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GLAUCO GOMES DE MENEZES AMBIENTE PEDAGÓGICO COLABORATIVO DO PORTAL DIA-A DIA EDUCAÇÃO: ANÁLISE DO MODELO DIDÁTICO-TECNOLÓGICO Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profa. Dra. Tânia Maria Figueiredo Braga Garcia CURITIBA 2008

1 O PROFESSOR E A PRODUÇÃO DE SABERES

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  • GLAUCO GOMES DE MENEZES

    AMBIENTE PEDAGGICO COLABORATIVO DO PORTAL DIA-A DIA EDUCAO: ANLISE DO MODELO DIDTICO-TECNOLGICO

    Tese apresentada como requisito parcial obteno do grau de Doutor em Educao, Programa de Ps-Graduao em Educao, Setor de Educao, Universidade Federal do Paran. Orientadora: Profa. Dra. Tnia Maria

    Figueiredo Braga Garcia

    CURITIBA 2008

  • ii

    GLAUCO GOMES DE MENEZES

    AMBIENTE PEDAGGICO COLABORATIVO DO PORTAL DIA-A DIA EDUCAO: ANLISE DO MODELO DIDTICO-TECNOLGICO

    Tese apresentada como requisito parcial obteno do grau de Doutor em Educao, Programa de Ps-Graduao em Educao, Setor de Educao, Universidade Federal do Paran. Orientadora: Profa. Dra. Tnia Maria Figueiredo

    Braga Garcia

    CURITIBA 2008

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN SISTEMA DE BIBLIOTECAS

    COORDENAO DE PROCESSOS TCNICOS

    Menezes, Glauco Gomes de Ambiente pedaggico colaborativo do Portal Dia-a-Dia Educao : anlise do modelo didtico-tecnolgico / Glauco Gomes de Menezes. Curitiba, 2008. 188f. : il. algumas color., tabs. Inclui bibliografia Orientadora: Prof Dr Tnia Maria Figueiredo Braga Garcia Tese (doutorado) Universidade Federal do Paran, Setor de Educao, Programa de Ps-Graduao em Educao.

    1. Tecnologia da informao. 2. Professores - Formao. 3. Internet (Redes de computao). I. Garcia, Tnia Maria Figueiredo Braga. II. Universidade Federal do Paran. Setor de Educao. Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.

    CDD 371.3028

    Andrea Carolina Grohs CRB 9/1.384

  • MINISTERIO DA EDUCAC;:AO E DO DESPORTO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANA SETOR DE EDUCAC,:AO - UFPR PROGRAMA DE POS-GRADUA(:AO EM EDUCA(:AO

    PARECER

    Defesa de Tese de GLAUCO GOMES DE MENEZES para obtencao do Titulo de DOUTOR EM EDUCAC;Ao. Os abaixo-assinados, DRa TANIA MARIA FIGUEIREDO BRAGA GARCIA, DR. HILTON JOSE SILVA DE AZEVEDO, DRa

    MARIA TEREZA CARNEIRO SOARES, DRa MARIA AUXILIADORA MOREIRA DOS SANTOS SCHMIDT e DRa GISELE PINNA BRAGA argiiiram, nesta data, 0 candidato acima citado , 0 qual apresentou a seguinte Tese: "AMBIENTE PEDAGOGICO COLABORATIVO DO PORTAL DIA-A-DIA EDUCA

  • iii

    Cinthya, minha amada esposa, pois sem seu amor e companheirismo

    eu no teria iniciado esta jornada e, muito menos, chegado ao seu fim.

    minha to amada filhinha Maria Eduarda, que no auge da sabedoria de uma criana de dois anos, me fez entender que entre a raiz e a flor, h o tempo.

    minha me pedagoga e professora da escola pblica cujos passos,

    despercebidamente, segui.

    Ao meu irmo Basileu, por estar presente em todos os momentos.

  • iv

    AGRADECIMENTOS Professora Tnia Braga, brilhante orientadora e professora, e, acima de tudo, um exemplo do PROFESSOR que venho buscando me tornar. Dolinha, por ter acreditado no meu trabalho e me colocado no caminho desta pesquisa. Aos professores Hilton Jos Silva de Azevedo, Maria Auxiliadora Schmidt, Maria Tereza Carneiro Soares, Glaucia da Silva Brito e Gisele Pinna Braga pela leitura criteriosa desta tese, e pelas importantes contribuies e reflexes apresentadas. Secretaria de Estado da Educao do Paran, por ter autorizado a realizao desta pesquisa. Aos professores, servidores tcnico-administrativos e colegas do PPGE, pela convivncia profcua e respeitosa nestes ltimos quatro anos. Ao Claudio Dutra, pelo apoio dado na etapa de concluso deste trabalho. Adalnice Passos Lima, Luci Gohl, Bruno Zago e Gilson Rodrigo Woginski pela cuidadosa traduo. Lucilene Tavares Rocha pela amizade e reviso textual. Aos meus sogros, Shoji e Marilene, por terem acolhido a Cinthya e a Maria Eduarda nas noites de sexta-feira para que eu pudesse trabalhar nesta pesquisa. minha famlia, que apesar da minha ausncia, esteve sempre presente. Cinthya pela pacincia e amor infinitos. Maria Eduarda por compreender e perdoar minha ausncia. A todos os cidados brasileiros que, com o pagamento de seus impostos, ajudam a financiar Instituies de Ensino Superior pblicas e possibilitam que uma pesquisa como essa possa ser concluda e publicada.

  • v

    A tecnologia no nem boa, nem ruim

    e tambm no neutra.

    Melvin Kranzberg

  • vi

    SUMRIOLISTA DE ILUSTRAES.....................................................................................................vii LISTA DE TABELAS ............................................................................................................viii LISTA DE SIGLAS..................................................................................................................ix RESUMO.................................................................................................................................xi ABSTRACT............................................................................................................................xii INTRODUO .........................................................................................................................1 1 PROFESSORES, FORMAO CONTINUADA E PRODUO DO CONHECIMENTO ...8

    1.1 OS PROFESSORES E SEUS SABERES ................................................................. 13 1.2 O PROFISSIONAL REFLEXIVO................................................................................ 15 1.3 O PROFESSOR PRTICO-REFLEXIVO .................................................................. 20 1.4 O PROFESSOR-INVESTIGADOR ............................................................................ 24 1.5 EM DIREO IDIA DO PROFESSOR COMO PRODUTOR DO

    CONHECIMENTO...................................................................................................... 31 2 O PAPEL DO ESTADO NA DISSEMINAO DE POLTICAS DE UNIVERSALIZAO

    DE USO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAO E COMUNICAO .........................35 2.1 O PAPEL DO ESTADO NA UNIVERSALIZAO DA TECNOLOGIA E DE

    SEUS RECURSOS.................................................................................................... 40 2.2 INTERNET: NOVAS FORMAS DE PRODUZIR E DISSEMINAR O

    CONHECIMENTO...................................................................................................... 50 2.3 PROJETO BRA/03/036 EDUCAO BSICA E INCLUSO DIGITAL NO

    ESTADO DO PARAN .............................................................................................. 57 2.3.1 Caractersticas na Elaborao do Projeto BRA/03/036 EDUCAO

    BSICA E INCLUSO DIGITAL NO ESTADO DO PARAN............................. 59 2.3.2 Programa de Fortalecimento e Expanso dos Ncleos de Tecnologia

    Educacional......................................................................................................... 70 2 3.3 Modelo Colaborativo de Produo, Uso e Disseminao de Contedos

    Educacionais na Internet Implementado Portal Dia-a-Dia Educao .............. 77 3 A MEDIAO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAO E COMUNICAO EM

    AES DE FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES COM VISTAS PRODUO DE CONHECIMENTO..................................................................................84 3.1 O AMBIENTE PEDAGGICO COLABORATIVO COMO ESPAO DE

    SOCIALIZAO: OS ACESSOS E AS COLABORAES EFETUADAS ................ 86 3.2 PRESSUPOSTOS, FINALIDADES E ESTRUTURA DE FUNCIONAMENTO DO

    AMBIENTE PEDAGGICO COLABORATIVO........................................................ 101 3.2.1 O Ambiente Pedaggico Colaborativo: Finalidades e Objetivos....................... 104 3.2.2 O Ambiente Pedaggico Colaborativo e Seus Fundamentos: o CSCL ............ 107

    3.3 ANLISE DO MODELO DIDTICO-TECNOLGICO DO AMBIENTE PEDAGGICO COLABORATIVO ........................................................................... 122

    3.3.1 Tipo de Aprendizagem ...................................................................................... 129 3.3.2 Acompanhamento e Avaliao dos Processos de Produo dos

    Professores ....................................................................................................... 146 3.3.3 Tipo de Comunidade de Aprendizagem que o Sistema Possibilita................... 151 3.3.4 Natureza dos Contedos Produzidos pelos Professores, Enquanto

    Resultado do Processo de Formao Continuada Mediado pelas TIC ............ 156 CONCLUSES ....................................................................................................................164 REFERNCIAS....................................................................................................................180 ANEXOS...............................................................................................................................188

  • vii

    LISTA DE ILUSTRAES

    FIGURA 1 PGINA INICIAL DO PORTAL DIA-A-DIA EDUCAO .........................78 FIGURA 2 PGINA WEB DOS EDUCADORES........................................................78 GRFICO 1 COLABORAES EFETUADAS NOS OACS DE DISCIPLINAS DO

    ENSINO FUNDAMENTAL........................................................................97 GRFICO 2 COLABORAES EFETUADAS NOS OACS DE DISCIPLINAS DO

    ENSINO MDIO .......................................................................................98 FIGURA 3 O QUE O APC ....................................................................................102 FIGURA 4 CRIAO E EDIO DE CONTEDOS ...............................................103 FIGURA 5 VALIDAO DE CONTEDOS .............................................................103 FIGURA 6 SELEO DA COR DA TELA DE APRESENTAO DO OAC............111 FIGURA 7 TELA DE APRESENTAO DO OAC...................................................112 FIGURA 8 COLABORAO EFETUADA NO OAC ................................................118 FIGURA 9 INTERFACE DE PESQUISA DE OAC ...................................................119 FIGURA 10 RESULTADO DA PESQUISA ................................................................120 FIGURA 11 INTERFACE DE ENTRADA DE DADOS DO RECURSO

    RELATO...............................................................................................136 FIGURA 12 NORMATIZAO DA ENTRADA DE DADOS.......................................139 FIGURA 13 INTERFACE DE ENTRADA DE DADOS DO RECURSO

    STIOS .................................................................................................141 FIGURA 14 ENTRADA DE DADOS DAS FONTES DE VDEO ................................142 FIGURA 15 SELEO DE IMAGENS DO BANCO DE DADOS ...............................143 FIGURA 16 EXEMPLO DOS CRITRIOS DE VALIDAO UTILIZADOS NO

    RECURSO RELATO DE EXPRESSO...............................................148

  • viii

    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 POPULAO (%) COM MICROCOMPUTADOR E INTERNET NO DOMICLIO SEGUNDO UNIDADES FEDERADAS DO BRASIL E GRANDES REGIES 2001 2005 ......................................................38

    TABELA 2 POSIO DOS PASES POR NMERO DE USURIOS DA INTERNET 2005.......................................................................................................43

    TABELA 3 ACESSO INTERNET NA AMRICA DO SUL 2005 ..........................44 TABELA 4 PROFISSIONAIS DA EDUCAO SEGUNDO USO DA INTERNET,

    NVEL EDUCACIONAL DO PROFISSIONAL E AGRUPAMENTO OCUPACIONAL BRASIL 2005...........................................................45

    TABELA 5 PROFISSIONAIS DA EDUCAO SEGUNDO USO DA INTERNET, UNIDADE FEDERADA E GRANDES REGIES BRASIL 2005.........46

    TABELA 6 PROFISSIONAIS DA EDUCAO SEGUNDO FINALIDADES DE USO DA INTERNET, NVEL EDUCACIONAL DO PROFISSIONAL E AGRUPAMENTO OCUPACIONAL BRASIL 2005. % NO TOTAL DE PROFISSIONAIS EM CADA AGRUPAMENTO OCUPACIONAL............48

    TABELA 7 EVOLUO DO NMERO DE IES CREDENCIADAS PARA EDUCAO A DISTNCIA SEGUNDO CATEGORIA ADMINISTRATIVA...................84

    TABELA 8 PONTUAES DE ALGUMAS PRODUES RECONHECIDAS PELA SEED NA PROGRESSO FUNCIONAL DOS PROFESSORES DA REDE ESTADUAL DE EDUCAO BSICA DO ESTADO DO PARAN (RESOLUO 2008/2005).......................................................................88

    TABELA 9 NMERO DE ACESSOS AOS OACs ......................................................90 TABELA 10 MONITORAMENTO DO ENVIO DOS OACs PRODUZIDOS DURANTE A

    CAPACITAO........................................................................................93 TABELA 11 PUBLICAES NO AMBIENTE PEDAGGICO

    COLABORATIVO .....................................................................................95 TABELA 12 TAXONOMIAS INSTRUCIONAIS ..........................................................127 TABELA 13 QUADRO DESCRITIVO DE COMPARAO........................................127 TABELA 14 DESCRIO DAS CATEGORIAS DE ANLISE ...................................129

  • ix

    LISTA DE SIGLAS

    ABAT Acordo Bsico de Assistncia Tcnica

    ABC Agncia Brasileira de Cooperao

    ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas

    APC Ambiente Pedaggico Colaborativo

    ARPA Advanced Research Projects Agency

    ARPANET Advanced Research Projects Agency Network

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

    CETE Coordenao Estadual de Tecnologia na Educao

    CIA Central Intelligence Agency

    CPU Central Processing Unit

    CRTE Coordenao Regional de Tecnologia na Educao

    CSCL Computer Supported Collaborative Learning

    GNU GNU is Not Unix

    GPL General Public Licence

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IDH ndice de Desenvolvimento Humano

    Linux Linus for Unix

    MEC Ministrio da Educao

    MRE Ministrio das Relaes Exteriores

    NTE Ncleo de Tecnologia Educacional OAC Objeto de Aprendizagem Colaborativa

    PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios

    PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    PROINFO Programa Nacional de Informtica na Educao

    SABI Sistema de Acompanhamento e Banco de Itens

    SAE Sistema de Administrao da Educao

    SEED Secretaria de Estado da Educao do Paran

    TCP/IP Transmission Control Protocol / Internet Protocol

    TIC Tecnologias de Informao e Comunicao UCLA University of California

    UEL Universidade Estadual de Londrina

  • x

    UFPR Universidade Federal do Paran

    UGP Unidade Gestora do Projeto

    UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

    UNICENTRO Universidade Estadual do Centro-Oeste

    UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paran

  • xi

    RESUMO Relata pesquisa cujo objetivo discutir o papel das Tecnologias de Informao e Comunicao (TIC) mais especificamente do Ambiente Pedaggico Colaborativo do Portal Dia-a-dia Educao nos processos de formao continuada dos professores da Rede Estadual de Educao Bsica do Estado do Paran, a partir da perspectiva que busca re-situar a natureza do trabalho docente e do conhecimento escolar, considerando o professor como um produtor de conhecimento. Apresentam-se elementos para discutir o que e como devem aprender os professores para que se desenvolvam profissionalmente e produzam transformaes em suas prticas. Neste contexto, foram analisadas diferentes perspectivas tericas que buscam superar a perspectiva do racionalismo tcnico, que dissocia a atividade docente da produo de conhecimento e, portanto, distingue os processos de produo e transmisso como aes que so desenvolvidas em dois espaos especficos a universidade e a escola e que resultam do trabalho profissional de sujeitos distintos pesquisadores e professores (SCHN, 1983, 1995, 2000; LISTON; ZEICHNER, 1991; ZEICHNER, 1993; STENHOUSE, 1998; COCHRAM-SMITH; LYTTLE, 1993). Para contextualizar e localizar o caso particular em estudo, buscou-se examinar o contedo dos documentos oficiais que estruturaram a criao e implementao do Projeto BRA/03/036 EDUCAO BSICA E INCLUSO DIGITAL NO ESTADO DO PARAN. Esta anlise foi realizada luz de trs categorias organizadoras o papel do Estado na expanso das possibilidades de acesso da populao s TIC, particularmente Internet; o sentido atribudo s TIC; a natureza da funo atribuda aos professores no processo de implementao do Portal Dia-a-dia Educao. A partir desses elementos, a pesquisa foi direcionada anlise do modelo didtico-tecnolgico do Ambiente Pedaggico Colaborativo. Para esta anlise, a partir do conceito de design instrucional (FILATRO, 2004), foram adotadas quatro categorias, inspiradas em trabalhos produzidos na rea do design instrucional (REIGELUTH; MOORE, 1999): tipo de aprendizagem; acompanhamento e avaliao dos processos de produo dos professores; tipo de comunidade de aprendizagem que o sistema possibilita; natureza dos contedos produzidos pelos professores, enquanto resultado do processo de formao continuada mediado pelas TIC. Pode-se concluir que a proposta apresenta elementos para se afirmar que h possibilidades de avano especialmente pela socializao de conhecimentos. Mas pode-se tambm identificar os limites do modelo, particularmente derivada da reproduo de uma concepo didtica fundamentada na exposio de contedos e no na sua problematizao, que se associa, neste caso, a um modelo de formao de professores que, apesar de valorizar a prtica e a experincia, mantm a perspectiva da transmisso e reproduo e, portanto, mantm-se distanciado da idia de que os professores podem e devem produzir conhecimentos sobre o ensino. Palavras-chave: tecnologia e educao, formao continuada de professores, produo de conhecimento, design instrucional, ambiente pedaggico colaborativo.

  • xii

    ABSTRACT

    The aim of this work is to discuss the role of new technologies of information and communication (NTIC) at the pedagogical collaborative environmnent of the Portal Dia-a-Dia Educao as a tool of in-service professional development of teachers working in state compulsory education schools of Parana State Government. Starting from the perspective that tries to re-state the nature of teachers work and school knowledge and considering teachers as knowledge producers, this work presents elements that work as the basis of discussions of what and how teachers should learn in order to have professional development and ability to change their teaching performance. In this context, it was analysed different theoretical perspectives that try to overcome the technical rationalism that dissociates teaching activities from knowledge production, and so, that accepts production and transmission processes as actions that are developed in two specific places universities and schools and are the work result of two distinct professionals, researchers and teachers (SCHN, 1983, 1995, 2000; LISTON; ZEICHNER, 1991; ZEICHNER, 1993; STENHOUSE, 1998; COCHRAM-SMITH; LYTTLE, 1993). In order to contextualize and settle this specific case study, the content of official documents that structured the creation and implementation of the Project BRA/03/036 Basic Education and Digital Inclusion at the Parana State was examined. The analysis was conducted under three aspects of organization - the role of State Government in the expansion of NTIC accessibility, mainly the Internet, for the majority of population; the meaning given to NTIC; and the nature of the teachers role in the implementation process of the Portal Dia-a-Dia Educao that worked as the basis of the analysis of the didactic and technological model of the pedagogical collaborative environment. To accomplish this analysis under the concept of instructional design (FILATRO, 2004), four categories used in the area of instructional design studies were applied (REIGELUTH; MOORE, 1999): the type of learning; the follow up and evaluation of the production processes of the teachers; the type of learning community that the system make possible; the nature of the contents produced by the teachers as a result of the process of formation conducted by TIC. To conclude, the pedagogical collaborative environmnent of the Portal Dia-a-Dia Educao as a tool of in-service professional development of teachers has elements that enable to say that it is possible to reach some progress, especially in knowledge socialization. On the other hand, this research was able to identify limits of this model, mainly the ones related to the reproduction of a didactic conception based on the content exposition not on problem solving, associated in this research to a model of teacher professional development that, even though giving importance to teaching practice and experience, maintains the perspective of transmission and reproduction and then, it is far from the idea that teachers can and have to produce knowledge about teaching. Key-words: technology and education, in-service development of teachers, knowledge production, instructional design, pedagogical collaborative environmnent.

  • 1

    INTRODUO

    O desenvolvimento dos sistemas nacionais de educao e de ensino foi

    acompanhando de um processo de institucionalizao da formao de professores. Como

    afirma GARCA (2005, p. 72), ao longo do sculo XIX e fundamentalmente no sculo XX,

    a exigncia social e econmica de uma mo-de-obra qualificada para atuar nas escolas

    se tornou cada vez maior.

    Da responsabilidade de ordens religiosas para o Ensino Normal e as Licenciaturas,

    j realizados em instituies especficas, com pessoal especializado e com currculos

    prprios para formar professores, h um longo caminho de produo de normas e de

    modelos que revelam a compreenso que as sociedades tm tido sobre a natureza dessa

    profisso e seu exerccio, bem como sobre os conhecimentos que devem ser ensinados

    aos professores para que eles, tambm, possam ensinar.

    Em decorrncia dessas questes, ainda segundo GARCA (2005, p. 12), a

    formao de professores foi se transformando em uma rea especfica de conhecimentos

    e investigao uma rea disciplinar em desenvolvimento, segundo o autor que se

    dedica ao estudo de questes relacionadas, tanto aos processos de formao inicial,

    como de formao continuada.

    Desde a dcada de 1980, o papel do professor como produtor de conhecimento

    vem sendo discutido a partir de diferentes perspectivas tericas, entre as quais esta tese

    prioriza trs, a saber: o profissional reflexivo (SCHN, 1983, 1995, 2000); o professor

    prtico-reflexivo (LISTON; ZEICHNER, 1991; ZEICHNER, 1993); o professor-investigador

    (STENHOUSE, 1998). Estes autores so convidados a um dilogo que busca debater a

    natureza do trabalho realizado pelos professores, enquanto profissionais, trazendo

    questes relacionadas dissociao entre a atividade docente e a produo do

    conhecimento enraizada na distino entre a produo e transmisso e a

    configurao da formao docente como pertencente ordem da prtica.

    Os estudos de SCHN (1983, 1995, 2000) problematizam a importncia da

    prtica e dos processos reflexivos na atividade docente. Segundo este autor, o

    conhecimento-na-ao, a reflexo-na-ao e a reflexo-sobre-a-ao so elementos

    apontados como inerentes ao perfil do profissional reflexivo, e tambm, considerados

    como pertinentes s expectativas da formao pessoal e profissional do professor

    contemporneo.

    Estas teorias so adotadas por ZEICHNER (1991, 1993), que as discute na

    perspectiva especfica da atividade docente, em estudos que exploram as concepes de

  • 2

    conhecimento dos professores, que, segundo o autor, caracterizam-se enquanto

    profissionais que no so valorizados por seus conhecimentos, sejam eles cotidianos ou

    constitudos.

    Ambos os autores exerceram forte influncia nas discusses sobre a formao de

    professores no Brasil, contribuindo para a difuso do conceito de professor-reflexivo. A

    valorizao do conhecimento prtico dos professores ganhou espao nos debates do

    campo, apoiada na idia de uma epistemologia da prtica que, se por um lado foi aceita

    com facilidade em muitos espaos, por outro lado gerou reaes e crticas contundentes,

    (PIMENTA, 2005; SACRISTN, 2005; LIBNEO, 2005), destacadas, nesta tese, para

    problematizar a concepo de professores prticos-reflexivos.

    Outro conceito que tem sido enfatizado nos debates sobre a formao de

    professores o de professor-investigador (como em STENHOUSE, 1998), que considera

    a idia da participao efetiva dos professores, nos processos de pesquisa cientfica,

    como necessria para obteno de melhores resultados na sua utilizao em ambientes

    escolares. O autor representa uma posio mais avanada na compreenso de que os

    conhecimentos da prtica necessitam ser examinados pelos prprios professores em

    aes de investigao, o que conduziu suas discusses e seus projetos para um esforo

    de aproximao entre os pesquisadores e os professores, aspecto relevante para a

    compreenso da natureza dos conhecimentos necessrios aos docentes.

    A problematizao da natureza do conhecimento necessrio formao de

    professores no mundo contemporneo foi acrescida, particularmente nas ltimas

    dcadas, de um novo elemento a presena das Tecnologias de Informao e

    Comunicao. De incio, as preocupaes se voltavam mais especificamente para o uso

    dessas tecnologias pelos professores, para ensinar as novas geraes estas j

    nascidas em um mundo marcado pela presena de recursos e linguagens decorrentes

    dos avanos tecnolgicos.

    No entanto, ainda que essas questes permaneam em pauta, hoje as

    Tecnologias de Informao e Comunicao tambm se tornaram um caminho para a

    formao inicial e continuada de professores, em processos que so chamados

    genericamente de Educao a Distncia produzindo uma expanso significativa de

    cursos ofertados pela iniciativa privada e tambm pelas instituies pblicas, o que abre

    novos campos de debate e investigao dentro do tema da formao docente.

    Nesse campo constante teoricamente no primeiro captulo da tese que se

    situa a investigao realizada que originou a tese de doutoramento ora apresentada. O

    projeto inicial surgiu em decorrncia da histria acadmica do pesquisador que, egresso

  • 3

    da rea de cincias exatas, passou a desenvolver, no incio dos anos 1990, sistemas em

    multimdia interativa para fins educacionais. Esta atividade gerou interesse em

    compreender as questes relacionadas aos processos de ensino e aprendizagem,

    levando-o a cursar pedagogia e, no ano seguinte, a ingressar no mestrado em tecnologia

    da Universidade Tecnolgica Federal do Paran.

    Durante o curso de mestrado, foi realizada uma pesquisa que se props a

    demonstrar o potencial que as Tecnologias de Informao e Comunicao apresentavam

    em relao aos processos avaliativos em cursos ministrados na modalidade de educao

    distncia, destacando-se as discusses sobre o conceito de Aprendizagem Colaborativa

    Suportada por Computador (em ingls CSCL - Computer Supported Collaborative

    Learning).

    No incio de 2003, na coordenao geral do Portal Dia-a-dia Educao da

    Secretaria de Estado da Educao do Paran, coordenou os trabalhos de concepo,

    desenvolvimento e implementao do Ambiente Pedaggico Colaborativo, que introduziu

    no mbito da educao pblica do Estado do Paran os conceitos do CSCL, adotados

    em atividades articuladas aos processos de formao continuada de professores da Rede

    Estadual de Educao Bsica do Estado do Paran.

    A natureza desse trabalho desenvolvido provocou questionamentos acerca dos

    limites e das possibilidades que a publicao de contedos no Ambiente Pedaggico

    Colaborativo poderia representar nos processos de produo de conhecimento pelos

    professores da educao bsica, tema que originou um projeto de apresentado ao

    Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Federal do Paran para

    buscar responder a algumas questes inicialmente formuladas: a participao de

    professores como autores e interlocutores em Ambientes Pedaggicos Colaborativos,

    pblicos e livres, poder contribuir para um novo tipo de cultura escolar? possvel, a

    partir do uso desses sistemas de produo, mediadas por computador e em processos

    colaborativos, produzir uma nova qualidade de saberes e prticas escolares?

    Os estudos desenvolvidos no decorrer de seu percurso acadmico permitiram

    constituir um caminho terico que contemplasse as discusses acerca da idia do

    professor como produtor de conhecimento questo essencial para a conduo desta

    pesquisa articulando-o com o uso das Tecnologias de Informao e Comunicao no

    contexto educacional, permitindo assim estabelecer reflexes acerca do potencial

    apresentado pelos meios tecnolgicos, na sistematizao e socializao dos

    conhecimentos produzidos pelos professores da educao bsica.

  • 4

    Como j foi apontado anteriormente, as Tecnologias de Informao e

    Comunicao no devem ser consideradas pelos professores apenas como um novo

    recurso didtico para ser utilizado nos processos de ensino de seus alunos, mas tambm,

    e principalmente, como um meio capaz de mediar os seus processos de formao

    continuada, ou seja, como um recurso que pode ser utilizado tambm para sua prpria

    aprendizagem.

    Alm disso, possibilitam o compartilhamento e a distribuio de um grande

    nmero de informaes, pois o atual cenrio tecnolgico representa uma grande

    possibilidade de ampliao dos conhecimentos, j que como essas tecnologias

    intelectuais, sobretudo as memrias dinmicas, so objetivadas em documentos digitais

    ou programas disponveis na rede (ou facilmente reproduzveis e transferveis), podem ser

    compartilhadas entre numerosos indivduos, e aumentam, portanto, o potencial de

    inteligncia coletiva dos grupos humanos (LVY, 1999, p. 157).

    Alm de possibilitar o compartilhamento de documentos digitais com um grande

    nmero de indivduos, as Tecnologias de Informao e Comunicao tambm possibilitam

    constituio de novas comunidades de aprendizagem, que passam a se tornar mais

    complexas, desterritorializadas e intensamente ampliadas. Estas novas estruturas so

    denominadas de comunidades virtuais. (RHEINGOLD, 1996)

    Com tais elementos e assumindo a perspectiva terico-metodolgica de um estudo

    de natureza qualitativa que privilegia a lgica da descoberta (LESSARD-HBERT;

    GOYETTE; BOUTIN, 1994), a pesquisa foi reestruturada na direo de buscar respostas

    para duas grandes questes, que necessitam ser debatidas no campo educacional e,

    particularmente, no campo da formao de professores e das prticas escolares:

    possvel estruturar, com o apoio das Tecnologias de Informao e Comunicao, formas

    de produo compartilhada de conhecimentos relacionados ao ensino, nas quais os

    professores das redes pblicas sejam reconhecidos como produtores de conhecimento?

    Em que condies essas novas formas tm sido incorporadas pela cultura escolar?

    A focalizao gradual do objeto, especialmente aps o exame de qualificao,

    conduziu delimitao a partir do caso particular no qual se desenvolveu o estudo

    emprico, estabelecendo-se ento como questes a serem respondidas na pesquisa: o

    modelo implementado no Portal dia-a-dia Educao, particularmente no que se refere ao

    Ambiente Pedaggico Colaborativo, pode contribuir para que os professores da educao

    bsica produzam conhecimentos, na perspectivas de constituio de redes de

    aprendizagem colaborativa? Que limites e possibilidades podem ser apontadas a partir da

    anlise desse modelo?

  • 5

    Partindo da pressuposio de que as Tecnologias de Informao e Comunicao

    apresentam caractersticas que podem representar uma nova maneira de promover

    mudanas significativas nas formas como so propostos os processos de formao

    continuada de professores, na perspectiva de entend-los como produtores de

    conhecimento, foi necessrio ento examinar as condies de acesso a meios fsicos e

    lgicos capazes inserir os sujeitos neste novo contexto tecnolgico.

    Sendo assim, considerou-se como pertinente e necessrio discutir o papel do

    Estado nesta conjuntura, pois o Ambiente Pedaggico Colaborativo modelo em estudo

    nesta pesquisa deve ser examinado como parte integrante do Projeto BRA/03/036

    EDUCAO BSICA E INCLUSO DIGITAL NO ESTADO DO PARAN, bem como a

    partir dos documentos oficiais emitidos pela Secretaria de Estado da Educao do

    Paran. Tais anlises permitiram estabelecer a comparao entre a conduo dos

    trabalhos de desenvolvimento e de implementao da proposta na Rede Estadual de

    Educao Bsica do Estado do Paran efetuados pela equipe de planejadores do

    projeto e os objetivos propostos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),

    organismo internacional responsvel pelo financiamento deste projeto.

    Nesses documentos, pode-se captar o papel que o Estado assumiu na expanso

    das condies de acesso das escolas estaduais s redes, as finalidades do Portal, bem

    como o significado que tais documentos atribuem s tecnologias nos processos

    educativos e ao papel que os professores desempenham nesses processos. Reafirmando

    a posio de autores, como CASTELLS (2000), de que O Estado cumpre papel relevante

    nos processos de condies objetivas para a constituio de redes ou comunidades entre

    os professores relembrando-se que de aes governamentais nasceu a Internet foi

    possvel estruturar o segundo captulo da tese.

    Nesse captulo, portanto, alm de problematizar as relaes entre Estado e

    expanso das Tecnologias de Informao e Comunicao, foram apresentados dados

    nacionais que permitem traar um quadro das condies de acesso s redes por parte

    dos professores, no sentido de verificar algumas relaes entre os resultados

    quantitativos obtidos no Estado do Paran com a implantao do Ambiente Pedaggico

    Colaborativo.

    Tambm foram apresentados e problematizados elementos que compem o

    Projeto BRA/03/036, destacando-se a anlise de contedo para verificar concepes

    expressas pelos planejadores quanto presena das tecnologias nos processos

    educativos, quanto s estruturas hierarquizadas que so fortalecidas no sistema para

    atender a incluso das escolas e quanto ao papel atribudo aos professores. Esses

  • 6

    elementos permitiram a construo de referenciais para o encaminhamento das anlises

    especficas do Ambiente Pedaggico Colaborativo.

    O terceiro captulo, portanto, dirigiu-se ao exame desse espao virtual, a partir de

    sua caracterizao e de dados referentes aos processos de produo de Objetos de

    Aprendizagem Colaborativa, destacando-se o nmero de colaboraes efetuadas em

    todas as disciplinas do ensino fundamental e do ensino mdio. Agregadas s anlises das

    estruturas criadas no Ambiente Pedaggico Colaborativo para a participao dos

    professores na produo de contedos, esses elementos permitiram identificar e

    apresentar os limites e as possibilidades da proposta.

    nesse ponto que se acredita ter sido possvel avanar na compreenso do

    modelo implementado. A partir do conceito de design instrucional, defendido por FILATRO

    (2004), definiu-se o conjunto de categorias que permitiria ao pesquisador indicar, ao final,

    as finalidades que esto expressas, no nos documentos, mas na prpria estrutura criada

    para que os professores, em um programa de formao continuada, aprendessem a partir

    da produo de contedos para a Internet, na perspectiva de um projeto colaborativo,

    mediado pelas Tecnologias de Informao e Comunicao.

    As categorias de anlise baseadas no conceito de design instrucional foram

    construdas com apoio dos trabalhos de REIGELUTH e MOORE (1999) que, ao

    constatarem a existncia de uma multiplicidade de teorias instrucionais dedicadas a

    buscar compreender e discutir o domnio cognitivo desenvolveram um quadro categorial

    que permitisse aos leitores construrem suas prprias compreenses acerca de cada uma

    das teorias educacionais utilizadas, para que assim pudessem compar-las entre si.

    Tendo, portanto, o objetivo de verificar em que medida o modelo didtico-

    tecnolgico do Ambiente Pedaggico Colaborativo contribui para a constituio de espao

    virtual de aprendizagem de professores, com caractersticas de uma rede ou comunidade

    que produz conhecimentos sobre o ensino, foram adotadas quatro categorias de anlise:

    tipo de aprendizagem que busca identificar os tipos de aprendizados que so solicitados e propiciados pela estrutura disponibilizada aos professores;

    acompanhamento e avaliao dos processos de produo dos professores que tem o objetivo de explicitar quem so os sujeitos que definem os objetivos e a qualidade

    do trabalho realizado; tipo de comunidade de aprendizagem que o sistema possibilita, que visa demonstrar como so realizados os agrupamentos de professores-autores, bem como a natureza participativa deste trabalho (individual ou em grupo);

    natureza dos contedos produzidos pelos professores, enquanto resultado do

  • 7

    processo de formao continuada mediado pelas TIC, com vistas a identificar o tipo e a natureza do conhecimento solicitado aos professores.

    Estas categorias de anlise permitiram trazer algumas respostas para as questes formuladas, e, finalmente, defender a tese de que possvel, em atividades de

    formao continuada de professores, mediadas por computador e em processos

    colaborativos estimular os professores a superarem a dicotomizao entre ensino e

    pesquisa e atuarem como produtores de conhecimento sobre o ensino, desde que os

    modelos didtico-tecnolgicos sejam estruturados a partir de outra concepo didtica,

    que tome como caracterstica do conhecimento escolar a epistemologia de cada cincia

    que se ensina, em forma de disciplina escolar.

    O texto da tese, portanto, foi construdo para apresentar a trajetria da pesquisa

    de forma que, ao final, fosse possvel identificar a argumentao construda pelo

    pesquisador para sustentar essa afirmao, tomando-se como elementos de

    problematizao e anlise aqueles que esto presentes no modelo de estrutura didtico-

    tecnolgica em um caso particular examinado o Ambiente Pedaggico Colaborativo do

    Portal Dia-a-dia Educao da Secretaria de Estado da Educao do Paran.

    Nas concluses, foram destacados os avanos que tal proposta anuncia, e foram

    tambm levantados alguns pontos que merecem investigaes especficas, relembrando-

    se aqui que devido ao pouco tempo de implementao da proposta recomenda-se

    estudos de acompanhamento para que se possa compreender as transformaes que a

    presena desse modelo na sua formatao atual ou em outras formas pode provocar

    nas relaes entre os professores e o conhecimento, nos processos de desenvolvimento

    profissional.

  • 8

    1 PROFESSORES, FORMAO CONTINUADA E PRODUO DO CONHECIMENTO

    Desde o surgimento da profisso docente, essa atividade caracterizou-se

    eminentemente pelo ensino de conhecimentos especficos em determinadas reas. Para

    SCHN (1983, p. 31), a diferenciao entre ensino e pesquisa se estabelece a partir do

    final do sculo XIX (auge da filosofia Positivista), com a atribuio do desenvolvimento da

    cincia s universidades modernas. Neste contexto, fortaleceu-se a idia de que a cincia

    deveria criar tecnologia para fins humanos, fazendo assim com que as profisses

    passassem a ser consideradas como veculos de aplicao das novas cincias em

    benefcio do progresso humano.

    CONTRERAS (2002, p. 90-92) considera que esta perspectiva promove

    diferentes nveis de status social e acadmico, pois o racionalismo tcnico prev a

    soluo instrumental de problemas mediante a aplicao de conhecimentos tericos

    derivados da pesquisa cientfica, estabelecendo assim, uma relao de dependncia

    entre a atuao docente em suas atividades de ensino e a elaborao dos conhecimentos

    bsicos produzidos em outro contexto institucional, pelas atividades de pesquisa.

    Nesta perspectiva, quanto maior a proximidade do sujeito em relao cincia

    bsica, maior seria seu status acadmico, pois este tipo de conhecimento passa a ser

    socialmente privilegiado. Sendo assim, pode-se entender a presena de uma tendncia,

    na sociedade, em desvalorizar os conhecimentos profissionais ensinados nas escolas,

    uma vez que seriam apenas conhecimentos de ordem prtica, para a execuo de

    determinadas atividades que se relacionam ao exerccio de uma profisso especfica.

    Segundo SCHN (2000, p. 20), esta perspectiva parte do pressuposto de que ...

    a pesquisa acadmica rende conhecimento profissional til e de que o conhecimento

    profissional ensinado nas escolas prepara os estudantes para as demandas reais da

    prtica. Para este autor, h uma diferena significativa entre os conceitos de

    conhecimento profissional til e conhecimento profissional ensinado nas escolas.

    Enquanto o primeiro se refere aos conhecimentos desenvolvidos a partir de pesquisas

    cientficas, que so incorporados pela sociedade, propiciando avanos significativos em

    diferentes reas do conhecimento humano, o segundo se refere aos contedos ensinados

    pelo professor na sala de aula e que tero aplicao prtica no cotidiano dos alunos.

    Ao analisar esta situao, SCHN (2000, p. 20), afirma que a viso dicotmica

    estabelecida entre pesquisa acadmica e conhecimento profissional est sendo cada vez

    mais questionada, pois se por um lado a escola critica os pesquisadores acusando-os de

    no conseguirem atender s suas demandas com conhecimentos que possam ser

    considerados teis e exeqveis, por outro lado h a percepo dos pesquisadores de que

  • 9

    existe um distanciamento entre a concepo de conhecimento profissional e as

    competncias necessrias aos profissionais no campo de aplicao.

    As questes at aqui anunciadas relacionam-se, portanto, a dois elementos de

    caracterizao da natureza do trabalho realizado pelos professores, enquanto

    profissionais, e que tm sido objeto de intensos debates: a dissociao entre a atividade

    docente e a produo do conhecimento enraizada na distino entre a produo e

    transmisso e a configurao da formao docente como pertencente ordem da

    prtica.

    As pesquisas de SCHN (2000, p. 95) apontam para a rigidez conceitual dessa

    perspectiva, que impossibilita a compreenso de aspectos prticos que no se relacionem

    aplicao de regras definidas para alcanar objetivos j previstos. E destaca a

    necessidade de superao da concepo sustentada no conceito de racionalidade

    tcnica, que considera a profisso docente como o domnio tcnico demonstrado na

    resoluo de problemas, nas tcnicas de organizao e de conduta, e na avaliao da

    aprendizagem dos alunos, ou seja, na aplicao racional de conhecimentos adequados

    ao ensino das habilidades necessrias para o uso concreto e prtico do conhecimento

    bsico e aplicado.

    Outros autores (LISTON; ZEICHNER, 1991; ZEICHNER, 1993; STENHOUSE,

    1998; TARDIF, 2002; DAY, 2005; CHARLOT, 2005; PIMENTA, 2005; LIBNEO, 2005)

    tambm vm debatendo essa temtica que, na sua essncia, envolve a problematizao

    da natureza da profisso docente e dos processos de formao profissional.

    Nas ltimas dcadas do sculo XX, dentro do campo da formao de professores,

    tm sido enfaticamente debatidos e criticados os modelos que entendem o professor

    como mero reprodutor ou transmissor de conhecimento. Em direo contrria, autores de

    diferentes pases vm trazendo contribuies que, embora sustentadas por diferentes

    perspectivas, confluem para a idia de que os professores so detentores de

    conhecimentos especficos que so mobilizados no ensino e, tambm, que eles so

    produtores de conhecimentos.

    No Brasil, as reformas educativas ocorridas especialmente nas trs ltimas

    dcadas enfatizam o papel dos professores para que as transformaes desejadas

    aconteam efetivamente nas salas de aula e, para isso, os sistemas organizam cursos

    nos quais, de diferentes formas, os professores so treinados ou capacitados em

    programas de formao continuada, para implementar tais reformas. Essa concepo de

    formao docente tem sido questionada e criticada, como na perspectiva apontada por

    GARCIA e SCHMIDT:

  • 10

    Tais reformas tm-se caracterizado por um movimento que toma o currculo como "entidade", corporifica-o como norma e documento, e projeta a possibilidade de que ele se constitua tambm em gerador de novas prticas, no interior da escola. Desse ponto de vista, pode-se compreender a frustrao ou o espanto do dirigente educacional ou do poltico que, tendo determinado a produo da proposta curricular mais avanada, se obriga a afirmar que, apesar dela, o ensino no vai bem, por que os professores precisam aprender a ensinar dessa forma mais avanada e precisam de "capacitao". (GARCIA; SCHMIDT, 2001, p. 147) Para as autoras, trata-se de um equvoco que relaciona, de uma forma

    mecanicista e simplista, os saberes a serem ensinados com os saberes efetivamente

    ensinados, (GARCIA; SCHMIDT, 2001, p. 147) e que coloca nos cursos de capacitao

    de professores a expectativa de soluo dos problemas educacionais.

    A perspectiva de anlise dessas autoras se sustenta na pressuposio de que a

    mediao didtica, exercida pelos professores ao ensinar, uma ao que envolve a

    produo do conhecimento. Longe de ser uma mera aplicao de tcnicas produzidas em

    outras instncias ou nveis, a ao do professor exige entre outros um alto grau de

    conhecimento dos contedos e mtodos especficos da cincia que deseja ensinar.

    Assim, o debate sobre a formao inicial e continuada de professores, para

    GARCIA e SCHMIDT (2001), se coloca como um dos elementos essenciais para a

    compreenso do papel que se atribui a esses profissionais, na sociedade contempornea,

    bem como para a defesa de uma formao acadmica em profundidade para todos os

    professores.

    Tradicionalmente, no entanto, os projetos de capacitao so planejados e

    executados por grupos de especialistas que estabelecem uma programao que

    consideram pertinente e adequada s exigncias em um determinado momento histrico.

    Estas capacitaes caracterizam-se, em geral, por reunir grandes grupos de docentes,

    que se restringem a ouvir sobre a ao pedaggica, cabendo a eles a reproduo da

    proposta anunciada (BEHRENS, 1996, p. 133).

    Essa autora aponta, tambm, que programas de formao continuada que

    valorizem a resoluo de problemas reais, contando com o apoio dos professores e

    ocorrendo dentro do espao da escola, constituem-se em uma nova perspectiva da

    formao docente, que busca promover a negociao entre os pares de trabalho coletivo

    e estudo de casos elaborados pelos prprios docentes.

    Tem-se aqui, portanto, uma perspectiva que valoriza a posio dos professores e

    de suas prticas na estruturao das aes de formao continuada. preciso,

    entretanto, enfatizar que a idia de um processo permanente de formao profissional de

    professores no est ainda fortemente universalizada nos diferentes sistemas de ensino.

  • 11

    Essa questo destacada por DAY (2005, p. 167), ao apontar que,

    historicamente, nenhum pas europeu registrou iniciativas em estabelecer polticas que

    contemplassem a formao dos professores durante toda sua carreira, visando seu

    desenvolvimento profissional contnuo. Os dados que se discute foram extrados do

    European Yearbook of Comparative Studies in Teacher Education 1994 (SANDER1,

    apud DAY, 2005, p. 167), e indicam que nos 21 pases mais representativos, os recursos

    foram direcionados a programas de capacitao inicial do professorado. Segundo esse

    estudo, a formao continuada era voluntria (ustria), no estava coordenada

    (Dinamarca, Itlia e Espanha), no estava conceituada como tal (Blgica, Frana, Pases

    Baixos), estava dominada por cursos impostos por rgos de controle (Portugal e Reino

    Unido).

    Segundo HAWLEY e HAWLEY2, citado por DAY (2005, p. 167), na Amrica do

    Norte a formao continuada dos professores depende da motivao e do compromisso

    de cada pessoa com relao ao seu desenvolvimento e sua carreira profissional.

    No Japo se prioriza o desenvolvimento colegiado e cooperativo, que se

    desenvolve por meio de redes profissionais, nas quais o papel dos companheiros

    influencia muito a formao continuada (SHIMAHARA3, apud DAY, 2005, p. 167).

    Nesse contexto descrito, DAY enfatiza o fato de que a formao continuada tem

    sido alterada de forma inequvoca pelas reformas levadas a efeito pelos Governos dos

    diferentes pases. Isso tem significado, entre outras coisas, que diferentemente do que

    ocorria quando era uma questo de escolha individual, essas atividades passaram a ser

    um requisito, uma exigncia dos sistemas. Essa conseqncia manifesta tambm uma

    tendncia a considerar o desenvolvimento como um treinamento que pode ser feito por

    meio de episdios curtos e intensos, e planejados no intuito de implementar as polticas

    impostas pelos rgos diretivos, e que aponte para a transformao do professor em

    mero funcionrio, com a responsabilidade de difundir acriticamente conhecimentos e

    destrezas.

    Nesta perspectiva, DAY (2005, p. 168) considera que apesar de proporcionar

    maiores oportunidades de formao aos docentes, a formao continuada, entendida

    nessa abordagem, tambm pode promover: menos oportunidades de uma aprendizagem

    ampla; menos opes acerca do que aprendem; menos apoio para estudar, a menos que

    pertenam a algum grupo de estudos.

    1 SANDER, T. Current changes and challenges in european teacher education: european yearbook of comparative studies in teacher education. Blgica: Nijs-Herrent, 1994 2 HAWLEY, C. A.; HAWLEY, W. D. Peabody journal of education, v. 72, n. 1, p. 234-245.

  • 12

    A apresentao sucinta desses elementos cumpre, aqui, a funo de indicar a

    presena de uma problemtica relevante para o debate sobre o que devem aprender os

    professores e como devem aprender para que se desenvolvam profissionalmente.

    Essa questo tem recebido diferentes respostas elaboradas por autores de diferentes

    pases, que muitas vezes so complementares e poucas vezes tm se colocado em

    confronto e oposio.

    Constituiu-se um certo consenso, nas ltimas dcadas, sobre a idia de superar o

    conceito de racionalidade tcnica, na busca de razo da prtica, com modelos de

    formao continuada ancorados nas reflexes sobre o fazer docente, no entanto, h

    diferentes perspectivas sobre a prpria idia da profissionalidade, no caso dos

    professores, contemporaneamente, que resultam em diferentes formas de problematizar

    tanto os conhecimentos necessrios ao desses profissionais, quanto os modos pelos

    quais eles aprendem a ser professores, seja na formao inicial ou na formao

    continuada.

    Tambm se construiu um forte consenso, nas ltimas dcadas, sobre a idia de

    que, sendo uma profisso fundamentada essencialmente na aprendizagem, os

    profissionais que a exercem devem estar necessariamente implicados em um processo

    contnuo de aprendizagem e desenvolvimento, processo que pode ocorrer em diferentes

    espaos, inclusive os virtuais, e em diferentes modalidades.

    No conjunto de autores selecionados para problematizar a questo central desta

    tese as possibilidades de uso das Tecnologias da Informao e Comunicao (TIC) no

    processo de formao continuada de professores com vistas produo de conhecimento

    incluem-se perspectivas que, por influncia francesa, examinam a formao de

    professores a partir da definio de saberes profissionais que so mobilizados na ao

    profissional como TARDIF, por exemplo bem como outras perspectivas que mantm a

    denominao de conhecimentos sob influncia anglo-saxnica caso de STENHOUSE

    e SHULMANN.

    O primeiro captulo da tese percorre alguns pontos de debate sobre a questo, de

    forma a constituir o eixo articulador a partir do qual se desenvolveu a pesquisa: a funo

    docente, a natureza dos conhecimentos que se relacionam ao exerccio dessa funo e

    as formas pelas quais os professores se desenvolvem profissionalmente.

    A incluso das TIC nessa problemtica finaliza o captulo situando o objeto em

    investigao.

    3 SHIMAHARA, K. Professional development: the japanese view of teaching as craft. In: Norwegian National Conference on Educational Research, 6., 1997, Oslo.

  • 13

    1.1 OS PROFESSORES E SEUS SABERES

    Entre os autores que tem se constitudo como referncia freqente nas pesquisas

    sobre os professores, destaca-se TARDIF (2002, p. 36), que defende a idia de que a

    relao dos docentes com o conhecimento no se reduz sua simples transmisso, e sim

    constituio de um outro tipo de conhecimento que elaborado a partir das diferentes

    relaes institudas pelos saberes oriundos de sua formao profissional e de saberes

    disciplinares, curriculares e experenciais.

    Segundo o autor, tradicionalmente os saberes profissionais so transmitidos pelas

    instituies de formao de professores, que estabelecem uma relao de contedos que

    tm como objetivo introduzir mudanas transformadoras na prtica docente. J os

    saberes disciplinares so constitudos pelos grupos sociais produtores de saberes, e correspondem aos diversos campos do conhecimento, integrados hoje nas universidades

    na forma de disciplinas. Os saberes experenciais, surgem a partir da vivncia dos

    professores em suas atividades docentes, nas quais o trabalho cotidiano incorporado

    experincia individual e coletiva sob a forma de habilidades de saber fazer e saber ser.

    Para TARDIF (2002, p. 11), no contexto do trabalho, o saber docente pode ser

    considerado como um tipo especfico de saber que algum possui para alcanar um

    determinado objetivo. Este saber possui uma grande carga subjetiva, e est diretamente

    relacionado com suas experincias de vida e com suas relaes com os alunos em sala

    de aula.

    Nessa perspectiva, o saber docente entendido por ele como um tipo de saber

    imbudo de uma forte conotao social, pois partilhado por um grupo de agentes que

    atuam em uma mesma estrutura de trabalho, e esto sujeitos s mesmas condies

    fsicas e regras do estabelecimento de ensino. Outro fator que caracteriza este saber

    como social o fato de suas aes estarem sujeitas a um sistema que garante sua

    legitimidade e orienta sua definio e utilizao. Este sistema composto por instituies,

    entidades de classe, rgos pblicos entre outros.

    Ao analisar a natureza do trabalho do professor, TARDIF (2002, p. 13-14)

    considera que a caracterstica social do saber docente tambm se manifesta nesta

    profisso, pois prev a transformao dos alunos, sua educao e instruo. Assim, estas

    complexas relaes que ocorrem entre o professor e seus alunos apresentam-se como

    outra forte caracterstica social, pois os contedos ensinados pelos professores, e a forma

  • 14

    como so ensinados, evoluem com o tempo e com as mudanas sociais. Este processo

    de aquisio ocorre no contexto de uma socializao profissional, sendo incorporado,

    modificado e adaptado no decorrer da carreira docente.

    Desta forma, TARDIF (2002, p. 36-39) compreende que os saberes docentes no se reduzem funo de transmisso de conhecimentos constitudos, pois estes so

    formados por uma combinao de conhecimentos adquiridos em sua formao

    profissional e de saberes disciplinares e experenciais.

    Muitos destes saberes so constitudos nas relaes sociais e profissionais

    estabelecidas nos locais de trabalho, bem como nas experincias e prticas do cotidiano,

    experincias estas vivenciadas como docentes e como alunos. Esta bagagem cognitiva,

    composta por crenas, conhecimentos e certezas de prticas docentes anteriores,

    contribui para a formao dos novos profissionais da educao, que dificilmente

    conseguem se formar sem estas influncias.

    Alm destas influncias, vivenciadas pelos professores enquanto alunos, outros

    elementos tambm compem os saberes dos professores, so eles: cultura pessoal;

    conhecimentos disciplinares adquiridos na universidade; conhecimentos curriculares

    veiculados por programas, guias e manuais escolares; e de seu prprio saber, baseado

    em sua experincia de trabalho.

    Estas caractersticas tornam os conhecimentos dos professores um tipo de saber

    variado e heterogneo. Para TARDIF (2002, p. 14), um professor raramente tem uma

    teoria ou uma concepo unitria de sua prtica; ao contrrio, os professores utilizam

    muitas teorias, concepes e tcnicas, conforme a necessidade, mesmo que paream

    contraditrias para os pesquisadores universitrios.

    Esta forma de pensar sobre o trabalho docente reafirma um distanciamento entre

    o espao da produo do conhecimento e o espao em que ocorrem as aes dos

    professores.

    Apoiada na vertente que institui a idia de uma especificidade do saber escolar,

    calcada na distino entre o saber de referncia (conhecimento cientfico) e o saber que

    se destina ao ensino nas escolas, tal perspectiva possibilitou compreender sob outro

    ponto de vista os processos de seleo curricular e de organizao do ensino, mas por

    outro lado, acentuou a dimenso de reproduo na ao docente, reservando a esfera

    de produo ao mundo do saber sbio, ou seja, da pesquisa acadmica.

    necessrio relembrar que, para TARDIF, os saberes disciplinares so

    constitudos pelos grupos sociais produtores de saberes, que os transmitem aos

    professores nas universidades e centros de pesquisa.

  • 15

    A nfase nos conhecimentos derivados da experincia muitas vezes tem

    resultado na compreenso equivocada de que a teorizao incompatvel com essa

    dimenso da vida prtica, distanciando pesquisa e sala de aula.

    Para o autor, isso no significa, necessariamente, um problema de dilogo entre

    teoria e prtica, e sim um problema entre dois tipos de teoria: uma teoria fundamentada

    nas prticas e no cotidiano e outra teoria desenvolvida a partir das pesquisas e das idias

    dos pesquisadores.

    Desse ponto de vista, os dois autores TARDIF e CHARLOT coincidem na

    defesa de que h uma dimenso terica na ao docente, ainda que as teorias utilizadas

    no sejam explicitadas de forma articulada pelos prprios professores e possam parecer

    contraditrias a observadores externos.

    Por outro lado, TARDIF (2000, p. 12) categrico ao afirmar que a prtica

    profissional no um espao de aplicao dos conhecimentos universitrios e esta ,

    sem dvida, uma contribuio importante para os debates que caminham em direo

    contrria idia de que o ensino exige apenas um esforo de transmisso do

    conhecimento gerado no campo cientfico. Segundo ele, h um processo de adequao

    destes contedos por parte dos professores, que transformam estes contedos em funo

    do seu contexto concreto de exerccio da funo docente.

    Contudo, a idia de adequao precisa ser problematizada para que se possa

    explicitar a natureza das intervenes que o professor faz no sentido de transformar os

    contedos para o ensino.

    Desde a dcada de 1980, esta discusso vem estimulando autores como SCHN

    (1983, 1995, 2000), LISTON e ZEICHNER (1991), ZEICHNER (1993) e STENHOUSE

    (1998), que buscam compreender o papel do professor como sujeito capaz de elaborar

    subsdios tericos para o desenvolvimento de sua prtica docente. Esses autores

    ampliam as possibilidades de esclarecer alguns elementos da relao que os professores

    estabelecem como o conhecimento na sua atuao profissional.

    1.2 O PROFISSIONAL REFLEXIVO

    Com o intuito de demonstrar a importncia da experincia e da reflexo na

    experincia, SCHN apresenta uma proposta de formao de professores baseada na

    epistemologia da prtica. Segundo PIMENTA (2005, p. 19), esta proposta reconhece a

    construo do conhecimento a partir da prtica profissional, valorizando a reflexo, a

    problematizao, a anlise e o conhecimento tcito.

  • 16

    A proposta desta nova epistemologia da prtica profissional surge em um

    perodo marcado pelo conflito entre o saber escolar e a reflexo-na-ao. As pesquisas

    de SCHN buscaram fundamentao terica em autores como John Dewey, Alfred

    Schutz, Lev Vigotsky, Kurt Lewin, Jean Piaget, Ludwig Wittgenstein e David Hawkins

    (SCHN, 1995, p. 80).

    Esses tericos auxiliaram SCHN a problematizar a importncia da prtica, em

    um contexto histrico e social que atribui maior status acadmico aos sujeitos que se

    encontram mais prximos da cincia, ou, em outras palavras, da teoria. Para SCHN

    (2000, p. 19), ao perceber o conhecimento terico como socialmente privilegiado, h a

    tendncia de desvalorizao dos conhecimentos profissionais ensinados nas escolas.

    Na busca de identificar a importncia da prtica nos processos reflexivos, SCHN

    (2000, p.29-42) utiliza o termo talento artstico profissional para representar os diferentes

    tipos de competncias que os sujeitos demonstram na busca da soluo de situaes

    inusitadas e conflituosas. Segundo ele, a resoluo de problemas relaciona-se com o

    desempenho e o procedimento, e no com antecedentes pessoais.

    Para SCHN (2000), o desenvolvimento deste desempenho habilidoso no

    depende somente da capacidade do sujeito de descrever o que sabe fazer, mas tambm

    de como o faz, ou seja, o conhecimento que nossas aes revelam. Para identificar este

    tipo de conhecimento, POLANYI (apud SCHN, 2000, p. 29) cunhou o termo

    conhecimento tcito.

    O conhecimento tcito, nessa concepo, est presente em diversas situaes

    profissionais, artsticas e esportivas. Em muitas destas situaes os sujeitos envolvidos

    desempenham atividades que dificilmente conseguiriam explicar verbalmente.

    Polanyi escreveu, por exemplo, sobre a virtuosidade extraordinria com a qual reconhecemos os rostos das pessoas que nos so familiares. Ele chamou a ateno para o fato de que, quando notamos um rosto familiar na multido, nossa experincia de reconhecimento imediata. Em geral, no estamos conscientes de qualquer raciocnio anterior ou de qualquer comparao desse rosto com outros rostos guardados na memria. Ns simplesmente vemos o rosto da pessoa que conhecemos. E se algum nos perguntasse de que forma o fazemos, ou seja, como distinguimos um rosto particular de centenas de outros mais ou menos semelhantes a ele, provavelmente responderamos que no sabemos. Normalmente, no somos capazes de construir uma lista de caractersticas especficas desse rosto, distintas de outros volta dele; e mesmo se pudssemos faz-lo, o carter imediato de nosso reconhecimento sugeriria que ele no acontece por uma listagem de caractersticas (SCHN, 2000, p. 29-30).

    A partir deste exemplo, pode-se compreender a importncia do conceito de

    conhecimento tcito na constituio da teoria do prtico-reflexivo pelo autor. Alm desse

    tipo de conhecimento, SCHN (2000, p. 31) chamou a ateno para a existncia de

    performances fsicas publicamente observveis, como andar de bicicleta, ou operaes

  • 17

    privadas, como a anlise instantnea de uma folha de balano. Em ambos os casos, o ato

    de conhecer est na ao e na incapacidade de sua verbalizao explcita. A este tipo de

    conhecimento, SCHN denominou de conhecer-na-ao.

    Este autor considera possvel, s vezes, utilizando-se da observao e da

    reflexo sobre as aes, descrever o saber tcito que est implcito na atividade. Os

    diferentes tipos de linguagens adotados nas descries dos atos de conhecer-na-ao

    so denominados de construes. Estas construes so tentativas de explicitar um tipo

    de inteligncia tcita. O processo de conhecer-na-ao diferencia-se dos fatos, teorias e

    procedimentos pela sua dinamicidade, por possibilitar ajustes e por promover uma

    contnua correo de erros (SCHN, 2000, p. 31).

    No caso especfico da atividade docente, cabe questionar que tipo de reflexo

    realizada pelos professores. PIMENTA (2005, p. 22) alerta que a nfase no protagonismo

    do professor pode gerar uma valorizao exacerbada no indivduo, capaz de promover a

    supervalorizao da experincia prtica para a construo do saber docente, bem como o

    individualismo, resultado de uma reflexo em torno de si prprio.

    Apesar de compreender a importncia da prtica no processo de construo do

    saber docente, PIMENTA (2005, p. 24) afirma que este saber subsidiado pelas teorias

    da educao, e so estes subsdios que possibilitam aos professores a percepo de

    diferentes perspectivas, para que assim realizem uma anlise adequada e coerente ao

    seu contexto histrico, social e cultural, percebendo a si mesmos como sujeitos ativos

    neste processo.

    Alm disso, segundo a autora, cabe ainda considerar a cultura objetivada (neste

    caso, as teorias da educao) como o elemento capaz de dotar os sujeitos de uma viso

    crtica que lhes possibilite interpretar uma determinada situao por diferentes ngulos. A

    cultura objetivada pode desencadear um processo dialtico em relao aos saberes da

    prtica, ressignificando-os e sendo ressignificada por eles. Assim, para ela, O papel da

    teoria oferecer aos professores perspectivas de anlise para compreenderem os

    contextos histricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como

    profissionais, nos quais se d sua atividade docente, para neles intervir, transformando-

    os (PIMENTA, 2005, p. 26).

    Ainda na perspectiva dos processos reflexivos, SCHN (2000, p. 32) aborda

    questes relacionadas a circunstncias em que h a possibilidade do sujeito interferir na

    situao em desenvolvimento. Assim, seu pensar proporciona uma nova forma de

    modificar a ao, denominada por ele de reflexo-na-ao. Este tipo de pensar identifica

  • 18

    situaes que tenham propiciado um resultado inesperado, ou ainda, pode referir-se

    interrupo no meio da ao para refletir sobre o processo.

    Segundo o autor, a reflexo-na-ao prev a apresentao de respostas

    espontneas a um determinado contexto. Situaes inesperadas desencadeiam um

    processo de reflexo consciente dentro do presente-da-ao. Esta reflexo um

    processo crtico, que questiona a estrutura e os pressupostos tericos do ato de

    conhecer-na-ao.

    Para SCHN (2000, p. 64-65), o conceito de reflexo-na-ao busca explorar sua

    relao com a experimentao rigorosa na prtica. Estas relaes se estabelecem de trs

    formas, a saber: ao exploratria; experimentos para testes de aes; teste de

    hipteses.

    A ao exploratria se d quando a ao ocorre apenas para constatar o que dela deriva, no sendo elaboradas previses nem expectativas. Os experimentos para

    testes de aes so considerados como sendo qualquer atitude deliberada e realizada

    com uma finalidade prvia. Assim, ... o teste de afirmao de uma ao no apenas

    voc obtm o que pretende?, mas sim Voc gosta do que obtm? (SCHN, 2000, p. 65).

    O experimento para o teste de hipteses utilizado na apresentao de elementos que possibilitem a diferenciao de hipteses conflitantes. Desta forma,

    Quando o profissional reflete-na-ao, em um caso que ele percebe como nico,

    prestando ateno ao fenmeno e fazendo vir tona sua compreenso intuitiva dele, sua

    experimentao , ao mesmo tempo, exploratria, teste de aes e teste de hipteses. As

    trs funes so preenchidas pelas mesmas aes. E desse fato deriva o carter

    distintivo da experimentao na prtica (SCHN, 2000, p. 65).

    Assim, SCHN (2000, p. 63) teoriza sobre a possibilidade do investigador utilizar

    conhecimentos prvios em uma situao que ele considera nica. Segundo ele, a

    capacidade de confrontar situaes incomuns considerando-as como familiares, ocorre a

    partir da habilidade de associar experincias passadas ao caso nico.

    Para PREZ GMEZ (1995, p. 105), o conceito da reflexo sobre a reflexo-na-

    ao uma anlise a posteriori das aes realizadas pelo indivduo. Segundo ele, este

    tipo de reflexo possibilita ao profissional prtico uma anlise isenta dos

    condicionamentos da situao prtica, oportunizando a aplicao de instrumentos

    conceituais no intuito de compreender e reconstruir sua prtica.

    PREZ GMEZ (1995, p. 105-106) tambm considera este tipo de reflexo como

    fundamental para a formao crtica dos professores, pois a repetio e a rotina podem

    transformar o conhecimento-na-ao em um conhecimento tcito, inconsciente e

  • 19

    mecnico, o que poderia levar o profissional a reproduzir automaticamente sua

    competncia prtica, aplicando-a indiferentemente nos mais variados contextos, tornando-

    se insensvel s peculiaridades dos fenmenos, o que ocasionaria tambm a perda da

    oportunidade de refletir criticamente sobre suas aes.

    Na direo de crticas aos modelos explicativos apresentados por SCHN,

    SACRISTN (2005) identifica uma tendncia ps-positivista na teoria do prtico-reflexivo.

    Segundo ele, ocorre a negao da possibilidade de que da cincia se deduza a tcnica

    educativa, pois devido falta de tempo e de recursos, o professor que trabalha no o

    que reflete. Alm disso, SACRISTN tambm identifica no conceito do professor reflexivo

    um afastamento da cincia, pois ... dar importncia metfora reflexiva significa

    reconhecer que, se com a reflexo busco a prtica, porque a cincia no a pode me

    dar (SACRISTN, 2005, p. 82).

    Para LIBNEO (2005, p. 70-72), a concepo crtica da reflexividade deve ir alm

    da perspectiva que busca promover, nos sujeitos, uma reflexo sobre suas prticas

    docentes mais imediatas. Seu objetivo deve ser o de promover a apropriao terica da

    realidade a partir do domnio de estratgias que possibilitem aos educadores pensar

    sobre o prprio pensar. Alm disso, faz-se necessria a sistematizao de processos de

    capacitao que subsidiem teoricamente os educadores em seu trabalho docente e na

    resoluo de problemas em sala de aula. Em relao aos contextos polticos, sociais, institucionais, h que se considerar que no se trata apenas de buscar os meios pedaggico-didticos de melhorar e potencializar a aprendizagem dos professores pelas competncias do pensar, mas tambm de fazer leitura crtica da realidade. preciso associar o movimento do ensino do pensar ao processo da reflexo dialtica de cunho crtico. Pensar mais do que explicar e, para isso, as instituies precisam formar sujeitos pensantes, capazes de um pensar epistmico, ou seja, sujeitos que desenvolvam capacidades bsicas em instrumentao conceitual que lhes permitam, mais do que saber coisas, mais do que receber uma informao, colocar-se frente realidade, apropriar-se do momento histrico de modo a pensar historicamente essa realidade e reagir a ela (LIBNEO, 2005, p. 72).

    Em sntese, necessrio dizer que as idias de SCHN foram incorporadas s

    discusses sobre formao e profissionalizao dos professores no Brasil, especialmente

    a partir da segunda metade da dcada de 1990, mantendo-se presente ainda hoje em

    trabalhos acadmicos, tanto no sentido de tom-las como referncia para pesquisa, como

    no sentido de problematizar a concepo de teoria e prtica apresentada por ele, como

    o caso de PIMENTA (2005), LIBNEO (2005) e SACRISTN (2005), autores que fazem a

    crtica ao modelo conceitual desenvolvido por SCHN.

    A partir do exposto, entende-se que a concepo apresentada por SCHN valoriza

    a construo do conhecimento a partir da prtica profissional, priorizando aes que

  • 20

    promovam processos reflexivos acerca da prtica, problematizao, anlise e

    conhecimento tcito. Suas discusses buscam, por meio da observao e da reflexo

    sobre as aes, descrever o saber tcito que est implcito na atividade. Sendo assim,

    entende-se que h uma dissociao entre a prtica e o conhecimento a ela relacionado, o

    que pode ser considerado como um limitante na perspectiva de estimular o professor a

    produzir conhecimento cientfico.

    1.3 O PROFESSOR PRTICO-REFLEXIVO

    Dentro da mesma tendncia de discutir a ao docente a partir do conceito de

    reflexividade, outros autores marcaram e marcam a discusso sobre o tema no Brasil.

    Uma segunda abordagem que se deseja problematizar foi construda em torno do

    conceito de profissional prtico-reflexivo.

    A discusso sobre a formao de professores, compreendidos enquanto

    profissionais prtico-reflexivos, exige a compreenso de diferentes perspectivas. Na

    busca por problematizar esta questo, LISTON e ZEICHNER citam a concepo de

    trabalho docente adotada por, BUCHMANN4, citado por LISTON e ZEICHNER (1991, p.

    39-40), que caracteriza este tipo de trabalho como uma atividade fortemente influenciada

    por fatores externos. Para esta autora, a comunidade de educadores considerada a

    responsvel por definir o papel do professor, impedindo a eles de utilizarem quaisquer

    outros mtodos, contedos ou procedimentos organizacionais. Em ltima instncia,

    BUCHMANN argumenta que o papel de ensinar obriga os professores a respeitar regras

    impostas pelas estruturas das disciplinas.

    Em contraponto a esta concepo, os autores apresentam o pensamento de

    MACMILLAN5, citado por LISTON e ZEICHNER (1991, p. 40-41), que defende a tese de

    que o papel do professor definido pela prtica de ensinar. A racionalidade educacional

    no pode estar simplesmente baseada na compreenso do papel do professor como algo

    4 BUCHMANN, M. The use of reserarch knowledge in teacher education and teaching. American Journal of Education, v. 92, n. 4, p. 421-434, 1984. _______. Role over person: morality and authenticity in teaching. Teachers College Record, v. 87, n. 4, p. 529-543, 1986. _______. Impractical philosophizing about teachers arguments. Educational Theory, [S.l.], v. 37, n. 4, p. 409-412, 1987a. _______. Teaching knowledge: the lights that teachers live by. OXFORD REVIEW OF EDUCATION, v.13, n. 2, Oxford, p. 151-164, 1987b. 5 MACMILLAN, C. J. B. Defining teaching: role versus activity. In: ARNSTINE, D.; ARNSTINE, B. Philosophy of education. [S.l.]: 1987, p. 363-372.

  • 21

    determinado pela grande comunidade de educadores, mas principalmente pela sua

    atividade prtica.

    Apesar de concordar que, posteriormente, a comunidade pode exercer influncia

    sobre as atividades do professor, MACMILLAN compreende que a tica de ensinar, bem

    como os limites desta atividade, so providos pela prpria noo de ensinar,

    independente de qualquer contexto social ou institucional. Porm, ao tomarem parte de

    uma comunidade, estes professores passaro a seguir critrios e padres impostos por

    este contexto social.

    Ao considerar a coerncia e coeso interna da comunidade de professores, os

    autores concordam que esta a comunidade mais relevante na formao docente.

    LISTON e ZEICHNER (1991, p. 42) exploraram as concepes de conhecimento dos

    professores e, segundo eles, enquanto grupo ou profisso, os professores no so

    valorizados por seus conhecimentos, sejam eles cotidianos ou acumulados.

    Portanto, nas discusses relacionadas ao papel dos professores na produo de

    conhecimentos, LISTON e ZEICHNER (1991, p. 92) identificam a existncia de uma

    situao de desvalorizao dos conhecimentos dos professores, particularmente

    evidenciada no pensamento de autores como LORTIE6 e JACKSON7 que afirmam que

    falta aos professores conhecimento profissional e habilidade tcnica. Desta forma, os

    professores passam a ser considerados como indivduos que fundamentam seus

    julgamentos em sentimentos pessoais e na limitada subjetividade da experincia.

    Por outro lado, LISTON e ZEICHNER (1991, p. 62-63) apresentam tambm

    correntes de pensamentos que valorizam o conhecimento dos professores. Os estudos de

    ELBAZ8 e CONNELLY e CLANDININ9 tomam o conhecimento dos professores como algo

    rico, substancial e confivel. Eles criticam correntes que depositam um grande valor na

    cincia e em pesquisas avanadas, e no o suficiente na prtica dos professores e em

    suas experincias pessoais.

    Para LISTON e ZEICHNER (1991, p. 64), os ... professores possuem um vasto

    repertrio de conhecimento prtico baseado em experincias pessoais e profissionais,

    que se originaram em problemticas do cotidiano docente, e integrado com

    conhecimentos tericos sobre crianas e aprendizagem 10 (traduo livre do autor).

    6 LORTIE, D. School teacher: a sociological study. Chicago: University of Chicago Press, 1975. 7 JACKSON, P. Life in classrooms. New York: Holt, Rinehart & Winston, 1968. 8 ELBAZ, F. Teacher thinking: a study of practical knowledge. London: Croom Helm, 1983. 9 CONNELLY, F.; CLANDININ, D. J. Teachers as curriculum planners. New York: Teachers College Press, 1988. 10 teachers have a vast repertoire of practical knowledge based on personal and professional experiences, rooted in the problematics of everyday teaching, and integrated with theoretical knowledge about children and learning

  • 22

    Neste contexto, o professor passa a ser percebido como um agente reflexivo e

    deliberativo, o que poder ser um fator que contribui para aumentar a probabilidade de

    mudanas efetivas ocorrerem nas escolas, pois estes professores passam a se

    considerar sujeitos autnomos e capazes de promover eventos e situaes de maneira

    indita.

    Para LISTON e ZEICHNER (1991, p. 90-124), os professores acreditam que

    podem contribuir positivamente para o desenvolvimento humano, pois para eles, ao

    fechar a porta de sua sala de aula podero deixar suas marcas nos alunos; marcas

    estas compostas por uma complexa trama de conhecimentos intimamente vinculada a

    determinados contextos sociais, pessoais e educacionais.

    Ao discutirem a dicotomia existente na literatura acerca dos saberes produzidos

    pelos professores e pelos pesquisadores, LISTON e ZEICHNER (1991, p. 125)

    demonstram que de um lado alguns professores acusam os pesquisadores de produzirem

    um tipo de conhecimento, que para poder ser utilizado em diferentes situaes de ensino

    precisam ser caracterizados pelo contexto e pela neutralidade em relao a valores

    sociais e educacionais. Por outro lado, h uma corrente de pesquisadores que afirma que

    os conhecimentos produzidos pelos professores relacionam-se a um contexto social e

    pessoal muito especfico, dificultando assim sua utilizao em diferentes realidades.

    Na tentativa de superar esta viso dicotmica entre professores e pesquisadores,

    LISTON e ZEICHNER (1991, p. 126) argumentam que a produo de conhecimento e sua

    utilizao sejam consideradas como processos complementares, e no como diferentes

    ocupaes de pesquisadores e professores. Ambos, pesquisadores e professores,

    devem estar engajados na produo e utilizao do conhecimento.

    Assim, ZEICHNER (1993, p. 18) cunha o conceito de professor prtico-reflexivo,

    que considerado um profissional que compreende a existncia de mltiplas solues

    para um determinado problema, aceitando sua realidade cotidiana como uma entre muitas

    outras, mantendo tambm sua postura crtica em relao s opinies dominantes

    apresentadas em uma determinada situao. Porm, o autor aponta quatro circunstncias

    que podem comprometer a efetivao dessa perspectiva (1993, p. 22-23).

    A primeira refere-se s propostas que estimulam os professores a copiarem

    prticas elaboradas por outros professores, negligenciando sua prpria criatividade e

    experincia. A segunda circunstncia destaca a persistncia de utilizao das

    capacidades e estratgias da racionalidade tcnica. Isso pode limitar o processo reflexivo,

    impossibilitando aos professores a discusso de assuntos relacionados ao que deve ser

    ensinado, a quem e seus porqus.

  • 23

    A valorizao de uma tendncia individualista considerada como um terceiro

    aspecto que pode inviabilizar a formao de um professor prtico-reflexivo, pois, apesar

    de compreender a importncia da preocupao do professor nos assuntos que ocorrem

    em sua sala de aula, a limitao de sua ateno a estes problemas pode ser considerado

    um equvoco.

    O quarto aspecto refere-se ao isolamento dos professores no processo reflexivo.

    Esta situao pode promover, no professor, a compreenso de que seus problemas so

    pessoais, no havendo relaes com outros professores ou com a estrutura da escola e

    do sistema educativo.

    Alm destes fatores, ZEICHNER alerta sobre a necessidade de haver uma

    anlise criteriosa acerca dos saberes produzidos pelos professores, pois a reflexividade

    no deve ser considerada como um elemento capaz de justificar por si s a natureza ou a

    qualidade destes saberes. Assim, em vez de aceitarmos sem crticas tudo o que um

    professor diz ou faz, s porque foi produzido por um professor, temos de nos debruar

    mais sobre a natureza e qualidade das reflexes dos professores e sobre o saber que

    produzem (ZEICHNER, 1993, p. 25).

    Para essa anlise ZEICHNER (1993, p. 25) aponta os elementos centrais das

    tradies de ensino como critrios para o bom ensino, tais como: a representao das

    disciplinas, a compreenso do aluno, as estratgias de ensino sugeridas pela

    investigao, as conseqncias sociais e os contextos do ensino.

    Segundo ele, no basta atribuir poderes individuais aos professores, pois o ensino

    reflexivo somente justifica seu sentido enquanto prtica social, ou seja, quando h uma

    articulao efetiva com as condies sociais nas quais se situa esta prtica. Assim, deve

    haver o compromisso de criar condies para a formao de comunidades de

    aprendizagem que apiem e sustentem o crescimento de outros professores (ZEICHNER,

    1993, p. 26).

    Para o autor, na busca de realar a reflexo, como modo de prtica social na

    comunidade de professores, a sistematizao de fruns para discusses tem sido

    considerada como uma estratgia til para esta formao, mesmo em pases como os

    Estados Unidos da Amrica, onde prevalece uma postura social mais individualista

    (ZEICHNER, 1993, p. 37).

    Estas experincias buscam superar a situao de isolamento dos professores,

    que pode lev-los a desconsiderar o contexto social, percebendo seus problemas como

    sendo apenas seus, ignorando as relaes com outros professores e com as estruturas

    das escolas e dos sistemas educativos (ZEICHNER, 1993, p. 58).

  • 24

    Ao reconhecer o professor como um sujeito capaz de produzir determinados

    saberes relacionados sua prtica profissional, ZEICHNER (1993, p. 59) alerta para a

    necessidade de uma anlise criteriosa acerca destas produes, apresentando inclusive

    alguns temas que podem impedir que uma aprendizagem docente genuna ocorra, so

    eles: negligncia das teorias e conhecimentos incorporados nas suas prprias prticas, e nas dos outros professores; ignorar questes curriculares; ignorar o contexto

    social e institucional que o ensino tem lugar; insistncia em ajudar os professores a

    refletirem individualmente. Assim, entende-se que suas anlises apontam para uma

    direo que se aproxima das crticas feitas no Brasil aos trabalhos de SCHN (PIMENTA,

    2005; LIBNEO, 2005).

    Tambm no est presente, em sua obra, uma discusso mais precisa sobre os

    processos relacionados sistematizao destes saberes dos professores. A necessidade

    de constituio de comunidades de professores, voltadas reflexo enquanto modo de

    prtica social, por si s no explicita as formas e possibilidades de colocar em circulao

    os saberes sistematizados pelos professores.

    Assim, considera-se que as discusses acerca da constituio do conceito do

    prtico reflexivo, apresentado por LISTON e ZEICHNER (1991), avanam em relao

    teoria do profissional reflexivo (SCHN, 1983), pois contextualiza o problema na

    perspectiva das atividades docentes, mas ainda assim no contempla avanos no debate

    das questes relacionadas formalizao, sistematizao e veiculao dos

    conhecimentos dos professores. Com relao aos conhecimentos concernentes s

    disciplinas, seus contedos e metodologias, mantm-se a dicotomia entre os espaos de

    produo e os espaos de transmisso.

    1.4 O PROFESSOR-INVESTIGADOR

    Como se procurou apresentar at aqui, no mbito educacional se configurou nas

    ltimas dcadas certo consenso sobre a existncia de uma viso dicotmica entre teoria e

    prtica - atribuindo-se maior status social ao conhecimento cientfico do pesquisador do

    que experincia e o conhecimento prtico do professor posio esta que tem gerado

    debates e a presena de algumas respostas produzidas por diferentes autores na direo

    de superar essa dicotomia.

    Neste contexto, STENHOUSE (1998, p. 39) apresenta-se como um terico que

    defende a participao efetiva dos professores nos processos de pesquisa cientfica para

    que os resultados possam ser utilizados nas escolas, pois segundo ele, as pesquisas que

  • 25

    no atendem as necessidades das disciplinas podem ser consideradas como

    teoricamente inocentes.

    STENHOUSE considera que as dificuldades de transformar a realidade dos

    professores em trabalho de investigao devem-se sua falta de confiana e de

    experincia. Segundo ele (1998, p. 28), a investigao pode ser definida como uma

    indagao sistemtica e autocrtica, entretanto, no se trata de uma curiosidade pontual e

    passageira. Para o autor, trata-se de uma curiosidade estvel e calcada em uma

    estratgia de pesquisa, princpios crticos e hipteses prprias. Tais caractersticas so

    inerentes ao perfil de pesquisadores cientficos que, fundamentando-se em leis e teorias

    gerais, sistematizam e categorizam os dados obtidos em suas observaes.

    Ao problematizar o uso das pesquisas cientficas por professores, STENHOUSE

    chama a ateno para o fato de que essa aplicao deve ser olhada a partir das

    dificuldades relativas aos modelos de investigao utilizados. Para ele, grande parte das

    descobertas dos pesquisadores est fundamentada em experimentos cientficos de

    pequena escala ou de laboratrio e, portanto, no so de aplicao direta a outras

    situaes de aula.

    Por outro lado, a aplicao de resultados derivados de interpretaes ou

    percepes do pesquisador em modelos de investigao naturalista depende de um alto

    grau de compreenso e da qualidade das anlises do professor sobre as relaes entre o

    caso especfico e sua prpria atuao nas aulas (STENHOUSE, 1998, p. 38).

    Isso, para STENHOUSE, fundamentalmente para se compreender que sem

    uma reao investigadora dos professores a investigao dos pesquisado