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1° Seminário A Criança e sua Participação na Cidade

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Esta publicação tem o objetivo de documentar e divulgar as ideias discutidas no 1° Seminário A Criança e sua Participação na Cidade, realizado nos dias 29 e 30 de setembro de 2013, no IFCS/UFRJ, no Rio de Janeiro. Através de palestras de especialistas e de oficinas participativas com crianças e adultos, o seminário propunha estimular o debate sobre a importância da inclusão das crianças na construção de uma cidade participativa, democrática, cidadã e voltada para a promoção da qualidade de vida de seus moradores. Foi realizado pelo projeto Criança Pequena em Foco (CECIP), em parceria com o LAU/UFRJ e apoio da Fundação Bernard van Leer, RNPI e IPP/Rio+Social.

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3CECIP | 1º Seminário A Criança e sua Participação na Cidade

ORGANIZAÇÃO:Flora Moana Mascelani Van de Beuque e Mariana Koury Pinheiro

Rio de Janeiro | 2015

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CECIPDireção executiva: Claudius CecconDireção administrativa: Dinah FrottéCoordenação de projetos: Claudia CecconCoordenação financeira: Elcimar de Oliveira

PROJETO CRIANÇA PEQUENA EM FOCOSupervisão: Claudia Ceccon e Claudius CecconCoordenadora: Flora Moana Mascelani Van de Beuque Assistente de Projeto: Mariana Koury Pinheiro Assessoria Pedagógica: Nazareth SaluttoAssistente de Produção: Joanna Muniz

PUBLICAÇÃO DO 1º SEMINÁRIO A CRIANÇA E SUA PARTICIPAÇÃO NA CIDADEOrganização: Flora Moana Mascelani Van de Beuque e Mariana Koury PinheiroSupervisão editorial: Claudius Ceccon, Claudia Ceccon e Shirley MartinsAssistente editorial: Joanna MunizProjeto gráfico: Claudete QuaresmaDiagramação: Claudete QuaresmaIlustrações: Claudius CecconFotos: Alexandre Nascimento, Lucas Mendes e palestrantesEdição texto: Audrey FurlanetoRevisão: Clay Protasio e Sonia Cardoso

CECIP - Centro de Criação de Imagem PopularRua da Glória, 190, 2° andar - sala 202Rio de Janeiro - RJ - CEP 20241-180 www.cecip.org.br

COPYLEFTVocê pode: • Copiar, distribuir, exibir e executar a obra.

Sob as seguintes condições: • Atribuição. Você deve dar crédito ao autor original, da forma especificada pelo autor ou licenciante. • Uso não comercial. Você não pode utilizar esta obra com finalidades comerciais. • Vedada a criação de obras derivadas. Você não pode alterar, transformar ou criar outra obra com base nesta.• Para cada novo uso ou distribuição, você deve deixar claro para os outros os termos da licença desta obra.• Qualquer uma destas condições pode ser renunciada, desde que você obtenha permissão do autor. • Nada nesta licença prejudica ou restringe os direitos morais dos autores.

FICHA CATALOGRÁFICAS471 Seminário A Criança e sua Participação na Cidade (1. : 2013 : Rio de Janeiro, RJ) A criança e sua participação na cidade / organização: Flora Moana Mascelani Van de Beuque e Mariana Koury Pinheiro. - Rio de Janeiro: Centro de Criação de Imagem Popular - CECIP, 2015. 100 p. : il. color. ; 30 cm. Inclui bibliografia. Evento realizado no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, de 29 a 30 de setembro de 2013. ISBN 978-85-99946-18-3 1. Crianças – Aspectos sociais – Brasil - Congressos. 2. Infância – Aspectos sociais - Brasil – Congressos. 3. Cidadania – Brasil – Congressos. I. Van de Beuque, Flora Moana Mascelani, 1983-. II. Pinheiro, Mariana Koury, 1989-. III. Centro de Criação de Imagem Popular. IV. Título. CDD 305.230981

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Lioara Mandoju CRB7 5331

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Sumário

Apresentação, 9

Programação Seminário, 10

Palestras da MESA 1: Refletindo sobre a criança e a participação na cidade, 15Criança no exercício da cidadania, 16 Angélica Goulart (Secretaria de Direitos Humanos) A favela e a cidade na perspectiva das crianças da Babilônia e do morro Santa Marta, 20Beatriz Corsino Pérez (CECIP)Infância e cidade: a criança em foco, 28 Fernanda Müller (Educação/UNB)Participação: um direito em conquista, 32 Immaculada Lopez Prieto (UNICEF)A cidade (re)criada pelas crianças, 36 Nayana Brettas (Universidade do Minho/Portugal)

Palestras da MESA 2: Experiências de participação da criança na cidade, 43

Rede +Criança: vez e voz das crianças pela sustentabilidade, 44Ana Paula Rodrigues, Eduarda da Silva Rocha, Sergio Eleutério e Vitória Lira (Fundação Xuxa Meneghel)Estratégias de mobilização para a participação infantil: a experiência do Infâncias em Rede, 48Ana Oliva Marcílio (Avante /BA) Cartografia afetiva da Vila Autódromo, 54Clarissa Pires de Almeida Naback e Pedro Barbosa Mendes (Mestranda PUC-Rio e Doutorando IBICT)Projeto A Caminho da Escola, 58Mauro Cezar Ferreira (Centro de Educação para o Trânsito/CET-Rio)Participar é um direito da criança: contribuições do Projeto Criança Pequena em Foco, 62Moana Van de Beuque, Nazareth Salutto e Mariana Koury (CECIP)Rio+Social: um olhar sobre a participação infantil, 68Rosane Fratane de Oliveira (Rio+Social)

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Resultado das discussões entre os participantes do seminário, 70

Crianças na Universidade, 77 Confecção de cartazes: a Cidade que queremos, 78Beatriz Corsino e Rafaela Pacola (CECIP)Desenhando cidades: práticas criativas de antropologia e design, 80Karina Kuschnir (UFRJ) e Zoy Anastassakis (UERJ)Criação Musical com Fole e Festa, 82 Norma Nogueira, Luzia de Mendonça e Rodrigo Costa“Vamos fazer a Teia da Vida com as crianças da cidade?”, 86Pâmela Menicke, Monique Andrade da Cruz e as crianças Ágatha Vieira, Ana Izabel Barbosa, Daniele dos Santos, Eduarda Rocha, Kauan Gabriel, Rebeca dos Anjos, Sérgio Vitorele, Vitória Correa e Vitória Lira (Fundação Xuxa Meneghel)“Vocês podem nos ouvir?”, 90 Nayana Brettas (CriaCidade)Nosso Bairro!, 94 Tatiana Tabak, Priscilla Alves e Guilherme Toledo (Design for Change)

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Esta publicação tem o objetivo de documentar e divulgar as ideias discutidas no 1° Seminário A Criança e sua Participação na Cidade, re-alizado nos dias 29 e 30 de setembro de 2013, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), com apoio da Fundação Bernard van Leer, Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) e Instituto Pereira Passos/Rio+Social. O seminá-rio propunha estimular o debate sobre a impor-tância da inclusão das crianças na construção de uma cidade participativa, democrática, ci-dadã e voltada para a promoção da qualidade de vida de seus moradores.

O seminário foi idealizado e realizado pela equipe do projeto Criança Pequena em Foco, do Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP) em par-ceria com o Laboratório de Antropologia Urbana (LAU) do IFCS/UFRJ.

Superando a concepção tradicional que con-sidera as crianças como seres passivos, sem opinião, sem competência, ideias ou vontade própria, que devem aguardar o futuro para se tornarem cidadãos e assim participarem ativa-mente da sociedade, este seminário buscou suscitar a discussão sobre diversas experiên-cias e possibilidades para uma participação in-fantil mais ativa. O envolvimento das crianças no planejamento e execução de projetos em distintas escalas os enriquece, tornando-os mais aderentes à realidade, constituindo para as crianças um importante processo de vivência na construção da cidadania.

O seminário contou com a participação de cerca de 150 pessoas (entre adultos e crianças) articu-ladas a diversos setores (poder público, movimen-tos sociais, ONGs, academia, etc.). No primeiro dia, dedicado aos adultos, o tema debatido foi a participação infantil na cidade. Foram propostas mesas com apresentação de trabalhos e grupos de discussão entre os participantes do evento. Na ocasião também foi realizado o lançamento da publicação Vamos ouvir as crianças? Caderno de Metodologias Participativas do Projeto Criança Pe-quena em Foco.

No segundo dia, as portas e o espaço do IFCS/UFRJ estiveram abertos para crianças de distin-tos contextos sociais da cidade do Rio de Janeiro. Foram oferecidas atividades com metodologias diversas que visavam sua reflexão e participação em questões a elas relacionadas.

Assim, este foi o primeiro evento exclusivamen-te dedicado ao assunto no Brasil, proporcionan-do encontro e troca entre especialistas e profis-sionais que trabalham com infância. Considerado um marco para a discussão sobre participação in-fantil, o seminário identificou a necessidade, entre integrantes da Rede Nacional Primeira Infância, de eventos como este em outras regiões do país.

Apresentação

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ABERTURA

20/09/2013

Data Nome da mesa Descrição da mesa Componentes

Debatendo a participação infantil na cidade

Angélica GoulartSDHClaudius CecconCECIPKarina KuschnirLAU/UFRJMarco Aurélio Nascimento IFCS/UFRJPatrícia LacerdaInstituto C&A e RNPIPedro VeigaIPP

Falas de representantes das instituições organizadoras e apoiadoras do seminário

Discussões entre acadêmicos, poder público e terceiro setor sobre a participação das crianças no contexto urbano

Angélica GoulartSDHBeatriz CorsinoCECIPFernanda MüllerEducação/UNB Immaculada PrietoUNICEF Nayana Brettas Especialista participação infantilModeração:Karina KuschnirLAU/UFRJ

MESA 1Refletindo sobrea criança e sua participaçãona cidade

PROGRAMAÇÃO DO SEMINÁRIO

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Ana Paula Rodrigues, além das crianças Eduarda Rocha, Vitória Lira e Sergio VitoreleFundação Xuxa MeneguelAna Oliva MarcílioAvante Clarissa Pires de Almeida Nabacke Pedro MendesVila AutódromoMauro FerreiraCCE/CET-Rio Moana Van de BeuqueCECIP Rosane de OliveiraRio + SocialModeração:Beatriz CorsinoCECIP

TEMAS DOS MINIGRUPOS• Como incluir as crianças no planejamento da cidade?• Como sensibilizar o poder público para esta ideia?• Como fazer a ideia circular para além do meio ONG/universidade?

MESA 2 Experiências de participação da criança na cidade

Apresentação de experiências de projetos com participação infantil realizados por agentes do terceiro setor, movimentos sociaise poder público

Minigrupos de discussão

Público presente

20/09/2013

Data Nome da mesa Descrição da mesa Componentes

Debatendo a participação infantil na cidade

PROGRAMAÇÃO DO SEMINÁRIO

Lançamento da publicação: Vamos ouvir as crianças?Caderno de Metodologias Participativasdo Projeto Criança Pequena em Foco http://issuu.com/cecip6/docs/vamos_ouvir_criancas-ebook/1?e=10238098/6452824

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Data Objetivo do dia Nome da oficina Realizadores

Oficina de cartazes: a cidade que queremos

Beatriz Corsino eRafaela Pacola (CECIP)

Desenhando cidades: práticas criativas de antropologia e design

Karina Kuschnir (UFRJ) e Zoy Anastassakis (UERJ)

Criação musical Norma Nogueira,Luzia de Mendonçae Rodrigo Costa(Grupo Fole e Festa)

Realização de oficinas com metodologias distintas para escuta das crianças sobre questões da cidade

21/09/2013

Vamos construir a teia da vida com as crianças da cidade?

Pâmela Menicke, Monique Andrade da Cruz e as crianças Ágatha Vieira, Ana Izabel Barbosa, Daniele dos Santos, Eduarda Rocha, Kauan Gabriel, Rebeca dos Anjos, Sérgio Vitorele, Vitória Correa e Vitória Lira (Fundação Xuxa Meneghel)

Vocês podem nos ouvir?

Nayana Brettas (CriaCidade)

Nosso Bairro! Tatiana Tabak, Priscilla Alves e Guilherme Toledo (Design for Change)

Crianças na universidade

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Componentes da 1ª mesa do seminário: Karina Kuschnir (moderadora), Fernanda Muller, Angélica Goulart, Beatriz Corsino, Nayana Brettas e Immaculada Prieto. Foto: Alexandre Nascimento.

Palestras da Mesa 1

Refletindo sobre a criançae a participação na cidade

Os textos a seguir são transcrições, editadas pelo CECIP e revistas pelos palestrantes,das apresentações no primeiro dia do seminário.

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Criança no exercícioda cidadania

Angelica GoulartAssistente social, educadora e Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Trago para reflexão a história da construção do Di-reito da Criança e, especificamente, como o tema da participação infantil entra nesta construção. Desde a academia até a prática social, o marco teórico dessa participação ainda é incipiente. No entanto, a participação infantil é um direito garan-tido em marcos legais, como na Convenção sobre os Direitos da Criança e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

A infância é uma construção histórica do tipo geracional, composta por um grupo de sujeitos ativos, que interagem com o mundo. Há uma dimensão nessa construção histórica relaciona-da à dependência que a criança tem do adulto. Trata-se de dependência tanto biológica – como a necessidade de sobrevivência, a necessidade de ser cuidada para se desenvolver integralmen-te – quanto social – como o lugar que a criança ocupa no meio familiar e os fatores econômi-cos e políticos que interferem na infância. Essa composição define as diferentes formas de ser criança. Assim, quando falamos em direito, não podemos ter em mente que exista um jeito único de ser criança.

A história dos direitos humanos da criança é bastante recente. Os primeiros movimentos sur-

giram depois da Primeira Guerra Mundial, com a criação de um fundo da organização não gover-namental Save the Children (fundada em 1919), para minimizar a situação de miséria das crian-ças. Com sua fundação, há um ensaio de de-claração dos direitos da criança. Em 1945, são criadas a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), e logo em seguida (1948) é aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A Declaração Universal dos Direitos da Criança foi instituída em 1959, com dez artigos – o que mostra quão tímida era a iniciativa de olhar as crianças como sujeitos de direitos. Os anos de 1989 e 1990 foram marcantes nesse campo, tanto pelo estabelecimento da Convenção so-bre os Direitos da Criança – mais robusta, com 54 artigos, e logo uma referência para o mundo todo – quanto pela promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (o ECA) no Brasil. Apenas no ano de 2000, a ONU realizou sua primeira assembleia para tratar especificamen-te do direito da criança.

Então, as duas referências importantes sobre o direito à participação infantil são a Conven-ção sobre os Direitos da Criança e o Estatuto

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da Criança e do Adolescente. A Convenção possibilitou um avanço muito grande em todo o mundo por ser o documento com maior adesão de países signatários (apenas Estados Unidos, por razões muito distintas, não a corroboraram). Assinar uma Convenção gera a obrigação de ob-servar e fazer cumprir o que está no documento.

A Convenção também instituiu um organismo, um Comitê para fiscalizar os países na aplicação desse tratado. O Comitê definiu a Convenção por meio de um estatuto de três Ps: o direito à proteção, o direito à promoção e o direito à parti-cipação. O direito à participação consta da Con-venção, embora ainda de modo muito difuso.

O ECA faz menções à participação, especial-mente no artigo 15. A conceituação legal ainda é vaga, já que o artigo 15 diz que a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respei-to e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais, garantidos na Constituição. O artigo 16 trata do direito à liber-dade, que compreende os seguintes aspectos: ir e vir, estar nos logradouros públicos, espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais, ter opinião e expressão, ter o direito à crença e

ao culto religioso, brincar e praticar esportes, di-vertir-se e participar da vida política na forma da lei e buscar refúgio, auxílio e orientação. Também há algo nos artigos 18 e 53 relacionado à parti-cipação como um direito a organização em enti-dades estudantis. Estes artigos são, enfim, muito mais dirigidos a uma faixa etária maior (adoles-cência ou início da juventude) do que à criança, especialmente na primeira infância.

Quanto à evolução desses marcos legais, o Pla-no Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes (2011-2020) tem diversas metas referidas ao esforço para facilitar a livre expres-são, mas elas se referem especificamente aos adolescentes. O Plano Decenal menciona textu-almente a participação organizada dos adoles-centes. Já o Protocolo Número Três aprovado pela Assembleia Geral da ONU é um avanço es-pecífico, que garante o direito de hábito de defe-sa. Qualquer criança e qualquer adolescente de qualquer país pode se autorrepresentar, sem a necessidade de qualquer mediação com o orga-nismo de direitos humanos da ONU.

No Brasil, o que temos garantida de fato é a par-ticipação política das crianças nas Conferências (municipais, estaduais e nacional). Já o modelo

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de representação social é muito discutido e co-piado dos adultos. Ou seja, essa representação ainda é restrita e precisa ser observada, e isto é uma responsabilidade de todos nós. O adulto tem que estar imbuído da urgência e da necessi-dade desse direito da infância.

Hoje me perguntaram qual é o papel da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança. Trata-se de um órgão articulador de políticas, que entende a participação como direito, como um tema transversal que deve passar por toda a construção de políticas públicas a fim de se construírem práticas de participação infantil. É competência da Secretaria a promoção desta participação dentro de todos os Ministérios. Não é um órgão, portanto, “finalístico”, de realização, mas, sim, de articulação política.

Voltando ao tema da dependência da criança com relação ao adulto, retomo a importância de uma reflexão nossa, de adultos que acreditam nesse potencial da criança de construir práti-cas. A cidadania infantil naturalmente nasce da relação familiar, quando a criança tem seus direitos de cidadã respeitados no convívio da família. E posso afirmar, por experiência e pelos debates dos quais participo, que estamos dis-tante disso.

Temos um exemplo prático relacionado à lei do castigo corporal – apelidada de modo irrespon-sável pela mídia como “lei da palmada” –, que garante a crianças e adolescentes o direito de serem educados e cuidados sem o uso do casti-go corporal ou de tratamento humilhante.

Uma lei que traz em seu texto tal conteúdo e que não prevê nenhuma punição mais grave (a não ser aquelas medidas já previstas no ECA) não pode ou não deveria receber a reação que re-cebe, seja da mídia, da sociedade ou dos pró-prios operadores de Direito (inclusive daqueles que trabalham com a infância e que se posicio-nam contra um princípio da cidadania: o de uma criança ser educada sem ser submetida a qual-quer castigo corporal).

Aí está uma contradição muito grande. Não raro, em debates dentro do próprio movimento da in-fância, percebemos uma diminuição desse direi-to, pois dizem: “há tantos direitos importantes para trabalhar, ainda a serem conquistados...”, como se um direito humano devesse ser sub-metido à realização e à concretização de todos os outros.

Quando uma sociedade reage de forma tão for-te contra uma proposta como essa, temos a dimensão do quanto precisamos trabalhar, ca-minhar, realizar esse debate para concretizar a participação infantil.

Trago um pouco da reflexão a partir de uma prática. Trata-se de uma pesquisa realizada em 2008, com mais de 170 crianças entre 6 e 12 anos de idade, na qual se discutiu a construção do conceito de participação para a própria crian-ça que, mesmo com seus desejos próprios, é influenciada e subordinada (no sentido de agra-dar e de atender às expectativas) aos adultos. As crianças de 6 anos entendem participação como poder brincar. À medida que sobe a faixa etária, o conceito de poder brincar evolui para ajudar e colaborar. No final da infância, aos 12 anos, o conceito de participar passa a ser o de integrar um grupo, de ter o direito de opinar, de ser respeitada em suas opiniões.

A criança não vê a participação como o direito de contrariar uma ideia ou de se opor a uma si-tuação, mas sempre de conciliar, respondendo prontamente ao que se espera dela. A criança entende a participação como cooperação, como colaboração e como ajuda. Cabe a nós abrir um espaço de aprofundamento desse debate, para realmente construir um trabalho com as crianças.

Consultar as crianças não é participação infantil em sentido estrito. Ouvir as crianças e conside-rar o que dizem já seria, até, uma evolução. Mas é preciso avançar ao patamar em que as crian-ças possam se organizar com seus pares e inci-dir, de fato, em seu entorno, em suas vivências, em cooperação com os adultos.

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Nos anos de 2011 e 2012, quando coordenei o Projeto Criança Pequena em Foco, do CECIP, buscamos criar estratégias para incluir a partici-pação das crianças na orientação das políticas públicas, nos projetos de intervenção na infraes-trutura, no espaço e nos equipamentos urbanos a elas direcionados. Para isso, desenvolvemos ofi-cinas com cerca de cem crianças moradoras de duas favelas da cidade do Rio de Janeiro, Santa Marta e Babilônia, em parceria com a Rio+Social, o Instituto Pereira Passos e instituições locais que atendem ao público infantil nos projetos de con-traturno escolar. Neste seminário, vou apresentar para vocês alguns dos resultados dessas oficinas.

Quando elaboramos o Projeto, trabalhamos com a ideia de cidade como um espaço cons-truído por todos os seus habitantes. A condi-ção de fazer parte da cidade é algo que iguala a todos, pois tanto adultos quanto crianças vivem nas cidades e estão submetidos aos seus pro-blemas e qualidades. No entanto, em geral, os planejadores urbanos tomam como parâmetro o “cidadão médio” que responde à caracterização

do homem adulto trabalhador, negligenciando as necessidades das crianças de ocupar, cir-cular, estudar e brincar de forma segura e pra-zerosa na cidade. Engenheiros e arquitetos di-ficilmente realizam pesquisas junto às crianças para conhecer suas necessidades e desejos na construção dos espaços que projetam, mesmo aqueles feitos especificamente para elas, como escolas e praças.

Dessa forma, as crianças nascem num espaço que não foi construído por elas e nem para elas, que já existia antes de suas existências, e preci-sam se apropriar dele. Isso se dá a partir da sua circulação na cidade, das brincadeiras e dos seus diferentes usos, gerando histórias e lembranças das situações vividas ali. Neste processo, as crian-ças estabelecem uma relação afetiva com o lugar e o sentimento de fazer parte da cidade, espaço mais amplo que a família e compartilhado por es-tranhos e diferentes (Castro, 2004).

As crianças não são ouvidas nas políticas públi-cas porque, historicamente, foram excluídas da participação política e na decisão dos rumos da

A favela e a cidade na perspectivadas crianças da Babilônia e domorro Santa Marta

Beatriz Corsino PérezDoutora em Psicologia pela UFRJ, tem experiência de pesquisa e trabalho na área da infância e juventude. Foi coordenadora do projeto Criança Pequena em Foco (2011/2012)do CECIP e uma das autoras da publicação Vamos ouvir as crianças? Caderno de metodologias participativas e do livro Falatório: a participação e a democracia na escola. [email protected]

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Foto tirada por uma criança durante o passeio no morro Santa Marta em 2012.

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cidade. No início do século XX, a Psicologia do Desenvolvimento construiu um conceito de in-fância, no qual as crianças são percebidas no que falta para se tornarem adultas. Nessa pers-pectiva, a infância está mais próxima à natureza, incompleta, dependente, irracional, precisando passar por um longo processo de aprendizagem, preparação e espera para a vida adulta. As crian-ças foram localizadas nos espaços da família, casa e escola, protegidas da cidade, se tornando “invisíveis” nos espaços públicos de discussão e participação. O adulto, por sua vez, foi tomado como aquele que detém o conhecimento, pode participar politicamente e trabalhar. Foi conside-rado como quem sabe o que é melhor para a criança, quem a representa e fala por ela.

Para construir a “infância normal”, que seria igual em todos os lugares do mundo, a Psicologia do Desenvolvimento excluiu diferenças e particulari-

dades, tomando como referência a criança bur-guesa, branca, europeia. Muitas vezes, a criança da classe popular é percebida apenas nas suas dificuldades e no que falta para alcançar esse “padrão” de infância, e suas famílias são respon-sabilizadas pelos seus problemas. No Projeto, tra-balhamos em favelas do Rio de Janeiro, espaços habitados pela classe popular e historicamente marcados pela estigmatização de seus morado-res e pela ausência do poder público. Buscamos, com as oficinas, não reproduzir essas concep-ções universais, mas criar impressões localizadas, parciais, compreendendo as crianças dentro de um contexto histórico-cultural específico.

As transformações do mundo contemporâneo problematizaram a infância construída na mo-dernidade. Uma das mudanças é a emergência da cultura de consumo, que deu visibilidade à criança, uma vez que existe um mercado imenso voltado

Mapa afetivo criado pelas crianças da Babilônia. Foto: Beatriz Corsino.

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para ela. Essa visibilidade, porém, não foi atrelada à participação política. Um desafio hoje é repen-sar a cidadania de forma a incluir as crianças nos processos decisórios dos destinos da so-ciedade. Consideramos a cidadania não como um status adquirido após determinada idade, mas como um sentimento de fazer parte e de querer transformar o lugar onde vive, igualando, nesse sentido, adultos e crianças.

Nosso trabalho foi orientado por algumas ques--tões: qual é a relação das crianças com o lugar onde moram? Como se apropriam dos seus es-paços? Quais são as dificuldades apontadas por elas? De que maneira podemos pensar a partici-pação das crianças nos projetos de urbanização e nas políticas públicas?

Nas oficinas com as crianças, criamos um espaço de fala e de troca entre as crianças e as coorde-nadoras, numa perspectiva que desnaturaliza as diferenças entre adultos e crianças. Partimos do pressuposto de que as crianças conhecem a sua comunidade, podem expressar suas opiniões, críticas e desejos para o lugar onde

vivem. No morro Santa Marta, participaram 65 crianças, com idades entre 4 e 12 anos, du-rante 13 encontros. Já na Babilônia contamos com 35 crianças, de 5 a 10 anos, durante nove encontros.

Utilizamos nas oficinas diferentes recursos me-todológicos, como: imagens, jogos, histórias, criação de cenários de espaços da favela, de uma linha do tempo sobre as transformações do lugar, de um jornal com entrevistas a moradores e colegas, e a realização de um passeio fotográ-fico (CECIP, 2013). No percurso pelo morro San-ta Marta, as crianças puderam fotografar o que viam no caminho e mostrar a sua comunidade para nós, abrindo, assim, um campo de conheci-mento que antes não existia.

No morro da Babilônia, criamos um mapa afe-tivo com as crianças, a partir dos espaços que usam para brincar, como a “laje em que se solta pipa” ou a “mata onde se pega jaca”. Para elas, o morro da Babilônia é marcado pela brincadeira realizada entre pares, como piques, jogos, pipa, e pelo contato com a natureza. Foi muito curio-

“O calçadão”: desenho feito por um menino do Morro da Babilônia.

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so perceber que na Babilônia a criança tem um imenso contato com a natureza. Elas pescam na Pedra do Urubu, sobem em árvores, colhem fruta do pé, andam na mata, entram em contato com diversos bichos, como micos e cobras. É uma experiência de infância muito distinta, por exem-plo, de uma criança de classe média ou alta que habita as ruas mais próximas à praia do Leme, mesmo bairro onde está localizada a favela.

Outro tema interessante que aparece nes-sa oficina com as crianças é a diferença en-tre os modos de se relacionar na favela e das pessoas que andam no calçadão da praia do Leme. O calçadão é representado pe-las crianças como a cidade grande, onde estão os prédios altos, aviões, bicicletas e

pessoas, que esbarram umas nas outras. A experiência urbana de encontro com a diferença parece se dar de forma mais intensa no calçadão. Já o morro é visto como um lugar acolhedor, fami-liar, onde moram muitos parentes e conhecidos.

Nas oficinas no Santa Marta, notamos certa idealização da vida fora do morro. O “asfalto” é visto como um espaço de consumo, lazer e diversão. Nele ficam os shoppings com esca-das rolantes, as ruas grandes em que passam caminhão, prédios altos servindo de habitação. Para as crianças que participaram das oficinas, a perspectiva em relação ao futuro está articu-lada com a ascensão social e, consequente-mente, com a saída da favela. Segundo uma menina: “tia, você já viu rico morar no morro?”.

Foto do “apertamento”:

registro das crianças de

dentro do Bondinho.

“Lá no calçadão é muito bom porque dá pra andar de patins,de patinete, dá pra andar de tudo. Mas também é muito chato que as pessoas só sabem ficar esbarrando quando a gente está passando.” (Menina, moradora da Babilônia)

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As crianças consideram como principais proble-mas das favelas Santa Marta e da Babilônia a di-ficuldade de deslocamento, de subir escadas e ladeiras, o lixo, a ausência de saneamento bási-co, a precariedade das moradias e a manutenção dos equipamentos públicos. As crianças do mor-ro Santa Marta gostam de andar no plano inclina-do e reconhecem sua importância para dar aces-sibilidade aos moradores que vivem na parte alta do morro, mas também o consideram apertado e quente. No passeio fotográfico, elas registraram várias imagens de dentro do bondinho.

Outra crítica feita pelas crianças da favela Santa Marta foi a da instalação da estação de aluguel de bicicleta no espaço onde as crianças brinca-vam. Como o morro é muito íngreme, um dos únicos lugares planos onde elas podiam jogar queimado era na Praça, que passou a ser ocu-pada pelas bicicletas.

Na Babilônia, as crianças reclamaram da falta de manutenção da praça do Leme, que estava com muitos brinquedos quebrados. Também se queixaram das condições de moradia, apon-tando casas que estão “caindo aos pedaços” e que se tornaram perigosas para elas e suas famílias. Uma menina questionou: “é justo ficar com essas casas todas quebradas? Tem que consertar, não dá para ficar com essa casa toda bagunçada”.

Quando fizemos a oficina, a Babilônia estava ocupada com as obras do programa de ur-banização da prefeitura “Morar carioca”. Por

isso, as crianças reclamaram dos transtor-nos da obra, do barulho, da lama, e das mu-danças nos espaços de brincar. O campinho de terra onde elas jogavam bola havia sido cimentado, gerando grande reclamação. Alguns achavam que “não vai dá pra jogar fu-tebol”, nem “brincar de bolinha de gude”, pois precisavam do chão de terra. Mas as crianças também reconheceram que algumas obras eram importantes para a comunidade, como a construção do prédio novo.

Dessa forma, as oficinas provocaram a re-flexão das crianças e a construção do seu olhar para a favela. Fora do espaço educa-tivo escolar, no passeio fotográfico pela fa-vela, houve uma reinvenção dos papéis so-cialmente estabelecidos para crianças e adultos, e ambos puderam vivenciar uma situação de aprendizagem compartilhada.___

As crianças detinham o saber sobre a favela, mostravam o caminho, contavam as histórias dos lugares e puderam tirar fotos.

Diferentemente de uma criança de classe média alta do “asfalto”, que muitas vezes passa a maior parte do tempo em casa ou na escola, as crian-ças dos morros Santa Marta e Babilônia brincam nas ruas, becos, lajes e mata. Por não estarem tão protegidas no espaço privado, elas entram desde cedo em contato com as questões que afetam a vida na favela e têm um conhecimento dos seus problemas também. Além disso, pelas brincadeiras e circulação, meninas e meninos se

“Era tudo sem saneamento, escorria esgoto. Era qualquer chuva que caía, transbordava, caía bastante água de esgoto para cá pra baixo, na ladeira. As casas também eram tudo irregular, não era casa segura para ficar. (...) Então eles quebraram tudo e estão construindo um (prédio) novo para melhorar. Eles vão melhorar bastante e vão botar as pessoas que eles pediram para ir embora.”(Menino, morador da Babilônia)

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apropriam do espaço e transformam a favela num lugar “seu”, permeado de afetos e histórias.

Notamos que os sentidos construídos pelas crianças e suas maneiras próprias de lidar com o espaço não são levados em conta pelo poder público nas obras de infraestrutura e urbanização. Elas não são ouvidas, pois não há, antes de ci-mentar o campinho ou instalar as bicicletas na

praça, por exemplo, o esforço de perguntar ou de negociar com as crianças como as interven-ções podem ser feitas. As transformações pa-recem se dar de forma impositiva. Ainda há um longo caminho a percorrer para que o poder pú-blico possa conhecer e ouvir as crianças, ten-tando incluir suas perspectivas nos projetos de intervenção no lugar onde elas moram.

Foto, tirada pelas crianças, do prédio novo construído na Babilônia.

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REFERÊNCIASCASTRO, L. R. (2004). A aventura urbana, Rio de Janeiro: 7 letras.

CECIP (2013). Vamos ouvir as crianças? Caderno de oficinas participativas, Rio de Janeiro: CECIP.

PÉREZ, B. C.; JARDIM, M. D. (2014). Saberes e olhares das crianças sobre a favela. Revista Pátio Educação Infantil, XII (38), p.38-41.

Menino da Babilônia pensando na sua resposta durante a oficina “Video Jornal das Crianças” realizada em 2012. Foto: Beatriz Corsino.

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Discutir cidade, infância e crianças é um grande desafio que nos mobiliza a trocar experiências, tanto de pesquisa quanto de políticas públicas e práticas sociais. Acredito que o debate deve com-binar minimamente essas três esferas. Não vejo a dimensão da pesquisa jamais desvinculada das outras duas.

No Brasil, os estudos como o de Mayumi Lima, nos anos 1980, e o de Lucia Rabello de Castro, nos anos 2000, exploraram questões interes-santes da relação infância e cidade. Lima (1989) defendeu que o espaço é continuamente cons-truído, destruído e reconstruído, tanto pelo am-biente quanto por meio da ação humana. Castro (2004) mostrou que crianças, assim como adul-tos, tornam-se habitantes de uma cidade por meio de um processo complexo de aprendiza-gem. Esse debate acadêmico gera novas con-cepções – que alimentarão políticas públicas e práticas sociais – e apresenta novos conceitos sobre a própria infância e sobre a relação das crianças com a cidade. A relação entre cidade e infância começa a ser realmente pensada a partir da pesquisa conduzida com a criança, por meio de um processo atento de escuta. Em certa medida, nós, adultos, já construímos nos-

sas concepções acerca das crianças e das suas possibilidades e limites nas cidades. Contudo, não podemos deixar de nos perguntar: 1) que tipo de experiências as crianças têm tido nos grandes centros urbanos e de que forma isto re-percute na própria infância? 2) Como a cidade – fragmentada, setorizada e cada vez mais orga-nizada com base nos interesses dos adultos – é compreendida pelas crianças?

Com base em Judith Ennew (1994), lembro que a infância moderna constrói as crianças fora da sociedade, silencia suas vozes e nega sua au-tonomia. Poderíamos expandir esta constatação para discutir a organização e o planejamento das cidades, que ainda pouco considera a criança. É fato: as cidades não foram pensadas para as crianças e não são voltadas aos interesses de-las. Então, de que forma podemos incorporar os desejos, os medos, os interesses e as necessi-dades das crianças às cidades?

Na maioria das vezes, acabamos por deixar as crianças à margem de decisões mais amplas, mas que estão diretamente relacionadas às suas vidas. É preciso reconhecer a necessida-de de ruptura de uma associação quase direta ou natural da infância a uma etapa passiva, de

Infância e cidade:a criança em foco

Fernanda MüllerDoutora em Educação. Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.É líder do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa sobre a Infância (GIPI/CNPq). [email protected]

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incompletude e total dependência dos adultos. Precisamos entender a criança como sujeito de sua ação. Logo, considerar as crianças como agentes é assumir que elas também podem transformar as estruturas sociais.

A escuta e o diálogo com as crianças são formas de reconhecer que elas não são passivas, não são incompletas e não têm total dependência dos adultos. Entretanto, é necessário relativizar até mesmo a escuta. Afinal, quando escutamos as crianças, não necessariamente o fazemos da melhor forma. Nós, adultos, ainda entendemos a escuta como um encontro entre o que a crian-ça diz e o que nós escutamos. Todavia, como podemos pensar em formas de comunicação com a criança que superem a linguagem verbal? Como adultos, nós apresentamos um conjunto de incompetências quando não conseguimos compreender, por exemplo, um bebê ou uma criança que ainda não fala e que, mesmo assim, tem muitas coisas a manifestar. É nesse sentido que a pesquisa com crianças é extremamente necessária, possível, pode informar políticas públicas e transformar práticas sociais. Obvia-mente, a comunicação não pode ser unilateral e dar-se a partir de códigos familiares somente aos adultos, como a fala e a escrita.

Neste caso, os métodos visuais nos ajudam e são nossos aliados na aproximação às crianças. Em uma pesquisa conduzida no início dos anos 2000, eu me vali de métodos visuais para pensar em uma forma de comunicação talvez mais jus-ta e ética com crianças, cujo foco era a cidade (Müller, 2007). Nem sempre as entrevistas, por exemplo, nos dão essa garantia, já que o con-ceito de cidade é abstrato e está relacionado às experiências do indivíduo em um contexto social. Nesta pesquisa trabalhei com fotos reali-zadas por crianças de Porto Alegre, moradoras de três bairros de perfis distintos: uma fave-la, um bairro de classe média e um bairro de classe muito alta. Usando câmeras manuais, as crianças realizaram fotos durante uma semana. Eu então as revelava e retornava às casas das crianças para conversar sobre as imagens.

Apresento o seguinte exemplo, relacionando foto e escuta. Um participante da pesquisa, que na época tinha 5 anos, realizou a foto de um parque perto de sua casa. A imagem não havia me dito nada, até que, ao conversar com o menino, qual não foi minha surpresa quando ele apontou para um ponto mínimo na foto que era a Lua. Seu ob-jetivo com a foto era apenas enquadrar a Lua.

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REFERÊNCIAS CASTRO, Lucia Rabello. A aventura urbana: crianças e jovens no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004.

ENNEW, J. (1994) Time for children or time for adults? In.: QVORTRUP, J.; BARDY, M.; SGRITTA, G.; WINTERSBERGER, H. (Eds.) Childhood Matters: Social Theory, Practice and Politics. Aldershot: Avebury, p. 1-24.

LIMA, Mayumi Souza. A cidade e a criança. São Paulo: Nobel, 1989.

MÜLLER, Fernanda. Retratos da Infância na cdidade de Porto Alegre. 2007. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

TONUCCI, Francesco. La ciudad de los niños: un modo nuevo de pensar la ciudad. Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez, 1997.

Retomo, assim, a importância da escuta. Nós, adultos, perdemos ao longo da vida certos ele-mentos dos planos do simbólico e da imaginação, o que nos torna um tanto incompetentes quando nos comunicamos com as crianças.

Análises decorrentes de pesquisa poderiam ser mais incorporadas às decisões da sociedade que, por sua vez, precisariam considerar a voz das crian-ças nas questões relacionadas à infância. De que forma poderíamos incluir as crianças nas decisões sobre a cidade em que habitam? Não podemos ig-norar, todavia, o fato de que é bastante difícil definir o que é participação, do ponto de vista teórico.

Outra questão que se impõe: que novos mode-los de cidade voltada à infância podem ser pro-postos? Lembro de Francesco Tonucci (1997) que, ao entender a cidade como um grande la-boratório, mostrou como a incorporação das decisões das crianças melhoraria a vida delas, mas também de outros grupos geracionais.

Ou seja, as outras gerações poderiam se bene-ficiar se pensarmos a cidade mais voltada aos interesses das crianças. Enfim, as cidades se tornariam espaços talvez mais interessantes se crianças pudessem tomar parte das decisões que influenciam diretamente as suas vidas.

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Temos como chão deste debate o fato de a parti-cipação das crianças ser um direito. Estamos em busca de caminhos, fazendo provocações para concretizar algo que já é reconhecido e garan-tido como direito. A participação é reconhecida como direito na Convenção Sobre os Direitos da Criança. Vale lembrar que a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção sobre os Di-reitos da Criança – Carta Magna para as crianças de todo o mundo – em 20 de novembro de 1989 e, no ano seguinte, o documento foi oficializado como lei internacional. A Convenção sobre os Di-reitos da Criança é o instrumento de direitos hu-manos mais aceito na história universal, ratificado por 193 países.

A sensação é de que ainda temos muito a fa-zer e de que talvez não estejamos caminhando no ritmo que gostaríamos. Mas estamos falan-do de uma conquista recente. Nas últimas duas décadas, o debate tem se ampliado conforme vamos reconhecendo as crianças como capazes de formular os seus próprios pontos de vista, de expressar suas opiniões livremente, sobre todos os assuntos relacionados às suas vidas. Essas

opiniões devem ser consideradas em função de sua idade e de sua maturidade.

A Convenção também consagra a liberdade de ex-pressão de toda criança, que inclui a liberdade de procurar, receber e divulgar informações e ideias de todo tipo, independentemente de fronteiras, de que formas, se por meio das artes ou por qualquer outro meio escolhido pela própria criança.

No Brasil, em sintonia com a Convenção interna-cional, o direito de participar também está garan-tido no Estatuto da Criança e do Adolescente, vi-gente desde 1990. Por que é importante termos essa noção da participação como direito? Porque, assim, ele entra na lógica dos direitos huma-nos, que são divisíveis e interdependentes, que devem ser universais. Isso deve nos orientar, pois devemos garanti-lo para todas as crianças. Devemos fazer esse esforço em busca da uni-versalidade e, por isso, devemos pensar nas várias crianças, nas várias meninas e vários me-ninos do país todo, das cidades grandes, das cidades pequenas. Estamos falando também da criança indígena, da quilombola, da criança com ou sem deficiência.

Participação:um direito em conquista

Immaculada Lopez PrietoAssessora de comunicação do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Rio de Janeiro.

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Tendo a perspectiva de que se trata de um direito universal, ou seja, de todas as crianças, vamos garantir mecanismos para não deixar nenhuma de fora. Não podemos começar com a ideia de que vamos, num primeiro momento, garantir o direito para um grupo de crianças e, depois, para outro.

Devemos ousar e pensar em todas as crianças.Ao ser um direito universal, interdependente de outros e indivisível, não podemos garanti-lo em partes, só na família ou na escola, por exemplo. Não é possível dividir e temos que falar da inte-gralidade desse direito.

São tantas as crianças que ainda não têm direitos garantidos como alimentação, vacinação, e nós va-mos falar de direito de participação? Não será um luxo? Essa dúvida é recorrente, mas esse direito não pode ser visto como um luxo. Não podemos dizer que um direito é mais importante que outro, até por-que garantir o direito à participação é uma estratégia importantíssima para garantir outros direitos.

O direito à participação deve ser visto como um caminho para o desenvolvimento. Participar é uma forma de a criança ter um desenvolvimento

pleno, de poder não só discutir, opinar e participar da busca de soluções, mas também garantir o di-reito à escola de qualidade, o direito à brincadei-ra, o direito de refletir sobre como conviver com a família. Podemos olhar a participação como uma estratégia muito valiosa para superar desigualda-des – e esta é a nossa bandeira.

Precisamos entender que alguns direitos estão garantidos mais para umas crianças do que para outras. Esse é o nosso grande desafio: envolver as crianças e os adolescentes para superar de-sigualdades. Precisamos fazer uma escuta, ouvir o que cada criança acredita que precisa mudar em sua comunidade. Devemos fazer esse diag-nóstico de forma participativa, descentralizada, com a possibilidade de construir planos de ação e fazer uma avaliação do que está acontecen-do, envolvendo as crianças – talvez isso seja a chave para conseguirmos o que não consegui-mos até agora.

Sabemos que não é nada fácil. No UNICEF, por exemplo, estamos em diálogo com os gestores de mais de dois mil municípios da re-

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gião amazônica, do semiárido e de grandes cen-tros urbanos do Brasil. Tratamos principalmente da participação de adolescentes. E não é nada fácil, pois é necessário mudar a mentalidade.

Quando falamos sobre participação, num primeiro momento, as pessoas concordam, mostram-se animadas, mas têm muita dificuldade em avan-çar na prática. Temos a necessidade de reinventar muitas coisas. Como podemos realmente fazer escutas, diagnósticos, propostas de políticas pú-blicas, monitorar de forma participativa, descen-tralizada, respeitosa com as crianças? Acredito que as próprias crianças e adolescentes precisam nos ajudar a encontrar formas de fazer isso.

Estamos com um grande desafio e, no final, não só as crianças serão beneficiadas, mas as cida-

des têm muito a ganhar. Que bom morar numa cidade que seja uma cidade-infância, em que te-nhamos não só a presença física, mas formas de nos relacionar com a criança. A criança que te obriga a sentar no chão, que te ensina a cantar de novo e que decide que vai te ajudar a lavar a salada e pede um banquinho, para ficar na altura da pia. Então, você precisa colocar um banqui-nho e vai ter que aprender que a criança quer lavar o tomate cantando, brincando, que vai der-rubar, precisar de mais água e que, em algum momento, vai dizer: “Agora cansei: quem vai de-cidir o que vamos fazer sou eu”. É muito mais divertido assim. Se o direito à participação for realmente garantido, será melhor para a criança, para o adulto e para toda a cidade.

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Vivemos um cenário político e social extremamen-te importante para as crianças e para a primeira in-fância. É o momento em que os gestores públicos estão olhando e priorizando a primeira infância, mas ainda há um grande desafio em ver como promovemos a participação infantil na elabora-ção dos projetos e das políticas públicas volta-das para as crianças. Um dos desafios é não transportar para a criança o modelo adulto de participação, mas, sim, atuar de forma a apren-der com ela.

Em minha pesquisa de mestrado em Sociologia da Infância: A cidade (re)criada pela infância, feita em 2007 na Universidade do Minho (em Braga, Portugal), com a orientação do professor Manoel Sarmento, tratei da cidade recriada pela infância. Apresento algumas formas de escutar a criança em relação à elaboração de projetos de equipa-mentos e espaços arquitetônicos, em parceria com arquitetos.

Começo com duas citações de que gosto muito. Uma é do poeta Thiago Melo: “Não, não tenho caminho novo, o que tenho de novo é o jeito de caminhar”. E a outra é do artista Henri Matisse: “Ver o mundo com os olhos de criança, ver como se fosse sempre a primeira vez”. “O que irei trazer não é uma nova cidade e nem uma nova infância, e sim uma nova maneira de olhar, compreender e se relacionar com a cidade e com a infância. Ver a cidade e as crianças como se fosse sempre a primeira vez, para que possamos descobrir novos elementos, detalhes, paisagens, trans-formando o conhecido em inusitado. Descobrir uma nova cidade dentro da mesma cidade.”1

Por que é importante ouvir as crianças? Em pri-meiro lugar, porque não somos mais crianças e temos um ponto de vista distinto do delas. Em segundo lugar, porque a criança é cidadã, su-jeita de direitos e membro da cidade. Devemos compreender criticamente a produção cultural

A cidade (re)criada pelas crianças

Nayana BrettasFormada em Ciências Sociais pela PUC-SP com mestrado em sociologia da infância pela Universidade do Minho, Braga, Portugal, com a tese “A cidade (re)criada pela infância”, sob orientação do Professor Manuel Jacinto Sarmento. É membro da Rede Nacional Primeira Infância, fundadora da CriaCidade e coordenadora do Projeto Criança Fala da [email protected]

1 As cem linguagens da criança, de Loris Malaguzzi.

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da nossa época e refletir que cidade estamos construindo e como a pensamos. A criança traz elementos muito importantes para essa reflexão. Ouvir as crianças nos ajuda a propor interven-ções para a melhoria de suas vidas e a captar problemas que não são detectados por adultos.

O Plano Nacional da Primeira Infância é um do-cumento político, construído pela Rede Na-cional Primeira Infância, esta composta atual-mente por 140 organizações do Brasil, entre sociedade civil, governo e organizações não governamentais, agindo em prol da criança. O plano tem ação “finalística”, também propõe pensar numa cidade mais humanizada para as crianças e tem a escuta como um dos princípios. Em minha pesquisa, adotei a perspectiva da so-ciologia da infância, que trata de entendê-la como ator social em seu tempo presente – em oposição à ideia de apenas projetar seus anseios e deman-das para o futuro. Trabalhei muito com a etnogra-fia urbana, sobretudo com registros fotográficos, a fim de captar a relação da criança com a cidade.

Entorno da Emei Ignacio Henrique Romero modificado pelos olhares e vozes das crianças.

São Paulo, SP - 2009. Foto: Nayana Brettas.

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O que para nós é uma calçada, ou seja, um es-paço para se deslocar de um ponto a outro, para a criança é a pista de um carrinho de papelão. Uma placa de trânsito, para a criança, é uma grande escalada, que propõe o grande desafio de subir e escorregar. As crianças ressignificam os elementos da cidade. E, assim, os elementos arquitetônicos urbanos, como as praças ou as escolas, não devem ser padronizados.

Uma parte da pesquisa foi realizada numa esco-la de educação infantil (Emei Ignácio Henrique) do município de São Paulo, com crianças de 3 a 5 anos. Aqui, a metodologia foi a da partici-pação convidativa, com adultos convidando as crianças a participar, a pensar a cidade. Não fui apenas à escola, mas também ao Parque Cara-picuíba. Uma das crianças, Clara, queria que o

parque tivesse tanque de areia para fazer cas-telinhos, gira-gira, gangorra, bicicleta, patins, xí-cara giratória, árvore de brinquedo, entre outros. As crianças faziam desenhos, nós fazíamos ro-das de conversas com os pequenos e levávamos o conteúdo para um arquiteto – no caso, meu pai (Wanderley Meira do Nascimento). Muitas vezes, as crianças só falavam sobre seus desejos, sem desenhar, e eu tinha de tentar esboçar o que di-ziam no papel, para que dissessem se era aquilo mesmo o que pensavam. E, então, levava meu próprio desenho para o arquiteto.

As crianças sugeriam túneis, elevadores que da-riam uma sensação de queda, e nós nos per-guntávamos como um arquiteto poderia viabili-zar aquela ideia de forma segura, sem perder a essência do projeto. Começamos, então, a ne-

Cidade dos sonhos das crianças da Emei Ignacio Henrique Romero.São Paulo, SP - 2008. Foto: Nayana Brettas.

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gociar com as crianças a viabilidade, lembrando que se tratava de um parque público e que, se o brinquedo pensado por elas usasse luz, gasta-ríamos energia e teríamos um custo por isso e, enfim, o parque teria que ser pago. Pensamos, por exemplo, numa gangorra colorida, que daria a sensação de ter luzes, e que terminaria numa poça d’água.

A contribuição das crianças torna a cidade mais lúdica, mais colorida, mais humanizada, mais cria-tiva. Uma cidade com a perspectiva das crianças resgata as relações humanitárias e o olhar criativo.

Há um lago no parque de Carapicuíba, e a pre-feitura local passou um ano com um problema grave: o afogamento de crianças no lago, princi-palmente na época do verão. Não se encontrava uma solução para isso, e uma criança de 5 anos sugeriu: “Por que vocês não colocam uma placa com o texto ‘Aqui tem jacaré e piranha’ e os de-senhos do jacaré e da piranha’? Pronto”.

Lembro de outro exemplo em que consultamos as crianças sobre as calçadas, e elas propuse-ram que cada uma fizesse um desenho de sua rua ideal. Surgiram várias formas, de losango, triângulo, quadrado, ondulado, com pintinha, vermelho, cinza, verde, rosa violeta. Elas, en-tão, fizeram uma votação e escolheram a rua que queriam. O vencedor foi uma rua colorida – as cores são sempre lembradas pelas crianças. Quanto às estratégias de escuta, por exemplo, destaco a da construção de maquetes. Neste caso especificamente, a direção da escola em que fizemos a pesquisa conseguiu atender al-gumas das demandas das crianças, como mu-ros coloridos ou calçadas vermelhas, após uma longa negociação com o subprefeito da região.

A princípio, ele não queria, negou os pedidos de cores. O debate durou cerca de um ano e, enfim, pintamos o quarteirão inteiro de verme-lho e fizemos a transformação do parque, que era a grande reivindicação das crianças. Elas queriam grama, em vez de terra, por exemplo – reclamavam que a terra era levantada pelo vento, e a poeira prejudicava as brincadeiras. Queriam brinquedos coloridos e queriam, inclu-sive, remover alguns brinquedos. Tudo acabou sendo atendido.

No processo de escuta, trabalhamos com a cria-tividade e a abertura ao novo. Se não estivermos abertos ao novo, não estaremos abertos para a escuta. É preciso compreender a forma própria de comunicação e expressão das crianças e sensibilizar os profissionais que atuam com elas, com cursos de formação e de vivência prática. A ideia é fazer com que crianças, profissionais, familiares, gestores públicos, legisladores e arquitetos atuem em coletivo. Destaco algu-mas etapas importantes: formação dos profis-sionais, envolvimento das famílias, registro de atividades (sem um bom registro, é mais difícil atingir o gestor público), troca de experiências, elaboração de relatórios de análise, exposições para que todos vejam o trabalho sendo realiza-do, para dar visibilidade aos desenhos, às falas das crianças.

Entre as estratégias, estão as rodas de conver-sas a partir de livros ou a observação de algu-mas imagens, brincadeiras de “faz de conta”, jogos de tabuleiro, entrevistas. Sugiro também oficinas lúdicas com desenhos e maquetes e o registro fotográfico feito pela própria criança, algo extremamente rico.

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Cidade dos sonhos das crianças da Emei Ignacio Henrique Romero, São Paulo, SP - 2008. Foto: Nayana Brettas.

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Palestras da Mesa 2

Experiências de participaçãoda criança na cidade

Palestrantes da 2ª mesa: Beatriz Corsino (moderadora), Rosane Oliveira, Mauro Ferreira, Moana Van de Beuque, Ana Oliva Marcílio, Clarissa Naback, Pedro Mendes, Ana Paula Rodrigues, Eduarda Rocha, Vitória Lira e Sérgio Eleutério. Foto: Alexandre Nascimento.

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Viemos em gangue, com muitas crianças. Nosso projeto começou durante a Conferência Rio+20, em 2012, e se chamava “+Criança na Rio+20”. O desdobramento foi a criação de uma rede na-cional de crianças pela sustentabilidade: a Rede +Criança. A possibilidade de partilhar essa experi-ência também é uma possibilidade de disseminar e aumentar a capilaridade da rede, nosso objetivo atualmente com este projeto. Fiz a proposta de trazer as crianças, e isso foi rapidamente aceito. Envolvê-las diretamente é algo que buscamos fa-zer sempre que somos convidados a conversar sobre nossas experiências. Muitas vezes, elas sa-bem contar melhor do que eu.

A Fundação Xuxa Meneghel vai completar, em outubro de 2014, 25 anos de existência, tendo como foco os direitos da criança e do adoles-cente. Um dos princípios fundamentais do nosso trabalho é a participação infantil. Vou destacar apenas três aspectos do projeto, porque quero dividir o tempo com as crianças.

Um deles é garantir a igualdade. Gostaria de contar por que criamos o projeto “+Criança na Rio+20”. Começamos a pesquisar o que, no am-biente da conferência mundial, envolveria oficial-mente as crianças, pensando em ações em que elas seriam participantes ativas. Foi assim que descobrimos que não havia nenhuma progra-

Rede +Criança: vez e voz dascrianças pela sustentabilidade

Ana Paula RodriguesCoordenadora do Programa de Redes e Incidência Política da Fundação Xuxa Meneghel. Especialista em Violência Doméstica pela Universidade de São Paulo (USP), atua há 15 anos na Fundação Xuxa Meneghel, onde integra a equipe colegiada de coordenação e é responsável pelo Programa de Redes e Incidência Polí[email protected]

Eduarda da Silva Rocha, Sergio Eleutérioe Vitória Lira Crianças participantes da Rede +Criança, representantes do grupo mobilizador dos centros urbanos.

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mação deste tipo e pensamos em reunir crian-ças de diferentes culturas da infância, para ga-rantir o direito à participação em um tema que as afeta diretamente. Acreditamos que é fundamen-tal poder dialogar com crianças de diferentes vi-vências, identidades etc. Buscamos parceiros no Brasil e identificamos dez grupos de crianças: ribeirinhas, indígenas, de florestas, quilombolas, de fronteiras, do sertão, sem-terra, com deficiên-cias, rurais e de centros urbanos.

Uma equipe de educadores viajou pelo Brasil e desenvolvemos oficinas preparatórias com os dez grupos de crianças, totalizando cerca de 300 participantes, adotando uma metodo-logia baseada na Teia da Vida, conceito de-senvolvido por Fritjop Capra, segundo o qual todos os seres vivos fazem parte de comu-nidades ecológicas interdependentes, ligadas em redes, nas quais os seres humanos são “apenas” um fio particular. Compreender esse sistema é a base para construir comunidades sustentáveis.

Cada grupo desenvolveu a teia da vida local, uma dinâmica educativa para que as crianças compreendam, identifiquem e representem as particularidades das redes entre os seres vivos

ali nas comunidades onde vivem, bem como suas relações sociais. Em seguida, transferem os elementos que descobrem para um gráfico em forma de teia de aranha e problematizam essas relações, conversando sobre o que está dando certo e o que as preocupa. A partir desta plataforma, elas apontam alternativas, ações e alianças com outros grupos sociais, fazendo a árvore de iniciativas, representada pelo desenho do pé de feijão, uma forma lúdica de trabalhar as infinitas possibilidades criativas propostas pelas crianças.

Partimos da Carta da Terra, documento ideali-zado pela ONU e que teve o empenho global da sociedade civil, tornando-se um marco inclu-sivo rumo ao futuro sustentável, a fim de criar a Carta das Crianças para a Terra, documento que elas próprias elaboraram e que represen-ta a síntese do pensamento e das proposições das culturas das infâncias brasileiras para a vida sustentável. Em breve, eles mesmos vão contar como se deu o processo de construção coletiva da carta, que reuniu cem crianças de diferentes pontos do Brasil, em dez dias que ficaram conosco no Rio de Janeiro, em junho de 2012.

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O segundo aspecto a ressaltar diz respeito ao desdobramento do projeto “+Criança na Rio+20” com a criação de uma plataforma digital, o site Rede +Criança, lançado em março de 2013, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que permite a todas as crianças do Brasil ter um espaço para colocar suas próprias questões relacionadas à sus-tentabilidade, com o viés da natureza e o das rela-ções humanas e sociais. Assim, as crianças podem discutir tanto sobre temas como água, terra e ar, que estão dentro da teia da natureza, e também sobre a escola, família e comunidade, que estão na teia das relações humanas. Mesmo com o fim do projeto “+Criança na Rio+20”, o trabalho pros-seguiu com a Rede +Criança. Para acessar: www.fundacaoxuxameneghel.org.br/redemaiscrianca

O terceiro aspecto que gostaria de destacar, en-fim, é que é incrível quando de fato possibilita-mos a aproximação das crianças. Não se trata de deixar apenas as crianças falarem, fomentar espaços de escuta para as crianças, mas de es-tabelecer um modelo de participação que tenha a colaboração de crianças e adultos. Precisa-mos nos perguntar como podemos aprender a construir juntos, partindo do preceito de que a criança tem mesmo muito a dizer, a propor, a questionar e que, muitas vezes, aponta caminhos que nós, adultos, não havíamos enxergado e que são possibilidades muito reais e concretas.

Eduarda Rocha, 12 anos, Rio de JaneiroFaço parte da Rede +Criança desde o início. Gostaria de falar sobre a Carta das Crianças para a Terra, um documento muito importante para nós. Essa carta foi construída com quatro grupos, desde a escrita até a avaliação, dese-nhos e a mobilização. Tiramos propostas de cada pé de feijão que cada um trouxe de sua região. O pé de feijão representava uma árvore de iniciativas, onde as crianças colocavam suas propostas para o lugar em que vivem, a sua co-munidade. Era desenhado em uma folha de pa-pel e as crianças iam incluindo as propostas para os problemas que identificavam em cada lugar. Cada grupo pintou e enfeitou do seu jeito.

Vitória Lira, 12 anos, Rio de JaneiroO pé de feijão tinha propostas na base, no meio e no alto. As propostas na parte inferior tratavam do que as crianças podem fazer sozinhas. Já as do meio eram questões que os adultos poderiam resolver, e as do topo, as que governantes pode-riam ajudar a solucionar.

Crianças apresentando suas propostas e estratégias. Foto: Blad Meneghel.

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Mural da Rede + Criança.

Foto: Mariana Koury.

Eduarda Rocha, 12 anos, Rio de JaneiroNas reuniões que fizemos, chamadas de “forun-zinhos”, tiramos as propostas dos dez pés de feijões e organizamos. O grupo de avaliação e escrita incluiu as propostas na carta, que tem só três páginas, e fizemos uma votação para definir o que continuaria ou não no documento. Assim, construímos a Carta das Crianças para a Terra, que deu mais voz às crianças, e a entregamos para a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Tei-xeira, no Forte de Copacabana, no último dia da Rio+20, em 2012.

Vitória Lira, 12 anos, Rio de Janeiro E esse projeto não acabou. Ele cresceu mais e formou a Rede +Criança.

Sérgio Eleutério, 11 anos, Rio de JaneiroFaço parte do grupo mobilizador da Fundação Xuxa Meneghel. A Carta das Crianças para a Terra é um documento muito importante para as crianças, pois nos representa. Foi feito por nós, crianças, e mostra que, mesmo sendo peque-nos, nós temos propostas, nos preocupamos com as coisas. Somos crianças, mas podemos dar sugestões. Não precisamos participar só quando crescermos. Já a Rede +Criança é um site que fizemos para as crianças posta-rem suas ideias, para que elas tenham voz.

Eduarda Rocha, 12 anos,Rio de JaneiroNeste site, podemos escrever textos e até de-núncias. Se uma criança pede ajuda aqui e se nós pudermos ajudar, nós ajudamos. Se não, pedimos a ajuda de um adulto.

Sérgio Eleutério, 11 anos,Rio de JaneiroÉ mais simples acessar o site a partir do site da Fundação Xuxa Meneghel. Lá você acha a Rede +Criança e é só clicar em cima. Podemos enviar textos dentro da teia das relações hu-manas, ou seja, textos sobre a família, sobre a comunidade, sobre a escola. E tem a opção “Tudo”, em que se pode pedir ajuda. Existe tam-bém a teia da natureza, para textos sobre ar, ter-ra e água. Podemos “curtir” os textos que che-gam ao site e eles ganham destaque.

Gostaria de pedir a quem tiver filhos, netos, sobrinhos, que avise a eles sobre o site Rede +Criança. Queremos muito mesmo pedir a voz das crianças. Elas não têm tanta voz quanto pensamos.

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O que vou apresentar é um pouco de nossa ca-minhada na construção de ações e projetos para o fortalecimento da participação política de crian-ças pequenas. A Avante, como membro da Rede Nacional Primeira Infância, segue sua lógica de trabalho no que tange ao direito à participação infantil. Nós já adotávamos parte dessa lógica nos programas e projetos voltados à formação continuada de professores de educação infantil, os que lidam com crianças de 0 a 5 anos. Partin-do do modelo socioconstrutivista, com inspi-rações de Paulo Freire, de Anísio Teixeira e de tantos outros teóricos, os professores já têm, na sala de aula, algo da participação infantil, ado-tando propostas como discutir a rotina de sala, os combinados do grupo durante as atividades es-colares. Esse olhar do professor para a potência da criança pequena na participação política é um pouco o que iluminará nosso trabalho.

A Avante também se norteia pelos documen-tos que reafirmam o direito de participação da criança. Acordos políticos internacionais e nacionais, no Brasil, a própria Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Programa Nacional de Direitos Humanos e o Plano Nacional pela Primeira Infância são alguns exemplos de marcos legais e regulatórios nos quais nos embasamos.

Contribuem também experiências e vivências próprias, tanto na Avante como as que tive à época da faculdade. Sou psicóloga, mais volta-da à psicologia social, com uma caminhada por metodologias mais etnográficas e antropológi-cas. Tudo isso, enfim, norteia as atividades que desenvolvemos com crianças.

Uma dessas experiências foi a que vivenciei em 2012 no Peru. Fui convidada a participar da Con-

Estratégias de mobilização para a participação infantil: a experiência do Infâncias em Rede

Ana Oliva MarcílioConsultora da Avante Educação e Mobilização Social, organização não governamental sediada em Salvador, Bahia, desde 2001, e coordenadora do setor de Gestão de Projetos, Ana é mestre em Educação e Justiça Social pela Universidade de Londres/Institute of Education e psicóloga formada pela Universidade Federal da Bahia, com especialização em Psicologia Social pelo Núcleo de Psicologia Social da Bahia. Na Avante, é responsável pelos projetos: Foco na Infância, Infâncias em Rede e Primeira Infância Cidadã. [email protected]

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sulta Internacional de Expertos em Prevenção e Resposta à Violência contra a Criança na Primei-ra Infância, organizado e apoiado pelo UNICEF, Fundação Bernard van Leer e pelo Movimien-to Mundial por la Infancia de Latinoamerica y Caribe, com o apoio do Ministério de Relações Exteriores do Peru e a Salgalú, realizado na ci-dade de Lima, Peru. Esta consulta contou com especialistas em violência e segurança pública de diversos países como Índia, Estados Unidos, Inglaterra, Brasil, México e do próprio Peru. Ha-via também um grupo de especialistas que se diferiam dos demais por serem crianças e ado-lescentes. Os dois grupos (crianças e adultos especialistas) tiveram agenda diferenciada e só se encontraram ao fim do evento quando o gru-po de crianças e adolescentes veio apresentar os resultados de suas conversas e discussões. O que vale ressaltar aqui é que mesmo sendo

eventos em paralelo houve muita congruência entre as análises, as perspectivas e encaminha-mentos dos adultos e das crianças.

Fui apresentada ao grupo de crianças e conheci uma instituição que mobiliza e apoia a articula-ção de crianças e adolescentes no Peru cha-mada Infant – Nagayama Nório. Com o Infant tive a oportunidade de acompanhar a mobili-zação de crianças em Lima (capital) e em Iqui-tos, cidade que integra a Amazônia Peruana. O que mais marcou nesses grupos foi como o brincar e o fortalecimento da participação infan-til andam juntos nesse trabalho. Basicamente, o trabalho deles é ir à comunidade todos os dias e brincar. Perguntei diversas vezes para a equipe do Infant qual a rotina de trabalho deles: “Pela manhã, ficamos no escritório e, à tarde, vamos à comuni-dade para brincar”. “Mas vocês fazem o quê?”,

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eu perguntei novamente. Eles mais uma vez respondem: “Nós vamos e brincamos com as crianças”. Tive dificuldade de compreender, dada a simplicidade da ação e a força dos re-sultados. Então, eu tive a oportunidade de ir e brincar com as crianças também.

O trabalho do Infant é o de identificar grupos organizados e articular outros onde não haja coletivos já organizados. Como? Indo às comu-nidades para brincar. A partir das brincadeiras, muitas coisas aparecem. O contexto peruano no que tange à participação infantil é bem diferente do Brasil. Lá no Peru há instâncias de participa-ção desde a escola. Os meninos já têm munici-palidades escolares, elegem prefeitos, prefeitas, reúnem-se com o poder público local e discutem problemas. Já existe, portanto, uma espécie de grupo de crianças mobilizadas. Há também as que são mobilizadas em grupos culturais. Não sei, no Rio de Janeiro, um grupo que poderia ci-tar, mas na Bahia, por exemplo, seriam as crian-ças do Olodum, do Ilê Ayê, de vários outros gru-pos que mobilizam as crianças para a cultura e que as apoiam para além da música que está sendo ensinada. O menino começa a se instru-

mentalizar politicamente e a fazer pautas políti-cas dentro da obra de arte que desenvolve.

O Infant também trabalha com o movimento das crianças trabalhadoras que existe no Peru, com-pondo a partir desses grupos já articulados da mesma forma que vai às comunidades em que não existem grupos organizados. Começam com as brincadeiras e, um pouquinho adiante, incluem as oficinas, em que se trabalham as mesmas questões que na educação social ou nos projetos sociais. A metodologia é criar discussão e ouvir as crianças. Nesse caso específico do Peru, em que o tema era o do castigo físico, as crianças enu-meravam castigos e violência sofridos dentro de casa, criando estratégias de enfrentamento. Mas a brincadeira na comunidade é muito livre mesmo. Visitei três comunidades diferentes, as atividades acontecem nos espaços que as comunidades têm. Geralmente são espaços abertos, públicos/comunitários. Onde brincam? No campo de fute-bol, que geralmente fica no centro da comunida-de. Começam a brincar ali, a família fica por perto, outros adultos, e assim eles vão brincando e a par-tir daí vão surgindo as questões da comunidade, das crianças e das famílias.

Crianças do Calabar produzem peça para informar a comunidade sobre a Lei da Palmada.Foto retirada do site do projeto.

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E por que essa experiência foi tão iluminadora? Para mim, um ponto crucial é a desconstrução de estigmas e do olhar negativo sobre o espaço em que se está trabalhando. Por exemplo, nessa zona peruana na região amazônica, são frequen-tes as cheias e vazantes de rios, e a comunidade passa a ser retratada como “pobrezinha”, como aquela que sofre com as inundações, que não tem infraestrutura. A mobilização, neste caso, deu-se no sentido de remover o rótulo de “pobre-zinhos”, porque eles próprios sentiam-se muito ricos como parte daquela comunidade. Não que-riam viver sob o estigma de “coitadinhos”. Então, eles se organizaram e criaram o chamado “Festi-val da água” (que já teve algumas edições e bons resultados). Um dos grandes problemas que a comunidade enfrentava no período das enchen-tes eram as mortes de crianças de 0 a 3 anos de idade. Mesmo sendo elevadas, as casas eram tomadas pela água em cheias mais fortes, e as crianças de 0 a 3 anos, mais frágeis, morriam afogadas rapidamente. Qual foi a participação das crianças? Elas foram mobilizadas a apontar as dificuldades e a criar estratégias de atuação. As casas com crianças de 0 a 3 anos de idade passaram a ser identificadas com uma bandei-rinha. A comunidade, em seguida, criou patrulhas entre as próprias crianças vizinhas dessas casas. Elas têm aulas de natação e, enfim, aquilo que vinha sendo retratado como um problema social e desastre natural é convertido numa forma de enriquecimento da comunidade.

A não estigmatização do espaço das pessoas com que se está trabalhando é fundamental para criar a participação mais genuína e não tão direcionada, ou seja, para que aquelas crianças possam pensar quais são seus problemas e ten-tem resolver. Nosso trabalho, portanto, não é o de indicar um problema na comunidade, mas permitir que ela própria os identifique. A água, para aquela população na região amazônica, não é um problema. O rio sobe e desce desde que a Amazônia é Amazônia, as casas são inundadas e vai continuar assim. Se essa condição se trans-

formar num problema muito grande, a vida na-quela comunidade será inviabilizada. Para eles, a participação foi no sentido de pensar formas de viver bem naquele espaço.

Como desdobrar essa experiência em Salvador? Para mim, um aspecto fundamental é perceber que, em relação ao Peru, nós estamos engati-nhando. Os peruanos já têm uma participação social arraigada, seja de adulto ou de criança. Não vejo nem adultos participando muito no Brasil, porque pautamos muito, mas as pautas não são efetivadas, não são incorporadas, não há controle social. Na minha opinião, a participa-ção política no Brasil ainda é incipiente até para os adultos. Então, o que fazemos em Salvador é tentar, a princípio, criar articulações com ou-tros grupos no Brasil, como a Fundação Xuxa Meneghel aqui de Pedra de Guaratiba no Rio de Janeiro, com a qual estamos discutindo e ob-servamos com o intuito de fortalecer práticas de participação infantil.

No caso de nossa atuação em Salvador, estamos trabalhando em um bairro em que já atuamos, chamado Calabar. Trata-se de uma comunidade onde saneamento básico, iluminação, transporte e infraestrutura são precários e que fica circuns-crita entre comunidades muito ricas de Salvador. Nós vamos lá para brincar. Identificamos com os moradores (crianças e adultos) os espaços de brincar, e daí começamos a brincar e a sentir ne-cessidade de algumas mudanças. Começamos a intervir nesse ambiente, reavivando as brinca-deiras, como a amarelinha, o xadrez, os jogos de damas. As crianças apontaram, entre outros, o desejo de ter mais plantas. Daí estão reavivando seus espaços, identificando pontos em que po-dem ou não brincar – perto de um bar, por exem-plo, segundo as crianças, não dava para brincar, porque esse bar coloca suas mesas exatamente em cima da amarelinha pintada no chão. Come-çamos a mapear os entraves do brincar naquela comunidade e, a partir disso, procuramos formas de superar tais impedimentos. É algo pequeno, mas que já serve para incluir a criança em espa-

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ços públicos e promover o diálogo e interação entre elas e a comunidade, para a garantia de seus direitos de brincar e de usufruir do espaço público. Recentemente, fizemos um debate so-bre mobilidade urbana e criança, com uma mesa só de crianças. Esse tipo de ação já desperta a vontade de falar desses espaços e nos ajuda a criar articulações.

A participação infantil demanda “ataques” múl-tiplos em todas as frentes, e por isso o que fa-zemos também é trabalhar com profissionais de educação infantil, para que eles próprios se compreendam como sujeitos políticos e, assim, vejam as crianças como tal. Começamos a es-

tender essa discussão a líderes comunitários e ainda tivemos um evento em que as crianças elaboraram um abaixo-assinado para entregar à Câmara de Vereadores, falando das dificuldades encontradas em seus Centros de Educação In-fantil e sugestões para a melhoria dos mesmos. A escrita de manifestos e cartas para legislado-res é uma forma de incidência política de adul-tos. Esta ação visou mostrar que as crianças têm e podem ir a espaços políticos, e usar os instru-mentos que possibilitem a participação infantil, inclusive, na Câmara de Vereadores.

Em seguida, a Comissão de Educação, Cultu-ra, Esporte e Lazer dos vereadores de Salvador

Crianças revitalizam espaços do Brincar no Calabar.Foto retirada dosite do projeto.

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convidou-nos para audiência pública sobre parti-cipação infantil. Após esse evento, a Comissão, que já estava fazendo avaliação das escolas de educação infantil pela cidade, resolveu em suas visitas posteriores escutar as crianças. Isso foi um resultado fenomenal. Um dos vereadores dis-se que aquela havia sido a melhor visita feita pela comissão, e as pessoas ficaram emocionadas... nunca tinham ouvido crianças. O fato é que antes não perguntaram, nunca olharam para elas.

Assim, na minha opinião, o primeiro movimento é esse, de escutar. Nos perguntamos muito como

fazer para ampliar a participação das crianças, o que devemos falar e fazer, como podemos pro-vocar. A estratégia que nós, da Avante, estamos usando para criarmos esse campo de diálogo com as crianças é a da brincadeira. As crianças brincam na rua, e nós estamos na rua brincan-do também. A partir disso, traçamos as possi-bilidades de interação e de proposição política, buscamos quem seriam os aliados para conse-guir realizar nossas pautas e nossas ações e daí construindo e fortalecendo a participação destas crianças em sua comunidade.

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A Vila Autódromo se situa perto do Autódromo de Jacarepaguá, numa área de intensa especu-lação imobiliária e, por isso, há praticamente 20 anos, sofre com ameaças de remoção. Entre os movimentos de moradia, a Vila Autódromo é um símbolo de resistência. Os motivos para sua re-tirada, apresentados pelo poder público, muda-ram ao longo desses anos – mas persiste ainda a pretensão de removê-la. Atualmente, a comu-nidade é ameaçada de ser removida tendo como pretexto a implementação do Parque Olímpico construído nas proximidades – apesar de, no projeto, a área prevista para a construção do parque não atingir ou incluir o espaço que ocu-pa a Vila Autódromo. Mesmo assim, a Prefeitura do Rio persiste na política de remoção, alegando outros motivos (construção do corredor BRT e alargamento de via).

Vale lembrar que na Avenida das Américas, en-tre 2010 e 2011, três ou quatro comunidades foram removidas de forma arbitrária (Restinga, Vila Harmonia e Vila Recreio) para o alargamen-to da referida via – mas isso não foi divulgado e são poucos os que sabem o que se passou.

Muitas pessoas ficaram na rua, receberam indeni-zações de R$ 2 mil ou R$ 3 mil, porque não qui-serem aceitar um apartamento do projeto Minha Casa, Minha Vida em Cosmos, bairro situado na Zona Oeste. Conversando com as pessoas, de-pois que foram despejadas, percebemos como esse processo de remoção afeta não só a ne-cessidade da moradia, mas tem impacto psico-lógico e, claro, também atinge as crianças. Em toda essa mobilização de moradia, sempre es-quecemos como isso afeta as crianças. Elas percebem os pais preocupados, a comunidade num clima muito tenso.

Desde 2012, em um novo pretexto de remoção, a Vila Autódromo iniciou uma campanha pela sua urbanização e permanência. Dentre outras ini-ciativas, essa campanha tinha como proposta a elaboração do “Plano popular de urbanização da Vila Autódromo”, que foi construído com urba-nistas e arquitetos da UFF e da UFRJ como uma alternativa à remoção, ou seja, um urbanismo pro-duzido pela comunidade.

Nesse processo, nós e todo o grupo que par-ticipávamos do Projeto de Pesquisa de Carto-

Cartografia afetiva da Vila Autódromo

Clarissa Pires de Almeida NabackMestranda em Direito no programa de pós-graduação de Teoria do Estado e Direito Constitucional da Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Graduada em Direito pela Faculdade Nacional de Direito (FND) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente pesquisa conflitos urbanos, por meio da sociologia urbana e filosofia polí[email protected]

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grafias Insurgentes elaboramos junto à comu-nidade a construção de uma cartografia afetiva pelas crianças. Essa proposta foi também fruto das trocas e debates vivenciados no Laboratório de Cartografias Insurgentes, realizado em 2011, do qual participaram moradores da Vila Autódromo.

A cartografia foi desenvolvida em três eta-pas. Num primeiro momento, as crianças desenharam suas casas e outros lugares da comunidade e falaram sobre como en-tendiam aquele espaço. Realizamos também uma deriva pela comunida-de, pela qual as crianças conduziam a caminhada e mostravam os lugares que lhes chamavam mais a atenção. Esse momento foi registrado com fo-tos e filmagens. Em seguida, constru-ímos um mapa da comunidade com o material produzido. Esse mapa foi elaborado na Plataforma WEB/FIC chamada “Fronteiras ima-ginárias culturais”, pela qual é possível de-senvolver mapas interativos com di-ferentes formas e conteúdos. No mapa da Vila Autódromo, os desenhos se tornaram ícones, em que era possível clicar para ler mensagens e ver fotos

sobre os lugares mencionados pelas crianças. Abaixo, seguem alguns registros das atividades:

Mapa afetivo produzido pelas crianças da Vila Autódromo sob coordenação do Laboratório de Cartografia. Disponível no site

Fronteiras Imaginárias Culturais (http://fronteirasimaginarias.org/node/555). Foto retirada do site do projeto.

Mapa desenhado pelas crianças da Vila Autódromo. Foto retirada do site do projeto.

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Tradicionalmente, a cartografia é a atividade de confecção de mapas – em geral, mapas geo-gráficos ou objetivos, que oferecem endereços e distâncias, com a maior proximidade possível da realidade do espaço físico que representa. Já a cartografia afetiva trabalha com a ideia de terri-tório habitado e que, portanto, tem significados, engendra acontecimentos. O espaço não é visto apenas como território físico, e o mapa é enri-quecido por meio de experiências, sentimentos e memórias do lugar. Se entendemos que a políti-ca é majoritariamente dominada por certos sujei-tos, a cartografia afetiva responde à demanda de como enriquecer e ampliar os espaços políticos. É uma ferramenta aberta e quem a usa é que determina a forma de trabalho.

Por isso, usamos a cartografia afetiva para tra-balhar com a comunidade da Vila Autódromo, no Rio de Janeiro, constantemente ameaçada de remoção. Com o endurecimento do conflito, as crianças são automaticamente excluídas do pro-

cesso, quando, na verdade, a riqueza do territó-rio passa exatamente pela vida das crianças e de todos os que estão lá, e não só dos atores que tomam a frente da luta. A cartografia afetiva, em especial com crianças, responde a essa deman-da de um embate que é político, mas também de vida. Afinal, são vidas afetadas por ações de governo e de empreiteiras. O debate fica empo-brecido e restrito se tratado apenas em termos de direito à moradia.

A vida de uma comunidade é feita exatamente dos atravessamentos, de toda a produção, de toda a riqueza que circula por aquele espaço especifi-camente. Jamais seria a mesma riqueza se não fosse aquele espaço, ou seja, o território é parte integrante dessas relações, é constituinte da vida.

Fizemos a cartografia na Vila Autódromo no con-texto de um grande plano de comunicação, uma campanha para não apenas divulgar a luta da Vila Autódromo, mas também para produzir for-mas de mobilização. Com adultos e jovens da

Pedro Barbosa MendesDoutorando em Ciência da Informação no IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia). Está ligado ao Laboratório Território e Comunicação (LabTeC/UFRJ), onde participa de grupo de pesquisa com enfoque em políticas sociais, políticas públicas da cultura, direito à cidade e relação entre governo e movimentos sociais. Realiza pesquisa sobre a relação entre democracia, cidadania, autoformação e mobilização produtiva dos territórios. Além disso, é mestre em Serviço Social (2010) possui graduação em Ciências Sociais (2002), ambos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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comunidade, a arquitetos e engenheiros, foi pro-duzido um plano democrático de habitação, de urbanização da Vila Autódromo, que eliminaria a necessidade de remoção. Entre os muitos argu-mentos que a prefeitura inventa, todos de oca-sião, alguns seriam resolvidos pelo plano, e o custo seria três ou quatro vezes menor do que o previsto no plano da prefeitura. As crianças foram envolvidas nessa luta, tentando de alguma forma pontuar questões para que esse plano fosse adiante, levando em conta ao máximo os sujeitos que ali vivem.

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Trabalho no Centro de Educação para o Trânsito da Companhia de Engenharia de Tráfego da Pre-feitura do Rio de Janeiro (CET-Rio) desde 2009, mas sou funcionário da CET-Rio já há 20 anos. Gostaria de falar sobre as placas que serão im-plantadas na Avenida Itaoca, em frente à entrada da Comunidade Nova Brasília, Complexo do Ale-mão, no domingo, dia 22 de setembro de 2013. Mas antes acho importante contextualizar a questão da educação para o trânsito que, muitas vezes, não é clara para as pessoas, até mesmo dentro próprio órgão de trânsito onde trabalho.

O trânsito é constituído por pessoas, veículos e animais. Essa ordem não é aleatória – a pessoa está em primeiro lugar e isso não é à toa, o ser humano é o elemento principal do trânsito a ser considerado. A população em geral acredita que cuidar do trânsito é pensar no carro, no veículo motorizado, e esquece o elemento principal. O Código de Trânsito, instituído em 1997, diz ainda no primeiro capítulo que todos os órgãos que fa-zem parte do sistema nacional de trânsito devem

dar prioridade à defesa da vida. Essa consciên-cia é algo que temos que desenvolver dentro do próprio órgão de trânsito, porque normalmente o foco é outro, como reduzir engarrafamentos e zelar pela fluidez. Não culpo os engenheiros de tráfego, pois é isso que a população, a impren-sa e as autoridades nos cobram, mas esta não deveria ser a prioridade. A defesa da vida fica, muitas vezes, em segundo plano, porque os pro-prietários de veículos em geral pertencem aos estratos mais altos da sociedade – principal-mente em comparação aos pedestres e usuários de transporte público – e são os que têm a voz mais ativa e, assim, conseguem ser atendidos em suas reivindicações. O pedestre não tem o mesmo volume de voz para reclamar dos pro-blemas que enfrenta.

Há três aspectos na gestão do trânsito: en-genharia, fiscalização e educação. A enge-nharia lida com projeto viário, tempo dos sinais, detalhes técnicos, entre outras questões. A fis-calização é uma necessidade, já que as pessoas

Os três textos a seguir, de Mauro C. Ferreira, Flora Moana Van de Beuque e Rosane de Oliveira, fazem referências ao mesmo projeto realizado em 2013, em parceria entre a CET-Rio, o CECIP e a Rio+Social.

Projeto A Caminho da Escola

Mauro Cezar FerreiraSociólogo, especialista em Gestão do Trânsito, Professor de Sociologia e Filosofia e Diretor do Centro de Educação para o Trânsito da [email protected]

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não cuidam do espaço público de maneira cole-tiva. Por fim, temos a educação. Sua diferença para os dois aspectos anteriores é que ela se dá no momento da ação. A engenharia atua com projetos, ou seja, antes de a ação ocorrer. Já a fiscalização trabalha quando a situação perigosa já aconteceu. A educação atua na pessoa, o úni-co elemento que está no local no momento da ação e pode decidir se vai agir corretamente ou não. Daí o potencial de transformação vinculado à Educação para o Trânsito.

Para entender a importância da educação, é pre-ciso antes ter uma noção exata do que é a edu-cação para o trânsito. Vai muito além de trans-mitir regras, trata-se de tentar conscientizar as pessoas de um comportamento mais coletivo, de fazê-las perceber que o trânsito ocorre no es-paço público, no espaço que deveria ser utiliza-do de forma democrática.

Os carros são responsáveis por apenas 14% das viagens que fazemos, segundo o PDTU (Plano Di-retor de Transportes Urbanos do Estado do Rio de

Crianças durante atividade do projeto A Caminho da Escola. Foto retirada do site do projeto.

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Janeiro, de 2005), mas ocupam 70% do espaço viário. Assim, pensar no trânsito com o obje-tivo de “como fazer o carro trafegar” é muito antidemocrático. É preciso priorizar o pedestre e o transporte público. Não podemos continuar insistindo em planejamento voltado para auto-móveis, porque a cidade não terá como pros-seguir.

Antes de abordar a participação da criança na educação para o trânsito, gostaria de tratar do tema dos acidentes. Dados do Ministério da Saúde sobre as causas de morte mostram que as chamadas “causas externas” são as princi-pais causas de morte nas diversas faixas etárias – e a principal causa externa entre crianças e adolescentes é o acidente de trânsito, segundo o DataSus. Então, o que caberia à educação para o trânsito? Educar as crianças para que se escondam dos carros ou humanizar o trânsito? Não me parece justo adestrarmos as crianças para fugirem do perigo.

Assim surgiu a ideia do projeto “A caminho da escola” em 2008. Chegamos à conclusão de que a melhor maneira de tentar humanizar o trânsito é com a participação de quem vivencia o proble-ma. O primeiro passo é educar quem gerencia o trânsito, quem cuida do espaço público. Quando ingressei no Centro de Educação para o Trânsito da CET-Rio, tentamos adotar o seguinte slogan: “Educação começa em casa”. Percebemos que não adianta dizer para o pedestre usar a calçada, se a calçada está com problemas, se não há es-paço para o pedestre, se o próprio planejamen-to urbano lança o cidadão na situação de risco. Começamos a fazer palestras dentro da própria CET-Rio para tentar mudar essa concepção. Uma das perguntas que fizemos aos engenheiros era sobre a dimensão das calçadas. Todos sabiam como dimensionar a largura ideal para uma pis-ta de rolamento, tomando como base a fluidez, a velocidade da via, etc., mas e as calçadas? Quem se preocupava em dimensionar a largura ideal do

Projeto desenvolvido pela CET-Rio. Foto retirada do site do projeto.

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passeio, para atender com segurança e conforto o pedestre? Ampliamos esse debate para outros órgãos da prefeitura, como a Guarda Municipal e a Secretaria de Meio Ambiente. Chegamos ao projeto “A caminho da escola”, que realizamos desde 2008, porém, ele se restringia à questão do comportamento. Por exemplo: ensinávamos as regras de segurança a caminho da escola, ou a caminho de casa, porque sabemos que a maior parte das crianças (na rede municipal prin-cipalmente) vai sozinha para a escola ou com ir-mãos menores. Além de transmitir os conceitos de segurança, como andar pela calçada ou atra-vessar na faixa de pedestres. Em 2013 incorpo-ramos uma nova questão: a avaliação do cenário de risco. Desenvolvemos um questionário e um tipo de trabalho para ser feito com as crianças durante a semana. Os professores são prepara-dos para trabalhar o tema dos cenários de risco ao longo da semana. Em paralelo às atividades lúdicas realizadas com os alunos há uma instru-tora responsável por capacitar os professores, indicados pela escola, para aplicarem em suas turmas a pesquisa de identificação do cenário de risco. Esta pesquisa tem por objetivo tornar os alunos mais participativos e com uma consciên-cia mais cidadã.

Trata de questões relacionadas à segurança e à acessibilidade, para que as crianças prestem atenção também nas rampas para deficientes físicos, nas faixas de pedestres, nas condições das calçadas, entre outros. As crianças elabo-ram, enfim, um mapa de risco, que posterior-mente recolhemos para estudar o que pode ser feito. São maquetes e mapas que mostramos para os engenheiros da CET-Rio que, muitas vezes, ficam surpresos com a capacidade que as crianças têm de captar o problema.

A diferença está na proposta de solução, que é diferente e pode ser complementar à visão do engenheiro. Essa diferença ocorre porque o téc-nico visita o local em determinado momento, en-quanto o morador de fato vivencia aquela reali-

dade. De qualquer forma, a proposta de solução é mais rica quando vem da própria comunidade.

No caso da Escola Municipal Delfim Moreira, no Rocha, a CET-Rio inverteu o sentido de uma via com base no projeto das crianças, ou seja, houve realmente uma intervenção no trânsito daquela região partindo da avaliação que as crianças fizeram.

No Complexo do Alemão, as crianças não pediram nenhuma intervenção física (normal-mente, elas pedem sinais, passarelas, travessias de pedestres etc.). Lá, elas nos disseram que o problema era comportamental: os motoristas não respeitam os pedestres. Então levamos as crianças à fábrica de placas da CET-Rio, e eles fizeram placas com o texto “Respeite o sinal”. No próximo domingo, 22 de setembro, dia Mundial Sem Carro, a CET-Rio implanta, no Complexo do Alemão, as placas educativas feitas por estudan-tes da rede municipal.

A ideia das placas de conscientização partiu dos próprios alunos da comunidade durante o Proje-to “A Caminho da Escola”, no qual eles produzi-ram o mapa de risco no trânsito do entorno da unidade escolar. Os estudantes avaliaram que o principal problema do local é a falta de respeito por parte dos motoristas e motociclistas em rela-ção aos pedestres.

Os alunos visitaram a Fábrica de Placas da CET--Rio, onde ajudaram a concretizar suas ideias, pro-duzindo as placas. Além disso, eles participam de uma campanha educativa apresentando faixas com desenhos e mensagens desenvol-vidas por eles próprios no dia da inauguração. É muito diferente de quando a própria CET-Rio, que é vista como um órgão para multar e arre-cadar, pede para que a comunidade respeite o sinal. Trata-se da criança da própria comunida-de, dizendo: “Olha, você está me colocando em risco”. O impacto é completamente diferente.

Gostaria de mostrar, assim, que dentro do setor público também existe espaço para ouvir a crian-ça e que conseguimos fazer intervenções.

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ApresentaçãoOusada do ponto de vista político, a perspec-tiva da participação infantil já está presente em convenções e é posta em prática em alguns paí-ses. Na Convenção dos Direitos das Crianças da ONU (1989), o protagonismo infantil é abordado

Participar é um direito da criança: contribuições do Projeto Criança Pequena em Foco2

Moana Van de Beuque Coordenadora do Projeto Criança Pequena em Foco. Atua nas áreas de gestão de projetos e pesquisa. Formada em Ciências Sociais pela UFRJ. Mestre em Antropologia e Sociologia pela UFRJ. [email protected]

Nazareth SaluttoDoutoranda em Educação (PUC-Rio), Mestre em Educação (UFRJ), Pedagoga (ISERJ) e membro do Núcleo da Infância do CECIP. Atua em cursos de formação de professores com ênfase nas discussões sobre infância, leitura literária, entre outras. [email protected]

Mariana KouryFormada em Ciências Sociais pela UFRJ. Tem experiência com projetos sociais realizados por ONGs e movimentos sociais em favelas. Atualmente é assistente do Projeto Criança Pequena em [email protected]

2 Esse texto foi elaborado com a colaboração de Mariana Koury e Nazareth Salutto (assistente e assistente pedagógica do Projeto Criança Pequena em Foco na época do seminário). Em sua elaboração nos apoiamos em outros textos já produzidos pela equipe.

no 3º e no 12º artigos. Ambos apontam para a necessidade de escutar a criança, diretamente ou por meio de uma instituição apropriada, sobre todos os processos e ações que lhes concer-nem. A partir da década de 1990, originaram-se

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diversas iniciativas de envolvimento cidadão das crianças nas políticas públicas municipais, vol-tadas principalmente para questões como meio ambiente, trânsito e espaços de lazer. Disso re-sultaram propostas municipais, nacionais e de redes internacionais reunindo projetos motivados pela Agenda 21 e pela Convenção dos Direitos da Criança da ONU.

Em 1991, na Itália, foi criada uma medida rele-vante para promover a participação infantil nos assuntos da cidade. Denominado Città dei Bam-bini (Cidade das Crianças), o projeto envolve me-todologias que buscam promover a participação de meninos e meninas junto aos governos mu-nicipais, atuando nos conselhos infantis e no planejamento participativo, quando são desen-volvidas propostas concretas e contribuições ao planejamento urbano. Segundo Corsi (2002), Belluno foi a primeira província italiana a estabe-lecer, em 1991, um conselho municipal aberto à participação das gerações mais novas. A cida-de de Fano criou um conselho infantil em 1992, seguida da cidade de Pesaro, em 1994. A partir dessas experiências, outras cidades italianas de-senvolveram estruturas participativas similares. O Peru também tem uma experiência muito inte-

ressante de participação infantil, com a existên-cia de organizações infantis que atuam em todo o país na defesa de seus direitos e se articulam num movimento nacional de meninos e meninas.

O Brasil é signatário da Convenção dos Direitos da Criança da ONU e prevê no seu Estatuto da Criança e do Adolescente o direito à participa-ção. Apesar disso, há poucas iniciativas de par-ticipação efetiva das crianças no planejamentourbano, bem como em outras questões sociais.Mas essa concepção vem se fortalecendo em nosso país, seja nos meios acadêmico/educa-cionais, seja nos sociais e políticos. Destaca-se a Rede Nacional Primeira Infância (RNPI)3, que reúne organizações do terceiro setor, do gover-no e do setor privado, e vem articulando nos últimos anos a formulação de Planos para a Pri-meira Infância4 em alguns estados e municípios. Esses planos são elaborados com metodologias variadas. Em alguns casos, contam com a efeti-va participação de crianças.

No contexto brasileiro, nos últimos 30 anos, a concepção de infância e de criança vem sendo ampliada e redesenhada à luz de discussões te-óricas, políticas e sociais, favorecendo uma reor-ganização de conceitos e práticas. Há um maior

3 Para mais informações sobre a RNPI, acesse: http://primeirainfancia.org.br/4 Trata-se de documento organizado pela sociedade civil, pelo poder público e terceiro setor para a criaçãoe implementação de diretrizes que abordem as prioridades para investimentos em questões pertinentes à criança e à infância.

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reconhecimento do papel positivo das ações das crianças, nas relações que estabelecem entre si, com os adultos e com o contexto em que vivem.

Projeto Criança Pequenaem FocoO projeto Criança Pequena em Foco, realizado pelo CECIP5, teve início no final de 2011, com o objetivo de incluir a perspectiva das crianças pequenas na formulação de políticas públicas6, com foco nas ações realizadas na área de in-fraestrutura em favelas. Ao longo do desen-volvimento do projeto, percebemos que seria necessário atuar de diferentes maneiras, com estratégias distintas, para alcançar tal objetivo. Nesse projeto estabelecemos algumas linhas de ação, como: sensibilização e transferência de tecnologia para o poder público, contribui-ção metodológica para a escuta das crianças, atuação na difusão dessa prática, investimento na atuação em rede e em pesquisa.

Como atividade do projeto, no primeiro semes-tre em 2012, em articulação com o IPP (Instituto Pereira Passos)7 e o Rio+Social8, fizemos uma experiência piloto de escuta de crianças nos morros Santa Marta e Chapéu Mangueira/Babi-lônia no Rio de Janeiro, produzindo um vídeo e uma publicação. No vídeo9 as crianças falaram sobre os problemas que enfrentam no cotidia-

no, aquilo que desejam ver mudado, assim como o que gostam nas comunidades. Esse material tem ajudado na sensibilização do público para a questão. Ao assisti-lo, algumas pessoas pa-recem se dar conta de que as crianças têm opi-niões relevantes e uma visão complexa sobre a realidade que vivem. Já a publicação Vamos ou-vir as crianças?: Caderno de Metodologias Parti-cipativas do Projeto Criança Pequena em Foco10, outro produto desta experiência, teve como ob-jetivo subsidiar metodologicamente aqueles que querem realizar atividades de escuta11. Essa publi-

Crianças apreciando fotos durante exposição na escola. Foto: Mariana Koury.

5 O CECIP (Centro de Criação de Imagem Popular) foi criado em 1986 para contribuir na construção de uma sociedade democrática e para fortalecer a cidadania (www.cecip.org.br).6 O projeto é realizado com apoio da Fundação Bernard van Leer e Instituto C&A e tem o acompanhamento de Claudius Ceccon (diretor do CECIP) e Claudia Ceccon (coordenadora de projetos do CECIP).7 Instituição da prefeitura do Rio de Janeiro responsável por prover dados para subsidiar as ações da

administração municipal.8 Programa realizado pelo IPP que tem como objetivo articular políticas sociais nas favelas que contam com

UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).9 Link para o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=cloXVTHgIEU. 10 http://www.cecip.org.br/images/vamos_ouvir_criancas-ebook.pdf11 Essa etapa do projeto foi coordenada por Beatriz Corsino. As oficinas e os textos do caderno foram formulados por ela e pela equipe do projeto à época: Marina Dantas (assistente de projeto) e Anna Rosa Ammancio (pedagoga).12 É o caso de Nova Iguaçu e do Distrito Federal. 13 Essa etapa do projeto teve a coordenação de Moana Van de Beuque, com participação da equipe: Mariana Koury (assistente de projeto) e Nazareth Salutto (pedagoga).

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cação tem contribuído para a realização de algu-mas experiências, tendo sido utilizada, por exem-plo, como fonte metodológica em processos de inclusão da participação infantil em planos muni-cipais de primeira infância no Brasil12.

Em 201313, iniciamos uma parceria com a CET--Rio (Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de Janeiro) e com a Rio+Social. A primeira realiza um trabalho em escolas municipais de educação para o trânsito e um processo de escuta sobre os problemas que as crianças enfrentam no caminho entre a casa e a escola. Em alguns casos, são realizadas posteriores intervenções a partir dessa escuta. Nossa parceria se dá no sentido de con-tribuir metodologicamente para esse processo de participação infantil, assim como atuamos no re-forço à inclusão da escuta da criança pequena.

No âmbito desta iniciativa, fizemos uma ação na Escola Municipal Professor Affonso Várzea, na fa-vela do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, com crianças de 6 anos. As perguntas básicas eram: quais são os principais problemas no ca-minho até a escola? E que soluções são possí-

veis? O resultado foi muito interessante porque as crianças tinham muito domínio dos problemas e apresentaram soluções riquíssimas. As crianças conhecem muito bem os riscos e as motos foram apontadas como um grande problema. Os moto-ciclistas dirigem em alta velocidade e, principal-mente, não obedecem ao sinal de trânsito pró-ximo à escola. Quanto às soluções, as crianças sugeriram, por exemplo, conversar com os moto-taxistas e instalar quebra-molas.

Também nos surpreendeu a sugestão das crian-ças de instalar uma placa logo embaixo do semá-foro com o texto: “Respeitem o sinal”. Achamos engraçada a sugestão, anotamos como um dado e, certo dia, Mariana Koury, da equipe do projeto, disse que havia visto uma placa com o texto “Res-peitem o sinal” em Botafogo, na Zona Sul. Então nos demos conta de que esse tipo de placa real-mente existe e fomos conversar com a CET-Rio, que nos informou que se trata de uma placa de reforço. Em seguida, fomos até a fábrica de pla-cas a convite da CET-Rio, para elaborar, com as crianças, a sinalização que elas sugeriram.

Crianças durante oficina do Projeto Criança Pequena em Foco, no Complexo do Alemão (RJ), em 2013. Foto: Nazareth Salutto.

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Bibliografia consultada

BORBA, A. A participação social das crianças nos grupos de brincadeira: elementos para a com-preensão das culturas da infância. Revista Educação em Foco. Juiz de Fora. v. 13, n. 2, p. 139-156, set 2008/fev 2009.

CONANDA. Acesso em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/59077150/dou-secao-1-13-09-2013-pg-3

CORSI, M. The child friendly cities initiative in Italy. Environment & Urbanization, v.14, n. 2, 2002.

GAYTÁN, A. Protagonismo Infantil. In: La Participación de Niños y Adolescentes en el Contexto de la Convención sobre los Derechos del Niño: Visiones y Perspectivas. Actas del Seminario. Bogotá, p. 86, 1998.

PÉREZ, B, PÓVOA, J, MONTEIRO, R, CASTRO, L. Cidadania e participação social: um estudo com crianças no Rio de Janeiro. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v.20, n.2 maio/agosto, 2008.

UNICEF. The State of The World’s Children, 2003. Disponível em: http://www.unicef.org/sowc03/contents/pdf/SOWC03-eng.pdf

Essa parceria continua. Temos como objetivo fa-zer outras intervenções com participação infantil e do poder público. São experiências locais, mas podem servir como inspiração para outros con-textos, tornando a participação dos pequenos mais usual na realização dos projetos.

Considerações finaisApesar de ser pouco conhecido no Brasil, esse direito vem sendo promovido e ganha maior vi-sibilidade. Diversos atores sociais se dedicam a propor uma reflexão e elaborar conceituações, metodologias e formas de avaliação que pos-sam abranger a diversidade de contextos cultu-rais, políticos e socioeconômicos das crianças e adultos envolvidos em projetos de participação.

As crianças são sujeitos produtores de conheci-mento, ativas, capazes de pensar e discutir – em suas distintas formas de se expressar – sobre as-suntos que afetam sua vida e ações e situações das quais participam, direta ou indiretamente. Os adultos devem estar dispostos a escutá-las,

criando estratégias e instrumentos metodológi-cos que possam alterar paradigmas que veem as crianças como objetos de ações, mas não su-jeitos aptos a participarem. Este processo deve ser feito de forma articulada, respeitando os es-paços, as funções e papéis, bem como as sin-gularidades que concernem a crianças e adultos.

A participação infantil é entendida como ação colaborativa que visa reverberar proposições que não só beneficiem as crianças, mas as colo-quem em diálogo e interação qualificada com os adultos. O que se almeja é que as crianças pos-sam ser compreendidas como cidadãs capazes de agir no seu tempo presente, com direitos ga-rantidos, contribuindo para a construção de um contexto social mais sensível à sua presença, às suas demandas, às suas opiniões.

A participação infantil poderia deixar de ser apenas uma aposta, para ser incorporada efe-tivamente na política e nas ações cotidianas, como via de mão dupla, favorecendo diálogos inter-relacionais colaborativos.

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A Rio+Social é um programa realizado pela Pre-feitura do Rio de Janeiro e coordenado pelo Ins-tituto Pereira Passos. Sua missão é articular as políticas e serviços municipais dentro das favelas que contam com a chamada Unidade de Polícia Pacificadora. Em 2013, a Rio+Social articulou uma parceria com o Centro de Comunicação e Educação para o Trânsito da CET-Rio com o ob-jetivo de compreender a percepção das crianças da Escola Municipal Afonso Várzea (Nova Bra-sília – Complexo do Alemão) sobre o risco que enfrentavam a caminho da escola, consideran-do o projeto “A caminho da Escola” (conduzido pela CCE – CET-Rio). O CECIP realizou oficinas com as crianças da E.M. Affonso Várzea, cujo diagnóstico foi somado às observações da equi-pe de campo da Rio+Social e levado à CET-Rio. Como desdobramento, realizou-se uma visi-ta das crianças à fábrica de placas da CET-Rio e instalada uma placa de reforço em semáforo próximo à escola (devido à solicitação feita pelas crianças). Além disso, foram instaladas também faixas com desenhos das crianças, buscando chamar a atenção dos motoristas para a impor-tância do respeito à sinalização. Nós, obviamen-te, entendemos as crianças como sujeitos de di-reito e participamos de ações, como a instalação

da placa de sinalização com o texto “Respeite o sinal”, concebida pelas crianças.

Somamos esforços, juntamos diagnósticos da Rio+Social, do CECIP e da CET-Rio, a fim de expor as necessidades que foram reconhecidas em conjunto. Estamos, por exemplo, trabalhando para atender às propostas que as crianças fize-ram de instalação de quebra-molas nas vias late-rais à escola, semáforo e conversa das crianças com os mototaxistas no Complexo do Alemão.

Na mesma comunidade, também apoiamos os agentes mirins de Saúde, trabalho desenvolvido por duas agentes de Saúde do CMS (Centro Mu-nicipal de Saúde) do Complexo do Alemão, que atua com aproximadamente 30 crianças de 7 a 12 anos, criando saídas fotográficas pela co-munidade, identificando questões como a do lixo, entre outras. As crianças assistem a vídeos, têm aulas, discussões sobre aquelas temáticas. A Rio+Social articulou a visita delas ao galpão das artes da Comlurb, onde essas crianças viram uma exposição de arte feita com lixo e puderam fazer brinquedos e afins com materiais recicláveis.

Uma das falas recorrentes entre as crianças diz respeito à falta de perspectiva de sair de regiões muito pobres, como o Areal. Percebemos que,

Rio+Social: um olharsobre a participação infantil

Rosane Fratane de OliveiraAssistente Social com especialização em políticas públicas, movimentossociais, direitos sociais e competências profissionais. Gestora da Rio+Social no Complexo do Alemão.

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sendo “agentes mirins de saúde”, as crianças pas-sam a acreditar que é possível transformar a reali-dade em que vivem. E elas já estão fazendo isso.

Voltando à parceria com a CET-Rio, fizemos uma avaliação com os pais e com outros moradores do Complexo do Alemão e nota-mos que os adultos apontavam os mesmos problemas que as crianças, como a falta de respeito à sinalização e o excesso de veloci-dade, e acabaram propondo as mesmas so-

luções que as crianças. Isso nos deu mais convicção de que as crianças estão pensan-do numa realidade que vivenciam de fato. Há sempre certa resistência sobre ouvir a criança. Será que ela sabe o que está falando? Ela tem desejos? Vemos que, sim, a criança tem dese-jos de melhorar sua comunidade. Isso reforça a importância da parceria, pois podemos somar conhecimentos e propor melhorias reais para crianças e adultos de cada comunidade.

Crianças durante exposição realizada na E.M. Prof. Affonso Várzea sobre o projeto “Trânsito Seguro com Participação Infantil”. Divulgação IPP/Rio+Social/César Duarte.

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Resultado das discussões entre os participantes do seminário

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Bem, se a gente está pensando em cidade, eu acho que a primeira pergunta é: Será que a gen-te conhece a nossa cidade? Será que as nossas crianças conhecem a nossa cidade? De repente, para o processo de compreensão dessa cida-de, uma coisa legal seria as crianças realizarem passeios. A gente repara que as crianças nor-malmente vão de casa para a escola e da escola para casa. Então, como que a gente vai fazer com que as nossas crianças reconheçam a cida-de e se reconheçam como parte dela? Eu acho que isso é a primeira coisa.

Em relação a metodologias, a gente percebe que são necessários mais seminários como este, mais eventos em que a gente possa trocar, possa ten-tar de alguma forma organizar essas metodologias que estão em construção. Também foi colocado no grupo que existe a necessidade de criação de novas metodologias, e de compartilhamento das mesmas. Então, isso passa pelo reconhecimen-to do que já existe e pela necessidade de mais espaços a serem preparados para esse diálogo.

Outra questão colocada foi: temos praças, es-colas, hospitais, todos esses espaços. Será

Minigrupos durante discussão de temas relevantes ao fortalecimento da participação infantil. Foto: Alexandre Nascimento.

Ao final dos debates no primeiro dia do seminário, o público que estava presente se dividiu em três minigrupos, de acordo com sua preferência, para discussão dos temas:

• Que passos precisam ser dados para que as vozes das crianças sejam incluídas no planejamento da cidade?

• Que órgãos públicos precisam ser sensibilizados para incluir a voz das crianças no planejamento urbano, e como levar esta ideia de participação das crianças para eles?

• Lobby? Advocacy? Campanha? Mídia? Na divulgação para o público em geral, como trabalhar a ideia da participação das crianças.

Abaixo estão os relatos do que foi discutido em cada minigrupo.

Que passos precisam ser dados para que as vozes das crianças sejam incluídas no planejamento da cidade?Relatora: Lívia Diniz (Escola de Samba Mirim Pimpolhos da Grande Rio)

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que eles são feitos realmente para as crian-ças? Será que quando construímos esses espaços estamos pensando na presença das crianças neles? Eu acho que isso faz parte do processo da metodologia de quando a gente pensa os espaços.

A gente falou também sobre a necessidade da prática de comunicação não hierárquica. Nos perguntamos: quando você vai conversar com uma criança você está de igual para igual? Não podemos achar que ela é menos ou que ela sabe menos... são percepções diferentes que devem ser complementares. Podemos fazer uso de uma variedade de linguagens e ferramentas para compreender o universo da criança, através de fotos, do funk, das manifestações que já são espontâneas das crianças, da percepção dos

espaços de lazer, de como elas se comportam nesses espaços.

Não podemos deixar de lado ainda a necessida-de de refletirmos sobre nossas questões sociais, a violência, a falta de troca entre a gente, de re-flexão, pensamento, como tudo isso interfere na visão das crianças. Pensar a cidade como um todo e como que ela está impactando a realida-de da vida daquela criança ali. E a parceria es-cola/cidade também é importante. Deveríamos ter um programa pensado em conjunto com a sociedade, em conjunto com as escolas, com as ONGs, com as escolas de samba, com os cen-tros de esportes e pensar realmente como pode-mos fazer essa parceria criança-cidade. Isso é uma ideia para a gente pensar em um fórum, um programa para discutir.

Minigrupo durante discussão no 1º dia do seminário. Foto: Alexandre Nascimento.

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Para a pergunta “que órgãos públicos precisam ser sensibilizados?” pensamos, em primeiro lu-gar, que já existem alguns órgãos com acesso à criança. Inclusive esse é o maior contingente de funcionários públicos, distribuídos no território da cidade, que já atua com essas crianças. No caso, professores, médicos, assistentes sociais, conselheiros tutelares, que além do papel que eles já fazem, estão aqui com as crianças. Uma das propostas é que eles também tivessem uma sensibilização para dar atenção ao que as crian-ças dizem. Por exemplo, quando for perguntar alguma coisa, não perguntar só à mãe e ao pai, mas perguntar à criança também. E isso passa ainda no caso desses órgãos públicos, por uma intersetorialidade e uma integração das políticas urbanas que devem ter a criança não como um objeto, mas como um sujeito que está na cidade nos seus vários aspectos. A criança, por exem-plo, na escola é o aluno, na assistência social é o assistido, no posto de saúde é o doente, para o conselheiro tutelar é o menor em situação de risco e para o arquiteto, que é o meu caso, para o arquiteto urbanista, ele é o usuário das praças e das ruas. Essa criança poderia ser vista como um ser único, como a criança no espaço urbano que por si só integra todos esses espaços políticos.

Nós vamos para a segunda pergunta, que se-ria como fazer essa ideia chegar aos responsá-veis por planejamento. O que ficou claro é que o tema da criança e das políticas infantis e do ouvir a criança tem que ser debatido com a popula-ção a todo momento, para que se gere pressão política. Não é à toa que as mobilizações que aconteceram entre junho e julho de 2013 trouxe-ram resultados: porque trabalharam em cima de temas concretos. A mobilização começou pelos centavos da passagem de ônibus, eles tiveram

vitória, as passagens voltaram ao preço anterior. E outros dois temas que eu me lembro foram aspectos que estavam em votação, saíram ou perderam a votação. E até temas mais abstratos que não tinham um objetivo focado, como a re-forma política. Ela entrou em pauta com uma for-ça muito grande, só que não atingiu o resultado que todo mundo esperava ou queria, porque jus-tamente esse resultado que todo mundo queria não estava certo, não era objetivo. Então, esses temas da infância sendo colocados em pauta de maneira objetiva podem gerar uma pressão política objetiva. E o que eu chamo de objetivo? Nós tivemos a coragem dos representantes públicos que vieram aqui dar a “cara a tapa”, para “tomar tapas” que eram para ser dados em outros rostos. Escutando demandas populares, esses órgãos geram dados de escuta fina como a Rosane falou muito bem aqui, só que o que é publicizado. Por que não publicizar, deixar trans-parente e de fácil acesso esses dados brutos? E aí vamos discutir se o problema da área tal é violência, ou se é outro problema como urbani-zação, iluminação e outras coisas que deixam as ruas vazias, e então, inseguras. Vamos acabar com os mitos.

Outro caminho seria o fortalecimento das ouvido-rias e dos dados que elas geram, desburocratizar os caminhos que levam tanto à formulação de pro-jetos, como à escuta e à avaliação dessas políticas. A Rio+Social escuta a população, mas será que ela avalia o próprio trabalho pela população, assim como o trabalho das UPPS e das outras políticas? Essa é uma pergunta a deixar no ar. E assim ser possível criar políticas específicas para as crianças e a formulação de verbas dentro das PPPs, dos projetos plurianuais, PPAs. E acredito que está aqui tudo resumido, se não vou me alongar demais.

Que órgãos públicos precisam ser sensibilizados para incluir a voz das crianças no planejamento urbano, e como levar esta ideia de partici-pação das crianças para eles?Relator: Carlos Rodrigo (Prourb/UFRJ)

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Logo que começou a discussão, chegamos à conclusão de que a divulgação deste tema tem de ter um objetivo bem claro, já que o tema pode ser manipulado e usado para outros fins. Então a gente discutiu muito sobre a construção disso, como, por exemplo, uma campanha de massa de forma coletiva com os atores envolvidos: as famílias, as escolas, postos de Saúde, e não desconsiderando as crianças. Ter uma lingua-gem para comunicação, criar um grupo com um lema, dar voz e aprender com a criança, consi-derar as opiniões. Reeducação na ação cotidia-na, criando espaço de avaliação e de discussão.

Iniciaríamos os passos do trabalho com as redes envolvidas, afinal todos nós trabalhamos com criança, não é um trabalho isolado. Atuaríamos diretamente nas famílias, nas escolas e outros espaços, de forma pessoal diretamente, nas re-des sociais e em ações co,muns. Sempre ten-do a clareza de “o que é, para que e por quê?”, não só falar por falar, mas tendo um fundamen-to. No conselho da criança, no conselho tute-lar, de educação, saúde, assistência e outros.

Sempre sabendo da importância de falar com fundamento, porque a gente citou muito a ques-tão de falta de formação dos próprios conselhei-ros. Considerar os fatos, avanços e conhecer onde e para o que se está fazendo.

Sobre a mídia, iniciar com rede social, e foi cita-da a Rede +Criança que é uma rede que já atua nessa área. Divulgar o material que recebe sem-pre esclarecendo o que está sendo divulgado, o que está sendo enviado para dentro da rede. Chamar a atenção com essas e diversas formas de ação, de forma coesa para chamar a atenção da grande mídia, para divulgar esse olhar sobre a criança cidadã. Sempre se identificar como sujei-to de avanço nessa legislação e sempre levantar e considerar questões realizadas e não realiza-das, para incomodar. Muitas vezes a pessoa é chamada para falar sobre violência doméstica, sobre o trabalho infantil, uma questão da esco-la, mas também aproveitar esse momento para ser um agente que divulga essa importância da criança como um ser ativo, um ser que pode contribuir nos avanços dessa situação.

Lobby? Advocacy? Campanha? Mídia? Na divulgação para o público em geral, como trabalhar a ideia da participação das crianças.Relatora: Marinez Simons (Núcleo de Creches Comunitárias da Baixada Fluminense)

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Crianças durante o 2º dia

do seminário. Foto: Alexandre

Nascimento.

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Crianças na Universidade

Nesse dia, sábado, foram realizadas seis oficinas com diferentes propostas metodológicas para a escuta das crianças sobre questões da cidade. Os textos a seguir são os relatos feitos pelos oficineiros do segundo dia do seminário.

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Beatriz Corsino PérezDoutora em Psicologia pela UFRJ, com experiência de pesquisa e trabalho na área da infância e juven-tude. Foi coordenadora do projeto Criança Pequena em Foco (2011/2012), do CECIP, e uma das autoras da publicação Vamos ouvir as crianças? Caderno de metodologias participativas e do livro Falatório: a participação e a democracia na escola. [email protected]

Rafaela PacolaFormada em Gestão de Relações Humanas e cursando extensão em Educação para Direitos Humanos pela UFRJ, é membro do NEP (Núcleo de Educação para a Paz). Atua no Projeto Jovens e Seu Potencial Criativo na Resolução de Confli-tos como facilitadora em cinco escolas munici-pais do Rio de Janeiro e ministra oficinas de jo-gos cooperativos e de círculos restaurativos para resolução de conflitos e melhora na convivê[email protected]

Confecção de cartazes: A cidade que queremos – CECIP

Descrição:A oficina teve como objetivo confeccionar, jun-to com os participantes, cartazes nos quais estejam explícitos seus sonhos, o que gostam e o que não gostam na cidade do Rio de Ja-neiro ou onde moram, o que gostariam que fosse diferente. Esses cartazes foram expostos durante o cortejo musical de celebração do dia, e representaram o protesto das crianças em re-lação às demandas de melhoria em suas comu-nidades. A oficina contou com aproximadamente 12 participantes, entre crianças pequenas e seus pais, jovens e adultos.

A oficina foi dividida em quatro passos:1 - Iniciamos a oficina com uma roda de con-versa com os participantes para disparar ideias e sondar seus conhecimentos sobre a cidade do Rio de Janeiro ou sobre onde moram, tendo como guia os eixos abaixo:

• Coisas de que gosto na cidade do Rio de Ja-neiro ou onde moro: lazer, espaços públicos, museus, clubes, etc.;

• Coisas de que não gosto na cidade ou onde moro;

• Um sonho para a cidade ou onde moro (um desejo, um pedido);

2 - A partir do que crianças e seus responsáveis falaram, pedimos para que cada um escrevesse ou desenhasse suas ideias em um papel grande colado no chão, onde estávamos sentados.

Menino durante oficina de cartazes. Foto: Lucas Mendes.

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3 - A partir do que surgiu, solicitações de melho-rias na cidade ou em seus bairros ou seus sonhos e elogios à cidade ou ao lugar onde moravam, ini-ciamos as conversas.

4 - Com os cartazes prontos, saímos em cortejo no fim das oficinas, em uma simulação de mani-festação na qual as crianças puderam expressar seus desejos, inquietações e sonhos.

Depoimento da relatora Rafaela Pacola _ Fiquei muito impactada com a clareza das crianças em expressar suas necessidades. Entre as várias classes sociais representadas pelas crianças - que passavam por bairros tão

diferentes como Cosme Velho e Quilombo das Guerreiras os pedidos eram muito veemen-tes. As do Quilombo das Guerreiras - pedi-ram para escrever “Parem as obras”, ou “Não derrubem o Quilombo”, e a criança do Cos-me Velho pediu por “mais areia no parquinho”.

Mesmo nas frases como “Mais escola, saúde e educação”, percebi que as crianças iden-tificavam seus incômodos e conseguiam se expressar de forma autônoma. “Eu vou pra es-cola, mas tem uns meninos que moram na rua e ficam doentes, porque não têm escola pra eles irem”, falou a criança do cartaz pela saúde e educação.

Oficina de cartazes do CECIP. Foto: Lucas Mendes.

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Desenhando cidades: práticas criativas de antropologia e design

Karina Kuschnir Professora do Departamento de Antropologia Cul-tural do IFCS/UFRJ, onde coordena o Laboratório de Antropologia Urbana (LAU, www.lau-ufrj.blogs-pot.com). É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e autora, entre outros, dos livros Antro-pologia da política e Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico (co-org. com Gilberto Velho). Atualmente desenvolve os projetos “His-tória audiovisual das Ciências Sociais nos países da CPLP” (CNPq/CPLP, www.cpdoc.fgv.br/cien-tistassociais), “Desenhando cidades: estudos et-nográficos no universo de desenhadores urbanos” (CNPq/FAPERJ) e “Laboratório de Antropologia e Design” (FAPERJ, parceria IFCS/ESDI-UERJ)[email protected]

Zoy AnastassakisDesigner e antropóloga, graduada em Desenho Industrial pela Escola Superior de Desenho In-dustrial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ, 1999). Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, com a dissertação “Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Brasil: Aloisio Magalhães e o Centro Nacional de Re-ferência Cultural”. Doutora pelo PPGAS/Museu Nacional/UFRJ, com a tese “Triunfos e impas-ses: Lina Bo Bardi, Aloisio Magalhães e a insti-tucionalização do design no Brasil”. Professora Adjunta da Escola Superior de Desenho Indus-trial da Universidade do Estado do Rio de Ja-neiro (ESDI/UERJ), onde coordena o Laboratório de Design e Antropologia (LADA/FAPERJ).

Outros mediadores:

Barbara Szaniecki, cinco bolsistas de Ciências Sociais do IFCS e quatro bolsistas de Design da ESDI/UERJ.

Material utilizado:• Forro de lona para o chão (14 m²) • Bobina de papel branco (90 g) • Materiais de desenho diversos (giz de cera, lápis de cor, hidrocores, marcadores)• Materiais de colagem (tesouras, colas, fitas adesivas e papéis coloridos, recortes diversos)• Duas caixas pretas com buraco central para sorteio de objetos.• Dezenas de objetos para sorteio, tais como dados, bolas, penas, palitos, bonecos, caixas, bichos de plástico etc.

Objetivo: A oficina tinha por objetivo debater as vivências que os participantes têm da cidade em que moram, criando uma conversa através de objetos, falas e imagens, desenhadas ou produzidas por colagens.

Metodologia: A lona, o papel e os materiais de desenho e colagem foram dispostos no chão para que as crianças pudessem se aproximar. Duas caixas pretas com um buraco no meio foram oferecidas para que as crianças sorteassem um objeto escondido dentro delas. A partir do objeto sorteado, através do tato, os mediadores iniciavam uma conversa e/ou um desenho junto com a(s) criança(s) participantes. Para as crianças menores, foi oferecido giz de cera em

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duas etapas: a) giz amarelo para rabiscarem livremente o papel; b) giz de diversas cores para que brincassem com as figuras feitas nos rabiscos anteriores.

Crianças (e/ou adultos) que participaram: _ Cerca de 15 pessoas, sendo a maioria crianças e alguns adultos como acompanhantes.

Tempo do trabalho de cada grupo de crianças aproximadamente: 20 minutos.

Dinâmica: a A oficina se mostrou uma ótima oportunidade para escutarmos as crianças. Muitas falaram sobre suas casas, ruas e bairros. Surgiram vários relatos de problemas urbanos, como a falta de luz e água, bem como as situações de disputa e

violência que experimentam na cidade. Algumas crianças preferiram inventar histórias com heróis e desafios, o que nos fez perceber que poderíamos ter estimulado mais o lado lúdico da proposta. Também percebemos que teria sido produtivo escrever algumas das falas das crianças no papel coletivo, criando assim “legendas” para as imagens, de modo que outras pessoas pudessem acessar essas verbalizações.

Resultados:_____________________ O grupo produziu um material desenhado muito rico em traçados, cores e colagens. As imagens por si só são comunicativas e expressivas, demonstrando que as crianças têm coisas a dizer sobre o mundo em que vivem e podem contribuir para o debate sobre seus problemas e soluções.

Oficina de antropologia e design com crianças. Foto: Lucas Mendes.

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Norma NogueiraMusicista, musicoterapeuta e educadora musical com vasta experiência com crianças, toca acor-deom e piano, participa do Núcleo de Cultura Popular Céu na Terra, do grupo Trança de Folia, do grupo Fole e Festa e leciona acordeom na Escola de Música [email protected]

Luzia de Mendonça Arte-educadora formada pela UFRJ, professora de Artes Visuais, pesquisadora de literatura in-fantil, cantora, contadora de histórias e brincan-te. É integrante do Núcleo de Cultura Popular Céu na Terra, do grupo Poranduba - canções e histórias, do grupo Fole e Festa e professora de Artes Visuais no [email protected]

Rodrigo CostaÉ integrante do Núcleo de Cultura Popular Céu na Terra e do grupo Fole e Festa.

Resumo: A oficina pretendeu trabalhar a percepção musi-cal a partir de jogos de ritmos e sons utilizando o corpo e a voz. Trabalhamos o canto e a criação de movimentos corporais com a música “Criança não trabalha” (Paulo Tatit e Arnaldo Antunes) e os participantes criaram paródias sobre a criança e a cidade com a melodia de “Asa branca” (Luiz Gonzaga). O resultado da oficina foi apresentado no show de encerramento do evento, que culmi-nou num cortejo pelo Largo de São Francisco.

A oficina de Criação Musical teve participação de aproximadamente 20 crianças de idades va-riadas (entre 5 a 11 anos).

Começamos com um aquecimento corporal, uti-lizando movimentos do cotidiano e movimentos inspirados nos animais. Em seguida fizemos um aquecimento vocal com vocalizes criados a partir de rimas e brincadeiras sonoras da literatura oral do folclore brasileiro.

Aproveitando o espaço amplo do salão, cami--nhamos explorando diferentes jogos e ritmos, trabalhando a criação de movimentos corporais de forma individual e experimentando a imitação, com jogos de criação e repetição coletiva.

As apresentações do grupo foram feitas com rimas do nome de cada um, numa brincadeira cantada a partir de mote ou refrão, como no par-tido alto, no calango e outras manifestações mu-sicais que exploram a rima e o improviso.

Criação Musicalcom Fole e Festa

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O refrão era assim:

“TindolelêTindolaláQuem eu sou já vou contar”

Abaixo, alguns versos criados pelas próprias crianças:

Eugênia parece uma gêniaCamile rima com desfileEmily combina com FamilyLeonardo .... leopardoRafael ..... doce melCaio veloz como um raioIsac ....... caiaqueAlison gosta de fazer um som

Depois ensaiamos a música “Criança não trabalha”, criando uma coreografia coletivamente a partir da letra da música.

Criança Não TrabalhaPalavra Cantada

Lápis, caderno, chiclete, piãoSol, bicicleta, skate, calçãoEsconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão

Bola, pelúcia, merenda, crayonBanho de rio, banho de mar, pula cela, bombomTanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão

Giz, merthiolate, band-aid, sabãoTênis, cadarço, almofada, colchãoQuebra-cabeça, boneca, peteca, botão, Pega-pega, papel, papelão

Criança não trabalha, criança dá trabalhoCriança não trabalha...

Por fim trabalhamos a música “Asa Branca” e, em grupos, as crianças criaram paródias a partir da melodia da música, falando sobre sua cida-de. As paródias ficaram assim:

“A cidade é muito boaMas tem parte que é ruimFalta hospital e moradiaComo pode ser assim”

“No meu Rio de JaneiroEducação vem primeiroNa minha escola todo mundoGosta de bolas e animais”

“Quando vi o lixo na ruaPor falta de educaçãoEu perguntei à prefeituraPor que tamanha poluição”

“Fui à praia com os amigosAndar de barco no verãoDepois de lá fomos à praçaNos divertir no calçadão”

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Considerações finais:A oficina foi planejada de forma a valorizar a opi-nião, a expressão e a voz de cada participante. As crianças se envolveram na proposta e na construção das brincadeiras musicais, intera-gindo e se apropriando da performance que re-sultou numa bela interação com a apresentação no show do Fole e Festa.

Para nós, foi uma experiência muito enriquece-dora poder participar do Seminário que reuniu tantas propostas bacanas e no qual as crianças pensaram e colocaram suas opiniões sobre a ci-dade a partir de diferentes perspectivas.

Foi uma iniciativa muito importante, que merece se repetir muitas vezes!

Crianças em oficina do grupo Fole e Festa. Foto: Lucas Mendes.

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Oficina de criação musical. Foto: Lucas Mendes.

Crianças durante oficina no 2º dia do seminário. Foto: Alexandre Nascimento.

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Pâmela MenickeGraduada em Serviço Social pela Universida-de Federal do Rio de Janeiro e Especialista em Atendimento a Crianças e Adolescentes Víti-mas de Violência Doméstica pela PUC-Rio. Atu-almente faz parte do Programa de Atendimento Integrado da Fundação Xuxa Meneghel, atuan-do diretamente com crianças, adolescentes e suas famí[email protected]

Monique Andrade da CruzProfessora, já atuou como Recreadora em Cre-che pública. Atualmente é Educadora Social na Fundação Xuxa Meneghel, onde trabalha há cin-co anos. Possui cursos na área da Educação In-fantil, dentre eles, sobre “Contação de histórias” e [email protected]

Crianças do Grupo Mobilizador da Rede: Ágatha da Silva Vieira - 9 anosAna Izabel Henrique Barbosa - 10 anosDaniele Viviane dos Santos - 9 anosEduarda da Silva Rocha - 12 anos Kauan dos Santos Gabriel - 10 anosRebeca Cristina Cassiano dos Anjos - 8 anosSérgio Eleutério Vitorele - 12 anosVitória Evelyn Machado Correa -13 anosVitória Ferreira Lira - 12 anos

Descrição da ação: a As crianças do Grupo Mobilizador da Rede +Criança (Fundação Xuxa Meneghel) facilitaram a oficina “Vamos construir a Teia da Vida com as crianças da cidade?” com o apoio e orientação das educadoras Pâmela Menicke e Monique Andrade. A oficina tem uma metodologia baseada

“Vamos fazer a Teia da Vida com as crianças da cidade?”

Crianças durante oficina de construção da Teia da Vida. Foto: Lucas Mendes.

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13 A ideia central dessa iniciativa foi fazer uma releitura da ‘Carta da Terra’ com crianças de todas as regiões do país e produzir a ‘Carta das Crianças para a Terra’. Educadores da Fundação Xuxa Meneghel viajaram pelo Brasil para promover oficinas de sensibilização sobre sustentabilidade com crianças ribeirinhas, indígenas, das florestas, do campo, quilombolas, de fronteira, do semiárido, com deficiências e de grandes centros urbanos. Durante as oficinas, as crianças analisaram e construíram a Teia da Natureza que tratava as relações com o meio ambiente; e a Teia das Relações Humanas, que abordava as relações dentro da família, comunidade e escola, constituindo a Teia da Vida de cada região.

Na etapa seguinte do projeto, 90 dessas crianças foram ao Rio de Janeiro para participar do Fórum +Criança, durante o período da Rio+20, quando tiveram a oportunidade de pensar a relação de suas redes de forma ampliada, juntamente com as demais regiões, abordando questões e soluções nacionais e globais. Na ocasião, escreveram ‘A Carta das Crianças para a Terra’ e a entregaram, junto com a Xuxa, à ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.

Daí por diante esse grupo de crianças manteve contato com a mediação da Fundação Xuxa Meneghel. Algumas delas participaram da 9ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, quando entregaram a ‘Carta das Crianças para a Terra’ à ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, à presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Miriam Maria José dos Santos.

Em dezembro de 2012, a Rede +Criança realizou um evento via conferência e presencialmente para testar essa plataforma digital e planejar as ações de 2013. A atividade conectou cerca de cem pessoas, entre crianças e educadores para opinar sobre a ferramenta que nasceu com o objetivo de proporcionar a meninos e meninas de todo o Brasil acompanharem de perto os desdobramentos das ações propostas na ‘Carta das Crianças para a Terra’, documento produzido pelas crianças e que contém a síntese dos seus pensamentos e proposições para uma vida sustentável.

A Rede +Criança pretende representar um canal abrangente de diálogo, interatividade, voz e proposições das crianças brasileiras, tendo como tema central a sustentabilidade. Os primeiros passos foram dados. Ainda em construção a rede já conseguiu fazer com que diversas propostas e ideias chegassem a lugares não imaginados.

no conceito de Capra, que consiste numa dinâmica educativa criada para que as crianças compreendam e representem as particularidades das redes e as relações entre os seres vivos e os lugares onde elas vivem.

Após uma dinâmica de apresentação, o Grupo Mobilizador contou um pouco sobre o projeto +Criança na Rio+2013 e explicou o que é a Teia da Vida, que retrata as relações ligadas à nature-

za (Teia da Natureza) e as relacionadas aos espa-ços de sociabilidade das crianças (Teia das Re-lações). Para isso, o grupo mobilizador precisou ouvir as opiniões das crianças participantes da oficina e apoiar a construção da Teia da Natureza e das Relações. Cada aspecto observado pelas crianças era, pouco a pouco, sendo inserido da Teia e, assim, a Teia da Vida das crianças da ci-dade foi tomando forma. Com a ajuda de binó-

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culos e lupas, as crianças puderam pesquisar no entorno quais os elementos que, para elas, eram pertencentes à natureza. E, em grupo, tiveram a oportunidade de conversar sobre os locais em que viviam e frequentavam, desenhando-os em carta-zes e descrevendo as coisas que gostam e não gostam presentes nesses espaços. Abaixo, os elementos que compõem a Teia da Vida das crian-ças da cidade, de acordo com a opinião delas:

Teia da Natureza: Árvores, pedras, terra, plantas, madeiras, água, bananas, formigas, sol, folhas, ar, raízes, conchas, insetos, sementes, espinhos, formigueiros, minhocas, caramujos, lesma, palmeiras e barro.

Teia das Relações: (lugares onde vivo/frequento): Escola, prédio onde moro, casa e praia.

Coisas de que gosto nesses lugares:- Escola: Da hora do intervalo da escola, aulas de Educação Física, de Artes, de História;- Elevador/ escada/ piscina/ televisão;- As pessoas.

Coisas de que não gosto nesses lugares: - Escola: “Não gosto do banheiro da escola”/ “In-glês, geografia”/ “Odeio ver a escola destruída”;- “Não gosto do planeta sujo nem de parede suja”;- “Não gosto de lixo no mar”.

Vale destacar que o Grupo Mobilizador fez questão de reservar um “Momento Surpresa”, em que explicaram sobre a Rede +Criança e o site, realizando a entrega especial de um re-curso lúdico, que liga a Teia da Vida e ajuda as pessoas a entender as coisas do mundo: a aranha Neti. Explicaram que, em posse des-se recurso, poderiam ter vez e voz em um es-paço destinado especialmente para esse fim.

Por fim, explicaram a todos os presentes no evento (adultos – pais, responsáveis, educado-res – e crianças) como se desenvolveu a oficina. Também tiveram a oportunidade de conhecer as outras oficinas que aconteceram e de par-ticipar de uma passeata na praça próximo ao local do evento.

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Oficina da Teia da Vida da Fundação Xuxa Meneghel. Foto: Lucas Mendes.

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Nayana BrettasFormada em Ciências Sociais pela PUC-SP com mestrado em sociologia da infância pela Univer-sidade do Minho, Braga, Portugal, com a tese “A cidade (re) criada pela infância”, sob orien-tação do Professor Manuel Jacinto Sarmento. Membro da Rede Nacional Primeira Infância, fun-dadora da CriaCidade e coordenadora do Pro-jeto Criança Fala da [email protected]

Número de participantes: Oito adultos e cinco crianças.

Objetivo da oficina:Apresentar e vivenciar as estratégias lúdicas da metodologia de escuta das crianças para a ela-boração de projetos arquitetônicos de espaços e equipamentos públicos e para a elaboração de políticas públicas.

Como foi desenvolvida a oficina:A oficina foi iniciada com a brincadeira do “A ram sam sam” (brincadeira com uma música e coreo-grafia com as mãos) para reunir e descontrair os participantes.

Após a brincadeira, fez-se uma roda de conver-sa com os participantes para que pudessem se apresentar e compartilhar suas experiências. Fo-ram apresentadas aos participantes as estraté-gias de escuta das crianças e como colocá-las em prática, explicando as atividades que esta-vam sendo propostas na oficina.

A oficina foi organizada em cinco polos (brin-cadeira; oficina lúdica: maquete; oficina lúdica: desenho; registro fotográfico; e entrevista – brin-cadeira de repórter). Cada polo estava relaciona-do a uma estratégia diferente da metodologia de escuta das crianças.

Os participantes escolhiam os polos de seu in-teresse para desenvolver o que havia sido pro-posto. Ao longo da oficina foram chegando as crianças que participaram do polo da construção da maquete da cidade desejada.

Os participantes da oficina escolheram os seguintes polos para participar:

• Brincadeiras;• Oficinas lúdicas: maquete e desenho;• Registro fotográfico.

Polo BrincadeiraA proposta do polo da brincadeira era criar uma brincadeira para falar o que tem de bom e o que tem de ruim no bairro em que mora ou no cami-nho entre a casa e a escola ou trabalho.

Os participantes desta oficina fizeram um jogo de tabuleiro – o Jogo do Caminho. Se cair na casa em que há o triângulo, a pessoa fala o que tem de bom no caminho entre a casa e a escola, se cair na casa com um quadrado a pessoa fala o que tem de ruim no caminho entre a casa e a escola.

Os participantes ainda sugeriram a brincadei-ra da dança da cadeira e da batata quente. Na brincadeira da dança da cadeira, ao parar a mú-sica, quem não conseguir sentar na cadeira fala o que tem de bom e o que tem de ruim no bairro em que mora. Na brincadeira da batata quente, aquele que ficar com a bola na mão fala o que

“Vocês podem nos ouvir?”

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tem de bom e o que tem de ruim no bairro em que mora.

Polo da Oficina Lúdica: maqueteTanto adultos quanto crianças participaram des-ta oficina.

Os adultos construíram uma cidade com:

• Casas• Prédios• Ruas e calçadas coloridas• Praça multifuncional• Árvores

As crianças construíram uma cidade com:

• Ruas e calçadas coloridas• Casas em formato de bota• Iglus e pinguins

“Queria que minha casa tivesse a forma de uma bota.”“Eu fiz pinguim e iglu porque quero morar no Polo Norte, quero uma cidade de gelo, não gosto de calor.”

Crianças fazendo maquete durante oficina.

Foto: Lucas Mendes.

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Polo da Oficina Lúdica: desenhoNeste polo foi proposto o desenho de como gos-tariam que fossem as praças e parques.

Os participantes deste polo desenharam praça e parques com espaços amplos e com a presença da natureza (arbustos, árvores, flores, gramado).

Polo do Registro FotográficoNeste polo foi proposto aos participantes tirarem fotos do que há para brincar no espaço em que aconteceu a oficina.

Um dos participantes deste polo tirou a foto das plantas, coqueiros do pátio aberto. Tirou esta foto porque se lembrou da sua infância, quando gostava de brincar de floresta e porque é diverti-do subir nas árvores.

Este participante relatou a dificuldade de encon-trar o que tinha de brincar no espaço, o que re-vela que o olhar do adulto associa o brincar a espaços específicos para brincar e estruturados para tal finalidade, equipados com brinquedos. Revela também a dificuldade que o adulto tem que recriar os espaços e objetos em brinquedos e brincadeiras.

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Crianças e adultos durante oficina coordenada por Nayana Brettas.

Foto: Lucas Mendes.

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Tatiana TabakGraduada e mestre em Design pela PUC--Rio, Tatiana Tabak trabalha como designer na Coca-Cola Brasil e como professora no curso de graduação em Design da PUC-Rio. Mantém o blog “desedu”, onde escreve sobre seu princi-pal interesse de pesquisa: as possíveis relações entre Design e Educação.

[email protected]

Priscilla Alves Designer formada pela ESDI-UERJ. Estudou Interaction Design na Universidade HFG Schwäbisch Gmünd (Alemanha) e tem experi-ência em design gráfico, cenografia, animação/videografismo, trabalho em produção, comuni-cação corporativa e design thinking. Atualmente está focada na área de educação e desenvolvi-mento de identidades visuais de projetos na área da cultura, sempre atuando como designer e co-laboradora em alguns projetos específicos.

[email protected]

Guilherme ToledoDesigner, graduado pela PUC-Rio, com atuação nas áreas de Design Estratégico, Comunicação Visual e Inovação. É professor do Departamen-to de Artes & Design da PUC-Rio e responsável pela supervisão da disciplina Projeto Avançado com ênfase em Estratégia e Gestão.

[email protected]

A oficina “Nosso Bairro” teve como objetivo tra-balhar o papel do cidadão como propositor de soluções para a cidade usando o design como abordagem metodológica. Crianças, jovens e adultos participaram da dinâmica que consistiu em três fases: 1) troca de experiências – como imaginamos um bairro ideal e como esta ideia difere do bairro em que vivemos hoje?; 2) co-criação de soluções – como podemos mudar o nosso bairro real?; e 3) cocriação com materiais – como ficaria o nosso bairro se nossas ideias fossem implementadas? Ao final da atividade, os participantes construíram maquetes usando ape-nas os materiais disponíveis e apresentaram suas percepções sobre as mudanças necessárias à ci-

Nosso Bairro!

Oficina “Nosso Bairro” do grupo Design for Change. Foto: Lucas Mendes.

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dade. Das soluções propostas, foi possível perce-ber uma preocupação comum em construir uma cidade em que os cidadãos, de todas as classes e idades, possam usufruir em sua integridade, por meio da criação de mais e melhores espaços de convivência, lazer e cultura e o maior cuidado com os já existentes.

A oficina contou com aproximadamente 15 participantes, entre crianças pequenas e seus pais, jovens e adultos, que compuseram dois grupos de trabalho.

1) Troca de experiênciasNa primeira atividade, foi proposto que cada par-ticipante desenhasse alguma coisa que teria de existir em seu bairro dos sonhos e contasse para o resto do grupo o que estava desenhando. Em seguida, deveriam olhar o que foi produzido e comparar com os bairros onde vivem hoje, a fim de identificar oportunidades de melhorias e de novas soluções.

Oficina “Nosso Bairro”. Foto: Lucas Mendes.

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2) Cocriação de soluçõesA partir dos temas levantados, os participantes foram convidados a responder à seguinte per-gunta: “Como podemos mudar nosso bairro real?”, gerando a maior quantidade possível de ideias em um curto período de tempo.

3) Cocriação com materiaisO grupo deveria então escolher uma das ideias geradas (ou combinar mais de uma) e desenvol-vê-la a partir da construção de uma maquete. Para tal, deveriam usar apenas os materiais dis-ponibilizados pelos oficineiros.

Estes materiais tinham como característica a sim-plicidade e o uso cotidiano, e foram seleciona-dos segundo três categorias: superfícies (bolas de encher, filtros de café, papel alumínio, post-its e copinhos plásticos), estruturas (canudos e pa-litos de churrasco), e conectores (clipes e elásti-cos). Não era permitido o uso de cola, tesoura ou durex, com o objetivo de desenvolver formas não automáticas de construção e de libertar os par-ticipantes do compromisso com o “bem-feito”, com a perfeição. A ideia, basicamente, era fazer um rascunho em três dimensões.

Esta etapa permitiu grande engajamento de adultos e crianças, atraindo, inclusive, partici-

Oficina promovida pelo Design for Change para as crianças e adultos durante o 2º dia do seminário. Foto: Lucas Mendes.

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pantes que não estavam envolvidos nas fases anteriores, mas que se encantaram com a pos-sibilidade de construção e de brincadeira com os materiais. Ao final, os grupos aprofundaram suas ideias ao usar a maquete como meio para imaginar características cada vez mais específi-cas das soluções.

As ideias desenvolvidas demonstraram uma preocupação comum com o uso dos espaços públicos como locais mais efetivos de sociali-

zação, onde moradores pudessem se sentir à vontade para brincar juntos, trocar experiências e conviver como comunidade. Também foi apon-tada a questão do cuidado e limpeza das áreas públicas e de como espaços destinados para atividades determinadas (como quadras esporti-vas e praças) têm seu uso inviabilizado pelo total abandono. As soluções propunham formas de tornar os espaços mais úteis, divertidos e rele-vantes para as populações locais.

Equipe do Desing for Change junto com alguns participantes da oficina.Foto: Alexandre Nascimento.

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Criança desenhando durante o dia “Crianças na Universidade”.Foto: Lucas Mendes.

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REALIZAÇÃO

APOIO

PARCERIA

PROJETOCRIANÇAPEQUENAEM FOCO