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Série Estratégias de Ensino 29

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Multiletramentos

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Série Estratégias de Ensino 29

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Série Estratégias de Ensino

1. O ensino do espanhol no Brasil, João Sedycias [org.]

2. Português no ensino médio e formação do professor, Clecio Bunzen & Márcia Mendonça [orgs.]

3. Gêneros catalisadores — letramento e formação do professor, Inês Signorini [org.]

4. A formação do professor de português — que língua vamos ensinar?, Paulo Coimbra Guedes

5. Muito além da gramática — por um ensino de línguas sem pedras no caminho, Irandé Antunes

6. Ensinar o brasileiro — respostas a 50 perguntas de professores de língua materna, Celso Ferrarezi

7. Semântica para a educação básica, Celso Ferrarezi

8. O professor pesquisador — introdução à pesquisa qualitativa, Stella Maris Bortoni-Ricardo

9. Letramento em EJA, Maria Cecilia Mollica & Marisa Leal

10. Língua, texto e ensino — outra escola possível, Irandé Antunes

11. Ensino e aprendizagem de língua inglesa — conversas com especialistas, Diógenes Cândido de Lima [org.]

12. Da redação escolar ao texto — um manual de redação, Paulo Coimbra Guedes

13. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social, Roxane Rojo

14. Libras? Que língua é essa?, Audrei Gesser

15. Didática de línguas estrangeiras, Pierre Martinez

16. A sentença e a palavra — estudo introdutório, Ronaldo de Oliveira Batista

17. Coisas que todo professor de português precisa saber, Luciano Amaral Oliveira

18. Gêneros textuais & ensino, A. Paiva Dionisio, A. R. Machado, M. A. Bezerra [orgs.]

19. As cadeias do texto — construindo sentidos, Cláudia Roncarati

20. Produção textual na universidade, Désirée Motta-Roth, Graciela Rabuske Hendges

21. Análise de textos — fundamentos e práticas, Irandé Antunes

22. Dicionários escolares — políticas, formas & usos, Orlene Lúcia de Sabóia Carvalho, Marcos Bagno [orgs.]

23. Inglês em escolas públicas não funciona? Uma questão, múltiplos olhares, Diógenes Cândido de Lima [org.]

24. Dicionários na teoria e na prática — como e para quem são feitos, Claudia Xatara, Cleci Regina Bevilacqua, Philippe Humblé

25. Gêneros textuais — reflexões e ensino, Acir Mário Karwoski, Beatriz Gaydeczka, Karim Siebeneicher Brito

26. Letramentos de reexistência — poesia, grafite, música, dança: hip-hop, Ana Lúcia Silva Souza

27. Pesquisar no labirinto — a tese, um desafio possível, Francisco Perujo Serrano

28. O território das palavras — Estudo do léxico em sala de aula, Irandé Antunes

29. Multiletramentos na escola, Roxane Rojo, Eduardo Moura [orgs.]

30. Leitura e mediação pedagógica, Stella Maris Bortoni-Ricardo et alii [org.]

31. Numeramento — aquisição das competências matemáticas, Michel Fayol

32. Letramentos no ensino médio, Ana Lúcia Silva Souza, Ana Paula Corti, Márcia Mendonça33. Neologia em português, Margarita Correia & Gladis Maria de Barcellos Almeida

34. Língua e literatura: Machado de Assis na sala de aula, Alexandre H. T. Guimarães & Ronaldo O. Batista

35. O ouvinte e a surdez — sobre ensinar e aprender a LIBRAS, Audrei Gesser

36. Ensinar na universidade — conselhos práticos, dicas, métodos pedagógicos, Markus Brauer

37. Os doze trabalhos de Hércules — do oral para o escrito, Stella Maris Bortoni-Ricardo & Veruska Ribeiro Machado [orgs.]

38. Múltiplas linguagens para o ensino médio, Clecio Bunzen e Márcia Mendonça [orgs.]

39. Leitura de literatura na escola, Maria Amélia Dalvi, Neide Luzia de Rezende & Rita Jover-Faleiros [orgs.]

40. Escol@ conect@d@ — os multiletramentos e as TICs, Roxane Rojo [org.]

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Gislaine Lorenzi & Tainá-Rekã W. de Pádua

Denise de Oliveira Teixeira & Eduardo Moura

Anair Valênia Martins Dias, Cláudia Goulart Morais, Viviane Raposo Pimenta Walleska Bernardino Silva

Anair Valênia Martins Dias

Cíntia B. Garcia, Flávia Danielle Sordi Silva Rosane de Paiva Felício

Edsônia de Souza Oliveira Melo, Paulo Wagner Moura de Oliveira Sueli Correia Lemes Valezi

Adriana Teixeira & Fernanda Félix Litron

Eliane A. Pasquotte-Vieira, Flávia Danielle Sordi Silva & Maria Cristina Macedo Alencar

Melina Aparecida Custódio

Ely Alves Miguel, Jefferson Ferreira, Jucelina Ferreira de Campos, Lezinete Regina Lemes, Louredir Rodrigues Benevides & Shirlei Neves dos Santos

Eduardo Moura & Heitor Gribl

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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S713c

Souza, Cláudia Nívia Roncarati deCadeias do texto : construindo sentidos / Cláudia Nívia Roncarati

de Souza. - São Paulo : Parábola Editorial, 2010. -(Estratégias de ensino ; 19)

Inclui bibliografiaISBN 978-85-7934-010-9

1. Linguística. 2. Linguagem e línguas. 3. Análise do discurso. 4. Língua portuguesa - Estudo e ensino. I. Título. II.Série.

10-2938. CDD: 401.41 CDU 81´42

Direitos reservados àParábola EditorialRua Dr. Mário Vicente, 394 - Ipiranga04270-000 São Paulo, SPpabx: [11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax: [11] 2589-9263home page: www.parabolaeditorial.com.bre-mail: [email protected]

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda.

ISBN: 978-85-7934-041-3

1a edição, 1a reimpressão: junho de 2013

© do texto: Roxane Roxo e Eduardo Moura© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, maio de 2012

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

R645M

Rojo, Roxane Helena R. (Roxane Helena Rodrigues) Multiletramentos na escola / Roxane Rojo, Eduardo Moura [orgs.]. - São Paulo : Parábola Editorial, 2012. 264p. (Estratégias de ensino ; 29) Inclui bibliografia ISBN 978-85-7934-041-3 1. Língua portuguesa (Ensino). 2. Leitura - Estudo e ensino. 3. Escrita. 4. Professores - Formação. I. Moura, Eduardo. I. Título. II. Série.

12-2149. CDD: 372.41 CDU: 373.3.046-021.64

Capa e projeto editorial: Andréia Custódio

editor: Marcos Marcionilo

revisão: Karina Mota

Capa: Banco de imagens: iStockphoto

Conselho editorial: Ana Stahl Zilles [Unisinos] Angela Paiva Dionísio [UFPE] Carlos Alberto Faraco [UFPR] Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP] Gilvan Müller de Oliveira [UFSC, Ipol] Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostela] Kanavillil Rajagopalan [Unicamp] Marcos Bagno [UnB] Maria Marta Pereira Scherre [UFES] Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SP] Roxane Rojo [UNICAMP] Salma Tannus Muchail [PUC-SP] Stella Maris Bortoni-Ricardo [UnB]

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SUMÁRIO

Apresentação: Protótipos didáticos para os multiletramentos ROXANE ROJO

1. Pedagogia dos multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na escola

ROXANE ROJO

POR UMA EDUCAÇÃO ESTÉTICA

2. Blog nos anos iniciais do fundamental I: a reconstrução de sentido de um clássico infantil

GISLAINE CRISTINA CORRER LORENZI & TAINÁ-REKÃ WANDERLEY DE PÁDUA

3. Chapeuzinho Vermelho na cibercultura: por uma educação linguística com multiletramentos

DENISE DE OLIVEIRA TEIXEIRA & EDUARDO MOURA

4. Minicontos multimodais: reescrevendo imagens cotidianas ANAIR VALÊNIA MARTINS DIAS, CLÁUDIA GOULART MORAIS,

VIVIANE RAPOSO PIMENTA & WALLESKA BERNARDINO SILVA

sumário 5

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nos anos iniciais do fundamental I: a reconstrução de

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6 multiletramentos na escola

5. Hipercontos multissemióticos: para a promoção dos multiletramentos

ANAIR VALÊNIA MARTINS DIAS

6. Projet(o)arte: uma proposta didática CÍNTIA B. GARCIA, FLÁVIA DANIELLE SORDI SILVA & ROSANE DE PAIVA FELÍCIO

7. Gêneros poéticos em interface com gêneros multimodais EDSÔNIA DE SOUZA OLIVEIRA MELO, PAULO WAGNER MOURA DE OLIVEIRA &

SUELI CORREIA LEMES VALEZI

POR UMA EDUCAÇÃO ÉTICA E CRÍTICA

8. O manguebeat nas aulas de português: videoclipe e movimento cultural em rede

ADRIANA TEIXEIRA & FERNANDA FÉLIX LITRON

9. A canção Roda-viva: da leitura às leituraS ELIANE A. PASQUOTTE-VIEIRA,

FLÁVIA DANIELLE SORDI SILVA & MARIA CRISTINA MACEDO ALENCAR

10. Documentário e pichação: a escrita na rua como produção multissemiótica

MELINA APARECIDA CUSTÓDIO

11. As múltiplas faces do Brasil em curta metragem: a construção do protagonismo juvenil

ELY ALVES MIGUEL, JEFFERSON FERREIRA, JUCELINA FERREIRA DE CAMPOS, LEZINETE REGINA LEMES, LOREDIR RODRIGUES BENEVIDES & SHIRLEI NEVES DOS SANTOS

12. Radioblog: vozes e espaços de atuação cultural EDUARDO MOURA & HEITOR GRIBL

Referências bibliográfi cas

Autoras & Autores

9595123

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11. As múltiplas faces do Brasil em curta metragem: a construção 11. As múltiplas faces do Brasil em curta metragem: a construção

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disponível para download em www.parabolaeditorial.com.br, mais informações na página 262.

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apresentação 7

APRESENTAÇÃO

Protótipos didáticos para os multiletramentos

Esta coletânea, organizada em colaboração com Eduardo Moura, reúne trabalhos elaborados em grupo (salvo uma ou duas exceções), durante três cursos que ministrei em 2010. Foram duas disciplinas regulares de pós-graduação

no IEL/UNICAMP sobre “Estudos do letramento e da leitura” e um minicurso de verão, de uma semana, sobre “Multiletramentos e ensino de língua portuguesa”, para o Mestrado em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a convite de Simone de Jesus Padilha e Maria Rosa Petroni.

Nos três cursos, as discussões sobre os temas foram acaloradas, e a proposta, desde o início, foi que os cursistas elaborassem trabalhos co-

ROXANE ROJO [ORG.]

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8 multiletramentos na escola

laborativos que descrevessem, de maneira teoricamente embasada, pro-postas de ensino de língua portuguesa que eles tivessem experimentado em suas escolas com seus alunos ou que pudessem ser experimentadas por eles mesmos ou por outros colegas professores em outras ocasiões. Essas propostas de ensino deveriam visar aos letramentos múltiplos, ou aos multiletramentos, e deveriam abranger atividades de leitura crítica, análise e produção de textos multissemióticos em enfoque multicultural.

Muitos trabalhos resultantes dessa colaboração, desde o primeiro curso, foram tão interessantes que tive a ideia de reuni-los em uma co-letânea que pudesse dar ideias de trabalhos a outros docentes de língua portuguesa em busca de subsídios para trabalhar os multiletramentos com seus alunos. Nesse sentido é que os chamo aqui de protótipos, ou seja, estruturas flexíveis e vazadas que permitem modificações por parte daqueles que queiram utilizá-las em outros contextos que não o das propostas iniciais.

Os gêneros, mídias, modalidades e temas abordados nesses protótipos são muito variados, mas apresentam uma “estrutura flexível” comum, que lhes dá unidade e que diz respeito aos princípios didáticos que de-correm de uma abordagem dos multiletramentos. No primeiro capítulo (“Pedagogia dos multiletramentos: Diversidade cultural e de linguagens na escola”), procuro dar uma ideia geral desses princípios. Mas adianto:

Trabalhar com multiletramentos pode ou não envolver (normalmen-te envolverá) o uso de novas tecnologias de comunicação e de infor-mação (“novos letramentos”), mas caracteriza-se como um trabalho que parte das culturas de referência do alunado (popular, local, de massa) e de gêneros, mídias e linguagens por eles conhecidos, para buscar um enfoque crítico, pluralista, ético e democrático — que envolva agência — de textos/discursos que ampliem o repertório cultural, na direção de outros letramentos, valorizados (como é o caso dos trabalhos com hiper e nanocontos) ou desvalorizados (como é o caso do trabalho com picho).

Além disso, trabalhar com os multiletramentos partindo das cultu-ras de referência do alunado implica a imersão em letramentos críticos

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apresentação 9

que requerem análise, critérios, conceitos, uma metalinguagem, para chegar a propostas de produção transformada, redesenhada, que impli-cam agência por parte do alunado.

Esses dois blocos de princípios constituem o “esqueleto flexível” comum aos protótipos ou propostas aqui avançados. Os diferentes au-tores deram compleição diversa a esse esqueleto, selecionando gêne-ros, mídias, modos, linguagens, temas e tecnologias bastante variadas em suas propostas específicas.

Você verá que a coletânea está dividida em duas partes: “Por uma educação estética” e “Por uma educação ética e crítica”. Isso acontece porque os diferentes autores enfatizaram em suas propostas análises críticas das estéticas e usos das linguagens e formas em seus objetos de ensino; outros ressaltaram a análise dos temas e do universo de valores que eles convocam, buscando uma ética crítica na análise dos textos/enunciados.

Espero que você, leitor(a), receba este volume e as propostas/pro-tótipos que o integram com o mesmo prazer na leitura e o mesmo en-tusiasmo com que seus autores e nós, organizadores, o compusemos. Espero também que, caso você seja professor(a) ou organizador(a)/autor(a) de materiais didáticos, possa nele encontrar inspiração para outras muitas propostas.

Disponibilizamos no site da Parábola Editorial (www.parabolaedito-rial.com.br) para download gratuito os protótipos e sequências didáticos que deram origem aos capítulos 2, 4, 8, 9, 10 e 12. Vá ao site e baixe todo o material disponibilizado para o enriquecimento da discussão.

Agradeço aos cursistas-autores desses textos pelos interessantes momentos que passamos ao longo dos cursos, em nossas discussões e elaborações conjuntas e, depois, os que passei na leitura desses traba-lhos. Que você, leitor(a), possa também ter interessantes e agradáveis momentos em diálogo com este volume.

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pedagogia dos multiletramentos 11

PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS

Diversidade cultural e de linguagens na escola

Por que abordar a diversidade cultural e a diversidade de lingua-gens na escola? Há lugar na escola para o plurilinguismo, para a multissemiose e para uma abordagem pluralista das culturas? Por que propor uma pedagogia dos multiletramentos?

A necessidade de uma pedagogia dos multiletramentos foi, em 1996, afirmada pela primeira vez em um manifesto resultante de um colóquio do Grupo de Nova Londres (doravante, GNL), um grupo de pesquisado-res1 dos letramentos que, reunidos em Nova Londres (daí o nome do gru-po), em Connecticut (EUA), após uma semana de discussões, publicou

1 Dentre eles, Courtney Cazden, Bill Cope, Mary Kalantzis, Norman Fairclough, Jim Gee, Gunther Kress, Allan e Carmen Luke, Sara Michaels e Martin Nakata.

ROXANE ROJO

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12 multiletramentos na escola

um manifesto intitulado A Pedagogy of Multiliteracies — Designing Social Futures (“Uma pedagogia dos multiletramentos — desenhando futuros sociais”).

Nesse manifesto, o grupo afirmava a necessidade de a escola tomar a seu cargo (daí a proposta de uma “pedagogia”) os novos letramentos emergentes na sociedade contemporânea, em grande parte — mas não somente — devidos às novas tics2, e de levar em conta e incluir nos currículos a grande variedade de culturas já presentes nas salas de aula de um mundo globalizado e caracterizada pela intolerância na convi-vência com a diversidade cultural, com a alteridade.

Uma pergunta típica que o grupo se fazia — já há quinze anos! — era, por exemplo:

O que é uma educação apropriada para mulheres, para indígenas, para imigrantes que não falam a língua nacional, para falantes dos dialetos não padrão? O que é apro-priado para todos no contexto de fatores de diversidade local e conectividade global cada vez mais críticos? (Grupo de Nova Londres, 2006[2000/1996]: 10).

O Grupo de Nova Londres é pioneiro: em sua grande maioria ori-ginários de países em que o conflito cultural se apresenta escancarada-mente em lutas entre gangues, massacres de rua, perseguições e intole-rância, seus membros indicavam que o não tratamento dessas questões em sala de aula contribuía para o aumento da violência social e para a falta de futuro da juventude3.

Além disso, o GNL também apontava para o fato de que essa juven-tude — nossos alunos — contava já há quinze anos com outras e no-

2 Tecnologias da Informação e da Comunicação.3 Pode parecer muito diferente no Brasil, mas não é tão diferente assim: tomando como mote a canção de João Bosco De frente pro crime (“tá lá o corpo estendido no chão...”), Gonçalves (2011: s.p.) comenta: “As estatísticas costumam ter uma visão mais aguçada do que o olhar nu. Ou seja, ao somar, multiplicar e comparar, os estudiosos tiram conclusões que o olho humano não é capaz de enxergar. Uma dessas conclusões, talvez a mais imediata, é que grande parte dos corpos estendidos pelo chão [no Brasil] per-tencem a pessoas entre os 15 e 25 anos, ou seja, são adolescentes e jovens. Acrescente-se a isso o fato de boa quantidade deles ter sido executada pelos próprios comparsas nas disputas pelo mercado clandestino do narcotráfico ou, mais grave ainda, por grupos paramilitares constituídos para esse fim. E não podemos esquecer que uma porcentagem nada desprezível jamais havia passado pela polícia, ou se envolvido com o crime e a droga”. No nosso caso, então, a falta de futuro também é radical (cf. <http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=57621>, acesso em 07/09/2011).

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pedagogia dos multiletramentos 13

vas ferramentas de acesso à comunicação e à informação e de agência social, que acarretavam novos letramentos, de caráter multimodal ou multissemiótico4. Para abranger esses dois “multi” — a multicultura-lidade característica das sociedades globalizadas e a multimodalidade dos textos por meio dos quais a multiculturalidade se comunica e in-forma, o grupo cunhou um termo ou conceito novo: multiletramentos.

O que caracteriza os multiletramentos?

Diferentemente do conceito de letramentos (múltiplos), que não faz se-não apontar para a multiplicidade e variedade das práticas letradas, valorizadas ou não nas sociedades em geral, o conceito de multiletramentos — é bom enfatizar — aponta para dois tipos específicos e importantes de multiplicidade presentes em nossas sociedades, principalmente urbanas, na contemporanei-dade: a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica.

No que se refere à multiplicidade de culturas, é preciso notar: como assinala García Canclini (2008[1989]: 302-309), o que hoje vemos à nossa volta são produções culturais letradas em efetiva circulação social, como um conjunto de textos híbridos de diferentes letramentos (vernaculares e dominantes), de diferentes campos (ditos “popular/de massa/erudito”), desde sempre, híbridos, caracterizados por um processo de escolha pessoal e política e de hibridização de produções de diferentes “coleções”.

Essa visão desessencializada de cultura(s) já não permite escrevê--la com maiúscula — A Cultura —, pois não supõe simplesmente a divisão entre culto/inculto ou civilização/barbárie, tão cara à escola da modernidade. Nem mesmo supõe o pensamento com base em pares antitéticos de culturas, cujo segundo termo pareado escapava a esse mecanicismo dicotômico — cultura erudita/popular, central/marginal,

4 Diríamos, hoje, quinze anos depois, hipermídiaticos.

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canônica/de massa — também esses tão caros ao currículo tradicional que se propõe a “ensinar” ou apresentar o cânone ao consumidor mas-sivo, a erudição ao populacho, o central aos marginais.

Vivemos, já pelo menos desde o início do século XX (senão des-de sempre), em sociedades de híbridos impuros, fronteiriços. Vamos exemplificar com um episódio, da década de 1920, que gosto de usar em aula para questionar valores e apreciações de culturas.

Anacleto de Medeiros (1866-1907) era negro; vinha, digamos assim, do populacho. Nascido em Paquetá (RJ) de escrava alforriada, Anacleto foi, en-tretanto, bem-sucedido nos estudos: como muitos brasileiros que escapam a sua sina de falta de futuro, gostava de música. Como diz a Wikipédia5,

Começou na música tocando flautim na Banda do Arsenal de Guerra do Rio de Ja-neiro. Aos 18 anos, foi trabalhar como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional e, ao mesmo tempo, matriculou-se no Imperial Conservatório de Música. Nessa época, já dominava quase todos os instrumentos de sopro e tinha especial preferência pelo saxofone. Fundou, entre os operários da tipografia, o Clube Musical Gutemberg, ini-ciando aí sua função de organizador de conjuntos musicais.

Formou-se no Conservatório em 1886, época em que organizou a Sociedade Recreio Musical Paquetaense, em Paquetá, seu bairro natal, e começou a compor algumas peças sacras. Em seguida, suas composições passaram a ser mais populares, princi-palmente polcas, schotisch [xote], dobrados, marchas e valsas.

Era negro e pobre, mas “bem-educado”.

Já o menino Heitor nasceu de família branca e de classe média em 5 de março de 1887, na rua Ipiranga, no Rio de Janeiro, filho do pro-fessor Raul Villa-Lobos e de Noêmia Umbelina Santos Monteiro Villa- -Lobos. Raul e Noêmia tiveram oito filhos. Professor, funcionário da Biblioteca Nacional, Raul também era músico (violoncelista).

Segundo Grieco (2009: 11),

Heitor aprendeu com o pai a tocar clarineta e “era obrigado a discernir o gênero, estilo, caráter e origem das obras como declarar com presteza o nome da nota dos

5 Ver <http://pt.wikipedia.org/wiki/Anacleto_de_Medeiros>, acesso em 07/09/2011.

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pedagogia dos multiletramentos 15

sons ou ruídos que surgiam incidentalmente, como, por exemplo, o guincho da roda do bonde, o pio de um pássaro, a queda de um objeto de metal”. No aprendizado do violoncelo, Raul teve que adaptar uma viola, de outra forma o menino Heitor não conseguiria colocar os dedos nas cordas.

Um dia, na meninice, Heitor, sabe-se lá por quê, fugiu de casa. Em suas andanças, topou com o Grupo de Chorões de Anacleto, que executava o choro Iaiá ou Rasga o Coração (na verdade, um xote). Ficou fascinado com a música, que nunca mais lhe saiu da cabeça6, a ponto de, nos anos 1920, ter incluído a canção — o que mais tarde lhe valeria acusação de plágio —, formatada para canto coral, em sua peça Choros nº 10. Hibri-dismos. Fronteiras.

Se pensarmos bem, quem sobreviveria na escola? Villa-Lobos, é claro! Lá aprenderíamos sobre o Choros nº 10, mas Anacleto não seria sequer mencionado7.

No caso brasileiro, em nossas salas de aula, essa mistura de cul-turas, raças e cores não constitui constatação tão nova, embora passe o tempo todo quase totalmente despercebida ou propositadamente ig-norada. Quais serão os Iaiá/Rasga o coração que nossos alunos — rap pers, funkeiros, pagodeiros, sertanejos — incluem em suas leituras “canônicas” de José de Alencar, ele mesmo um folhetinista?

Como bem mostra García Canclini (2008[1989]), esses pares anti-téticos — cultura erudita/popular, central/marginal, canônica/de mas-sa — já não se sustentam mais faz muito, nem aqui nem acolá... Os híbridos, as mestiçagens, as misturas reinam cada vez mais soberanas8.

6 Ver, a respeito, cena do filme Villa-Lobos: Uma vida de paixão, de Zelito Viana, em <http://www.youtube.com/watch?v=EzRrHGFvTVU>, acesso em 07/09/2011.7 Aliás, também não é mencionado no verbete sobre choro — certamente feito por um “erudito” — da Wikipédia <http://pt.wikipedia.org/wiki/Choro>, acesso em 07/09/2011) que diz: “Na década de 1920, o maestro Heitor Villa-Lobos compôs uma série de 16 composições dedicadas ao choro, mostrando a riqueza musical do gênero e fazendo-o presente na música erudita. [...] A composição mais conhecida e executada desta série é o Choros nº 10 para coro e orquestra, que inclui o tema ‘Rasga o Coração’ de Catulo da Paixão Cearense. Devido à grande complexidade e à abrangência dos temas regionais utilizados pelo compositor, essa série é considerada por muitos como a sua obra mais significativa” (ênfase adicionada). Não só Anacleto (o compositor) não é mencionado, como a autoria é atribuída a Catulo da Paixão Cea-rense: vejam como o letramento “da letra” é mais valorizado que quaisquer outros, inclusive o musical.8 Vejam-se os remixes e mashups no espaço digital.

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16 multiletramentos na escola

Para o autor, a produção cultural atual se caracteriza por um processo de desterritorialização, de descoleção e de hibridação que permite que cada pessoa possa fazer “sua própria coleção”, sobretudo a partir das novas tecnologias.

Para García Canclini, “essa apropriação múltipla de patrimônios culturais abre possibilidades originais de experimentação e de comu-nicação, com usos democratizadores” (García Canclini, 2008[1989]: 308). Nessa perspectiva, trata-se de descolecionar os “monumentos” patrimoniais escolares, pela introdução de novos e outros gêneros de discurso — ditos por Canclini “impuros” —, de outras e novas mídias, tecnologias, línguas, variedades, linguagens.

Para tanto, são requeridas uma nova ética e novas estéticas. Uma nova ética que já não se baseie tanto na propriedade (de direitos de au-tor, de rendimentos que se dissolveram na navegação livre da web), mas no diálogo (chancelado, citado) entre novos interpretantes (os remixers, mashupers). Uma nova ética que, seja na recepção, seja na produção ou design, baseie-se nos letramentos críticos que comentaremos adiante.

Novas estéticas (novas, para mim, é claro) também emergem, com critérios próprios. Minha “coleção” pode não ser (e certamente não será) “a coleção” do outro que está ao lado — ou na “carteira” à minha frente. Assim, meus critérios de “gosto”, de apreciação, de valor estéti-co diferirão dos dele fatalmente. Isso me acontece a cada aula que dou para o primeiro ano (17-18 anos). Delas, retirarei o próximo exemplo, relativo aos Anime9:

9 “Anime (Animê, Anime) é um termo que define os desenhos animados de origem japonesa e tam-bém os elementos relacionados a esses desenhos. No Japão, anime se refere a animação em geral. O anime é tradicionalmente desenhado a mão. Porém, com o desenvolvimento dos recursos tecnológicos de animação, principalmente a partir da década de 1990, muitos animes passaram a ser produzidos em com-putadores. Os temas abordados nos animes são bem variados (drama, ficção, terror, aventura, psicologia, romance, comportamento, mitologia etc.). Outra importante característica dos animes atuais é a ocorrência de elementos tecnológicos nos enredos das histórias. O anime faz muito sucesso no Japão e em vários países do mundo, incluindo o Brasil. As animações são elaboradas para o cinema, televisão e revistas em quadrinhos” (<http://www.suapesquisa.com/o_que_e/anime.htm>, acesso em 07/09/2011).

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pedagogia dos multiletramentos 17

A imagem é de um anime que utilizei em aula para discutir com meus alunos de primeiro ano de Letras10 sobre os novos textos envolvidos nos multiletramentos e seus critérios estéticos. Apresentei a eles uma série de textos digitais de diversas ordens (animações, stop motions, machinemas, animes, remixes, mashups, videoclipes, fanclips etc.) e pedi a eles que me dissessem:

(a) se gostavam; (b) se sim ou não, por que e a partir de quais critérios (éticos e/ou

estéticos — predominaram os estéticos); (c) se sabiam ou se tinham por hábito fazer; (d) se podiam me ensinar a fazer.

Nessa aula, aprendi muito. Mas o mais importante do que aprendi foi que os critérios pelos quais eu gostava da minha “coleção” e não gostava da deles podiam soar tão estranhos para eles quanto os critérios deles soavam estranhos para mim!

Não escolho aqui o anime à toa. De todas as estéticas, é a que mais está fora de minha “coleção”: não gosto de rock e não tenho critérios de apreciação da produção gráfica e do traço de design japonês.

Fui surpreendida pelo fato de que mais da metade da turma era apreciadora, conhecia e fazia ou tentava produzir animes. Pelo menos 15 alunos pertenciam a comunidades de anime11.

Todos me responderam às questões (aliás, sobre todos os gêneros) e muito bem. Com critérios refinados de análise estética (do ponto de vista dessa estética, é claro). Eu, boquiaberta, tentava aprender.

10 Obrigada, turma da LP104A/1º-2011, pelo que pude aprender com vocês.11 Esse microlevantamento confirma os dados disponíveis sobre culturas da juventude no Brasil.

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18 multiletramentos na escola

No caso do anime em questão — Colouring — AMV12 —, eles elo-giaram meu “bom gosto” ao escolher (eu — é claro — tinha escolhido o que me parecia menos feio e barulhento); disseram que era excelen-te. Quando perguntei por quê, eles me responderam que a escolha das imagens para compor o anime, as transições, a sincronia com o rock, a referenciação solidária à letra eram muito bem feitas, assim como os efeitos de coloração e transição.

Como produtores, eles tinham critérios estéticos referentes ao pro-cesso (difícil, até onde entendi) de produção. Creio que a essas alturas você já está entendendo a que tipo de trocas entre “coleções culturais” estou me referindo... Pelo (pouco) que pude entender, como produto-res, eles tinham critérios (estéticos) muito específicos para avaliar o produto e que exigiam o domínio de uma série de multiletramentos: qual era o ritmo e a referenciação da letra da canção-guia do anime; como cortar do vídeo-fonte imagens adequadas a esse ritmo e a essa referenciação; como tratá-las em Photoshop de maneira adequada e que permitisse novos efeitos de sentido; como reconstruir a trama ou a referenciação (no ritmo) de maneira adequada na montagem do novo vídeo ou anime13. Enfim, uma série de (multi)letramentos que não do-mino — mas que posso entender — e que são responsáveis pelo efei-to de sentido do anime que, como consumidora acrítica, eu consumo. Quem dera eu pudesse explicar a eles, com a mesma clareza, por que aprecio o novo romance francês, Thomas Mann ou Machado! E levá--los a frequentá-los.

No que se refere à multiplicidade de linguagens, modos ou semio-ses nos textos em circulação, ela é bastante evidente em meus exem-plos anteriores e nos textos em circulação social, seja nos impressos, seja nas mídias audiovisuais, digitais ou não.

12 <http://www.youtube.com/watch?v=Leu1sBh-cYM>, acesso em 07/09/2011.13 Ver, a respeito, <http://amvnews.ru/index.php?go=Files&in=view&id=1500>, acesso em 07/09/2011.

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pedagogia dos multiletramentos 19

Capricho, maio-2011, fac-símile14

Como se pode notar nos textos aqui reproduzidos, se-jam impressos, digitais ou ana-lógicos (se é que ainda exis-tem), as imagens e o arranjo de diagramação impregnam e fazem significar os textos con-temporâneos — quase tanto ou mais que os escritos ou a letra. E isso, não é de hoje.

É o que tem sido chamado de multimodalidade ou multissemio-se dos textos contemporâneos, que exigem multiletramentos. Ou seja, textos compostos de muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e que exigem capacidades e práticas de compreensão e produção de cada uma delas (multiletramentos) para fazer significar.

14 <http://187.45.206.129/experimenteabril/default.asp>, acesso em 07/09/2011.

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20 multiletramentos na escola

No exemplo impresso (Capricho de maio/2011, fac-símile), temos linguagem (ou semiose) verbal na modalidade ou modo escrito, dia-gramação (ocupação do espaço da página) e imagens estáticas (fotos, ilustrações, tratamento da imagem — Photoshop). No exemplo da re-portagem televisiva sobre malha ferroviária do Jornal Nacional, temos a semiose verbal em áudio (as falas do narrador, do âncora, do entrevis-tador e dos entrevistados) e na modalidade ou modo escrito (a data, por exemplo) e as imagens em vídeo (imagem em movimento filmadas ou digitalizadas), além de outras imagens (estáticas) incorporadas à edi-ção de vídeo, como o mapa acima, escritas, diagramas e fotos (antigas).

Como diz Lemke (2010[199815]: s.p.),

o texto pode ou não formar a espinha organizadora de um trabalho multimidiático. O que realmente precisamos ensinar, e compreender antes de poder ensinar, é como vários letramentos e tradições culturais combinam essas modalidades semióticas di-ferentes para construir significados que são mais do que a soma do que cada parte poderia significar separadamente. Tenho chamado isto de “significado multiplica-dor” (Lemke, 1994a; 1998) porque as opções de significados de cada mídia multi-plicam-se entre si em uma explosão combinatória; em multimídia, as possibilidades de significação não são meramente aditivas.

Lemke já está, em 1998, falando de mídias e não de modos, lingua-gens ou semioses. Neste mesmo texto, ele antevê:

A próxima geração de ambientes de aprendizagem interativos adiciona [aos hiper-textos] imagens visuais e sons e vídeos, além de animação, o que se torna muito prá-tico quando a velocidade e a capacidade de armazenamento podem acomodar esses significados densos de informação topológica. […] Essas mídias mais topológicas não podem ser indexadas e referenciadas por seu conteúdo interno (o que a figura mostra, por exemplo). Devem sim ser tratadas como ‘objetos’ inteiros. Mesmo as-sim, como objetos podem se tornar nós para hipertextos e, então, a hipermídia nasce (ver Landow e Delany, 1991; Bolter, 1998). A importância dos letramentos multi-midiáticos correspondentes já foi discutida, mas ainda é importante notar que não é apenas o uso da hipermídia que as novas tecnologias tornam mais fácil, mas sua autoria. Hoje, qualquer um edita um áudio ou um vídeo em casa, produz animações de boa qualidade, constrói objetos e ambientes tridimensionais, combinados com

15 Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-18132010000200009&script=sci_arttext>, acesso em 07/09/2011.

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pedagogia dos multiletramentos 21

textos e imagens paradas, adiciona música e voz e produz trabalhos muito além do que qualquer editora ou estúdio de cinema poderia fazer até alguns anos atrás (s.p.).

E como ficam nisso tudo os letramentos? Tornam-se multiletra-mentos: são necessárias novas ferramentas — além das da escrita manual (papel, pena, lápis, caneta, giz e lousa) e impressa (tipografia, imprensa) — de áudio, vídeo, tratamento da imagem, edição e diagra-mação. São requeridas novas práticas:

(a) de produção, nessas e em outras, cada vez mais novas, ferramentas; (b) de análise crítica como receptor.

São necessários novos e multiletramentos.

Nos estudos disponíveis, um dos mais destacados funcionamen-tos desses novos textos que requerem novos letramentos é seu caráter não multi, mas hiper: hipertextos, hipermídias. Ainda citando Lemke (2010[1998]: s.p.),

A primeira geração das tecnologias de aprendizagem interativa foi, não surpreenden-temente, uma simples transposição do modelo de educação do livro-texto para uma nova mídia de demonstração. As árvores podem estar agradecidas, mas pouco muda em relação à natureza da aprendizagem, talvez apenas a motivação crescente para al-guns alunos gerada pela novidade. Mas tão logo os textos on-line se tornem digitais (em oposição a imagens em bitmap da página), ele é facilmente pesquisável. E se pode [o texto] ser pesquisável, pode ser indexado e estabelecer referência com outros textos. Agora, o texto é simultaneamente um banco de dados, e o hipertexto nasce (Nelson, 1974; Landow, 1992; Bolter, 1991 e 1998). […] Agora, a aprendizagem muda. Em vez de sermos prisioneiros de autores de livros-texto e de suas prioridades, escopos e sequência16, somos agentes livres que podem encontrar mais sobre um assunto que os autores sintetizaram, ou encontrar interpretações alternativas que eles não menciona-ram (ou com a qual concordam ou até mesmo consideram moral ou científico). Pode-mos mudar o assunto para adequá-lo ao nosso juízo de relevância para nossos próprios interesses e planos e podemos retornar mais tarde para um desenvolvimento padrão baseado no livro-texto. Podemos aprender como se tivéssemos acesso a todos esses textos e como se tivéssemos um especialista que pudesse nos indicar a maioria das referências entre tais textos. Temos agora que aprender a realizar formas mais com-plexas de julgamento e ganhamos muita prática fazendo isso.

16 Como diria Chartier (1994), dos protocolos de leitura de autores e de editores.

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22 multiletramentos na escola

Apesar de todas essas mudanças nos textos contemporâneos, os “novos” letramentos não são assim tão “novos”. Segundo Lemke, as

habilidades de autoria multimidiática e análise crítica multimidiática correspondem, de forma aproximada, a habilidades tradicionais de produção textual e de leitura crí-tica, mas precisamos compreender o quão estreita e restritiva foi, no passado, nossa tradição de educação letrada para que possamos ver o quanto a mais além do que estamos dando hoje os estudantes precisarão no futuro. Nós não ensinamos os alunos a integrar nem mesmo desenhos e diagramas à sua escrita, quanto menos imagens fo-tográficas de arquivos, videoclipes, efeitos sonoros, voz em áudio, música, animação, ou representações mais especializadas (fórmulas matemáticas, gráficos e tabelas etc.).

Ou seja, para Lemke — e concordo com ele —, não são as caracte-rísticas dos “novos” textos multissemióticos, multimodais e hipermidiá-ticos que colocam desafios aos leitores. Se assim fosse, nossas crianças e jovens nativos17 não teriam tanta facilidade e prazer na navegação. O desafio fica colocado pelas nossas práticas escolares de leitura/escrita que já eram restritas e insuficientes mesmo para a “era do impresso”.

Como funcionam então os multiletramentos?

Em qualquer dos sentidos da palavra “multiletramentos” — no sen-tido da diversidade cultural de produção e circulação dos textos ou no sentido da diversidade de linguagens que os constituem —, os estudos são unânimes em apontar algumas características importantes:

17 Prenski (2001) caracteriza os usuários das tecnologias digitais como “nativos” e “migrantes”, res-saltando o fato de que “os alunos de hoje — do maternal à faculdade — representam as primeiras gerações que cresceram com essa nova tecnologia. Eles passaram a vida inteira cercados de computadores, video games, tocadores de música digitais, câmeras de vídeo, telefones celulares, e todos os outros brinquedos e ferramentas da era digital. Em média, um aluno graduado atual passou menos de 5.000 horas de sua vida lendo, mas acima de 10.000 horas jogando video games (sem contar as 20.000 horas assistindo à televisão). Os jogos de computadores, e-mail, a internet, os telefones celulares e as mensagens instantâneas são partes integrais de suas vidas”. Enquanto nós outros — as gerações anteriores — de certa forma “migramos” para essa realidade e a ela tivemos de nos adaptar (<http:// depiraju.edunet.sp.gov.br/nucleotec/documentos/Texto_1_Nativos_Digitais_Imigrantes_Digitais.pdf>, acesso em 09/09/2011).

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pedagogia dos multiletramentos 23

(a) eles são interativos; mais que isso, colaborativos; (b) eles fraturam e transgridem as relações de poder estabelecidas,

em especial as relações de propriedade (das máquinas, das fer-ramentas, das ideias, dos textos [verbais ou não]);

(c) eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, mo-dos, mídias e culturas).

Assim sendo, o melhor lugar para eles existirem é “nas nuvens” e a melhor maneira de se apresentarem é na estrutura ou formato de redes (hipertextos, hipermídias). Vamos definir cada um desses termos?

Uma das principais características dos novos (hiper)textos e (multi)letramentos é que eles são interativos, em vários níveis (na interface, das ferramentas, nos espaços em rede dos hipertextos e das ferramentas, nas redes sociais etc.18). Diferentemente das mídias anteriores (impressas e analógicas como a fotografia, o cinema, o rádio e a tv pré-digitais), a mí-dia digital, por sua própria natureza “tradutora” de outras linguagens para a linguagem dos dígitos binários e por sua concepção fundante em rede (web), permite que o usuário (ou o leitor/produtor de textos humano) inte-raja em vários níveis e com vários interlocutores (interface, ferramentas, outros usuários, textos/discursos etc.). Se as mídias anteriores eram des-tinadas à distribuição controlada da informação/comunicação — aliás, a imprensa se desenvolveu em grande parte com esse fim —, a ponto de se falar, no caso das mídias, que elas foram destinadas às massas (rádio, tv) em vez de às elites (imprensa, cinema) na constituição de uma “indústria cultural” típica da modernidade, centralizada pelos interesses do capital e das classes dominantes e que colocava o receptor no lugar de consumidor dos produtos culturais, a mídia digital e a digitalização (multi)mídia que a mesma veio a provocar mudou muito o panorama.

Por sua própria constituição e funcionamento, ela é interativa, de-pende de nossas ações enquanto humanos usuários (e não receptores ou espectadores) — seu nível de agência é muito maior. Sem nossas ações, previstas, mas com alto nível de abertura de previsões, a interface e as

18 Ver Santaella (2007), a respeito.

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24 multiletramentos na escola

ferramentas não funcionam. Nessa mídia, nossas ações puderam, cada vez mais, permitir a interação também com outros humanos (em tro-cas eletrônicas de mensagens, síncronas e assíncronas; na postagem de nossas ideias e textos, com ou sem comentários de outros; no diá-logo entre os textos em rede [hipertextos]; nas redes sociais; em pro-gramas colaborativos nas nuvens). É por isso que o computador não é uma mera máquina de escrever, embora muitos migrados ainda o usem apenas como tal.

Essa característica interativa fundante da própria concepção da mí-dia digital permitiu que, cada vez mais, a usássemos mais do que para a mera interação, para a produção colaborativa. O conceito de web 2.0 tenta recobrir os efeitos dessa mudança. Criado por Tim O’Reilly, tem a seguinte definição na Wikipédia:

Web 2.0 é a mudança para uma internet como plataforma e um entendimento das re-gras para obter sucesso nessa nova plataforma. Entre outras, a regra mais importante é desenvolver aplicativos que aproveitem os efeitos de rede para se tornarem melhores quanto mais são usados pelas pessoas, aproveitando a inteligência coletiva (<http://

pt.wikipedia.org/wiki/Web_2.0>, acesso em 09/09/2011).

Essa mudança de concepção e de atuação, já prevista nas próprias características da mídia digital e da web, faz com que o computador, o celular e a tv cada vez mais se distanciem de uma máquina de re-produção e se aproximem de máquinas de produção colaborativa: é o que faz a diferença entre o e-mail e os chats, mas principalmente entre o Word/Office e o GoogleDocs, o PowerPoint e o Prezi, o Orkut (em sua concepção inicial) e o Facebook, o blog (em sua concepção ini-cial) e o Twitter ou o Tumblr. Todas essas ferramentas mais recentes permitem (e exigem, para serem interessantes), mais que a simples interação, a colaboração.

Ora, evidentemente, a lógica interativo-colaborativa das novas fer-ramentas dos (multi)letramentos no mínimo dilui e no máximo permite fraturar ou subverter/transgredir as relações de poder preestabelecidas, em especial as relações de controle unidirecional da comunicação e da informação (da produção cultural, portanto) e da propriedade dos “bens

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pedagogia dos multiletramentos 25

culturais imateriais” (ideias, textos, discursos, imagens, sonoridades). Não é preciso me alongar sobre a intensa luta que tem sido travada a respeito do (não)controle da internet e de seus textos19.

A possibilidade de criação de textos, vídeos, músicas, ferramentas, designs não unidirecionais, controlados e autorais, mas colaborativos e interativos dilui (e no limite fratura e transgride) a própria ideia de pro-priedade das ideias: posso passar a me apropriar do que é visto como um “fratrimônio” da humanidade e não mais como um “patrimônio”. Evidentemente, a estrutura em rede e o formato/funcionamento hiper-textual e hipermidiático facilitam as apropriações e remissões e funcio-nam (nos remixes, nos mashups), por meio da produção, cada vez mais intensa, de híbridos polifônicos. E claro: para permitir a colaboração, a interação e a apropriação dos ditos “bens imateriais” da cultura, o ideal é que tudo funcione nas nuvens, pois, nas nuvens, nada é de ninguém — tudo é nosso. Esta é a lógica do GoogleDocs, do Prezi, do YouTube, dentre outros. E onde estão as nuvens?

Fonte: <http://

pt.wikipedia.org/wiki/

Computa%C3%A7%C3%

A3o_em_nuvem#cite_

note-0>, acesso em 09/09/2011.

19 A ponto de existir um Partido Pirata Sueco (PP), que, em aliança com a Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, elegeu, em 2009, um deputado europeu, com 7% dos votos da Europa Unificada (<http://www.piratpartiet.se/>).

LAPTOPS

MONITORAMENTO

CONTEÚDOCOLABORAÇÃO

COMUNICAÇÃOFINANÇAS

ARMAZENAMENTODE OBJETOS

IDENTIDADE

RUNTIME DATABASEQUEUE

SERVIDORES

DESKTOPS

TABLETFONES

COMPUTADORARMAZENAMENTO

REDE

Infraestrutura

Aplicativo

Plataforma

Computação em nuvens

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2011

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26 multiletramentos na escola

Não faríamos uma pergunta dessas a respeito das nuvens naturais, faríamos?

Nuvem é um conjunto visível de partículas diminutas de gelo ou água em seu estado líquido ou ainda de ambos ao mesmo tempo (mistas), que se encontram em suspensão na atmosfera, após terem se condensado ou liquefeito em virtude de fenômenos atmos-féricos (<http://pt.wikipedia.org/wiki/Nuvem>, acesso em 09/09/2011).

Do mesmo modo, computação ou colaboração em nuvem é “um conjunto visível de bits e bytes que se encontram em suspensão na at-mosfera da web” e que, acessados, aparecem para nós como textos, imagens, vídeos, trabalhos colaborativos20. O melhor da computação em nuvem é que, embora dependa da ampliação, acesso e democra-tização das bandas de transmissão (mais ou menos o que aconteceu com o telefone, o rádio e a televisão, não foi?), ela passa a dispensar a propriedade, inclusive das máquinas, ferramentas e serviços. Posso acessar de qualquer lugar/dispositivo (meu ou não), sem ter de comprar os softwares ou mesmo de pagar provedor.

Por que uma “pedagogia dos multiletramentos”?

Bem, mas se, como já disse antes, os nossos alunos (as crianças e jovens do maternal à faculdade, como diz Prenski) já lidam visivel-mente, com muito mais fluência do que nós, migrados, com os novos dispositivos, tecnologias e ferramentas, por que incluir na escola algo que em muitos níveis as novas gerações já sabem? Por que uma “peda-gogia dos multiletramentos”? Para disciplinar seus usos?

Ao contrário: antes de nos perguntar como disciplinar os usos dos multiletramentos, creio, com Lemke (2010[1998]: s.d.), que “pre-cisamos pensar um pouco em como as novas tecnologias da infor-

20 Curiosamente, Vygotsky também usava a metáfora da nuvem, de (gotas de) chuva, para explicar o funcionamento dos significados nos discursos.

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pedagogia dos multiletramentos 27

mação podem transformar nossos hábitos institucionais de ensinar e aprender”. Em vez de impedir/disciplinar o uso do internetês na internet (e fora dela), posso investigar por que e como esse modo de se expressar por escrito funciona. Em vez de proibir o celular em sala de aula, posso usá-lo para a comunicação, a navegação, a pesquisa, a filmagem e a fotografia.

Para Lemke, há “dois paradigmas de aprendizagem e educação em disputa em nossa sociedade hoje e as novas tecnologias vão, acredito, mudar o equilíbrio entre eles significativamente” (Lemke, 1994b). O primeiro, ele denomina “paradigma de aprendizagem curricular: aque-le que assume que alguém decidirá o que você precisa saber e planejará para que você aprenda tudo em uma ordem fixa e em um cronograma fixo”. O segundo, ele chama de “paradigma da aprendizagem interati-va” (hoje, eu diria, colaborativa):

Assume-se que as pessoas determinam o que precisam saber baseando-se em suas participações em atividades em que essas necessidades surgem e em consulta a es-pecialistas conhecedores; que eles aprendem na ordem que lhes cabe, em um ritmo confortável e em tempo para usarem o que aprenderam.

O autor ainda afirma:

Hoje, o paradigma curricular está falhando desastrosamente nos Estados Unidos. Qualquer um que tenha gasto tempo em uma escola urbana, mesmo nas melhores, pode lhes dizer que as coisas vão pior do que os testes padrão e as estatísticas podem revelar. A maioria dos alunos realmente não vê utilidade naquilo que se quer que eles aprendam. Muitos sabem que não estão preparados para o programa de aprendi-zagem anual (Lemke, 2010[1998]: s.p.).

Vivemos em um mundo em que se espera (empregadores, profes-sores, cidadãos, dirigentes) que as pessoas saibam guiar suas próprias aprendizagens na direção do possível, do necessário e do desejável, que tenham autonomia e saibam buscar como e o que aprender, que tenham flexibilidade e consigam colaborar com urbanidade.

Queremos pessoas que sabem as coisas que querem saber e pessoas que sabem coi-sas que são úteis em práticas fora das escolas. Queremos pessoas que sejam pelo me-nos um pouco críticas e céticas quanto à informação e aos pontos de vista e tenham

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28 multiletramentos na escola

alguma ideia de como julgar suas convicções. Mas, além disso, não há consenso social geral sobre o conteúdo da educação para além do que poderia ser aprendido nos oito ou nove primeiros anos de escola e não há base de pesquisa empírica para decidir o que cada cidadão poderia de fato achar útil saber depois de deixar a escola (Lemke, 2010[1998]: s.p.).

Como disse antes — e nisso discordo de Lemke21 — são requeri-das uma ética e várias estéticas22 e aí se encontra um trabalho que a escola pode tomar para si: discutindo criticamente as “éticas” ou costumes locais, constituir uma ética plural e democrática; discutin-do criticamente as diferentes “estéticas”, constituir variados critérios críticos de apreciação dos produtos culturais locais e globais. Aqui, estamos no domínio das atitudes e valores, que também se aplicam às línguas (e suas variedades), às linguagens e suas combinações e às práticas letradas em suas variedades (e, logo, justifica-se uma área de línguas/linguagens nas escolas).

Isso envolve, é claro, letramentos críticos. E esse é outro espaço de atuação escolar: transformar o “consumidor acrítico” — se é que ele de fato existe — em analista crítico. E, para tanto, são necessários critérios analíticos que requerem uma metalinguagem (um conjunto de conceitos) e extraposição.

Como fazer uma “pedagogia” dos multiletramentos?

Em 1996[2000/2006], o GNL propõe alguns princípios sobre como encaminhar uma “pedagogia” dos multiletramentos. Esses princípios se encontravam então configurados no diagrama a seguir23:

21 Que acha que as “novas tecnologias da informação tornarão possível aos alunos aprender o que que-rem, quando querem, da forma como querem, sem as escolas”.22 Alguns diriam: são requeridas várias éticas e várias estéticas, mas nisso, sou intransigente — para mim, há que se pensar o bom e o justo coletivo.23 GNL (2000/2006[1996]: 35).

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MAPA DOS MULTILETRAMENTOS

Usuário funcional

• Competênciatécnica• Conhecimentoprático

Criador de sentidos

• Entendecomodiferentestiposdetextoedetecnologiasoperam

Analista crítico

• Entendequetudooqueéditoeestudadoéfrutodeseleçãoprévia

Transformador

• Usaoquefoiaprendidodenovosmodos

Adaptado de DECS & UniSA, 2006.

Resumidamente, tratava-se de formar um usuário funcional que ti-vesse competência técnica (“saber fazer”) nas ferramentas/textos/práti-cas letradas requeridas, ou seja, garantir os “alfabetismos” necessários às práticas de multiletramentos (às ferramentas, aos textos, às línguas/linguagens). Mas esse patamar, claramente, não basta a essa “pedago-gia”: a questão é alfabetismos funcionais para que (e em favor de quem).

O trabalho da escola sobre esses alfabetismos estaria voltado para as possibilidades práticas de que os alunos se transformem em criado-res de sentidos. Para que isso seja possível, é necessário que eles sejam analistas críticos, capazes de transformar, como vimos, os discursos e significações, seja na recepção ou na produção.

O GNL apresentava então alguns movimentos “pedagógicos” cor-respondentes a essas metas, para que tal ensino-aprendizagem pudesse ser levado a efeito:

• prática situada;• instrução aberta;

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• enquadramento crítico; • prática transformada.

Nesse caso específico, prática situada tem um significado particular bem específico, que remete a um projeto didático de imersão em prá-ticas que fazem parte das culturas do alunado e nos gêneros e designs disponíveis para essas práticas, relacionando-as com outras, de outros espaços culturais (públicos, de trabalho, de outras esferas e contextos). Sobre essas se exerceria então uma instrução aberta, ou seja, uma análi-se sistemática e consciente dessas práticas vivenciadas e desses gêneros e designs familiares ao alunado e de seus processos de produção e de recepção. Nesse momento é que se dá a introdução do que chamamos critérios de análise crítica, ou seja, de uma metalinguagem e dos con-ceitos requeridos pela tarefa analítica e crítica dos diferentes modos de significação e das diferentes “coleções culturais” e seus valores.

Tudo isso se dá a partir de um enquadramento dos letramentos crí-ticos que buscam interpretar os contextos sociais e culturais de cir-culação e produção desses designs e enunciados. Tudo isso visando, como instância última, à produção de uma prática transformada, seja de recepção ou de produção/distribuição (redesign)

Essa proposta didática é de grande interesse imediato e condiz com os princípios de pluralidade cultural e de diversidade de linguagens envolvidos no conceito de multiletramentos. Infelizmente, mais re-centemente, em confronto com o forte movimento reacionário atuante nos Estados Unidos e na Comunidade Europeia, denominado “Back to Basics”24, os autores julgaram necessário retroceder em suas propostas e substituíram esses quatro “gestos didáticos” pelos já tradicionais “ex-perimentar, conceitualizar, analisar e aplicar”25. Felizmente, no caso

24 Lobistas defendem que os estudantes devem cobrir um conteúdo específico e chegar a determinados resultados de aprendizagem, como uma proficiência básica em leitura, escrita e cálculo. Em vez de con-figurar o currículo de acordo com os interesses e talentos dos alunos, o propósito do movimento de avalia-ção padronizada é definir um núcleo de conhecimento e coagir as escolas a ensiná-lo” (<http://herinst.org/BusinessManagedDemocracy/education/curricula/return.html>, acesso em 09/09/2011).25 Ver, por exemplo, Cope e Kalantzis (2009).

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do Brasil, não nos vemos constrangidos a tanto, talvez por termos co-meçado há mais tempo (com a proposta paulo-freiriana, por exemplo).

Hoje, no Brasil, é não só perfeitamente possível, como desejável (e, de certa forma, desejada por uma grande parcela dos professores) a adoção de uma didática dessas. Sinto uma grande adesão dos docentes aos princípios que subjazem a esse tipo de concepção de educação. Nossos desafios não estão no embate com a reação, mas em como im-plementar uma proposta assim:

(a) o que fazer quanto à formação/remuneração/avaliação de pro-fessores;

(b) o que mudar (ou não) nos currículos e referenciais, na organi-zação do tempo, do espaço e da divisão disciplinar escolar, na seriação, nas expectativas de aprendizagem ou descritores de “desempenho”, nos materiais e equipamentos disponíveis nas escolas e salas de aula.

Mas esses gigantescos desafios parecem bem pequenos se de fato tivermos a adesão dos professores e alunos a essas ideias.

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