1. Walter Benjamin Obra de Arte na Época da sua Possibilidade de Reprodução Ténica

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    1/18

    z

    A OBRA DE ARTE NA EPOCA DA SUA POSSIBILIDADEDE REPRODUc;:Ao TECNICA

    < a versao>

    As Belas-Artes foram instituidas e os seus diferentes tipos fixadosnuma epoca que se distingue profUndamente da nossa e porhomens cujo poder sobre as coisas e as situtlfoes era insignificante quando comparado com 0 nosso. Mas 0 espantoso desenvolvimento dos meios ao nosso dispor no que se refire a sua capacidade de adptafao e precisao coloca-n05 num fUturo proximoperante transformafOes profUndas da arttiga industria do belo.Em todas as artes existe uma parte fisica que nao pode hoje servista nem tratada como antigamente que nao pode subtrair-seas injluencias da ciencia e da praxis modemas. Nem a materianem 0 espafo nem 0 tempo sao desde tl vinte anos aquilo quesempre haviam sido. E reciso estarmos preparados para aceitara ideia de que inovafOes desta dimensiio transformam toda atecnica das artes injluenciando assim 0 proprio nivel da invenfao e chegando finalmente talvez a modificar como que porartes mdgicas 0 proprio conceito de arte.PAUL VALERY, Pieces sur tart Paris [s.d.], pp. 103-104.

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    2/18

    2 8 Walter Benjamin

    S6 hoje e possive aferir a forma como isso aconteceu. Essa aferi

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    3/18

    21 Walter Benjamin

    II

    Por mais perfeita que seja a reprodu

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    4/18

    212 Walter Benjamin

    tos de massas dos nossos dias. 0 seu agente mais poderoso e 0 cinema.o seu significado social, mesmo na sua forma rna s positiva, e justamentenela, nao pode conceber-se sem 0 seu lado destrutivo, catartico: a liquidaIfao do valor de tradilfao da heranc;a cultural. Enos grandes filmes historicos que este fenomeno melhor se observa. Integra no seu dominio regioescada vez mais vastas. E quando, em 1927, Abel Gance exclamava entusiasmado Shakespeare, Rembrand t, Beethoven farao filmes Todas as lendas,mitologias e mitos, todos os fundadores de religioes, todas as religioesesperam a sua ressurreilfao na pelicula, e os hero s acotovelam-se jun to aosportoes para entrarem5, estava, sem querer, a apelar para uma liquidalfaoem grande escala.

    I I I

    Adentro de grandes perlodos histdricos transforma-se todo 0 modo deexistencia das sociedddes humanas, e com ele 0 seu modo de percepfiio. modo como se organiza a perceplfao humana - 0 meio por que se realiza - naoe apenas condicionado pela natureza, mas tambem pela histOria. A epocadas invasoes dos Barbaros, durante a qual nasceu a industria ardstica doBaixo Imperio Romano e 0 Genesis de Viena', teve nao so uma artediferente da dos Antigos, como tambern uma outra perceplfao. Os eruditos da Escola de Viena, Riegl e Wickhoffrl, que se ergueram contra 0 pesoda tradilfao classica, sob 0 qual aquela arte havia ficado enterrada, foramos primeiros a lembrar-se de tirar dela conclusoes quanto aorganizalfaoda perceplfao no tempo em que aquela arte dominava. Por muito grandeque Fosse 0 alcance dos seus conhecimentos, eles eram, no entanto, limitados pelo facto de que estes investigadores se contentavam em apontar as

    ; Abel Ganee, Le temps de I'image est venu., in: L art ci1limatographiqli' II, Paris, 1927. pp. 94-96.I Genesis de Viena: i1uminuras da Biblioteca Nacional de Viena (s.:culo VI), origimirias de Constanti

    nopla ou Antioquia. 0 fragmento que se conserva contem vime e quatro tolhas com quarenta e oito i1uminuras. 0 conjunto original devia ilustrar umas quatrocentas a quinhenras cenas do Genesis. N do 1.)

    A10is Riegl (1858-1905) e Franz Wickhoff (1853-1909): historiadores da arte que, nos come,osdo sCculo XX, renovam as tormas tradicionais da historiogratla da arte, assentes em criterios de valor estetieo imrinseeo, e se voltam para uma perspectiva histOrica. Ocupam- se partieularmente dos periodos de.decadencia. da arte (0 fim da Antiguidade), que interpretam, e da evoluc;ao do ornamento. N. do T)

    Estetica e Sociologia da Arte 21 3caracteristicas formais da percep

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    5/18

    214 Walter Benjamin

    ceu ao ponto de, por meio da reprodw;ao, ela atribuir tambem esse sentido aquilo que tem uma existencia unica. Assim se manifesta, no campoconcreto, aquilo que, no do minio da teo ria, se evidencia como a importincia crescente da estatistica. A orienta

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    6/18

    216 Walter Benjamin

    tirar urn grande numero de coplas; nao faz sentido interrogarmo-nossobre qual sera a autentica. Mas no momento em que 0 criterio de autenti-cidade deixa de ser aplicdvel a rodufiio da arte, entiio tambem toda a fun-fiio social da arte se transforma. A sua fondamentafiio ritualfstica serdsubstituida por uma fundamentafiio numa outra prdtica: a politica.

    v.A recepc,:ao de obras de arte processa-se com t6nicas diferentes, de que

    ressaltam duas, opostas. Uma e 0 valor de cuho, outra 0 valor de exposic,:aoda obra 10, II. A produc,:ao artistica comec,:a com criac,:6es ao servic,:o do cuho.

    111 Esta polaridade naL> pode encontrar plena expressao na esterica do idealismo, cujo conceiro de heleza, no fundo, a engloba como inseparavel (excluindo-a consequentcmen te enquanto sepadvel), No entanto,e1a esta presente em Hegel de uma maneira taO clara quanto isso e concebivel dentro dos limites do ideal;,;mo. Como elisse Hegel nas suas LifOtJ Sobre a FiloJo(za o Histaria: lmagel1$ ha muito que as havia: a devo~ a o eedo precisou delas para as suas ora,aes. mas nan precisava de imagen' l /,,s, que chegavam arornar-se-lhe inc6modas, Numa imagem hela existe tamhem algo de exterior: mas na medida em que e ela,este seu espirito apela para 0 homem: na ora

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    7/18

    218 Walter Benjamin

    coisa e certa: que actualmente a fotografia e 0 cinema sao os argumentosque melhor ilustram esta verdade.

    VI.

    Na fotografia, 0 valor de x p o s i ~ i i o c o m e ~ a a suplantar totalmente 0 valorde culto. Este, porem, nao desaparece sem resistencia. Possui uma ultimadefesa, que e 0 rosto humano. Nao e por acaso que 0 retrato ocupa umaposio central nos come

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    8/18

    220 Walter Benjamin

    ficado escapou ainda durante muito tempo ao seculo XX, que assistiu aodesenvolvimento do cinema.

    Se anteriormente se tinha gasto muita perspicacia inutil para resolver aquestiio de saber se a fotografia seria ou niio uma arte - sem primeiro se terperguntado se a descoberta da fotografia niio teria alterado totalmente a natu-reza da arte - em breve os teoricos do cinema retomaram a mesma questiioprematura. Mas as dificuldades que a fotografia havia colocado a esteticatradicional eram uma brincadeira, comparadas com as que 0 cinema lhepreparava. Oa{ a violencia cega que caracteriza os c o m e ~ o s da teoria docinema. Assim, Abel Gance, por exemplo, c om para 0 cinema com os hieroglifos: Em consequencia de urn retrocesso alta mente est ranho, fomosparar ao nlvel de expressao dos eg{pcios .. . A linguagem visual ainda nao

    a l c a n ~ o u a p e r f e i ~ a o porque os nossos olhos ainda nao estao preparadospara ela. Ainda nao ha c o n s i d e r a ~ a o nem culto suficientes por aquilo quenela se exprime.13 Severin-Mars escreve: A que arte estava destinadourn sonho ... simultaneamente mais poetico e mais real? Encarado desteponto de, vista, 0 cinema representaria urn meio de expressao incomparavel, e na sua atmosfera so deveriam movimentar-se pessoas de pensamento superior nos momentos mais perfeitos e misteriosos da sua vida.14Alexandre Arnoux, por sua vez, conclui uma fantasia sobre 0 cinemamudo com a pergunta: Nao deveriam todas as d e s c r i ~ o e s ousadas de quenos servimos it desembocar na d e f i n i ~ a o de o r a ~ a o ? 1 5 Emuito elucidativo observar como os e s f o r ~ o s para fazer entrar 0 cinema no dom{nio daarte obrigam estes teoticos a meter nele a o r ~ a com uma brutalidadesem igual, elementos rituais. E, no entanto, na altura em que estas espe

    c u l a ~ o e s foram publicadas, ja existiam obras como L'opinion publique eLa rUfe vel's i'or'. Isto nao impede Abel Gance de recorrer a o m p a r a ~ a ocom os hieroglifos, e Severin-Mars fala do cinema como se poderia falarde quadros de Fra Angelico. 0 que e caracterfstico e que ainda hoje auto-

    l Abel Canee, op. cit., pp. 100-IOI.4 ApudAbel Canee op. cit p. 100.

    1\ Alexandrre Arnoux, Cinema, Patis, 1929, p. 28.I Benjamin eita os titulos em francees. [ opinioll publique: filme de Chaplin (de 1923), eujo dtulo

    ingles eA Woman o(Paris; La ruee ven 1'01' A Quimera do Ouro (The Gold R1I5/;), um dos filmes Olais celebres de Chaplin. de 1925. N. do T

    Esterica e Sociologia da Arte 221

    res particularmente reaccionanos procuram 0 significado do cinema namesma d i r e c ~ a o se nao mesmo no sagrado, pelo menos no sobrenatural.Por ocasiao do filme de Reinhardt sobre 0 Sonho de Uma Noite de Veriio,Werfel t constata que e sem duvida a copia esteril do mundo exterior, comas suas ruas, interiores, e s t a ~ o e s de caminho-de-ferro, restaurantes, automoveis e praias, que tern impedido a ascensao do cinema ate ao dom{nioda ane. 0 cinema ainda nao a l c a n ~ o u 0 seu verdadeiro sentido, as suasverdadeiras possibilidades... , que consistem numa capacidade sem par deexprimir, com meios naturais e com incompadvel poder de c o n v i c ~ a o 0feerico,o maravilhoso, 0 sobrenaturab l6 .

    VIII .

    A arte do actor e apresentada ao pliblico definitivamente atraves dasua propria pessoa; 0 actor de cinema, pelo contrario, apresenta-se aopublico atraves de todo urn conjunto de aparelhos. Isto tern duas consequencias. A aparelhagem que leva ao publico a arte do actor de cinemanao e obrigada a respeitar esta arte como totalidade. Sob a o r i e n t a ~ a o dooperador, ela toma continuamente p o s i ~ a o perante esta arte. Ea sequencia destas tomadas de p o s i ~ a o que 0 montador compoe a partir do material que the e fornecido, que constitui 0 filme completo. 0 filme abrangeurn ceno numero de momentos de movimento que tern de ser captadoscomo tais pela camara - para ja nao falar de focagens especiais como os

    I Max Reinhardt I873-1943) e urn dos maiores nomes do teatro alemao da primeiras decadas doewlo )CX, actor e encenadar com particular incidencia em Shakespeare. 0 SOll/;o de Uma Naite tU Verdo [oi

    encenado par de doze vezes para 0 tcatro. Franz Werlel I890-1945): poeta ausrriaco do Expressionismopatetico e mistico, ati rudes que rran spatecem tarn bern na sua c o n e e p ~ a o do cinema. J:i em 1931 Werfelescrevia urn cnsaio em que critica 0 matcrialismo e 0 americanismo) do Stu tempo: INa insonJavei poli-tonia de otientac;6es da corrente da vida, a cinema tera talvez urn papel inesperado. Talvez mais tatde venha

    ser conheci o como 0 meio mais podcroso para impulsionar a revolw;ao interior contra 0 materialismo( .. ) 0 papel que a cinema poderia desempenhar como guia de uma consrruc,:ao espiritual edemonsrradopela uniea exeepc,:ao que temos: Chaplin .. (E Werld, Realismlls lind nnerlichkeit [Realismo elnterioridade]' BerlimNienaiLeipzig, P 7 ~ s o l n a y 1932 . (N. do T

    ii Franz Werfel, Ein Sommernachrsrraum. Ein Film von Shakespeare und Reinhardt. [Sonho deVOla Noite de Yerao. VOl filme de Shakespeare e ReinhardtJ. Neues Wiener Journal, cit. de [u 15 deNovembro de 1935.

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    9/18

    222 Walter Benjamin

    grandes pIanos. Oeste modo, 0 trabalho do actor fica sujeito a uma serie detestes opticos. Eesta a primeira consequencia da circunstancia de a arte doactor de cinema ser veiculada atraves de urn conjunto de aparelhos. A segunda consequencia reside no facto de 0 actor de cinema, que nao apresenta a sua arte directamente ao publico, perder a possibilidade, facuhada aoactor de teatro, de ir adaptando a sua arte ao publico durante a representa

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    10/18

    4 Walter Benjamin

    que representa no palco mete-se dentro dd sua personagem. Ao actor de cinemaisso emuitas vezes recusado. A sua cria

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    11/18

    226 Walter Benjamin

    contemporaneo, em certos casos, pode incentivar para alem disto a criticarevolucionaria das relas:6es sociais, ate mesmo das relas:6es de propriedade. Nao e, porem, aqui que se situa 0 centro de gravidade da presenteanalise, como tambem nao e este 0 ponto fulcral da produs:ao cinematografica da Europa Ocidental.A tecnica do cinema, como a do desporto, caracteriza-se pelo factode as pessoas que assistem as suas performances 0 fazerem na qualidade desemi-especialistas. Basta ter ouvido uma vez urn grupo de ardinas, encostados as bicicletas, a discutir os resultados de uma prova de ciclismo, paracompreendermos estes factos. Nao e gratuit amente que os editores dejomais organizam carridas para os seus ardinas, que despertam grandeinteresse entre os participantes. Eque ao vencedor das provas se abre apossibilidade de ser promovido de ardina a corredor. Assim, par exemplo,as actualidades cinematograficas semanais dao a todos a possibilidade deserem promovidos de transeunte a figurante. Poderao ate talvez aparecernuma obra de arte - veja-se 0 filme de Wertoff Tres Canroes sobre Lenineou 0 de Ivens BorinageI Qualquer pessoa pode hoje reclamar-se 0 direitoa ser filmado. Uma vista de olhos pela situas:ao historica da literaturacontemporanea ilustrad. da melhor forma este direito

    Ao longo de varios seculos, a situas:ao da literatura era tal que urnnumero reduzido de pessoas que escreviam era lido por muitos milharesde leitores. Em fins do seculo passado algo se transformou. Com a crescente expansao da imprensa, que cada vez mais colocava a disposis:ao dosleitores novos orgaos polfticos, religiosos, cientfficos, profissionais e 10-cais, sectores cada vez mais amplos de leitores - primeiro isoladamente -passaram a pertencer ao grupo dos que escreviam. Tudo comes:ou quando

    I Dsiga Wertoff (1896-1954): realizador sovietico da primeira fase da r e v o l u ~ o rejeita 0 filme def i c ~ o para utilizar a sua teenica do olho da camara e assim captar a vida tal como e, realizando algunsfilmes formalmeme conseguidos e que constituem documemos politicos empenhados. 0 filme referido ede 1934. Joris Ivens (1898-19 89) e urn realizador holandes que, depois de urn c o m e ~ o de carreira em quefaz sobretudo curtas-metragens, se volta para 0 cinema politico no pedodo do v n ~ do nazismo e realiza em 1933, com 0 belga Henri Storck. 0 filme referido por Benjamin, em que trata uma greve de minei-ros na BeIgica.A problematica abordada no paragrafo seguime - a t r n s f o r m ~ o qualitativa do publico leitoratraves sobretudo da importitncia adquirida pela imprensa - e mais pormenorizada meme desenvolvidapor Benjamin no ensaio ..0 Autor como produtor, incluido neste volume. N. do T

    Estetica e Sociologia da Arte 227

    a imprensa diaria lhes abriu 0 seu Correio dos Leitores, e hoje em diapraticamente nao ha nenhum europeu inserido no processo produtivoque, em principio, nao tenha a possibilidade de publicar em qualquerlado uma experiencia de trabalho, uma queixa, uma reportagem ou coisasdo genero. E assim que a diferens:a entre autor e publico esta prestes aperder as suas caracteristicas essenciais. Toma-se uma diferens:a funcional,podendo variar de caso para caso. 0 leitor esta a todo 0 momenta preparado para se tomar urn escritor. Tendo-se visto obrigado, a bern ou a mal,a tomar-se perito num processo de trabalho altamente especializado -mesmo quando se trata de uma tarefa de pouca importancia - ele ganhaacesso a qualidade de auror. Na Uniao Sovietica e 0 proprio trabalho quetern a palavra. E a sua representas:ao pela palavra constitui uma parte dacapacidade que e necessaria a sua execus:ao. A competencia literaria janao se fundamenta numa formas:ao especializada, mas sim politecnica, etorna-se assim urn bern comum21 . Tudo isto se pode transpor sem hesita-

    21 Perde-se 0 car,icter de privil egio das respe ctivas tt cnicas. AJdous Huxley escreve: os progressostecnicos .. conduziram avulgaridade .. as possibilidades de reprodUl;ao teenica e a rotativa possibilitaram uma m u l t i p l i c ~ o imprevisivel da escrita e da imagem. A escolaridade geral obriga t6ria e os ordenados relativameme elevados criaram urn publico muito vasto que sabe ler e pode adquirir material deleitura e ilustrado. Para produzir tudo isto foi criada uma industria importante. 0 talemo artistico,pon:m, e algo de muito raro; segue-se ... que sempre e em toda a parte a maior parte da p r o u ~ o artistica foi de qualidade inferior. Mas hoje em dia a percemagem de sucata no total da p r o d u ~ o artistica emaior do que nunca ... Estamos perante urn simples facto aritm< tico. No decorrer do s< culo passado, a

    p o p u l ~ o da Europa Ocidemal aumemou mais do dobra. Mas 0 material de leitura e a i l u s t r ~ o cresceram, tamo quamo posso avaliar, pelo menos na r e l ~ o de 1 para 20, talvez para 50 ou ate para 100. Seuma p o p u l ~ o de x milhoes tern n talemos artisticos, uma p o p u l ~ o de 2x mil hoes ted provavelmente2n talemos artisticos. Ora, a s i t u ~ o pode resumir-se como se segue: enquamo ha cern anos se publicavauma pagina impressa com textos e i l u s t r a ~ o e s hoje em dia publicam-se vime, se nao mesmo cern paginasdessas. Enquanto, por outro lado, ha cern anos havia urn talemo artistico, hoje ha dois. Admito que, emconsequencia da escolaridade geral obrigat6ria, urn grande numero de talemos virtuais, que antigamemenao poderiam ter desenvolvido os seus dotes, possam hoje tornar-se produtivos. Partamos, portanto, doprincipio .. de que hoje ha tres ou mesmo quatro talemos artisticos para urn de amigameme. Nem porisso e menos evideme que 0 consumo de material de leituta e l u s t r ~ o e s impressas u1trapassou em muiroa p r o u ~ o natural de escritores e desenhadores dotados. Com 0 material auditivo a s i t u ~ o nao e difereme. A prosperidade, 0 gramofone e a radio criaram urn publico cujo con sumo de material musical estafora de qualquer r e l ~ o com 0 crescimemo da p o p u l ~ o e consequemememe com 0 aumemo normalde musicos de talemo. Segue-se, portamo, que em todas as artes, quer em termos absolutos, quer relativos, a p r o u ~ o de sucata e maior que amigameme; e assim cominuara a ser, enquamo as pessoas consumirem, como agora, material de leitura, auditivo e ilustrado em p r o p o r ~ i i e s anormais. (AJdous Huxley,Croisiere d hiver Voyage en merique Centrale (1933). Trad. de Jules Castier, Paris, 1935, pp. 273-275.)Esta analise nao e evidemememe, progressista.

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    12/18

    228 Walter Benjamin

    c;oes para 0 cinema, em que certas modificac;oes, que leva ram seculos a realizar-se na literatura, se efectuaram no decorrer de uma decada. Na pd.ticacinematograflca - sobretudo na russa - esta modificac;ao ja foi em parteconcretizada. Alguns dos interpretes que surgem nos filmes russos nao saointerpretes no nosso sentido, mas sim pessoas que se representam a si proprias l - e antes de mais no seu processo de trabalho. Na Europa Oeidental aexplorac;ao capitalista do cinema impede que se leve em conta 0 legftimodireito que 0 homem de hoje tern de se ver reproduzido na arte. Nestascondic;oes, a industria do cinema tern todo 0 interesse em instigar a participac;ao das massas atraves de concepc;oes ilusorias e especulac;oes ambfguas.

    XI.

    Urn filme, sobretudo urn filme sonoro, oferece urn especraculo quenunca se poderia imaginar anteriormente. Trata-se de urn processo emque nao ha ja urn unico ponto de vista a partir do qual os auxiliares estranhos a propria acc;ao - aparelhagem de iluminac;ao, corpo de assistentes,etc. - nao caiam no campo visual do espectador (a nao ser que a pupilado espectador coincidisse com a objectiva). Esta circunsrancia, mais quequalquer outra, torna superficial e insignificante qualquer comparac;aoentre uma cena nos estudios e no palco. 0 teatro eonheee, em principio,o ponto em que nao e fieil apercebermo-nos do earaeter ilusorio daaec;ao. Perante uma eena filmada este ponto nao existe. A sua naturezailusoria e uma natureza de segundo grau; e 0 resultado da montagem.Isto e: no estudio a aparelhagem penetrou tdo profundamente na realidadeque seu aspecto puro liberto do corpo estranho constituido pela aparelhagem e resultado de um procedimento especial nomeadamente do planofotografodo pela camara especialmente focada e sua montagem com outrasimagens do mesmo genero. A realidade liberta da aparelhagem atingiu aqui

    I A importancia a ~ s u m i d a pelo cinema russo p6s-revolucionario como arte colectiva que vai aoenconrro dos novos modos de produ

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    13/18

    Walter Benjamin

    gue captar 0 lado da realidade liberto de todo e qualquer aparelho 0 que 0homem tem 0 direito de esperar da obra de arte - precisamente devido apenetrar;ao intensiva dessa realidade pelos aparelhos.

    XII .

    A reprodur;ao tecnica da obra de arte transforma a relar;ao d s massas coma arte. Uma relar;iio 0 mais retr6grada possivel por exemplo diante de um Picasso pode transformar-se na mais progressista por exemplo diante de um Chaplin.Aqui, a reacC;ao progressista caracteriza-se pelo facto de 0 prazer da observac;ao e da vivencia estar directa e intimamente associado aatitude do perito.Talligac;ao e urn indicio social importante: quanto mais diminuir 0 significado social de uma arte, tanto mais hayed. no publico urn divorcio entrea atitude critica e 0 prazer - como se prova nitidamente com a pintura.o convencional e apreciado sem sentido critico, aquilo que e verdadeiramente novo critica-se com rna vontade. No cinema, a atitude critica e deprazer do publico coincidem. E a circunstancia decisiva neste caso e a se-guinte: em parte alguma, mais do que no cinema, as reacc;oes dos indivlduos, cuja soma constitui a reacc;ao em massa do publico, se mostram apartida condicionadas pela sua massificac;ao iminente. E na medida em quese manifestam, controlam-se. Tambem neste caso e util a comparac;ao coma pintura. Urn quadro so se podia oferecer acontemplac;ao de urn indivlduo ou de urn pequeno grupo. A contemplac;ao de quadros por muitas pessoas simultaneamente, como se verifica no seculo XIX, e urn dos primeirossintomas da crise da pintura, que nao foi de modo algum desencadeadaunicamente pela fotografia, mas surgiu relativamente independente desta,pela tendencia de levar a obra de arte ate as massas.De facta, 0 quadro nao tern condic;oes para ser objecto de uma recepC ao colectiva simulranea, como sempre foi 0 caso da arquitectura I como

    I Benjamin atrribui aarquitectura um pape fundamental como forma de arte que he permite documentar aquilo a que, numa das variantes do capitulo XVIII da primeira versao do ensaio sobre A obra dearte .. , chama a recepc;ao na elistracc;ao, isto e nao reflexiva e nao contemplativa. e pelo colectivo, colocando-a a par da do reclamo, que nao distingue da arte. Torna-se aqui visivel a oposic;ao existente entre as

    c o n c e p ~ e s de Benjamin (ou tambem Brecht) nos anos trinta e as da Teoria critica da Escola de Frankfun

    Estetica e Sociologia da Arte

    aconteceu antigamente com a epopeia, como acontece hoje em dia com 0cinema, E por muito poucas conclusoes que desta circunsrancia espedficase possam tirar acerca do papel social da pintura, ela funciona como urnpesado entrave no momenta em que a pintura, devido a determinadoscondicionalismos, e de certo modo contra a sua natureza, se ve directamente confrontada com as massas. Nas igrejas enos mosteiros da IdadeMedia e nas cortes dos principes ate finais do seculo XVIII, a recepc;aocolectiva de quadros nao se efectuava em comum, mas por urn processomediador multiplamente escalonado e hierarquizado. 0 facto de a situac;ao se ter modificado traz a uperficie 0 conflito especial em que a pintura foi envolvida devido apossibilidade de reproduc;ao tecnica do quadro.Mesmo quando se procedeu a ua exposic;ao para as massas em galerias esaloes nao se encontrou mane ra de as massas se poderem organizar econtrolar perante essa nova forma de recepc;a0 Assim, 0 mesmo publico, que reage de urn modo progressista perante urn filme grotesco, assume uma atitude retrograda perante 0 surrealismo.

    sobre 0 problema da situac;ao da arte perante 0 desenvolvimento tecnologico e economico e os novos meiosde produc;ao que da resultam a tecnica e a su a utilizac;ao tambem na produc;ao artistica). Enquanto paraBenJamIn e Brecht - nos anos trinta, e eno - esse desenvolvimento dos meios de produc;ao implica umatransformac;ao radical do conceito traelicional de arte e da sua autonomia, para Adorno e Marcuse as duasesferas a da arte e a da industria da cultura) sao visras como distintas e mesmo inconciliaveis: a arte mantern a sua autonomia (re ativa, em bora) e a tecnicizac;ao da obra de arte (em que Brecht e Benjaminpunham tanras e s p e r a n ~ leva a liminac;ao da arte. No ambito da indUstria da cultura do neocapitalismo, com a sua enorme capacidade de integrac;ao, a arte so podera subsistir como

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    14/18

    23 2 Walter Benjamin

    XIII

    o cinema caracteriza-se nao s6 pelo modo como 0 homem se apresenta perante a aparelhagem, mas tambem pelo modo como, com a ajucia desta, ele se representa 0 mundo circundante. Bastou lanr;:ar urn olhar para apsicologia das performances para verificar a capacidade que a aparelhagemtern de avaliar. A psicanalise permite ilustrar essa mesma capacidade deoutra perspectiva. De facto, 0 cinema enriqueceu 0 mundo da nossa percep

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    15/18

    234 Walter Benjamin

    segundo a disposi

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    16/18

    Walter Benjamin

    de August Stramm l , termos tempo para nos concentrarmos e aprecia-loscomo diante de urn quadro de Derain ou de urn poema de Rilke. Amedita

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    17/18

    Walter Benjamin

    Aqui e preciso olhar para as coisas m is de perto. Distrao;ao e concentrac;aoopoem-se de urna forma a que se pode d r a seguinte formulac;ao: aqueleque se concentra diante da obra de arte mergulha nela; e absorvido por essaobra, como aconteceu, segundo a lenda, a urn pintor chines ao ver seuquadro concluido. Pelo conmirio, as massas, pela sua pr6pria distrac

  • 8/14/2019 1. Walter Benjamin Obra de Arte na poca da sua Possibilidade de Reproduo Tnica

    18/18

    24 Walter Benjamin

    Todos s esforros de estetizarao ria politica culminam num ponto. Esteponto e guerra. Ea guerra e so a guerra que t orna possivel dar uma finalidade aos mais amp os movimentos de massas, conservando as rela