] East Press (http://www.eastpress.co.jp/manga/)

[10] JBC (http://www.editorajbc.com.br/)

[11] L&PM (http://www.lpm.com.br/)

[12] SHAKESPEARE, William. Adapted by Richard Appignanesi. The Tempest –

Manga Shakespeare. London, 2008: Selfmade Hero.

[13] SHAKESPEARE, William. Tradução de Alexei Bueno. A Tempestade – Mangá

Shakespeare. Editora Galera Record, Rio de Janeiro. 2013.

[14] SHAKESPEARE, William. Tradução de Arnaldo Massato Oka. Rei lear –

Clássicos em Mangá. Editora JBC, Rio de Janeiro. 2011.

[15] SHAKESPEARE, William. Tradução de Drik Sada. Hamlet – Coleção L&PM

Pocket Mangá. Editora L&PM, Rio de Janeiro. 2013.

[16] SHAKESPEARE, William. Tradução de Paulo Seben. Hamlet – Coleção É só o

Começo. Editora L&PM, Rio de Janeiro. 2011.

[17] SHAKESPEARE, William. The Oxford Shakespeare: The Complete Works.

Oxford, 2005: Oxford University Press; 2nd edition.