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1 VELHOS RISCOS, NOVOS DESAFIOS Estevam Brayn * , Fabiano Pereira e Ricardo Pena 1. Introdução O propósito deste artigo é apresentar o modelo de mapeamento de riscos atuariais em desenvolvimento na Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC), de modo a permitir que cada Entidade Fechada de Previdência Complementar (EFPC) tenha conhecimento da avaliação por parte da autarquia sobre o grau de risco de cada um de seus planos e qual a visão sobre as melhores práticas que possibilitem à EFPC a mitigação destes riscos. Além disto, o artigo discutirá os dois elementos que são fontes dos maiores riscos atuariais para o sistema brasileiro, a tendência de aumento da longevidade ao longo do tempo e a tendência de queda nas taxas de juros, apresentando alguns mecanismos para tratá-las de forma a minimizar a possibilidade de ocorrência de perdas atuariais futuras e, conseqüentemente, dificuldades de pagamento dos benefícios acordados. O trabalho é composto, além desta parte introdutória, por quatro seções. A Seção 2 discute como a Superintendência mapeia os riscos atuariais no contexto da * Estevam Brayn: Graduado em Engenharia pela UNICAMP e em Economia pela USP, com pós-graduação em finanças pela FIA/USP. É Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda. Na SPC desde 2000, foi Assessor do Gabinete da PREVIC (2005) e Assessor do Departamento de Assuntos Atuariais da SPC (2005 a 2007). Atualmente exerce o cargo de Coordenador-Geral de Monitoramento Atuarial da PREVIC. Fabiano Pereira: Graduado em Economia pela UFJF e doutor em Economia pela UnB. É analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Ministério da Fazenda. Na STN foi gerente da mesa da dívida interna (2007/2009), gerente da mesa da dívida externa (2009/2010) e representante da Instituição nos Conselhos Fiscais da BB DTVM (2006/2009) e da BB Corretora (2010). Atualmente é Coordenador Geral de Monitoramento de Investimentos da PREVIC. É professor de pós- graduação da Escola de Administração Fazendária (ESAF). Ricardo Pena: Economista e Demógrafo com pós-graduação em finanças e atuária pela USP, é doutor pela UFMG/CEDEPLAR. É Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda. Na SPC, desde 2003, foi Diretor de Assuntos Econômicos, Secretário-Adjunto e Secretário de Previdência Complementar (2008 e 2009) do Ministério da Previdência Social. Autor e articulador da Lei 12.154, de 2009, que criou o CNPC, a CRPC e a PREVIC – Superintendência Nacional de Previdência Complementar, atualmente exerce o cargo de Diretor Superintendente da PREVIC. É professor de pós-graduação em Previdência Complementar na pela FGV-DF, ICAT-DF e CESUSC-SC. É membro do COREMEC – Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiros, de Capitais e Seguros e Previdência. É autor do livro “A demografia dos fundos de pensão”, da coleção MPS, 2007.

1 VELHOS RISCOS, NOVOS DESAFIOS 1. Introdução O propósito

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VELHOS RISCOS, NOVOS DESAFIOS

Estevam Brayn*, Fabiano Pereira† e Ricardo Pena‡

1. Introdução

O propósito deste artigo é apresentar o modelo de mapeamento de riscos

atuariais em desenvolvimento na Superintendência Nacional de Previdência

Complementar (PREVIC), de modo a permitir que cada Entidade Fechada de

Previdência Complementar (EFPC) tenha conhecimento da avaliação por parte da

autarquia sobre o grau de risco de cada um de seus planos e qual a visão sobre as

melhores práticas que possibilitem à EFPC a mitigação destes riscos.

Além disto, o artigo discutirá os dois elementos que são fontes dos maiores

riscos atuariais para o sistema brasileiro, a tendência de aumento da longevidade ao

longo do tempo e a tendência de queda nas taxas de juros, apresentando alguns

mecanismos para tratá-las de forma a minimizar a possibilidade de ocorrência de perdas

atuariais futuras e, conseqüentemente, dificuldades de pagamento dos benefícios

acordados.

O trabalho é composto, além desta parte introdutória, por quatro seções. A Seção

2 discute como a Superintendência mapeia os riscos atuariais no contexto da

* Estevam Brayn: Graduado em Engenharia pela UNICAMP e em Economia pela USP, com pós-graduação em finanças pela FIA/USP. É Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda. Na SPC desde 2000, foi Assessor do Gabinete da PREVIC (2005) e Assessor do Departamento de Assuntos Atuariais da SPC (2005 a 2007). Atualmente exerce o cargo de Coordenador-Geral de Monitoramento Atuarial da PREVIC. † Fabiano Pereira: Graduado em Economia pela UFJF e doutor em Economia pela UnB. É analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Ministério da Fazenda. Na STN foi gerente da mesa da dívida interna (2007/2009), gerente da mesa da dívida externa (2009/2010) e representante da Instituição nos Conselhos Fiscais da BB DTVM (2006/2009) e da BB Corretora (2010). Atualmente é Coordenador Geral de Monitoramento de Investimentos da PREVIC. É professor de pós-graduação da Escola de Administração Fazendária (ESAF). ‡ Ricardo Pena: Economista e Demógrafo com pós-graduação em finanças e atuária pela USP, é doutor pela UFMG/CEDEPLAR. É Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda. Na SPC, desde 2003, foi Diretor de Assuntos Econômicos, Secretário-Adjunto e Secretário de Previdência Complementar (2008 e 2009) do Ministério da Previdência Social. Autor e articulador da Lei 12.154, de 2009, que criou o CNPC, a CRPC e a PREVIC – Superintendência Nacional de Previdência Complementar, atualmente exerce o cargo de Diretor Superintendente da PREVIC. É professor de pós-graduação em Previdência Complementar na pela FGV-DF, ICAT-DF e CESUSC-SC. É membro do COREMEC – Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiros, de Capitais e Seguros e Previdência. É autor do livro “A demografia dos fundos de pensão”, da coleção MPS, 2007.

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metodologia de Supervisão Baseada em Risco (SBR). A Seção 3 apresenta a tendência

de redução da mortalidade e as conseqüências para as entidades. A Seção 4 trata do

cenário de queda de juros no Brasil e os impactos para os fundos de pensão. Por último,

a Seção 5 apresenta as considerações finais.

2. Mapeamento do risco atuarial

Os avanços na implantação da Supervisão Baseada em Risco (SBR) na PREVIC

passaram a exigir o mapeamento dos riscos no segmento da previdência complementar

fechada, sobretudo quanto aos riscos atuariais, foco de especial atenção no projeto

desenvolvido pela autarquia em conjunto com o Banco Mundial.

O risco atuarial pode ser resumido como o risco das obrigações atuariais do

plano não se revelarem adequadamente dimensionadas. Entre outras razões para que isto

ocorra está a não confirmação posterior das previsões contidas das hipóteses adotadas

nas avaliações atuariais. Outras razões também relevantes estão relacionadas a

problemas de custeio, cadastro e financiamento.

Quanto às hipóteses atuariais, é importante ressaltar que a preocupação não é

apenas com sua aderência à situação imediata do plano de benefícios, mas também com

sua capacidade de lidar com expectativas de longo prazo e a volatilidade apresentada

pela variável representada na hipótese. Assim, a PREVIC tem certeza que haverá um

diálogo rico com os dirigentes das EFPC nas discussões sobre as hipóteses.

De modo geral, as hipóteses com efeitos mais elevados sobre os resultados

atuariais são as de mortalidade e taxa de juros. No entanto, a situação de cada plano de

benefícios é diferente, e é importante que os dirigentes permaneçam atentos às diversas

hipóteses, identificando no caso concreto quais as que implicam em maior risco. A

variedade de hipóteses é bastante extensa, não se limitando às questões biométricas,

3

pois envolvem expectativas tão diversas como reajustes salarial, composição familiar,

contagem de tempo de serviço, inflação, e outras.

O mapeamento do risco atuarial é etapa fundamental para que a PREVIC possa

identificar os planos de benefícios nos quais deve ser concentrada a supervisão,

permitindo uma alocação mais eficiente dos recursos humanos.

Este procedimento envolve situar os planos de benefícios em uma matriz de 3

linhas e 4 colunas, na qual as colunas representam a probabilidade de ocorrência

associada ao risco, crescente da esquerda para a direita, e as linhas representam o

impacto associado ao risco, crescente de baixo para cima.

Desta disposição é natural concluir-se que os planos situados no quadrante

superior direito são os que demandam maior atenção não só da PREVIC, mas também

de seus participantes e patrocinadores, uma vez que são os que estão mais sujeitos à

possibilidade de exigir recursos extraordinários para assegurar o pagamento dos

benefícios.

Pelo mesmo raciocínio, os planos situados no canto inferior esquerdo, ainda que

não deixem de sempre requerer a atenção de seus patrocinadores e participantes, exigem

menores demandas do órgão de supervisão.

O primeiro desafio a ser enfrentado é a definição dos critérios a partir dos quais

serão inferidos a probabilidade e o impacto associados ao risco atuarial. Para esta

definição a PREVIC buscou critérios que atendessem ao requisito de ser tão simples

quanto possível, sem comprometer o objetivo dos critérios de mensuração, e ainda

utilizar dados objetivos e, de preferência, disponíveis nas bases de dados da autarquia.

Neste cenário, o estimador do impacto foi definido a partir do resultado do plano

de benefícios (TAB. 1).

4

TABELA 1 – Estimador de impacto do risco atuarial das EFPC.

IMPACTO RESULTADO

BAIXO Apresenta Reserva de Contingência e Reserva Especial para Ajuste do Plano.

MÉDIO Apresenta apenas Reserva de Contingência.

ALTO Apresenta Déficit.

Fonte: Elaboração Própria.

A escolha do estimador a partir do resultado do plano de benefícios justifica-se

por ser este um indicador que demonstra não apenas a situação do plano, mas sua

capacidade de absorver eventos negativos sem comprometer o pagamento dos

benefícios. Assim, os planos que se encontram em situação deficitária já evidenciam

não possuir esta capacidade, podendo até agravar-se esta situação, caso novos eventos

negativos venham a ocorrer. Os planos que registram apenas reserva de contingência

demonstram possuir esta capacidade, porém em menor grau dos que os planos que

registram também reserva especial para ajuste do plano.

A utilização das reservas de contingência e especial, ao invés da utilização dos

valores absolutos do superávit, proporcionou a vantagem de ajustar o indicador ao porte

do plano de benefícios, por meio do uso implícito da proporcionalidade entre o tamanho

do superávit e o tamanho das reservas matemáticas.

Já o estimador da probabilidade (TAB. 2) foi definido a partir das informações

encontradas no DRAA-Demonstrativo de Resultado da Avaliação Atuarial do

encerramento do exercício de 2009, tendo sido também estabelecidos critérios

adicionais a partir de informações ainda a serem obtidas pela PREVIC juntos às EFPC,

estando esta parte, portanto, ainda não implementada.

5

TABELA 2 – Estimador de probabilidade do risco atuarial das EFPC.

PROBABILIDADE

CRITÉRIOS BAIXA MÉDIA

-BAIXA MÉDIA-ALTA

ALTA

Nível 3 Nível 2 Nível 1 Nível 0 Adota tábua de mortalidade com expectativa de vida igual ou superior às da tábua AT-2000

X X X

Adota taxa de juros igual ou inferior a 5% ao ano

X X X

Não apresenta Reservas a Amortizar X X Adota hipótese de redução da taxa de mortalidade com o tempo

X X

Mantém Fundos Previdenciais contra riscos atuariais

X

Fonte: Elaboração Própria.

Para o indicador de probabilidade, foram estabelecidos como primeiros

parâmetros os fatores de maior influência no risco atuarial, as hipóteses de mortalidade

e de taxa de juros, não apenas por terem efeito mais significativo sobre as reservas

matemáticas, mas principalmente para levar em consideração as tendências atuais dos

comportamentos da mortalidade e das taxas de juros no Brasil.

Considerando estas tendências, é esperado que os planos de benefícios que

adotam hipótese de taxa de juros superiores a 5% ao ano, ou hipótese de mortalidade

com expectativas de vida inferiores às da tábua AT-2000, vejam-se brevemente na

necessidade de modificar suas hipóteses. Portanto, estes planos foram classificados

como de maior probabilidade de ocorrência em relação ao risco atuarial.

Além da consideração das hipóteses, foram selecionadas práticas que reduzem a

exposição ao risco atuarial como parâmetros adicionais para o indicador de

probabilidade. Uma destas práticas é não apresentar dependência do patrocinador na

forma de Reservas a Amortizar e, por apresentar maior proporção de integralização das

6

reservas matemáticas, estar, portanto, menos exposto ao risco de crédito do

patrocinador.

Outra prática considerada como parâmetro para o indicador de probabilidade é a

adoção de hipótese de redução da taxa de mortalidade com o tempo, de modo a

incorporar nos cálculos atuariais as tendências de melhora na expectativa de vida

observadas no Brasil.

A expectativa de vida aos 60 anos no Brasil, segundo o IBGE, aumentou de 19,9

anos em 1998 para 21,2 anos em 2008. De uma forma aproximada, pode-se perceber

que um plano que em 1998 estivesse em situação de equilíbrio chegaria a 2008 sem

recursos suficientes para honrar seus benefícios, exigindo aportes adicionais para

restabelecer seu equilíbrio, porque previa em 1998 que seus participantes então com 50

anos, ao entrar em benefício aos 60 anos, em 2008, receberiam o benefício por mais

19,9 anos; porém estas pessoas, em 2008, têm expectativa de recebimento de benefício

por um prazo adicional de 1,3 anos não previsto em 1998.

Daí a importância da adoção de hipóteses que incorporem a tendência de

redução das taxas de mortalidade, de modo a que situações como a descrita no parágrafo

anterior possam ser antecipadamente dimensionadas e financiadas, evitando que os

ajustes tenham que ser feitos somente depois de materializada a necessidade de

recursos, situação em que as medidas corretivas são inevitavelmente mais onerosas.

Desta forma, ficaram definidas as categorias de média probabilidade quanto ao

risco atuarial: se o plano de benefícios adota taxa de juros inferior a 5% ao ano e tábua

de mortalidade com expectativas de vida iguais ou superiores às da tábua AT-2000, é

classificado como de probabilidade média-alta em relação ao risco atuarial. Se além

destes critérios, não apresentar nenhuma reserva a amortizar e também se tiver

7

incorporado aos cálculos atuariais a tendência de redução da mortalidade, o plano de

benefícios será classificado como de probabilidade média-baixa quanto ao risco atuarial.

Por fim, para que a classificação do plano de benefícios seja como de baixa

probabilidade quanto ao risco atuarial, foi considerada a manutenção de fundos

previdenciais para fazer frente a evento determinado ou risco identificado, avaliado,

controlado e monitorado.

A partir destas definições iniciais dos critérios de mapeamento do risco atuarial,

foi feita uma experiência piloto utilizando-se exclusivamente de informações contidas

nos DRAA do encerramento do exercício de 2009. Esta experiência ainda não

proporciona o mapa completo, pois o DRAA atual não contém campos específicos

relativos aos fundos previdenciais e nem às hipóteses de redução de mortalidade. Além

disso, também não contém informações sobre compromissos do patrocinador

porventura registrados no ativo contábil, e, para os planos com mais de um grupo de

custeio, não há informação de qual grupo de custeio se referem estes compromissos.

Tendo em mente estas ressalvas, o mapa de risco piloto (FIG. 1) considerando

apenas os DRAA de planos da modalidade Benefício Definido (BD), em linhas gerais,

pode ser então apresentado da seguinte forma:

8

FIGURA 1 – Mapa de riscos atuariais das EFPC.

Déficit - 0 planos 0 planos 41 planos com R$ 32 Bi de

Res. Matemáticas e R$ 5,6 Bi de Déficit

Sem Reserva para Ajuste do

Plano -

20 planos com R$ 7 Bi de Reservas Matemáticas, R$ 1 Bi de Superávit

5 planos com R$ 850 M de Reservas Matemáticas,

R$ 140 M de Superávit e R$ 18 M de Reservas a

Amortizar

152 planos com R$ 156 Bi de Reservas Matemáticas,

R$ 6 Bi de Superávit e R$ 3 Bi de Reservas a

Amortizar

Com Reserva para Ajuste do

Plano -

30 planos com R$ 10 Bi de Reservas Matemáticas, R$ 6 Bi de Superávit

2 planos com R$ 1,5 Bi de Reservas Matemáticas,

R$ 580 M de Superávit e R$ 44 M de Reservas a

Amortizar

53 planos com R$ 100 Bi de Reservas Matemáticas, R$ 51 Bi de Superávit e R$ 13 Bi de Reservas a

Amortizar

Nível 3 Nível 2 Nível 1 Nível 0

Tábua AT-2000 ou superior

Tábua AT-2000 ou superior Tábua AT-2000 ou superior

Taxa de Juros <= 5% Taxa de Juros <= 5% Taxa de Juros <= 5%

Sem Reserva a Amortizar

Sem Reserva a Amortizar

Hipótese de redução de mortalidade

Hipótese de redução de mortalidade

Fundos

Previdenciais de Risco

Fonte: Elaboração Própria.

3. A tendência de redução da mortalidade

Umas das preocupações centrais no mapeamento dos riscos atuariais, como

descrito na seção anterior, é a tendência de redução das taxas de mortalidade. Já citamos

como exemplo que a expectativa de vida do brasileiro aos 60 anos aumentou 7% entre

1998 e 2008.

9

No Brasil, a questão tem sido tratada na última década com a edição pelo órgão

regulador de Resoluções do CGPC (atual CNPC-Conselho Nacional de Previdência

Complementar) tratando do parâmetro técnico-atuarial relativo à longevidade dos

participantes e assistidos (ver TAB. 3).

TABELA 3 - Evolução da regulação no que se refere ao parâmetro de longevidade nos planos de benefícios administrados pelas EFPC.

Período Resolução Tábua e60 1978-2001 - CSO-58 15,98 2002-2006 11/2002 AT-49 18,21 2006-2008 18/2006 AT-83 19,36 2008-2010 26/2008 AT-2000 23,38

Fonte: CNPC e PREVIC. Elaboração própria.

Apesar da evolução na expectativa de vida representada pela tábua biométrica

estática (ganho de longevidade de sete anos), muitos desafios estão colocados para o

supervisor (PREVIC) e operadores (EFPC) dos planos de aposentadorias e pensões na

questão da gestão e controle do risco de longevidade.

Dessa forma, como exemplo, o Actuarial Standards Board, em sua Actuarial

Standards of Practice nº 35, que trata da seleção de hipóteses para avaliações atuariais,

estabelece que o atuário deve considerar “estudos ou relatórios de tendências gerais

relevantes ao tipo de hipótese demográfica em questão (por exemplo, melhora na

mortalidade nos Estados Unidos)” – item 3.3.2.d.

A mesma norma retorna ao tema no item 3.5.3: “Hipótese de Mortalidade – o

atuário deve considerar fatores tais como os seguintes: (...) b. a probabilidade e extensão

da melhora na mortalidade no futuro”.

Uma das formas mais modernas, e recomendadas pelo Retirement Plans

Experience Comitee da Society of Actuaries, de levar em conta as tendências de redução

10

de mortalidade, é a projeção de mortalidade geracional. Com isto, evita-se a apuração de

perdas atuariais na medida em que as taxas de mortalidade vão se reduzindo.

Esta prática, que já não oferece dificuldades de processamento graças à

capacidade computacional atual, consiste na utilização de uma hipótese específica para

prever a tendência de redução das taxas de mortalidade, aplicada de forma contínua ao

longo dos anos futuros de vida do participante.

Como exemplo, podemos tomar uma massa de participantes que esteja

apresentando, em 2010, o comportamento de mortalidade descrito na tábua de

mortalidade RP-2000 Male Healthy Annuitant, cujas probabilidades de óbito estão

dadas na tabela abaixo, para as idades entre 60 e 69 anos (TAB. 4):

TABELA 4 – Probabilidade de óbitos segundo a tábua RP-2000.

Idade (x) Probabilidade de óbito na idade (qx) 60 0,008196 61 0,009001 62 0,009915 63 0,010951 64 0,012117 65 0,013419 66 0,014868 67 0,016460 68 0,018200 69 0,020105

Fonte: Society of Actuaries.

Considerando que as probabilidades de óbito nos anos seguintes serão diferentes

das observadas em 2010, é necessário adicionar um identificador adicional na

simbologia que representa a probabilidade de óbito. Assim, ao invés de utilizarmos

apenas o identificador da idade, necessitamos também de um identificador/indexador do

11

ano de referência e, portanto, ao invés de denotarmos a probabilidade de óbito apenas

por qx, a representaremos por qx,ano. Assim, a probabilidade de óbito de um participante

de 60 anos em 2010 será denotada por q60,2010, enquanto a probabilidade de óbito de um

participante que só atingirá 60 anos em 2015 será denotada por q60,2015.

Uma avaliação atuarial considerando a hipótese de mortalidade estática levaria

em consideração apenas as probabilidades da TAB. 4. No entanto, o modelo da projeção

de mortalidade geracional deve incorporar uma hipótese de tendência de redução da

mortalidade. Prosseguindo no nosso exemplo, suponhamos que a massa de participantes

em análise apresente uma tendência de redução da mortalidade como a descrita pela

escala de projeção AA Male (TAB. 5), cujas taxas de melhora da mortalidade, para as

idades entre 60 e 69 anos, são:

TABELA 5 – Melhora da mortalidade segundo a Escala AA.

Idade (x) Taxa de melhora da mortalidade (rx) 60 0,016 61 0,015 62 0,015 63 0,014 64 0,014 65 0,014 66 0,013 67 0,013 68 0,014 69 0,014

Fonte: Society of Actuaries.

As taxas de melhora de mortalidade representam a mudança proporcional nas

taxas de mortalidade entre determinado ano e o ano seguinte, descrito pela seguinte

equação:

12

qx,ano+1 = qx,ano ( 1 – rx ) (1)

Uma abordagem mais simples, que utilizaremos neste exemplo, é utilizar as

taxas de melhora de mortalidade que não variam com o tempo, mas outras abordagens

mais sofisticadas podem ser adotadas na prática.

As taxas de mortalidade, ao longo dos anos, para as idades em estudo ficam

então (TAB. 6):

TABELA 6 – Tábua de mortalidade com tendência incorporada.

Ano

Idade (x)

2010 2011 2012 2013 (...)

(...)

60 q60,2010=q60,2010 q60,2011=q60,2010(1-r60) q60,2012=q60,2010(1-r60)2 q60,2013=q60,2010(1-r60)

3 (...)

61 q61,2010=q61,2010 q61,2011=q61,2010(1-r61) q61,2012=q61,2010(1-r61)2 q61,2013=q61,2010(1-r61)

3 (...)

62 q62,2010=q62,2010 q62,2011=q62,2010(1-r62) q62,2012=q62,2010(1-r62)2 q62,2013=q62,2010(1-r62)

3 (...)

63 q63,2010=q63,2010 q63,2011=q63,2010(1-r63) q63,2012=q63,2010(1-r63)2 q63,2013=q63,2010(1-r63)

3 (...)

64 q64,2010=q64,2010 q64,2011=q64,2010(1-r64) q64,2012=q64,2010(1-r64)2 q64,2013=q64,2010(1-r64)

3 (...)

65 q65,2010=q65,2010 q65,2011=q65,2010(1-r65) q65,2012=q65,2010(1-r65)2 q65,2013=q65,2010(1-r65)

3 (...)

66 q66,2010=q66,2010 q66,2011=q66,2010(1-r66) q66,2012=q66,2010(1-r66)2 q66,2013=q66,2010(1-r66)

3 (...)

67 q67,2010=q67,2010 q67,2011=q67,2010(1-r67) q67,2012=q67,2010(1-r67)2 q67,2013=q67,2010(1-r67)

3 (...)

68 q68,2010=q68,2010 q68,2011=q68,2010(1-r68) q68,2012=q68,2010(1-r68)2 q68,2013=q68,2010(1-r68)

3 (...)

69 q69,2010=q69,2010 q69,2011=q69,2010(1-r69) q69,2012=q69,2010(1-r69)2 q69,2013=q69,2010(1-r69)

3 (...)

(...)

Fonte: Elaboração Própria.

13

Aplicando-se ao exemplo, teremos (TAB. 7):

TABELA 7 – Tábua de mortalidade com tendência incorporada - valores

Ano

Idade (x)

2010 2011 2012 2013 (...)

(...)

60 0,008196 0,008065 0,007936 0,007809 (...)

61 0,009001 0,008866 0,008733 0,008602 (...)

62 0,009915 0,009766 0,009620 0,009475 (...)

63 0,010951 0,010798 0,010647 0,010497 (...)

64 0,012117 0,011947 0,011780 0,011615 (...)

65 0,013419 0,013231 0,013046 0,012863 (...)

66 0,014868 0,014675 0,014484 0,014296 (...)

67 0,016460 0,016246 0,016035 0,015826 (...)

68 0,018200 0,017945 0,017694 0,017446 (...)

69 0,020105 0,019824 0,019546 0,019272 (...)

(...)

Legenda:

Tábua geracional para participantes nascidos em 1950

Tábua geracional para participantes nascidos em 1949

Fonte: Elaboração Própria.

Para concluir o exemplo, é importante registrar que, comparando-se o resultado

da avaliação atuarial que adotasse a tábua geracional a outra que adotasse apenas a

tábua estática, considerando-se uma taxa de juros de 5% ao ano, constata-se que o uso

da tábua estática implicaria em uma insuficiência de recursos da ordem de 5% para um

aposentado com 60 anos de idade, insuficiência esta que, ao se materializar ao longo dos

anos, exigiria um aporte adicional de recursos para sua cobertura, com muito maior

esforço por ser realizada de forma tardia.

14

Assim, evidencia-se a importância da incorporação da tendência de redução das

taxas de mortalidade nos cálculos atuariais, de modo a permitir o financiamento prévio e

menos oneroso das necessidades de recursos correspondentes, evitando que se

materializem posteriormente sob a forma de perdas atuariais e déficits.

4. A tendência de redução das taxas de juros

Outro foco de preocupação do Supervisor quanto ao mapeamento dos riscos

atuariais é a tendência de redução das taxas de juros no Brasil na última década.

Contudo, antes de discutir o impacto para a indústria de previdência complementar,

cabe fazer uma breve avaliação histórica da economia brasileira, sem a intenção de

apresentar todos os assuntos correlatos.

O Brasil nos últimos 60 anos vivenciou diversos momentos de aceleração do

crescimento econômico. No entanto, posteriormente os custos dessa realidade

econômica foram apresentados para a sociedade em momentos seguintes. Dentre os

processos que estão diretamente relacionado à esse comportamento da economia

brasileira são: 1) vulnerabilidade externa; e 2) descontrole fiscal. De acordo com

NETTO (2005), ao longo desses anos o Brasil apresentou três grandes crises

relacionadas às restrições do setor externo (1963, 1981 e 1999) que comprometeram o

crescimento econômico do País. Um dos exemplos desta dificuldade no front externo

ocorreu no ano de 1980, quando os EUA decidiram elevar juros e a segunda crise do

petróleo se fazia sentir. O Brasil e uma série de países em desenvolvimento se

encontravam em uma situação de forte dependência dos capitais externos, com dívida

externa elevada e muitas vezes pós-fixada.

A continuidade do cenário de deterioração da economia mundial com novos

aumentos de juros no ano de 1981 culminou na decretação de default da dívida externa

15

pelo México em 1982. Nesse período o Brasil assumiu uma política de obtenção de

fortes superávits comerciais mediante a redução no PIB, conseqüentemente um período

de forte recessão, e incentivos às exportações via preços de troca favoráveis (NETTO,

2005).

A partir desse período, o Brasil inicia um processo de sucessivos planos

fracassados de estabilização dos preços até o ano de 1994 com o Plano Real. Os planos

de combate a inflação dos anos 80 não obtiveram sucesso principalmente pelo

diagnóstico equivocado de que o problema brasileiro não estava associado ao

descontrole fiscal observado no período. O Plano Real lançado no início do ano de 1994

tinha como principais medidas fiscais para controlar a inflação: a criação de um fundo

de estabilização cujos valores deixavam de ser vinculados por lei, diminuição dos gastos

governamentais e das companhias estatais. No entanto, após o sucesso do plano no que

tange ao controle da inflação, de acordo com BACHA & BONELLI (2004) a política

fiscal expansionista e a âncora cambial impuseram uma situação insustentável no longo

prazo.

Internamente, o fim da inflação evidenciou uma dificuldade de controlar déficits

fiscais, ocasionado entre outros fatores pelo fim do imposto inflacionário. No setor

externo, a política de âncora cambial bem sucedida no controle da inflação até 1998

mostrava suas deficiências a partir da crise asiática com saídas de capitais e,

conseqüentemente, a necessidade de elevação das taxas de juros para controlar este

fluxo. Os déficits em transações correntes eram financiados por investimentos externos

e após diferentes crises externas a política de câmbio fixo foi deixada de lado e optou-se

por uma política de câmbio flutuante, associado a uma política de metas de inflação. No

âmbito da política fiscal foi iniciado no ano de 1998, um processo de entregas anuais de

superávits primários nas contas públicas.

16

No que tange a dívida pública no início de 2003, a tendência contínua de aumento

da relação dívida/PIB começou a levantar suspeita sobre a sua sustentabilidade. Com as

políticas adotadas no início do Governo, a partir do ano de 2004, começa haver uma

reversão da tendência.

Junto com este movimento, o Governo deu claras evidências de substituição de

dívida indexada a câmbio por outros indicadores (ou seja, diversificação do portfólio,

principalmente títulos prefixados e indexados a índices de preços (Ver TAB. 8), o que

diminuiu o risco sistêmico e melhorou o perfil da dívida, contribuindo para blindar o

país de futuras crises. A dívida pública federal (DPF) passou de 32,4% de títulos

indexados ao câmbio, onde está incluída a dívida externa, para 6,6% do total em

dezembro de 2009.

Enquanto isso, a dívida indexada a índices de preços e os títulos prefixados saem

de 8,8% e 1,5%, respectivamente, para 26,7% e 33,4% em dezembro de 2009.

Concomitantemente o Tesouro Nacional conseguiu implementar uma política de

alongamento dos prazos dos títulos públicos, diminuindo o risco de refinanciamento,

diminuindo o percentual vincendo em 12 meses dos 34,6% da dívida em dez/2002 para

23,6% em dez/2009.

17

TABELA 8 – Resultados da Dívida Pública Federal no Brasil, de 2002 a 2009.

Composição do estoque da DPF dez/02 dez/03 dez/04 dez/05 dez/06 dez/07 dez/08 dez/09

Prefixado (%) 1,5 9,5 16,1 23,6 31,9 35,1 29,9 32,2

Selic (%) 42,4 46,5 45,7 43,9 33,4 30,7 32,4 33,4

Indice de Preços (%) 8,8 10,3 11,9 13,1 19,9 24,1 26,6 26,7

Câmbio (%) 45,8 32,4 24,2 17,6 12,7 8,2 9,7 6,6

TR e Outros (%) 1,4 1,4 2,1 1,8 2,0 1,9 1,4 1,1

% Vincendo em 12 meses 34,6 30,7 39,3 36,3 32,4 28,2 25,4 23,6

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

Associado ao processo de diminuição da dívida atrelada ao câmbio, no sentido de

diminuir a vulnerabilidade fiscal/externa, o Governo iniciou um processo de

recomposição das reservas cambiais, por conta dos saldos comerciais positivos na

balança comercial, a qual exigiu uma maior emissão de títulos públicos no mercado

interno, por meio de operações de mercado aberto, para enxugar a liquidez gerada por

esta compra de câmbio. A dinâmica de recomposição de reservas com aumento da

dívida interna levou a um maior ganho de importância da dívida interna frete a dívida

externa. Cabe frisar que a dívida externa líquida torna-se negativa a partir do segundo

semestre de 2006, levando o país ao status de credor líquido em moeda estrangeira.

Outra característica observada no mercado financeiro nacional é o aumento da

importância dos investidores de longo prazo como fundos de pensão, companhias

seguradoras e investidores institucionais estrangeiros, que permitem um maior

alongamento da dívida pública brasileira, dado que este tipo de investidor tem inerente a

sua característica uma maior tolerância ao risco de longo prazo e o comportamento de

buy and hold, bem como passivos de longo prazo. Com essa estratégia, de buscar

18

investidores dispostos a investir em ativos mais longos foi aprovada no início de 2006 a

isenção de imposto de renda para investidores estrangeiros. Esta medida também está

associada ao objetivo de aumentar a base de investidores e melhorar o perfil dos

detentores dos títulos públicos nacionais no sentido de diversificação do risco, pois se

observa um menor movimento conjunto de todos os investidores quando da

diversificação, conhecido como “movimento de manada”.

Assim, resumidamente tivemos as seguintes melhorias que permitiram quedas do

risco sistêmico brasileiro: 1) na dependência externa do país, houve uma elevação das

reservas cambiais e diminuição da dívida indexada ao câmbio; 2) no controle das contas

públicas, ocorreu queda da dívida líquida do setor público em relação ao PIB e

obtiveram-se superávits fiscais contínuos. Esse processo até aqui descrito culminou, em

2008, na classificação de grau de investimento para o país pelas agências Fitch e S&P.

Em termos de índices de mercado, a queda do risco Brasil pode ser medida pelo EMBI-

Brasil no GRÁF. 1.

Nota-se que no ano de 2002 o risco Brasil chegou próximo aos 2.500 pontos base

e atualmente encontra-se próximo aos 200 pontos base. Para corroborar a queda no risco

sistêmico é possível verificar que as características descritas no trabalho de GARCIA &

SALOMÃO (2006) para países que apresentaram queda de risco sistêmico estão em

linha com as observadas nos últimos anos no Brasil.

Os autores, em uma análise de três países com histórico parecido ao brasileiro

(México, Israel e Polônia), observam que a queda do risco sistêmico ocorreu

simultaneamente às características comuns nos três países: 1) o alongamento do

mercado de títulos públicos em moeda doméstica ocorre simultaneamente à diminuição

da dívida indexada à moeda estrangeira; 2) existe nos países programas de estabilização

baseados em fortes fundamentos fiscais, que implicam em queda da razão dívida/PIB;

19

3) o regime monetário é o de metas para a inflação; 4) à medida que a inflação cai,

também ocorre queda da taxa real de juros, produzindo uma queda mais acentuada da

taxa de juros nominal, o que incentiva a busca por investimentos mais longos, com

taxas mais atrativas; 5) o aumento do prazo médio da dívida pública se dá

concomitantemente ao aumento da parcela prefixada; e 6) A obtenção de grau de

investimento pelos três países é uma confirmação da redução do risco sistêmico.

GRÁFICO 1 – Risco Brasil (medido pelo EMBI-Brasil).

Risco Brasil

0

500

1000

1500

2000

2500

2/1/

2001

2/5/

2001

2/9/

2001

2/1/

2002

2/5/

2002

2/9/

2002

2/1/

2003

2/5/

2003

2/9/

2003

2/1/

2004

2/5/

2004

2/9/

2004

2/1/

2005

2/5/

2005

2/9/

2005

2/1/

2006

2/5/

2006

2/9/

2006

2/1/

2007

2/5/

2007

2/9/

2007

2/1/

2008

2/5/

2008

2/9/

2008

2/1/

2009

2/5/

2009

2/9/

2009

2/1/

2010

2/5/

2010

Data

Po

nto

s B

ase

Embi - Brasil Fonte: Bloomberg. Elaboração Própria.

O cenário de crescimento sustentado da economia brasileira e o menor risco

sistêmico estão precificados pelos diversos agentes econômicos. No caso da estrutura a

termo de taxa de juros observa-se que os juros de longo prazo apresentam-se

freqüentemente abaixo da taxa de juros negociada no curto prazo, precificando uma

contínua melhoria do cenário para o Brasil, com quedas inclusive nas taxas nominais de

curto prazo (a taxa Selic apresenta-se em constante declínio nos últimos anos, com

20

ciclos cada vez menores de elevações). Essa forma da curva de juros traz algumas

considerações importantes para qualquer investidor de longo prazo, principalmente para

aquele que tem passivo de longo prazo.

Inicialmente a curva de juros real observada no Brasil nos últimos anos, em geral,

precifica um cenário melhor para o financiamento do Tesouro Nacional e

conseqüentemente para todos os agentes tomadores de crédito na economia: 1) seja pelo

efeito crowding out do setor público; ou 2) seja pelo título público representar o ativo

livre de risco do mercado, isto é, que representa o ativo benchmark para precificação

dos demais ativos financeiros da economia.

Logo, dada a inclinação negativa da curva par (construída a partir das taxas

observadas no mercado financeiro, como as publicadas diariamente pela ANBIMA para

as NTN-B´s) de juros reais brasileira, um primeiro problema para os investidores

institucionais de longo prazo é que as taxas forward (taxa calculada para início em data

futura e vencimento posteriormente) apresentam-se mais baixas que as taxas par

observadas. Em outras palavras, o risco de reinvestimento precificado na estrutura a

termo de taxa de juros brasileira é alto para investidores que precisam buscar

rentabilidades acima de 6% a.a. em períodos longos, visto que, as taxas fowards obtidas

da curva par se encontram abaixo de 6% a.a. na maioria dos vértices.

Como exemplo simplificado, pode-se analisar a TAB. 9. Cabe ressaltar que para

uma avaliação mais precisa, o ideal é construir uma curva zero e, a partir dessa, analisar

as taxas forwards implícitas na curva. No entanto, os resultados apresentados tenderão

as mesmas conclusões, não inviabilizando o exercício aqui desenvolvido.

Os dados explicitam que para vencimentos posteriores a 15/05/2015 a

rentabilidade obtida em um instrumento com início naquelas datas e vencimento na data

futura já estão com rentabilidade inferior aos 6%. De outra forma, se um investidor

21

decidir ao invés de comprar o ativo com vencimento em 15/05/2017, comprar o ativo

com vencimento em 15/05/2015 para após o recebimento do principal, reinvestir seu

financeiro em um ativo com vencimento em 15/05/2017, o mesmo fornecerá uma

rentabilidade de apenas 5,73% a.a., ganho esse que não rentabiliza passivos de 6% a.a.,

sem contar taxas de administração, entre outros custos.

TABELA 9 – Curva de juros reais par e forward.

Vencimento Taxa Par Taxa Forward 15/5/2011 5,21% 5,21%

15/11/2011 5,62% 6,21% 15/8/2012 5,94% 6,45% 15/5/2013 6,14% 6,75% 15/8/2014 6,19% 6,33% 15/5/2015 6,20% 6,20% 15/5/2017 6,08% 5,73% 15/8/2020 6,03% 5,91% 15/8/2024 6,01% 5,94% 15/8/2030 6,00% 5,95% 15/5/2035 5,98% 5,72% 15/8/2040 5,96% 5,81% 15/5/2045 5,95% 5,58% 15/8/2050 5,95% 5,98%

Fonte: Anbima. Elaboração Própria.

Nota: A taxa de juros real foi retiradas das

NTN-B´s no dia 01/09/2010. A taxa forward é

calculada entre cada um dos vencimentos

incluídos na tabela.

Além dessa conjuntura já existente na curva de juros brasileira, a queda de risco

sistêmico discutida anteriormente remete a uma queda substancial das taxas reais

implícitas no mercado de títulos públicos, conforme observado empiricamente por

GARCIA & SALOMÃO (2006). Por exemplo, pode-se utilizar o caso do México como

benchmark para uma avaliação prospectiva do que tende a ocorrer com as taxas de juros

22

reais no Brasil em um futuro próximo. O título mexicano de 10 anos indexados a

inflação pagava algo próximo à 6% a.a. em 2002, enquanto atualmente o ativo com os

mesmos 10 anos paga cerca de 2,5% a.a.. Ou seja, houve um fechamento de

aproximadamente 350 pontos base.

Se o Brasil obtiver uma queda similar à observada no mercado do México, a curva

de juros brasileira para 10 anos pode fechar nos mesmos 350 pontos base, por exemplo.

Este movimento pode levar as taxas brasileiras para 10 anos dos atuais 6% a.a. para algo

em torno de 2,5% a.a. (A comparação é apenas ilustrativa da queda potencial de juros

reais no Brasil, dado que para uma comparação mais técnica, cabe corrigir a contagem

de dias das taxas, pois os ativos mexicanos têm padrão act/360, enquanto os títulos

públicos brasileiros são du/252, contudo a tendência de forte queda das taxas é inerente

ao processo de melhoria da economia brasileira).

Quando se analisa os ativos de mais longo prazo, por exemplo, vencimentos em 30

anos, os títulos mexicanos pagam aproximadamente 3,3% a.a., enquanto a NTN-B 2045

ainda remunera os investidores em algo próximo aos 6% a.a. (GRÁF. 2). Nesse caso, o

risco de reinvestimento tende a ficar mais elevado se nada for feito imediatamente,

exigindo futuramente redirecionamento dos investimentos para produtos com risco mais

alto, conseqüentemente com prêmios sobre títulos públicos mais altos.

Outra possibilidade é uma revisão das taxas utilizadas para calcular o valor

presente dos passivos atuariais, dado que atualmente a grande maioria das EFPC utiliza

6% a.a. como parâmetro de taxa de juros para avaliação dos compromissos presentes e

futuros e, por conseguinte, como esforço de rentabilidade pelo lado da gestão dos ativos

financeiros.

23

GRÁFICO 2 – Taxa de juros reais de longo prazo no Brasil.

Juros Reais de Longo Prazo - Brasil

5,0000

5,5000

6,0000

6,5000

7,0000

7,5000

8,0000

8,5000

9,0000

9,5000

10,0000

2/1/

2006

2/3/

2006

2/5/

2006

2/7/

2006

2/9/

2006

2/11

/200

6

2/1/

2007

2/3/

2007

2/5/

2007

2/7/

2007

2/9/

2007

2/11

/200

7

2/1/

2008

2/3/

2008

2/5/

2008

2/7/

2008

2/9/

2008

2/11

/200

8

2/1/

2009

2/3/

2009

2/5/

2009

2/7/

2009

2/9/

2009

2/11

/200

9

2/1/

2010

2/3/

2010

2/5/

2010

2/7/

2010

Data

Tax

a a.

a. (

%)

(du

/252

)

NTN-B 2045 Fonte: ANBIMA. Elaboração Própria.

Outro ponto que merece ser enfatizado é o novo perfil da dívida pública federal,

com mais peso de títulos prefixados e indexados aos índices de preços e o alongamento

dos vencimentos. Esse novo cenário impõe a necessidade de uma conduta cada vez mais

profissionalizada dos gestores, com dirigentes mais qualificados e maiores

investimentos em modelos de riscos para evitar surpresas indesejadas aos proprietários

da poupança nacional.

Associado a esse processo, a maior diversificação dos agentes detentores de títulos

públicos, como exemplo os investidores internacionais acostumados com ativos mais

longos e taxas de juros mais baixas, ao mesmo tempo em que permitem melhorias no

mercado secundário e na precificação dos ativos (mercado mais profundo, com spreads

mais apertados, diminuição do movimento de “manada” e maior transparência) tendem

a levar as taxas para níveis mais próximos daquelas efetivadas nos mercados globais, ou

seja, mais baixas que a atuais. Logo, o processo de maior diversificação dos detentores

24

de títulos públicos leva a uma maior competição no mercado primário e secundário,

aumentando a eficiência e diminuindo custos.

O risco de reinvestimento e o novo perfil da dívida pública poderão não ser os

únicos problemas, mas a possibilidade de obter uma rentabilidade adequada para os

novos investimentos nesse cenário traçado está diretamente relacionada a uma mudança

de comportamento e paradigma no mercado financeiro nacional em direção a um

aumento dos fluxos para ativos mais longos e/ou com prêmios sobre os títulos públicos.

Contudo, esse movimento pode ser apenas uma saída temporária, dado que quedas mais

fortes de juros livre de risco podem levar aos investimentos de primeira linha ficarem

também abaixo da meta de rentabilidade das EFPC.

Neste caso o resultado é a possibilidade de inviabilização dos investimentos de

gestores institucionais, dado os elevados riscos, tanto de crédito (aumento de crédito

privado) quanto de mercado (alongamento dos investimentos exige do investidor menor

aversão a volatilidade e a perdas, característica culturalmente inversa à do poupador

brasileiro), que os mesmos deverão correr para fazer frente aos seus mandatos

superiores à 6% a.a. de juros real.

Novamente, a discussão passa por uma reavaliação das taxas de juros utilizadas

para calcular o valor presente dos passivos atuariais. Nesse sentido, uma estratégia de

movimento contínuo e suave dessa taxa para baixo de modo a aproximá-la de uma taxa

real equivalente a observada nos demais países pode ser iniciada desde já, enquanto os

juros brasileiros ainda encontram-se em patamares elevados, comparativamente com o

resto do mundo. Esse movimento tende a minimizar os custos para os participantes e

assistidos, dado que permite um ajuste entre ativos e passivos mais aderentes a realidade

da economia brasileira.

25

Cabe, por último, discutir a dificuldade de alguns investidores de longo prazo em

incorporar nas suas estratégias de longo prazo a administração de ativos e passivos de

forma conjunta (ALM). Como os fundos de pensão são investidores de longo prazo, que

apresentam como principal mandato gerir ativos para pagamento futuro de benefícios

previdenciários, uma análise apenas das taxas de curto prazo pode inviabilizar o

pagamento desses benefícios (comportamento comum em economias instáveis com alto

risco sistêmico, o que não é mais representativo para o Brasil).

Como observado na TAB. 10, uma entidade que estivesse apenas olhando para o

curto prazo em julho de 2008 (antes da crise do subprime nos EUA), período no qual o

Banco Central do Brasil sinalizava para uma continuidade da elevação da meta Selic ou

IMA-S (nesta data a taxa Selic já se encontrava em 12,25% a.a. e chegou a 13,75% a.a.

em setembro do mesmo ano), apesar de bater a taxa atuarial de 6% a.a. mais inflação

(IPCA) para 24 meses, não travou as excelentes taxas pagas pelos títulos públicos por

períodos longos suficientes para executar um bom ALM de suas carteiras. Além disso,

aqueles investidores com visão de curto prazo ainda tiveram rentabilidade inferior aos

que decidiram por implementar uma boa gestão de ativos e passivos e comprar taxa de

juros real ou IMA-B.

Mais uma vez, outra estratégia que pode evitar futuros problemas de ALM está

relacionado com uma revisão das taxas de atualização do passivo atuarial dado o novo

cenário da economia nacional. Outro método que merece ser incluído na agenda de

discussões da indústria é a estratégia de marcar a mercado o passivo da mesma forma

que alguns ativos são marcados atualmente e desenvolver uma contínua avaliação e

administração de ativos e passivos.

26

TABELA 10 – IMA-B e IMA-S.

Acumulado 12 Meses 24 Meses IMA-B 12,67 33,81 IMA-B 5 11,25 31,88 IMA-B 5+ 13,97 35,16 IMA-S 8,82 22,20 IPCA + 6% 11,13 16,47

Fonte: Anbima. Elaboração Própria.

Nota: Data de referência 01/7/2010. Dados

em termos percentuais.

5. Conclusão

As tendências de redução das taxas de mortalidade e das taxas de juros impõem

desafios às EFPC na administração dos planos de benefícios como: a necessidade de

abrir uma discussão sobre reavaliação de taxas atuariais, desenvolvimento de modelos

de risco que permitam melhores acompanhamentos dos riscos privados, maior

transparência para os participantes dos riscos de descontinuidade dos benefícios

acordados, entre outros. A adoção tardia de medidas para adaptação ao novo cenário

torna estas medidas mais onerosas, evidenciando-se como melhor prática a incorporação

de elementos no cálculo atuarial que tratem destas tendências, tais como os que foram

apresentados neste artigo.

Como tópico para reflexão, no que se refere ao risco de taxa de juros, além dos

incentivos da fiscalização, construídos pela metodologia de SBR/Supervisão Baseada

em Riscos, a regulação terá que estudar alternativas de:

(i) redução gradual da taxa máxima real de juros admitida nas projeções

atuariais do plano de benefícios, para numa estratégia de “descer a

escada”, uma diminuição de 25 pontos base por ano num horizonte de 4 a

6 anos (projeção entre 4 e 4,5%a.a para os próximos anos);

27

(ii) combinar a utilização do parâmetro da taxa de juros com a precificação de

títulos, valores mobiliários, imóveis e empréstimos:

1. para os portfólios financeiros marcados a mercado

também se permitiria a precificação do passivo atuarial

a valor de mercado (admitindo assim, taxa de juros reais

variáveis ao longo do tempo);

2. para as carteiras de investimentos com marcação pela

curva (títulos mantidos ao vencimento; precificação

pelo valor histórico, valor econômico; reavaliação

trianual dos imóveis) para todos os ativos financeiros a

imposição do limite quantitativo, com viés gradual de

redução, da taxa de juros reais.

A PREVIC, enquanto órgão de supervisão e objetivando assegurar a solvência e

equilíbrio dos planos de benefícios (art. 3º da LC 109, de 2001), está desenvolvendo seu

modelo de mapeamento de riscos a partir de critérios objetivos e levando em

consideração o porte da EFPC. Os critérios foram definidos a partir de elementos que

implicam em grandes riscos ao sistema. A partir deste mapeamento, os dirigentes das

EFPC terão mais uma ferramenta para avaliar o nível de risco atuarial de seus planos de

benefícios, útil em suas deliberações a respeito da atual exposição ao risco corresponde

à desejada, e quais riscos serão mitigados prioritariamente, e em que proporção.

6. Referências Bibliográficas

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2002. Rio de Janeiro, IPEA, texto para discussão 1018, maio, 2004.

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3. GARCIA, M. & SALOMÃO, J. Alongamento dos títulos de renda fixa no Brasil.

www.econ.puc-rio.br/mgarcia/, março, 2006.

4. KAYS, D. Impact of Mortality Table Projection Scales on Defined Benefit

Pension Plan Valuations. http://www.soa.org/files/pdf/Full%20Report.pdf.

5. KESSLER, E. Turning the tables – Mortality tables should reflect improving

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6. NETTO, D. Meio século de economia brasileira: desenvolvimento e restrição externa.

In: GIAMBIAGI. F.; VILLELA, A.; CASTRO, L. & HERMANN, J.. (Org.). Economia

brasileira contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 225-257.

7. PASDIKA, U. & WOLFF, J. Coping with Longevity: the New German Annuity

Valuation Table DAV 2004R. http://www.soa.org/library/monographs/retirement-

systems/living-to-100-and-beyond/2005/january/m-li05-1-xvi.pdf

8. SOCIETY OF ACTUARIES. The RP-2000 mortality tables.

http://www.soa.org/files/pdf/rp00_mortalitytables.pdf, July, 2000.